Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
001 PDF
001 PDF
Neste ensaio, propomos uma abordagem crítica de três textos cruciais para uma reflexão
teórico-epistemólogica sobre a Análise do Discurso francesa, proposta por Michel Pêcheux, todos
saussuriano: língua, linguagem e discurso”, escrito por Pêcheux em co-autoria com Haroche e
Henry, datado de 1971, os autores propõem um diálogo com Saussure, um dos principais teóricos
morfologia e semântica, sendo que é nesta ultima que Pêcheux encontra uma abertura para
semântica estava reduzida ao estudo da mudança de sentido das palavras” (PÊCHEUX, et all, 2008,
p. 02). Neste momento, o que se referia a “sentido”, nos estudos da linguagem, não passava de
uma noção de valor das palavras, ou seja, uma palavra vale aquilo que outras ao seu redor não
valem. Tal relação de valor entre as palavras e a concepção de significação das palavras por elas
próprias pode ser observada na citação a seguir: “as unidades [as palavras] existem somente pela
coesão do sistema das oposições e das relações”, o que “[...] estrutura permanentemente o
sistema das unidades significantes que só podem se manter por elas” (idem, p.03).
Num simples exemplo, Pêcheux coloca em cheque essa concepção acerca do sentido das
não são assim tão simples quanto faria supor a idéia de uma
p.05).
Ou seja, somos alertados para o risco de não haver uma correspondência entre a teoria
geral representada, no caso, pelo Curso de Linguística Geral tal como foi publicado em sua
Assim, vemos no decorrer desse escrito, uma análise detalhada e crítica dos pressupostos
mesmo tempo, encontra lacunas e abertura para os estudos das variações de sentidos, um dos
objetivos do projeto da Análise do Discurso, fundada por Pêcheux. Reconhece-se que os intentos
em semântica iniciaram o estudo dos sentidos, porém fixaram tal hipótese, a da variação dos
A este respeito, os autores colocam que “o caso é totalmente diferente para a semântica.
Com efeito, o laço que une as „significações‟ de um texto às suas condições sócio-históricas não é
meramente secundário, mas constitutivo das próprias significações” (PÊCHEUX, et all, 2008, p.06).
Ou seja, vemos que os autores propunham que os contextos sócio-históricos são constitutivos da
formalizado por seus fundadores com o conceito de “condições de produções”. Por condições de
discurso, também cindido e suscetível de tornar-se outro no mais simples movimento entre
ideológicas. Acerca desta, podemos dizer que se trata, segundo Pêcheux, do complexo do que
pode e deve ser dito dentro de uma posição, ou seja, o que possibilita ao sujeito inscrever-se em
uma dada formação discursiva e não em outra (PÊCHEUX, 1969). Tendo em vista o processo de
linguagem, ou seja, a materialização lingüística das formações ideológicas que determinam o que
pode e deve ser dito dentro de uma formação social. E assim, podemos apreender que a formação
histórico das formações discursivas. Nesse sentido, segundo Pêcheux, “as palavras, expressões,
recebem seus sentidos da formação discursiva à qual pertencem” (Pêcheux, 1998, p. 263), sendo
assim
Com isso, além dos aspectos sócio-históricos, vemos que o inconsciente e ideológico
também são traços constitutivos da linguagem. Ainda acerca deste primeiro texto, cabe ressaltar a
aproximação e fortuita contribuição da linguística para a Análise do Discurso. Nas palavras dos
autores, vale
2008, p. 15).
exercício de análise discursiva . Como vimos, esta base linguística é necessária, mas deve ser
pensada na sua relação com a história, o ideológico e o inconsciente, fatores estes que constituem
a linguagem em funcionamento. Ou seja, vemos com este texto de Pêcheux (et all) como se deu o
lingüística saussuriana, ou seja, como a língua como objeto científico dá suporte à conceituação
das noções de sujeito e sentido em movimento, tão valiosas para a teoria discursiva.
