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APOSTILA DE CURSO
ANTIGUIDADE CLÁSSICA
Texto 01
Referência
O MUNDO
ANTIGO
EDIÇÕES ÁTICA
LISBOA
Capítulo V
AS CIVILIZAÇOES EGEIAS
ENTRE OS SÉCULOS XX E XII
A CIVIIJZAÇÃO CRETENSE
É ela extremamente original e sedutora, pela sua arte e por uma espécie de
alegria de viver bem mediterrânica, mas precisamos admitir conhecermos
somente fragmentos, nem sequer o nome de um rei (Minos corresponde a um
título, ou ao nome de uma dinastia), nenhum nome de pessoa; impossível
delinearmos o regime político, a sociedade, as crenças religiosas. Trata-se de
um "livro de figuras sem legendas" (Ch. Picard).
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A ilha vive então o seu apogeu, sob um poder forte e centralizador; tratar-se-ia, entre Os resultados da arqueologia, embora incompletos e de difícil datação,
1500 e 1450, da época da "talassocracia" cretense, em relação à qual não estamos em pertencem, aqui, a categoria superior. Não podemos determinar a origem da
condições de dizer se foi exclusivamente comercial ou, ao menos por vezes, mesclada de raça, que nos contentamos de baptizar como "mediterrânica", pois não é
verdadeiro imperialismo: o tributo dos moços e moças, oferecido pelos atenienses ao
Minotauro, anteriormente o mítico Teseu, pode ser a reminiscência de uma brutal semítica, nem indo-europeia ; os indivíduos são pequenos, glabros, de
dominação; é verdade que somente as relações comerciais são atestadas, apoiadas numa po- finíssima cintura e de grande agilidade, que os predispõe aos desportos. As
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mulheres, cujas vestes complicadas e de linhas modernas, corpete decotado, mente, de uma arte decorativa e de coloristas, frequentemente negligen
saia com pregas, adelgaçam ainda mais a cintura, são coquetes e cobrem-se de ciando o desenho sem por isso ignorá-lo, omitindo o pormenor não decorativo
jóias; o desnudamente do busto surge apenas em estátuas votivas, devendo (a Parisiense não tem orelhas), e incapaz de reproduzir a perspectiva ou a pro
ter tido um significado religioso. Estamos melhor informados a respeito dos fundidade.
príncipes e dos ricos do que acerca dos humildes, se bem que vasos e canecos, Mas as cores são deslumbrantes, pouco numerosas, o vermelho, o azul, o
como os de Váfio (na Lacónia, mas de origem cretense), representem cenas amarelo e, naturalmente, o preto e o branco: a representação das flores, lírio,
da vida rural. Os palácios, e mesmo as moradas ' 'burguesas' ', revelam uma rosa, hera, reproduzidas num plano, como num herbário, é luzente, de
espantosa busca do conforto, no que se refere à limpeza, às águas e às ins extremo gosto e sempre decorativa. A seguir surge a estilização e uma
talações; mas nos palácios complicadíssimos, onde, à volta do pátio central, tendência a preferir a espiral antes de tudo, curvas harmoniosas e flexíveis; o
sentimos dificuldade em dispor em certa ordem as múltiplas salas de aparato animal transforma-se também em decoração, faisões, macacos num ambiente
(sala do trono, de Cnossos, com trono de alabastro, banquetas, bacia de água florido, com plantas e rochedos e de coloração fantasista (macaco azul).
lustral, muros decorados com frescos representando grifos e teto apoiado em A reprodução do movimento é o triunfo do artista cretense, que de boa
pilastras, de ciprestes na forma original e que curiosamente se dilatam para o mente interrompe a monotonia dos desfiles e procissões, neles introduzindo
alto), o problema da iluminação é mal resolvido por poços de luz, espécie de tipos individuais e a desordem, fugindo à simetria e à estabilidade e
estreitos patiozinhos que apenas deixam uma luz parcimoniosa às salas in procu rando sempre, pelas linhas curvas, as atitudes contornadas, a malea
feriores. bilidade de todas as coisas (plantas, tentáculos de polvos, anéis de cabelos,
linhas do corpo humano), a representação do turbilhonar, do girar e do rodar.
