Você está na página 1de 16

Por uma arte de instaurar

modos de existência
que “não existem”
Peter Pál Pelbart

A arte de instaurar que categoria pertencem? E em que medida existem por


si mesmos? Quanto dependem de nós? Quanto estão em
Por mais extravagante que pareça a noção de um sujeito nós? Enfim, qual é exatamente o seu estatuto, se é que
não antropológico, sobretudo numa época ainda aferrada se deva de imediato reuni-los todos num único grupo,
à primazia do sujeito humano, é preciso reconhecer que na contramão da pluralidade existencial que anunciam?
o pensamento contemporâneo tende a admitir múltiplos Que efeitos têm sobre nossa existência e imaginação?
feixes de experiência ou de sentires (feelings, conforme De acordo com Bruno Latour:
o conceito de Whitehead), bem como maneiras de ser
diversas, segundo uma pluralidade de mundos.1 Assim, Alguns deles têm o duplo traço de nos trans-
em meio à falência do antropocentrismo a que assistimos formar em outra coisa, mas também de por
nas últimas décadas, em domínios vários, da filosofia sua vez se transformar em outra coisa. Que
à ecologia, seres que antes pareciam reclusos à esfera faríamos nós sem eles? Seríamos sempre,
subjetiva ganharam um outro estatuto, uma nova vida. eternamente, os mesmos. Eles traçam, através
Entes invisíveis, impossíveis, virtuais, que pertenciam do multiverso – para falar como James – cami-
ao domínio dito da imaginação, do psiquismo, da repre- nhos de alteração ao mesmo tempo terrorífi-
sentação ou da linguagem, atravessaram alegremente cos – pois nos transformam – hesitantes – pois
a fronteira entre sujeito e objeto e reapareceram numa podemos enganá-los – e inventivos – pois po-
outra chave ontológica. Já não somos os únicos actantes demos deixar-nos transformar por eles.3
do cosmos – protosubjetividades pululam por toda parte,
e mesmo aquilo que parecia mero objeto de manipulação No livro Les Différents Modes d’existence, Étienne Souriau
tecnocientífica, como a natureza, salta para o proscênio, deu forma, no final dos anos 1930 e numa linguagem
reivindicando meios de expressão próprios. Que nos bas- por vezes empolada, a uma metafísica que visava dar
te a ponderação de Peter Sloterdijk durante as conversas acolhida justamente a esses seres dos quais não se pode
preparatórias para a ópera Amazônia (2010), na qual ele dizer com precisão se existem ou não segundo os parâ-
detecta uma “dor amazônica” diante da ameaça que pesa metros e gabaritos de que dispomos.4 Pois, em princípio,
sobre a floresta e entende que o protagonista do experi- nenhum ser tem substância em si, e, para subsistir, ele
mento não poderia ser outro que não o “sujeito amazôni- deve ser instaurado. Assim, antes mesmo de tentar um
co”.2 Na esteira desse perspectivismo, uma das questões inventário dos seres segundo seus diferentes modos de
cosmopolíticas de hoje poderia ser: qual é a dor que cada existência, Souriau postula uma certa arte de existir, de
actante, humano ou não humano, carrega? Qual é a ame- instaurar a existência. Para que um ser, coisa, pessoa,
aça que cada um deles, e nós com eles, enfrentamos? E obra, conquiste existência, não apenas exista, é preciso
quais dispositivos cabe ativar, seja para dar-lhes voz, seja que ele seja instaurado. A instauração não é um ato so-
para dá-los a ver, seja para deixá-los se esquivarem ao lene, cerimonial, institucional, como quer a linguagem
nosso olhar voraz? Da Amazônia aos autistas, a questão é comum, mas um processo que eleva o existente a um
a mesma – a dos modos de existência. patamar de realidade e esplendor próprios – “patuidade”,
À revelia das novas formas de gestão biopolítica diziam os medievais. Instaurar significa menos criar
da vida em escala planetária, que tendem galopantemen- pela primeira vez do que estabelecer “espiritualmente”
te à homogeneização, vêm à tona por toda parte modos uma coisa, garantir-lhe uma “realidade” em seu gênero
de existência singulares, humanos e não humanos. Que próprio.
tipo de existência se lhes pode atribuir, a esses seres Ora, a instauração não se origina de uma fonte
que povoam nosso cosmos, agentes, actantes, sujeitos única – a vontade, a consciência, o espírito, o corpo, o
larvares, entidades, com suas maneiras próprias de se inconsciente etc. – e hoje diríamos que há múltiplos
transformar e de nos transformar? Nem objetivos nem “dispositivos” de instauração. Assim, cada filosofia, mas
subjetivos, nem reais nem irreais, nem racionais nem ir- também cada religião, ciência, arte, instaura seus seres
racionais, nem materiais nem simbólicos, seres um tanto e, com isso, inaugura um mundo singular, nunca o mes-
virtuais, um tanto invisíveis, metamórficos, moventes: a mo: pluralismo ontológico e existencial – multiverso! As

250
implicações de um procedimento tal não são pequenas. tornar-se o advogado do ser por vir, a testemunha deste
Como escreveu Latour: ou daquele modo de existência, sem a qual essa existên-
cia talvez não vingasse.
Engaja a instauração nas ciências, mudarás Mas como imaginar que existiriam da mesma
toda a epistemologia. Engaja a instauração maneira o pensamento, a matéria, Hamlet, Peer Gynt,
na questão de Deus, mudarás toda a teologia. a raiz quadrada dos números negativos, a rosa branca,
Engaja a instauração na arte, mudarás toda a pergunta o autor? Claro que não compartilham o mesmo
estética. Engaja a instauração na questão da modo de existência. Já a instauração de cada um deles
alma, mudarás toda a psicologia. O que cai por implica sempre inúmeras experimentações singulares (a
terra em todo caso é a ideia, no fundo bem liberdade), sucessivas determinações (a eficácia) e uma
ridícula, de um espírito que estaria na origem profusão de equívocos (a errabilidade). O criador se vê
da ação e cuja consistência seria projetada sempre diante de uma situação questionante, como se
em seguida por ricochete sobre uma matéria ele ouvisse a voz de uma esfinge irônica, perguntando-
que não teria outro porte, outra dignidade -lhe: e agora? A obra o questiona, o chama, o parasita, o
ontológica senão a que se condescendesse em explora, o escraviza, o anula – ela é um monstro! – mas
atribuir-lhe.5 ao mesmo tempo ela demanda seu testemunho, sua so-
licitude, inclusive para encontrar o acabamento que se
insinua e que exige sempre discernir o que é factível em
A arte de existir meio ao caos do mundo. Nenhuma intencionalidade, ne-
nhum antropocentrismo, nenhuma mistificação da obra
Para Souriau, a arte e a filosofia teriam em comum o fato impossível – mas a instauração, o trajeto, a alma equiva-
de que visam, ambas, instaurar seres cuja existência se lente a uma perspectiva:
legitima por si mesma, “por uma espécie de demonstra-
ção radiante de um direito à existência, que se afirma e Penso numa criancinha que tinha disposto
se confirma pelo brilho objetivo, pela extrema realidade cuidadosamente, por muito tempo, diversos
de um ser instaurado”.6 Tudo indica que Souriau almeja objetos, grandes e pequenos, de uma maneira
algo como uma arte de instaurar, ou uma arte de fazer que lhe parecia graciosa e ornamental, sobre a
existir seres que ainda vagam numa penumbra ficcio- mesa da sua mãe, para lhe dar “muito prazer”.
nal, virtual, longínqua e enigmática. Portanto, todo seu A mãe vem. Tranquila, distraída, ela toma um
pensamento poderia ser colocado sob o signo desse desses objetos de que ela precisa, coloca um
chamado por uma “obra por fazer”, e obra não se enten- outro no seu lugar, desfaz tudo. E quando as
de aqui necessariamente como obra de arte – mesmo o explicações que se seguem aos soluços repri-
homem é uma obra por fazer, incompleta, aberta, inan- midos da criança lhe revelam a extensão de
tecipável. Assim, em cada caso, não se trata de seguir seu equívoco, ela exclama desolada: ah! meu
um projeto dado que caberia realizar, mas abrir o campo pobrezinho, eu não tinha visto que era alguma
para um trajeto a ser percorrido conforme as perguntas, coisa.9
problemas e desafios imprevistos aos quais é preciso
responder a cada vez singularmente. O desafio vital que David Lapoujade comenta esse exemplo de Souriau da
se coloca a cada um de nós, pois, não é emergir do nada, seguinte maneira:
numa criação ex nihilo, mas atravessar uma espécie de
caos original e “escolher, através de mil e um encontros, Eu não tinha visto... O que foi que ela não viu?
proposições do ser, o que assimilamos e o que rejeita- O que é “essa coisa” que a mãe não vê? Pode-
mos”.7 Nada está dado, nada está garantido, tudo pode -se dizer que é a alma da criança – transposta
colapsar – a obra, o criador, a instauração –, mas essa inteiramente para os objetos. Pode-se dizer
hesitação é própria ao processo, não insuficiência on- que é a disposição cuidadosa dos objetos que
tológica nem falha constitutiva. O trajeto vital é feito de testemunha a presença de um ponto de vista
exploração, de descobertas, de encontros, de cisões, de preciso da criança. Em ambos os casos, se
aceitações dolorosas, contra o voluntarismo idealista do terá razão: ela vê os objetos pois ela os arru-
criador que parte do nada, contra a solicitude em rela- ma, o que ela não vê, é o modo de existência
ção à “matéria” que o chama: “o ser em eclosão reclama deles sob o ponto de vista da criança. O que
sua própria existência. Em tudo isso, o agente tem de ela não vê é o ponto de vista da criança; ela
inclinar-se diante da vontade própria da obra, adivinhar não vê que ali há um ponto de vista – que exis-
essa vontade, abnegar-se em favor desse ser autônomo te. É óbvio que tal cegueira vale para todos os
que ele busca promover segundo seu direito próprio modos de existência dos quais fala Souriau.10
à existência”.8 Trata-se, pois, de defender esse direito,

