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Aula 3 - Formação Do Léxico Português PDF
Aula 3 - Formação Do Léxico Português PDF
CONTEUDISTAS:
Ana Claudia Machado Teixeira
Luciana Sanchez Mendes
Nadja Pattresi de Souza e Silva
José Carlos Gonçalves
META
Nesta aula, refletiremos sobre a formação do léxico da língua portuguesa tanto do ponto de
vista diacrônico quanto do sincrônico.
OBJETIVOS
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
INTRODUÇÃO
Afinal, o que é léxico? O léxico de uma língua é o conjunto ilimitado e aberto de todas as
suas palavras com significado possível. No geral, os estudos gramaticais e linguísticos não
se aprofundam muito na investigação do léxico de uma língua por considerá-lo um domínio
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de regras arbitrárias, isto é, por considerá-lo um domínio de regras nem sempre previsíveis.
No entanto, “o léxico apresenta um alto teor de regularidade e é um componente
fundamental da organização linguística, tanto do ponto de vista semântico e gramatical
quanto do ponto de vista textual e estilístico” (BASILIO, 2013).
Como vimos, o léxico de uma língua não é um conjunto fechado e imutável. Sempre
precisamos de novas palavras para designar novas coisas e novos conceitos. Nesse sentido,
diz-se que o léxico é dinâmico, isto é, em estado de contínua mudança e variação. Muitas
causas concorrem para essa variação e mudança. A título de exemplificação, citamos o
avanço da tecnologia que nos estimula a ampliar nosso conjunto de palavras disponíveis
para dar conta dessas novas situações de uso.
BOXE CURIOSIDADE
É curioso como pode ser imprevisível o percurso de uma palavra. O verbo “deletar” em
português foi criado a partir de uma palavra inglesa de origem latina! “Delete” vem do
verbo “dēlēre” em latim que passou para o francês e para o inglês mas não permaneceu em
português como verbo, entrando na língua mais tarde por via de empréstimo. Em português,
o termo ficou presente no adjetivo “deletério”, mas com o sentido um pouco alterado,
significando “destrutivo”, “nocivo”.
FIM DO BOXE CURIOSIDADE
E como seria possível incrementar, isto é, expandir, aumentar, especializar, o léxico de uma
língua? Vamos supor que o léxico da língua fosse um catálogo de senhas que identificasse
cada uma das palavras (e elementos morfológicos) por uma combinação de números, letras
e sinais diferentes. Nossa memória suportaria tamanha diversidade e originalidade?
Conseguiríamos memorizar todas essas combinações? Isso é muito dispendioso para nossa
memória!
O sistema linguístico funciona de outra forma, utilizando como recurso certas regras
padronizadas que são como receitas para a formação de novas palavras. E essas receitas
sempre reutilizam material linguístico, ou seja, sons, morfemas, palavras, estruturas já
existentes na língua, o que torna esse processo muito menos custoso.
Vamos relembrar quais são as receitas básicas para formar novas palavras em uma língua.
Você certamente se lembra de ter estudado nos primeiros anos escolares, os processos de
composição e de derivação.
Veja como isso torna o sistema econômico e produtivo! Temos duas palavras ou radicais já
existentes no léxico de uma língua que, quando são somadas, designam uma nova coisa ou
um novo conceito.
A derivação, por sua vez, é o método de criação de novas palavras com o uso de afixos
(prefixos ou sufixos) que são adicionados a um radical. O radical de uma palavra é a parte
que mantém seu significado básico. Por exemplo, o radical da palavra “pedra” é “pedr-”
que pode derivar, por exemplo, “pedraria”. Veja abaixo exemplos de palavras derivadas
atentando para os afixos em negrito.
Exemplos:
- prefixação: desconfortável, infeliz, rever;
- sufixação: papelaria, pedreiro;
- parassíntese (prefixo e sufixo ao mesmo tempo): entardecer
BOXE DE EXPLICAÇÃO
A partir do novo Acordo Ortográfico, precisamos atentar para os casos em que a utilização
do hífen é ou não prescrita. Isso acontece, por exemplo, na palavra micro-ondas. Antes do
acordo, a orientação era de que escrevêssemos sem hífen „microondas‟, depois do acordo a
regra geral para essa palavra, bem como para outras que são formadas por prefixos
terminados em vogal, é de serem grafadas com hífen caso a palavra posterior seja iniciada
pela mesma vogal ou pela letra „h‟. Para conhecer as exceções a essa regra geral, consulte
Bechara (2008).
