Você está na página 1de 18

Pela Beira Interior no século I d. C.

das capitais de ciuitates aos uici,


entre o Pônsul e a Estrela
Pedro C. Carvalho*

Resumo
Partindo dos dados proporcionados pelas mais recentes investigações, tecem-se algu-
mas considerações sobre as capitais de civitates e os vici conhecidos entre o Rio Pônsul e a
Serra da Estrela, no quadro mais lato da ocupação romana do interior norte da Lusitânia.
O uso do termo vicus é também objecto de análise mais detalhada, sendo também par-
ticularmente discutida a natureza ou a função do conhecido sítio de Centum Celas.

Abstract
Based on the most recent research findings, the author presents some observations
on the civitates capitals and the vici that are known to have existed between the Pônsul
River and Serra da Estrela, within the larger framework of the Roman occupation of
the northern interior region of Lusitania. The use of the term vicus is also analyzed
in detail, and the nature or function of the the well-known site of Centum Celas is dis-
cussed in particular.

* Ceaucp-Cam; Instituto de Arqueologia; Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; pedrooak@gmail.com.

317
Pedro C. Carvalho

1. Idanha-a-Velha
Fundada nas margens do Pônsul, numa suave colina flanqueada por um dos seus mean-
dros, a ciuitas Igaeditanorum assumiu-se como uma espécie de ponta de lança da admi-
nistração imperial nos territórios que na actualidade integram a Beira Interior. Teremos
de recuar ao séc. I a. C., provavelmente à década de 30 dessa centúria, para marcarmos o
despontar deste lugar – perfeitamente camuflado na paisagem, sem a exposição impositi-
va do cerro de Monsanto, o qual se apresentaria como o seu pano de fundo.
Antes deste momento, e à luz do que actualmente se conhece, não podemos atestar
o efectivo povoamento deste lugar específico. É certo que existe referência genérica ao
achado em Idanha-a-Velha de alguns materiais habituais em contextos da Idade do Ferro
(Almeida e Ferreira, 1964: 95-99, Est. I e II; Vilaça, 2005: 19, nota 5). Mas estes, para
além de escassos, constituem materiais avulsos, desconhecendo-se o seu contexto exacto
de achado. Também nas escavações que efectuámos em 2007 e 2008 na área do forum
(Carvalho, 2009) foram recolhidos alguns fragmentos cerâmicos cujas características de
fabrico (pastas grosseiras, muito micáceas, e superfícies decoradas com estreitas bandas
pintadas, a bege e a vermelho ocre) se distinguem claramente das habituais produções
romanas, aproximando-se mais dos fabricos de “feição indígena”, vinculáveis ao mundo
ibérico (Idem). Mas também estas cerâmicas, recolhidas já em contexto estratigráfico
romano (tardo-republicano ou alto-imperial inicial), não provam por si só uma ocupação
pré-romana do local. Nem sequer, por agora, poderá ser sustentada uma ocupação plena-
mente republicana deste lugar. Desde logo, não constituem prova para esta alegada ocu-
pação os dois tesouros monetários referenciados para Idanha-a-Velha, datados até 100
a. C. (Hipólito, 1960-61: 70; Villaronga, 1980; Faria, 1991-1992: 121). Quando muito,
estes tesouros poderão documentar a presença do exército romano, talvez então distri-
buído por uma larga frente de conquista, a qual cruzaria esta região no dealbar da primeira
centúria a. C. É ainda pelo menos tentadora a hipótese de localizar Idanha-a-Velha no
corredor de passagem dos exércitos que Júlio César comandou, a partir de 61 a. C., con-
tra o Mons Herminius e o último reduto dos Lusitanos (Díon Cássio, XXXVII, 52-55), à
semelhança do que – volvidos alguns anos – poderá ter ocorrido com a expedição militar
dirigida pelo propretor da Ulterior, Q. Cássio Longino. Partindo dos acampamentos de
Cáceres, as legiões romanas poderiam então ter percorrido um corredor natural, o mesmo
que – poucas décadas depois – será seguido pela estrada imperial com paragem certa em
Igaedis, capital da ciuitas Igaeditanorum. E neste cenário hipotético, em meados do séc. I
a. C., afigura-se igualmente sedutor imaginar os primórdios da futura cidade dos Igaeditani
como um lugar de estacionamento militar. Se assim fosse, a um acampamento militar
teria sucedido – já sob a égide da Pax Augustana – um estabelecimento civil, corporizando
assim outro modelo de ocupação territorial. Mera conjectura, porém, que não encontrou
no registo arqueológico, até ao momento, qualquer elemento que a suporte.

318
“Pela Beira Interior no século I d. C.
– Das capitais de ciuitates aos uici, entre o Pônsul e a Estrela”

Seja como for, a fundação deste núcleo populacional terá ocorrido no ocaso do período
tardo-republicano, numa data que – para esta região a norte do Tejo – poderemos conside-
rar recuada. Mas antes mesmo de se constituir como cidade capital – momento associado
a um processo de urbanização – poderia então ter-se estabelecido como uicus, sobretudo se
este conceito romano for aqui entendido não como um “aglomerado populacional secun-
dário”, mas sim como um núcleo de carácter oficial, resultante de uma decisão institucio-
nal, levada a cabo num momento muito inicial de ocupação e estruturação do território.
Um lugar com as características deste, ou mesmo dos uici que conhecemos mais a norte,
na Capinha e na Meimoa, fundados muito provavelmente poucos anos mais tarde (em
plena época augustana), poderão nesta zona da Hispania corporizar o entendimento que
Michel Tarpin (2002) faz de uicus, enquanto “instrumento de colonização”. Voltaremos
mais adiante a esta questão, mas poderemos desde já sublinhar que o uicus seria essencial-
mente entendido como instrumento de controlo e apropriação de zonas conquistadas; a
sua fundação seria resultado de uma decisão institucional, tomada no sentido da apropria-
ção formal e duradoura de um território, i.e., da apropriação colonizadora de um espaço;
constituiriam, em algumas regiões, importantes agentes do processo de romanização.
Igaedis, enquanto hipotético uicus, poderia então, nessa qualidade (transitória), cor-
porizar o arranque de uma nova fase, marcada por um novo modelo de organização e
exploração territorial. Poderia mesmo, à semelhança do que se passa noutras partes do
Império (Idem: 257-259), ter ocupado o preciso lugar de um antigo castrum, após o aban-
dono das tropas, embora – como antes referimos – não haja por agora nenhum testemu-
nho consistente que corrobore essa presença ou estacionamento militar. Seja como for,
Idanha seria então lugar ainda de poucas casas, dispostas talvez em torno de um edifí-
cio público ou de uma pequena área monumental que marcaria o carácter oficial desse
estabelecimento. Ainda que habitada quase exclusivamente por indígenas, teria assim já
bem patente a marca do poder imperial. Seria então o lugar escolhido pela administração
romana para desempenhar um papel de destaque no quadro de um novo modelo de ocu-
pação destes territórios. E será precisamente durante esta fase inaugural que o lugar de
Idanha – regido por magistri indígenas – estreitará os laços que o uniam à sede provincial,
Emerita Augusta (Mantas, 1988: 421-423; Étienne, 1992: 359-362), ao mesmo tempo
que serão lançadas as bases que sustentarão a sua eleição como cidade capital de ciuitas.
Em termos arqueológicos, porém, muito pouco se encontra ainda documentado desta
fase inicial. Apenas conhecemos alguns contextos associados e restos de paredes singu-
larmente construídas em terra (nesta arquitectura em terra documenta-se sobretudo a
taipa, mas surge também o adobe), as quais pertencem a um edifício (aparentemente de
consideráveis dimensões) que será expropriado e demolido aquando da construção do
forum (Carvalho, 2009).
A época de Augusto será absolutamente decisiva para a organização romana destes ter-
ritórios. A aceleração histórica pautará estes anos em torno da mudança de Era. Também

