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Sidereum Ana II pag.

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UM ACHADO DA IDADE DO BRONZE EM TAVIRA

Maria GARCIA PEREIRA MAIA ()


Campo Arqueológico de Tavira

Francisco GÓMEZ TOSCANO


Universidade de Huelva

RESUMO

As escavações levadas a cabo nos últimos anos, na cidade de Tavira, situada num porto da costa algarvia,
evidenciam a existência de uma importante infraestrutura que se pode adscrever à colonização fenícia do extremo
Ocidente, nomeadamente, as suas muralhas de casernas e o culto a Baal. Documentou-se, de igual modo, um
importante registo arqueológico que não suscita dúvidas para estimar que, em momentos prévios à presença fenícia,
terá existido uma fase de ocupação do Bronze Final.

RESUMEN

Durante los últimos años, las excavaciones llevadas a cabo en la ciudad de Tavira, situada en un puerto de la costa
algarvia, han puesto de relieve la existencia de una importante infraestructura que puede adscribirse a la colonización
fenicia del extremo Occidente, tanto sus murallas de casernas como el culto a Baal. De la misma forma, se ha
documentado un importante registro arqueológico que no ofrece dudas para estimar que en momentos previos a la
presencia fenicia ya existió una fase de ocupación del Bronce Final.

ABSTRACT

During the last ten years archaeological excavations conducted in today’s port of Tavira, have unearthen the
important architectural complex of its city wall and the ancient cult of Baal, which should be connected with colonial
Phoenicians in the west. Anyhow, an important archaeological data pertaining to the local Late Bronze Age have also
been obtained.
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INTRODUÇÃO turas e imediatamente por cima do substrato geoló-


gico, apareceram restos materiais que denunciavam
Na última década do passado século XX, as ac- uma fase de ocupação mais antiga, caracterizada
tividades para a preservação do património desen- por cerâmicas feitas à mão, carenadas, do Bronze
volvidas na cidade de Tavira começaram a revelar Final (Fig. 2). Soma-se a estes factos a identificação
importantes vestígios do seu passado, especial- dos Poços Rituais que estão hoje subjacentes ao
mente a partir das escavações realizadas em 1997 átrio do Palácio da Galeria (Maia 2003b: 66-70) e
no conjunto monumental da Colina de Santa Maria, que relacionámos com o culto a Baal, nesta zona
onde teve sede a cidade proto-histórica (Fig. 1), das costas atlânticas, o que confere um forte cariz
sem dúvida um planalto a partir do qual era possí- fenício a este sítio arqueológico, a partir de finais
vel controlar a desembocadura do Rio Gilão e a sua do século VIII a.C. (Maia e Fraga 2004).
ligação com o interior, rico em metais de cobre e Uma hipótese levantada recentemente (Gomes
prata. No decurso dessas escavações foi encontrada e Calado 2007), baseada em outros estudos a nível
a muralha de pedra de tipologia fenícia e os ele- europeu, segundo a qual grutas naturais teriam sido
mentos de cultura material que se relacionam com utilizadas como santuários, onde teria sido prestado
essa importante fase de ocupação da Idade do Ferro culto a divindades de carácter ctónico, durante a
(Maia 2000; 2003b; 2008). Idade do Bronze Final, talvez nos ajude a com-
Ainda que somente tenha sido possível docu- preender, em certa medida, a razão pela qual o culto
mentar cerca de treze metros de muralha, foram a Baal em Tavira tomou a forma, não totalmente
identificadas duas fases justapostas que devem ter inédita, mas bastante sui generis, de poços cons-
sido construídas durante o século VIII a.C., com truídos, mas subterrâneos, para recrear, quer o pa-
duas «casamatas» de 5 x 1,5 m, bem como um lácio que o deus ganhou o direito de construir para
enorme bastião na zona Sudoeste (Maia 2000: fig. si, quer «as cavidades onde habitam as sombras» e
1). São conhecidas muralhas fenícias semelhantes onde permaneceu, até que a sua paredra Anat/As-
nos sítios fenícios com maior visibilidade, como La tarté o reconstituiu e lhe devolveu o esplendor de
Fonteta em Alicante (Gonzáles Prats et al. 1999) e «Senhor de muitas Cidades».
em El Puerto de Santa Maria, que hoje se classifica Uma gruta (chamada Ladroeira Grande), si-
como a sede da primeira fundação fenícia em tuada no Cerro da Cabeça, Moncarapacho entregou
Gadir, segundo os textos históricos e a interpreta- um conjunto de peças cerâmicas datadas do Bronze
ção arqueológica. Final é interpretada, na hipótese que temos vindo a
De acordo com o que foi possível apurar desde referir, como um santuário numa cavidade subter-
então, a cidade amuralhada terá ocupado a penín- rânea natural. O Cerro da Cabeça dista cerca de 4
sula onde a cidade se implantou, como foi recente- km do Monte Figo, não atingindo a mesma altitude,
mente reconstituído (Maia 2008: 164-166), mas tem muito próxima comunicação visual com
situando-se a parte escavada muito próxima da ele, constituindo como que um prolongamento, no
margem direita do antigo leito do rio (Maia 2000: sentido Leste, de uma só elevação, apenas separada
figs. 1 e 2; est. I), ainda que a posterior actividade da primeira por uma depressão a que escassamente
antrópica na zona tenha provocado uma vasta sedi- se pode chamar vale e que não é visível, a partir do
mentação de vestígios extramuros, onde se locali- mar.
zaram estruturas pesqueiras do Período Turdetano A gruta-santuário (?) do Bronze Final de Mon-
(Maia 2006: 468), incluindo um cais de acostagem carapacho liga-se muito facilmente com Tavira,
de pedra e uma rampa revestida de argila amare- através da simples orografia, se recordarmos que o
lada, para permitir subir as embarcações para a curso dos rios e os seus leitos de inundação, ex-
zona portuária (Maia 2006: 166-169). ceptuado o curto período em que as águas das chu-
Em Tavira, os primeiros elementos que se rela- vas os tornam intransitáveis, foram os caminhos
cionam com a muralha de tipologia fenícia acima mais fáceis para as deslocações, em todo o tempo
referida e de acordo com a estratigrafia observada que antecedeu a introdução do conceito de vias
ao lado da sua primeira fase construtiva, foram di- construídas pelo homem e que, de certo modo, sub-
ferentes pavimentos e lareiras sobrepostos que es- verteu a tradicional prática do aproveitamento dos
tavam associados a abundantes cerâmicas fenícias caminhos que a natureza oferecia: situa-se nas pro-
feitas com o auxílio da roda de oleiro, correspon- ximidades do Ribeira das Ondas que é subsidiária
dendo a formas de finais do século VIII a.C., talvez da Ribeira da Lagoa, afluente do Rio Séqua que,
um pouco posterior à fase fundacional fenícia por sua vez, desagua em Tavira, onde recebe o hi-
(Gómez Toscano 2004). Por debaixo destas estru- drónimo de Gilão.
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Fig. 1. Carta da foz do rio Gilâo e a situaçâo de Tavira.