FIM DO BOXE DE EXPLICAÇÃO
É importante notar que a derivação é regida por regras que operam dentro do sistema
linguístico. Dessa forma, sabemos que o contrário de 'confortável' é 'desconfortável' e não
'inconfortável'. Essas regras atuam especialmente na formação de novas palavras a partir de
neologismos. Por exemplo, em português, novos verbos são criados sempre na primeira
conjugação, com o sufixo 'ar'. Dessa forma, temos 'download' – 'downlodar', 'delet' –
'deletar', 'reset' – 'resetar', 'start' – 'estartar', etc.
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Em geral, o processo de derivação gera mudança de classe gramatical pela própria função
do léxico: designar entidades e eventos do mundo e participar da produção de enunciados
e textos. Aliás, as palavras mudam de classe para figurar em situações que equivalem a
funções distintas: a gramatical e a semântica. Na primeira, a palavra se integra a outra
classe gramatical. Já na segunda, aproveita-se a ideia expressa por uma palavra de uma
classe em um termo de outra classe.
a) Meu amorzinho, venha almoçar (uma mãe se dirigindo a um filho, por exemplo).
b) Comprei um sapatinho vagabundo. Meu pé está cheio de bolhas (enfatiza-se a falta de
qualidade e conforto do sapato).
É muito comum, ainda, o emprego do “-inho” na interação para suavizar a força de uma
palavra e da frase em que aparece, caracterizando uma forma mais polida e menos
agressiva de expressão:
Além disso, alguns sufixos que formam substantivos a partir de verbos (-ção) ou de
adjetivos (-ice/-agem), ou que formam adjetivos a partir de substantivos (-udo), expressam,
via de regra, ideia pejorativa em exemplos como “falação”, “chateação”, “breguice”,
“picaretagem”, “orelhudo” e “narigudo”.
Exemplo:
Professores e alunos criticaram o comportamento da direção da escola quanto à
distribuição das verbas públicas. A crítica acabou levando a uma crise entre a direção e os
demais integrantes da escola.
Por fim, há também interessantes formações que se apresentam como formas híbridas ou
hibridismos em português, pois misturam elementos de línguas diferentes. Entre elas,
podemos elencar as seguintes palavras: burocracia (“bureau” do francês + “cracia” do
grego) e televisão (“tele” do grego + “visão” do português).
ATIVIDADE 01
Considerando o emprego dos sufixos destacados, explique o sentido e o valor que assumem
em cada caso:
a) Nunca gostei do seu comportamento: que mulherzinha aquela!
b) Meu filho, você já fez o dever de casa direitinho?
c) Ninguém a chamava de gorda. Diziam apenas que ela era fofinha.
d) O professor pediu que os alunos falassem baixinho.
e) “Vera Lúcia sempre foi bonita quando jovem, mas agora está um mulherão!”. Isso é o
que todos os antigos vizinhos dizem sempre que a veem.
Resposta comentada:
Em todos os casos, o importante é perceber que os sufixos “-inho” e “-ão” não são
empregados para indicar dimensão menor ou maior, no uso tradicional do diminutivo e do
aumentativo. Nos itens, em geral, os sufixos indicam uma atitude do falante, uma avaliação
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positiva ou negativa, diante da pessoa com quem se fala ou do assunto de que se fala.
Assim, em a, tem-se um julgamento negativo a respeito da mulher, que é descrita como
alguém que não se pode tolerar. Em b, além da ideia de afetividade envolvida na fala da
mãe dirigida ao filho, há também, assim como em c e d, uma tentativa de minimizar, de
amenizar uma pergunta, um pedido ou um comentário que pudesse parecer negativo,
agressivo ou pejorativo. Por fim, em e, o emprego do sufixo traz grande expressividade e
enfatiza a exuberância da mulher e de seus atributos físicos.