319
Pedro C. Carvalho

aqui o poder do Imperium se imporá de forma notória e a todos os níveis. É a inevitabili-


dade da mudança que então distintamente se afirma. E esta mudança, sobretudo a partir
deste novo arco de tempo, ter-se-á começado a processar naturalmente, beneficiando de
certa forma de uma adesão ou então de uma “indiferença activa” – “activa” por se revelar
colaboradora – por parte da população indígena. Será assim esta população que também
corporizará o processo de mudança e que povoará os primeiros núcleos urbanos, como
Idanha, mas sem que veja totalmente diluída a sua identidade, i.e., sem que perca alguns
dos elos mais genuínos que a ligaria ao passado, ao mundo dos seus ascendentes.
Será sob este pano de fundo plenamente augustano, e já nos primeiros anos da nova
Era, que a Ciuitas Igaeditanorum se constituirá verdadeiramente como tal. Por um lado,
delimitou-se o seu vasto territorium com a colocação no terreno de vários termini augus-
tales – dos quais se conhecem, para norte, os de Peroviseu e de Salvador, datados entre 4
e 6 d. C. Por outro, ter-se-á monumentalizado a sua capital – processo que terá implicado
a construção do forum dos Igaeditani, não precisamente no centro mas num dos pontos
mais elevados da área urbana. Durante as escavações que efectuámos neste lugar em 2007
e 2008, os materiais datáveis recolhidos e estreitamente relacionados com a construção
do forum, sugeriram a sua inscrição precisa nos primeiros anos do séc. I d. C., sendo muito
provavelmente contemporâneo da delimitação do territorium desta ciuitas peregrina
(Carvalho, 2009)������������������������������������������������������������������
. Assim sendo, cidade
���������������������������������������������������
e território, enquanto componentes fundamen-
tais de uma ciuitas (res publica, territorium e populus), serão resultado de um mesmo pro-
grama, i.e., terão sido concebidos e concretizados em simultâneo. Desta forma, os anos
4 a 6 d. C. marcarão um momento decisivo no processo de plena integração da Ciuitas
Igaeditanorum no quadro da organização política do Império1. Tal como serão também
tempos decisivos para outros territórios mais setentrionais da Lusitania, como é sugerido
por alguns termini (datados de 5 a 6 d. C.) encontrados tanto mais a norte, noutra zona das
Beiras, como para nordeste, na área de Salamanca (Le Roux, 1994: 48-49).
A partir deste momento, e ao longo de todo o séc. I d. C., a Ciuitas Igaeditanorum
terá fortalecido o seu papel enquanto principal centro administrativo de um vasto terri-
torium que se estendia desde o Tejo às serras da Gardunha e da Malcata. Mas, desde logo,
terá também prosperado pelo facto do seu territorium ser particularmente favorecido
em recursos mineiros, sobretudo de natureza aurífera (Sánchez-Palencia y Pérez García,
2005: 267-307������������������������������������������������������������������������
; Carvalho, 2007: 102-103 e 350-353�������������������������������������
). Factores geo-estratégicos e econó-
micos terão assim convergido no sentido de a promover a principal bastião do Império na
actual região da Beira Interior. Projecção que a guindaria – durante a dinastia dos Flávios

1 Integração de certa forma também denunciada por uma epígrafe (achada em Idanha-a-Velha) que atesta uma

consagração imperial, datada do ano 3 (ou inícios de 4 d. C.), gravada em honra de Caius Caesar (então herdeiro de
Augusto) (cf. Mantas, 1988: 423; 2006: 59-61; Sá, 2008: 59 e 192).

320
“Pela Beira Interior no século I d. C.
– Das capitais de ciuitates aos uici, entre o Pônsul e a Estrela”

– a um estatuto municipal sustentado por uma carta constitucional própria (Ortiz de


Urbina, 2000: 150-151, 174 e 243). A atribuição do título de municipium latinum não dei-
xaria de constituir um reconhecimento do papel de relevo que desempenhava ao serviço
do Império, deixando assim para trás o estatuto de oppidum stipendiarium – estatuto sob o
qual continuariam a ser regidas muitas outras ciuitates do norte interior da Lusitania.

2. Capinha e Meimoa
Mais a norte, junto à extrema do territorium da Ciuitas Igaeditanorum, conhecemos dois
outros lugares que poderão ser identificados como uici: possivelmente a Capinha (Fundão)
e, seguramente, a Meimoa/Canadinha (Penamacor). Situados no trajecto de vias impe-
riais, ou próximo de entroncamentos, ambos poderão ser entendidos como fundações ofi-
ciais, muito possivelmente ex nihilo, levadas a cabo ao tempo de Augusto, talvez no preciso
momento em que se constrói a forum dos Igaeditani, se demarcam com termini augustalis
as fronteiras da ciuitas e se definem e pavimentam alguns troços da via imperial que desde
a capital provincial cruzava este território para norte. Neste sentido, estes uici constituirão
também um dos “instrumentos de colonização” do programa de ordenamento territorial
augustano. Estações de apoio aos viandantes, lugares de mercado, seriam também palco
de algumas tarefas administrativas e práticas religiosas – afastados que estavam da capi-
tal da qual dependiam, reuniriam algumas das suas funcionalidade mais características,
constituindo-se como uma espécie de quarteirões da cidade muito para além do perímetro
urbano, i.e., como extensões desse “lugar central” (Le Roux, 1994: 155-156).
O primeiro, localizado nas imediações da actual aldeia de Capinha2, posicionar-se-
-ia junto de um importante entroncamento de vias imperiais, constituindo ainda o pólo

2 É possível que esta povoação romana se estendesse pela actual Tapada de S. Pedro (Carvalho, 2007: n.º 180) –

lugar com vestígios romanos à superfície e onde antes se acharam vários elementos arquitectónicos (incluindo
dois “capitéis coríntios”), para além de uma inscrição funerária; por sua vez, a inscrição votiva a Bandi Arbariaico,
vista por Mariangelo Accursi Aquilano, poderia nessa época encontrar-se também reutilizada na Tapada de
S. Pedro, tal como poderão também ser provenientes deste lugar as duas conhecidas inscrições funerárias encon-
tradas reutilizadas na ponte – não muito distante – sobre a Meimoa; seria este o “campo visinho” à aldeia de
Capinha, mencionado em 1729 por Sylva Leal (Memorias Para a Historia Ecclesiastica do Bispado da Guarda”),
“no qual quotidianamente os lavradores estão descobrindo fragmentos de inscrições romanas, e pedaços de edifí-
cios antigos, de que vi, e copiei muitos …” (p. 16, Parte I, Titulo I, Capitulo II, do I vol). A ser assim, a importância
deste lugar ter-se-á inclusivamente mantido durante os tempos alto-medievos, face à relevância dos vestígios desta
época que as escavações recentemente aí efectuadas parecem documentar (Albuquerque e Santos, 2007: 5). Aliás,
o possível baptistério identificado no decurso dessa intervenção, enquadrável, a ser assim, numa basílica paleocris-
tã, não poderá inclusivamente denunciar uma das paróquias suévicas (de localização incerta na actualidade) da
diocese da Egitania: Francos ou Monecipio? Nesta época, a dependência deste lugar em relação à anterior capital de
ciuitas, agora sede diocesana, não se continuaria assim a manter, embora revestida de uma outra forma? (rever ...).

