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LOGÍSTICA E

GERENCIAMENTO
DA CADEIA DE
DISTRIBUIÇÃO
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LOGÍSTICA E
GERENCIAMENTO
DA CADEIA DE
DISTRIBUIÇÃO
© 2007, Elsevier Editora Ltda.
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Copidesque
Cláudia Amorim
Editoração Eletrônica
Estúdio Castellani
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Projeto Gráfico
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ISBN 978-85-352-2415-3

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pressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento
ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão.
Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou
bens, originados do uso desta publicação.

CIP-Brasil. Catalogação na fonte.


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

N814L Novaes, Antonio Galvão, 1935-


Logística e gerenciamento da cadeia de distribuição /
Antonio Galvão Novaes. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2007
– 11a reimpressão.
il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-352-2415-3

1. Logística empresarial. 2. Entrega de mercadorias –


Administração. I. Título.

06-4472. CDD 658.78


CDU 658.78
Apresentação
da Nova Edição

Esta Terceira Edição apresenta as seguintes inovações:


Em primeiro lugar, uma atualização completa do texto, principalmente
nos capítulos que contêm dados e comentários fortemente marcados por
mudanças rápidas nos últimos anos. Por exemplo, a evolução do comércio
eletrônico sofreu alterações substantivas ultimamente, exigindo assim uma
revisão das tendências e uma atualização dos dados. Igualmente, tendo em
vista os recentes avanços no desenvolvimento de softwares comerciais para
roteirização de veículos, foram atualizadas as informações sobre esses pro-
dutos, devidamente consolidadas no fim do Capítulo 10.
Por outro lado, diversos tópicos abordados no texto precisaram ser am-
pliados de forma a abranger uma nova realidade ou novas formulações.
Assim, introduzimos o case da empresa eToys, no Capítulo 3, que ilustra bem
os percalços logísticos de uma firma atuando no comércio eletrônico B2C,
mas sem experiência anterior no varejo tradicional, que entrou no mercado
em 1997 com grande repercussão na mídia e faliu fragorosamente no início de
2001. Outro case, também acrescentado ao Capítulo 3, é o da empresa Sub-
marino, que, operando no B2C com sucesso e desejando penetrar no B2B, ad-
quiriu, no ano 2000, o controle da empresa argentina Officenet.
Atendendo a solicitações de diversos professores da matéria, foram
acrescentados dois novos capítulos, voltados à análise e previsão da deman-
da. O Capítulo 5 aborda os métodos e modelos tradicionais de previsão,
sempre com exemplos desenvolvidos de forma detalhada, facilitando, assim,
a compreensão do aluno. Já no Capítulo 6, são analisados três cases que
abordam problemas atuais relacionados com a melhoria do nível de serviço
ao consumidor. O primeiro trata de uma nova forma de se fazerem previsões
de vendas para produtos de ciclo de vida curto (produtos de moda, por
exemplo). No segundo, é mostrado como determinar os custos, para a em-
presa varejista, gerados pela falta da mercadoria na loja (out of stock cost).
V
Finalmente, o terceiro case mostra como a parceria entre fabricante e varejis-
ta, através do VMI, pode melhorar o nível de serviço para o consumidor de
um determinado produto, fraldas descartáveis no nosso exemplo.
O capítulo sobre operadores logísticos foi bastante ampliado, incluindo
agora os chamados 4PLs, que são prestadores de serviços logísticos de última
geração (integradores). Uma nova forma de classificar os prestadores de ser-
viços logísticos também foi acrescentada ao texto, juntamente com exem-
plos tirados da realidade brasileira e internacional.
Em razão dos acréscimos substantivos, fomos obrigados a tirar do texto
algumas partes menos importantes. Por exemplo, o método de custeio ABC
era coberto em dois capítulos na versão anterior, tendo sido condensado em
apenas um, na presente versão. O antigo Capítulo 11, Produção e Distribui-
ção de Produtos na Economia Globalizada, embora importante, foi suprimi-
do da presente edição. No entanto, como alguns professores podem conside-
rá-lo necessário dentro de seus cursos, esse tópico está disponível no site da
editora.
Tendo em vista o novo encadeamento dos assuntos, a ordem dos capí-
tulos foi parcialmente alterada, seguindo agora uma sequência mais lógica,
partindo de questões mais abrangentes nos primeiros capítulos, para um en-
foque mais particularizado nos cinco últimos.
De uma forma geral, além das inserções, atualizações e acréscimos indi-
cados, foi feita uma revisão geral do texto. Todos nós leitores, editores, au-
tores sabemos que, por mais que concentremos nossa atenção no material
escrito, algumas imperfeições e mesmo alguns erros acabam por ocorrer ao
publicar um livro. Graças a vários leitores, a maioria professores que vêm
adotando este livro em seus cursos, pudemos corrigi-los. A eles nossos since-
ros agradecimentos. Assim, em cada capítulo revisamos não somente o tex-
to, como também as figuras, as tabelas, as equações e as referências biblio-
gráficas.
Finalmente queremos lembrar que o site da editora oferece o Manual
do Professor com uma variedade de meios multimídia – como cases, exem-
plos de aplicações, questões, perguntas, slides etc. – para facilitar as aulas e o
acompanhamento do texto.

O Autor

Nota: No site da Editora Elsevier (www.elsevier.com.br) o professor, ou lei-


VI tor interessado, encontrará questões suplementares e exercícios propostos.
O Autor

ANTONIO GALVÃO NOVAES é engenheiro e professor de Transportes e Lo-


gística da Universidade Federal de Santa Catarina. Anteriormente foi profes-
sor titular nos Departamentos de Engenharia de Transportes e de Engenharia
Naval da Escola Politécnica da USP. Trabalhou na Advanced Marine Techno-
logy Division das Indústrias Litton, na Califórnia, na década de 1960 (Logísti-
ca Militar), e tem atuado no Brasil como consultor de empresas e de órgãos de
governo.

Do mesmo autor:

G Logística Aplicada: Suprimento e Distribuição Física (com A.C. Ala-


varenga), São Paulo: Editora Edgard Blücher, 2000.
G Gerenciamento de Transportes e Frotas (com A. Valente e E. Passa-
glia), São Paulo: Editora Pioneira, 1997.
G Sistemas Logísticos: Transporte, Armazenagem e Distribuição Física
de Produtos, São Paulo: Editora Edgard Blücher, 1989.
G Sistemas de Transportes: Demanda, Oferta e Equilíbrio Oferta-
Demanda, São Paulo: Editora Edgard Blücher, 1986.
G Vale a Pena Ser Engenheiro?, São Paulo: Editora Moderna, 1985.
G Modelos em Planejamento Urbano, Regional e de Transportes, São
Paulo: Editora Edgard Blücher, 1982.
G Métodos de Otimização: Aplicações aos Transportes, São Paulo: Edi-
tora Edgard Blücher, 1978.
G Economia e Tecnologia do Transporte Marítimo, Rio de Janeiro:
Almeida Neves Editores, 1976.
G Pesquisa Operacional e Transportes: Modelos Probabilísticos, São
Paulo: Editora McGraw-Hill do Brasil, 1975. VII
1
O Comércio
e a Logística

AS ORIGENS DO COMÉRCIO MODERNO


O comércio envolve a troca de bens e serviços por dinheiro. Algumas vezes, a
transação se faz sem a interveniência do dinheiro, ou seja, troca-se uma mer-
cadoria ou serviço por outra coisa não monetária (escambo). Ao longo de
toda a cadeia produtiva, o objetivo final e supremo do processo é o consumi-
dor. Tradicionalmente, este se abastece a partir do varejo, que constitui o ne-
gócio final em um canal de comercialização de produtos, canal esse que liga
os fabricantes e seus fornecedores a atacadistas e varejistas, e estes últimos
aos consumidores finais. Os fabricantes adquirem matéria-prima e compo-
nentes dos fornecedores. Por sua vez, os fabricantes vendem seus produtos a
atacadistas e/ou a varejistas. Quando há atacadistas atuando no canal de co-
mercialização, estes vendem os produtos aos varejistas. Os varejistas, por sua
vez, compram os produtos diretamente dos fabricantes ou dos atacadistas e
os vendem aos consumidores finais.
Hoje, com a expansão do comércio eletrônico, essa estrutura, antes tão
simples, está se alterando sobremaneira. Veremos adiante (Capítulo 3) as
principais características desse novo tipo de comércio e seus impactos na Lo-
gística, especialmente na distribuição de produtos.
No início do desenvolvimento moderno do comércio, as mercadorias
eram diretamente intercambiadas nos postos de troca, em uma época em que
as moedas não tinham a credibilidade financeira para serem universalmente
aceitas. Era a fase do escambo. O ouro servia muitas vezes de moeda, mas,
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por ser um bem escasso, circulava predominantemente nas regiões próximas
às suas jazidas.

Armazéns Gerais
Na fase colonial, os pioneiros que se aventuravam no Oeste norte-americano
necessitavam de um sem-número de mercadorias para suas atividades colo-
nizadoras. Apareceram, nessa época, os armazéns gerais (general stores), que
operavam de acordo com certas práticas, destacando-se as seguintes:

G a comercialização era feita basicamente a dinheiro;


G a oferta de mercadorias era extensiva, com produtos alimentícios não
perecíveis, ferramentas, roupas, sapatos etc.;
G o comerciante encomendava os itens que achava ser de interesse para
seus clientes. A mercadoria permanecia na prateleira até ser vendida.
Não havia retorno dos produtos encalhados aos fornecedores, tam-
pouco promoções especiais para liquidação de estoques;
G não havia variedade de produtos, traduzida em qualidade diferente,
marcas diversas etc.

Os armazéns gerais se situavam em pontos nevrálgicos da rede de trans-


portes, como entroncamentos no caminho das caravanas e estações ferroviá-
rias. Muitos desses postos comerciais se transformaram em vilas e, posterior-
mente, cidades. Como era o suporte logístico nessa fase primitiva do varejo?
Os pedidos dos comerciantes eram feitos através dos caixeiros-viajantes,
que iam visitando os pontos de venda numa longa sequência, que podia du-
rar dias ou mesmo semanas. Esses caixeiros-viajantes, após organizar os pe-
didos e retornar às suas bases, transmitiam as encomendas aos fornecedores,
que providenciavam então as remessas.
As mercadorias eram encaixotadas e despachadas pela estrada de ferro.
Num mercado caracterizado pela escassez de oferta, em termos de número
de instalações, tipos e variedade de produtos, tal sistema logístico era perfei-
tamente aceitável. O estoque de produtos encalhados, o grande intervalo en-
tre visitas dos caixeiros-viajantes, o longo ciclo do pedido e a grande oscila-
ção nos tempos de distribuição das mercadorias acabavam por elevar os cus-
tos de comercialização. Mas a falta de competitividade e o pioneirismo dessa
fase possibilitavam a absorção desses custos por parte dos consumidores,
sem maiores problemas.

2
Comercialização por Catálogos
O estilo de operação dos armazéns gerais, embora atendendo satisfatoria-
mente às populações rurais, começou a se exaurir com o tempo. Os consumi-
dores queriam maior variedade e estilo um pouco mais sofisticado para rou-
pas, sapatos, produtos de toucador e objetos de decoração da casa. Não foi
especificamente o preço final dos produtos que levou os consumidores a
buscarem outras fontes de comercialização. Como sempre, fatores tecnoló-
gicos (técnicos, no caso) acabaram trazendo em seu bojo novas oportunida-
des de negócio. Neste caso específico, foi o sistema postal norte-americano
que deu impulso a um novo tipo de comercialização de produtos. Além de o
correio atender razoavelmente bem às regiões do interior, o governo ame-
ricano criou um incentivo especial às zonas rurais, com tarifas postais sub-
sidiadas, objetivando a fixação do homem no campo. Essas facilidades e in-
centivos abriram espaço para o sistema de comercialização de produtos por
catálogos e encomendas postais.
Em 1872 foi criada, nos Estados Unidos, a primeira empresa que co-
mercializava produtos por meio de catálogos, a Montgomery Ward. Algum
tempo depois, em 1886, Richard Sears também entrou nesse nicho de negó-
cios. Em termos logísticos, nota-se uma evolução bastante importante nesse
tipo de operação comercial. A centralização dos estoques em alguns pontos
do território possibilitava:

G maior rapidez na distribuição dos produtos ao consumidor final;


G maior variedade de tipos, marcas, cores e tamanhos;
G eliminação de intermediários (caixeiros-viajantes, lojistas);
G possibilidade de redução de preços e a consequente absorção de mai-
or fatia do mercado.

Especialização do Varejo
Mas a aquisição por catálogo não substituía plenamente a compra pessoal. A
visualização dos produtos através de desenhos e fotos, por melhor que seja,
não pode ser substituída pelo contato direto. A escolha de roupas e sapatos,
por exemplo, é normalmente antecedida pela experimentação direta – a pro-
va. Uma forma de contornar parcialmente o problema, e ainda hoje adotada
pela Sears, é permitir a devolução incondicional do produto dentro de um
certo prazo, com o reembolso total da importância paga. O slogan é: “Satis-
fação garantida ou seu dinheiro de volta”.
Por trás desse slogan, há alguns componentes logísticos importantes. Em
primeiro lugar, a entrega do produto do varejista ao consumidor, através do
correio ou de uma transportadora, exige um grau de confiabilidade elevado.
3
Se o produto chega ao consumidor violado, quebrado ou faltando partes, ou
se há extravios frequentes, o sistema acaba caindo no descrédito. Por isso,
para seu bom funcionamento, é necessário um sistema logístico confiável.
Outro problema logístico nesse tipo de comercialização é o retorno da
mercadoria devolvida ao varejista. É necessário estabelecer um canal de de-
volução confiável e prático. Se a devolução for complicada, com burocracia
e dificuldades diversas, o sistema cairá em descrédito. Além disso, para o
bom funcionamento da venda por catálogo, é necessário que se tenha uma
moeda estável. Durante os primeiros anos do Plano Real, com a moeda esta-
bilizada, observou-se no Brasil uma pequena expansão desse tipo de negó-
cio. Caso a moeda permaneça estável por um período longo, esse tipo de co-
mercialização tenderá a crescer no país.
Em paralelo à comercialização por catálogo e em função do crescimen-
to e do maior nível de sofisticação da demanda, surgiram as lojas especiali-
zadas numa linha específica de produtos (limited line stores). Da mesma for-
ma que um açougue é operado por um profissional que conhece os cortes da
carne, sua conservação e as preferências de seus clientes, a demanda por sa-
patos, por exemplo, passou a exigir certa especialização, com o comerciante
mais atento às variações da moda, ao lançamento de novos produtos nos
grandes centros etc. Com o crescimento dos centros urbanos, distribuídos
espacialmente em torno de um centro comercial (CBD – Central Business
District) e com a introdução do bonde e do ônibus como meios de transporte
urbano e suburbano, criaram-se as condições, embora parciais, para maior
concentração espacial dos negócios. As lojas especializadas, como as de rou-
pas, calçados, móveis e utensílios domésticos, entre outras, se tornaram can-
didatas naturais a se localizarem nas áreas centrais.
O crescimento e a diversificação da demanda, por outro lado, levaram a
soluções mistas, baseadas em fatores tecnológicos e de prática profissional.
Por exemplo, o clássico farmacêutico do século XIX, que preparava os re-
médios no laboratório situado no fundo de seu estabelecimento, começou a
produzir e a comercializar produtos de beleza e de toucador, aproveitando
seus conhecimentos de química e o instrumental disponível. Essa expansão
deu origem, nos Estados Unidos, ao drugstore, que incorpora uma farmácia,
mas oferece um grande número de produtos de pequeno valor unitário,
como filmes fotográficos, jornais e revistas, guloseimas etc.
Em fins do século XIX e início do século XX, se tornaram populares,
nos Estados Unidos, as lojas de departamentos (department stores). São es-
tabelecimentos varejistas, na época localizados apenas no centro comercial
das cidades, e que congregam, num único prédio, setores diversos (depar-
tamentos), especializados na venda de diversos produtos, como eletrodo-
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mésticos, móveis, roupas, calçados, brinquedos. A ideia por trás desse tipo
de varejo é a de incorporar, às vantagens da especialização já comentadas,
as economias de escala obtidas com os expressivos volumes de negócio tra-
zidos por tais investimentos. Assim, em cada setor da loja são colocados
vendedores especializados num tipo específico de produto, possibilitando
um atendimento dirigido. Embora oferecendo uma grande variedade de
produtos, as primeiras lojas de departamentos não podiam ser confundidas
em nada com os armazéns gerais existentes no meio rural. Naquelas, as
mercadorias eram oferecidas em setores fisicamente separados, bem arru-
mados, em contraste com a apresentação desorganizada observada nessas
últimas.
Em termos logísticos, havia também diferenças notáveis. Por comercia-
lizar um número muito mais elevado de produtos, o serviço de entrega das
compras aos clientes foi reestruturado, com melhor qualificação do pessoal,
construção de depósitos especializados, emprego de veículos mais adequa-
dos e a consequente melhoria do nível de serviço ao consumidor. De outro
lado, o maior volume de vendas levava a um maior poder econômico-finan-
ceiro dessas organizações comerciais, garantindo melhores condições na
aquisição das mercadorias, nos prazos de pagamento e nas campanhas publi-
citárias. O desempenho desse tipo de varejo foi tão bom que especialistas em
vendas por catálogo, como a Sears, aderiram logo ao novo sistema, lançando
lojas de departamentos. No caso da Sears, a nova iniciativa não implicou
abandonar a prática anterior, que foi mantida. É claro que, em razão do ta-
manho dos empreendimentos, esse tipo de comércio ficava restrito a grupos
empresariais dotados de capitais expressivos.

O Surgimento do Supermercado
O mesmo fenômeno de concentração, contudo, não foi observado com a
mesma rapidez no caso dos produtos alimentícios de primeira necessidade.
As pequenas vendas ou empórios, os açougues e as padarias, em nível de
bairro, eram os estabelecimentos típicos de varejo de produtos de primeira
necessidade até as décadas de 1940/1950. Três fatores básicos contribuíam
para isso. Em primeiro lugar, havia os hábitos domésticos tradicionais, des-
tacando-se as compras fiadas com caderneta, em que o consumidor acertava
as contas com o dono do armazém uma vez por mês, ao receber seu salário.
Outro fator importante era o uso bastante restrito da geladeira no âmbito
doméstico: somente as famílias ricas podiam se dar o luxo de possuí-las.
Assim, a compra de mantimentos era realizada praticamente dia a dia, de for-
ma a evitar as perdas por deterioração e garantir o desejado frescor dos pro-
dutos. O outro fator era o baixo nível de acesso ao automóvel. De novo, so-
mente as famílias de maior poder aquisitivo tinham carro. O deslocamento
das pessoas até os pontos de varejo ficava assim restrito a pequenas distân-
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cias, em decorrência da elevada frequência das viagens, de um lado, e das pe-
quenas quantidades consumidas, de outro.
Com a motorização acentuada da população, que se iniciou no Brasil em
fins da década de 1950 com a implantação da indústria automobilística, e com
o uso crescente da geladeira no ambiente doméstico, criaram-se condições
para o surgimento dos supermercados. A operação dos supermercados está
basicamente ligada ao conceito de autosserviço. Em lugar de ser atendido pelo
varejista do armazém, que antes conversava com o consumidor e o auxiliava
na escolha de produtos e marcas, o cliente do supermercado faz suas compras
sozinho, apanhando as mercadorias e pagando ao sair do estabelecimento.
Inicialmente eram lojas de produtos alimentícios, mais tarde incorpo-
rando outros tipos de mercadorias, como utensílios domésticos, roupas, sa-
patos e até mesmo eletroeletrônicos. Esse tipo de estabelecimento comercial
surgiu nos Estados Unidos na década de 1930, durante o período de depres-
são. Objetivando reduzir os preços dos produtos de primeira necessidade
numa época de grandes dificuldades econômicas, alguns varejistas aproveita-
ram a disponibilidade de garagens e armazéns, utilizando-os sem quaisquer
melhorias ou acabamento, e dispondo os produtos em caixas abertas, direta-
mente espalhadas no piso. A cobrança era feita à saída, de forma que apenas
uma pessoa, o proprietário, controlava todo o movimento.
Vantagens logísticas levaram a um crescimento vertiginoso desse tipo
de operação comercial. Em primeiro lugar, menores preços acabaram atrain-
do maior clientela, dando melhores condições de suprimento ao comercian-
te, que passou a ter maior poder de negociação junto aos fornecedores. Por
outro lado, em lugar de buscar margens expressivas de lucro, esse tipo de va-
rejista procurou reduzi-las, buscando ganhar com o maior giro nas vendas.
Além disso, o estabelecimento podia ser operado com poucas pessoas, possi-
bilitando o aumento da oferta de produtos sem grandes gastos adicionais
com mão de obra.
A inovação, que trazia conceitos comerciais e logísticos totalmente no-
vos, atraiu outros comerciantes, trazendo a inevitável competição. A melho-
ria das lojas e de sua decoração, a maior variedade de produtos e o emprego
de pessoal mais qualificado levaram a um aumento nos custos. Num segundo
ciclo evolutivo, os supermercados passaram a oferecer também os produtos
antes somente oferecidos nos drugstores. Passaram também a comercializar
utensílios domésticos e outros tipos de mercadoria, buscando, com isso,
aproveitar suas instalações e expandir seus negócios, como também atrair
maior clientela, que agora podia abastecer seu lar com um grande número de
produtos concentrados num único ponto. Surgiram assim os hipermercados.
Os primeiros supermercados, seguindo a tendência geral, se localiza-
6 ram nas regiões centrais das cidades. Mas a expansão das cidades em direção
aos subúrbios que foi possível nos Estados Unidos graças inicialmente ao
bonde e posteriormente ao automóvel criou polos de demanda fora dos cen-
tros comerciais tradicionais. Os supermercados foram os primeiros a abrir
lojas nas áreas suburbanas. Com a expansão do uso do automóvel, com os
crescentes congestionamentos nas vias de acesso ao Centro e as dificuldades
de estacionamento, outros tipos de grande varejo, como as lojas de departa-
mentos, também passaram a se instalar nos bairros e subúrbios.
A ideia inicial de expandir as instalações de uma única loja à medida que
as vendas iam crescendo foi substituída pela criação de várias lojas cobrindo
uma região ou mesmo um país. Surgiram então as cadeias varejistas de super-
mercados, de lojas de departamentos, de roupas, sapatos, joias e outros tipos
de produtos. A gestão de tais organizações comerciais é mais complexa quan-
do comparada à operação de uma única loja, exigindo uma administração
central mais sofisticada. Uma forma diferente de cadeia varejista que surgiu
mais recentemente e se alastrou extraordinariamente é formada pelas fran-
quias. Nesse tipo de comércio, o franqueador transfere ao franqueado todo o
know-how do negócio, mas a propriedade do estabelecimento e o capital ne-
cessário são do segundo. Esse tipo de operação permite somar, às vantagens
da operação especializada, os ganhos de escala das cadeias varejistas, sem con-
tudo exigir aportes de capital muito elevados, de um único empresário.

Os Shopping Centers e as Lojas de Descontos


Outro tipo de comércio que merece destaque especial, e que surgiu na fase
de expansão na direção dos bairros e dos subúrbios, é o shopping center. De
um lado, as lojas especializadas, atendendo a um tipo de consumidor mais
exigente na compra de roupas, sapatos, joias, livros, discos e outros produ-
tos, continuavam a existir. As lojas, no entanto, ficavam dispersas na malha
urbana, dificultando as compras e apresentando problemas de estaciona-
mento e de acesso. Uma ideia seria reunir, sob um mesmo teto, lojas especia-
lizadas, mas sem tirar-lhes sua característica básica, que é a especialização
num negócio específico. Por outro lado, agregando outras facilidades, como
estacionamento, restaurantes, cinemas, bares, além de áreas de circulação
atraentes, ar-condicionado e outras melhorias, a atração da clientela tende a
aumentar substancialmente, possibilitando maiores índices de venda por
metro quadrado de loja. Esse princípio básico deu origem a um tipo de co-
mércio que se alastrou rapidamente nos Estados Unidos e na Europa, como
também no Brasil.
O comércio é pródigo em soluções inovadoras, pois há sempre alguém
buscando um nicho novo em que possa atuar de forma a ganhar maior parti-
cipação no mercado. Assim, a especialização e a maior sofisticação dos shop-
ping centers, de um lado, e os custos de comercialização mais elevados das
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lojas de departamentos, de outro, levaram à ideia de estender o conceito bá-
sico do supermercado a outros tipos de produtos. Surgiram então as lojas de
descontos (discount houses). Nesse tipo de comércio não há maiores preocu-
pações com as instalações do prédio e com seu acabamento. Em geral, as lo-
jas são especializadas em algum tipo de produto, como roupas, sapatos, mó-
veis, eletrodomésticos, e baseiam sua operação nos custos baixos.
Mais recentemente, surgiu outro tipo de estabelecimento varejista,
também objetivando comercializar seus produtos a baixo custo, os chama-
dos outlets. Basicamente, os outlets são operados diretamente pelos fabri-
cantes dos produtos, que têm assim um contato direto com os consumidores
finais, possibilitando conhecer melhor suas preferências e hábitos de consu-
mo. Permitem também aos fabricantes colocar no mercado pontas de esto-
que e fazer liquidações decorrentes de mudanças nas linhas de produção. É
claro que preços reduzidos são o elemento-chave na atração dos clientes.
Outra forma de comércio diretamente operada pelo fabricante é a venda di-
reta, em que o vendedor de determinada indústria bate à porta dos consumi-
dores fazendo demonstrações dos produtos e comercializando-os.

Varejo sem Loja e Vending Machines


Mais recentemente, com o desenvolvimento dos sistemas de comunicação e
da Internet, foi dado novo impulso ao varejo sem loja, originalmente centra-
do na venda por catálogo e na distribuição via correio, e hoje se apoiando
fortemente na Internet. O comércio eletrônico, por sua importância nos dias
de hoje, será tratado com maior destaque no Capítulo 3. Nos Estados Unidos
se observa um grande volume de comercialização de produtos através do te-
lefone, do fax e, hoje, pela Internet, com a distribuição realizada através das
empresas tipo courier (Federal Express, UPS e outras).
Esse tipo de comércio tem suas raízes numa estrutura logística muito es-
pecial. No caso do varejo sem loja, seja por meio de correio, telefone, fax ou
Internet, surge o problema da falta de contato direto do consumidor com a
mercadoria. Por exemplo, uma empresa americana líder na comercialização
de livros, a Amazon Books, tenta suprir essa falta de contato com a apresen-
tação na tela do layout da capa, juntamente com resenhas e comentários so-
bre as publicações à venda e oferecendo a possibilidade de devolução do
material adquirido. Mas essas medidas não conseguem substituir a análise
rápida do conteúdo do texto, que tradicionalmente é feita nas livrarias quan-
do da aquisição de livros. Percebendo essa preferência do consumidor, a em-
presa passou a apresentar na tela uma seleção de páginas do texto, simulan-
do a leitura rápida que fazemos na livraria, e dando elementos para que o
consumidor melhor avalie o conteúdo do livro oferecido.
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Para finalizar essa rápida discussão sobre as formas de comércio, cita-
mos o varejo por máquina (vending machines). Cigarros, refrigerantes, san-
duíches, guloseimas, além de outros produtos, são comercializados nos Esta-
dos Unidos, na Europa e no Japão por meio de máquinas operadas com moe-
das e, mais recentemente, com notas de papel. Essas máquinas não exigem
atendentes e são instaladas em locais os mais diversos. Muitas vezes estão lo-
calizadas na via pública (como no Japão, por exemplo) ou em locais com es-
cassa vigilância. Para seu uso em larga escala pressupõe-se, assim, um nível
de segurança elevado, com baixos níveis de vandalismo e de roubo. Por ou-
tro lado, a sustentação desse tipo de varejo depende muito da estabilidade da
moeda. Isso porque, quando a moeda perde seu valor muito rapidamente
por força da inflação, o sistema fica inviabilizado ou pouco vantajoso. No
Brasil, na época da inflação elevada, procurou-se contornar o problema com
a venda de fichas especiais em pontos próximos às máquinas (jornaleiros, ba-
res etc.). Essa prática, no entanto, reduz muito as perspectivas desse tipo de
comércio, diminuindo suas vantagens competitivas. Mantendo-se a estabili-
dade da moeda, esse tipo de comércio tende a crescer no país.
Não é nossa intenção detalhar demasiadamente as características e os
elementos do comércio. Essa introdução visa discutir alguns conceitos im-
portantes, necessários ao entendimento dos aspectos logísticos que serão
abordados no texto. Os interessados em se aprofundar na matéria podem
consultar a vasta literatura especializada. No Brasil, podem ser encontrados
livros, periódicos e trabalhos de pesquisa sobre o assunto nas bibliotecas dos
cursos de Comércio e de Administração de Empresas, principalmente. Sobre
Logística, além das bibliotecas das faculdades de Administração de Empre-
sas, material bibliográfico específico também pode ser encontrado nos cur-
sos de Engenharia de Produção e de Engenharia de Transportes.

TIPOS DE COMÉRCIO
Além dos elementos discutidos na seção anterior, ainda há alguns aspectos
específicos sobre classificação do comércio que achamos oportuno enfatizar.
Numa primeira classificação geral, podemos dividir as atividades vare-
jistas em dois grupos: varejo com loja e varejo sem loja. O primeiro, que é a
versão tradicional, incorpora supermercados, lojas de departamentos, lojas
especializadas, enfim todos os estabelecimentos que dispõem de uma instala-
ção predial específica para expor seus produtos, receber os clientes e realizar
as vendas. O varejo sem loja, ao contrário, opera de forma diversa, estabele-
cendo contato com o consumidor de várias maneiras, mas sem dispor de um
prédio ou de uma sala para exposição das mercadorias e atendimento dos
clientes. Sua importância relativa ainda é pequena, principalmente no Brasil,
mas a tendência é de expansão acentuada nos próximos anos. Nessa catego-
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ria se inclui o sistema de venda porta a porta, a mala direta (em que o cliente
recebe material promocional pelo correio e faz sua encomenda por telefone
ou fax), o sistema de catálogo, o telemarketing (semelhante à mala direta,
mas pelo telefone ou, futuramente, pela televisão) e as compras via Internet.
Os supermercados, por sua vez, são subdivididos em hipermercados, que
são grandes lojas de autosserviço voltadas à comercialização de extensa varieda-
de de produtos alimentares e de bebidas, mas mantendo também grandes áreas
para a venda de roupas, artigos esportivos, utilidades do lar, acessórios de auto-
móveis, além de outros itens. Os autosserviços de pequeno porte, de atendi-
mento local (bairros), são muitas vezes denominados minimercados. Finalmen-
te, numa faixa intermediária, aparecem os supermercados propriamente ditos,
que são autosserviços oferecendo linha completa de itens alimentares e de pri-
meira necessidade (material de limpeza, utensílios domésticos etc.).
Hoje, estão proliferando nas grandes cidades as chamadas lojas de con-
veniência, a maioria aberta 24 horas por dia, e comercializando uma série de
produtos consumidos no dia a dia. Atendem basicamente a situações emer-
genciais: pessoas sozinhas, profissionais que trabalham em horários especiais,
entre outras. No Brasil, muitas dessas lojas operam junto a postos de gasoli-
na, em parte por questões de segurança, mas também para se beneficiar da de-
manda agregada (pessoas que param para abastecer o carro e aproveitam a
oportunidade para efetuar compras).

Importância do Varejo na Economia


As atividades varejistas nos Estados Unidos representaram cerca de US$3,5
trilhões em 2002 (Retail Industry Statistics and Research, 2003), aproxima-
damente 28% do PIB norte-americano, uma participação muito significati-
va. No período 1986-1995 a movimentação do varejo naquele país cresceu a
uma taxa média de 5,5% ao ano (Berman et al., 1998). Devido à crise econô-
mica, essa taxa se reduziu a 3,9% ao ano no período 1995-2002. Na Tabela
1.1 é mostrada a divisão percentual do faturamento do varejo nos Estados
Unidos, por setor.
Os dados mais recentes de que dispomos sobre o varejo no Brasil são de
2001, extraídos do IBGE (Pesquisa Anual de Comércio, 2001), e apresenta-
dos na Tabela 1.2. No caso dos supermercados, a ABRAS – Associação Brasi-
leira de Supermercados – indicou que, em 2002, o setor supermercadista fa-
turou R$79,8 bilhões, cerca de 6% do PIB brasileiro, sendo constituído por
68.907 lojas e empregando 719 mil pessoas. De uma maneira geral o comér-
cio no Brasil corresponde a cerca de 26,1% do PIB, de acordo com os dados
do IBGE (Pesquisa Anual de Comércio, 2001).

10
A LOGÍSTICA E AS NECESSIDADES DO CONSUMIDOR
As relações interpessoais no comércio varejista não ocorrem de forma alea-
tória ou sem nexo, mas dependem de um conjunto de forças de natureza
econômica, social e tecnológica que estão por trás do comportamento dos
fabricantes, dos comerciantes e dos consumidores finais dos produtos.

O Consumidor Final
O foco básico do varejo está localizado no consumidor final. Muito embora
pequenas firmas e organizações possam comprar diretamente nas lojas de
varejo, a tendência geral é de que as empresas, por disporem de setores de
compras, crédito e pessoal especializado, adquiram produtos através de ata-
cadistas ou diretamente a partir dos fabricantes. Por isso, o foco principal do
comércio é o consumidor pessoa física. Por outro lado, não obstante parte
das compras no varejo se destinar ao uso estritamente individual, o processo
de decisão sobre o que e quando comprar tem sua base no domicílio. Dessa
forma, é muito importante entender os mecanismos mentais e psicológicos
que estão por trás dos valores e do comportamento dos consumidores. Que
necessidades e/ou expectativas impulsionam o consumidor típico quando
pretende adquirir determinado bem ou produto?

Tabela 1.1 Comportamento do varejo nos Estados Unidos por setor (2005)
Setor Participação no
faturamento (%)

• Veículos, peças e acessórios 20,8


• Artigos de alimentação e bebidas 12,3
• Restaurantes e bares 9,6
• Combustíveis, lubrificantes 9,1
• Materiais de construção e de jardinagem 7,8
• Varejo sem loja 6,1
• Saúde e cuidados pessoais 5,1
• Lojas de departamento 5,1
• Roupas, calçados, acessórios 4,7
• Móveis e acessórios para o lar 2,6
• Artigos eletrônicos e eletrodomésticos 2,4
• Artigos esportivos, de lazer, livros, artigos musicais 1,9
• Outros 12,5
Total 100,0

Fonte: US Census Bureau (2006).


11
Destacamos seis elementos:

G a informação sobre o produto, seu preço, uso, restrições de funciona-


mento, vantagens comparativas etc.;
G o produto em si mesmo, na forma e na qualidade desejadas;
G a posse do produto no momento desejado, representado pelo cum-
primento dos prazos prometidos e acordados no que se refere à en-
trega do produto adquirido;
G a gratificação ou prazer pessoal ou familiar no uso ou consumo do
produto adquirido;
G a relação de confiança e parceria com o varejista, que é concretizada
através da atenção pessoal, honestidade, manutenção permanente
dos padrões de qualidade etc., por parte do comerciante;
G a continuidade na relação entre consumidor e varejista, que caracte-
riza a fase de pós-venda (garantias, serviços de manutenção e conser-
tos etc.).

Tabela 1.2 Comportamento do varejo no Brasil por setor (2003)


Setor Participação no
faturamento (%)

• Veículos, peças e acessórios 22,3


• Supermecados e hipermercados 21,0
• Combustíveis, lubrificantes, GLP 20,8
• Materiais de construção, ferragens, ferramentas, tintas e vidros 7,5
• Tecidos, vestuário, calçados 7,3
• Produtos farmacêuticos, perfumaria, higiene 4,6
• Eletrodomésticos, discos, instrumentos musicais 4,6
• Produtos alimentícios, bebidas e fumo 2,6
• Móveis e acessórios para o lar 2,6
• Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação 1,9
• Livros, jornais, revistas 1,6
• Outros 3,2
Total 100,0

Fonte: IBGE, Pesquisa Anual de Comércio, 2003.

12
O Papel da Logística
Hoje se observa uma dinâmica nunca antes constatada na oferta de produ-
tos. De um lado, os produtos vão se aprimorando ao longo do tempo, incor-
porando novos elementos e novas tecnologias, numa rapidez crescente. No
caso de produtos envolvendo componentes eletrônicos, esse dinamismo é
ainda mais acentuado, mas mesmo produtos de consumo corrente, ofereci-
dos em supermercados, sofrem alterações e melhorias com muita frequên-
cia. O leite, por exemplo, inicialmente comercializado nas padarias em gar-
rafas de vidro, passou a ser oferecido em sacos plásticos, e hoje vem em
embalagens mais sofisticadas, com vida mais longa, do tipo tetra pak e simi-
lares. Por outro lado, um mesmo tipo de produto normalmente apresenta
um número grande de variações, em termos de sabor, tamanho, componen-
tes, qualidade e, obviamente, preço.
Esse dinamismo, que vai se acentuando com o tempo, gera forte neces-
sidade de informação por parte do consumidor. O marketing, de um lado,
procura sanar parte dessas questões através de suas campanhas publicitárias,
pesquisas mercadológicas e contato direto com o consumidor. Mas, em que
pesem tais esforços, esse elemento importante no comércio varejista – a in-
formação – requer atenção redobrada. A Logística tem um papel muito im-
portante no processo de disseminação da informação, podendo ajudar posi-
tivamente caso seja bem equacionada, ou prejudicar seriamente os esforços
mercadológicos, quando for mal formulada. Isso porque a Logística é, na
empresa, o setor que dá condições práticas de realização das metas definidas
pelo setor de marketing. Sem ela, tais metas não têm condições de se concre-
tizar adequadamente.
Veremos também que a Logística está muito ligada, hoje, ao produto.
Na nova conceituação de cadeia varejista, todo o processo logístico, que vai
da matéria-prima até o consumidor final, é considerado entidade única, sis-
têmica, em que cada parte do sistema depende das demais e deve ser ajustada
visando o todo. Por exemplo, a Benetton, que comercializa roupas no mun-
do inteiro, não tinge seus produtos na hora de fabricá-los, porque o mercado
da moda é muito volátil. Os produtos são transportados e armazenados na
cor de fundo, cinza, recebendo o tingimento final pouco antes de serem
transportados para as lojas. Esse tipo de operação é chamado de postpone-
ment em Logística (postergação), e será discutido em mais detalhe no Capí-
tulo 2. Assim, o processo de manufatura e as funções logísticas da empresa
são encarados de forma integrada e resolvidos em conjunto.
É a Logística que dá condições reais de garantir a posse do produto, por
parte do consumidor, no momento desejado. No caso de bens duráveis, é co-
mum no Brasil o vendedor prometer a entrega do produto numa certa data,
promessa que não é cumprida por deficiências no sistema de informação, nas
operações do depósito ou no transporte. O efeito negativo que tais situações 13
acarretam na imagem da empresa ainda não foi convenientemente avaliado
no país, mas é, sem dúvida, significativo. Empresas de entrega rápida, como
a Federal Express e a UPS, por exemplo, cresceram de forma vertiginosa por
oferecer serviços confiáveis, com prazos predefinidos, possibilitando aos va-
rejistas cumprirem suas promessas aos clientes.
A gratificação ou prazer, que o consumidor frui no consumo ou no uso
do produto adquirido, está basicamente ligada à mercadoria em si, mas a in-
terferência da Logística nesse processo não é desprezível. Aqui, ela entra al-
gumas vezes de forma indireta, subjacente, mas, ainda assim, muito impor-
tante. Falhas como, por exemplo, produtos de primeira necessidade venci-
dos ou deteriorados, bens de consumo durável com partes faltando ou com
componentes errados (voltagem diversa da desejada, por exemplo), produto
entregue na cor errada, erros na instalação do aparelho etc. prejudicam se-
riamente o marketing dos produtos comercializados e a imagem das empre-
sas. Aqui fica mais clara a importância de se olhar a cadeia de distribuição
como um todo, e não somente uma parte dela. De nada adianta o comercian-
te alegar que o problema foi causado pelo fabricante ou pelo transportador,
pois a imagem fica arranhada, e o comprador vai buscar outras alternativas
na próxima vez que fizer uma compra semelhante.
A relação de confiança e parceria entre o consumidor e o varejista, em-
bora se apoiando na atenção pessoal, no profissionalismo e na honestidade
do comerciante, vai depender em muito do desempenho logístico da cadeia
de suprimento no seu todo. À medida que o consumidor vai vivenciando si-
tuações positivas no uso ou no consumo dos produtos, à medida que vê aten-
didas suas reclamações e respondidas suas dúvidas, e à medida que vai co-
nhecendo mais de perto o varejista, acreditando em suas afirmações e pro-
messas, sua confiança no sistema vai aumentando gradativamente. Essa con-
fiança se espalha pela família e pelos amigos, criando uma imagem positiva,
com benefícios palpáveis para toda a cadeia de distribuição. Qualquer desli-
ze nas operações logísticas, seja um desentendimento entre dois elementos
da cadeia percebido pelo consumidor, seja um atraso não justificável, seja
uma falta de cortesia por parte do motorista que faz a entrega ou por parte
do instalador, tudo isso vai se somando negativamente e depondo contra os
esforços de venda e de marketing das empresas participantes.
Finalmente, a continuidade na relação entre consumidor e varejista, na
fase de pós-venda, talvez seja hoje o calcanhar de aquiles do varejo de bens
duráveis no Brasil. Isso porque, embora os maiores problemas surjam no do-
mínio do fabricante (falta de peças, deficiências na assistência técnica, preços
dos serviços muitas vezes abusivos), é o varejista que serve como anteparo di-
reto nas reclamações dos consumidores. Muitas indústrias estão tentando
contornar o problema através do atendimento direto às reclamações dos
14
clientes, como também por meio do ombudsman (ouvidores), mas, na práti-
ca, as relações de pós-venda no Brasil ainda deixam muito a desejar.

A TRANSAÇÃO COMERCIAL

O Ato Físico da Compra


Para satisfazer suas necessidades de produtos de consumo ou de bens durá-
veis, o consumidor precisa despender alguns elementos importantes, de na-
tureza econômica, física e mesmo psicológica. Podemos listar basicamente
quatro elementos que são despendidos pelo consumidor ao adquirir um de-
terminado produto:

G o dinheiro necessário para a compra;


G o tempo necessário para obter as informações, o preço e as demais
condições da transação, mais o tempo gasto para efetuar a compra
propriamente dita e o transporte do produto até o domicílio (em al-
guns casos);
G a tensão e o consequente dispêndio de energia decorrentes de uma
variedade de situações: dúvidas quanto às possibilidades de uso do
produto, dúvidas quanto ao preço e às condições de pagamento, dú-
vidas quanto ao cumprimento do prometido por parte do varejista
etc. Hoje, por exemplo, produtos duráveis como artigos eletrônicos,
eletrodomésticos, computadores, periféricos e automóveis apresen-
tam tantas versões e tipos de acabamento, alguns se tornando obsole-
tos tão rapidamente, que o consumidor se vê em reais dificuldades na
hora de comprá-los. Acrescente-se a isso o fato de que os vendedores
das lojas muitas vezes não conseguem assimilar e transmitir as infor-
mações técnicas e de uso sobre os produtos, quando solicitados pelos
compradores em potencial;
G o esforço de transportar o produto adquirido para casa e, em alguns
casos, de montá-lo e testá-lo pessoalmente. Nos Estados Unidos, em
razão do custo elevado da mão de obra, boa parte do comércio não
entrega os produtos em domicílio. Os compradores transportam-nos
pessoalmente em furgões próprios ou alugados. Há, também, diver-
sos produtos que são entregues na forma de kits, devendo o compra-
dor montá-los em casa. No Brasil, a maioria das lojas ainda efetua as
entregas em domicílio, quando as mercadorias, em razão do peso ou
tamanho, apresentam dificuldades de deslocamento.

15
Obviamente, é o quarto elemento, entre os listados, que está mais li-
gado à Logística. Aqui aparecem problemas logísticos de natureza variada.
Quando o produto é retirado diretamente da loja ou do depósito pelo com-
prador, há um acordo tácito de que ele passa a ser responsável, dali em dian-
te, pela integridade do produto. Mas a gratificação e o prazer do ato de con-
sumir vão ficar da mesma forma prejudicados no caso de ocorrerem avarias
ou quebras do produto no seu transporte ou manuseio. Uma geladeira risca-
da e uma televisão mal instalada são elementos mercadológicos negativos,
mesmo quando de responsabilidade do comprador.
No caso de produtos pesados, como geladeiras, máquinas de lavar, tele-
visores de maior porte, o problema se agrava, principalmente no Brasil, onde
as pessoas não estão acostumadas nem preparadas para providenciar seu
transporte. Algumas questões logísticas importantes ligadas a esse tipo de
problema devem ser respondidas. Deve a empresa entregar os produtos
maiores e mais pesados na casa do cliente? Se a resposta for positiva, deve
cobrar pelo serviço de entrega? Deve manter frota própria ou terceirizar o
serviço de distribuição? Qual a frequência de atendimento aos diversos bair-
ros ou zonas de distribuição?

A Visão do Comerciante
Do lado do comerciante, sua atuação está ligada a um conjunto expressivo
de fatores e condicionantes, a saber:

G obtenção da margem necessária para sobreviver, expandir os negó-


cios, aprimorá-los e modernizá-los, de forma a atender satisfatoria-
mente às expectativas dos consumidores;
G oferecimento de um mix de produtos, ou seja, variedade de produtos
oferecidos à venda: marcas diversas, tipos, tamanhos;
G obtenção de vantagens diferenciais sobre seus competidores, como
preços competitivos, estrutura logística atualizada, inovações tecno-
lógicas, vantagens extras aos clientes (playgrounds para crianças em
supermercados, promoções, sorteios e prêmios);
G localização e dimensionamento adequados para seu estabelecimento,
considerando a demanda atual e sua evolução futura, o posiciona-
mento dos concorrentes, as restrições socioeconômicas dos consumi-
dores etc.;
G tamanho do mercado em que o estabelecimento está inserido, que
condiciona o tipo e o tamanho da unidade varejista e sua expansão.
Por exemplo, uma loja de departamentos só é possível em cidades de
porte razoável;
16
G incorporação dos avanços tecnológicos ligados à prática varejista, ao
suprimento e à administração do negócio;
G conhecimento dinâmico das necessidades e anseios dos consumido-
res, bem como dos avanços relacionados à gestão e à operação vare-
jista;
G restrições governamentais e institucionais, traduzidas em políticas
macroeconômicas e creditícias, leis e códigos de proteção ao consu-
midor, questões de segurança etc.

A maior parte desses fatores depende, para o bom desempenho geral da


empresa, do correto equacionamento dos aspectos logísticos. Por exemplo,
o mix de produtos que vai ser oferecido está relacionado com a política de
renovação de estoques. O varejista deve evitar, de um lado, custos de esto-
ques excessivos, com produtos encalhados ou de longo giro de comercializa-
ção, mas, por outro lado, deve evitar situações de falta de produto, em que o
cliente o procura, mas o lojista não o tem para pronta entrega (ver Capítulo
6). Ou seja, as técnicas logísticas vão ajudá-lo a definir um mix de produtos
que seja compatível com o nível de vendas esperado e com a prática da con-
corrência.

EVOLUÇÃO DO PERFIL DA OFERTA E DA DEMANDA


Vimos que as decisões relacionadas às compras no mercado varejista estão
basicamente focalizadas no domicílio. A família clássica, tomada como refe-
rência-padrão nos livros-texto, é formada pelo pai (o chefe da família) e a
mãe, mais um filho e uma filha, ambos crianças em idade escolar. Mas será
essa a família típica vigente em nosso século? Não, definitivamente. Procura-
remos resumir em alguns parágrafos os principais aspectos ligados à evolu-
ção do perfil do consumidor nas últimas décadas, que culminou na ampla va-
riedade de tipos hoje observados na nossa sociedade de consumo.
Iniciamos nosso retrospecto na Segunda Guerra Mundial, nos Estados
Unidos. Ao entrar na guerra, o governo americano mobilizou toda a socieda-
de do país para a produção bélica. Aviões, navios, tanques de guerra, armas,
como também uniformes, víveres, material de primeiros socorros e outros
artigos tinham que ser produzidos rapidamente e em larga escala. A urgência
e a extraordinária demanda forçaram a escolha de uma estratégia produtiva
especial. Essa estratégia consistia em:

G produtos, padrão, uniformes, sem variações de tipo, acabamento,


potência etc. O famoso jeep, veículo versátil, ágil e resistente, foi pro-
duzido em larga escala e usado pelas tropas nos diversos continentes,
17
durante e depois da guerra. Outro exemplo era o avião DC-3, inicial-
mente um transportador de tropas e equipamentos, largamente utili-
zado depois da guerra para o transporte de passageiros pelas empre-
sas aéreas emergentes do mundo todo;
G volume de produção elevado, exigindo linhas de montagem múlti-
plas, desenvolvimento de novas formas de administração da produ-
ção e grande aporte de recursos financeiros;
G mobilização maciça da população, inclusive mulheres e homens não
alistados para a guerra que, após treinamento intensivo, passaram a
trabalhar na linha produtiva, de retaguarda.

A mobilização da população exigiu um grande esforço de marketing


por parte do governo dos Estados Unidos. De fato, contrário por natureza a
qualquer tipo de luta armada e ainda tendo que participar de uma guerra
noutro continente, não se poderia esperar reação positiva do povo america-
no. Mas as mensagens de propaganda bem elaboradas, associadas ao carisma
pessoal do presidente Roosevelt, acabaram por mobilizar e empolgar os ci-
dadãos daquele país.
Muitos problemas produtivos foram enfrentados e resolvidos durante o
conflito. Por exemplo, a fabricação de navios era feita até então por rebita-
gem, exigindo um tempo excessivamente elevado e grande dispêndio de
mão de obra. A solução seria a soldagem dos elementos do casco, mas as pri-
meiras embarcações (petroleiros) assim produzidas se partiram ao meio, no
mar. A pressão da guerra forçou o desenvolvimento de pesquisas e soluções
de tal ordem que, após o conflito, os estaleiros passaram a usar unicamente a
solda, com grande economia na construção de navios.
Muitos conceitos administrativos e de gestão do processo produtivo fo-
ram também criados ou aperfeiçoados durante a Segunda Guerra. A linha de
produção típica, criada por Henry Ford, foi melhorada, o projeto dos
produtos foi simplificado visando ao barateamento e à maior agilização da
produção, novas técnicas de otimização do processo produtivo e do uso dos
equipamentos, como a pesquisa operacional, foram concebidas e desenvol-
vidas nessa ocasião.
Acabada a guerra, e vitoriosos, os americanos tinham à mão um par-
que produtivo ímpar, devidamente testado e azeitado, pronto a produzir
artigos não bélicos. A população, por seu turno, estava mobilizada e recepti-
va a mensagens de conteúdo patriótico. O governo, por outro lado, percebia
a necessidade de desenvolver a economia do país, sob pena de enfrentar uma
recessão de graves consequências. Surgiu, assim, um esforço concentrado de
marketing com as seguintes características:
18
G grandes lacunas na demanda de bens duráveis (geladeiras, automó-
veis) e de produtos industrializados de consumo (conservas, bebidas,
laticínios);
G marketing aproveitando a mobilização de guerra, com o governo re-
forçando o caráter patriótico do consumo, visando reerguer a econo-
mia do país;
G aproveitamento da capacidade instalada nas indústrias norte-ameri-
canas;
G marketing centrado na família-padrão, composta pelos quatro ele-
mentos indicados: pai, mãe e dois filhos;
G produtos padronizados, sem variações de acabamento, cores etc. O
exemplo típico era a geladeira branca de tipo único, que ficou folcló-
rica nas crônicas sobre a sociedade americana.

O resultado desse esforço maciço foi positivo, provocando a expansão


da indústria, do comércio e dos serviços nos Estados Unidos, e ao mesmo
tempo elevando expressivamente a renda média da população. Mas, à medi-
da que o nível de renda e a demanda foram crescendo, cresceu também o de-
sejo do consumidor por maior diversidade de produtos. Em paralelo, ia au-
mentando também a competição entre as indústrias e os comerciantes. O re-
sultado foi uma paulatina evolução para produtos mais diferenciados.
As geladeiras e os automóveis começaram a ser comercializados com
mais cores, inicialmente oferecendo poucas opções, mas logo ampliadas
para um leque maior. No caso dos automóveis, a Volkswagen, nos primór-
dios da indústria automobilística brasileira, produzia carros (a linha Fusca)
com algumas cores não metálicas. A mecânica, por sua vez, era única, com
um tipo de motor apenas e nenhum acessório. Nessa época surgiram as lojas
de equipamentos para automóveis, as quais instalavam rádios, capas para os
bancos, calotas especiais e outros complementos, atendendo, assim, a uma
demanda mais diferenciada, até então não satisfeita pelas montadoras.
Mas não foi somente o aumento da renda e o anseio por maior diversi-
dade de produtos que caracterizaram a mudança de perfil do consumidor a
partir da Segunda Guerra Mundial. A população apresentou mudanças pro-
fundas em seu perfil etário e em seus hábitos. De um lado, as necessidades
econômicas e financeiras obrigaram a maioria das mulheres a trabalhar fora
do lar, criando novas expectativas e preferências de consumo. Muitos casais
deixaram de ter filhos ou se restringiram a apenas um. Por outro lado, a ex-
pectativa de vida da população aumentou bastante nas últimas décadas.
Como consequência, os casais idosos passaram a ter maior importância
no marketing de produtos. O número crescente de pessoas separadas ou di-
19
vorciadas, homens e mulheres, gerou outro tipo de consumidor. Muitos jo-
vens deixaram de se casar cedo, preferindo morar sozinhos, longe da casa
dos pais. O mercado de trabalho criou espaço para jovens de grande talento
e garra, com salários relativamente elevados, gerando a geração yuppie, com
características de consumo muito próprias. As relações homossexuais foram
se tornando mais abertas e mais aceitas pela sociedade, ocasionando uniões
de pessoas do mesmo sexo, sob o mesmo teto.
É claro que cada categoria tem preferências específicas. Por exemplo, é
clara a preferência dos yuppies por carros esportes de maior preço, roupas
de grife e aparelhos de som sofisticados. Pessoas que vivem sozinhas tendem
a comer fora com maior frequência e a consumir mais bebidas. Os casais ido-
sos, em geral aposentados e com renda mais reduzida, tendem a consumir
produtos de menor preço. Mas seria somente a preferência por produtos di-
ferentes que caracteriza, hoje, os diversos grupos de consumidores?
Na verdade, a alteração no perfil do consumidor é mais ampla. A ques-
tão da utilização do tempo, por exemplo, é característica. Com o crescimen-
to do trabalho feminino fora do lar e com o aumento do número de pessoas
divorciadas ou solteiras, as compras durante o dia ficaram mais difíceis de se
realizar. Como resultado, as lojas e supermercados passaram a ficar abertos
durante um período maior, estendendo a operação até às 8 ou mesmo 10 ho-
ras da noite. O reforço do atendimento aos sábados, por outro lado, se tor-
nou mandatório, pois é nesse dia em que mais se concentram as compras.
Atualmente, mesmo aos domingos, os supermercados permanecem abertos
em grande parte do país. Em muitos lugares, por outro lado, em que os dias
de pagamento do salário são bem definidos, os supermercados observam
acúmulo de vendas em certas épocas do mês.
Outro caso típico é formado pelos compradores via Internet. Pessoas
que trabalham em atividades com muito desgaste mental ou psicológico,
como operadores do mercado financeiro, jornalistas, analistas de sistema,
entre outros, requerem um bom tempo para relaxar e reiniciar as ativida-
des após um cansativo dia de trabalho. Voltam tarde para casa e, após a re-
feição e um breve descanso, partem para a navegação na Internet. Muitas
vezes, é na madrugada que acham seus objetos de consumo, fazendo então
seus pedidos.
Identificar cada tipo de consumidor e entender seus hábitos e anseios é
hoje uma necessidade premente para o comércio varejista. Evidentemente,
os setores de marketing dos fabricantes de produtos e das grandes empresas
varejistas conhecem razoavelmente bem muitas de suas nuanças. Mas não
podemos esquecer que as respostas a esses tipos diferenciados de demanda
vão acabar se concretizando, na prática, com o apoio da Logística, e nem
sempre se pensa nessas questões com a devida atenção e antecedência.
20
Por exemplo, a grande preocupação com a redução de estoques nos su-
permercados exige uma avaliação muito criteriosa da oscilação do volume
das compras ao longo do dia e da semana. Nos Estados Unidos se observa
hoje uma grande preocupação com os impactos negativos da falta do pro-
duto nas gôndolas. E as faltas de produto se concentram muitas vezes no
fim da tarde e à noite. Como então programar os horários de reabastecimen-
to da loja, levando em conta as restrições de tráfego, o perfil de demanda em
cada estabelecimento e a probabilidade de falta dos produtos? Ou seja, à me-
dida que o perfil do consumidor vai se diversificando e a competição no va-
rejo vai ficando mais apertada, o entrosamento entre os diversos setores da
empresa, marketing, compras, distribuição física etc. se torna cada vez mais
importante. As grandes divisões tradicionais de atuação na empresa, finan-
ças, marketing, vendas, logística, passam a ser tênues, valendo agora o de-
sempenho integrado e otimizado de todos os setores conjuntamente.

COMÉRCIO E MANUFATURA NA CADEIA DE DISTRIBUIÇÃO


Tradicionalmente, a manufatura, ou seja, a indústria, é que ditava (e ainda
dita em grande parte dos casos) as regras na cadeia de suprimento. A fabrica-
ção de produtos requer muita tecnologia e investimentos. Para ser economi-
camente rentável, a linha de produção tradicional é submetida a uma série de
métodos de racionalização e de otimização: estudo de tempos e de métodos
para melhor aproveitar a mão de obra, sequenciamento ótimo dos processos
e dos fluxos de materiais no chão de fábrica para racionalizar o uso de equi-
pamentos e da capacidade produtiva, lote padrão otimizado para melhor di-
luir os custos de set-up das máquinas etc. Em razão dos custos e dos investi-
mentos envolvidos na área de produção, as relações internas nas grandes
indústrias e os contatos externos com os demais agentes da cadeia de supri-
mento têm sido tradicionalmente dominadas pelo setor de manufatura. O
lançamento de novos tipos de produto, as formas de distribuição, os preços,
a sistemática de pagamento e outros tipos de relação fabricante/varejista têm
sido estabelecidos pela indústria, sobrando pouco espaço de escolha para o
varejista.
Nos últimos anos vêm se observando, no mundo, alterações sensíveis
nesse processo. De um lado, o uso intensivo da robotização, da informática e
da terceirização na produção de componentes tem facilitado, em muito, a
flexibilização da manufatura. Hoje, com os instrumentos de gerenciamento
da produção e com as técnicas de manufatura disponíveis, é possível atender
com mais facilidade as demandas dos varejistas.
Mas o elemento primordial nesse novo cenário é a necessidade absoluta
de atender às exigências do consumidor final. O varejista, melhor do que nin-
guém na cadeia de suprimento, é o agente mais capacitado para avaliá-las e 21
atendê-las de forma satisfatória. Como consequência, observa-se nos países
desenvolvidos uma tendência de transferência de poder dos fabricantes para
as grandes cadeias varejistas. O exemplo mais marcante, e que deu início a essa
nova fase, é o das relações entre a Wal-Mart, nos Estados Unidos, e a Procter
& Gamble, no episódio das fraldas descartáveis produzidas por esta última
(ver Capítulo 6). No início, a Procter & Gamble dava as cartas no suprimento
e comercialização das fraldas descartáveis, mas as duas grandes empresas aca-
baram chegando a um consenso. Hoje a Procter & Gamble tem acesso direto
em real time aos dados estratégicos de vendas desse produto nas lojas da
Wal-Mart, e vai suprindo o varejista de forma automática (VMI – Vendor Ma-
naged Inventory ou Estoque Administrado pelo Fornecedor).
Outro exemplo de predomínio do varejista na definição da estratégia
de operação da cadeia de suprimento é o da empresa Li & Fung, de Hong
Kong (ver Capítulo 2).

TENDÊNCIAS DE EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO


Nesta era de grandes transformações tecnológicas, torna-se muito difícil a
previsão de tendências. Mas alguns pontos vão se tornando mais claros.
Com relação ao setor supermercadista, fala-se muito na eliminação fu-
tura dos operadores de check-out (caixas). Os consumidores receberiam, ao
entrar no supermercado, um scanner apropriado, e iriam registrando suas
compras ao colocá-las no carrinho. Ao sair, os produtos passariam por um
processador eletrônico automático, que checaria as mercadorias e debitaria
a despesa diretamente no cartão de crédito. Com a eliminação das frentes de
caixa, os recursos economizados em mão de obra seriam apreciáveis. No
Brasil, apesar dos salários menores, os ganhos seriam significativos em razão
da crescente participação dos encargos indiretos nas despesas de pessoal.
Mas não é a economia de mão de obra o único ganho desse avanço tec-
nológico. Ao registrar as compras no computador, associando-as a um car-
tão de crédito específico, a empresa poderá acompanhar os hábitos de con-
sumo dos clientes ao longo do tempo. Um acerto entre as empresas super-
mercadistas da região poderia resultar num intercâmbio de informações,
possibilitando a análise dos hábitos dos consumidores e trazendo subsídios
preciosos para questões importantes como, por exemplo, fidelidade às mar-
cas, fidelidade ao estabelecimento varejista, dias e horários preferidos por
categorias diversas de consumidores etc. Por outro lado, o cruzamento des-
ses dados com informações sobre a localização da residência do consumidor
na malha urbana pode trazer elementos preciosos para estudos de localiza-
ção e de dimensionamento das lojas.
Por exemplo, um estudo de hábitos de consumo nos supermercados
22 realizado numa região dos Estados Unidos mostrou que, nas sextas-feiras à
noite, havia uma concentração de compras casadas, envolvendo fraldas des-
cartáveis e cerveja. Foi detectado ainda que tais compradores eram predomi-
nantemente homens. Uma análise mercadológica foi então realizada, tendo
sido identificado o fim de semana, que se iniciava na noite de sexta-feira,
como motivação básica por trás da ação do consumidor. As esposas telefona-
vam para os maridos no fim do expediente, solicitando que passassem no su-
permercado antes de vir para casa. O objetivo era comprar fraldas, de forma
a garantir o consumo no fim de semana. O marido associava então o fim de
semana com o ato de assistir programas esportivos na televisão, tomando
cerveja com os amigos. Como resultado desse estudo, a cadeia de supermer-
cados em questão alterou o arranjo das gôndolas, aproximando as fraldas
descartáveis da cerveja, mas tomando o cuidado de inserir outros produtos
com margem mais elevada de comercialização e associados ao lazer de fim de
semana, tais como salgadinhos e outras bebidas. O resultado, em termos de
aumento de vendas, foi um sucesso.
Mas, pensando estritamente sob o ponto de vista dos clientes, que ou-
tros benefícios poderiam ser gerados por esse tipo de estudo, de forma a me-
lhor atendê-los? Como resultado da análise dos diferentes perfis de consu-
mo, os consumidores poderiam receber, em suas casas, material promocio-
nal ligado diretamente às suas preferências. Por outro lado, a classificação
dos clientes de acordo com o montante de compras por mês, fidelidade ao
estabelecimento e preferência por determinadas marcas de produtos, por
exemplo, poderia servir de subsídio a campanhas de premiação e de descon-
tos mais direcionadas do que as atuais.
Um avanço tecnológico, que provavelmente afetará sensivelmente o va-
rejo, é a integração do computador doméstico com a televisão. O consumi-
dor poderá percorrer diretamente as diversas ofertas mostradas na televisão
ou poderá deixar o computador pesquisar os produtos por marca, por tipo,
por preço ou de acordo com outro critério eventual. Uma vez encontrados
os produtos desejados, o cliente fará o pedido diretamente na rede, pagando
com cartão de crédito ou com algum outro tipo de moeda digital. Muito em-
bora a Internet já represente certo avanço nessa direção, a interligação tele-
visão/computador parece ser o grande salto mercadológico num futuro pró-
ximo. Não é por outra razão que empresas como a Microsoft estão investin-
do muito esforço e dinheiro no desenvolvimento desse sistema. Mas esse sis-
tema opera somente com TV a cabo e sua disseminação em nosso país vai de-
pender da expansão da demanda.
Outro desenvolvimento que poderá facilitar, em muito, a vida do con-
sumidor de roupas e de calçados é o registro num chip de todas as medidas
antropométricas e estéticas do cliente. Esse chip, levado na bolsa ou na car-
teira, seria eletronicamente lido na loja (RFID – Identificação por Radiofre-
quência). Uma vez escolhido o tipo de roupa ou sapato, bem como sua cor, o 23
sistema projetaria numa tela a imagem do consumidor devidamente vestido
com o produto. Essa operação poderia ser feita facilmente pelo próprio inte-
ressado, eliminando boa parte dos setores de provas hoje existentes nas lojas
e seus funcionários. Deve-se lembrar que, ao experimentar as roupas, os
consumidores acabam deixando atrás de si um grande número de peças, que
posteriormente precisam ser arrumadas e empacotadas pelos funcionários,
antes de voltarem ao mostruário. Numa fase tecnologicamente mais avança-
da, a manufatura poderia produzir a roupa escolhida nas dimensões exatas
do cliente, para posterior entrega em sua casa.
A questão do postponement, ou postergação, poderá afetar também sig-
nificativamente alguns tipos de varejo. Há certos produtos cuja variedade é
elevada, como livros e CDs, apresentando muitos títulos. Para esses produ-
tos, os métodos tradicionais de gestão de estoques, embora utilizados, não
são suficientes. As livrarias e lojas de discos são obrigadas a manter mostruá-
rios e estoques suplementares, e, como há um número elevado de varejos
desse tipo espalhados geograficamente, o nível de inventário total eleva sig-
nificativamente o custo de comercialização desses produtos. Uma possível
solução seria formada pelos quiosques eletrônicos, que possuiriam terminais
ligados a um computador central e acoplados a uma máquina impressora do
tipo Xerox. Após analisar o conteúdo no terminal do computador, e pagar a
despesa com cartão de crédito, o livro ou o CD seria impresso e encadernado
no ato. Haveria então o postponement da fabricação do livro ou do CD.
A própria Xerox vem implantando mudanças radicais em seus serviços,
ampliando os usos de suas máquinas de forma a gerar, transmitir, receber e
processar dados digitalizados. Assim, enquanto a máquina tira uma cópia
eletrostática de um documento, a informação digitalizada é transmitida ime-
diatamente ao computador central, possibilitando seu registro magnético e o
seu encaminhamento a outros pontos. Dessa forma, o desenvolvimento e a
implantação generalizada de quiosques do tipo descrito é apenas uma ques-
tão de tempo.
A par do grande desenvolvimento tecnológico, inegavelmente impor-
tante, não se pode esquecer o grande salto qualitativo que, sem dúvida, vai
permear as atividades varejistas num futuro próximo. Nesse contexto, a sa-
tisfação do cliente é o elemento-chave das mudanças já em curso. A tendên-
cia do varejo é atender às necessidades e desejos do cliente de forma customi-
zada e rápida, mesmo no caso de produtos duráveis, como automóveis, por
exemplo. Para que isso aconteça é necessário cortar os estoques, porque se-
ria economicamente inviável estocar em cada concessionária todos os tipos
de veículos, com todas as combinações de acessórios e de cores.
Hoje, no Japão, na Europa e nos Estados Unidos, é possível entrar
numa concessionária e fazer o pedido de um determinado tipo de veículo,
24 com os acessórios e a cor desejados, para entrega num prazo relativamente
curto. No Capítulo 3, abordaremos este assunto em mais detalhes, quando
falarmos da customização em massa (mass customization). O pedido do
cliente é alimentado no computador, que passa as informações à fábrica. O
mais importante nesse processo é que, através de um sistema de fabricação
“puxado”, a cadeia de suprimento se mobiliza de forma a entregar o auto-
móvel ao cliente num prazo bastante restrito. Essa integração otimizada en-
tre manufatura e varejo só é possível de se realizar com uma cadeia de supri-
mento afinada e atualizada.
Assim, não é demais enfatizar que o futuro do varejo esteja intimamente
vinculado à Logística em termos não somente conceituais, mas sobretudo
práticos.

VAREJO 2010
As considerações que se seguem tiveram como base o artigo da Retail For-
ward (2003).
A década de 1990, no que se refere à evolução do varejo, foi caracteri-
zada por mudanças rápidas e abrangentes. Esta primeira década do século
XXI, por sua vez, continuará mostrando um forte darwinismo, ou seja, será
caracterizada pela sobrevivência dos mais fortes, com um pequeno número
de grandes empresas varejistas dominando o mercado global. As empresas
varejistas que tenderão a desaparecer do mercado não serão apenas organi-
zações do tipo padrão, tradicionais. Além disso, formatos clássicos de co-
mercialização e diversos segmentos inteiros acabarão sendo substituídos por
outras formas mais modernas e flexíveis de comercialização.
A visão difusa dos contornos entre os vários agentes do mercado, discu-
tida no interessante livro de Davis e Meyer (1999), vai impregnar fortemen-
te o setor de comércio, quando então muitos fornecedores serão varejistas e
muitos varejistas serão também fornecedores. O setor de varejo tende a do-
minar o mercado. À medida que as grandes cadeias varejistas forem se tor-
nando cada vez mais globais, procurarão novas fontes alternativas de supri-
mento. Até o final da década, muitos fornecedores notarão que entre seus
competidores mais fortes estarão diversos de seus clientes varejistas, que
avançarão no comando da produção por meio de marcas próprias, fabrica-
das dentro das especificações impostas pelo comerciante. Os fornecedores,
por outro lado, tenderão a atuar como varejistas, procurando atingir o con-
sumidor final pelo marketing direto e pela Internet.
Esses eventos tendem a gerar um ambiente de negócios muito incerto,
não visto desde os anos 70, um ambiente no qual os varejistas do mundo
todo e seus fornecedores terão dificuldades para planejar suas atividades. De
fato, em termos econômicos não se espera um ambiente de negócios estável
nesta década e, portanto, as empresas precisarão aprender a planejar dinami- 25
camente na incerteza. Além dos desafios econômicos, os varejistas se depara-
rão com consumidores cada vez mais complexos, para os quais será mais di-
fícil compreender seus interesses e valores. O varejo será fortemente domi-
nado pelo comprador em qualquer nível. Os consumidores serão mais pro
ativos, mas também mais pragmáticos.
O comportamento do consumidor nas suas compras será mais comple-
xo. Cada consumidor terá várias faces. Esse consumidor multidimensional
fará suas compras de maneiras diversas, dependendo das considerações do
momento, as quais definirão suas decisões de compra e a escolha do estabele-
cimento varejista. Até 2010 o mercado consumidor será definido fortemente
por hábitos de compra e motivação de consumo, que variarão bastante e de
forma difusa. Ou seja, muito embora as características demográficas e socio-
econômicas continuem a ter influência nas compras dos consumidores, ha-
verá uma grande variedade de fatores indutores externos, veiculados pela
mídia e pelo marketing. Assim, cada consumidor será, de fato, um consumi-
dor diferente, dependendo da compra em particular, da motivação, da pro-
paganda, das condições de preço, do financiamento etc. Por exemplo, nos
Estados Unidos o leasing de automóveis para pessoa física cresceu muito nos
últimos anos porque possibilita maior flexibilidade ao longo do tempo: o
comprador tem garantidas as possibilidades de devolução após um determi-
nado período de tempo, a troca por outro novo ou a posse do veículo atual.
Hoje já está sendo implantado nos Estados Unidos um processo de leasing
para imóveis. No Brasil, as elevadas taxas de juros e as oscilações expressivas
nas taxas de câmbio tornaram menos atrativa essa forma de comercialização,
depois de uma fase crescente no início do Plano Real.
As características demográficas dos consumidores serão um desafio
mercadológico para fabricantes e varejistas. O rápido aumento de consumi-
dores da terceira idade tende a mudar o leque de gastos de consumo. Pessoas
idosas têm renda menor e tendem a gastar menos com produtos em geral e
mais com cuidados de saúde, viagens e lazer.
Para entender melhor o comportamento dos consumidores, será neces-
sário levantar e analisar mais informações sobre suas necessidades, preferên-
cias e hábitos de compra, em um nível bastante individualizado. Por meio de
cartões eletrônicos de identificação ou de crédito, ou por outras formas
(como o RFID, ver Srivastava, 2004), as empresas varejistas poderão coletar
informações preciosas e, ao mesmo tempo, os consumidores poderão trans-
mitir suas necessidades e anseios aos comerciantes. Por exemplo, um dos
problemas atuais mais sérios no setor supermercadista é a falta de produtos
na gôndola quando o cliente vai às compras (ver Capítulo 6). Quando isso
ocorre, fica difícil para a empresa identificar quantos e quais consumidores
não conseguiram comprar os produtos desejados. Em alguns supermerca-
26 dos, os caixas perguntam aos clientes se não encontraram nas prateleiras al-
gum produto que desejavam adquirir, mas esse processo de registro é pouco
eficiente. Formas que possibilitem coletar essas informações de maneira prá-
tica e eficiente ajudarão em muito os varejistas a se adaptarem às variações
da demanda.
Quatro formas básicas de consumo desafiarão os varejistas na presente
década:

1. Consumo rotineiro, de menor valor e de realização rápida: é carac-


terizado por frequência declinante de compra ou por abastecimento
automático em alguns casos, pelo aumento da fidelidade às marcas e
por uma preferência crescente por preços estáveis. Esse tipo de clien-
te dará preferência a compras concentradas, quando poderá conse-
guir os produtos de consumo diário e de uso pessoal em uma única
viagem, se possível em um único ponto. Os varejistas que desejarem
conquistar esse tipo de consumidor deverão focalizar suas iniciati-
vas na criação de mecanismos de entrega de baixo custo, mas alta-
mente eficientes. A consecução desse objetivo se apoiará em proces-
sos logísticos criativos e eficazes.
2. Consumo voltado a soluções específicas: buscando produtos, servi-
ços, informações ou suporte necessários para resolver um problema
específico ou atingir um determinado objetivo. Por exemplo, um
homem gordo que busca um terno ou uma camisa que lhe caia bem,
sem que seja forçado a se dirigir a um alfaiate, o que o obrigaria a
enfrentar prazos e preços elevados. As soluções para esse tipo de
consumidor deverão focalizar a variedade e a oferta de produtos es-
pecíficos, de forma a garantir que um atendimento completo, em
uma única viagem, satisfaça plenamente o consumidor. Serão necess-
árias maneiras eficientes de comunicação de forma a melhor enten-
der o que esses consumidores desejam concretizar. Os varejistas que
quiserem atrair e manter consumidores dessa classe deverão dar ên-
fase às relações interpessoais com os clientes, e não atuar meramen-
te centrados em transações.
3. Consumo de autoexpressão: reflete a individualidade do consumi-
dor motivada pelas preferências de moda, de gosto e de estilo de
vida. Esse tipo de consumo é egointensivo, emocional e cognitivo. É
conduzido por desejos em lugar de necessidades. Artigos de beleza e
de vestuário sofisticados, relógios de grife, bebidas importadas de
maior preço, carnes de corte e maturação especiais são exemplos
desse tipo de consumo.
4. Consumo com motivação de descobrimento: caracterizado por um
forte componente impulsivo. Muito embora os consumidores este-
jam se tornando cada vez mais objetivos, procurando otimizar tem- 27
po, esforço e dinheiro, eles também buscam sensações, inclusive no
ato de comprar certos produtos. Algumas vezes é a mera emoção da
caçada, ou seja, encontrar algo que ordinariamente não compraria,
a um preço bom o suficiente para não resistir. Os consumidores,
quando se comportam dentro desta categoria, buscam uma expe-
riência de consumo gratificante, sendo fortemente influenciados
por produtos novos e criativos, estímulo sensorial e a oportunidade
de se divertirem. Exemplo desse tipo de varejo é a da empresa sueca
Ikea, com diversas lojas de móveis na Europa e nos Estados Unidos
(www.ikea.com). Essa empresa procura converter o ato de compra
em uma experiência pessoal gratificante, fornecendo pranchetas e
demais acessórios de desenho e ajudando o comprador a montar no
papel seu próprio arranjo decorativo, tudo com o apoio de atenden-
tes especializados.

O desenvolvimento do setor varejista até 2010 será caracterizado por


uma real evolução nas formas como os comerciantes criarão valor para os
consumidores. A era da eficiência, que conduziu a uma consolidação sem
precedentes no setor, está se aproximando do fim. O esforço agora é na dire-
ção da cadeia de valor inteligente, em que a tecnologia e as ferramentas de
gestão, com foco na demanda, possibilitarão a execução de estratégias de
marketing, de gestão e de logística em estreita consonância com os interes-
ses reais dos consumidores.
Como essas forças de mudança atuarão ao longo do restante desta déca-
da? Alguns aspectos específicos podem ser vislumbrados. Em primeiro lugar,
os varejistas tenderão a ampliar o mix de produtos oferecidos a seus clientes
de forma a satisfazer as preferências cada vez mais variadas e multidimensio-
nais dos consumidores. Em contrapartida, formas mais sofisticadas de distri-
buição e reposição de estoques serão implementadas. Grandes empresas
como a Wal-Mart, que muitos acham que sofrerá um colapso, sucumbindo
sob seu próprio peso, não só sobreviverão, como abrirão novas frentes no
mercado varejista.
As grandes lojas de departamento, por outro lado, estão presas num cír-
culo vicioso provocado por uma competição crescente dos varejistas de mas-
sa1 e por lojas especializadas e de grife, o que tende a levar a consolidações e
retrações inevitáveis naquele tipo de comércio. No que se refere ao comércio
eletrônico, por sua vez, não se espera um aumento expressivo de participa-
ção no movimento total, mas terá efeitos profundos nas operações e na ges-
tão dos negócios.
1
Comerciantes que se apoiam num elevado giro de estoque e preços baixos, vendendo assim gran-
28 de quantidade de produtos.
A saturação do mercado varejista está rapidamente se tornando uma
realidade, limitando a instalação de novas lojas. Novas localizações de esta-
belecimentos varejistas estão se tornando menos produtivas, provocando
uma divisão da demanda entre um maior número de competidores. Essa si-
tuação leva a prazos de retorno dos investimentos mais longos, com riscos
crescentes de insucesso. Os varejistas serão cada vez mais forçados a buscar
novas formas de atingir o mercado. A expansão dos negócios, conseguida
pela conquista de fatias de mercado na mão de competidores, será cada vez
mais difícil, pois os grandes participantes tendem a renovar estrategicamente
sua atuação de forma a manter seu market share.
As lojas de varejo se tornarão mais inteligentes, adotando novas tecno-
logias para ampliar a utilização de seus espaços e para aumentar a produtivi-
dade de seus funcionários. Ao longo do tempo, se poderá notar a substitui-
ção de mão de obra por soluções tecnológicas que tenderão a eliminar a in-
terferência direta de pessoal. A utilização do M-commerce, ou seja, comércio
eletrônico móvel (Capítulo 3), não será forte no B2C, mas será bastante utili-
zado no B2B.
Alguns sites na Internet apresentam matérias interessantes sobre co-
mércio de uma forma geral. Destacamos os sites www.retailforward.com,
www.ideabeat.com, www.durlacher.com, www.idc.com e www.abras.com.br
entre outros.

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30
2
Da Logística ao
Supply Chain
Management

NESSES 60 anos decorridos desde a Segunda Guerra Mundial, a Logística


apresentou uma evolução continuada, sendo hoje considerada um dos ele-
mentos-chave na estratégia competitiva das empresas. No início era confun-
dida com o transporte e a armazenagem de produtos; hoje é o ponto nevrál-
gico da cadeia produtiva integrada, procurando atuar de acordo com o
moderno conceito de SCM – Supply Chain Management (Gerenciamento
da Cadeia de Suprimento). Neste capítulo, faremos um retrospecto sucinto
da evolução da Logística desde a Segunda Guerra Mundial até os dias de
hoje, período em que praticamente todo o processo produtivo e comercial
vem sendo reestruturado dentro dos princípios do SCM. Apesar de se tratar
de um assunto abordado na maioria dos livros da área, julgamos necessária
essa discussão, porque muitas das questões que virão a ser discutidas neste
texto, referentes à distribuição de produtos, farão referência a conceitos bá-
sicos importantes, abordados neste capítulo.

