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ESPECIALIZAÇÃO EM TERAPIA COMPORTAMENTAL:

TEORIA E PRÁTICA
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO USP-SP

Terapia do Luto: contribuições e reflexões sob a perspectiva


da Análise do Comportamento

Dafne Rosane Oliveira

São Paulo, janeiro/2014


ESPECIALIZAÇÃO EM TERAPIA COMPORTAMENTAL:
TEORIA E PRÁTICA
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO USP-SP

Terapia do Luto: contribuições e reflexões sob a perspectiva


da Análise do Comportamento

Autora: Dafne Rosane Oliveira


Supervisora: Drª Maly Delitti
Monitores: Bruna Garcia Forlim e Gabriel Delitti
Coordenadora do curso: Drª Maria Martha Hubner

Trabalho apresentado
como requisito do Curso de
Especialização em Terapia
Comportamental: teoria e
prática, oferecido pelo Hospital
Universitário da Universidade
de São Paulo, para a obtenção
do título de Especialista em
Terapia Comportamental.

São Paulo, janeiro/2014


Dedico esse trabalho ao querido professor e
orientador de mestrado Lincoln Gimenes, que
mesmo sem querer reacendeu em mim um
interesse muito genuíno, de forma peculiar, unindo
um momento tão delicado de sua vida pessoal com
a avidez de um eterno pesquisador, que busca
sempre investigar e encontrar motivos para se ter
um mundo melhor.
Agradecimentos

Aos meus pais, que me apoiaram em mais uma etapa de investimento em minha
carreira.

Aos meus irmãos, companheiros a cada minuto de alegria ou tristeza, e de cada


conquista.

Ao Ti e Ana, que me acolheram em seu lar por tantas semanas, com muito carinho e
atenção.

A minha amada dupla Gabi, que caiu como um anjo e me deixou aprender e ensinar na
nossa parceria de sintonia perfeita.

A minha querida e admirada supervisora Maly, que soube direcionar minha trajetória da
teoria para a prática clínica, dosando reforço positivo, negativo e punição, e garantindo
um ambiente de muito aprendizado.

Aos queridos monitores, Bruna e Gabriel, que modelaram meu comportamento de


terapeuta, com dicas muito importantes e elogios contagiantes.

As minhas bolotas queridas, Gabi, Nana, Sarah e Lu, que fizeram meu ano mais feliz,
com cada risada, com cada discussão, com cada almoço e happy hour que completavam
o prazer de estar ao lado de vocês, analistas do comportamento tão adoráveis.

A todos os professores que nos deram aula durante o curso e aos colegas de supervisão.

A Martha Hubner e Regina Wielenska, que mesmo não sendo minhas supervisoras
estiverem presentes esclarecendo dúvidas e ministrando ótimas aulas.

A toda a equipe da especialização, Michele e Vilma, e novamente à querida professora e


coordenadora Martha Hubner.

E ao meu cliente, que permitiu ser ajudado e me ajudou muito no meu processo de
aprendizagem de terapeuta. Sou muito grata por isso.
“Quem não pensa e não reflete sobre a morte,
acaba por esquecer da vida. Morre antes, sem perceber (...)

(...) “Eu não tenho medo de morrer... Só tenho pena.


A vida é tão boa..."

Rubem Alves
Resumo

A Terapia do Luto é uma modalidade de atendimento clínico psicoterápico

voltado para queixas relacionadas a diversos tipos de perdas que envolvam o processo

de luto. Diversas abordagens dentro da Psicologia abordam o tema e exercem suas

análises e intervenções de acordo com seu arcabouço teórico. O objetivo do presente

trabalho é reunir as principais contribuições encontradas na literatura sobre o tema:

perdas, morte, luto e terapia do luto, e fazer análises e reflexões sob a ótica da Análise

do Comportamento. Hoje em dia há poucos trabalhos na literatura comportamental que

abordem o tema diretamente, embora a Terapia Comportamental se ocupe por vezes

com queixas relacionadas a diversos tipos de perdas. Será investigado como a Análise

do Comportamento pode interpretar e aplicar seus preceitos na clínica comportamental

que trabalha com o luto como queixa clínica, e formas de trabalhar o luto em

modalidades educativas, preventivas e terapêuticas.


Índice

Introdução ........................................................................................................................1

1. Análise do Comportamento ........................................................................................2

1.1 Análise do Comportamento e o estudo da morte e luto .........................................4

1.2 Terapia Comportamental .........................................................................................5

2. Morte e luto ..................................................................................................................7

2.1 Representações de morte ..........................................................................................8

2.2 O processo do luto ...................................................................................................11

2.3 Fases do luto .............................................................................................................12

2.4 Tarefas do luto ........................................................................................................ 15

2.5 Tipos de luto .............................................................................................................17

2.6 Luto e DSM ..............................................................................................................19

2.7 Mediadores do luto ..................................................................................................20

3. Interpretações do luto a partir de conceitos comportamentais ............................22

4. Análise funcional do luto...........................................................................................26

5. Terapia Comportamental do luto ............................................................................28

6. Velhice e o medo da morte ........................................................................................30

Considerações Finais ....................................................................................................33

Referências ....................................................................................................................34
De uma forma geral a Psicologia estuda interações de organismos com seu

ambiente, em especial referindo-se ao homem, mesmo que tenha que recorrer a estudos

com outras espécies de animais para entendê-lo. (Todorov 2007, Keller & Schoenfeld,

1966). Podemos falar de interações e estudá-las durante qualquer fase da vida, desde o

nascimento até a morte. E nesse processo é notório que os organismos se relacionam

entre si e formam vínculos. Podemos exemplificar com as relações que são criadas e

cultivadas entre pais e filhos, tios, irmãos, amigos, padrinhos e madrinhas de qualquer

natureza, companheiros de trabalho, animais de estimação e etc. Havendo vínculo de

parentesco ou não, durante toda nossa vida criamos e cultivamos vínculos, alguns mais

fundamentais e duradouros, outros mais transitórios e não por isso menos importantes.

Contudo, naturalmente, esses vínculos são rompidos em algum momento da

vida. Portanto, são recorrentes eventos relacionados a perdas, que podem envolver

morte e o processo do luto. Nesse sentido, é tema propício para estudos em Psicologia:

sobre a forma como criamos, rompemos e lidamos com a formação e rompimento de

vínculos. E é natural que eventos relacionados às perdas são comumente motivos que

levam as pessoas a buscar alguma ajuda, como a terapia. O rompimento de um

relacionamento amoroso, a perda de um emprego, uma mudança de país, o término de

uma faculdade: são exemplos de eventos que envolvem muitas perdas, e por isso

comumente estão relacionados a eventos aversivos e a muito sofrimento a quem por eles

passam.

Mas além dos tipos de perdas descritos, acontecem também as perdas

ocasionadas por morte, o que geralmente envolve um processo de luto. Franco (2010)

aponta que o luto pode ser entendido e trabalhado com base em múltiplas referências, e

que acima de tudo o luto parte necessariamente de um posicionamento diante da

realidade, pois é justamente desse fenômeno que se trata: formar e romper e vínculos.

1
Nesse sentido, falamos de luto com referência tanto às perdas em geral, como no que

diz respeito a uma reação diante da ocorrência de morte. Todavia, é mais comum ouvir

falar e comentar sobre as perdas em geral. Cotidianamente, parece ser mais fácil

conversar com um amigo sobre um rompimento amoroso do que sobre a morte da

pessoa amada. O assunto morte, mesmo estando muito presente no cotidiano, é pouco

discutido tanto no âmbito familiar quanto no acadêmico.

Falar sobre morte pode causar estranhamento, repulsa e desconforto, por se tratar

de um tema que gera muitas perguntas, às vezes muita revolta, e a sensação de não saber

como agir que vem misturada com o sofrimento, inevitável. Dessa forma, estamos

sujeitos a nos deparar com a ocorrência da morte de pessoas queridas, com as quais

formamos vínculos, e é quando vivenciamos o processo do luto, que é uma resposta do

organismo para lidar com a perda. Parkes (1998) aponta que o luto é uma resposta

normal para um estresse que será vivido pela maioria em algum momento da vida.

