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ANÁLISE DO DISCURSO FRANCESA: REVISITAÇÃO EPISTEMOLÓGICA E QUESTÕES CENTRAIS

Daiana Oliveira Faria1

Lucília Maria Sousa Romão2

Neste ensaio, propomos uma abordagem crítica de três textos cruciais para uma reflexão

teórico-epistemólogica sobre a Análise do Discurso francesa, proposta por Michel Pêcheux, todos

eles serão explorados ao longo da nossa argumentação. No primeiro, “A semântica e o corte

saussuriano: língua, linguagem e discurso”, escrito por Pêcheux em co-autoria com Haroche e

Henry, datado de 1971, os autores propõem um diálogo com Saussure, um dos principais teóricos

que deu à linguagem estatuto científico, fundamentando os campos da fonologia, sintaxe,

morfologia e semântica, sendo que é nesta ultima que Pêcheux encontra uma abertura para

propor os estudos dos sentidos.

A este respeito, os autores afirmam que “para os gramáticos e neo-gramáticos, a

semântica estava reduzida ao estudo da mudança de sentido das palavras” (PÊCHEUX, et all, 2008,

p. 02). Neste momento, o que se referia a “sentido”, nos estudos da linguagem, não passava de

uma noção de valor das palavras, ou seja, uma palavra vale aquilo que outras ao seu redor não

valem. Tal relação de valor entre as palavras e a concepção de significação das palavras por elas

próprias pode ser observada na citação a seguir: “as unidades [as palavras] existem somente pela

coesão do sistema das oposições e das relações”, o que “[...] estrutura permanentemente o

sistema das unidades significantes que só podem se manter por elas” (idem, p.03).

Num simples exemplo, Pêcheux coloca em cheque essa concepção acerca do sentido das

palavras proposta pela semântica, como podemos ver a seguir:

1 Bacharel em Ciências da Informação e Documentação. Mestrado em andamento no Programa de Pós-


Graduação em Psicologia. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - FFCLRP / USP. Bolsista
FAPESP – Processo Nº 2010/02598-2. Membro do e-l@dis – FAPESP Nº 2010-510290.
daianafaria@pg.ffclrp.usp.br

2 Livre-docente em Ciência da Informação. Profa. Dra. do curso de Graduação em Ciências da Informação e da


Documentação e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Ribeirão Preto - FFCLRP/USP. Profa. colaboradora do Mestrado em Ciência, Tecnologia e Sociedade -
UFSCar. Bolsista CNPQ. Coordenadora do Laboratório Discursivo E-l@dis – FAPESP 2010-510290.
Ora, se considerarmos, por exemplo, o domínio da política e da

produção científica, constataremos que as palavras podem mudar de

sentido segundo as posições determinadas por aqueles que as

empregam. [...] Com efeito, é um indício que mostra que as coisas

não são assim tão simples quanto faria supor a idéia de uma

diferenciação em subsistemas. Tudo se passa como se a

correspondência entre teoria geral e estudo particular de uma dada

língua desaparecesse no nível semântico (PÊCHEUX, et all, 2008,

p.05).

Ou seja, somos alertados para o risco de não haver uma correspondência entre a teoria

geral representada, no caso, pelo Curso de Linguística Geral tal como foi publicado em sua

primeira versão pelos editores, e os estudos particulares de determinadas línguas em

funcionamento. Pelo que propõe os autores, é como se as particularidades da linguagem em

funcionamento desaparecessem no nível semântico. Como podemos ver na citação a seguir:

Certamente, “semânticas gerais” foram propostas, mas elas não

fornecem quase nada de princípios que permitam depreender as

particularidades das línguas, ou dos estados de língua, etc, como é o

caso da fonologia, da morfologia ou da sintaxe. Existem, por outro

lado, descrições semânticas de diversas línguas, mas são descrições

que permanecem sem ligação com as teorias. Se elas permanecem

em grande parte desligadas de descrições concretas das línguas, as

semânticas gerais nem por isso se libertam de todos “dados

concretos” (idem, p.05 e 06).