Fazer um percurso pela história da língua portuguesa nos ajudará a traçar um panorama
geral da origem do conjunto de palavras da nossa língua. Sabemos que o português é uma
língua derivada do latim, mais especificamente de sua modalidade popular, o chamado
latim vulgar.
VERBETE
Latim vulgar é a modalidade do latim falado da qual derivam as línguas românicas tais
como o português, o espanhol, o francês, o italiano, o romeno, entre outras.
FIM DO VERBETE
Logo, é de se esperar que grande parte das palavras do português tenha origem latina. No
entanto, conforme apontam Ilari e Basso (2014), não reconhecemos, nas línguas românicas
atuais, muitas propriedades marcantes do latim, tais como as declinações e as construções
gramaticais sintéticas. Isso se deve ao fato de que é ao latim clássico que temos acesso nos
cursos regulares e por meio da literatura e que se tornou uma referência cultural, enquanto
que, como vimos, as línguas românicas derivam do latim vulgar. Com o léxico, não seria
diferente. Por conta disso, temos palavras em português tais como casa e espada, que se
distanciam das palavras domus e gladium do latim vulgar. Curiosamente, gladium ficou
presente no registro formal do português na palavra degladiar.
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Como podemos perceber, desde os tempos do latim temos uma distinção entre o clássico e
o vulgar. Vários são os fenômenos que demonstram as variedades do português
contemporâneo, por isso trataremos deles mais detalhadamente nas unidades 4, 5, 6 e 7
desta disciplina.
Além disso, nem todas as palavras do português que derivaram do latim têm o mesmo
significado de antigamente. Pode acontecer de uma palavra ter seu significado alterado ao
longo do tempo. Por exemplo, a palavra 'santo' tem origem no verbo latino 'sanctus', que
significa 'proibir', ou seja, aquilo que, por questões religiosas, não pode ser tocado. Já em
português, o significado passou a ser usado para designar um sujeito de conduta virtuosa.
Ademais, o vocabulário da nossa língua conta com muitas palavras de outras origens além
da latina, tais como a africana, a árabe e a grega, que foram incorporadas ao longo do
tempo, como se verá mais abaixo. A etimologia, aliás, é uma área de estudo que ajuda a
traçar as origens das palavras.
VERBETE
Etimologia é a área dos estudos de linguagem em que se pesquisa a origem e a evolução
das palavras.
Para saber mais, consulte o site: <http://origemdapalavra.com.br/site/>.
FIM DO VERBETE
VERBETE
A Península Ibérica é região no sudoeste da Europa formada pelos países de Portugal,
Espanha, Andorra e uma pequena parte da França.
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FIM DO VERBETE
BOXE CURIOSIDADE
É interessante notar que, embora a palavra 'guerra' que utilizamos tenha origem germânica,
o termo latino para guerra 'bellum' permaneceu no idioma no adjetivo 'bélico'. Esse é um
caso parecido com o que vimos acima com 'delete' em que o termo latino permaneceu na
língua em 'deletério'.
FIM DO BOXE CURIOSIDADE
Após a queda do Império no século V d.C., o latim presente na região romanizada sofreu
um processo de dialetação que levaria à formação dos romances que compreendem o
período de transição e especialização das diferentes línguas românicas. Já no século VIII
d.C., a Península Ibérica foi mais uma vez invadida. Dessa vez, pelos árabes. A influência
do árabe no léxico do português é bastante significativa. Segundo Zaidan (2011), estima-se
que cerca de mil palavras do português tenham origem árabe. Alguns exemplos:
'algarismo', 'algodão', 'arroz', 'alface', 'alicate', 'aldeia', 'azulejo', 'almofada, 'alcachofra',
'azeite', 'açúcar', 'alfândega', 'alfinete', 'algebra', 'alvará' e 'zero'.
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Com o período das grandes navegações, o léxico do português ganhou palavras de diversos
continentes. 'Zebra' do etíope, 'chá' do mandarim e 'canja' do malabar (falada na Índia e no
Sri-Lanka) são alguns exemplos. Nas Américas, a língua ganhou termos como 'cacau' do
nahuatl e 'chocolate' do asteca, faladas na região onde hoje é o México.