Assim, Pêcheux sublinha o grande mérito do genebrino nos seguintes termos: “Em resumo,
não é a significação propriamente que dirá o que está em causa (...) mas aquilo que Saussure
designava de valor” (idem, p.22). Considerando que as palavras valem e significam em relação às
outras que, ao seu lado, estão presentes e ausentes, Pêcheux conceitua o discurso como jogo
uma concatenação e, a partir daí, uma construção que envolvia várias áreas do conhecimento. No
salienta esta relação da AD com outras áreas do conhecimento, seja esta relação concebida
A década de 60 deu colo e berço para entremeios, pois “formou amplamente a base
[...] – sobre a questão da construção de uma aproximação discursiva dos processos ideológicos”
(Pêcheux, 1999, p.07). Assim, o autor argumenta que esses campos de saber – Lingüística,
Ciências Sociais e Psicologia (leia-se mais adiante Psicanálise) – contribuíram para a pensar e
debates e confrontos de toda ordem.” (idem). Ou seja, vemos que Pêcheux inicia salientando que o
projeto da Análise de Discurso é, desde 1965, um trabalho feito por lingüistas, referindo-se ao
psicologia social, ressaltando que acerca destes últimos representam uma ruptura com a referida
disciplina, a psicologia.
Se em relação à psicologia, a AD representa uma ruptura no modo de abordagem do
partir dos trabalhos em história social. Neste campo, a AD encontra brecha na medida em que a
Sobre essa fortuita aproximação entre a Análise de Discurso e a História, Pêcheux coloca a
seguinte referência:
Ou seja, a partir dessa referência aos trabalhos de Foucault, constatamos que as noções de
intertextualidade e interdiscurso, capilares para a teoria de Análise do Discurso tal como a temos
hoje, foram fundamentadas a partir dos pressupostos foucaultianos, a princípio. Sobre a primeira,
a noção de intertextualidade, podemos dizer que não diz respeito a um conceito próprio da AD,
mas está relacionada com a noção de interdiscurso, própria da AD. A respeito desta, cabe a
colocação:
Compreende o conjunto das formações discursivas e se inscreve no
social) e com os estudos da linguagem (referindo-se aos trabalhos de Foucault), Pêcheux propõe,
então, uma aproximação entre língua, história e inconsciente. Nas palavras do autor,
simbólicas, a língua não é outra coisa que uma (fraca) porção dessas
Com isso vemos que a língua representa parte das situações de interações simbólicas a
partir das quais, e dentre outras, a história é fundada. Ou seja, existe uma estreita relação entre
língua e história, relação esta, também dentre outras, fundante da teoria de Análise do Discurso. A
este respeito, sabemos que as palavras carregam consigo memória, no âmbito do discurso,
memória discursiva, além de serem afetadas pelo contexto social, histórico e ideológico, onde
vemos também a relação com o inconsciente. Pêcheux coloca que este atua negativamente nas
atividades do sujeito, ou seja, existe uma interpelação ideológica que se dá no nível da não-
a seguir:
torneiro, desde que ele é levado, por esta ou aquela via, a produzir
09).
Além disso, o conceito de sujeito diz que, apesar destas representações insurgirem num
ideológica explanado à pouco. Com isso é possível um viajante de comércio, por exemplo,
enunciar como um diplomata, ou seja, migrações entre as mais diversas posições-sujeito ocorrem
a todo o momento com o funcionamento da linguagem. A este respeito, Pêcheux coloca a seguinte
reflexão:
E com esta citação vemos que uma das hipóteses centrais da Análise do Discurso é
corroborada, a de que o sujeito, entendido enquanto uma posição no discurso, experiencia, com a
Ainda pensando no contexto epistemológico da Analise do Discurso, bem como nas suas
propõe, como o próprio título já assinala, uma retomada dos fundamentos que estruturaram a
teoria de AD. Se no primeiro texto, vemos a fundamentação da base lingüística da teoria de AD,
neste podemos ver os aspectos da teoria marxista também constituinte da AD, além de uma
Ao fundar a noção de discurso, ainda assinando sua obra como Thomas Herbert,
pseudônimo de Michel Pêcheux (1969), busca “desalojar o campo das Ciências Sociais de um
estatuto positivista, em que a ciência se reduz a uma ciência dos fatos tomados fora de qualquer
2009, p.15). Nesse trabalho, Pêcheux depara-se com a questão da ideologia “ainda preso a uma
concepção (...) que se presentifica em “A ideologia Alemã” (idem, p. 16); debaixo do guarda-chuva
importância desse conceito para a formação de uma ciência das formações sociais em que pese a
Vejamos alguns pontos da história tocados por Zandwais3 e suas reflexões: 1966: É
publicado um dos primeiros escritos de Pêcheux, na Les Cahiers Pour l‟Analyse, intitulado
“Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais e especialmente da psicologia social”.