Assim, vemos no decorrer desse escrito, uma análise detalhada e crítica dos pressupostos

saussurianos. Análise, esta, que reconhece as contribuições do Curso de Linguística Geral e, ao

mesmo tempo, encontra lacunas e abertura para os estudos das variações de sentidos, um dos
objetivos do projeto da Análise do Discurso, fundada por Pêcheux. Reconhece-se que os intentos

em semântica iniciaram o estudo dos sentidos, porém fixaram tal hipótese, a da variação dos

sentidos, em uma teoria geral.

A este respeito, os autores colocam que “o caso é totalmente diferente para a semântica.

Com efeito, o laço que une as „significações‟ de um texto às suas condições sócio-históricas não é

meramente secundário, mas constitutivo das próprias significações” (PÊCHEUX, et all, 2008, p.06).

Ou seja, vemos que os autores propunham que os contextos sócio-históricos são constitutivos da

linguagem, intrinsecamente relacionados. Isso é incorporado pela teoria de Análise do Discurso e

formalizado por seus fundadores com o conceito de “condições de produções”. Por condições de

produção, entendemos o contexto da situação de enunciação, ou seja, os aspectos sociais,

históricos e ideológicos que irrompem no cenário da produção do discurso e representam

elementos constitutivos deste. E atravessado por estes elementos, há a inscrição do sujeito do

discurso, também cindido e suscetível de tornar-se outro no mais simples movimento entre

regiões de sentidos, as chamadas formações discursivas (FDs), que consistem em regularidades

entre enunciados, ou seja, na partilha de alguns sentidos em comum.

Como vemos, as FDs estão estreitamente relacionadas com as condições de produção,

além de se relacionarem também com o ideológico, concebido na AD enquanto formações

ideológicas. Acerca desta, podemos dizer que se trata, segundo Pêcheux, do complexo do que

pode e deve ser dito dentro de uma posição, ou seja, o que possibilita ao sujeito inscrever-se em

uma dada formação discursiva e não em outra (PÊCHEUX, 1969). Tendo em vista o processo de

interpelação ideológica, podemos pensar em formação discursiva enquanto a projeção, na

linguagem, ou seja, a materialização lingüística das formações ideológicas que determinam o que

pode e deve ser dito dentro de uma formação social. E assim, podemos apreender que a formação

social, diretamente relacionada com as condições de produção, representa o contexto sócio-

histórico das formações discursivas. Nesse sentido, segundo Pêcheux, “as palavras, expressões,

recebem seus sentidos da formação discursiva à qual pertencem” (Pêcheux, 1998, p. 263), sendo

assim

os indivíduos interpelados em sujeitos falantes (em sujeitos de seu

discurso) por formações discursivas que representam na linguagem

as formações ideológicas que lhe são correspondentes. [...] a


interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso se realiza pela

identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina

(PÊCHEUX, 1997, p.214).

Com isso, além dos aspectos sócio-históricos, vemos que o inconsciente e ideológico

também são traços constitutivos da linguagem. Ainda acerca deste primeiro texto, cabe ressaltar a

aproximação e fortuita contribuição da linguística para a Análise do Discurso. Nas palavras dos

autores, vale

destacar a importância dos estudos lingüísticos sobre a relação

enunciado/enunciação, pela qual “o sujeito falante” toma posição em

relação às representações de que ele é o suporte, desde que essas

representações se encontrem realizadas por um “pré-construído”

lingüisticamente analisável. É sem dúvida por essa questão, ligada à

da sintagmatização das substituições características de uma

formação discursiva, que a contribuição da teoria do discurso ao

estudo das formações ideológicas (e à teoria das ideologias) pode

atualmente se desenvolver mais proveitosamente (PÊCHEUX, et all,

2008, p. 15).