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deuses aqueles que detinham o seu conhecimento,


no sentido de serem como demiurgos, conceito
que significava para os gregos, homens que eram
intermediários entre os outros homens e as divin-
dades. Talvez por estas razões, Ephaístos/Vulca-
no, um deus artífice da metalurgia, veio a ter um
papel de destaque no panteão clássico.
Nas escavações de 1998 e 1999, para além de
estruturas orientalizantes, foi possível documentar
uma ampla ocupação durante a Idade do Bronze,
com fundos de cabana disseminados por cerca de
cem metros de extensão e que testemunhava a tran-
sição entre esta ocupação e os primeiros contactos
com o mundo fenício (Maia 2003a: 42-43). Numa
lareira estruturada, com calhaus de quartzo agluti-
nados com barro, recolheram-se formas cerâmicas
típicas (Fig. 2).
No Palácio da Galeria podémos definir outra es-
trutura que foi habitada desde o Bronze Final até
aos inícios do Período Orientalizante (Maia 2003a:
43), cujo pavimento de terra batida e paredes re-
vestidas de barro e de fragmentos de grandes vasos
de armazenamento montados à mão demonstravam
que sua base se situava em plano inferior, relativa-
mente ao solo de uso exterior, sendo que a função
Fig. 2. Taças brunidas de Tavira imediatamente do referido revestimento interno constituiria uma
anteriores a la construçâo da muralha fenícia. forma de impermeabilização, para manter o inte-
rior seco, quando chovesse. Também dentro da
mesma cabana, foi registado um pequeno silo em
O Monte Figo1 foi, mais tarde, conotado com que foi usada a mesma forma de revestimento. São
Zéfirus Favonicus (Avienus, Ora Maritima, 223- conhecidas outras cabanas semi-escavadas no solo,
24), o vento benfazejo de Oeste que anuncia a che- na Tierra Llana de Huelva (Gómez et al. 2009).
gada da Primavera e que foi a «interpretação» Um achado que pode ser relacionado com a
clássica de Baal, o deus dos elementos atmosféri- mais antiga ocupação da Colina de Santa Maria,
cos. A existência de este último santuário e a sua embora tenha sido feito num contexto orientali-
função (que mantém até hoje) de oráculo atmosfé- zante do século VII a.C., por fazer parte do con-
rico e de farol diurno para a navegação é um dos teúdo de um dos poços rituais do Palácio da
sustentáculos da nossa teoria que propõe que o Galeria, é uma ponta de seta de cobre com pedún-
culto a Baal em Tavira foi uma das circunstâncias culo e aletas, de um tipo que é habitualmente rela-
que sustentou o papel desta então península, de cionado com o Bronze do Sudoeste, ou com o
porto-santuário e de base indispensável para a na- Bronze Pleno. Trata-se de um tipo de artefacto cuja
vegação atlântica dos «fenícios» (Maia 2005). interpretação funcional é como que intuitiva e que
Neste ponto, convém deixar claro que não atri- recebeu um tratamento algo sumário, em muitas
buímos ao «achado de Tavira» uma conotação das publicações que contemplam objectos seme-
mágico-religiosa directa, mas tendemos antes a lhantes.
relacioná-lo com a prática da metalurgia. Contu- Na realidade, este tipo sofreu uma longa evolu-
do, não podemos deixar de nos interrogar se toda ção que podemos resumir como uma tendência
a metalurgia não teria estado ligada desde sempre geral para a diminuição, quer das suas medidas to-
a práticas mágicas que teriam feito aproximar aos tais, quer do pedúnculo e das aletas. Foi chamado
de Palmela (Rovira et al. 1992: 269-89) mas já an-
teriormente era claro que sobreviveu até ao Bronze
1
Para confirmar a altura e dimençôes de Monte Figo Final. A ponta de seta de Tavira encontra paralelos
basta saber que durante o pôr do sol e com céu limpo ê próximos em San Bartolomé de Almonte, Huelva
perfectamente visivel a partir das alturas de Huelva. (Ruiz Mata et al. 1986: 73, fig. 86).
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Os vestígios proto-históricos escavados na ci-