O QUE É LOGÍSTICA?
Na sua origem, o conceito de Logística estava essencialmente ligado às ope-
rações militares. Ao decidir avançar suas tropas seguindo uma determinada
estratégia militar, os generais precisavam ter, sob suas ordens, uma equipe
que providenciasse o deslocamento, na hora certa, de munição, víveres,
equipamentos e socorro médico para o campo de batalha. Por se tratar de
31
um serviço de apoio, sem o glamour da estratégia bélica e sem o prestígio das
batalhas ganhas, os grupos logísticos militares trabalhavam em silêncio, na
retaguarda.
Foi o que também ocorreu nas empresas durante um bom período de
tempo. Uma indústria precisa transportar seus produtos da fábrica para os
depósitos ou para as lojas de seus clientes; precisa também providenciar e ar-
mazenar matéria-prima em quantidade suficiente para garantir os níveis de
fabricação planejados. Por outro lado, em razão das descontinuidades entre
o ritmo de produção e de demanda, precisa manter produtos acabados em
estoque. Essas operações eram antigamente consideradas atividades de
apoio, inevitáveis. Os executivos entendiam então que, no fundo, tais opera-
ções não agregavam nenhum valor ao produto. Dentro da organização em-
presarial, esse setor era encarado como um mero centro de custo, sem maio-
res implicações estratégicas e de geração de negócios. Em linguagem de hoje,
diríamos que esse setor da empresa atuava de forma reativa e não proativa.
A maioria das indústrias, por outro lado, surgiu no chão da fábrica, gi-
rando em torno do processo de fabricação de uns poucos produtos, com o
restante da organização gravitando em torno da manufatura. Ainda hoje, no
Brasil e mesmo no exterior, se observa o poder que o setor da manufatura
desfruta em muitas indústrias. Isso pode ser observado também nos cursos
de Engenharia de Produção do país, os quais, na sua maioria, focalizam pre-
dominantemente o processo de fabricação industrial. Esse contexto ainda
colabora, em muitos casos, para que algumas empresas considerem as ativi-
dades logísticas algo secundário na organização empresarial.
Um elemento básico no processo produtivo é o distanciamento espacial
entre a indústria e os mercados consumidores, de um lado, e as distâncias en-
tre a fábrica e os pontos de origem das matérias-primas e dos componentes
necessários à fabricação dos produtos, de outro. O produto, ao sair da fábri-
ca, já tem um valor intrínseco a ele agregado, mas esse valor está ainda in-
completo para o consumidor final. Para que o consumidor possa usufruir o
produto em toda sua plenitude, é necessário que a mercadoria seja colocada
no lugar desejado. Por exemplo, a geladeira comprada por uma dona de casa
só gera seu valor intrínseco quando for instalada na casa da compradora e
passar a refrigerar os alimentos da família. O sistema logístico, mesmo o
mais primitivo, agrega então um valor de lugar ao produto. Um exemplo
anedótico desse importante elemento é o de um torcedor num estádio de fu-
tebol, em dia de final de campeonato e de muito sol, que reclama do preço
da cerveja ao vendedor ambulante. O vendedor, irritado, pergunta ao com-
prador por que não vai procurá-la num supermercado, cujo preço com cer-
teza é bem inferior. A existência da cerveja mais barata no supermercado, no
caso, não agrega valor para o consumidor, pois seu alcance geográfico está
32 fora de questão naquele momento.
O valor de lugar depende, obviamente, do transporte do produto, da fá-
brica ao depósito, deste à loja, e desta ao consumidor final. Por essa razão, as
atividades logísticas nas empresas foram por muito tempo confundidas com
transporte e armazenagem. No entanto, o conceito básico de transporte é
simplesmente deslocar matérias-primas e produtos acabados entre pontos
geográficos distintos. Com a evolução do sistema produtivo e do comércio,
esse elemento, embora importante, passou a não satisfazer isoladamente às
necessidades das empresas e dos consumidores. Vejamos um exemplo nega-
tivo, antilogístico por excelência, que pode nos ajudar bastante no entendi-
mento do contexto da moderna Logística.
No início da década de 1960, quando a indústria automobilística estava
sendo implantada no Brasil, as rodovias eram muito precárias. Os veículos
que saíam das fábricas, em São Bernardo do Campo, e eram destinados ao
Nordeste tinham duas alternativas de deslocamento: ir rodando até o desti-
no pelas estradas não pavimentadas, em caravanas (as carretas especializadas
ainda não existiam), ou ser transportados de navio, a partir do porto de San-
tos. No primeiro caso, o desgaste e os riscos de avaria eram muito grandes.
Assim, o transporte marítimo de cabotagem se apresentava como uma boa
opção alternativa. A Translor, empresa de transportes pioneira nesse setor e
hoje incorporada à operadora logística internacional Ryder, decidiu fazer
um embarque maciço de veículos, contratando praça num navio brasileiro
para transporte do carregamento até Recife. O navio, o Santópolis, era uma
embarcação velha e com manutenção precária. Saindo de Santos, o barco
perdeu o hélice logo à altura de São Sebastião, ficando à matroca em al-
to-mar (sem governabilidade, na linguagem naval).
O armador solicitou, então, socorro à Marinha, no Rio de Janeiro. Um
rebocador foi enviado ao local e conduziu o navio até a Baía da Guanabara.
Lá, ficou esperando para ser docado, enquanto os armadores buscavam um
hélice substituto nos estaleiros locais. A Marinha, analisando a carga,
concluiu que a embarcação poderia ser docada com os veículos a bordo, de-
vido à baixa densidade do carregamento. O embarcador, no caso a Translor,
tentou reaver parte do frete, pois foi obrigada a transferir a carga para outro
navio e seguir viagem. O valor dos automóveis embarcados era muito maior
do que o valor do navio, gerando custos financeiros elevados. O armador,
numa resposta totalmente antilogística, alegou que a “documentação do
transporte (o conhecimento) apenas indicava que a carga deveria ser entre-
gue em Recife, mas não dizia quando”. Ou seja, o transportador entregaria o
valioso carregamento de veículos em Recife tão logo os serviços de reparo fi-
cassem prontos, talvez uns dois meses após o acidente!
No antiexemplo descrito acima – um caso real – notamos que um outro
elemento muito importante passou a fazer parte da cadeia produtiva, o valor
do tempo. Isso porque o valor monetário dos produtos passou a crescer apre- 33
ciavelmente, gerando custos financeiros elevados e obrigando ao cumpri-
mento de prazos muito mais rígidos. Um caso típico de produto com extre-
ma restrição de valor de tempo é o jornal diário. Sua edição tende a ser feita o
mais tarde possível, de forma a incorporar as últimas notícias. Mas o valor de
sua leitura fica restrito a uma janela de tempo muito curta. Se o leitor não ti-
ver acesso ao jornal logo pela manhã (no caso de um matutino), o valor do
produto, para ele, fica prejudicado. Então, todo o deslocamento da redação
às bancas e à casa do assinante tem de ser realizado de forma muito ágil e
bem planejada. Neste caso, a logística de distribuição do jornal tem um forte
valor de tempo agregado ao produto. Hoje, em função da grande preocupa-
ção das empresas com a redução de estoques e com a busca da satisfação ple-
na do cliente, que implica a entrega do produto rigorosamente dentro dos
prazos combinados, o fator tempo passou a ser um dos elementos mais críti-
cos do processo logístico. No comércio eletrônico, as exigências do consu-
midor em relação ao cumprimento dos prazos são ainda mais severas (ver
Capítulo 3).
Admitindo que o produto seja deslocado corretamente desde a origem
até o destino dentro dos prazos preestabelecidos, ainda assim não estariam
completas as funções logísticas. Um elemento adicional, de grande impor-
tância na cadeia de suprimentos, é o fator qualidade. Por exemplo, conside-
re um carregamento de iogurte, saindo de um centro de distribuição e desti-
nado a um varejista. Suponhamos que o sistema de refrigeração do veículo
esteja defeituoso ou que foi criminosamente desligado pelo motorista duran-
te o percurso, com o objetivo de economizar combustível. Ao receber o pro-
duto no supermercado, a verificação da data de fabricação e do prazo de va-
lidade levaria à aceitação do lote. No entanto, poderiam ocorrer reclama-
ções dos consumidores sobre as condições do produto, prejudicando a ima-
gem do varejista.
Outro exemplo é a entrega de um determinado bem durável, mas na cor
errada. Uma pessoa que tenha comprado uma bicicleta, escolhendo a cor ver-
melha, acaba recebendo o produto em casa, na cor preta. Mesmo conside-
rando que o produto tenha as mesmas especificações, o mesmo preço e foi
entregue no momento prometido, ainda assim o valor de qualidade agregado
ao produto, na ótica do cliente, não será o mesmo. Observe que, em ambos
os casos, o produto saiu da fábrica sem restrição alguma de qualidade. Ou
seja, a qualidade intrínseca do produto foi respeitada. Mas ficou faltando,
nesses dois casos, a qualidade associada à operação logística. A logística mo-
derna deve incorporar então um valor de qualidade ao processo, sem o qual
o resultado final na cadeia de suprimento passa a ser prejudicado.
Hoje em dia, muitas empresas de ponta no exterior estão introduzindo
um elemento adicional a suas atividades logísticas: o valor da informação. A
34 FedEx (Federal Express), por exemplo, permite que o cliente rastreie uma
determinada encomenda pela Internet, a qualquer momento. Noutro caso,
montadora automotiva na Argentina pressionou o operador logístico situa-
do no ABC paulista a instalar um sistema de rastreamento de veículos e da
carga no percurso São Paulo–Buenos Aires. Por que essa exigência? Traba-
lhando com estoques e prazos apertados, a indústria automobilística em
questão não pode tomar conhecimento de situações emergenciais no último
instante. Acompanhando a evolução das remessas de componentes, a empre-
sa argentina pode tomar medidas corretivas tão logo constate alguma altera-
ção séria no processo. Esse caso é um exemplo vívido do valor da informação
na cadeia logística.
Um terceiro caso refere-se à transferência, ao cliente, de informações
importantes e de forma gratuita. Por exemplo, o fornecedor muitas vezes in-
corpora, em seu sistema de código de barras, informações importantes para
o comerciante, mesmo que tais informações não tenham aplicação direta em
sua empresa. Com isso tende a ganhar a preferência do cliente diante da con-
corrência, pois está adicionando um valor de informação a seus serviços lo-
gísticos.
Observamos então que a Logística Empresarial evoluiu muito desde
seus primórdios. Agrega valor de lugar, de tempo, de qualidade e de infor-
mação à cadeia produtiva. Além de agregar os quatro tipos de valores positi-
vos para o consumidor final, a Logística moderna procura também eliminar
do processo tudo que não tenha valor para o cliente, ou seja, tudo que acar-
rete somente custos e perda de tempo. Movimentos como o ECR e QR1 vi-
sam, entre outras coisas, ao enxugamento do processo logístico, com benefí-
cios diretos aos consumidores. A Logística envolve também elementos hu-
manos, materiais (prédios, veículos, equipamentos, computadores), tecnoló-
gicos e de informação. Implica também a otimização dos recursos, pois, se de
um lado se busca o aumento da eficiência e a melhoria dos níveis de serviço
ao cliente, de outro, a competição no mercado obriga a uma redução contí-
nua nos custos.
Assim podemos conceituar Logística adotando a definição do Council
of Supply Chain Management Professionals norte-americano:

Logística é o processo de planejar, implementar e controlar de maneira


eficiente o fluxo e a armazenagem de produtos, bem como os serviços e
informações associados, cobrindo desde o ponto de origem até o ponto
de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos do consumidor.

1
ECR: Efficient Customer Response; QR: Quick Response. 35
Na Figura 2.1 é apresentado um quadro sinóptico contendo os princi-
pais elementos conceituais da Logística. A Logística começa pelo estudo e a
planificação do projeto ou do processo a ser implementado. Uma vez plane-
jado e devidamente aprovado, passa-se à fase de implementação e operação.
Muitas empresas acham que o processo termina aí. Na verdade, devido à
complexidade dos problemas logísticos e à sua natureza dinâmica, todo sis-
tema logístico precisa ser constantemente avaliado, monitorado e controla-
do. Há inclusive uma especialização, denominada auditoria logística, que
executa de forma sistemática e permanente essas atividades de avaliação,
monitoramento e controle.

Processo de
planejar, operar, controlar

Fluxo e Armazenagem
Matéria-prima
Do ponto Produtos em processo Ao ponto
de Produtos acabados de
origem Informações destino
Dinheiro

Satisfazendo as
De forma econômica, necessidades e
eficiente e efetiva preferências
dos clientes

FIGURA 2.1 • Elementos básicos da Logística

Os fluxos associados à Logística, envolvendo também a armazenagem


de matéria-prima, dos materiais em processamento e dos produtos acaba-
dos, percorrem todo o processo, indo desde os fornecedores, passando pela
fabricação, seguindo desta ao varejista, para atingir finalmente o consumi-
dor final, o alvo principal de toda a cadeia de suprimento. Além do fluxo de
materiais (insumos e produtos), há também o fluxo de dinheiro, no sentido
oposto àquele. Há, ainda, fluxo de informações em todo o processo (Figura
2.2). Esse fluxo ocorre nos dois sentidos, trazendo informações paralela-
mente à evolução do fluxo de materiais, mas conduzindo também informa-
ção no sentido inverso, começando com o consumidor final do produto (de-
manda, preferências, mudanças de hábitos e de compras, mudanças no perfil
socioeconômico) e indo até os fornecedores de componentes e de maté-
36 ria-prima.
FORNECEDOR MANUFATURA DISTRIBUIDOR VAREJISTA CONSUMIDOR

FLUXO DE INFORMAÇÃO

FLUXO DE MATERIAIS

FLUXO DE DINHEIRO

FIGURA 2.2 • Fluxos logísticos

Todos esses elementos do processo logístico devem ser enfocados com


um objetivo fundamental: satisfazer as necessidades e preferências dos con-
sumidores finais. No entanto, cada elemento da cadeia logística é também
cliente de seus fornecedores. Assim, é preciso conhecer as necessidades de
cada um dos componentes do processo, buscando sua satisfação plena. Fi-
nalmente, operando num mercado eminentemente competitivo, não basta
adotar soluções tecnicamente corretas. É necessário buscar soluções eficien-
tes, otimizadas em termos de custo, e que sejam eficazes em relação aos obje-
tivos pretendidos.
Assim, a moderna Logística procura incorporar:

G prazos previamente acertados e cumpridos integralmente, ao longo


de toda a cadeia de suprimento;
G integração efetiva e sistêmica entre todos os setores da empresa;
G integração efetiva e estreita (parcerias) com fornecedores e clientes;
G busca da otimização global, envolvendo a racionalização dos proces-
sos e a redução de custos em toda a cadeia de suprimento;
G satisfação plena do cliente, mantendo nível de serviço preestabeleci-
do e adequado.

37
CADEIA DE SUPRIMENTO E SEU GERENCIAMENTO
Quando adquirimos um produto, não imaginamos o longo processo neces-
sário para converter matéria-prima, mão de obra e energia em algo útil ou
prazeroso. Muitas vezes, produtos complexos como o automóvel requerem
matéria-prima de natureza variada (metais, plásticos, borracha, tecidos) e
são montados a partir de um número muito elevado de componentes. Nou-
tros casos, como uma bandeja de ovos frescos, o produto é formado pelo ele-
mento básico (os ovos), mas há que se considerar também o suporte de plás-
tico, a etiqueta e o código de barras. Mas, na maioria dos casos, o caminho é
mais longo. Uma geladeira, por exemplo, utiliza componentes fabricados
por outras indústrias, como é o caso do compressor. A fábrica de compresso-
res, por sua vez, necessita de fios elétricos, metais e outros elementos para
sua produção, componentes esses fornecidos por outras empresas. O longo
caminho que se estende desde as fontes de matéria-prima, passando pelas fá-
bricas dos componentes, pela manufatura do produto, pelos distribuidores e
chegando finalmente ao consumidor através do varejista constitui a cadeia
de suprimento.
A cadeia de suprimento típica é mostrada na Figura 2.3. Fornecedores de
matéria-prima entregam insumos de natureza variada para a indústria princi-
pal e também para os fabricantes dos componentes que participam da fabrica-
ção de um determinado produto. A indústria fabrica o produto em questão,
que é distribuído aos varejistas e, em parte, aos atacadistas e distribuidores.
Esses últimos fazem o papel de intermediários, pois muitos varejistas não co-
mercializam um volume suficiente do produto que lhes possibilite a compra
direta, a partir do fabricante. As lojas de varejo, abastecidas diretamente pelo
fabricante ou indiretamente por atacadistas ou distribuidores, vendem o pro-
duto ao consumidor final. Há ainda outros aspectos não considerados na Fi-
gura 2.3, como a Logística Reversa e as operações de pós-venda.
Quando se fala na cadeia de suprimento, pensa-se imediatamente no
fluxo de materiais, formado por insumos, componentes e produtos acaba-
dos. Por isso, as setas na Figura 2.3 são orientadas de cima para baixo. Mas
esse não é o único tipo de fluxo na cadeia de suprimento, conforme vimos
anteriormente (Figura 2.2).
Há algumas décadas, as grandes indústrias produziam a maior parte dos
componentes necessários à fabricação de seus produtos. Isso ocorria, em
parte, porque conseguiam produzi-los com custos mais baixos. De outro
lado, por questões estratégicas e de poder econômico, não gostavam de ficar
na dependência de fornecedores. A tendência então era a verticalização in-
dustrial. Hoje, os conceitos de vantagem competitiva e de core competence
(Porter, 1986) estão presentes na definição das estratégias das grandes em-
presas. É mais proveitoso concentrar as atividades naquilo que a empresa
38 consegue fazer bem, diferenciando-a positivamente dos concorrentes e ad-
Fornecedores
de matéria-
prima

Fabricantes
de
componentes

Indústria
principal

Atacadistas
e
distribuidores

Produto
Varejista
acabado

Consumidor
final

FIGURA 2.3 • Cadeia de suprimento típica

quirindo externamente componentes e serviços ligados a tudo que não esti-


ver dentro de sua competência central (core competence). Assim, não somen-
te componentes e matérias-primas são hoje adquiridos de outras empresas,
como também serviços de variadas espécies: distribuição, armazenagem e
transporte de produtos e insumos, alimentação de empregados, estaciona-
mento e muitos outros (ver Capítulo 9). É claro que, nesse contexto, é muito
importante o adequado entrosamento entre as empresas participantes, com
um grau de confiança mútua elevado.
A atitude clássica das empresas numa fase preliminar da logística, e que
infelizmente ainda perdura em muitas organizações nacionais, era tirar a má-
xima vantagem de cada situação, visando, com isso, ganhar sempre dos con-
correntes, numa perspectiva imediatista. Por exemplo, com a integração
mais efetiva das empresas nos dias de hoje, é comum um lote de um certo
produto ser entregue atrasado à transportadora, mas com a documentação
indicando a data acertada previamente com o cliente, numa tentativa de pas-
sar a ineficiência de um dos participantes aos demais elementos da cadeia.
Esse tipo de atitude está obviamente ligado ao desbalanceamento de poder
entre as empresas participantes. Aquela que fala mais alto, mostrando seu
poder, acaba, muitas vezes, impondo situações irregulares aos elos mais fra-
cos da cadeia de suprimento.
39
Hoje, a visão desse processo é totalmente diferente. Chegou-se à con-
clusão de que os ganhos que podem ser obtidos através da integração efetiva
dos elementos da cadeia, com a otimização global de custos e de desempe-
nho, são mais expressivos do que a soma dos possíveis ganhos individuais de
cada participante, quando atuando separadamente. No jargão logístico, a
união dos participantes da cadeia de suprimento, buscando ganhos globais,
deve se transformar num processo ganha-ganha, em que todos ganham e
não somente uns em detrimento dos demais.
Mas, para se chegar a esse estágio de integração plena, com benefícios
globais expressivos, o caminho é árduo, requerendo a eliminação de inúme-
ras barreiras. Uma delas é o esquema organizacional da empresa, que precisa
ser revisto, modernizado. Outro requisito é a necessidade de um sistema de
informações bem montado e interligando todos os parceiros da cadeia. Tam-
bém é preciso implantar, nas empresas participantes, sistemas de custos ade-
quados aos objetivos pretendidos, permitindo a transparência de informa-
ções entre os parceiros da cadeia. Esse tipo de operação logística integrada
moderna é denominado Supply Chain Management (SCM), ou, em portu-
guês, Gerenciamento da Cadeia de Suprimento. A seguinte definição de
Supply Chain Management foi adotada pelo Fórum de SCM realizado na
Ohio State University:

SCM é a integração dos processos industriais e comerciais, partindo do


consumidor final e indo até os fornecedores iniciais, gerando produtos,
serviços e informações que agreguem valor para o cliente.

É importante notar que o novo conceito de SCM focaliza o consumidor


com um destaque excepcional, pois todo o processo deve partir dele, bus-
cando equacionar a cadeia de suprimento de maneira a atendê-lo, na forma
por ele desejada. Outro ponto importante a destacar é a integração exigida
entre todos os elementos da cadeia de suprimento. Há também o caráter es-
tratégico da Logística, dentro da conceituação moderna do SCM, que discu-
tiremos mais adiante neste capítulo.

EVOLUÇÃO DA LOGÍSTICA
Dividimos o processo de evolução da Logística em quatro fases, que analisa-
remos a seguir. A quarta fase corresponde ao moderno Gerenciamento da
Cadeia de Suprimento (SCM).

Primeira Fase: Atuação Segmentada


Conforme analisado no Capítulo 1, a moderna Logística praticamente se
40 originou na Segunda Guerra Mundial. Vimos que, após a guerra, a indústria
procurou preencher importantes lacunas de demanda existentes no mercado
consumidor (automóveis, eletrodomésticos, bebidas), aproveitando a capa-
cidade ociosa e os novos processos de produção em série. O marketing des-
ses produtos aproveitou o vácuo da desmobilização pós-guerra e foi centra-
do na família-padrão da época (pai trabalhando fora, mãe de prendas
domésticas, dois filhos em idade escolar). Os produtos, por sua vez, eram pa-
dronizados: geladeiras de tipo único, na cor branca; a Coca-Cola como refri-
gerante típico, e assim por diante.
Nessa época, não havia ainda os sofisticados sistemas de comunicação e
de informática disponíveis hoje. Quando um consumidor procurava deter-
minado produto numa loja, como uma geladeira, por exemplo, o vendedor
estava informado da disponibilidade daquele produto no estoque do depósi-
to. Ao vendê-lo, preenchia manualmente uma nota ou um pedido. Esse do-
cumento era então enviado ao depósito, que separava a geladeira do estoque
e programava sua entrega ao cliente. O nível de estoque era periodicamente
revisto. Nos momentos certos, fazia-se uma avaliação das necessidades do
produto. O varejista fazia então um pedido ao fabricante ou distribuidor, ne-
gociando preços, formas de pagamento e prazos de entrega. Nessa primeira
fase da Logística, o estoque era o elemento-chave no balanceamento da
cadeia de suprimento.
A Figura 2.4 ilustra essa situação. A manufatura produz um deter-
minado produto, no nosso caso a geladeira, e coloca o lote produzido no es-
toque do depósito da fábrica. À medida que os centros de distribuição, ataca-
distas ou grandes varejistas, vão necessitando do produto, os pedidos são en-
caminhados para o fabricante. Esses pedidos são então atendidos a partir do
estoque da fábrica. Esse estoque atua então como um pulmão entre a manu-
fatura e os depósitos e centros de distribuição, balanceando os fluxos na ca-
deia de suprimento. Muitos varejistas, por sua vez, colocam seus pedidos
junto aos centros de distribuição ou atacadistas. Os estoques nesses locais
servem assim de pulmão entre os depósitos e as lojas de varejo. Além dos três
estoques mostrados na Figura 2.4, ainda há os estoques de componentes e de
produtos em processamento na fábrica e, para trás, todos os estoques de ma-
téria-prima e de componentes nos fornecedores, e assim por diante. Os pro-
dutos que estão sendo transportados nos caminhões entre pontos diversos
da rede logística também formam estoques em trânsito.
Se pensarmos em todos os estoques ao longo da cadeia de suprimento
gerados por essa forma de operação, veremos que a quantidade total de ma-
terial parado é muito grande. Se considerarmos que o processamento dos
materiais ao longo da cadeia produtiva, nas várias etapas, vai agregando va-
lor ao produto (horas de trabalho, energia, capital investido em máquinas e
instalações), o custo financeiro de estoque tende a crescer exponencialmen-
te. A racionalização dos estoques passa a ser, assim, uma das estratégias com- 41
CENTRO DE
MANUFATURA DISTRIBUIÇÃO VAREJISTA

ESTOQUE ESTOQUE ESTOQUE

Subsistemas otimizados
separadamente, com estoques
servindo de pulmão

FIGURA 2.4 • Primeira fase da Logística

petitivas mais importantes das empresas modernas que participam da cadeia


de suprimento.
Na primeira fase da Logística, as empresas procuravam formar lotes
econômicos para transportar seus produtos, dando menor importância aos
estoques. Ou seja, o enfoque era centrado nas possíveis economias que
podiam ser obtidas com o uso de modos de transporte de menor custo, no
emprego de veículos de maior capacidade e na busca de empresas transpor-
tadoras com fretes mais reduzidos.
No que diz respeito aos métodos de controle dos estoques, ado-
tava-se na época tão somente o clássico critério EOQ (Economic Order
Quantity, Quantidade Econômica do Pedido). De acordo com esse enfo-
que clássico, os estoques são renovados de forma a minimizar a soma do
custo de inventário, do custo de transporte e do custo para elaborar o pe-
dido. Nessa época, fazer o pedido significava pesquisar os preços e as de-
mais condições de suprimento junto a vários fornecedores, utilizando,
para isso, o telefone, o correio ou recebendo os vendedores para entrevis-
tas diretas na própria empresa. É claro que, em tais circunstâncias, o custo
de se fazer um pedido era apreciável, pois se gastava muito tempo de re-
cursos humanos nessas operações.
Hoje, com as facilidades de comunicação e de processamento de dados,
o custo de efetuar um pedido é pouco expressivo, em muitos casos. Naquela
época havia também uma preocupação das empresas com os custos logísti-
cos, mas a visão era estritamente corporativa, cada empresa tentando reduzir
ao máximo seus custos, mesmo que em detrimento dos outros elementos da
cadeia de suprimento. Exemplo típico é o tratamento que se dá muitas vezes
às transportadoras, colocando-as numa guerra de fretes e utilizando serviços
precários de terceiros, com o objetivo imediato de conseguir níveis de frete
mais reduzidos. Essa situação, infelizmente, é ainda observada com certa fre-
quência em nosso país.
42
Segunda Fase: Integração Rígida
Aos poucos, os especialistas em marketing foram inculcando nos consu-
midores aspirações por produtos mais diferenciados. As geladeiras e auto-
móveis começaram a ser comercializados com mais cores, tamanhos diferen-
tes e com acabamentos diversos. Inicialmente ofereciam poucas opções, mas
foram sendo ampliadas. Novos produtos foram sendo incorporados ao lar,
como a televisão, os aparelhos de som, o forno de micro-ondas e muitos ou-
tros. No setor de supermercados, uma quantidade muito grande de novos
produtos alimentícios, como cereais matinais, café solúvel, salgadinhos, be-
bidas variadas, entre outros, passaram a ser incorporados aos hábitos ali-
mentares dos consumidores.
Esse aumento acentuado na oferta de produtos e de opções só foi possí-
vel porque os processos produtivos na manufatura foram se tornando mais
flexíveis, possibilitando maior variedade, sem aumento significativo nos cus-
tos de fabricação. A abertura apreciável do leque de produtos, mais as
diferentes opções de cores, tipos e tamanhos oferecidos aos consumidores,
ocasionou um aumento acentuado nos estoques ao longo da cadeia produ-
tiva. Com essa abertura, passou a ser necessária maior racionalização da ca-
deia de suprimento, visando menores custos e maior eficiência. Mas outros
fatores também colaboraram para isso.
No início da década de 1970 aconteceu a crise do petróleo, encarecen-
do subitamente o transporte de mercadorias. Como as operações logísticas
envolvem deslocamentos espaciais de mercadorias, os custos de transferên-
cia e de distribuição aumentaram subitamente, reduzindo as margens de co-
mercialização e encarecendo os produtos. Paralelamente, a concentração
crescente de pessoas nas regiões urbanas, juntamente com o crescimento da
frota de veículos, gerou a expansão territorial das cidades, os congestiona-
mentos de tráfego e as restrições de movimentação de caminhões no horário
comercial. Também nas rodovias, embora com menor intensidade, pas-
sou-se a observar congestionamentos mais frequentes, com aumento de cus-
tos e redução das velocidades médias. Como resultado, cresceram os custos
de transporte e de distribuição de produtos. Também os custos de mão de
obra foram aumentando, principalmente nos países mais desenvolvidos, co-
laborando adicionalmente para a elevação dos custos logísticos.
Um outro elemento que gerou novas alternativas de escoamento dos
fluxos logísticos foi a utilização intensiva da multimodalidade no transporte
de mercadorias. Usos combinados de caminhão, navio, trem, e mesmo avião,
começaram a ser explorados, visando à redução de custos e ao aproveita-
mento da capacidade ociosa nas diversas modalidades.
Não se pode esquecer também os efeitos benéficos da introdução da in-
formática nas operações das empresas na década de 1960. No começo, de
forma tímida, com o emprego de cartões perfurados e fitas magnéticas, subs- 43
tituindo apenas os procedimentos feitos manualmente, mas permitindo o
tratamento mais sofisticado de uma variedade de problemas. Por exemplo,
os modelos de otimização de estoques, de sequenciamento da produção no
chão de fábrica (job shop scheduling), de localização otimizada de centros de
distribuição, entre muitos outros, só foram possíveis de serem aplicados, na
prática empresarial, com o auxílio do computador.
Todos os elementos anteriormente analisados induziram as empresas a
uma maior racionalização de seus processos. Os elementos-chave de racio-
nalização foram a otimização de atividades e o planejamento. Nessa época,
o setor da manufatura tinha grande poder na indústria. Assim, o planejamen-
to da produção era realizado e implementado pelo setor de fabricação, se-
gundo seus próprios critérios e objetivos, e era alterado sem maiores consul-
tas às demais áreas da empresa. Essa prática, é óbvio, gerava estoques exces-
sivos em toda a cadeia de suprimento.
Uma forma de reduzir esses efeitos negativos era ampliar a abrangência
do planejamento, incorporando outros setores da empresa, bem como forne-
cedores e clientes. Mensalmente, os centros de distribuição da indústria con-
sultavam os varejistas, seus clientes, e faziam previsões de demanda. Essas pre-
visões eram então encaminhadas à sede, que compatibilizava as previsões e as
encaminhava à manufatura. Esta última elaborava o planejamento da produ-
ção e transmitia ao setor de compras as necessidades de matéria-prima e de
componentes referentes ao mês seguinte. Os fornecedores recebiam então as
previsões de compras, planejava-se a alocação de mão de obra para o mês, e
assim por diante. Esse enfoque está por trás de sistemas de programação da
produção do tipo MRP e MRP II (Corrêa e Gianesi, 1996).
Esse processo de planejamento permitia maior racionalização das ope-
rações empresariais, mas era falho num aspecto importante. Não havia ne-
nhuma flexibilidade nessa forma de planejamento: uma vez elaborado, per-
manecia imutável, pelo menos no papel. Isso porque a manufatura, sempre
que precisava alterar a programação da produção, o fazia trazendo transtor-
nos às demais áreas da empresa. Mas não era somente a manufatura a res-
ponsável por tais alterações. O setor de vendas muitas vezes fechava novos
contratos com clientes ou alterava as programações de vendas em carteira
sem consultar a manufatura. Fornecedores, por sua vez, atrasavam a entrega
de componentes ou matéria-prima, e assim por diante.
Podemos então caracterizar essa segunda fase da Logística como uma
busca inicial de racionalização integrada da cadeia de suprimento, mas ainda
muito rígida, pois não permitia a correção dinâmica, real time, do planeja-
mento ao longo do tempo. É o que mostra esquematicamente a Figura 2.5.
Já há uma integração de planejamento entre os elementos da cadeia de supri-
mento, mas essa integração ainda não é flexível, assemelhando-se a um duto
rígido de PVC ligando as partes.
44
Transporte Transporte Transporte Transporte

CENTRO DE
MANUFATURA VAREJISTA
DISTRIBUIÇÃO

Integração formando
um duto rígido, com
otimização dois a dois

FIGURA 2.5 • Segunda fase da Logística

Terceira Fase: Integração Flexível


A terceira fase da Logística é caracterizada pela integração dinâmica e flexí-
vel entre os agentes da cadeia de suprimento, em dois níveis: dentro da em-
presa e nas inter-relações da empresa com seus fornecedores e clientes. A in-
tegração das empresas, no entanto, ainda se dá duas a duas. Só na quarta fase
é que o conjunto de empresas que forma o Supply Chain se integra de forma
abrangente, cobrindo a cadeia de suprimento desde os fornecedores, passan-
do pela manufatura e o varejo, e indo até o consumidor final.
Na terceira fase, que começou em fins da década de 1980 e ainda está
sendo implementada em muitas empresas, o intercâmbio de informações en-
tre dois elementos da cadeia de suprimento passou a se dar por via eletrôni-
ca, através do EDI (Intercâmbio Eletrônico de Dados). Antes, as informações
sobre as operações eram levantadas manualmente, depois digitalizadas e
passadas ao computador. Assim, quando a informação se tornava disponível,
não havia mais condições de agir diretamente sobre grande parte das opera-
ções. Dessa forma, as informações serviam basicamente para uma avaliação
histórica, importante para a tomada de futuras decisões, mas sem serventia
para correções imediatas.
O desenvolvimento da informática possibilitou, na terceira fase de
evolução da Logística, uma integração dinâmica, de consequências impor-
tantes na agilização da cadeia de suprimento. Por exemplo, a introdução
do código de barras de forma extensiva nos supermercados possibilitou a
integração flexível das vendas com o depósito ou centro de distribuição,
fornecendo um importante mecanismo para controle de estoques. À medi-
da que o produto passa pelo check-out, os dados são registrados diretamen-
te no computador. Ao fim de um período determinado, o computador lo-
cal transmite os dados para o computador central, que faz um balanço en-
tre as vendas e o estoque disponível, definindo as remessas do produto para
as lojas da empresa. 45
Transporte

Transporte
Atacadista

Consumidor
Fábrica Varejista

Transporte
Fornecedor

Transporte
Transporte

DUTO FLEXÍVEL ADAPTÁVEL


ÀS CONDIÇÕES EXTERNAS

FIGURA 2.6 • Terceira fase da Logística

O EDI permite também o intercâmbio eletrônico de dados com forne-


cedores e clientes. Na segunda fase da Logística, a programação das opera-
ções era de difícil correção no dia a dia, pois o planejamento era rígido, co-
brindo períodos razoavelmente longos (em geral um mês). Na terceira fase,
em contrapartida, a introdução do EDI flexibiliza o processo de programa-
ção, permitindo ajustes frequentes. Se, na segunda fase da Logística, associa-
mos a cadeia de suprimento a um duto rígido de PVC, na terceira fase a analo-
gia é com a mangueira flexível, que interliga os elementos da cadeia, mas se
adapta instantaneamente às necessidades momentâneas do processo, na me-
dida das necessidades. Na Figura 2.6 é mostrada, de forma simbólica, essa
analogia.
Na terceira fase da Logística, passa-se a observar maior preocupação
com a satisfação plena do cliente, entendendo como tal não somente o con-
sumidor final, como também todos os elementos intermediários, que por sua
vez são clientes dos fornecedores que os antecedem na cadeia de suprimen-
to. Outra tendência notada nessa fase é a busca, aparentemente utópica, do
estoque zero. Sabemos que estoque zero é impossível de se obter, mas a ideia
por trás desse slogan é perseguir reduções continuadas nos níveis de estoque,
não se satisfazendo com resultados parciais, ou seja, a redução dos estoques
deve ser uma busca permanente, a ser obtida com melhorias paulatinas no
processo. Essa forma de atuar de forma sistemática e contínua está ligada à
ideia de kaizen dos japoneses (Alvarenga e Novaes, 1994) e foi aplicada com
sucesso na Toyota (Shingo, 1996).

Quarta Fase: Integração Estratégica (SCM)


Nas três primeiras fases da Logística, a integração entre os vários agentes da
cadeia de suprimento se dava basicamente em termos puramente físicos e
46 operacionais: troca de informações, fluxo de produtos e de dinheiro, acerto
de preços e de responsabilidades. Na quarta fase da Logística ocorre um sal-
to qualitativo da maior importância: as empresas da cadeia de suprimento
passam a tratar a questão logística de forma estratégica, ou seja, em lugar de
otimizar pontualmente as operações, focalizando os procedimentos logísti-
cos como meros geradores de custo, as empresas participantes da cadeia de
suprimento passaram a buscar soluções novas, usando a Logística para ga-
nhar competitividade e para induzir novos negócios. Os agentes da cadeia de
suprimento passaram a trabalhar mais próximos, trocando informações, an-
tes consideradas confidenciais, e formando parcerias. A Logística passou en-
tão a ser usada como elemento diferenciador, de cunho estratégico, na busca
de maiores fatias do mercado. As razões básicas para isso são a globalização e
a competição cada vez mais acirrada entre as empresas.
Um elemento novo, que passou a ser bastante utilizado nessa fase, é o
postponement (postergação), visando à redução dos prazos e das incertezas
ao longo da cadeia de suprimento. Um exemplo típico de postponement é o
da Benetton, que encomenda as confecções de suas roupas no Extremo Orien-
te (China, Coreia, Formosa) e tem de distribuí-las por suas lojas no mundo
todo. Sendo a moda bastante volátil, as previsões quanto às cores preferidas
pelos consumidores, numa certa estação, podem não se realizar plenamente.
Assim, confecções totalmente acabadas podem terminar encalhadas nas pra-
teleiras das lojas, caso sua coloração não esteja de acordo com as expectati-
vas do mercado na hora da compra. Por isso, a Benetton produz muitas de
suas roupas em cinza neutro (cor de fundo) e executa o tingimento em locais
mais próximos aos centros de consumo, pouco antes de distribuí-las às lojas.
O postponement é assim usado estrategicamente, de forma a melhorar a
atuação da empresa no mercado, sem prejudicar a qualidade do produto. O
estudo de caso apresentado ao fim deste capítulo ilustra bem a adoção desse
tipo de estratégia pelas redes varejistas de roupas da Europa.
Outro exemplo de postponement ocorre na distribuição de automóveis
na Europa e no Japão. Muitos dos acessórios de veículos fabricados na Fran-
ça e destinados à Espanha, por exemplo, vão sendo montados durante a via-
gem de trem, desde a fábrica até o destino. Limpadores de para-brisa, rádios,
frisos e outros componentes, que não exigem mão de obra e maquinário so-
fisticados, e que podem ser montados fora da fábrica, são agregados ao veí-
culo dessa forma. Ganha-se tempo com isso, mas reduzem-se também os cus-
tos de estoque, pois os componentes são entregues à montadora num esque-
ma just-in-time, pouco antes da partida do carregamento. No Japão se ob-
serva o mesmo sistema no envio de veículos novos aos Estados Unidos e Eu-
ropa. A montagem se dá a bordo, aproveitando a longa travessia de navio até
o porto de destino.
Outra novidade, surgida na quarta fase da Logística, é constituída pelas
empresas virtuais, também chamadas de agile enterprises (empresas ágeis) 47
no jargão da Logística. São fabricantes de produtos de grande valor agrega-
do, em geral eletrônicos, que se localizam junto a grandes aeroportos e que
atuam de forma ágil, tanto na ponta de marketing como na ponta dos forne-
cedores. Por exemplo, a empresa Dell, fabricante de microcomputadores,
que recebe pedidos customizados via Internet. Esses pedidos são automatica-
mente convertidos em encomendas de acessórios e componentes junto aos
fornecedores, também via Internet. Esses elementos são produzidos e envia-
dos rapidamente ao fabricante por via aérea, na forma de carga parcelada. A
indústria sem fumaça (smokeless industry) monta o aparelho e o envia rapi-
damente ao comprador. Na região de Dallas/Forth Worth, no Texas, foi im-
plantado um aeroporto que não atende passageiros, mas tão somente empre-
sas que usam intensivamente o transporte aéreo de mercadorias para agilizar
seus negócios. O sistema de comércio eletrônico via Internet, por outro lado,
pode ser também equiparado a esse tipo de atuação.
Também é característica dessa fase a crescente preocupação, sobretudo
na Europa, com os impactos da Logística no meio ambiente. Hoje se fala mui-
to em Logística Verde, sendo muito provável a exigência, num futuro próxi-
mo, do selo verde para as operações logísticas. Isso porque a globalização
ampliou, e muito, o transporte de insumos e produtos, congestionando cor-
redores importantes e aumentando a poluição ambiental. Também se vem
notando um crescente interesse pela Logística Reversa, que trata do processo
de recuperação de materiais diversos (alumínio, papel, plástico, baterias, pi-
lhas) através da reciclagem. Para que a reciclagem seja possível e economica-
mente viável, é preciso dispor de um sistema de coleta, transporte e tratamen-
to do material a ser aproveitado. Causa espécie, no Brasil, o fato de se obser-
var baixíssimo índice de reaproveitamento de papel pela indústria do setor,
quando, nos países desenvolvidos, esse índice é bastante significativo.
Mas a quarta fase da Logística se distingue principalmente das outras
pelo surgimento de uma nova concepção no tratamento dos problemas lo-
gísticos. Trata-se do SCM – Supply Chain Management (Gerenciamento da
Cadeia de Suprimento). Nessa nova abordagem, a integração entre os pro-
cessos ao longo da cadeia de suprimento continua a ser feita em termos de
fluxo de materiais, de informação e de dinheiro, mas, agora, os agentes par-
ticipantes atuam em uníssono e de forma estratégica, buscando os melhores
resultados possíveis em termos de redução de custos, de desperdícios e de
agregação de valor para o consumidor final. Há, assim, uma quebra de fron-
teiras, que antes separavam os diversos agentes da cadeia logística. Nas ou-
tras fases, cada elemento da cadeia de suprimento tinha um papel bem deli-
neado: o fornecedor entregava a matéria-prima para o fabricante, a indústria
fabricava o produto e o entregava ao varejista, e este o comercializava em
suas lojas. Na quarta fase essa separação já não é mais nítida, havendo uma
48 interpenetração de operações entre elementos da cadeia (Figura 2.7).
Varejista

D E
Consumidor
C
B Distribuidor
A
Manufatura

Fornecedor Fornecedor
matéria-prima componentes

INTEGRAÇÃO PLENA, ESTRATÉGICA


E FLEXÍVEL AO LONGO DE TODA A
CADEIA DE SUPRIMENTO (SCM)

FIGURA 2.7 • Quarta fase da Logística

Ao mesmo tempo em que se busca a redução de estoques e maior qua-


lidade do serviço logístico, a competição entre as empresas, num ambiente
globalizado, passou também a exigir custos reduzidos e prazos curtos no ci-
clo do pedido. Para se conseguir essa façanha de melhorar o nível de servi-
ço e ao mesmo tempo reduzir custos, as empresas lançaram mão, em larga
escala, da tecnologia da informação (IT, em inglês). Por outro lado, abrin-
do suas fronteiras antes muito protegidas, e buscando se concentrar nas ati-
vidades de seu core competence, as empresas de classe mundial passaram a
terceirizar muitas de suas atividades e buscaram parcerias com fornecedo-
res e clientes.
O intercâmbio de informações, mais do que nunca, é intenso nessa
quarta fase da Logística, mas o que a distingue significativamente das de-
mais são:

G ênfase absoluta na satisfação plena do consumidor final;


G formação de parcerias entre fornecedores e clientes, ao longo da ca-
deia de suprimento;
G abertura plena, entre parceiros, possibilitando acesso mútuo às infor-
mações operacionais e estratégicas;
G aplicação de esforços de forma sistemática e continuada, visando
agregar o máximo valor para o consumidor final e eliminar os des-
perdícios, reduzindo custos e aumentando a eficiência.

Um exemplo clássico desse novo enfoque é a fábrica de motores da


Volkswagen, em Resende. Os principais fornecedores simplesmente não en- 49
tregam componentes na fábrica: eles participam do processo de fabricação,
montando seus componentes nos motores e trabalhando em células na linha
principal (Pires, 1998). Esse tipo de integração é denominado consórcio mo-
dular. O ECR – Efficient Consumer Response (Resposta Eficiente ao Consu-
midor) é outro exemplo típico de gerenciamento da cadeia de suprimento e
que vem racionalizando a cadeia varejista.
Alguns autores preferem situar a Logística como uma parte do SCM –
Supply Chain Management. Neste texto, defendemos a ideia de que o SCM é
um aprimoramento, ou uma evolução, da Logística. Nas primeiras fases,
cada empresa procurava enfocar os problemas logísticos dentro de seus pró-
prios domínios. O SCM levou o processo evolutivo mais longe, integrando
efetivamente os elementos que participam da cadeia de forma estratégica e
sistêmica. Isso, sem dúvida, é uma evolução, ou aprimoramento, das práticas
logísticas tradicionais.
Ross (1998) discute com muita propriedade os contornos do SCM e da
Logística no Capítulo 1 de seu livro. Para esse autor, a gestão logística (Lo-
gistics Management) seria o braço tático do SCM. Então, dentro do conceito
do SCM, a Logística é realmente uma de suas partes. Mas, para que se che-
gasse aos modernos conceitos e práticas do SCM, foi necessário evoluir pau-
latinamente ao longo das diversas fases, até que se atingisse um estágio em
que a Logística estivesse desenvolvida o suficiente para viabilizar o SCM.
Hoje, porém, há muito que fazer sob o ponto de vista estritamente logístico,
pois muitas empresas ainda se comportam conforme as fases 1, 2 e 3. Para
que elas participem efetiva e eficazmente do SCM é necessário que cheguem
à terceira fase. Por essa razão, enfatizamos a evolução, porque ainda hoje
convivem formulações logísticas convencionais (fases 1, 2 e 3) e estruturas
logísticas mais avançadas, operando dentro do conceito de SCM. Ou seja, na
prática empresarial ainda se notam muitos processos logísticos isolados, que
não fazem parte de uma estrutura do tipo SCM. Por isso preferimos não afir-
mar categoricamente que a Logística é uma parte do SCM.

PARTICIPAÇÃO DA LOGÍSTICA NA ECONOMIA


Wilson (2005) estimou em 8,6% a participação da Logística (comercial, não
militar) na economia americana, em 2004. Em 1995, esse índice era de
10,4%, tendo havido assim uma redução de 1,8% no período 1995-2004.
Segundo o Centro de Estudos em Logística da Coppead, os custos logísticos
domésticos nos Estados Unidos equivalem a 8,26% do PIB (Lima, 2006).
Para o Brasil, o Centro de Estudos em Logística da Coppead estima em
12,6% do PIB os custos logísticos, dos quais 7,5% são representados pelo
transporte de carga (Lima, 2006).
50
Na Tabela 2.1 é mostrada a composição dos custos logísticos nos Esta-
dos Unidos. Os custos de transportes participam com 60,8% dos custos lo-
gísticos, seguidos pelos custos gerais (juros, impostos, obsolescência, depre-
ciação, seguros) com 24,7%, e por outros custos (armazenagem, despacho,
administração), representando 14,5%.

Tabela 2.1 Custos logísticos nos Estados Unidos (2004)


Valores em bilhões
de dólares % do total

Custos gerais

• Juros 23 2,3

• Impostos, obsolescência, depreciação, seguros 227 22,4

• Subtotal 250 24,7

Custos de transporte

• Rodoviário intermunicipal 335 33,0

• Rodoviário urbano 174 17,1

• Ferroviário 42 4,1

• Hidroviário 27 2,7

• Dutos (petróleo e seus produtos) 9 0,9

• Aéreo 31 3,8

• Subtotal 618 60,8

Outros custos

• Armazenagem 82 8,1

• Custos de despacho 26 2,6

• Administração da Logística 39 3,8

• Subtotal 147 14,5

Total 1.015 100,0

Fonte: Wilson, 2005.

É importante notar que, nos Estados Unidos, os custos logísticos estão


diminuindo em termos relativos. Em 1981, os custos logísticos representa-
vam 16% do PIB norte-americano, caindo para 8,6% em 2004 (Wilson,
2005). Na Figura 2.8 pode-se observar que os custos relativos de transporte
caíram aproximadamente 37% no período 1984-2004, enquanto os custos
de estoque caíram 55% nesse mesmo período.
51
100

90
Custo relativo em relação ao PIB

80

70

60

Total
50
Transporte
Estoque
40

30
1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004

Fonte: Wilson, 2005.

FIGURA 2.8 • Índices de custos logísticos globais nos Estados Unidos, período
de 1984-2004

Essa significativa queda nos custos logísticos é surpreendente. De fato, a


cadeia de suprimentos típica de nossos dias é formada por uma rede de em-
presas produtoras de matéria-prima, de componentes e de subsistemas, as
quais alimentam sistematicamente as grandes indústrias. Tempos atrás, mui-
tas das grandes indústrias preferiam produzir os insumos em suas próprias
fábricas, adotando a verticalização como estratégia central de suas ativida-
des. Hoje, a tendência é diametralmente oposta. O exemplo clássico é a in-
dústria automobilística moderna, formada por uma rede de fornecedores es-
palhados, não só pelo país, como também pelo mundo. Ora, essa pulveriza-
ção do esquema produtivo levou ao aumento das distâncias percorridas, for-
çando as despesas de transporte para cima, bem como os custos de armaze-
nagem e de inventário. Mas, surpreendentemente, os custos logísticos caí-
ram em termos relativos.
Várias razões explicam esse fenômeno. Em primeiro lugar, a desregu-
lamentação dos transportes nos Estados Unidos eliminou muito das inefi-
ciências do setor, tirando do mercado as empresas pouco competitivas e ra-
cionalizando a oferta. Acrescem-se a isso os ganhos de escala obtidos graças
aos crescentes volumes transportados. Em segundo lugar, o uso intensivo e
extensivo da Tecnologia da Informação possibilitou o melhor aproveita-
mento da frota, do pessoal e das instalações fixas. Por outro lado, as possi-
bilidades crescentes do uso da multimodalidade no transporte de carga
possibilitaram a redução dos custos, sem prejudicar os níveis de serviço exi-
gidos pelos clientes.
Suponhamos, por exemplo, que um certo componente seja fabricado
perto de Paris, na França, para uma montadora de automóveis situada em
52
BOSTON
HAVRE
N. YORK
MONTA-
ANTUÉRPIA DORA

PARIS
ROTTERDAM

DETROIT
Deslocamento
NAVIO
TREM
CAMINHÃO
FIGURA 2.9 • Combinações multimodais no percurso Paris–Detroit

Detroit. As necessidades da montadora são passadas automaticamente ao


fornecedor, via EDI ou Internet. Para enviar o pedido para os Estados
Unidos, um sistema do tipo ERP analisa as possíveis combinações de mo-
dalidades de transporte, desde a origem até o destino (Figura 2.9). O pe-
dido deve ser entregue na fábrica dentro de uma janela de tempo, ou seja,
não antes de uma data t1, nem depois de uma data t2. Dentre as possíveis
combinações de percurso e respeitando a janela de tempo, o sistema vai es-
colher aquela que apresentar menor custo total de transporte.
Suponhamos, então, que o sistema tenha escolhido o seguinte percurso:

G ferrovia, desde a fábrica (Paris) até o porto de Antuérpia;


G navio porta-contêiner, de Antuérpia até Nova York;
G ferrovia, de Nova York a Detroit.

Pode acontecer, por exemplo, um atraso do navio na saída de Antuér-


pia. O sistema, reavaliando os prazos e os custos, pode alterar dinamicamen-
te a sequência, selecionando o caminhão, que é mais rápido, para comple-
mentar o trajeto de Nova York a Detroit. Com isso, o SCM pode fazer uso de
modalidades de transporte mais econômicas (a ferrovia, no nosso exemplo),
mas garantindo o nível de serviço desejado pelo cliente em situações emer-
genciais.

LOGÍSTICA REVERSA
A Logística Reversa cuida dos fluxos de materiais que se iniciam nos pon-
tos de consumo dos produtos e terminam nos pontos de origem, com o obje-
tivo de recapturar valor ou de disposição final. Por exemplo, as latas de alu- 53
mínio, de refrigerantes e de cerveja são hoje coletadas por pessoas de baixa
renda, compactadas em volumes menores e retornadas às fábricas, num pro-
cesso de reciclagem economicamente importante, tendo em vista o custo re-
lativamente alto do metal. Esse processo reverso é formado por etapas carac-
terísticas, envolvendo intermediários, pontos de armazenagem, transporte,
esquemas financeiros etc.
Leite (2003) separa os canais de distribuição reversos em dois. Um deles
é formado pelos canais reversos de pós-consumo. Os produtos têm vida útil
variável, mas, após um tempo de utilização, perdem suas características bási-
cas de funcionamento e têm de ser descartados. Por exemplo, uma geladeira
usada, já sem serventia para seu dono original, pode ser vendida para uma
firma de conserto e comercialização de equipamentos de segunda mão. Ela é
transportada até a oficina, reparada e, uma vez revendida, conduzida ao
novo endereço.
A geladeira pode também ser desmontada e seus componentes comer-
cializados separadamente, num processo de reciclagem. Entende-se por reci-
clagem o processo em que componentes de produtos já usados sofrem trans-
formação de forma que a matéria-prima neles contida possa ser reincorpora-
da à fabricação de novos produtos. Exemplo típico é o do aço, em que a su-
cata proveniente de produtos descartados é misturada ao minério de ferro
nos altos fornos das indústrias siderúrgicas.
Muitas vezes o produto descartado, no todo ou em parte, já não tem ser-
ventia alguma para o processo industrial. Isso ocorre quando a reciclagem é
antieconômica ou quando há excesso de oferta no mercado. Nessas circuns-
tâncias, há necessidade de se garantir a disposição final para onde os produtos
não mais utilizáveis sejam colocados de forma segura para a população e para
o meio ambiente. Por exemplo, a disposição de pilhas e baterias usadas é hoje
um problema sério em razão da disseminação do uso de telefones celulares,
notebooks, aparelhos de som portáteis etc. O mesmo se dá com pneus.
Outro tipo importante de canais de distribuição reversos é o de pós-
venda. Nesse caso, incluímos o retorno de embalagens e a devolução de pro-
dutos ao varejista ou ao fabricante. Por exemplo, Rogers e Tibben-Lembke
(1998) mencionam que cerca de 25% dos produtos vendidos por empresas
de catálogo nos Estados Unidos são devolvidos pelos consumidores, seja
porque não serviram (no caso de roupas e de calçados), seja porque o
comprador não ficou satisfeito, seja por outra razão qualquer. Como esse
tipo de comércio se apoia na plena satisfação do consumidor e como o pro-
cesso de aquisição a distância é mais crítico, os varejistas aceitam esses níveis
excepcionais de devolução, que podem chegar a 35% em alguns casos.
O leitor interessado em conhecer mais profundamente esse assunto
pode ler o texto de Rogers e Tibben-Lembke (1998), disponível gratuita-
54
mente na Internet. São também referências importantes o livro de Leite
(2003) e o artigo de Ferrer e Whyback (2000).

A LOGÍSTICA NO BRASIL
Com a abertura da economia e a globalização, as empresas brasileiras pas-
saram a buscar novos referenciais para sua atuação, inclusive no domínio
da Logística. No entanto, os passos ainda estão muito tímidos, à mercê de
uma série de fatores. Há muitas empresas trabalhando ainda na primeira
fase, isto é, controlando seus fluxos logísticos através de estoques e tendo
seus diversos setores atuando de forma isolada. Outras operam na segunda
fase, tentando passar para a terceira fase. Essas empresas estão buscando
melhor articulação com seus fornecedores e adotando um planejamento
mais integrado de suas operações. Algumas delas já estão interligadas via
EDI, de forma a possibilitar maior flexibilização na entrega dos componen-
tes ou produtos acabados. Na quarta fase, em que se observa a integração
estratégica otimizada entre os participantes da cadeia de suprimento, no-
tam-se movimentos, como o ECR, mas de resultados ainda incipientes. De-
ve-se considerar, no entanto, que mesmo nos Estados Unidos, onde essa
evolução se iniciou há mais tempo, há também muitas empresas operando
na segunda e terceira fases, sendo poucas as que já conseguiram evoluir ple-
namente para a quarta fase.
Uma das limitações observadas nas empresas brasileiras, quanto às pos-
sibilidades de evolução em termos logísticos, é sua estrutura organizacional.
A clássica divisão da empresa em setores girando em torno de atividades
afins (manufatura, finanças, vendas, marketing, transporte e armazenagem)
não permite o tratamento sistêmico e por processo das operações logísticas.
Em alguns casos, o gerente de transporte e do depósito é promovido a geren-
te de logística, mas a organização continua a operar de forma estanque entre
seus diversos setores. Mais ainda, em razão do poder restrito que o setor de
transporte sempre recebeu dentro da empresa, o novo gerente, se tiver capa-
citação para tanto, praticamente não será ouvido pela administração supe-
rior da companhia na solução de conflitos. Acabará por ter unicamente um
novo título no cartão de visita, se tanto.
Há também casos em que a alta administração da empresa já reconhece
melhor as especificidades das funções logísticas, criando uma diretoria espe-
cífica e recrutando externamente um profissional gabaritado para assumi-la.
Mas, muitas vezes, o esquema de poder dentro da empresa acaba engessando
o executivo recém-chegado, deixando-o sem ação. Por exemplo, há o caso
de uma indústria de porte do setor alimentício que criou uma diretoria de
Logística, a qual acabou sufocada pela diretoria de Marketing, cuja área
apresenta interfaces importantes com a primeira.
55 55
Muitas vezes, as empresas nacionais, em lugar de se reestruturarem de
forma adequada para enfrentar os novos desafios logísticos, simplesmente
lançam mão de pseudossoluções, com resultados parciais e incompletos,
quando não contraproducentes. Por exemplo, não é incomum ver diretores
de empresas comprarem softwares de roteirização de veículos, achando que,
somente com isso, vão resolver os problemas logísticos da firma.
Há casos, como nas lojas de departamentos, em que os pontos de entre-
ga dos produtos (os domicílios dos consumidores) variam dia a dia, tornan-
do a aplicação de softwares de roteirização pouco prática. Para esses casos, o
mínimo a se esperar seria a busca de um aplicativo especialmente voltado
para esse tipo de problema ou o desenvolvimento de um programa customi-
zado. Há também o problema da base informacional precária. Os mapas di-
gitalizados e confiáveis, disponíveis nos Estados Unidos e cobrindo as redes
viárias urbanas e as rodovias, têm ainda poucos similares no Brasil. Algumas
tentativas vêm sendo realizadas, mas os custos de desenvolvimento são ca-
ros, uma vez que os órgãos governamentais (prefeituras, institutos de
controle fundiário e censitário), que deveriam fornecer os dados básicos,
possuem, na maioria das vezes, informações desatualizadas e incompletas.
Um outro aspecto que, de certa forma, dificulta os avanços das empre-
sas nacionais na direção da modernização de suas funções, fruto dos longos
anos de inflação elevada e de dificuldades econômicas, é a concentração de
esforços, por parte das empresas, nas funções puramente financeiras. Numa
época não muito distante, com taxas de inflação muito além do razoável, os
executivos de maior capacitação e criatividade gastavam uma parte expressi-
va de seu tempo em malabarismos financeiros, tentando manter suas empre-
sas à tona e deixando de aplicar maiores esforços no aprimoramento de seus
negócios. Hoje, ainda se notam resquícios dessas práticas, pois nossa econo-
mia está longe de apresentar aquele nível de estabilidade tão almejado pelos
brasileiros. O baixo crescimento da economia, por outro lado, com diminui-
ção acentuada na demanda por produtos e serviços, também contribuiu mui-
to para que não sobrasse fôlego às empresas para se modernizar. Essa mo-
dernização, embora não exigindo grandes inversões no caso da Logística, re-
quer, ainda assim, algum investimento em pessoal, equipamentos, atualiza-
ção dos recursos de informática, entre outros.
No que se refere à informática e ao tratamento da informação, os
problemas encontrados são bastante sérios. Muitas empresas vêm investindo
paulatinamente em informática ao longo do tempo (software e hardware), e
hoje possuem um número razoável de sistemas autônomos que não conver-
sam entre si e que são utilizados nas atividades rotineiras de operação e de
controle. No tratamento da moderna Logística, e principalmente no SCM, é
vital o acompanhamento das operações real time ao longo da cadeia de su-
56 primento. Assim, os sistemas computadorizados precisam operar de forma 56
integrada. Hoje, a utilização crescente de sistemas integrados de gestão
(ERP) tem facilitado essa integração, o que favorece a introdução das mo-
dernas técnicas logísticas nas grandes empresas. Nas demais, integrações de
sistemas do tipo data warehouse possibilitam também agilizar e modernizar
as operações logísticas.
Outra questão bastante presente nas relações entre empresas que atuam
numa mesma cadeia de suprimento é a dificuldade de se estabelecer entrosa-
mento mais profundo entre elas, com acordos reais de parceria. Muita des-
confiança impera nessas relações, com avanços lentos. Pior do que isso, há
muitos casos de transferência de ineficiência de um parceiro mais forte para
outro mais fraco. Por exemplo, o filho de uma professora da UFSC, que fazia
seu doutorado no Canadá, entrou na Internet e comprou um buquê de flores
para homenageá-la no Dia das Mães. Para isso, há uma rede virtual de flori-
culturas espalhadas pelo mundo, possibilitando a entrega em muitas partes
do globo. Só que o agente brasileiro, situado em São Paulo, despachou o bu-
quê como encomenda para Florianópolis, e o produto chegou murcho ao
seu destino. O valor de qualidade ficou assim totalmente prejudicado. Há
também muitos casos de indústrias que entregam produtos à transportadora
além do prazo indicado nas notas, forçando o transportador a assumir a res-
ponsabilidade pelo atraso. No transporte de produtos resfriados e refrigera-
dos, não são incomuns casos em que o motorista do caminhão desliga o siste-
ma de controle de temperatura da carga para economizar combustível, ligan-
do-o novamente quando se aproxima da cidade de destino.
O rol de situações esdrúxulas, como as relatadas, infelizmente é grande.
O importante a frisar é que a realização de parcerias com resultados efetivos
só pode dar certo quando as relações entre as empresas participantes forem
apoiadas em mútua confiança e em ações profissionais permanentes.
Há um aspecto adicional que dificulta sobremaneira a evolução das em-
presas brasileiras na direção da moderna Logística e do SCM. As operações lo-
gísticas são muitas vezes complexas e, para que as inter-relações entre os agen-
tes da cadeia de suprimento se desenrolem adequadamente, é preciso dispor
de um sistema de custos adequado. Por exemplo, um fornecedor que entenda
que a recepção de seus produtos no centro de distribuição do varejista está
sendo feita de forma excessivamente lenta deveria apresentar dados concretos
sobre os impactos nos custos e na redução de eficiência em seu sistema de dis-
tribuição. Para isso, deve dispor de um sistema de custeio que possa evidenciar
as principais relações de causa e efeito em suas operações. Só a boa vontade
entre as partes, sem que haja transparência nas informações e consistência dos
dados, não vai ajudar muito nos entendimentos. Em razão da importância des-
se assunto, incorporamos um capítulo sobre custeio ABC neste texto.
Nessa fase de queda de demanda por produtos e serviços, muitas vezes
as empresas competem entre si de forma desleal. Por exemplo, o transporte 57
rodoviário de cargas no Brasil está infestado de operadores arrivistas, sem a
mínima experiência e tradição na área, e que oferecem seus serviços com fre-
tes excessivamente baixos. Muito embora a busca pela redução de custos seja
uma constante na moderna prática logística, a qualidade e a confiabilidade
dos serviços são de fundamental importância. Um dos resultados dessa com-
petição ruinosa dos transportadores de carga no Brasil é a pouca evolução
observada nos últimos anos nesse setor, salvo algumas honrosas exceções.
Isso tem favorecido a entrada no país de grandes operadores logísticos inter-
nacionais, como Ryder, Penske, Maclane, TNT, Danzas, sem que boa parte
das transportadoras nacionais se capacite para competir efetivamente com
eles.

UMA FÁBRICA SEM FUMAÇA


Na atual fase de evolução da Logística, em que os problemas da cadeia de su-
primento passaram a ser tratados estrategicamente dentro do Supply Chain
Management, as fronteiras entre os fornecedores e a manufatura, e entre esta
última e o varejo, estão cada vez mais tênues. Antes, era a manufatura que
dava as cartas na cadeia de valor, impondo produtos, preços e prazos aos ata-
cadistas e varejistas. Com as experiências vividas pela Wal-Mart e outras ca-
deias varejistas, o cenário começou a mudar. Muitas das grandes empresas
de varejo já não se satisfazem mais em comercializar produtos prontos. É co-
mum definir suas próprias marcas e especificar vários produtos, indo atrás
dos fornecedores que lhes ofereçam melhor qualidade, preços mais baixos e
um bom serviço logístico. Tarefas, antes de domínio estrito do fabricante,
como projeto do produto, acabamento e montagem, estão sendo feitas, hoje,
por outros agentes da cadeia de suprimento.
Neste estudo de caso, procuramos focalizar um cenário bastante diferen-
te de nossa realidade brasileira. Apesar da crise asiática, ainda temos muito o
que aprender com a experiência de alguns países daquela região. À mão de obra
barata, que também dispomos, somam-se a agilidade empresarial e uma boa
infraestrutura logística, que ainda não temos no Brasil. O caso que apresenta-
mos a seguir é baseado em Young (2000), na entrevista de Victor Fung, presi-
dente da empresa Li & Fung, de Hong Kong, à revista Harvard Business Re-
view (Magretta, 1998; Novaes, 1999) e em Hagel III (2002).

A Empresa
Li & Fung é a maior trading exportadora de Hong Kong, e uma inovado-
ra no desenvolvimento do moderno gerenciamento da cadeia de supri-
mento num contexto globalizado. Fundada em 1906, em Cantão, sul da
China, pelo avô de Victor Fung, a empresa foi a primeira companhia ex-
58 portadora chinesa, numa época em que o comércio do país era controlado
por empresas estrangeiras. Sua única vantagem comparativa, na época de
sua criação, era que seus membros falavam inglês. No início do século
XX, uma carta do Ocidente gastava um mês para chegar à China. Merca-
dorias, por sua vez, demoravam três meses, no mínimo. Ninguém, nas fá-
bricas chinesas, falava inglês, e os comerciantes americanos, por sua vez,
não falavam chinês.
Na fase administrada pelo pai de Victor Fung, a empresa atuava basica-
mente como broker (intermediário), recebendo uma comissão para estabele-
cer contatos entre compradores e fabricantes de produtos. Mas, como mera
intermediária, a empresa estava sendo paulatinamente espremida entre os
clientes estrangeiros e as fábricas: recebendo 15% de comissão no início das
atividades, o percentual foi caindo cada vez mais, chegando a apenas 3% no
início da década de 1970.
Em 1976, Victor Fung lecionava na Harvard Business School e foi cha-
mado por seu pai, juntamente com seu irmão William, para dirigir a empre-
sa. A primeira constatação dos dois foi que brokers, como a Li & Fung, não
teriam mais do que 10 anos de vida, se tanto. A ideia era transformar o negó-
cio em algo diferente, desenvolvendo e implementando uma nova forma de
atuação para a empresa. A firma foi então se transformando, percorrendo
vários estágios de desenvolvimento.

Os Três Estágios de Evolução da Li & Fung


Num primeiro estágio, abriram filiais em Formosa, Coreia e Cingapura, que
passaram a atuar como agentes regionais, buscando fornecedores nesses paí-
ses. Os grandes clientes ocidentais tinham condições de comprar produtos
diretamente dos fornecedores, caso estes estivessem concentrados somente
em Hong Kong. Mas o processo se complicava quando os clientes tinham
que tratar diretamente com fornecedores de muitos países. Assim, a abertura
das filiais aumentava as vantagens competitivas, em razão do maior valor
adicionado ao serviço de intermediação.
O conhecimento sobre a qualidade dos produtos era também um ele-
mento positivo na atuação da Li & Fung. Por exemplo, os tecidos sintéticos
de Formosa eram os melhores, mas Hong Kong era o lugar onde se conse-
guia o melhor algodão. A empresa organizava então um “pacote” para um
determinado cliente, buscando em diversas fontes, nos vários países, os pro-
dutos que melhor atendessem às condições de qualidade e de preço. Pouco
depois, começou a agregar mais valor ao processo, passando a se responsabi-
lizar por pequenas montagens. Por exemplo, uma grande cadeia americana
de lojas de descontos encomendava um kit de ferramentas. A Li & Fung bus-
cava as chaves-inglesas num país, as chaves de fenda noutro, e assim por
diante, montando o kit antes de enviá-lo para o cliente. 59
Num segundo estágio de evolução da empresa, o salto qualitativo foi
maior. Até então, um cliente pedia à Li & Fung algo assim: “Este é o item de
que precisamos; por obséquio, vá atrás e ache o melhor local onde com-
prá-lo para nós.” Já de acordo com o novo modelo, um cliente, digamos um
grande varejista de roupas na Europa, procura a empresa com uma demanda
diferente: “Para a próxima estação, estamos pensando em lançar algo assim
– com este estilo, estas cores, nestas quantidades. Vocês poderiam desenvol-
ver para nós um programa de produção?” O cliente fornece então os sket-
ches preparados por seus estilistas.
O passo seguinte, para a Li & Fung, é pesquisar o mercado para encon-
trar o tipo certo de fibra, de forma a conseguir as cores e os resultados dese-
jados. Os fornecedores produzem amostras e a Li & Fung prepara alguns
protótipos. O cliente analisa as amostras e dá sua opinião: “Não, não gosta-
mos deste resultado, queremos este. Vocês têm condições de desenvolver
uma programação para nos entregar n peças desta aqui?” A partir da coloca-
ção do pedido, Li & Fung prepara um programa completo para a estação, es-
pecificando os componentes e o cronograma. Em seguida, trabalha em con-
junto com as fábricas, planejando e monitorando a produção de forma a ga-
rantir qualidade e as entregas nas datas certas.
Essa forma de combinar a manufatura e a distribuição de produtos perma-
neceu até a década de 1980, quando um novo tipo de desafio mudou de novo a
atuação da Li & Fung, levando-a ao terceiro estágio. À medida que os Tigres
Asiáticos foram emergindo, Hong Kong foi se tornando cada vez mais inacessí-
vel em termos de custo de manufatura, tornando-o pouco competitivo.
Um exemplo era a produção de radiotransistores baratos, que passaram
a ser fabricados em Formosa e na Coreia, fechando as fábricas de Hong
Kong. Nessa ocasião a China começava a abrir suas fronteiras ao comércio e
Hong Kong passou a aproveitar a situação para resolver seu problema de
custo elevado. Para isso, passou a canalizar a parte da produção intensiva em
mão de obra para ser feita do outro lado da fronteira, no sul da China. A Li
& Fung criou, para os radiotransistores, pequenos kits, na verdade sacos
plásticos, cada um contendo todos os componentes necessários para produ-
zir um aparelho. Esses kits eram então despachados para a China, para mon-
tagem. Quando pronto, o produto acabado voltava a Hong Kong para testes
e inspeção final. Esse esquema tinha condicionantes muito sérios. Por exem-
plo, se na preparação dos kits faltasse um único parafuso, toda a linha de
montagem parava, aguardando um tempo enorme para receber o elemento
faltante.
Essa quebra na cadeia de valor, na forma idealizada pela Li & Fung, era
um conceito novo na época. Eles a chamaram de manufatura dispersa. Nas
palavras de Victor Fung, sua empresa é, na verdade, uma fábrica sem fuma-
60 ça. Esse método de fabricação logo foi imitado por outras indústrias de
Hong Kong, trazendo novo alento e transformando a economia da região.
Entre 1979 e 1997, Hong Kong passou do 21o lugar na classificação mundial
de comércio exterior para o 8o lugar. Toda a manufatura acabou passando
para a China, ficando Hong Kong com a parte de comercialização, distribui-
ção e serviços em geral: 84% do PIB de Hong Kong passou a ser representa-
do por serviços. Aproximadamente 300.000 pequenas e médias empresas
atuam hoje em Hong Kong, com cerca de 40% delas de caráter transnacio-
nal, isto é, operando pelo menos em dois países. Algumas possuem 20 a 30
funcionários em Hong Kong, com uma fábrica na China comunista, onde
trabalham de 200 a 300 operários. Cerca de 50.000 fábricas localizadas no
sul da China, com aproximadamente 5 milhões de trabalhadores, são con-
troladas por empresas de Hong Kong.

Manufatura Dispersa e Cadeia de Valor


A dispersão espacial da manufatura de componentes, comum na indústria
automobilística, adquire características novas no tipo de operação realiza-
da pela Li & Fung. De fato, a produção de um veículo exige uma prepara-
ção de alguns anos, indo desde o projeto do carro, desenvolvimento do
maquinário e aparelhamento necessário, como também a definição das espe-
cificações das peças e componentes, seguida da contratação dos fornecedo-
res. No caso das operações da Li & Fung, o ciclo dura menos do que um
ano. A cada estação, as especificações dos produtos mudam à mercê da evo-
lução da moda. Isso requer uma agilidade muito grande, com a empresa ge-
renciando fatores logísticos e de transportes, mas também dissecando a ca-
deia de valor em busca da solução que atenda às exigências do cliente, com
o mínimo custo possível.
Um exemplo desse tipo de operação foi a produção de uma boneca, si-
milar à Barbie, lançada em meados da década de 1980. O projeto foi realiza-
do em Hong Kong, como também a produção dos moldes, que exigia máqui-
nas sofisticadas. Os moldes foram despachados para a China, onde se pro-
cessava a injeção do plástico, se fazia a montagem das bonecas também era
aplicada a pintura e confeccionadas as roupas. Todas essas operações são in-
tensivas em mão de obra, favorecendo a China como polo produtor. As bo-
necas eram então enviadas a Hong Kong, não somente para testes finais e
inspeção, como também para serem embaladas. Naquela época, não havia
na China o know-how necessário para imprimir as caixas com a qualidade
requerida. Uma vez embaladas, Li & Fung utilizava as boas facilidades de
transportes que servem Hong Kong para distribuir os produtos no mundo
todo. Nesse esquema, a empresa se incumbia de executar os dois extremos
da cadeia de valor, deixando para os chineses a parte intermediária, intensi-
va em mão de obra, e que não requeria muito know-how.
61
Gerenciar uma cadeia produtiva dispersa, na qual as coisas não aconte-
cem sob um único teto, requer uma real mudança de mentalidade. Mas, tão
logo Victor e William descobriram como enfrentar o problema, passaram a
pensar em ir além do sul da China. Se os salários fossem menores mais para o
interior da China, compensando os custos adicionais de deslocamento, por
que não ir até lá? Como resultado dessa abertura, Li & Fung passou a buscar
constantemente novas fontes de suprimento.
Em 1995, já com um bom capital amealhado nos vinte anos de atuação
à frente da empresa, os dois irmãos adquiriram a Inchcape Buying Services –
IBS, uma grande trading de origem inglesa, com uma rede bem estabelecida e
sediada em Hong Kong, e com filiais na Índia, Paquistão, Bangladesh e Sri
Lanka. Com isso, quase dobraram o volume de operações e estenderam sua
penetração geográfica a outras regiões do globo. Adicionalmente, a aquisi-
ção trouxe consigo uma base de novos clientes europeus, que complementou
a carteira de clientes até então predominantemente norte-americana.
Esse modelo de manufatura dispersa logo se tornou um novo paradig-
ma para toda a Ásia. Centros mais desenvolvidos tecnológica e empresarial-
mente, com custos de produção mais altos, passaram a se incumbir do plane-
jamento sofisticado, coordenando a manufatura distribuída regionalmente:
Bangkok trabalha com a península da Indochina, Formosa com as Filipinas,
e Seul com o norte da China. Hoje, a Li & Fung forma uma rede globalizada,
com 68 filiais localizadas em 68 países (www.lifung.com, agosto de 2003),
tendo faturado cerca de US$5 bilhões no ano 2002. Considerando uma mé-
dia, por baixo, de 200 empregados por fábrica, mais de um milhão de traba-
lhadores estão engajados em trabalhos voltados aos clientes da empresa.
Essa é uma das razões que afastam Li & Fung de qualquer segmento da ca-
deia de valor ligado diretamente à manufatura. Gerenciar diretamente o tra-
balho de mais de um milhão de trabalhadores seria uma tarefa hercúlea. A
empresa perderia toda a sua flexibilidade e teria dificuldade em coordenar e
ajustar a cadeia de suprimento na forma como vem realizando hoje.
Para Li & Fung, é fundamental que seus fornecedores considerem im-
portante para seus negócios os pedidos feitos pela empresa. Em geral, de
30% a 70% da capacidade de produção de cada fornecedor é direcionada às
encomendas da Li & Fung. Para muitos fornecedores, a participação de 30%
coloca Li & Fung como seu maior cliente. Por outro lado, Li & Fung não
quer a responsabilidade de ter os fornecedores totalmente dependentes de
seus pedidos.

Acompanhando um Pedido Típico


Um grande varejista europeu faz um pedido de 10.000 peças de roupa à Li &
62 Fung. Para esse caso particular, a Li & Fung decide comprar o fio de um pro-
dutor coreano, para posteriormente tecê-lo e tingi-lo em Formosa. Os japo-
neses, por sua vez, produzem os melhores zíperes e botões, mas esses compo-
nentes são manufaturados na China. Li & Fung se dirige então à YKK, um
grande fabricante japonês de zíperes, e coloca um pedido, no qual são espe-
cificados os requisitos desse componente a ser produzido na China.
Em razão de cotas e das condições trabalhistas, o melhor país da região
para produzir as peças de roupa é a Tailândia. Assim, todos os componentes
são despachados para lá. Como o cliente europeu exige pronta entrega, o pe-
dido é dividido entre cinco fabricantes tailandeses. Com esse esquema logís-
tico, Li & Fung consegue customizar a cadeia de valor de forma a melhor
atender às necessidades de cada cliente.
Cinco semanas após o recebimento do pedido, as 10.000 peças chegam
às prateleiras das lojas na Europa. Além do perfeito atendimento no que se
refere a tamanhos, padrões e quantidades, todas as peças apresentam o mes-
mo tipo de corte, com suas cores perfeitamente padronizadas.
Grandes fabricantes, liderados pela indústria automobilística, vêm apli-
cando o gerenciamento da cadeia de suprimento em nível globalizado. Hoje, a
montagem de produtos, como o automóvel, é relativamente simples. A parte
difícil do processo é o gerenciamento dos fornecedores e da distribuição, coor-
denando o fluxo de componentes e peças. No caso da Li & Fung, a empresa é
pioneira em estender aos grandes varejistas a capacidade de gerenciar a cadeia
de valor, criando produtos que são manufaturados de acordo com suas especi-
ficações e expectativas. Um dos objetivos do comércio, ao lançar mão do ge-
renciamento da cadeia de suprimento, é conseguir vantagens competitivas so-
bre seus concorrentes, através da comercialização de produtos atrativos ao
mercado, a custos razoáveis e dentro de prazos reduzidos. Os níveis médios de
estoque também tendem a cair, em razão da grande agilidade com que são
processados os pedidos. Por outro lado, tal prática, ajudando a atender me-
lhor as preferências do mercado, acaba diminuindo significativamente as so-
bras e as consequentes liquidações de produtos a preços reduzidos.

Compressão do Ciclo do Pedido


A moda, incluindo roupas, sapatos e outros produtos do gênero, está sujeita
a ciclos bastante apertados. As tendências da moda para uma nova estação
são normalmente lançadas nos desfiles dos grandes estilistas europeus. Esses
desfiles são acompanhados pelos criadores das principais cadeias varejistas.
Com base nas ideias absorvidas a partir dos desfiles de moda, os estilistas dos
grandes magazines desenvolvem, em seus ateliês, modelos, padronagens e
cores de forma a antecipar as expectativas do mercado. Esse tipo de mercado
está fortemente atrelado às preferências do consumidor, que, por sua vez,
são influenciadas pelas revistas de moda e pela mídia. 63
A tarefa de antecipar as preferências do mercado é uma dura missão. De
fato, não poucas vezes os criadores dos grandes magazines erram em suas pre-
visões, elaborando modelos que não vendem nas lojas ou especificando cores
um tanto deslocadas em relação às tendências do momento. Assim, quanto
mais tarde uma empresa varejista puder colocar seus pedidos de fabricação das
peças de roupa ou de calçados, mais tempo ganha para eventuais correções.
Isso significa que comprar mais perto do mercado (closer to the market) agre-
ga um valor de natureza mercadológica apreciável para o varejista. Por exem-
plo, considerando um prazo normal de três meses (13 semanas) para comple-
tar o ciclo do pedido, sua redução para cinco semanas significa um ganho de
oito semanas, que pode ser usado pelo varejista para melhor avaliar os rumos
do mercado. Esse ganho gera maiores lucros, pois aumenta as vendas e reduz
em muito os saldos ao fim da estação, que fatalmente levam a promoções e/ou
liquidações do produto, com preços bastante reduzidos.
O bom gerenciamento da cadeia logística retira tempos e custos supér-
fluos ao longo do ciclo do pedido. Para se conseguir ganhos apreciáveis no
caso de produtos de moda, os entrelaçamentos entre as atividades da manu-
fatura, do distribuidor e do varejista ocorrem com bastante frequência. Por
exemplo, a empresa Limited encomenda 100.000 peças de roupa à Li &
Fung, numa fase inicial de lançamento da moda, para uma certa estação.
Nesse ponto do processo, não se sabe ainda o estilo final ou as cores do pro-
duto. Essas informações são fornecidas à Li & Fung cinco semanas antes da
entrega. Num primeiro instante, a empresa Li & Fung reserva os fios neces-
sários, ainda sem tingimento, junto ao fornecedor desse insumo. Nas indús-
trias têxteis, é também reservada capacidade para produzir o tecido e tin-
gi-lo. Já aqui começa uma relação de confiança entre o cliente comprador, o
intermediário (Li & Fung) e os fornecedores.
Nesse processo de antecipação, os fornecedores ficam sabendo a data
em que deverão fabricar os componentes e as quantidades que vão produzir,
mas não sabem ainda os detalhes que lhes serão passados cinco semanas an-
tes da data da entrega. O mesmo processo é adotado nas relações com as ma-
nufaturas que produzem as peças de roupa. Num primeiro contato, não se
conhecem ainda as especificações do produto. A empresa Li & Fung comu-
nica aos fabricantes a quantidade de peças, bem como a data em que o teci-
do, as tintas e os demais elementos necessários à fabricação vão lhes ser re-
passados. O fabricante se compromete então a fabricar as peças em três se-
manas a partir do recebimento dos insumos.
Ao longo da cadeia de suprimento, a Li & Fung procura postergar, ao
máximo, toda a programação detalhada da produção, de forma a deixar livre
para o cliente varejista um tempo extra para afinar sua linha de produtos com
relação às tendências do mercado. Nota-se aqui a extrema relevância da atua-
64 ção da Li & Fung nesse processo: qualquer falha, seja por atraso de algum
componente, seja por erro de concepção ou fabricação, ou outro qualquer, e os
prazos acordados com o cliente ficarão comprometidos, desacreditando toda a
cadeia de suprimento. A importância de Li & Fung na cadeia de suprimento é
evidenciada pelo fato de que, considerando a existência de aproximadamente
15 etapas na cadeia de valor, Li & Fung é responsável por cerca de 10.

Redução de Custos e Crescimento Alavancado


O moderno gerenciamento da cadeia de suprimento se preocupa não só com
a agilização do processo, como também com a redução dos custos globais.
Na linguagem da Li & Fung, a empresa procura atacar os “3 dólares soft”.
Um produto que saia da fábrica, digamos, a um preço de US$1, acaba sendo
vendido por US$4 nas lojas do varejo. Reduzir os custos de produção de 10
ou 20 centavos de dólar é uma tarefa quase impossível hoje, pois todo mun-
do vem trabalhando nessa direção há tempo, e não há muito mais gordura a
ser queimada. Ou seja, esse US$1 é a parte hard do custo global. É melhor
atacar os custos que se distribuem ao longo da cadeia – que constituem os
chamados 3 dólares soft.
Por exemplo, os fabricantes preferem encher completamente um con-
têiner, pois os custos unitários de transporte são muito menores do que os
correspondentes à carga fracionada. Mas, se pensarmos no valor global da
cadeia vista como um sistema, em que se busca a redução do custo total,
pode ser mais vantajosa a opção por despacho fracionado. Suponhamos que
precisamos distribuir um conjunto de dez produtos, cada um deles produzi-
do por uma fábrica diferente e destinados a dez centros de distribuição. No
tratamento convencional do problema, cada fábrica despacharia um contêi-
ner cheio para a transportadora, que descarregaria os 10 contêineres, faria a
triagem e o novo carregamento destes, antes de encaminhar os lotes comple-
tos para cada centro de distribuição.
O que Li & Fung faz é deslocar um contêiner de fábrica para fábrica,
cada uma delas carregando um décimo da capacidade da caixa. Depois, o
contêiner, contendo o mix de produtos, é encaminhado diretamente ao
centro de distribuição correspondente. É claro que o custo de transporte
será maior. Também o carregamento dos contêineres precisa ser realizado
com maior cuidado. Mas o custo total do sistema será menor, porque a
transportadora que atuava como consolidadora da carga é eliminada do pro-
cesso (Hagel III, 2002).

Organização da Empresa
A maior parte das grandes tradings é organizada geograficamente, com as fi-
liais em cada país atuando como centros de negócio. Como resultado, fica 65
difícil gerenciar o processo sob o ponto de vista global da cadeia de valor.
Isso porque as filiais, em cada país, estarão competindo umas com as outras
nos negócios. Dessa forma, tentam definir um cliente-padrão, e procuram
produzir sistemas e processos que se ajustem à maior parte da clientela. Ou
seja, sua estratégia de negócio gira em torno dos produtos e serviços que ofe-
recem aos clientes. Estão, assim, dando maior ênfase à comercialização da
sua linha de produtos, embora afirmem estar focalizando as necessidades
dos clientes.
Li & Fung, por outro lado, procura organizar para o cliente. A unida-
de operacional básica da empresa é a divisão. Hoje, a empresa é formada
por aproximadamente 60 divisões. Sempre que possível, uma divisão é de-
dicada a apenas um cliente. Clientes menores, com necessidades semelhan-
tes, são agrupados em divisões específicas. Cada divisão é focalizada nas
necessidades do cliente, e são mantidas pequenas e com mentalidade forte-
mente empresarial. Sua receita varia de US$20 a 50 milhões cada uma. São
tocadas por executivos líderes, denominados “pequenos John Waynes”,
pela semelhança com o mocinho, montado numa carroça e dando tiros nos
bandidos à sua volta. Todas as decisões ligadas a um programa de produção
específico são de responsabilidade do gerente da divisão. Para as ações cria-
tivas do negócio, é dada ênfase ao comportamento tipicamente empresari-
al e, por isso, Li & Fung dá aos líderes das divisões liberdade operacional e
compensações baseadas em seu desempenho. As divisões podem ser vistas
como portfólios: quando o mercado se altera, a empresa pode criar ou fe-
char uma divisão quase instantaneamente, adaptando-se ao novo contexto
com grande rapidez.
Uma divisão típica é a Gymboree, uma das maiores de Li & Fung. Seu
staff de 40 pessoas tem escritório separado no edifício-sede da empresa, em
Hong Kong. Em cada escrivaninha há um microcomputador ligado ao
cliente Gymboree. O staff é organizado em times especializados em áreas,
como suporte técnico, merchandising, aquisição de matéria-prima, contro-
le de qualidade e despacho. Ada Liu, a gerente da divisão, controla técnicos
espalhados pela China, Filipinas e Indonésia, para as compras para o clien-
te, nesses países. Essas pessoas, que desempenham papel importante no
processo, são diretamente recrutadas pela gerente. Empresas trading só
conseguem ser eficientes quando pequenas. A Li & Fung tem conseguido
crescer rapidamente sem se burocratizar, para isso mantendo suas unidades
pequenas e independentes.
A administração central da companhia se incumbe do controle financei-
ro e dos procedimentos operacionais. A Li & Fung possui um sistema ope-
racional totalmente computadorizado para executar e monitorar os pedidos,
e todo mundo na empresa usa esse sistema. A direção da firma também con-
66 trola de perto o capital de giro. Nas palavras de Victor Fung, “estoque é a
raiz de todo o mal”. No mínimo, o estoque aumenta a complexidade do ge-
renciamento de qualquer negócio. Qualquer descuido, por outro lado, eleva
exponencialmente as necessidades de recursos financeiros. No que se refere
ao fluxo de caixa, a empresa é bastante conservadora. Victor Fung afirma
que poderia aumentar seus negócios de 10% a 20%, desde que desse crédito
aos clientes; no entanto, prefere agir com segurança nesse quesito: uma carta
de crédito é exigida de todo cliente antes que seu pedido seja executado.
Um aspecto importante na administração da empresa está ligado à for-
mação americana dos dois irmãos Fung. Victor diz que precisou, de início,
colocar de lado muito do que havia aprendido no Ocidente sobre adminis-
tração de empresas. A Li & Fung, que seu avô havia fundado, era um típico
conglomerado familiar chinês. Mesmo hoje, na Ásia, a maioria das empresas
é construída dentro desse modelo; no entanto, esse tipo de organização lida
essencialmente com poucas relações internas e externas. Durante a década
de 1980, por exemplo, a maioria dos magnatas asiáticos concentrava seus
negócios em atividades intensivas em propriedades, como imóveis e navega-
ção marítima. Para esse tipo de negócio, é requerido um pequeno número de
decisões, de valor muito elevado cada uma. Por exemplo, o empreendedor
decide se constrói ou não um edifício, ou se encomenda ou não um novo na-
vio supertanque. No início de sua atuação à frente da Li & Fung, os dois ir-
mãos foram obrigados a seguir o esquema oriental de administração.
Mas a Li & Fung de hoje administra sistemas grandes e complexos, sen-
do muito diferente da empresa criada em 1906. Num certo momento, mais de
50 compradores da empresa podem estar realizando centenas de transações
individuais na sede, em Hong Kong. É um grande número de decisões, de pe-
queno valor individual. A empresa tem uma atuação extremamente focalizada
no cliente, e adota um enfoque sistêmico constante em suas operações. Assim,
o aprendizado na Harvard Business School, deixado de lado num primeiro
instante, está sendo colocado em prática na atual fase da companhia.