Sendo um dos três pilares estruturantes da Análise do Discurso (linguística, materialismo

histórico e o inconsciente freud-lacaniano), a linguística representa a base necessária para o

exercício de análise discursiva . Como vimos, esta base linguística é necessária, mas deve ser

pensada na sua relação com a história, o ideológico e o inconsciente, fatores estes que constituem

a linguagem em funcionamento. Ou seja, vemos com este texto de Pêcheux (et all) como se deu o

deslocamento da teoria de Análise do Discurso pêchetiana em relação ao estruturalismo da

lingüística saussuriana, ou seja, como a língua como objeto científico dá suporte à conceituação

das noções de sujeito e sentido em movimento, tão valiosas para a teoria discursiva.

“(...) o ponto essencial aqui é que não se trata apenas da natureza

das palavras empregadas, mas também (e sobretudo) de construções


nas quais essas palavras se combinam, na medida em que

determinam a significação que tomam essas palavras: como

apontávamos no começo, as palavras mudam de sentido segundo as

posições ocupadas por aqueles que as empregam. Podemos agora

deixar claro: as palavras „mudam de sentido‟ ao passar de uma

formação discursiva a outra.” (idem, p. 26)

Assim, Pêcheux sublinha o grande mérito do genebrino nos seguintes termos: “Em resumo,

não é a significação propriamente que dirá o que está em causa (...) mas aquilo que Saussure

designava de valor” (idem, p.22). Considerando que as palavras valem e significam em relação às

outras que, ao seu lado, estão presentes e ausentes, Pêcheux conceitua o discurso como jogo

instável e como efeitos de sentidos em permanente fluxo na trama de sujeitos.

Partindo da lingüística e propondo um deslocamento, o projeto da AD foi desde seu início

uma concatenação e, a partir daí, uma construção que envolvia várias áreas do conhecimento. No

texto “Sobre os Contextos Epistemológicos da Análise do Discurso”, datado de 1984, Pêcheux

salienta esta relação da AD com outras áreas do conhecimento, seja esta relação concebida

enquanto ruptura, deslocamento ou aproximação e complementação. Pêcheux inicia esse escrito

sublinhando o encontro de três grandes saberes que sustentam as articulações teórico-analíticas

da teoria discursiva, quais sejam, o trabalho de linguistas, historiadores e alguns psicólogos.

A década de 60 deu colo e berço para entremeios, pois “formou amplamente a base

concreta, transdisciplinar de um encontro – atravessado de confrontos muitas vezes bastante vivos

[...] – sobre a questão da construção de uma aproximação discursiva dos processos ideológicos”

(Pêcheux, 1999, p.07). Assim, o autor argumenta que esses campos de saber – Lingüística,

Ciências Sociais e Psicologia (leia-se mais adiante Psicanálise) – contribuíram para a pensar e

analisar a trama de “lutas políticas, dos funcionamentos, e dis-funcionamentos institucionais, de

debates e confrontos de toda ordem.” (idem). Ou seja, vemos que Pêcheux inicia salientando que o

projeto da Análise de Discurso é, desde 1965, um trabalho feito por lingüistas, referindo-se ao

distribucionalismo harrisssiano, mas também por historiadores e psicólogos especialistas em

psicologia social, ressaltando que acerca destes últimos representam uma ruptura com a referida

disciplina, a psicologia.
Se em relação à psicologia, a AD representa uma ruptura no modo de abordagem do

funcionamento da linguagem, em relação à história a AD encontra uma abertura, sobretudo a

partir dos trabalhos em história social. Neste campo, a AD encontra brecha na medida em que a

abordagem sobre os textos se dá de modo a questionar a suposta transparência da linguagem.