No presente trabalho será feita uma análise do material disponível na literatura

sobre tratamento clínico psicoterápico do luto em diversas abordagens. Entretanto, a

base teórica que fundamenta as análises feitas neste estudo será a Análise do

Comportamento. Hoje em dia há poucos trabalhos na literatura comportamental que

abordem o tema. Portanto, serão analisadas as contribuições dos trabalhos de outras

abordagens, e será feita uma proposta de estudo e intervenção direcionados para as

queixas clínicas relacionadas à perdas, morte e luto, sob a perspectiva da Análise do

Comportamento, o que vamos chamar de Terapia Comportamental do Luto.

1. Análise do Comportamento

A Análise do Comportamento (AC) é uma ciência que se destina a estudar, em

última instância, o comportamento humano, embasado pela filosofia do Behaviorismo,

2
que apresenta uma visão de homem e mundo que lhe são caraterísticas e que sustentam

os princípios dessa abordagem. O homem é visto sob uma perspectiva interacionista:

“Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas

consequências de sua ação. ” (Skinner, (1992/1957)

Para a AC todo comportamento tem uma função, alguma circunstância que

mantém a ocorrência daquele comportamento em uma determinada situação. Tal função

muitas vezes é nitidamente percebida, como quando uma criança chora e tem a atenção

da mãe. Mas algumas vezes a função não é percebida claramente, e exige uma análise

mais cuidadosa para averiguar o que está mantendo aquele comportamento. Em alguns

casos, é necessário que essa análise seja feita rapidamente pois pode trazer prejuízos a

quem emite o comportamento. Por exemplo, se uma criança tem comportamentos auto

lesivos é importante entender sua função, para que ele possa ser extinguido e substituído

por outro comportamento que não traga danos a quem está se comportando.

Nesse sentido, para entender porque fazemos o que fazemos, ou seja, porque um

comportamento ocorre precisamos analisar a história de vida de quem se comporta. Essa

análise é referenciada pelo modelo de seleção pelas consequências, que se constitui

através de três níveis de seleção, a saber, o nível filogenético – relacionado à

sobrevivência das espécies e à carga genética que carregamos; o nível ontogenético, que

diz respeito aos comportamentos que emitimos, que operam sobre o ambiente, e por fim

o nível cultural, que está relacionado à influência das práticas culturais, da cultura a qual

está inserido o comportamento em questão. Portanto, qualquer comportamento, está

sempre sendo influenciado por esses três níveis, em diferentes intensidades. (Skinner,

1981)

A tradição da AC tem suas raízes na pesquisa básica, com experimentos com

animais não humanos e humanos, investigando e ditando leis para o comportamento.

3
Porém, além disso a AC tem se ocupado a estudar qualquer fenômeno envolvido no

comportamento humano, desde práticas parentais até comportamentos pró-ambientais.

Acredita-se que a Análise do Comportamento tenha ferramentas importantes

para a análise de processos comportamentais que estejam envolvidos em situações de

perdas, morte e luto. Pretende-se, portanto, trazer uma discussão das principais

produções na área de morte e luto, apresentar propostas de intervenção no contexto

educativo e terapêutico, individual e grupal, por meio da terapia comportamental do

luto; e ademais, dialogar por meio da linguagem da Análise do Comportamento, de

acordo com a visão de homem e mundo característicos da abordagem.

1.1. Análise do Comportamento e o estudo da morte e luto

Tradicionalmente, as abordagens que trabalham com luto, como a Psicanálise, a

Gestalt e a Fenomenologia são mentalistas. A Análise do Comportamento difere dessas

abordagens ao rejeitar o mentalismo: ao rejeitar que os eventos mentais sejam causa do

comportamento. Isso apresenta implicações importantes, uma vez que pode se

caracterizar como alvo de críticas ao estudo do luto pela AC. Nesse sentido, é possível

que algumas pessoas rejeitem a abordagem do luto em termos comportamentais, por

argumentar que os processos psicológicos, como o sofrimento do luto, são as causas das

reações comportamentais do enlutado e que, portanto, deve-se abordar o psicológico e

não o comportamento. Hoshino (2006) aponta que:

“Esta dicotomia mente-corpo derivado das pressuposições filosóficas


da antiguidade não mais se sustenta frente aos conhecimentos atuais
das neurociências e a insistência em sua manutenção revela
desconhecimento dos avanços tidos nesta área ou questão de fé. O
segundo ponto é a crítica que muitas pessoas fazem ao behaviorismo e
todas as demais posições correlatas acusando-os de negarem os
processos psicológicos que são eminentemente subjetivos. Estas
pessoas desconhecem que o neobehaviorismo radical aborda estes
processos como comportamentos encobertos (privados) e sua

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obediência aos mesmos princípios dos comportamentos observáveis. ”
(p. 313)

E essa perspectiva não desumaniza em nada o tratamento dado ao enlutado. O

estudo da morte e do luto envolve processos psicológicos básicos (como a memória e a

percepção) e fenômenos complexos, que deverão ser analisados como qualquer outro

comportamento. E além disso, Hoshino (2006) sugere que o luto humano seja uma

manifestação filogeneticamente adquirida através de mutações sucessivas e preservada

em função da vantagem trazida para a sobrevivência (valor adaptativo), o que mostra a

influência do nível filogenético.

1.2 Terapia Comportamental

O modelo clínico da terapia comportamental baseia-se na proposta do

Behaviorismo para suas análises e intervenções. Na prática clínica tem como um dos

instrumentos mais valiosos a análise funcional (AF). A AF identifica a relação entre os

eventos ambientais e as ações do organismo, e por meio dela que é possível o

levantamento correto dos dados necessários para o processo terapêutico. (Delitti, 1997).

Dessa forma, busca-se entender as variáveis das quais o comportamento alvo na terapia

é função, e possíveis formas de modificação do ambiente, para propiciar eventos

antecedentes que sejam favoráveis às respostas desejadas.

Uma queixa, que corriqueiramente aparece em consultórios, está relacionada a

diversos tipos de perdas que acontecem durante o curso da vida. De fato, desde que

nascemos estamos vivenciando perdas, como a interrupção do leite materno, a perda de

um amiguinho que vai morar longe, a morte de um animal de estimação, uma desilusão

amorosa, a morte de um parente ou a separação de um casal. Como vimos, essas perdas

podem ou não estar relacionadas à morte, e pode envolver um processo de luto.

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No trabalho clínico típico, quer em consultórios ou clínica-escolas, não é

possível que haja um controle rigoroso de variáveis, para se saber claramente quais

estão sendo manipuladas, quais estão sendo modificadas, em suma o que é função de

que. (Guilhardi, 1997). Da mesma maneira, com queixas clínicas de luto, fica difícil a

experimentação, pois muitas vezes pode ser aversivo no processo terapêutico que sejam

levantados dados para a investigação científica do caso.

Uma possibilidade é que sejam feitos trabalhos por meio de entrevistas em

pessoas enlutadas, identificando variáveis que influenciam o enfrentamento. O trabalho

de Fernandes & Lopes (2010) investigou por meio de uma entrevista semiestruturada as

respostas de enfrentamento e de culpa em pais enlutados. Foram identificadas as respostas

de culpar outras pessoas pela morte do filho e justificar que o filho já havia cumprido sua

missão de vida. Como respostas de culpa foram identificadas a responsabilidade pela

morte do filho, por deixar de fazer algo relacionado ao papel social paterno, aprendido e

socialmente cobrado, como por exemplo, estar distante do filho de quatro anos, no momento do

acidente e morte por afogamento; e dúvidas quanto à busca do melhor tratamento para o

filho de 18 anos, com cardiopatia congênita. Tanto os comportamentos de culpa como os de

enfrentamento estavam relacionados à causa da morte.

Atualmente têm surgido diversos modelos clínicos em terapia comportamental. Cada

um a sua maneira enfatiza algumas variáveis e apresenta formas de entender e intervir diante às

queixas. Pode-se citar a FAP (sigla em inglês de Psicoterapia Analítico Comportamental), ACT

(sigla em inglês para Terapia de Aceitação e Compromisso), e a Terapia Comportamental

Dialética. O objetivo desse trabalho não é apresentar tais terapias, nem tão pouco analisá-las,

mas como algumas premissas da FAP são muito compatíveis com a proposta da Terapia

Comportamental do luto, elas serão mais especificadas em seções seguintes.

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2. Morte e luto

A morte é um evento natural que faz parte da vida de qualquer pessoa. Pode

ocorrer de diversas formas e em diferentes momentos do ciclo de vida. Ainda assim, é

um assunto que comumente causa desconforto, incertezas e temor. Trata-se de um

evento que modifica o ambiente no qual ele ocorre, que compreende as pessoas que

estão vivas. O efeito desse evento é proporcional às contingências que estavam em vigor

e que envolviam o ambiente da pessoa que morreu.