321
Pedro C. Carvalho

aglutinador de uma rede de núcleos rurais dispersos ao longo do vale da ribeira da Meimoa
(Carvalho et alii, 2002). O segundo, o uicus Venia, relacionar-se-ia muito em particular
com as frentes de exploração aurífera que se estendiam em direcção ao Bazágueda e à
Malcata (Carvalho, 2007: 362-366 e 507-512). Na sequência do que antes defendemos,
ambos poderão também ser resultado de uma decisão institucional, tomada no sentido
da apropriação colonizadora de uma franja territorial situada no limite entre ciuitates e, no
caso do uicus Venia, de controlo e domínio apertado de importantes recursos mineiros3.
Neste sentido, e segundo a tese de Michel Tarpin, nem sempre existirá correspon-
dência entre “aglomerado urbano secundário” e uicus. Por um lado, um uicus nem sem-
pre assumirá necessariamente uma feição urbana. Por outro, nem todo o “aglomerado
urbano secundário” se designaria de uicus. Assim sendo, o conceito romano de uicus deve
libertar-se dessa associação, até para que se possa apreender a natureza institucional e
colonizadora do termo. O aparecimento de um uicus, deste modo, não resultará de um
crescimento orgânico ou espontâneo de um aglomerado populacional indígena. Um
uicus constituirá antes o resultado de uma política ofical de controlo de vias e territórios,
respondendo assim às necessidades da conquista e da estabilidade do Império (Tarpin,
2002: 247-260). Aliás, assim entendido, este termo latino explicará, por sua vez, a sua
diferenciada distribuição pelo Império, pela Hispânia e, inclusivamente, pela Lusitânia
em particular, e, por conseguinte, concorrerá igualmente para explicar a heterogeneidade
das paisagens sociais provinciais. A avaliar pela particular concentração de referências
epigráficas a uici no interior norte da Lusitânia (cf. Fernandes et alii, 2006), esta região
terá sido particularmente bafejada por uma política provincial que promoveu este tipo de
fundações. Tê-lo-á exigido, provavelmente, tanto a sua interioridade como as particulares
características do seu substrato social, esmagadoramente indígena, mas também, acima
de tudo, a importância dos seus recursos mineiros (Tarpin, 2002: 248-249).
Os uici caracterizar-se-iam por um conjunto de traços que acabaria por lhes conferir
um perfil comum. Desde logo, e acima de tudo, seriam resultado de um plano institucio-
nal de ocupação e ordenamento territorial. Concorreriam para exercer um controlo de
maior proximidade das populações submetidas. Constituiriam uma das traves mestras
do modelo de ocupação do solo nesta região do interior norte da Lusitânia. Por não serem
nada habituais noutras regiões, contribuiriam ainda, a seu modo, para a heterogeneidade
que caracterizaria as paisagens do Império – i.e., a heterogeneidade do espaço antigo, tra-
duzida na aplicação de distintos modelos de ocupação do solo, encontra também assento
nestas fundações. Mas, desde que foram fundados, e face a dinâmicas diferenciadas

3 Veja-se, a este propósito, um outro elucidativo exemplo que nos é apresentado por Gérard Chouquer – o de uma

estreita ligação que se terá estabelecido entre um uicus e um outro importante recurso natural, neste caso, entre os
vicani Marosallienses e uma área de salinas:
http://www.archeogeographie.org/index.php?rub=dossiers/programmes/seille/vicani.

322
“Pela Beira Interior no século I d. C.
– Das capitais de ciuitates aos uici, entre o Pônsul e a Estrela”

quanto à forma como se relacionavam com o espaço social e os recursos envolventes, cada
um poderá ter conhecido evoluções orgânicas distintas, o que tornará difícil na actua-
lidade agrupá-los ou fazê-los corresponder a um mesmo tipo de realidade arqueológica
observável no terreno. Alguns poderão ter ganho foros de verdadeiros aglomerados urba-
nos (secundários), como eventualmente Venia, provido de casario e de alguns edifícios
ou áreas públicas com certa monumentalidade (como seria o campus mencionado na
epígrafe que o regista; cf. Alarcão, 2002-2003: 270). Outros poderão ter ganho contor-
nos diferentes, sem nunca conhecerem qualquer desenvolvimento urbano (como será o
caso de Centum Celas, abordado mais adiante). Poderão corporizar, portanto, realidades
arqueológicas bem distintas, nem sempre com valores mensuráveis no terreno aproxima-
dos, nem integráveis numa categoria de registo material com limites mais ou menos bem
definidos.
Sobretudo em Venia, face à epigrafia conhecida, ter-se-á instalado um grupo de cida-
dãos romanos – ao serviço da res publica – cujos interesses gravitariam em torno da gestão
das frentes de exploração aurífera existentes nas imediações (possivelmente mediante
adjudicação dos contratos de gestão deste importante tipo de bens públicos). Alguns
destes cidadãos poderão ser indígenas romanizados, originários até de outros lugares
da Hispânia, mas outros poderão ser colonos, oriundos também de distantes paragens
do Império. No conjunto destas comunidades, porém, a presença destes colonos seria
residual (ainda que a presença deste elemento exógeno se revele fundamental para a con-
cretização nestas regiões dos desígnios da administração imperial). Registam-se, con-
tudo, alguns indicadores, que parecem atestá-la. Retomaremos esta questão mais adiante,
mas desde já não podemos deixar de avançar com um desses indicadores: a presença de
mausoléus coroados por pulvini. Neste uicus, à semelhança do que se verifica na capital
de ciuitas, conhecem-se alguns destes elementos que coroavam mausoléus, como aquele
que foi escavado recentemente junto à villa da Fórnea (Belmonte) (área arqueológica que
parece constituir um elucidativo testemunho da presença de colonos nesta região, logo
nas primeiras décadas do séc. I d. C.: Santos e Carvalho, 2008).
Os uici antes referidos deveriam ambos situar-se na periferia do extenso território
da ciuitas Igaeditanorum. E a lógica que terá presidido à sua fundação, poderá levar-nos,
inclusivamente, a presumir a existência de um outro uicus posicionado mais para os lados
da Gardunha, numa zona bem afastada da capital e rematando assim a linha da fronteira
setentrional desta ciuitas. A integração que fazemos destes uici no território dos Igaeditani,
por sua vez, resulta do traçado que propomos para a respectiva linha de fronteira. Com
efeito, embora o limite que antes propusemos mereça legítima contestação (Curado,
2006: 113, 118-119), continuamos a considerá-lo como o mais plausível (Carvalho, no
prelo). A Lomba da Pedra Aguda parece-nos que corresponderá a essa linea confinalis.
E seria nessa bem marcada e contínua linha de relevos, num ponto sobranceiro a Peroviseu,
que se encontraria originalmente o conhecido terminus que delimitava os Igaeditani dos