Sobre essa fortuita aproximação entre a Análise de Discurso e a História, Pêcheux coloca a

seguinte reflexão: “juntar e interpretar séries textuais em que se inscrevem discursivamente as

figuras da infância, da loucura, da morte ou da sexualidade, próprias a esta ou aquela época,

supunha abandonar as certezas associadas ao enunciado documental.” (PÊCHEUX, 1999, p. 08). Ao

traçar um percurso histórico da Análise de Discurso, visando uma fundamentação do contexto

epistemológico desta disciplina, Pêcheux remonta-se aos trabalhos de Michel Foucault,

fundamental nessa fundamentação. Acerca da influência de Foucault para a AD francesa, é feita a

seguinte referência:

[...] a necessidade de levar em conta, na análise das discursividades,

as posições teóricas e práticas de leitura desenvolvidas nos trabalhos

de M. Foucault constituiu um dos signos recentes dos mais claros da

projeção da análise de discurso: a construção teórica da

intertextualidade e, de maneira mais geral, do interdiscurso,

apareceu como um dos pontos cruciais desse empreendimento,

conduzindo a análise de discurso a se distanciar ainda mais de uma

concepção classificatória que dava aos discursos escritos oficiais

“legitimados” um privilégio que se mostra cada vez mais contestável

(PÊCHEUX, 1999, p. 09).

Ou seja, a partir dessa referência aos trabalhos de Foucault, constatamos que as noções de

intertextualidade e interdiscurso, capilares para a teoria de Análise do Discurso tal como a temos

hoje, foram fundamentadas a partir dos pressupostos foucaultianos, a princípio. Sobre a primeira,

a noção de intertextualidade, podemos dizer que não diz respeito a um conceito próprio da AD,

mas está relacionada com a noção de interdiscurso, própria da AD. A respeito desta, cabe a

colocação:
Compreende o conjunto das formações discursivas e se inscreve no

nível da constituição do discurso, na medida em que trabalha com a

re-significação do sujeito sobre o que já foi dito, o repetível,

determinando os deslocamentos promovidos pelo sujeito nas

fronteiras de uma formação discursiva. O interdiscurso determina

materialmente o efeito de encadeamento e articulação de tal modo

que aparece como o puro "já-dito" (FERREIRA, 2001, p.06).

Depois de colocados alguns fundamentos acerca da relação da Análise do Discurso com a

psicologia (ruptura no campo da psicologia social), a história (possibilidades no campo da história

social) e com os estudos da linguagem (referindo-se aos trabalhos de Foucault), Pêcheux propõe,

então, uma aproximação entre língua, história e inconsciente. Nas palavras do autor,

No espaço desse mito psicológico, a história não é outra coisa do que

a resultante de uma série de situações de interações, reais ou

simbólicas, a língua não é outra coisa que uma (fraca) porção dessas

interações simbólicas, e o inconsciente não é outra coisa que a não-

consciência afetando negativamente este ou aquele setor da atividade

do sujeito, em função das determinações biológicas e/ou sociais

mencionados nesse instante (PÊCHEUX, 1999, p. 12).

Com isso vemos que a língua representa parte das situações de interações simbólicas a

partir das quais, e dentre outras, a história é fundada. Ou seja, existe uma estreita relação entre

língua e história, relação esta, também dentre outras, fundante da teoria de Análise do Discurso. A

este respeito, sabemos que as palavras carregam consigo memória, no âmbito do discurso,

memória discursiva, além de serem afetadas pelo contexto social, histórico e ideológico, onde

vemos também a relação com o inconsciente. Pêcheux coloca que este atua negativamente nas

atividades do sujeito, ou seja, existe uma interpelação ideológica que se dá no nível da não-

consciência e provoca rupturas ou re-afirmações nas posições que o sujeito ocupa,

inconscientemente, para poder enunciar. Tais posições-sujeito representam um conceito


fundamental da AD, que é o conceito de sujeito, já dito anteriormente, exemplificado por Pêcheux

a seguir:

[...] representações que vêm a mente de todo sujeito humano

“normal” – ou ao menos de todo ocidental: viajante de comércio,

diplomata, empregada, militar, mulher do mundo, capuchinho ou

torneiro, desde que ele é levado, por esta ou aquela via, a produzir

sua epistemologia espontânea da ação humana (PÊCHEUX, 1999, p.

09).