Importância da Informação
A informação é, talvez, o ingrediente mais importante na fórmula de negócio
de Li & Fung. Diariamente são trocadas informações dos mais variados tipos
entre a empresa e seus inúmeros clientes, e entre ela e seus fornecedores. São
chamadas telefônicas, fax, intercâmbio de dados via Internet, bem como vi-
sitas pessoais in loco. Victor Fung acredita que logo a empresa vai precisar de
um sistema sofisticado de informação com arquitetura aberta, de forma a
acomodar os diferentes protocolos de fornecedores e clientes. Esse sistema
deve ser robusto o suficiente para atuar em Hong Kong e Nova York, mas
também em países como Bangladesh, onde o sistema de comunicação é mais
problemático.
67
Victor Fung descreve o executivo ideal de sua empresa, que vislumbra
para o mundo de hoje. Seria um elemento vestindo uma roupa de safári e ca-
pacete. Numa das mãos levaria uma machete e, na outra, um computador
portátil avançado e um aparelho de comunicação. Na prática, a empresa tra-
ta com relatórios convencionais de fornecedores de países emergentes. De
outro, a empresa está ligada diretamente aos pontos de venda de grandes va-
rejistas nos Estados Unidos e na Europa, recebendo dados precisos e instan-
tâneos, que lhe permitem reabastecer as lojas do cliente automaticamente.
Em outras palavras, a Li & Fung tem de estar preparada para atuar em re-
giões onde há muito o que fazer em termos de tratamento da informação, e
noutras onde já se está operando com tecnologia de ponta.

A Li & Fung na Internet


Depois de muita pesquisa de mercado, os irmãos Victor e William Fung deci-
diram abrir o portal www.lifung.com em agosto de 2000 (Figura 2.10). De
início, os dois tinham receio de que o portal B2B acabasse competindo com a
empresa tradicional. Mas depois perceberam que a Internet facilita bastante
a gestão da cadeia de suprimento. A chave, segundo eles, é possuir um forte
know-how empresarial conseguido dentro dos conceitos da velha economia,
mas ao mesmo tempo ficando aberto às ideias da nova economia.
Os estudos de mercado mostraram que havia um importante nicho ain-
da não explorado, formado por pequenas e médias empresas (PMEs). Cerca
de 69% dos grandes clientes da Li & Fung estavam localizados nos Estados
Unidos no ano 2000, e 27% na Europa. Assim, focalizaram prioritariamente
PMEs norte-americanas: varejistas com vendas individuais de até US$100
milhões por ano e atacadistas com giro anual abaixo de US$50 milhões.
Identificaram um potencial de 20.000 varejistas e 2.800 atacadistas, com fa-
turamento global de US$58 bilhões. Nas palavras dos irmãos Fung, o portal
que abriram na Internet é mais do tipo B2b, do que B2B, em razão do porte
dos novos clientes.
Esses pequenos clientes colocam pedidos relativamente pequenos, não
apresentando economias de escala, mas tradicionalmente as PMEs eram
obrigadas a pagar margens maiores aos importadores, variando de 25% a
30% do valor do pedido. Por outro lado, a Li & Fung cobrava cerca de 6% a
8% de comissão dos grandes clientes do setor de roupas, e 10% a 12% dos
demais clientes. Assim, as PMEs eram bons clientes em potencial, desde que
bem trabalhadas.
A solução foi adotar um esquema de customização em massa (consulte
o Capítulo 3). A empresa fornece aos clientes um leque de opções de produ-
tos básicos. Os pedidos das PMEs são agregados em grupos homogêneos à
68 medida que vão sendo colocados no site da Li & Fung. Formado um lote,
FIGURA 2.10 • O portal da empresa Li & Fung na Internet

passa-se à manufatura distribuída nos moldes usuais da empresa. Há assim


um ganho de escala apreciável. Depois, os produtos de cada cliente são sub-
metidos à diferenciação, variando as cores, os bolsos, o acabamento, a eti-
queta etc. (no caso de roupas). Com isso a Li & Fung consegue cobrar comis-
sões de 10% a 15%, bem menores do que as PMEs estavam acostumadas a
pagar aos importadores.

Reflexões
No Brasil, temos uma diversidade de recursos humanos, com regiões extre-
mamente carentes de emprego, em contraste com outras já bem desenvolvi-
das. Treinar pessoal para executar tarefas simples, como as observadas no
contexto asiático, não parece de difícil execução. Na verdade, já existem ini-
ciativas no Brasil, voltadas ao setor de confecções, e coordenadas por grupos
nacionais e internacionais. O que falta para que esse esquema de “manufatu-
ra dispersa” possa ser implantado no país, coordenado não por empresários
orientais, mas por empreendedores brasileiros?
Em primeiro lugar, seria necessário criar a competência técnica e opera-
cional, à maneira da Li & Fung, que possibilitasse gerenciar a cadeia de su-
primento dispersa, de forma eficiente em termos logísticos. A infraestrutura
logística, por outro lado, representada pelos modos de transportes, portos,
terminais, rodovias, burocracia governamental e outros componentes, é bas-
tante deficiente e desarticulada. Além do “custo Brasil”, as deficiências ob- 69
servadas impedem, hoje, a compressão do ciclo do pedido, na forma realiza-
da pela empresa Li & Fung. No entanto, é nossa meta competir eficiente-
mente no comércio internacional. Esse exemplo oriental nos deve servir, en-
tão, de estímulo.

Questões Propostas
1. Em qual das quatro fases da Logística você colocaria a empresa Li &
Fung? Justifique.
2. As operações da Li & Fung se enquadram dentro dos modernos
conceitos de gerenciamento da cadeia de suprimentos? Por quê?
3. Poderíamos classificar a Li & Fung como uma manufatura? Por quê?
4. Considere as seguintes funções logísticas: (a) suprimento, (b) manu-
fatura, (c) transportador (d) distribuidor, (e) atacadista, (f) repre-
sentante, (g) comerciante e (h) varejista. Quais dessas funções a Li
& Fung exerce? Justifique.
5. No texto, se fala muito pouco sobre o transporte de insumos e com-
ponentes dentro da região, bem como sobre a distribuição de pro-
dutos acabados a partir da Ásia para a Europa e para a América do
Norte. Discuta os requisitos e os condicionantes para que esse sub-
sistema logístico consiga oferecer satisfatoriamente o nível de servi-
ço exigido pelas operações da Li & Fung.
6. Como uma empresa do tipo da Li & Fung pode controlar a qua-
lidade dos insumos e dos produtos, bem como os prazos, numa
cadeia de suprimento tão dispersa espacialmente?
7. Discuta a questão da confiança entre a Li & Fung e seus fornecedo-
res e clientes.
8. Considere a seguinte situação para a fabricação de um certo tipo de
roupa no Brasil, destinada à exportação: (a) planejamento e coorde-
nação em São Paulo; (b) tecido produzido em Santa Catarina, na re-
gião de Blumenau; (c) zíperes e botões fabricados em Minas Gerais;
(d) confecção da roupa no Ceará e no Sul de Minas; (e) despacho
pelo porto de Santos. Você acha viável adotar o esquema da Li &
Fung para as condições hoje vigentes no Brasil? O custo final seria
competitivo? Discutir os efeitos de tal prática no desempenho logís-
tico final, caso esse sistema fosse implantado.
9. Em relação à Questão 6 discuta os condicionantes culturais que fa-
voreceram a adoção da “manufatura dispersa” na Ásia e faça um pa-
ralelo com as condições vigentes no Brasil.
10. Em uma época em que um grande número de empresas ponto.com
saiu do mercado quase vertiginosamente, a Li & Fung virtual pare-
70
ce estar indo muito bem. Discuta as vantagens competitivas que a
empresa conseguiu incorporar somando seus conhecimentos obti-
dos na prática direta com o maior alcance propiciado pela Internet.

BIBLIOGRAFIA
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72
3
Os Desafios
do Comércio
Eletrônico

O QUE É COMÉRCIO ELETRÔNICO?


Vimos, no Capítulo 1, que o comércio é a troca de produtos e de serviços por
dinheiro. Excetuando o escambo, em que se troca um tipo de produto por
outro, o pagamento nas transações comerciais é feito com papel-moeda, che-
ques, ordens bancárias, cartões de crédito ou outra forma qualquer de repre-
sentação do numerário. Quando o consumidor concretiza sua compra, é fei-
to então o pagamento ao comerciante. Essa operação financeira, nas transações
convencionais, era realizada e controlada manualmente até um tempo atrás,
passando a ser efetuada por meios eletrônicos de forma cada vez mais acen-
tuada nos últimos anos. Nas transações convencionais, as preocupações com
segurança são bem menores, uma vez que as partes estão fisicamente presen-
tes na hora da operação, possibilitando a verificação in loco do produto e do
numerário. Com o uso acentuado do cheque e do cartão de crédito nas tran-
sações comerciais, o nível de segurança para o comerciante diminuiu, sendo
parcialmente compensado pelas autorizações por via eletrônica, no caso dos
cartões de crédito, e pelo auxílio dos órgãos de informação sobre o crédito
dos consumidores, no caso dos cheques.
A etapa seguinte na evolução do comércio foi a de incorporar transa-
ções via qualquer outro meio eletrônico, tal como fax, Internet, televisão in-
terativa ou telefonia móvel. A primeira forma de transação já tem um históri-
co razoável, principalmente na América do Norte. As duas últimas, por se-
rem recentes, estão ainda em desenvolvimento, sendo testadas nas suas for- 73
mas de comercialização e de troca de dados, bem como no que diz respeito
ao gerenciamento logístico e às medidas de segurança. Mais particularmen-
te, é a Internet que vem abrindo hoje um espaço nunca antes imaginado para
as transações comerciais.
A Internet é uma rede de computadores que, na década de 1980, se es-
palhou pelo mundo, crescendo explosivamente a partir de 1985. Numa pri-
meira fase, se restringia à transmissão de mensagens (e-mail) através da rede
de computadores que lhe davam forma. Em 1989, surgiu a World Wide Web.
A WWW não é mais do que um conjunto de regras que governam a formação
de uma biblioteca de arquivos (textos, figuras, sons e vídeo), que são manti-
dos nos computadores que dão corpo à Internet, podendo ser transmitidos
de um endereço para outro. O nome “web” (teia, em inglês) vem do intrica-
do universo de possibilidades de interligações entre os arquivos disponíveis
na rede.
Posteriormente, por volta de 1993, surgiram softwares que tornaram
mais amigável a navegação na Web. O conceito de browse,1 introduzido pela
Netscape nessa época, possibilitando a passagem de um site para outro com
um simples clique do mouse, tornou bastante fácil a navegação. A partir de
1994, as possibilidades de negócios na Web foram plenamente percebidas
pelos agentes econômicos, iniciando assim uma nova fase, de cunho nitida-
mente comercial. De repente, a Internet se tornou uma via de duas mãos,
que pode levar, de forma integrada, mensagens anteriormente transmitidas
separadamente pelo telefone, televisão, rádio e correio (Machfoedy e Ais-
trich, 1999).
No Brasil, o tráfego de informações na Web ainda é realizado predomi-
nantemente através do sistema telefônico comum. Como consequência, as
operações são muitas vezes lentas, desencorajando o consumidor potencial a
efetivar suas compras. Já na segunda metade da década de 1990, empresas
de telefonia e de televisão a cabo desenvolveram o acesso em banda larga,
projetado expressamente para transmitir dados em grande quantidade e ve-
locidade. No mundo, a adesão a essa nova forma de acesso à Internet tem
sido muito rápida, crescendo cerca de 120% ao ano. No entanto, até fins de
1998, menos de 1% dos lares norte-americanos que tinham acesso à Internet
havia aderido a esse novo sistema. Em fevereiro de 2003, esse índice já havia
subido para 33%. Em 2006 (fevereiro), 68% dos usuários da Internet, nos
Estados Unidos, utilizavam banda larga. No Brasil, a banda larga atinge ape-
nas 1,9% da população, enquanto esse índice é de 4% no Chile e de 26,2%
na Coreia do Sul. Para 2010, a projeção indica cerca de 10 milhões de cone-
xões de banda larga no país (Longo, 2006). Considerando que tais ligações

1
74 Ato de folhear aleatoriamente as páginas e as linhas de um texto na tela.
correspondem a domicílios com renda relativamente alta, seu impacto no
comércio eletrônico tende a ser bastante forte. De fato, espera-se um aumen-
to significativo no movimento geral do comércio eletrônico à medida que a
banda larga vá sendo adotada em maior escala, como resultado da agilização
na comunicação entre os compradores e as empresas vendedoras.

CARACTERÍSTICAS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO


Os principais elementos que distinguem o comércio eletrônico do tradicio-
nal são os seguintes:

G Comunicação: os serviços de comunicação dão suporte às trocas de


informação entre os compradores e os vendedores. No EDI tradicio-
nal,2 o meio para troca de informações é tipicamente uma VAN – Va-
lue Added Network,3 formando uma rede de propriedade de um pro-
vedor particular e adotando, por exemplo, protocolos como o ANSI
X12 e UM/EDIFACT. Uma rede EDI desse tipo é fechada, atendendo
unicamente os parceiros que participam daquela VAN. Atendendo à
necessidade de estabelecer formas de comunicação padronizadas na
Internet, a World Wide Web Consortium patrocinou, em 1996, o de-
senvolvimento do protocolo XML, uma linguagem computacional
projetada para transferir grande quantidade de dados através de sis-
temas eletrônicos de informação. Essa linguagem supera as limita-
ções dos sistemas tradicionais de intercâmbio de dados, fornecendo
um meio padronizado para descrever, processar, transmitir e apre-
sentar os dados (Lawrence, Jenningse Reynolds, 2003). A Internet
emprega um protocolo próximo ao XML, o HTML (Hypertext Mar-
kup Language).
G Dados: o serviço de gerenciamento de informações, no comércio ele-
trônico via Internet, desempenha dois papéis principais importantes.
Em primeiro lugar, permite que se criem e se mantenham bases de
dados necessárias para fornecer informações de diversos tipos aos cli-
entes. Em segundo lugar, um site de comércio eletrônico na Internet
permite que se levantem informações sobre os usuários, à medida que
navegam pelo site. Uma forma de se fazer isso é a implantação de coo-
kies, que são pequenos arquivos colocados pelo servidor nos compu-
tadores dos clientes potenciais e que permitem a recuperação de va-
liosas informações sobre eles. Utilizando técnicas estatísticas sofisti-
cadas, os analistas descobrem pistas de grande valor para as vendas e

2
EDI, Electronic Data Interchange, ou Intercâmbio Eletrônico da Dados.
3
Rede com valor adicionado. 75
para o marketing, envolvendo perfil do consumidor, preferências,
hábitos de compra (horários mais utilizados, dias do mês, volume de
compras etc.). Mesmo não fazendo uso dos cookies, os provedores
podem colher informações importantes sobre seus clientes a partir de
seus hábitos e frequência de compras, faixa etária, sexo etc.
G Segurança: os mecanismos de segurança hoje existentes na Internet
autenticam a fonte de informação e garantem a integridade e a priva-
cidade na troca de informações. Esses mecanismos de segurança são
de grande importância nesse tipo de atividade porque, ao contrário
das transações tradicionais, o comércio eletrônico não implica a pro-
ximidade física entre comprador e vendedor no momento de se efeti-
var a transação. Infelizmente, à medida que vão sendo conseguidos
avanços nas técnicas de segurança eletrônica, os hackers acabam en-
contrando novas formas de ludibriá-las.

As principais vantagens do comércio eletrônico, quando comparado


com a forma de transação tradicional, são:

G Inserção instantânea no mercado: os produtos ou serviços ficam


imediatamente expostos, tanto em nível nacional, como internacio-
nalmente. Esse é obviamente um fator positivo, mas gera muitas ve-
zes expectativas não atendidas por parte da clientela como, por
exemplo, a não disponibilidade de entrega dos produtos em muitos
lugares. Há casos, no entanto, em que esse grau de agilidade pode
trazer problemas para o e-varejista. Em setembro de 2005, por exem-
plo, um erro no sistema computacional da empresa Submarino.com
permitiu que vários consumidores conseguissem descontos maiores
do que o previsto no site da companhia. Um DVD de R$14,90, por
exemplo, acabava saindo de graça. Ao descobrir a falha, o Submarino
cancelou todas as compras efetuadas dessa forma. Mas, nem sempre
é possível reaver o prejuízo e, além disso, a imagem da empresa pode
ser afetada.
G Relações mais ágeis: o comércio eletrônico possibilita a agilização
das relações entre consumidores e vendedores.
G Redução da assimetria informacional: no comércio tradicional, o
consumidor faz suas decisões de compra apoiado num conjunto res-
trito de informações sobre preços, qualidade do produto, serviços
etc. Isso porque fica limitado, no tempo e no espaço, a um universo
menor de opções. Ou seja, a chegada de informações aos inúmeros
clientes, provenientes dos diversos varejistas, se dá de forma assimé-
76 trica na situação tradicional, isto é, alguns consumidores acabam sen-
do melhor informados do que outros. A Web diminui de forma ex-
pressiva essa assimetria, pois permite a análise rápida e abrangente de
ofertas, sem grande esforço. Mas ocorre, é claro, outro tipo de assi-
metria informacional: somente um grupo menor de pessoas, com
acesso à Internet, pode tirar proveito dessa vantagem.
G Redução da burocracia: o uso e a guarda de papéis são reduzidos, ga-
nha-se tempo, os erros diminuem e muitos custos operacionais e ad-
ministrativos são cortados.
G Análise mercadológica facilitada: o registro de informações dos clien-
tes e das transações por via eletrônica permite seu uso posterior no
desenvolvimento de novos produtos ou serviços, bem como na defi-
nição de novos enfoques mercadológicos.

Apesar das inegáveis vantagens do comércio eletrônico, alguns proble-


mas ocorrem nesse tipo de transação, embora a maioria deles esteja sendo tra-
tada, hoje, de forma a superá-los ou reduzir seus efeitos negativos. São eles:

G Fraude: as informações pessoais inseridas no site da empresa podem ser


utilizadas fraudulentamente por terceiros para efetuar saques em contas
bancárias, para realizar compras via Internet ou mesmo para implantar
vírus no computador do e-consumidor. Por exemplo, em setembro de
2003 uma mensagem apareceu nas telas dos computadores brasilei-
ros prometendo um home theater ou um vale-compras no valor de
R$1.859,00 a quem clicasse num falso link da loja virtual Submari-
no.com. Na falsa mensagem, que pretensamente teria sido enviada pela
empresa, o link remetia o incauto internauta para um site pirata. Trata-
va-se de mais um golpe para instalação do vírus trojan. As imagens apre-
sentadas no texto eram verdadeiras, mas encontravam-se hospedadas
num provedor gratuito, o Tripod. Ao dar atenção ao convite malicioso,
o internauta corria o risco de ganhar não um home theater, mas um tro-
jan de presente. Hoje, sistemas de dados com base criptográfica estão
reduzindo essas possibilidades de forma significativa.
G Impostos: uma vez que a Internet forma uma rede global, não restrin-
gindo as operações entre países e entre estados ou províncias, apare-
ce o problema da taxação e da cobrança de impostos entre fronteiras.
Mesmo dentro de uma determinada região, como controlar as tran-
sações via Internet sob o aspecto fiscal?
G Propriedade intelectual: a proteção da propriedade intelectual se
torna um problema maior no comércio eletrônico, pois as informa-
ções se tornam disponíveis mais facilmente, possibilitando a cópia
ilegal de material escrito, marcas, produtos e serviços.
77
G Confidencialidade: a troca de informações entre fornecedores e com-
pradores é muitas vezes violada eletronicamente por terceiros, que po-
dem utilizá-las para outras finalidades, sem autorização das partes.
G Confiança: sendo virtuais por sua própria natureza, tanto o vende-
dor como o comprador não têm uma base física de referência para
dar apoio à transação, em caso de dúvida ou divergência. Por exem-
plo, o vendedor pode ser uma empresa fictícia, desaparecendo da
Internet tão logo ludibrie um certo número de incautos. Nas transa-
ções tradicionais, realizadas em lojas ou pontos de venda do fornece-
dor, o comprador tem um ponto de referência para onde se dirigir
em caso de dúvida ou necessidade.

Antes de entrar em mais detalhes sobre o comércio eletrônico, é impor-


tante analisar as diferentes formas de troca de informações na Internet, pois
esse aspecto é a base de muitos dos conceitos que permeiam essa forma de
transação.

Tipos de Informação nas Transações Comerciais


Para a realização plena e satisfatória de uma transação comercial, seja ela fei-
ta entre duas firmas, seja realizada entre uma pessoa física e uma empresa,
observa-se uma troca de informações entre as partes. A demanda por infor-
mação é bastante variada, mas podemos classificá-la em quatro grupos prin-
cipais, que serão discutidos a seguir.

Informações Técnicas
Esse tipo de informação ocorre na comunicação comprador-vendedor e en-
volve aspectos técnicos relacionados com o produto. É muito usada nas tran-
sações entre empresas, procurando responder às necessidades de informação
do comprador, na aquisição de matérias-primas e de componentes necessários
à fabricação de seus produtos. É o caso de uma empresa-cliente ao abrir o
site de um fornecedor, que oferece uma extensa linha de produtos, com dife-
rentes especificações. O sistema a ajuda, então, a escolher o produto adequa-
do em termos de tamanho, potência, resistência física, resistência à corrosão
etc. Esse tipo de informação está ligado a “o quê” buscar ou comprar.
Por exemplo, na aquisição de uma ponte rolante, um sistema especialis-
ta (expert system) desenvolvido pelo fabricante vai solicitando informações
do possível comprador: peso máximo a deslocar, vão do depósito, tipo de
material a ser levantado, velocidade etc. Ao fim de uma sessão de perguntas e
respostas, o sistema especialista indica o tipo de produto mais adequado às
78 necessidades do cliente.
No caso de vendas ao consumidor, o site MySimon.com, um serviço
americano de apoio às compras na Internet, é um exemplo típico (Wise e
Morrison, 2000). Suponhamos que o cliente deseje comprar um aparelho
DVD. Em primeiro lugar, o site fornece informações gerais sobre DVDs,
destacando as especificações mais importantes e as diferenças críticas entre
os vários modelos disponíveis. Depois, com o auxílio de um software desen-
volvido pela empresa Active Research, o sistema leva o internauta através de
um processo de avaliação sistematizada, permitindo que ele faça escolhas en-
tre as diversas opções oferecidas. Uma vez concentrada a análise sobre um
subconjunto reduzido de atributos, a MySimon recomenda uma lista de
DVDs que melhor atendam às necessidades do consumidor.

Informações Comerciais
Uma vez conhecido ou definido o produto ou serviço, o cliente deseja anali-
sar as ofertas de diferentes fornecedores, envolvendo preços, prazos de en-
trega, condições de pagamento etc. O fornecedor, por sua vez, está também
interessado em obter informações sobre os possíveis clientes, tais como ca-
racterísticas socioeconômicas e hábitos dos consumidores, para formar uma
base de dados de marketing, preferências sobre os produtos (próprios e de
concorrentes), reclamações mais frequentes etc. Esse tipo de informação está
ligado a “quem” buscar e identificar no processo.

Informações Administrativas
Depois de realizada a transação, torna-se necessária a troca de informações
entre comprador e fornecedor, envolvendo encaminhamento do pedido,
transferência de notas fiscais, faturas e outros documentos, informações so-
bre o andamento do processo etc. Esse tipo de informação está ligado ao
“quanto, onde e quando”.

Informações Projetivas
Estão relacionadas com o planejamento das necessidades futuras das empre-
sas da cadeia de suprimento, principalmente quando há integração direta
entre as partes (just-in-time, ECR). Por exemplo, o fornecedor pode acessar
diretamente as informações de planejamento, de vendas e de estoque exis-
tentes nas instalações da empresa cliente (ver Capítulo 6). Com os dados as-
sim obtidos, projeta a demanda do produto para os próximos períodos e,
com base nessas projeções, efetua a reposição dos estoques de forma auto-
mática (Estoque Administrado pelo Fornecedor – Vendor Managed Inven-
tory). Esse tipo de informação se prende ao “e depois?”, nas transações co-
merciais da cadeia de suprimento. 79
Tipos de Comércio Eletrônico
O comércio eletrônico vem sendo realizado por meio de EDI há mais de vin-
te anos. Hoje, boa parte do comércio eletrônico está migrando para a Inter-
net. Os dois tipos principais de comércio eletrônico observados atualmente
na Internet são: o B2B, ou comércio eletrônico business-to-business, e o
B2C, ou comércio eletrônico business-to-consumer.

Comércio Eletrônico EDI


EDI, abreviação de Electronic Data Interchange, é a transferência eletrôni-
ca e automática de dados entre os computadores das empresas participan-
tes, dados esses estruturados dentro de padrões previamente acertados en-
tre as partes. Na maioria dos casos, as redes de EDI são privadas, atendendo
de forma exclusiva as firmas participantes. Outras vezes, a transferência de
informações é feita através de uma empresa intermediária, que oferece
uma rede de intercâmbio de dados denominada VAN (Value-Added Net-
work). O EDI se tornou especialmente popular nas transações entre gran-
des empresas, que o utilizam para agilizar suas operações e implementar
processos administrativos e operacionais na cadeia de suprimento (Bam-
ford, 1997).
Tradicionalmente, a aquisição de insumos e produtos nas grandes em-
presas se fazia através de um processo manual, intensivo em mão de obra e
demorado. Uma transação de compra envolve muitas etapas: pedido ao
fornecedor para cotação do produto, recebimento e processamento da co-
tação, submissão da ordem de compra aos escalões superiores, aprovação
do pedido, confirmação da ordem de compra, expedição do pedido, notifi-
cação da expedição, envio da fatura e pagamento final. Cada uma dessas
etapas pode ser realizada tradicionalmente via telefone, fax ou correio. O
EDI permite o intercâmbio automático desses dados, além de outros, co-
nectando clientes, fornecedores, prestadores de serviços e instituições fi-
nanceiras entre si.
O EDI foi primeiramente adotado nos Estados Unidos, na década de
1980, pelos setores de varejo e de transporte. Mais tarde, se expandiu para
os setores automotivo, farmacêutico e supermercadista. As grandes compa-
nhias formam a maioria das empresas usuárias de EDI. Cerca de 95% das mil
maiores empresas americanas, segundo a revista Fortune, utilizam EDI. Para
as demais, a porcentagem cai para apenas 2%. No sistema just-in-time, a uti-
lização de EDI é essencial. As três maiores montadoras automobilísticas nor-
te-americanas exigiram que seus fornecedores, de primeiro, segundo e ter-
ceiro nível hierárquico (até o fornecedor, do fornecedor, do fornecedor)
adotassem o EDI. O mesmo se deu com a empresa varejista Wal-Mart (Bam-
80 ford, 1997).
Conforme mencionado, o sistema EDI é normalmente operacionaliza-
do por meio de uma rede exclusiva ou por meio de VANs (Value-Added Net-
works). Além de servir de meio de troca de transações eletrônicas, o EDI pro-
vê segurança, recuperação de informações, registro de erros, serviços de au-
ditoria e serviços de apoio aos clientes. É claro que, em razão de sua natureza
privada e relativamente exclusiva, esse sistema é inerentemente mais seguro
do que a Internet, que é pública e aberta. O fator básico que impede que o
EDI seja utilizado mais amplamente nas transações comerciais é o alto custo
associado à sua implementação. Também se deve levar em conta os custos
relacionados à operação da infraestrutura necessária ao seu funcionamento.
Mesmo com essa limitação, o EDI tem melhorado de forma significativa a
eficiência das transações business-to-business na cadeia de suprimento.

Comércio Eletrônico B2B


Nesse tipo de transação eletrônica, as empresas fornecedoras desenvolvem
sites na Internet, através dos quais as empresas clientes podem obter e trocar
informações com os fornecedores, como também adquirir os produtos.
Assim, o comércio do tipo B2B se caracteriza por ter pessoas jurídicas nas
duas pontas do processo, ou seja, a comercialização não é dirigida às pessoas
físicas (Cunningham, 2001). Por exemplo, um fabricante de rolamentos per-
mite que uma empresa cliente levante dados sobre as possíveis aplicações de
seus produtos, juntamente com os preços, formas de pagamento etc. Ao de-
cidir pela compra de um determinado tipo de produto, a empresa cliente fe-
cha a transação, emitindo uma ordem de compra. Posteriormente, a empresa
cliente pode monitorar pela Internet o processamento de seu pedido. Pode
também receber a fatura via Internet e trocar informações com o fornecedor,
quando necessário.
As empresas adquirem, em geral, dois tipos distintos de mercadorias:
inputs para o negócio, que estão ligados ao objetivo central da empresa (ma-
téria-prima ou componentes que são utilizados na fabricação de mercadorias
diversas, produtos a serem comercializados pelo varejista etc.) e inputs ope-
racionais (suprimentos de escritório, suprimentos para manutenção e servi-
ços). Estes últimos são tradicionalmente adquiridos através de duas formas
distintas. Uma delas é a da sistematização das compras, constituída por con-
tratos de longo prazo, negociados com fornecedores qualificados. A outra
forma é constituída pelas compras do tipo spot, em que a negociação envolve
apenas uma transação, de forma a preencher uma necessidade imediata da
empresa, ao menor custo possível (Kaplan e Sawhney, 2000).
Segundo o Census Bureau dos Estados Unidos, o comércio entre empre-
sas (eletrônico e não eletrônico, via Internet ou não) é responsável por cerca
de 80% do comércio mundial. Esse índice mostra a importância do comércio
81
entre empresas no contexto global. No que diz respeito especificamente ao
comércio eletrônico B2B no Brasil, sua expansão nos últimos anos é muito ex-
pressiva. Em 2005, foi transacionado por meio eletrônico no Brasil um total
de R$267,6 bilhões entre empresas (B2B), volume 37% maior do que o obser-
vado em 2004. De 2003 para 2004, por outro lado, a taxa de crescimento foi
de 30%. Esses índices foram elaborados pela Câmara Brasileira do Comércio
Eletrônico, em colaboração com a consultoria E-Consulting. Para 2006, as
projeções indicam uma expansão de 36% em relação a 2005, mostrando a
forte tendência de crescimento desse tipo de comércio eletrônico.
O B2B é dividido normalmente em duas categorias. A primeira, deno-
minada B2B Companies, engloba as transações B2B fechadas, isto é, aquelas
permitidas somente entre uma empresa e seus fornecedores previamente ca-
dastrados e vinculados a ela por contrato. A segunda categoria é formada pe-
los e-marketplaces independentes, que operam os portais abertos a qualquer
companhia. O primeiro grupo representa cerca de 79% da receita total tran-
sacionada no B2B brasileiro, ficando os e-marketplaces independentes com
os 21% restantes.
Na categoria B2B Companies, o setor de petróleo e petroquímico vem
se confirmando como o dominante nesse mercado. O setor automobilístico,
representado principalmente pela Ford, General Motors e Toyota, também
vem mantendo uma progressão constante. Segundo a Câmara-e-net, a certi-
ficação eletrônica,4 em expansão no país, terá forte impacto na adoção dos
negócios eletrônicos entre empresas. Isso porque melhora substancialmente
o nível de segurança na Internet.
De forma geral, o comércio B2B vem passando por uma sequência evo-
lutiva (Figura 3.1). Numa primeira fase, as transações eram feitas quase ex-
clusivamente por EDI. A comunicação, nesse tipo de B2B, é fechada, cara e
exclusiva. Por ser cara, tende a ser utilizada por grandes empresas compra-
doras nas relações comerciais com seus fornecedores de maior porte (fase I,
Figura 3.1). Esse tipo de B2B é geralmente centrado no comprador, em ra-
zão do poder normalmente exercido por ele (por exemplo, grandes cadeias
varejistas e montadoras de automóveis).
Num segundo estágio (fase II, Figura 3.1), o comércio eletrônico B2B
passa a ser mais aberto, centrado nos fornecedores que já abriram seus sites
na Internet. No início, esses sites visavam mais ao marketing de produtos e
serviços, mas logo passaram a vendê-los através da Web. Esse tipo de comér-
cio apresenta características do tipo spot, em que as compras são baseadas
nos preços correntes de mercado. As transações refletem um acordo comer-

4
A certificação eletrônica se apoia na assinatura digital, formada por uma chave numérica privada
e criptografada, de conhecimento exclusivo de seu titular, e uma chave pública, que permite que o
82 documento seja aberto e autenticado por um destinatário autorizado.
Comunidades

Avanço mercadológico e economias de escala


comerciais

Hubs verticais V

Soluções
Explosão de sites na Internet
horizontais

III IV
II Integração
I no Supply
Sites de Chain (ERP)
EDI centrado vendedores
no comprador na Internet

Tempo
Fonte: Duracher (2000b).
FIGURA 3.1 • Evolução do comércio eletrônico B2B

cial momentâneo, em geral não havendo contratos de longo prazo entre as


empresas vendedoras e compradoras, o que explica o nome spot. Os fatores
que definem o sucesso ou não desse tipo de comércio para os fornecedores
são os ganhos de escala, o profundo conhecimento do setor, a qualidade dos
serviços oferecidos e o valor agregado, entre outros. Há, nessa fase, uma ex-
plosão de sites de empresas que oferecem produtos e serviços na Internet.
Num terceiro estágio (fase III, Figura 3.1), as grandes empresas com-
pradoras no comércio eletrônico B2B passam a dar ênfase à melhoria de seus
processos de negócios ao longo da cadeia de suprimento. Para isso, passam a
integrar seus recursos de ERP (Enterprise Resources Planning) e outros siste-
mas internos de gestão aos sistemas de seus fornecedores e clientes. Essa in-
tegração tende a reduzir o ciclo do pedido e a melhorar o nível de serviço ao
longo da cadeia de suprimento. A execução plena dessa fase é um tanto res-
trita, no entanto, em razão das dificuldades em intercambiar informações
baseadas em protocolos diferentes (SAP, Baan, Oracle, entre outros).
Um quarto estágio (fase IV, Figura 3.1) é caracterizado pela ampliação
do número de intermediários horizontais no processo de comercialização
B2B. Esse tipo de agente oferece soluções visando reduzir as ineficiências no
sentido transversal às diversas cadeias de suprimento que competem no mer-
cado, e não ao longo delas. Esses agentes centralizam normalmente suas ati-
vidades em torno de serviços mais gerais, tais como os de manutenção e
reparos de máquinas, equipamentos, edifícios etc., suprimentos para escritó-
rio, agenciamento de viagens para empresas, serviços logísticos, recursos hu-
manos etc. Cada fornecedor possui uma especialidade e, com a especializa-
ção, tem condições de oferecer melhores soluções aos clientes. 83
Empresas Empresas
fornecedoras compradoras

F1
C1

F2
C2
F3 e-mercados
C3
F4

F5 C4
FIGURA 3.2 • Comunidades comerciais (e-mercados) interligando empresas fornecedoras
e compradoras na Internet

O quinto estágio (fase V, Figura 3.1) é caracterizado pela ênfase nas


soluções verticais. Ao contrário dos intermediários horizontais, os agentes
verticais procuram focalizar as ineficiências que ocorrem ao longo de uma
cadeia de suprimento específica. Por exemplo, são comuns soluções desse
tipo nas cadeias automotivas, siderúrgicas, da indústria química etc. Seu
objetivo é agilizar as transações de insumos e produtos ao longo da cadeia.
A tendência é ampliar o mercado B2B, com a formação de comunidades co-
merciais contendo espectros mais largos de fornecedores e compradores, e
trazendo maiores vantagens econômicas aos participantes (Figuras 3.1 e
3.2). Os Laboratórios Abbot, por exemplo, gastam cerca de US$4 bilhões
por ano em compras diversas. Possuem cerca de 250 agentes ou gerentes de
compras, espalhados em 17 locais nos Estados Unidos e mais 17 no exte-
rior. Antes de implementar um sistema de compras B2B, havia transações
em que se pagavam US$2-3 mil a mais pelos mesmos insumos. Após 18 me-
ses de funcionamento, o novo sistema gerou uma economia de US$9 mi-
lhões, tão somente por permitir o compartilhamento eficiente das informa-
ções (Reed, 2000).
O comércio eletrônico do tipo B2B é bastante desafiante e competitivo,
principalmente em termos de resultados financeiros. A razão principal é que
as empresas compradoras, dispondo de um número razoável de ofertas, es-
peram obter descontos significativos em suas compras. Por outro lado, ao
utilizarem uma forma ágil e moderna de transação, esperam também prazos
mais reduzidos de entrega. Os fornecedores, por sua vez, tendem a estabele-
cer prazos mais curtos para recebimento dos pagamentos. Como consequên-
cia, as transações do tipo B2B tendem a se caracterizar por volumes elevados
e margens estreitas de lucro (Wise e Morrison, 2000).
Nas grandes corporações, são também comuns as transações eletrônicas
entre setores ou divisões da mesma empresa. Por exemplo, um departamen-
to pode requisitar, por via eletrônica interna (Intranet), um determinado
84 componente do almoxarifado ou um serviço de reparo.
Comércio Eletrônico B2C
Nesse tipo de transação, o comprador é uma pessoa física que, a partir de um
computador pessoal, realiza suas buscas e adquire um produto ou serviço
através da Internet. Por exemplo, um consumidor acessa o site de uma livra-
ria, analisa os livros em oferta e acaba comprando um ou mais exemplares.
O comércio do tipo B2C é caracterizado pela sua alta volatilidade. De
fato, a disponibilidade de sites que oferecem produtos ou serviços varia bas-
tante, com novas empresas entrando no mercado e outras saindo constante-
mente. A oferta de produtos e serviços também varia, o mesmo ocorrendo
com os níveis de demanda, que apresentam oscilações não observadas no co-
mércio tradicional. Como consequência, os preços também oscilam, varian-
do em função da concorrência, das ofertas especiais e das oscilações nos ní-
veis de procura. Assim, embora seja possível definir uma determinada linha
mercadológica com o objetivo de gerar uma resposta adequada em termos
do número de usuários para um determinado site, muitos provedores são
surpreendidos pelo número elevado de clientes durante certos períodos. Ou-
tros, por outro lado, amargam situações de falta de clientela, sendo obriga-
dos, em muitos casos, a fechar seu negócio.
Em 1998, pensava-se que a Internet se tornaria dominante no futuro
comércio B2C, desalojando boa parte do comércio convencional. Por exem-
plo, antes da Internet um jornal era um jornal, e uma revista era uma revista.
Com a Internet, se esperava uma situação idealizada: haveria os clientes tra-
dicionais, comprando jornais e revistas em papel, e novos clientes pagando
pelo acesso ao jornal ou à revista na Web, resultando, assim, um aumento do
faturamento. O que se observou ao longo do tempo foi diferente: há os leito-
res na Internet, há os tradicionais consumidores da versão em papel e há os
que saltam de uma alternativa para outra. Isso significa, na verdade, que as
empresas, de uma maneira geral, têm que manter um contingente de pessoas
e recursos de infraestrutura bem maior do que antes, com aproximadamente
o mesmo faturamento.
Uma das razões dessa volatilidade é que, por ser novidade, os consumido-
res são impulsionados a comprar na Internet por muitos motivos. Além da exi-
gência por preço e qualidade do produto, o cliente potencial dá muita impor-
tância aos fatores logísticos, conforme será discutido adiante (case eToys). Isso
vai implicar uma organização adequada da infraestrutura logística, em termos
de estoques, distribuição, tratamento da informação, recursos humanos etc.
Para analisar as exigências logísticas associadas ao comércio eletrônico,
é importante entender as preferências, hábitos e restrições dos clientes po-
tenciais. Mas tal tarefa não é fácil, pois nem sempre se dispõe de dados esta-
tísticos suficientes sobre a questão, mesmo porque esse tipo de comércio ain-
da está evoluindo e se alterando rapidamente. 85
No mundo, os internautas já somam 876 milhões de pessoas e vêm cres-
cendo desde 2002 a uma taxa de 18% ao ano (ebit, 2006). A Ásia representa
36% dos internautas, seguida pela Europa, com 24%, e América do Norte,
com 23%. Os 17% restantes correspondem à América Latina, África e demais
regiões do globo. Dos internautas nos Estados Unidos, estima-se que mais de
100 milhões sejam e-consumidores, ou seja, 59% realizam compras de pro-
dutos e serviços pela Internet. A Tabela 3.1, extraída de um relatório da
ONU, mostra a distribuição dos internautas por alguns países selecionados.
Os dados referem-se ao ano de 2005. O Brasil está melhor situado, em ter-
mos absolutos, do que o México e a Argentina, mas fica um pouco abaixo
desses dois países em termos relativos à população.

Tabela 3.1 Internautas numa amostra representativa de países (2005)


No de internautas em
País Internautas (milhões) relação à população (%)

Estados Unidos 185 61,7

China 95 7,2

Japão 75 58,7

Alemanha 41 49,7

Brasil 22 11,7

México 14 13,0

Argentina 5 13,9

Fonte: ONU (2006), Information Economy Report, 2005.

O comércio eletrônico B2C, nos Estados Unidos, faturou US$82,3 bi-


lhões em 2005, cerca de 24% superior ao valor observado em 2004 (ebit,
2006). No Brasil, o comércio eletrônico B2C fechou o ano de 2005 com um
faturamento de R$2,5 bilhões, valor correspondente a apenas 1,4% do volu-
me norte-americano. No entanto, no período 2004-2005, o movimento fi-
nanceiro observado no B2C brasileiro cresceu 43%, uma evolução bastante
expressiva. Na Tabela 3.2 e na Figura 3.3, pode-se observar o desempenho
do B2C no Brasil no período 2001-2006.
Observa-se, na Tabela 3.2, as expressivas taxas de crescimento do volu-
me faturado pelo comércio eletrônico B2C no país, nos últimos anos, e essa
evolução tende a continuar num futuro próximo. Em paralelo ao faturamen-
to, o número de e-consumidores também vem crescendo expressivamente.
Em 2003, havia cerca de 2,5 milhões de e-consumidores no Brasil, passando
a 3,3 milhões em 2004 e 4,8 milhões em 2005. De 2004 a 2005, houve, as-
sim, uma expansão de 45% no número de e-consumidores, uma taxa bastan-
86
te expressiva (ebit, 2006).
Tabela 3.2 Faturamento do B2C no Brasil (excluindo serviços)
Ano Faturamento (R$bilhões) Variação em relação ao ano anterior (%)

2001 0,55 –

2002 0,85 54

2003 1,20 41

2004 1,75 46

2005 2,50 43

2006 (*) 3,90 56

Fonte: ebit, 2006.


*Previsão

No Brasil, cerca de 58% dos e-consumidores são homens. Mas a parti-


cipação do sexo feminino, no período 2001-2005, mostrou um crescimento
relativo de 3%, fruto, em parte, do maior acesso das mulheres à informática.
Em 2005, o valor médio de uma compra do tipo B2C na Internet foi de
R$272,00. A venda de automóveis na Internet é um caso à parte, devido aos
elevados valores unitários transacionados. Considerando o número de tran-
sações, a Tabela 3.3 mostra a participação dos principais produtos comercia-
lizados via Internet, no Brasil, na modalidade B2C. Os CDs e DVDs lideram
a lista, seguidos de perto por livros, jornais e revistas. Os dois primeiros itens
da Tabela 3.3 totalizam quase 40% do movimento total. Pode-se observar,
analisando os dados da Tabela 3.3, que a simples exposição de produtos e

4,0
Faturamento anual (R$ bilhões)

3,0

2,0

1,0

0,0
2001 2002 2003 2004 2005 2006
Ano
Fonte: ebit, 2006.
FIGURA 3.3 • Evolução do faturamento do comércio eletrônico B2C no Brasil
87
serviços na Internet não significa resultados financeiros imediatos. Compu-
tadores, por exemplo, seriam teoricamente fortes candidatos a serem comer-
cializados na Internet, como é o caso dos produtos da Dell. Mas, por causa
dos elevados valores monetários nas transações, os compradores são mais
cuidadosos ao fazer suas compras, com muitas pesquisas por vários sites an-
tes de tomarem a decisão final. Em muitos casos, a compra acaba se realizan-
do presencialmente na loja, servindo a Internet como mera fonte informati-
va, tendo em vista a desconfiança que muitos consumidores ainda têm em re-
lação às transações na Web.

Tabela 3.3 Produtos mais vendidos no comércio B2C no Brasil


Categoria de produto Participação* (%)

CDs e DVDs 21

Livros, jornais e revistas 18

Aparelhos eletrônicos 9

Artigos de saúde e beleza 8

Artigos de informática 7

Outros 37

*Base para o cálculo: quantidade de pedidos


Fonte: ebit, 2006.

Nos Estados Unidos, os hábitos de compra dos e-consumidores são dife-


rentes dos observados no Brasil. A cultura de comprar por telefone, com base
em catálogos (veja Capítulo 1), facilitou a aceitação mais rápida da modalidade
B2C naquele país. Assim, as roupas e os aparelhos eletrônicos são os produtos
mais vendidos através da Internet nos Estados Unidos. No Brasil, o comércio
eletrônico encontrou, no início, certa dificuldade para se firmar e conquistar
novos adeptos, mas à medida que as experiências positivas vão se propagando
no mercado consumidor as barreiras vão caindo, o valor médio das compras vai
aumentando e a fidelização dos clientes vai se tornando uma realidade.
Sobre o nível de serviço logístico no atendimento ao cliente brasileiro,
medido em relação ao cumprimento dos prazos de entrega, pode-se obser-
var, na Tabela 3.4, que houve uma significativa melhoria de desempenho en-
tre 2001 e 2005, para o B2C. O índice de pleno cumprimento do prazo de
entrega passou de 71%, em 2001, para 81%, em 2005, uma evolução bas-
tante significativa. Houve também uma redução das entregas parciais de
produtos, com apenas uma parte do pedido dentro do prazo acordado. Esses
casos passaram de 5%, em 2001, para 2%, em 2005, conforme mostrado na
88 Tabela 3.4.
Tabela 3.4 Nível de serviço nas entregas de produtos no comércio B2C
brasileiro
Situação 2001 2005

Os produtos foram entregues no prazo prometido 71% 81%

Os produtos não foram entregues no prazo prometido 19% 12%

Apenas parte dos produtos comprados foi entregue no prazo 5% 2%


prometido

O produto não foi entregue porque a loja cancelou o pedido 2% 2%

Outras situações 3% 3%

Total 100% 100%

Fonte: ebit, 2006

O comércio eletrônico B2C no Brasil precisa superar certas barreiras


psicológicas para efetivamente deslanchar. Em primeiro lugar, ainda há uma
certa falta de confiança dos consumidores em relação às firmas que comer-
cializam produtos via telemarketing, correios ou Internet. As vendas por ca-
tálogo e correio, por exemplo, geram receitas da ordem de US$80 a US$90
bilhões nos Estados Unidos (Gordon, 1995), mas apresentam uma participa-
ção insignificante nas transações comerciais brasileiras. Essa barreira não é
devida tão somente às falsificações e clonagem de cartão de crédito no país.
Pesa também a falta de confiança na honestidade das firmas vendedoras e no
sistema de distribuição, que supostamente deveria entregar o produto ao
consumidor no prazo previamente acertado. Constantemente a mídia apre-
senta casos em que compradores reclamam de firmas fantasmas, que fazem
propaganda de serviços e produtos, mas não honram o compromisso, se
apossando de apreciáveis somas de dinheiro e desaparecendo antes que a
polícia os localize. Mesmo o sistema postal brasileiro, que tem melhorado
sensivelmente nos últimos anos, e operando o conhecido serviço Sedex de
entrega rápida, só recentemente começou a ser visto como confiável pelo
público em geral.

Comércio Eletrônico Móvel (m-commerce)


O m-commerce compreende qualquer transação envolvendo valor monetá-
rio e conduzida através de uma rede de telecomunicação móvel (Durlacher,
2000a). É também denominado comércio eletrônico sem fio (Wireless Elec-
tronic Commerce). De acordo com essa definição, o comércio eletrônico
móvel é um subconjunto do comércio eletrônico geral, envolvendo igual-
mente as transações de B2B e de B2C. Esse tipo de comércio eletrônico utili-
za extensivamente a telefonia celular para comercializar produtos e serviços. 89
Porém, chamadas regulares por meio de telefone celular de uma pessoa para
outra não são consideradas como m-commerce.
O mercado de negócios pode ser dividido em três categorias principais,
que possuem necessidades distintas no domínio do m-commerce:

G organizações voltadas à venda de produtos ou serviços, tais como in-


dústrias, comércio, bancos etc.;
G organizações voltadas à prestação de serviço, tais como serviços pú-
blicos (telefone, eletricidade, pronto-socorro), reparos e consertos,
consultoria, táxis etc.;
G organizações relacionadas com a Logística, como transportadoras,
empresas de courier, despachantes aduaneiros etc.

Como exemplo da primeira categoria, admitamos uma empresa que


vende bebidas importadas. O vendedor, ao visitar uma empresa supermerca-
dista, tem que responder, no ato, às perguntas do comprador. Suponhamos,
por exemplo, que o comprador queira adquirir um lote maior do que o nor-
mal, mas exige pronta entrega. O vendedor, através de seu celular inteligen-
te, acessa o sistema computacional de sua empresa, digita as questões perti-
nentes e recebe a resposta no visor do aparelho. Tem assim o comprador
uma resposta no ato, sem longos telefonemas ou promessas de respostas no
dia seguinte. Mais do que isso, se o negócio for fechado, o vendedor reserva
imediatamente o lote vendido através do celular, evitando que seja comerciali-
zado, em todo ou em parte, para outro cliente.
No segundo caso, citamos uma empresa de abastecimento de água
numa certa cidade. A central recebe um telefonema indicando que há um va-
zamento num certo local. É designada uma viatura para fazer o conserto. Ao
chegar ao local, o encarregado da equipe de manutenção verifica que o con-
serto do vazamento exige equipamento especial, não disponível na viatura-
padrão. Aciona seu celular inteligente, introduz os dados e deixa o computa-
dor central fazer uma busca de todos os equipamentos do tipo especial dis-
poníveis na cidade. O computador analisa disponibilidades, distâncias, tem-
pos de resposta etc., e designa um dos equipamentos para o serviço, envian-
do um veículo de socorro. Evita-se assim o sistema clássico de comunicação
direta entre pessoas, que exige processamento demorado, envolve erros etc.
Finalmente, no terceiro caso, citamos o exemplo de uma empresa ferro-
viária. O agente de uma cooperativa de soja está no campo, programando a
colheita e o transporte de soja para exportação. Para isso precisa reservar
cinco vagões graneleiros para deslocar a soja até o porto de embarque. Atra-
vés do celular, o cliente aciona o computador central do transportador fer-
90
roviário, digitando a demanda para um determinado dia. O computador res-
ponde, indicando a disponibilidade de vagões naquela rota, no dia desejado
e nos dias próximos, com os respectivos preços. O cliente faz sua escolha e
efetua diretamente a reserva dos vagões.
De uma forma geral, o comércio eletrônico móvel está ainda incipiente,
não havendo expectativas de demanda tão elevada como no caso do comér-
cio B2B ou mesmo B2C. Mas, para determinadas atividades de negócios,
pode significar uma melhoria significativa nas transações comerciais, pois
aumenta em muito a agilidade e a confiabilidade do processo.

EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO B2C


Conforme vimos no Capítulo 1, os norte-americanos já estavam familiariza-
dos, há muitos anos, com o comércio sem loja, formado pelas empresas de
catálogo e pelas vendas em domicílio, como a empresa Avon, por exemplo.
Mais recentemente, um grande número de firmas passou a comercializar
seus produtos a partir de anúncios em jornais e revistas, recebendo os pedi-
dos através de telefone, fax ou mesmo correio. Ainda hoje é muito comum,
na América do Norte, buscar artigos eletrônicos, componentes e acessórios
nas páginas especializadas de periódicos, fazendo pesquisa de preço por tele-
fone e finalmente encomendando o produto por fax ou e-mail.
Veremos mais adiante, neste capítulo, que os grandes impulsionadores
do comércio sem loja foram os serviços de encomendas expressas. Isso por-
que os custos de estoque se reduzem muito ao se estabelecer apenas um pon-
to central de armazenagem dos produtos, em lugar de se manter um grande
número de pequenos estoques nos pontos de venda espalhados pelo territó-
rio atendido.
Assim, o comércio eletrônico B2C na América do Norte, em termos de
aceitação por parte dos consumidores, teve uma evolução relativamente
mais tranquila. No Brasil, essa experiência anterior, no que diz respeito ao
comércio sem loja, foi muito reduzida. As vendas por catálogo têm sido pou-
co expressivas. As altas taxas de inflação que afetaram a economia brasileira
durante anos restringiram, em muito, as transações desse tipo. Por outro
lado, a ocorrência de um grande número de casos de firmas fantasmas, que
cobram o pagamento antecipadamente e não entregam o produto ao com-
prador, e de empresas inescrupulosas, que anunciam vantagens e entregam
algo diferente do prometido, acabaram por prejudicar, em muito, a imagem
do sistema.
Também o serviço de correios, hoje bastante melhorado e de maior
confiabilidade, emprestava uma imagem ainda mais negativa a esse tipo de
comércio, uma vez que muitas encomendas eram desviadas ao longo do ser-
viço postal. Era muito comum, naquela época, o desvio de correspondência
que aparentava portar algo de valor como, por exemplo, revistas estrangei- 91
ras, que eram vendidas para terceiros, e coisas do tipo. Hoje, a empresa de
correios melhorou bastante seu padrão de serviços, e a imagem negativa foi
praticamente apagada da mente do público.
Muitos desses aspectos tendem a dificultar, ainda que parcial e tempo-
rariamente, a disseminação em larga escala do comércio eletrônico B2C no
Brasil. Mas as perspectivas são altamente positivas, e essas barreiras psicoló-
gicas poderão ser eliminadas, ou reduzidas, com um esforço concentrado de
marketing, no momento certo.
Apesar do propalado clichê de que a Internet seria a “morte da geogra-
fia”, pois tende a eliminar ou reduzir drasticamente os movimentos físicos de
pessoas e de mercadorias, na verdade o lugar e o deslocamento espacial ain-
da terão grande importância na economia. Ou seja, a Logística ainda conti-
nua agregando valor em relação ao lugar e, mais do que nunca, ao tempo.
Mas, é claro que tanto o “lugar” como o “deslocamento” importam menos
hoje do que há uma década. De fato, para o crescente número de empresas
que utilizam a informação de forma estratégica, muitas de suas atividades es-
senciais são executadas através do meio eletrônico. Basicamente, só os insu-
mos e produtos são deslocados ao longo da cadeia de suprimento para tra-
zê-los ao mercado e, assim mesmo, muitos intermediários estão sendo elimi-
nados do processo (Moon, 2000).
Uma importante diferença entre o comércio eletrônico e as transações
convencionais são o número e os tipos de intermediários. A função básica
dos intermediários é melhorar a eficiência no processamento dos produtos,
nos serviços e na comercialização ao longo da cadeia de suprimento (Moon,
2000). A rede logística tradicional está associada intimamente com o espaço.
O número e a localização de depósitos e centros de distribuição, por exem-
plo, são um problema estratégico típico. O fator espacial é fundamental na
solução desse tipo de problema. Ao passarmos para o comércio eletrônico,
os fatores logísticos de cunho espacial ainda são importantes. Mas são menos
importantes quando comparados com os vigentes na situação tradicional.
De fato, a maior parte das ineficiências que os intermediários da cadeia
de suprimento tinham que enfrentar no comércio tradicional envolvia deslo-
camentos de insumos e de produtos no universo geográfico. A maior ou me-
nor dificuldade em contornar esse tipo de restrição está associada à distância
física que separa o fornecedor do comprador, nas diversas etapas ao longo
da cadeia de suprimento (fornecedor à manufatura, fabricante ao varejista,
varejista ao consumidor).
A situação ideal, no comércio eletrônico, é aquela em que a indústria,
que fabrica um determinado produto, o entrega diretamente ao consumidor
final, sem retenções e sem deslocamentos intermediários. Assim, todas as
operações e deslocamentos que não adicionam valor para o consumidor fi-
92 nal tenderiam a ser completamente eliminados da cadeia de suprimento. É
claro que, ao se eliminar deslocamentos e operações físicas diversas (carrega-
mento e descarga de veículos, armazenagem, conferências etc.), os custos a
eles associados são retirados da cadeia de valor. Em consequência, as opera-
ções logísticas associadas com o comércio eletrônico tendem a ser menos
onerosas em alguns aspectos, muito embora possam ser mais caras noutros
aspectos.
Em paralelo à redução de custos logísticos associados ao deslocamento
e ao processamento de produtos, as empresas de comércio eletrônico estão
revendo a distribuição das margens (lucros) ao longo da cadeia de suprimen-
to e eliminando o maior número possível de intermediários. Esse processo é
denominado “desintermediação” (Moon, 2000). Para as empresas que fo-
ram desenvolvidas com uma profunda inserção na Web, como a produtora
de microcomputadores Dell e a livraria Amazon, a maior parte das funções
comuns nos canais de distribuição, como informações sobre os produtos, pe-
didos dos clientes, indagações dos consumidores, entre outras, é normal-
mente desempenhada através da Internet. Mas essas firmas se aproveitaram
também das facilidades desse novo tipo de comercialização para remover
boa parte das ineficiências associadas com o manuseio físico dos componen-
tes e produtos ao longo da cadeia de valor.
Como resultado, muitas funções de intermediação foram reduzidas
(atacadistas, varejistas, propaganda na mídia), aumentando as margens das
empresas ponto-com. Por outro lado, os intermediários que permaneceram
na cadeia de suprimento, tais como fornecedores, transportadoras e opera-
dores logísticos, têm sido forçados a oferecer serviços de qualidade superior
para poder manter suas posições no mercado.

DESAFIOS LOGÍSTICOS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO


No comércio eletrônico do tipo B2C, os gerentes de Logística estão sendo
obrigados a implementar práticas operacionais diferentes, de forma a aten-
der novas formas de demanda dos consumidores que não existiam uma dé-
cada atrás. Em primeiro lugar, o despacho de itens soltos nos depósitos está
aumentando consideravelmente, quebrando a rotina de expedição em lotes.
Na operação tradicional, o fluxo de produtos se processa em caixas, ou pal-
lets, da manufatura para o centro de distribuição do varejista, e daí para as
lojas. Agora, no comércio B2C, o manuseio de unidades de estocagem (SKUs
no jargão do varejo) é a regra, não a exceção.
Embora, em princípio, essa nova sistemática de operação requeira o
mesmo tipo de equipamento básico de manuseio utilizado anteriormente, tal
como prateleiras, esteiras, carrinhos etc., o número de operações tende a
crescer significativamente. Por outro lado, uma vez que essas unidades pas-
saram a ser manipuladas de forma solta, não sendo mais protegidas por cai-
93
xas, pallets ou outro tipo de invólucro mais resistente, as operações a elas as-
sociadas acabam exigindo cuidados adicionais. Além disso, nas compras de
produtos de supermercados via Internet, são bastante frequentes os pedidos
simultâneos de mercadorias perecíveis (carnes, produtos congelados, vegetais,
frutas) e não perecíveis (enlatados e produtos de limpeza, por exemplo).
Isso implica o tratamento separado de um mesmo pedido nas operações do
centro de distribuição, o que exige cuidados adicionais e um maior nível de
coordenação.
Em segundo lugar, no comércio tradicional tem sido aceitável entregar
os produtos aos clientes dentro de 24 a 72 horas após a colocação do pedido.
Mas, para a maioria das empresas ponto-com, esse nível de serviço não é
mais satisfatório (Caltagirone, 2000). Em particular, para o caso de alimen-
tos e produtos de limpeza, a expectativa dos consumidores é de entrega ime-
diata. Em muitos casos, o consumidor não fica satisfeito em saber que seu pe-
dido vai ser entregue no mesmo dia, sem especificar a hora. Assim, a prévia
definição de uma janela de tempo para a entrega do pedido é, muitas vezes,
obrigatória. É claro que esse requisito coloca restrições adicionais no plane-
jamento das operações logísticas. Devemos lembrar que o planejamento lo-
gístico no depósito é agora muito mais dinâmico do que na situação tradicio-
nal, pois os pedidos são frequentemente submetidos on-line. Isso é muito di-
ferente das condições que prevaleciam no comércio tradicional, no qual as
operações podiam ser planejadas com certa folga, com pelo menos 24 horas
de antecipação.
Em terceiro lugar, os níveis de demanda no comércio eletrônico têm
sido extremamente difíceis de ser previstos. Muitos empreendedores, após
terem colocado seu negócio na Internet para comercializar algum tipo de
produto, foram surpreendidos ao verem seus setores de expedição congesti-
onados com excesso de pedidos, algumas vezes em número muito acima da
capacidade comercial da empresa. Essas situações levam a uma resposta lo-
gística deficiente, com atrasos nas entregas, excesso de pedidos suspensos
temporariamente por falta do produto em estoque (back orders), reclama-
ções dos clientes e imagem arranhada. Para evitar esses problemas, é necessá-
rio que se faça um planejamento cuidadoso, procurando compatibilizar an-
tecipadamente os contornos dos serviços logísticos com os objetivos merca-
dológicos da empresa.
Uma das reclamações mais frequentes no comércio eletrônico é sobre a
falta de determinados produtos na entrega de um mesmo pedido. Uma vez
que uma das vantagens básicas do comércio eletrônico é a economia apreciá-
vel de tempo que traz ao consumidor, a falta de alguns produtos na entrega
do pedido é muitas vezes inaceitável para o cliente. Se o consumidor faz um
pedido contendo uma lista de produtos a serem utilizados de forma conjun-
94 ta, a entrega parcial da encomenda pode forçá-lo a uma viagem não esperada
a um supermercado ou a uma loja para adquirir o que está faltando. Por
exemplo, quando alguém aciona um supermercado ponto-com, fazendo um
pedido com os ingredientes para um jantar em sua casa, e parte da encomen-
da não é entregue, o consumidor é obrigado a sair correndo para fazer com-
pras de última hora. Sem dúvida, a reação do cliente nessas circunstâncias,
em relação à empresa, é normalmente muito negativa.
Um case muito interessante sobre esse assunto é apresentado no fim
deste capítulo. Trata-se da empresa eToys.com, que foi criada em 1997, con-
quistou uma posição importante no B2C norte-americano e faliu fragorosa-
mente em 2001. De fato, diversas falhas costumam ocorrer nos bastidores
logísticos das empresas que atuam no B2C, e que acabam ocasionando pro-
blemas do tipo enfrentado pela eToys. Por exemplo, uma situação bastante
comum, principalmente no Brasil, é a defasagem de informação nos registros
de entrada e saída do estoque. Numa grande empresa varejista nacional, ao
se fazer uma simulação detalhada para analisar estratégias de reposição de
estoque, foram observados vários instantes em que o nível de inventário se
tornava negativo. Ao analisar, na prática, o motivo da ocorrência, obser-
vou-se que as informações referentes aos recebimentos dos produtos eram
digitalizadas e registradas no computador dois ou três dias depois do recebi-
mento dos mesmos. Havia, assim, uma defasagem temporal entre entrada fí-
sica no estoque e registro dos dados.
Suponhamos que um cliente X faça, numa tarde, um pedido no site de
uma empresa que comercializa produtos de vestuário na Internet. Por exem-
plo, a empresa pode ser a Lands’ End, uma das maiores firmas de venda de
vestuário na Internet (Hallowell, 2000). A encomenda do cliente X é consti-
tuída por uma camisa esporte de certo tipo e marca, com um certo tamanho
etc. Ele pede também um tênis, de uma certa marca, num certo tamanho. À
meia-noite, o computador da Lands’ End processa todos os pedidos do dia.
Suponhamos que tenham ocorrido cem pedidos da mesma camisa, na mes-
ma cor e tamanho. O computador junta virtualmente todos esses pedidos,
formando um conjunto homogêneo. De maneira semelhante, suponhamos
que tenham ocorrido cinquenta pedidos do mesmo tipo de tênis, com o mes-
mo tamanho. Outro conjunto homogêneo é formado. Para cada item pedi-
do, é então impressa uma etiqueta com código de barras, indicando o núme-
ro do pedido, a localização no depósito e outras informações necessárias.
Na manhã seguinte, um funcionário que faz a apanha (picking), localiza
no depósito as 100 camisas que formam o primeiro conjunto. Prende uma
etiqueta colante em cada camisa. As mercadorias são então colocadas numa
bandeja de plástico, sobre uma esteira rolante. Ao passar debaixo de um
scanner, o código de barras de cada camisa é lido e, no computador, é feita a
correspondência de cada objeto com os diversos pedidos daquele mesmo
produto. O computador registra então o destino de cada unidade no depósi- 95
to. Para cada pedido, há um recipiente específico, cuja localização no depó-
sito está devidamente cadastrada no computador. Quando a camisa passa so-
bre o ponto correspondente ao pedido, a bandeja é girada, descarregando o
produto no recipiente destinado ao cliente X. A mesma operação é feita, no
setor de calçados, por outro apanhador. O tênis encomendado pelo cliente
X chega, por sua vez, ao mesmo recipiente alocado ao nosso consumidor.
Posteriormente, todo o conjunto de mercadorias encomendado pelo cliente
X (no caso, dois produtos) é empacotado, sendo o pacote colocado noutra
esteira rolante. Um outro scanner lê os códigos de barras das etiquetas e vai
separando os pacotes segundo as diversas rotas, conforme os destinos geo-
gráficos. A mercadoria é então consolidada por rota, sendo transportada aos
centros de destino por caminhão.
Na época de Natal, o movimento de peças de roupa no depósito da
Lands’ End pode chegar a 25.000 itens por hora. Além de todo esse processo
de triagem, a empresa ainda oferece um serviço adicional de colocação de
monogramas personalizados em boa parte dos produtos adquiridos. Mas
não é somente a Lands’ End que opera dessa forma. Outras empresas, como
a L.L. Bean, a J. Crew e a Pottery Barn, também possuem depósitos moder-
nos e automatizados, semelhantes ao da Lands’ End (Hallowell, 2000).
Da observação sobre o funcionamento de um depósito desse tipo po-
dem-se tirar conclusões importantes. O primeiro ponto a observar é a extre-
ma importância do sistema informacional, para que tudo funcione a conten-
to. Se, por exemplo, o tratamento dos dados dos pedidos for realizado por
meio de um sistema computacional que não tenha uma interligação eficiente
com o sistema do depósito, é quase certo que ocorrerão problemas sérios.
Tais problemas, em razão de sua frequência e intensidade, não serão passíveis
de solução manual, caso a caso. Por outro lado, os fornecedores, num extre-
mo, e as transportadoras e centros regionais de distribuição, no outro, preci-
sam estar interligados de forma estreita com a empresa de comércio eletrôni-
co (via EDI ou Internet). Caso contrário, vão acabar faltando produtos nas
prateleiras ou ocorrerão problemas sérios nas entregas. Se transportarmos o
cenário para o Brasil, a situação se torna ainda mais dramática.
Suponhamos, por exemplo, uma firma brasileira do tipo Lands’ End, que
estivesse iniciando suas operações em nosso país. É muito improvável
que, num determinado dia, houvesse um número expressivo de pedidos da
mesma camisa (mesmo tipo, cor e tamanho). Na verdade, poderiam ocorrer
alguns dias em que aquele tipo específico de produto não fosse movimenta-
do, apresentando demanda nula. Isso significa que o trabalho dos apanhado-
res (pickers) seria menos produtivo, pois teriam de percorrer os corredores
do depósito carregando pouca quantidade do produto. O mesmo ocorreria
com as instalações fixas do depósito (prateleiras, pallets, corredores), cujo
96 aproveitamento seria bem menor, devido ao giro mais lento do estoque. Mas
sabemos que os equipamentos de movimentação e triagem (esteiras rolantes,
scanners, marcadores de código de barras etc.), bem como os sistemas com-
putacionais necessários para operá-los, apresentam um forte ganho de esca-
la. Ou seja, como o custo fixo é muito alto, o custo por operação unitária cai
fortemente à medida que o volume cresce. Finalmente, na expedição da car-
ga por corredor ou rota, a grande concentração de fluxos nos diversos corre-
dores pode levar à obtenção de fretes mais vantajosos.
Assim, nossa firma brasileira tenderia a operar de forma quase manual
no começo, evitando investimentos elevados em computação (hardware e
software), em equipamentos sofisticados e em pessoal de nível mais alto.
Mas, sem um sistema operacional automatizado e integrado, esse tipo de
operação tem capacidade bastante reduzida. Em pouco tempo nossa empre-
sa estaria sendo forçada a automatizar suas operações. E, caso não o fizesse
por falta de recursos financeiros, as ineficiências decorrentes se encarre-
gariam de alijá-la inexoravelmente do mercado.
Além dos aspectos discutidos, é bom lembrar que, no Brasil, onde falta
uma tradição mais pronunciada de negócios a distância (venda por catálo-
gos, por telefone ou fax), as empresa ponto-com muitas vezes obrigam o clien-
te a efetuar depósitos bancários antes que o processamento do pedido seja
deflagrado. Essa prática está na contramão dos avanços desse tipo de comér-
cio, e também retarda sua expansão no país. No entanto, o crescimento das
operações bancárias na Internet e o uso crescente do cartão de crédito vêm
melhorando esse aspecto, pois facilitam o pagamento das compras e agilizam
todo o processo.
Podemos concluir que as expectativas dos consumidores, no comércio
eletrônico, tendem a ser mais desafiantes do que nas transações tradicionais.
Essas exigências adicionais vêm desafiando os executivos de Logística das
empresas ponto-com, exigindo novas soluções.

CUSTOMIZAÇÃO VERSUS PRODUÇÃO EM MASSA


A Revolução Industrial trouxe consigo a produção em massa, que possibilitou
o barateamento dos mais diversos produtos e a enorme ampliação dos merca-
dos. É o caso, por exemplo, do automóvel que, no início do século XX, não
passava de um hobby esportivo de pessoas ricas e, com Henry Ford, chegou
aos lares dos cidadãos de classe média, para mais tarde se tornar um instru-
mento de locomoção diária. Após a Segunda Guerra Mundial, com o desen-
volvimento da tecnologia da informação, da manufatura flexível e da logísti-
ca, foi possível ampliar o leque de produtos oferecidos e seus opcionais. O
consumidor foi ficando cada vez mais exigente em relação à satisfação de seus
gostos e preferências pessoais. Até pouco tempo atrás, uma pessoa que dese-
jasse comprar um automóvel ia a uma concessionária e analisava os carros em
97
exposição, cotejando as ofertas em termos de motorização, cor, acabamento,
acessórios etc. Se não quisesse nenhum dos veículos disponíveis, tinha que es-
perar pela chegada do produto de sua escolha à loja ou precisava ir atrás de
outras concessionárias, até achar o automóvel de sua preferência. Hoje, com a
Internet, o comprador pode montar virtualmente seu veículo para, em segui-
da, fazer o pedido e finalmente indicar o local onde irá recebê-lo. É verdade
que o prazo para que o carro chegue às suas mãos é ainda elevado, mas a sa-
tisfação de ter o produto exatamente dentro do especificado é algo novo e
estimulante. O termo, para esse tipo de venda/manufatura com satisfação
plena dos desejos do cliente, é produção customizada. Para o fabricante, no
entanto, a customização, embora inevitável em razão da forte concorrência
hoje existente no mercado, significa custos elevados.
Algumas empresas que atuam na Internet operam de forma quase total-
mente virtual, exigindo pouquíssimas atividades físicas. Por exemplo, um
site como o Google efetua buscas para seus milhões de internautas, encon-
trando as informações desejadas à medida que vão sendo solicitadas. A recei-
ta vem da propaganda inserida no portal. Para garantir sua posição no mer-
cado, o Google mantém uma equipe de técnicos que trabalha constantemen-
te no desenvolvimento e melhoria do site e dos algoritmos de busca. Por trás
dessa operação há um aspecto muito importante, sonhado por todos aqueles
que desejam ter suas atividades de negócios na Internet: é o ganho de escala.
No jargão de comércio eletrônico, esse ganho potencial é chamado de scala-
bility, que traduzimos livremente por escalabilidade. Os serviços oferecidos
na Internet com elevado grau de “escalabilidade” são potencialmente muito
eficientes e, portanto, lucrativos. Os grandes investidores de empresas pon-
to-com procuram, em geral, projetos desse tipo. No jargão do setor, escala-
bilidade infinita é um termo usado pelos investidores para se referir a um ne-
gócio hipotético na Internet que possibilite o atendimento a um número ili-
mitado de usuários a um custo extremamente baixo ou quase nulo.
No caso do site Google, a “escalabilidade” é quase infinita, pois, uma
vez instalado o portal, o nível de demanda pode crescer exponencialmente
sem que a empresa precise aumentar rapidamente o número de funcionári-
os, a frota de caminhões, os centros de distribuição e os demais requisitos
físico-operacionais que fazem parte da grande maioria das atividades comer-
ciais existentes. Uma livraria virtual, como a Amazon, já trabalha com pro-
dutos físicos, como livros e CDs. Mas a Amazon não monta nem fabrica os
produtos. Ao contrário, já os recebe prontos das editoras para remetê-los aos
compradores. O nível de “escalabilidade” é menor do que o da Google, já
que há diversas atividades de retaguarda de natureza física (depósitos, esto-
ques etc.) e operacional (apanha, empacotamento, despacho etc.). Mas o
grau de “escalabilidade” da Amazon.com não é desprezível, fazendo que
98 suas ações tenham valor relativamente alto no mercado financeiro.
Uma montadora de veículos, por outro lado, trabalha com uma rede
enorme de fornecedores, organizada em vários níveis hierárquicos. Há os
fornecedores diretos, que fornecem subsistemas para o fabricante, como,
por exemplo, o cockpit (painel do carro já montado com todos os instru-
mentos). Esse fornecedor recebe de outras indústrias os instrumentos do
cockpit, e assim por diante. Assim, o nível de “escalabilidade” para uma
montadora de automóveis é baixo, pois qualquer variação no mix de pro-
dutos demandados ocasiona um efeito extenso na cadeia de suprimento,
envolvendo os componentes que formam o veículo, seu transporte, arma-
zenagem, estoques etc., além da informação e do pessoal necessário para
movimentar toda a cadeia.
Esse é o caso de muitas empresas que atuam no comércio eletrônico
B2B e B2C. Seus produtos envolvem um elevado grau de intervenção física.
Os fabricantes de veículos, em particular, que produzem produtos comple-
xos e de alto valor agregado, sofrem essa limitação quando os comercializam
na Internet. Para esse tipo de indústria, a customização pura e simples, em
que cada comprador monta virtualmente o produto a seu gosto, deve ser en-
carada de forma parcial, procurando satisfazer o cliente, de um lado, mas
sem que, de outro, os custos decorrentes tornem a transação economicamen-
te impraticável. Uma forma de se conseguir isso é através da customização
em massa (mass customization).
A customização em massa, em oposição à produção em massa, parte de
uma análise detalhada das preferências dos consumidores para então definir
o mix de produtos e as estratégias de marketing mais adequadas. Vamos ilus-
trar essa estratégia com um exemplo. Uma montadora nacional analisou as
informações correspondentes às vendas pela Internet de um de seus veículos
populares de maior demanda. Desejava, com isso, encontrar estruturas típi-
cas de preferência dos consumidores para, depois, definir estratégias especí-
ficas de marketing.
Muito embora o cliente internauta tenha liberdade de montar seu auto-
móvel como quiser, a montadora oferece também alguns pacotes-padrão,
cada um deles formado por uma combinação diferente de componentes ou
acessórios. Na Tabela 3.5 são mostrados simbolicamente os pacotes ofereci-
dos na Internet, formados por diferentes combinações de componentes e
acessórios. Analisando um grande número de casos reais de compras pela
Internet, a empresa verificou que apenas alguns dos componentes oferecidos
representam uma parcela elevada das escolhas.
Por exemplo, observamos que o componente B aparece em 100% dos
pacotes oferecidos e, portanto, participa em 100% das escolhas. O compo-
nente C, por sua vez, participa em 66,7% das escolhas dos e-consumidores.
Assim, um possível esquema de customização em massa seria oferecer um
novo pacote formado pelos componentes B e C. Com isso, a empresa satisfa- 99
ria pelo menos 66,7% dos compradores. A ideia básica é definir um número
reduzido de subpacotes de componentes que possam ser combinados de ma-
neira a formar pacotes mais amplos, e atendendo ao maior número de clien-
tes potenciais. Por exemplo, se a grande maioria dos clientes escolhe espe-
lhos retrovisores e portas acionadas por comando elétrico, essa combinação
pode formar um subpacote, em lugar de tê-los como opções independentes.
Com isso, a montadora pode juntar essas duas opções numa só, encomen-
dando aos fornecedores um kit único, reduzindo assim os custos de estoque,
de controle de qualidade, de transporte etc. A ideia de customização ainda
estaria viva, pois a grande maioria dos clientes não notaria a diferença.

Tabela 3.5 Composição de diferentes pacotes de componentes


Componentes do pacote
Ocorrência
Pacote de componentes (%) A B C D E

P01 30,3 X X

P02 25,5 X

P03 10,5 X X X

P04 8,8 X X X

P05 8,2 X X X X

P06 6,2 X X X X

P07 5,3 X X

P08 2,7 X X X

P09 1,0 X X

P10 0,7 X X X

P11 0,6 X X

P12 0,2 X X X

Total 100,0 – – – – –

Mas a análise não para aí. Para cada pacote ou subpacote, seria realiza-
do um estudo minucioso do perfil dos consumidores que adquiriram as com-
binações de componentes selecionadas. Seriam analisadas suas característi-
cas socioeconômicas, como faixa etária, renda, região onde reside etc., bus-
cando padrões homogêneos de comportamento. Depois, seria feita uma pes-
quisa mercadológica de campo junto aos consumidores e concessionárias
buscando descobrir as razões das escolhas: segurança, status, conforto, valor
potencial de revenda etc. De posse dessas informações, a área de marketing
100 da empresa prepararia programas mercadológicos específicos visando me-
lhor orientar o mercado na aquisição de seus produtos, atuando diferencial-
mente nos diversos nichos identificados na análise.
Outro possível resultado desse tipo de estudo é a análise do lead-time real-
mente cumprido pela montadora. O internauta que compra seu carro na Inter-
net precisa esperar várias semanas até que o veículo lhe seja finalmente entre-
gue. Muitas vezes esse processo demora de um mês e meio a dois meses no Bra-
sil. Na Europa, as seis montadoras que participam do programa 5DayCar apre-
sentam um lead-time médio de 40 dias. Nos Estados Unidos o prazo é maior,
em torno de 60 a 70 dias. Deve-se somar a esse tempo mais dois ou três dias
para que a concessionária prepare o carro e, a seguir, o entregue ao proprietário.
A análise de mercado que descrevemos sucintamente pode também ser
usada para verificar as expectativas de prazo de recebimento (lead-time) dos
veículos adquiridos na Internet por parte dos diversos grupos de consumido-
res. Um estudo realizado recentemente nos Estados Unidos (CNW Marketing,
2003) mostrou haver diferenças nítidas entre grupos diferentes de consumi-
dores. Por exemplo, para os compradores de veículos econômicos, de menor
valor, o lead-time esperado era de 21 a 22 dias; já os compradores de carros
esportivos, bem mais sofisticados, estavam dispostos a esperar até 54 dias.
Pode-se concluir dessa breve análise da customização em massa que,
embora o comércio eletrônico tenha introduzido expectativas novas nos
consumidores, há formas inteligentes de contornar as consequências logísti-
cas negativas nas grandes cadeias de suprimento, como a da indústria auto-
motiva, por exemplo.

SERVIÇOS LOGÍSTICOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO


Embora algumas empresas de grande porte possam preferir a adoção de um
sistema próprio de entregas para as compras realizadas através do comércio
eletrônico, a grande maioria tende a utilizar serviços logísticos de terceiros
(veja o Capítulo 9). Estes são normalmente representados por empresas de
entrega rápida, couriers e transportadoras de carga fracionada. Nos Estados
Unidos, o conceito de hub-and-spoke que a Federal Express (FedEx) colocou
em prática nas suas operações introduziu, no mercado norte-americano, um
novo padrão de serviços de entregas rápidas. De um lado, esse sistema possi-
bilitou a uniformização dos prazos de entrega para milhares de conexões nos
Estados Unidos. Isso permite aos usuários planejar suas atividades com efi-
ciência e mais economia, reduzindo custos e cumprindo os prazos de entrega
prometidos aos clientes. Por outro lado, um sistema de entregas expressas
cobrindo todo o território do país, com um nível de serviço uniforme, abre a
oportunidade para as empresas usuárias reduzirem significativamente seus
níveis de estoque. Isso é conseguido através da concentração dos pontos de
estocagem dos produtos em poucos centros de distribuição. A mercadoria é
101
deslocada desses pontos para os consumidores finais através de serviços de
entregas expressas. Infelizmente, não possuímos no Brasil sistemas de distri-
buição expressa com o nível de serviço observado nos Estados Unidos. Dis-
cutiremos, a seguir, alguns aspectos relacionados com esse assunto, junta-
mente com possíveis encaminhamentos para sua solução.

Serviços de Entregas Expressas


Muito embora a empresa UPS (United Parcel Service) tenha iniciado suas
operações em 1907, em Seattle, sendo hoje uma das maiores transportado-
ras de carga fracionada do mundo, sua rival, a Federal Express, ou FedEx, é
que teve o mérito de revolucionar o setor, introduzindo modernos conceitos
logísticos. A FedEx iniciou suas operações em 1973, com sede em Memphis,
no Tennessee, servindo a 210 países. Fatura cerca de US$21 bilhões por ano
e entrega milhões de pacotes todos os dias, no mundo todo (ver www.fe-
dex.com). Nos Estados Unidos, a FedEx colocou em prática, no serviço de
entregas rápidas, o conceito de hub-and-spoke, especificamente no transpor-
te de carga aérea.
A ideia, em si mesma, é muito simples. Agentes da FedEx apanham as
encomendas nos diversos pontos do território norte-americano, trazendo-as
para as unidades locais. A carga é concentrada em centros regionais e, dali,
transportada por via aérea até o hub, localizado em Memphis. Essa cidade
foi escolhida como hub porque está localizada no centro do território ameri-
cano e seu tráfego aéreo é raramente prejudicado por mau tempo. Ao chegar
ao hub, os pacotes são descarregados, separados por região e reembarcados
nos aviões, que levam as encomendas para seus destinos, de madrugada. Na
manhã seguinte, os pacotes são levados a seus destinatários por meio de uma
frota de veículos de entrega.
O serviço mais sofisticado da FedEx, denominado Priority Overnight,
garante a entrega de pacotes até 68kg (150 libras) até as 10h:30 do dia útil
seguinte ao despacho. Cobre a grande maioria das cidades norte-americanas.
Para as cidades não servidas por esse sistema, a encomenda é entregue no dia
útil seguinte, até o meio-dia. Esse esquema de entregas está intimamente li-
gado às necessidades dos clientes e é compatível com a estrutura logística da
FedEx. Além disso, o serviço Priority Overnight apresenta uma cláusula de
devolução do frete, nos casos de não cumprimento das condições prometi-
das pelo operador.
De fato, as atividades comerciais nos Estados Unidos se iniciam diaria-
mente às 9 horas da manhã, e as secretárias estão ocupadas até 10 horas ou
10h:30, organizando sua mesa e o expediente do dia. Dessa forma, a janela
de tempo estabelecida pela FedEx para as entregas, no caso do serviço
102 Priority Overnight, atende às necessidades dos clientes na grande maioria
dos casos. Há que se considerar ainda que grande parte das encomendas che-
gará antes do prazo-limite, distribuídas pelo período matutino que o antece-
de. Por outro lado, o período de tempo disponível para as entregas permite à
FedEx organizar seus roteiros de distribuição de forma eficiente.
Uma importante consequência desse esquema operacional é a redução
efetiva dos níveis de estoque nos depósitos e nos centros de distribuição dos
clientes. Tomemos, como exemplo, o setor de venda de livros. Se cada livra-
ria mantivesse um estoque de, pelo menos, dois ou três exemplares de cada
título, o nível de inventário total, computando todas as lojas espalhadas pelo
país, atingiria um volume muito elevado. Se as editoras puderem manter es-
toques concentrados em poucos depósitos (se possível, em apenas um), o ní-
vel global de inventário ficará drasticamente reduzido. Com um serviço con-
fiável de entregas rápidas à disposição, as editoras e livrarias estão efetiva-
mente reduzindo os estoques nas prateleiras das lojas e atendendo os clientes
através de pedidos para entrega posterior. O caso típico é da Amazon.com,
que vende livros pela Internet e entrega as encomendas através de operado-
res logísticos tais como FedEx, UPS, DHL, Correios etc.
No Brasil, as empresas FedEx, UPS e DHL, entre outras, estão somente
autorizadas a operar nos segmentos internacionais. A empresa FedEx estabe-
leceu esquemas de parceria com algumas transportadoras no Brasil para o
deslocamento de encomendas no segmento nacional de seu serviço de
courier. No entanto, não dispomos, até o momento, de um serviço expresso
de entregas cobrindo todo o território nacional, com um padrão de serviço
nos moldes indicados anteriormente.
Com a expansão do comércio eletrônico, estão surgindo novos opera-
dores logísticos voltados à distribuição dos produtos adquiridos na Internet.
Entre eles, a Kwikasair, TNT e ebX Express (Malinverni, 2000). O futuro
mostrará quais as empresas que permanecerão no mercado e quais se desta-
carão, apresentando um serviço à altura das necessidades da nova economia.