A Tanatologia (estudo da morte e o morrer) envolve o estudo desse tema a partir

de diversos olhares, e muitas áreas se interessam por vertentes do tema, como a

Psiquiatria, a Psicanálise, a Antropologia, a Etologia, e a Psicologia de uma forma geral.

Combinato & Queiroz (2006) apontam que o ato de morrer, além de um fenômeno

biológico natural, apresenta uma dimensão simbólica, relacionada tanto à psicologia

como às ciências sociais. A morte apresenta-se como um fenômeno impregnado de

valores e significados dependentes do contexto sociocultural e histórico em que se

manifesta. Essa citação é muito compatível com a visão da AC de que o ambiente irá

influenciar o efeito do evento morte naquele ambiente, a depender da história de vida

dos envolvidos, e de fatores culturais que possam exercer influência.

O luto é uma reação diante de uma perda. Parkes (1998) aponta que o luto

refere-se a um processo, e não um estado, e envolve uma sucessão de quadros clínicos,

que se mesclam e se substituem. Franco (2007) mostra que o processo de luto é uma

resposta natural e esperada após uma perda importante, que pode ser decorrente de

morte, afastamento, perda de capacidades físicas ou psicológicas, do ambiente

conhecido – casa, cidade, país - e, ainda, por experiências que envolvem mudanças e

exigem da pessoa uma reorganização de diversos fatores na vida de uma pessoa.

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Ademais, Hoshino (2006) destaca que a perda desencadeadora do luto consiste

em deixar de se ter o que tinha, na maioria das vezes, alguém ou algo do ambiente a

quem ou ao qual se tinha vínculo afetivo. Isto significa que a perda acarreta modificação

de uma situação ambiental que proporcionava bem-estar. O fato de o luto ser reação a

uma modificação, geralmente ambiental, implica que ele é um conjunto de respostas de

interação com o meio. Portanto, trata-se de um conjunto de comportamentos, públicos e

privados, que envolvem a perda de diversas fontes de reforçamento.

Vários estudiosos se debruçaram em entender o processo de luto e

frequentemente postularam a existência de etapas e fases para a realização desse

processo. Passar por essas etapas, que tem características típicas, seria uma forma de

obter uma resolução para esse tipo de condição ao qual nos deparamos diante de uma

perda. Tais fases serão descritas e analisadas posteriormente na seção que aborda o

processo do luto.

2.1 Representações de morte

Podemos falar de vários tipos de morte, a depender da forma como elas ocorrem,

e a interpretação que damos a elas, que serão proporcionais à visão de morte, crenças e

motivações envolvidas. Até porque, podemos falar de uma morte simbólica, por

exemplo, se pensarmos em uma criança que nasça com alguma doença grave ou uma

deficiência. Não se trata de uma morte concreta e isso pode representar uma morte

simbólica, a morte do filho idealizado. Além disso, podemos falar da morte natural e

não natural. Hoje em dia com o avanço da tecnologia em promover a extensão da vida é

difícil falar em morte natural. Mas podemos pensar também em acidentes ou doenças

graves que levam crianças a óbito, que evidentemente são encaradas como morte não

normais, não naturais, pois fala-se que elas vão na contramão da lei da vida, que seria

nascer, viver e morrer na velhice.

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Philippe Ariès (2003, 1975) é um autor conhecido na área de estudos da morte,

por ter uma vasta literatura em que fala sobre a morte no ocidente e expõe diversas

representações de morte, que serão descritas brevemente, de acordo com a análise do

mencionado autor. Elas se constituem pela visão de morte da época e das características

de vida, crenças e atitudes peculiares.

Uma representação diz respeito à morte domada, que se insere principalmente na

visão da época, em meados da Idade Média, quando havia a consciência de que todos

nós iremos morrer e que a morte faz parte da vida. Era comum que a morte ocorresse

por doenças ou ferimentos fatais, e a morte temida era aquela que fosse abrupta,

repentina, que não deixava tempo para despedidas. Isso está relacionado ao fato de que

a morte estava envolvida em um evento familiar que incluía a espera no leito, e o que

chamavam do cerimonial do moribundo, situação em que havia o lamento pela vida, a

evocação de pessoas e coisas amadas, o perdão e a absolvição sacramental. (Ariès,

2003, 1975)

Há também a morte interdita, que era permeada pela visão de que a morte era

algo vergonhoso, que envolvia repugnância, fracasso, impotência e tendência de ocultar

o moribundo, que ficava solitário. A morte não era mais vista como um fenômeno

natural, e era comum a chamada medicalização da morte, quando os moribundos eram

levados aos hospitais para morrer, lugar que era conveniente para esconder a

repugnância e aspectos sórdidos ligados à doença. Dessa maneira, foi ficando mais

comum a supressão do luto e das manifestações de dor. (Ariès, 2003, 1975)

Seguindo adiante fala-se da morte reumanizada. Diante do avanço da medicina

que busca a todo custo impedir ou adiar a morte, surge a humanização da morte, junto

com a rejeição a uma morte medicalizada, trazendo a possibilidade de que as pessoas

possam se preparar para morrer. Nesse sentido fala-se muito em cuidados paliativos,

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que representa o grande pilar do processo de reumanização da morte. (Ariès, 2003,

1975)

Nesse contexto que se inserem as discussões éticas sobre o efeito dos avanços na

medicina na escolha dos pacientes em se submeterem ou não aos processos que adiam a

morte. Com descrições bem simples serão citados esses processos, que podem estar

fortemente envolvidos em como as pessoas lidam com a finitude, seja da própria pessoa

ou de pessoa queridas. Temos a distanásia, que refere-se a manter a pessoa viva mais

tempo do que o necessário, sem que haja chances de melhora. A eutanásia, que no

Brasil é crime, é ajudar uma pessoa a obter sua própria morte, seja por qual motivo for.

E a ortotanásia, que é considerada como a boa morte, quando se cuida para que a pessoa

tenha uma morte digna, sem procedimentos fúteis que iriam somente prolongar a vida

sem qualidade.

Por fim, temos a descrição de Kovács (2003), que fala da morte escancarada,

que convive com a morte interdita e a morte reumanizada. Ela está relacionada com as

mortes violentas, em guerras, tragédias, desastres e emergências, envolvendo a

banalização da morte:

“A morte escancarada por ser inesperada não permite preparo prévio.

Envolve múltiplos fatores que podem dificultar a sua elaboração:

perdas múltiplas (morte de várias pessoas da mesma família), perdas

invertidas (filhos e netos que morrem antes de pais e avós), presença

de corpos mutilados, desaparecimento de corpos e cenas de violência.

” (Kovács, 2003, p. 150)

Essa representação de morte envolve a veiculação pela mídia de cenas fortes, de

superexposição e sensacionalismo em cima de tragédias. São vários os exemplos dessa

exposição, e Kovács (2003) apresenta uma reflexão importante em relação a isso, pois é

fato que hoje em dia, com a globalização e a rapidez de transmissão dos meios de

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comunicação é inevitável que as tragédias sejam noticiadas, contudo deve haver muito

cuidado com a forma como as notícias são apresentadas, de modo a gerar uma reflexão

em quem assiste, a fim de combater a banalização e criar possibilidades de discussão, e

não somente gerar perplexidade e desconforto.

Portanto, fica claro que o ambiente em que a morte ocorre vai determinar em

grande amplitude a forma como ela será encarada. E quando fala-se em ambiente faz-se

referência ao qualquer aspecto envolvido que possa modificar o comportamento: as

pessoas envolvidas (juntamente com sua história de vida permeada de aprendizagens

que ajudam ou dificultam o enfrentamento), as condições nas quais as mortes

acontecem, as expectativas em relação a ela, a forma como é veiculada, seja pelos

familiares ou pelas redes de comunicação em massa. Sem contar que todos esses

aspectos estão atuando em conjunto e de acordo com as valores e preceitos de uma

sociedade, de uma cultura, de uma parcela da população, de uma família ou de uma

pessoa que faça parte da vida de quem se foi.

2.2 O processo do luto

Vimos que o luto faz referência a um estresse diante de uma perda, e que trata-se

de um conjunto de comportamentos, públicos e privados, que envolvem a perda de

diversas fontes de reforçamento. Acredita-se que qualquer pessoa irá passar por esse

processo em algum momento da vida, seja o luto diante de mortes ou de outras perdas.