dade obedeceram a um registo arqueológico nor-
malizado que permite estabelecer a extensão no
tempo do conjunto dos materiais obtidos. Nos ar-
redores de Tavira também dispomos de outros ele-
mentos que podemos atribuir ao período em estudo,
sendo constituídos neste caso por peças metálicas
de certa importância pelo seu valor intrínseco na-
quela altura, embora não disponhamos do seu con-
texto, por se tratar de achados fortuitos, ou de
intervenções realizadas sem metodologia científica
(Fig. 3).
Nos arredores de Tavira e dentro da Freguesia
da Conceição2, sítio da Canada, foi comprado há
anos um bracelete de ouro maciço, cuja origem e Fig. 3. Situaçâo de Tavira e os achados metalicos
características foram debatidas por diversos inves- referidos.
tigadores (Estácio da Veiga 1891; Almagro-Gorbea
1977; Gomes 1995), ainda que os últimos achados
em Tavira apontem para a ocupação do Bronze Esta fase de ocupação mais recuada foi docu-
Final que temos estado a descrever. mentada na zona noroeste da Colina de Santa
Mais recentemente, localizou-se um machado Maria, que proporcionou um registo arqueológico
plano do Bronze Final, a pouco mais de dois Qui- de extrema importância, cujo estudo e divulgação
lómetros da cidade, em Bernardinheiro (Gomes et constitui o cerne deste trabalho.
al. 2004), muito semelhante ao nosso exemplar da
Colina de Santa Maria, ainda que apresente uma
forma mais trapezoidal. Trata-se de um machado 1. O REGISTO ARQUEOLÓGICO DO
de bronze, de acordo com a liga de cobre e estanho ACHADO DE TAVIRA
que apresenta (88% de cobre arsenical e 12% de es-
tanho), cuja morfologia parece indicar que foi exe- Em 2003, realizaram-se duas valas de diagnós-
cutado em molde simples, uma característica que tico num espaço municipal não construído, que se
levou os autores da sua divulgação a considerá-lo situa na Colina de Santa Maria, próximo dos poços
um tipo da Idade do Bronze Médio (Gomes et al. votivos fenícios, da Igreja de Santa Maria e ainda
2004:123). das estruturas orientalizantes de Corte Reais (Fig.
Tudo o que temos vindo a enumerar permite 4). Uma das valas mostrou uma reiterada ocupação
presumir que anteriormente à presença verificada do sítio, com especial incidência nas Idades Mo-
dos «fenícios» em Tavira, a partir de finais do sé- derna e Contemporânea, mas também no período
culo VIII a.C., quando foi construída a muralha de Islâmico, Turdetano e «Fenício».
«casamatas e passadiços» de tipologia fenícia, já Num estrato, caracterizado por uma ocupação
existia um povoamento complexo de origem local, islâmica datada dos séculos XI- XII, de carácter pe-
neste contexto do Algarve oriental que constituem riférico e da qual só pudemos observar uma parede
a única forma de explicar a importância alcançada apenas apontada e formada por pedras díspares, se-
pelas suas relações com o mundo oriental dos co- guramente reaproveitadas e um poço cego esca-
merciantes fenícios que se estavam a instalar nas vado no solo primitivo e revestido de boa alvenaria
costas peninsulares desde Almería até ao Cabo de (Fig. 5), que foi integralmente preenchido por resí-
São Vicente, o que não diminui a importância rela- duos domésticos. O carácter periférico e limitado
tiva da cidade fenício-ocidental posterior, ainda que desta ocupação permitiu a sobrevivência de bolsas
não deva ser considerada tecnicamente uma colónia de estratos mais antigos, como é o caso da unidade
fenícia, apesar da sua muralha de carácter oriental otra estratigráfica, imediatamente assente sobre a
e do santuário dedicado a Baal (Maia 2003: 61; marga calcária local, onde se registou parte do que
2005). subsistiu daquela que será a mais antiga ocupação
da Idade do Bronze do sítio de Tavira. Esta unidad
estava subjacente a um pavimento «fenício» cons-
2
Actualmente integra o acervo do Museu Nacional de tituído por calhaus rolados, aglutinados com argila
Arqueologia de Lisboa. e situava-se muito perto do perfil «Norte» (Fig. 5),
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pelo que não podemos assegurar que esta bolsa se cronológicos, dentro do Tipo Porto de Mós, este
prolongaria, nesta direcção. punhal de bronze, com uma liga muito baixa em
Em todo o caso, num espaço muito limitado, estanho, pode ser atribuído à síntese de influen-
de pouco mais de 30 cm de largura, por cerca de 3 cias atlânticas e mediterrânicas que se formarão
m de extensão, tivemos a possibilidade de registar nas costas do Sudoeste peninsular (Fernández
e recolher os materiais que constituem o objecto 1997:115), entre ao finais do II Milénio e os iní-
deste trabalho (Fig. 6). cios do I Milénio a.C.
No que diz respeito à liga metálica, o punhal
apresenta um baixo teor médio de estanho
1.1. OS BRONZES DE TAVIRA3 (10,05%), bem como de cobre arsenical (79,70%),
percentagens que devem ser relativizados, dada a
Para além dos objectos metálicos procedentes alta presença de cloro, em alguns dos pontos onde
do território envolvente da cidade já mencionados, foram feitas colheitas para amostra. As amostras re-
contamos agora com um punhal completo, se não colhidas em alguns pontos apresentam maior con-
tomarmos em atenção alguma perca de fio causada teúdo proporcional de traços de arsénico, enxofre
por problemas de destruição química, e um pe- e sílica (Quadro 1).
queno machado de bronze fragmentado em duas
metades, que estavam acompanhados por outros
elementos pertencentes a processos relacionados
com a metalurgia do bronze.