323
Pedro C. Carvalho

Lancienses, provavelmente embutido numa pequena construção erguida junto à grande


via imperial que cruzava este território de sul para norte e próximo de um altar consagrado
a Nabia, divindade relacionada com os vales (e neste caso com o vale do Zêzere que desde
esse ponto distintamente se observa) (Redentor et alii, 2006).
E esta nossa proposta de fronteira encontrar-se-á agora reforçada, depois de pro-
vada a autenticidade desta epígrafe, não obstante as muitas reservas inicialmente aven-
tadas (Curado, 2006). Seriam, aliás, essas iniciais reservas, que sustentariam, em grande
medida, a possível localização noutro lugar da inscrição original, assim como a própria
proposta de fixação do limite entre Igaeditanos e Lancienses nas serras de Santa Marta e
Ferreira. Com efeito, se o marco de Peroviseu não fosse o original, então não nos custaria
admitir a justeza de outras conjecturas sobre a demarcação entre ciuitates. Se fosse uma
cópia, o original poderia encontrar-se, por exemplo, na Portela da Ferreira ou numa outra
entre o Catrão e os Enxames, i.e., num lugar em que uma estrada transporia a linha de
alturas que prolonga a Gardunha para oriente, através das referidas serras da Ferreira e
de Santa Marta. Ou seja, se fosse uma cópia, tal reforçaria a validade de outros percursos
interpretativos. Mas tomando-se como certa a autenticidade do terminus de Peroviseu,
como o próprio Fernando Curado acabou por detalhadamente comprovar, a sua pro-
posta de fronteira não pode afirmar-se de idêntica forma, face à ausência de outros argu-
mentos substantivos que a sustentem.

3. Orjais e Centum Celas


A norte dos Igaeditani, ocupando grande parte da Cova da Beira, uma outra ciuitas terá sido
criada logo no início do séc. I d. C. : segundo a nossa proposta, a dos Ocelenses Lancienses,
mencionados por Plínio.
Com efeito, aqui chegados, convém desde já recordar que não são consensuais vários
dos aspectos relacionáveis com a geografia política romana desta região – desde logo, a
localização da sua capital. Continuamos a sustentar a possibilidade da sede desta ciui-
tas dos Lancienses se situar em Orjais (Carvalho, 2007: 106-127 e 339-345). No lugar
de Nossa Senhora das Luzes poderemos imaginar uma pequena aglomeração de casas
em torno de um espaço público central, que centralizaria as funções de ordem política-
-administrativa da ciuitas, reproduzindo assim uma incipiente imagem “urbana” que
não se distinguiria muito daquela que projectavam outras capitais de ciuitates com um
substrato social eminentemente indígena, como, por exemplo, a dos Cobelci (Almofala,
Figueira de Castelo Rodrigo). Absolutamente singular era a localização do seu principal
espaço religioso (possivelmente consagrado a Júpiter) – posicionado em plena encosta
da serra, sobranceiro ao casario e ao forum da ciuitas, dissociado espacialmente, portanto,

324
“Pela Beira Interior no século I d. C.
– Das capitais de ciuitates aos uici, entre o Pônsul e a Estrela”

de áreas construídas que integrariam mais a área “profana” desta suposta capital. A esco-
lha do lugar de construção do agora designado templo de Orjais, prender-se-á – segundo
cremos – com a vincada sacralidade anterior, pré-romana, desse lugar (Carvalho, 2003).
Ao mesmo tempo que, desde logo sob o ponto de vista simbólico, a escolha desse “lugar
com memória” permitiria que o edifício do templo ocupasse um lugar de eleição no qua-
dro desta ciuitas, observando e dominando quase todo o seu territorium e, por sua vez,
vislumbrando-se também ao longe, a partir das villae, quintas e casais que se distribuíam
pelo espaço rural. Este templo seria assim lugar de peregrinação, de encontro de gentes,
mas também de olhares à distância, cumprindo a sua função enquanto instrumento de
dominação e regulação ideológica ao serviço do Império.
A possível localização da sede destes Lancienses no aro de Orjais, nas vizinhanças de
duas outras actuais povoações com achados dignos de destaque (o tesouro da Borralheira,
formado por 40 aurei e outros objectos em ouro, e, sobretudo, a inscrição do Teixoso que
menciona um duunvir primus), não passa disso mesmo, de uma proposta, sustentada por
um conjunto de indicadores. Na ausência de outros achados e, especialmente, de escava-
ções levadas a cabo no lugar de Nossa Senhora das Luzes, manter-se-á a dúvida em relação
à efectiva natureza deste lugar.
O mesmo não se passa, porém, com a recente identificação do discutido sítio de
Centum Celas (Colmeal da Torre, Belmonte) como forum da capital dos Lancienses
Oppidani (Guerra, 2007). Com efeito, baseando-se em grande parte nas característi-
cas construtivas do edifício, Amílcar Guerra considera indiscutível esta identificação.
Todavia, parece-nos que esta sua tese estará longe de ser incontestável ou consensual.
Da nossa parte, merece-nos profundas e fundadas reservas, destoando assim da facili-
dade (e do grau de certeza) com que Amílcar Guerra afirma a identificação de Centum
Celas como forum de uma sede de ciuitas. Reservaremos para outro trabalho uma análise
mais detalhada desta proposta4. Por agora, avançamos apenas com algumas considera-
ções sobre a interpretação atribuída ao edifício central e ao alegado núcleo urbano que o
enquadraria, deixando também de parte tanto a questão – não encerrada – da designação
destes Lancienses como outras “questões conexas” igualmente abordadas nesse incontor-
nável texto de Amílcar Guerra5.