O comportamento de enfrentamento à morte é determinado por diversos fatores,

e como qualquer outro comportamento ele é selecionado pelas suas consequências (cf

Skinner 2003/1953), e sofre muita influência do nível ontogenético (em relação ao

repertório que a pessoa possui para lidar com perdas e rompimento de vínculos) e do

nível cultural, em referência à como a comunidade em questão enxerga a questão da

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morte. Isso envolve muitos pontos de vista, crenças religiosas, sobre a finitude da vida e

a existência de diversos tipos de rituais.

Kovács (2008) aponta que a expressão do luto terá características peculiaridades

de acordo com os ritos familiares e a cultura em questão. Não há julgamentos em

relação aos tipos de rituais, mas ressalta-se sua importância, como estratégia que facilita

a elaboração do luto. Essa questão demonstra a influência do terceiro nível de seleção, a

cultura. São vários os autores que investigaram e buscaram algumas regularidades na

vivência do processo de luto. É comum falar de fases e estágios que devem ser vividos

para a elaboração do processo de luto.

Quando falamos em elaboração do luto, termo comum na área, nos referimos à

vivência da perda, ou seja, a entrar em contato com as contingências da perda, com os

estímulos aversivos, com a perda de reforçadores e eventualmente o ganho de

reforçadores também (como quando uma viúva recebe uma boa herança do marido), e

lidar com essas novas contingências de forma que não haja sofrimento que impeça a

pessoa de realizar suas atividades rotineiras e que lhe são reforçadoras.

2.3 Fases do luto

Klüber-Ross (1996) é talvez a referência mais citada na área, e é conhecida pela

elaboração das cinco fases do luto. A autora tem uma vasta produção nas questões da

morte e luto, e inicialmente criou as fases quando investigava o processo que levava um

paciente terminal aceitar sua condição. Mas ela percebeu que essas fases também se

aplicavam as pessoas que vivenciavam uma perda. Inicialmente tem-se a fase da

negação, quando a pessoa nega a ocorrência da morte e mostra não acreditar que a

pessoa amada está de fato morta. Por exemplo, pais que esperam ansiosamente o filho

chegar em casa, mulheres que colocam um prato na mesa para o marido falecido.

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A segunda fase é a raiva, marcado por sentimentos de revolta, inveja e

ressentimento. É comum o aparecimento de agressividade e atribuição de causa ou

culpa para algo ou alguém. A fase da barganha é marcada pela tentativa de alguma

espécie de negociação que possa mudar ou evitar a perda. É comum o apelo a entidades

divinas e quaisquer crenças por meio de pactos ou promessas. A fase da depressão é

permeada por extrema tristeza, choro, introspecção e isolamento. E por fim, a última

fase é a da aceitação, que não significa o fim do sofrimento, mas um período em que a

pessoa deixa de lutar contra a morte, a aceita e isso facilita o enfrentamento. (Klüber-

Ross, 1996)

Parkes (1998) também postulou as fases do luto da seguinte maneira: Alarme,

Torpor, Depressão, e Recuperação/Organização. Rando (1993) orgazinou as fases em:

Evitação ou negação, Confrontação, Acomodação. E por fim, Saunders (1989, 1999)

falou em: Choque, Consciência da perda, Conservação-retirada, Elaboração, Reparação.

Todas essas classificações são similares às fases de Klüber-Ross, no sentido geral de

não aceitar a morte inicialmente, confrontar, tentar evitar a realidade da forma que for

possível, extrema tristeza diante da realidade e conseguir aceitar a condição. Essas fases

são meras descrições de um conjunto de comportamentos que são comumente emitidos

diante perdas. Não tem um compromisso cronológico, elas podem não acontecer na

ordem descrita, e geralmente se mesclam e se confundem. E mesmo após a aceitação

nada impede que a pessoa emita comportamentos típicos das fases anteriores.

A ideia de falar em fases do luto é interessante, uma vez que quando falamos em

pesquisa que tem como objetivo gerar conhecimento para aplicação é notória a

necessidade de uma sistematização, para facilitar a linguagem entre os pesquisadores e

para o registro adequado dos achados em cada um dos pacientes. Contudo, é preciso

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fazer uma análise cuidadosa para não encaixar a dor dos pacientes em fases sem ter a

devida análise da função de cada comportamento dentro de um contexto.

Gimenes (2012) compartilha um exemplo pessoal em um relato proferido

durante uma palestra na ABPMC (Associação Brasileira de Psicologia e Medicina

Comportamental) em 2012, em que mostra de forma singela e nítida as fases do luto:

“Numa nota pessoal quero dizer que estou vivendo um longo período
de luto às avessas. Não removeram minhas fontes de reforçamento.
Porém, minhas condições físicas me impedem de acessá-las. Já neguei
que isso pudesse estar acontecendo comigo. Já tive raiva, já chutei o
pau da barraca e rodei a baiana. Já tentei negociar com todas as
entidades divinas. Já tive períodos de depressão e muito choro.
Atualmente, estou tentando lidar com a aceitação, buscando novas
fontes de reforçamento. Estar presente hoje aqui é uma dessas
tentativas”. (Gimenes, 2012, p.77)

Nesse mesmo texto descrito acima, Gimenes aponta um o trabalho que traz uma

contribuição muito relevante, ao comparar as fases do luto de Klüber-Ross com a

extinção operante. Brevemente, a partir de um registro cumulativo de uma sessão de

extinção foi possível identificar as semelhanças entre os comportamentos do rato nesta

situação com os estágios do luto: negação, raiva, negociação ou barganha, depressão e

aceitação.

“Na negação, no início da extinção o rato continua respondendo como


se nada houvesse mudado; na raiva, o animal começa a morder a barra
e partes da caixa; na negociação, o animal volta a pressionar a barra
tentando obter os reforços; na depressão, o animal para de responder e
se isola em um canto da caixa; na aceitação, finalmente o rato volta a
andar e farejar livremente pela caixa como fazia antes de aprender a
responder na barra. Os estágios intermediários podem ou não ocorrer e
sua duração varia de indivíduo para indivíduo. O importante é que em
ambos os casos estamos descrevendo o processo da perda de uma
fonte de reforçamento críticos. ” (Gimenes, 2012, p. 77)

14
2.4 Tarefas do luto
Outra autora muito conhecida por sua produção é James William Worden,

principalmente com seu livro: Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto: um manual

para profissionais de saúde mental. Diferente das fases do luto ela fala sobre tarefas do

luto como estratégias para se alcançar a resolução. Sua proposta é interessante, na

medida em que dá mais autonomia a pessoa que está vivenciando o luto, pois na medida

em que completa as tarefas a pessoa se sente segura para avançar no enfrentamento e

entrar em contato com as novas contingências advindas com a morte. (Worden,

2013/1932)

A primeira tarefa é aceitar a realidade da perda. Em meio à negação e a procura

em encontrar o morto em outra pessoa (às vezes a pessoa jura ter visto a pessoa morta e

pensa que ele pode estar vivo e precisando de ajuda), é necessário aceitar que a pessoa

morreu e não irá voltar nunca mais. É válido pensar em uma questão de controle de

estímulos, pois há uma atenção seletiva no ambiente que faz com que a pessoa foque

sua atenção em qualquer coisa que lembre o falecido. Por exemplo, repara-se que vários

carros iguais o dele passaram na rua, repara-se nas pessoas que tem um biotipo e

características fenotípicas parecidas com o morto e com isso podem haver essas

confusões que só atrapalham no discernimento de que a realidade é a morte. (Worden,

2013/1932)

A segunda tarefa é processar a dor do luto, dar um espaço para a dor, que em

outras palavras seria: entrar em contato com as contingências e não se esquivar. É

comum que a esquiva aconteça por meio da idealização do morto, da evitação de

lembranças, de objetos, o uso de drogas e viagens. A estratégia da esquiva pode ser

muito boa a curto prazo, mas a longo prazo pode ter um efeito desastroso, pois muitas

vezes quando a pessoa percebe que esteve longe e quer voltar para de fato se despedir

15
da pessoa, de suas coisas, objetos e lugares, é tarde demais. É comum que a família

interfira nesse sentido, como por exemplo, um caso em que um viúvo, após o enterro de

sua esposa, chega na casa onde viveu cinquenta anos de casamento e encontra tudo

diferente: móveis novos, tudo organizado diferente e sem as fotos, sem as roupas, sem

os pertences de sua esposa. Essa atitude é de extrema violência, embora com boa

intenção, pois o enlutado está vulnerável e pode não perceber que o importante é que ele

entre em contato com as contingências e que aos poucos, na medida em que haja

habituação, ele consiga se desfazer do que não é mais necessário na ausência da pessoa

amada. (Worden, 2013/1932)

A terceira tarefa é ajustar-se a um mundo sem a pessoa morta, o que envolve

segundo Worden (2013/1932), ajustes internos, externos e espirituais. É uma fase de

adaptação à perda, de análise dos papéis que eram antes desempenhados, das novas

habilidades e funções que vem pela frente e de identificação e aceitação dos ganhos com

a perda. Por exemplo, um pai que precise aprender a criar os filhos na ausência da mãe;

e uma herança rejeitada por acreditar-se que o dinheiro é maldito.