Punhal de bronze

Trata-se de uma folha de bronze de 25,4 cm de


comprimento, 3,4 cm de largura máxima (Fig. 7),
que se pode relacionar com o tipo geral Porto de Quadro 1. Composição química do punhal.
Mós-El Oficio (Fernández García 1997: fig. 5),
muito semelhante ao procedente de Cancho Ena-
morado, ainda que este último conserve duas per- Machado de bronze
furações e rebites (Coffyn 1985: pl. XXXIX, 1).
Apresenta folha alongada, sem desbaste até ao O machado de bronze é constituído por dois
gume e com lingueta trapezoidal, sem perfurações fragmentos que aparentemente colam, ainda que
para rebites. não perfeitamente, o que sugere que a fractura cen-
O facto de não apresentar perfurações na lin- tral do instrumento se deu num momento anterior à
gueta não deve ser considerado indício com valor sua deposição no lugar em que foi achado. O seu
cronológico porque são conhecidos dois exempla- comprimento máximo é de 12,6 cm, 4,8 cm de lar-
res de punhais idênticos ao de Tavira, provenien- gura máxima distal e de 2,05 cm no talão e a sua
tes do depósito de Porto do Concelho (Coffyn espessura máxima no centro é 1,1 e 0,9 cm no talão
1985: pl. XLIX, 11 e 17), um dos quais apresenta (Fig. 7).
três perfurações e outro, nenhuma. Acresce que, O facto de apresentar um espessamento nas
como em Tavira, os dois exemplares não apresen- faces laterais demonstra que se trata de um
tam qualquer tipo de reforço central elevado, nem machado executado num molde bivalve, que
destacado ou marcado por incisões, embora exis- apresenta talão recto e gume afiado, que, quando
tam outros exemplares de punhais com ou sem foi recolhido, tinha muitas concreções, sulfatos e
reforço, que não conservam a zona de empunha- cloretos que foram eliminados, na medida do pos-
dura. De acordo com a sua tipologia e indicadores sível.
Apresenta uma liga de bronze com cobre arse-
nical (92,41%) e um conteúdo médio de estanho
(7,37%). Em todo o caso, devido ao método utili-
3
A análise para a determinação dos elementos zado, a mínima percentagem média de 0,22% cor-
constituintes foi realizada nos Serviços Centrais de I+D da
Universidad de Huelva. Dado o nosso interesse em obter a
responderia a traços residuais, praticamente
relação percentual entre Cu e Sn, utilzou-se a microscopia impossíveis de quantificar, de ferro e arsénico
electrónica de varrimento por difracção de raio X. (Quadro 2).
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2004), tinham oferecido cerâmicas do Bronze Final


correspondentes à primeira fase de ocupação, rela-
cionando-se com a construção da primeira fase da
muralha de «casamatas e passadiços» e que foram
recolhidas em estratos onde exemplares feitos com
roda de oleiro, de origem fenícia de Ocidente que
foram então datadas de finais do século VIII, de
acordo com a cronologia geralmente utilizada pelos
arqueólogos espanhóis, para sítios escavados em
Huelva e em El Puerto de Santa Maria (Maia
Quadro 2. Composição química do machado.
2003b: 43). O conjunto que passamos a analisar
pertence a este grupo, embora corresponda a um
momento relativamente anterior.
Outra peça relacionada com a metalurgia do
bronze
Caçoila com decoração incisa
Trata-se de fragmentos de um peça cilíndrica de
argila muito mal cozida que apresenta uma perfu- Do conjunto cerámico recolhido destaca-se uma
ração central de diâmetro reduzido e que corres- caçoila con decoraçao incisa na zona superior da
ponderia a um molde ou a um alcaraviz (Fig. 7). carena exterior (Fig. 8.1). Trata-se de um vaso de
grandes proporções, de perfil fortemente carenado
e com lábio um pouco saliente, mas praticamente
2.2. AS CERÂMICAS DO BRONZE FINAL vertical que se assemelha a uma das formas A.I.b.
do Cabezo de San Pedro, de acordo com a tipologia
Como já referimos, as escavações realizadas na tradicional de Ruiz Mata (1979; 1995: fig. 6, 3).
Colina de Santa Maria, onde se localiza o recinto Completamente brunida na face externa e na inte-
fenício amuralhado de Tavira (Maia 2000), plena- rior do lábio, no interior apresenta apenas um li-
mente justificado pelas estruturas relacionadas com geiro alisamento feito à mão. Em consequência de
o culto de Baal (Maia 2003b; 2005; Maia e Fraga uma cozedura redutora, apresenta uma coloração