Serviço Courier Postal


A empresa de Correios (ECT) oferece um sistema de encomendas expressas
intitulado Sedex. O principal serviço oferecido pelo Sedex cobre todo o ter-
ritório nacional, entregando courier e carga parcelada até 30 kg. O prazo
para entrega (lead-time) varia bastante, conforme os locais de origem e de
destino. Se a origem e o destino forem capitais de estado, o Sedex se com-
promete a entregar a encomenda no dia seguinte, mas sem especificar a hora
ou o período do dia. Se a encomenda se originar numa capital e se destinar a
uma cidade situada no interior de outro estado, é necessário um dia adicio-
nal para realizar a entrega. O mesmo ocorre quando a origem for uma capi-
tal e o destino estiver localizado no interior do mesmo estado. Finalmente, 103
se os pontos de origem e de destino forem cidades localizadas no interior de
estados diferentes, o prazo de entrega é de três dias.
A ECT oferece ainda outros serviços de encomendas expressas, como o
Sedex VIP, com entregas no mesmo dia, o Sedex 10 e o e-Sedex, este último
específico para o comércio eletrônico. O e-Sedex oferece três modalidades –
Standard, Prioritário e Express – e permite o rastreamento e confirmação
das entregas por via eletrônica, bem como a entrega programada para diver-
sos horários (manhã, tarde e noite). No serviço e-Sedex Standard, por exem-
plo, os produtos coletados nas empresas clientes entre 8 horas de um dia D
até 6 horas do dia D+1, serão entregues entre 8 horas e 18 horas do dia
D+1. Para o serviço Prioritário, a coleta será feita entre 9 horas e 12 horas
do dia D, com a primeira tentativa de entrega no mesmo dia, até as 18 horas,
e a segunda tentativa entre 18 horas e 21 horas do mesmo dia. Finalmente,
para o serviço Express, a coleta é feita entre 13 horas e 17 horas do dia D,
com a primeira tentativa de entrega entre 18 horas e 21 horas do mesmo dia,
e a segunda tentativa entre 8 horas e 12 horas do dia D+1.
O serviço inclui a logística reversa, ou seja, sempre que não for possível
realizar a entrega, devido à recusa do recebimento do produto ou ao insuces-
so na localização do destinatário, o e-Sedex se incumbe de retornar a enco-
menda à empresa cliente. As operações do e-Sedex incluem também o rece-
bimento dos pagamentos no ato da entrega e a troca de informações on-line
com as empresas ponto-com participantes.
Pode-se observar uma diferença importante entre o serviço Sedex, de
um lado, e o da empresa FedEx nos Estados Unidos. Hoje, em que grandes
indústrias e firmas de serviços estão sendo instaladas ou se transferindo para
cidades menores, é altamente desejável para a economia do país que serviços
de entrega rápida sejam oferecidos de forma a cobrir todo o território, e não
somente atendendo as principais cidades. É claro que as cidades pequenas,
situadas em regiões remotas e de pequeno consumo, poderão ser deixadas de
lado numa primeira fase. Isso, de resto, também ocorre nos Estados Unidos.
A estrutura organizacional e operacional dos Correios no Brasil é adequa-
da para trabalhar com volumes relativamente pequenos, quando comparados
com os das contrapartes norte-americanas e europeias. No caso de ocorrer
uma expansão muito grande da demanda no comércio eletrônico, a estrutura
atual dos Correios vai precisar de uma revisão ampla, principalmente no que
se refere ao tratamento da informação e à estrutura operacional.

MONTANHA-RUSSA NO B2C: O CASE ETOYS.COM


A logística é seguramente um dos elementos-chave no sucesso ou fracasso de
um empreendimento do tipo B2C na Internet. Este case ilustra bem isso, e
envolve uma empresa fundada em 1997 no auge da explosão ponto-com da
104 Nasdaq, e que faliu fragorosamente em março de 2001.
O Contexto de Atuação da eToys
A qualidade do serviço ao consumidor no comércio eletrônico se apoia em
quatro pilares (Hallowell, 2002):

G qualidade da navegação na Internet;


G informações fornecidas ao internauta;
G apoio ao consumidor, quando necessário;
G processo logístico eficiente e eficaz.

A análise do case da eToys mostra o fracasso de uma iniciativa que tinha


tudo para dar certo, mas que acabou falindo por focalizar apenas os dois pri-
meiros pontos indicados acima.
O objetivo da empresa eToys era se tornar o melhor site comercial vol-
tado à família nos Estados Unidos, especializando-se na venda de brinque-
dos, livros infantis, vídeos, CDs etc. Menos de quatro anos após sua entrada
triunfal, quando a eToys acabou falindo em março de 2001, essa visão ambi-
ciosa serviu apenas como uma amarga lição para muitos outros e-varejistas.5
Muitos varejistas que operam na Internet são empresas tradicionais,
dispondo de uma rede de lojas, depósitos, serviços de entregas e especial-
mente experiência na área comercial. É o caso, por exemplo, de Lojas Ame-
ricanas, Ponto Frio e Livrarias Siciliano, no Brasil, e Wal-Mart e livraria Bar-
nes & Noble nos Estados Unidos. Mas há um certo grupo de empresas vare-
jistas do tipo B2C que só opera na Internet, não mantendo lojas do tipo tijo-
lo-e-argamassa,6 no jargão do setor, ou seja, o atendimento ao consumidor é
feito exclusivamente através da Internet. É o caso da Amazon.com e
eToys.com, nos Estados Unidos, e da Submarino.com.br, no Brasil.
O comércio B2C veio para ficar, principalmente devido à maior facili-
dade e rapidez para o comprador nas operações de busca, de compra e de re-
cebimento do produto adquirido. Livros, CDs, celulares, brinquedos e mes-
mo computadores são entregues na casa do cliente dentro de um prazo pre-
viamente estabelecido. Vejamos o contrário, um exemplo de uma consumi-
dora que se dirige fisicamente a uma loja tijolo-e-argamassa.
É época de Natal, e a consumidora deseja comprar alguns presentes,
mas ainda tem uma série de questões a serem respondidas antes de finalizar a
aquisição. Ao chegar à loja, verifica que o estacionamento está lotado, com
uma fila de carros esperando vaga. Nossa compradora em potencial leva o

5
Tradução do inglês de e-tailers, que são os varejistas (retailers) que comercializam produtos na
Internet.
6 Tradução de brick and mortar, expressão em inglês. 105
automóvel para um estacionamento pago e tem de percorrer uma boa dis-
tância a pé para chegar à loja. O estabelecimento está cheio de gente, e a con-
sumidora procura um atendente para fazer algumas indagações. Mas todos
estão ocupados, atendendo outras pessoas, e pedem que espere. A mulher
continua procurando e encontra um dos objetos de seu desejo na vitrine. De-
pois de muito esperar, um atendente lhe responde que é o último em esto-
que, mas já está vendido. A consumidora se conforma e vai atrás de outros
produtos de sua lista. Na hora de pagar, a moça da caixa lhe diz que a opera-
dora de seu cartão de crédito está fora do ar. E a compradora em potencial é
obrigada a pagar em cheque, depois de várias tentativas de registro da com-
pra através do cartão, por parte da atendente...
Fazendo as compras na Internet tudo é mais fácil e rápido. Não é preci-
so sair de casa, os produtos lhe são entregues na data certa, o pagamento
com cartão de crédito é tranquilo. Sim, mas não tanto. As empresas que ope-
ram sites de B2C gastam grandes importâncias de dinheiro para atualizar e
melhorar sua imagem junto aos internautas. Grande parte do faturamento
dessas empresas vai para o setor de marketing. Gastam somas expressivas
com outros provedores para instalação de banners7 e links que veiculam pro-
paganda de suas atividades e que dão acesso ao site da empresa. Mas nem
sempre os serviços de logística, envolvendo processamento dos pedidos, en-
trega dos produtos e atendimento ao cliente, estão à altura.
A partir de sua criação em 1997, em Los Angeles, Califórnia, a
eToys.com cresceu rapidamente, aumentando seu quadro de funcionários
de 13 pessoas para 235 durante o ano de 1998. Mas, simultaneamente com o
aumento da popularidade junto aos consumidores, veio o aumento das des-
pesas, e, no fim de 1998, depois de 14 meses de operação, a empresa tinha
um déficit acumulado de 17,5 milhões de dólares. Em fevereiro de 1999,
anunciou o plano de abrir o capital para conseguir, na bolsa de valores, mais
recursos financeiros para suas atividades.
Déficits de empresas desse tipo, nos primeiros anos de operação, são
normalmente aceitos pelos investidores. Os analistas de mercado se apoiam
no conceito de “escalabilidade”, já definida. Conforme enunciado anterior-
mente, a “escalabilidade” representa o potencial de aumento do lucro da
empresa à medida que o número de acessos ao site vai crescendo. Para em-
presas de elevada “escalabilidade”, perdas nos primeiros anos de operação
podem ser compensadas de muito no futuro, e os investidores se apoiam nes-
sa ideia. Já as empresas que comercializam produtos na Internet, o fator de
“escalabilidade” também existe, mas é menor. Isso porque a comercialização
de produtos envolve custosos estoques, pessoal no depósito para embalar e

7
106 Banners são as faixas de propaganda colocadas nos sites de outras empresas.
despachar os pedidos, transporte, atendimento aos clientes e diversas outras
atividades logísticas, cujo custo cresce diretamente com a demanda.
A eToys dedicou o ano de 1999 à expansão de suas atividades. Acelerou
a implantação de um segundo depósito e adquiriu a empresa BabyCenter por
mais de 150 milhões de dólares. Em agosto daquele ano assinou um acordo de
marketing com a American Online. Em função desse acordo, a eToys se tor-
nou a varejista líder de produtos infantis nos sites da AOL, comercializando
brinquedos, livros, vídeos, além de outros produtos do gênero. Ainda naquele
mês, tornou público o plano de expandir suas atividades para o Reino Unido,
estabelecendo um depósito de distribuição em Swindon, perto de Londres.
Os executivos da eToys planejaram diversas outras formas de ação para
melhorar suas margens de lucro. Uma ideia era a de comercializar produtos
de outras categorias com maiores margens, tais como artigos esportivos e
roupas. Pensaram também em criar produtos de marca própria, que poderiam
gerar lucros bem mais elevados. Mas esse esforço excessivo elevou sobrema-
neira os custos. Em 1999, 37% do faturamento foi despendido em propa-
ganda. Os custos relacionados com atendimento ao cliente, processamento
dos pedidos e despesas com cartões de crédito totalizaram outros 33%.
Junto com Amazon e eBay, a eToys figurava como um dos sites mais vi-
sitados durante a época de Natal de 1999. Cerca de 1,5 milhão de consumi-
dores utilizavam o site da eToys para suas compras. A empresa atingia assim
o ponto mais alto na montanha-russa de nossa analogia.
Mas os investidores já começavam a perder a fé na atuação da empresa
bem antes da crise da Nasdaq. Em janeiro de 2000, a eToys indicou um pre-
juízo de 62,5 milhões de dólares para o quarto trimestre de 1999, muito alto
quando comparado com um déficit de 8,2 milhões observado no mesmo pe-
ríodo do ano anterior. As ações da empresa, que atingiram o valor unitário
de US$84,35 em outubro de 1999, caíram para US$26,25 no início de
janeiro, chegando a US$13,06 por ação pouco depois.
Para acalmar os investidores, a eToys agiu agressivamente em 2000.
Anunciou planos de abrir seu site para propaganda de terceiros, eliminou a
terceirização dos serviços de logística e, em junho, conseguiu levantar 100
milhões de dólares no mercado financeiro para capitalizar a empresa.
Mas, em novembro do ano 2000, as ações da eToys caíram para um va-
lor de apenas US$2,56 quando os analistas previram que a empresa não iria
conseguir lucro positivo até 2004, um prazo dois anos além do prometido
por seus executivos. No entanto, os administradores da eToys tinham a es-
perança de retomar seu nível de crescimento nas festas de Natal de 2000.
Mas de nada adiantaram seus esforços.
No dia 15 de dezembro de 2000, a empresa anunciou que iria reduzir
drasticamente seu quadro de funcionários para compensar os prejuízos ocor- 107
ridos no trimestre anterior. Em janeiro de 2001, 700 funcionários da eToys
já haviam sido dispensados, o que representava 70% de sua força de traba-
lho. Na mesma ocasião, a divisão inglesa fechou suas portas. Pouco antes de
falir, a empresa cancelou abruptamente as entregas de seus produtos no
Canadá.
Em fevereiro de 2001, os executivos da eToys comunicaram aos inves-
tidores que as ações da empresa haviam perdido totalmente seu valor de
mercado e que iriam fechar suas portas em março. Subitamente, as ligações
telefônicas passaram a ser atendidas por uma gravação e ninguém mais da
firma podia ser contatado por telefone ou por outro meio. A eToys havia fa-
lido e atingia, nesse ponto, a curva mais baixa da montanha-russa de nossa
analogia.

Problemas Logísticos
As empresas B2C gastam grandes somas de dinheiro em marketing e no de-
senvolvimento de seus sites, mas muitas vezes ignoram aspectos importantes
de atendimento ao cliente e de solução dos problemas logísticos. Por exem-
plo, a Eve.com, um e-varejista norte-americano que vende produtos de bele-
za na Internet, tentou vender perfume, mas logo descobriu que esse tipo de
produto era considerado “material perigoso” pelas autoridades. Para en-
viá-lo pelo operador logístico UPS era necessária uma licença especial. A li-
cença levou meses para ser obtida, com impactos negativos nas operações. O
setor de logística da empresa deveria ter participado dos planos comerciais
da administração, tomando assim as providências cabíveis de licenciamento,
com a devida antecedência.
Muitas empresas B2C têm falhado, com frequência, nas entregas de
seus produtos por ocasião das principais festas, principalmente a do Natal.
Um levantamento feito pela eToys mostrou que 90% dos pedidos no mês de
dezembro chegavam ao seu destino dentro do prazo estabelecido. Mas esse
índice, aparentemente razoável, embora não ideal, mostrava, na verdade,
que a empresa havia quebrado o compromisso com 10% dos clientes, que re-
presentavam, em termos absolutos, muitas famílias insatisfeitas. A difusão de
rumores, principalmente os negativos, é muito rápida, e esses 10% podem
significar a destruição da credibilidade da empresa se nada for feito para eli-
minar os problemas logísticos observados na vida real.
Mas havia ainda outro parâmetro nesse processo que complicava ainda
mais a imagem da eToys. Um levantamento realizado por uma consultoria
independente verificou que, de forma geral, as empresas B2C puras (isto é,
que somente operam na Internet) tinham conseguido um nível médio de
65% de atendimento cem por cento correto nas entregas, contra um índice
108 de 80% para os varejistas do tipo tijolo e argamassa. Esse resultado compara-
tivo foi considerado indesculpável pelos analistas, e suas opiniões acabaram
se refletindo negativamente sobre os consumidores, através da mídia.
Mas deixemos os próprios consumidores falarem por si próprios. O
Wall Street Journal, na sua edição interativa de 30 de dezembro de 1999, pu-
blicou a seguinte queixa de uma consumidora (Hallowell, 2000)

Minha experiência com a eToys foi um desastre. Uma amiga e eu


fizemos juntas um pedido com o objetivo de reduzir o custo de
despacho e transporte. Pedimos três itens, todos eles listados como
“disponível em estoque”. Logo recebi um e-mail confirmando a
transação. Alguns dias depois recebi outro e-mail dizendo que um dos
itens estava em falta (mas eles haviam afirmado que tinham no
estoque) e que eu precisava decidir o que fazer dentro de 72 horas
ou, de acordo com a “lei federal”, meu pedido seria cancelado. Eu
imediatamente respondi que desejava cancelar o pedido. Minha amiga
foi a uma loja e comprou o item desejado (por um preço melhor).
Vários dias depois o item que eu havia cancelado chegou pelo correio!
Liguei para a eToys e me disseram que havia ocorrido um “problema
no sistema”, o que fez com que meu e-mail fosse ignorado e
ocasionando o envio do brinquedo por engano. Uma outra amiga
minha teve exatamente a mesma experiência...

O mesmo Wall Street Journal, na edição de 13 de dezembro de 1999,


relatou a reclamação de Melissa Cicci, de 41 anos, mãe de duas crianças
(Hallowell, 2000):

A Sra. Melissa Cicci procurou o avião da Barbie em todas as lojas e


finalmente o encontrou no site da eToys. Um pouco antes do dia de
Ações de Graças8 de 1999, ela fez seu pedido. O site da eToys lhe
sugeriu que comprasse também as pilhas para o brinquedo, e ela assim
o fez. Mas alguns dias depois a Sra. Cicci recebeu más notícias: a
eToys dizia que havia despachado as pilhas, mas que o avião estava em
falta e seria enviado tão logo a empresa recebesse nova remessa do
produto. As baterias foram logo entregues pelo Correio Expresso.
“Assim, eu tive que pagar 3 dólares para cobrir o custo de despacho e
transporte, quando as pilhas custaram 2,98 dólares”, ela disse.

8
O Dia de Ações de Graças (Thanksgiving Day) é uma festa muito importante nos Estados Unidos,
e cai na segunda-feira da segunda semana de outubro. 109
A Sra. Cicci enviou então um e-mail para a empresa reclamando da
situação e argumentando que o site indicava que o avião estava
disponível quando ela fez o pedido. Mas não obteve resposta. Depois
de mais duas mensagens por e-mail e três ligações telefônicas para o
serviço de atendimento ao consumidor, lhe disseram que o brinquedo
lhe seria enviado e que ela seria ressarcida pelo custo da remessa das
pilhas. O avião da Barbie foi finalmente entregue pela FedEx 19 dias
depois que a Sra. Cicci fez o pedido.

A leitura dessas duas reclamações mostra algumas deficiências sérias na


logística da empresa. Em primeiro lugar, o sistema de informação sobre ní-
veis de estoque, de todos os setores da firma, deve ser único e deve ser atuali-
zado real time, isto é, instantaneamente quando é feita uma operação qual-
quer. Por exemplo, quando o comprador clica com o mouse adquirindo um
determinado produto, o sistema computacional deve alocar imediatamente
o item para aquele pedido em todas as bases de dados da empresa. Se os pedi-
dos forem arquivados numa base de dados do setor de vendas, por exemplo,
sendo posteriormente transferidos em batch (lotes) para o computador do
depósito, pode ocorrer que outros clientes, que já entraram no sistema atra-
vés de outros canais, tenham bloqueado a disponibilidade do item. Assim, o
cliente, que entrou no sistema depois, pode ficar sem o produto. O ideal é ter
um sistema de informação único, centralizado, ao qual todas as operações
devem ficar interligadas real time. Por aí se percebe quão importante é dis-
por de um sistema atualizado e eficaz de tecnologia de informação.
Mas pode também ocorrer a situação contrária. O encarregado do de-
pósito recebe do fornecedor um lote de um determinado produto, o qual é
fisicamente colocado no estoque, mas as informações são deixadas para se-
rem cadastradas mais tarde, podendo ocorrer no dia seguinte ou mesmo dois
ou três dias depois. Isso costuma acontecer em períodos de pico, quando há
sobrecarga de trabalho no armazém, e o gerente acaba alocando o funcioná-
rio para outras tarefas antes que tenha tempo para digitar as informações da
remessa recém-chegada. O consumidor, ao acessar o site, recebe a informa-
ção de que o produto está em falta, quando, na verdade, está disponível no
estoque. Problemas desse tipo são evitados com RFID (identificação por ra-
diofrequência). Essa tecnologia permite que as informações sejam lidas e
transferidas para o computador no instante do recebimento das mercado-
rias, sem maiores esforços e atualizando imediatamente no computador o ní-
vel de estoque.
Outro aspecto importante a ressaltar é o efeito negativo das reclama-
ções dos consumidores no desempenho logístico da empresa. O grande se-
110 gredo do comércio através da Internet é a redução da mão de obra especiali-
zada. No comércio do tipo tijolo-e-argamassa são necessários vendedores es-
pecializados em todas as lojas, atendentes nos caixas, gerentes, pessoal para
decorar, arrumar e limpar o estabelecimento, vigilantes e muitos outros. No
esquema B2C os custos correspondentes a esse pessoal são quase totalmente
eliminados. Mas, quando o sistema logístico é falho, o número de e-mails e
de ligações telefônicas de clientes insatisfeitos cresce exponencialmente. E a
dificuldade não está em somente ouvir as reclamações. O problema mais sé-
rio ocorre posteriormente à ligação, quando a queixa é transmitida ao setor
competente e algo concreto precisa ser realizado em resposta à queixa do
consumidor. Quando o sistema logístico é falho, ocorre muitas vezes um
pingue-pongue na troca de informações dentro da empresa e entre os fun-
cionários do setor de atendimento e o cliente insatisfeito, levando ao desgas-
te da imagem da organização e à elevação excessiva dos custos. Assim, a
eToys deveria ter resolvido eficazmente seus problemas logísticos, pois sim-
plesmente o aumento do corpo de funcionários do setor de atendimento ao
consumidor não só não resolvia o problema como agravava exageradamente
os custos.
Um outro fator que se reflete no desempenho logístico da empresa é a
experiência anterior nesse tipo de atividade. As lojas tradicionais do tipo ti-
jolo-e-argamassa, quando decidem atuar também na Internet, trazem consi-
go toda a experiência logística obtida durante os anos que operaram de for-
ma tradicional. Essa experiência relevante inclui normalmente adminis-
tração de estoques, compras, distribuição física, transporte, atendimento ao
cliente etc., o que lhes dá uma certa vantagem quando vão operar na Web. Já
vimos que o fator de “escalabilidade” é muito importante nos empreendi-
mentos ligados à Internet. O nível de “escalabilidade” é alto para serviços
envolvendo apenas troca de informação. Já para as empresas que comerciali-
zam produtos físicos na Internet, o fator de “escalabilidade” também existe,
mas é bem menor. Isso porque os custos logísticos são elevados e dependem
muito de soluções racionais, otimizadas, o que nem sempre é conseguido por
e-varejistas puros.
Uma solução adotada pela eToys no início de suas atividades foi tercei-
rizar todas as operações logísticas, incluindo controle de estoques, tratamen-
to dos pedidos, despacho, transporte etc. Outras empresas desse tipo segui-
ram o mesmo caminho. Mas isso, nas palavras de um executivo do setor, é
“dançar com o diabo”. A razão dessa afirmação é a ocorrência de um confli-
to de interesses entre o operador logístico e o e-varejista: o primeiro procu-
rando reduzir seus custos de forma a aumentar o lucro, e o segundo desejan-
do continuamente adicionar maiores recursos e maior valor ao sistema.
Na verdade, a terceirização é uma tendência atual na logística. Mas,
para contratar bem, é necessário que o contratante domine satisfatoriamente
o processo, possuindo know-how adequado das operações logísticas. É o que 111
ocorre com boa parte das empresas líderes do tipo tijolo-e-argamassa, que,
ao ampliar sua atividades para a Internet, já possuem um sistema logístico
devidamente testado. E, algumas vezes, esse sistema logístico já foi terceiri-
zado, mas continua sendo monitorado e avaliado de perto pela empresa con-
tratante.
Quando percebeu as dificuldades em resolver satisfatoriamente seus
problemas logísticos, a eToys decidiu desfazer o acordo com a Fingerhut,
uma subsidiária da Federated Department Stores, e implantar um sistema lo-
gístico próprio. Assim, resolveu instalar um depósito com cerca de 40.000
m2 no estado da Virgínia e duplicar a área coberta do centro de distribuição
no Sul da Califórnia. Mas os problemas financeiros acumulados e a inexpe-
riência nas operações logísticas, que se refletiu negativamente no nível de
serviço inadequado ao consumidor, pesaram mais fortemente, levando a em-
presa à falência.

A eToys Hoje
A falência da eToys não impediu que continuasse a funcionar na Internet.
Digite www.etoys.com e você vai ver que ela ainda está lá. A Figura 3.4
mostra o portal da eToys na Internet. Na verdade, não se trata da eToys
inicial, mas de uma nova empresa, a eToys Direct, sucessora daquela. No
início era uma pequena empresa na Internet denominada Brainplay.com.
Em 1999, suas operações chamaram a atenção de varejistas de porte e
acabaram formando uma joint venture com a Consolidated Stores, que pos-
suía uma subsidiária chamada KB Toys. Juntos lançaram a KBtoys.com na
Internet em junho de 1999. No Natal daquele ano, a nova empresa foi clas-
sificada como o 12o site do setor mais visitado nos Estados Unidos. E o
Wall Street Journal classificou a empresa como o melhor varejista de brin-
quedos do ano.
Em 2001 adquiriram a maior parte dos ativos da falida eToys, incluin-
do seu depósito principal, na Virginia. Em maio de 2004 foi formada a
eToys Direct, separando-se da KBtoys.com, e logo se expandindo através
da aquisição de boa parte do acervo da My Twinn Doll Company e, em
2005, adquirindo a Silvestri, Inc., especializada no comércio por atacado
de artigos de presentes, acessórios para decoração do lar e outros produtos
do gênero.
A eToys Direct opera hoje em paralelo com os sites eToys.com,
MyTwinn.com e KBtoys.com, vendendo brinquedos, jogos eletrônicos e
presentes, ao que parece, com boa aceitação por parte dos consumidores
e sem problemas financeiros. Assim, a eToys, que subiu e desceu vertiginosa-
mente na montanha-russa do comércio eletrônico, acabou atingindo um pa-
112 tamar estável.
FIGURA 3.4 • O portal da nova empresa eToys na Internet

Questões Propostas
1. Uma empresa que vende produtos na Internet, por exemplo, brin-
quedos como a eToys.com, pode oferecer teoricamente melhores
preços para seus consumidores, quando comparados com os das lo-
jas tijolo-e-argamassa. Por quê?
2. Faça um resumo das falhas da eToys no que se refere aos pontos
identificados como os quatro pilares da qualidade do serviço ao
consumidor, no B2C.
3. Faça uma comparação entre duas situações: (a) uma empresa vare-
jista do tipo tijolo-e-argamassa com vários anos no mercado e que
decide operar também na Internet, como, por exemplo, a Ponto
Frio; e (b) uma empresa que nunca operou no varejo e decide entrar
nesse setor operando somente na Internet, como, por exemplo, a
Submarino.com. Que vantagens e desvantagens você identifica em
ambas as situações? Quais os principais problemas logísticos que
podem ser enfrentados em cada caso e como solucioná-los?
3. Uma empresa tem um site na Internet para vender somente bilhetes
eletrônicos de empresas aéreas, fazendo a reserva do voo, cobrando
o valor por meio de cartão de crédito e enviando o tíquete eletrôni-
co ao consumidor, por e-mail. Uma outra empresa vende entradas
de teatro, de cinema e de jogos esportivos pela Internet e os entrega
113
na casa do comprador. Qual das duas empresas tem maior nível de
“escalabilidade” e por quê?
4. Por que, na sua opinião, muitos empreendedores que criam empre-
sas B2C puras, como a eToys.com, frequentemente evitam investir
diretamente em logística, preferindo deixar esse tipo de atividade a
cargo de terceiros?
5. É muito comum, no mercado, uma empresa bem-sucedida comprar
os ativos de uma firma que faliu, pois isso lhe dá oportunidade de ad-
quirir equipamentos e instalações por um bom preço, muitas vezes de
boa qualidade e bem localizados. Mas a eToys Direct não somente
comprou os ativos da eToys, como também adotou o seu nome. Ten-
do sido um caso rumoroso de ascensão e queda (a montanha-russa de
nossa analogia), com bastante repercussão na mídia e no mercado,
não lhe parece que o mais lógico seria mudar o nome, de forma a ace-
lerar o esquecimento do ocorrido? Por que, na sua opinião, a eToys
Direct decidiu manter o nome da eToys em seu site?

SUBMARINO.COM: DO B2C AO B2B


O Submarino.com é uma empresa virtual pura que, desde 1999, atua com
sucesso no mercado de comércio eletrônico no Brasil, Argentina, México,
Portugal e Espanha.

A Empresa Submarino.com
Lançada em junho de 1999, com capital inicial de US$2,5 milhões, a Subma-
rino.com é uma loja virtual de B2C internacional, pois opera no Brasil,
Argentina, México, Portugal e Espanha. Não possui lojas brick-and-mortar,
operando exclusivamente na Internet. É líder na venda de livros, CDs, brin-
quedos, jogos, vídeos e DVDs, aparelhos eletrônicos, software e celulares,
entre outros produtos (Applegate, 2001).
O sucesso alcançado pela Amazon.com no Natal de 1998 acentuou o in-
teresse de empreendedores em investir em negócios na Internet. A ideia de re-
plicar o modelo de negócio da Amazon na América Latina emergiu como uma
oportunidade potencial atraente. De fato, muitas cidades médias e pequenas
não dispõem de livrarias e lojas de música com ampla oferta de livros, CDs etc.
No entanto, a região servida pelo Submarino.com é bastante heterogênea em
termos de língua, de hábitos e de preferências. Por exemplo, vender equipa-
mentos de esqui para argentinos e chilenos faz sentido, mas tais produtos não
têm utilidade para os brasileiros, à exceção de uma minoria que pratica o es-
porte em nível internacional. Adicionalmente, a infraestrutura logística na
América Latina é relativamente pobre quando comparada com a vigente nos
114
Estados Unidos e na Europa. A consultoria McKinsey, por exemplo, verificou
que as entregas das compras no B2C latino-americano demoravam cinco dias
em média, contra dois dias nos países desenvolvidos. E os pedidos eram cum-
pridos integralmente em 55% dos casos, contra um índice de 75-85% nos paí-
ses desenvolvidos. Outro aspecto levantado pela empresa McKinsey foi que
apenas um cliente latino-americano entre mil atendidos num site de B2C se
tornava um consumidor fiel. Esse índice era cerca de dez vezes menor do que
o observado nos Estados Unidos e na Europa.
Apesar dessas desvantagens, em fins do ano 2000 o Submarino já tinha
estabelecido uma posição de liderança nos mercados B2C brasileiro, argenti-
no, mexicano e português, mas era apenas o terceiro na Espanha. Em dezem-
bro daquele ano a empresa tinha 600 empregados, sendo que metade da for-
ça de trabalho operava no Brasil. Em fevereiro de 2001, foi realizada uma re-
estruturação da firma, reduzindo o total de funcionários para 547, sendo
que 164 atuavam em marketing e vendas, 119 em atendimento e serviços ao
consumidor, 86 no desenvolvimento de produtos, 46 na administração da
empresa e os 132 restantes noutras funções. As operações da Submari-
no.com são altamente descentralizadas. Cada um dos gerentes dos cinco paí-
ses onde atua a empresa supervisiona o depósito local, as operações de aten-
dimento ao cliente, o gerenciamento de produtos, o web design e o conteúdo
do site. Utilizando um conceito do moderno SCM, a ideia é pensar global-
mente e atuar localmente.

Desempenho da Empresa Submarino.com


Visando os consumidores, a filosofia do Submarino.com é agregar valor aos
clientes internautas, para isso apresentando no seu site uma grande variedade de
produtos, preços competitivos, entrega em domicílio e conteúdo informacio-
nal. Há formas variadas de pagamento: dinheiro, cheque contra entrega do pe-
dido, boleto bancário, cartão de crédito e transferência bancária on line. O ser-
viço de atendimento aos clientes opera 24 horas por dia, sete dias na semana. A
empresa prepara embalagens para presente e faz despachos internacionais.
As consultas on line passaram de 1,8 milhão no último trimestre de
1999, para mais de 13,6 milhões um ano depois. No mesmo período, o
valor médio dos pedidos passou de US$26 para US$36. A fidelidade do
consumidor, por outro lado, pôde ser medida através das vendas repeti-
das de um mesmo consumidor, que representaram 59% das operações, con-
tra 32% um ano atrás. No ano 2000, o Submarino foi escolhido por votação
como o melhor site de B2C no Brasil (Applegate, 2001).
As empresas que atuam no B2C são forçadas a investir acentuadamente
nos primeiros anos de atividade. Em novembro de 1999, a Submarino com-
pletou a primeira fase de inversões, totalizando US$14,3 milhões. Em feve- 115
reiro de 2000, levantou mais US$71,3 milhões e, em princípios de 2001, fez
mais um aporte de US$20 milhões. As vendas cresceram rapidamente, pas-
sando de US$0,9 milhão, no quarto trimestre de 1999, para US$6,5 milhões
um ano depois. Mas, como quase todas as empresas atuando no B2C, o lucro
tarda a aparecer. Só recentemente, em 2003 segundo a E-bit, a Submarino
apresentou um lucro líquido de R$2,3 milhões, contra um prejuízo de R$7,7
milhões em 2002.
Os resultados financeiros de Submarino.com também variam em fun-
ção das regiões onde atua. Em razão dos custos de mão de obra e de marke-
ting mais elevados em Portugal e na Espanha, o desempenho financeiro e o
potencial das operações nesses países se apresentaram menos satisfatórios do
que os correspondentes na América Latina.

A Empresa Officenet.com
Na Argentina, a empresa Officenet iniciou suas operações no comércio
B2B em 1997. Seu campo de atuação era o suprimento de material de escri-
tório para pequenas e médias empresas. Seus criadores, A. Freire e S. Bi-
linkis, fizeram um levantamento desse mercado nos Estados Unidos e na
Argentina e concluíram favoravelmente sobre seu potencial (Kuemmerle,
2004a). Nos Estados Unidos, os atacadistas desse tipo de produto conse-
guiam comprar a preços mais baixos e ofereciam maior facilidade de com-
pra, já que os clientes podiam concentrar suas aquisições numa única tran-
sação. Parte dos atacadistas utilizava catálogos de seus produtos, atingindo
com sucesso pequenas e médias empresas. Assim, a ideia de lançar um siste-
ma de venda por catálogo, de material de escritório para pequenas e médias
empresas na Argentina, pareceu atrativa para Freire, Bilinkis e seus finan-
ciadores.
A logística na Argentina apresentava muitos problemas. Era comum um
pacote destinado a uma determinada cidade acabar numa outra localidade,
situada em região diametralmente oposta. Nas palavras de Freire, “a única
certeza ao mandar uma carta pelo correio era de que ela nunca chegaria ao
seu destino” (Kuemmerle, 2004a). Nessa época, ninguém, incluindo o Cor-
reio, investia em logística. Por outro lado, a corrupção corria solta. Era co-
mum, em muitas firmas, o recebimento de propinas por parte de seus funcio-
nários, ao selecionarem os fornecedores da empresa. Assim, a introdução da
compra por catálogos abriria espaço para transações mais impessoais e mais
profissionais.
Em julho de 1996, Freire e Bilinkis apresentaram um plano preliminar
de negócio aos investidores e, depois de uma viagem de estudos aos Estados
Unidos e da preparação do projeto detalhado, receberam um aporte de capi-
116 tal de US$2 milhões, em 1997. Contrataram, inicialmente, 23 funcionários e
selecionaram 80 fornecedores. Conseguiram bons preços dos fornecedores e
mais US$180.000 de verba para propaganda e elaboração de catálogos. De
fato, a primeira fase de operação da Officenet não envolvia a Internet, sendo
as vendas realizadas somente por meio de catálogos impressos.
Embora os clientes não estivessem acostumados aos catálogos, sua
apresentação de fácil manuseio conquistou rapidamente as empresas clien-
tes. Mas logo foram constatados alguns problemas não existentes nos Esta-
dos Unidos. Enquanto, na América do Norte, uma empresa do mesmo tipo,
faturando 40 milhões de dólares por ano, conseguia realizar suas cobranças
com apenas um funcionário, a Officenet tinha que alocar cerca de 10% de
seu quadro de funcionários para desempenhar a mesma função. Isso ocorria
porque era tradição, no cenário empresarial argentino, postergar ao máximo
os pagamentos a terceiros.
Outro problema era a entrega do produto aos consumidores. A Office-
net teve que montar sua própria rede de entregas para garantir o nível de ser-
viço prometido aos clientes. Mas, para isso, tiveram que impor um valor mí-
nimo para os pedidos e foram forçados a limitar geograficamente a área de
atuação da empresa.
Em setembro de 1999, a Officenet já havia alcançado 15% do mercado
de suprimento de material de escritório na Argentina, com US$30 milhões
anuais de faturamento. Nessa época abriu seu site na Internet (versão 1.0),
com uma migração imediata de 15% da demanda para esse novo canal de
vendas. Os executivos da Officenet perceberam então que era necessário in-
troduzir melhorias urgentes no sistema, envolvendo o processo de cobrança,
o replanejamento das rotas de entrega, a introdução da automação no depó-
sito e o aumento de pessoal no setor de marketing e de vendas. Em janeiro de
2000 lançaram a versão 2 de seu site na Internet.
Freire e Bilinkis pensaram em expandir as atividades da Officenet
para o Brasil, mas desistiram devido ao tamanho do mercado brasileiro,
três vezes maior do que o da Argentina. Além disso, diferenças culturais e
de língua colocavam outras dificuldades. Pensaram também em expandir
as atividades da Officenet, na Argentina, para o comércio B2C. Lembra-
ram, no entanto, que o custo médio de atendimento de um pedido do tipo
B2B, na Officenet, era de 40 dólares, para um valor médio de compras de
190 dólares. No B2C o valor médio dos pedidos é significativamente me-
nor, conforme dados da Submarino.com apresentados na seção anterior.
Além disso, o nível de fidelidade dos consumidores no B2C é bem menor
do que no B2B.
De qualquer forma, a ideia de estender ao Brasil as atividades B2B da
Officenet falhou por falta de aporte do capital necessário, perto de US$30
milhões. Ao fim desse processo, a empresa Officenet aceitou uma oferta de
compra por parte da Submarino.com. 117
A Aquisição da Officenet pela Empresa Submarino
Em dezembro de 1999, a Officenet alcançou 21,4 milhões de dólares de ven-
das líquidas e vendeu 13% de suas ações para a Submarino, sendo 4 milhões
em dinheiro. Em fevereiro de 2000 vendeu os 87% restantes de suas ações
por US$9 milhões em dinheiro, e a diferença em ações do Submarino.com.
No total, a operação de compra custou 31 milhões de dólares, com a Subma-
rino assumindo 100% do controle da Officenet e passando esta última a de-
ter 4,5% das ações da Submarino (Kuemmerle, 2004b).
Em agosto de 2000, a Officenet se tornou líder do varejo de suprimen-
tos de escritório para pequenas e médias empresas na América Latina, com
US$36 milhões de vendas, sendo que 40% do total comercializado via Web.
Depois da venda, a Officenet continuou suas operações normais na
Argentina, com a diretoria pensando em realizar uma oferta pública oficial
de venda de ações na Nasdaq, mas o mercado explodiu antes. Foi decidido
então seguir um caminho mais cauteloso, mantendo a Submarino e a Office-
net operando como se fossem negócios independentes, com suas próprias di-
retorias, mas sob um único conselho de administração. No entanto, após a
integração entre as duas empresas, ocorreram algumas alterações importan-
tes nas operações da Officenet.
Em janeiro de 2000, a Officenet estava testando a versão 2 de seu site na
Internet, mas as vendas na Web eram ainda tímidas. Como as vendas na
Internet eram mais lucrativas, a Officenet se valeu da experiência da Subma-
rino, e passou a dar incentivos para operações on line, endereçados a geren-
tes de contas e clientes que fizessem suas compras na Web. Em agosto de
2000, 40% de todas as vendas eram realizadas on line. Mas a Officenet ainda
operava com catálogos impressos e mantinha um sistema de telemarketing
para fechar compras, atividades essas de custo elevado.
Em agosto de 2000, a Officenet iniciou suas operações no Brasil, com-
partilhando espaço de armazém no novo centro de distribuição da Submari-
no, localizado nas vizinhanças de São Paulo e mantendo em estoque 2.200
SKUs. Nessa ocasião, seus diretores anunciaram planos de entrar no Chile,
México e Espanha nos próximos dois anos.
Desde suas operações na Argentina, a Officenet oferecia uma série de
informações e serviços grátis em seu site, tais como notícias e ferramentas di-
versas para download. Por exemplo, orientações sobre a forma correta de se-
lecionar fornecedores, como organizar uma agenda diária, como conduzir
entrevistas com empregados em potencial etc. Já na fase sob a égide da Sub-
marino.com, a Officenet ampliou suas ofertas, incluindo reserva de voos,
cursos de língua inglesa etc. Tais serviços envolvem parcerias com empresas
especializadas, que repassam parte das receitas para a Officenet, na forma de
118 comissões.
Muito embora a ideia dos controladores das duas empresas fosse uni-las
operacionalmente com o tempo, logo notaram que, de fato, eram dois negó-
cios diferentes, com segmentos de clientela distintos e modelos econômicos
e de atuação diversos. A Submarino era uma empresa de B2C pura, enquanto
a Officenet atuava no B2B e realizava comercializações dentro e fora da
Web. Ademais, em fins de 1999 havia um certo otimismo em relação ao B2B.
Por exemplo, analistas de mercado nos Estados Unidos estimaram em cerca
de US$1.705,00 os gastos anuais de um cliente médio de B2B na América La-
tina, contra apenas US$306,00 para consumidores de B2C, o que valorizava
as operações da Officenet. Para a Officenet, a Web era uma plataforma im-
portante, mas não a única.
Outra diferença importante entre a Submarino e a Officenet era a
situação financeira de ambas. Muito embora seja sabido que investimentos
no B2C têm um prazo muito mais longo de retorno, ainda assim havia uma
grande discrepância entre as duas empresas: enquanto a Submarino faturava
cerca de 15 a 20 milhões de dólares em 2000, a Officenet projetava uma re-
ceita de 40 milhões de dólares para o mesmo ano.
Apesar das diferenças, a experiência da Submarino na Internet e a tradi-
ção da Officenet no B2B num setor importante, que é o do suprimento de
material para escritório, têm trazido um resultado sinergístico importante
para ambas. Dessa forma, apesar das diferenças, os executivos das duas em-
presas decidiram permanecer unidos sob uma mesma holding.

Questões Propostas
1. Por que a Officenet decidiu implantar seu sistema de vendas na for-
ma de catálogos impressos e não diretamente na Internet?
2. Que problemas logísticos a Officenet enfrentou ao lançar seu em-
preendimento?
3. Por que, na sua opinião, a Submarino se interessou em comprar a
Officenet? Quais as vantagens que auferiu com a aquisição? Em ter-
mos logísticos, havia alguma vantagem?
4. Por outro lado, por que os dirigentes da Officenet ficaram tentados
em vender sua empresa para a Submarino?
5. A transação entre a Submarino e a Officenet foi uma fusão ou sim-
plesmente uma compra do controle da empresa? Por quê?
6. Em termos logísticos, quais as principais diferenças em operar por
meio de catálogo impresso ou através da Internet?
7. Abra o site da Officenet (www.officenet.com) e faça uma análise das
informações e ofertas ali disponíveis.
119
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122
4
Canais de
Distribuição

CONCEITUAÇÃO
O processo de abastecer a manufatura com matéria-prima e componentes é
denominado Inbound Logistics na literatura internacional. Mais frequente-
mente, no Brasil, é chamado de logística de suprimento. É uma parte impor-
tante da Logística, por seu cunho estratégico e pela grande importância eco-
nômica a ela associada pelos governantes e pelas empresas quando da
instalação de novas unidades industriais. Para as atividades de varejo, no en-
tanto, é o segmento da Logística que desloca os produtos acabados desde a
manufatura até o consumidor final, denominado distribuição ou Outbound
Logistics, que assume importância mais imediata.
Na prática, a distribuição de produtos é analisada sob diferente pers-
pectiva funcional pelos técnicos de Logística, de um lado, e pelo pessoal de
marketing e de vendas, de outro. Os especialistas em Logística denominam
distribuição física de produtos ou resumidamente distribuição física os pro-
cessos operacionais e de controle que permitem transferir os produtos desde
o ponto de fabricação até o ponto em que a mercadoria é finalmente entre-
gue ao consumidor. Em geral, esse ponto final da distribuição física é a loja
de varejo, mas há muitos casos de entrega do produto na casa do consumi-
dor, situação essa observada principalmente com produtos pesados e/ou vo-
lumosos. Assim, os responsáveis pela distribuição física operam elementos
específicos, de natureza predominantemente material: depósitos, veículos
de transporte, estoques, equipamentos de carga e descarga, entre outros. 123
Já o pessoal de marketing e de vendas encara a cadeia de suprimento fo-
calizando mais os aspectos ligados à comercialização dos produtos e à sua
propriedade. A maior parte dos produtos comercializados no varejo chega às
mãos dos consumidores através de intermediários: o fabricante que produz
o objeto, o atacadista ou distribuidor, o varejista e eventualmente outros in-
termediários. Sob esse enfoque, um canal de distribuição representa a se-
quência de organizações ou empresas que vão transferindo a posse de um
produto desde o fabricante até o consumidor final (Rolnicki, 1998). Por
exemplo, o canal de distribuição de um determinado produto pode envolver
os seguintes setores:

G Fabricante
G Atacadista
G Varejo
G Serviços pós-venda (montagens, assistência técnica)

Uma determinada cadeia de suprimento é constituída por canais de dis-


tribuição que, segundo Stern et al. (1996) constituem

conjuntos de organizações interdependentes envolvidas no processo de


tornar o produto ou serviço disponível para uso ou consumo.

Há um certo paralelismo e uma correlação estreita entre as atividades


que constituem a distribuição física de produtos e os canais de distribuição,
conforme pode ser visto na Figura 4.1. Em função da estratégia competitiva
adotada pela empresa, é escolhido um esquema de distribuição específico. As
atividades logísticas relacionadas à distribuição física são então definidas a
partir da estrutura planejada para os canais de distribuição.
A definição do canal (ou canais) de distribuição, com os serviços a ele
associados, não prescinde, por outro lado, de uma análise criteriosa de suas
implicações sobre as operações logísticas. Algumas vezes, as soluções imagi-
nadas no papel podem se revelar muito onerosas na prática. Assim, como
quase tudo em Logística, é necessário adotar um enfoque sistêmico na defi-
nição dos canais de distribuição e na estruturação da distribuição física de-
corrente. Outro aspecto importante a considerar é que os canais de distribui-
ção selecionados por uma empresa são de difícil alteração, mantendo-se fi-
xos por muito tempo, pois envolvem outras empresas, agentes, acordos co-
merciais etc.
Uma vez definidos os canais de distribuição, podem-se identificar os
deslocamentos físico-espaciais a que os produtos serão submetidos, deta-
124 lhando-se, a partir dessa análise, a rede logística e o sistema de distribuição
Distribuição Física Canal de Distribuição

Depósito
da Fabricante
Fábrica

Transporte

Depósito
(centro de Atacadista
distribuição)

Transporte

Depósito
Varejista
Varejista

CONSUMIDOR FINAL
FIGURA 4.1 • Paralelismo entre canais de distribuição e distribuição física

física decorrentes. A rede logística é composta pelos armazéns, centros de


distribuição, estoque de mercadorias, meios de transportes utilizados e a es-
trutura de serviços complementares. Iniciaremos nossa análise pelos canais
de distribuição e, posteriormente noutro capítulo, abordaremos as questões
ligadas à distribuição física (Capítulo 8).

TIPOS E FUNÇÕES
Evolução das Formas de Distribuição
Por que existem intermediários no processo de comercialização de pro-
dutos? Os grandes varejistas, por exemplo, poderiam fabricar eles mes-
mos os produtos que comercializam. Mas, na prática, oferecem aos con-
sumidores uma gama razoavelmente ampla de mercadorias. Dedicar-se à
fabricação de uma variedade de produtos, numa situação dessas, implicaria
aportes excepcionais de recursos financeiros, além de forçar a empresa a
atuar fora de seu core competence. Uma forma intermediária utilizada por
grandes varejistas para penetrar, ainda que marginalmente, o setor da manu-
fatura é encomendar a fabricação de produtos com marcas e especificações
próprias. Por exemplo, a empresa Marks and Spencer, tradicional varejista
da Grã-Bretanha, comercializa roupas com sua marca St. Michael, as quais
são produzidas por fabricantes selecionados, dentro de especificações rígi-
das por ela definidas.
A situação inversa, com a manufatura se incumbindo de todas as fun-
ções do canal, inclusive as vendas no varejo, também não é economicamente
produtiva. Isso porque, para atingir um volume de vendas que justificasse as
instalações e as equipes na ponta do varejo, a empresa seria eventualmente
forçada a comercializar produtos de seus concorrentes. Uma loja de eletro- 125
domésticos, por exemplo, oferece televisores de diversos tipos e de diversas
marcas. Provavelmente, não seria a situação desejada por qualquer indústria.
Se fosse forçada a tanto, uma indústria talvez acabasse optando por lojas de
menores dimensões, oferecendo somente seus produtos, o que não seria eco-
nomicamente viável e não atenderia aos interesses dos consumidores.
Por trás dessa especialização, está o ganho de eficiência que a empresa
pode obter através da concentração no seu core competence. Cada tipo de ne-
gócio pode obter um retorno maior quando concentra seus investimentos no
seu ramo principal de atividades. Assim, a utilização de intermediários na ca-
deia de suprimento se justifica por sua maior eficiência na colocação dos pro-
dutos no mercado. Considerando a cadeia de valor, um canal de distribuição
pouco eficiente seria logo substituído por outro mais produtivo. É o que se
vem observando hoje, à mercê da evolução da tecnologia da informação.
As formas como as empresas estruturam seus canais de distribuição têm
se alterado substancialmente nas últimas décadas, fruto do ambiente cada
vez mais competitivo, da maior atenção dirigida ao consumidor final, do uso
crescente da tecnologia da informação, da maior diversificação da demanda
e da distribuição física mais ágil e mais confiável. Questões de natureza estra-
tégica, derivadas da dinâmica crescente observada no ambiente de negócios,
passaram a preocupar os executivos. Por exemplo, é possível utilizar os
canais para criar barreiras à entrada de concorrentes? Até que ponto certos
canais favorecem uma maior intimidade com os consumidores, em contra-
posição a outras formas de distribuição? Com que intensidade os canais utili-
zados conseguem amortecer as incertezas da demanda no processo de supri-
mento da empresa?
No processo de distribuição dos produtos, desde a fábrica que o pro-
duz, até o consumidor final na cadeia de suprimento, podem ocorrer situa-
ções diversas, formando canais típicos de comercialização. As principais si-
tuações são as seguintes:

G o fabricante abastece diretamente as lojas de varejo;


G o fabricante abastece seus próprios depósitos ou centros de distribui-
ção e, a partir desses pontos, abastece as lojas de varejo;
G o fabricante abastece os centros de distribuição do varejista que, por
sua vez, abastece as lojas;
G o fabricante abastece os depósitos do atacadista ou distribuidor que,
por sua vez, abastece as lojas;
G o fabricante distribui seus produtos para o centro de distribuição de
um operador logístico, que posteriormente faz as entregas às lojas de
varejo;
126
G o fabricante entrega o produto diretamente no domicílio do consu-
midor final, utilizando o correio ou serviço de courier (vendas pela
Internet, telefone ou fax; vendas por meio de catálogo e outras).

Objetivos e Funções dos Canais de Distribuição


A definição mais detalhada dos objetivos dos canais de distribuição depende
essencialmente de cada empresa, da forma como ela compete no mercado e
da estrutura geral da cadeia de suprimento. No entanto, é possível identifi-
car alguns fatores gerais, que estão presentes na maioria dos casos. São eles:

u garantir a rápida disponibilidade do produto nos segmentos do mer-


cado identificados como prioritários. Mais especificamente, é impor-
tante que o produto esteja disponível para venda nos estabelecimen-
tos varejistas do tipo certo. E uma vez identificados os tipos de varejo
adequados para o produto, garantir que o sistema de distribuição físi-
ca mais apropriado seja selecionado para atingir esse objetivo;
u intensificar ao máximo o potencial de vendas do produto em ques-
tão. Por exemplo, buscar as parcerias entre fabricante e varejista que
permitam a exposição mais adequada do produto nas lojas. Definir
quem fará o arranjo da mercadoria nas lojas (fabricante ou varejista).
Prever, se necessário, equipes para demonstração in loco. Analisar a
necessidade de promoções especiais do produto etc.;
u buscar a cooperação entre os participantes da cadeia de suprimento
no que se refere aos fatores relevantes relacionados com a distribui-
ção. Por exemplo, definir lotes mínimos dos pedidos, uso ou não de
paletização ou de tipos especiais de acondicionamento e embalagem,
condições de descarga (tempos de espera, tamanho dos veículos,
equipamentos), restrições de tempo nas entregas (períodos para rece-
bimento dos produtos, restrições diversas);
u garantir um nível de serviço preestabelecido pelos parceiros da cadeia
de suprimento;
u garantir um fluxo de informações rápido e preciso entre os elemen-
tos participantes;
u buscar, de forma integrada e permanente, a redução de custos, atuan-
do não isoladamente, mas em uníssono, analisando a cadeia de valor
no seu todo, conforme será visto no Capítulo 7.

Dentro da moderna visão do Supply Chain Management, os canais


de distribuição desempenham quatro funções básicas (Dolan, 1999, Fi-
gura 4.2):
127
G indução da demanda;
G satisfação da demanda;
G serviços de pós-venda;
G troca de informações;

Em primeiro lugar, as empresas da cadeia de suprimento precisam gerar


ou induzir a demanda para seus produtos ou serviços. Em seguida, comercia-
lizam esses produtos/serviços, satisfazendo a demanda. Os serviços de
pós-venda vêm em seguida. Finalmente, o canal possibilita a troca de in-
formações ao longo da cadeia, incluindo os consumidores, que fornecem um
feedback valioso para os fabricantes e varejistas da cadeia.

Cadeia de Suprimento

Demanda: Demanda: Serviços Informações


indução satisfação pós-venda nos dois sentidos

Consumidor

FIGURA 4.2 • Funções dos canais de distribuição

Canais Verticais
Os canais de distribuição eram tradicionalmente vistos, numa primeira fase,
como estruturas mercadológicas verticais, onde a responsabilidade ia sendo
transferida de um segmento da cadeia de suprimento para o seguinte, como
um bastão é passado numa corrida de revezamento. A Figura 4.3a mostra
esse tipo de distribuição. O fabricante envia um caminhão carregado com
seu produto (lotação completa) ao armazém do atacadista, onde a carga é
desconsolidada. O atacadista vende o produto a diversos varejistas. O vare-
jista estoca a mercadoria nas lojas e a vende ao consumidor final. Serviços
pós-venda (instalação, atendimento a reclamações, informações sobre uso
etc.) são realizados diretamente pelo varejista, quando solicitados pelos clien-
tes finais.
Em termos logísticos, essa forma de estrutura do canal de distribuição
se insere dentro da fase 1, conforme discutido no Capítulo 2. Os estoques
128 nos diversos segmentos do processo, conforme vimos, exercem a função de
pulmão (buffer). Nesse tipo de estrutura vertical, os demais elementos da ca-
deia de suprimento, além do varejista, desempenham papéis de apoio, atuan-
do nos bastidores do processo.
O atacadista desconsolida lotes completos, de vários fabricantes, e vende
os produtos em pequenos lotes aos varejistas. No entanto, o atacadista e o fa-
bricante não têm acesso direto ao consumidor. É o varejista que interpreta as
preferências do consumidor, as tendências da demanda, as necessidades de
serviços pós-venda etc. Mesmo considerando outras formas de distribuição,
como as representadas nas Figuras 4.3b e 4.3c, a satisfação das necessidades
do cliente é sempre exercida, nesse tipo de distribuição, pelo último elemento
da cadeia de suprimento, aquele que atende diretamente o consumidor.
Um consumidor que compra diretamente do varejista (Figuras 4.3a e
4.3c) poderia ter preferido obter informações técnicas diretamente do fabri-
cante, em razão, digamos, da maior sofisticação tecnológica do produto ad-
quirido. Mas, na distribuição vertical, é o varejista o elemento encarregado
dessa função. Muitas vezes, essa atribuição de fornecer informações técnicas
aos consumidores é deixada por conta dos vendedores das lojas. Estes nem
sempre conseguem absorvê-las na sua plenitude, em razão da crescente com-
plexidade e variedade dos produtos. Como resultado, não conseguem trans-
mitir o que lhes é solicitado pelos clientes, em muitos casos.
Essas restrições puderam ser contornadas com a revolução tecnológica
e informacional da década de 1990. Basicamente, e como resultado desses
avanços, a manufatura e a distribuição de produtos mudaram radicalmente
naquela década. Partindo da fase 1 da Logística, passando pelas fases inter-

Manufatura Manufatura Manufatura

Atacadista Setor de
vendas Varejo
do
fabricante

Varejo

Consumidor Consumidor

Consumidor

(a) (b) (c)


FIGURA 4.3 • (a) Canal único no pequeno varejo; (b) canal único, tipo “Avon”;
(c) canal único típico do grande varejo
129
mediárias, atingimos finalmente a fase 4, correspondente ao moderno
Supply Chain Management, conforme discutido no Capítulo 2. Serviços so-
fisticados de distribuição de carga fracionada, como os da FedEx e UPS nos
Estados Unidos, que se apoiam em sistemas de computação avançados, pos-
sibilitam às empresas despachar pedidos pequenos com prazos de entrega
muito reduzidos. Com isso, os consumidores podem adquirir produtos dire-
tamente dos fabricantes ou distribuidores, sem ser penalizados com prazos e
burocracia excessivos. A manufatura flexível, por outro lado, permite aos
fornecedores fabricar seus produtos em lotes bem menores do que antes,
com custos quase iguais aos da produção em grandes lotes.
Os papéis de alguns intermediários na cadeia de suprimento, incluindo
principalmente o atacadista e o distribuidor, estão sendo revistos. Em muitos
tipos de comércio, a participação desses intermediários está ameaçada. No-
vas formas de canais diretos estão surgindo. Os canais indiretos, por sua vez,
estão se tornando mais curtos (menor número de intermediários). Todas es-
sas mudanças visam obter maior valor final para o consumidor, tirando par-
tido das mudanças tecnológicas e de mercado observadas atualmente.
O que mudou efetivamente foi a forma de enfocar o problema da dis-
tribuição. Em lugar de resolver a questão procurando escolher os interme-
diários da cadeia de suprimento para se chegar ao consumidor final, agora
o processo se inverteu. Parte-se do consumidor final, analisando-se suas
necessidades e preferências, bem como as vantagens oferecidas a ele pela
concorrência, e se vai atrás da melhor estrutura de distribuição que possa
atendê-lo satisfatoriamente. Ou seja, parte-se do consumidor e não do for-
necedor, e o foco da análise se concentra nas funções do canal de distribui-
ção e não nos intermediários em si. A escolha do canal não é realizada ao
fim do processo de planejamento da empresa, mas deve ser formulada
como uma parte integrante de sua estratégia competitiva geral. Discutire-
mos, a seguir, as tendências mais importantes observadas hoje na estrutura-
ção dos canais de distribuição.

Canais Híbridos
Neste tipo de estrutura, uma parte das funções ao longo do canal é executa-
da em paralelo por dois ou mais elementos da cadeia de suprimento, que-
brando o esquema vertical rígido descrito anteriormente. Por exemplo, a
divisão Vacutainer, da indústria americana Becton-Dickinson, fabricante
de agulhas para coletar sangue, seringas e acessórios, negocia a venda de
seus produtos diretamente com os setores de compras dos grandes hospitais.
Quando a transação é consumada, a indústria entrega ao hospital uma lista
de seus distribuidores autorizados. O distribuidor escolhido se encarrega,
por sua vez, da distribuição física dos produtos adquiridos, formalização
130
Indústria

Setor de Unidades de
Distribuidor
vendas do serviço
externo
fabricante (ext. e int.)

Funções de
Distribuição Serviços
geração da
física pós-venda
demanda

C o n s u m i d o r

FIGURA 4.4 • Canal híbrido

dos pedidos, armazenagem e entrega dos lotes ao hospital nos tempos cer-
tos e nas quantidades desejadas. O fabricante, que dispõe dos especialistas
com o know-how sobre o uso dos produtos comercializados, se encarrega
dos serviços de pós-venda. A estrutura do canal de distribuição é a indicada
na Figura 4.4.
Quais as razões para esse tipo de canal híbrido? De um lado, a Bec-
ton-Dickinson valoriza o contato direto com os grandes consumidores, não
somente por questões mercadológicas, mas também para melhoria de sua
linha de produtos e desenvolvimento de novos itens. Para os grandes hos-
pitais, a aquisição de lotes maiores lhes traz descontos expressivos, que não
conseguiriam se comprassem através dos atacadistas. A utilização de distri-
buidores por parte da Becton-Dickson é vantajosa, pois eles atendem um
grande elenco de fornecedores e conseguem oferecer assim serviços logísti-
cos com mais eficiência e com menores custos.
A adoção de um canal híbrido traz consigo o problema da compensa-
ção financeira aos elementos da cadeia de suprimento que realizam no-
vas funções. Agora, o elemento da cadeia de suprimento que tem relacio-
namento direto com o cliente não é mais responsável por executar todas
as funções do canal. Então, torna-se necessário realizar uma compensa-
ção monetária entre os elementos da cadeia, o que obriga as partes a uma
grande transparência na troca de informações e maior precisão no cálculo
dos custos envolvidos. Além disso, é necessário definir esquemas de par-
cerias bem estruturados, com compromissos de médio e longo prazo e ob-
jetivos claros.
Um dos problemas encontrados em canais híbridos do tipo descrito é a
duplicidade de atuação de alguns dos elementos da cadeia de suprimento.
Por exemplo, no caso da empresa Becton-Dickison, os distribuidores traba- 131
Indústria Indústria
A B

Distribuidor
(Híbrido) (Vertical)

Funções de
Funções Funções
geração da
parciais (A) integrais (B)
demanda

C o n s u m i d o r

FIGURA 4.5 • Conflitos de atuação em canais híbridos

lham também para outros canais concorrentes. Suponhamos que o distribui-


dor em questão execute suas funções de forma integral para o fabricante B
(Figura 4.5), isto é, trabalhe nesse canal dentro de uma estrutura tipicamente
vertical. Para o fabricante A, no entanto, a estrutura adotada é híbrida, na
forma descrita anteriormente. Nesse esquema é provável que a margem do
distribuidor seja maior no canal B, em razão do maior número de funções
que desempenha. Além disso, como as vendas dos produtos fabricados por B
dependem exclusivamente do distribuidor, este tenderia a dar mais atenção
ao canal B e, com o tempo, forçaria uma margem maior em A, colocando em
risco toda a estratégia global de gerenciamento da cadeia de suprimento im-
plantada no canal A. Na prática, a adoção de um canal híbrido de distribui-
ção exige uma forte liderança de um dos participantes da cadeia de supri-
mento. Algumas vezes é o fabricante que exerce essa liderança, mas hoje se
observa uma tendência crescente de o varejo assumir esse papel em alguns
setores importantes da economia.
Algumas vezes, um dos elementos da cadeia de suprimento assume par-
te das funções sem provocar alterações significativas na estrutura do canal.
Por exemplo, a empresa sueca SKF, que produz rolamentos, oferece um ca-
tálogo computadorizado denominado CADalogue, no qual os possíveis con-
sumidores encontram recomendações sobre as dimensões adequadas para
emprego de seus mancais esféricos (Dubois e Gadde, 1997). Esse sistema su-
gere um tipo específico de rolamento a partir das especificações de uso for-
necidas pelo consumidor. Outras indústrias oferecem informações similares
em CD-ROM ou disquetes. Isso acontece porque as informações técnicas so-
bre os produtos se tornaram muito complexas e voláteis1 para que possam

1
132 Voláteis porque a tecnologia associada aos produtos muda muito rapidamente.
ser satisfatoriamente transmitidas pelos distribuidores ou varejistas. Quanto
melhor for atendido o consumidor, maior o valor agregado na cadeia de su-
primento. Assim, o fabricante não elimina o apoio dado ao cliente pelos
demais elementos do canal de distribuição; ele apenas agrega mais valor à
cadeia de suprimento.

Canais Múltiplos
Uma outra forma de melhorar o desempenho no gerenciamento da cadeia
de suprimento é utilizar mais de um canal de distribuição. Isso ocorre em
função da diversidade de tipos de consumidor. Por exemplo, o compra-
dor em potencial de um microcomputador pode adquiri-lo por telefone
ou pela Internet, a partir de uma lista publicada numa revista de informá-
tica, ou poderá se dirigir a uma loja especializada, que lhe pedirá um pre-
ço um pouco mais alto, mas onde conseguirá informações mais detalha-
das e atendimento personalizado. Assim, o consumidor que já tem um
conhecimento mais aprofundado do produto, de seus possíveis usos e
eventuais problemas, sendo ao mesmo tempo mais sensível ao preço, po-
derá ser atraído a fazer sua compra através de uma lista publicada na mí-
dia. Já outro comprador, que não acompanha de perto as evoluções tec-
nológicas dos produtos de computação, pode necessitar de um maior
volume de informações para escolha da marca, do tipo e da versão da
mercadoria procurada.
Esse tipo de estruturação dos canais de distribuição melhora as condições
globais de competitividade da cadeia, mas não é isento de problemas. A gran-
de incógnita é a área cinzenta do mercado consumidor que fica entre dois ou
mais tipos de cliente. Enquanto o preço cobrado na loja especializada não for
exagerado, representando adequadamente o valor atribuído pelo consumidor
aos serviços por ela oferecidos, não haverá problemas. Mas pode acontecer, e
acontece frequentemente, que o comprador em potencial procure a loja e ob-
tenha todas as informações de que necessita. Posteriormente, já sabendo o que
deseja, faz seu pedido através do telefone ou da Internet, conseguindo um pre-
ço mais em conta. Uma forma de contornar esse tipo de problema, garantindo
até certo ponto a fidelidade do cliente, mas que é válido apenas para alguns ti-
pos de produto (computadores principalmente), é a possibilidade de atualiza-
ção do equipamento (upgrade) após certo tempo de uso. Comprando num es-
tabelecimento especializado, o comerciante pode garantir a troca ao cliente ou
lhe dar serviços de montagem e manutenção grátis, sempre que o consumidor
necessitar. Outro ponto importante é a garantia do produto, em que o contato
pessoal com o comerciante pode trazer mais confiança ao comprador. Dessa
forma o varejista pode criar uma ligação mais estável e mais duradoura entre
seu estabelecimento e o consumidor.
133
Indústria

Atacadista “A”
Varejista “B”
(Produtos
(Produto P2)
P1 e P2)
?

Grande Pequeno
Consumidor Consumidor
(P1 e P2) (P2)

FIGURA 4.6 • Conflitos de atuação em canais múltiplos

Há também casos em que o elemento de um dos canais penetra no ou-


tro canal, prejudicando o conjunto. Admitamos que um dos canais seja dire-
cionado para grandes consumidores, que adquirem quantidades maiores, a
preços unitários mais reduzidos. Os clientes desse canal compram normal-
mente um produto mais sofisticado P1 e, ocasionalmente, um número me-
nor de unidades de um produto P2 para alguns setores da empresa. O distri-
buidor A é encarregado de atender com exclusividade esse mercado (Figura
4.6). O distribuidor B, por outro lado, se dedica a atender pequenos consu-
midores, vendendo somente produtos do tipo P2. Se o produto P1 apresen-
tar maior complexidade tecnológica e de operação em relação ao produto
P2, é de se esperar que o distribuidor A obtenha uma margem relativamente
mais atrativa ao vender o produto P1, que representa sua linha mercadológi-
ca principal. Mas, nesse caso, como as despesas fixas já estão praticamente
cobertas pela linha P1, o distribuidor A poderá reduzir o preço do produto
P2, criando um conflito com o distribuidor B. Isso porque clientes de B ten-
tarão adquirir o produto P2 dessa fonte, a preço mais vantajoso. Os grandes
clientes de A, por sua vez, ficariam presos a esse distribuidor, porque a em-
presa B não pode vender o produto P1. Esse tipo de conflito surge quando
há a combinação de dois fatores: mercados com fronteiras mal definidas asso-
ciados à diferenciação de preços. Uma forma que pode ser utilizada para ad-
ministrar esse tipo de conflito em canais múltiplos é demarcar nitidamente
os produtos e modelos para serem comercializados em cada canal. No caso
discutido acima, o produto P2 poderia ser alocado tão somente ao canal B,
separando os produtos por canal.

134
PROPRIEDADES DOS CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO
Extensão e Amplitude
A extensão de um canal de distribuição está ligada ao número de níveis inter-
mediários na cadeia de suprimento, desde a manufatura até o consumidor fi-
nal. Cada patamar de intermediação na cadeia de suprimento forma um ní-
vel do canal. O chamado canal de nível zero (Kloter, 1993) não possui níveis
intermediários, com o fabricante vendendo seu produto diretamente ao con-
sumidor. É o caso da Avon, que comercializa seus produtos através de suas
próprias vendedoras, de porta em porta. As empresas que vendem por meio
de catálogo diretamente aos consumidores são outro exemplo de canal de
nível zero.
Os grandes varejistas, por seu lado, compram os produtos diretamente
dos fabricantes e os revendem em suas lojas. Nesse caso tem-se um canal de
um nível, uma vez que há apenas um intermediário na cadeia, o varejista. As
grandes cadeias de supermercado constituem um exemplo típico de canal de
um nível. Há casos com dois intermediários, formando canais de dois níveis.
Por exemplo, os minimercados de vizinhança normalmente adquirem os
produtos a partir de atacadistas que, por sua vez, os adquirem dos fabrican-
tes. Podem ocorrer canais com mais níveis, embora sejam menos frequentes.
A amplitude, também chamada largura do canal, definida para cada
segmento intermediário da cadeia de suprimento, é representada pelo núme-
ro de empresas que nela atuam. Três tipos de amplitude são normalmente
observados na prática (Dolan, 1992):

u Distribuição exclusiva (amplitude unitária)


u Distribuição seletiva (amplitude múltipla, mas controlada)
u Distribuição intensiva (amplitude múltipla, aberta)

Na distribuição exclusiva, existe apenas uma empresa atuando em cada


região demarcada pelo fabricante do produto. Isso pode ocorrer no nível de
atacado, existindo um distribuidor ou atacadista autorizado para cada re-
gião. No nível do varejo, há somente uma firma varejista autorizada a vender
o produto aos consumidores em cada distrito, conforme demarcação realiza-
da pelo fabricante ou pelo distribuidor. Na distribuição seletiva existe mais
do que uma firma atuando num mesmo mercado, mas de forma controlada.
Ou seja, em lugar de designar apenas uma empresa para comercializar seus
produtos, o fabricante seleciona algumas. O objetivo principal é aumentar as
condições de acesso aos produtos e garantir um certo nível de competição
entre os comerciantes, distribuidores ou varejistas, conforme o caso. Na ter-
ceira alternativa, distribuição intensiva, o fabricante tenta colocar seu pro- 135
duto através do maior número possível de revendedores, não restringindo o
número de participantes nas diversas regiões onde é comercializado o seu
produto.
A escolha de uma das alternativas descritas depende essencialmente do
tipo de produto. Três tipos básicos de produto são normalmente considera-
dos (Bucklin, 1963):

u produtos de consumo frequente;


u produtos que envolvem pesquisa antes da compra;
u produtos especiais.

O primeiro tipo é constituído pelos produtos que consumimos no dia a


dia, como, por exemplo, xampu para o cabelo. A aquisição de um vidro de
xampu é um evento rotineiro e pouco excitante. O consumidor, embora te-
nha alguma preferência por uma determinada marca e um certo tipo de pro-
duto, frequentemente não hesita em comprar outra mercadoria com preço e
qualidade semelhantes, quando não encontra sua primeira escolha no ponto
de venda. Nesses casos, procura-se aumentar ao máximo a amplitude do ca-
nal, pois o volume comercializado está fortemente ligado à disponibilidade
do produto nos pontos de venda. Esse tipo de produto está normalmente as-
sociado à distribuição intensiva.
Há produtos que somente são adquiridos após alguma pesquisa. Por
exemplo, quando compramos um conjunto estofado para a sala de estar,
alguns membros da família se envolvem no processo, analisando anúncios
nos jornais, discutindo modelos e cores, e visitando algumas lojas do
ramo antes de decidir pelo fechamento do negócio. Esse tipo de compra
não é tão frequente como no caso anterior, e envolve importâncias relati-
vamente maiores. Para esse tipo de produto, não seria econômico para o
fabricante ter a mercadoria disponível em qualquer loja, pois isso encare-
ceria demais os custos de comercialização e de distribuição. Mas o produ-
to deve ser exposto à venda em pontos acessíveis aos clientes potenciais,
para pesquisa e avaliação. Como consequência, o fabricante normalmen-
te seleciona um determinado número de revendedores, ou seja, escolhe
uma distribuição seletiva.
Alguns tipos de produto, de alto valor e adquiridos esporadicamente,
atraem o comprador pela marca, em razão de sua qualidade, do status a eles
associado ou do caráter específico de seu desempenho. Por exemplo, certas
pessoas desejam adquirir não um relógio de boa qualidade, mas um Rolex.
Ou uma caneta Mont Blanc especial. Para esses tipos de produtos diferencia-
dos, o comprador vai atrás do representante para adquiri-los. O fabricante
136
prefere então escolher um único varejista em cada distrito ou região, concen-
trando as atenções sobre esse tipo de cliente através de um único represen-
tante (distribuição exclusiva). Nesses casos, o comerciante vai até mesmo ao
escritório ou residência do comprador para mostrar o produto e vendê-lo.

Encurtando os Canais
Hoje, com a revolução no tratamento e no uso da informação e com a am-
pliação do comércio eletrônico, nota-se uma tendência de utilização de ca-
nais mais curtos na cadeia de suprimento. De todos os intermediários, são os
atacadistas os mais propensos a ser eliminados da cadeia de suprimento.
Com o advento de sistemas logísticos de entregas rápidas, associados ao in-
tercâmbio eletrônico de informações, os varejistas têm menos dificuldades
em colocar seus pedidos diretamente junto aos fabricantes. E, do lado da
indústria, com a disponibilidade de tecnologia avançada de tratamento da
informação, o monitoramento e o atendimento dos pedidos individuais dos
lojistas e dos consumidores são hoje perfeitamente factíveis.
Em alguns tipos de mercado, os fabricantes lançam mão de distribuido-
res e de atacadistas visando atingir regiões geograficamente mais distantes
ou para dar maior cobertura a seus consumidores a partir dos estoques dos
intermediários e, principalmente, para atender os pequenos varejistas. Para
esses últimos, que necessitam de maior assistência no abastecimento de suas
lojas e condições mais flexíveis de crédito, a utilização de distribuidores ou
atacadistas ainda é um fato. Mas o aumento da concorrência e o avanço dos
grandes varejistas na divisão dos mercados vêm obrigando os grandes ataca-
distas e distribuidores a manter uma postura mais proativa, oferecendo ser-
viços mais avançados de informação e resposta rápida no atendimento dos
pedidos dos clientes.
Um dos problemas enfrentados atualmente pelas grandes indústrias é
administrar a transição de uma estrutura tradicional, com vários intermediá-
rios no canal, para uma estrutura enxuta, com um canal bastante mais curto.
Nos casos em que um atacadista ou distribuidor vem atuando por um longo
período de tempo, é relativamente difícil eliminá-lo de uma hora para outra.
Isso porque boa parte das funções ligadas à estocagem do produto ao longo
da cadeia e o papel de intermediário financeiro são frequentemente executa-
dos pelo atacadista ou distribuidor. Sua substituição repentina pode signifi-
car investimentos maciços em infraestrutura e riscos de insucesso não des-
prezíveis para a cadeia de suprimento.
A eliminação de funções intermediárias no canal de distribuição é rea-
lizada com maior facilidade quando o mercado está crescendo, porque en-
tão fica mais fácil repartir o bolo de forma diferente da atual. Mas, muitas
empresas, premidas por margens mais reduzidas, menores fatias do merca-
do (market share) e aumento de custos frequentemente decidem por cortes 137
precipitados nas atividades de distribuidores e atacadistas, no canal de dis-
tribuição. É comum, por exemplo, eliminar o intermediário nas relações
com grandes clientes, deixando para o atacadista ou distribuidor somente
os pequenos varejistas. Com o tempo, os pequenos varejistas, enfrentando
um diferencial de preço ainda maior em relação a seus grandes concorren-
tes, tendem a ser eliminados do mercado. O fornecedor verá então reduzi-
da sua clientela, passando a negociar com um número restrito de grandes e
fortes clientes.
Para manter o mercado razoavelmente equilibrado, em condições pró-
ximas à que opera hoje, o fornecedor pode eliminar a intermediação de uma
vez, assumindo os riscos e os custos inerentes, ou ajudar na reestruturação
das operações do atacadista ou distribuidor. Outra boa ocasião para proce-
der ao enxugamento do canal de distribuição é o momento de lançar uma
nova linha de produtos bastante atrativa. Em outras palavras, o momento
certo para o enxugamento deve ser tal que a demanda “puxada” ao longo da
cadeia é suficientemente forte para compensar a súbita falta da demanda
“empurrada”, exercida pelo distribuidor. A demanda puxada pode ocorrer
em função de uma linha nova de produtos, como foi dito, ou por uma mu-
dança radical nas operações logísticas, através da adoção das técnicas do
gerenciamento da cadeia de suprimento.

DEFININDO OS CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO


Ao se montar, ou reestruturar, uma cadeia de suprimento, em sua totalidade
ou parcialmente, uma das questões estratégicas que se coloca é sobre o me-
lhor canal de distribuição ou melhor combinação de canais que coloca um
produto no mercado da forma mais competitiva possível. Uma vez imple-
mentados os canais de distribuição e a logística de distribuição a eles associa-
da, a segunda questão está ligada à melhor forma de mantê-los em operação,
garantindo os níveis de serviço inicialmente planejados. Para definir os
canais de distribuição para um determinado produto, são seguidas algumas
etapas, analisadas a seguir.

Etapa 1: Identificação dos Segmentos Homogêneos de Clientes


A ideia básica óbvia é agrupar os clientes com necessidades e preferências se-
melhantes dentro de canais específicos. Por cliente entendemos especifi-
camente um usuário final, raramente um intermediário na cadeia de supri-
mento. Por exemplo, empresas que produzem refrigerantes focalizam o consu-
midor final quando definem seus canais de distribuição, e não o comercian-
te. Já as empresas que produzem garrafas plásticas para refrigerantes vão fo-
calizar como cliente não o consumidor final, mas as indústrias que produzem
138 a bebida. A ideia fundamental é não cometer um erro imperdoável segundo a
moderna visão do Supply Chain Management: encarar o cliente mais próxi-
mo como cliente final, dando pouca importância aos elementos seguintes da
cadeia. Por exemplo: um fabricante de iogurte, fornecedor de uma empresa
supermercadista, que somente está preocupado em passar seu produto pela
inspeção de qualidade do varejista, sem se importar, de fato, com a qualida-
de intrínseca do produto vista pelo consumidor final.
Em muitos casos, o agrupamento dos clientes em classes homogêneas já
está definido pelas práticas do mercado. Por exemplo, a venda de produtos
de petróleo é canalizada aos consumidores finais, pessoas físicas, através dos
postos de gasolina. Mas há outros consumidores finais importantes, consti-
tuídos por indústrias, empresas transportadoras, órgãos do governo etc. que
são abastecidos diretamente pelas distribuidoras, formando outro canal de
distribuição. No caso de bebidas, especificamente o chope, o fabricante nor-
malmente abastece o distribuidor, que, por sua vez, tem um canal direciona-
do aos bares e restaurantes, em paralelo a outro que atende pessoas físicas,
para o caso de festas, casamentos e eventos semelhantes. No entanto, muitas
vezes a empresa precisa definir seus canais de distribuição a partir do zero,
seja porque o produto é novo, seja porque está entrando num mercado mui-
to diverso daquele onde está habituada a atuar.

Etapa 2: Identificação e Priorização das Funções


Uma vez definidos os canais, a empresa precisa identificar que funções de-
vem ser associadas a cada canal de distribuição. Parte-se de uma definição de
funções mais geral e, a seguir, detalham-se suas características. Tipicamente,
as funções são enquadradas em oito categorias:

u Informações sobre o produto: a evolução tecnológica, a crescente


preocupação com a saúde, a atenção com os aspectos ecológicos,
além de outros fatores, vêm exigindo por parte dos consumidores in-
formações de melhor qualidade e em maior quantidade.
u Customização do produto: alguns produtos requerem modificações
técnicas para se adaptarem a condições específicas do mercado ou às
exigências dos clientes. Por exemplo, o fornecimento de produtos
alimentícios para clientes em países islâmicos deve atender a um con-
junto de exigências religiosas e culturais que precisam ser respeita-
das. A venda de automóveis para um país com severos controles an-
tipoluição deve contemplar a introdução de equipamentos para
absorção de gases nos veículos. Outras vezes, um grande cliente vare-
jista acerta um esquema de fornecimento de um determinado produ-
to com o fabricante, ostentando uma marca própria e com caracterís-
ticas específicas definidas pelo primeiro. 139
u Afirmação da qualidade do produto: certos produtos requerem, além
da garantia normal, uma afirmação explícita de sua qualidade e con-
fiabilidade quando comercializados em certos canais. Por exemplo,
uma empresa que comercialize um produto químico de uso geral
pode ser forçada a garantir um nível de qualidade mais apertado no
fornecimento do produto à indústria farmacêutica, em razão dos ris-
cos de vida e implicações de saúde sobre seus consumidores finais.
u Tamanho do lote: esta função está intimamente associada ao desem-
bolso de recursos por parte dos clientes, considerando as despesas com
aquisição, os custos de manuseio e os custos de estocagem do produto.
Por exemplo, comercializando um determinado produto para uma
grande cadeia de supermercados, o fabricante pode fornecê-lo em pal-
lets plastificados, contendo um número razoável de caixas, cada uma
contendo, digamos, duas dúzias de unidades. Já o fornecimento a pe-
quenos varejistas, por sua vez, pode ser feito em caixas.
u Variedade: alguns canais de distribuição exigem diferentes especifica-
ções de um mesmo produto. Por exemplo, uma loja de produtos
eletroeletrônicos da Rua Santa Efigênia, em São Paulo, que atende
tanto a capital como o interior, em que as voltagens têm respectiva-
mente 110 e 220 volts, necessita ser abastecida com ambos os tipos
do produto. Já uma loja situada num bairro pode oferecer apenas o
tipo adequado à sua região de influência.
u Disponibilidade: alguns tipos de clientes exigem maior disponibilida-
de de tipos de um mesmo produto. Por exemplo, numa região onde
há forte concorrência com outras marcas, pode ser conveniente ofe-
recer o produto em tamanhos diversos e com características diferen-
tes (sabores, aditivos, desempenho). Já numa região de menor renda
e hábitos menos sofisticados, uma menor variedade pode ser satisfa-
tória. Esta função é definida analisando-se as incertezas associadas
aos níveis de demanda do produto e os custos de estoque e de distri-
buição relacionados a cada alternativa.
u Serviços de pós-venda: os clientes necessitam de serviços diversos
como instalação, manutenção de rotina, consertos, atendimento de
reclamações etc. Muitas vezes a disponibilidade e a qualidade desses
serviços de pós-venda afetam sensivelmente a comercialização do
produto. A natureza e a intensidade desse tipo de função vão depen-
der do tipo de produto. Por exemplo, a comercialização de artigos
eletrônicos, como computadores (hardware e software), está muito
associada aos upgrades que periodicamente são lançados no merca-
do. Nesses casos, um permanente envolvimento com os usuários é de
fundamental importância para o sucesso da empresa.
140
u Logística: boa parte das funções discutidas anteriormente tem impac-
to direto nas operações logísticas da empresa. Por exemplo, certos
serviços de pós-venda requerem programação de visitas técnicas, ca-
dastramento e monitoramento de informações. Há necessidade de
transporte próprio ou de terceiros, de facilidades para armazenagem
dos produtos, de sistemas de levantamento, de tratamento da infor-
mação e de muitas outras operações e facilidades mais ou menos
complexas.

A definição das funções para cada canal deve ser feita preferencialmen-
te com base em informações diretamente colhidas junto aos clientes.

Etapa 3: Benchmarking Preliminar


Uma vez definidas e detalhadas as funções associadas ao canal (ou canais) de
distribuição, é importante fazer uma análise do projeto, confrontando-as
com as melhores práticas dos concorrentes e verificando principalmente o
nível de satisfação dos requisitos sob a ótica dos clientes da cadeia de supri-
mento.

Etapa 4: Revisão do Projeto


Combinando os resultados da análise realizada nas etapas 2 e 3, são defini-
das algumas opções, compreendendo alternativas possíveis de canais de dis-
tribuição e de suas respectivas funções. A definição dessas opções deve ser
baseada nos objetivos da empresa, observando-se os requisitos desejados pe-
los consumidores e devidamente balizados em relação às práticas dos con-
correntes (benchmarking, etapa 3).

Etapa 5: Custos e Benefícios


Nesta fase são avaliados, de forma sistemática, os custos e os benefícios asso-
ciados a cada opção gerada na etapa 4. Adicionalmente, é importante esti-
mar a divisão do mercado (market share) e os investimentos previstos para
cada alternativa. Confrontando-se todos os elementos de investimento, de
custo e de benefício, chega-se à escolha da opção que melhor atenda aos in-
teresses da empresa.

Etapa 6: Integração com as Atividades Atuais da Empresa


Normalmente, a empresa que lança um determinado produto no mercado já
produz, ou comercializa, outros produtos. Assim, torna-se necessário inte-
grar o projeto de distribuição, resultante da etapa 5, à estrutura de canais 141
existentes na empresa. É possível que sejam necessárias certas melhorias nas
funções hoje desempenhadas ao longo dos canais existentes, de forma a
compatibilizá-las com os requisitos do novo produto. Nessa fase, os fatores
estratégicos de longo prazo adquirem grande importância. Basicamente, é
preciso indagar se a estrutura de distribuição preconizada garante vantagem
de mercado e se tem condições de permanecer estável por um prazo longo.
Como vimos, alterações substantivas na estrutura dos canais são onerosas e
de consequências algumas vezes imprevisíveis.