Além disso, o conceito de sujeito diz que, apesar destas representações insurgirem num

jogo parafrástico da linguagem, rupturas e deslizes ocorrem, dado o mecanismo de interpelação

ideológica explanado à pouco. Com isso é possível um viajante de comércio, por exemplo,

enunciar como um diplomata, ou seja, migrações entre as mais diversas posições-sujeito ocorrem

a todo o momento com o funcionamento da linguagem. A este respeito, Pêcheux coloca a seguinte

reflexão:

Simultaneamente, todo sujeito, viajante de comércio, diplomata,

empregada... ou universitário, experimenta em sua vida (em seus

gestos e palavras as mais cotidianas até seus encontros os mais

dramáticos consigo mesmo) como, para ele, esse domínio tropeça.

Nessa experiência singular da falha (fracasso, bem-estar...) se marca

a tomada inconsciente pela qual o sujeito está submetido à castração

simbólica (idem, p. 13).

E com esta citação vemos que uma das hipóteses centrais da Análise do Discurso é

corroborada, a de que o sujeito, entendido enquanto uma posição no discurso, experiencia, com a

linguagem em funcionamento, a falha, e coloca em cheque toda obviedade e clareza que a

linguagem possa incitar.

Ainda pensando no contexto epistemológico da Analise do Discurso, bem como nas suas

questões teóricas centrais, recorremos ao escrito de Ana Zandwais, “Perspectivas da análise do


discurso fundada por Michel Pêcheux na França: uma retomada de percurso”, datado de 2009, que

propõe, como o próprio título já assinala, uma retomada dos fundamentos que estruturaram a

teoria de AD. Se no primeiro texto, vemos a fundamentação da base lingüística da teoria de AD,

neste podemos ver os aspectos da teoria marxista também constituinte da AD, além de uma

explanação sobre a articulação da AD com as demais áreas do conhecimento.

Ao fundar a noção de discurso, ainda assinando sua obra como Thomas Herbert,

pseudônimo de Michel Pêcheux (1969), busca “desalojar o campo das Ciências Sociais de um

estatuto positivista, em que a ciência se reduz a uma ciência dos fatos tomados fora de qualquer

contexto histórico”, inscrevendo-o “nos domínios do humanismo, onde questões sobre

subjetividade, ideologia, confrontos e lutas de classes ocupam lugares essenciais.” (ZANDWAIS,

2009, p.15). Nesse trabalho, Pêcheux depara-se com a questão da ideologia “ainda preso a uma

concepção (...) que se presentifica em “A ideologia Alemã” (idem, p. 16); debaixo do guarda-chuva

de pesquisas de Althusser, no âmbito da Teoria Geral das Ideologias, Pêcheux formula a

importância desse conceito para a formação de uma ciência das formações sociais em que pese a

compreensão da inscrição sócio-histórica da linguagem.

Vejamos alguns pontos da história tocados por Zandwais3 e suas reflexões: 1966: É

publicado um dos primeiros escritos de Pêcheux, na Les Cahiers Pour l‟Analyse, intitulado

“Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais e especialmente da psicologia social”.

Zandwais ressalta que este escrito é disseminado sob um pseudônimo de Pêcheux, qual seja:

Thomas Hebert. Neste artigo, Pêcheux traz a tona reflexões mais voltadas para questões

epistemológicas.

questiona o modo como as Ciências Sociais, que deveriam debruçar-

se, de forma permanente, sobre “questões de fronteira”, dialogando

com outras áreas de conhecimento, interagem com a teoria –

sobretudo a Filosofa – de modo a legitimar uma concepção de ciência

neutra (id., p. 142) e, em conseqüência, cega às relações de

desigualdade social que permeiam as condições de produção das

3
Encontra-se disponível uma lista da obra de Michel Pêcheux, organizada pelos pesquisadores do e-l@dis: laboratório
discurso – sujeito, rede eletrônica e sentidos em movimento, no sitio:
< http://dfm.ffclrp.usp.br/eladis/>
práticas teóricas, técnicas, políticas, sociais, ideológicas, etc.