Fig. 4. Localizaçâo do achado no topo da colina genética de Tavira.


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Fig. 5. Disenho de campo do achado e o seu contexto.


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Fig. 6. Contexto do achado in situ. a) Punhal; b) Machado; c) Caçoila com decoração incisa; d) Alcaraviz.

quase negra que, nalguns pontos se aproxima do friso na carena exterior de alguns exemplares, em
castanho, talvez pela introdução de oxigénio no sítios como o Cabezo de San Pedro, que figuram
forno simples onde terá sido cozido. Conserva tanto em grandes vasos, como em pequenas taças
cinco perfurações para «gatos», que indiciam repa- (Fig. 10), embora essa decoração, no dito cabeço
rações antigas. fosse realizada depois da cozedura, esgrafitando
Na carena exterior apresenta uma interessante com um buril a superfície previamente brunida, o
decoração incisa executada com punção fino, antes que denuncia uma certa diferença de técnica.
da cozedura. Tendo-se recuperado quase um terço
do vaso, conserva-se um grupo de três triângulos
unidos à linha incisa que marca a junção da carena Caçoilas brunidas
com o lábio, outro grupo de dois triângulos e um
que aparece isolado entre os motivos que a seguir No mesmo contexto foram recolhidos três frag-
descreveremos, tendo os primeiros recebido uma mentos de caçoilas ou pratos, cujas superfícies, bru-
trama de cinco, seis ou oito linhas oblíquas parale- nidas na face externa e alisada na interior, com
las ao risco do lado esquerdo. O segundo motivo é paredes muito finas e que não apresenta carena
formado por grupos de triângulos semelhantes aos muito marcada. Também foram cozidas num forno
anteriores, cujo interior se deixou livre da trama; redutor que lhes conferiu superfícies escuras, com
nos dois lados inferiores destes últimos triângulos, tonalidades que vão do negro ao castanho e ainda
foram dispostos dois grupos de linhas paralelas que cinzento escuro. Não apresentam qualquer tipo de
tomam o aspecto de penas, em cujo extremo infe- decoração brunida, incisa ou pintada, mas apenas
rior se notam pequenas incisões. São conhecidas o brunido exterior, como acabamento final (Figs.
decorações com motivos incisos, desenhando um 8.2, 8.3 e 9.6).
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Fig. 7. Bronzes e posibel molde o alcaraviz.

Taças Brunidas mamilo situado no bordo (Fig. 9.7). Todos apre-


sentam superfícies brunidas e tonalidades seme-
Trata-se de vasos de perfil carenado (Fig. 9, 1- lhantes às das caçoilas e taças anteriormente
5), semelhantes às caçoilas, mas o seu diâmetro descritas, excepto a escudela profunda cujas super-
leva-nos a inclui-los no tipo B.I de Ruiz Mata fícies são rugosas e mate. Para além destas peças.
(1979; 1995: fig. 7). Forma geral, a cozedura é se- Recolheu-se uma vintena de fragmentos de paredes
melhante à descrita para as caçoilas, de forma que laterais brunidas, alisados ou sem acabamento que
as superfícies apresentam um bom brunido no ex- não corresponderam a formas conhecidas, nem
terior e pior acabamento, no interior. Uma de elas apresentam qualquer tipo de decoração.
(Fig. 9.5), que conservou parte do fundo, apresenta
um onfalós irregular, correspondente a uma de-
pressão no exterior, que não se nota no interior do 2. O FINAL DA IDADE DO BRONZE NAS
recipiente. COSTAS DO SUDOESTE PENINSULAR