4 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Os comentários que faremos em seguida resultam sobretudo da leitura do texto inicial onde essa proposta é apre-
sentada. Uma apreciação mais desenvolvida será efectuada quando for publicado o anunciado estudo detalhado,
especificamente dedicado ao “forum de Centum Celas”, da autoria de Amílcar Guerra e Thomas Schattner (comu-
nicação apresentada no Colóquio Internacional – Ciudad y Foro en Lusitania Romana, Mérida, Dezembro de 2007).
5 Concordo com Amílcar Guerra (2007) quando defende a localização da capital dos Tapori em Bobadela (Oliveira

do Hospital) e a dos Lancienses Transcudani na Póvoa do Mileu (Guarda). Contudo, não seremos tão assertivos,
visto que a natureza dos dados disponíveis até ao momento não permite desfazer a totalidade das dúvidas. Aliás, a
localização dos Tapori na área em torno de Bobadela (em detrimento da “hipótese Sr.ª de Mércoles”), tinha já sido
antes defendida por nós como a hipótese mais credível, sustentada também no facto de termos então considerado
que a ligação viária principal entre Idanha e Viseu não se faria pela zona de Centum Celas – Barrelas (no extre-

325
Pedro C. Carvalho

Amílcar Guerra começa e bem por chamar à atenção para as singulares características
construtivas de Centum Celas. Com efeito, o seu desenho em plano, o aparelho empre-
gue e a monumentalidade denunciada por algumas das partes construtivas observáveis,
confere a este edifício um lugar muito particular no quadro da ocupação romana desta
região mais setentrional da Lusitânia. Concordamos com Amílcar Guerra quando coloca
em causa a inclusão de Centum Celas na estrita esfera da iniciativa privada. Uma maior
correspondência com a arquitectura pública tinha inclusivamente sido apontada pela
própria directora das escavações, embora essa constatação não a tivesse demovido de
interpretar o sítio como villa (Frade, 2002: 114). Anteriormente, também nós avançamos
com o mesmo tipo de objecção, levando-nos a duvidar dessa habitual classificação tipoló-
gica, propondo, deste modo, uma interpretação alternativa (Carvalho, 2007: 371-375).
Na realidade, as singulares características deste local, sem paralelo inequivocamente
invocável, não tornam fácil a sua identificação. É assim perfeitamente compreensível que
várias interpretações tenham vindo a ser colocadas para Centum Celas. Tal como justifi-
cadamente se compreenderá que esta questão permaneça em aberto, contrariando assim
o entendimento tão assertivo de Amílcar Guerra.
A nossa discordância em relação à tese sustentada por este autor assenta em dois pata-
mares argumentativos distintos: no modo como interpreta o edifício propriamente dito
de Centum Celas e na forma como avalia os vestígios em seu redor. A correspondência
que afirma observar-se entre um forum e as estruturas conhecidas começa por se basear
na planta e nas dimensões que esse conjunto edificado apresenta, mas partindo do pres-
suposto que as diferentes fases construtivas identificadas em escavação por Helena Frade
(resultado, segundo esta autora, da ampliação que o edifício conheceu entre o Séc. I e o
IV) se poderão diluir numa só (i.e., para Amílcar Guerra, a generalidade do edifício teria
sido construído num momento cronologicamente posterior aos reinados de Cláudio e
Nero). Não iremos, por agora, reavaliar a solidez destas díspares interpretações à luz do
registo arqueológico efectuado. Mas será importante fazê-lo, brevemente, até porque,
desde logo, a manter-se como inteiramente válido o faseamento proposto por Helena
Frade, a hipótese de forum – logo à partida – dificilmente continuará a poder ser defen-
dida. Mas aceitemo-la em tese, por agora, de forma a poder discuti-la.
É certo que ao nível das dimensões se observa uma similitude em relação a outros fora
da Lusitânia. Também estritamente ao nível da planta se poderão estabelecer alguns para-
lelismos com os conjuntos forenses. Contudo, quer essas dimensões, quer as construções
que se desenvolvem em torno de uma praça central descoberta, com um edifício principal

mo norte da Cova da Beira), como habitualmente era apontado, mas antes pela de Unhais da Serra (no extremo
sudoeste da Cova da Beira) (Carvalho, 2007: em 2006 eram p. 271-274). Tal como antes tínhamos igualmente
defendido a hipótese de correspondência entre a Póvoa do Mileu e a sede dos Lancienses Transcudani (Carvalho,
2005: 160; 2007: 446-347).

326
“Pela Beira Interior no século I d. C.
– Das capitais de ciuitates aos uici, entre o Pônsul e a Estrela”

a ordenar a disposição do restante conjunto edificado, acabam por resultar de preceitos


comuns à arquitectura romana em geral. Ao nível das plantas, por exemplo, disposições
semelhantes poderemos encontrá-las mesmo nas construções militares, como sejam os
espaços construídos de alguns principia – estruturados em função de uma praça central
(citar alguns exemplos…) (bibliografia). Esta ideia de axialidade e de simetria, como
sabemos, constitui uma imagem de marca sobretudo da arquitectura pública romana.
A utilização de medidas padrão, desde logo, concorria para alcançar esta regularidade,
dimensionando e equilibrando o espaço construído de distintos edifícios. A monumen-
talidade, por sua vez, surge estreitamente associada à generalidade dos edifícios públi-
cos. Em Centum Celas esta revela-se, essencialmente, nos grandes silhares em granito
que serviram para erguer o edifício principal – mas parece ser uma monumentalidade
sóbria, desprovida da beleza e harmonia das formas (venustas), face à aparente ausência
de grandes bases de coluna e capiteis (ou dos respectivos entablamentos) que coroavam
os edifícios e as colunatas dos conjuntos forenses. Seja como for, na arquitectura romana,
pública e privada, diferentes edifícios são orientados por idênticos preceitos. Mesmo no
âmbito da arquitectura privada rural, os espaços interiores descobertos, para os quais se
voltam ou abrem as restantes componentes de um conjunto edificado (traduzindo assim
a ideia de interioridade, tão cara à arquitectura romana), podem ser observados – inclusi-
vamente nesta região – no desenho dos espaços construídos de algumas villae (como, por
exemplo, a da Fórnea).
Mas é sobretudo quando deixamos de olhar apenas para as planimetrias e passamos
a observar o edifício em altura, centrando a nossa atenção na “torre”, considerada segu-
ramente como o templo do forum, que as nossas dúvidas e objecções se avolumam. Não
vemos como é que um edifício cravado de portas e janelas, i.e., de amplos vãos que surgem
regularmente em todas suas faces e nos seus diferentes níveis de circulação, poderá ser
interpretado como tal – não é com o interior, com o recato do sagrado, mas sim como
o exterior, como a paisagem envolvente, que este edifício claramente se relaciona. Terá
sido esta estreita ligação que norteou a sua concepção. Não nos parece que a identificação
deste edifício como templo possa encontrar assento na arquitectura religiosa romana,
e mesmo nos próprios rituais clássicos. A não ser que este templo (e, por conseguinte, o
forum no qual tinha assento) se afastasse dos modelos arquitectónicos conhecidos, cor-
respondendo antes a um edifício religioso sui generis, que resultasse de um compromisso
entre o poder do Império, e as suas imposições ideológicas, e o respeito pela religiosidade
indígena, traduzindo-se assim na criação de um edifício com particulares características,
um pouco à semelhança dos “fana” ou templos “romano-gálicos” que se conhecem não
na Hispânia mas noutras províncias do Império. Todavia, se assim fosse, a esta originali-
dade juntar-se-ia uma outra: o facto deste templo, com uma “fisionomia indígena” (e con-
sagrado a uma divindade indígena?!), constituir o principal edifício religioso do forum
de uma cidade capital de ciuitas. Singularidade que se destacaria ainda mais quando a