O contato com línguas indígenas no Brasil-Colônia foi intenso. Embora a língua oficial
fosse o português, as línguas dos nativos despertaram grande interesse, sobretudo dos
padres dedicados à catequese católica. Nesse contexto, emergem, a partir do século XVI, as
línguas gerais com origem no tupi antigo falado na costa do Brasil que passam a ser
adotadas por colonizadores e colonizados. As línguas gerais tiveram um papel muito
importante na sociedade da colônia até o ano de 1757, quando Marquês de Pombal decretou
que o português deveria ser a única língua praticada no ensino. Nas aulas sobre variação
linguísticas, unidades 4, 5, 6 e 7, discutiremos de forma mais detalhada fenômenos como
contato linguístico.
Nas décadas iniciais do século XVI, predominavam as vozes indígenas com a indianização
do colonizador e a ameaça constante de outras línguas européias trazidas, notadamente, por
franceses, espanhóis e holandeses. Como se sabe, a grande luta travada pelos colonizadores
portugueses, nos primeiros tempos da colonização do Brasil, não foi contra os indígenas,
mas contra europeus em suas constantes incursões à nova terra americana.
A língua geral era hegemônica, sendo usada por todas as camadas sociais, passando do
domínio privado para o público e, apenas aí, encontrando alguma resistência da língua
portuguesa. No espaço doméstico, as índias, unindo-se a portugueses e mamelucos,
transmitiam por sucessivas gerações não só a língua, mas os costumes, enfim, uma cultura.
Como exemplos, relata-nos Sérgio Buarque de Holanda sobre alguns depoimentos da
época:
Um deles é o inventário de Brás Esteves Leme, publicado pelo Arquivo do Estado de São
Paulo. Ao fazer-se o referido inventário, o juiz de órfãos precisou dar juramento a Álvaro
Neto, prático na língua da terra, a fim de poder compreender as declarações de Luzia
Esteves, filha do defunto, „por não saber falar bem a língua portuguesa‟.
Fator importante de reforço da língua geral no espaço doméstico era a escravidão indígena.
O português estava restrito aos documentos oficiais que, contudo, deveriam ser
comunicados à população em língua geral, para que pudessem ser entendidos. Não por
outro motivo sabemos que foram freqüentes os pedidos das autoridades portuguesas para
que se enviassem à capitania vigários versados na língua dos índios.
Tal situação levou a Coroa portuguesa, através de seu ministro, Marquês de Pombal a tomar
uma atitude vigorosa no sentido de implantar a língua portuguesa definitivamente em terras
brasileiras.
Do tupi, são originárias palavras como 'abacaxi', 'amendoim', 'cutucar', 'mandioca', 'pipoca',
'socar', 'tapioca' além, é claro, de muitos topônimos brasileiros.
VERBETE
Topônimo é o nome ou expressão usado para nomear um lugar ou acidente geográfico. São
exemplos de topônimos os nomes dos estados da Paraíba e de Sergipe, que significam 'rio
ruim' e 'no rio de siris' respectivamente.
FIM DO VERBETE
No período colonial, além das línguas indígenas, houve uma forte presença das línguas
africanas. O tráfico de escravos africanos foi intenso desde o descobrimento até a sua
extinção em 1850. Calcula-se que, em 1800, metade da população do Brasil-Colônia era de
africanos ou descendentes. O léxico do português recebeu uma grande contribuição de
palavras originárias do quimbundo e do iorubá, duas línguas da família banto. Exemplos:
'bangala', 'bunda', 'cachimbo', 'cafuné', 'dengo', 'fubá', 'minhoca', 'quitanda' e 'tutu'. Você
pode verificar mais sobre o assunto no link:
<https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-
8#q=linguas%20africanas%20no%20portugu%C3%AAs%20brasileiro>
ATIVIDADE 02
Leia o poema abaixo e responda ao que se pede:
Língua
Gilberto Mendonça Teles
Língua
Esta língua é como um elástico
que espicharam pelo mundo.
No início era tensa,
de tão clássica.