(ZANDWAIS, 2009, p. 14)

1967: Ainda sob o pseudônimo de Thomas Hebert, Pêcheux publica o texto intitulado

“Teoria geral das ideologias”. Neste, a relação sujeito, ideologia e sentido é posta ainda de

maneira incipiente.

1969: Neste momento há a publicação do peculiar texto intitulado “Análise Automática do

Discurso” (AAD 69), crucial na trajetória de Pêcheux. Com esta publicação vemos uma teoria

insurgir com certa autonomia que lhe é merecida no campo da lingüística. Pode-se dizer que o

AAD é o laboratório da teoria de Análise do Discurso. Neste, Pêcheux incita discussões

importantes sobre a base lingüística, necessária ao discurso, e o processo discursivo. Nas palavras

da autora, ele busca mostrar que “língua e discurso tem materialidades distintas” (ZANDWAIS,

2009, p.22).

1975: Ano de publicação do “Semântica e Discurso”, que representa o estágio mais maduro

e fortalecido da teoria fundada por Pêcheux.

Podemos dizer que em fins dos anos 70 e começo da década de 80, Pêcheux lança-se a

outros pontos de partidas para a teoria e fundamenta, com suas reflexões, a ponte entre

ideologia, discurso e subjetividade. Vemos neste momento da leitura do texto de Zandwais, uma

explanação bastante elucidativa da intrínseca relação entre os conceitos de formação social (FS),

formação ideológica (FI) e formação discursiva (FD). O funcionamento destes três conceitos da AD

representa a

conversão do indivíduo em sujeito pela interpelação (captura) deste

como sujeito de uma formação social, e que se reconhece como

sujeito pelas práticas que o interpelam no interior das formações

ideológicas, as quais se referendam através de uma ou outra

formação discursiva a que estão ligadas. (ZANDWAIS, 2009, p. 25)

A autora também faz, nesta altura, outra importante colocação acerca da teoria de Análise

do Discurso, concebendo-a como a “teoria da determinação histórica dos processos semânticos”

(ZANDWAIS, 2009, p. 26). E ao falar de história, é feita a distinção devida: “uma história não linear,
não homogênea, não contínua no centro dos processos de significação que são produzidos pelos

discursos em determinadas condições de produção” (idem).

O percurso aqui traçado por Pêcheux e seus sucessores abre espaço para uma revisão

teórica e conceitual de extrema importância, visto que outros olhares sobre o momento de

fundação da AD e seus desdobramentos são construídos.

Referências Bibliográficas

FERREIRA, Maria Cristina Leandro. Glossário de termos do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2001.

PÊCHEUX, Michel; HENRY, Paul; HAROCHE, Claudine. A Semântica e o Corte Saussuriano: língua,

linguagem e discurso. Linguasagem: Revista eletrônica de popularização científica em ciências da

linguagem, São Carlos, n. 03, p.01-19, out/nov. 2008. Bimestral. Tradução de Roberto Leiser

Baronas e Fábio César Montanheiro. Disponível em:

<http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao03/traducao_hph.php>. Acesso em: 22 ago.

2011.

______. Análise automática do discurso (AAD-69). In GADET, F. e HAK, T. (org.). Por uma análise

automática do discurso: uma introdução às obras de Michel Pêcheux. Campinas: Ed. da Unicamp,

1997. (título original: Analyse Automatique du Discours. Paris, 1969).

______. Contextos epistemológicos da análise de discurso. Escritos: linguagem, cidade, política,

sociedade, Campinas, n. 4, p.07-16, maio 1999. Tradução de Eni Orlandi (Labeurb/Nudecri).

______. Semântica e discurso: uma crítica a afirmação do óbvio. 3. ed. Campinas: Editora da

Unicamp, 1998. Tradução de Eni de Lourdes Puccinelli Orlandi [et al.].

ZANDWAIS, Ana. Perspectivas da análise do discurso fundada por Michel Pêcheux na França: uma

retomada de percurso. Santa Maria: UFSM, Programa de Pós-Graduação em Letras, 2009.

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