327
Pedro C. Carvalho

pouquíssimas milhas de distância (cerca de 5 em linha recta), passível de ser avistado ao


longe a partir de Centum Celas, se construía pela mesma altura, junto à actual povoação
de Orjais, um templo que, aparentemente, apresenta todas as principais características
arquitectónicas dos edifícios religiosos romanos, para além de poder constituir o espaço
de eleição do culto a Júpiter nesta ciuitas (Carvalho, 325-332 e 531). O templo de Orjais
assume-se como um elemento marcante e incontornável da presença imperial nesta
região e não nos parece que possamos entender devidamente Centum Celas sem que o
tenhamos em devida conta – e muito menos se o omitirmos.
Uma parte da argumentação que sustenta a proposta de Amílcar Guerra baseia-se
ainda no “enquadramento do monumento, associado a vestígios dispersos por uma ampla
área” (Guerra, 2007: 190 e 195-196). Ora esta avaliação de Amílcar Guerra não coincide
com aquela que fazemos do lugar, uma vez que no terreno não se vislumbram quaisquer
indícios consistentes que permitam aludir a uma “ampla área ocupada por todo o habitat
envolvente” (Idem: Ibidem). Aliás, a natureza urbana deste lugar, na nossa perspectiva,
estará bem longe de poder ser sequer sustentada como hipótese e muito menos de ser
dada como certa. E não serão, seguramente, relatos passados de outros autores (Idem:
192 e 195, n. 16), que escorarão essa proposta, até porque os alegados vestígios de uma
“povoação” poderão corresponder aos restos medievais de um lugar que – convém não
esquecer – recebeu foral em 11946. Com efeito, em ����������������������������������������
redor do outeiro onde se ergue o edi-
fício de Centum Celas, mesmo nas áreas despidas de construções actuais, nem sequer
se observam à superfície restos que denunciem a continuidade de estruturas soterradas.
Mesmo na sua encosta voltada a sul, em direcção à Ribeira do Colmeal, não se observa
em prospecção qualquer indício de construções romanas, embora a análise da fotogra-
fia aérea tenha sugerido (e não atestado) uma extensão de “alinhamentos urbanos orto-
gonais” para esta zona, mas que a prospecção no terreno não identificou (Frade, 2002
a: 156). Quando muito, o prolongamento das áreas construídas contíguas a Centum
Celas, poderiam observar-se para norte, para uma zona urbanizada na actualidade. Mas
estas, face aos indicadores conhecidos, nunca assumiriam o desenvolvimento urbano e o
aparato monumental que surge habitualmente associado à ideia de cidade. E ainda que,
nesta região, associemos um urbanismo incipiente às capitais de ciuitates, parece-nos que
mesmo assim não podemos atribuir a este lugar de Centum Celas algo que objectiva-
mente não se observa. Poderemos admitir, como provável, a existência de algum casario
em redor, mas se não aceitarmos à partida como possível a correspondência entre um
forum e o edifício escavado, torna-se igualmente insustentável identificar esse suposto
casario com a área urbana de uma capital de ciuitas.

6Poderiam ser também estas as ruínas observadas em 1722 por Sylva Leal, as quais George Cardoso
(Agiolog. Lusitan., 1652) supusera serem “indícios de povoação” (Leal, 1729: 340-341).

328
“Pela Beira Interior no século I d. C.
– Das capitais de ciuitates aos uici, entre o Pônsul e a Estrela”

Num anterior trabalho, tínhamos já aventado a hipótese de Centum Celas corres-


ponder ao núcleo central de um uicus (2007: 371-375). Entretanto, nenhum dado novo
ou argumento de peso nos levou a deixar de considerar essa hipótese como verosímil.
Antes pelo contrário, face às características do sítio, à maior ênfase que agora conferi-
mos ao carácter “oficial” dos núcleos classificáveis como uici (sem que necessariamente
integrem a categoria arqueológica dos “aglomerados urbanos secundários”), associando-
-se à presença de grandes áreas mineiras e/ou à passagem de importantes eixos viários
imperias, reforçam mesmo esta nossa convicção inicial. Não podemos sustentar, obvia-
mente, que esta é uma identificação inequívoca, dado não existir até ao momento um
conjunto de indicadores que permita assegurar inteiramente a veracidade desta – ou de
outra – classificação. Neste sentido, na nossa perspectiva, tal implica também que as ante-
riores e habituais hipóteses de villa (Alarcão, 1988 b: 4/301; Frade, 2002 a), ou mansio /
mutatio (Mantas, 1990: 222 e 226; 1992: 172; 2002 a: 112), não devam ser liminarmente
rejeitadas.
Entender o edifício de Centum Celas como a domus central de um pequeno uicus
encontra assento na articulação de um conjunto de dados. Antes de mais, sublinhe-se, na
provável referência a um uicus que surge numa das oito aras e árulas identificadas recente-
mente no espaço identificado como o lararium do lugar (Frade, 2002 b: 146-148; Ferraz,
2002: 467-468, considera segura esta referência epigráfica a um uicus). Se assim for, é
num ambiente privado ou doméstico (e não público) que o cidadão, e alegado proprie-
tário, Lucius Caecilius [Via?]tor, consagra os seus votos a duas importantes divindades do
panteão clássico (Vénus e, talvez, Minerva) em favor precisamente de uma povoação que
– numa fase inicial de ocupação romana deste territórios – estaria oficialmente sob a sua
tutela7. E parece-nos bastante provável que o acanhado casario dessa povoação se esten-
desse em torno precisamente de Centum Celas (enquanto estabelecimento oficial da
família dos Caecilii) e não num lugar afastado do fundus da presumida villa (segundo pro-
posta de Frade, 2002: 156-158), como acontece noutras partes do Império (cf. Moreno
Martín, 1997: 301; Castillo Pascual, 1996: 249-250), até porque nesta epígrafe o uicus
surge registado sem que seja feita qualquer referência à sua particular denominação.
A formação, no decurso da primeira metade do séc. I d. C., de um lugar com estas
características, centrado numa construção “monumentalizada” que simbolizava a

7 A correspondência que Amílcar Guerra (2007: 197-198) procura estabelecer entre o texto desta epígrafe e as

dedicatórias imperiais, não nos parece que vá ao encontro do carácter de sede municipal deste sítio, até porque na
Meimoa – não muito longe de Centum Celas – conhece-se uma outra referência epigráfica a um uicus (Curado,
1979: 145-148), à qual aludimos antes, que não só se inicia com a expressão pro salute, como é inclusivamente
consagrada ao imperador. E se, por um lado, este tipo de formulário associado a dedicatórias imperiais pode surgir
no contexto de um uicus, por outro, nem sempre a expressão pro salute (e a invocação de Júpiter) surge associada
a uma dedicatória imperial, como também mostra o recente achado de uma ara em Celorico da Beira (Carvalho
et alii, no prelo).

