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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Faculdade de Psicologia – Unidade Coração Eucarístico


Disciplina: Psicologia e Saúde Coletiva
Professor Dr. João Leite Ferreira Neto
Estagiário de docência: Sérgio A. A. Fernandes

Aula do dia: 07/05/2018


Exposição do texto do capítulo 4 do livro “Psicologia, Políticas Públicas e o SUS” de
autoria do professor e psicólogo João Leite Ferreira Neto.

Sobre o livro:
A obra é dividida em sete capítulos. Traz um panorama do campo das políticas públicas e
seus impactos sobre a formação e a atuação do profissional de psicologia no SUS.

Capítulos:
1 - Psicologia e políticas públicas: novas questões para a formação;
2 - Subjetividade e território: para além da interioridade;
3 - Artes da existência: Foucault, práticas clínicas e práticas sociais;
4 - Psicologia no SUS: dos impasses e das potencialidades;
5 - Formação profissional para a atuação em saúde pública;
6 - Clínica transversalizada em saúde mental;
7 - Intervenção psicossocial em saúde.
CAPÍTULO 4

PSICOLOGIA NO SUS - DOS IMPASSES E DAS POTENCIALIDADES.

O capítulo reflete sobre a atuação do psicólogo a partir de estudos históricos, com


enfoque e recortes variados, sobre a trajetória da saúde mental, evidenciando os
impasses e possibilidades para a Psicologia, decorrentes de sua entrada no campo da
saúde pública não ter se dado de modo espontâneo:

“[...] mas está diretamente ligada a um processo de lutas sociais no bojo da


Reforma Psiquiátrica, com a criação do campo chamado Saúde Mental...” (pag.
99)

BREVE PANORAMA HISTÓRICO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL EM PSICOLOGIA

Psicologia como profissão reconhecida (1962). Três áreas de atuação:


 Modelo liberal-privado de consultório;
 Organizacional;
 Educacional.

A Saúde Pública psicologia ainda não era pensada como campo de atuação
relevante para a Psicologia.

De 1976 a 1984 houve um aumento 21,65% nos empregos de Psicólogos no setor


de saúde. Em 2007 haviam 14.407 psicólogos trabalhando no SUS (10% da
categoria) e o SUS, nesse período, já é o maior contratante de psicólogos no
Brasil. (pag. 99)

EFEITOS (impasses e possibilidades) para a Psicologia, decorrentes de sua entrada no


campo da saúde pública via Reforma Psiquiátrica (crítica ao modelo de atendimento
asilar)

 Associação ao modelo prevalente formação dos cursos de graduação


voltado para uma atuação clínica e individual.

 Modificou de modo consistente as discussões sobre a atuação clínica na


formação do Psicólogo.

Portanto, “se a psicologia trouxe importantes contribuições ao SUS, trouxe também dele
influências que marcaram definitivamente o que se entende por pela formação clínica do
psicólogo”. (pag. 100)

 Construção da identidade/perfil do psicólogo na saúde no contexto de sua


formação e as tensões vividas nas dimensões clínicas e sociais de sua atuação.

 Falta de diálogo [dissociação] presente na discussão da literatura do campo [da


saúde] entre a tendência mais associada à clínica dos pacientes graves e a
associada à psicologia social:
“[...] A literatura em Psicologia social da saúde insiste na crítica à atuação clínica
dos psicólogos na Saúde Mental, desconsiderando a importância da construção
desse campo e seu contexto político de crucial relevância na saúde pública.”
[...] Já literatura que discute saúde mental, enfatiza a primazia da ação clínica,
ignora as possibilidades que permeiam a formação em intervenções psicossociais
dos psicólogos. (pag. 101)

AS REFORMAS SANITÁRIA E PSIQUIÁTRICA SUAS CONJUNÇÕES E DISJUNÇÕES

A Reforma Sanitária Brasileira (1970)

 Movimento que se consolidou no final da década de 70-80, como um


dos vários movimentos sociais que faziam frente ao regime militar
(ditadura) pela democratização do país. (intelectuais, médicos, artistas...,
população periferia)
 Surge a partir do “dilema preventivista” (Questionamento do
paradigma positivista e naturalista do processo saúde/doença) – A doença
vista como um processo histórico/social.
 Ideologia Marxista (inspiração teórica: Filosofa Agnes Heller – The
theory of need in Marx) - Uma das 4 formas de mudança social –
“Revolução do modo de vida”- Intervir de forma ampla nas necessidades
de saúde da população. Reconhece aspecto social como relevante para
qualidade de vida da população. (fonte: CEBES)
 Estratégia: Ocupação dos espaços públicos de poder