A quarta tarefa é encontrar uma conexão duradoura com a pessoa morta em

meio ao início de uma nova vida. Worden (2013/1932) diz que é preciso criar: “novos

padrões de vida que incluam as relações modificadas, porém duradouras, com aquelas

pessoas que foram importantes e amadas”. Em outras palavras, pode-se dizer que é

esperado que o enlutado fique sob controle de estímulos relacionados ao morto que não

lhe tragam um sofrimento insuportável, como por exemplo, falas características, valores

compartilhados, costumes que podem ser repetidos até como uma espécie de

homenagem ao morto. Dessa forma estabelece-se uma essa conexão com o morto sem

que isso prejudique os planos e as atividades que são previstas nessa nova vida, sem o

morto.

16
2.5 Tipos de luto

O processo de luto normal pode ser comparado a uma adaptação sadia à perda e

torna-se organizado quando a morte é tomada como algo real, com o enlutado

apontando certa disponibilidade para novos investimentos em sua vida, ou seja, diante

da perda de uma fonte de reforçadores é preciso buscar outras fontes e lidar com as

perdas. Esse processo sugere a reorganização da nova rotina do dia a dia, caracterizando

assim um processo de luto bem elaborado.

Hoje em dia, fala-se em luto virtual. Diante da presença frequente e intensa das

redes sociais e da internet como meio de comunicação imediato, tem sido comum a

expressão da dor virtualmente. Fagundes (2012) conduziu um estudo em que analisou e

realizou a comparação das fases do luto com a extinção operante em uma página de uma

rede social, analisando as mensagens, principalmente da mãe e da namorada, no perfil

de um jovem que morreu em um acidente de moto. Sobre isso Filipakis et al (2006)

apontam uma vantagem e uma desvantagem desse tipo de expressão:

“a) esta forma de enfrentamento auxilia no processo de elaboração de


cada etapa da perda, por configurar uma forma de socialização e
extravasamento dos sentimentos dos enlutados;
b) pode haver um prolongamento desnecessário e martirizador de
algumas etapas do processo de enlutamento”.

Quando se fala em luto patológico (termo substituído hoje em dia por luto

complicado), falamos da intensificação dos processos presentes no luto normal (tanto

em relação ao tempo de duração quanto em relação ao comprometimento provocado

pelos sintomas). Essa intensificação assume um caráter irreversível, integrando-se a

vida do enlutado e impedindo a reorganização de sua vida e a construção de novos

projetos para o futuro (Kovács, 2008).

17
Existem alguns fatores complicadores do luto, que se referem ao tipo de morte

e/ou circunstância do acontecimento. Existe o luto antecipatório, quando normalmente

são nítidas as fases do luto, por exemplo, diante de um diagnóstico de uma doença

incurável. O luto parental, envolve a morte de um filho, que muitas vezes é chamada de

morte invertida e costuma envolver culpa dos pais por algum motivo não ter cuidado do

filho como deveria. O luto adiado, acontece normalmente quando não há vivência do

luto, por muitos fatores, e ocorre muito tempo após o acontecimento da morte ou perda:

quando as contingências reais da perda na estão mais presentes. O luto não autorizado,

quando por questões de crenças e costumes não há aceitação socialmente, como o luto

por animais, aborto, ou de amantes. Há também o luto coletivo, e um exemplo foi o

acidente na boate Kiss, em Santa Maria no Rio Grande do Sul, onde houve muitas

mortes e a cidade toda ficou de luto pelo acontecimento. Por fim o luto suspenso, que

ocorre por desaparecimento, quando há ausência do corpo.

Segundo Rando (1993), há consequências sérias quando não se cuida de pessoas

que apresentam risco para processos de luto complicado. É preciso: (a) identificar

fatores de risco; (b) delinear tendências sócio-culturais e tecnológicas que possam

exacerbá-las; (c) observar o que é necessário ser trabalhado para se evitar um luto

complicado.

Há uma importante distinção que deve ser feita quando falamos de luto, tristeza

e depressão. A tristeza está presente no luto e na depressão. O sentimento de tristeza

geralmente se relaciona com a perda de reforçadores (Catania, 1999), ou seja, uma

determinada fonte de reforço deixa de sê-lo. Quando o brinquedo preferido de uma

criança quebra, ela fica triste porque não poderá mais brincar com ele. A perda de um

ente querido provoca tristeza, já que não poderemos mais ter as interações sociais

reforçadoras que tínhamos com aquela pessoa.

18
Dependendo do oferecimento de reforçadores na vida da pessoa, pode acontecer

de a perda ser muito significativa, e ou, as fontes de reforçamento serem muito restritas,

o que permite que uma profunda tristeza se instale. Geralmente as pessoas com quadro

de depressão se encaixam nesse perfil. (Hubner, 2012) Contudo, é importante não

confundir depressão com luto, pois o luto não é uma doença e não precisa

necessariamente do tratamento dado a uma doença. Alguns casos de luto podem

precisar de medicação, mas trata-se de uma reação de a um estresse, a uma perda

significativa, e após a resolução do luto, havendo a adaptação à perda, a pessoa deixa de

sentir a tristeza profunda que pode ser confundida com depressão, e se tratada como tal

pode trazer mais prejuízos do que benefícios ao enlutado.

2.6 Luto e DSM

O luto não é uma doença. Embora possa ser permeado por extrema tristeza e

com sintomas de depressão, o luto não é uma doença e não é a mesma coisa que

depressão. O luto encontra-se no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de

Transtornos Mentais, que encontra-se na quinta edição) e desde a primeira publicação o

luto já foi considerado como necessário de atenção, sendo classificado como “outras

condições que podem ser foco de atenção clínica. ” (Parkes, 1998)

No DSM-IV ele é considerado como um transtorno de adaptação, e pode ser

definido pelo conjunto de sintomas emocionais e comportamentais desenvolvidos por

um ou mais estressor, como alguma doença, morte ou desemprego. Seus principais

sintomas são: insônia, angústia, isolamento social, anedonia, irritabilidade, fadiga, baixa

auto-estima, pessimismo, hostilidade, impulsividade e, às vezes, uso de substâncias.

(Manfrinato, 2011)

Recentemente, estudiosos do luto estiverem presentes em uma polêmica que

envolvia a publicação da quinta edição do DSM, pois essa edição excluiu a regra que

19
elimina o luto dos sintomas de depressão. A mudança é justificada pela ressalva de que

os médicos deverão ficar alerta para diferenciar o luto normal do diagnóstico de uma

doença mental e outra ressalva para o fato de que a depressão e o luto podem coexistir.

(Kupfer, 2013) Contudo, essa questão levanta outra preocupação, pois uma pessoa que

está de luto por ao menos duas semanas pode ser diagnosticada com depressão, e poderá

ser medicada para isso. É preocupante que pacientes enlutados sejam medicados sem

necessidade, uma vez que o medicamento pode deixar a pessoa em uma situação em que

não seja possível vivenciar de fato as contingências, e isso, como já vimos, é um fator

de risco para um luto complicado.

2.7 Mediadores do luto


Além das tarefas do luto, Worden (2013/1932) apresenta em seu livro

mencionado, uma seção muito interessante em que vai elencando fatores que

influenciam a vivência do luto, pois sabe-se que esses efeitos são muito diferentes. Para

algumas pessoas o luto é uma experiência muito intensa, para outros muito leve; para

alguns o luto começa com o comunicado sobre a morte, e para outros trata-se de uma

experiência adiada. E até mesmo sobre o fim do processo, os autores não tem um

consenso. Bowbly (1980) e Parkes (1998) são unânimes ao afirmar que o luto acaba

quando a pessoa acaba o processo de restituição. Para Worden (2013/1932) o luto acaba

quando a tarefas do luto são cumpridas. Alguns autores falam de períodos, quatro

meses, um ano, dois anos. É comum falar-se em um ano pelo menos, pois é quando o

enlutado vive com a ausência do morto, ao menos uma vez, todas as comemorações e

datas importantes de um ano.

