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RESUMO
As escavações levadas a cabo nos últimos anos, na cidade de Tavira, situada num porto da costa algarvia,
evidenciam a existência de uma importante infraestrutura que se pode adscrever à colonização fenícia do extremo
Ocidente, nomeadamente, as suas muralhas de casernas e o culto a Baal. Documentou-se, de igual modo, um
importante registo arqueológico que não suscita dúvidas para estimar que, em momentos prévios à presença fenícia,
terá existido uma fase de ocupação do Bronze Final.
RESUMEN
Durante los últimos años, las excavaciones llevadas a cabo en la ciudad de Tavira, situada en un puerto de la costa
algarvia, han puesto de relieve la existencia de una importante infraestructura que puede adscribirse a la colonización
fenicia del extremo Occidente, tanto sus murallas de casernas como el culto a Baal. De la misma forma, se ha
documentado un importante registro arqueológico que no ofrece dudas para estimar que en momentos previos a la
presencia fenicia ya existió una fase de ocupación del Bronce Final.
ABSTRACT
During the last ten years archaeological excavations conducted in today’s port of Tavira, have unearthen the
important architectural complex of its city wall and the ancient cult of Baal, which should be connected with colonial
Phoenicians in the west. Anyhow, an important archaeological data pertaining to the local Late Bronze Age have also
been obtained.
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pelo que não podemos assegurar que esta bolsa se cronológicos, dentro do Tipo Porto de Mós, este
prolongaria, nesta direcção. punhal de bronze, com uma liga muito baixa em
Em todo o caso, num espaço muito limitado, estanho, pode ser atribuído à síntese de influen-
de pouco mais de 30 cm de largura, por cerca de 3 cias atlânticas e mediterrânicas que se formarão
m de extensão, tivemos a possibilidade de registar nas costas do Sudoeste peninsular (Fernández
e recolher os materiais que constituem o objecto 1997:115), entre ao finais do II Milénio e os iní-
deste trabalho (Fig. 6). cios do I Milénio a.C.
No que diz respeito à liga metálica, o punhal
apresenta um baixo teor médio de estanho
1.1. OS BRONZES DE TAVIRA3 (10,05%), bem como de cobre arsenical (79,70%),
percentagens que devem ser relativizados, dada a
Para além dos objectos metálicos procedentes alta presença de cloro, em alguns dos pontos onde
do território envolvente da cidade já mencionados, foram feitas colheitas para amostra. As amostras re-
contamos agora com um punhal completo, se não colhidas em alguns pontos apresentam maior con-
tomarmos em atenção alguma perca de fio causada teúdo proporcional de traços de arsénico, enxofre
por problemas de destruição química, e um pe- e sílica (Quadro 1).
queno machado de bronze fragmentado em duas
metades, que estavam acompanhados por outros
elementos pertencentes a processos relacionados
com a metalurgia do bronze.
Punhal de bronze
Fig. 6. Contexto do achado in situ. a) Punhal; b) Machado; c) Caçoila com decoração incisa; d) Alcaraviz.
quase negra que, nalguns pontos se aproxima do friso na carena exterior de alguns exemplares, em
castanho, talvez pela introdução de oxigénio no sítios como o Cabezo de San Pedro, que figuram
forno simples onde terá sido cozido. Conserva tanto em grandes vasos, como em pequenas taças
cinco perfurações para «gatos», que indiciam repa- (Fig. 10), embora essa decoração, no dito cabeço
rações antigas. fosse realizada depois da cozedura, esgrafitando
Na carena exterior apresenta uma interessante com um buril a superfície previamente brunida, o
decoração incisa executada com punção fino, antes que denuncia uma certa diferença de técnica.
da cozedura. Tendo-se recuperado quase um terço
do vaso, conserva-se um grupo de três triângulos
unidos à linha incisa que marca a junção da carena Caçoilas brunidas
com o lábio, outro grupo de dois triângulos e um
que aparece isolado entre os motivos que a seguir No mesmo contexto foram recolhidos três frag-
descreveremos, tendo os primeiros recebido uma mentos de caçoilas ou pratos, cujas superfícies, bru-
trama de cinco, seis ou oito linhas oblíquas parale- nidas na face externa e alisada na interior, com
las ao risco do lado esquerdo. O segundo motivo é paredes muito finas e que não apresenta carena
formado por grupos de triângulos semelhantes aos muito marcada. Também foram cozidas num forno
anteriores, cujo interior se deixou livre da trama; redutor que lhes conferiu superfícies escuras, com
nos dois lados inferiores destes últimos triângulos, tonalidades que vão do negro ao castanho e ainda
foram dispostos dois grupos de linhas paralelas que cinzento escuro. Não apresentam qualquer tipo de
tomam o aspecto de penas, em cujo extremo infe- decoração brunida, incisa ou pintada, mas apenas
rior se notam pequenas incisões. São conhecidas o brunido exterior, como acabamento final (Figs.
decorações com motivos incisos, desenhando um 8.2, 8.3 e 9.6).