Com o tempo, se foi amaciando,
foi-se tornando romântica,
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Resposta Comentada:
O autor ilustra nesse poema a propriedade da dinamicidade da língua portuguesa por meio
de um elástico. Logo, qualquer período histórico que foi apresentado anteriormente pode
ser selecionado como uma referência para esse trecho.
Os versos “No início era tensa / de tão clássica” fazem alusão à origem do português na
língua latina, uma língua reconhecidamente clássica. No entanto, é importante lembrar que
a língua portuguesa não se originou da modalidade clássica do latim, mas do latim vulgar,
sua modalidade popular e falada.
Já o trecho “Com o tempo, se foi amaciando / foi-se tornando romântica / incorporando os
termos nativos / e amolecendo nas folhas de bananeira” faz referência ao período do
descobrimento do Brasil exaltado na literatura romântica e a sua influência das línguas
locais na língua que era antes “sisuda”.
O poeta ainda termina dizendo que esse percurso fez da língua portuguesa única, que “não
se pode mais trocar” e forte.
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Como foi estudado na seção anterior, as palavras são formadas, basicamente, por dois
processos: derivação e composição.
Outro mecanismo de formação lexical bastante comum, hoje em dia, são os casos de mescla
ou blend entre partes de duas palavras, originando um novo termo, como em “namorido”,
“bebemorar” e “portunhol”. Nesse caso, o processo não gera mudança de classe, mas
podemos dizer que a motivação semântica também se faz presente.
Aqui, vemos que o nosso conhecimento partilhado sobre eventos sociais como festas,
celebrações e comemorações é extremamente importante para a criação do novo termo.
Parece ser esse saber que permite a alternância e a associação entre o suposto verbo
“comer”, em “comemorar”, e o verbo “beber”, que o substitui, ambos relacionados a essas
situações festivas.
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BOX EXPLICATIVO
O conhecimento de mundo de cada um é de natureza essencialmente social. À medida que
interagimos com os outros e com o meio, organizamos esse conhecimento em blocos
armazenados pela memória. Entre eles estão os frames ou enquadres; os scripts e as
superestruturas ou esquemas textuais (KOCH; TRAVAGLIA, 1995).
Em geral, as mesclas podem ser de três tipos: fonológicas, quando ocorre a sobreposição de
um ou mais segmentos fonológicos iguais (“apertamento” = apertado + apartamento);
morfológicas, em que há o truncamento de uma ou das duas palavras sem que haja
segmentos fonológicos iguais (“portunhol” = português + espanhol); e semânticos, quando
há a reanálise e a substituição de um dos segmentos de uma das palavras de origem
(“boadrasta” = boa + madrasta).
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Seja como for, nos casos de mescla, de forma geral, gera-se um efeito inusitado ou jocoso,
que resulta da mudança nas palavras de origem e/ou nas associações de sentido possíveis
com as novas palavras.
VERBETE
Neologismo: toda palavra de criação recente ou emprestada recentemente de outra língua,
ou toda acepção nova de uma palavra já antiga. (DUBOIS, 2006, p. 431).
FIM DO VERBETE
Em geral, nos estudos da área, a noção de empréstimo linguístico tem uma conotação
positiva, ao passo que a de estrangeirismo não alcança o mesmo estatuto. Em linhas gerais,
o primeiro conceito refere-se às unidades lexicais, de alguma forma, já integradas ao novo
ambiente, enquanto o segundo diz respeito àquelas verdadeiramente alheias, ainda não
adicionadas ao léxico da língua.
Nelly Carvalho (2009, p. 60) emprega uma metáfora bastante criativa para diferenciar uma
situação da outra: “Tomando como paralelo o caso dos empréstimos monetários feitos pelo
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Brasil, embora o governo brasileiro receba em dólares, estes são transformados em reais
para uso nacional. Assim, o empréstimo é o estrangeirismo adaptado de várias formas”.
BOXE MULTIMÍDIA
No “Samba do Approach” (link: <https://youtu.be/x7BVUxDw9H4>), uma conhecida música
do cantor e compositor brasileiro Zeca Baleiro, relacionam-se diversas palavras e
expressões estrangeiras em situações e frases da língua portuguesa. Vamos acompanhar a
letra:
Eu tenho savoir-faire
Meu temperamento é light
Minha casa é hi-tech
Toda hora rola um insight
Já fui fã do Jethro Tull
Hoje me amarro no Slash
Minha vida agora é cool...