ESTUDO DE CASO: A EMPRESA BOMFRIO


A Empresa
A fábrica BomFrio, pertencente a um grupo industrial de grande projeção
nacional, está sendo instalada na região de Joinville, em Santa Catarina, e vai
brevemente produzir aparelhos de ar-condicionado. A direção da empresa
nomeou um grupo de analistas, envolvendo o gerente de marketing, dois re-
presentantes de vendas, um engenheiro do produto e um especialista em lo-
gística, para definir e analisar os canais de distribuição do produto. O grupo
de trabalho identificou preliminarmente dois segmentos homogêneos de
clientes, a saber:

G clientes institucionais: órgãos do governo e grandes empresas, que


adquirem lotes relativamente grandes do produto, por meio de licita-
ções públicas ou pedidos de grande porte;
G consumidores formados por famílias ou pequenas empresas, que
adquirem quantidades relativamente pequenas do produto (normal-
mente uma ou duas unidades), sem necessidade de licitação.

Inicialmente o grupo propõe o atendimento dos clientes do tipo 1 dire-


tamente pelo setor de vendas do fabricante. Para isso seria criado um corpo
de vendedores para atuar junto aos órgãos do governo e às grandes corpora-
ções, com o objetivo de conseguir contratos de fornecimento de aparelhos
de ar-condicionado. Os consumidores de menor expressão, do tipo 2, seriam
atendidos por lojas de varejo. Numa primeira análise, o gerente de marke-
ting da indústria sugere que a melhor forma de distribuição para esse tipo de
produto, por sua natureza e em função da atuação dos concorrentes, deveria
ser uma distribuição seletiva. Assim, o grupo definirá o número de pontos de
venda por região, dentro do território nacional, considerando população,
renda per capita e o possível market share em cada área. O gerente de marke-
ting propõe também que a indústria abasteça diretamente os varejistas em
todo o território nacional. Assim, haveria canal de nível zero para os clien-
142 tes do tipo 1 e canal de um nível para o varejo.
O técnico de logística faz seus cálculos e mostra que o abastecimento
direto a todos os varejistas dentro do território nacional exigiria muitos
recursos, de um lado, e seria antieconômico, por outro lado, visto que o
mercado básico da empresa estaria inicialmente localizado nas regiões Sul
e Sudeste do país. Sugere, como alternativa, que a empresa selecione um
distribuidor exclusivo por região, à exceção das regiões Sul e Sudeste, em
que os varejistas seriam abastecidos diretamente pelo fabricante. Esses
distribuidores abasteceriam os varejistas de suas regiões e atuariam de
forma exclusiva para a BomFrio, tendo direito a uma margem a ser defini-
da posteriormente. Depois de discussões acaloradas, os membros do gru-
po concordam com a proposta do técnico de logística. Dessa forma, o va-
rejo ficaria dividido, em termos geográficos, num canal de um nível, nas
regiões Sul e Sudeste, e num canal de dois níveis, nas demais regiões do
país. O homem de marketing faz a ressalva de que a empresa deverá en-
curtar os canais de dois níveis para um nível, à medida que a região aten-
dida for criando volume de demanda suficiente para justificar economica-
mente a mudança.
Um dos representantes de vendas diz que está preocupado com o aten-
dimento às pequenas empresas. Argumenta que o grupo de vendedores da
indústria BomFrio, que atende diretamente os clientes institucionais, não
terá tempo nem disposição para atender as pequenas empresas. Sugere que
se criem representantes regionais (dealers) que comercializariam o produto
atuando diretamente junto às pequenas e médias empresas (sem lojas). Seria,
assim, um outro canal de um nível. Na Figura 4.7 são apresentados, de for-

A – Regiões Sul e Sudeste


Indústria B – Outras regiões

Setor de
Distribuidor
vendas do
regional
fabricante
A

Representantes
Varejistas Varejistas
(dealers)

Clientes: Consumidor Consumidor


Grandes
pequenas pessoa pessoa
clientes
empresas física física

Canal 1 Canal 2 Canal 3 Canal 4


FIGURA 4.7 • Canais de distribuição propostos para a empresa BomFrio
143
ma esquemática, os quatro canais que foram propostos nas reuniões do gru-
po de trabalho. Assim, a etapa 1 para definição da estrutura de distribuição
foi concluída, isto é, foram devidamente identificados os segmentos homo-
gêneos de clientes devidamente agrupados em canais específicos.
A seguir, o grupo passou a analisar as funções associadas aos canais de
distribuição. No que se refere às informações sobre o produto, foram levan-
tados alguns aspectos importantes pelo gerente de marketing. Em primeiro
lugar, o condicionador de ar BomFrio foi projetado de forma a produzir um
ruído quase imperceptível mas, para garantir essa vantagem competitiva, o
equipamento tem de ser montado sobre uma base especial. Como conse-
quência, será necessário estudar uma forma de levar essa informação ao
comprador pessoa física, como também aos clientes formados pelas peque-
nas empresas, que mostre claramente esse requisito, mas ao mesmo tempo
não afugente o consumidor potencial, em razão do gasto extra com a instala-
ção da base. Foi lembrado pelo especialista em logística que os dealers, volta-
dos ao atendimento de pequenas empresas, poderiam facilmente oferecer o
serviço de instalação da base. O mesmo não se poderia esperar dos varejistas,
visto que tal atividade exigiria pessoal especializado, fora das funções nor-
mais do varejo.
No que se refere à variedade, além da fabricação em duas voltagens
(110 e 220 volts), o gerente de marketing lembrou a necessidade de se ter
pelo menos três capacidades de refrigeração diferentes, medidas em BTUs
por hora. Todos concordaram. Mas um dos representantes de vendas argu-
mentou que os aparelhos fabricados pelos concorrentes e instalados à bei-
ra-mar acabavam se oxidando em pouco tempo, prejudicando seu desem-
penho e sua estética. Sugeriu então que os aparelhos destinados às praças li-
torâneas deveriam sair da fábrica com um tratamento especial, para evitar a
ferrugem. O engenheiro do produto ponderou que essa diversificação im-
plicaria um processo adicional no chão de fábrica, envolvendo maior custo
de produção, maiores estoques, maiores dificuldades na distribuição etc. O
gerente de marketing sugeriu então que toda a linha do produto saísse da
fábrica com o tratamento indicado. Isso eliminaria parte dos problemas le-
vantados pelo engenheiro e traria uma vantagem competitiva extra para o
novo produto.
Nesse momento todos perceberam que essa questão era um tanto com-
plexa. Isso porque havia custos e benefícios a cotejar, como também era ne-
cessário o levantamento e a análise do que os concorrentes estavam plane-
jando fazer nesse domínio (benchmarking). Ficou assim criado um subgrupo
de trabalho, composto pelo engenheiro de produto, o especialista de logísti-
ca e o gerente de marketing, para detalharem e analisarem a questão, deven-
do trazer depois os resultados para discussão em grupo.
144
Questões Propostas
1. A ideia de encurtar o canal 4 (Figura 4.7), eliminando futuramen-
te o distribuidor regional, não é normalmente fácil de se execu-
tar. Discuta as vantagens e desvantagens de adotar desde o início
a mesma estrutura de distribuição do canal 3, para todas as re-
giões do país. Admitindo que o esquema da Figura 4.7 seja adota-
do, quais as dificuldades, custos e investimentos que você vislum-
braria para proceder ao encurtamento do canal, digamos, daqui a
cinco anos?
2. Por que separar os clientes pequenas empresas dos clientes pessoas
físicas? Os primeiros não poderiam adquirir o produto diretamen-
te das lojas? Quais as vantagens e desvantagens de efetuar essa se-
paração?
3. Um conflito mercadológico entre os dealers e os varejistas, que for-
mam os canais 2 e 3 da Figura 4.7, poderia ocorrer com certa proba-
bilidade. Por quê? O que poderia ser feito para evitá-lo?
4. Outro conflito, entre os dealers e o corpo de vendas do fabricante,
poderia ocorrer, como decorrência de uma área cinzenta entre os
dois mercados, principalmente no que diz respeito aos clientes mé-
dios (são grandes ou são pequenos?). Analisar a questão, propondo
soluções para contornar o problema.
5. Identificar, no presente caso, as seguintes funções: a) customização
do produto; b) afirmação da qualidade do produto; c) variedade; d)
serviços de pós-venda; e) serviços logísticos. Foram explicitados
pelo grupo da BomFrio de forma completa e adequada?
6. Admita que você foi designado como líder do subgrupo incumbido
de analisar o problema do tratamento do produto contra ferrugem.
Delineie uma sequência de tarefas para estudar a questão, especifi-
cando os objetivos, a metodologia a ser empregada e os resultados
de cada tarefa. Considere os aspectos ligados à logística, à manufa-
tura, ao marketing e às vendas.
7. Faça um confronto entre as estruturas logísticas necessárias para
atender os canais 3 e 4 indicados na Figura 4.7.
8. De uma forma geral, você considera satisfatórios os resultados defi-
nidos até o momento pelo grupo de estudos da BomFrio? Por quê?
Por exemplo, onde o grupo trouxe a visão do cliente para a elabora-
ção de suas propostas? Você acha que ficou faltando alguma coisa
ou se poderia simplificar a estrutura proposta?
9. Como proceder ao benchmarking da estrutura de distribuição de-
finida pelo grupo considerando os principais concorrentes da
BomFrio? 145
ESTUDO DE CASO: DRUGSTORE.COM,
UMA DROGARIA NA INTERNET
Muitas empresas varejistas tradicionais estão entrando na Internet para ofe-
recer seus produtos on-line aos consumidores (B2C). A operação simultânea
de comércio tradicional (do tipo bricks-and-mortar, ou tijolos e argamassa),
com vendas via Internet, pode ampliar o nível dos negócios da empresa. No
entanto, em razão das diferenças de atitude e expectativas dos consumido-
res, e dos conflitos observados na operacionalização dos dois sistemas, mui-
tos problemas logísticos sérios costumam ocorrer nessas situações híbridas.
Uma forma totalmente diferente de atuar nesse setor é implementar um
serviço na Web totalmente independente das operações convencionais, do
tipo “tijolos e argamassa”. Um caso muito interessante é o da empresa de co-
mércio eletrônico Drugstore.com, que é uma drogaria virtual americana. As
informações sobre este caso foram extraídas de Nolan (2000) e Shah (2000),
bem como do site www.drugstore.com.

Buscando um Nicho na Internet


Um grupo de 12 funcionários iniciou os trabalhos de planejamento e implan-
tação da Drugstore.com em agosto de 1998. Seu fundador, Jed Smith, é um
produto da era da informação. Ao se formar na universidade, foi trabalhar no
setor de alta tecnologia, começando na Oracle e, depois, na Tribe Computer
Works. Com seu pai, fundou a CyberSmith, mas, procurando novos desafios
no e-commerce, deixou essa empresa em janeiro de 1998. De início, fez uma
lista dos produtos mais adequados para comercialização na Internet. Logo
descartou produtos comercializados em supermercados. Seu raciocínio se
apoiava no custo relativo da expedição e de entrega, referido à margem bruta
gerada por esses produtos. A distribuição de produtos volumosos e/ou pesa-
dos, com margem pequena, não lhe pareceu atraente. Além disso, geralmente
o consumidor precisa ir ao supermercado, em pessoa, para adquirir frutas, io-
gurte e carne. Nessa circunstância, raciocinava Smith, uma esticada do cliente
para pegar outros produtos nas gôndolas parecia ser a situação mais provável.
Lançando mão de um relatório da revista Supermarket Business Review,
que mostrava as margens brutas de cada categoria de produto, verificou que
os setores de beleza e saúde e de remédios sem receita2 apresentavam mar-
gens de 30% a 50%, enquanto os demais produtos ofereciam margens de
20% a 27%. Além disso, formavam pacotes de pequeno tamanho e eram fá-
2
Nos Estados Unidos, há normalmente dois tipos de remédios nas chamadas drugstores: aqueles
que somente são vendidos com a apresentação da receita médica, sendo então preparados por um
farmacêutico responsável, e os que podem ser apanhados diretamente nas prateleiras, não exigin-
do receita. O controle das vendas do primeiro tipo de remédio, ao contrário do que acontece no
146 Brasil, é bastante rigoroso.
ceis de enviar. Notou também que o setor de beleza e saúde envolvia valor
informacional bastante expressivo para os consumidores, que podia ser bem
explorado na Internet.
Mas, ao observar o comportamento dos consumidores, Jed Smith no-
tou que seria também necessário oferecer remédios sujeitos a receita médica.
A razão era a mesma que prevalecia nos supermercados: se o cliente precisas-
se ir a uma drugstore qualquer para comprar esse tipo de remédio, aproveita-
ria também para fazer outras compras. Além disso, as aquisições de remédios
com receita são repetidas ciclicamente: o farmacêutico guarda o documento
e prepara uma nova dose quando solicitado pelo paciente. Para isso, o médi-
co estipula a frequência e a duração do tratamento, ao emitir a receita. Ou
seja, a reposição do remédio em ciclos de 30 e 60 dias pode levar a uma ex-
pressiva economia de tempo e de deslocamento para a clientela. Assim, a
ideia de implementar uma drogaria virtual acabou conquistando o jovem
empreendedor.

O Setor Farmacêutico nos Estados Unidos


O mercado representado pelas drugstores americanas inclui mais de 50.000
unidades comerciais e fatura cerca de US$165 bilhões por ano, assim dividi-
dos (Nolan, 2000):

G Remédios com receita 90 bilhões


G Remédios sem receita 20 bilhões
G Produtos para cuidados pessoais 20 bilhões
G Vitaminas e energéticos 20 bilhões
G Produtos de beleza e cosméticos 15 bilhões
G Total 165 bilhões

A empresa líder do setor é a Walgreens, com 2.549 lojas e faturamento


de US$15,3 bilhões em 1998, seguida pela CVS, com 4.122 lojas e fatura-
mento de US$15,2 bilhões, e pela Rite Aid, com 3.821 unidades e US$12,7
bilhões de faturamento naquele ano (Shah, 2000). Além da drugstore.com,
outras empresas se lançaram também na Internet. A Soma foi a primeira, em
1999, seguida pela drugstore.com e, em seguida, pela PlanetRx.
Para a maioria da população americana, as despesas de tratamento mé-
dico, tanto para o trabalhador como para sua família, são normalmente co-
bertas pelo empregador ou, nos casos de trabalho autônomo, pelo sindicato.
Para isso, é recolhida uma certa importância do salário de cada funcionário,
a qual é complementada pela contribuição do empregador. A administração
147
dos serviços de atendimento médico é terceirizada, sendo gerida por organi-
zações específicas, designadas genericamente por MCO (Medical Care
Organizations). À medida que o consumo de remédios vendidos contra rece-
ita foi crescendo, atingindo níveis elevados no início da década de 1990, sur-
giram novas organizações especificamente voltadas à administração dessa
parte do processo. São genericamente denominadas PBM (Pharmaceutical
Benefit Management) e cuidam aproximadamente de 89% de todas as recei-
tas de medicamentos nos Estados Unidos.
Uma drugstore convencional apresenta as seguintes características mé-
dias (Shah, 2000): está instalada num prédio de aproximadamente 800m2,
atendendo pessoas que moram num raio de percurso de cinco minutos de
carro e faturando cerca de US$4,6 milhões por ano. A Tabela 4.1 mostra o
mix típico de produtos vendidos em drogarias do tipo “tijolos e argamassa”,
nos Estados Unidos.

Organização da Empresa
Em novembro de 1997, Jed Smith procurou apoio financeiro para montar
seu negócio. Uma primeira versão de seu plano foi apresentada aos investi-
dores em janeiro de 1998. Estes últimos manifestaram interesse, mas não
ofereceram recursos imediatos para o projeto. Logo depois, um dos executi-
vos do grupo de investidores sondou o diretor-presidente de uma grande ca-
deia de drogarias tradicional e este mostrou preocupação com a possível
entrada de um concorrente na Internet. Essa reação confirmou para os investi-
dores as possibilidades reais do empreendimento. O plano definitivo de
Drugstore.com acabou sendo aprovado pelos investidores em junho de 1998.

Tabela 4.1 Distribuição da receita nas drugstores americanas


Categoria % do faturamento

Remédios com receita 48

Remédios sem receita 13

Cosméticos, higiene, artigos de beleza 10

Comestíveis diversos 9

Outros 20

Fonte: Shah, 2000.

Um pequeno grupo de executivos e técnicos foi escolhido a dedo, ini-


ciando imediatamente a estruturação e o planejamento das atividades da
nova empresa. Adicionalmente, foram contratados 40 farmacêuticos, neces-
148 sários para a preparação dos remédios com receita.
Kal Raman, o executivo responsável pelas operações da Drugsto-
re.com, com experiência anterior em empresas varejistas tais como
Wal-Mart e Blockbuster, iniciou suas atividades analisando as interfaces da
firma com os consumidores. Notou que o site na Web deveria ser muito mais
do que um simples catálogo de produtos. Deveria ser dinâmico, voltado a fa-
cilitar as buscas e decisões dos usuários. O grupo de técnicos voltados ao pla-
nejamento da interface com os consumidores totalizava sete pessoas. Do ou-
tro lado do sistema, os processos de suprimento, preparação das remessas e
expedição não fugiam muito dos procedimentos logísticos observados nas
empresas do tipo “tijolos e argamassa”, mas precisavam ser cuidadosamente
planejados. Assim, 18 funcionários, com experiência nas operações de reta-
guarda de empresas varejistas, foram recrutados por Kal Raman.
Por volta de novembro de 1998, os técnicos da empresa já haviam defini-
do os produtos a serem colocados nas prateleiras virtuais da Drugstore.com.
Totalizavam 17.000 SKUs,3 ao contrário de uma drogaria convencional típi-
ca, que apresenta cerca de 3.000 SKUs. Para o preparo dos remédios contra
receita, são necessários cerca de 3.500 componentes, catalogados e numera-
dos pela NDC (National Dispensing Committee). Na prática, cerca de 90%
das receitas são preparadas com aproximadamente 200 componentes. No dia
15 de dezembro de 1998, o setor de beleza e saúde, mais o de remédios sem recei-
ta, ficaram prontos. Em fins de janeiro de 1999, o setor de remédios contra re-
ceita também foi implementado. Finalmente, em 2 de fevereiro de 1999, a
drogaria virtual Drugstore.com foi aberta ao público, na sua forma plena.
Os produtos são classificados por setores: beleza e cuidados com o cor-
po, nutrição e bem-estar, cuidados pessoais, primeiros socorros, farmácia
etc. (veja Figura 4.8 e o site www.drugstore.com, na Internet). A foto de cada
produto, junto com as demais informações relevantes, é colocada no site da
empresa. Tão logo o consumidor termine os procedimentos de compra, um
pedido eletrônico é remetido para o centro de distribuição, no qual os pro-
dutos adquiridos pelo consumidor são retirados das prateleiras, checados e
expedidos. Um dos aspectos vitais a observar, por parte do pessoal do centro
de distribuição, é a data de validade dos produtos, que tem de ser efetiva-
mente observada em 100% dos casos.
A empresa afirma, em seu site www.drugstore.com, as vantagens de o
consumidor adquirir produtos e remédios em sua loja virtual. Em primeiro
lugar, é oferecida uma variedade de produtos muito maior do que numa dro-
garia do tipo “tijolos e argamassa”. A empresa argumenta, por outro lado,
3
SKU (Stock Keeping Units) representa as unidades de estocagem dos diversos produtos comerciali-
zados. Por exemplo, há várias marcas de xampu, com vários tipos, diversos tamanhos de embalagem
etc. Cada combinação diferente, envolvendo marca, tipo, tamanho etc., implica um local específico
para estocagem no depósito. Daí a importância do número de SKUs na logística de distribuição, pois
afeta o espaço de armazenagem necessário, custo de estoque, equipes de manuseio e controle etc. 149
que seus preços são competitivos. Em terceiro lugar, destaca os aspectos in-
formacionais positivos de seus serviços: apresentação de dados relevantes
sobre os diversos produtos, possibilidade de interação com funcionários da
empresa por e-mail ou telefone e realização de compras a distância, com en-
trega dos produtos na casa do cliente. Lembra, por outro lado, que o consu-
midor tem a seu dispor uma loja aberta 24 horas por dia, sete dias por sema-
na, acessível diretamente de sua residência ou escritório.

FIGURA 4.8 • Página de rosto da drogaria virtual drugstore.com

À medida que o consumidor se torna um cliente fiel da Drugstore.com,


o sistema vai personalizando o atendimento, preparando listas de compras
customizadas, relembrando, por meio de e-mail, as datas de reposição de re-
médios etc. A empresa também fornece a seus clientes informações sobre
itens momentaneamente não disponíveis no estoque. Para isso, dados extraí-
dos do sistema de controle dos centros de distribuição são coletados a inter-
valos de 24 horas e exibidos no site da firma. Isso evita desgastes com os con-
sumidores, que ficam irritados quando adquirem algum produto na Inter-
net, para depois serem informados que o mesmo não está disponível (ver,
por exemplo, o caso da eToys, no Capítulo 3).

Evolução da Empresa
Nos primeiros seis meses de 1999, cerca de 168.000 consumidores foram
atendidos na loja virtual da Drugstore.com, com uma receita bruta de
US$4,2 milhões, representando uma média de gasto de US$25 por transa-
ção. Desde sua fundação até janeiro de 2001, mais de um milhão de clientes
150 fizeram suas compras na Drugstore.com.
Em fevereiro de 2000, a Drugstore.com adquiriu a Beauty.com, Inc.,
uma empresa ponto-com líder no varejo on-line de produtos de beleza de
prestígio. Por outro lado, a Drugstore.com mantém uma parceria estratégica
com a Amazon.com, com o fim de intercambiar funções diversas de marke-
ting nos sites das duas empresas.
Em termos econômico-financeiros, a Drugstore.com, como a maioria
das empresas ponto-com, tem apresentado déficits continuados. Nos pri-
meiros seis meses de 1999, a empresa apresentou um prejuízo operacional
de US$29 milhões. Na Tabela 4.2 são mostradas as principais informações
econômico-financeiras para esse período. Apesar do déficit operacional, a
empresa vem ampliando seus serviços e aumentando suas vendas.
Comparado com outros concorrentes na Internet, o site da Drugsto-
re.com tem apresentado um nível de visitas bastante razoável. Em junho de
1999, apresentava 1,6 ponto, enquanto o Planetrx.com tinha 0,9 ponto4, o
Vitaminshoppe.com, 0,6, o Enutrition, 0,3 ponto e o Healthshop.com, 1,5
ponto. O Mothernature.com, por sua vez, superou o nível da Drugsto-
re.com, com 2,2 pontos (Nolan, 2000).

Tabela 4.2 Informações econômico-financeiras sobre a drugstore.com


(primeiros 6 meses de 1999)
Itens Valores
(US$1.000)

Receitas 4.202

Despesas com vendas 5.551

Lucro bruto (prejuízo) (1.349)

Despesas operacionais:

• Marketing e vendas 16.517

• Desenvolvimento dos produtos oferecidos 5.942

• Despesas gerais e administração 3.955

• Amortização de compensações com base no estoque 2.276

• Total das despesas operacionais 28.690

Prejuízo operacional (30.039)

Receita de aplicações financeiras (juros) 1.033

Despesas com aplicações financeiras (juros) (40)

Prejuízo líquido (29.046)

Fonte: Nolan, 2000.

4
Cada ponto representa cerca de 600 a 650 mil visitantes por mês. 151
Estrutura Logística
Procurando concentrar inicialmente suas atividades naquilo que constitui
seu core competence, a Drugstore.com acertou uma parceria com a empresa
Walsh Distribution, localizada no Texas, para realizar as operações logísti-
cas. Essa empresa ficou encarregada da distribuição dos produtos que não
exigiam receita. Para distribuição dos remédios vendidos contra receita foi
escolhida uma empresa tradicional da área, a RxAmerica, também localizada
no Texas.
A Walsh Distribution recebia os pedidos encaminhados eletronicamen-
te pela Drugstore.com, empacotava os produtos e os despachava via UPS
(empresa de entrega rápida dos Estados Unidos) ou via correio. Da mesma
forma, se incumbia do recebimento e estocagem, em seu depósito, dos pro-
dutos adquiridos dos fornecedores. A Drugstore.com, por sua vez, mantinha
um grupo de especialistas nas dependências da Walsh, com a função de mo-
nitorar a qualidade dos produtos e a expedição das encomendas. Na sede da
Drugstore.com, situada no estado de Washington, se localiza um grupo de
farmacêuticos, que atende os clientes que solicitam o serviço “Pergunte a seu
Farmacêutico”, oferecido no site da empresa.
Todos os remédios vendidos contra receita são adquiridos da RxAmeri-
ca, que foi formada através de uma joint-venture das empresas American
Stores Company e Long’s Drugs. Os farmacêuticos da Drugstore.com execu-
tam todas as fases do tratamento dos pedidos de remédios com receita, mas
deixam para os seus colegas da RxAmerica o preparo físico dos medicamen-
tos e seu empacotamento.
Em janeiro de 2000, a Drugstore.com inaugurou seu centro de distri-
buição próprio, localizado em Bridgeport, no estado de New Jersey, com
cerca de 27.000m2, deixando de operar com operadores logísticos como a
Walsh Distribution, mas realizando a entrega das encomendas via empresas
de courier tradicionais.
A expedição e a entrega de um pedido são cobradas à parte do preço do
produto, variando com a categoria do produto (com receita ou sem receita) e
com o tempo de atendimento (lead-time). Na Tabela 4.3, são mostradas as ca-
racterísticas logísticas de atendimento dos pedidos de produtos sem receitas. A
taxa de expedição/entrega depende da urgência do pedido. Quatro tipos de
serviço são oferecidos: padrão, 3 dias, 2 dias e 1 dia (overnight). Há um tempo
para processar o pedido, isto é, fazer a apanha dos produtos, dar baixa no esto-
que etc., seguido pelo empacotamento, etiquetagem e expedição. No caso do
pedido padrão, a variação no lead-time é significativa, pois oscila de cinco a
nove dias.
No caso de remédios com receita, o lead-time é expressivamente maior
(Tabela 4.4). Isso ocorre porque a farmácia virtual só pode iniciar o processo
152
após a autorização expressa do médico, que é feita por telefone ou fax. Além
disso, como a Drugstore.com não faz o preparo físico dos medicamentos,
operação realizada pela RxAmerica, há ainda um tempo adicional de prepa-
ração e transferência dos produtos. Esse tempo é menor para reposições (re-
fill), conforme mostrado na Tabela 4.4. Por outro lado, o preço da expedi-
ção e entrega, para medicamentos com receita, é bem menor do que os co-
brados para produtos sem receita. Isso ocorre em razão de serem, tipicamen-
te, de pequeno volume e pouco peso.

Tabela 4.3 Drugstore.com: taxas e tempos de expedição, produtos


sem receita médica
Expedição
Expedição Expedição Expedição de 1 dia
padrão de 3 dias de 2 dias (overnight)

Taxa de expedição (US$) 5,99* 12,99** 15,99 29,99

Processamento do pedido (dias) 1a2 0a1 mesmo dia mesmo dia

Expedição e entrega (dias) 4a7 2a3 2 1

Lead-time total (dias) 5a9 2a4 2 1

*Grátis para compra de $49,00 ou mais.


**Ou $6,99 para compra de $49,00 ou mais.
(Informações de junho de 2006)

Tabela 4.4 Drugstore.com: taxas e tempos de expedição, produtos


vendidos com receita médica
Expedição
Expedição Expedição Expedição de 1 dia
padrão de 3 dias de 2 dias (overnight)

• Custo de expedição (US$): 1,99 9,99 12,99 19,99

a) Primeira vez
• Autorização do médico (dias) 8 a 10 5a7 4a6 3a5

• Processamento farmacêutico (dias) 9 a 11 6a8 5a7 4a8

• Processamento logístico (dias) 10 a 12 7a9 6a8 5a7

b) Reposição (refill)
• Processamento farmacêutico (dias) 6a8 4a5 3a4 2a3

Lead-time total (dias) 16 a 20 11 a 14 9 a 12 7 a 10

(Informações de junho de 2006)

153
O Problema do Reembolso
Um dos problemas enfrentados pela Drugstore.com foi o do reembolso das
despesas com remédios vendidos contra receita médica. Nos Estados Uni-
dos, cerca de 80% da população tem cobertura de seguro de saúde, de forma
que as despesas com remédios são geralmente reembolsadas. As organiza-
ções denominadas PBM (Pharmaceutical Benefit Management) recebem os
formulários preenchidos pelas drogarias, verificam os contratos de seguro e
liberam os reembolsos para os varejistas. No início, as drogarias on-line
preenchiam os documentos de maneira igual às farmácias tradicionais.
Logo, porém, as PBMs começaram a cancelar os contratos com as drogarias
virtuais. Isso significava que as pessoas seguradas tinham que pagar antecipa-
damente as despesas dos remédios ao adquiri-los da Drugstore.com, para de-
pois preencher a papelada e conseguir o reembolso junto à PBM.
A Drugstore.com foi então obrigada a negociar com a empresa Rite
Aid, que serve a mais de 50 milhões de pessoas nos Estados Unidos e que, por
sua vez, mantém contratos de parceria com a maioria dos planos de saúde do
país. Na verdade, a empresa Rite Aid desejava ter um parceiro na Internet.
Como consequência, hoje, cerca de 25% dos US$200 milhões gastos em
propaganda anualmente pela Rite Aid faz menção aos serviços da Drugsto-
re.com, de uma forma ou de outra.

Estrutura do Canal de Distribuição


O mercado de comercialização de remédios com receita, em que a Drugsto-
re.com opera, é bastante complexo, formando um canal de distribuição hí-
brido, com diversos participantes atuando em paralelo, como também na
vertical. Em linhas gerais, podemos agrupar a atuação desses agentes em cin-
co categorias distintas:

I) agentes conceituais que tratam do diagnóstico e do tratamento


das enfermidades (hospitais, médicos);
II) agentes controladores que tratam do seguro de saúde, dos recur-
sos financeiros e do controle do sistema;
III) fabricantes e distribuidores que fornecem os produtos ao varejo;
IV) varejistas;
V) consumidores.

O agente conceitual de maior importância nesse processo é o médico,


que exerce suas atividades no seu consultório ou no hospital. Cerca de
700.000 médicos atuam profissionalmente nos Estados Unidos, sendo que
70% das consultas resultam numa receita para aquisição de medicamentos.
154
I - Agentes II - Agentes III - Fabricantes
conceituais controladores e distribuidores

Hospitais Empre- Fabricante


gador remédio

Seguro
HMO
(MCOs)

Distri-
Médicos PBM
buidor

IV - Varejistas

farmácia.com Internet

Logística

Consumidor

FIGURA 4.9 • Estrutura do canal de distribuição americano para comercialização


de remédios com receita médica

Dentro da categoria II, o processo se inicia com a empresa empregadora


do usuário, que normalmente mantém seguro de saúde para seus funcionários.
Além das seguradoras, há as HMOs (Health Maintenance Organizations),5
que respondem por mais de 75% dos gastos com saúde no país. Conforme já
mencionado, os reembolsos das despesas com remédios são controlados e
processados pela PBM, seja através da farmácia, seja diretamente com o con-
sumidor, no caso de não haver convênio da PBM com o varejista.
A categoria III envolve os agentes ligados à produção e ao suprimento
de remédios, especificamente os laboratórios e os distribuidores, que abaste-
cem o varejo. A categoria IV, por sua vez, corresponde às atividades varejis-
tas, e a V, ao consumidor final.

Questões Propostas
1. Num mercado envolvendo US$165 bilhões por ano, com concorren-
tes bricks-and-mortar muito fortes, como a Walgreens, a CVS e a Rite
Aid, Jed Smith decidiu implantar uma drogaria ponto-com. Resuma
sua estratégia e as justificativas para tal decisão, pensando convencer
um investidor hipotético a dar suporte financeiro ao projeto.

5
Organizações de Manutenção da Saúde. 155
2. Que vantagens comparativas um consumidor tem ao comprar pro-
dutos através da Drugstore.com, considerando: a) apenas remédios
com receita; b) apenas produtos e remédios que não exigem receita;
c) mix de produtos dos dois tipos?
3. Qual o papel estratégico dos remédios vendidos contra receita no
negócio da Drugstore.com?
4. Por que Jed Smith decidiu terceirizar as operações logísticas num
primeiro instante e, posteriormente, resolveu implantar e operar
seu próprio centro de distribuição?
5. Analise e critique as estruturas de cobrança de taxas de expedição e
o lead-time, hoje prevalecentes na Drugstore.com.
6. Leia os trabalhos de Machline e Amaral (1998) e de Almeida (2002)
e compare o mercado farmacêutico brasileiro com o americano.
Procure, na Internet, empresas ponto-com que operam com produ-
tos similares no Brasil e faça uma comparação com a Drugstore.com
no que diz respeito aos canais de distribuição.

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157
5
Previsão da
Demanda

CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS
O planejamento do processo de distribuição depende da antevisão da forma
como a demanda dos produtos vai evoluir no futuro. O varejista precisa defi-
nir um plano de pedidos aos fornecedores e, estes, precisam programar as
encomendas de matéria-prima e de componentes necessários à fabricação de
seus produtos. É necessário também prever a mão de obra necessária, insta-
lações fixas, depósitos, recursos financeiros e um sem-número de variáveis
que exigem tempo para serem concretizadas. Dessa forma, projeções da de-
manda bem elaboradas e robustas podem significar ganhos competitivos,
econômicos e financeiros para a empresa e para a cadeia de suprimento em
que ela se insere.
Alguém poderia argumentar que os modernos processos de suprimento,
como o JIT, o VMI (Estoque Gerenciado pelo Fornecedor), o Quick Respon-
se, entre outros, acabaram eliminando a necessidade de se fazerem projeções,
visto que o processo de fabricação e suprimento de produtos funciona não
mais na modalidade empurrada (push), mas puxada (pull), respondendo dire-
ta e dinamicamente à demanda dos consumidores. Essa afirmação está longe
de ser verdadeira. De fato, o sistema pull não funcionará se o planejamento na
ponta do varejo, que atende diretamente o consumidor, não se apoiar em pro-
jeções bem fundamentadas. Isso porque toda mudança na programação das
encomendas de produtos por parte do varejista e do fabricante, com seus pedi-
dos de componentes e matéria-prima aos fornecedores, consome tempo e a 159
resposta desses agentes não é instantânea. O que se faz, na prática, é definir
um esquema de previsão o mais preciso possível e ir ajustando as projeções de
forma suave e dinâmica ao longo do tempo. O case Sport Obermeyer, apre-
sentado no Capítulo 6, e que envolve um processo dinâmico de previsão da
demanda de roupas esportivas, ilustra bem esse ponto.
Embora extremamente necessária, a previsão da demanda, por envol-
ver desdobramentos futuros que dependem de aspectos políticos, econômi-
cos e sociais, não só do país, como também do exterior, está necessariamente
sujeita a erros. Por outro lado, dependendo dos objetivos da organização, as
projeções da demanda podem envolver prazos (ou horizontes) variados.
Quando se trata de decisões estratégicas, as projeções são normalmente
de longo prazo. Por exemplo, uma montadora de automóveis que pretende
instalar uma nova fábrica no país precisa estimar os níveis de venda de veícu-
los por alguns anos. Há também as decisões táticas, que envolvem prazos de
alguns meses, normalmente menores do que um ano. Por exemplo, o geren-
te do depósito de uma cadeia varejista precisa determinar a mão de obra ne-
cessária para operá-lo em função dos fluxos de mercadoria, para isso neces-
sitando de projeções mês a mês, durante um determinado período. Final-
mente, há o planejamento operacional, feito em nível semanal ou mesmo
diário. Por exemplo, o encarregado do transporte no depósito tem que defi-
nir as necessidades diárias de veículos para a distribuição física, acionando
transportadores autônomos sempre que necessário, para que se apresentem
ao serviço no momento programado.
Ao se fazerem previsões da demanda, não se pode esperar resultados
precisos, pois tudo que envolve decisões humanas (comprar ou não comprar
um produto, por exemplo) está sujeito a muitos fatores, como variação na
renda dos indivíduos, preços, linhas de crédito, mudanças de hábitos, propa-
ganda etc. Dessa forma, o encarregado de elaborar as projeções deve ter
sempre presente alguns pontos importantes, a saber (Chopra e Meindl,
2003; Gonçalves, 2004):

G As previsões estão sempre sujeitas a erros. Assim, sempre que possí-


vel, o analista deve estimar o valor esperado da projeção (valor mé-
dio) e uma medida do erro. O case Sport Obermeyer, apresentado no
Capítulo 6, ilustra bem este ponto.
G As projeções de longo prazo são usualmente menos precisas do que as
de curto prazo. Isso ocorre porque a economia, os hábitos do consu-
midor, os efeitos políticos internos e externos etc. normalmente so-
frem mudanças num ritmo mais lento ao longo do tempo. Assim,
dentro do prazo de algumas semanas ou de alguns meses não se espe-
160 ram, em geral, mudanças bruscas externas, a não ser as resultantes de
causas catastróficas (um terremoto ou um golpe de estado, por exem-
plo). Mudanças significativas devidas à sazonalidade (alternância en-
tre modas de verão e de inverno e entre safras agrícolas, por exem-
plo) são normalmente previsíveis dentro de certos limites.
G Quando se fazem projeções de dados mais agregados, os resultados
são normalmente mais precisos. Isto, é claro, se a agregação for feita
de forma lógica. Por exemplo, a projeção das vendas de automóveis,
com dados agregados ano a ano para todo o Brasil, vai mostrar um
erro relativo muito menor do que a previsão realizada separadamen-
te, estado a estado. Muitas vezes, no entanto, os dados desagregados
são obtidos de formas diversas, a partir de bases heterogêneas, com
periodicidades diferentes etc. Nessas condições, a agregação desses
dados, na sua forma bruta, não vai melhorar a precisão dos resulta-
dos, e possivelmente poderá torná-los pouco úteis para o uso.

Um aspecto que associa positivamente esta característica com a anterior,


é que os dados desagregados, de maior erro, são normalmente utilizados
para previsões de curto prazo (táticas ou operacionais), enquanto os dados
agregados são mais utilizados em projeções de longo prazo (estratégicas),
para as quais não se requer muito detalhamento.

REQUISITOS
Ross (1998) indica seis requisitos básicos para a elaboração de uma previsão
satisfatória da demanda:

G Horizonte da previsão: os executivos de uma empresa ou organiza-


ção precisam definir linhas de ação cobrindo períodos variáveis, de-
pendendo da natureza das decisões – estratégicas, táticas ou opera-
cionais. Dessa forma, não tem sentido adotar uma projeção de dez
anos para apoiar as decisões operacionais diárias do gerente de uma
loja de supermercado. Por outro lado, as projeções para balizarem
decisões estratégicas (construir novas lojas, por exemplo) não de-
vem cobrir alguns poucos meses, sendo necessárias previsões envol-
vendo vários anos.
G Nível de detalhe dos dados: muitas vezes o analista encontra dados
num nível de desagregação inadequado para seus objetivos. Por
exemplo, para definir em que bairros a empresa vai implantar novas
lojas de supermercado numa determinada cidade, é necessário ter in-
formações sobre densidade populacional, distribuição espacial da
renda etc. Mas, se os dados disponíveis são apresentados tão somente
em nível municipal, as informações mais desagregadas, em nível de 161
bairro, precisam ser estimadas indiretamente. A renda familiar, por
exemplo, está correlacionada com o consumo de energia elétrica do-
miciliar, que é um tipo de dado disponível por região e que pode ser
conseguido através da concessionária. A desagregação da renda por
bairro pode então ser feita indiretamente, com base no consumo de
energia.
G Tamanho da amostra: normalmente o analista, ao fazer suas previ-
sões, se depara com a falta parcial de dados, que cobrem muitas vezes
um período de tempo insuficiente para dar consistência às projeções.
Noutras vezes se observam mudanças de critérios no registro dos da-
dos ou na forma de classificá-los. Por exemplo, uma grande empresa
supermercadista, que agrupa as lojas de acordo com distritos previa-
mente definidos e que, num certo momento, resolve mudar os limites
desses distritos, altera assim a forma de agregação das informações.
Por ocasião da elaboração das projeções, haverá dificuldade em ho-
mogeneizar os dados. Mas há também situações com excesso de in-
formações, e então o analista deve lançar mão de um processo estatís-
tico de amostragem. De uma maneira geral, quanto mais variáveis
forem utilizadas nas projeções, maior o número de elementos (valo-
res amostrais) a serem incorporados na análise.
G Controle das previsões: as previsões da demanda vão cobrir um hori-
zonte mais ou menos longo e, como estão sujeitas a erros, é necessá-
rio controlá-las periodicamente, modificando-as quando necessário.
Por exemplo, uma empresa projeta as vendas de um determinado
produto com base nas informações disponíveis no momento. Após
um ano de operação, observa-se que a matéria-prima básica utilizada
na fabricação do produto sofreu um ajuste de preço inesperado, o
que vai obrigar a um aumento no seu preço. É feita então uma revisão
das projeções de vendas para os próximos anos, e assim sucessiva-
mente.
G Grau de estabilidade: a demanda por alguns tipos de produtos é bas-
tante estável ao longo do tempo, como é o caso do consumo de gêne-
ros alimentícios básicos, entre outros, o sal, o açúcar, o pão. Para outros
produtos, o consumo varia muito em função de variáveis exógenas di-
versas. É o caso de bebidas alcoólicas, roupas, eletrodomésticos, auto-
móveis etc. que dependem da situação econômica do país, da evolução
da moda e de outros fatores. Pode-se afirmar como princípio básico as-
sociado a este fator que, quanto mais variáveis aleatórias explicarem a
evolução da demanda de um determinado produto, maior peso deverá
ser atribuído a eventos recentes. Por outro lado, quanto mais estável se
mostrar a variação da demanda ao longo do tempo, maior peso deverá
162 ser atribuído aos dados históricos.
G Planejamento organizado: muitas empresas improvisam o processo
de previsão da demanda, adotando métodos diversos de projeção
ao longo do tempo, mudando os técnicos que elaboram as análises e
não mantendo registros históricos da evolução do processo nem
tampouco dos dados utilizados. O ideal, na empresa, é organizar a
estrutura de planejamento escolhendo os métodos de previsão com
critério e mantendo a memória metodológica e informacional do
processo. As mudanças não justificadas na sistemática de elaboração
das previsões acabam criando resistências dentro da organização.
Não é incomum diretores e gerentes adotarem, nesses casos, suas
próprias previsões, gerando desacertos, estoques excessivos ou falta
de insumos e produtos.

CLASSIFICAÇÃO DOS MÉTODOS DE PREVISÃO


Os métodos de previsão são classificados de formas diversas, dependendo de
aspectos básicos que caracterizam a demanda. Listamos, a seguir, as princi-
pais classificações, sem a preocupação de sermos exaustivos, para depois
analisá-las com mais detalhe adiante, com a inclusão de exemplos. As classi-
ficações discutidas e analisadas neste texto não são exclusivas entre si, po-
dendo haver técnicas que se enquadrem simultaneamente em mais de uma
categoria:

G Métodos qualitativos de previsão, em contraposição a métodos quan-


titativos.
G Técnicas endógenas de previsão, em contraposição a técnicas exóge-
nas. No primeiro caso, são utilizados dados históricos da própria
empresa. No segundo caso, são utilizados dados externos à empre-
sa. Por exemplo, o consumo de pneus no país está ligado à frota to-
tal de veículos. Mas uma relação forte é observada entre consumo
de pneus e consumo de combustível, pois ambas as variáveis depen-
dem da quilometragem percorrida pela frota. Então, se dispuser-
mos de projeções confiáveis do consumo de combustível, podemos
inferir indiretamente o consumo de pneus através dessa variável.
Pode-se, obviamente, lançar mão de técnicas mistas, envolvendo os
dois tipos de dados.
G Comportamento estável versus comportamento dinâmico da deman-
da. A demanda nunca é representada por um valor determinístico,
pois, como dissemos, está sujeita a variações de diversos tipos. Mas,
mesmo sendo uma variável aleatória, a demanda é considerada está-
vel quando é governada por uma regra bem definida. Por exemplo, a
variação temporal da demanda da Figura 5.1 é representada por um 163
900
média = 589
800

700
Valores mensais
600

500

400

300

200

100

0
0 6 12 18 24 30 36

Meses
FIGURA 5.1 • Variação da demanda com média constante

valor médio fixo (no caso, igual a 589 unidades), um desvio-padrão


facilmente calculável e um tipo de distribuição (no caso, a distribui-
ção normal). Os dois exemplos da Figura 5.2, por sua vez, também
apresentam evolução estável da demanda, pois ambos podem ser ex-
plicados por funções bem definidas, apresentando tendências nítidas
de evolução. Já os produtos de ciclo de vida curto, analisados no case

4500

4000

3500
Tendência exponencial
3000
Valor

2500

2000

1500

1000
Tendência linear
500

0
0 5 10 15 20 25 30 35 40

Tempo
FIGURA 5.2 • Variação da demanda com tendência
164
Sport Obermeyer (veja Capítulo 6), mostram um comportamento ni-
tidamente dinâmico, pois sua demanda vai mudando ao longo do
tempo em função de variáveis de difícil previsão.
G Demanda dependente e demanda independente. O consumo de pneus
ilustra bem a diferença entre esses dois tipos de demanda. O consu-
mo de pneus na fabricação de automóveis caracteriza uma demanda
dependente, pois cada auto sempre recebe cinco unidades. É, assim,
uma variável nitidamente dependente da fabricação de veículos.

MÉTODOS DE PREVISÃO
A escolha do método mais apropriado para se fazer uma determinada previ-
são da demanda vai depender da análise criteriosa dos requisitos listados an-
teriormente, vis-à-vis a situação real do problema. Procuraremos analisar os
métodos mais comumente empregados no processo de distribuição. Existem
também no mercado softwares especialmente desenvolvidos para essa finali-
dade. Sistemas do tipo ERP (Enterprise Resource Planning), como SAP, Ora-
cle, Baan e outros, têm rotinas de previsão embutidas.

Métodos Qualitativos
Os métodos qualitativos envolvem processos mentais de julgamento sobre
possíveis desdobramentos de ações internas e externas, visando definir pro-
váveis cenários futuros para a tomada de decisões. Essa definição fica mais
clara com um exemplo.
Uma empresa X, fabricante de automóveis, atua num certo país e divide
o mercado local com uma única indústria concorrente Y. Um elemento im-
portante na competição entre as empresas concorrentes é o market share, ou
seja, a divisão do mercado entre as duas rivais. Verificou-se que, neste exem-
plo, as variáveis que comandam as vendas dos automóveis são o seu preço e
o número de lojas de empresas concessionárias existentes no país. Hoje, a si-
tuação vigente nesse mercado é a mostrada na Tabela 5.1, observando-se
que a montadora X detém 55% das vendas.

Tabela 5.1 Informações sobre o exemplo de mercado de automóveis


Número de Preço cobrado por Vendas no ano- Market Share
concessionárias carro ($) base (autos) (%)

Empresa X 40 21.500,00 330.000 55

Empresa Y 25 20.000,00 270.000 45

Total 600.000 100


165
Os executivos da empresa X se reúnem para decidir as ações que a orga-
nização vai tomar em relação ao próximo ano. Na primeira parte da reunião,
um dos diretores faz um relato do que conseguiu levantar sobre a situação da
concorrente, a empresa Y. Diz que o volume total de vendas da rival é baixo
quando comparado à capacidade de produção de sua fábrica. O gargalo é o
limitado número de concessionárias no país. Há um plano da concorrente
para implantar mais cinco lojas, mas não chegaram ainda a um consenso so-
bre sua localização. Por outro lado, houve uma mudança de gestão na em-
presa, com um novo presidente vindo recentemente do exterior. E o executi-
vo anda revendo tudo dentro da companhia. A empresa Y apresentou prejuí-
zo nos dois últimos anos, razão da mudança na sua administração. Em con-
clusão, o diretor conclui que a empresa Y não está em condições de aumentar
o número de concessionárias no próximo ano.
Outro diretor comenta a questão da disputa de mercado adotada pela
empresa Y com relação ao preço do produto. Ressalta que essa política foi a
grande responsável pela redução de seus lucros no corrente ano. Visando au-
mentar o market share, a empresa Y reduziu sensivelmente o preço de seu auto-
móvel, mantendo-o 7% abaixo do preço da concorrente. Acrescentou que há
duas correntes na administração da empresa Y: uma, que advoga um incenti-
vo monetário adicional (a cobertura do seguro do veículo por um ano, no va-
lor de $500,00), e outra que insiste em manter o preço no valor atual.
A seguir, o diretor de vendas informa que, se o preço do automóvel Y
for reduzido para $19.500,00 (preço atual, menos o valor do brinde de
$500,00), o market share da empresa X cairá para cerca de 51,5%. O presi-
dente lembra que há um projeto em curso de implantar brevemente mais três
concessionárias da marca X. Com isso, respondeu o diretor de vendas, o market
share da empresa se manteria em torno de 54,5%, bastante próximo do atual.
O diretor-presidente argumenta então que a empresa X não pode per-
der espaço para a concorrente. Ao contrário, deve aumentar o market share
para desencorajar novas investidas predatórias da rival. Por outro lado, o
preço um pouco mais elevado de seu produto é entendido pelo mercado
como resultado da qualidade da marca e, assim, não vê com bons olhos qual-
quer redução de preço.
Alguém pergunta então se não seria possível instalar mais uma conces-
sionária no próximo ano. O diretor de vendas responde afirmativamente,
mas que isso dependeria de o setor de manufatura garantir o nível necessário
de produção, visto que a fábrica já está próxima de seu limite de capacidade.
Com 44 concessionárias, se o preço do veículo X for mantido no nível atual e
o preço do veículo Y cair para $19.500,00, estima-se o market share da em-
presa X em 55,5%.

166
E se a empresa Y mantiver o preço atual, com mais quatro concessioná-
rias nossas, o que aconteceria?, pergunta o presidente. Nosso market share
subiria para perto de 59%, responde o diretor de vendas. “Pois então é o que
proponho fazer”, respondeu o presidente. “Vamos manter o preço do carro
e implantar mais quatro concessionárias.”
O mercado vai crescer a uma taxa de 5% neste próximo ano, completa o
diretor de vendas. Isso significa um total de 630.000 veículos. Se o concorren-
te diminuir o preço, ficaremos com 54,5% do total ou 343 mil veículos apro-
ximadamente, uma expansão de 4%. Mas, se eles mantiverem o preço, pode-
remos chegar a 372 mil veículos, um aumento de 12,7% em nossas vendas. Va-
mos nos programar então para esse segundo cenário, concluiu o presidente.
As projeções de vendas foram assim realizadas pela empresa X dentro
de um esquema nitidamente qualitativo e, ao que tudo indica, de forma con-
sistente e eficaz. Mas alguém poderia argumentar que foram utilizados nú-
meros na análise (o preço dos veículos e a quantidade de concessionárias). E
a presença desses números não daria ao processo decisório a característica
quantitativa? Na verdade não foram utilizados modelos quantitativos, mate-
máticos ou estatísticos, apenas hipóteses mais ou menos subjetivas, o que dá
ao processo uma característica qualitativa.

Métodos Quantitativos, Variáveis Endógenas


Os métodos quantitativos de previsão, com variáveis endógenas, utilizam
dados históricos da própria empresa. Essa forma de se fazer previsões se
apoia na ideia de que as condições que prevaleceram no passado continuarão
ocorrendo num futuro próximo. Fatores externos, de ordem econômica,
política ou concorrencial, não terão tempo para alterar significativamente os
rumos da empresa no curto e médio prazo. E, assim, a evolução da demanda
tende a seguir o processo observado na própria história da empresa.
Para realizar esse tipo de previsão, parte-se de uma série histórica levan-
tada na própria firma e analisa-se inicialmente o comportamento da deman-
da ao longo do tempo, para isso observando visualmente sua evolução. Po-
demos utilizar planilhas eletrônicas do tipo Excel ou outras, obtendo gráfi-
cos elucidativos do padrão de demanda para o caso em estudo. Depois de
analisar visualmente o comportamento da demanda, escolhe-se um modelo
de previsão adequado ao caso observado.

Séries Históricas sem Variações Sazonais


Nesse tipo de análise se observam variações aleatórias na demanda e possíveis
tendências de expansão ou contração. Na Figura 5.1 é mostrado o gráfico de
variação da demanda com valor médio constante (média de 589 unidades por
mês). Nesse caso, as únicas variações esperadas nos valores da demanda são de
natureza aleatória. O grau de aleatoriedade é medido através do desvio-padrão, 167
que permite estimar o erro da previsão. O desvio-padrão, calculado para a série
de 36 meses mostrada na Figura 5.1, é igual a 103,3.1 Admitindo 95% de certe-
za (isto é, em 95% dos casos observados a previsão ficará dentro de certos limi-
tes), uma tabela da distribuição normal fornece o valor de 1,96 para a variável
normalizada. Então, o erro será igual a ± 1,96 × 103,3 ≅ ± 202 unidades. A
demanda para o próximo mês ficará, então, entre 589 – 202 = 387 (mínimo
provável) e 589 + 202 = 791 unidades (máximo provável).
Diz-se que o nível de demanda apresenta tendência quando seu valor
for mudando sistematicamente ao longo do tempo. Na Figura 5.2 observa-
mos duas situações. Numa delas a tendência se manifesta de forma linear, ou
seja, uma reta pode ser satisfatoriamente ajustada aos dados históricos. Na
outra, observa-se uma concavidade na curva, mostrando que a hipótese line-
ar não é correta. Previsões com tendência são normalmente realizadas com
base em regressão, que é um processo estatístico bastante conhecido e utili-
zado em aplicações reais. Nesses dois casos, como a demanda só depende de
uma variável – o tempo – utilizamos a regressão simples. Havendo duas ou
mais variáveis explicativas (chamadas variáveis independentes), utilizamos a
regressão múltipla.
Inicialmente vamos analisar o caso com tendência linear exibido na Fi-
gura 5.2. Os valores da demanda cobrindo um período de 36 meses são
apresentados na Tabela 5.2.

Tabela 5.2 Demanda com tendência linear (Figura 5.2)


Mês (t) Valor Mês (t) Valor Mês (t) Valor

1 608 13 1019 25 1282

2 667 14 1008 26 1426

3 855 15 1084 27 1320

4 637 16 1145 28 1537

5 734 17 982 29 1315

6 698 18 989 30 1505

7 807 19 1182 31 1607

8 824 20 1181 32 1586

9 767 21 1218 33 1535

10 875 22 1265 34 1765

11 898 23 1344 35 1587

12 913 24 1394 36 1687

1
168 A média e o desvio-padrão foram calculados no Excel.
A fórmula para ajuste através da regressão linear simples é a seguinte:

Dt = a + b × t, (5.1)

onde Dt é o valor da demanda observado no mês t (ver Tabela 5.2), t é o tem-


po em meses, sendo a e b constantes a serem ajustadas estatisticamente atra-
vés da regressão. Para ajustarmos a expressão 5.1 aos dados históricos, utili-
zamos um pacote de estatística denominado Statistica, versão 6.0, em que os
dados para análise são importados diretamente do Excel. Os resultados da
regressão são apresentados na Tabela 5.3.

Tabela 5.3 Resultados da regressão, tendência linear


Elemento Valor ajustado Estatística t

a 576,78 22,75

b 30,75 25,73

Graus de liberdade 34

R2 0,950

Na regressão, R2 é o coeficiente de determinação, que representa o quo-


ciente entre a variância explicada pela regressão e a variância total. Quanto
mais perto da unidade estiver R2, melhor o resultado do ajuste. No caso,
tem-se R2 = 0,950, valor bastante satisfatório para análises desse tipo. A es-
tatística t (chamada também t de Student) é utilizada para verificar se o coefi-
ciente ajustado tem significância estatística.
Para utilizar o teste t é preciso conhecer os graus de liberdade do proces-
so de ajuste estatístico. Neste caso, ajustamos dois coeficientes através da re-
gressão: a e b. Utilizamos, por outro lado, 36 conjuntos independentes de da-
dos, correspondentes a cada mês, conforme indicado na Tabela 5.2. Então,
dos 36 graus de liberdade iniciais, dois foram utilizados para determinar os co-
eficientes a e b, restando, assim, 34 graus de liberdade. Entrando numa tabela
da distribuição de Student,2 vemos que o valor crítico, para 34 graus de liber-
dade, com nível de confiança de 99%, é 2,576. E os valores da estatística t,
tanto para a como para b, são bem superiores a 2,576, indicando serem esses
dois coeficientes estatisticamente significativos com 99% de certeza.
Uma vez de posse da expressão 5.1 ajustada, podemos fazer previsões.
Isso pode ser feito aplicando diretamente a expressão 5.1 com os valores de
a e b extraídos da Tabela 5.3 ou através do pacote estatístico. Para o mês se-
guinte (mês 37), o modelo linear de previsão indica o seguinte resultado:
2
Disponível em livros de Estatística. 169
• Valor esperado (média): 1715
• Valor mínimo (com 95% de certeza): 1663
• Valor máximo (com 95% de certeza): 1766

Normalmente a demanda está relacionada ao comportamento de pes-


soas, representando, na maioria dos casos, vendas de produtos e serviços.
Por outro lado, a demanda depende muito da expansão da economia de um
país ou região, que faz crescer o nível de renda da população. E essas duas
variáveis básicas – população e renda – normalmente crescem de forma ex-
ponencial. Em função disso, grande parte dos casos de evolução da demanda
mostra tendência exponencial, como a mostrada na Figura 5.2. Para esses
casos a expressão genérica para evolução da demanda é a seguinte:

Dt = a × (1 + )t, (5.2)

onde Dt é o valor da demanda observado no mês t, t é o tempo em meses,


sendo a e β constantes a serem ajustadas estatisticamente através da regres-
são. O coeficiente β representa a taxa média de expansão da demanda por
unidade de tempo (no caso, a unidade de tempo é o mês).
Os valores da demanda, para o caso de tendência exponencial mostra-
do na Figura 5.2 e cobrindo um período de 36 meses, são apresentados na
Tabela 5.4.

Tabela 5.4 Demanda com tendência exponencial (Figura 5.2)


Mês Valor Mês Valor Mês Valor

1 685 13 1023 25 1874

2 665 14 1128 26 2145

3 871 15 1150 27 2195

4 700 16 1349 28 2112

5 765 17 1282 29 2305

6 643 18 1373 30 2465

7 915 19 1544 31 2513

8 927 20 1518 32 2653

9 897 21 1677 33 2910

10 1053 22 1659 34 3098

11 972 23 1667 35 3064

12 685 24 1786 36 3407

170
Neste caso, o modelo matemático não é linear. Uma vez que a regressão
exige linearidade da função a ser ajustada, torna-se necessário línearizar a
função. Isso é feito aplicando logaritmos à expressão 5.2:

ln(Dt) = ln(a) + ln(1 + ) × t (5.3)

Antes de aplicar o pacote de estatística, determinamos, no Excel, os lo-


garitmos neperianos dos valores da demanda. Para tornar mais clara a análi-
se, vamos reescrever a expressão 5.3 da seguinte forma:

Dt* = a* + * × t , (5.4)

onde Dt*= ln(Dt), a* = ln(a) e β* = ln(1 + β). Efetuando a regressão lineari-


zada simples indicada em 5.4, obtivemos os resultados apresentados na Ta-
bela 5.5. O valor R2 = 0,982 é bastante satisfatório e os dois coeficientes
ajustados (a* e β*) são significativos a 99% de acordo com a estatística t. Cal-
culando os inversos dos logaritmos, obtemos

a = INV(ln(a*)) = 611,43 e 1 + β = INV(ln(β*)) = 1,0491

e a taxa de crescimento exponencial da demanda é β* = 1,0491 – 1 =


0,0491 ou 4,91% ao mês. A expressão ajustada da demanda é, então,

Dt = 611,43 × (1,0491)t (5.5)

Tabela 5.5 Resultados da regressão, tendência exponencial


Elemento Valor ajustado Estatística t

a* 6,41581 275,07

* 0,04794 43,61

Graus de liberdade 34

R2 0,982

Uma vez de posse da expressão ajustada 5.5, podemos fazer previsões.


Isso pode ser feito aplicando diretamente a expressão 5.5 ou através do pa-
cote estatístico. Para o mês seguinte (mês 37), o modelo exponencial de pre-
visão indica o seguinte resultado:

171
• Valor esperado (média): 3.603
• Valor mínimo (com 95% de certeza): 3.436
• Valor máximo (com 95% de certeza): 3.778

Incorporando a Sazonalidade: Médias Móveis


Muitos tipos de produto apresentam oscilações da demanda devidas a fenô-
menos sazonais, tais como clima, colheita, época de festas etc. Assim, sorve-
tes, refrigerantes e cerveja têm seu pico de demanda no verão, roupas de in-
verno vendem durante os meses frios, e artigos alimentícios de Natal
(panetone, castanhas) nas festas de fim de ano. A curva que representa a de-
manda desses tipos de produtos tende a apresentar oscilações de forma repe-
tida, como, por exemplo, a mostrada na Figura 5.3. O método de previsão
baseado na média móvel, que vamos analisar nesta seção, permite incorpo-
rar essas oscilações sazonais no modelo de previsão.
Na Figura 5.3 e na Tabela 5.6 temos a variação das vendas de um pro-
duto ao longo de 18 meses. Observamos que a demanda apresenta uma
oscilação periódica de três meses, muito embora se notem também variações
aleatórias ao longo do tempo. Mas o ciclo trimestral é bastante nítido no grá-
fico. A média móvel, cujo cálculo discutiremos a seguir, visa separar o efeito
sazonal dos demais fatores que atuam no processo de previsão, facilitando o
ajuste do modelo.

1600
Média móvel trimestral Demanda
1400

1200

1000

800

600

400

200

0
0 3 6 9 12 15 18

Meses
FIGURA 5.3 • Demanda com variações sazonais

172
Tabela 5.6 Exemplo de média móvel trimestral
Tempo t (meses) Vendas do produto Média móvel trimestral
1 614 –
2 1288 781,7
3 443 812,7
4 707 859,3
5 1428 876,7
6 495 919,7
7 836 819,3
8 1127 787,0
9 398 737,7
10 688 787,3
11 1276 816,3
12 485 846,7
13 779 831,7
14 1231 813,0
15 429 823,3
16 810 807,3
17 1183 826,3
18 486 –

Sejam D1, D2, ..., Dn os valores da venda do produto nos meses 1,2,...,n,
mostrados na Tabela 5.6. Seja m a periodicidade da média móvel. No nosso
exemplo, fazemos m = 3, que é o ciclo nas variações da demanda observado
na Figura 5.3, ao longo dos meses. Para determinar os valores da média mó-
vel, tomamos a sequência de valores dados por:

D1 + D2 + D3 D2 + D3 + D4 D3 + D4 + D5
, , , ... (5.6)
3 3 3

Ou seja:

1. Somamos os três primeiros valores e calculamos a média aritmética;


2. Subtraímos o primeiro valor (D1) da série, adicionamos o seguinte
(D4) e calculamos a média aritmética;
3. Repetimos essas operações até se esgotarem os valores das vendas.

Assim, para os valores apresentados na Tabela 5.6, são feitos os seguin-


tes cálculos:
173
D1 + D2 + D3 614 + 1288 + 443
= = 781,7
3 3
D2 + D3 + D4 1288 + 443 + 707
= = 612,7
3 3
D1 + D2 + D3 443 + 707 + 1428
= = 859,3 etc.
3 3

Cada valor calculado da média móvel é colocado na linha correspon-


dente à posição média. Ou seja, o primeiro valor da média móvel é calculado
considerando as demandas D1, D2, D3 e, assim, a respectiva média móvel é
colocada na posição média entre 1, 2 e 3, ou seja, a posição 2, e assim por
diante. Os resultados desses cálculos são apresentados na terceira coluna da
Tabela 5.6.
Observamos, na Tabela 5.6, que a média móvel não apresenta valores
nas extremidades da série. Assim, para cálculo de médias móveis com perio-
dicidades maiores,3 é preciso dispor de uma série de dados mais ampla, visto
que há uma perda sensível de informação nas extremidades. O próximo
exemplo ilustra bem esse aspecto.
Uma vez determinados os valores da média móvel trimestral, coloca-
mo-los no gráfico da Figura 5.3. Observamos que a média móvel tende a sua-
vizar bastante as oscilações sazonais da demanda. Noutras palavras, a média
móvel filtra as informações contidas nos valores originais, reduzindo de
muito, ou mesmo eliminando, os efeitos sazonais. Mas, qual a utilidade des-
sa constatação? É o que veremos a seguir num caso mais realista.
Uma indústria fabrica um produto que é utilizado intensivamente na
agricultura, e cujas vendas apresentam variações sazonais com ciclo anual
(12 meses). A Figura 5.4 e a Tabela 5.7 apresentam os valores históricos da
venda do produto durante um período de 60 meses.
Na Figura 5.4, que representa esses dados ao longo do tempo, observa-
mos que:

G Há uma nítida repetição de um padrão de oscilação da demanda ao


longo dos anos, indicando que as vendas do produto apresentam
uma variação sazonal de doze meses;
G Observa-se, também, uma tendência de crescimento da demanda ao
longo do tempo, mas as oscilações sazonais tornam difusas as infor-
mações sobre essa característica importante da série histórica (isto é,
a tendência).

174
Tabela 5.7 Média móvel de doze meses
t (mês) Ano Vendas Média móvel t (mês) Ano Vendas Média móvel
de 12 meses de 12 meses

1 1 605 – 31 3 1795 1978

2 1 252 – 32 3 2938 1979

3 1 1622 – 33 3 2524 1989

4 1 2588 – 34 3 2249 2047

5 1 2518 – 35 3 1441 2091

6 1 2252 1630 36 3 1165 2113

7 1 1786 1639 37 4 830 2125

8 1 1991 1640 38 4 286 2113

9 1 1680 1647 39 4 1939 2124

10 1 1872 1678 40 4 4054 2154

11 1 1343 1676 41 4 3485 2180

12 1 1056 1670 42 4 2648 2193

13 2 707 1661 43 4 1943 2191

14 2 268 1696 44 4 2787 2194

15 2 1709 1738 45 4 2663 2182

16 2 2954 1764 46 4 2609 2164

17 2 2494 1766 47 4 1748 2160

18 2 2187 1778 48 4 1327 2204

19 2 1675 1791 49 5 805 2204

20 2 2406 1792 50 5 321 2230

21 2 2192 1801 51 5 1799 2231

22 2 2178 1835 52 5 3830 2222

23 2 1372 1874 53 5 3457 2242

24 2 1201 1890 54 5 3152 2249

25 3 857 1900 55 5 1953 –

26 3 205 1944 56 5 3101 –

27 3 1816 1972 57 5 2666 –

28 3 3353 1978 58 5 2510 –

29 3 2964 1984 59 5 1982 –

30 3 2381 1981 60 5 1413 –

Vamos mostrar, com este exemplo, como se separam os efeitos da sazo-


nalidade, da tendência de expansão da demanda e do componente aleatório. 175
4500
4000
Vendas mensais 3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
0 6 12 18 24 30 36 42 48 54 60 66
Meses
FIGURA 5.4 • Demanda com variação sazonal de doze meses

A média móvel de doze meses é calculada da mesma forma com que foi de-
terminada a de três meses, mas tomando agora 12 elementos sucessivos da
série e depois tirando a média aritmética. O primeiro valor da média móvel é
dado por:
D1 + D2 +...+ D11 + D12
= 1630 ,
12

que é colocado na posição 6 da Tabela 5.7, e assim sucessivamente. Notamos,


no entanto, que, sendo a periodicidade de ordem par (m = 12 neste caso), o
valor acima indicado deveria ser colocado, na Tabela 5.7, entre as posições 5 e
6, de forma a manter a simetria posicional. De fato, ao colocar o valor 1630 na
linha 6, ocorre uma situação de assimetria dos valores utilizados em relação
àquela posição: cinco posições para trás (de 1 a 5) e seis posições para a frente
(de 7 a 12). Há uma maneira mais correta de calcular e localizar os valores da
média móvel para os casos em que m é par. No entanto, como a periodicidade
é relativamente alta (m = 12), o erro ocasionado pela assimetria é pouco signi-
ficativo. Livros de estatística (Spiegel, 1972, por exemplo) costumam apresen-
tar métodos mais completos para cálculo da média móvel.
Os valores da média móvel de 12 meses extraídos da Tabela 5.7 são co-
locados agora na Figura 5.5, junto com os dados originais da demanda.
Observamos que a curva da média móvel de doze meses não apresenta mais
as flutuações mostradas no gráfico original. Esse processo é denominado re-
gularização de séries temporais (Spiegel, 1972). Notamos agora, com bastan-
te clareza, que há uma nítida tendência de crescimento da demanda ao longo
do tempo. E podemos medir essa tendência aplicando regressão sobre os va-
lores da média móvel.
176
4500
Valores observados
4000
Média móvel de 12 meses
3500

Vendas mensais 3000


2500
2000
1500
1000
500
0
0 6 12 18 24 30 36 42 48 54 60
Meses
FIGURA 5.5 • Gráfico da média móvel de doze meses

A regressão, neste caso, é idêntica à da expressão 5.2, sendo a variável


dependente, agora, a média móvel:

MMt = a × (1+ )t (5.7)

Aplicando a regressão aos valores da média móvel extraídos da Tabela 5.7,


em função do tempo t, foram obtidos a = 1563,09 e β = 0,007466, com R2 =
0,965, sendo os dois coeficientes estatisticamente significativos com 99% de
certeza. A equação 5.7 traduz, então, o efeito regularizado da tendência de cres-
cimento da demanda, isolando-o das oscilações aleatórias e sazonais.
Vamos determinar agora os coeficientes de correção que levam em conta
as variações sazonais. Em primeiro lugar, calculamos os valores estimados da
média móvel, mês a mês, para isso utilizando a equação 5.7, com os valores de a
e β determinados através da regressão. Esses valores estão lançados na coluna
(d), da Tabela 5.8. Na coluna (c) da Tabela 5.8, repetimos os valores históricos
das vendas, extraídos da Tabela 5.7. Dividimos agora os valores da coluna (c)
pelos valores da coluna (d), e lançamos os resultados na coluna (e), formando
assim o coeficiente g, na Tabela 5.8. O coeficiente g representa a relação entre a
venda do mês t e a média móvel estimada para aquele mês.
Uma vez calculados os valores de g, na Tabela 5.8, calculamos os coefi-
cientes médios de ajuste mensal relacionados à sazonalidade. O cálculo é rea-
lizado mês a mês, conforme mostrado na Tabela 5.9. Para o mês 1 (janeiro),
tomamos os valores de g correspondentes às linhas 1, 13, 25, 37 e 49 da Ta-
bela 5.8, que representam o primeiro mês de cada ano. Tiramos a média arit-
mética desses cinco valores e a lançamos na última coluna da Tabela 5.9. Re-
petimos a operação para os meses restantes, e o resultados são os coeficientes
de ajuste sazonal, denominado fmês.
177
Tabela 5.8 Coeficientes de flutuação sazonal
(a) (b) (c) (d) (e) (a) (b) (c) (d) (e)
Mês Ano Vendas Média móvel* g** Mês Ano Vendas Média móvel* g**

1 1 605 1575 0,384 31 3 1795 1968 0,912

2 1 252 1586 0,159 32 3 2938 1983 1,482

3 1 1622 1598 1,015 33 3 2524 1998 1,263

4 1 2588 1610 1,607 34 3 2249 2013 1,117

5 1 2518 1622 1,552 35 3 1441 2028 0,711

6 1 2252 1634 1,378 36 3 1165 2043 0,570

7 1 1786 1647 1,085 37 4 830 2058 0,403

8 1 1991 1659 1,200 38 4 286 2074 0,138

9 1 1680 1671 1,005 39 4 1939 2089 0,928

10 1 1872 1684 1,112 40 4 4054 2105 1,926

11 1 1343 1696 0,792 41 4 3485 2120 1,644

12 1 1056 1709 0,618 42 4 2648 2136 1,240

13 2 707 1722 0,411 43 4 1943 2152 0,903

14 2 268 1735 0,155 44 4 2787 2168 1,285

15 2 1709 1747 0,978 45 4 2663 2184 1,219

16 2 2954 1761 1,678 46 4 2609 2201 1,186

17 2 2494 1774 1,406 47 4 1748 2217 0,788

18 2 2187 1787 1,224 48 4 1327 2234 0,594

19 2 1675 1800 0,930 49 5 805 2250 0,358

20 2 2406 1814 1,327 50 5 321 2267 0,142

21 2 2192 1827 1,200 51 5 1799 2284 0,788

22 2 2178 1841 1,183 52 5 3830 2301 1,664

23 2 1372 1855 0,740 53 5 3457 2318 1,491

24 2 1201 1868 0,643 54 5 3152 2336 1,350

25 3 857 1882 0,455 55 5 1953 2353 0,830

26 3 205 1896 0,108 56 5 3101 2371 1,308

27 3 1816 1911 0,950 57 5 2666 2388 1,116

28 3 3353 1925 1,742 58 5 2510 2406 1,043

29 3 2964 1939 1,528 59 5 1982 2424 0,818

30 3 2381 1954 1,219 60 5 1413 2442 0,579

*Estimada através da expressão 5.7.


**Divisão da coluna (c) pela coluna (d).
178
Finalmente, o modelo de previsão da demanda é formado pela junção do
ajuste da tendência, dado pela equação 5.7, com a correção de sazonalidade
dada pelo coeficiente fmês:

Dt = fmês × a × (1 + )t (5.8)

com a = 1563,09, β = 0,007466, e onde o coeficiente fmês corresponde aos


valores indicados na Tabela 5.9. Podemos, agora, aplicar o modelo para de-
terminar as previsões mensais para o sexto ano. Os valores de t variam agora
de 61 a 72, fornecendo o componente de tendência na Tabela 5.10 (coluna
b). Os valores do coeficiente fmês foram extraídos da última coluna da Tabela
5.9. Finalmente, as previsões de venda mensais são calculadas multiplicando
as colunas (b) e (c) da Tabela 5.10 e lançadas na coluna (d). O total de vendas
do produto previsto para o sexto ano é de 30.600 unidades, sendo as previ-
sões mensais indicadas na coluna (d) da Tabela 5.10.

Tabela 5.9 Determinação do coeficiente de ajuste sazonal fmês


Mês Ano fmês
1 2 3 4 5
1 0,384 0,411 0,455 0,403 0,358 0,402
2 0,159 0,155 0,108 0,138 0,142 0,140
3 1,015 0,978 0,950 0,928 0,788 0,932
4 1,607 1,678 1,742 1,926 1,664 1,724
5 1,552 1,406 1,528 1,644 1,491 1,524
6 1,378 1,224 1,219 1,240 1,350 1,282
7 1,085 0,930 0,912 0,903 0,830 0,932
8 1,200 1,327 1,482 1,285 1,308 1,320
9 1,005 1,200 1,263 1,219 1,116 1,161
10 1,112 1,183 1,117 1,186 1,043 1,128
11 0,792 0,740 0,711 0,788 0,818 0,770
12 0,618 0,643 0,570 0,594 0,579 0,601

A Figura 5.6 mostra a variação da demanda ao longo do tempo, onde se


pode observar visualmente que o ajuste do modelo à série histórica de ven-
das é bastante satisfatório. É apresentado também o gráfico de projeção das
vendas para o sexto ano, notando-se que acompanha satisfatoriamente o es-
quema observado historicamente. Na literatura especializada são encontra-
dos métodos de cálculo das médias móveis mais sofisticados, como o da mé-
dia móvel ponderada, além de outros. O livro de Pole, West e Harrison 179
5000
Valores observados Previsão
4500 Valores estimados pelo modelo

4000

3500
Vendas mensais

3000

2500
2000

1500

1000
500

0
0 6 12 18 24 30 36 42 48 54 60 66 72
Meses
FIGURA 5.6 • Ajuste do modelo de médias móveis aos valores observados e projeções

(1994) apresenta processos bastante avançados de análise de séries temporais,


com vários exemplos de aplicação.

Tabela 5.10 Previsões das vendas utilizando o método das médias móveis
(a) (b) (c) (d)*
Mês Componente de tendência fmês Previsão das vendas
1 2460 0,402 989
2 2479 0,140 347
3 2497 0,932 2327
4 2516 1,724 4337
5 2535 1,524 3863
6 2554 1,282 3274
7 2573 0,932 2398
8 2592 1,320 3421
9 2611 1,161 3031
10 2631 1,128 2968
11 2650 0,770 2040
12 2670 0,601 1605
Total 30600
* Coluna (b) multiplicada pela coluna (c)

180
Previsão Dinâmica: Método do Amortecimento Exponencial
A utilização do método de médias móveis, embora bastante robusto e ade-
quado, apresenta três limitações. Em primeiro lugar, o cálculo da média mó-
vel, principalmente com componente sazonal, exige o registro de uma série
extensa de dados, como, por exemplo, o caso que acaba de ser analisado. Em
segundo lugar, à medida que se faz necessária uma grande quantidade de da-
dos históricos, possíveis mudanças na tendência de evolução da demanda fi-
cam diluídas na grande quantidade de dados passados. Ou seja, a grande
quantidade de dados históricos mascara os possíveis efeitos súbitos de mu-
danças na demanda. Finalmente, o método da média móvel dá igual peso às
informações antigas e às recentes.
Hoje, com a grande volatilidade observada no mercado consumidor,
sujeito a oscilações econômicas e impactos políticos, tanto internos como
externos, tornou-se necessária a utilização de métodos de previsão mais di-
nâmicos, que deem maior peso às mudanças observadas recentemente. O
método de amortecimento exponencial é um deles. Ele permite que o analis-
ta aloque pesos para ponderar dados históricos passados e informações recen-
tes, de maneira a melhor refletir formas de evolução da demanda, incluindo
tendência e sazonalidade. Por outro lado, ao contrário da técnica de médias
móveis, o método de amortecimento exponencial requer poucos registros de
dados para fornecer previsões. O processo de previsão da demanda é dinâ-
mico, pois permite ajustá-lo facilmente às novas condições de mercado ob-
servadas no momento da análise.
Num certo momento t, o valor da projeção exponencialmente amorte-
cida, para o período t+1, é dada pela seguinte expressão:

At+1 = Dt + (1 – ) At com 0 1 (5.9)

onde At+1 é a previsão exponencialmente amortecida para o período t+1,


Dt é a demanda realmente observada no momento t, e α é uma constante de
amortecimento. No início da série, como ainda não temos o valor de At, faze-
mos A1 = D1.
O valor de α é escolhido de forma a dar maior ou menor peso aos valo-
res recentemente observados. Quanto mais próximo da unidade estiver o va-
lor de α, maior o peso atribuído à demanda recente. De fato, se α = 1, as infor-
mações passadas, acumuladas no valor de At, não vão afetar a previsão, visto
que At é multiplicado por zero na expressão 5.9. Ao contrário, quando α = 0,
somente a demanda atual Dt afetará a previsão. A escolha do valor de α de-
pende muito das observações passadas, mas alguns autores indicam fórmulas
para ajustá-lo (Ross, 1996).
181
Quando a série apresenta tendência, como vimos anteriormente, é possí-
vel agregá-la ao modelo de amortecimento exponencial, melhorando a quali-
dade das previsões. Para tendência linear, a fórmula modificada é a seguinte:

At+1 = (Dt + St) + (1 – ) (At + St) com 0 1 (5.10)

onde St é o valor da tendência observada no período t, dada por:

St = S0 + t, (5.11)

sendo S0 e β constantes ajustadas por regressão. Para tendência exponencial, a


fórmula do modelo de amortecimento exponencial modificado é a seguinte:

At+1 = Dt + (1 + tx) + (1 – α) At (1 + tx) = (5.12)


= [ Dt + (1 – ) At] (1 + tx), com 0 1,

onde tx é a taxa de expansão da demanda por unidade de tempo.


Tomemos um exemplo ilustrativo, em que dispomos dos dados de vendas
cobrindo um período sucessivo de 60 meses. Os dados são apresentados na colu-
na (b), da Tabela 5.11. Uma análise preliminar desses dados mostrou que as ven-
das vêm crescendo a uma taxa média mensal de 1,5% ao mês, ou seja, há uma
tendência exponencial com tx = 0,015. Adotando α = 0,45, e aplicando recursi-
vamente a equação 5.12, obtemos os valores das previsões de vendas, mês a mês,
segundo o modelo de amortecimento exponencial, e que estão indicados na Ta-
bela 5.12. Conforme visto anteriormente, A1 = D1 = 600 neste caso.
Na Figura 5.7 são mostradas as variações das vendas e das previsões
amortecidas durante os 60 meses. Observa-se o bom ajuste do modelo aos
dados observados. Mas as vantagens deste método estão centradas, de fato,
no caráter dinâmico das previsões. Para ilustrar esse ponto, vamos supor
que, inesperadamente, no mês 25, as vendas cresçam 50%, mantendo essa
proporção durante o período de um ano. O resultado é mostrado na Figura
5.8. Observamos que as previsões acompanham a curva da demanda, pas-
sando para um patamar superior, paralelo à primeira, sem que seja necessá-
rio refazer o ajuste do modelo. De fato, o modelo é autoajustável, dando um
caráter dinâmico às previsões. Notamos também uma certa defasagem na
resposta do modelo ao repentino crescimento da demanda. Isso ocorre por-
que o salto brusco nas vendas pode representar uma situação isolada e mo-
mentânea (uma campanha de liquidação de estoques, por exemplo), seguida
da volta à situação normal imediatamente depois. Mas, à medida que as ven-
das continuam elevadas, o modelo vai se aproximando rapidamente da cur-
va de dados reais. O mesmo ocorre no processo inverso, quando o nível de
vendas retorna à situação inicial.

182
Tabela 5.11 Modelo de amortecimento exponencial, com componente
tendencial
Mês t Dt At Mês t Dt At
1 600 600 31 968 1014
2 603 609 32 1106 1008
3 605 615 33 1057 1068
4 636 620 34 1083 1079
5 595 637 35 996 1097
6 650 627 36 1072 1067
7 636 647 37 1061 1085
8 639 652 38 1178 1091
9 590 656 39 1194 1147
10 715 636 40 1286 1186
11 779 681 41 1218 1249
12 716 736 42 1286 1254
13 669 738 43 1274 1287
14 758 718 44 1356 1301
15 808 747 45 1148 1345
16 755 786 46 1326 1275
17 843 784 47 1258 1318
18 774 822 48 1240 1310
19 778 813 49 1298 1298
20 789 809 50 1405 1317
21 814 812 51 1248 1377
22 897 825 52 1410 1339
23 907 825 53 1509 1391
24 973 875 54 1431 1466
25 919 933 55 1454 1472
26 970 940 56 1478 1486
27 941 968 57 1464 1505
28 981 970 58 1511 1509
29 956 990 59 1604 1532
30 1011 989 60 1593 1588

Métodos Quantitativos, Variáveis Extrínsecas


Em muitos casos as variações da demanda são mais dependentes de fatores
externos à empresa do que simplesmente em função dos dados históricos ob-
183
servados internamente a ela. Por exemplo, citamos anteriormente o caso do
consumo de pneus, que está fortemente ligado ao consumo de combustíveis,
pois ambas as variáveis dependem da quilometragem percorrida pela frota.
Se dispusermos de projeções confiáveis do consumo de combustível, pode-
rem inferir indiretamente o consumo de pneus através dessa variável exóge-
na. Muitas vezes a venda de produtos está relacionada com a expansão da
economia, sendo o PIB de um país ou de uma região uma boa variável exóge-
na para explicar o fenômeno.