O período arqueológico que é conhecido no Su-


Outras formas cerâmicas doeste peninsular como Bronze Final pré-fenício
corresponde a uma fase histórica cuja existência,
No mesmo contexto documentaram-se bordos sem se basear em dados empíricos relevantes, mas
de vasos que tendem a configurar-se como escude- obedecendo à historiografia que tem sido produzida
las mais ou menos rectas (Fig. 8.5, e 8.6), como durante as últimas quatro décadas, tem sido muito
uma travessa com o bordo mais ou menos plano debatida nos últimos anos. No Sudoeste peninsu-
(Fig. 8.4) e ainda uma escudela profunda com um lar, este período foi definido com base nos traba-
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lhos arqueológicos materializados em escavações da Idade do Bronze local, pelo que as cerâmicas «fe-
e prospecções de superfície entre os anos sessenta nícias» registadas em sedimentos posteriores a se-
e setenta do século passado (Pellicer 1995), cujos tecentos a.C. tinham que ser importações directas
resultados permitiram sustentar a existência de uma da costa sírio-palestiniana, ou deviam ser atribuídas
ocupação prévia ao período orientalizante, que hoje a oficinas «fenícias» já implantadas no Ocidente.
não pode ser posta em questão, sobretudo depois No decurso das últimas décadas, o conheci-
do ingente corpo de dados de que dispomos, ao fim mento da mais antiga cronologia aplicável às
de quatro décadas de investigação. cerâmicas «fenícias» impôs, pouco a pouco, a
Para uma melhor contextualização da fase pré- necessidade de recuar os inícios desta presença no
fenícia era necessário reconhecer, como princípio Sudoeste peninsular (Ruiz Mata 1986: 555; Aubet
fundamental, que a interpretação feita nos finais da 1987; Gómez Toscano 2004), especialmente
década de sessenta não se apoiava somente nos depois dos últimos achados publicados de Huelva
dados empíricos de que dispúnhamos, mas que se (González de Canales et al. 2004) que, apesar de
baseava especialmente na interpretação dos textos tudo, não são suficientes para justificar datas
históricos que nessa altura se utilizavam, visto que anteriores a novecentos a.C., numa tentativa de
a Arqueologia ainda era vista como uma actividade aproximar estes achados à data do reinado de
científica que só pretendia ser um instrumento des- Salomão e relacionar Huelva com a Tarsich bíbli-
tinado a comprovar as alusões e descrições geo- ca (Ruiz Mata e Gómez 2008: 343), isto porque
gráficas consignadas nos textos clássicos, em que a hoje se põe em causa a veracidade do texto bíbli-
Bíblia se incluía como uma das referências princi- co (Finkelstein e Silberman 2001).
pais. Neste estado de coisas, no nosso ponto de vista,
Neste sentido, nos finais da década de sessenta o maior problema que continua a afectar alguns po-
e com base nas conclusões (muito debatidas, até se sicionamentos irreconciliáveis, é o facto de ainda se
conseguir um texto neutral capaz de obter a unani- continuar a ignorar os contributos de muitos outros
midade), produzidas no V Congresso Internacional investigadores em várias zonas do Mediterrâneo, e
de Arqueologia Peninsular, realizado em Jerez de de se manter a data estabelecida nos anos sessenta,
la Frontera (Maluquer 1969), a Arqueologia come- para o Bronze Final ocidental entre os séculos IX e
çou a ser considerada imprescindível para fazer a VIII, ou talvez mesmo o X a.C., ainda que seja
história da Proto-História ocidental. O resultado da posto em questão este século X como data limite
investigação de campo das décadas seguintes foi (Escacena 1995). Tudo isto para manter o muito co-
fundamental para basear as principais linhas de in- mentado vazio populacional do Sudoeste, embora
terpretação (Pellicer 1995). Os trabalhos no Norte se fosse contra a opinião de especialistas em Geo-
de África, então conhecidos, testemunhavam con- morfologia que calculavam que não se tivesse aí
tra as fontes escritas, de acordo com as publicações produzido qualquer tipo de mudança climática es-
de P. Cintas, A. Jodin e M. Tarradell, que os pri- trutural (Díaz del Olmo 1989). De facto, um de nós
meiros achados fenícios não deviam ultrapassar de- sugere que a data em que se devia situar o início do
masiado a data limite de setecentos a.C. que então período poderia chegar até aos séculos finais do II
era utilizada (Blanco e Luzón 1969: 131; Tarradell Milénio (Gómez Toscano 1998), como mostravam
1969: 226), entrando assim em contradição com o vários registos localizados em diferentes sítios do
estipulado no texto de V. Patérculo que a recuava Sudoeste, que correspondiam, quer ao denominado
até aos finais do II Milénio. Para tentar resolver esta Bronze Tardio, quer ao Bronze Pleno. Estes factos
questão, o falecido Dr. Tarradell forjou o conceito estão hoje comprovados pela estratigrafia de Mon-
de Pré-Colonização, o qual só experimentaria uma toro e de outras escavações peninsulares (Martín de
certa aceitação entre os arqueólogos, umas décadas la Cruz 2007), e em diferentes sítios amuralhados
mais tarde (Moscati 1983). da margem esquerda do Guadiana (Soares 2005),
Contudo, esta data dos inícios do século VIII ou da Sierra de Huelva (Hurtado 2007: 122).
a.C. foi utilizada por muitos investigadores como Parece lógico que os registos arqueológicos
um terminus ante quem para calcular a cronologia onde aparecem as primeiras cerâmicas montadas
arqueológica a aplicar aos diversos sedimentos ar- com roda de oleiro não devam ser considerados sin-
queológicos onde não foram identificadas cerâmi- crónicos, mas antes que as prováveis sincronias ou
cas feitas com roda de oleiro (Blázquez et al. 1970: diacronias, deveriam ser estabelecidas através do
11; Schubart 1971: 19), uma vez que estes estratos estudo de cada uma das peças recolhidas. Da
seriam, logicamente, a génese prévia e, por isso de- mesma forma, nem todas as jazidas ocidentais que
viam ser considerados como pertencentes ao final apresentam cerâmicas brunidas montadas à mão,
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Fig. 8. Cerâmicas brunidas do contexto dos achados de bronze.