Eu tenho sex-appeal
Saca só meu background
Veloz como Damon Hill
Tenaz como Fittipaldi
Não dispenso um happy end
Quero jogar no dream team
De dia um macho man
E de noite, drag queen...
FIM DO BOXE MULTIMÍDIA
IMAGEM
VERBETE
Vernáculo: 1-próprio do país ou nação a que pertence; nacional; 2- Diz-se da linguagem
sem incorreções e sem inclusão de estrangeirismos; castiço; 3- Que se expressa de modo
rigoroso e sem incorreções (ex.: escritor vernáculo).
(Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/vern%C3%A1culo>. Acesso em: 09 dez.
2015).
FIM DO VERBETE
BOXE EXPLICATIVO
Vale destacar, ainda que brevemente, o papel e a relevância de Mikhail Bakhtin no campo
dos estudos literários, linguísticos e culturais. Pensador e filósofo russo do século XX
propôs estudos relacionados à literatura, entre os quais cunhou, por exemplo, o conceito de
polifonia. Dentre seus escritos amplamente conhecidos e referidos, está o texto fundador
para os estudos dos gêneros discursivos, “Os gêneros do discurso: problemas e definição”,
capítulo incluído na obra Estética da Criação Verbal. No campo dos estudos sobre cultura,
destaca-se o livro sobre manifestações do humor popular, intitulado “A cultura popular na
Idade Média: o contexto de François Rabelais”. Atualmente, os estudos bakhtinianos estão,
ainda, na base de pesquisas relacionadas ao interacionismo sociodiscursivo, que
pressupõem a relação inequívoca entre a linguagem e os fatores sociais, históricos e
culturais que a condicionam.
FIM DO BOXE EXPLICATIVO
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ATIVIDADE 03
Vimos que os conceitos de empréstimo linguístico e de estrangeirismo se relacionam, mas
não se equivalem. Na letra do “Samba do Approach”, que palavras ou expressões
vernáculas você usaria para adaptar os termos estrangeiros à língua portuguesa?
“Na hora do lunch / Eu ando de ferryboat... / Eu tenho savoir-faire / Meu temperamento é
light / Minha casa é hi-tech”
Resposta comentada: Os termos lunch e ferryboat poderiam ser facilmente trocados pelas
palavras “almoço” e “barcas”, sistema de transporte aquático e de massa presente no Rio de
Janeiro, por exemplo. Já savoir-faire poderia ser substituído por uma expressão como
“conhecimento especializado”. Light aqui não seria “leve” especificamente, mas algo como
“brando”, referindo-se ao temperamento de alguém. Por fim, high-tech poderia ser
substituído por algo como “equipada com tecnologia”. Vejam que, embora substituições e
paráfrases sejam possíveis, o resultado obtido não tem o mesmo efeito de sentido daquele
que se vê com o uso dos termos estrangeiros, pois o seu emprego acaba por convocar para o
texto não só palavras do inglês e do francês, mas também uma filiação cultural a outros
países, em algum grau. Cabe lembrar que esse fenômeno sempre esteve presente na história
e no uso de nossa língua. Por exemplo, apesar de a palavra lunch, em inglês, ser empregada
para designar a refeição que aqui realizamos na hora do almoço, em português, a palavra
lanche se refere à refeição leve, geralmente, realizada entre almoço e jantar.
FIM DA RESPOSTA
BOXE EXPLICATIVO
A classificação dos empréstimos linguísticos é realizada com base em sua origem. Assim,
podemos ter:
anglicismos: termos provenientes do inglês;
galicismos: termos provenientes do francês;
helenismos: termos provenientes do grego;
latinismos: termos provenientes do latim;
germanismos: termos provenientes do alemão;
italianismo: termos provenientes do italiano;
arabismo: termos provenientes do árabe;
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Afinando-se a essas reflexões, cabe destacar que as razões para a incorporação de novos
termos via empréstimos linguísticos decorre, muitas vezes, do papel que determinadas
nações e, consequentemente, sua língua exercem em escala mundial. Basta recordar que,
entre os séculos XVIII e XIX, em razão do movimento social e cultural conhecido por
Iluminismo, foi a França, sua língua e seus ideais que marcaram forte presença na vida do
Brasil e no uso que se fazia do português. Desde as vestimentas da aristocracia ao projeto
arquitetônico dos Teatros Municipais do Rio de Janeiro e de São Paulo, por exemplo, era
possível verificar essa forte influência.