1800

1600

1400

1200
Vendas

1000

800

600

400 Demanda observada


Demanda estimada pelo modelo
200

0
0 6 12 18 24 30 36 42 48 54 60
Meses
FIGURA 5.7 • Ajuste do modelo de amortecimento exponencial

Nosso exemplo está relacionado novamente com a venda de automóveis,


e envolve regressão linear simples. Uma empresa X, fabricante de automó-
veis, possui uma fábrica num determinado país e disputa o mercado local
com uma concorrente Y. As duas comercializam um único tipo de veículo, da
mesma classe. Os executivos da empresa X precisam estimar as vendas de
veículo para o ano próximo de forma a planejar a produção, os planos de venda
e o fluxo de caixa.
Foi observado que as vendas de veículos dependem fortemente da evo-
lução do PIB do país. São disponíveis dados anuais nos últimos 12 anos, con-
forme mostra a Tabela 5.12. Observa-se que o país em questão mostrou uma
fase de expansão econômica entre os anos 2 e 4 e, depois, sofreu uma crise
durante alguns anos, com a economia voltando a crescer entre os anos 8 e
12, mas a taxas menores.
184
1800

1600

1400

1200
Vendas

1000

800

600

400 Demanda observada


Demanda estimada pelo modelo
200

0
0 6 12 18 24 30 36 42 48 54 60
Meses
FIGURA 5.8 • Ajuste do modelo de amortecimento exponencial quando ocorre
um repentino salto na demanda

Tabela 5.12 Evolução das vendas de automóveis em função do PIB


Ano (1) (2) (3)
Evolução do PIB em relação PIB acumulado Total de autos vendidos
ao ano anterior (%) (ano 1 = 1000) no país

1 – 100,0 15701

2 + 8,1 108,1 16597

3 + 7,2 115,9 18277

4 + 11,2 128,9 19778

5 + 1,6 130,9 22237

6 – 6,0 123,1 18776

7 – 2,0 120,6 19830

8 + 1,0 121,8 19209

9 + 1,5 123,6 19916

10 + 2,8 127,1 19939

11 + 3,5 131,6 21354

12 + 5,0 138,1 22078

Para a análise precisamos do PIB acumulado, que é obtido admitindo-se


um valor-base igual a 100 para o ano 1, e depois aplicando sucessivamente as
taxas percentuais, ano a ano. Por exemplo, para o ano 2 temos:
185
PIB do ano anterior: 100,0
Acréscimo de 8,1%: 8,1
PIB, ano 2: 108,1
PIB do ano 3:
PIB do ano anterior: 108,1
Acréscimo de 7,2%: 7,8
PIB, ano 3: 115,9

E assim por diante. Os valores acumulados do PIB estão lançados na co-


luna (2), da Tabela 5.12. Para relacionar a venda de autos com o PIB do país,
adotamos a seguinte função:

Dt = c × (PIBt)b , (5.13)

onde Dt representa o total de autos vendidos no ano t (coluna 3, Tabela


5.12), PIBt é o PIB acumulado correspondente ao ano t, sendo c e b constan-
tes a ajustar via regressão. Para fazer o ajuste dessa regressão simples, lineari-
zamos a expressão 5.13, o que é feito aplicando logaritmos:

lnDt = ln c + b ln(PIBt) (5.14)

Utilizando o pacote Statistica, obtivemos os resultados indicados na Ta-


bela 5.13.

Tabela 5.13 Ajuste estatístico da expressão 5.14 por meio de regressão


Elemento Valor ajustado Estatística t

ln c 4,469412 8,979

b 1,124 10,855

Graus de liberdade 10

R2 0,922

No caso, observa-se R2 = 0,922, valor bastante satisfatório para análi-


ses desse tipo. Entrando numa tabela da distribuição de Student, vemos que
o valor crítico para dez graus de liberdade, com nível de confiança de 99%, é
3,169. E os valores da estatística t, tanto para ln c como para b, são superio-
res a 3,169, indicando que esses dois coeficientes são estatisticamente signi-
ficativos.
186
A partir de ln c apresentado na Tabela 5.13, tiramos c = 87,30 (valor da
função inversa ln), e assim a função ajustada da demanda é

Dt = 87,30 × (PIBt)1,12 (5.15)

Se aplicarmos a expressão 5.15 para os doze anos passados, entrando


para isso com os valores acumulados do PIB mostrados na Tabela 5.12, obte-
rem os valores estimados da demanda. Representando os valores reais e os
estimados no gráfico da Figura 5.9, observamos que o modelo apresenta um
bom ajuste aos dados reais.

25000

20000
Demanda anual

15000
Demanda real
Demanda estimada
10000

5000

0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Anos
FIGURA 5.9 • Ajuste do modelo de previsão baseado em variável exógena

Suponhamos agora que as previsões econômicas para o país em questão


indiquem um crescimento do PIB de 5,5% para o próximo ano. Adicionan-
do 5,5% ao PIB acumulado do último ano (138,1, na Tabela 5.12), obtemos
PIB13 = 145,7. Aplicando a expressão 5.15, obtemos a previsão de venda de
23.125 automóveis para o próximo ano.
Como dividir a demanda entre as montadoras X e Y? É comum nas aná-
lises de mercado utilizar o conceito de market share (MS) ou índice de divi-
são do mercado (Cooper e Nakanishi, 1998). Neste caso, admitimos que as
condições de equilíbrio entre as empresas X e Y permaneçam no próximo
ano. Hoje, a empresa X absorve 55% da demanda. Assim, a previsão de ven-
das para o próximo ano, para a empresa X, será igual a 0,55 × 23.125 =
12.719 veículos.
187
BIBLIOGRAFIA
Arnold, J.R.T. (1999). “Administração de Materiais”, Editora Atlas, São Paulo.
Ballou, R.H. (2001). “Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos”, Bookman Editora,
Porto Alegre.
Chopra, S. e Meindl, P. (2003). “Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos”, Prentice
Hall, São Paulo.
Cooper, L.G. e Nakanishi, M. (1988), “Market-Share Analysis”, Kluwer Academic,
Norwell, Mass, EUA.
Dias, M.A. (1993). “Administração de Materiais: Uma Abordagem Logística”, Editora
Atlas, São Paulo.
Gonçalves, P.S. (2004). “Administração de Materiais”, Editora Campus, Rio de Janeiro.
Pole, A., West, M. e Harrison, J. (1994). “Applied Bayesian Forecasting and Time Series
Analysis”, Chapman & Hall, Nova York.
Ross, D.F. (1998).“Distribution Planning and Control”, Kluwer Academic Publishers,
Boston.
Spiegel, M.R. (1972). “Estatística”, Editora McGraw-Hill do Brasil, São Paulo.

188
6
Focalizando
o Nível de
Serviço ao
Consumidor

Vimos, nos Capítulos 1, 2 e 3, como o consumidor final ocupa, cada vez


mais, as atenções dos elementos que formam o SCM. No Capítulo 1, quando
discutimos as tendências do varejo para o horizonte de 2010, mencionamos
que o comportamento do consumidor, nas suas compras, tende a ser cada
vez mais complexo. E os problemas já estão surgindo, exigindo soluções
criativas e eficazes.
Neste capítulo abordaremos três casos envolvendo soluções de proble-
mas relacionados com o nível de serviço oferecido ao consumidor final. O
primeiro trata do processo de compatibilização da oferta com a demanda,
para o caso de produtos de ciclo de vida curto, focalizando o case Sport
Obermeyer. No segundo, é analisado o comportamento do consumidor
quando não encontra, na loja, o produto que deseja adquirir. Finalmente, o
terceiro caso mostra como a parceria entre fornecedor e varejista, através do
VMI, pode melhorar bastante o nível de serviço ao consumidor.

EQUILÍBRIO OFERTA-DEMANDA: PRODUTOS DE


CICLO DE VIDA CURTO
Fruto da crescente competição global, do desenvolvimento mais rápido de
novos produtos e da flexibilização dos processos de manufatura, uma varie-
dade muito grande de produtos está hoje disponível no mercado, desde rou-
pas e brinquedos, até produtos mais caros, como eletrônicos e automóveis.
189
De um lado, essa crescente variedade beneficia o consumidor, mas, de outro,
dificulta as decisões dos fabricantes e varejistas no momento em que têm de
prever os níveis de demanda de forma a planejarem a produção e fazerem as
encomendas.
O resultado desse ambiente cada dia mais difuso é que previsões errô-
neas são bastante frequentes e, paralelamente a elas, observa-se um cresci-
mento exponencial dos custos delas decorrentes. Com isso, fabricantes e va-
rejistas estão sendo forçados a encarar saldos expressivos de produtos enca-
lhados, que acabam sendo vendidos com elevados descontos, diminuindo os
lucros e prejudicando a comercialização de produtos mais nobres. De fato,
muitas vezes os saldos em oferta, com preços reduzidos, ocupam lugares es-
cassos nas gôndolas, absorvem as atenções do setor de logística e consomem
tempo precioso dos vendedores, impactando negativamente a venda de pro-
dutos mais lucrativos.
Observa-se, assim, uma procura acentuada por formas mais robustas de
previsão e programação da produção, que efetivamente incluam as tendências
de evolução futura do mercado na sua formulação. Isso porque os dados his-
tóricos de vendas, embora importantes, não dão a necessária segurança
quanto ao futuro, sendo necessários métodos de previsão que explicitamen-
te incluam outras variáveis, além das históricas.

Produtos Funcionais e Produtos Inovativos


Boa parte dos produtos comercializados nas lojas tem ciclo de vida longo.
Por exemplo, uma determinada marca de margarina é formada por compo-
nentes que mudam ao longo do tempo, como a inclusão de vitaminas e an-
tioxidantes. A embalagem sofre também mutações, mas tais alterações são
realizadas pelos fabricantes em intervalos mais longos, normalmente bem
superiores a um ano. Da mesma forma, roupas não afetadas pela moda, tais
como meias, lingerie, sapatos masculinos etc., também apresentam ciclo de
vida longo. Tal tipo de produto é denominado funcional porque o fator pre-
ponderante que prevalece na sua compra é a simples função que cumpre na
vida diária do consumidor, e não a fruição da inovação.
Mas há uma série de produtos de ciclo de vida curto, normalmente pró-
ximo a um ano ou menos. São exemplos: roupas e sapatos da moda, compu-
tadores pessoais, CDs de música popular, brinquedos, bijuterias. Esses pro-
dutos são denominados inovativos, prevalecendo o fator novidade no mo-
mento de sua compra. Estão nessa categoria produtos novos recém-lançados
no mercado e produtos fortemente sujeitos às variações da moda, como vários
tipos de roupas, entre outros.
A demanda para produtos funcionais é mais previsível, embora fatores
190 exógenos muitas vezes atrapalhem o processo de previsão. No caso de pro-
dutos inovativos ligados à moda, principalmente roupas, calçados femininos
e acessórios, por exemplo, a previsão da demanda é bem mais difícil. Além
disso, as vendas ocorrem durante um período relativamente curto e o pro-
cesso de produção é muito apertado, como foi visto no case Li & Fung, no
Capítulo 2. Nesses casos, métodos de abastecimento, como o Quick Respon-
se e o Just in Time, não funcionam a contento, pois seria necessário que os fa-
bricantes tivessem uma capacidade muito grande para produzir as mercado-
rias, em resposta à demanda concentrada em períodos bastante curtos. E essa
capacidade excessiva ficaria ociosa em boa parte do ano. É preciso conside-
rar também os efeitos para trás na cadeia de suprimento. Por exemplo, a em-
presa Computadores Dell, que monta seus computadores a partir dos pedi-
dos dos clientes, encomendando as peças e componentes a seus fornecedores
à medida que as solicitações vão chegando, teve problemas com alguns deles
devido aos excessivos lead times (Fisher et al., 1994).
A Tabela 6.1 mostra as principais características que diferenciam o pro-
cesso de comercialização de produtos funcionais e inovativos.

Tabela 6.1 Características de comercialização de produtos funcionais


e inovativos
Características da demanda Produtos funcionais Produtos inovativos
(demanda mais (demanda mais difícil
previsível) de prever)

• Ciclo de vida do produto Mais de 2 anos 3 meses a 1 ano

• Margem 5% a 20% 20% a 60%

• Variedade do produto baixa alta

• Erro médio na previsão da demanda 10% 40% a 100%

• Taxa de ruptura (stockout) 1% a 2% 10% a 40%

• Desconto médio forçado ao fim da estação 0% 10% a 25%

• Lead time para novos produtos 6 meses a 1 ano 2 semanas

A Tabela 6.1 mostra alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, ob-


serva-se que os produtos inovativos apresentam erros médios de previsão bem
mais elevados do que os funcionais. Essa discrepância veio se agravando ao
longo do tempo em razão da grande diversificação da produção, com produ-
tos e tipos bastante variados. O efeito desses erros ao longo do tempo foi o
crescimento excessivo das remarcações de preços, que ocorrem ao fim da esta-
ção, quando o varejista não conseguiu vender todo o estoque do produto.
Os descontos no preço dos produtos em liquidação aumentaram expo-
nencialmente entre 1970 e 1995. Quando, por volta de 1970, o total de des-
contos era de 7% a 8% do faturamento total, esse índice subiu para cerca de 191
31% em 1995 (nos Estados Unidos), significando prejuízo, uma vez que as
margens de lucro eram apertadas. Se o varejista tentasse passar esse custo
adicional para o preço dos produtos na estação seguinte, outras cadeias de
suprimento concorrentes poderiam lhe tirar uma fatia de seu market share.
Observa-se também na Tabela 6.1 que as taxas de ruptura (falta do produto
nas gôndolas, também chamado stockout no jargão do setor) são bem peque-
nas para produtos funcionais (1% a 2%) e muito altas para produtos inovati-
vos (10% a 40%).
Além dos custos de estoque, falta de produtos (rupturas de estoque) e
perdas de margem por remarcações excessivas, é preciso considerar também
os problemas logísticos deles decorrentes. No que se refere aos estoques ex-
cessivos, além dos custos diretos de administração do inventário há os custos
para trás na cadeia de suprimento, incluindo matéria-prima, transporte, per-
das de material, impostos etc. Quando há falta de produto, por outro lado, a
empresa pode perder consumidores de forma definitiva, que acabam indo
comprar produtos similares em varejistas concorrentes. Caso a empresa de-
cida repor rapidamente o estoque nas lojas, o custo logístico, além do custo
de produção, tende a aumentar em função do caráter emergencial do ressu-
primento, eventuais faltas de matéria-prima, restrições de capacidade pro-
dutiva dos fornecedores, utilização de modos de transportes mais caros (o
avião, por exemplo) etc.
No caso das perdas decorrentes das remarcações excessivas por sobra
de produtos, deve-se considerar o aumento do custo logístico e do custo ad-
ministrativo decorrente do maior número de itens a controlar. De fato, os
produtos com redução de preço devem ser reetiquetados e o sistema compu-
tacional tem que ser alimentado com instruções específicas. Por exemplo,
muitas vezes o produto em liquidação só pode ser vendido à vista, trocas e
devoluções podem não ser aceitas etc.

O Case Sport Obermeyer


Há situações em que os métodos convencionais de previsão da demanda não
atendem às necessidades práticas das empresas. É o caso de produtos de ciclo
de vida curto ou inovativos. Um processo não convencional, utilizado pela
empresa Sport Obermeyer, procura contrabalançar, ainda que parcialmente,
as limitações dos métodos clássicos e se apoia em dois elementos básicos.
Em primeiro lugar, é necessário incorporar, na análise, as oportunida-
des perdidas de venda de produtos. Isso porque os erros de previsão, decor-
rentes da grande desagregação de tipos e variedades de produtos, geram não
somente estoques excessivos de alguns itens, como também ocasionam falta
de outros, que são muitas vezes bastante lucrativos. É o que mostra a Tabela
192 6.1, indicando taxas de ruptura muito altas para produtos inovativos (10% a
40%). Muitas empresas não contabilizam as vendas perdidas, em parte devi-
do à dificuldade de levantar tais dados. Mas, hoje, já se fazem pesquisas im-
portantes sobre essa matéria (Zinn e Liu, 2001). O próximo case apresenta-
do neste capítulo aborda esta questão.
Em segundo lugar, não se deve fazer previsões agregadas, incluindo na
mesma análise produtos funcionais e produtos inovativos. Muitas vezes essa
separação é difícil na prática, principalmente quando as informações sobre
vendas vêm agregadas por departamentos (roupas, calçados etc.), sem distin-
guir se os produtos são funcionais ou inovativos. Para os produtos funciona-
is, a análise clássica, com base em dados históricos, é normalmente suficien-
te. Já para os produtos inovativos, é necessário lançar mão de um processo
híbrido, misturando informações históricas com a previsão de experts.
Por exemplo, a empresa Timberland, fabricante de calçados, desenvol-
veu um sistema sofisticado de planejamento e produção, interligado com in-
formações de vendas, que vai atualizando as previsões de demanda para os
diferentes produtos. Para trás, na cadeia de suprimento, tal sistema ajuda a
reduzir o lead time no abastecimento de couro tingido, o que levou a redu-
ções expressivas na ruptura de estoque dos produtos acabados e nas remar-
cações de fim de estação.
Um caso interessante de análise da demanda por produtos inovativos
ocorreu com a firma americana Sport Obermeyer, fundada em 1950, uma
das empresas líderes no varejo de roupas para a prática de esqui e de esportes
em geral. A fabricação das roupas comercializadas pela Sport Obermeyer é
realizada no Extremo Oriente, na Europa, no Caribe e nos Estados Unidos.
A maior parte dos produtos da Sport Obermeyer é redesenhada anualmente,
de forma a incluir mudanças no estilo, nos tecidos e na cor.
Na segunda metade da década de 1980, a empresa começou a ter pro-
blemas no processo de terceirização da fabricação. Em primeiro lugar, à me-
dida que suas vendas cresciam ano a ano, a Sport Obermeyer passou a ter di-
ficuldade em fechar contratos de produção com manufaturas de ponta no se-
tor. Com isso, passou a contratar a produção um ano antes do início da nova
estação, e suas encomendas eram feitas com base em previsões especulativas
de seus executivos, que procuravam prever o que os varejistas iriam enco-
mendar à empresa. Nessa ocasião, a Sport Obermeyer lançou uma nova li-
nha de roupas de esqui para jovens, que teve grande sucesso de vendas. Os
varejistas revendedores passaram a exigir entregas antecipadas desses produ-
tos, porque uma parte substancial das vendas passou a ser realizada no fim
das férias de verão, época em que os estudantes se preparam para a volta às
aulas e para a estação fria (outono/inverno), na América do Norte.
Para suas projeções, a Sport Obermeyer se apoiava num comitê de ge-
rentes de setores diversos da empresa, os quais, a partir de discussões deta-
lhadas das tendências do mercado, chegavam a um consenso sobre as previ-
193
4000

3000

Demanda real
(Erro médio da previsão: 55%)
2000

1000

0
0 1000 2000 3000 4000
Demanda projetada

Fonte: Fisher e Raman, 1999.


FIGURA 6.1 • Case Sport Obermeyer: discrepância entre previsões e demanda real
(método convencional)

sões da demanda para os variados estilos e cores dos produtos. No entanto, o


resultado desse processo ao longo dos anos não tinha sido nada animador.
Por exemplo, numa determinada estação, alguns tipos de parkas femininas
venderam 200% a mais do que o inicialmente previsto, exigindo grandes es-
forços de produção emergencial, enquanto outros estilos do mesmo produto
não chegaram a vender mais do que 15% da estimativa inicial. Em média, es-
sas previsões geravam um erro de 55% nas previsões, quando comparadas
com as vendas reais (Figura 6.1).
A primeira coisa que os executivos da Sport Obermeyer fizeram foi ana-
lisar a forma como os gerentes do comitê de previsão atuavam. A filosofia
básica que norteava os trabalhos desse comitê era o consenso. Eles discutiam
exaustivamente os diferentes aspectos relacionados com o mercado na pró-
xima estação e, então, convergiam para a definição das previsões de vendas
relacionadas com os estilos e cores. Descobriu-se logo que as previsões de
consenso raramente refletiam realmente a visão média do grupo. Os mem-
bros dominantes, geralmente os executivos seniores, influenciavam forte-
mente nas previsões.
Além das várias medidas usuais de racionalização do processo produti-
vo, a Sport Obermeyer persuadiu seus mais importantes clientes varejistas a
colocarem seus pedidos mais cedo, assim municiando a empresa com infor-
194 mações preciosas sobre as perspectivas de comercialização de seus diversos
4000
produtos de demanda
previsível
3500
Peças realmente vendidas produtos de demanda
3000 incerta

2500

2000

1500

1000

500

0
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800

Previsão inicial (peças)

Fonte: Fisher et al., 1994.


FIGURA 6.2 • Case Sport Obermeyer: separação dos tipos de produtos em função
da dificuldade de previsão da demanda.

produtos. Para isso, a Sport Obermeyer convidou cerca de 25 varejistas líde-


res a se reunirem em Aspen, famoso centro de esqui do Colorado, para apre-
sentar-lhes uma prévia da nova linha de produtos para a próxima estação,
ouvir as opiniões e obter pedidos antecipados. Mas, infelizmente, essa inicia-
tiva não reduziu em nada o problema do número crescente de rupturas de es-
toque e de remarcações de preços.
Numa primeira análise das informações de vendas, os analistas da Sport
Obermeyer verificaram que, para uma parte razoável dos produtos, as previ-
sões eram bem razoáveis, com os valores realmente observados diferindo
menos de 10% das projeções iniciais. Essas previsões são representadas por
bolas brancas na Figura 6.2. Os executivos se perguntaram então se seria
possível saber antecipadamente quais previsões tendiam a ser mais precisas,
separando-as das mais instáveis, antes que se conhecessem os valores reais
das vendas.
Mudou-se, então, a forma de se fazerem as previsões. Foi pedido a
cada participante do comitê que fizesse uma previsão independente para cada
estilo e cor de produto. A princípio houve certa inquietação do grupo sobre
esse novo processo. Todos estavam acostumados a chegar a um consenso
de forma colegiada, depois de longas discussões. Mas, com a nova sistemá-
tica, passaram a ser responsáveis pelas suas próprias previsões. O resultado 195
do processo de projeção individualizado mostrou alguns resultados sur-
preendentes.
Em primeiro lugar, os dados obtidos permitiam avaliar estatisticamente
a precisão das previsões, através do cálculo dos desvios-padrão. Em segundo
lugar, observou-se que as previsões relacionadas com certos tipos de produ-
to, com estilos ou cores diferentes, tinham um comportamento muito inte-
ressante: as médias das previsões eram bastante próximas, mas sua dispersão
em torno da média variava muito. Por exemplo, considerando o caso das
parkas femininas, as previsões para dois estilos A e B apresentavam médias
próximas quando considerados conjuntamente os dados de todos os mem-
bros do comitê. Os desvios-padrão, no entanto, eram muito diferentes entre
os dois estilos A e B. As estimativas dos membros do grupo para a parka A fi-
cavam próximas da média, mas as correspondentes à parka B oscilavam mui-
to em torno do valor médio, para cima e para baixo. É o que mostra, exem-
plificadamente, a Tabela 6.2.
Uma outra conclusão interessante foi que a variância calculada a partir
das previsões individualizadas dos membros do comitê, para os produtos do
tipo A, coincidia quase perfeitamente com a variância dos valores reais de
vendas. Esse fato levou a uma primeira constatação importante: aqueles ti-
pos de produto para os quais as previsões dos membros do comitê ficavam
perto da média, com baixo desvio-padrão, podiam ser separados dos demais,
visto que os valores reais das vendas não fugiam significativamente das esti-
mativas do grupo. Na Figura 6.2, esses produtos são identificados por bolas
brancas.

Tabela 6.2 Previsões divergentes entre os diversos avaliadores


Avaliador Número projetado Número projetado
de parkas do tipo A de parkas do tipo B

1 1.200 1.500

2 1.150 700

3 1.250 1.200

4 1.300 300

5 1.100 2.075

6 1.200 1.425

Média 1.200 1.200

Desvio-padrão 65 572

Fonte: Fisher et al., 1994.

196
Sobravam os produtos de demanda incerta, do tipo B, cujo processo de
previsão tinha que ser solucionado pela Sport Obermeyer. Uma primeira
análise desses produtos mostrou que, muito embora a demanda ao nível do
varejo era difícil de se prever por parte da Sport Obermeyer, o comporta-
mento dos varejistas, ao fazerem seus pedidos, era muito similar entre si.
Muito provavelmente chegavam a esse consenso através de suas associações,
troca de opiniões, análises independentes do mercado etc. Os analistas da
Sport Obermeyer observaram que, de fato, os pedidos dos clientes varejistas
traziam informações novas, de grande valor para as previsões da empresa.
Numa primeira análise, os analistas lançaram mão dos primeiros 20%
dos pedidos encaminhados pelos varejistas e utilizaram esses dados para me-
lhorar as previsões realizadas pelo seu comitê. A consequência disso foi que a
precisão das previsões melhorou consideravelmente. Isso pode ser visto
comparando as Figuras 6.1 e 6.3. A primeira espelha os resultados das previ-
sões inicialmente produzidas pelo comitê e, a segunda, os resultados híbri-
dos, envolvendo as projeções do comitê melhoradas com os dados dos pri-
meiros 20% dos pedidos. Observa-se que os pontos resultantes se situam
bem mais próximos da reta de erro zero.

4000

3500
Venda total de parkas femininas

3000

2500
(peças)

2000

1500

1000

500

0
0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000

Previsão melhorada, incorporando dados


dos primeiros 20% dos pedidos

Fonte: Fisher et al., 1994.


FIGURA 6.3 • Case Sport Obermeyer: resultados das previsões da demanda
quando considerados 20% dos pedidos iniciais
197
Uma vez descoberto esse importante resultado, a questão era agora in-
tegrar o processo de planejamento das vendas com o processo de produção e
de logística, de forma a reduzir ao máximo os custos de remarcação de pre-
ços e de rupturas de estoque. A equipe de analistas observou que o processo
de fabricação das parkas, como dos demais produtos, ia mudando de carac-
terística à medida que a estação de vendas progredia. Antes, não se fazia ne-
nhuma distinção: uma vez definidos os lotes de cada produto, iniciava-se o
processo de fabricação, e os produtos acabados iam sendo enviados aos vare-
jistas à medida que iam ficando prontos.
No início da estação, antes de entrarem os primeiros pedidos dos va-
rejistas, o planejamento da produção é normalmente não reativo, uma vez
que as decisões relacionadas com a produção são baseadas tão somente nas
previsões elaboradas internamente. Mas, à medida que os pedidos vão che-
gando à Sport Obermeyer, a produção vai incorporando os efeitos de feed-
back, em resposta ao comportamento real do mercado. Ou seja, inicia-se
uma fase dinâmica, de entrosamento do processo produtivo com as reações
do mercado.
Coerentemente com essa nova estratégia, a Sport Obermeyer mudou
seu esquema de planejamento-produção. No início, quando ainda não che-
garam os pedidos dos varejistas, a empresa inicia a produção dos itens de
fácil previsão, aqueles representados por bolas brancas na Figura 6.2. Ou
seja, a manufatura não fica ociosa e reserva sua capacidade de produção fu-
tura para os produtos de maior dificuldade de previsão (as bolas pretas, na
Figura 6.2). À medida que os pedidos vão entrando, refazem-se as proje-
ções, juntando as previsões feitas internamente com as quantidades estipu-
ladas nas encomendas. Essas reformulações são relativamente complexas,
pois envolvem revisões nas quantidades encomendadas aos fornecedores,
matéria-prima necessária, lead-time e outros elementos. Esse processo foi
denominado na empresa risk-based production sequencing, sequencia-
mento da produção baseado no risco. A Figura 6.4 mostra os resultados das
previsões quando se adotou o novo método. O erro médio, que antes era
de 55% (Figura 6.1), caiu para 8% após a implantação do novo sistema de
previsão.
Depois de realizar um levantamento dos benefícios econômicos desse
processo, a Sport Obermeyer observou que os resultados positivos de sua
adoção eram reais. Quando se adotava o processo de melhoria das previsões,
incluindo somente os valores individuais dos membros do comitê (processo
não reativo), o custo médio se situava em torno de 11% das vendas. Mas, ao
adotar plenamente o processo reativo de sequenciamento da produção basea-
do no risco, as perdas caíram para menos de 2%.
Outro aspecto importante a observar neste case é a metodologia empre-
198
gada para determinar o nível de previsão a ser adotado para cada tipo de
4000

3000

Demanda real (Erro médio da previsão: 8%)


2000

1000

0
0 1000 2000 3000 4000
Demanda projetada

Fonte: Fisher e Raman, 1999.


FIGURA 6.4 • Case Sport Obermeyer: resultados das previsões da demanda após
a implantação do novo método

produto (variando o tipo, o estilo e a cor), a partir dos dados estatísticos le-
vantados. Suponhamos que, para a parka B, as estimativas individuais dos
membros do comitê, mais as informações dos pedidos, levaram a uma média
de demanda n = 1.200 e um desvio-padrão σ = 100. Suponhamos que a
margem (lucro) na venda de uma peça da parka B seja de L = $14,50. Por
outro lado, admitamos que o prejuízo ao produzir uma unidade e vendê-la
com grande desconto na liquidação seja de S = $5,00. Admite-se que a de-
manda é regida por uma distribuição normal, de média n e desvio-padrão .
De acordo com os conceitos básicos de microeconomia, a empresa deve pro-
duzir parkas do tipo B de forma que o lucro marginal de comercializar uma
parka iguale o prejuízo marginal de vendê-la na liquidação. Na Figura 6.5,
que representa a distribuição normal em questão, deseja-se achar o nível de
produção n* que garanta essa igualdade.
A área da parte da curva à esquerda de n* representa a probabilidade P1
de se ter uma demanda real menor ou igual a n* e, nesse caso, haverá produ-
to encalhado. A parte da curva à direita de n*, por sua vez, representa a pro-
babilidade p2 de se ter uma demanda real maior do que n*, havendo então
comercialização plena. Essas duas probabilidades podem ser obtidas em ta-
belas da distribuição normal ou a partir de programas de computador de
estatística (ou do Excel). Assim, de acordo com as propriedades de microeco-
nomia, o número de parkas do tipo B a produzir é dado por 199
Valor médio
f(n)

p1 p2

n n´
n (nº de peças)
FIGURA 6.5 • Ponto de equilíbrio entre o lucro marginal e o prejuízo marginal

n* tal que p1 × S = p2 × L (6.1)

Mas, uma vez que p2 = 1 – p1, substituindo essa expressão em 6.1 e sim-
plificando, obtemos

L 14,50
p1 = = = 0,743 (6.2)
L + S 14,50 + 5,00

O nível n* que, conforme a distribuição normal ao nível de 95% de cer-


teza, produz um valor de p1 igual ao da expressão 6.2, é dado por:

n* = n + × 1,96 × , (6.3)

Onde n é o nível médio previsto, σ é o desvio-padrão e ξ é a variável


normal normalizada. Entrando numa tabela da distribuição normal com
p1 = 0,743, obtemos ξ = 0,652, o qual, colocado na expressão 6.3, fornece

n* = 1200 + 0,652 × 1,96 × 100 = 1.328 peças.

Assim, para a parka B, a empresa deveria providenciar a produção de


1.328 peças. O método adotado pela Sport Obermeyer não é universal, sen-
do específico para a empresa, pois está muito relacionado com as caracterís-
ticas dos produtos por ela comercializados e com um ciclo de vida bastante
particular. Mas uma conclusão importante se pode tirar deste caso: hoje, a
competição entre cadeias de suprimento tem levado a buscas de soluções
inovadoras que justificam, muitas vezes, gastos apreciáveis no desenvolvi-
mento de aplicações de novas tecnologias e formas de planejamento. De
fato, já existem no mercado softwares especializados nesse tipo de análise,
como, por exemplo, os da ProfitLogic, comercializados em associação com a
200 empresa Oracle, entre outros.
AVALIANDO OS IMPACTOS DA DEMANDA NÃO ATENDIDA
Muitas vezes, as empresas se empenham bastante em prever a evolução futu-
ra da demanda por seus produtos, mas negligenciam outro aspecto impor-
tante, com sérios impactos no relacionamento com seus clientes. Os consu-
midores vão à loja em busca de algum produto oferecido pelo varejista, mas
não o encontram. Há assim uma frustração de consequências muitas vezes
desastrosas para os comerciantes, que precisa ser avaliada e mitigada. No jar-
gão da Logística, quando essa falha ocorre para um determinado produto,
há uma ruptura de estoque.
E esse problema de falta do produto no momento da sua procura não é
nada trivial. Segundo Zinn e Liu (2001), citando um estudo de 1996, cerca
de 8,2% dos itens (SKUs) à venda num supermercado, numa tarde típica,
não estavam disponíveis nas gôndolas devido à ruptura de estoque. Em 1968
a situação era pior, quando a média de stockouts era de 12,2%. Corsten e
Gruen (2004) confirmam a taxa de stockout relatada por Zinn e Liu, em
torno de 8%. Movimentos como o ECR, no setor supermercadista, e o
Quick-Response, tendem a produzir menores níveis de ruptura de estoque.
De uma forma geral se dá, hoje, muita importância a esse assunto na logística
moderna, pois a competitividade entre as cadeias de suprimento no SCM
não deixa espaço para situações que não agreguem valor ao consumidor, e os
stockouts, além de gerarem custos, impactam negativamente nas preferências
e expectativas dos clientes.
Além dos efeitos gerados pelo processo contínuo de redução de esto-
ques nas empresas, outros fatores contribuem também para que haja ruptura
de estoques nas atividades logísticas. Abordamos, a seguir, os principais.

Fatores que Geram Rupturas de Estoque


Disputa por Espaço nos Pontos de Venda
Nas grandes cadeias varejistas, ocorre hoje uma grande disputa, entre os fabri-
cantes de produtos e os gerentes das lojas, por espaço nas gôndolas. É nas gôn-
dolas ou prateleiras dos pontos de venda que as mercadorias são ofertadas aos
consumidores, num display importantíssimo para a comercialização dos pro-
dutos. Os espaços são diferenciados entre si em função da posição na loja, al-
tura da prateleira, visibilidade etc. Em muitos casos, de forma a permitir a
exposição de um maior número de produtos nas gôndolas, os varejistas restrin-
gem as marcas e as variedades das mercadorias em oferta. Por exemplo, um
supermercado oferece apenas duas marcas de creme dental e, além disso, re-
duz as variedades disponíveis em termos de conteúdo, tamanho etc. Além da
competição entre fabricantes, que disputam espaço nas gôndolas, o varejista se
vê obrigado a manter um estoque relativamente baixo de cada tipo de produ-
201
to, tanto na gôndola como no depósito da loja, em razão de o espaço disponí-
vel ser restrito. E essa disputa entre fabricantes, associada à falta de espaço,
pode levar a rupturas de estoque mais ou menos sérias.

Variação Temporal da Demanda


Os consumidores têm hábitos diferenciados de compra, mercê de suas ativi-
dades domésticas e profissionais, congestionamento nas lojas (por exemplo,
muitas pessoas evitam fazer suas compras em horários com longas filas nos
caixas e circulação interna deficiente). Alguns clientes têm pouca disponibili-
dade de tempo e vão fazer suas compras em dias e momentos específicos. Su-
ponhamos, por exemplo, que uma consumidora trabalhe fora e vá ao super-
mercado após o trabalho, às 18:30. Suponhamos, por outro lado, que o
produto que ela procura é reabastecido na loja logo pela amanhã, antes de
sua abertura. O produto vai sendo vendido ao longo do dia e, às 19 horas,
quando a consumidora chega ao supermercado, a probabilidade de ocorrer
uma ruptura de estoque é bem maior do que a observada no período da ma-
nhã, por exemplo. Assim, o efeito negativo da ruptura de estoque para essa
senhora pode ser muito grande e, se a situação se repetir com frequência, a
consumidora pode deixar de adquirir aquela marca ou mesmo comprar na-
quele supermercado.
De uma forma geral, a maior incidência de rupturas de estoque costuma
acontecer nos períodos de pico da demanda. Os sábados e as sexta-feiras à
tarde são normalmente períodos críticos. No Brasil, é comum também ocor-
rerem picos nos dias de pagamento de salários, principalmente em cidades
como Brasília e Florianópolis, onde há uma grande incidência de funcioná-
rios públicos, que recebem seus contracheques em dias certos do mês. E, é
claro, nos últimos dias antes das festas importantes, como Natal, Dia das
Mães etc.

Nível de Serviço Deficiente por Parte do Fornecedor


A programação do reabastecimento dos estoques, por parte da empresa clien-
te, depende de uma série de fatores e variáveis. Os bons fornecedores, em ge-
ral, oferecem um esquema bem definido de entregas dos pedidos, indicando
antecipadamente prazos e demais condições. Mas, muitas vezes, a empresa
cliente se vê obrigada a adquirir produtos de firmas novas no mercado ou de
menor credibilidade. Isso ocorre quando os principais fornecedores tentam
impor aumentos exagerados de preços ou quando a demanda está muito exa-
cerbada e os principais fabricantes não conseguem atender plenamente as ne-
cessidades da empresa compradora. Nessas situações, podem acontecer casos
em que o produto, prometido de ser entregue numa certa data, sofra um atra-
so expressivo, gerando rupturas de estoques nas lojas do varejista.
202
De uma forma geral, as novas sistemáticas de reabastecimento im-
plantadas através do ECR, Quick-Response, VMI etc., dependem, para
dar bons resultados, de um nível de serviço avançado por parte das em-
presas participantes (clientes e fornecedores), além do emprego de solu-
ções tecnológicas e de métodos de gestão atualizados. Caso contrário, as
falhas que vão surgindo ao longo do processo tendem a afetar negativa-
mente o comportamento do consumidor, o qual, no limite, poderá riscar
definitivamente um determinado produto ou um varejista da sua lista de
preferências.

Ineficiências Devidas ao Varejista


Da mesma forma que os fornecedores são algumas vezes responsáveis por
perturbações na cadeia de suprimento, os varejistas também costumam pro-
vocar situações de ruptura de estoque nas suas próprias lojas. Zinn e Liu
(2001) comentam que os estoques das lojas são compostos por duas partes: a
parcela disponível nas gôndolas, à qual o consumidor tem acesso, e a parcela
mantida no depósito da loja. Mesmo que a empresa empregue um sistema
eficiente de reposição de estoques, como o VMI ou o Quick Response, de
nada adianta haver produtos no depósito da loja se as gôndolas ficarem va-
zias. Ou seja, a gerência da loja tem de exercer um controle rígido sobre seus
funcionários, de forma a não permitir que isso aconteça.
Corsten e Gruen (2004) afirmam que 72% das situações de ruptura de
estoques observadas eram de responsabilidade do varejista. Elas eram causa-
das por práticas falhas das lojas, no que se refere ao processo de elaboração
dos pedidos e nos métodos de reposição dos estoques. Observou-se que, di-
versas vezes, os gerentes encomendavam muito pouco e, outras vezes, muito
tarde. Problemas no processo de reabastecimento ou de planejamento da ca-
deia de suprimento, de responsabilidade dos fornecedores, representavam
apenas 28%.
Outras situações de ruptura podem também ocorrer nos casos em que
os registros dos níveis de estoque no computador apresentam erros em rela-
ção às quantidades físicas reais. Essas divergências podem levar a situações
inesperadas, quando o sistema computacional indica um estoque positivo,
mas, na prática, está ocorrendo falta do produto.

Comportamento do Consumidor em Relação à Falta do Produto


Os consumidores reagem diferentemente quando, procurando o produto de
sua escolha numa loja ou supermercado, não o encontram. Zinn e Liu
(2001) assim classificam as possíveis situações representadas pelo consumi-
dor na hora da compra de um determinado produto:
203
G Situacional, em que a não disponibilidade do produto na prateleira
ou na gôndola é uma situação ocasional, sem grande impacto nas de-
cisões de compra do consumidor. Isso ocorre quando o cliente não
tem urgência em comprar o produto, muitas vezes porque ainda dis-
põe do mesmo em sua casa, podendo deixar para comprá-lo numa
outra oportunidade;
G Consumidor específico: aquele cuja postura em relação às compras é for-
temente condicionada por um fator específico. Por exemplo, consumi-
dores que buscam vantagens econômicas e que decidem escolher um
produto não tanto em função da marca, de suas propriedades, do tama-
nho da embalagem etc., mas sim em função das ofertas de preço. Outra
situação típica é do consumidor que prepara antecipadamente uma lista
detalhada do que vai comprar, registrando não somente o produto,
como também a marca e o tamanho da embalagem. Sua reação ao
stockout é bem específica, pois tende a reagir de forma mais severa à fal-
ta do produto de sua preferência (Schary e Christopher, 1979);
G Ponto de venda específico: muitas vezes a distância do domicílio do consu-
midor à loja impõe a escolha de um estabelecimento em especial. Isso
ocorre muito com idosos, com pessoas apresentando dificuldade de loco-
moção e com indivíduos sem tempo para procurar lojas mais distantes;
G Condições sociodemográficas: diferentes faixas etárias, sexo, profis-
sões, horários de trabalho etc. impactam diferentemente as reações
dos consumidores à falta de produto na hora da compra.

Quando o consumidor entra num ponto de venda para comprar um deter-


minado produto e não o encontra, sua reação pode se dar de diversas formas
(Figura 6.6). A ordem das decisões mostrada na Figura 6.6 não é fixa. O consu-
midor pode primeiro analisar o preço e depois selecionar a marca, mas pode
ocorrer o contrário se ele for fiel a uma marca específica. No entanto, a sequên-
cia indicada na Figura 6.6 representa razoavelmente bem as situações típicas.
Assim, supomos que a primeira etapa no processo de decisão do consu-
midor é verificar a disponibilidade da sua marca preferida. No caso de en-
contrar o que quer, ele executa a transação, adquirindo o produto. Caso o
produto não esteja disponível, mas sendo o consumidor fiel à marca, ele
pode aceitar uma outra oferta da mesma marca, com características diferen-
tes de tamanho, qualidade e preço. Trata-se de um consumidor que prioriza
a marca em relação a outros atributos.
No caso de não haver produto de sua marca predileta, o consumidor
pode decidir por outra marca. Sua decisão será baseada prioritariamente
em preço, podendo comprar um produto de preço maior, igual ou menor em
relação ao que tinha em mente. Aqui, a reação do consumidor pode ser mui-
204 to diferente quando se comparam essas três possibilidades. Se o preço for
(e)
Transação

(a)
Compra
produto de
maior preço

Outra (a)
Sim Compra pro-
marca?
duto de mes-
Sim
mo preço
Não
Consumidor (a)
procura o Dispo- Compra
produto nível? produto de
menor preço
Sim
Não (b)
Compra pro-
Substitui duto de ou-
produto? tro tamanho

(a) Critério de preço (c)


(b) Leal à marca Não Volta à
(c) Postergação da loja noutra
compra ocasião
(d) Desistência
(e) Compra efetiva (d)
Procura
loja de outro
varejista
Fonte: Walter e Grabner, 1975.

FIGURA 6.6 • Reações do consumidor ao não encontrar o produto que deseja


205
igual, apesar de não estar comprando seu produto preferido, o consumidor
pode encarar a situação com certa benevolência, dizendo a si mesmo que, da
próxima vez, voltará a adquirir sua marca predileta. Se o preço for menor, o
cliente poderá entender a situação como uma oportunidade de testar outro
produto mais econômico e, se a experiência for positiva, pode até mesmo
mudar de marca. Mas, se o preço for maior, poderá se sentir frustrado, cul-
pando o varejista por impor-lhe um produto não tanto confiável e ao mesmo
tempo explorando a situação ao cobrar-lhe um valor adicional. Cada uma
dessas reações pode gerar efeitos diversos nas preferências futuras do consu-
midor, que pode inclusive procurar outro varejista.
Há situações em que o consumidor não transige em relação a marca, ta-
manho e outros atributos. Nesse caso ele pode postergar sua compra, voltan-
do numa ocasião futura para adquirir o produto. Caso não encontre o pro-
duto numa segunda ou terceira visita, sua reação vai se agravando. Os vare-
jistas procuram conquistar a fidelidade dos clientes, incentivando-os a volta-
rem sempre. Para isso emitem cartões de crédito próprios, oferecem prêmios
e outras vantagens, tentando manter sua clientela fiel. Ora, se o cliente volta
à mesma loja pela segunda ou terceira vez, há uma grande probabilidade de
ser realmente um consumidor fiel. E se sentirá marginalizado se os produtos
que costuma comprar naquela loja começarem a faltar sem razões plausíveis
e de forma repetida. Essa pessoa acabará procurando outras opções de com-
pra junto aos concorrentes, com toda certeza.
Corsten e Gruen (2004) relatam os resultados de uma ampla pesquisa,
envolvendo 29 países e mais de 71.000 consumidores. A partir desse levan-
tamento, os pesquisadores chegaram aos resultados médios mostrados na
Tabela 6.3, sobre as decisões tomadas pelo consumidor quando não encon-
tra o produto de sua preferência no supermercado.

Tabela 6.3 Decisões do consumidor frente ao stockout do produto


de sua preferência
Ocorrência (%)
Decisão do consumidor Geral Cosméticos Xampu Café Salgadinhos
• Desiste da compra 9 15 10 17 25
• Posterga a compra 15 22 21 21 9
• Substitui por outra marca 26 8 18 20 25
• Compra outro produto da mesma marca, com 19 12 19 13 20
preço e/ou conteúdo e/ou tamanho diferentes
• Compra o produto em loja de concorrente 31 43 32 29 21

Fonte: Corsten e Gruen, 2004.

206
Observa-se que o comportamento do consumidor varia bastante com o
tipo de produto. Por exemplo, as compras de artigos da categoria de cosmé-
ticos são bem mais sensíveis ao stockout: em 43% dos casos a consumidora
vai procurar o produto noutra loja quando não o encontra na primeira tenta-
tiva. Uma explicação possível é a grande atenção que o sexo feminino urba-
no atribui à beleza. Assim, a vinculação de uma consumidora com uma deter-
minada marca e tipo de produto é muito mais profunda do que ocorre, por
exemplo, com o xampu. No caso de salgadinhos, por outro lado, a variedade
de tipos no lar é bastante comum, e a troca por um produto da mesma ou de
outra marca não traz preocupações maiores.

Prejuízos Decorrentes das Rupturas de Estoque


Na avaliação do custo de ruptura de estoque, frequentemente são adotadas
simplificações que mascaram, na realidade, seus possíveis efeitos negativos.
Uma forma simplificada de incorporar tais impactos é adotar um nível de
serviço considerado aceitável, por exemplo, supor que as situações de ruptu-
ra de estoque não devem ultrapassar 3% da movimentação total. Outra for-
ma é atribuir um valor monetário médio para os casos em que há falta do
produto.
Outra maneira corrente, mas incompleta, de medir o impacto negativo
provocado pela falta do produto na gôndola ou na prateleira do varejista é
atribuir um valor igual ao faturamento não conseguido por não se ter vendi-
do a mercadoria. Se o produto tem um preço de R$30,00, digamos, e deixa-
ram de ser vendidas 500 unidades/ano devido ao stockout, então haverá um
impacto negativo de 500 × 30,00 = R$15.000,00 nas contas da empresa.
A literatura especializada apresenta outras formas mais consistentes
para o cálculo desse impacto econômico. Encontram-se, na literatura, méto-
dos simples, mas robustos, de contabilização dos impactos econômicos gera-
dos pelas rupturas de estoque.
Em primeiro lugar, o levantamento dos dados necessários para uma
análise desse tipo não é uma tarefa fácil e envolve pessoal e custos significati-
vos. Isso porque as reações dos consumidores variam muito em função do
tipo de produto (ver Tabela 6.3), das condições socioeconômicas e da faixa
etária. Em segundo lugar, mesmo com as pesquisas de campo, os resultados
não são completos, embora possam dar uma indicação razoável das princi-
pais variáveis do problema e dos custos resultantes.
A pesquisa junto aos consumidores é feita normalmente na saída do
check-out (caixa), no caso de supermercados e de outros estabelecimentos
varejistas de autosserviço. Pergunta-se, em primeiro lugar, se o cliente verifi-
cou, nas suas compras, a falta de algum produto que desejava adquirir. Caso
haja ocorrido um ou mais casos de stock-outs, pergunta-se, a seguir, qual o 207
seu comportamento subsequente em relação ao ocorrido. As perguntas são
simples e diretas, do tipo mostrado na primeira coluna da Tabela 6.3.
Suponhamos o caso de um cosmético – um creme amaciante para as
mãos – , disponível em vidros de 50g e cujo preço é de R$23,80. Há, em
oferta, um tamanho maior, da mesma marca, com conteúdo líquido de 75g e
preço de R$30,00. Uma marca concorrente oferece um produto similar, de
pior qualidade, com embalagem de 50g e preço de R$19,00 por unidade.
As reações dos consumidores à falta do produto, medidas a partir das
entrevistas, com as respectivas probabilidades, são apresentadas na Tabela
6.4. Quando o cliente compra o produto de outra marca, com preço menor,
o varejista tem um prejuízo igual à diferença dos preços, ou seja, 19,00 –
23,80 = – R$4,80. No caso de o consumidor adquirir um produto da mesma
marca, a um preço maior, o resultado é positivo.
Uma situação diferente ocorre quando o consumidor afirma que dei-
xou para comprar o produto para uma próxima visita à loja. Muita coisa po-
derá ocorrer nesse período, como, por exemplo, encontrar o produto com o
mesmo preço ou com preço menor noutro varejista e adquiri-lo. É muito di-
fícil determinar com precisão a probabilidade de volta à loja, para futura
aquisição do produto. Para isso, seria necessário acompanhar os passos do
cliente continuadamente, situação essa impraticável. Assim, lançou-se mão
de uma estimativa de autoria de experts da empresa: o retorno do consumi-
dor à loja, seguida da compra do produto, ocorreria realmente em 60% dos
casos. Portanto, o valor esperado do ganho é igual a 0,60 × 23,80 =
R$14,28, no caso efetivo de retorno e – 0,40 × 23,80 = – R$9,52, no caso
de não retornar, com saldo líquido de 14,28 – 9,52 = + R$4,76.
Quando o consumidor procura a loja de um concorrente para comprar
o produto ou desiste da compra, o varejista perde totalmente a venda, e a
perda do faturamento é igual ao preço da mercadoria. Cada valor represen-
tando a expectativa de ganho, ou prejuízo, é multiplicado agora pela respec-
tiva probabilidade, resultando nos valores apresentados na última coluna da
Tabela 6.4. A soma dos valores da última coluna fornece o prejuízo unitário
da ruptura de estoque desse produto (creme amaciante para as mãos), no
caso, igual a R$12,01 por unidade.
Suponhamos, por outro lado, que a loja venda uma média de 3.600 uni-
dades do produto por ano, e a pesquisa levou a uma estimativa de 310 casos
de stockouts no mesmo período. A receita com a venda do produto é assim
de 3.600 × 23,80 = R$85.680,00. O prejuízo estimado seria de 310 ×
12,01 = R$3.723,10 ou 4,3% do faturamento.
Com as margens reduzidas, devido à crescente competitividade entre as
cadeias de suprimento e à necessidade de se cortar custos que não agreguem
valor ao consumidor final, percebe-se a importância do correto tratamento
208 desse tipo de problema. Há que se considerar ainda o fato de que o prejuízo
calculado através desse processo não contabiliza totalmente os resultados
negativos para o varejista e para a cadeia de suprimento. Por exemplo, se a
situação de falta de produto começa a ocorrer com frequência, mesmo para
mercadorias diferentes, a lealdade do consumidor com o estabelecimento
varejista e com a marca pode ficar abalada. E há um elemento que todo vare-
jista preza, que é o hábito de o consumidor voltar à sua loja para as compras.
O mesmo ocorre com os fabricantes, que dão grande importância ao consu-
midor fiel à marca.

Tabela 6.4 Estimativa dos prejuízos ocasionados por um stockout


Decisões do consumidor Probabilidade Expectativa de ganho Impacto
ou prejuízo ponderado
($) ($)

• Substitui o produto por outro de 0,07 19,00 – 23,80 = – 4,80 – 0,34


outra marca, com preço menor

• Compra produto da mesma marca, 0,13 30,00 –23,80 = + 6,20 + 0,81


com preço maior

• Posterga a compra para a próxima 0,23 0,60 × 23,80 – 0,40 × + 1,09


visita à loja 23,80 = + 4,76

• Vai comprar em loja de 0,45 – 23,80 – 10,71


concorrente

• Desiste da compra 0,12 – 23,80 – 2,86

• Resultado econômico esperado 1,00 – 12,01


por peça em stockout

Baseado em Walter e Grabner, 1975

PARCERIA ENTRE FORNECEDOR E VAREJISTA


ATRAVÉS DO VMI
O sistema de reposição de estoques pelo fornecedor, denominado VMI
(Vendor Managed Inventory ou Estoque Administrado pelo Fornecedor) no
jargão de Logística, é bastante utilizado no setor varejista, mas também é
adotado em empresas industriais. Nessa forma de suprimento, o fornecedor
é responsável pelo controle de estoque do cliente através de um sistema de
intercâmbio de informações, tal como EDI. Em geral, traz diversas van-
tagens. Entre outras, destacam-se a redução do nível médio de estoque no
cliente, com a consequente redução de custos, a redução nos níveis de rup-
tura de estoque (stock-out) e a forte diminuição do lead-time. Para o fornece-
dor, esse sistema reduz também seu nível de estoque, pois, tendo acesso dire-
to aos dados do cliente, não precisa se apoiar fortemente nos seus próprios da-
dos históricos. Para o consumidor, além da redução das rupturas de estoque,
209
a redução nos custos de inventário e de pessoal obtidos com o VMI pode le-
var a reduções apreciáveis no preço final do produto.
Normalmente, as previsões de demanda são realizadas de comum acor-
do entre o fornecedor e o cliente, melhorando bastante a precisão das proje-
ções. Grandes cadeias varejistas internacionais, como Wal-Mart, K-Mart e
JCPenney, estão entre as pioneiras na adoção do VMI. Apesar de o VMI be-
neficiar potencialmente também os fornecedores, como mencionado, mui-
tos demoraram a adotar o novo sistema por estarem céticos quanto às suas
vantagens, mesmo porque eram forçados a atender muitos clientes na moda-
lidade tradicional, o que exigia formas bastante diferenciadas de planeja-
mento da produção. E normalmente os clientes mais entusiastas do VMI são,
em geral, os grandes compradores, com impacto significativo no processo de
gestão da manufatura da empresa fornecedora.

O VMI na Reposição de Fraldas Descartáveis da Procter & Gamble


A Procter & Gamble (P&G) é uma empresa industrial listada no ranking das
100 maiores da revista Fortune e fabrica um total de aproximadamente 300
marcas de produtos, muitos dos quais líderes de venda em sua classe. Além
de expandir suas atividades através da incorporação de outras empresas, boa
parte do crescimento da P&G pode ser atribuída ao desenvolvimento de
produtos pioneiros e tecnologicamente avançados como, por exemplo, o
primeiro detergente sintético para lavagem de roupas em 1946, a primeira
pasta dentifrícia fluorada, em 1955 e a primeira fralda descartável, a Pam-
pers, em 1961.
Em 1985, a P&G resolveu fazer um up-grade de sua fralda descartável
Pampers, cujas vendas correspondiam a 30% do mercado. Assim, a empresa
introduziu a Pampers “Blue Ribbon” naquele ano e, para isso, teve que in-
vestir cerca de US$500 milhões para remodelar suas instalações produtoras e
retirou cerca de US$100 milhões de equipamentos obsoletos de fabricação
desse tipo de fraldas. Gastou também US$225 milhões em propaganda e
promoções na fase de lançamento da nova marca, distribuindo amostras de
fraldas para 90% das jovens mães, quando elas saíam da maternidade.
A partir da metade da década de 1980, as vendas totais de fraldas des-
cartáveis nos Estados Unidos cresceram a uma taxa média anual de 3,8%,
chegando a um faturamento de quase 4 bilhões de dólares. Ao mesmo tem-
po, marcas próprias1 de fraldas descartáveis e marcas regionais foram con-
quistando maiores fatias do mercado. Em 1993, esses concorrentes chegaram

1
O termo marca própria se refere aos produtos que são fabricados especialmente para uma gran-
de rede varejista seguindo especificações próprias, tais como a marca propriamente dita, a embala-
210 gem, os tamanhos e tipos, além de outras características intrínsecas e extrínsecas do produto.
a ocupar 22% do mercado norte-americano de fraldas descartáveis, com pre-
ços 15% inferiores aos produtos similares da P&G e da concorrente Kim-
berly-Clark. Para enfrentar a competição, a P&G colocou as fraldas descar-
táveis no seu programa de preços baixos todos os dias, cortou os custos entre
15% e 20%, e reduziu os preços em 8%. Pouco depois, a P&G cortou os pre-
ços de suas fraldas Luvs em 16%, para isso eliminando extras como alças na
embalagem, promoções para os consumidores etc. Mas, mesmo assim, o pre-
ço da fralda Luvs ficou 17% acima do praticado pelos fabricantes menores.
Como consequência, a P&G acabou cortando em mais 5% o preço das fral-
das Pampers, a terceira redução de preços num só ano. A maior concorrente,
Kimberly-Clark, acompanhou rapidamente a P&G, reduzindo em 7% o pre-
ço de suas fraldas.
Nessa época, as fraldas descartáveis da P&G representavam a categoria
de produto mais importante e mais rentável da empresa. No entanto, mesmo
com todos os seus esforços, o market share da P&G no mercado nor-
te-americano havia caído de forma apreciável. Considerando seu apogeu em
1987, quando participava com 53% do mercado de fraldas descartáveis, seu
market share foi reduzido a 42,4% em 1993, uma redução apreciável.
Observa-se, assim, que o mercado de fraldas descartáveis é muito competiti-
vo, e variáveis diversas, tais como tecnologia do produto, marketing, proces-
so de fabricação, controle de custos e logística, além de outras, são fatores
importantes na obtenção de um market share satisfatório para a empresa.
Os produtos da P&G eram vendidos através de diversos canais, como lo-
jas, atacadistas, grandes cadeias varejistas, além de outros. O uso crescente das
vendas promocionais era uma tendência naquele período, com a P&G com-
petindo com outros fabricantes por espaço, nas gôndolas e displays, para as
frequentes promoções. A aquisição antecipada de mercadorias para as promo-
ções, com bons descontos, era a norma do setor. Nesses casos, os produtos
permaneciam estocados por mais de três meses à espera do momento oportu-
no para as promoções. Nessa época, o presidente Nixon impôs o controle de
preços, visando reduzir os níveis de inflação nos Estados Unidos. A inflação,
combinada com taxas de juros mais elevadas e grandes descontos obtidos dos
fabricantes na aquisição de grandes lotes, tornou a compra antecipada de pro-
dutos bastante atrativa para as grandes cadeias varejistas.
Essa prática levou os fabricantes a manterem grandes estoques, de for-
ma a atenderem a demanda em grandes lotes. As compras pelas redes varejis-
tas passaram a ser, de certa forma, espasmódicas, com grandes flutuações
nos volumes ao longo do tempo, tornando muito difícil a previsão da de-
manda por parte dos fornecedores. Além disso, e dentro dessa prática de
procurement, o pessoal de vendas da P&G ganhava polpudas comissões ao
efetuar transações de grande volume. E o impacto desse procedimento no
planejamento e controle da produção, aumentando apreciavelmente os cus- 211
tos de manufatura, levou os executivos da P&G a iniciarem um processo de
reformulação radical de suas relações com os clientes varejistas.
Assim, a P&G decidiu testar, em 1985, um novo sistema de reposição
de estoques de fraldas descartáveis, trabalhando juntamente com uma cadeia
varejista de médio porte. Esse teste envolvia a utilização de EDI para trans-
mitir dados diários de vendas de fraldas do varejista para o sistema computa-
cional da P&G, que calculava as quantidades de reposição, que eram então
enviadas ao cliente no dia seguinte. Esse método visava substituir o sistema
tradicional, em que o cliente calculava periodicamente suas necessidades de
reposição e encaminhava o pedido ao fabricante.
Os resultados desse projeto-piloto foram bastante positivos, com
apreciável redução do custo de estoque, melhoria do nível de serviço aos
consumidores, principalmente através da redução das taxas de ruptura de
estoque (falta do produto na gôndola) e redução de custo de pessoal para o
varejista (no controle de estoque e no setor de compras). O segundo teste
da P&G foi em 1986, envolvendo uma grande cadeia varejista, com resul-
tados bastante satisfatórios, o que levou a P&G a expandir o novo sistema
para todo o setor. Hoje, o sistema VMI é largamente utilizado nas grandes
cadeias varejistas.

Um Exemplo de VMI
Uma cadeia varejista possui várias lojas numa cidade, vendendo fraldas des-
cartáveis da marca Neném Feliz, produzidas por uma grande indústria.
Numa fase anterior, cada loja fazia periodicamente o levantamento do esto-
que e comunicava o resultado à administração central. Lá se fazia a análise
das necessidades de reposição dos estoques das lojas, o setor de compras
negociava o preço e depois providenciava o pedido. O fornecedor planeja-
va a entrega e, no dia aprazado, a mercadoria era entregue no CD do varejis-
ta, a partir do qual as lojas eram abastecidas.
Numa segunda etapa, o varejista estabeleceu a ligação de seu CD com o
computador do fornecedor, via EDI. Os pedidos passaram a ser enviados ao
fornecedor por EDI, mas era o varejista que determinava as quantidades ne-
cessárias para reposição de seus estoques. Esse sistema é o RMI, Retail Mana-
ged Inventory ou Estoque Gerenciado pelo Varejista. Como vimos no caso
da Procter & Gamble, essa sistemática gera pedidos em grandes volumes
para facilitar as compras, reduzir os custos de transporte e garantir preço
unitário menor para o varejista. É comum também nessa modalidade que o
varejista solicite ao fornecedor formas customizadas para o produto, tais
como embalagens especiais, por exemplo. Pedidos emergenciais, para cobrir
falhas de previsão dos gerentes das lojas, também são frequentes. Além disso,
212
no caso em questão, o produto era entregue separadamente às lojas, em res-
posta direta aos seus pedidos.
Visando evoluir para o VMI, os executivos do fabricante e da cadeia va-
rejista se reuniram para traçar um plano de trabalho. Alguns pontos impor-
tantes foram definidos:

G estabelecer um firme compromisso entre a alta administração das


duas empresas visando chegar a um resultado efetivo e satisfatório
para ambas;
G alocar todos os recursos humanos, materiais e financeiros necessários
para alcançar os objetivos desejados;
G formar uma equipe de projeto com plenos poderes, seguindo um pla-
no de trabalho e um cronograma a serem previamente definidos;
G o objetivo central do projeto seria prioritariamente estabelecer um
nível de serviço elevado para os consumidores, além da redução dos
níveis de estoque e das rupturas.

Essa preocupação dos dirigentes das duas empresas fazia sentido, pois
alguns fracassos em tentativas anteriores mostraram várias dificuldades na
implantação desse sistema. Um ponto falho básico era a falta de liderança
na condução do processo. As diretorias designavam as equipes, que depois
ficavam soltas, sem poder atuar sobre a estrutura administrativa e operacio-
nal das duas firmas. Os gerentes, não querendo perder poder, boicotavam o
novo projeto, e a alta administração não tinha disponibilidade de tempo
nem motivação para interferir nas contendas.
Outro ponto negativo era a inconsistência dos dados. Muitas vezes, o
registro de unidades em estoque, no computador, não coincidia com o esto-
que físico, devido a vários fatores. Era necessário, então, ir a fundo e sanar
todas as possibilidades de falhas no registro e na sistemática de armazenagem
dos produtos no CD central e nas lojas.
Um terceiro elemento que precisava ser contornado era a tradição dos
gerentes da cadeia varejista em não respeitar os lotes encomendados. Ao per-
ceberem que a demanda era maior do que imaginavam, colocavam pedidos
emergenciais junto ao fornecedor, que, quase sempre, procurava atendê-los.
Essa prática tinha respaldo na equipe de vendedores do fabricante, que rece-
bia comissões em função do volume vendido, sem qualquer consideração so-
bre eventuais impactos negativos no processo produtivo e nos seus custos.
Finalmente, a equipe do projeto sabia que o seu sucesso dependeria de
um acompanhamento diário e detalhado do processo, não somente na fase
de planejamento e implementação, como também no monitoramento dos
resultados. Assim, após as reuniões estratégicas da alta administração das
213
duas empresas e da designação da equipe, passou-se ao trabalho, que seguiu,
em linhas gerais, os seguintes passos:

G reunião inicial da equipe, envolvendo elementos da área comercial


das duas empresas, do setor de logística e da área de informática, vi-
sando detalhar a programação dos trabalhos;
G análise detalhada dos pontos vulneráveis no registro, alocação física,
controle de estoque e correções;
G definição da política de estoque, considerando os níveis de atendi-
mento ao consumidor, lotes de entrega, forma de embalagem etc.;
G definição do conteúdo e da forma das mensagens a serem trocadas
por EDI, envolvendo níveis de estoque, pedidos extras, avisos de en-
trega e de recebimento etc.;
G realização de testes efetivos de VMI tão logo o sistema estivesse pron-
to, elegendo uma loja-piloto e acompanhando detalhadamente o
processo;
G análise dos resultados pela equipe do projeto, identificando pontos
fracos, realizando as alterações necessárias e testando novamente o
sistema;
G apresentação dos resultados em reunião conjunta das duas direto-
rias;
G decisão quanto a estender o projeto às demais lojas e, paulatinamen-
te, a uma série de outros produtos. Para isso, seria feita uma classifi-
cação ABC dos SKUs dos diversos produtos do mesmo fornecedor e,
a seguir, a definição do sequenciamento adequado;
G antes de estender o projeto a todas as lojas, planejar e implantar o sis-
tema de cross-docking, no CD da empresa varejista.

No caso em análise, o projeto-piloto de implantação do VMI na reposi-


ção de estoques das fraldas descartáveis Neném Feliz produziu resultados sa-
tisfatórios, como mostra a Tabela 6.5. Os valores indicados na Tabela 6.5 re-
ferem-se apenas à loja submetida ao projeto-piloto. Três elementos são utili-
zados na avaliação dos resultados: o nível de venda do produto; o estoque
médio, medido em dias; e o nível de ruptura, medido em porcentagem do
volume vendido.
Observa-se que o nível de estoque caiu bastante após a introdução do
VMI, o mesmo acontecendo com os índices de ruptura do estoque. Esse últi-
mo índice é difícil de medir na prática, pois o consumidor, não encontrando
o produto na gôndola, pode decidir por uma entre várias atitudes, conforme
discutido na seção anterior.
214
Tabela 6.5 Resultados obtidos com o projeto piloto de VMI
RMI (Estoque Gerenciado VMI (Estoque Gerenciado
pelo Varejista) pelo Fornecedor)

Mês → Nov Dez Jan Fev Mar Abr

Vendas (*) 100 130 92 98 105 112

Estoque médio (dias) 42,7 43,9 39.1 16,6 20,2 18,3

Nível de ruptura (%) 3,8 9,2 9,1 5,3 4,7 4,5

(*) Nível relativo, sendo o valor de novembro = 100

Além dos benefícios listados na Tabela 6.5, que se referem tão somente à
loja sujeita ao teste-piloto, o sistema VMI, se adotado juntamente com cross-
docking no CD do varejista, pode gerar redução apreciável do estoque do pro-
duto no depósito, liberando também espaço vital para outras atividades.
Uma vez implementado o sistema VMI, o processo segue uma rotina
diária de atividades, com ciclo de 24 horas, conforme pode ser visto esque-
maticamente na Tabela 6.6. O processo começa no instante em que uma
consumidora-padrão vai à loja, num momento crítico que ocorre, no caso,
na parte final do expediente, quando as vendas do dia reduziram bastante o
nível de estoque do produto na loja. Sua compra é registrada no caixa. Ao
fim do expediente, o sistema computacional da loja consolida todas as ven-
das do produto registradas no dia e envia, por EDI, o nível de estoque resul-
tante para o computador do fornecedor. Este último realiza as atividades
que lhe cabem durante o dia seguinte e, ao fim da tarde, um carregamento do
produto, cobrindo as necessidades das lojas, é descarregado no CD do vare-
jista, num processo de cross-docking pré-agendado.
Além dos benefícios de redução dos níveis de estoque e de ruptura do
mesmo, o processo VMI traz também outras vantagens às empresas partici-
pantes. Em primeiro lugar, por controlar mais de perto as vendas, os níveis
de estoque e as rupturas, o sistema reduz os níveis de erros das estimativas.
Assim, nas épocas de festas e noutras ocasiões específicas, os gerentes conse-
guem estimar com mais acuidade as tendências da demanda. Em segundo lu-
gar, pode-se conseguir reduções significativas nos custos de transporte, prin-
cipalmente quando as entregas do produto deixam de ser feitas loja por loja,
passando a ser realizadas na forma consolidada no CD do varejista (cross-
docking). Um outro ponto muito importante nesse processo é a liberação dos
vendedores da indústria e dos compradores do varejista para atividades mais
nobres. A parte repetitiva do processo é realizada agora pelos computadores,
ficando o pessoal do setor livre para visitas in loco às lojas, troca de ideias,
programação conjunta de promoções, planejamento da introdução de novos
produtos etc. Finalmente, o consumidor final é beneficiado, pois encontra o
produto desejado, no momento em que necessita dele. 215
Tabela 6.6 Ciclo típico do processo VMI
LOCAL HORA AÇÃO

Loja 19:45 A consumidora entra na loja

19:50 A cliente vai até a gôndola e coloca as fraldas no carrinho

20:30 No caixa, o código de barras é lido e a compra é registrada

00:00 O computador da loja consolida todas as vendas do produto,


no dia

00:10 Por EDI, o saldo disponível no estoque é enviado ao


fornecedor

Indústria 08:00 Na indústria, o sistema de VDI calcula a reposição necessária

10:00 No depósito, é feita a separação e montados os paletes

13:00 Envia notificação de entrega ao varejista e marca entrega


para 17 horas

13:05 Na loja, é preparado o recebimento a partir das informações


do EDI

16:00 Veículo sai com o produto de todas as lojas do varejista

Loja 17:00 A carga é recebida no CD central do varejista (cross-docking)

17:30 Notas fiscais prontas e veículos saem com a carga para lojas

18:00 às 19:30 Lojas recebem o produto e abastecem as gôndolas


imediatamente

19:45 Uma nova consumidora entra na loja para comprar o


produto

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217
7
A Cadeia de
Valor e a
Logística

HOJE NÃO É MAIS POSSÍVEL atuar de forma competitiva no comércio adqui-


rindo simplesmente produtos dos fornecedores e vendendo-os aos consumido-
res. Isso porque as vantagens competitivas na ponta do consumo não dependem
somente do varejista, mas vêm sendo agregadas (ou mesmo subtraídas, em al-
guns casos) ao longo de toda a cadeia de suprimento. A maneira correta de
atuar de forma competitiva é buscar melhorias contínuas junto aos demais
elementos da cadeia, de forma a reduzir custos, melhorar a qualidade dos
produtos e o nível de serviço para os clientes finais, os consumidores.
Além das melhorias qualitativas naturalmente esperadas ao longo da ca-
deia de suprimento, um elemento que possibilita análise sistematizada do
processo é chamado cadeia de valor, que estudaremos neste capítulo.

OS ELEMENTOS DA CADEIA DE SUPRIMENTO


A cadeia de suprimento se estende desde o fornecedor da matéria-prima des-
tinada à fabricação de um determinado produto até o consumidor final, pas-
sando pela manufatura, centros de distribuição, atacadistas (quando há) e
varejistas (Figura 7.1). A sequência mostrada na Figura 7.1 é composta por:

u Suprimento da manufatura: para a fabricação de um determinado


produto são necessários alguns tipos de matéria-prima como, por
exemplo, leite para fazer iogurte, plástico ou vidro para produzir gar-
219
Matéria- Componentes Componentes
prima pré-montados soltos

Suprimento da
manufatura
Trans-
porte

Manufatura

Trans-
porte

CD do
Distribuição
varejista
física

Trans-
porte

Loja n Loja 3 Loja 2 Loja 1

Consumidor
Final

FIGURA 7.1 • Elementos da cadeia de suprimento

rafas, e alumínio para produzir latas de cerveja. Alguns tipos de in-


dústria utilizam componentes pré-montados, que são produzidos por
outras indústrias. Por exemplo, compressores para serem incorpora-
dos a geladeiras. A indústria também consome componentes soltos,
como parafusos, porcas, fios etc.
u Manufatura: é o processo de fabricação propriamente dito, normal-
mente envolvendo várias etapas e podendo ser mais ou menos com-
220 plexo, conforme o tipo de produto a ser industrializado. Ligados à
manufatura, há normalmente estoques de insumos variados (maté-
ria-prima, componentes), os quais muitas vezes são reduzidos ao má-
ximo através do abastecimento direto na linha de produção, por par-
te de alguns fornecedores (sistema just-in-time). Quando pronto, e
enquanto aguarda distribuição, o produto acabado permanece esto-
cado no armazém ou depósito da fábrica.
u Distribuição física: uma vez pronto, o produto é despachado para de-
pósitos ou centros de distribuição, para posterior envio às lojas de va-
rejo. Geralmente, o próprio varejista opera seu(s) depósito(s). Há ca-
sos em que a distribuição é feita a partir de um atacadista ou
distribuidor.
u Varejo: as lojas de varejo, representadas na Figura 7.1, podem per-
tencer a firmas diversas ou, no caso de cadeias varejistas, a uma única
empresa. Conforme visto no Capítulo 1, no caso de franquias há uma
situação mista, em que as lojas mantêm uma imagem estética e co-
mercial unificada, embora operadas por pessoas jurídicas diversas.
u Consumo: é a fase final da cadeia de suprimento, foco central de to-
dos os seus participantes.
u Transporte: aparece em várias etapas da cadeia de suprimento, deslo-
cando matérias-primas e componentes para a manufatura, levando
produtos acabados para os centros de distribuição e destes para as lo-
jas e, em muitos casos, entregando mercadorias diversas nos domicí-
lios dos consumidores.

A cadeia de suprimento representada na Figura 7.1 apresenta variações,


dependendo do tipo de produto e da forma de comercialização.

A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO DE CUSTOS


Nas fases anteriores da Logística, antes do Supply Chain Management
(SCM), se dava muita ênfase à garantia da qualidade, não só do produto,
como também dos serviços associados (entrega, atendimento pós-venda
etc.). Paralelamente, e como decorrência da forte competição entre as em-
presas, passou-se a buscar a redução de custos em todos os níveis e de forma
sistemática. Na moderna concepção do SCM, a satisfação desses dois objeti-
vos é considerada um fato consumado, ou seja, admite-se que essa condição
já foi plenamente atingida dentro da empresa. Isso porque tal padrão é o mí-
nimo que se considera adequado para atuar competitivamente no mercado
globalizado. Dessa forma, as empresas que ainda não conseguiram implantar
um controle de qualidade adequado ou que vêm apresentando níveis de cus-
to acima da prática de seu setor dificilmente conseguirão atuar de forma in-
tegrada e com sucesso na cadeia de suprimento otimizada. 221
Tradicionalmente, as empresas tendem a focalizar seus custos dentro
do domínio estrito de suas atividades. A contabilidade gerencial considera
todos os custos e ativos internos à firma: matéria-prima, mão de obra, os
processos de produção, as instalações, o marketing, vendas, e tudo o mais
que diz respeito às atividades fins e de apoio da empresa. Despesas que ocor-
rem externamente à firma não são normalmente consideradas, primeiro
porque são de difícil quantificação e, segundo, porque cada empresa busca
as vantagens imediatas para si mesma. Na análise de custo utiliza-se o concei-
to de valor agregado. Por exemplo, suponhamos um eletrodoméstico, cujos
custos são resumidamente os seguintes:

Materiais (adquiridos de fornecedores): R$112,80/unidade


Mão de obra direta: R$55,20
Custo indireto: R$62,60
Custo de estoque do produto acabado: R$9,40
Total: R$240,00

Se a indústria vende o eletrodoméstico ao varejista por R$288,00, terá


uma margem de R$48,00. No balanço de seus custos, o fabricante gasta
R$112,80 ou cerca de 39% da receita, com insumos provenientes de seus
fornecedores (materiais), sendo os R$175,20 restantes (61% do preço de
venda) o valor agregado pela indústria.
Para o fabricante do produto, é muito importante conhecer a composi-
ção do custo e sua estrutura. Em primeiro lugar, conhecendo melhor a estru-
tura de custos, poderá atuar sobre os processos mais significativos em termos
de gastos, visando reduzi-los. Com isso, aumentará sua margem ou, se en-
frentar competição acirrada, poderá reduzir o preço de seu produto de for-
ma a ganhar vantagem competitiva sobre seus concorrentes. Por outro lado,
o conhecimento das relações de causa e efeito na formação dos custos lhe
dará condições de prever, com razoável precisão, custos futuros, principal-
mente quando houver alterações significativas na demanda ou nos preços
dos insumos básicos.
Por exemplo, suponhamos que o custo indireto anual seja composto
por uma parte fixa e uma parcela variável, da seguinte forma:

Custo indireto anual (R$) = 752.000 + 25 × N, (7.1)

onde N representa a produção anual do eletrodoméstico indicado acima (nú-


mero de unidades produzidas). Hoje, são produzidas 20.000 unidades do pro-
duto, levando a um custo indireto anual de R$1.252.000,00 ou R$62,60 por
222 unidade fabricada. Suponhamos que um novo cliente, uma grande cadeia va-
rejista que acaba de se instalar no país, peça ao fabricante uma cotação para
fornecer 5.000 unidades por ano. A produção do eletrodoméstico seria agora
de 25.000 unidades, levando os custos indiretos anuais a R$1.377.000,00 ou
R$55,08 por unidade. Haveria, assim, uma economia de R$7,52 por unidade.
Esse diferencial poderia ser repartido de forma a aumentar a margem do fabri-
cante e/ou reduzir o preço cobrado do varejista.
Suponhamos, por outro lado, que haveria aproximadamente um au-
mento médio de 3,5% nos preços dos materiais usados na fabricação do pro-
duto. Isso ocasionaria um aumento de R$3,95 nessa rubrica de custo. Por
consequência, a redução de custo possível, caso o varejista confirmasse seu
pedido, seria de R$7,52 – 3,95 = R$3,57 por unidade.
Esse tipo de enfoque, que considera o valor agregado, é ainda muito uti-
lizado nas empresas. Mas acaba falhando quando a empresa altera subs-
tancialmente suas práticas operacionais externas, forçando seus fornecedo-
res ou seus clientes a adotarem novas formas de produção ou de operação.
Shank e Govidarajan (1997) mencionam o caso de uma indústria automobi-
lística americana que decidiu implementar o just-in-time em suas fábricas
montadoras. Os custos de fabricação representavam 30% das vendas dos
veículos por ela fabricados. A empresa, baseada na experiência japonesa,
acreditava que o JIT poderia trazer uma redução de 20% nesses custos de
manufatura. Ao implantar o novo sistema, objetivando eliminar os desperdí-
cios e os estoques de segurança, seus custos de montagem começaram a cair
sensivelmente. Mas sérios problemas com fornecedores começaram a surgir.
Eles passaram a pedir aumentos de preços para os componentes, em níveis
superiores à economia de custo obtida pela montadora. Uma análise mais
aprofundada do problema mostrou os seguintes aspectos:

G 50% do valor das vendas dos veículos pela montadora eram compos-
tos por compras de insumos dos fornecedores;
G os fornecedores, por sua vez, gastavam 37% de suas receitas com-
prando insumos de outros fornecedores, sendo os 63% restantes o
seu valor agregado;
G assim, o valor agregado dos fornecedores correspondia a 63% ×
50% = 31,5% da receita da montadora.

O que aconteceu foi simplesmente uma transferência das deseconomias


da montadora para seus fornecedores. Como eles não estavam preparados
para a mudança e participavam com uma parcela maior no valor agregado
do produto final, o resultado global foi pior do que o observado anterior-
mente. A montadora agiu isoladamente, e como as alterações por ela adota-
das mudaram radicalmente as operações de seus fornecedores, as conse-
quências foram negativas. 223
A forma moderna de gerenciar esse tipo de problema, com enfoque em
toda a cadeia de suprimento, é a análise da cadeia de valor, cujos conceitos e
propriedades analisaremos a seguir.

A CADEIA DE VALOR
O conceito de cadeia de valor foi desenvolvido por Michael Porter, profes-
sor da Harvard Business School, sendo, hoje, um dos pilares do moderno
gerenciamento da cadeia de suprimento (Porter, 1989). Quando um consu-
midor compra um determinado produto numa loja, a um determinado pre-
ço, o pagamento que faz cobre uma série de elementos de natureza diversa,
que participam do processo de fabricação, do transporte da mercadoria e
dos serviços complementares. De um lado, se somarmos as despesas elemen-
tares correspondentes a todos esses fatores, chegaremos a uma determinada
importância X, que representa o custo final do produto em questão.
Num ambiente competitivo, valor é o montante que os compradores
estão dispostos a pagar por aquilo que uma empresa, ou indivíduo, lhe for-
nece (Porter, 1989). Assim, se uma lata de cerveja tem um custo final, no
varejo, de R$0,80, ela pode ser vendida gelada, num estádio de futebol, em
pleno jogo, e sob um sol forte de 35°C, por R$3,00. Isso porque o torce-
dor, com sede, e sem condições práticas de buscá-la em casa ou no super-
mercado, sabe avaliar a situação e concorda em atribuir-lhe um valor subs-
tancialmente maior. Caso contrário, refrearia sua sede, deixando para be-
ber a cerveja em casa ou no bar, após o encerramento do jogo. É claro que,
por trás desse exemplo, supomos que haja concorrência perfeita. No caso,
a concorrência se dá quando aparecem vários vendedores independentes
no estádio. Se um deles exagera na fixação do preço, haverá outros dispos-
tos a disputar-lhe a clientela. A definição de valor não se aplica, portanto,
aos casos de monopólio ou a outras situações em que a lei da oferta e da
procura não vigora.
O valor não é medido pelo custo final, mas sim pela receita total, resul-
tante do preço que a empresa estabelece para o produto, em função do mer-
cado e do número de unidades que ela pode vender. A empresa será rentável
quando a soma dos custos envolvidos na geração do produto for menor do
que o valor que ela consegue estabelecer para ele.1 A meta de uma empresa
moderna, competitiva, é de aumentar ao máximo o valor agregado de seus
produtos, ao mesmo tempo em que busca minimizar os custos globais na ca-
deia de suprimento.

1
Algumas empresas conseguem sobreviver durante certos períodos em que o custo supera o valor,
compensando o prejuízo durante períodos de alta. Por exemplo, uma exportadora de soja em
224 grãos, que tem lucro durante a estação de safra, e déficit durante a entressafra.
O valor de um determinado produto é composto pela margem e pelas
atividades de valor. As atividades de valor são formadas pelos processos físi-
cooperacionais tecnologicamente distintos de que uma empresa lança mão
para criar um produto com um determinado valor de mercado. Se subtrair-
mos do valor do produto a soma dos custos referentes às atividades de valor,
teremos a margem. A margem é normalmente dividida (não necessariamente
em partes iguais) entre varejista, fabricante, fornecedores, transportadoras,
intermediários e todos mais que participam da cadeia de suprimento.
Cada atividade de valor utiliza insumos diversos, tais como recursos hu-
manos (mão de obra e gerência), materiais, tecnologia e informação, podendo
gerar ativos financeiros, como estoques e contas a receber, e passivos, como
contas a pagar. Porter classifica as atividades de valor em duas categorias: ativi-
dades primárias (logística de suprimento ou inbound, operações, logística de
distribuição ou outbound, marketing e vendas, assistência técnica) e ativida-
des de apoio (infraestrutura da empresa, gerenciamento de recursos humanos,
desenvolvimento de tecnologia, aquisição de insumos e serviços). A in-
fraestrutura da empresa compreende as atividades de administração, como ge-
rência geral, planejamento, finanças, contabilidade, assistência jurídica e ge-
rência de qualidade. Graficamente, Porter representa a composição das ativi-
dades primárias e de apoio conforme mostrado na Figura 7.2.
A cadeia de suprimento é formada por uma sequência de cadeias de va-
lor, cada uma correspondendo a uma das empresas que formam o sistema.
Embora as atividades de valor sejam os elementos-chave da vantagem com-
petitiva, a cadeia de valor não é um conjunto de atividades independentes, e
sim um sistema de atividades interdependentes. As interligações entre as ati-
vidades de valor são formadas por elos, que refletem as relações dentro da
Atividades de apoio

Infraestrutura da empresa

Gerenciamento de recursos humanos


M
Desenvolvimento de tecnologia
A

Aquisição de insumos e serviços R

E
Marketing
Logística Logística Assistência
Operações e M
inbound outbound técnica
vendas

Atividades primárias
(Fonte: Porter, 1989)

FIGURA 7.2 • A cadeia de valor (Porter, 1989)


225
empresa ou fora dela (Porter, 1989). Um exemplo é a situação da montado-
ra americana, relatada anteriormente. O JIT implementado pela montadora
tem efeito sobre o desempenho e os custos de algumas das atividades de va-
lor dos fornecedores.
A cadeia de valor completa é muito extensa, pois, como mostra a Figura
7.1, envolve a manufatura, seus fornecedores, outros fornecedores nos
segmentos anteriores do processo, varejistas, bem como outros agentes
eventuais (atacadistas, representantes, distribuidores). Por essa razão, vamos
considerar, no exemplo que se segue, apenas uma parte da cadeia de valor,
mas por si só bastante significativa, permitindo a discussão de uma série de
problemas importantes. No nosso exemplo, a cadeia de valor inclui o fabri-
cante de um determinado produto e a empresa varejista, entrando também
no processo a empresa transportadora. Esta última se encarrega da primeira
etapa da distribuição, que vai desde a fábrica até o depósito central do vare-
jista. Não tecemos maiores considerações, no exemplo, sobre a segunda eta-
pa da distribuição, que corresponde à entrega do produto nas lojas e eventu-
almente na casa dos consumidores, a partir do depósito do varejista.
Segundo a prática tradicional, ainda observada em muitos casos, cada
empresa da cadeia de valor tenta tirar o máximo de vantagem para si, igno-
rando os possíveis efeitos sobre os demais coparticipantes. O caso da monta-
dora americana, mencionado neste capítulo, ilustra bem o problema. O
gerenciamento da cadeia de suprimento, no entanto, implica o tratamento
da cadeia de valor como um todo. Vamos analisar esse problema através de
um exemplo.