Um dos mediadores do luto refere-se ao vínculo, a quem era a pessoa que

morreu, qual era o relacionamento entre elas, seus conflitos, suas conquistas juntos, ou

seja, de que forma ocorria o relacionamento. Essa questão é muito importante, pois mais

importante que parentesco ou tempo de convivência a intensidade do vínculo é um fator

20
fundamental na magnitude do luto. Outro mediador é a condição da perda, como a

pessoa morreu: inicialmente fala-se da sigla NASH (natural, acidental, suicídio e

homicídio), e sobre fatores de como ocorreu: se foi repentina ou inesperada, se envolvia

uma grande distância física ou se foi em local próximo, se a morte foi violenta e/ou

traumática, se envolve múltiplas perdas, mortes evitáveis, perdas ambíguas, mortes

estigmatizadas (que normalmente estão relacionadas com o luto não autorizado).

(Worden, 2013/1932)

Outra questão refere-se aos antecedentes históricos: idade, gênero, história de

como a pessoa resolve seus problemas e suas estratégias de enfrentamento. É importante

a investigação da história prévia em relação a transtornos psiquiátricos, tentativas de

suicídio e abuso de drogas, se existe uma rede social de apoio, se houve ganhos

secundários com a perda (bens materiais por exemplo), e se existem estressores

concorrentes: outras questões que já aconteciam antes da perda ou que se intensificaram

com a perda, como por exemplo outras perdas. Outra questão muito importante são os

rituais: evidentemente que não existe um ritual específico obrigatório, pois isso vai

depender das crenças de cada pessoa, mas é fato que os rituais após a morte ajudam na

elaboração do luto, na medida em que funcionam como uma homenagem, uma

celebração ao morto, e uma confirmação de que aquilo realmente aconteceu. (Worden,

2013/1932)

Todos esses mediadores nada mais são que descritores das contingências que

vão mediar a interpretação da perda pelo enlutado. Uma leitura correta do ambiente irá

facilitar a compreensão do ocorrido, e minimizar as chances de que a morte esteja

envolvida com culpa, o que é muito comum de acontecer. Além disso, essa leitura do

ambiente, que pode ser direcionada pelo terapeuta durante o processo terapêutico,

envolve ainda a adaptação e a programação de contingências futuras que facilitem a

21
resolução do luto. E naturalmente que a história de vida, o repertório comportamental e

a variabilidade comportamental vão mediar esse enfrentamento.

3. Interpretações do luto a partir de conceitos comportamentais

A literatura científica em psicologia experimental dispõe de vários conceitos

construídos e validados em laboratórios que descrevem a forma como nos relacionamos

com o mundo. Essa seção exige algum conhecimento prévio desses conceitos que

podem ser adquiridos com a literatura especializada. (cf Skinner, 1978, Keller &

Schoenfeld, 1966, Sidman, 1976, Miguel, 2000)

Para interpretarmos as reações diante uma perda fala-se em controle de

estímulos. Pois sabemos que processos psicológicos, como a memória, atenção e

percepção, estão envolvidos com a compreensão das relações entre estímulos e

ambiente, que são selecionados por meio de contingências de reforçamento. E estar

atento a algo, prestar atenção/estar atento a/focar a atenção sobre, nada mais é que um

comportamento operante, controlado por suas consequências e estímulos antecedentes.

(Strapasson & Dittrich, 2008)

Portanto, diante de uma perda, de algo ou alguém com o qual havia um vínculo,

a atenção fica focada naquilo, nas lembranças do vínculo, e em qualquer outro tipo de

estímulo que tenha uma equivalência funcional ou semelhança física com o objeto ou

pessoa perdida. Lembrar é ver na ausência da coisa vista, e é comum que o enlutado

lembre de muitas coisas relacionadas a perda, e que até pense ver de fato a pessoa, uma

vez que há uma sensibilidade alterada que faz com que o enlutado fique sob controle de

estímulos que lembrem o morto.

Por exemplo, uma mãe, após perder o filho adolescente pode jurar que viu a

bicicleta do filho na porta do supermercado, quando na verdade é só uma bicicleta

22
parecida. Um viúvo pode se chatear por sentir a todo momento cheiro de comida, como

quando sua mulher cozinhava, e na verdade o cheiro esteve sempre presente, vindo de

outras casas próximas, mas ele nunca havia percebido até a morte de sua mulher. Ou até

mesmo, morre um cachorro querido, e seu dono começa a reparar e achar que existem

muitos cachorros pela rua e isso lhe traz sofrimento; e na verdade os cachorros sempre

estiveram lá, mas antes não faziam parte do ambiente do dono.

Conforme já apontado podemos falar em termos de extinção sobre o processo

que ocorre diante uma perda. Se pensarmos que a extinção é uma operação que

suspende o reforço, e que a perda trata-se da retirada de um reforçador crítico para a

pessoa, podemos interpretar a extinção operante como similar à reação de luto. A tabela

1, adaptada do trabalho de Fagundes (2012) ilustra a comparação:

Tabela 1.
Comparação entre as fases do luto e as fases da curva da extinção.
Fases do luto – Kluber-Ross Fases da curva de extinção

Negação Burst1

Raiva Agressividade adjuntiva

Barganha Variabilidade comportamental

Depressão Diminuição da taxa de respostas acompanhada de respondentes

Aceitação Retorno ao nível operante

Da mesma forma, se pensarmos que operação estabelecedora são operações,

eventos, que estabelecem ou modulam o valor de um determinado estímulo como

reforçador, podemos dizer que a morte pode se tornar uma operação estabelecedora, de

privação e/ou estimulação aversiva. Parkes (1998) que não compartilha da literatura

comportamental apresenta trechos que nos fazem pensar que a comparação faz sentido:

1
Burst é o “jorro constante de respostas mesmo na ausência da apresentação do reforço” (Bravin, 2008,
p. 8)

23
“Privação implica ausência de uma pessoa ou objeto necessários. (...)
Privação significa a falta daqueles “suprimentos” essenciais que foram
anteriormente fornecidos pela pessoa perdida. (...) De certa forma, são
equivalentes psicológicos para comida e bebida. As pessoas têm
necessidade de outras pessoas, e a perda do marido, da mulher ou de
um filho, provavelmente deixam um grande vazio. “
(Parkes, 1998)

Conforme apontamos, algumas pessoas a depender de sua história de vida, tem

mais facilidade ou menos dificuldade em lidar com o luto. E isso pode estar relacionado

aos modelos de aprendizagem durante a vida, pois pode ter havido aprendizagem por

modelação: por bons modelos que foram prontamente seguidos, ou até mesmo, com

grupos de apoio, quando pessoas aprendem a lidar com a dor a partir do modelo de

outras pessoas que passam por situações similares.

Além disso, pode haver a aprendizagem por modelagem: a partir de

aproximações sucessivas com perdas pequenas tem-se um repertório que pode facilitar a

resolução de um luto. Isso mostra que é importante que crianças vivenciem perdas, por

exemplo, a perda de um brinquedo adorado, a morte de uma plantinha ou um animal de

estimação. Muitas vezes os pais inventam histórias, com o intuito de poupar a dor das

crianças, mas isso nada mais é do que uma esquiva experiencial, que pode prejudicar a

forma com a qual a criança irá lidar com perdas futuras.

A falta de contato com uma alguma situação de perda ou morte traz consigo

muita desinformação e incertezas, o que pode fazer com que as crianças tenham crenças

errôneas sobre a morte, inclusive, sentir-se culpada, não aceitar, ter medo de morrer e de

que pessoas amadas também morram. Pode acontecer que, em virtude de diversos

acontecimentos que desagradam as crianças, elas desejem algum mal a outra pessoa,

como, por exemplo, desejar a morte de um irmão. Nesses casos, a criança passa a pensar

que foi responsável pela morte: havendo uma contiguidade entre o desejo da criança e

24
um acontecimento real, ou até mesmo com a criação de uma falsa relação contingente

entre esses eventos, pela criança.