329
Pedro C. Carvalho

ocupação romana (formal ou institucional) do local, compreender-se-á no quadro do


já aludido plano geral e concertado de organização e exploração territorial do interior
norte da Lusitânia. Este plano terá exigido a presença de alguns colonos, confortados
pela presença do exército, e a fundação de uici em lugares estrategicamente situados em
função tanto da passagem das vias imperiais, como dos limites territoriais das ciuitates,
quer ainda da exploração de importantes recursos naturais (essencialmente mineiros).
Como antes referimos, nesta região em particular a fundação de uici poderá assim cor-
responder ao resultado de uma política gizada de perto na capital provincial, decorrente
de uma necessidade sentida por Roma em exercer um controlo territorial de maior
proximidade – actos fundacionais cujo carácter oficial (e de adesão à ideologia oficial)
parece inclusivamente ser denunciado pela recorrência das invocações a Júpiter e pelo
registo de cidadãos (identificados pelos tria nomina, embora não mencionem tribo e
filiação) observáveis nas epígrafes que aludem a estas povoações (para uma relação
das referências epigráficas a uici na província da Lusitânia, cf. Fernandes et alii, 2006).
Em territórios rurais e interiores, como aquele que estudamos, o registo de uici – logo
a partir do principado de Augusto – pressuporá a presença de colonos, encarregues de
protagonizar uma efectiva apropriação romana desses espaços.
No caso de Centum Celas, as razões que presidiram à sua fundação relacionar-
-se-ão, desde logo, com a passagem da importante via imperial Emerita – Bracara (e
com a eventual necessidade de instalar lugares de apoio ao correio oficial) – aqui, tal
como noutros lugares do Império, a presença e distribuição dos uici marcará os grandes
eixos viários augustanos ou alto-imperiais (Tarpin, 2002: 250-256). Mas essas razões
poderão também encontrar assento na presença de uma importante área mineira nas
imediações, formada pelos aluviões estaníferos e auríferos do Zêzere (e também das
ribeiras de Gaia e Maçainhas), precisamente na zona em que este rio se espraia após
descrever uma larga curva que o retira da Serra da Estrela e o introduz na Cova da Beira.
A fundação deste uicus surgirá assim estreitamente associado à necessidade de apro-
priação romana de uma importante área mineira. Se assim fosse, e embora a exploração
económica desta zona em particular se pudesse processar no quadro do domínio pri-
vado ou concessionado dos Caecilii (entendidos como patroni da comunidade local, cf.
Fernandes et alii, 2006: 180), poderíamos até admitir – como hipótese – a integração
desta área (mineira) em torno de Centum Celas num domínio imperial, considerando,
por conseguinte, o edifício da torre como o centro desse domínio e, inclusivamente,
como residência do representante (o prefeito ou o procurator) imperial (à semelhança,
aliás, do que se regista noutras regiões do Império; cf. Castillo Pascual, 1996: 182-189)
e não tanto como a “residência do magistrado do uicus” (Ferraz, 2002: 467; cf. ainda
Fernandes et alii, 2006: 181).
O carácter oficial de Centum Celas parece também ser denunciado tanto pelo
plano como pela técnica construtiva que o seu edifício principal evidencia, afastando-o

330
“Pela Beira Interior no século I d. C.
– Das capitais de ciuitates aos uici, entre o Pônsul e a Estrela”

claramente da arquitectura de âmbito privado que podemos observar nas villae coevas.
Quer os grandes silhares em granito que o erguem, quer o geometrismo austero das for-
mas que o desenham, parecem antes integrar-se melhor no quadro operativo da arqui-
tectura pública , agenciada nestas paragens pelos quadros do exército. Mas também a
própria localização do edifício, no topo de um outeiro, claramente exposto na paisagem,
mostrando-se e sendo visto distintamente por todo um território em redor, ao contrá-
rio da discrição que parece pautar a implantação das villae, habitualmente recolhidas em
relação aos principais percursos viários. A clara e firme exposição de Centum Celas na
paisagem, erguido de acordo com as técnicas e os materiais tipicamente romanos, acaba
por ser revelador da ideia de firmitas preconizada por Vitrúvio. Isto é, a seu modo, e nesta
região da Beira Interior em particular, acabaria assim por transmitir a imagem de poder e
solidez que era exigida aos edifícios públicos, funcionando como imagem do Império e
do Imperador, e constituindo também, de certa maneira, mais um instrumento de sobe-
rania e difusão ideológica.
Em suma, face ao exposto, parece-nos inteiramente legítima esta hipotética identifi-
cação de Centum Celas como o edifício central de um pequeno uicus. Mas também nos
parece compreensível que – perante as informações disponíveis – continuem a pairar legí-
timas dúvidas seja qual for a interpretação aventada. De forma alguma, por agora, a dis-
cussão em torno de Centum Celas pode ser dada como encerrada. Continuará em aberto
o indispensável espaço para confronto de ideias e troca de argumentos. Da nossa parte,
em função dos dados conhecidos e da avaliação que deles fazemos, consideramos plau-
sível perspectivar os Caecilii como uma família de colonos (originária de outras paragens
peninsulares mais longínquas) que – no decurso da primeira metade do séc. I d. C. – se
estabeleceu nesta região, por forma a colaborar no cumprimento de um desígnio imperial:
a fundação de um uicus, entendido como instrumento importante de colonização destas
regiões mais interiores e setentrionais da Lusitânia. Num lugar central e destacado dessa
pequena povoação, fundação oficial, ter-se-á construído a domus (e não villa) dessa família,
com recursos operacionais que parecem ter ultrapassado o estreito círculo da iniciativa
privada. Da “torre” desta casa abastada, desde logo, poder-se-ia observar, distintamente,
uma extensa área mineira centrada nos aluviões do Zêzere, assim como a restante pro-
priedade que se encontraria sob sua directa administração. Rasgando esta paisagem, de
sul para norte, a estrada imperial poderia ainda encontrar abrigo – antes da árdua travessia
da Estrela – numa estação de muda situada nas imediações do uicus. Mas o seu posiciona-
mento estratégico permitir-lhe-ia também observar o principal edifício religioso romano
do populus e da res publica a que pertencia – o agora designado templo de Orjais, edifício
situado a pouquíssimas milhas, a poente, em plena serra, na margem oposta do rio, sobran-
ceiro provavelmente à capital de ciuitas (Carvalho, 2006: 261, 715-720, 946 e 965).

Coimbra, Maio de 2009.