ANÁLISE DA CADEIA DE VALOR


O produto é um eletrodoméstico, pesando 44kg por unidade. A fábrica está
localizada na região de Porto Alegre, e o depósito do varejista está situado na
Grande São Paulo, numa distância aproximada de 1.120 km. A transporta-
dora cobra um frete de R$96,40 por tonelada de carga ou R$4,24 por unida-
de, retirando o produto da fábrica em lotes de 568 peças (carreta de 25 tone-
ladas úteis). Sobre os custos de suas atividades de valor, o fabricante
incorpora uma margem de 15% calculada sobre o preço do produto pago
pelo varejista. São vendidas, à empresa varejista, 20.000 unidades do eletro-
doméstico por ano, na modalidade FOB.2 O varejista, por sua vez, incorpora
uma margem bruta de 25%, calculada sobre o preço do produto na loja. Essa
margem incorpora também os custos de comercialização (lojas, vendedores,
gerenciamento, estoque nas lojas) e o lucro bruto da empresa.
2
Preço FOB: o preço cobrado pelo fornecedor não inclui o transporte, ficando a empresa com-
pradora com a responsabilidade de contratá-lo e de retirar a mercadoria no depósito do primeiro.
Na modalidade CIF, o preço da mercadoria já inclui o frete, sendo o fornecedor responsável pela
226 sua entrega no armazém do cliente.
Admitimos, neste exemplo, que a demanda se distribui de forma ho-
mogênea ao longo do ano, não havendo picos sazonais nem variações alea-
tórias apreciáveis. O custo financeiro considerado na análise é de 30% ao
ano. Nesta análise não consideraremos a incidência dos impostos (IPI,
ICMS nos estados de origem e de destino, PIS, COFINS e Imposto de Ren-
da) nos custos. Basicamente, o direcionador (veja Capítulo 11) de custo
que adotamos como elemento a ser otimizado no exemplo é o lote de des-
pacho da carga, para transferência do produto entre a fábrica e o depósito
do varejista.

Estrutura de Custo
Na nossa análise vamos considerar os custos das seguintes atividades de valor:
1. Nível do fabricante:
G custo de materiais (adquiridos de fornecedores);
G custo de mão de obra direta;
G custos indiretos;
G custo de estoque do produto acabado;
G custo de armazenagem do produto acabado.

2. Nível do varejista:
G custo de aquisição do produto;
G custo de transporte (frete);
G custo de estoque em trânsito;
G custo de estoque do produto no depósito do varejista;
G custo de armazenagem do produto;
G custo de entrega às lojas e aos clientes finais.

Desses itens de custo, são considerados constantes na análise os seguin-


tes: mão de obra direta e custo de entrega. São considerados variáveis os se-
guintes itens: materiais, custos indiretos, custo de estoque do produto acaba-
do na fábrica, custo de armazenagem, custo de aquisição do produto pelo va-
rejista, custo do transporte, custo de estoque em trânsito e custo de estoque
no depósito do varejista.
Na Tabela 7.1 são apresentados os valores dos principais custos do nos-
so exemplo. Os custos variáveis são explicados por um direcionador de cus-
to que, no caso, é o lote de despacho L do produto.

227
Tabela 7.1 Valores dos principais itens de custo adotados no exemplo
Item Valor (R$/unidade)

• custo de materiais 112,80

• custo de mão de obra direta 55,20

• custos indiretos 62,60

• custo de armazenagem do produto acabado na fábrica 0,30

• custo de armazenagem no depósito do varejista 0,30

• custo de entrega 8,90

Situação Inicial
A situação inicial corresponde a um esquema pouco competitivo, em que
cada elemento da cadeia de suprimento age independentemente, buscando
maximizar suas vantagens à maneira clássica, isto é, atuando sobre seus cus-
tos de forma a aumentar sua margem no processo. A transferência do produ-
to da fábrica para o depósito do varejista é deixada por conta da transporta-
dora, que selecionou uma carreta de 25 toneladas para fazer essa operação.
Uma vez que uma unidade de eletrodoméstico pesa 44kg, cada carreta
transportará L = 25.000/44 = 568 unidades. Na Tabela 7.2 é apresentada a
cadeia de valor para a situação atual.

Situação de Domínio do Varejista


A situação que analisamos corresponde a um equilíbrio natural entre os três
participantes do processo (o fabricante, o transportador e o varejista), sem
que se note qualquer esforço maior na direção de otimização do sistema ou
da predominância de um dos participantes nas decisões estratégicas da
cadeia de suprimento. Suponhamos agora que o varejista, pelas dimensões
de seus negócios, consiga impor suas condições aos demais, de forma a oti-
mizar o processo para si. Como o produto é comprado FOB, as despesas de
transporte e de estoque em trânsito são de responsabilidade do varejista,
além das despesas de armazenagem e de estocagem em seu depósito, bem
como o custo de entrega.
Num primeiro momento, o varejista percebe que a utilização de um
caminhão grande tem um forte efeito no custo de estocagem do produto
em seu depósito. Passa então a negociar com a transportadora, visando
reduzir tal parcela de custo. Nessa primeira fase, o fabricante não partici-
pa ainda do processo de negociação. Assim, o preço cobrado pelo fabri-
cante ao varejista permanece inalterado e igual a R$274,54, conforme in-
dicado na Tabela 7.2.
228
Tabela 7.2 Cadeia de valor – situação inicial
Item Valor (R$/unidade)

Fabricante

Custo de materiais 112,80

Custo de mão de obra direta 55,20

Custos indiretos 62,60

Custo de estoque do produto acabado 2,46

Custo de armazenagem do produto acabado 0,30

Margem do fabricante (15% valor de venda) 41,18

Preço de venda para varejista 274,54

Varejista

Custo de aquisição do produto 274,54

Custo do transporte (frete) 3,96

Custo de estoque em trânsito 0,45

Custo de estoque do produto no depósito do varejista 2,97

Custo de armazenagem do produto 0,30

Custo de entrega às lojas e aos clientes finais 8,90

Margem do varejista (25% valor de venda) 97,04

Preço final para o consumidor 388,15

Calculando os custos, o varejista percebe que um veículo de 18,1 tone-


ladas de capacidade útil, transportando um lote de 399 unidades, é a escolha
que torna mínima a soma de seus custos. Levando em conta a oferta de veí-
culos no mercado automobilístico, o caminhão mais próximo é um baú Sca-
nia T 114 GA 360, de 18,2 toneladas úteis, transportando 413 unidades do
produto.
Mas a transportadora não aceita mudar seu esquema de operação co-
brando o mesmo frete. Alega – e com razão – que as economias de escala, ao
usar carretas de grande capacidade, são apreciáveis, e que ficaria no verme-
lho se passasse a utilizar veículos menores, cobrando o mesmo preço. Já sin-
tonizada com as modernas exigências do mercado, a transportadora abre
seus custos ao varejista e demonstra,3 de forma inequívoca, seu ponto de vis-
ta. Após longas negociações, chegam a um acordo: o varejista aceita pagar
um frete de R$104,09 por tonelada ou R$4,58 por peça, contra o valor ante-
rior de R$3,96, um aumento de 15,6%.

3
Situação que decididamente ainda não ocorre no Brasil. 229
Caso o varejista insistisse em continuar pagando um frete de R$3,96
por unidade, o que poderia acontecer? Uma possibilidade seria levar a trans-
portadora à falência, levando à sua substituição por outra, e assim sucessiva-
mente. Outra possibilidade seria conseguir a anuência verbal ou contratual
da transportadora, a qual, na prática, não cumpriria o prometido. Retiraria a
mercadoria nas quantidades e frequências combinadas, mas manteria a carga
no seu armazém à espera de consolidação, antes de seguir viagem em cami-
nhões de maior porte.
Qual o benefício que o varejista aufere ao aceitar o novo frete solicitado
pela transportadora? O custo de transporte apresenta uma forte economia
de escala, isto é, o custo unitário por tonelada tende a cair significativamente
à medida que a capacidade de carga do veículo aumenta. Mas o efeito no
custo de estoque é diametralmente contrário. De fato, quando aumentamos
a capacidade de carga do veículo, o lote de despacho aumenta na mesma
proporção (admitindo que o veículo viaje lotado) e o efeito no custo finan-
ceiro do estoque cresce apreciavelmente.
Os efeitos simultâneos desses dois fatores, atuando de forma inversa,
acabam levando a uma situação intermediária, de mínimo custo. Assim, o
varejista, que tinha antes um custo de transporte mais estoque igual a 3,96
+ 0,45 + 2,97 = $7,38, passa a ter um custo de 4,58 + 0,45 + 2,15 =
$7,18, mais baixo portanto que o anterior. Analisando seus custos, o vare-
jista sabe que sua margem na cadeia de valor vai aumentar, conforme mos-
trado na Tabela 7.3. Observa-se que o preço final para o consumidor não
foi alterado, pois admitimos que o varejista possa impor suas condições
não somente aos demais participantes da cadeia de suprimento, como tam-
bém aos clientes finais. Nessas condições de vantagem, o varejista aufere
agora uma margem de R$97,23, com um acréscimo de apenas de R$0,19
em relação à situação anterior.
Insatisfeito com seus ganhos, o varejista procura se apropriar do ganho
do fabricante. Observa que a mudança no esquema de distribuição fábrica-
depósito ocasiona também uma redução nos custos de estoque do fabricante.
De fato, na situação anterior havia um custo de estoque de produto acabado
na fábrica de R$2,46, custo este que foi reduzido para R$1,78 na nova situa-
ção, uma redução de R$0,68 para o fabricante. O varejista, exercendo do-
mínio absoluto sobre a cadeia de suprimento, pressiona o fabricante para
reduzir o preço do produto. Ao fim, a indústria concorda em reduzi-lo des-
de que seja mantida sua margem anterior em valor absoluto, de R$41,18
por peça.
A cadeia de valor resultante para essa situação é a indicada na Tabela
7.4. Observa-se que o varejista passa a ter agora uma margem de R$97,99
por unidade vendida, correspondente a 25,25% do preço final de venda do
230 produto. O fabricante continua a auferir sua margem anterior (em valores
absolutos) e a transportadora, por sua vez, está em melhor situação do que
antes, porque fatura 15,6% a mais, recebendo um frete que cobre todos os
seus custos e lhe dá uma margem aceitável.
Nesse quadro em que o varejista exerce domínio absoluto, todos os par-
ticipantes ganham ou mantêm sua posição inalterada, ou seja, nenhum deles
perde, inclusive o consumidor final, que adquire o produto ao mesmo preço
vigente antes. Isso se tomarmos a situação atual como referência. Mas esse
quadro não é uma boa referência, pois apresenta distorções gritantes. A rea-
lidade dos dias atuais é bem diferente. Os competidores, reduzindo seus cus-
tos e remarcando seus preços para baixo, vão forçar os participantes da nos-
sa cadeia de suprimento a oferecer preços menores também. Por exemplo, o
varejista poderia manter sua margem absoluta de R$97,04 vigente na situa-
ção inicial, reduzindo o preço do produto no varejo para R$386,61. Com
isso poderia vender mais, diluindo mais facilmente os custos indiretos, e au-
mentando, assim, sua margem e o seu faturamento.

Tabela 7.3 Cadeia de valor – situação de domínio do varejista


(após negociação com transportadora)
Item Valor (R$/unidade)

Fabricante

Custo de materiais 112,80

Custo de mão de obra direta 55,20

Custos indiretos 62,60

Custo de estoque do produto acabado 1,78

Custo de armazenagem do produto acabado 0,30

Margem do fabricante 41,92

Preço de venda para varejista 274,54

Varejista

Custo de aquisição do produto 274,54

Custo do transporte (frete) 4,54

Custo de estoque em trânsito 0,45

Custo de estoque do produto no depósito do varejista 2,15

Custo de armazenagem do produto 0,30

Custo de entrega às lojas e aos clientes finais 8,90

Margem do varejista 97,23

Preço final para o consumidor 388,15

231
Tabela 7.4 Cadeia de valor – situação de domínio do varejista
(após negociação com a transportadora e com o fabricante do produto)
Item Valor (R$/unidade)

Fabricante

Custo de materiais 112,80

Custo de mão de obra direta 55,20

Custos indiretos 62,60

Custo de estoque do produto acabado 1,78

Custo de armazenagem do produto acabado 0,30

Margem do fabricante 41,18

Preço de venda para varejista 273,78

Varejista

Custo de aquisição do produto 273,78

Custo do transporte (frete) 4,58

Custo de estoque em trânsito 0,45

Custo de estoque do produto no depósito do varejista 2,15

Custo de armazenagem do produto 0,30

Custo de entrega às lojas e aos clientes finais 8,90

Margem do varejista 97,99

Preço final para o consumidor 388,15

Situação de Domínio do Fabricante


Suponhamos agora que a indústria que fabrica o produto consiga impor suas
condições aos demais, de forma a otimizar o processo para si. Normalmente,
numa situação de domínio sobre a cadeia de suprimento, a indústria tende a
vender seu produto na modalidade CIF, e não FOB, como anteriormente.
Nessa modalidade, as despesas de transporte e de estoque em trânsito são de
responsabilidade do fabricante.
De forma análoga à situação anterior, a indústria percebe que a utiliza-
ção de um caminhão de maior capacidade tem forte efeito no custo de esto-
cagem do produto acabado em seu depósito. Negocia então com a transpor-
tadora, visando reduzir tal parcela de custo. O fabricante verifica então que
um veículo de 13,8 toneladas de capacidade útil, transportando um lote de
314 unidades, é a escolha que torna mínima a soma de seus custos. A trans-
portadora aceita mudar seu esquema de operação somente com alteração no
frete. Após longas negociações chegam a um acordo: a indústria aceita pagar
um frete de R$119,32 por tonelada ou R$5,25 por unidade do produto. A
232 margem do varejista, em valor absoluto vigente na situação atual, é mantida.
Agora, a cadeia de valor é a indicada na Tabela 7.5. Admitimos, de forma
análoga à situação anterior, que o preço final do produto ao consumidor
permanece inalterado.
Quando comparamos a cadeia de valor da Tabela 7.5 com a correspon-
dente à situação inicial (Tabela 7.2), observamos que o fabricante passa a ter
um aumento de R$1,18 na sua margem ou 2,9%.
Nessas três situações analisadas, todos os participantes ganham ou
mantêm sua posição inalterada, ou seja, nenhum deles perde, inclusive o
consumidor final, pois o preço no varejo não se altera. Os casos analisados
mostram um aspecto muito interessante. Existem ganhos potenciais nos
elos da cadeia de suprimento, quando consideramos conjuntamente dois
ou mais participantes, justificando uma atuação conjunta, com o objetivo
de aumentar a competitividade global do sistema. Mas os resultados do
exemplo indicam que esses ganhos não são tão apreciáveis assim, a ponto
de justificar um grande esforço de integração dos participantes da cadeia.
Onde estariam então os ganhos possíveis, trazidos pelo moderno Supply
Chain Management? Na verdade os benefícios começam a se tornar palpá-
veis quando a demanda é elástica, ou seja, quando varia significativamente
com o preço do produto.

A PARCERIA NA CADEIA DE VALOR


As economias de custo, observadas nos elos da cadeia de suprimento entre
dois ou mais participantes, são potencialmente elevadas, justificando uma
atuação conjunta com o objetivo de aumentar a competitividade global do
sistema. Por outro lado, as empresas, tanto indústrias como varejistas, já vêm
reduzindo drasticamente os custos de suas próprias atividades. Em terceiro
lugar, com o foco na satisfação plena do consumidor, que é o objetivo final
de toda a cadeia de suprimento, os participantes da cadeia estão sendo força-
dos a abandonar suas atitudes individualistas e adotar posições colaborati-
vas, formando parcerias.
Numa situação focalizada no consumidor, o objetivo não é mais maxi-
mizar a margem de um ou mais participantes da cadeia de suprimento. O ob-
jetivo agora é reduzir o preço final para o consumidor, visando ter um maior
volume de vendas e aumentar a participação no mercado (market share),
conseguindo maior giro e, consequentemente, maiores lucros. É claro que
somente a redução no preço ao consumidor final não basta. Em termos logís-
ticos, ainda há muitos fatores a considerar. Mas, nesta análise, estamos des-
tacando a questão da cadeia de valor, com destaque para os custos.
Nesta parte da análise, a quantidade consumida do produto é admitida
como variando com o preço, seguindo uma curva de demanda. Normalmen-
te, a curva de demanda apresenta um padrão decrescente com o preço, con- 233
Quantidade X Preço
100.000

Demanda (unidades/ano) 90.000

80.000

70.000

60.000

50.000
ajuste por regressão
40.000

30.000 situação
inicial
20.000

10.000

0
200 250 300 350 400 450 500 550 600

Preço (R$/unidade)
FIGURA 7.3 • Relação preço-demanda típica

forme mostrado na Figura 7.3. Para ajustar a curva, necessitamos de infor-


mações sobre os níveis de demanda associados a diferentes preços. Para o
nosso exemplo, são disponíveis os dados indicados na Tabela 7.6.
Por meio de regressão simples, ajustamos uma curva aos dados indica-
dos na Tabela 7.6:
−3 , 8
⎛ p ⎞
Q = 367 ,75 × ⎜ ⎟ (R2 = 0,959) (7.2)
⎝ 1000⎠

onde p é o preço final do produto e Q a demanda anual. O expoente da ex-


pressão 7.2 representa a elasticidade da demanda em relação ao preço. A
elasticidade é definida a partir de uma pequena perturbação nas vizinhanças
de um ponto. Por exemplo, na curva de demanda mostrada na Figura 7.4,
consideramos um ponto X e fazemos uma pequena variação, aumentando o
preço p de um incremento Δ p, de forma a levá-lo ao ponto X´, com p´ = p
+ Δ p e Q´ = Q + Δ Q. Por definição, a elasticidade da demanda no ponto P
é dada por:

⎛ ΔQ⎞ ⎛ Δp⎞
ε=⎜ ⎟÷⎜ ⎟ (7.3)
⎝ Qx ⎠ ⎝ px ⎠

234
Tabela 7.5 Cadeia de valor – situação de domínio do fabricante
(após negociação com transportadora)
Item Valor (R$/unidade)
Fabricante
Custo de materiais 112,80
Custo de mão de obra direta 55,20
Custos indiretos 62,60
Custo de armazenagem do produto acabado 0,30
Custo de estoque do produto acabado 1,35
Custo do transporte (frete) 5,25
Custo de estoque em trânsito 0,38
Margem do fabricante 42,36
Preço de venda para varejista 280,24
Varejista
Custo de aquisição do produto 280,24
Custo de estoque do produto no depósito do varejista 1,67
Custo de armazenagem do produto 0,30
Custo de entrega às lojas e aos clientes finais 8,90
Margem do varejista 97,04
Preço final para o consumidor 388,15

Em outras palavras, a elasticidade é igual à relação entre a variação rela-


tiva da demanda e a variação relativa do preço. Por exemplo, suponhamos
que, ao diminuir o preço em 2%, a demanda aumente 6%. As porcentagens
são variações relativas e, então, a elasticidade pode ser estimada dividindo-se
a segunda porcentagem pela primeira:
6%
ε= = −3 (7.4)
− 2%

Tabela 7.6 Níveis observados de demanda em função do preço do produto


Preço (R$/unidade) Demanda (unidades)
234 98.000
278 40.000
343 30.000
338 20.000
452 10.000
535 5.000
580 2.000
235
100.000

90.000

Demanda (unidades/ano) 80.000

70.000

60.000

50.000
X'
Q'
DQ
X
Q

20.000

10.000 Dp

0
200 250 p' p 350 400 450 500 550 600
Preço (R$/unidade)
FIGURA 7.4 • Elasticidade preço-demanda

Ou seja, neste exemplo a elasticidade é igual a –3, significando que uma


variação percentual no preço, positiva ou negativa, tem um impacto três ve-
zes maior na demanda, com efeito invertido, daí o seu valor negativo. Segun-
do Ângelo e Silveira (1994), a elasticidade média da demanda em relação aos
preços dos produtos num supermercado típico nos Estados Unidos é de
aproximadamente –10. Já nas lojas de conveniência, conforme os citados au-
tores, a elasticidade é da ordem de –5. Os valores da elasticidade dependem
muito do tipo de produto, do mercado (concorrência, disponibilidade da
oferta), da classe de renda, além de outros fatores.
Numa curva de demanda do tipo indicado na expressão 7.2, o valor da
elasticidade é igual ao expoente e, portanto, ε = –3,8. No exemplo, o preço
inicial do produto é de R$388,15 por unidade, com demanda de 20.000 pe-
ças por ano. A curva de demanda é então deslocada de forma a continuar
apresentando a mesma elasticidade, mas passando pelo ponto inicial (curva
tracejada, Figura 7.3):
−3 , 8
⎛ p ⎞
Q = 548,56 ⎜ ⎟ (7.5)
⎝ 1.000⎠

onde Q é a demanda anual do produto e p é seu preço. O fabricante, por ou-


tro lado, poderá negociar descontos com seus fornecedores se adquirir maio-
res volumes de matéria-prima e de componentes. Neste exemplo, admitimos
os descontos indicados na Tabela 7.7, que levam a custos unitários decres-
centes dos materiais utilizados na fabricação do produto. Os custos indire-
tos, por sua vez, são calculados pela seguinte expressão:
236
(custos indiretos por unidade fabricada) =
⎛ 20.000⎞
31,30 + 31,30 ⎜ ⎟ (7.6)
⎝ Q ⎠

Tabela 7.7 Custo unitário de materiais em função do volume de produção


Volume de fabricação Desconto Custo por unidade
(unidades por ano) (%) (R$)

Q <25.000 – 112,80

25.000≤ Q <30.000 5% 107,20

30.000≤ Q ≤50.000 5% 101,80

50.000≤ Q <100.000 5% 96,70

Q ≥100.000 2% 94,80

Ou seja, 50% dos custos indiretos, ou R$31,30, variam diretamente


com o volume produzido, enquanto os 50% restantes são fixos. Observa-se
que, para a situação inicial de referência, com Q = 20.000, a expressão 7.5
repete o valor de R$62,60 para os custos indiretos, adotado também nas ou-
tras situações anteriormente analisadas.
Os custos de armazenagem, tanto no depósito do fabricante como no
CD do varejista, também variam agora com o nível de produção, conforme a
seguinte expressão:

(custos de armazenagem por unidade fabricada) =


⎛ 20.000⎞
0,24 + 0,26 ⎜ ⎟ (7.7)
⎝ Q ⎠

Nessa expressão, supôs-se que 20% do custo unitário (ou R$0,06) seja variá-
vel, sendo os restantes 80% (ou R$0,24) fixos. Admitimos também que, num
primeiro estágio, a indústria possa aumentar sua produção até um limite de
50.000 unidades por ano. Para isso aproveitará a capacidade ociosa existente
e passará a operar em três turnos, quando hoje trabalha apenas com um turno.
Os participantes da cadeia devem pensar agora nos resultados globais
de sua operação integrada, e não nas suas vantagens individuais. A estratégia
dos participantes da cadeia logística será então a de maximizar a margem
anual global do processo, dada pela seguinte relação:

(margem global) = Q × (p – custo manufatura –


custo comercialização – custo transporte) (7.8)
237
Ou seja, subtraem-se do preço os custos unitários de manufatura (fabrican-
te), de comercialização (varejista) e de transporte do produto acabado. A
margem global da cadeia é obtida multiplicando a margem unitária pela
quantidade Q comercializada. As variáveis do problema são agora o preço p
do produto no varejo e o lote de despacho do produto acabado, que é igual a
W, a capacidade útil do caminhão. Aplicando um método de otimização para
essas duas variáveis, de forma a buscar o valor máximo da expressão 7.8, ob-
tivemos os seguintes resultados:

G Preço a ser cobrado do consumidor: R$305,30


G Quantidade produzida e comercializada por ano: 50.000
G Lote de despacho (toneladas): 24,9

Os resultados correspondentes à situação otimizada são apresentados


na Tabela 7.8. Vemos que a margem global da cadeia logística analisada é de
R$88,08 por unidade vendida. Como ratear essa margem entre varejista e
fabricante? É claro que a divisão dos resultados, numa situação real, depende
das negociações entre as partes. Neste exemplo, admitimos que a margem de
cada um é proporcional aos valores auferidos na situação inicial, mostrada
na Tabela 7.2, ou seja, R$26,54 para o fabricante e R$62,54 para o varejista.

Tabela 7.8 Cadeia de valor – Supply Chain otimizada


Item Valor (R$/unidade)

Fabricante

Custo de materiais 101,80

Custo de mão de obra direta 55,20

Custos indiretos 43,82

Custo de armazenagem do produto acabado 0,24

Custo de estoque do produto acabado 0,85

Custo de estoque em trânsito 0,33

Transporte 3,97

Varejista

Custo de estoque do produto no depósito do varejista 0,87

Custo de armazenagem do produto 0,24

Custo de entrega às lojas e aos clientes finais 8,90

Custo total 216,22

Margem global 89,08

Preço final para o consumidor 305,30


238
Na Tabela 7.9, apresentamos uma análise comparativa dos resultados,
mostrando os ganhos potenciais auferidos pelos participantes, dentro do
Supply Chain Management, contra os conseguidos nas situações anteriores,
não colaborativas. Tanto o fabricante como o varejista ganham com a parce-
ria. O primeiro tem sua margem anual acrescida de 56,6%, enquanto o se-
gundo tem um ganho de 59,6%. O varejista continua ganhando uma parte
maior do resultado global. Mas um esquema diferente na divisão do bolo é
possível, tudo dependendo de um acerto entre as partes. Todos inegavel-
mente ganharão, inclusive o transportador. Embora este último não partici-
pe diretamente do SCM, admitiu-se que o frete pago cubra não somente os
custos correntes, como também lhe proporcione uma margem adequada.

Tabela 7.9 Ganhos potenciais na cadeia otimizada


(Valores Melhor situação anterior Supply Chain Otimizado Ganho
em reais) (sem parceria) (Q = 50.000/ano)
(Q = 20.000/ano)

Por unidade Global (R$) Por unidade Global (R$) (R$) (%)

• Margem do 42,36 847.200 26,54 1.327.000 479.800


fabricante (+56,6%)

• Margem do 97,99 1.959.000 62,54 3.127.000 1.168.000


varejista (+59,6%)

• Margem global – – 89,08 4.454.000

PARTICIPAÇÃO DA LOGÍSTICA NA CADEIA DE VALOR


Nosso exemplo mostrou, ainda que de forma simplificada, como se pode
trabalhar sobre a cadeia de valor de forma sistemática e contínua, visando à
melhoria da competitividade de toda a cadeia de suprimento. É claro que o
processo de melhoria não para aí. Pode-se conseguir reduções adicionais nos
custos das atividades de valor à medida que o grupo de empresas que for-
mam a cadeia for aumentando sua participação no mercado e investindo em
novas expansões. Algumas medidas possíveis, à medida que o volume produ-
zido cresce como resultado do incremento nas vendas, são:

G maior diluição dos custos indiretos da manufatura;


G possibilidade de mudar a tecnologia de fabricação, com alteração do
tempo de set up das máquinas e redução dos custos de manufatura;
G implantação de um sistema ECR ou Quick Response, com reabasteci-
mento das lojas do varejista diretamente pelo produtor, com uso do
EDI;
239
G parcerias com os fornecedores de matéria-prima e de componentes
da indústria, visando à otimização e consequente redução nos custos
finais.

É importante observar que grande parte das medidas possíveis para me-
lhorar a cadeia de valor depende de um bom equacionamento das atividades
logísticas. Mais do que isso, a Logística de hoje, dentro dos conceitos do
gerenciamento da cadeia de suprimento, não trata tão somente das opera-
ções logísticas clássicas, mas é eminentemente estratégica, ou seja, atua forte-
mente na concepção, planejamento, implementação e execução dos projetos
estratégicos das empresas.

BIBLIOGRAFIA
Angelo, C.F. de e Silveira, J.A.G. da (1994). “Precificação no Varejo: A Contribuição da
Economia”, in Varejo: Modernização e Perspectivas, p. 31-39, Editora Atlas, São Paulo,
SP.
Cachon, G.P. (1999). “Competitive Supply Chain Inventory Management”, in Tayur, S.
et al. (edit.). Quantitative Models for Supply Chain Management, p. 112-146, Kluwer
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Christopher, M. Logística e Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos, Editora Pioneira,
São Paulo, 1997.
Kotler, P. e Armstrong, G. (1993). Princípios de Marketing, Prentice-Hall do Brasil, Rio
de Janeiro, RJ.
Morgado, M.G. e Gonçalves, M.N. (1997). Varejo: Administração de Empresas Comer-
ciais, Editora Senac, São Paulo, SP.
Porter, M. (1986). Estratégia Competitiva, Editora Campus, Rio de Janeiro, RJ.
Porter, M. (1989). Vantagem Competitiva, Editora Campus, Rio de Janeiro, RJ.
Shank, J.K. e Govindarajan, V. (1997). A Revolução dos Custos, Editora Campus, Rio de
Janeiro, RJ.

240
8
Distribuição
Física:
Conceitos e
Condicionantes

CONCEITUAÇÃO
A cadeia de distribuição clássica é formada por um canal de um nível, isto é,
entre o fabricante e o consumidor existe um único intermediário, o varejista.
Uma vez definidos os canais de distribuição, conforme discutido no Capítulo
4, torna-se necessário detalhar o processo logístico que concretizará, na prá-
tica, o projeto mercadológico selecionado.
O objetivo geral da distribuição física, como meta ideal, é o de levar os
produtos certos para os lugares certos, no momento certo e com o nível de
serviço desejado, pelo menor custo possível. Há um certo antagonismo em
garantir um nível de serviço elevado, ao mesmo tempo em que se pretende
reduzir custos. Isso porque as possíveis melhorias no sistema, de uma forma
geral, implicam custos maiores de transporte, de armazenagem e de estoque.
Essa visão, no entanto, está presa ao conceito de valor agregado, quando a
forma correta de focalizar o problema é através da cadeia de valor, conforme
discutido no Capítulo 7. No primeiro caso, as empresas que formam a cadeia
de suprimento procuram otimizar apenas as atividades que lhes tocam dire-
tamente, enquanto, no moderno gerenciamento da cadeia de suprimento, o
enfoque é o sistema no seu todo.
No estudo de caso da trading Li & Fung, de Hong Kong (Capítulo 2),
vimos que a empresa procura atuar sobre os “3 dólares soft”, que compre-
endem as despesas ao longo da distribuição, contra “1 dólar hard”, que
corresponde aos custos de fabricação do produto. Nas palavras de Victor 241
Fung, reduzir as despesas de produção de 10 ou 20 centavos de dólar por
unidade é uma tarefa quase impossível hoje, pois todas as empresas já vêm
realizando campanhas de racionalização de custos há um certo tempo,
não sobrando muito espaço para reduções adicionais. Mas, atuando sobre
os “3 dólares soft”, ainda é possível conseguir reduções de custos apreciá-
veis, racionalizando, para isso, os processos logísticos que participam do
Supply Chain.
A distribuição física cobre os segmentos que vão desde a saída do pro-
duto na fábrica até sua entrega final ao consumidor. Algumas vezes, o produ-
to é despachado da fábrica para o depósito de um atacadista. Noutras vezes,
o produto é transportado do fabricante para o centro de distribuição do va-
rejista. São também comuns os casos em que o fabricante abastece direta-
mente a loja de varejo. Na prática, podem também ocorrer outros esquemas
de distribuição física, mas os mencionados são os mais comuns.
Em muitas atividades varejistas o produto é entregue diretamente ao
consumidor na loja, no ato da compra. Mas há muitos casos em que o produto
é entregue posteriormente ao comprador em seu domicílio, seja porque é
volumoso ou pesado (uma geladeira ou uma televisão, por exemplo), seja
porque o varejista oferece esse serviço ao cliente, principalmente nos casos em
que a aquisição é feita via fax, Internet ou outra forma remota de compra.

MODALIDADES DE TRANSPORTE NA DISTRIBUIÇÃO


DE PRODUTOS
Modos de Transporte e Flexibilidade
Na Europa e nos Estados Unidos, a distribuição de produtos desde as fábri-
cas até os centros atacadistas ou varejistas pode ser realizada através de mo-
dalidades de transportes diversas: rodovia, ferrovia, transporte aquaviário,
aéreo e dutos para casos especiais (gás, gasolina, óleo diesel, álcool). Na
maioria dos casos, há um leque de opções que o embarcador1 pode utilizar,
envolvendo também combinações diversas de modalidades.
No Capítulo 2 analisamos um caso simples, mas realista, de um sistema
logístico de abastecimento de componentes para uma indústria automobilís-
tica situada em Detroit, a partir de um fornecedor localizado na França. A
Figura 2.9 mostra a rede de transportes disponível, envolvendo as modalida-
des rodoviária, ferroviária e marítima, sobre a qual o embarcador pode esco-
lher a melhor opção. E qual será a melhor opção? Será aquela que corres-

1
Embarcador é um termo usado no Brasil para designar todo aquele que despacha mercadoria uti-
lizando um meio de transporte qualquer ou um operador logístico. Corresponde ao termo ship-
242 per, em inglês.
ponder ao menor custo total de transporte de porta a porta, respeitados, no
entanto, os limites mínimo e máximo de tempo (janela de tempo). Ou seja,
para a montadora em Detroit não interessa receber os componentes muito
cedo, pois isso a obrigaria a estocar, controlar, fiscalizar o material recebido,
atividades essas que geram custos, mas também não pode receber os compo-
nentes além do prazo, o que acarretaria problemas e eventuais paralisações
na linha de produção. Há assim uma flexibilidade modal para o embarcador,
flexibilidade essa que pode ser utilizada sempre que houver um elenco de al-
ternativas disponíveis.
Mas as possibilidades de otimização do transporte combinado não se
exaurem aqui. O computador vai analisando dia a dia as alterações não
previstas nas modalidades envolvidas: atrasos, greves, problemas meteoro-
lógicos etc. O sistema revê os custos e os novos tempos previstos, mudando a
programação de forma a mantê-la de acordo com a janela de tempo inicial-
mente estabelecida. Por exemplo, se a carga já está num navio a caminho de
Nova York, mas com atraso, e a conexão prevista era a ferroviária, o sistema
pode reprogramar o segmento terrestre para agora ser feito por rodovia, que
é mais rápido, embora com frete mais caro. Ou seja, a rede de transporte
multimodal oferece também uma flexibilidade temporal, de grande valia
para os embarcadores.
A conjugação da flexibilidade modal com a temporal dá aos embar-
cadores grandes vantagens, pois podem lançar mão de modos de menor con-
fiabilidade, mas de menor custo, refazendo suas programações sempre que
for necessário. Aqui é importante introduzir duas definições. Os especialis-
tas da área costumam utilizar o termo transporte intermodal para designar a
conjugação de duas ou mais modalidades sem maiores preocupações além da
simples integração física e operacional. Por exemplo, um produto pode ser
embarcado num navio de cabotagem no Rio de Janeiro, descarregado no
porto de Recife e de lá ser transportado por caminhão até seu destino final,
digamos Garanhuns. Já o termo transporte multimodal designa muito mais
do que uma simples inter-relação física: envolve a integração de responsabi-
lidades (integridade da carga, seguro etc.), de conhecimento (o documento
de despacho que acompanha a carga), de programação (horários combina-
dos, cumprimento dos mesmos etc.), de cobrança do frete e demais despesas
etc. Na verdade, quando se alcança um estágio de transporte multimodal,
toda a integração entre as modalidades fica transparente para o embarcador.
O agente de transporte, ou operador logístico, faz a escolha das modalidades
de forma integrada, cotejando os possíveis ganhos de custo e as exigências de
prazos e de segurança necessárias.
No Brasil, não temos essa disponibilidade de opções modais. Nossas
ferrovias não formam uma rede com boa cobertura do território nacional. As
opções de transporte marítimo também não são amplas. Na distribuição in- 243
terna, a esmagadora parte do transporte de produtos manufaturados é cons-
tituída pelo transporte rodoviário. Para os embarcadores, restam poucas op-
ções de transporte conjugado, levando ao uso intensivo de apenas um deles,
o rodoviário. Se fizermos uma análise ABC dos fluxos de carga transporta-
dos no Brasil, expressos em toneladas/quilômetro, vamos observar que o
transporte rodoviário corresponde ao grupo A, a ferrovia forma o grupo B, e
as demais modalidades, juntas, constituem o grupo C. A seguir, vamos anali-
sar as características mais importantes das diversas modalidades de interesse
para a distribuição de produtos. Não abordamos o transporte dutoviário por
ser muito específico, de interesse bem mais restrito.

Transporte Rodoviário
Na América do Norte são usadas as siglas FTL (full truck load) e LTL (less
than truck load) para indicar as duas formas mais usadas de transporte de
carga. A primeira sigla indica um carregamento completo, ou seja, o veículo
é carregado totalmente com um lote de despacho. No segundo caso, a capa-
cidade do veículo é compartilhada com a carga de dois ou mais embarcado-
res. No Brasil, costumamos chamar de lotação completa o primeiro caso, e
de carga fracionada o segundo.
Operacionalmente, há grandes diferenças entre essas duas formas de
transporte de carga. No caso da carga fracionada, a operação mais comum é
formada por diversas etapas, a saber:

G apanha do lote a ser transportado no depósito do cliente;


G transporte do lote até o centro de distribuição local da transportado-
ra;
G descarregamento, verificação, rotulagem e triagem da mercadoria se-
gundo os diversos destinos;
G transferência da mercadoria até a cidade de destino;
G descarregamento, verificação e triagem da mercadoria segundo os
destinos finais;
G distribuição local com entrega da mercadoria ao cliente final.

Essas etapas podem envolver mais operações. Muitas empresas de


transporte de carga possuem terminais intermediários de trânsito (No-
vaes, 2001). Por exemplo, uma carga fracionada originada em Porto Ale-
gre e destinada a Salvador pode ser deslocada do terminal da transpor-
tadora na primeira cidade e, de lá, para o terminal intermediário de São
Paulo. Ali, depois de descarregada, a mercadoria sofre nova triagem para,
244 depois, seguir viagem para Salvador. Algumas vezes pode ser observado
mais do que um terminal de trânsito no percurso de uma determinada re-
messa. É claro que, com tantas operações intermediárias, o tempo de via-
gem de porta a porta tende a aumentar, o mesmo ocorrendo com o custo
do transporte.
Por que então muitos embarcadores utilizam esse tipo de transporte? A
razão é simples: as exigências dos clientes por entregas mais frequentes
(redução de estoques) e a pulverização dos pontos de destino no território
nacional fazem com que os lotes de despacho sejam muitas vezes de propor-
ções reduzidas. Se o embarcador contratasse um veículo completo para levar
a carga para uma determinada cidade (ou cidades próximas entre si), o custo
do transporte por unidade transportada ficaria muito alto. E se, por outro
lado, ele esperasse para formar uma lotação completa, a frequência entre as
entregas para um mesmo destino ficaria prejudicada, fazendo com que o
cliente recorresse a outro fornecedor.
Na transferência de produtos entre a fábrica e um centro de distri-
buição, seja ele da própria indústria, de um atacadista/distribuidor ou de
um varejista, a escolha predominante é o da lotação completa. A razão é
óbvia: as quantidades transportadas são maiores, favorecendo a seleção
de um veículo maior, totalmente lotado. Há três ganhos principais de cus-
to: (a) o veículo é em geral maior, com custo mais baixo por unidade
transportada; (b) por ser mais homogênea, a carga é melhor arrumada
dentro do caminhão, com melhor aproveitamento do espaço, reduzindo
assim o custo unitário; (c) eliminam-se inúmeras operações intermediárias
descritas anteriormente, com expressiva redução dos custos de movimen-
tação da carga.
Outra distinção importante que se faz para o transporte rodoviário de
carga está relacionada com a estrutura de propriedade do veículo. Uma gran-
de parte da frota brasileira é de propriedade de autônomos, pessoas físicas
que fazem serviços de transporte para embarcadores diversos e para empre-
sas transportadoras. São utilizados predominantemente para deslocamentos
em lotação completa, mas podem ser utilizados também para transporte de
carga fracionada, principalmente na distribuição urbana de produtos. As
empresas transportadoras, por sua vez, operam muitas vezes com uma frota
própria parcial, completando sua oferta de praça com veículos autônomos.
Com isso, evitam permanecer com ociosidade da frota nas ocasiões em que o
nível de demanda cai. Há também o caso de indústrias e de empresas comer-
ciais que preferem operar seus próprios veículos, mas essa opção tende a di-
minuir devido à forte tendência de terceirização (ver Capítulo 9).
Uma das grandes vantagens do transporte rodoviário é o de alcançar
praticamente qualquer ponto do território nacional, com exceção de locais
muito remotos, os quais, por sua própria natureza, não têm expressão eco-
nômica para demandar esse tipo de serviço. 245
Transporte Ferroviário
Por operar unidades (os trens) de maior capacidade de carga, o transporte fer-
roviário é basicamente mais eficiente em termos de consumo de combustível e
de outros custos operacionais diretos. Mas, por outro lado, os custos fixos de
uma ferrovia são altos: conservação da via permanente, operação dos terminais
de carga e descarga, operação das estações, alimentação de energia no caso de
via eletrificada etc. Por essa razão, as vantagens comparativas da ferrovia em re-
lação à rodovia começam a aparecer para distâncias de deslocamento maiores.
Para pequenas distâncias, os custos fixos não conseguem ser diluídos, onerando
os fretes em demasia e tornando essa modalidade não competitiva.
Outra especificidade do transporte ferroviário está relacionada com as
características de manuseio da carga e com os volumes transportados. No
caso de produtos a granel (grãos, minérios, fertilizantes, combustíveis), po-
de-se construir terminais de carga e descarga bastante eficientes, empregan-
do vagões apropriados que permitem agilizar as operações, barateando os
custos. Por exemplo, a Cia. Vale do Rio Doce possui vagões para o transpor-
te de minério que podem ser girados em torno dos engates. Na descarga, um
aparelho gira um conjunto de vagões (dois ou três), descarregando o minério
por gravidade diretamente numa moega, numa operação extremamente rá-
pida. O mesmo não pode ser feito com produtos manufaturados, exigindo
operações bem mais lentas e custosas.
Por outro lado, o percurso de um trem de carga típico ao longo da via é
relativamente lento. Ao chegar numa estação, o trem pára e espera até que os
vagões destinados àquele ponto sejam desengatados e colocados num des-
vio. Noutros casos (carga fracionada), o trem tem de esperar até que os
homens descarreguem e verifiquem toda a mercadoria, para só então seguir
viagem. É óbvio que, nesses casos, o tempo total de percurso é normalmente
elevado e com grande variabilidade. Essa característica faz com que produ-
tos manufaturados se afastem normalmente da ferrovia.
Outra limitação do transporte ferroviário é a existência de vagões com
finalidades específicas, que não podem ser utilizados no transporte de outros
produtos. Por exemplo, vagões utilizados para transportar fertilizantes não
podem transportar combustíveis, e vice-versa. Como normalmente há des-
balanceamento de fluxos nos dois sentidos, é comum se observar muitos va-
gões vazios retornando ao ponto de origem para buscar mais carga. Esse des-
locamento de veículos vazios tende a elevar os custos, e consequentemente
os fretes ferroviários.
Uma forma de contornar esse tipo de problema, e já implantada no Bra-
sil, é a operação de trens unitários. Para ligações envolvendo volumes razoa-
velmente grandes de carga manufaturada, a empresa ferroviária costuma
oferecer serviços diretos (trens unitários), ligando dois pontos sem paradas
246 intermediárias, e com carga/descarga/distribuição ágil nos dois extremos.
Outra forma de utilização eficiente do transporte ferroviário de carga
manufaturada na ferrovia, muito utilizada na América do Norte, é o
piggy-back. Nesse tipo de combinação ferrovia-rodovia, as carretas ou con-
têineres são fixados sobre vagões-plataforma, permitindo que se associe a
agilidade do transporte rodoviário (tempos reduzidos de carga e descarga)
com o menor custo unitário do trem.
Após a privatização das ferrovias no Brasil se tem observado uma me-
lhoria constante nos serviços de transporte ferroviário. Muito embora a rede
ferroviária seja relativamente pequena quando se considera todo o território
nacional, seu potencial junto aos grandes centros produtores e consumido-
res é grande, dependendo de melhorias de traçado e da via permanente, bem
como do material rodante (vagões, locomotivas) e do aprimoramento das
operações.
No Brasil, a ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, com
sede em Brasília, coordena, regulamenta e controla as operações rodo-
viárias, ferroviárias e dutoviárias no país, incluindo também o transporte
multimodal e terminais terrestres (www.antt.gov.br).

Transporte Aquaviário
O transporte aquaviário, como sua denominação indica, envolve todos os ti-
pos de transporte efetuado sobre a água. Inclui o transporte fluvial e lacustre
(aquaviário interior) e o transporte marítimo. Este último pode ser dividido
em transporte marítimo de longo curso, que envolve as linhas de navegação
ligando o Brasil a outros países mais distantes, e a navegação de cabotagem,
que cobre a nossa costa. A navegação de cabotagem, por sua vez, é dividida
em pequena cabotagem, cobrindo apenas os portos nacionais, e a grande ca-
botagem, que corresponde às ligações marítimas com países próximos,
como, por exemplo, Uruguai e Argentina.
Há muitos tipos de navios cargueiros, dependendo do tipo de carga e das
características da rota. Um navio cargueiro típico que vemos nos nossos portos é
o navio de carga geral. Grande parte das mercadorias despachadas por via marí-
tima não pode ser movimentada como carga a granel, pois alguns tipos não são
passíveis de ser manuseados por equipamento automático de transbordo, e ou-
tros são transportados em pequenas quantidades. Tomemos o exemplo do que-
rosene, que pode ser transportado a granel se houver grandes lotes a despachar,
mas é usualmente transportado em latas, que por sua vez vão acondicionadas
em caixas ou pallets, quando são destinadas ao comércio varejista.
Hoje, grande parte da carga geral, no transporte marítimo de longo
curso, é deslocada em contêineres, que são caixas metálicas padronizadas de
diversos tipos. Os contêineres padrões mais comuns têm 12 pés de compri-
mento (cerca de 3,60m) ou 24 pés. 247
O termo carga geral representa qualquer produto que vai embalado ou,
no caso de ir solto, que pode ser acomodado junto com outras cargas. Por
exemplo, produtos comestíveis enlatados são transportados geralmente em
caixas, na forma paletizada ou não, e podem ser estivados (arrumados) nos
porões ou cobertas do navio. Barras de aço, por outro lado, não são embaladas
em recipientes, mas podem ser estivadas na embarcação junto com outros pro-
dutos. Na prática, há produtos que não podem ser estivados próximo, como,
por exemplo, produtos alimentícios juntamente com produtos químicos.
Outro tipo de embarcação bastante utilizada é o navio graneleiro, volta-
do ao transporte de produtos sólidos a granel, como soja, milho, minério de
ferro e carvão. Esse tipo de produto, em razão de suas características físicas e
de valor unitário, não precisa ser acondicionado em recipientes. Tira-se van-
tagem dessa condição fazendo o carregamento do produto através da gravi-
dade, o que agiliza e barateia as operações. Isso é feito utilizando-se dutos ou
esteiras rolantes, que vão despejando a carga diretamente nos porões, sem
necessidade do auxílio de guindastes. Na operação inversa, isto é, na descar-
ga do produto, utilizam-se grabs1 para o caso de minérios, carvão etc., e du-
tos sugadores para grãos. Há também os navios petroleiros, voltados a uma
série de insumos e produtos a granel, como o óleo bruto e a gasolina, álcool,
óleo diesel etc.
Hoje também são comuns, no transporte marítimo, navios construídos
especialmente para deslocar produtos específicos. Por exemplo, no trans-
porte de bobinas de papel, automóveis etc., há um tipo de embarcação deno-
minada box-shaped (com forma de caixa), em que o casco apresenta linhas
mais retas, permitindo melhor estivagem da carga. É também dotada de ram-
pas, dando condições para que os veículos e empilhadeiras entrem e saiam
rodando. Por isso denomina-se também navio roll-on, roll-off.
Em termos comerciais e econômicos é muito importante distinguir dois
tipos básicos de transporte marítimo de longo curso. De um lado há o trans-
porte conferenciado, formado pelas empresas regulares de navegação que
oferecem transporte de carga geral convencional e de contêineres. O comér-
cio marítimo entre as nações originou-se em tempos remotos, formando re-
gras e práticas nem sempre justas e equânimes, muitas vezes baseadas na lei
do mais forte. O princípio fundamental desse tipo de comércio é a liberdade
dos mares. Por isso, qualquer navio, de qualquer nação ou bandeira,3 desde

2
Grabs são caçambas de volume apreciável que operam acopladas a guindastes, apanhando uma
quantidade razoável de carga por ciclo, desde o porão do navio até um veículo (vagão, caminhão)
ou recipiente apropriado (moega ou esteira rolante, por exemplo).
3
Nem sempre a bandeira de um navio, que indica o país onde o navio foi registrado, corresponde
à nação onde está localizada a sede da empresa de navegação (armadora). Há países, denominados
genericamente de bandeiras de conveniência, como Panamá e Libéria, que oferecem vantagens fis-
248 cais para que as empresas de navegação lá registrem seus navios mercantes.
que respeite as regras de segurança, pode, em princípio, entrar e sair de qual-
quer porto, carregando e descarregando mercadorias previamente escolhi-
das e cobrando as taxas de frete que seu armador estipular. Essa liberdade di-
ficulta a ação dos governos no sentido de implantar uma regulamentação
mais rígida do transporte marítimo e das taxas de frete.
No caso do transporte marítimo regular (carga geral) não existe uma
entidade internacional independente que regule o processo, como faz a
IATA no caso do transporte aéreo. As empresas de navegação que realizam
serviços regulares se reúnem em associações, que recebem o nome genérico
de conferências de fretes. Daí a expressão transporte marítimo conferencia-
do. O termo conferência, que vem do inglês conference, indica simplesmente
uma associação com objetivos comuns. Fazem parte de uma determinada
conferência de fretes as empresas de navegação que mantêm linhas de nave-
gação atendendo uma mesma região geográfica ou rota mercante. As carac-
terísticas básicas do serviço de transporte marítimo conferenciado são:

G as empresas transportam qualquer produto classificado como carga


geral, com origem/destino nos portos por elas servidos;
G os navios de uma mesma conferência de fretes têm frequências de
viagem preestabelecidas de forma a possibilitar aos embarcadores o
planejamento de seus embarques e recebimentos de produtos;
G o frete é tabelado em função do tipo da carga, do destino e da quanti-
dade transportada.

Uma importante constatação sobre o frete marítimo conferenciado é


que está mais correlacionado com o valor da carga e menos com o custo de
transporte. De fato, as empresas conferenciadas seguem uma prática oligo-
polista no estabelecimento das tarifas: para um novo embarcador, por exem-
plo, que está contratando o transporte pela primeira vez, sua carga é classifi-
cada na categoria de maior taxa (carga geral não especificada). O embarca-
dor, à medida que vai ampliando e regularizando suas operações de importa-
ção e/ou exportação, pode solicitar ao armador uma revisão das tarifas. Para
isso, tem de preencher um formulário onde fornece uma série de informa-
ções sobre o mercado, o valor da carga, tonelagens previstas etc. Com essas
informações, a empresa de navegação estima qual o nível máximo de taxa de
frete que o usuário pode suportar sem invalidar o seu negócio. Com isso po-
de-se demonstrar estatística e teoricamente que o frete, nesses casos, está
fortemente correlacionado com o valor da carga. Essa é uma característica tí-
pica de serviços oligopolizados.
Hoje, uma boa parte da carga geral é transportada em contêineres no
longo curso, principalmente as mercadorias de maior valor agregado. Os na- 249
vios de carga geral levam também contêineres. Mas existem navios que
transportam exclusivamente esse tipo de caixa. São mais eficientes, princi-
palmente porque os tempos despendidos nos portos é bem menor. Mas sua
utilização depende da existência de grandes fluxos de carga conteinerizada,
destinados ou originados numa mesma rota.
Mesmo sendo oligopolizado, o transporte marítimo conferenciado não
deixa de ser importante para o país. De fato, grande parte de nossas importa-
ções e exportações envolve muitas origens e muitos destinos, com quantida-
des de carga que não permitem o emprego de navios em lotação completa.
Além disso, as frequências oferecidas por esse tipo de transporte marítimo
são muito importantes para um adequado planejamento da produção. Mas
há ocasiões em que a utilização de navios em lotação completa se aplica. É o
caso dos navios afretados.
Dependendo da carga e das quantidades envolvidas, pode ser mais van-
tajosa para o embarcador a utilização completa de um navio. Em alguns ca-
sos a embarcação é de propriedade do embarcador, como ocorre com a frota
da Petrobras, por exemplo. Noutros casos lança-se mão do mercado de afre-
tamento. Esse mercado, que se concentra numa bolsa de fretes localizada em
Londres, é constituído por um grande número de armadores, que fazem a
oferta de praça, e os usuários, que constituem a demanda. Nos diversos can-
tos do globo operam os brokers, que intermediam as necessidades locais de
praça marítima com a bolsa de afretamento em Londres. Uma vez acertadas
as condições entre embarcador e armador, é estabelecido um contrato de
afretamento.
Os dois tipos mais comuns de contrato de afretamento são o contrato
por viagem (voyage charter) e o contrato por tempo determinado (time char-
ter). No primeiro caso o contrato é ajustado para a realização de uma deter-
minada viagem entre portos preestabelecidos, com a finalidade de transpor-
tar um certo tipo de carga, carregando uma certa tonelagem. Esse tipo de
contrato é muito utilizado para o transporte de granéis, sejam sólidos ou lí-
quidos. Nos contratos de afretamento por tempo determinado o armador
coloca seu navio à disposição da empresa afretadora por determinado perío-
do de tempo. A embarcação é quase sempre guarnecida, isto é, com a tripula-
ção e pertences necessários à navegação e à vida a bordo. O mercado de afre-
tamento é um dos poucos exemplos econômicos de mercado perfeitamente
competitivo (ou quase). Na verdade, como em toda situação real, existem fa-
tores de difícil quantificação, além das oscilações normais provocadas pela
conjuntura do comércio internacional, que tornam complexa a análise eco-
nômica desse tipo de transporte marítimo.
A cabotagem, finalmente, é um tipo de transporte marítimo que atende
os portos do país e de seus vizinhos com linhas de navegação regulares, in-
250 cluindo também navios independentes. Estes últimos podem ser embarca-
ções próprias, como é o caso da Petrobras, como também afretadas. A carac-
terística básica do transporte marítimo de cabotagem é ser normalmente re-
gulamentado. Ou seja, o governo ou uma agência reguladora define a estru-
tura de fretes, faz a concessão de linhas e controla a oferta de transportes.
Isso porque, cobrindo linhas dentro do território nacional e sendo um servi-
ço de interesse público, é importante que haja o monitoramento de suas
operações. No Brasil, a Antaq – Agência Nacional de Transportes Aquaviá-
rios, com sede em Brasília, coordena, regulamenta e controla as operações
aquaviárias, incluindo os portos nacionais (www.antaq.gov.br).

Transporte Aéreo
A expressão “transporte aéreo” nos dá a ideia imediata do transporte de pas-
sageiros, tal é sua importância nos dias de hoje. O cidadão comum não visuali-
za imediatamente que, no setor de transporte de carga, principalmente interna-
cional, a modalidade aérea ocupa um espaço muito importante e apresenta
forte tendência de crescimento no mundo todo. Além de transportar carga
com velocidades muito superiores às demais modalidades, o transporte aéreo
apresenta níveis de avarias e extravios mais baixos, resultando em maior segu-
rança e confiabilidade. Por essa razão, não somente produtos de alto valor
agregado, tais como eletrônicos e aparelhos de precisão, são transportados
por avião, como também uma série de produtos sensíveis à ação do tempo,
como alimentos perecíveis, flores, encomendas, correspondência etc.
A importância do transporte aéreo na Logística aumentou muito com a
globalização, pois agora as cadeias produtivas estenderam suas ramificações
pelo mundo todo, e muitas vezes o fornecimento de componentes e a distri-
buição de produtos não podem ficar dependendo do transporte marítimo,
principalmente quando os embarcadores não conseguem níveis de confiabi-
lidade satisfatórios nos prazos de entrega.
Nos últimos trinta anos foram observadas mudanças sensíveis no trans-
porte aéreo mundial. De um lado, a expectativa da utilização do avião super-
sônico no transporte aéreo se frustrou. De fato, com o crescente congestio-
namento nas grandes cidades, de nada adianta ganhar umas poucas horas
durante o voo quando o acesso ao aeroporto, as longas filas no check-in e as
esperas na imigração consomem cada vez mais tempo nas viagens.
Os fabricantes de aviões comerciais preferiram percorrer outros cami-
nhos. Desenvolveram os aviões de fuselagem larga (wide-body), que trouxe-
ram melhores perspectivas para o transporte de mercadorias, agilizando o
processo de carga e descarga dos aviões e aumentando o volume interno útil.
Os níveis de confiabilidade das aeronaves e de seus equipamentos foram sen-
sivelmente melhorados, a tal ponto que os aviões permanecem parados por
pouco tempo para manutenção e revisão. Isso aumenta apreciavelmente o 251
nível de utilização da aeronave, reduzindo os custo unitários de transporte.
Hoje, estão sendo utilizados materiais mais resistentes e mais leves na fabri-
cação dos aviões (fibras reforçadas de carbono, por exemplo), reduzindo
também o peso próprio e aumentando a capacidade de carga das aeronaves.
Na parte operacional, têm sido implantados processos práticos para
agilizar a movimentação da carga nos terminais. Por exemplo, existem
aviões para os quais se pode converter rapidamente a configuração interna,
de passageiro para cargueiro e vice-versa, permitindo que a empresa aérea
utilize o avião com mais flexibilidade, obtendo maior receita e amortizando
os custos. Esse tipo de avião é muito utilizado no transporte de correio e de
encomendas. São comuns também as versões combi, em que uma parte do
avião é destinada aos passageiros, e a carga é acondicionada separadamente.
A utilização dos porões de aeronaves de passageiros para o transporte de car-
ga também é muito comum.
Os aviões exclusivos para transporte de carga foram dotados de portas
amplas e rampas de acesso para veículos e contêineres. A capacidade de car-
ga desses aviões é apreciável para esse tipo de transporte. Um cargueiro
MD-11, por exemplo, pode transportar até 92 toneladas de carga, e o
Boeing 747, até 112 toneladas. Já o Antonov 223, o maior cargueiro do
mundo, leva até 250 toneladas de carga.
As turbinas dos jatos de hoje são mais eficientes, mais econômicas e me-
nos barulhentas. É verdade que, no Brasil, as empresas de transporte aéreo
de carga utilizam, na sua maioria, antigas aeronaves de transporte de passa-
geiros, já tecnologicamente ultrapassadas, com níveis de ruído elevados.
Mas o tráfego aéreo desse tipo de avião não é tão intensivo, o que reduz os
possíveis impactos negativos. No Brasil, o transporte aéreo é regulamentado
e controlado pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil.

COMPONENTES DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO


A distribuição física de produtos é realizada com a participação de alguns
componentes, físicos ou informacionais, a saber:

G instalações fixas (centros de distribuição, armazéns);


G estoque de produtos;
G veículos;
G informações diversas;
G hardware e software diversos;
G custos;
G pessoal.
252
As instalações fixas fornecem os espaços destinados a abrigar as merca-
dorias até que sejam transferidas para as lojas ou entregues aos clientes. São
também providas de facilidades para descarga dos produtos, transporte in-
terno e carregamento dos veículos de distribuição (plataformas de carga/des-
carga, carrinhos, empilhadeiras, transelevadores etc.).
O segundo elemento é formado pelo estoque de produtos ao longo do
processo. O custo do capital dos produtos acabados que permanecem esto-
cados no depósito da fábrica, nos centros de distribuição dos atacadistas, nos
distribuidores e varejistas, nas lojas de varejo e nos veículos de transporte
passou a ser um encargo elevado para as empresas. Isso porque a oferta de
produtos se abriu num leque de opções muito grande, com variedade de ti-
pos, capacidade, acabamento e cores nunca vistos, ocasionando um acrésci-
mo expressivo nos níveis de estoque.
A competição entre as empresas e os níveis de juros praticados no mer-
cado financeiro, por outro lado, fizeram com que o custo do capital de giro
influísse significativamente na disputa pelo mercado. Como consequência,
hoje se nota uma busca constante na redução de estoques, seja na manufa-
tura, com MRP, MRP II, ERP e JIT, seja no varejo, com ECR e Quick Res-
ponse.
Uma vez que os produtos são normalmente comercializados em pontos
diversos dos locais de fabricação, sua distribuição implica o deslocamento
espacial das mercadorias, requerendo veículos para efetuá-lo. Na transferên-
cia de produtos do fabricante até o centro de distribuição do varejista ou de-
pósito do atacadista, são geralmente empregados veículos maiores, com
lotação plena. Já no abastecimento das lojas, normalmente são empregados
veículos menores, pois as condições de trânsito e de manobrabilidade nas re-
giões urbanas não permitem o uso de caminhões de grande porte. Outro
condicionante é a necessidade de maior frequência nas entregas de produtos
às lojas, o que favorece a escolha de veículos menores.
Para operar um sistema de distribuição é necessário dispor de informa-
ções variadas. Por exemplo, no caso de distribuição para vários pontos de va-
rejo, como é o caso de bebidas, cigarros, biscoitos e outros produtos, é fun-
damental dispor de um cadastro de clientes, composto pela razão social, en-
dereço, coordenadas geográficas (para uso de SIG4 e de softwares de roteiri-
zação) e demais elementos considerados importantes para a operação logís-
tica. Outros tipos de informação utilizados na operação da distribuição são:
as quantidades de produtos a serem entregues a cada cliente, condições (ho-
rários para entrega, tipo de acondicionamento), roteiros de distribuição (se-
quência dos clientes a serem atendidos), além de outros.

4
Sistema de Informações Geográficas. 253
Hoje, grande parte das atividades de distribuição é planejada, progra-
mada e controlada por meio de softwares aplicativos, que ajudam na prepa-
ração dos romaneios de entrega, roteirização dos veículos, controle dos pe-
didos, devoluções, monitoramento da frota, além de outros. Esses softwares
funcionam em computadores (hardware) especificamente instalados para
isso ou, seguindo tendência moderna, centralizados num sistema computa-
cional abrangente, muitas vezes como parte de pacotes de gerenciamento
amplos, do tipo genericamente denominado ERP (Enterprise Resource
Planning). Outros tipos de hardware são também empregados na distribuição
de produtos, tais como sistemas do tipo GPS para monitoramento da frota
de veículos, computadores de bordo, scanners, coletores de dados de radio-
frequência, entre outros.
O sexto elemento necessário para operar de forma competitiva um sis-
tema de distribuição física é a disponibilidade de uma estrutura de custos
adequada e constantemente atualizada. Tradicionalmente, no Brasil, as
transportadoras, de um lado, e os departamentos de transporte das indústrias
e das empresas comerciais, de outro, estavam mais acostumados a trabalhar
com uma situação muito específica de deslocamento de carga, situação essa
denominada transferência de produtos, quando um carregamento em lota-
ção completa é deslocado de um ponto A para outro ponto B. Nesses casos, e
para distâncias entre A e B não muito curtas, o custo do transporte, para um
determinado tipo de produto, é quase totalmente explicado pela distância e
pela quantidade de carga deslocada. Mesmo no caso de carga fracionada, em
que os lotes despachados não lotam o veículo, é comum se cobrar o frete em
função da distância e da quantidade de carga.
Na distribuição física, por outro lado, são bastante comuns roteiros com-
partilhados por vários clientes, com o veículo realizando uma sequência de en-
tregas numa única viagem. Há clientes que demoram muito tempo para receber
a mercadoria, forçando o veículo e sua equipagem a esperar em fila por longos
períodos ou empregando rotinas excessivamente burocráticas na recepção do
pedido. Essas práticas não implicam nenhum aumento na quilometragem per-
corrida pelo veículo, mas oneram o custo do serviço como resultado das horas
inativas do pessoal e do equipamento alocado à distribuição física.
No caso dos operadores logísticos (Capítulo 9), que estão sendo solici-
tados pela indústria e pelo comércio a desempenhar funções logísticas ante-
riormente realizadas pelas empresas-clientes, a determinação do custo de um
sem-número de atividades novas também passou a exigir um enfoque especí-
fico. Torna-se necessário, assim, adotar uma estrutura de custos mais eficaz
para os serviços logísticos associados à distribuição física de produtos. Hoje,
o emprego de formas de custeio modernas, como o ABC (Activity Based Cos-
ting), está se tornando um imperativo, razão por que damos certo destaque a
esse assunto no presente texto (Capítulo 11).
254
Finalmente, para que um sistema de distribuição física funcione a con-
tento e de forma competitiva, é necessário dispor de pessoal devidamente ca-
pacitado e treinado. Com a sofisticação dos equipamentos e do tratamento
da informação nas atividades logísticas nos dias de hoje, torna-se necessário
reciclar o elemento humano em todos os níveis. O motorista e seu ajudante,
ao fazerem uma entrega, têm contato direto com o cliente e, se mal orienta-
dos ou mal treinados, podem transmitir imagem negativa sobre a empresa
para a qual trabalham. Da mesma forma, os empregados que trabalham no
centro de distribuição e noutras atividades correlatas precisam estar a par
dos conceitos básicos de Logística, de forma a desempenhar suas tarefas em
sintonia com os objetivos estratégicos da empresa. A própria administração
da empresa deve se reciclar permanentemente, devido às mudanças constan-
tes que se observam na estratégia e nas operações das organizações.

SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO “UM PARA UM”


Muito embora possa ocorrer, na prática, um número razoável de situações
diversas na distribuição física de produtos, podemos resumi-las em duas con-
figurações básicas, a saber:

G Distribuição “um para um”, em que o veículo é totalmente carregado


no depósito da fábrica ou num CD do varejista (lotação completa) e
transporta a carga para um outro ponto de destino, podendo ser ou-
tro CD, uma loja ou outra instalação qualquer.
G Distribuição “um para muitos” ou compartilhada, em que o veículo é
carregado no CD do varejista com mercadorias destinadas a diversas
lojas ou clientes e executa um roteiro de entregas predeterminado.

Na distribuição “um para um”, o carregamento do veículo é realizado


de forma a lotá-lo completamente. Ao carregar o caminhão, vai se acomo-
dando a carga nos espaços disponíveis, visando ao melhor aproveitamento
possível de sua capacidade. Esse aspecto é importante, pois na distribuição
“um para muitos” não se consegue, com frequência, um bom aproveitamen-
to do espaço dentro do veículo. Isso porque se é obrigado a carregá-lo na or-
dem inversa das entregas, o que impede a otimização do arranjo interno da
carga no caminhão. Na linguagem do pessoal de transportes, este tipo de dis-
tribuição “um para um” é denominado transferência de produtos.

Elementos Básicos
A distribuição “um para um”, ou transferência de produtos, é influenciada
por 14 fatores, quando encarada sob o ponto de vista logístico. São eles: 255
G distância entre o ponto de origem e o ponto de destino;
G velocidade operacional;
G tempo de carga e descarga;
G tempo porta a porta;
G quantidade ou volume do carregamento (medida em toneladas, me-
tros cúbicos, pallets etc.);
G disponibilidade de carga de retorno;
G densidade da carga;
G dimensões e morfologia das unidades transportadas;
G valor unitário;
G acondicionamento (carga solta, paletizada, a granel etc.);
G grau de fragilidade;
G grau de periculosidade;
G compatibilidade entre produtos de natureza diversa;
G custo total.

A distância é um dos elementos que mais influem nessa forma de transporte,


pois condiciona a seleção do tipo de veículo, o dimensionamento da frota, o
custo e o frete a ser cobrado do usuário. A velocidade operacional é a veloci-
dade média entre os pontos de origem e destino, descontando os tempos nos
terminais, ou seja, retirando os tempos de carga e descarga, tempos de espera
para a carga ser recebida pelo cliente etc. Assim, para uma transferência en-
tre dois pontos A e B:
distância entre A e B
VOP = (8.1)
[tAB − (tempo carreg. + tempo descarga + esperas )]
onde tAB é o tempo total da viagem entre A e B. Nas viagens intermunicipais,
a velocidade operacional é fortemente condicionada pelas características das
estradas (rodovias e ferrovias). As condições de má conservação das rodovias,
hoje observadas no país, reduzem bastante a velocidade operacional dos veí-
culos, prejudicando sua produção (menos toneladas/quilômetro realizadas
por ano) e acarretando aumento nos custos operacionais.
Entende-se por tempo de carga e descarga o tempo total despendido na
pesagem, conferência, emissão de documentos, bem como nas operações de
carga e descarga propriamente ditas. O tempo de carga e descarga afeta bas-
tante as características operacionais e econômicas da distribuição “um a
um”, principalmente para distâncias relativamente curtas. Por exemplo,
num percurso de 100km (ida e volta), com velocidade média na estrada de
40 km/h, uma redução de 16 horas para 12 horas no tempo total de carga e
descarga resulta num aumento de 27,6% na quilometragem mensal realizada
por um veículo. Já para um percurso de 3.000km, ida e volta, esta mesma re-
256 dução resulta num aumento de apenas 4,6% (Valente et al., 1997).
Uma maneira de reduzir substancialmente os tempos de carga e descar-
ga é utilizar outras formas de acondicionamento, principalmente sua uniti-
zação que, no transporte doméstico, é feita normalmente com o pallet. Uma
carreta, por exemplo, exige em torno de três horas para ser descarregada
manualmente, utilizando, para isso, quatro funcionários. A mesma carreta po-
de ser descarregada em 25 minutos, com o auxílio de uma empilhadeira e
seu operador, caso a carga esteja acondicionada em pallets. O uso extensivo
de pallets, no Brasil, depende, no entanto, de alguns fatores, como adoção de
padrões uniformes, acordos de troca e principalmente uma visão de parceria
entre os integrantes do Supply Chain.
O tempo porta a porta é um dos fatores mais importantes para o usuá-
rio do serviço de transporte. De nada adianta uma empresa de transporte aé-
reo oferecer os jatos mais velozes para transferir produtos se a mercadoria
sofrer retenções e atrasos excessivos no solo. No caso do transporte maríti-
mo de cabotagem, foi o tempo de porta a porta que acabou reduzindo quase
a zero o transporte de produtos manufaturados ao longo da costa brasileira.
Os tempos gastos nos portos, ao longo da rota, aumentam de muito o tempo
porta a porta, tornando essa modalidade pouco utilizável por produtos de
valor unitário mais elevado.
Além do tempo porta a porta médio, é importante considerar também
sua variabilidade. Por exemplo, suponhamos duas empresas de transporte X
e Y, oferecendo serviços de transferência de mercadorias entre Porto Alegre
e São Paulo, com as seguintes características (e taxas de frete iguais): a trans-
portadora X oferece um tempo médio porta a porta de 2,5 dias, menor do
que o oferecido pela sua concorrente. Mas a variabilidade do tempo, que
chega a 5 dias, implica um serviço de baixo nível logístico, visto que tal varia-
ção pode ocasionar aumentos expressivos nos custos de estoque. Já a trans-
portadora Y oferece um tempo porta a porta médio um pouco maior, mas
garante um padrão fixo permanente, o que torna seu serviço mais atraente
para o embarcador (Tabela 8.1).

Tabela 8.1 Variação do tempo porta a porta


Transferência de produtos entre Porto Alegre e São Paulo Empresa “X” Empresa “Y”

Tempo médio (dias) 2,5 3

Tempo mínimo (dias) 2 3

Tempo máximo (dias) 5 3

A quantidade transportada é outro fator de grande importância na dis-


tribuição física de produtos. Quando os volumes transportados são eleva-
dos, a empresa pode optar por um serviço próprio de distribuição, operando
257
com frota própria ou terceirizada, mas planejada e operada de acordo com
suas especificações. É o caso, por exemplo, do sistema de distribuição da Co-
ca-Cola, que atende um número elevado de pequenos varejos, além de gran-
des clientes, como os supermercados. Quando os volumes não comportam
um sistema especialmente implementado para tal, a empresa se vê obrigada a
utilizar o serviço de transportadores autônomos ou de empresas transporta-
doras, compartilhando com outros clientes o uso de veículos e terminais.
Nesses casos, o controle do nível de serviço é obviamente mais difícil, visto
que as transportadoras são obrigadas a atender clientes diversos, com dife-
rentes tipos de carga e com diferentes prioridades.
Outro aspecto importante a considerar é a variação sazonal do volume
transportado. Em alguns casos, em que a demanda por determinado tipo de
produto aumenta apreciavelmente em certa épocas do ano (no Natal, por
exemplo), a oferta de transporte muitas vezes se reduz de tal forma que a em-
presa se vê na contingência de buscar os serviços de transportadoras menos
qualificadas, com níveis de desempenho abaixo do desejado.
A não existência de carga de retorno, que possa garantir o frete à trans-
portadora quando o veículo volta ao ponto inicial, pode afetar o nível de ser-
viço oferecido ao cliente. Isso porque, num ambiente de grande concorrên-
cia, o transportador autônomo, como também a empresa transportadora em
alguns casos, pode negociar o frete admitindo que haja carga de retorno, de
forma a cobrir parte de seus custos. Quando não consegue um frete de retor-
no satisfatório, o transportador pode lançar mão de expedientes tais como
lotar o veículo com carga excedente, reter os lotes despachados no seu depó-
sito para esperar carga de retorno, subcontratar o transporte com autôno-
mos que oferecem preços mais baixos, mas operando com veículos velhos e
inadequados etc. Assim, mesmo não sendo responsabilidade do embarcador,
a questão da carga de retorno (sua disponibilidade ou não) pode afetar sensi-
velmente o nível de serviço logístico resultante.
A densidade da carga afeta a escolha do tipo de veículo mais adequado
ao serviço e, por consequência, tem impacto no custo de transporte. Merca-
dorias de baixa densidade acabam lotando o veículo por volume, e não por
peso. Em alguns casos, em que a densidade média é muito baixa, é comum a
escolha de carrocerias (baús) especiais, com maior volume. Por exemplo, os
caminhões que transportam móveis produzidos na região de São Bento do
Sul, em Santa Catarina, apresentam carrocerias mais altas, que avançam por
cima da cabine do motorista, visando com isso melhor aproveitamento volu-
métrico da capacidade do veículo.
As dimensões e a morfologia da carga também afetam seu transporte.
Há casos de mercadorias com dimensões muito diversas, como, por exem-
plo, tubos e sofás longos. As formas da carga também afetam seu arranjo, o
258 manuseio e o transporte. É o caso dos móveis citados anteriormente, que
apresentam formas diversas, dificultando a estivagem dos mesmos dentro do
veículo e as operações de carga e descarga.
O valor unitário da carga pode implicar o uso de veículos especiais e a
implantação de sistemas de segurança e de monitoramento adequados, mui-
tas vezes caros. Por exemplo, o transporte de remédios e aparelhos eletrôni-
cos, entre outros, vem sendo submetido a uma frequência constante de assal-
tos, obrigando as transportadoras a instalar sistemas de rastreamento de veí-
culos e dispor de equipes de segurança permanentes. Mesmo nos casos me-
nos sensíveis, em decorrência da responsabilidade em relação à carga sob sua
custódia, muitas vezes as transportadoras cobram um adicional (ad valorem)
sobre o frete básico, que é uma taxa proporcional ao valor da carga.
O grau de fragilidade da carga tem influência nos cuidados necessários no
processo de embalagem do produto, no seu manuseio e no transporte. Um veí-
culo de molas muito duras pode levar a perdas excessivas no transporte de ovos,
por exemplo. O uso de pallets pode ficar limitado se o produto não permitir o
seu empilhamento de forma a aproveitar todo o espaço do veículo, limitando
assim seu uso. No caso de pallets, o grau de fragilidade da carga condiciona o
número máximo de camadas empilhadas no depósito, ou CD. Assim, as formas
de acondicionamento e de transporte de um determinado tipo de produto vão
estar diretamente associadas ao grau de fragilidade do mesmo.
O grau de periculosidade da carga tem implicações severas na distribui-
ção de produtos, principalmente nos países mais desenvolvidos. Por exem-
plo, a distribuição de gasolina na Europa exige veículos bastante sofistica-
dos, com sistema de reaproveitamento dos vapores (para evitar que sejam
lançados na atmosfera), controle de vazamentos, válvulas de segurança etc.
Essa preocupação com a ecologia e com a segurança acabará um dia chegan-
do ao Brasil, ocasionada por pressões da sociedade.
Outro aspecto ligado à distribuição de produtos perigosos é a escolha
de rotas de mínimo risco. Estradas secundárias, embora apresentando meno-
res volumes de tráfego, muitas vezes passam dentro ou perto de núcleos ur-
banos. Nesses casos, qualquer acidente mais grave pode colocar em risco vi-
das humanas ou destruir edificações históricas. Percorrendo rodovias de alto
desempenho, quase sempre com traçado distante de núcleos urbanos, tais
riscos podem ser substancialmente reduzidos. No entanto, o risco de aciden-
tes pode aumentar em função dos elevados volumes de tráfego e de velocida-
des mais elevadas. Qual seria então a rota ideal para transportar um produto
perigoso entre dois pontos determinados? Diversos pesquisadores america-
nos, canadenses e brasileiros (Ramos, 1997) têm abordado essa questão atra-
vés de metodologias de análise e de modelos computacionais específicos.
Além de produtos derivados do petróleo, há ainda uma gama ampla de pro-
dutos que requerem cuidados especiais na sua distribuição, tais como tintas,
fósforos e outros. 259
Propositadamente, deixamos para citar por último o custo total da dis-
tribuição de produtos, pois exige uma reflexão mais pormenorizada. Por se
tratar de um enfoque que exige a eliminação de barreiras psicológicas e cul-
turais arraigadas, vamos abordar essa questão tomando, para isso, um exem-
plo simples. Posteriormente, no Capítulo 11, sobre custeio ABC, retornare-
mos ao assunto com mais detalhes.

Custos na Distribuição “Um para Um”


Em primeiro lugar, a distribuição de produtos do tipo “um para um” apre-
senta fortes economias de escala. Tomemos um exemplo. Uma empresa pro-
duz um eletrodoméstico em Porto Alegre, fornecendo 20.000 peças por ano
para um varejista em São Paulo. A distância Porto Alegre–São Paulo é de
1.120km, cada viagem consumindo quatro dias (ida e volta). Uma unidade
do eletrodoméstico pesa 44kg.
Os valores do custo fixo e do custo variável, para cada tipo de veículo,
são apresentados na Tabela 8.2.5 Pode parecer absurdo, mas incorporamos,
em nossa análise, veículos utilitários de pequena capacidade, conforme mos-
trado na Tabela 8.2. Muito embora tal fato não ocorra na prática, o objetivo
é dar ênfase à argumentação, mostrando a sensibilidade dos custos com a ca-
pacidade do veículo.
Para calcular o custo fixo diário, admitimos que o veículo opere duran-
te 25 dias por mês. O custo fixo correspondente a uma viagem completa (ida
e volta) é então calculado dividindo o custo fixo mensal (Tabela 8.2) por 25
dias e multiplicando o resultado por T = 4, que é a duração do ciclo. O custo
variável de uma viagem completa é obtido multiplicando o custo quilométri-
co da Tabela 8.2 pela distância percorrida, no caso igual a 2 × 1.120 =
2.240km. Somamos o custo fixo com o custo variável e acrescentamos uma
margem de 25% ao resultado para levar em conta os custos de administração
e o lucro da transportadora. Depois dividimos o custo assim obtido pelo nú-
mero de componentes embarcados numa viagem, que é dado pela divisão
entre a capacidade útil do veículo, em quilos, e o peso de uma peça (44kg).
Os resultados dos custos unitários são apresentados na Tabela 8.3.
Caso a transferência fosse realizada com um pequeno veículo utilitário
de meia tonelada, o custo de transporte, por peça, seria de R$101,25 (Tabela
8.3 e Figura 8.1). Ao contrário, se fosse utilizado um rodotrem de 45 tonela-
das, o custo de transporte cairia para R$5,18 por peça. Isso significa que há
fortes economias de escala e, sob o ponto de vista estrito de transporte, há ra-
zões econômicas fortes para utilizar veículos de maior capacidade, sempre que
possível. Assim, se o frete por peça, cobrado pela transportadora, fosse fixo e a

5
Os valores monetários apresentados no texto servem apenas um objetivo didático, não devendo
260 ser encarados como reais.
escolha do caminhão fosse deixada a critério da transportadora, o veículo
mais econômico seria o maior de todos, no caso, o rodotrem de 45 toneladas.
E do lado do fabricante e do varejista, como é que a escolha do veículo se
reflete nos custos de estoque? O custo de estoque num dos extremos da cadeia
(digamos, no depósito do fabricante) pode ser aproximadamente calculado
conforme mostra a Figura 8.2. Sendo L o lote de remessa do produto e ES o es-
L
toque de segurança, o estoque médio é igual a + ES O estoque de segurança
2
pode ser estimado através de um coeficiente corretivo fS > 1. Assim, o estoque
L
médio é expresso por (1 + fS). O custo de estoque num dos extremos (diga-
2
mos, no depósito do fabricante) pode ser calculado através da expressão:

Tabela 8.2 Custo fixo e variável para veículos de carga


Veículo Capacidade Custo fixo Custo variável
útil (kg) (R$/mês) (R$/km)
1 500 2.071,00 0,263
2 1.000 2.692,00 0,382
3 3.800 3161,00 0,316
4 4.000 3.266,00 0,412
5 7.800 3.541,00 0,518
6 8.000 3.731,00 0,515
7 10.600 4.473,00 0,583
8 18.200 6.104,00 0,923
9 27.000 6.418,00 0,963
10 45.000 7.188,00 1,380

Tabela 8.3 Variação do custo unitário, transporte Porto Alegre–São Paulo


Veículo Capacidade Custo unitário Valor
útil (kg) (R$/peça) relativo (%)
1 500 101,25 100,0
2 1.000 70,75 69,9
3 3.800 17,57 17,4
4 4.000 19,87 19,6
5 7.800 12,18 12,0
6 8.000 12,04 11,9
7 10.600 10,49 10,4
8 18.200 9,20 9,1
9 27.000 6,49 6,4
10 45.000 5,18 5,1

261
110
100

Custo de transporte (R$/peça) 90


80
70
60
50
40
30
20
10
0
0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000

Capacidade útil do veículo (kg)


FIGURA 8.1 • Variação do custo unitário de transporte em função da capacidade do veículo

L
CD = custo anual de estoque no fabricante = (1 + fS) × v × j (8.2)
2

onde fS é um fator que leva em conta o estoque de segurança, v é o valor uni-


tário do produto (R$/unidade) e j é a taxa de juros anual. Como há estoque
também no CD do varejista, esse custo de estoque é calculado através de uma
expressão similar à equação 8.2. O estoque médio total é então o dobro do
indicado na expressão 8.2.
O valor de uma unidade do produto, após retirarmos a margem bruta
dos participantes da cadeia, é v = R$216,22. Como a unidade de referência
é o kg na equação 8.2, precisamos dividir a expressão por 44 para trabalhar
com número de peças. Dessa forma, o custo anual de estoque nas duas pon-
tas (CD do fabricante e do varejista) é dado por:

L
CE = custo anual de estoque nas duas pontas (1 + fS) × v × j (8.3)
44

A taxa de juros para o embarcador é de 30% ao ano. Admitimos fS =


0,5. Os veículos trafegam em lotação completa (lotados por peso) e, por isso,
o lote de despacho L é igualado à capacidade W do veículo.
O estoque em trânsito, por sua vez, é dado por:

Q× v × T × j
262 CT = , (8.4)
365
Estoque

L
Estoque
médio

Estoque de
segurança

t
FIGURA 8.2 • Variação do nível de estoque no depósito do fornecedor

onde Q é a quantidade transportada anualmente, expressa em número de


peças, T é o tempo de deslocamento entre a origem e o destino (em dias). No
caso, o tempo de deslocamento entre Porto Alegre e São Paulo (um sentido)
é igual a T = 2 dias. Substituindo Q = 20.000 peças por ano e os demais va-
lores em 8.4, obtemos CT = R$7.108,60 por ano.
Somando o custo de estoque nos dois extremos com o custo de estoque
em trânsito e fazendo L = W, obtemos:

W
Custo anual de estoque = 7.108,60 (1 + fS) × v × j (8.5)
44

Na Tabela 8.4 são apresentados os custos anuais de transporte e de in-


ventário para o exemplo em questão, para veículos variando de 0,5 t a 45t
de capacidade. A última coluna da Tabela 8.4 mostra a soma dos dois cus-
tos. Observamos que, sob o ponto de vista do custo de estoque, quanto me-
nor for o veículo, menor será o custo. No limite, a melhor situação, sob o
ponto de vista estrito de custo de estoque, seria uma esteira rolante entre a
fábrica e o CD do varejista, situação essa absurda na prática, mas teorica-
mente ótima.
Somando os dois custos, observa-se que o veículo de menor custo glo-
bal seria uma carreta de 27 toneladas de capacidade (Tabela 8.4, Figura 8.3).
As transportadoras brasileiras costumam estabelecer o frete tomando como
base a distância, o tipo de carga e a quantidade transportada. Assim, se o fre-
te foi calculado com base num veículo de maior capacidade e o embarcador
despachar pequenos lotes, a transportadora fará a consolidação da carga em
seu depósito, para isso lançando mão de mercadorias de outros clientes. No
entanto, em parcerias com entregas com prazos rígidos, tipo just-in-time ou 263
crossdocking, por exemplo, a utilização de veículos menores, com atendi-
mento exclusivo, pode ser a solução. Nesses casos, o cálculo correto dos cus-
tos deve considerar o custo total, envolvendo transporte e estoque, como no
exemplo.