Portanto, é indicado, tanto a pais quanto educadores, que haja muita

transparência, pois por mais que os adultos tentem esconder seu sofrimento, ou tentem

poupar a criança, é fato que o sofrimento existe e que a criança sente. Kovács (2010)

aponta que as crianças buscam o adulto como apoio, que pode acolher e legitimar seus

sentimentos, responder perguntas, em uma tentativa de ordenar o mundo que fica

abalado após perdas significativas. Mas muitas vezes não há esse espaço, nem na

família e nem na escola, e essa falta de esclarecimentos pode levar a consequências

ruins para a criança e dificuldades no processo de luto. Participar dos rituais, do velório,

por exemplo, faz a criança se sentir parte da família, e da situação pela qual a família

está passando.

Ademais, podemos falar acerca do desamparo aprendido, que refere-se a dados

experimentais que demonstram a dificuldade de aprendizagem operante apresentada por

organismos que tiveram experiência prévia com eventos aversivos incontroláveis.

Impede-se que os animais aprendam uma resposta de fuga e esquiva - aprendizagem

operante. (Hunziker, 2003) E esse modelo inclusive é comparado com um modelo

animal de depressão, que demonstra a impossibilidade de controle sobre o meio. É

comum, no senso comum falar que diante a morte temos a sensação de impotência, de

que nada podemos fazer, e é nesse sentido que é feita a comparação com o desamparo

aprendido.

Por fim, é importante ressaltar que todas essas comparações são meras

especulações teóricas criadas a partir de conceitos disponíveis e construídos pela

psicologia experimental, e analisado mediante a literatura que mostra algumas

regularidades na reação ao luto. São interpretações que trazem indícios e incentivo para

25
que haja pesquisas empíricas que possam, ou não, atestar com alguma veracidade essas

comparações.

4. Análise funcional do luto

Conforme apontado, a análise funcional é um instrumento extremamente

importante para análise e intervenção na clínica comportamental. Fernandes & Lopes

(2010) apresentam uma análise muito coerente: com relação à ausência por morte de um

ente querido, respostas de enfrentamento são emitidas e diversificadas, constituindo-se

numa classe operantes que têm como consequência evitar, minimizar, terminar com os

aversivos ou produzir mais punitivos. Nesse caso, o processo de enlutamento pode ser

complexo, longo e doloroso, chegando a níveis disfuncionais quando não é finalizado

de maneira adequada.

Para Guilhardi (2013) é preciso ter sempre em conta que as funções que os

eventos têm para cada pessoa são construídas socialmente, como resultado da ação de

contingências de reforçamento. Dessa forma, retificá-las implica em desconstruir e

reconstruir, e ocasionar novas contingências de reforçamento ou novas inter-relações

entre contingências. E mais que isso, o terapeuta não pode simplesmente desejar mudar

as funções dos eventos, pois há necessidade de conhecer seus determinantes e manejá-

los apropriadamente.

Guilhardi (2013) em uma análise sobre o perdão faz uma análise muito valiosa

sobre um caso descrito em seu texto que envolve perdas em um relacionamento

amoroso. A citação apresenta uma análise funcional que descreve o caso de Maria, que

foi traída pelo marido:

“Maria somente terá perdoado plenamente se sua dor se esvanecer.


Uso o termo esvanecer para destacar que a dor diminui
gradativamente até níveis suportáveis. A dor não cessa abruptamente,

26
pois os sentimentos se alteram lentamente, seguindo os princípios
comportamentais que regulam os processos de extinção operante e
respondente. Maria conservará, provavelmente, o comportamento de
se lembrar do ocorrido, mas sem a terrível moldura do sofrimento.
Lembrar, neste episódio, significa: 1. ver na ausência do episódio
visto; 2. imaginar quais foram os comportamentos de João, uma vez
que Maria não teve acesso e não pode ter visto o que ocorreu
exatamente; 3. repetir para si mesma os tatos verbais expressos por
João; 4. ampliar os tatos de João com seus próprios tatos: ela faz a si
mesma questões sobre o que ocorreu, porque ocorreu, como ocorreu,
com que intensidade ocorreu, quando ocorreu e emite suas próprias
respostas, uma vez que as apresentadas por João não a convencem.
Pensar, ver as cenas, imaginar situações ocorridas etc., sem
consequências sociais e ambientais reais, fazem parte dos longos
processos de extinções respondente e operante. Longos e dolorosos!”
(p. 9)

Nesse sentido que é válido destacar a FAP (Terapia Analítico Funcional), que

aponta que a esquiva de sentimentos é obtida por meio de contatos reduzidos com as

variáveis de controle para os comportamentos clinicamente relevantes, o que por sua

vez diminui a oportunidade para a aquisição de novo comportamento.

(Kohlenberg & Tsai, 2001) A esquiva de sentimentos é muito comum em casos de luto,

pois a estimulação aversiva frequente impede que o enlutado entre em contato com os

sentimentos extremamente dolorosos.

E nesse caso, a FAP demonstra que a explicação que é dada ao cliente, o

enlutado, é que é muito importante entrar em contato com os sentimentos, e não deve

envolver apelos tais como: “É bom colocar para fora, liberar aqueles sentimentos

reprimidos” ou, “Se você segurá-los eles vão sair de outro jeito”. Ao invés disso é dito

ao cliente que a emoção é apenas um produto eventual do lidar com os problemas, ou de

entrar em contato com estímulos importantes. A ausência de emoção, entretanto, é um

27
problema sério indicando uma esquiva que interfere com a terapia e também interfere

em outras áreas da vida do cliente. (Kohlenberg & Tsai, 2001)

Portanto, a FAP mostra que a expressão emocional é crucial, não porque seja

curativa por si mesma, mas porque serve para mostrar que o cliente está em contato com

variáveis de controle importantes, e que novos comportamentos podem agora ser

aprendidos. A citação seguinte mostra o caso de um paciente que fala sobre a perda de

Jesse, e mostra que é preciso entrar em contato com as contingências aversivas e lidar

com elas, e se encaixa perfeitamente para casos de luto:

“É importante que você se deixe entristecer, porque se você evitar


pensar, sentir, falar sobre Jesse, você acabará evitando muitas coisas,
tais como atividades que vocês faziam juntos ou encontrar novos
homens, coisas estas que poderiam aflorar quaisquer sentimentos
sobre ele. Evitando todas essas coisas, não é apenas a riqueza da sua
vida que sofrerá interferência, mas você também não terá
oportunidade de imaginar o que acontece de errado e de aprender
novas formas de lidar com alguém próximo a você quando problemas
semelhantes aparecerem”. (Kohlenberg & Tsai, 2001, p.253)

5. Terapia Comportamental do Luto

A Terapia do Luto é indicada para queixas clínicas que envolvam qualquer tipo

de perda, seja por morte, fim de relacionamento ou mudança de país. Está relacionada a

alguns procedimentos e técnicas específicas, e muitas delas são usadas por diversos

tipos de abordagens teóricas, contudo com diferentes interpretações dos resultados e

consequente programação de intervenções diferenciadas. Pode ser feita em diversas

modalidades.

Existem, incialmente, a possibilidade de grupos educativos e preventivos, que

tem o objetivo de trazer reflexões sobre a morte, perdas e luto, como um fator de

28
proteção para lidar com as reais ocorrências desses eventos durante a vida. Além da

modalidade grupo pode ser realizado um trabalho individual e até mesmo com caráter

terapêutico. O grupo pode ser também terapêutico e costuma trazer bons resultados, pois

o compartilhamento da dor muitas vezes minimiza as contingências aversivas

envolvidas.

Será apresentado um modelo de grupo de reflexão sobre a vida e a morte, em

dez encontros2. A tabela 2 apresenta uma descrição das atividades de cada encontro,

que envolviam vivências, atividade em que os participantes do grupo deveriam fazer

atividades e trazê-las para discutir com o grupo, como escrever cartas e trazer objetos

pessoais.