251
É o pragmatismo da percepção, que ao privilegiar as re- eles mesmos, sua própria existência, num outro patamar
alidades sólidas e manifestas, desqualifica a pluralidade – como Nietzsche, que dizia ter nascido de sua obra.
das perspectivas, dos planos de existência. Quem criou quem? Mais do que criadores, somos fruto
Em vez de sacrificar a positividade existencial e efeito daquilo que por meio de nós foi criado; somos
de “populações inteiras de seres” no altar de uma Verda- suas testemunhas.
de, seria o caso de multiplicar o mundo a fim de acolhê- Mais do que a classificação dos modos de exis-
-las – de onde o esforço em mobilizar conceitos diversos tência de que Souriau faz o inventário e uma análise
para garantir a pluralidade e distinção entre os modos de minuciosa (fenomênico, solicitudinário, virtual, supere-
existência, sem deles fazer etapas de um único processo xistente etc.), interessa a passagem entre eles e o mundo
evolutivo, universal. Ademais, em vez de perguntar “Isso que o autor chama de sináptico, e não mais ôntico: as
existe?” e “De que modo?”, caberia saber se pode existir transições, as reviravoltas, os saltos, as transformações,
“um pouco, ou muito, passionalmente, de modo algum”, esses movimentos em que os seres são acessórios
em gradações diversas. Por exemplo, existir como implícitos ou catapultas de imensos dramas, como os
possível, em potência, ou prestes a emergir ao lado do personagens que uma criança usa numa brincadeira
atual, ou existir balbuciantemente abaixo de um limiar servem para revelar os verdadeiros acontecimentos.
de integridade – quantas maneiras distintas de existir... Num mundo assim concebido, importam precisamente
Entre o ser e o não ser, tantas gradações! Antes mesmo os acontecimentos, o advir, através do qual se passa a um
de comparar os modos de existência entre si, não seria plano de existência diverso em função de uma mudança
possível pensar a oscilação de um ser entre seu máximo de perspectiva. Pois o acontecimento consiste precisa-
e seu mínimo, como se cada existência pudesse ser ava- mente nisto: uma mudança de perspectiva, de plano de
liada nela mesma, segundo sua intensidade, em modos existência. “Há pouco havia um copo inteiro; agora há
intensivos de existência? esses pedaços. Entre os dois, há o irreparável. Irrepa-
rável, insuprimível, inescamoteável mesmo pelos mais
sutis recursos do espírito, que pode dele se desviar mas
Fantasmas e acontecimentos não contradizê-lo. Patuidade desse irredutível. Tal é a
existência do fato”.12 Eis como David Lapoujade apreen-
Souriau utiliza imagens inabituais para borrar nossas de esse exemplo:
categorias. Depois de morto, um homem volta ao mun-
do dos vivos para rever sua amada e vingar sua morte. Pode-se duvidar da realidade de certas exis-
Vagas lembranças; ele não tem certeza: onde estou? tências, mas não dos fatos, pois eles têm uma
Como eu sou? Qual minha missão? Sou um enviado para eficácia, eles mudam algo no modo de existên-
alguma coisa – o quê? E se defronta com um mundo po- cia dos seres. A eficácia aqui não é o fato de o
voado de indícios... Souriau quer dizer que somos todos copo ter se quebrado, é que ele muda de esta-
como fantasmas. Não sabemos se podemos responder tuto. Não é mais um copo, porém lascas cor-
sozinhos por nossa existência, nem quanta força ou fra- tantes. Conforme o perspectivismo de Souriau,
queza temos para tanto, quão incompletos ou inacabados o acontecimento consiste numa reviravolta de
somos. É preciso “instaurar” a própria existência, mas ponto de vista: algo aconteceu que já não se
também uma escultura em curso, um livro em andamen- pode considerar um copo como um copo.13
to, um pensamento sobrevindo – eles todos demandam
uma instauração. São, pois, existências inventadas no E quantos acontecimentos, precisamente por consis-
trajeto mesmo de sua instauração, percurso permeado tirem numa reviravolta do ponto de vista, fazem ver e
de “variações intensivas existenciais”.11 Se, para alguns mesmo criam uma nova alma no psiquismo de quem os
modos de ser, existir depende de sua própria força (“Se atravessa! O autor conclui:
queres ter o ser”, diz Mefistófeles a Homúnculus, “existe
por tuas próprias forças”), para outros depende precisa- Há alma desde que se perceba num modo de
mente da força de outros, de sua solicitude – são seres existência algo de inacabado, ou de inconcluso
solicitudinários. Um poema não tem acesso à existência – por conseguinte, exige um “principio de am-
sem o testemunho, a devoção, a solicitude de outros, plificação”, em suma, o esboço de algo maior
poeta e leitores. Há seres imaginários que dependem ou melhor. Ainda uma vez, através de todas
de nosso desejo, cuidado, temor, esperança, fantasia, essas existências inacabadas, o clamor de suas
entretenimento, e, por conseguinte, estão subordinados reivindicações, como se elas reclamassem ser
a eles. Nem por isso são menos eficazes do que estes amplificadas, aumentadas, em suma, torna-
de quem dependem. Em contrapartida, é justamente das mais reais. Ouvir tais reivindicações, ver
através dessa solicitude ofertada que aqueles que contri- nessas existências tudo o que elas têm de ina-
buem para a criação ou duração do poema conquistam, cabado, é tomar partido por elas. É entrar no

252
ponto de vista de uma existência não para ver detectando por vezes aquilo que de nós escapa, aquilo
por onde ela vê, mas para fazê-la existir mais, que não vemos porque falamos, e que eles enxergam por-
para fazê-la passar a uma existência maior ou que não falam...
para fazê-la existir “verdadeiramente”.14 Daí o raro estatuto da imagem em Deligny. A
linguagem jamais conseguirá dizer o que é a imagem, in-
Afinal, não há modos de existir mais ardentes, fervilhan- siste ele, pois a recobre com suas injunções, finalidades,
tes, jorrantes? Existir perdidamente, saltativamente, comandos, encadeamentos, sentidos. Por mais que se-
diferentemente... jamos invadidos de imagens por toda parte, atualmente,
Se há existências em estado de “ínfimo esboço trata-se de imagens domesticadas à linguagem, imagens
e de instauração precária que escapam à consciência”,15 subordinadas à comunicação, imagens tomadas num sis-
Souriau parece querer devolver o direito a essas exis- tema de troca ou da mercadoria – imagens-mercadoria,
tências liminares – evanescentes, precárias, frágeis – as fetichismo da mercadoria! À imagem repleta de inten-
quais negligenciamos, mesmo que essa consistência que ções, de cultura, que abole a imagem, seria preciso opor
lhes oferecemos seja incorporal ou espiritual e que seja o que Deligny designa por “a imagem que nos falta”, na
preciso emprestar-lhes uma alma. É assim que nos tor- sua nudez, pobreza, no seu caráter desprovido de inten-
namos suas testemunhas, seus advogados, seus “porta- ção, a imagem que paradoxalmente não é feita para ser
-existência”, segundo Lapoujade: carregamos sua exis- vista, que no limite não se vê, que revela o que escapa, o
tência assim como elas carregam a nossa, uma vez que, que nos escapa, o que foge. O estatuto dessas imagens é
sob certo ponto de vista, só existimos na medida em que oposto a toda representação, a toda intencionalidade – na
fazemos existir outros, ou que ampliamos outras existên- verdade, a todo idealismo. Não se trata da imagem de um
cias, ou que vemos alma ou força onde outros nada viam sujeito, para um sujeito, diante de um sujeito – não exis-
ou sentiam, e assim fazemos com eles causa comum. te sujeito, afinal.
Deligny pode então postular, não apenas que a
imagem é autista, pois, como ele, ela não diz nada nem
A vida esquiva quer dizer nada, mas que o autista pensa por imagens. A
imagem sequer é uma coisa que existe em si – ela chega,
É de Fernand Deligny que nos vem o mais belo e encar- passa, atravessa e só nos atinge graças à persistência
nado exemplo de tudo o que precede. Na sua convivên- retiniana, defeito de nosso aparelho de visão... Na ver-
cia de anos com crianças autistas, na França, ele montou dade, a imagem é como os gansos selvagens, que vivem
um dispositivo coletivo apto a acolher um modo de exis- em bandos ou em constelação e levantam voo alinhados
tência anônimo, assubjetivo, refratário a toda domestica- em V quando respondem a alguma ameaça.18 Interessa
ção simbólica. Eis um mundo livre não só de linguagem, a Deligny que as imagens levantem voo, não que perma-
mas daquilo que ela implica: a vontade e o objetivo, o neçam!
rendimento e o sentido.16 Contra o culto do fazer, fruto Estamos às portas do cinema de Deligny. Pois
da vontade dirigida a uma finalidade (por exemplo, fazer o cinema poderia dar suporte a tudo isso se ele não
obra, fazer sentido, fazer comunicação), Deligny evoca o estivesse completamente submetido à linguagem, à
agir, no sentido muito particular de gesto desinteressa- narratividade, à obrigação de contar uma história, de
do, de movimento não representacional, sem intenciona- ter um sentido, de emitir um julgamento moral, de ter
lidade, que consiste eventualmente em tecer, em traçar, um alcance edificante ou pedagógico. Se o cinema não
em pintar, no limite até em escrever. Nesse mundo, onde visasse o filme, ele poderia atingir as imagens – mas,
o balanço da pedra e o ruído da água não são menos rele- para isso, seria preciso que ele deixasse de “fazer obra”,
vantes do que o murmúrio dos homens, Deligny coloca- de querer um produto. Talvez só então o cinema fosse
-se na posição de “não querer”, a fim de dar lugar ao capaz de atingir as “coisas” como processo, acontecimen-
intervalo, ao tácito, à irrupção, ao extravagar. Nenhuma to. Seria preciso até mudar o verbo “filmar” – afinal, por
passividade nem omissão há nessa atitude – ao contrário, que chamar uma atividade pelo seu produto final? Não
é preciso limpar o terreno constantemente, livrá-lo do se diz “livrar” quando se escreve um livro, mas quando
que recorta o mundo em sujeito/objeto, vivo/inanimado, se usa o martelo dizemos martelar; seria preciso então
humano/animal, consciente/inconsciente, individual/ dizer “camerar”. No artigo que escreveu com esse título,
social, para que o campo se abra e algo seja possível.17 Deligny defende que se respeite “o que não quer dizer
Em tal contexto, a pergunta de Deligny é: como permitir nada, não diz nada, não se dirige, dito de outro modo,
ao indivíduo autista existir sem lhe impor o ele, o sujeito, escapa à domesticação simbólica sem a qual história não
o se, o se ver, toda essa série que lhe imputamos, mesmo haveria”.19 Seria preciso “camerar” o que nos escapa, o
que sob o modo privativo? Pois o autor está convencido que não se vê, as imagens perdidas, as que caem de uma
de que ele não se vê, pois não há justamente o “ele” que câmara vesga, imagens que não se dirigem a ninguém,
pudesse se... Trata-se do indivíduo em ruptura de sujeito, em vias de desaparecer... Imagens involuntárias, como a