Ignoramos totalmente o pensamento cretense, e muitas manifestações colectivas,
conhecidas por frescos ou estatuetas, podem ter tido um significado religioso: cortejos ou
procissões, passeios em carro puxado por mulas ou cavalos, jogos tauromáquicos, sem le A CIVILIZAÇÃO AQUEIA (OU MICÉNICA)
var à morte, nos quais figuram inclusive mulheres acrobatas. Apesar da importância do
touro nos frescos e nos entalhes e a abundância dos ' 'cornos de consagração'' (?), a religião
é dominada por um princípio feminino, de fecundidade, o que denotaria influências Adquiriu-se o hábito, por razões de comodidade, de tratar da civilização
orientais; a divindade suprema é uma Grande-Mãe, servida por sacerdotisas de amplos aqueia imediatamente após a cretense, mas isto não impede que jamais de
seios, que manipulam serpentes, símbolos ctónicos que os gregos depois adoptarão. Os ri vamos perder de vista terem elas coexistido, com uma espécie de desajuste
tos agrários são frequentes, os sacrifícios, raramente sangrentos, consistem em oferendas que não parece ultrapassar dois séculos: conhece-se uma autêntica civilização
de produtos dos campos. A ausência de símbolos masculinos. surpreende-nos, bem como a aqueia a partir de ao menos 1600 (os segundos palácios cretenses começam
de signos astrais e celestes, mas a presença de animais fantásticos, grifos e monstros di
versos, denota influência mesopotâmica. Acerca da religião funerária, não sabemos o que por volta de 1700), e ela prosseguiu até a queda de Micenas, no começo do
pensar: o sarcófago pintado de Haguia-Tríada seria de extrema importância, se século XII, segundo trabalhos recentes, ou seja, cerca de dois séculos após a
conseguíssemos chegar a um acordo quanto ao seu significado; parece que o morto era tido de Cnossos. Se se revela inferior à cretense pelo espírito e pela arte, a ci
como temporariamente reconduzido à vida, mediante oferendas conduzidas por um cortejo vilização dos aqueus nem por isso deixa de ter grande alcance histórico, pois
a um edifício que deve ser o seu ''templo-tumba''. Em parte alguma foi distinguido algum estendeu-se mais amplamente no espaço e situou-se directamente na origem
sinal seguro de templo: o culto realizava-se nas elevações, grutas (Camares), à volta de
árvores sagradas e no Palácio, onde se encontram bacias (de água lustral) e mesas de da civilização grega, como bem podemos verificar pelos poemas homéricos.
oferendas. A documentação literária clássica é paupérrima, mas a decifração dos
textos aqueus em tabuletas escritas em linear B, como as de Pilas da
Messénia, pode dar-nos vastas esperanças: a arqueologia, enfim, desde as
Mais fácil é falarmos da arte cretense, a cujo encanto não podemos ficar célebres escavações de Schliemann em 1874-1876 em Micenas, e as outras
insensíveis. Diante do desaparecimento da arquitectura, restituída de maneira mais científicas, de Doerpfeld, a partir de 188 5, colabora com importante
verossímil pelos esforços de Evans, restam-nos sobretudo os frescos, os rele contribuição, enriquecendo-se dia a dia.