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Anejos de AEspA LXII UM ACHADO DA IDADE DO BRONZE EM TAVIRA 339

com ou sem decoração brunida ou pintada, no in- 3. O ACHADO DE TAVIRA E A SUA


terior ou no exterior, são obrigatoriamente sincró- REPERCUSSÃO NA EXPLICAÇÃO DO
nicos. O factor tempo também poderá ser PROCESSO HISTÓRICO NO SUDOESTE
estabelecido a partir de um estudo tipológico, uma PENINSULAR, ENTRE O II E I MILÉNIOS
alternativa menos viável, quando se lida com tipos A.C.
executados segundo uma técnica que não se presta
a repetições formais. A possível oficina metalúrgica prefinícia de Ta-
Dado que a primeira publicação das cerâmicas vira, segundo o testemunho dos materiais acima
locais do Cabezo de San Pedro não foi devida- apresentados, constitui um avanço firme, no sen-
mente tida em conta nas quatro últimas décadas tido de apoiar a existência de uma sociedade sufi-
(Blázquez et al. 1970), a sua revisão actualizada cientemente desenvolvida, nas costas atlânticas do
(Gómez Toscano e Campos 2008) pode permitir Sudoeste, numa cronologia bastante anterior ao sé-
colocar novas vias de análise tipológica relativa culo IX a.C. Se as formas cerâmicas do Bronze
que sem dúvida servirão para estabelecer novas Final identificadas no contexto da cidade que a mu-
bases de análise a partir de agora (Gómez Tosca- ralha fenícia defendia diferem, em parte das sin-
no 2007), precisamente porque a ampla cronolo- crónicas de Huelva e das de El Castillo de Doña
gia relativa não deve ser muito diferente da de Blanca, e ainda de outros sítios conhecidos do Su-
outros sítios do Bronze Final, ainda que só se doeste, como é lógico, aquelas que podemos rela-
baseie em postulados da tipologia cerâmica, tanto cionar com a fase imediatamente anterior terão que
na Sierra de Huelva (Hurtado 1997), como nos ser também um pouco diferentes das da Fase I do
territórios adjacentes ao Baixo Guadiana, nos Cabezo de San Pedro (Gómez Toscano 2007), ou
sítios portugueses do Bronze Final (Soares 2003; dos sítios sincrónicos do Cerro de la Cabeza, em
2005; Silva e Berrocal-Rangel 2005). Valenciana de la Concepción, ou da Sierra de San
A génese da sociedade ocidental complexa e di- Cristóbal, em El Puerto de Santa Maria (Ruíz Mata
nâmica, a partir dos séculos finais do II milénio a.C. e Gómez 2008: figs.7 e 8), para além dos da mar-
e até à chegada dos primeiros comerciantes a gem esquerda do Rio Guadiana (Soares 2005).
Huelva, nos inícios do século IX a.C. (Gómez Tos- Há pouco mais de uma década, um de nós, con-
cano 2004; Ruíz Mata e Gómez 2008), pode justi- siderando a possibilidade de ter existido essa dife-
ficar a presença de materiais procedentes do renciação, lógica por se tratar da cultura material
Oriente, que dariam continuidade àqueles para os de uma sociedade complexa dos finais da Pré-His-
quais já se demonstrou uma origem micénica (Mar- tória Recente, calculávamos que os deferentes de-
tín de la Cruz 2007), e que fizeram suspeitar de uma senvolvimentos locais deviam ser assimétricos
presença fenícia que não tem justificação histórica (Gómez Toscano 1998: 241). Não é possível que as
(Gómez Toscano n.p.b). grandes mudanças se tenham produzido ao mesmo
Essa sociedade complexa, articulada com um tempo em todo o lado, porque se o Horizonte Clás-
amplo espectro geográfico, tanto atlântico como sico do Cabezo de San Pedro se começou a trans-
mediterrânico, constituiria a justificação para a dis- formar a partir da presença fenícia no século IX
tribuição de uma ampla panóplia de elementos a.C., noutros sítios mais afastados da costa, essas
muito específicos de ambas as procedências (Ruíz- alterações devem ter demorado um pouco mais. Em
Gálvez 2005). As relações entre as três grandes consequência do exposto, podem ter existido nas
ilhas mediterrânicas –Chipre, Creta e Sardenha– formas cerâmicas do Horizonte Formativo diferen-
para a produção de objectos de bronze (Karageorg- ças dentro de cada sítio, ou pelo menos, no interior
his e Papasavvas 2001: 351), mantiveram as rela- de cada região. Na figura 11, estabelecemos dife-
ções com a costa sírio-palestiniana, entre os séculos renças regionais baseadas nos dados actuais que
XII-X a.C., períodos anteriores à expansão tíria do devem ser confirmadas, no futuro.
século IX a.C. (Ruíz Mata e Gómez 2008), mas não A evolução do Bronze Final pré-fenício de Ta-
estavam também excluídas da comunicação com as vira deve ser colocada também entre os séculos fi-
costas meridionais da Península Ibérica, desde nais do II Milénio e a data em que as mais antigas
antes da crise da Idade do Bronze, no conjunto do cerâmicas montadas com roda de oleiro estão ates-
Mediterrâneo oriental, o que implicava a presença tadas, como na maior parte dos sítios conhecidos
no Atlântico de navegadores que são conhecidos nas costas atlânticas do Sudoeste. Os dois bronzes
como protofenícios, antes do século IX a.C. agora identificados, num contexto cerâmico bem
(Gómez Toscano n.p.a). documentado, podem ser relacionados com o Ho-
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340 Maria Maia - Francisco Gómez Toscano Anejos de AEspA LXII