253
revolução... “Quer se trate de revolução ou de imagem, As possibilidades de vida
aquilo de que é preciso afastar-se, antes de tudo, é do
querer-fazê-los”.20 Já podemos ampliar o espectro desses comentários. De-
Assim como a arte é para nada e a política faz leuze não cansou de repetir, ao longo de sua obra, que ao
projeto, aqui estaríamos diante da arte de se colocar pensamento cabe inventar novas possibilidades de vida,
no nível do “para nada”, do acontecimento ínfimo (para novos modos de existência. “Pensar significaria descobrir,
nós). O crítico Jean-François Chévrier talvez tenha razão inventar novas possibilidades de vida”, escreve ele, para
ao considerar que há nisso tudo um aspecto arcaico... em seguida citar Nietzsche:
Uma espécie de animismo, ou o sonho de uma “imagem
encarnada que seria o traço vivo de uma existência Existem vidas nas quais as dificuldades atin-
nua”.21 Mas tal arcaísmo é mesmo um problema? Sere- gem o prodígio; são as vidas dos pensadores.
mos tão modernos ou pós-modernos quanto nos imagi- E é preciso prestar atenção ao que nos é nar-
namos? Ou a cada dia parece mais interessante ressaltar rado a seu respeito, pois aí descobrimos pos-
esses contragolpes de um tempo imemorial que nos che- sibilidades de vida e sua simples narrativa dá-
gam por pressão de um futuro ameaçador, como enuncia -nos alegria e força e derrama uma luz sobre a
David Kopenawa, num outro contexto?22 vida de seus sucessores. Há aí tanta invenção,
Ora, não cabe aplicar a Deligny conceitos de reflexão, audácia, desespero e esperança
Souriau, já que Deligny forjou os seus de acordo com quanto nas viagens dos grandes navegadores;
sua própria “matéria”, mas não podemos deixar de ver e, na verdade, são também viagens de explora-
convergências que nos intrigam. Pois, afinal, Deligny ção nos domínios mais longínquos e perigosos
montou um dispositivo complexo, sutilíssimo, feito de da vida.24
silêncio, de mapas, de trajetos, de contiguidade, todo um
agenciamento espaçotemporal em que essas “existências Mas quem avalia os modos de existência? Como julgar
ínfimas”23 pudessem conquistar sua patuidade sem trair se um é preferível a outro? Qual critério valeria? Eis a
em nada justamente o que lhes é peculiar, seu modo de primeira resposta que lhe dá Deleuze, quando critica,
existência feito de esquiva, de linhas de errância, de teias com Nietzsche e Artaud, a mania dos pensadores de se
invisíveis (sua alma), no limiar da invisibilidade social e arvorarem como juízes supremos e montarem um tribu-
de todos os cânones que determinam o que merece viver nal da vida:
ou ser visto, talvez porque, como sugeriu Deligny, com
humor, diante da aborrecida novela de nossas vidas, pre- O julgamento impede a chegada de qualquer
feriam mil vezes a emoção da água escorrendo. novo modo de existência. Pois este se cria por
Tal como há um modo autista, haveria um modo suas próprias forças, isto é, pelas forças que
esquizofrênico, um modo índio, um modo oriental, um sabe captar, e vale por si mesmo, na medida
modo negro, um modo artista? Ou, ao contrário, é justa- em que faz existir a nova combinação. Talvez
mente para arrebentar tais clichês e a tipologia caricata aí esteja o segredo: fazer existir, não julgar. Se
e identitária que os sustenta que seria preciso insistir no julgar é tão repugnante, não é porque tudo se
meio? Pois trata-se de instalar-se nos entremodos, nos equivale, mas, ao contrário, porque tudo que
entremundos, nas passagens, transições, viradas, des- vale só pode fazer-se e distinguir-se desafian-
lizamentos, cruzamentos e reviravoltas de perspectiva, do o julgamento. Qual julgamento de perito,
até mesmo nas negociações entre modos e mundos. To- em arte, poderia incidir sobre a obra futura?
memos um exemplo banal, até mais próximo que o dos Não temos por que julgar os demais existen-
xamãs: Tobie Nathan, etnopsiquiatra residente na França tes, mas sentir se eles nos convêm ou descon-
que atende sobretudo famílias de imigrantes africanos, vêm, isto é, se nos trazem forças ou então nos
quando as chama a entrar em seu consultório, convida remetem às misérias da guerra, às pobrezas
igualmente todas as entidades que as acompanham e do sonho, aos rigores da organização.25
com as quais deverá ser feita uma árdua negociação
para redesenhar as relações, liberar os “encostos”, gerir Mais adiante, acrescenta:
os conflitos. É no entrecruzamento com tais modos de
existência diversos, nos entremundos, que algo pode ser Não temos a menor razão para pensar que
gestado ou cuidado. os modos de existência tenham necessidade
de valores transcendentes que os compara-
riam, os selecionariam e decidiriam que um
é “melhor” que o outro. Ao contrário, não há
critérios senão imanentes, e uma possibilidade
de vida se avalia nela mesma, pelos movimen-

254
Páginas de Les Détours de l’agir: Ou Le Moindre Geste, 1979, Fernand Deligny

255
tos que ela traça e pelas intensidades que ela do, por mais democrático que pareça? Como escrevem
cria, sobre um plano de imanência; é rejeitado Deleuze e Guattari:
o que não traça nem cria. Um modo de exis-
tência é bom ou mau, nobre ou vulgar, cheio Os direitos do homem não dizem nada sobre
ou vazio, independente do Bem e do Mal e de os modos de existência imanentes do homem
todo valor transcendente: não há nunca outro provido de direitos. E a vergonha de ser um
critério senão o teor da existência, a intensifi- homem, nós não a experimentamos somente
cação da vida.26 nas situações extremas descritas por Primo
Levi, mas nas condições insignificantes, ante a
Quando comenta a crença em Deus, comparando a apos- baixeza e a vulgaridade da existência que im-
ta de Pascal e a de Kierkegaard, o único critério é vital: pregnam as democracias, ante a propagação
a questão não é se Deus existe ou não, nem quanto se desses modos de existência e de pensamento-
ganha ou se perde apostando certo, mas qual modo de -para-o-mercado, ante os valores, os ideais e
existência implica a crença para aquele que crê, em que as opiniões de nossa época. A ignomínia das
medida estão ainda num mesmo plano aquele que crê e possibilidades de vida que nos são oferecidas
o que não crê, e o que ocorre quando muda o plano de aparecem de dentro. Não nos sentimos fora
imanência que caracteriza uma época, tal como a nossa: de nossa época, ao contrário, não cessamos de
estabelecer com ela compromissos vergonho-
sobre o novo plano, poderia acontecer que o sos. Este sentimento de vergonha é um dos
problema dissesse respeito, agora, à existên- mais poderosos motivos da filosofia.28
cia daquele que crê no mundo, não propria-
mente na existência do mundo, mas em suas É em torno dessa patologia que gira nossa época: modos
possibilidades, em movimentos e em intensi- de existência-para-o-mercado. Parte do esforço contem-
dades, para fazer nascer ainda novos modos porâneo consiste em diagnosticar essa enfermidade,
de existência, mais próximos dos animais e retraçar sua gênese, ramificações e efeitos. Entre eles,
dos rochedos. Pode ocorrer que acreditar nes- claro, o de dizimar cotidianamente modos de vida consi-
te mundo, nesta vida, se tenha tornado nossa derados menores, minoritários, não apenas mais frágeis,
tarefa mais difícil, ou a tarefa de um modo de precários, vulneráveis (pobres, loucos, autistas), mas
existência por descobrir, hoje, sobre nosso também mais hesitantes, dissidentes, ora tradicionais
plano de imanência.27 (povos da floresta), ora, ao contrário, ainda nascentes,
tateantes ou mesmo experimentais (por vir, por desco-
É todo o desafio que Deleuze e Guattari expõem aqui – o brir, por inventar). De fato, há no presente uma guerra
de um modo de existência por descobrir, consentâneo ao entre distintos modos de vida, ou formas de vida, e essa
nosso plano de imanência, do qual toda transcendência guerra, embora indissociável do modo de produção he-
foi esconjurada e que já não pode repousar sobre um fun- gemônico e de seus conflitos inerentes, não é redutível
damento último. Um mundo grávido de possibilidades: apenas a ele. Não será isso que levou alguns pensadores
eis o que cotidianamente nos parece confiscado, dada a se debruçar recentemente sobre modos de existência
a predominância de um modo de existência universal tão contrastantes quanto inusitados, mesmo que remo-
que tende a abortar justamente a emergência de modos tos, na linha do tempo?
outros.
Pois é fácil constatar o predomínio do modelo da
classe média, propagado como um imperativo político, Forma de vida, estilística da existência
econômico, cultural, subjetivo, e a miséria gritante que o
caracteriza, misto de gregariedade, blindagem sensorial, Giorgio Agamben, por exemplo, analisou recentemente o
rebaixamento intensivo, depauperação vital. O alastra- culto da altíssima pobreza entre os franciscanos. Primei-
mento de uma tal forma de vida genérica, baseada no ramente, mostrou como em um contexto de reclusão re-
padrão majoritário branco-macho-racional-europeu-con- ligiosa e coletiva a vida e as regras tornaram-se a tal pon-
sumidor, bem como o modo de valorização que está na to indissociáveis que se fundiram numa espécie de arte
sua base – por exemplo, a teologia da prosperidade que de viver. Na tradição monástica não se tratava mais de
se infiltra por toda parte, ou o capitalismo como religião, obedecer normas dadas, mas de vivê-las. Assim, o acento
como dizia Benjamin – pede instrumentos de análise e se desloca da prática ou da ação para uma maneira de
de revide inusitados. Como escovar essa hegemonia a viver integral.29 O cenobitismo, essa modalidade de reco-
contrapelo, revelando as múltiplas formas que resistem, lhimento monástico coletivo, não foi tanto, pois, uma vida
se reinventam ou mesmo se vão forjando à revelia e à segundo regras, mas, numa curiosa inversão, uma forma
contracorrente da hegemonia de um sistema de merca- de vida que engendrava suas próprias regras.30 Mas é só