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lhos arqueológicos materializados em escavações da Idade do Bronze local, pelo que as cerâmicas «fe-
e prospecções de superfície entre os anos sessenta nícias» registadas em sedimentos posteriores a se-
e setenta do século passado (Pellicer 1995), cujos tecentos a.C. tinham que ser importações directas
resultados permitiram sustentar a existência de uma da costa sírio-palestiniana, ou deviam ser atribuídas
ocupação prévia ao período orientalizante, que hoje a oficinas «fenícias» já implantadas no Ocidente.
não pode ser posta em questão, sobretudo depois No decurso das últimas décadas, o conheci-
do ingente corpo de dados de que dispomos, ao fim mento da mais antiga cronologia aplicável às
de quatro décadas de investigação. cerâmicas «fenícias» impôs, pouco a pouco, a
Para uma melhor contextualização da fase pré- necessidade de recuar os inícios desta presença no
fenícia era necessário reconhecer, como princípio Sudoeste peninsular (Ruiz Mata 1986: 555; Aubet
fundamental, que a interpretação feita nos finais da 1987; Gómez Toscano 2004), especialmente
década de sessenta não se apoiava somente nos depois dos últimos achados publicados de Huelva
dados empíricos de que dispúnhamos, mas que se (González de Canales et al. 2004) que, apesar de
baseava especialmente na interpretação dos textos tudo, não são suficientes para justificar datas
históricos que nessa altura se utilizavam, visto que anteriores a novecentos a.C., numa tentativa de
a Arqueologia ainda era vista como uma actividade aproximar estes achados à data do reinado de
científica que só pretendia ser um instrumento des- Salomão e relacionar Huelva com a Tarsich bíbli-
tinado a comprovar as alusões e descrições geo- ca (Ruiz Mata e Gómez 2008: 343), isto porque
gráficas consignadas nos textos clássicos, em que a hoje se põe em causa a veracidade do texto bíbli-
Bíblia se incluía como uma das referências princi- co (Finkelstein e Silberman 2001).
pais. Neste estado de coisas, no nosso ponto de vista,
Neste sentido, nos finais da década de sessenta o maior problema que continua a afectar alguns po-
e com base nas conclusões (muito debatidas, até se sicionamentos irreconciliáveis, é o facto de ainda se
conseguir um texto neutral capaz de obter a unani- continuar a ignorar os contributos de muitos outros
midade), produzidas no V Congresso Internacional investigadores em várias zonas do Mediterrâneo, e
de Arqueologia Peninsular, realizado em Jerez de de se manter a data estabelecida nos anos sessenta,
la Frontera (Maluquer 1969), a Arqueologia come- para o Bronze Final ocidental entre os séculos IX e
çou a ser considerada imprescindível para fazer a VIII, ou talvez mesmo o X a.C., ainda que seja
história da Proto-História ocidental. O resultado da posto em questão este século X como data limite
investigação de campo das décadas seguintes foi (Escacena 1995). Tudo isto para manter o muito co-
fundamental para basear as principais linhas de in- mentado vazio populacional do Sudoeste, embora
terpretação (Pellicer 1995). Os trabalhos no Norte se fosse contra a opinião de especialistas em Geo-
de África, então conhecidos, testemunhavam con- morfologia que calculavam que não se tivesse aí
tra as fontes escritas, de acordo com as publicações produzido qualquer tipo de mudança climática es-
de P. Cintas, A. Jodin e M. Tarradell, que os pri- trutural (Díaz del Olmo 1989). De facto, um de nós
meiros achados fenícios não deviam ultrapassar de- sugere que a data em que se devia situar o início do
masiado a data limite de setecentos a.C. que então período poderia chegar até aos séculos finais do II
era utilizada (Blanco e Luzón 1969: 131; Tarradell Milénio (Gómez Toscano 1998), como mostravam
1969: 226), entrando assim em contradição com o vários registos localizados em diferentes sítios do
estipulado no texto de V. Patérculo que a recuava Sudoeste, que correspondiam, quer ao denominado
até aos finais do II Milénio. Para tentar resolver esta Bronze Tardio, quer ao Bronze Pleno. Estes factos
questão, o falecido Dr. Tarradell forjou o conceito estão hoje comprovados pela estratigrafia de Mon-
de Pré-Colonização, o qual só experimentaria uma toro e de outras escavações peninsulares (Martín de
certa aceitação entre os arqueólogos, umas décadas la Cruz 2007), e em diferentes sítios amuralhados
mais tarde (Moscati 1983). da margem esquerda do Guadiana (Soares 2005),
Contudo, esta data dos inícios do século VIII ou da Sierra de Huelva (Hurtado 2007: 122).
a.C. foi utilizada por muitos investigadores como Parece lógico que os registos arqueológicos
um terminus ante quem para calcular a cronologia onde aparecem as primeiras cerâmicas montadas
arqueológica a aplicar aos diversos sedimentos ar- com roda de oleiro não devam ser considerados sin-
queológicos onde não foram identificadas cerâmi- crónicos, mas antes que as prováveis sincronias ou
cas feitas com roda de oleiro (Blázquez et al. 1970: diacronias, deveriam ser estabelecidas através do
11; Schubart 1971: 19), uma vez que estes estratos estudo de cada uma das peças recolhidas. Da
seriam, logicamente, a génese prévia e, por isso de- mesma forma, nem todas as jazidas ocidentais que
viam ser considerados como pertencentes ao final apresentam cerâmicas brunidas montadas à mão,
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