vos pintados, frequentemente bastante restaurados, as estatuetas de metal,
pedra mole (esteatita) ou marfim, as placas de faiança colorida, os vasos
O QUADRO HISTóRICO
(rhyta) de metal decorados de relevos e de cerâmica. Salvo certos frescos,
cujas personagens ultrapassam o tamanho natural (o Prtncipe dos !trios tem A Grécia continental não evoluiu tão rapidamente quanto Creta, e até 1900 a. C. mais
cerca de 2 , 1O m de altura) as obras são de pequena dimensão e, por vezes, ou menos,_ a p�r�e norte, Tes�ália e Macedónia, continua na Idade da Pedra, enquanto que
tanto mais sedutoras quanto são minúsculas como as pedras gravadas. Ao o sul, mais proxtmo do mar, Já conhece o bronze. A partir de 1900, invasores, procedendo
contrário do Egipto e da Asia, a arte cretense repudia o grandioso e, di lentamente, ou por simples infiltrações, mas de origem indo:europeia (a primeira vaga de
h�)enos, chamada dos jónios?) contribuem com elementos novos: o conjunto forma a ci
ferentemente da artª grega que, no total, mal apresenta uma ou outra relação vilização "miniana", cuja cerâmica cor de cinza é conhecida na Grécia Central e em
com ela, ignora a estatuária de dimensões normais. Trata-se, preliminar- Tróia.
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Por volta de 1600, surge já constituída a civilização da Argólida, região favorecida, um considerável incêndio que corresponderia à destruição da cidade de Príamo, o que se si
tanto pela fertilidade de suas planícies como pelas suas relaç�s. m'.1fítimas com Cr�ta e � tua, seja por volta de 1184, segundo a cronologia tradicional do alexandrino Eratóstenes,
ilhas do Egeu: Micena, Tirinta, Midéia são então os seus pnncipais centros e con�uarao seja ainda mais longe, segundo certos autores modernos, pelos inícios do século XIII, em
povoadas durante o Heládico recente !-II-III, desde 1600 a 1200. O que caractenza esta 1270 aproximadamente.
segunda civilização é a presença de novo elemento indo-europeu, a �aber! os aqu_e1;1�: tra Um século mais tarde, por volta de 1190, Micenas e as cidades aqueias da Grécia são,
ta-se de gregos, filhos de Danao, segundo a lenda, bruscamente eru:iquecidos e civilizados por sua vez, destruídas irremediavelmente: tratar-se-ia a�ora do resultado da chegada dos
pelo bom êxito da incursão sobre Cnossos, por volta de 1700; dommam eles uma pop�la _
dórios, facto contemporâneo de vastos movimentos de diversos povos, que provocaram a
ção primitiva autóctone(?) e inspiram-se nitidamente nas realizações cretei:ises, conhe':1das queda dos hititas, a ruína de Ugarit e as lutas desesperadas dos faraós Meneftá e Ramsés III,
graças às relações comerciais e à presença, no Peloponeso, de comerciantes e artistas que afastam do Egipto os Povos do Mar, por volta de 1230 e, depois, em 1191. No mundo
minóicos. inteiro, desde o Mediterrâneo até ao Oriente, abre-se então uma nova época.
antigo telestérion ( sala de iniciação), em Elêusis, remonta à época micénica; causa da qualidade média de produtos destinados a grande difusão. Os motivos são
é possível que tenham sido edificados templos, pela primeira vez, mas inicialmente cretenses, mas logo depois estilizados, como o polvo característico dos vasos
somente no fim do período. micénicos, ou cada vez mais geométricos, com o emprego de cruzados, losangos, cha
A rigor, é a arquitectura que melhor nos revela a civilização aqueia. As veirões ou espirais, dispostos em faixas horizontais.