256
com a novidade fransciscana e com o culto da altíssima da existência, a figura visível que os humanos devem
pobreza (altissima paupertas), que a indistinção entre dar à sua vida. Não se busca, aí, o ser da alma, como na
vida e regra atinge seu apogeu. A pobreza como modo filosofia de linhagem platônica, mas um estilo de existên-
de vida significa que se abre mão do domínio do mundo, cia. Foucault insiste em como a filosofia privilegiou, ao
e que se pode fazer uso das coisas sem deter sobre elas longo de sua história, a tradição platônica, a metafísica
qualquer direito de propriedade. É quando a vida se da alma, preterindo a via do cuidado de si, que tem por
subtrai ao direito e o mundo torna-se inapropriável.31 Eis objeto a bela vida através de um “falar francamente”, de
uma ética e uma ontologia que, em nosso contexto, soa um “dizer a verdade” (paresia). De acordo com a provo-
praticamente impensável – ou, segundo Agamben, jus- cação de Foucault,
tamente aquilo que deveria ser pensado. Como nota um
comentador, a noção de forma de vida tal como apresen- Se é verdade que a questão do Ser foi de fato
tada pelo filósofo no caso dos franciscanos situa-a nas an- o que a filosofia ocidental esqueceu e cujo
típodas da noção de vida nua. Se ao longo dos primeiros esquecimento tornou possível a metafísica,
livros da série Homo Sacer a questão era examinar como talvez também a questão da vida filosófica não
um dispositivo jurídico próprio do regime de soberania, tenha cessado de ser, não diria esquecida, mas
por um jogo de exclusão/inclusão, produzia uma vida desprezada; ela não cessou de aparecer como
nua, revelando a relação de domínio entre o direito e a demasiada em relação à filosofia, à prática filo-
vida, aqui a questão é inversa – como a forma de vida se sófica, a um discurso filosófico cada vez mais
subtrai ao dispositivo de captura jurídico quando renun- indexado ao modelo científico. A questão da
cia a todo direito. A conclusão é categórica: “para além vida filosófica não cessou de aparecer como
da experiência franciscana, pensar uma vida inseparável uma sombra, cada vez mais inútil, da prática
de sua forma, uma forma de vida, segue sendo a tarefa filosófica.39
indeferível do pensamento que vem”.32 O sentido desse
desafio só se esclarece à luz da cisão operada pelos O cinismo filosófico é, contudo, o contraexemplo histó-
gregos entre a vida e sua forma, operação pela qual foi rico dessa tendência. Nele, para tornar-se a verdadeira
isolada a vida nua (zoé) de uma forma de vida qualificada vida, segundo os preceitos que os cínicos professam,
(biós). Em contrapartida, no polo oposto que o autor de- numa espécie de transvaloração jocosa de todos os valo-
fende, por forma de vida deve-se entender “uma vida que res, a vida deve ser uma vida outra, radicalmente outra,
jamais pode ser separada de sua forma, uma vida na qual em ruptura total com todos os códigos, leis, instituições,
jamais seja possível isolar algo como uma vida nua”,33 hábitos, inclusive dos próprios filósofos. Eis uma defini-
uma vida “que não se decompõe em fatos, mas que é ção canônica dessa bíos kynikós:
sempre e sobretudo possibilidade e potência”.34 Eis onde
o estatuto do pensamento se vê esclarecido: “O pensa- Primeiro, a vida kynikós é uma vida de cão na
mento é forma de vida, vida inseparável de sua forma, e medida em que não tem pudor, não tem ver-
aí onde se mostra a intimidade dessa vida inseparável, gonha, não tem respeito humano. É uma vida
na materialidade dos processos corpóreos não menos que faz em público e aos olhos de todos o que
que na teoria, aí e só aí há pensamento”.35 Apesar da somente os cães e os animais ousam fazer,
concepção particular de potência presente em Agamben enquanto os homens geralmente escondem.
(a potência de não), pela qual, aliás, ele se distingue de A vida de cínico é uma vida de cão como vida
filósofos contemporâneos que o inspiraram, resta o fato impudica. Segundo, a vida cínica é uma vida
de que o tema de uma “filosofia que vem”, segundo ele, de cão porque, como a dos cães, é indiferente.
deve ser “a vida, sua forma e seus usos”.36 Indiferente a tudo o que pode acontecer, não
Seria preciso comparar o exemplo franciscano e se prende a nada, contenta-se com o que tem,
o caso dos cínicos estudado por Foucault no último semi- não tem outras necessidades além das que
nário que proferiu, em 1983,37 mesmo porque Agamben pode satisfazer imediatamente. Terceiro, a
parece retomar o problema de uma vida ascética a vida dos cínicos é uma vida de cão, ela rece-
partir do ponto em que Foucault o deixara, a saber, no beu esse epíteto de kynikós porque é, de certo
limiar do cristianismo. Em todo caso, Foucault entende modo, uma vida que late, uma vida diacrítica
a experiência da filosofia cínica como a elaboração de (diakritikós), isto é, uma vida capaz de brigar,
uma modalidade de vida na qual “a própria vida torna-se de latir contra os inimigos, que sabe distinguir
matéria ética, onde o que está em jogo é a forma que se os bons dos maus, os verdadeiros dos falsos,
dá à vida”.38 A emergência da vida como objeto priori- os amos dos inimigos. É nesse sentido que é
tário significa que é preciso exercer sobre ela certas uma vida diakritikós: vida de discernimento
operações, colocá-la à prova, submetê-la a uma triagem, que sabe pôr-se à prova, que sabe testar e que
a uma transformação etc. É a filosofia como estilística sabe distinguir. Enfim, quarto, a vida cínica é