Para ilustrar o primeiro caso, podemos mencionar o uso do verbo “deletar” já discutido
anteriormente. Outro exemplo interessante do processo de aportuguesamento é o que se vê
em “esporte”, oriundo do termo inglês “sport”. No exemplo, seguindo o padrão fonético e
ortográfico do português, acrescentaram-se dois “e” à palavra, um em seu início, o que se
classifica como um caso de prótese, e outro em seu final, o que constitui uma paragoge.
Isso porque, em nossa língua, cada sílaba, obrigatoriamente, precisa trazer uma vogal como
elemento central.
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VERBETES
Prótese: chama-se prótese o desenvolvimento, na inicial da palavra, de um elemento não
etimológico, isto é, quando há o acréscimo de um som/uma letra a uma palavra não altera o
significado básico da palavra. (DUBOIS, 2006, p. 493).
Paragoge: chama-se paragoge, ou epítese, o fenômeno que consiste em acrescentar um
fonema não etimológico ao final de uma palavra (DUBOIS, 2006, p. 455).
FIM DOS VERBETES
Além disso, a par do uso, podemos saber se um termo estrangeiro já foi, oficialmente,
incorporado ao léxico da nossa língua, realizando uma pesquisa ao Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa, o VOLPI, que, além de sua versão impressa,
disponibiliza, em sua página eletrônica, a consulta aos termos que integram o português e
sua grafia oficial.
IMAGEM
(http://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario)
FIM DA IMAGEM
BOXE EXPLICATIVO
O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, o VOLP, encontra-se em sua quinta
edição impressa, datada de 2009, e vem sendo atualizada e ampliada em sua versão digital,
disponibilizada pela Academia Brasileira de Letras (ABL) no endereço eletrônico
<http://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario>. A obra foi preparada
por uma equipe de lexicógrafos sob a presidência de Eduardo Portella, Evanildo Bechara e
Alfredo Bosi. Reúne as palavras que compõem o nosso léxico de acordo com as normas da
mais recente reforma ortográfica, assinada em 2008 e voltada para promover uma maior
uniformização quanto ao uso e à grafia do português entre a comunidade lusófona,
composta por oito países e denominada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP): Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique,
Portugal, São Tomé e Príncipe, e Timor-Leste.
FIM DO BOXE EXPLICATIVO
Vale ressaltar que muitas palavras demoram a ser aportuguesadas oficialmente e, às vezes,
nem chegam a passar por esse processo. Isso porque a variação começa pelo uso, pelo
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emprego que os falantes fazem da língua, e os dicionários, em geral, não acompanham nem
se orientam pelo uso para fazer o registro das palavras. Isso faz com que recorram a
exemplos abstratos e idealizados do “bom português” e de autores canônicos da literatura,
distanciando-os da realidade linguística do país.
Uma das reações mais recentes e de grande repercussão no Brasil foi o Projeto de Lei
nº1.676, de 1999, proposto pelo Deputado Federal Aldo Rebelo. O documento apresentava
dez artigos e explicitava como seu principal fim a “promoção, a proteção, a defesa e o uso
da língua portuguesa”. Ao final, fazia-se acompanhar por um texto denominado
“justificação”, também escrito pelo deputado.
Leiamos alguns trechos do documento:
“Art. 4°. Todo e qualquer uso de palavra ou expressão em língua estrangeira, ressalvados
os casos excepcionados nesta lei e na sua regulamentação, será considerado lesivo ao
patrimônio cultural brasileiro, punível na forma da lei.