331
Pedro C. Carvalho

Bibliografia
ALARCÃO, Jorge de (2002-2003): “A Splendidissima Ciuitas de Bobadela (Lusitânia)”, Anas, 15-16,
Museo Nacional de Arte Romano, Mérida, pp. 155-180.
ALBUQUERQUE, Elisa e SANTOS, Constança (2007): “Intervenção arqueológica na Capela de São
Pedro da Capinha (Fundão)”, Al-madan, n.º 15, II.ª Série, p. 5.
ALMEIDA, Fernando de (1964): “Antiguidades da Egitânia. Alguns achados dignos de nota”,
Arqueologia e História, 8.ª série, vol. XI, Lisboa, pp. 95-101.
CARVALHO, Pedro C. (2003): “O templo romano de Nossa Senhora das Cabeças (Orjais, Covilhã)
e a sua integração num território rural”, Conimbriga, XLII, pp. 153-182.
CARVALHO, Pedro C. (2005): “Identificação e representação espacial das capitais de ciuitates da Beira
Interior”, Actas das 2as Jornadas de Património da Beira Interior: Lusitanos e Romanos no Nordeste da
Lusitânia, CEI / ARA, Guarda, pp. 155-169.
CARVALHO, Pedro C. (2007): Cova da Beira – ocupação e exploração do território na época roma-
na, Conímbriga – Anexos 4, Ed. Câmara Municipal do Fundão e Instituto de Arqueologia da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (= 2006, Dissertação de Doutoramento em
Arqueologia, policopiada).
CARVALHO, Pedro C. (2009): “O forum dos Igaeditani e os primeiros tempos da Ciuitas Igaeditanorum
(Idanha-a-Velha, Portugal)”, Archivo Español de Arqueología, n.º 82, CSIC, Madrid, pp. 115-131.
CARVALHO, Pedro C. (no prelo): “A Beira interior na época romana. Traços recuperados e linhas
de investigação”, Congresso Internacional de Arqueologia: Cem anos de investigação arqueológica no
Interior Centro, Museu de Francisco Tavares Proença Júnior, 17 a 19 de Abril de 2008.
CARVALHO, Pedro C., RIBEIRO, Carla, SILVA, Ricardo e ALMEIDA, Sara (2002): “Povoamento
rural romano ao longo da Ribeira da Meimoa – Fundão (1.ª campanha de prospecção intensiva)”,
Conimbriga, XLI, pp. 127-152.
CARVALHO, Pedro C., LOBÃO, João e MARQUES, António Carlos (no prelo): “A ara a Júpiter de
Açores (Celorico da Beira) e a presença romana entre o vale do Mondego e a encosta noroeste da
Serra da Estrela”, Praça Velha, Guarda.
CASTILLO PASCUAL, M.ª José (1996): Espacio en orden: el modelo gromático-romano de ordenación
del território, Universidad de la Rioja, Logroño.
CURADO, F. Patrício (1979): “Epigrafia das Beiras”, Conimbriga, vol. XVIII, Coimbra, p. 139-148.
CURADO, Fernando Patrício (2006): “Reflexões em torno do terminus augustalis dito de Peroviseu”,
Eburobriga, 4, Câmara Municipal do Fundão, pp. 99-119.
ÉTIENNE, Robert (1992): “L’horologe de la Ciuitas Igaeditanorum et la création de la province de
Lusitanie”, Revue des Études Anciennes, 94 (3-4), pp. 355-362.
EUZENNAT, Maurice e HALLIER, Gilbert (1986): "Les foruns de Tingitaine. Observations sur l'in-
fluence de l'architecture militaire sur les constructions civiles de l'Occident romains", Antiquités
Africaines, 22, p. 73-103.
EUZENNAT, Maurice (1994): "Principia militaires et foruns civils", Actas del XIV Congreso
Internacional de Arqueologia Clássica: La ciudad en el mundo romano, vol. I, Tarragona, pp. 197-
-203.
FARIA, António Marques (1991-1992): “Achados monetários em Idanha-a-Velha”, Nummus, 14/15,
2.ª série, Porto, pp. 121-149.
FERNANDES, Luís, FERREIRA, M.ª Céu, OSÓRIO, Marcos e PERESTRELO, Manuel (2006):
“Uicus e Castellum na Província Lusitana. Notas epigráficas e arqueológicas”, Conimbriga, XLV,
pp. 165-198.

332
“Pela Beira Interior no século I d. C.
– Das capitais de ciuitates aos uici, entre o Pônsul e a Estrela”

FERRAZ, Carla (2002): “Conjunto de oito aras provenientes do lararium de Centum Celas”, Religiões
da Lusitânia. Loquuntur saxa (Catálogo da exposição, coord. J. C. Ribeiro), Museu Nacional de
Arqueologia, Lisboa, pp. 467-469.
FRADE, Helena (2002): ‘Centum Celas’: uma ‘villa’ romana na Cova da Beira, 3 vol, Coimbra, (disser-
tação de Mestrado em Arqueologia, policopiada, apresentada à Faculdade de Letras de Coimbra).
GUERRA, Amílcar (2007): “Sobre o território e a sede dos Lancienses (Oppidani e Transcudani) e
outras questões conexas”, Conimbriga, XLVI, pp. 161-206.
HIPÓLITO, Mário Castro (1960/1961): “Dos tesouros de moedas romanas em Portugal”, Conimbriga,
II-III, pp. 1-166.
LE ROUX, Patrick (1994): “Cités et territorires en Hispanie : l’epigraphies des limites”, Mélanges de la
Casa de Velázquez, XXX (I), pp. 37-51.
LEAL, Manoel Pereira da Sylva (1729): Memorias para a Historia Ecclesiastica do Bispado da Guarda,
Parte Primeira, Tomo Primeiro, Lisboa Occidental.
MANTAS, Vasco G. (1988): “Orarium Donavit Igaiditanis: Epigrafia e funções urbanas numa capital
regional lusitana”, 1.º Congreso Peninsular de Historia Antigua, vol. II, Universidad de Santiago de
Compostela, pp. 415-439.
MORENO MARTÍN, Francisco (1997): “Ocupación territorial hispano-romana. Los Uici: poblacio-
nes rurales”, Espacio, Tiempo y Forma, Serie II, Historia Antigua, tomo. 10, pp. 295-306.
ORTIZ DE URBINA, Estíbaliz (2000): “Las Comunidades Hispanas y el Derecho Latino:
Observaciones sobre los procesos de integración local en la prática político-administrativa al
modo romano”, Anejos de Veleia, series minor 15, Vitoria / Gasteiz.
REDENTOR, Armando, OSÓRIO, Marcos e CARVALHO, Pedro C., (2006): “Inscrição rupes-
tre da Laje do Adufe: um novo testemunho do culto à deusa Nabia”, Eburobriga, n.º 4, Museu
Arqueológico Municipal José Monteiro, Fundão, pp. 51-59.
SÁ, Ana (2008): Ciuitas Igaeditanorum: os deuses e os homens, Município de Idanha-a-Nova.
SÁNCHEZ-PALENCIA, Javier y PÉREZ GARCÍA, Luís Carlos (2005): “Minería romana de oro
en las cuencas de los ríos Erges / Erjas y Bazágueda (Lusitania): la zona minera de Penamacor-
Meimoa”, Actas das 2as Jornadas de Património da Beira Interior: Lusitanos e Romanos no Nordeste
da Lusitânia, CEI / ARA, Guarda, pp. 267-307.
SANTOS, Filipe e CARVALHO, Pedro (2008): “Aspectos do mundo funerário romano da Beira
Interior. As estruturas funerárias monumentais da Quinta da Fórnea II (Belmonte): uma primeira
abordagem”, Conimbriga, XLVIII, pp. 127-143.
TARPIN, Michel (2002) : Uici et pagi dans l’Occident romain, collection de l’École française de Rome,
n.° 299, Paris-Rome.
VILAÇA, Raquel (2005): “Entre Douro e Tejo, por terras do interior: o I milénio a. C.”, Actas das 2as
Jornadas de Património da Beira Interior: Lusitanos e Romanos no Nordeste da Lusitânia, CEI / ARA,
Guarda, pp. 13-32.
VILLARONGA, Leandre (1980): “Tresor de Idanha-a-Velha (Castelo Branco, Portugal) de denaris
romans, ibèrics i dracmes d’Arse”, Numisma, 165-167, Madrid, pp. 103-117.

333
Pedro C. Carvalho

Fig. 1 – A Beira Interior no século I d. C.

334

Você também pode gostar