257
philaktikós. É uma vida de cão de guarda, uma de si, Muriel Combes contesta a ideia de que se trataria
vida que sabe se dedicar para salvar os outros de uma nova fase no pensamento do autor, como se ele
e proteger a vida dos amos.40 saltasse do problema do poder, no período genealógico,
para o da subjetividade, na sua pesquisa ética. A autora
A vida de verdade que os cínicos pregam, pois, é uma insiste em ver nas técnicas de si (da relação a si) uma
vida outra, e deve também, na sua manifestação públi- interface subjetiva necessária para pensar a mediação
ca, agressiva, escandalosa até, transformar o mundo, entre o poder e a vida no contexto biopolítico, quando a
chamar por um mundo outro. Não é, por conseguinte, relação entre os dispositivos de poder e o corpo já não
a questão de um outro mundo, segundo o modelo so- podia mais ser efetuada diretamente, como nas socieda-
crático, mas do mundo outro. Há, pois, uma inversão des disciplinares – e foi preciso inventar essa dobra, a
cuja lógica Foucault vai esmiuçar de maneira exaustiva, subjetividade. Mas, se isso é verossímil, é porque a vida
mostrando a que ponto, no seio dessa suposta vida sobre a qual as técnicas de si incidem é compreendida
verdadeiramente filosófica, se insinua uma alteridade sobretudo como uma vida capaz de condutas, uma vida
que a relança em direção ao próprio mundo, com todo suscetível de adotar diversas direções diferentes.43 Se a
o despojamento, animalidade, miséria, culto da sujeira e subjetivação é uma modalidade de exercício do poder
da feiura em que isso implica, aliada aos traços de autos- sobre a vida, é na medida em que convoca um trabalho
suficiência, auto-humilhação escandalosa e teatralização sobre si – entendido esse si não propriamente como uma
que esses performers avant la lettre exerciam em praça instância substantiva, personológica ou universal, supor-
pública. te substantivo existente por trás do sujeito, mas como
Claro, há um traço aí presente que não é estra- uma potencialidade relacional, uma zona de constituição
nho ao cristianismo e se impõe ulteriormente – a saber, a da subjetividade. Sendo o governo um poder que se
humildade, a ascese, a renúncia. Mas para o cristianismo exerce sobre “sujeitos individuais ou coletivos que têm
o culto de tais virtudes visará um outro mundo, e não diante de si um campo de possibilidades no qual diversas
um mundo outro – de modo que qualquer transformação condutas, diversas reações e diversos modos de compor-
neste mundo terá por finalidade dar acesso ao outro tamento podem acontecer”, como afirma Foucault,44 a
mundo. Ademais, se o “falar francamente” era fundamen- zona de consistência do poder deve ser concebida mais
tal no cinismo, no cristianismo ele é abolido, em favor da do lado do sujeito considerado como campo de possibi-
própria verdade tal como as estruturas de autoridade a lidade, campo de ação para uma multidão de condutas
entendem e caucionam. Foucault encerra seu último cur- a inventar, muito mais do que do lado da vida nua. Se
so, pouco antes de sua morte, com a seguinte frase: Agamben teve o mérito de trazer à tona a diferença entre
vida nua e forma de vida, a vida nua deve ser concebida
Verdade da vida antes da verdadeira vida: foi como um limite, como um ponto crítico para um poder
nessa inversão que o ascetismo cristão modi- que se exerce como ação sobre ação, “pois a vida sobre
ficou fundamentalmente um ascetismo antigo, a qual um biopoder incide é uma vida sempre informada,
que sempre aspirava levar ao mesmo tempo uma vida capaz de diversas condutas, e por essa razão,
a verdadeira vida e a vida de verdade e que, sempre suscetível de insubmissão 45.”
pelo menos no cinismo, afirmava a possibilida- Disso poderíamos extrair diversas consequên-
de de levar essa verdadeira vida de verdade.41 cias. Se não partimos da vida nua, para pensar o biopo-
der, mas da vida capaz de condutas, é outro horizonte
Talvez o sentido da análise dos cínicos empreendida que se insinua. Mesmo no campo de concentração, mas
pelo autor se ilumine à luz do projeto cuja possibilidade também nos contextos brutais de nossa contempora-
ele mesmo evoca, nesse seminário, qual seja, o de uma neidade, não se trata da vida biológica nua e crua, ou da
“história da filosofia, da moral e do pensamento que as- vida vegetativa, mas dos gestos, maneiras, modos, varia-
sumiria como fio condutor as formas de vida, as artes de ções, resistências, por minúsculas e invisíveis que pare-
existência, as maneiras de se conduzir e de se portar e çam: eis o que compõe uma vida; eis o que caberia “dar
as maneiras de ser”.42 É o fio foucaultiano que Agamben a ver”, “dar a ouvir”, “dar a pensar”, descobrir, inventar.
prolonga a seu modo; é também o fio nietzschiano que A especulação filosófica não é, pois, inofensiva quando
está presente em Deleuze, que atravessa Foucault e que parte de certa noção de vida e não de outra. Como escre-
chega aos nossos dias das mais diversas maneiras. ve Isabelle Stengers, “cabe ao pensamento especulativo
lutar contra o empobrecimento da experiência, contra
o confisco daquilo que faz sentir e pensar”.46 Mas não
A vida capaz de condutas é apenas no campo do pensamento que esse desafio se
coloca.
Quando analisa as razões pelas quais a pesquisa de No âmbito da precarização do trabalho e da vida
Foucault sobre o biopoder cruzou a análise das técnicas a partir dos anos 1990, por exemplo, se de um lado fica

258
evidente a que ponto essas condições resultam das injun- Vida e capital
ções perversas do neoliberalismo, com a vulnerabilidade
que dele decorre,47 de outro, ao mesmo tempo, se vão Um leitor de hoje poderia se perguntar se não fomos
criando formas de sociabilidade e de cuidado coletivo, atingidos no cerne da própria possibilidade, num mo-
de ativismo e de amizade que redesenham os modos de mento em que os poderes investem a virtualidade como
vida em comum propostos por jovens precarizados em tal no âmbito da própria vida. Conforme Brian Massumi:
várias partes do globo.48 O problema é quando uma teo- “O capitalismo é a captura do futuro para a produção
rização diabolizada do contemporâneo parece trancá-lo de mais-valia quantificável. O capitalismo consiste no
numa totalização que estaria justamente em vias de se processo de converter a mais-valia qualitativa da vida em
contestar. Georges Didi-Huberman, preocupado com a mais-valia quantificável”.52 Décadas atrás, esse mesmo
predominância do tom apocalíptico que impede enxergar autor já chamava a atenção para a comercialização de
aqueles que sobrevivem – num estranho paradoxo em formas de vida no ponto de sua emergência, ainda na sua
que o discurso de denúncia, por mais lúcido e esclarece- modalidade virtual.53 A colonização da dimensão virtual
dor que seja, ajuda a ofuscar justamente as existências da vida tornou-se, desde então, um fato banal. Veja-se o
que, com sua discreta luminosidade, se reinventam –, exemplo evocado por Laymert Garcia dos Santos sobre
situa tal paradoxo da seguinte maneira: o esforço empreendido pelos países ricos diante da crise
ambiental:
uma coisa é designar a máquina totalitária, ou-
tra é atribuir-lhe tão rapidamente uma vitória Temendo o desaparecimento dos recursos
definitiva e sem partilha. Será que o mundo genéticos tão preciosos para o desenvolvimen-
está a tal ponto totalmente escravizado quanto to de sua nascente indústria biotecnológica,
o sonharam – o projetam, o programam e que- apressaram-se em constituir bancos ex situ
rem nos impor – nossos atuais “conselheiros que pudessem assegurar-lhes acesso à biodi-
pérfidos”? Postulá-lo é justamente dar crédito versidade do planeta, [incluindo] fragmentos
àquilo que sua máquina quer nos fazer crer. do patrimônio genético de todos os povos indí-
É não ver senão a noite ou a ofuscante luz genas e tradicionais do mundo em vias de de-
dos projetores. É agir como vencidos: é estar saparecimento, para futuras aplicações. Ainda
convencidos de que a máquina realizou seu não se sabia, e muitas vezes ainda não se sabe,
trabalho sem resto nem resistência. É não o que fazer com os recursos coletados. O que
ver senão o todo. É portanto não ver o espa- importava, e importa, é a sua apropriação
ço – fosse intersticial, intermitente, nômade, antecipada. A lógica de tais operações parece
improvavelmente situado – das aberturas, dos ser: os seres biológicos – vegetais, animais e
possíveis, dos lampejos, dos apesar de tudo.49 humanos – não têm valor em si, como exis-
tentes; o que conta é o seu potencial. Pois se
E acrescenta: “Para saber dos vaga-lumes, é preciso vê- os seres contassem, a iniciativa consistiria em
-los no presente de sua sobrevivência: é preciso vê-los salvá-los da extinção, em preservá-los em sua
dançar vivos no coração da noite, ainda que essa noite integridade, em protegê-los e ao seu habitat.
fosse varrida por alguns projetores ferozes”.50 O desafio Mas não é essa a ideia: o foco não estava nos
consistiria em sustentar uma penumbra em que eles pu- corpos, nos organismos, nos indivíduos, nos
dessem aparecer com sua luz própria, em vez de projetar seres vivos, e sim nos seus componentes, nas
sobre eles os holofotes da razão ou do espetáculo, que os suas virtualidades. A tecnociência e o capital
ofuscam. Foi o que fizeram Deleuze, que diante do bom- global não estão interessados nos recursos
bardeamento de palavras de que somos vítimas defendia biopolíticos – plantas, animais e humanos. O
“vacúolos de silêncio”, a fim de que tivéssemos por fim que conta é o seu potencial para reconstruir o
algo a dizer,51 e Deligny, que precisou retirar-se das ins- mundo, porque potencial significa potência no
tituições existentes e do burburinho dos anos 1960 para processo de reprogramação e recombinação.
montar sua “tentativa”, sua “jangada”, ou, ainda ele, em [...] A única “coisa” que conta é a informação.54
meio à saturação de imagens que o rodeava precisou
desertar o “filmar” para dar a ver uma imagem nua. Não Um ser vivo é reduzido a um pacote de informações, e
será tal penumbra, ou silêncio, enxugamento, subtração, o privilégio do virtual visa “preparar o futuro para que
desaceleração, no contexto contemporâneo, a condição ele já chegue apropriado, trata-se de um saque no futuro
de possibilidade para a instauração de modos de existên- e do futuro”.55 A própria vida torna-se patenteável com
cia mínimos? Não será isto necessário para preservar a a colonização do virtual e a capitalização da informação
própria possibilidade? genética. A resistência, pois, que também passa pela
defesa dos povos vivos, nota o autor, visa a “possibilidade