Tabela 2.
Descrição dos encontros do grupo educativo de reflexões sobre a vida e a morte.
Primeiro encontro Apresentação dos terapeutas e dos participantes, integração e
levantamento de expectativas.
Segundo encontro Vivência 1: Sobre a vida a morte e o morrer (discussão da
banalização da morte, representações de perdas, morte, luto e
vida.)
Terceiro encontro Vivência 2: Perdas passadas (compartilhamento do álbum de
retratos de pessoas falecidas e carta ao morto)
Quarto encontro Discussão das Tarefas do luto: Ele morreu? Por que? Preciso falar
sobre isso? Perdas e ganhos após a sua morte? Qual o meu projeto
de vida na ausência dele?
Quinto encontro Vivência 3: Minha morte (cinco objetos que caracterizem o
participante, carta sobre a própria morte, visita ao cemitério)
Sexto encontro Discussão sobre os rituais de passagem, e a criança e a morte.
Sétimo encontro A boa morte – discussões de bioética.
Oitavo encontro Perdas futuras – objetos da pessoa escolhida e carta de despedida
para alguém que ainda não morreu.
Nono encontro Discussão e Retomada das primeiras vivências.
Décimo encontro Retomada das discussões e encerramento.

2
Atividade realizada pela prof. Alessandra de Andrade Lopes como atividade extracurricular no curso de

Psicologia da Unesp-Bauru.

29
Outra proposta é apresentada por Silva (2009), como Terapia Cognitivo-

Comportamental do Luto. O modelo é composto por 12 sessões, individuais. De uma

maneira geral essa intervenção inicia-se com uma função psicoeducativa, com o

esclarecimento sobre as fases do luto, alterações cognitivas, fisiológicas e

comportamentais consideradas comuns, como o objetivo de reduzir os índices de

ansiedade. Adiante, é trabalhado o reconhecimento da realidade da perda, e o sujeito é

estimulado a compartilhar a experiência e elaborar rituais de despedida. São utilizadas

técnicas para o controle da ansiedade e da depressão em momentos agudos. E seguida,

direciona-se o foco na resolução de problemas pendentes entre o sujeito enlutado e o ser

perdido, a criação de uma rede de apoio social, a reorganização do sistema familiar e a

redistribuição de papéis. Busca-se propiciar a readaptação do sujeito à vida cotidiana, a

organização dos horários de atividades semanais, o investimento em novos objetivos de

vida e em novas relações, além da prevenção de recaída.

Todas essas intervenções partem do princípio de que é preciso entender a forma

como a pessoa lida com perdas, como ela entende a vida, a morte, o luto e as perdas em

geral, que invariavelmente temos por toda a vida. Algumas reflexões são fundamentais

para a preparação para lidar com perdas. Pois como qualquer outro repertório, é preciso

que aprendamos a lidar com elas, e muitas vezes podemos lidar com essa aprendizagem

antes que uma perda muito substancial aconteça.

6. Velhice e o medo da morte

A velhice talvez seja a fase do desenvolvimento humano que menos tem a

atenção de estudiosos em Psicologia. Isso tem mudado nos tempos atuais, pois com os

avanços da medicina a expectativa de vida tem aumentado e essa parcela da população

tem aumentado. Nessa fase talvez seja mais fácil aceitar a proximidade da morte, até por

30
uma questão temporal, pois se encaminha para o término da vida, e porque trata-se de

um período de muitas perdas: a perda da juventude, da capacidade física e diversos

declínios comuns, na visão e audição por exemplo. Mas isso não quer dizer que não haja

sofrimento ou que seja fácil aceitar a morte na terceira idade. E mais uma vez, fica

nítida a importância de que haja um repertório de aprendizagem para lidar com perdas,

morte e luto.

Em 1985, o principal expoente do Behaviorismo, B.F. Skinner, publicou em

parceria com a colega M.E. Vaughan o livro Viva bem a velhice: aprendendo a

programar a sua vida. Nesse livro eles apresentam reflexões sobre a velhice, como

ocorre o contato com o mundo durante a velhice, com passado e lembranças, com as

mudanças físicas corporais, os pensamentos, a necessidade de manter-se ocupado,

organizar-se no dia a dia, a relação da convivência com as pessoas, estar bem consigo

mesmo, o papel de velho na sociedade, e, por fim, o medo da morte. A citação a seguir

descreve o cerne do livro:

“Num roteiro que funciona bem, você viverá relativamente livre de


aborrecimentos, terá chances de fazer várias das coisas que aprecia e
menos razões para fazer o que não gosta. O senso de humor dará conta
de alguns aborrecimentos remanescentes. Seria mais fácil você
conseguir boa parte disso, se você tivesse sido preparado quando era
jovem. Tal preparo teria sido mais provável, se você tivesse olhado
para a velhice que se prenunciava no futuro, não como algo a ser
temido, mas como um problema a ser resolvido.” (Skinner &
Vaughan, 1985, p. 112)

As reflexões são muito interessantes e servem como uma leitura não técnica para

qualquer idade. A ideia geral do livro é pensar em planejamento, em como nossas ações

diárias refletem nessa fase da vida. Apresenta-se que planejar nossa vida e nossa velhice

aumenta as chances de uma vida saudável, buscando identificar e lidar com as

31
dificuldades. Ao final do livro o tema da morte é abordado, como um final necessário, e

falando-se sobre o medo da morte. Os autores apontam que grande parte do problema

está na incerteza da morte, pois é algo com o qual não aprendemos por experiência

pessoal. Os autores ressaltam que:

“...a única coisa que devemos temer da morte, é o medo da morte que
nos impede de viver bem nossas vidas. Se, depois da morte, você vier
a ser recompensado ou castigado pelo que fez em sua vida, e se não
está bem seguro de como será, talvez deva tomar cuidado para não
ficar sempre lembrando “que um dia morrerá” (memento mori), sob
pena de provavelmente desfrutar menos da vida. ” (p. 97 )

Skinner & Vaughan (1985) sugerem que provavelmente é melhor não pensar na

morte. Mas acredita-se que esse argumento é contraditório com a linha de raciocínio

exposta durante todo o livro. Talvez os autores estivessem se esquivando de tratar a

morte como qualquer outro tema trabalhado no livro, que envolve a perspectiva de

conhecimento e planejamento para a vida. Pois durante todo o livro apresenta-se que

devemos ter conhecimento das mudanças ocorridas nas contingências, para ajudar a

lidar com elas e programar uma vida saudável. Fica o questionamento: se os autores

afirmam que o medo da morte pode atrapalhar o desfrute da vida, porque não refletir

sobre a morte, para lidar com esse medo e justamente valorizar a vida?

E é com essa perspectiva que acredita-se que devamos encarar a morte, tanto

como profissionais quanto em qualquer outro papel de nossas vidas. Pois acredita-se

que, quanto mais pensamos na morte mais temos motivos para prestar atenção à vida, e

vivê-la com qualidade. A partir do momento que reflexões sobre a morte estão presentes

no repertório de um indivíduo é mais provável que ele se exponha às contingências

aversivas que envolvem perdas e consiga lidar melhor com elas. O sofrimento é

inevitável, mas uma mudança no controle de estímulos pode facilitar a vivência de uma

grande dor.

32
Considerações Finais

O presente trabalho teve como objetivo apresentar as principais contribuições na

Terapia do Luto, inicialmente contextualizando o tema de perdas, morte e luto, trazendo

os materiais disponíveis na literatura e apontando o olhar da Análise do

Comportamento. Acredita-se que a Terapia Comportamental tem uma base teórica que

lhe permite estudar qualquer tipo de queixa clínica, e que a análise funcional continua

sendo um instrumento valioso também nas queixas relacionadas ao luto.

É de extrema importância o conhecimento dos tipos de luto, dos mediadores do

luto, e das consequências a longo prazo que podem aparecer se não houver um

acolhimento cuidadoso para tais queixas. É tentador e pode parecer uma boa opção a

esquiva dos sentimentos de dor e saudade, que poderiam ser uma boa opção com outro

tipo de queixa. Mas no caso do luto é importante que o terapeuta conduza a manutenção

do contato do cliente com as contingências aversivas do luto e que possa direcioná-lo,

seja por meio das tarefas, da explicação das fases do luto e de qualquer outra estratégia

que possibilite a vivência do luto, para que se alcance a resolução do luto, a

reorganização da vida e a investida em uma vida saudável.

E vale ressaltar que para trabalhar com questões de luto o terapeuta precisa ter

passado por esse passado de aprendizagem sobre os tipos e determinantes do luto, as

representações de morte, ou seja, entrar em contato com sua própria morte por meio das

reflexões sugeridas, para ter em seu repertório esse enfrentamento baseado na premissa

de que é importante refletir sobre a morte, justamente porque assim estamos buscando

que a vida seja de qualidade e nos colocando de frente diante os acontecimentos da vida,

que vez ou outra não podem ser evitados.

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