Reforma Psiquiátrica (1978)

Surge a partir da crise na DINSAM (Divisão Nacional de Saúde Mental), no Rio de


Janeiro, a partir das críticas em relação aos desmandos que ocorriam nos
hospitais psiquiátricos públicos.Em 1987 ocorre uma insatisfação do MTSM
com os rumos dados pelo Ministério da Saúde.

Surgimento do Movimento dos trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), que tinha


ligações com experiências internacionais: Preventivismo, Comunidades
terapêuticas, psiquiatria democrática italiana ... e com a Reforma Sanitária
(RSB).

Estratégia: Ênfase na Desinstitucionalização, para além da desospitalização.


Lema: “Por uma sociedade sem manicômios” .
Dia 18 de maio: Dia Nacional da Luta Antimanicomial.
Disjunção da RPB com a RSB: NÃO a Ocupação de Espaços Públicos e SIM a
Desinstitucionalização (Desconstrução/Invenção) do modelo asilar.
Aproximação da sociedade civil através dos movimentos sociais.
Primeira experiência da RPB: Casa de saúde Anchieta, na cidade de Santos
(SP) – Criação dos primeiros dispositivos antimanicomiais (Experiência que se
espalhou pelo pais)

Atualmente, uma nova conjunção: as Reformas fortalecem os laços em relação


ao aparato estatal, a partir da transformação em leis das propostas do movimento.
Lei federal 10.216/2001 e da institucionalização da RPB. Ex.: Ampliação do
Programa De Saúde Da Família(PSF) em nível nacional, reorientando o modelo
assistencial no SUS.

IMPASSES ENTRE A FORMAÇÃO E A ATUAÇÃO

Há uma tradição de décadas de ensino em psicologia voltada para o exercício autônomo


e liberal da profissão. Resultado: Identificação do perfil do psicólogo com o
profissional que atua na clínica.

Busca-se então novas formas de entrada para esse campo de trabalho, começando nas
universidades:
 Busca de maior equilíbrio nos currículos entre a chamada área clínica e as
outras áreas de atuação do psicólogo.
 Formulação de uma nova concepção de clínica, não mais centrada no
modelo consultório privado. Compreensão ampliada do campo [saúde mental] com
destaque para o contexto social da prática clínica.

Já na prática desta “nova” profissão:

"A sensação de proteção que o psicólogo julga sentir no consultório advém da


naturalização desse lugar feita desde a construção do próprio conhecimento psicanalítico
e psicológico" (p.106)

Predomina a reprodução dos Saberes/fazeres, com uma forte identificação dos


profissionais como psicoterapeutas e “psicanalistas” “como fator inibidor de práticas
profissionais que rompam com o modelo clássico de clínica.”(pag. 106)

Diferenças entre clínica privada e saúde pública:

 Clientela da classe popular (quebra da “endogamia social”);


 Trabalho assalariado e estatal;
 Lidar com outros profissionais, onde o médico é o líder.

Por outro lado, Profissionais com formação mais recente (a partir de 2011), e que tiveram
contato com professores que “tem uma posição mais crítica quanto a formação do
psicólogo geralmente executam atividades mais próximas da realidade e das
necessidades das unidades de saúde.

Concluindo, “[...] a inserção dos psicólogos no SUS operou uma desconstrução


identitária, produzindo efeitos ainda em curso no âmbito da atuação e da formação.”

TRAJETÓRIA DA PSICOLOGIA NA SAÚDE MENTAL- O EXEMPLO DE BELO


HORIZONTE

Busca-se através do histórico da trajetória da psicologia na saúde mental em BH


demonstrar que a noção de saúde mental, “sofreu variações quanto a seu sentido e
às diretrizes, na direção de sua consolidação e de sua integração no contexto do
SUS.” A noção de saúde mental muda de sentido (deslocamento) em cada um dos
três momentos de análise. (pag. 110)

Momento "Implantação" (1980)

Antecedentes:

Programa Integrado de saúde mental – PISAM (1977-1979)

Grupos de profissionais isolados atendendo em centros de saúde sem ligação com


um projeto que organizasse as ações em saúde mental. Ações de prevenção
primária, integração da saúde de mental nas atividades básicas de saúde,
utilização de leitos em hospitais gerais, integração de profissionais não médicos na
assistência psiquiátrica. Na prevenção do primária eram consideradas eficazes a
realização de grupos operativos de gestante mães professores (psicólogos) e o
atendimento a crises.