Zandwais ressalta que este escrito é disseminado sob um pseudônimo de Pêcheux, qual seja:
Thomas Hebert. Neste artigo, Pêcheux traz a tona reflexões mais voltadas para questões
epistemológicas.
3
Encontra-se disponível uma lista da obra de Michel Pêcheux, organizada pelos pesquisadores do e-l@dis: laboratório
discurso – sujeito, rede eletrônica e sentidos em movimento, no sitio:
< http://dfm.ffclrp.usp.br/eladis/>
práticas teóricas, técnicas, políticas, sociais, ideológicas, etc.
1967: Ainda sob o pseudônimo de Thomas Hebert, Pêcheux publica o texto intitulado
“Teoria geral das ideologias”. Neste, a relação sujeito, ideologia e sentido é posta ainda de
maneira incipiente.
Discurso” (AAD 69), crucial na trajetória de Pêcheux. Com esta publicação vemos uma teoria
insurgir com certa autonomia que lhe é merecida no campo da lingüística. Pode-se dizer que o
importantes sobre a base lingüística, necessária ao discurso, e o processo discursivo. Nas palavras
da autora, ele busca mostrar que “língua e discurso tem materialidades distintas” (ZANDWAIS,
2009, p.22).
1975: Ano de publicação do “Semântica e Discurso”, que representa o estágio mais maduro
Podemos dizer que em fins dos anos 70 e começo da década de 80, Pêcheux lança-se a
outros pontos de partidas para a teoria e fundamenta, com suas reflexões, a ponte entre
ideologia, discurso e subjetividade. Vemos neste momento da leitura do texto de Zandwais, uma
explanação bastante elucidativa da intrínseca relação entre os conceitos de formação social (FS),
formação ideológica (FI) e formação discursiva (FD). O funcionamento destes três conceitos da AD
representa a
A autora também faz, nesta altura, outra importante colocação acerca da teoria de Análise
(ZANDWAIS, 2009, p. 26). E ao falar de história, é feita a distinção devida: “uma história não linear,
não homogênea, não contínua no centro dos processos de significação que são produzidos pelos
O percurso aqui traçado por Pêcheux e seus sucessores abre espaço para uma revisão
teórica e conceitual de extrema importância, visto que outros olhares sobre o momento de
Referências Bibliográficas
FERREIRA, Maria Cristina Leandro. Glossário de termos do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2001.
PÊCHEUX, Michel; HENRY, Paul; HAROCHE, Claudine. A Semântica e o Corte Saussuriano: língua,
linguagem, São Carlos, n. 03, p.01-19, out/nov. 2008. Bimestral. Tradução de Roberto Leiser
2011.
______. Análise automática do discurso (AAD-69). In GADET, F. e HAK, T. (org.). Por uma análise
automática do discurso: uma introdução às obras de Michel Pêcheux. Campinas: Ed. da Unicamp,
______. Semântica e discurso: uma crítica a afirmação do óbvio. 3. ed. Campinas: Editora da
ZANDWAIS, Ana. Perspectivas da análise do discurso fundada por Michel Pêcheux na França: uma