Fig. 9. Taças e pratos do contexto dos achados de bronze.


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Anejos de AEspA LXII UM ACHADO DA IDADE DO BRONZE EM TAVIRA 341

Esta técnica também não foi ainda identificada nos


outros sítios do Bronze Final portugueses, perten-
centes à bacia do Baixo Guadiana (Soares 2005).
Devemos pois situar as cerâmicas de Tavira nos
finais do Horizonte Formativo ou nos inícios do
Horizonte Clássico? A relação da metalurgia atlân-
tica com cerâmicas brunidas constitui um ponto de
partida que augura um futuro prometedor, quando
se tenta definir fases e cronologias, com um mí-
nimo de segurança.
Definitivamente, estamos perante uma oportu-
nidade de situar a metalurgia atlântica, de que a
maioria dos produtos conhecidos são fruto de acha-
dos fortuitos ou sem contexto – ainda que conte-
mos agora com um primeiro corpus de análises
radiométricas que confirmam a cronologia ampla
para o Bronze Final Pré-fenício (Torres 2008) – e as
cerâmicas brunidas que, até agora, temos vindo a
datar com base em contextos posteriores, onde apa-
reciam cerâmicas montadas com roda de oleiro de
génese fenícia e, por isso, sujeitas ao estado da
questão, no que diz respeito à presença de navega-
Fig. 10. Cerâmicas do Cabezo de San Pedro em Huelva. dores fenícios no extremo Ocidente, que se coloca
ora no século VIII, ora no IX a.C., datas que de-
pendem da investigação mais recente, não só na Pe-
nínsula Ibérica, mas também no conjunto do mundo
rizonte da Ria de Huelva, ou com outras zonas co- mediterrânico.
nhecidas, como a de Baiões-Santa Luzia (Senna-
Martinez 1993; Ruíz-Gálvez 2005) e outras zonas
atlânticas (Coffyn 1985), que também apresentam AGRADECIMENTOS
cerâmicas muito diferentes das andaluzas.
Agradecemos a Luís Fraga da Silva as cartas de
Tavira proto-historica, a Mª Gloria Blanco Cruz
4. CONCLUSÕES (Universidad de Huelva) a sua colaboração na aná-
lise química do punhal e o machado de bronze e a
A revisão das cerâmicas do Cabezo de San Sol Gómez Ponce a sua contribução na limpeza e
Pedro em Huelva, coadjuvada pelos novos achados conservação de ambas as peças.
que se têm realizado na zona (Gómez e Campos
2008) permitiu-nos definir três horizontes – For-
mativo, Clássico e Residual – exclusivamente para BIBLIOGRAFÍA
a Huelva Proto-histórica (Gómez Toscano 2007).
Verifica-se que a decoração com motivos brunidos ALMAGRO-GORBEA, M. (1977): El Bronce Final
na face interna só estaria presente no Horizonte Orientalizante en la Península Ibérica. Biblio-
Clássico, embora possam existir alguns exempla- theca Praehistorica Hispana XIV. Madrid.
res incluídos nos finais do Horizonte anterior. No BETTENCOURT, A.M.S. (1998): «O Conceito de
contexto da muito provável oficina metalurgia de Bronze Atlântico na Península Ibérica» In S.O.
Tavira, objecto deste trabalho, todas as cerâmicas Jorge (ed.): Existe uma Idade do Bronze Atlân-
apresentam acabamento brunido apenas no exterior, tica? Trabalhos de Arqueologia 10. Lisboa: 18-
como em Huelva e somente uma das peças ostenta 39.
decoração geométrica incisa na face externa da ca- BLANCO, A., LUZÓN, J.M. e RUIZ MATA, D. (1969):
rena (Fig. 8.1), uma técnica ainda não documentada «Panorama tartésico en Andalucía Occidental».
no Algarve e na Andaluzia ocidental, embora se co- Tartessos y sus Problemas. Actas del V Sympo-
nheçam paralelos incisos depois da cozedura, em sium internacional de Prehistoria Peninsular.
formas do Horizonte Clássico, em Huelva (Fig. 10). Barcelona: 119-162.
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342 Maria Maia - Francisco Gómez Toscano Anejos de AEspA LXII

Fig. 11. Sitios do Bronze Final do Sudoeste con regiôes diferenciadas.

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