259
de outros devires, diferentes daquele concebido pela Esgotamento e vidência
tecnociência e o capital global. Vale dizer: luta pela exis-
tência... e pela continuidade da existência”.56 Não há novo modo de existência que não seja fruto de
Ante à performatividade do capital, segundo uma mutação subjetiva, de uma ruptura com as significa-
Hardt e Negri, seria preciso imaginar algo como uma ções dominantes. O possível deixa de ficar confinado ao
contraperformatividade,57 cujas formas de expressão têm domínio da imaginação, ou do sonho, ou da idealidade,
se multiplicado em várias partes do globo, inclusive no e se alarga em direção a um campo – o campo de possí-
Brasil. É claro que a natureza dos protestos ocorridos veis. Mas, “como abrir um campo de possíveis?”, pergun-
em junho de 2013 apontam para uma outra gramática po- ta François Zourabichvili, ao se debruçar sobre textos de
lítica, na qual a forma é já parte do sentido: a horizontali- Deleuze.62 Não serão os momentos de insurreição ou de
dade e a ausência de centro ou de comando nas manifes- revolução precisamente aqueles que deixam entrever a
tações. Se os protestos daquele momento dramatizaram fulguração de um campo de possíveis? “O acontecimento
uma recusa da representação, talvez também expressa- cria uma nova existência, produz uma nova subjetividade
ram certa distância em relação às formas de vida que se (novas relações com o corpo, o tempo, a sexualidade, o
têm imposto brutalmente nas últimas décadas tanto em meio, a cultura, o trabalho...)”.63 Tais momentos, sejam
nosso contexto como no mundo todo: produtivismo de- individuais ou coletivos (como o Maio de 68), correspon-
senfreado aliado a uma precarização generalizada, mobi- dem a uma mutação subjetiva e coletiva em que aquilo
lização da existência em vista de finalidades cujo sentido que antes era vivido como inevitável aparece subitamen-
escapa a todos, um poder farmacopornográfico, como te como intolerável, e o que antes sequer era imaginável
afirma Preciado58 (de que são exemplos a insistência na torna-se pensável, desejável. Trata-se de uma redistri-
cura gay, a Ritalina administrada em massa às crianças buição dos afetos que redesenha a fronteira entre o que
inquietas, o monitoramento medicamentoso dos humo- se deseja e o que não se tolera mais. Ora, não se poderia
res, da excitação, da tranquilidade, da felicidade), a fabri- usar este critério igualmente para diferenciar as formas
cação do homem endividado, como indica Lazzarato59 (a de vida? Uma vida não poderia ser definida também pelo
crise dos derivativos é apenas um pequeno exemplo de que deseja e pelo que recusa, pelo que a atrai e pelo que
um sistema econômico e subjetivo generalizado no qual lhe repugna? Por exemplo, o que no capitalismo se de-
se fabricam dívida e culpa simultaneamente), a capita- seja e o que nele se abomina? Será o mesmo que na tra-
lização de todas as esferas da existência, em suma, um dição monástica, numa cultura indígena, no movimento
niilismo biopolítico que não pode ter como revide senão hippie e no leninismo? Será o mesmo que entre idosos,
a vida multitudinária posta em cena. Os movimentos poetas, skinheads e transexuais? De propósito multiplica-
ocorridos atestam uma nova composição do trabalho me- mos aqui os planos, as esferas, os âmbitos, pois também
tropolitano, que exige condições de circulação nas ruas e deveríamos perguntar, no rastro das últimas décadas, o
nas redes que vão na contramão da privatização crescen- que se deseja e o que já não se tolera em relação ao cor-
te dos espaços urbanos,60 uma relação direta entre a rua po, à sexualidade, à velhice, à morte, à alteridade, à mi-
e a rede61 etc. Mas é possível afirmar, além dessas análi- séria etc. Não se poderia dizer que é isso tudo que define
ses precisas, que muitos outros desejos se expressaram uma sensibilidade social? E não seria essa sensibilidade
assim que a porteira da rua foi arrombada. Falamos de social que vem sofrendo mudanças paulatinas ou brus-
desejo, e não de reivindicações, justamente porque rei- cas, por vezes numa aceleração inesperada, sobretudo
vindicações podem ser satisfeitas, mas o desejo obedece em momentos de crise ou ruptura?
a outra lógica – ele tende à expansão, se espraia, conta- Sim, algo parece ter se esgotado nas formas
gia, prolifera, se multiplica e se reinventa à medida que de vida que pareciam inevitáveis. O esgotamento pode
se conecta com outros. Talvez uma outra subjetividade ser uma categoria política, biopolítica, micropolítica até,
política e coletiva esteja (re)nascendo, aqui e em outros desde que se compreenda que não equivale a um mero
pontos do planeta, para a qual carecemos de categorias cansaço, nem a uma renúncia do corpo e da mente. Mais
e parâmetros: mais insurreta, anônima, múltipla, de mo- radicalmente, é fruto de uma descrença, de uma ope-
vimento mais do que de partido, de fluxo mais do que de ração de desgarramento; consiste num descolamento,
disciplina, de impulso mais do que de finalidades; nela numa deposição – em relação às alternativas que nos
se mesclam mobilização e suspensão, com um poder de rodeiam, às possibilidades que nos são apresentadas, aos
convocação incomum, sem que isso garanta nada, muito possíveis que ainda subsistem, aos clichês que os me-
menos que ela se torne o novo sujeito da história. diam e que amortecem nossa relação com o mundo, tor-
nando-o tolerável, porém irreal e, por isso mesmo, intole-
rável e não mais digno de crédito. O esgotamento desata
aquilo que nos liga ao mundo, que nos prende a ele e aos
outros, que nos agarra às suas palavras e imagens, que
nos conforta no interior da ilusão de inteireza (do eu, do

260
Edward Krasiński, Spear, 1963-1965 [Lança]

261
nós, do sentido, da liberdade, do futuro) da qual já desa- nários, virtuais, invisíveis, possíveis ou, para usar uma
creditamos há tempo, mesmo quando continuamos a ela outra série, espíritos, deuses, animais, plantas, forças
apegados. Há nessa atitude de descolamento certa cruel- etc.). Se tal ambiguidade é inevitável, é porque não há
dade, sem dúvida, mas ela carrega uma piedade – a que como separá-los: as maneiras de viver dos humanos são
desata os liames.64 Apenas através de uma desaderência, indissociáveis dos planos de existência com os quais
de um despregamento, de um esvaziamento, bem como convivem (e ambos podem ser chamados de modos de
da impossibilidade que assim se instaura, advém a neces- existência), assim como a vida é inseparável da forma de
sidade de outra coisa que, ainda pomposamente demais, vida e uma vida é inseparável de suas variações. É possí-
chamamos de “criação de possível”. Não deveríamos vel que o capitalismo, ou o biopoder, ou o eurocentrismo,
abandonar essa fórmula aos publicitários, mas tampouco ou nossa ontologia caduca, apostem precisamente numa
sobrecarregá-la de uma incumbência demasiado impera- cisão entre eles, interferindo assim na possibilidade
tiva ou voluntariosa, repleta de vontade. Talvez caiba pre- mesma de outras maneiras de viver, da mesma maneira
servar, de Beckett, a dimensão trêmula que em meio à que investem na maquinação, no monitoramento e na
mais calculada precisão, nos seus poemas visuais, aponta rentabilização de certos planos de existência (para ficar
para o estado indefinido a que são alçados os seres, e num exemplo “infantil”, a produção crescente de jogos
cujo correlato, mesmo nos contextos mais concretos, é a eletrônicos e sua onipresença na vida infantil e adulta).
indefinição dos devires, onde eles atingem seu máximo Na contramão dessa tendência, seria preciso fazer-se o
efeito de desterritorialização – e as pessoas se pergun- advogado dos modos de existência que “não existem”
tam, então: o que é mesmo que está acontecendo? Para (aos nossos olhos).
onde vai isso tudo? O que querem os insurgentes? Eduardo Viveiros de Castro, que entende uma
É aí que se poderia invocar a figura do vidente, ou duas coisas sobre os modos de existência no âmbito
à qual Deleuze recorre sobretudo em seus livros sobre da antropologia ameríndia, resumiu o desafio de sua
cinema. O vidente enxerga em uma situação determina- disciplina como sendo o de levar a sério o pensamento
da algo que a excede, que o transborda e que nada tem indígena e verificar que efeitos ele tem sobre o nosso
a ver com uma fantasia. A vidência tem por objeto a pró- modo (ocidental) de pensar.65 Tomemos o exemplo do
pria realidade em uma dimensão que extrapola seu con- conhecimento. Para nós, conhecer pressupõe neutralizar
torno empírico, para nela apreender suas virtualidades, o objeto de conhecimento de toda intencionalidade e
inteiramente reais, porém ainda não desdobradas. O que dessubjetivá-lo por inteiro.
o vidente vê, como no caso do insone de Beckett – mas a Nosso jogo epistemológico chama-se a objetiva-
vidência pode ser coletiva, evidentemente –, é a imagem ção: o que não foi objetivado permanece irreal ou abstra-
pura, seu fulgor e apagamento, sua ascensão e queda, to. A forma do Outro é a coisa. O xamanismo ameríndio
sua consumação. Ele enxerga a intensidade, a potência, é guiado pelo ideal inverso: conhecer é “personificar”,
a virtualidade. Não é o futuro, nem o sonho, nem o ideal, tomar o ponto de vista daquilo que deve ser conhecido.
nem o projeto perfeito, mas as forças em vias de redese- Ou, antes, daquele que deve ser conhecido. Pois o princi-
nharem o real. O vidente pode ser o artista, o pensador, pal é saber “o quem das coisas” (Guimarães Rosa)(...). A
a singularidade qualquer, o anônimo, o pobre, o autista, o forma do Outro é a pessoa.66
louco; em todo caso, é aquele que, à sua maneira, chama Assim, a etnografia da América indígena
por um modo de existência por vir. Apesar da diferença está povoada de referências a uma teoria cosmopolítica
de tom, não estamos longe dos modos de existência que que descreve um universo habitado por diversos tipos
pedem uma instauração e aos quais nos cabe (mas quem de actantes ou de agentes subjetivos, humanos e não hu-
é este nós?), eventualmente, responder. É toda a arte da manos – os deuses, os animais, os mortos, as plantas, os
instauração que aí nos é requerida. fenômenos meteorológicos, com frequência os objetos e
os artefatos também – todos munidos de um mesmo con-
junto geral de disposições perceptivas, apetitivas e cogni-
Modos de existência humanos-inumanos tivas, dito de outro modo, de uma “alma” semelhante.67
Um mundo é composto de uma multiplicidade
Não queremos escamotear as dificuldades que se acu- de pontos de vista, dos quais cada um está ancorado num
mularam – para ficar no exemplo mais simples, a flutu- corpo, cada corpo equivale a um feixe de afetos e capaci-
ação de sentido no sintagma “modo de existência”. De dades, e é aí que vem alojar-se aquele que tem alma – um
fato, essa expressão ora parece referir-se a uma maneira sujeito. A alteridade ganha assim contornos cósmicos e
de viver dos ditos humanos (por exemplo, modo ativo ou proteiformes, e sua virtualidade se alastra por toda parte,
reativo, nobre ou vulgar, afirmativo ou negativo, cheio sem deixar-se subsumir a uma unidade transcendente.
ou vazio, majoritário ou minoritário), ora aos modos de O contraste com nossa submissão ao Estado é
existir dos seres com os quais esses mesmos humanos gritante. No posfácio ao livro A arqueologia da violência,
têm um comércio íntimo (seres fenomênicos, solicitudi- de Pierre Clastres, Viveiros de Castro afirma:

262
Pois existe, sim, um “modo de ser” muito a vida em geral, e com as inumeráveis formas singulares
característico do que ele [Clastres] chamou de vida que ocupam (informam) todos os nichos possí-
sociedade primitiva, e que nenhum etnógrafo veis do mundo que conhecemos”.72
que tenha convivido com uma cultura Talvez seja nessa linha que se possa repensar a
amazônica, mesmo uma daquelas que ética, tal como faz Pierre Montebello, ao definir o gesto
mostra elementos importantes de hierarquia ético como o que “toma em conta o conjunto das vidas”,
e de centralização, pode ter deixado de fazendo-as ressoarem73 – “um humanismo depois da
experimentar em toda sua evidência, tão morte do homem”, diria Combes; 74 um humanismo sem
inconfundível como elusiva. Esse modo homem, que se edifica sobre as ruínas da antropologia.
de ser é “essencialmente” uma política da
multiplicidade [...] a política da multiplicidade
é antes um modo de devir do que um modo de Modos de existência, modos de desistência,
ser [...] em suma, é um conceito que designa
um modo intensivo de existência ou um
modos de resistência
funcionamento virtual onipresente.68 Felizmente, nesse debate ninguém pode ter a palavra
final – nem o antropólogo, nem o filósofo, nem o artista,
A definição do modo intensivo de existência, obvia- nem o clínico, nem o cientista. Como não reconhecer o
mente, não poderia deixar-nos indiferentes, já que coloca direito de cada um de formulá-lo à sua maneira, segundo
em xeque, junto aos conceitos e embates evocados, os sua inflexão própria, sendo o equívoco a condição de pos-
modos de existência predominantes entre nós – mas sibilidade dessa polifonia? Quer se chame de modo de
tampouco deveria ser reificada. existência, possibilidade de vida, estética da existência,
Lembremos, a propósito, o que diz Deleuze: ou- forma de vida, existência nua, o que está em jogo, sem-
trem expressa um mundo possível; outrem não coincide pre, é um pluralismo existencial em que diferentes seres,
com um outro que o encarnaria. Quando isso acontece, cada qual com sua maneira de existir, em diferente grau
como em Proust, com Albertine, cujo rosto acaba ex- e intensidade de existência, podem ser instaurados, mas
primindo o “amálgama da praia e das ondas”, o mundo também desinstalados, de modo que entre eles ocorram
dito possível, que antes estava ali apenas implicado, passagens, transições, saltos e também desfalecimen-
envolvido, complicado, passa a ser explicado, distendido, tos, evaporações, esgotamentos. Existências possíveis,
concretizado. Ora, o filósofo vê aí um risco, que sustenta estados virtuais, planos invisíveis, aparições fugazes,
sua advertência: “não se explicar demais [...] não se ex- realidades esboçadas, domínios transicionais, inter-
plicar demais com outrem, não explicar outrem demais, mundos, entremundos: é toda uma outra gramática da
manter seus valores implícitos, multiplicar nosso mundo, existência que aí se pode conjugar. A cada vez que nos
povoando-o com todos esses expressos que não existem entregamos a um ser, a uma obra, a uma teoria, a uma
fora de suas expressões”.69 aposta política, científica, clínica ou estética, instauramos
Ora, o que Viveiros de Castro pede à antropolo- um modo de existência e, assim, num efeito bumeran-
gia, na esteira dessa advertência, é que ela recuse “atua- gue, experimentamos um modo de existência (com suas
lizar os possíveis exprimidos pelo pensamento indígena” derivas) para nós mesmos. Instaurar não é algo vago
– seja os “desrealizando como fantasias dos outros”, seja ou nebuloso. Latour mostra como, no caso da ciência, a
os “fantasmando como sendo atuais para nós”.70 Talvez instauração requer dispositivos experimentais – a prepa-
isso signifique preservar tais possíveis enquanto possí- ração ativa da observação e a produção de fatos capazes
veis – ou preservar tais virtualidades enquanto virtuali- de revelar se a forma realizada pelo dispositivo é ou não
dades, inclusive virtualidades do nosso pensamento. “Se apta a apreendê-los.75 O mesmo poderia se dizer de um
há alguma coisa que cabe de direito à antropologia, não dispositivo clínico ou no limite do estético que lidasse
é a tarefa de explicar o mundo de outrem, mas aquela de com “existências ínfimas” – não por acaso, o filme de
multiplicar nosso mundo, ‘povoando-o com todos esses Deligny chama-se Le moindre geste [O mínimo gesto] e
expressos que não existem fora de suas expressões’”.71 um delicado documentário rodado na clínica psiquiátrica
Eis uma maneira singular, entre muitas outras, de res- de La Borde, La moindre des choses [Mínimas coisas] –,
peitar um modo de existência – não o efetuar, explicar, como se a intensidade e a molecularidade praticamente
concretizar, desenvolver – mas deixar que ele percuta, invisíveis dessas existências frágeis e vulneráveis preci-
que ele varie. sasse de um plano sutil, de consistência, de composição,
Afinal, que relação haveria, no contexto em que de sustentação, no qual a movência e a metamorfose não
se move o antropólogo, entre os seres, as maneiras de representassem um risco, mas o tablado para uma traje-
viver e os planos de existência? São absolutamente indis- tória, para uma experimentação. Daí os dispositivos es-
sociáveis. “A diversidade dos modos de vida humanos é pecíficos, como as linhas de errância, a rede, a contigui-
uma diversidade dos modos de nos relacionarmos com dade, em Deligny, ou o canto do xamã concebido como