No atendimento individual A prioridade eram os pacientes egressos e Casos


graves(Psiquiatras) neuróticos e crianças (psicólogos).

A atuação dos psicólogos na época era voltada para a demanda infantil, para
participação em outros programas em andamento nas unidades de saúde
(puericultura, Pré-natal), conselhos de saúde e para atuação junto a instituições
comunitárias.

A expressão saúde mental era tomada de um modo genérico, sem relação com as
propostas da reforma psiquiátrica. Temos uma compreensão ampliada e genérica
do que poderia ser definido como saúde mental na rede pública. Algumas vezes ela
era entendida como sendo a parte mental da saúde geral.

Quando as ações envolve um paciente grave, era remetidos ao domínio exclusivo


do psiquiatra ficando os psicólogo os com ações mais afeitas dentro de sua
formação a época da clínica com crianças e adolescentes e o manejo de grupos.

Programa de Saúde mental de Belo Horizonte – “Programa De Ações Da


Saúde Mental Da Região Metropolitana” (1985).

23 equipes de saúde mental atuando em 18 centros de Saúde, e 5 Unidades de


Pronto Atendimento e da rede hospitalar.

As equipes de saúde mental são considerados como referência secundária, ou


seja, como atendimento especializado. A princípio, o programa de saúde mental
buscava formular um modo ainda primário de concepção integral de saúde
baseada no famoso trinômio do biopsicossocial, Bio (Psiquiatra) psico (Psicólogo)
social (Assistente social).
As equipes foram pensados para um trabalho de integração com os hospitais
psiquiátricos, no sentido de evitar internações “desnecessárias”.
Não se falava ainda em substituição do modelo hospitalar e muito menos em luta
anti manicômio real, assim como não se tinha em vista o equipamento
intermediário entre a atenção ambulatorial e atenção hospitalar.

Nesse momento é marcante a preocupação da integração da saúde mental no


contexto geral da saúde e a participação de seus profissionais em ações
coletivas em conjunto com outros profissionais do serviço. As práticas de
grupo se constituindo uma importante diretriz de trabalho tendo nos psicólogos
onde seus principais agentes. Além disso, é preconizado apoio técnico ao nível
primário, estratégia que somente se consolidar no terceiro momento do apoio
matricial.

Momento “Antimanicomial” (1990)

Esse período de transição entre o período de implantação e momento


antimanicomial é marcado por dois grandes eventos: II Encontro Nacional dos
Trabalhadores em Saúde Mental no ano de 1987, e a experiência de
desinstitucionalização antimanicomial em Santos no ano de 1989;

Instalada a gestão petista em BH, priorizou-se a assistência e atendimento a


pacientes graves, intervindo nos processos de trabalho dos atendimentos em
cursos, impedindo a lotação das agendas dos profissionais com os atendimentos
de crianças com dificuldades escolares, neuróticos comuns e a chamada clientela
cativa. Essa gestão também implantou dispositivos substitutivos aos
hospitais psiquiátricos;

O documento intitulado “A cidade e a loucura: entrelaces”, é apresentado em uma


versão marcadamente antimanicomial, cuja perspectiva é a extinção dos hospitais
psiquiátricos e sua substituição por outro modelo de atenção. O texto do
documento apresenta um tom de ruptura com quatro aspectos sobre as ações
desenvolvidas anteriormente.
 Ideológico-organizacional: Incompatibilidade com certa vertente do
movimento sanitário, considerado autoritário (“Nos Hospícios os loucos; nos
centros de saúde os pequenos desviantes (modelo de hospitalização
americano – Hospital no topo da hierarquia)), Fortalecimento dos CERSAM:

“Os CERSAM não se caracterizam como serviços intermediários ou


secundários, mas compõem uma rede de assistência que visa substituir
os hospitais psiquiátricos, sem hierarquizar os níveis de atenção”
(pag.117)

• Gestão de pessoal: com a nova proposta de atendimento com prioridade


no atendimento de psicóticos e neuróticos graves, alguns profissionais
resistiram em assumir as frentes desse trabalho;

• Político-administrativo: Houve uma reorganização da assistência ofertada à


população segundo as diretrizes antimanicomiais, com isso, há a
implementação de novos serviços que possibilitaram a desmontagem do
aparato manicomial;

• Ético-técnico: implantação de clínicas que levassem em conta a nova


demanda de pacientes, e que fossem voltadas para ambientes fora do
setting clínico. Destaque à psicanálise.