construções de Micenas e de Tirinta, as mais célebres, são impressionantes
pela sua força: trata-se de cidadelas, cercadas por diversas muralhas, de uma A civilização aqueia, em suma, é mais interessante pelo seu papel his
espessura que atinge 10 metros, cujos enormes blocos, por vezes talhados e tórico do que pelo encanto que dela possa emanar. Mais brutal e sumária, sem
enquadrejados com a serra de bronze, colocados uns sobre os outros, consti dúvida porque mais militar, que a cretense, é ela, entretanto, a primeira ci
tuem o aparelho ''ciclópico'' ; as portas são fortificadas, defendidas por vilização grega, tendo-lhe cabido o mérito de recolher e transmitir, para além
muralhas astuciosamente desenhadas, providas de padieiras esmagadoras, do turbilhão dos dórios, as tradições de Creta. Graças aos poemas homéricos,
como a da ''Porta das leoas'' em Micenas, cujo motivo é de origem cretense esta "idade dos heróis", embelezada e deformada por lendas das quais
ou oriental; paternas, casamatas cavadas nas muralhas, por vezes canalização nenhuma, ao que parece, é totalmente desprovida de fundamento histórico
de água subterrânea, reforçam a defesa. O palácio propriamente dito, no (cf. os trabalhos de J. Bérard), agiu profundamente sobre o pensamento
cume de terraços ligados por escadas, está mal conservado, mas não apresenta grego.
o esquema do palácio cretense: é mais simples, sem pátio central, mas
comporta uma ou duas salas rectangulares, chamadas megaron, no centro das
quais se encontra um braseiro, cercado de quatro colunas que sustentam o TEXTOS E DOCUMENTOS: F. MATZ, Le monde égéen (texto curto, numerosas
dispositivo de escapamento da fumaça. Esta sala é ladrilhada, ornada de es pranchas). Ch. ZERVOS, L 'art de la Grete (o mais rico conjunto documentário).
MASSON, La Grete antique. CONTENAU-CHAPOT, Hist. de l'art antique, págs.
tuques ou de frescos; não se sabe se o braseiro fixo indica uma influência 134-155. O. REVERDIN-R. HOEGLER, La Grete, berceau de la civilisation européenne,
nórdica ( clima mais frio), ou se corresponde a finalidades de ordem religiosa; Lucerna, 1960: numerosas ilustrações a cores.
alguns distinguem no megaron a primeira forma do templo grego, mas isto é
discutido. De cada lado abrem-se corredores, de traçado irregular, que
conduzem a salas numerosas mas de incerta destinação. Arquitecturas do
mesmo tipo existem também em Mideia, Atenas, Orcômeno, Tebas, Pilos.
A única cidade micénia conhecida estaria situada na elevação rochosa de Glá,
nas margens do Lago Capais, na Beócia.
Os túmulos são a segunda forma característica da arquitectura micénica:
tumbas de poços antigamente, dispostas de maneira circular (dois ''círculos''
de tumbas em Micenas), depois com câmaras, precedidas de um corredor -
ou dromos - e finalmente as célebres
ª
tumbas de cúpula, das quais a mais no
tável é o "Tesouro de Atreu" composto de um corredor, em seguida de
uma sala abobadada em saliências, decorada de motivos em bronze, dos quais
subsistem apenas os furos de fixação, mas que se encontram um pouco em to
da parte, em Orcómeno, sobretudo no Peloponeso, em Rodes e até em Cólo
fon, na Asia Menor. Trata-se dos túmulos das grandes famílias, onde o morto
é colocado directamente ou num esquife, revestido de máscara de ouro,
munido de abundante e rico mobiliário e de numerosas armas, pelas quais os
micénios, parecem ter paixão ; alguns punhais decorados com incrustações
são verdadeiras obras-primas.
As outras obras de arte são mais directamente inspiradas em modelos cretenses: no
tadamente o fresco e a pintura em estuque, nos quais os motivos animais e vegetais são cre
tenses, enquanto as damas, vestindo ricos mantos bordados ou saias com babados de tipo
minóico, que figuram nos frescos de Tirinta, já têm um perfil grego. Um vaso de Micenas,
chamado Vaso dos Gue"eiros, representa tipos que anunciam a arte da Grécia arcaica. A
cerâmica aqueia é difundidíssirna no mundo mediterrânico, mas não tem nem a riqueza
colorida, nem a variedade da cerâmica cretense, seja pela inferioridade dos artistas, seja por