263
1 Para um panorama a respeito dessa linhagem de autores, na qual se
tecnologia apta a reverter a perspectiva cosmológica, em encontram William James, Alfred North Whitehead, Gabriel Tarde,
Davi Kopenawa ou na experiência transcultural da ópera Gilbert Simondon, Étienne Souriau, para não mencionar Gottfried W.
Leibniz ou Friedrich Nietzsche, cf. Didier Debaise (org.), Philosophie des
Amazonia, entre outros. possessions, Paris: Les presses du réel, 2011.
Sempre a pergunta: quais seres tomar a cargo? 2 A ópera Amazônia foi uma criação coletiva elaborada ao longo de quatro
De quais incumbir-se? Como ouvir seus sussurros? anos e apresentada em Munique e São Paulo em 2010, com participação
Como dar-lhes voz? Como deixar-se percutir, afetar-se? de instituições europeias, brasileiras e Yanomami. Cf. Laymert Garcia
dos Santos, Amazonia transcultural, xamanismo e tecnociência na ópera,
Como instaurá-los preservando a singularidade de seu São Paulo: n-1 edições, 2013, p.27.
modo de existência? Como abri-los às passagens e às 3 Bruno Latour, Enquête sur les modes d´existence: une anthropologie des
metamorfoses? Não se trata apenas de frágeis minorias modernes, Paris: La Découverte, 2012, p.208.
constituídas, e sua enumeração seria quase infinita, nem 4 Cf. Etienne Souriau, Les différents modes d´existence, Paris: PUF, 2009.
de entes planetários ameaçados de extinção, também 5 B. Latour e Isabelle Stengers, “Le sphynx de l’oeuvre”, in E. Souriau, op.
em número crescente, ou ainda dos planos de existência cit., p.11.
descartados diariamente (solicitudinários, virtuais), mas 6 E. Souriau, L´instauration philosophique, Paris: Alcan, 1939, p.68.
também dos devires minoritários de todos e de cada um: 7 E. Souriau, La couronne d´herbes, Paris: UGE, 1975, p.53.
dos seres gaguejantes, dos apenas esboçados, dos que 8 Idem, ibidem.
desistiram, dos seres por vir ou dos que jamais virão à 9 E. Souriau, Avoir une âme: essai sur les existences virtuelles, Paris: Belles
Lettres, 1938, p.17.
existência, dos que a história dizimou, dos futuros so-
10 D. Lapoujade, “Souriau: une philosophie des existences moindres”, in:
terrados no passado, daquele povo de zumbis que antes D. Debaise (org.), op. cit., pp.175-76
era apenas um “fundo” e que, por vezes, como no cinema
11 E. Souriau, Les différents modes d´existence, op. cit., p.109.
(ou na História?), enfim invade a cena como protagonista
12 Idem, p.192.
mutitudinário.76 Portanto, trata-se de nossa própria exis-
13 D. Lapoujade, op. cit.
tência, incompleta sempre, em estado de esboço, de obra
14 Ibidem.
por fazer, que cabe prolongar como se prolonga o arco
15 E. Souriau, Les différents modes d´existence. Op. cit., p.106.
virtual de uma ponte quebrada ou em construção.
16 Cf. F. Deligny, L’Arachnéen et autres textes, Paris: L’Arachnéen, 2008,
p. 11, a ser publicado em tradução brasileira pela n-1edições.
17 Cf. F. Deligny, Oeuvres, ed. Sandra Álvarez de Toledo, Paris:
L’Arachnéen, 2008.
18 Cf. F. Deligny, “Acheminement vers l’image”, in Oeuvres, op. cit., 2008,
p.1670.
19 F. Deligny, “Camérer”, in Oeuvres, 2008, p.1744.
20 Idem, p.1734.
21 Jean-Fraçois Chevrier, “L’image, ‘mot nébulouse’ ”, in F. Deligny,
Oeuvres, op. cit., p.1780.
22 “Eu não aprendi a pensar as coisas da floresta fixando meus olhos sobre
peles de papel, eu as vi de verdade ao inalar o sopro de vida de meus
ancestrais, com o pó de yakoaña que eles me deram. É dessa maneira
que eles me transmitiram igualmente o sopro dos espíritos que multipli-
cam agora minhas palavras e estendem meu pensamento por toda parte
[...] Contudo, para que minhas palavras sejam ouvidas longe da floresta,
eu as fiz desenhar na língua dos brancos. Talvez assim eles afinal as
compreendam, e depois deles, seus filhos e, mais tarde ainda, os filhos
de seus filhos. Desse modo seus pensamentos em relação a nós deixa-
rão de ser tão sombrios e torcidos e talvez eles até acabem perdendo a
vontade de nos destruir. Se for assim, os nossos cessarão de morrer em
silêncio, ignorados por todos, como tartarugas escondidas sob o solo da
floresta” (Davi Kopenawa e Bruce Albert, La Chute du ciel: paroles d’un
chaman yanomami, Paris: Plon, 2010, p.51).
23 Esta expressão foi cunhada por David Lapoujade e aparece no artigo
citado acima.
24 G. Deleuze, Nietzsche e a filosofia, trad. Edmundo Fernandes Dias e Ruth
Joffily Dias, Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p.83.
25 G. Deleuze e F. Guattari, O que é a filosofia?, trad. Bento Prado Jr. e
Alberto Alonso Muñoz, Rio de Janeiro: Editora 34, 1992, p.93.
26 Idem, p.98.
27 Idem, p.99.
28 Idem, p.193.
29 G. Agamben, De la très haute pauvreté: règles et forme de vie, Paris:
Rivages, 2013, p.81 (Homo Sacer, vol. IV 1).
30 Agamben encontra a expressão “forma de vida” já em Cícero, Sêneca
e Quintiliano, nos quais “forma” tem o sentido de exemplo, modelo. O

264
modo de vida adere a uma forma ou modelo a tal ponto que torna impos- 60 Cf. Giuseppe Cocco, em vários artigos publicados na imprensa brasileira
sível separá-los, servindo assim de exemplo. e conferências disponíveis no Youtube.
31 Não é diferente daquilo que a profanação evoca, ao restituir ao uso 61 Cf. L. Garcia dos Santos, em Glauco Faria e Igor Carvalho, “É preciso
comum o que tinha sido separado na esfera do sagrado. Cf. G. Agamben, entender as redes e as ruas”, Portal Fórum, 20 out. 2013, disponível em
Profanations, Paris: Rivages, 2006. revistaforum.com.br/blog/2013/10/e-preciso-entender-as-redes-e-as-
-ruas, acesso em 28 maio 2014.
32 E. Castro, Introdução a Giorgio Agamben: uma arqueologia da potência,
Belo Horizonte: Autêntica, 2012, pp.195, 213. 62 F. Zourabichvili, “Deleuze e o possível (sobre o involuntarismo na
política)”, in: É. Alliez (org.), Gilles Deleze: uma vida filosófica, São Paulo:
33 G. Agamben, Moyens sans fin, Paris: Rivages, 1995, p.14.
Editora 34, 2000.
34 E. Castro, op. cit., p.171.
63 G. Deleuze e F. Guattari, “Mai 68 n’a pas eu lieu”, in: D. Lapoujade
35 G. Agamben, op. cit., pp.20, 22. (org.), Deux régimes de fous, Paris: Minuit, 1968.
36 G. Agamben, La potenza del pensiero, Vicenza: Neri Pozza, 2005, p.402. 64 G. Deleuze e F. Guattari, “Tratado de nomadologia: a máquina de guer-
37 Cf. M. Foucault, A coragem da verdade, trad. Eduardo Brandão, São ra”, Mil Platôs, vol. 5, trad. Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa, São Paulo:
Paulo: Martins Fontes, 2012, e o lúcido comentário de F. Gros ao fim do Editora 34, 1997, p.13.
volume, intitulado “Situação do curso”. 65 Cf. E. Viveiros de Castro, Métaphysiques cannibales, Paris: PUF, 2009,
38 Idem, p.112. p.166.
39 Idem, p.208. 66 Idem, ibidem.

40 Idem, p.213. 67 Idem, p.21.

41 Idem, p.297. 68 E. Viveiros de Castro, “Posfácio”, in: Pierre Clastres, A arqueologia da


violência, trad. Paulo Neves, São Paulo: Cosac Naify, 2004, p.343.
42 Idem, p.251. É no mínimo curioso que no prefácio à edição americana de
O anti-Édipo, Foucault tenha comparado este livro à Introdução à vida 69 G. Deleuze, Diferença e repetição, trad. Luiz B. L. Orlandi e Roberto
devota, de São Francisco de Sales, considerando-o um livro de ética, “o Machado, Rio de Janeiro: Graal, 2006, p.364.
primeiro livro de ética que se escreveu na França desde muito tempo”, 70 E. Viveiros de Castro, Métaphysiques cannibales, op. cit., p.169.
acrescentando que “ser anti-Édipo se tornou um estilo de vida, um modo
71 Idem, ibidem.
de pensamento e de vida. Como fazer para não se tornar fascista mesmo
quando (sobretudo quando) acredita-se ser um militante revolucionário? 72 E. Viveiros de Castro apud Renato Sztutman (org.), Eduardo Viveiros de
Como livrar nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos Castro, Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2008, p.256 (col. Encontros).
prazeres do fascismo? Como desalojar o fascismo que se incrustou
73 P. Montebello, “Gilbert Simondon, une metaphysique de la participa-
em nosso comportamento? Os moralistas cristãos buscavam os traços
tion”, in: D. Debaise (org.), Philosophie des possessions, op. cit., p.138.
da carne (chair) que se tinham alojado nas dobras da alma. Deleuze e
Guattari, por sua vez, perscrutam os traços mais ínfimos do fascismo 74 M. Combes, Simondon: individu et collectivité, Paris: PUF, 1999, p.85
no corpo” (M. Foucault, Dits et ecrits, vol. III, Paris: Gallimard, 1994, (col. Philosophies).
pp.134-135). 75 Cf. B. Latour e I. Stengers, Enquête sur les modes d´existence: une anthro-
43 Cf. Muriel Combes, La vie inseparée: vie et sujet au temps de la biopoli- pologie des modernes, op. cit., p.15.
tique, Paris: Dittmar, 2011, p.52. 76 Cf. Olivier Schefer, “Les figurants au cinéma ou le peuple qui manque:
44 M. Foucault, Dits et Écrits, IV, Paris: Gallimard, 1994, p237. pour une histoire invisible des images”, apresentado no colóquio “L’En-
vers du décor: émergence des formes et agencements d’existence”,
45 M. Combes, op. cit., p.90. Paris, 29 jan. 2014.
46 I. Stengers, Penser avec Whitehead, Paris: Seuil, 2002, p.34
47 S. Rolnik, Geopolítica da cafetinagem, São Paulo: n-1 edições, 2014.
48 O tema foi pesquisado no contexto dos coletivos europeus por M. Zech-
ner, The World We Desire Is One We Can Create and Care for Together: on
Collectivity, Organisation, Governance and Commoning in Times of Crisis
and Precarity, tese de doutorado, Londres: Queen Mary University of
London, 2013, a ser publicado pela n-1 edições.
49 G. Didi-Huberman, Survivance des lucioles, Paris: Minuit, 2009, p.36
50 Idem, ibidem.
51 M. Hardt e A. Negri têm razão ao notar que o paradoxo de que o silêncio
seja necessário para que haja pensamento é apenas aparente, já que
“para Deleuze o objetivo não é que haja silêncio, mas ter algo a dizer”
(Déclaration: ceci n’est pas um manifeste, Paris: Raisons d’Agir, 2012, p.
26, a ser publicado em coedição entre a n-1 edições e a Annablume como
Declaração: Isto não é um manifesto).
52 B. Massumi, Economias do ontopoder: Jornada até os limites do
neoliberalismo, a ser publicado pela n-1 edições.
53 B. Massumi, A User’s Guide to Capitalism and Schizophrenia,
Cambridge, MA: MIT Press, 2002.
54 L. Garcia dos Santos, Politizar as novas tecnologias, São Paulo: Editora
34, 2003, p.84.
55 Idem, p.92.
56 Idem, ibidem.
57 Cf. M. Hardt e A. Negri, op. cit.
58 Cf. B. Preciado, Testo Yonqui, Madri: Espasa, 2008, a ser publicado pela
n-1 edições em português.
59 Cf. M. Lazzarato, La fabrique de l’homme endetté: essai sur la condition
néolibérale, Paris: Éditions Amsterdam, 2011.

265

Você também pode gostar