“[...] ainda é necessário fazer uma análise mais acurada dos limites e
dificuldades oriundos da hegemonia da psicanálise no campo da saúde
mental...”
“Faz-se então necessário desfazer sua colagem com a clínica de consultório,
uma vez que os espaços da primeira são múltiplos – abordagem de um
morador de rua, visita domiciliar, acompanhamento terapêutico transitando
pela cidade etc” (pag. 119)

Momento “apoio matricial” (2000)

Este período inicia-se com a transformação do Programa Saúde da Família (PSF)


como a principal estratégia para a reorientação do modelo assistencial de atenção
à saúde; Deixa de ser um programa localizado, para se tornar uma estratégia
estruturante dos sistemas municipais de saúde. Reorienta a atenção básica,
na medida que modifica suas práticas.

A Implantação do PSF imprime uma nova perspectiva de atendimento, onde não


há o modelo liberal privado de assistência à saúde, com seu fluxo de atendimento
através de demanda espontânea, mas estabelece laços de compromisso e
coresponsabilização entre cada Equipe de Saúde da família e um certo número
de pessoas de um determinado território.

São oferecidos cuidado integral de saúde aos usuários vinculados a cada ESF,
por meio de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de
doenças, intervenção sobre os fatores de risco da população etc.

Nessa reorganização do sistema de saúde temos as Equipes de Saúde da


Família e as equipes complementares que são formadas por profissionais não
incluídos no PSF, o que abrange as equipes de saúde mental.

O Ministério da Saúde recomenda que as equipes de saúde mental (ESM) devem


oferecer apoio matricial às equipes de saúde da família (ESF),

“fornecer-lhes orientação e supervisão, atender conjuntamente situações


mais complexas, realizar visitas domiciliares acompanhadas das equipes
da atenção básica, atender casos complexos por solicitação da atenção
básica.”(pag. 122)

Apoio Matricial

• O apoio matricial consiste em um conjunto de profissionais que não tem,


necessariamente, relação direta e cotidiana com o usuário, mas cujas tarefas
serão de prestar apoio às equipes de saúde da família;

• O apoio matricial apresenta duas dimensões de suporte, sendo o suporte


assistencial e o suporte técnico-pedagógico; a dimensão assistencial é aquela que
vai produzir ação clínica direta com os usuários; e a ação técnico-pedagógica vai
produzir ação de apoio educativo com e para a equipe (BRASIL,2009);

• Belo Horizonte implantou a estratégia de saúde da família somente em 2002,


com o nome de BH Vida. Com o início da estratégia em BH, foi regido um
documento, intitulado “Saúde Mental e assistência básica”, visando estabelecer
parâmetros para as relações entre o projeto de saúde mental e o BH Vida. Seu
contorno busca atender à função de apoio matricial.

 Em Belo Horizonte as ESM permanecem lotadas nas UBS, trabalhando


juntas com as ESF. Ou seja, as equipes complementares não funcionam somente
como retaguarda, mas dividem as o cotidiano com as ESF. Cada ESM atua como
referência para seis a oito ESF(abono salarial).

Esta nova diretriz de trabalho tem trazido significativas mudanças no modo de


funcionamento das ESM:
 Maior integração;
 Alteração dos fluxos e modos de funcionamento;
 A partir das práticas de apoio matricial, uma maior interação e
diálogo.

Ainda no âmbito da integração das ESM e ESF :

ESM: “priorizarão o atendimento aos portadores de sofrimento mental grave e


persistente”. Continuariam acolhendo outras demandas mais leves, mas essas seriam
atendidas pelas ESF com apoio das ESM.

ESF: “ se responsabilizarão pelas necessidades clínicas dessa clientela”

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