Parágrafo único. Para efeito do que dispõe o caput deste artigo, considerar-se-á:
I - prática abusiva, se a palavra ou expressão em língua estrangeira tiver equivalente em
língua portuguesa;
II - prática enganosa, se a palavra ou expressão em língua estrangeira puder induzir
qualquer pessoa, física ou jurídica, a erro ou ilusão de qualquer espécie;
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JUSTIFICAÇÃO
A História nos ensina que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela
imposição da língua. Por quê? Porque é o modo mais eficiente, apesar de geralmente lento,
para impor toda uma cultura - seus valores, tradições, costumes, inclusive o modelo
socioeconômico e o regime político. [...]
Ora, um dos elementos mais marcantes da nossa identidade nacional reside justamente no
fato de termos um imenso território com uma só língua, esta plenamente compreensível por
todos os brasileiros de qualquer rincão, independentemente do nível de instrução e das
peculiaridades regionais de fala e escrita. Esse - um autêntico milagre brasileiro - está hoje
seriamente ameaçado.
Dado o viés purista de muitos trechos do Projeto de Lei (PL), a reação de linguistas e
estudiosos da língua, integrantes de associações acadêmicas e científicas nacional e
internacionalmente reconhecidas, manifestaram-se, expondo as fragilidades e
impropriedades do texto, especialmente no que diz respeito à concepção de língua e uso
que a ele subjaz.
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“Já em sua justificativa, o projeto reitera uma série de equívocos sobre a realidade
linguística brasileira, cujos efeitos deletérios não podem ser desprezados. Em particular,
reitera o mito da unidade linguística, mito que constitui a base da construção de uma
intricada rede de crenças que configuram o preconceito linguístico no Brasil.”
FIM DO BOXE PARA SABER MAIS
Mais um fator que encerra uma perspectiva distorcida sobre os fenômenos sociais, culturais
e educacionais brasileiros é a crença de que é a presença de empréstimos linguísticos que
impede e dificulta o pleno uso e compreensão da língua portuguesa pelo povo brasileiro.
Ainda na época em que o PL foi proposto, o fato de um falante do português não
compreender termos como “atachar” e “printar”, por exemplo, menos tinha a ver com o
desconhecimento lexical em si do que com dado universo de experiências e a falta de
familiaridade e contato com artefatos tecnológicos.
Soma-se a isso, ainda, a reflexão de que, em um país em que, até 2013, segundo o IBGE,
havia 8.5% de jovens e adultos analfabetos, ainda que só palavras do vernáculo fossem
utilizadas, provavelmente muito pouco se alteraria quanto a esse cenário. O ensino e a
aprendizagem da leitura e da escrita com base em diferentes textos e em variados contextos
continuam sendo necessidades emergenciais para a qualidade da educação no país e isso, de
fato, poderia contribuir para a democratização e a valorização dos usos da língua
portuguesa entre nós.
ATIVIDADE 04
Com base no que vimos sobre a presença de termos estrangeiros na língua portuguesa e
com a intenção de refletir acerca dos estrangeirismos, compare e comente os trechos do
artigo do Projeto de Lei nº 1.676 e do “Requerimento dos Linguistas ao Senado Federal” a
respeito do assunto:
29
“De fato, estamos a assistir a uma verdadeira descaracterização da língua portuguesa, tal a
invasão indiscriminada e desnecessária de estrangeirismos [...]. E isso vem ocorrendo com
voracidade e rapidez tão espantosas que não é exagero supor que estamos na iminência de
comprometer, quem sabe até truncar, a comunicação oral e escrita com o nosso homem
simples do campo, não afeito às palavras e expressões importadas, em geral do inglês norte-
americano, que dominam o nosso cotidiano [...]” (Projeto de Lei nº 1.676).
REFERÊNCIAS
FARACO, Carlos Alberto (Org.). Estrangeirismos: guerras em torno da língua. São Paulo:
Parábola, 2001.
O Marquês de Pombal e Implantação da Língua Portuguesa no Brasil: Reflexões sobre a
proposta do diretório de 1757. In: Anais do iv Congresso Nacional de Linguística e
Filosofia, iv , 2000, Rio de Janeiro
ZAIDAN, A. Letras e História: Mil palavras árabes na língua portuguesa .2ª ed. rev. e
ampl. São Paulo: Escrituras Editoras: EDUSP, 2010