Tabela 8.4 Custo anual de transporte e de inventário, no exemplo


Porto Alegre–São Paulo
Veículo Capacidade Custo anual de Custo anual de Soma
útil (kg) transporte (R$) (1) inventário (R$) (2) (1) + (2)

1 500 2.025.056,00 8.214,27 2.033.270,27

2 1.000 1.415.040,00 9.319,94 1.424.359,94

3 3.800 351.305,26 15.511,70 366.816,96

4 4.000 397.496,00 15.953,96 413.449,96

5 7.800 243.534,36 24.357,06 267.891,42

6 8.000 240.702,00 24.799,33 265.501,33

7 10.600 209.788,68 30.548,81 240.337,49

8 18.200 183.987,69 47.355,00 231.342,70

9 27.000 129.718,52 66.814,80 196.533,32*

10 45.000 103.675,73 106.618,94 210.294,67

*Custo total mínimo.

2500

2000
Custo anual (1.000 reais)

1500
Veículo
menor custo
1000

Custo total
500
Custo de estoque Custo de transporte

0
0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000

Capacidade útil do veículo (kg)


FIGURA 8.3 • Variação do custo de transporte, de inventário e total – distribuição
264 “um para um”
SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO COMPARTILHADA
OU “UM PARA MUITOS”
Nesse tipo de distribuição, o veículo é carregado no CD do varejista com
mercadorias destinadas a diversas lojas ou clientes, e executa um roteiro de
entrega predeterminado. A situação típica é a mostrada na Figura 8.4: o veí-
culo parte do depósito carregado e percorre uma distância d até o bolsão (ou
zona) de entrega. Dentro do bolsão, o veículo realiza n visitas, atendendo di-
versos clientes e efetuando entregas ou coletas. Terminado o serviço, volta
ao depósito, percorrendo novamente uma distância d.

Elementos Básicos
A distribuição “um para muitos” é influenciada por 15 fatores, quando enca-
rada sob o ponto de vista logístico. São eles:

G divisão da região a ser atendida em zonas ou bolsões de entrega, sen-


do cada bolsão alocado normalmente a um veículo;
G distância d entre o CD e o bolsão de entrega;
G velocidades operacionais médias:
G V1: no percurso entre o depósito e o bolsão;
G V2: no percurso dentro do bolsão;
G tempo de parada em cada cliente;
G tempo de ciclo (necessário para completar um roteiro e voltar ao de-
pósito);
G frequência das visitas às lojas ou aos clientes (diária; dia sim, dia não;
semanal etc.);
G quantidade de mercadoria (medida em toneladas, metros cúbicos,
caixas, paletes) a ser entregue em cada loja ou cliente do roteiro;
G densidade da carga;
G dimensões e morfologia das unidades transportadas;
G valor unitário;
G acondicionamento (carga solta, paletizada, a granel etc.);
G grau de fragilidade;
G grau de periculosidade;
G compatibilidade entre produtos de natureza diversa;
G custo global.

265
Região
servida

Bolsão

Percurso até
o bolsão CD (depósito)

FIGURA 8.4 • Esquema típico de distribuição “um para muitos”

Escolha do Veículo
No caso da distribuição “um para muitos”, a escolha do tipo de veículo mais
apropriado para um determinado serviço depende de vários fatores, desta-
cando-se os seguintes:

G distância do bolsão, ou zona de entrega, até o depósito, ou CD;


G densidade espacial, medida em número de pontos visitados por km2,
no bolsão;
G tempo médio de parada em cada cliente visitado;
G quantidade média de mercadoria entregue em cada visita;
G velocidade média de percurso.

Por outro lado, dependendo dos fatores condicionantes e das caracte-


rísticas do veículo, o roteiro de distribuição num determinado bolsão pode
ficar limitado pela capacidade do veículo ou pelo tempo disponível dentro
da jornada de trabalho.
Suponhamos, para exemplificar, que a empresa aloque um veículo de
maior tonelagem, para fazer um determinado roteiro. Se o veículo for total-
mente carregado no CD, provavelmente voltará ao depósito, no fim do dia,
com uma parte da carga. Isso porque não haverá tempo suficiente para com-
pletar as entregas. Uma alternativa seria colocar menos carga no caminhão,
266 mas então a empresa estaria desperdiçando um equipamento caro, visto que
o veículo trafegaria com excesso de capacidade para aquela tarefa. O correto
seria escolher um outro veículo de menor capacidade, de menor custo ope-
racional.
Uma outra possibilidade seria a adoção de um veículo de pequena capa-
cidade de carga, para uma rota em que as entregas são feitas com certa rapi-
dez. O veículo sairia lotado do CD, mas tenderia a voltar muito cedo para o
depósito, já que o roteiro de entregas seria completado bem antes do fim do
dia. Uma possibilidade de correção seria obrigar o veículo a realizar mais de
uma viagem por dia, mas essa solução nem sempre é aceitável na prática.
A situação ideal é aquela que leva a um equilíbrio entre os dois fatores.
Isto é, o veículo é plenamente utilizado na sua capacidade, ao mesmo tempo
em que trabalha durante todas as horas úteis do dia. Nem sempre se pode che-
gar a essa solução ideal, mas devemos buscar uma configuração que se aproxi-
me ao máximo dela. No fundo, o que se está buscando é a solução que, aten-
dendo às necessidades dos clientes, apresente o menor custo possível.

Custos na Distribuição Compartilhada


A discussão do assunto, usando dois exemplos, facilita o entendimento do
problema. Para simplificar a análise, os veículos considerados são somente
os indicados na Tabela 8.2.
Nosso primeiro exemplo está relacionado com a entrega de bebidas. A
distância d, desde o depósito até a zona de entrega, bem como a densidade δ
(pontos por km2), agora são variáveis. Os custos foram calculados para d va-
riando de 2,5km até 30km, com incrementos de 2,5km. A densidade δ, por
sua vez, variou de cinco entregas/km2 até 15 entregas/km2, com incrementos
de cinco entregas/km2. No nosso exemplo, é descarregada uma quantidade
média de 160kg de produto em cada visita, sendo que cada entrega dura, em
média, 12 minutos.
Foi admitida velocidade média de 35 km/h, entre o depósito e o bolsão,
para distâncias de até 20km (trânsito urbano). Para distâncias acima de 20km,
admitiu-se tráfego intermunicipal com velocidade de 55km por hora.
Para cada situação, foi determinado o veículo com menor custo unitá-
rio, considerando, para isso, os dez candidatos apresentados na Tabela 8.2.
Para cada veículo, são analisadas inicialmente as restrições de tempo e de
capacidade, de forma a definir a área A do bolsão. Depois, calcula-se o cus-
to unitário para cada situação, escolhendo-se, ao fim, o veículo que apre-
sentar menor custo. Para nosso exemplo de distribuição de bebidas, todas
as situações foram restritas por tempo, sendo selecionados dois veículos: o
de 7.800kg úteis, conforme Tabela 8.2, e o de 3.800kg úteis, escolhidos de
acordo com as características específicas das zonas servidas, conforme
mostra a Tabela 8.5. 267
Tabela 8.5 Seleção do veículo, distribuição de bebidas
Densidade
Distância (pts/km2) 5 10 15
(km)

2,5 7.800* 7.800 7.800

5,0 7.800 7.800 7.800

7,5 7.800 7.800 7.800

10,0 7.800 7.800 7.800

12,5 7.800 7.800 7.800

15,0 7.800 7.800 7.800

17,5 7.800 7.800 7.800

20,0 7.800 7.800 7.800

22,5 3.800 (**) 7.800 7.800

25,0 3.800 3.800 7.800

27,5 3.800 3.800 3.800

30,0 3.800 3.800 3.800

*Caminhão com 7.800kg úteis, com custos unitários indicados na Tabela 8.2.
**Caminhão com 3.800kg úteis, com custos unitários indicados na Tabela 8.2.

É interessante notar que o veículo de maior capacidade, o de 7.800kg,


foi alocado para distâncias mais curtas. Isso ocorre porque, estando a frota
limitada por tempo, o veículo pode ser melhor aproveitado nos bolsões mais
próximos ao depósito, já que se perde menos tempo no deslocamento entre
o CD e a zona de entrega. Para bolsões situados mais longe, não se pode utili-
zar veículos maiores sob o risco de retornarem ao depósito com carga não
entregue. Por outro lado, a densidade também influi na seleção do veículo,
embora com menor intensidade. Bolsões com baixa densidade de entregas
por km2 forçam o veículo a rodar mais quilômetros entre paradas, reduzindo
a capacidade de entrega e obrigando a utilização de veículos menores.
Na Figura 8.5 é mostrada a variação dos custos unitários com a distância
d e com a densidade . O custo varia de R$2,45 por visita, para distância de
2,5km e densidade de 15 entregas/km2, a R$3,73 por visita, para distância de 30km
e densidade de cinco entregas/km2. É interessante notar, na Figura 8.5, a infle-
xão das curvas para d > 20km. É o reflexo do aumento da velocidade no trajeto
intermunicipal, que melhora o desempenho marginal do sistema.
O exemplo seguinte refere-se à distribuição de pacotes. Agora, a quan-
tidade média entregue numa visita é de 5kg, com a parada demorando sete
minutos, em média. Refazendo os cálculos, observamos que o sistema tam-
268 bém fica restrito por tempo, em todos os casos. O veículo com menor custo
4,0

+
+
+
Custo unitário (R$/visita)
+
+ +
+
3,5 + +
+
+ +
d = 5 visitas/km2 +
+
+

d = 10 visitas/km2 + +
+ d = 15 visitas/km2
3,0 +
+ +
+
+ +
+ + Tráfego
+
+
+
Tráfego urbano
2,5 urbano +
interurbano

2,0
0 5 10 15 20 25 30
Distância do bolsão ao depósito (km)
FIGURA 8.5 • Custos unitários, exemplo de distribuição de bebidas

unitário, para todas as situações, foi o de 500kg úteis. Na Figura 8.6 é


mostrada a variação dos custos unitários em função da distância d e da den-
sidade δ. O custo varia de R$0,95 por visita, para distância de 2,5km e den-
sidade de 15 entregas/km2, a R$1,55 por visita, para distância de 30km e
densidade de cinco entregas/km2.
É importante notar que, aumentando o quadro de veículos a serem ana-
lisados, é possível que o tipo de veículo escolhido seja outro, com configura-
ção diversa da apontada. É preciso frisar que os dez veículos listados na Ta-

1,6
+

1,5 +
+
Custo unitário (R$/visita)

+ +
+
+ +
1,4 +
+ +
+
d = 5 visitas/km2 + +
1,3 +
+
d = 10 visitas/km2 +
+
+
1,2 +
+
+
+ d = 15 visitas/km2
+
+ +
1,1 + Tráfego
+ +
+
+ + Tráfego urbano
+
1,0 + urbano +
+
+ interurbano
0,9
0 5 10 15 20 25 30
Distância do bolsão ao depósito (km)
FIGURA 8.6 • Custos unitários, exemplo de distribuição de pacotes
269
bela 8.2 são meros exemplos, valendo os resultados apenas como ilustração
da metodologia.
Outra observação importante é que veículos sabidamente inadequados
para a distribuição de produtos, devido a seu tamanho, foram introduzidos
propositadamente na análise, conforme se pode observar na Tabela 8.2.
Alguns desses veículos não podem trafegar nas regiões urbanas, mas, mesmo
que fossem permitidos, não seriam selecionados. Isso porque a restrição de
tempo, quase sempre mais severa, força a escolha de veículos menores.

Outros Condicionantes
A análise do processo de distribuição que apresentamos não se esgota aqui.
Há questões importantes que não foram analisadas e que influem decisiva-
mente na seleção do tipo de veículo e no dimensionamento da frota. É o que
discutiremos resumidamente a seguir.
A primeira questão a colocar é sobre a natureza das variáveis, a maior
parte delas aleatória. Por exemplo, o tempo de percurso entre o CD e o bol-
são de entrega não é determinístico, mas varia diariamente em função das
condições de tráfego, da meteorologia, do motorista e de outros fatores im-
previsíveis. Os tempos de parada nos pontos de entrega também variam, pois
dependem basicamente da rapidez no recebimento, do tamanho do lote e
das condições de estacionamento na porta do cliente. A quantidade de mer-
cadoria entregue para cada cliente, por sua vez, flutua com os pedidos, po-
dendo variar de caso para caso, oscilando no tempo e também em função das
variações sazonais da demanda.
A análise estatística dos tempos que compõem o ciclo de um roteiro vai
fornecer o tempo médio de ciclo (TC) e seu desvio-padrão σTC. Como o tem-
po de ciclo é formado por uma série de tempos estatisticamente independen-
tes, a distribuição resultante pode ser representada por uma normal. É o que
mostra a Figura 8.7.
Define-se um nível de confiança estatístico para fins de dimensiona-
mento do sistema, digamos, 98% de certeza. Entrando numa tabela estatísti-
ca da distribuição normal, podemos extrair o limite superior esperado para a
variável considerada, no caso o tempo de ciclo TC. Para nível de confiança
de 98% e distribuição monocaudal, temos

TCMÁX = TC + 2,05 × TC (8.6)

onde TC é o tempo de ciclo médio, σTC é o desvio-padrão de TC e 2,05 é o


máximo valor esperado de TCMÁX com 98% de certeza (Figura 8.7).
270
Probabilidade

Distribuição
normal

Probabilidade
de exceder TCMÁX

TC TCMÁX
Tempo de ciclo
FIGURA 8.7 • Tempo de ciclo regido por uma distribuição normal

Por exemplo, suponhamos TC = 7,6 horas e σTC = 1,3 hora. Então,


TCMÁX = 7,6 + 2,05 × 1,3 = 10,36 horas. Suponhamos, por outro lado, que
a empresa limite a jornada de trabalho de seus funcionários a nove horas por
dia. Será necessário reduzir então as áreas servidas pelos veículos, de forma a
garantir a observância desse limite.
Um ponto muito importante a considerar quando se dimensiona um
sistema de distribuição física é o correto equilíbrio entre as horas normais de
trabalho da tripulação e as eventuais horas extras. Se impusermos um limite
relativamente baixo para a jornada de trabalho, o veículo poderá retornar ao
CD muito cedo, ocasionando ociosidade da frota e dos motoristas e ajudan-
tes. Isso ocorre porque a variabilidade dos tempos que compõem o ciclo é
geralmente elevada (σTC relativamente alto). Por isso, é melhor lançar mão
de alguma hora extra, embora de forma controlada. Há empresas que evitam
horas extras, alegando que as tripulações atrasam o serviço propositadamen-
te para receber a compensação. Isso pode ser verdade, mas a subutilização
dos veículos, que representam um investimento apreciável, pode levar a cus-
tos não competitivos para a empresa.
Tudo o que foi discutido para o tempo de ciclo vale também para o car-
regamento do caminhão. A lotação do veículo é a soma das quantidades dos
pedidos emitidos pelos clientes servidos no roteiro. Assim, depois de carre-
gado no CD, o caminhão levará uma quantidade média de carga Q, com des-
vio-padrão σQ. Se adotarmos um nível de confiança de 98%, o sistema deve
ser dimensionado de forma que: 271
Q + 2,05 Q W, (8.7)

onde W é a capacidade em peso do veículo. Assim, sempre que a expressão


8.7 não for respeitada, será necessário reduzir a área do bolsão e, consequen-
temente o número de visitas por roteiro, de forma a garantir que, em 98%
dos casos, a restrição seja observada.
Ao se dimensionar um sistema de distribuição, é importante lembrar
que, sob o ponto de vista do nível de serviço logístico, a restrição de tempo é
normalmente mais severa do que a restrição de capacidade. De fato, quando
eventualmente ocorrer um excesso de carga no CD, ultrapassando a capaci-
dade física do caminhão, a empresa tem condições de redistribuir a merca-
doria excedente noutros veículos, podendo também alocar um veículo extra
ao bolsão com excesso de demanda. Isso é possível porque a situação de
emergência ocorre antes do despacho do veículo. Já nos casos de excesso
de tempo no cumprimento do roteiro, o problema é geralmente constatado
tarde demais. Nessas circunstâncias, a mercadoria não entregue acaba retor-
nando ao CD, ocasionando uma degradação na qualidade do serviço. Essa
situação deve ser radicalmente evitada dentro da moderna concepção do
Supply Chain Management.
Outro aspecto que dificulta o dimensionamento de um sistema de dis-
tribuição é a variabilidade das condições ao longo da região servida. Em pri-
meiro lugar, a distribuição dos clientes sobre a região não é uniforme. A den-
sidade de pontos visitados por km2 pode variar muito, como também a
quantidade de mercadoria solicitada pelos diversos clientes. Dessa forma, o
dimensionamento dos roteiros não é uniforme, devendo-se contemplar, na
prática, essas variações.
Finalmente, devemos lembrar que as restrições geográficas, representa-
das por vias expressas, rios, lagos, morros escarpados e outras, condicionam
muitas vezes a delimitação das zonas ou bolsões. Muito embora os Sistemas
de Informações Geográficas já tenham evoluído muito, não é uma simples
tarefa a compatibilização, no computador, das características técnicas do
problema com os condicionantes geográficos. Tentativas, ainda que parciais,
já podem ser encontradas na literatura. Galvão et al. (2004) aplicaram mo-
delos matemáticos para dimensionar um sistema de entrega de carga fracio-
nada (courier) na cidade de São Paulo, resultando uma frota de 81 veículos
leves, de 500kg de capacidade, e atendendo os bolsões diariamente. Os bol-
sões resultantes apresentaram áreas bastante variadas, conforme pode ser
visto na Figura 8.8.

272
77 75

79
80 73
74
81 78 76
61
69 68 72
60 67
58 59 66 65
64
71
56 57 39 38 37 36 35
40 34 63
41 33
55 42 32
54 17 16 15
18 14 70
53 43 31
19 13 62
52 44 20 5 4 3 48
51 12
45 6 2 30
21
1
50 7
46 26
22 11
9
8 • 81 bolsões
47 23
10
• Veículo com 500 kg
25
49 24 de capacidade

29 27
28

Fonte: Galvão et al., 2006.

FIGURA 8.8 • Divisão de uma região urbana em 81 bolsões de entrega

BIBLIOGRAFIA
Ballou, R.H. (1999, 4a edição). Business Logistics Management, Prentice-Hall, Upper
Saddle River, NJ.
Daganzo, C.F. (1996). Logistics Systems Analysis, Springer-Verlag, Berlim.
Galvão, L., Novaes, A.G., Cursi, J.E. Souza de, e Souza, J.C. (2006). “A multiplicati-
vely-weighted Voronoi diagram approach to logistics districting”, Computers &
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274
9
Operadores
Logísticos

Mônica Maria Mendes Luna1

INTRODUÇÃO
Indícios históricos parecem revelar que a contratação de serviços de armaze-
nagem e de transporte é uma prática por demais antiga. No que se refere à
armazenagem, por exemplo, o livro do Gênesis relata a utilização de arma-
zéns (celeiros), controlados por superintendentes em todo o território do
Egito, com a finalidade de estocar as colheitas nos anos de fartura, garantin-
do assim a alimentação durante os sete anos de penúria que se seguiam. Indo
um pouco mais adiante na história, podem ser observados contratos de
transporte de bens, os quais foram diversas vezes utilizados pelos governos
como forma de transferir riscos a terceiros.
Apesar da prática antiga, a terceirização de serviços logísticos, na forma
conhecida hoje, ganhou força nas últimas décadas, principalmente dentro
dos conceitos do Supply Chain Management. Nos Estados Unidos, a
Armstrong & Associates2 (2006) estima que, em 2005, o valor da contrata-
ção de serviços logísticos de terceiros atingiu o valor de 103,7 bilhões de dó-

1
Professora Doutora, Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas, Universidade Fede-
ral de Santa Catarina (e-mail: monica@deps.ufsc.br).
2
Estimativa da Armstrong & Associates para 2006, disponível em http://www.3plogis-
tics.com/3PLmarket.htm, acesso em 24/08/2006. 275
lares, um aumento de 16% em relação ao ano de 2004, que foi de 89,4 bi-
lhões. Este valor girava em torno de 15 bilhões de dólares em 1994 (Sink et
al., 1996) e, até 1999, cresceu aproximadamente 25% ao ano, quando atin-
giu o valor de 45,3 bilhões (Wilson & Delaney, 2000). Esse crescimento não
é um fenômeno limitado ao território norte-americano, refletindo uma ten-
dência mundial.
A Logística, incluindo a prestação de serviços, é, ainda, um setor em
fase de crescimento e de transformação. Isso é resultado da propensão mais
intensa de as empresas terceirizarem serviços de uma maneira geral, quan-
do antes os realizavam por conta própria. Ao repassar serviços logísticos a
terceiros, fazem-no de forma integrada, contratando “pacotes” que incluem,
cada vez mais, serviços de maior valor agregado, com forte conteúdo infor-
macional.
No Brasil, observa-se a nítida inclinação das empresas a lançarem mão
do outsourcing de serviços logísticos. Daí a razão para dedicarmos um capí-
tulo deste livro ao assunto. Iniciaremos com uma discussão sobre o aumen-
to da propensão a terceirizar serviços logísticos, bem como um breve histó-
rico sobre a evolução deste setor. Isso nos permitirá entender as recentes
mudanças que desencadearam o processo. A conceituação dos prestadores
logísticos, suas origens e a classificação dos mesmos serão discutidas em se-
guida. Em particular, procuraremos conceituar um tipo específico – o ope-
rador logístico – e apresentar um novo ator nesse mercado: o integrador
logístico.
A forma de contratação desses serviços também evoluiu e tornou o pro-
cesso de seleção de fornecedores mais complexo. Com o objetivo de estabe-
lecer um referencial prático para o problema de escolher um prestador de
serviços logísticos, apresentaremos um modelo conceitual para sua imple-
mentação. Por fim, discutiremos as novas tendências e desafios que tendem a
incrementar ou restringir a expansão deste mercado. Em especial, tratare-
mos das novas tecnologias de informação e do seu impacto na indústria de
prestação de serviço logístico.

OUTSOURCING DE SERVIÇOS LOGÍSTICOS


No final da década de 1970 e início dos anos 1980, significativas mudanças
econômicas e estruturais passaram a afetar as sociedades comercialmente de-
senvolvidas e industrializadas. De um lado, observou-se um desenvolvimen-
to acentuado da tecnologia da informação e de comunicação, com impactos
pronunciados na gestão empresarial e no mercado financeiro. De outro, se
constata a crescente concorrência entre as empresas, que passou a se dar em
nível global. A preocupante perda de competitividade das empresas nor-
te-americanas nesse período, frente principalmente às empresas asiáticas, foi
276
objeto de estudo de uma comissão do MIT – Instituto de Tecnologia de Mas-
sachusetts (Duguay et al., 1997). Nesse trabalho, foram apontadas as princi-
pais deficiências das empresas americanas, entre as quais:

G atenção voltada para a produção em massa, com separação intra- e


interfirmas (visão antagônica à do moderno SCM);
G adoção de horizontes de curto prazo;
G deficiências tecnológicas no desenvolvimento de produtos e na pro-
dução;
G falhas na cooperação clientes-fornecedores.

Com o declínio da produtividade e a constatação da necessidade de mu-


danças, as indústrias lançaram mão de diversas abordagens para suplantar os
problemas apontados. No início dos anos 1970, foram desenvolvidos e
implantados programas diversos, como os círculos de qualidade, os sistemas
de planejamento da produção (MRP e MRP II) e os programas de qualidade
de vida no trabalho. Na década de 1980 e início dos anos 1990, surgiram as
campanhas para melhorar a produtividade, a busca da excelência, os siste-
mas flexíveis de produção e o ERP, a robótica, a produção assistida por com-
putador, o sistema just-in-time, a reengenharia, a busca da melhoria contí-
nua ou kaizen, o gerenciamento da qualidade total, a produção classe mun-
dial, entre outros.
Seguindo o exemplo dessa verdadeira revolução ocorrida no setor in-
dustrial, em que o paradigma da produção ágil/flexível veio substituir o da
produção em massa, uma revolução no setor da distribuição também ocor-
reu. Essa “revolução” é caracterizada, sobretudo, por uma relação mais co-
ordenada entre os vários membros da cadeia de suprimentos e por mudanças
organizacionais profundas, com influências significativas nos sistemas logís-
ticos das organizações. A distribuição passa a utilizar, de forma mais intensi-
va, recursos de tecnologia da informação (TI) para o intercâmbio eletrônico
de dados (EDI). As atividades varejistas passam a ter uma maior preocupação
com o nível de serviço oferecido ao consumidor. A busca da redução de cus-
tos nos canais de distribuição, aliada a uma nova visão de nível de serviço, dá
origem ao movimento ECR (Efficient Consumer Response) nos Estados Uni-
dos, em 1992. Uma nova mentalidade surge, buscando maiores economias e
melhores resultados, a partir de uma maior eficiência ao longo dos canais de
distribuição.
Na fase que se sucedeu à Segunda Guerra Mundial, diversos aconteci-
mentos fizeram com que as organizações se reestruturassem. Dentre eles,
destacamos: a redução das barreiras alfandegárias e não alfandegárias, o sur-
gimento dos blocos econômicos, o desenvolvimento mais acelerado da tec- 277
nologia da informação. Esses acontecimentos permitiram a adoção de estra-
tégias globais, em substituição a estratégias multilocais e/ou multinacionais.
O advento das firmas globais ampliou a necessidade de coordenação
e de uma logística mais eficiente, para tornarem viáveis suas estratégias
corporativas. Para Guillon (1998), as chamadas Global Commodity Chains
(GCC) constituem exemplos de firmas globais, que se caracterizam pela sua
estrutura organizacional abrangente, garantindo uma coordenação logística
eficiente e uma integração das várias funções dispersas pelo globo.
Como afirma Detoni (2003), para as empresas que têm sua cadeia de va-
lor dispersa, as estratégias logísticas passam a ser globais e os sistemas tradicio-
nais de gestão não são mais adequados. É esse fenômeno que se denomina glo-
balização da logística, ratificado pelo crescimento da demanda e consequente
oferta de serviços logísticos globais. O planejamento logístico deve considerar
aspectos globais na definição das tecnologias a adotar, na escolha das fontes de
suprimentos (global sourcing), dos fornecedores de serviços logísticos e dos
mercados a serem atendidos e, é claro, na análise da concorrência.
Exemplos clássicos de firmas globais são a Nike e a Reebok, que deixa-
ram de lado a manufatura e passaram a se ocupar exclusivamente da concep-
ção, da comercialização e da coordenação logística dos produtos que levam
suas marcas. Essas empresas subcontratam toda a produção, localizadas nor-
malmente nos países recém-industrializados. A indústria automobilística,
também caracterizada por um processo crescente de abandono da estrutura
vertical, formou redes globais de fornecedores, e se serve, hoje, de organiza-
ções logísticas bastante diferentes e bem mais complexas, quando compara-
das com aquelas de alguns anos atrás.
Essa maior complexidade dos sistemas logísticos é citada como uma das
razões por trás do rápido crescimento da terceirização logística (Dornier et
al., 2000). Os serviços logísticos têm desempenhado um papel crítico nas
GCCs porque eles não somente proveem conexões geográficas e de transa-
ções, mas integram e coordenam o processo de produção globalizado e ato-
mizado. Sem a coordenação e integração realizada pelos serviços, as GCCs
não seriam viáveis no atual ambiente econômico altamente competitivo.
Mas o aumento da terceirização se deve também a outros fatores. Para
Sink & Langley (1996), nesta era de estoques reduzidos e competição globa-
lizada, muitas empresas estão concentrando seus esforços nas atividades cen-
trais (core competence), que são críticas para sua sobrevivência. Essa mudan-
ça na estratégia empresarial estimula a demanda por serviços logísticos ex-
ternos, tanto físicos/operacionais como de administração, quando eles não
constituem a competência central da empresa. Esses serviços passam a ser
providos, então, pelos prestadores de serviços logísticos.
Ao mesmo tempo em que o mercado global oferece mais oportunida-
278 des, surge naturalmente uma maior competição entre as empresas. A tercei-
rização de serviços logísticos constitui, principalmente para as sociedades
comerciais, uma forma de atingir novos mercados e oferecer um melhor ní-
vel de serviço aos clientes.
A busca pela redução de custos dos serviços logísticos é, sem dúvida,
uma das razões mais importantes dessa tendência. De acordo com Laarho-
ven et al. (2000), discutindo uma pesquisa realizada com embarcadores em
diversos países da Europa, a mais importante razão estratégica para estes úl-
timos estarem interessados em terceirizar suas atividades logísticas é a neces-
sidade de reduzir custos e aportes de capital. Essa razão é citada juntamente
com a busca da melhoria do nível de serviço e do aumento da flexibilidade,
um maior enfoque nas atividades centrais e a implementação de mudanças.
No Brasil, as empresas também terceirizam, visando principalmente reduzir
custos, mas, por outro lado, querem melhorar o nível de serviço oferecido
através das competências do prestador de serviços. A utilização mais intensi-
va da tecnologia de comunicação e informação na operacionalização de sis-
temas logísticos tem exigido maiores investimentos em software e hardware,
elementos caracterizados por ciclos de vida curtos. Essas tecnologias permi-
tem reduzir mais facilmente os custos logísticos e aumentar o nível dos servi-
ços oferecidos mas requerem altos investimentos e mão de obra treinada, o
que pode constituir riscos para aqueles que começam a utilizá-la. Nesse con-
texto os prestadores de serviços logísticos representam uma alternativa inte-
ressante a considerar.

EVOLUÇÃO DO SETOR
O abandono do paradigma da verticalização, nas modernas cadeias de supri-
mento, cria demandas que são, em grande parte, supridas por outros agentes
econômicos. Parte desses agentes surgiu da redefinição ou ampliação de seus
antigos negócios (as empresas transportadoras, por exemplo), dando origem
aos novos prestadores de serviços logísticos. Outras empresas, por sua vez,
nasceram mais recentemente na onda da tecnologia, e oferecem serviços lo-
gísticos baseados principalmente na larga utilização da informação e da co-
municação, bem como na administração de serviços. Essa última categoria
de prestadores de serviços vem ganhando importância à medida que as ca-
deias de suprimento abandonam a estrutura vertical, o que aumenta a neces-
sidade de coordenação das atividades interfirmas.
Os prestadores de serviços logísticos são originários de vários setores:
grande distribuição, indústria, setor de transporte e armazenagem e setor de
serviços. Detoni (2003) observou que, a exemplo da Europa e Estados Uni-
dos (Lieb & Randall, 1999a; Paché, 1994), a maior parte dos prestadores de
serviços logísticos que atuam no Brasil é originária do setor de transporte ro-
doviário – Águia Branca, Expresso Joaçaba, Ouro e Prata, Transportadora 279
Cometa, TA Logística, Delta Records, Estrada, Hércules, Itamarati, Jamef,
Real, Rod. Transbueno e Transportadora Grande ABC – ou são as operado-
ras logísticas estrangeiras que se instalaram no país – Ryder Logistics, Danzas
e TNT Logistics (Tabela 9.1).

Tabela 9.1 Origem das empresas de prestação de serviços logísticos


no Brasil
Setor Número de empresas %

Transporte rodoviário 52 41,27

Operadores logísticos 24 19,05

Armazém geral/alfandegado 17 13,49

Serviços aduaneiros/despachantes 11 8,73

Transporte aéreo 4 3,17

Indústria 3 2,38

Transporte ferroviário 3 2,38

Transporte marítimo 2 1,59

Outros 5 3,97

Não forneceu informações 4 3,97

Total 125 100,00

Fonte: Luna e Novaes, 2003.

A oferta pronunciada de serviços logísticos, por parte das empresas de


transporte rodoviário de carga, é, em grande parte, resultado do processo
de desregulamentação dos transportes iniciado nos Estados Unidos e, em se-
guida, disseminado na União Europeia, e do consequente aumento da con-
corrência no setor. Nos Estados Unidos, o Ato do Transportador Rodoviário
(Motor Carrier Act), de 1980, objetivava incentivar a concorrência através da
redução de barreiras à entrada de novos contendores e propiciar maior flexi-
bilidade na oferta de serviços. Na Europa, por outro lado, o objetivo da des-
regulamentação era abrir os mercados de cada estado-membro, eliminando,
assim, regras conflitantes, que impediam os fluxos de produtos dentro da
União Europeia.
A consequência foi, em ambos os casos, o aumento do número de trans-
portadoras, a redução das taxas de frete e a oferta de serviços inovadores. As
exigências dos embarcadores com maior poder de negociação perante um
setor altamente competitivo,3 passaram a ser mais severas, exigindo melho-
3
Segundo Bowersox & Closs (1996), existiam nos Estados Unidos, em 1980, 17.000 empresas de
transporte de carga. Em 1981, um ano após a desregulamentação, esse número passou a 20.500 e,
280 em 1990, já existiam 40.000 empresas atuando nesse setor.
res níveis de serviço, a preços mais baixos. Os transportadores rodoviários
tiveram, assim, suas margens de lucro reduzidas, não obstante o aumento de
produtividade do setor. Buscando a sobrevivência e melhores nichos de mer-
cado, começaram a oferecer uma gama mais ampla de serviços. Consequen-
temente, as empresas de transporte rodoviário ampliaram seus negócios, au-
mentando a rentabilidade e dando origem a grande parte dos operadores lo-
gísticos de hoje.
No Brasil, esse processo é mais recente. Resultado de um cenário mais
estável e da abertura econômica entre os anos de 1990 e 1993, as empresas
de transporte começaram a se modernizar, para melhor se adaptarem às exi-
gências de um mercado globalizado. Passaram, assim, a oferecer serviços lo-
gísticos de forma a atender à demanda das grandes firmas industriais e co-
merciais.
Essa tendência foi reforçada, a partir da metade dos anos 90, com a che-
gada dos grandes operadores logísticos internacionais (Ryder, Maclane, TNT,
Danzas e Penske Logistics) e de grandes indústrias estrangeiras (montadoras
de veículos como Renault, Audi, Chrysler e grandes distribuidores e varejistas,
como a Wal-Mart). A instalação dessas operadoras estrangeiras no país, com
know-how na prestação de serviços logísticos, junto com empresas industriais
e varejistas estrangeiras já acostumadas a utilizar esses serviços, é um fator que
desafiou as competidoras nacionais (a maior parte delas formada por trans-
portadoras rodoviárias) a se transformarem em operadores logísticos.
Alguns desses operadores estrangeiros encontraram, no Brasil, empre-
sas globais para as quais já trabalhavam no exterior, como é o caso da Mac-
Lane Distribuição Ltda., que trabalha com o grupo Philip Morris. Outras en-
traram no país através da formação de alianças com empresas brasileiras
prestadoras de serviços. Citamos o caso da Fedex, que trabalha em conjunto
com a Rapidão Cometa. Há, nesse processo, uma transferência de compe-
tências entre as empresas estrangeiras, detentoras de know-how em Logísti-
ca, e as empresas nacionais. Esse é um importante fator indutor de mudanças
e que tem provocado a rápida evolução do setor de serviços logísticos em
nosso país.

PRESTADORES DE SERVIÇOS LOGÍSTICOS


Conceituação de Operador Logístico
Diversas definições de prestadores de serviços logísticos são normalmente
apresentadas na literatura técnica. Esse tipo de operação é denominado, em
inglês, third-party logistics (3PL) ou logistics providers. Em algumas definições
mais amplas, o termo é usado para simplesmente descrever o fornecimento de
serviços, incluindo as formas mais simples e mais tradicionais, como o trans-
281
porte e a armazenagem (Laarhoven et al., 2000). Ou seja, o termo prestador de
serviço logístico abarca todo tipo de atividade logística, por mais simples que
seja, não refletindo necessariamente os avanços tecnológicos e operacionais
que dão sustentação ao moderno Supply Chain Management.
Operador logístico, de acordo com a definição mais específica, é o pres-
tador de serviços logísticos que tem competência reconhecida em atividades
logísticas, desempenhando funções que podem englobar todo o processo lo-
gístico de uma empresa cliente ou somente parte dele. Mas, qualquer que
seja a amplitude da terceirização, o processo deve ser tratado de maneira in-
tegrada, de forma a permitir a visão de todo o fluxo.
Uma observação feita por Sink e Langley (1997) torna claro o papel
dessa categoria particular de prestadores de serviços logísticos:

“...para ser consistente com a maioria das interpretações do conceito


de Logística, as atividades deveriam ser idealmente conduzidas de uma
maneira integrada e coordenada. Essa seria a grande diferença entre o
simples prestador de serviços e o operador logístico.”

Esse conceito traz a ideia central subjacente às definições citadas por vá-
rios autores (Razzaque e Sheng, 1998; Sink, Langley Jr. e Gibson, 1996;
Sink e Langley Jr., 1997; Africk e Calkins, 1994). Fica implícito no uso do
termo “operador logístico”, a coordenação e a integração de um conjunto de
atividades logísticas, mesmo que seja restrito (armazenagem e transporte,
por exemplo) e um grau de sofisticação e avanço compatível com o observa-
do nas modernas cadeias de suprimento.
A ABML (Associação Brasileira de Movimentação e Logística), por sua
vez, apresenta a seguinte definição de operador logístico:

Operador logístico é o fornecedor de serviços logísticos especializado


em gerenciar todas as atividades logísticas ou parte delas nas várias
fases da cadeia de abastecimento de seus clientes, agregando valor ao
produto dos mesmos, e que tenha competência para, no mínimo,
prestar simultaneamente serviços nas três atividades consideradas
básicas: controle de estoques, armazenagem e gestão de transporte.

O operador logístico é, assim, responsável por parte do fluxo logístico,


devendo propiciar a continuidade deste, mesmo se as demais atividades fo-
rem realizadas pela própria empresa, cliente ou terceiro. Em alguns casos,
quando o contratante trabalha com vários PSL, torna-se mais complexa a
coordenação e integração das relações entre eles.
282
Fourth Party Logistics (4PL)
O uso de múltiplos prestadores de serviços especializados em atividades lo-
gísticas distintas, a terceirização de atividades com maior número de compo-
nentes informacionais e a demanda por um serviço one-stop4 têm levado à
criação de empresas especializadas em coordenar esses vários provedores de
serviços. Identificadas na literatura recente como fourth party logistics servi-
ces (4PL) ou lead logistics service providers (LLP), integradores logísticos ou
quarteirizadores, essas empresas coordenam os vários 3PLs e oferecem ao
cliente uma visão completa do fluxo logístico. No Brasil, algumas empresas
desempenham esse tipo de atividade.
De acordo com Lieb & Kendrick (2002), o conceito de 4PL envolve o
uso de uma empresa não envolvida diretamente com a prestação de serviços
logísticos ao cliente, para gerenciar os diversos aspectos da relação dos vários
PSL com seu contratante. De acordo com esse modelo de negócios, é comum
que o 4PL seja oriundo de empresas de consultoria em logística, de tecnolo-
gia de informação ou de prestadores de serviços logísticos, que já trabalhem
com a oferta de serviços de mais alto valor agregado e com componentes in-
formacionais.
O contrato global celebrado entre a Kuehne & Nagel Lead Logistics e
a Nortel Networks é um exemplo de aplicação do conceito de 4PL. A Nor-
tel Networks é uma empresa líder no setor de equipamentos de telecomu-
nicação, com clientes em 150 países. No final de 1990, a empresa começou
a adotar um modelo de logística mais ágil, terceirizando vários serviços
com PSL, entre elas a Kuehne & Nagel (KN). Entre 1997 e 2001, a Nortel
Networks abandonou uma estrutura logística onde predominavam os cus-
tos fixos, adotando outra baseada nos custos variáveis. Mas o esforço e o
custo de gerenciar um grande número de prestadores de serviços levou a
empresa, depois de um processo rigoroso, a contratar, em janeiro de 2002,
a KN como integrador logístico. O objetivo era que a KN gerenciasse o de-
sempenho dos múltiplos provedores de serviços logísticos da Nortel Net-
works no mundo todo, ajudando a empresa a melhor estruturar sua avan-
çada cadeia de suprimentos e otimizar os serviços para os clientes globais.
A KN estabeleceu uma nova empresa, a KN Lead Logistics (KNLL) para ge-
renciar os mais de 200 prestadores de serviços logísticos para a Nortel Net-
works.5

4
Serviço one-stop é aquele em que o cliente estabelece um contrato de longo prazo com um pres-
tador de serviço, de tal forma que qualquer solicitação de atendimento é feita apenas através dele,
sem burocracia, por meio de um único contato (EDI, Internet, fax, telefone).
5
Case disponível em http://logistics.kuehne-nagel.com/cs/KN_case_Nortel_Lead_Logistics_061504.pdf, visi-
tado em 25/08/2006. 283
CLASSIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES LOGÍSTICAS
As várias atividades logísticas, susceptíveis de serem subcontratadas, podem
ser agrupadas de acordo com sua posição na cadeia de suprimentos, na for-
ma apresentada no esquema da ABML (Figura 9.1). Identificam-se dois
grandes grupos (logística de suprimento e logística de distribuição) e seis
subgrupos, que representam portfólios de atividades de natureza variada.
Em geral, os operadores logísticos se ocupam do conjunto de atividades
relacionadas a um dos dois grupos, chamados respectivamente de logística de
entrada ou de suprimento (inboud logistics) e logística de saída ou de distribui-
ção (outbound logistics). A Rapidão Cometa, por exemplo, tem como especia-
lidades: gerenciamento de centros de armazenagem e distribuição, separação
de pedidos (pickings), montagem de kits especiais, gerenciamento de estoques
e transporte. Outras empresas têm unidades especializadas na realização de

ADMINISTRAÇÃO DE DISTRIBUIÇÃO
FORNECEDORES MANUFATURA CLIENTE CONSUMIDOR
MATERIAIS FÍSICA

Atividades específicas Atividades da Atividades da Atividades Atividades da


Atividades da
da administração administração de distribuição física específicas da distribuição física junto
distribuição física junto
de materiais materiais junto à junto à manufatura distribuição física ao consumidor
ao cliente do fornecedor
manufatura

! Acompanhamento dos ! Apoio à produção: ! Embalagem de ! Recebimento de ! Entrega de produtos ! Entrega direta do
pedidos a fornecedores: kanban e JIT, produto acabado ou produto acabado e secos ou refrigerados fornecedor ao consumidor
rastreamento de pedidos preparação de kits de semiacabado semiacabado ! Abastecimento de ! Serviços de atendimento
rastreamento de veículos produção ! Unitização: paletização ! Desconsolidação gôndolas ao consumidor
! Recebimento de materiais e abastecimento de linha de produto acabado e ! Conferência física, ! Retirada de pallets vazios ! Gestão de informações
componentes ! Armazenagem semiacabado quantitativa e ! Coleta de mercadorias logísticas
! Conferência física, ! Gestão de informações ! Conteinerização documental ! Prestação de contas
devolvidas
quantitativa e documental logísticas ! Armazenagem ! Nacionalização de ! Gestão de informações ! Medidas de desempenho
! Transporte primário ! Prestação de contas ! Identificação de produtos importados logísticas (performance)
! Controle e pagamento de ! Medidas de volumes ! Armazenagem ! Prestação de contas
fretes desempenho ! Conferência física, ! Controle de estoques ! Medidas de desempenho
! Paletização de materiais e quantitativa e ! Embalagem
componentes documental
! Unitização
! Armazenagem ! Montagem de kits
! Separação (pick/pack)
! Controle de estoques comerciais de produto
acabado ! Montagem de kits
! Identificação de volumes
! Roteirização comerciais
! Expedição de materiais e ! Identificação de
! Geração e controle de
componentes volumes
documentos
! Gestão de informações ! Roteirização
! Expedição industrial
logísticas
! Geração e controle de
! Estudos de viabilidade ! Distribuição direta da
documentos
fábrica, transferência
! Prestação de contas ! Expedição de produtos
para centros de
! Medidas de desempenho distribuição ! Distribuição direta da
! Rastreamento de fábrica, de CDs e
veículos transferência entre CDs
! Crossdocking ! Crossdocking
! Controle e pagamento ! Rastreamento de
de fretes veículos
! Gestão de informações ! Controle e pagamento
logísticas de fretes
! Prestação de contas ! Gestão de informações
! Medidas de logísticas

desempenho

FIGURA 9.1 • Classificação das atividades logísticas segundo a ABML


284
atividades de logística de entrada, dando apoio à produção, de forma a assegu-
rar que todos os componentes cheguem à linha de produção no momento cer-
to, sejam aqueles fabricados localmente, sejam os que têm origem noutros
pontos do país ou do exterior. Empresas como a TNT Logistics, que prestam
serviços para a Fiat e para a GM, têm competências destacadas na logística de
entrada e muitas abastecem a linha de produção num sistema just-in-time. A
terceirização dessas atividades é muito comum na indústria automobilística.
Ainda observando a Figura 9.1, podemos constatar que a mesma ativi-
dade logística pode ser encontrada em várias fases da cadeia, como é o caso
do transporte e da armazenagem. Assim, é comum que alguns operadores se
especializem em determinadas atividades que são encontradas em vários
pontos da cadeia de suprimentos.
Levando em conta a natureza das atividades logísticas oferecidas pelos
prestadores de serviços logísticos, Colin e Fabbe-Costes (1995) assim as clas-
sificam:

G transporte, envolvendo os diferentes modos e serviços auxiliares, no


caso do transporte internacional;
G armazenagem de produtos;
G manipulação de produtos, incluindo embalagem, identificação, com-
posição de kits etc.;
G operações industriais, que incluem intervenções intrínsecas no pro-
duto, como montagem final, testes de qualidade etc.;
G operações comerciais, como recebimento e tratamento de pedidos, de
pagamentos, realização de propaganda etc.;
G serviços de cunho informacional, como administração de estoques,
rastreamento de veículos etc.;
G consultoria em engenharia e administração logística.

Segundo os mesmos autores, para descrever o conjunto de atividades


logísticas realizadas pelos PSLs é necessário combinar três critérios:

G a natureza das atividades (descrita anteriormente);


G características de circulação dos produtos: canais de distribuição, res-
trições físicas (peso, volume, temperatura) e restrições de gestão (fre-
quência, valor dos produtos, rotatividade de estoques);
G área geográfica servida.

Dessa forma, a gama de prestações de serviços oferecida por um PSL


pode ser estruturada a partir da combinação desses três aspectos. 285
Classificação dos Prestadores de Serviços Logísticos
A maioria das taxonomias encontradas na literatura para classificar os PSLs é
baseada na combinação dos elementos discutidos na seção anterior. E, natu-
ralmente, à medida que surgem novas ofertas de serviços logísticos, outras
propostas de classificação vão sendo apresentadas pelos estudiosos da área.
Dentre as pesquisas que sugerem classificações para os prestadores de
serviços logísticos a partir de algumas variáveis, uma das mais referenciadas
é aquela sugerida por Africk & Calkins (1994), onde dois grupos básicos de
prestadores de serviços são identificados, gerando um terceiro grupo deno-
minado híbrido. O parâmetro que diferencia os dois tipos principais de PSL
é a base da oferta de serviços. Assim, temos:

G PSLs baseados em ativos: são empresas que detêm ativos tangíveis


(próprios ou alugados) e oferecem outros serviços logísticos como
ampliação natural de sua atividade central, como é o caso de uma
companhia de armazém que pode fornecer serviços de embalagem,
etiquetagem ou montagem final, além dos serviços tradicionalmente
ofertados aos clientes;
G PSLs focalizados na administração e na informação: são empresas ba-
seadas na administração de atividades que, geralmente, não detêm
ativos tangíveis, mas fornecem a seus clientes recursos humanos e sis-
temas para administrar toda ou parte das suas funções logísticas.

O tipo híbrido ou integrado, conforme Africk & Calkins (1994), cor-


responde ao PSL que oferece os serviços logísticos físicos e administrativos
ao mesmo tempo. A Figura 9.2 mostra os vários tipos de operadores, em
função da combinação da base da oferta de serviços e do grau de cada um.
Têm-se, assim, os prestadores de serviços básicos, como as transporta-
doras e armazéns tradicionais, que oferecem baixo grau de complexidade e
serviços não customizados (ou pouco). Em segundo lugar, temos os presta-
dores de serviços logísticos físicos, que constituem uma outra categoria, com
baixa complexidade administrativa, mas com ativos altamente especializa-
dos ou com alto grau de especificidade. Aqui podemos incluir as empresas
que investem em equipamentos de transporte ou armazenagem de produtos
ou serviços com características específicas, comum na indústria química e de
alimentos. Os prestadores de serviços de administração, ao contrário, se ca-
racterizam por um baixo nível de comprometimento com ativos e maior
complexidade na oferta de serviços baseados nos recursos humanos. Nesse
caso, estão incluídos os consultores em logística, os fornecedores de sistemas
de gerenciamento de estoques ou sistemas mais complexos, de gestão empre-
sarial ou, ainda, as empresas que oferecem assessoria aduaneira.
286
SERVIÇOS
FÍSICOS

Aumento da complexidade
Contratos
de serviços Contratos de

e customização
logísticos serviços logísticos
físicos integrados

Contratos de
Serviços serviços logísticos
básicos de administração

Aumento da complexidade e customização


SERVIÇOS DE
ADMINISTRAÇÃO

PSL baseados PSL baseados Híbridos


em ativos na administração
Fonte: Africk e Calkins, 1994.

FIGURA 9.2 • Os vários tipos de prestadores de serviços logísticos

Finalmente, o último tipo, o prestador híbrido, é representado pelos


grandes operadores logísticos que administram o processo logístico das
sociedades comerciais e industriais, ao mesmo tempo em que oferecem ser-
viços físicos, caracterizados por um alto grau de personalização dos serviços
oferecidos. Ou seja, nesse caso os serviços físicos e administrativos são com-
binados de forma a atender às necessidades dos clientes.
Uma classificação para os PSLs, baseada em pesquisa da oferta efetiva
de prestação de serviços logísticos no Brasil, é proposta por Luna e Novaes
(2003). Usando ferramentas de análise estatística multivariada, a pesquisa
analisou 107 empresas, caracterizadas segundo 58 variáveis. Com base nos
resultados obtidos foram identificadas três dimensões que explicam as gran-
des diferenças entre essas empresas. A primeira dimensão, chamada de fator
arco (ligações entre facilidades), caracteriza uma oferta de serviços baseados
em gestão de transações e informações, menos concentrados em uma facili-
dade logística ou mais dispersos, e inclui as variáveis:

G serviços de gerenciamento, basicamente transações, inclusive com a


oferta de escritórios no exterior;
G serviços diferenciados como JIT, Kanban, baseados em entregas em
curto prazo e em pontos variados;
G serviços de transportes, como milk-run, distribuição etc;
G tecnologias de transportes, como rastreamento e roteirizadores;
G tecnologias aplicadas aos armazéns, como EDI, WMS, VAN etc.
287
A segunda dimensão, chamada fator propriedade de ativos, caracteriza a
oferta de serviços básicos. As empresas se diferenciam umas das outras por
deterem ativos. Esta dimensão é também considerada na classificação de
PSLs proposta por Africk & Calkins (1994). Na verdade, as três variáveis se-
guintes caracterizam os serviços básicos:

G frota própria;
G armazéns próprios;
G equipamentos de movimentação manual, que não exigem treinamen-
to de pessoal para sua utilização e são usados principalmente na mo-
vimentação de cargas unitizadas em pallets.

Esta dimensão está bastante relacionada com a origem da maior parte


das empresas prestadoras de serviços logísticos, transporte rodoviário e ser-
viços de armazenagem.
A terceira dimensão, chamada fator nó, representa uma dimensão que
está relacionada com atividades de mais alto valor e mais concentradas em
uma facilidade, seja pelo know-how, seja pelo valor que agrega aos produtos,
pois é composta de:

G serviços de armazenagem, que incluem controle de estoque, embala-


gem, montagem de kits;
G número de funcionários, maior quanto mais é necessário manipular
produtos;
G número de armazéns de clientes, que em geral é transferido a tercei-
ros quando estes detêm know-how e tecnologia para manipular os
produtos;
G equipamentos de movimentação mecânica, caracterizados por eleva-
do grau de cuidados no manuseio dos produtos, exigindo maior trei-
namento de pessoal;
G relação inversa com número de clientes, o que caracteriza um relacio-
namento mais próximo com poucos clientes.

Esse fator apresenta uma maior exigência em relação ao conteúdo do ser-


viço oferecido. Na Figura 9.3 são apresentadas as posições de duas empresas
típicas segundo esses três fatores. Nota-se que há diferenças significativas na
oferta dos serviços oferecidos por esses PSLs. Observe que a TNT Logistics,
comparada com a Rapidão Cometa, se destaca por oferecer atividades de mais
alto valor e mais concentradas em facilidades de propriedades de clientes, não
detendo tantos ativos como algumas empresas concorrentes. Na verdade, a
288 TNT gerencia 592.600m2 de área de armazéns de seus clientes.
Fator nó
(facilidades logísticas)

TNT Logistics

Fator propriedade
de ativos

Rapidão
Cometa
Fator arco
(ligações entre facilidades)

FIGURA 9.3 • O posicionamento de duas empresas segundo a estrutura de oferta


(adaptado de Luna e Novaes, 2003)

A Rapidão Cometa, com mais de 1.900 veículos e com área de armaze-


nagem própria superior a 120.000m2, é uma empresa que se caracteriza pela
propriedade de ativos e por atuar nos chamados arcos da rede logística, ou
seja, nas ligações entre as facilidades e na realização de atividades de distri-
buição física.
Essa estrutura permite diferenciar as empresas PSL que atuam no Brasil
em função da oferta de serviços e da estrutura oferecida. Uma análise do
mercado permite um melhor conhecimento dos PSLs e facilita o processo de
escolha do prestador logístico a contratar. Para as empresas que oferecem
serviços logísticos, essa análise permite a identificação do seu posicionamen-
to estratégico em relação aos concorrentes. Na verdade, as três dimensões
principais identificadas caracterizam grupos de ofertas de serviços (fator nó,
fator arco e fator propriedade de ativos) e podem ser vistas como competên-
cias das empresas.
Em meio a uma oferta ampla e variada, os embarcadores dispostos a
terceirizar suas atividades logísticas se deparam frequentemente com uma
complexa questão: como selecionar um PSL? Sem dúvida, faz-se necessário
avaliar os PSLs, mas essa é apenas uma das etapas do processo de terceiriza-
ção. Há toda uma série de questões que devem ser tratadas. Com o objetivo
de estabelecer um referencial prático para o problema, discutiremos, a se-
guir, um modelo conceitual simples.

O PROCESSO DE TERCEIRIZAÇÃO E A ESCOLHA DE UM PSL


O processo de terceirização das atividades logísticas, como realizado atual-
mente, é resultado de uma nova configuração das relações na cadeia de su-
primentos. A terceirização, ou outsourcing nos moldes atuais, tem conse- 289
quências mais amplas para as organizações. E essa evolução das relações
logísticas tem trazido resultados positivos, mas também tornou-se fonte de
sérias falhas e desapontamentos para muitas organizações.
O insucesso, num processo de terceirização, tem impacto significativo
para a organização. Lambert et al. (1999) destacam alguns, entre os quais es-
tão os custos do insucesso da parceria – constituídos pelos custos diretos en-
volvidos na implementação e no gerenciamento da parceria – e os custos de
oportunidade – relativos ao não engajamento noutra possível relação de
maior sucesso.
Sem dúvida, não são desprezíveis os riscos inerentes a um processo de
aquisição de serviços, mas um planejamento adequado do processo pode re-
duzi-los significativamente. Esse planejamento deve iniciar-se com a identifi-
cação da necessidade de mudança do sistema logístico da organização e da
possibilidade de terceirização de algumas atividades (ou todas) que o com-
põem. A análise do impacto da transferência dessas atividades para um terce-
iro é uma etapa importante no processo decisório. Além disso, se a empresa
opta pela terceirização, há que se avaliar a forma como se dará a transferên-
cia das atividades logísticas aos terceiros e como será monitorado o desem-
penho.
Para simplificar o entendimento das várias etapas, usaremos uma abor-
dagem temporal, na qual a análise do processo se inicia com o desejo de mu-
dança e finaliza com a avaliação dos resultados e com a realimentação do
processo.

Por que Terceirizar e quais Atividades são Objeto de Terceirização?


A primeira etapa de um processo dessa natureza se inicia com a questão de
por que terceirizar e quais as atividades que podem ser terceirizadas. Já iden-
tificamos diversas razões apontadas como motores do processo de externali-
zação das atividades logísticas. Todas as razões citadas para explicar o au-
mento do nível de subcontratação de serviços logísticos, observado na
moderna economia, constituem fatores que devem ser levados em conside-
ração quando da tomada desse tipo de decisão.
Em termos mais teóricos, três razões principais são apresentadas para
que as empresas busquem soluções externas, para atividades antes realizadas
por elas próprias: a necessidade de manter o foco nas funções que formam as
competências centrais da empresa, uma relação custo/eficiência desfavorável
das atividades objeto de subcontratação e problemas financeiros (Brandes,
Lilliecreutz e Brege, 1997). Em qualquer dos casos, a organização deve acre-
ditar que a terceirização seja uma alternativa viável para a obtenção de me-
lhorias no seu sistema logístico ou que leve à adequação deste às atuais de-
290 mandas do mercado.
Mas há situações em que a terceirização não é possível ou não é indica-
da. Por exemplo, onde há operações que exigem investimentos muito espe-
cíficos e difíceis de se tornarem rentáveis, operações que precisam de compe-
tências muito específicas ou, ainda, operações que demandam uma manipu-
lação de informações julgadas estratégicas ou confidenciais e operações con-
sideradas críticas para a organização.
Uma fábrica de helicópteros localizada no Sul da França, por exemplo,
terceiriza grande parte de suas atividades logísticas de suprimento mas, em
alguns casos, é obrigada, ela mesma, a realizar tais atividades, dado o caráter
confidencial e de segurança que envolve alguns equipamentos vendidos. É o
caso, por exemplo, de alguns helicópteros de guerra fornecidos para as for-
ças armadas de outros países.
Nas indústrias químicas, nem todas as atividades logísticas são objeto
de terceirização. Uma grande empresa fabricante de polímeros só conside-
ra a terceirização de atividades logísticas na movimentação de materiais em-
balados, que apresentam pouco perigo de contaminação. É considerado
estratégico para a empresa o controle do serviço, por se tratar de produtos
muito sensíveis.
Nessa primeira etapa do processo de terceirização, a preocupação é
com aspectos estratégicos, ou seja, o impacto da terceirização para a empresa
de forma genérica, que definirá o que pode ser objeto de terceirização e o
que não deve ser terceirizado. O estudo do impacto dessa decisão sobre a or-
ganização constituirá o próximo passo desse processo.

Como Avaliar se a Empresa deve Terceirizar Serviços Logísticos?


Uma vez definido que uma atividade pode ser terceirizada, o próximo passo
é analisar se as vantagens superam os riscos, ou seja, se a relação benefí-
cio/custo é positiva. Os custos de transações, que consistem nos custos de-
correntes das trocas contratuais de bens ou serviços entre firmas, devem ser
analisados.
Para Skjoett-Larsen (2000a), uma transação é definida como uma troca
através de uma interface tecnológica. Quando uma transação é efetuada,
uma série de custos surge como resultado de “atritos” no sistema econômi-
co. Se os custos de transações são baixos, sugere-se que a atividade seja com-
prada no mercado. Quando os custos de transações são altos, as atividades
devem ser internalizadas.
Nos custos de transação incluem-se os custos associados à identificação
de possíveis candidatos no mercado, à contratação propriamente dita e ao
acompanhamento do desempenho. As transações podem ser caracterizadas
por quatro dimensões críticas: frequência, incerteza, especificidade dos ati-
vos e facilidade de medida de desempenho. A especificidade dos ativos é a 291
principal característica da transação, definida como investimentos relacio-
nados a uma transação específica e com limitado valor quando usado em
aplicações alternativas (Williamson e Aertsen, apud Skoett-Larsen, 2000a).
Assim, quanto mais investimentos forem exigidos para atender característi-
cas de serviços muito específicos, mais altos serão os custos de adaptação dos
ativos para atender um único cliente. Isso pode inviabilizar a prestação do
serviço, dado que os contratos de serviços têm prazos limitados. Essa dimen-
são, de certa forma, determina se a empresa deve externalizar ou não as ati-
vidades.
A busca por um menor custo do serviço foi, por muito tempo, o aspecto
principal e único da decisão de terceirizar. No entanto, trabalhos mais recen-
tes mostram uma tendência à utilização de abordagens mais amplas. Assim,
por exemplo, custos de monitoramento para interações do tipo embarca-
dor/prestador de serviço e prestador de serviços/consumidor passam a ser
incluídos. Custos da implantação de ferramentas que permitam a avaliação da
satisfação do cliente final devem ser considerados quando os funcionários
da própria empresa perdem o contato direto com o consumidor. Nesses ca-
sos, a visibilidade do processo completo de serviço ao cliente deve ser orça-
da, assumindo que a informação deverá ser obtida a partir dos terceiros e dos
próprios clientes. Na verdade, as empresas devem buscar formas eficientes
de monitorar o desempenho dos PSLs, para não correrem riscos de perder
mercado devido à má qualidade dos serviços prestados aos seus clientes.
Já se tornou comum a oferta de serviços, por parte dos próprios PSLs,
visando facilitar esse monitoramento. Na distribuição física, muitos PSLs
compartilham com os embarcadores a informação relacionada à posição da
carga, ou seja, permitem um acompanhamento em tempo real do serviço que
está sendo prestado, de forma a assegurar o cumprimento dos prazos estabe-
lecidos. Mas há que ser considerados também os custos desse tipo de serviço.
A decisão de terceirizar será resultado dessa ampla análise dos custos e bene-
fícios totais associados à relação.
Ao final dessa etapa, é preciso que o contratante tenha definido clara-
mente quais as vantagens que a organização espera obter com a terceiriza-
ção, a fim de facilitar a definição dos PSLs e a forma de relacionamento mais
adequada.

Que Prestadores de Serviços Logísticos a Empresa


deve Considerar na sua Análise?
Com a tendência de terceirizar “pacotes” de atividades logísticas em lugar de
atividades únicas, a relação entre cliente e prestador de serviço também vem
mudando. Com demandas por atividades personalizadas, cresce o número
292 de PSLs on demand e, com isso, cresce também a variedade de contratos.
Trabalhos recentes avaliam, empiricamente, a relação entre as várias
atividades objeto de terceirização e mostram que as empresas, por razões re-
lacionadas à economia de escopo e de escala, terceirizam múltiplas ativida-
des com um mesmo fornecedor. Uma pesquisa com 372 gerentes de logística
revelou que alguns grupos de atividades tendem a ser subcontratados em
conjunto (Rabinovich et al., 1999).
Por outro lado, pesquisas realizadas por Sink et al. (1996) junto a um
grupo de embarcadores permitem constatar que o conceito de serviço com-
pleto cria, frequentemente incerteza e receio. Assim, os prestadores foram
aconselhados a se concentrar nas suas competências centrais e não tentar
oferecer uma solução one-stop. Lieb e Bentz (2005), em suas pesquisas longi-
tudinais sobre a indústria de prestação de serviços logísticos, observam que,
apesar de os contratantes indicarem que preferem trabalhar com um único
provedor de serviços logísticos, a escala e a cobertura geográfica exigida nos
recentes contratos têm tornado cada vez mais difícil um único prestador res-
ponder por todos os serviços exigidos.
A estrutura de classificação da oferta de serviços no Brasil, apresentada
por Luna e Novaes (2003), aponta para a identificação clara de empresas es-
pecialistas em alguns serviços e que somente um pequeno número de empre-
sas poderia ser considerado como operadores logísticos que oferecem todos
os tipos de serviços.
De qualquer forma, é com base na identificação das atividades a serem
contratadas que o perfil do prestador de serviços começa a ser esboçado.
Uma busca dos PSLs que oferecem os serviços em questão permitirá que a
empresa identifique os potenciais candidatos. Há casos em que alguns pres-
tadores de serviços logísticos já desenvolveram competências no desempe-
nho de determinadas funções. Muitas vezes, um PSL não oferece determina-
dos serviços logísticos no momento. Para a empresa contratante, no entanto,
mesmo assim pode haver vantagens na sua contratação. Define-se então um
serviço customizado, criado sob medida, comum nos casos em que soluções
específicas são necessárias.
Buscar informações sobre os prestadores de serviços potenciais é uma
atividade importante nesse processo e permitirá reduzir a assimetria de in-
formações, principalmente num mercado novo e com uma grande variedade
de oferta de serviços. Pode-se sugerir o levantamento de dados junto a orga-
nizações profissionais como a Associação Nacional do Transporte de Carga
e Logística ou publicações específicas sobre a indústria, como é o caso do Pa-
norama de Operadores Logísticos publicado periodicamente pela Revista
Tecnologística.
Após a identificação de um perfil do PSL e da identificação de potenciais
candidatos, a próxima etapa consiste em selecionar o mais adequado. 293
Qual Prestador de Serviço é o mais Adequado?
Definidos os serviços a contratar e conhecendo a oferta, a próxima etapa
corresponde à seleção do prestador de serviço logístico. A contratação tem
características particulares, visto o alto grau de incerteza em relação à quali-
dade do “produto” final e à definição dos recursos necessários para atingir as
metas. A utilização de um processo apropriado de seleção de PSL é impor-
tante como forma de reduzir os riscos.
De acordo com Maltz (1995), a utilização de bons procedimentos ma-
ximiza a probabilidade de escolha de um PSL mais adaptado às necessidades
da empresa e permite que aqueles que tomam parte no processo decisório
possam contribuir e finalmente concordar com a escolha final. Um método
normativo pode ser sugerido como forma de orientar esse processo decisó-
rio e se chegar a um resultado final com segurança.
A primeira etapa deve consistir na identificação das características e com-
petências que devem satisfazer os PSLs. Entre os fatores a serem levados em
consideração, devem estar incluídos, em geral: compatibilidade de sistemas de
informações existentes no PSL e na empresa contratante; referências de ou-
tros clientes, reputação da empresa; estabilidade/saúde financeira da empresa;
experiência de trabalho nos negócios, como tempo que atua no mercado;
compatibilidade da cultura das empresas; facilidade de comunicação entre as
empresas; localização e escopo geográfico; e preço dos serviços oferecidos.
A seleção dos PSLs se inicia, normalmente, com a análise e a avaliação
de fatores eliminatórios, o que permitirá ao avaliador construir um quadro
geral comparativo dos potenciais prestadores de serviços logísticos. O esta-
belecimento de regras simples permite eliminar aqueles que não satisfazem
critérios estabelecidos a priori. Essas regras especificam critérios que o PSL
deve obrigatoriamente satisfazer. Por exemplo, o PSL deve estar localizado
na mesma região da empresa contratante, deve ter boa reputação no merca-
do e deve ter uma experiência mínima de dois anos. Aqueles que satisfizerem
preliminarmente o conjunto de regras definidas pelos tomadores de decisão
serão posteriormente analisados de forma mais detalhada. Os que não passa-
rem no escrutínio inicial serão definitivamente eliminados.
Uma análise mais detalhada dos PSLs remanescentes do processo de se-
leção preliminar pode ser feita utilizando técnicas simples de ponderação,
visando estreitar ainda mais o universo de soluções possíveis. É preciso, ini-
cialmente, definir os critérios considerados importantes, que permitirão or-
denar as várias alternativas remanescentes. Atribui-se, a cada um dos candi-
datos, uma nota refletindo cada critério. Essa nota será, por exemplo, a mé-
dia das notas atribuídas aos PSLs pelos vários analistas do processo.
Em geral, usa-se uma fórmula aditiva simples para agregar os resultados
294 dessas avaliações parciais, atribuindo-se um peso a cada critério. É importan-
te que esses critérios sejam claros, que tenham sido considerados relevantes
pelos tomadores de decisão e que possam ser efetivamente avaliados na prá-
tica. Além disso, é importante que esses critérios não sejam redundantes, de
forma a se evitar distorções nas avaliações. Finalmente, deve-se procurar in-
cluir na avaliação todos os critérios julgados importantes pela empresa.
Ao final se terá uma classificação comparativa e mais detalhada dos
PSLs potenciais. De todos, dois ou três merecerão uma análise posterior mais
detalhada. Segundo Sink e Langley (1997), estudos de caso revelam que as
equipes de contratação de serviços examinam dois ou três finalistas, aos
quais é requisitada uma proposta formal. É fornecido a cada PSL potencial
um provável cenário do negócio, para que confirme sua capacidade de aten-
der às demandas da empresa. Em seguida, é feita uma análise das propostas
dos serviços a serem oferecidos. Essas propostas fornecerão elementos mais
detalhados para a tomada de decisão.
A etapa seguinte consistirá na definição das ferramentas gerenciais a
utilizar na fase de implementação, de forma a reduzir a distância entre os ob-
jetivos almejados e os realmente alcançados.

Quais Ferramentas de Controle Utilizar?


Com a seleção do PSL, deverão ser identificadas ferramentas gerenciais para
serem utilizadas na parceria. Ambas as partes participam desse processo, e o
contrato logístico constitui a principal ferramenta para boa gestão da parce-
ria logística. Ele terá a função de definir como o processo de implementação
dessa parceria será conduzido, através da identificação das ferramentas de
controle e das medidas de desempenho a serem utilizadas para avaliação dos
resultados obtidos. Dispositivos de incentivo e de sanção também deverão
ser definidos na fase de elaboração do contrato. É preciso ter em mente que
cada acordo é único. Um contrato deve ser elaborado em função das ativida-
des a serem contratadas, dos dispositivos de coordenação, dos controles uti-
lizados na parceria e dos objetivos estipulados no acordo.
Os contratos logísticos têm evoluído em decorrência dessa tendência de
subcontratar mais atividades e do aumento da incerteza dos resultados a se-
rem obtidos. Algumas diferenças fundamentais entre os contratos logísticos
atuais e os tradicionais são abordadas no trabalho de Africk (apud Razzaque
e Sheng, 1998). Por exemplo, os contratos atuais são estabelecidos de forma
a cobrir maior prazo e são negociados num nível de administração mais alto.
Por outro lado, as formas de contratos evoluíram em decorrência de um
maior nível de sofisticação, apoiados em verdadeiras parcerias logísticas. A
grande mudança está relacionada com a maior flexibilidade dada aos PSLs
para a realização dos serviços, que podem assim dispor de formas mais criati-
vas para desenvolver as atividades terceirizadas. Ao mesmo tempo, os con- 295
tratos passaram a conter cláusulas de penalidades para os PSLs, no caso de
não atendimento dos objetivos propostos (Laarhoven et al., 2000).
Os mesmos autores apontam que, embora o PSL tenha um maior grau
de liberdade para adotar novas soluções logísticas, geralmente o contrato é
extremamente detalhado em termos de preços e níveis de serviços. Por
exemplo, o contratante pode exigir informações detalhadas que possam ali-
mentar diretamente seu sistema de gestão de custos. Além disso, vários níveis
são identificados e registrados no contrato. Em alguns casos, se o PSL reali-
zar as atividades com desempenho superior ao acordado previamente, rece-
berá uma remuneração mais alta. Caso contrário, será penalizado. Esse tipo
de contrato fornece instrumentos para que os serviços oferecidos sejam
acompanhados e monitorados permanentemente.
Na verdade, a contratação de um PSL não significa uma simples transfe-
rência de responsabilidade a terceiros. Ao contrário, o trabalho em parceria
é difícil, e uma intensa troca de informações e contínua adaptação são
pré-requisitos para o sucesso de um processo de outsourcing de serviços. Um
constante monitoramento dos resultados, à medida que o sistema vai sendo
executado, reduz os riscos de falhas e permite uma rápida correção das dis-
torções identificadas. O uso dos indicadores na área da logística vem, assim,
ganhando importância, na medida em que se torna necessário medir e ava-
liar o desempenho de atividades logísticas terceirizadas.

Como Administrar a Parceria?


Apesar das vantagens da terceirização, identifica-se uma grande preocupação
com o relacionamento entre as partes depois de iniciada a parceria (Artmann e
Martha, 1997; Hutt et al., 2000; Moore e Cunninghan III, 1999; Fab-
be-Costes e Brulhart, 1999; Tate, 1996). Depois de definido o “como fazer
juntos”, seja pela implementação de comunicação e informação, seja pela for-
malização de procedimentos entre as empresas, é necessário observar como
realmente estas irão cooperar. A definição detalhada dos termos de contrato é
importante, mas não é suficiente para garantir o sucesso de um processo de
outsourcing, onde avaliações qualitativas dos resultados são indispensáveis.
Pode-se ressaltar a importância de todas as questões relacionadas à cul-
tura organizacional, aprendizagem organizacional (Hatchuel, 1994) e os
conceitos de confiança (Neuville, 1998), de comportamento cooperativo
etc., que vão fazer com que as parcerias obtenham resultados satisfatórios ou
frustrantes em relação às expectativas.
A confiança entre os parceiros é um conceito importante ao longo de
todo o ciclo de vida de uma aliança, mas o excesso de confiança pode ser
considerado uma armadilha para os parceiros. Neuville (1998) ressalta a im-
296 portância de administrar os limites da confiança, e Fabbe-Costes e Brulhart
(1999) afirmam que a confiança supõe vigilância entre os parceiros. Assim, é
preciso que as empresas gerenciem permanentemente a parceria e mante-
nham, ao mesmo tempo, uma política de vigilância, de forma a evitar que os
parceiros se afastem dos objetivos fixados previamente.
A difusão crescente da tecnologia de informação veio permitir o monito-
ramento das atividades desenvolvidas pelas empresas contratadas a custos
mais baixos, reduzindo a possibilidade, por exemplo, da manipulação de in-
formações fornecidas ao contratante por parte do contratado. A troca cons-
tante de informações é considerada um fator crítico para o sucesso dos contra-
tos logísticos, que tendem a ter prazos mais longos e relações mais abertas.
Na verdade, como resultado do grande número de fracassos na forma-
ção de parcerias ou alianças, os administradores tentam adotar uma aborda-
gem mais construtivista e adaptável a cada caso, daí a difusão dos termos
como confiança, comportamento cooperativo, engajamento, clima organi-
zacional e cultura. O próprio envolvimento dos funcionários, ainda na tran-
sição das atividades (antes realizadas in-house) para o agente terceirizado, é
de fundamental importância, porque, na grande maioria dos casos, a transfe-
rência das atividades deve acontecer sem a interrupção dos serviços, e o en-
volvimento dos funcionários é crucial para o sucesso desse processo. Em ge-
ral, as empresas contratadas procuram aproveitar a mão de obra da empresa
contratante, mas demissões são comuns, o que gera um clima de insegurança
entre os funcionários, que tentarão manter o status quo. As questões traba-
lhistas merecem atenção especial nesse caso.
Outro aspecto importante para o sucesso das parcerias logísticas é o en-
volvimento da alta administração. Sem dúvida, entre os agentes que decidem
e tomam parte da implementação de uma mudança organizacional devem
estar os executivos da alta gerência. Um consultor pode, por exemplo, suge-
rir o outsourcing de atividades como uma alternativa viável, mas os executi-
vos da organização contratante devem estar realmente convencidos da ne-
cessidade de mudar. E mudanças mais profundas na empresa podem repre-
sentar perda de controle para aqueles que fazem parte do grupo dominante
na organização, criando, assim, resistências na implementação do projeto.
Se a parceria tiver sucesso, os mecanismos de controle e monitoramen-
to devem ser continuamente ajustados. Mas há fatores diversos que podem
levar a empresa a reavaliar a decisão de terceirizar e, algumas vezes, a reinte-
grar as atividades logísticas.

Quando Considerar a Possibilidade de Reintegrar


as Atividades Logísticas?
A reintegração das atividades logísticas é comum, mas constitui uma decisão
crucial para a empresa que, mais uma vez, é obrigada a modificar sua estraté- 297
gia. Ainda são pouco discutidos o processo de reintegração das atividades lo-
gísticas e os problemas enfrentados nesse processo. Colin e Fabbe-Costes
(1995) apontam algumas razões da reintegração, entre as quais a confiabili-
dade do desempenho das operações e a preservação do know-how.
A preservação do know-how tanto pode levar a empresa a optar pela re-
integração como, quando considerada em fases anteriores, a restringir o es-
copo da terceirização. Isso justifica a manutenção e administração, por
exemplo, de alguns armazéns de uma rede logística quando todos os outros
são terceirizados. Segundo Fabbe-Costes e Colin (1995), muitas empresas
adotam essa estratégia por dois motivos. Primeiro, para preservar o conheci-
mento mais profundo das práticas logísticas e da experiência na gerência das
operações. Em segundo lugar, a exploração dessas atividades permite a ava-
liação de novas técnicas, sem a necessidade de ter que convencer a empresa
subcontratada a fazer investimentos de risco.
Lieb e Randall (1999, a e b) afirmam que a razão mais citada pelos con-
tratantes para o término dos contratos logísticos é o mau desempenho dos
prestadores de serviços logísticos. Além dessa, os autores citam: fusão do
cliente com outra companhia; fechamento do mercado servido; percepção
do cliente de que a relação foi prejudicada; violação de um contrato de alian-
ça. Também são citados problemas trabalhistas e insolvência do cliente.
Lambert et al. (1999) destacam, por outro lado, as expectativas não realistas
do contratante em relação aos serviços prestados.
Do ponto de vista da empresa que contrata os serviços, muitas vezes o
questionamento é centrado nas questões estratégicas, em que se pergunta se
os objetivos estratégicos considerados na primeira etapa do processo de ter-
ceirização foram realmente alcançados.
Sempre que esses serviços forem reintegrados na empresa, deve-se rea-
lizar um novo diagnóstico de sua estrutura logística e avaliar as razões do in-
sucesso, antes de contratar outro PSL.

DESAFIOS AOS OPERADORES LOGÍSTICOS


Operadores Logísticos e o Comércio Eletrônico
O mercado dos prestadores de serviços logísticos, sem dúvida, ainda é um
mercado em crescimento, mas é, principalmente, um mercado em transfor-
mação. Observa-se uma grande dinâmica na oferta de serviços e uma busca
das empresas por nichos de mercado mais rentáveis. A tendência de oferecer
serviços on demand está relacionada a essa dinâmica. A disseminação do uso
de tecnologias de informação e comunicação, como é o caso do comércio
eletrônico, principalmente em países emergentes como o Brasil, é um dos fa-
tores que afetam essa dinâmica.
298
No que se refere ao comércio B2C (business-to-consumer), a perspectiva
é de aumento substancial nos próximos anos. Se o comércio B2C cresce, o
B2B (business-to-business) é ainda mais representativo. Na verdade, essa últi-
ma forma é ainda mais antiga e vem permitindo uma redução significativa dos
custos de transação. Mas o crescimento do varejo eletrônico faz com que as
empresas tenham que reconfigurar seus sistemas logísticos para atender as no-
vas características da demanda. Para o comércio B2C, essas características in-
cluem: grande número de pequenos pedidos, maior dispersão geográfica, pra-
zos curtos de entrega, maior dificuldade de previsão da demanda etc. A maior
dificuldade em atender essas demandas faz com que as empresas busquem no-
vas soluções, destacando-se o outsourcing da distribuição física.
Essa nova forma de comércio gera a necessidade de adaptação dos canais
de distribuição para atender um mercado de dimensões ampliadas, muitas
vezes global. Assim, como visto nos Capítulos 3 e 4, a função do canal, rela-
cionada com a distribuição física, passa, em muitos casos, a ser realizada por
prestadores de serviços logísticos. Pode-se citar o caso da Dell Computado-
res do Brasil Ltda., onde a venda é realizada pela Internet para todo o Brasil e
a entrega fica a cargo dos PSLs.
Na realidade, para a grande maioria das empresas, a implantação de
uma estrutura logística voltada ao atendimento de um mercado geográfico
mais amplo torna-se inviável, principalmente se considerarmos as novas ca-
racterísticas dessa demanda. Mas, como o comércio eletrônico constitui um
dos nichos de mercado mais visados pelos prestadores de serviços logísticos,
as firmas ponto-com já começam a fazer parcerias com empresas de enco-
mendas expressas, que dispõem de maior capilaridade para atender pessoas
físicas.
Mas, não são somente os varejistas os responsáveis pelo aumento do co-
mércio B2C. Os fabricantes também têm lançado mão do comércio eletrôni-
co para aumentar a lucratividade de seus negócios. Com o poder nos canais
de distribuição passando para as mãos dos grandes varejistas, a margem de
lucro dos fabricantes vem sendo reduzida e, como resultado, estes últimos
passam a buscar canais de distribuição mais rentáveis. Uma das alternativas
tem sido o sistema desenvolvido por empresas de tecnologia de informação,
chamado business to business to consumer (B2B2C), no qual a empresa faz o
elo entre a indústria, o comércio tradicional e o virtual e, em parceria com
PSLs, oferece uma solução completa de comércio eletrônico e de logística.
Um exemplo dessa iniciativa é a parceria feita pela Ezconet e a Rapidão Co-
meta6 para atender fabricantes de eletroeletrônicos que procuram formas de
atingir o consumidor final sem a figura do distribuidor. Através da Internet e
de ferramentas do e-commerce, revendedores acessam catálogos e efetuam o

6
Consulte: http://www.rapidaocometa.com.br/site/downloads/cometa-abril2006.pdf. 299
pedido, que será entregue pelo PSL ao cliente final. O prestador de serviço
logístico, além de ser responsável pela distribuição, também realiza ativida-
des de armazenagem, preenchimento de pedidos e logística pós-venda.
As expectativas do comércio eletrônico fazem com que os embarcado-
res passem a subcontratar não somente a entrega final ao consumidor, mas
todas as atividades relacionadas à distribuição física, como forma de garantir
os níveis de serviço atualmente exigidos. Isso amplia a gama de serviços lo-
gísticos oferecidos, à medida que novas atividades vão sendo incorporadas.
Nessa linha, destacam-se: o postponement ou postergação, em que os PSLs
passam a realizar atividades de finalização do processo de produção, como
montagem final de produtos; os serviços de logística pós-venda, como é o
caso da coleta e posterior devolução de aparelhos submetidos a conserto etc.
(veja Capítulo 2).

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302
10
Roteirização
de Veículos

NO CAPÍTULO 8, analisamos o problema da distribuição física com base em


aproximações. Tais aproximações são de grande valia na fase de planeja-
mento logístico, quando são analisados e dimensionados os bolsões e a frota
de veículos necessários para realizar um determinado tipo de serviço de dis-
tribuição se produtos. No entanto, quando o enfoque é operacional, isto é,
na fase em que o sistema já foi dimensionado anteriormente nos seus contor-
nos gerais, o problema é mais específico, pois se conhecem as localizações
precisas dos clientes e suas demandas. Para esses casos, um problema muito
frequente na distribuição física é o da roteirização de veículos.

CONCEITUAÇÃO
Um problema real de roteirização é definido por três fatores fundamentais:
decisões, objetivos e restrições (Partyka e Hall, 2000). As decisões dizem res-
peito à alocação de um grupo de clientes, que devem ser visitados, a um con-
junto de veículos e respectivos motoristas, envolvendo também a programa-
ção e o sequenciamento das visitas. Como objetivos principais, o processo de
roteirização visa propiciar um serviço de alto nível aos clientes, mas ao mes-
mo tempo mantendo os custos operacionais e de capital tão baixos quanto
possível. Por outro lado, deve obedecer a certas restrições. Em primeiro lu-
gar, deve completar as rotas com os recursos disponíveis, mas cumprindo to-
talmente os compromissos assumidos com os clientes. Em segundo lugar, 303
deve respeitar os limites de tempo impostos pela jornada de trabalho dos
motoristas e ajudantes. Finalmente, devem ser respeitadas as restrições de
trânsito, no que se refere às velocidades máximas, horários de carga/descar-
ga, tamanho máximo dos veículos nas vias públicas etc.
Na prática, problemas de roteirização ocorrem com bastante frequên-
cia na distribuição de produtos e de serviços. Alguns exemplos são listados a
seguir:

G entrega, em domicílio, de produtos comprados nas lojas de varejo ou


pela Internet;
G distribuição de produtos dos CDs para lojas de varejo;
G distribuição de bebidas em bares e restaurantes;
G distribuição de dinheiro para caixas eletrônicos de bancos;
G distribuição de combustíveis para postos de gasolina;
G distribuição de artigos de toalete (toalhas, roupa de cama etc.) para
hotéis, restaurantes e hospitais;
G coleta de lixo urbano;
G entrega domiciliar de correspondência etc.

ROTEIRIZAÇÃO SEM RESTRIÇÕES


Quando a separação dos clientes, pelos diversos roteiros, já foi realizada pre-
viamente, a questão da restrição de tempo e de capacidade está resolvida.
Assim, não precisamos nos preocupar com tais restrições, tudo se passando
como se o sistema não fosse restrito por tempo ou por capacidade. Nesses
casos, o problema que resta a ser resolvido é o de encontrar a sequência de
visitas que torne mínimo o percurso dentro do bolsão. Num caso simples,
como o da Figura 10.1, em que há poucos clientes a serem visitados no rotei-
ro, o problema pode ser resolvido facilmente por inspeção. Quando o núme-
ro de clientes aumenta ou quando a distribuição dos pontos de visita assume
esquemas mais complexos, a resolução do problema passa a exigir métodos
mais sofisticados, tratados no computador.
Na literatura técnica, o problema de roteirização sem restrições recebe
o nome de PCV – Problema do Caixeiro-Viajante (Novaes, 1989). Isso por-
que o autor que primeiro analisou a questão exemplificou a metodologia
através de aplicação a um caso em que um caixeiro-viajante tem de visitar
um determinado número de cidades localizadas numa região, devendo achar
a sequência que minimize o percurso total.
Há vários métodos heurísticos para resolver um PCV. De uma forma
geral, esses métodos podem ser agrupados em duas categorias:
304
Roteiro
de visitas

CD

Bolsão de Clientes
distribuição
FIGURA 10.1 • Roteiro simples (12 clientes) num bolsão de distribuição

G métodos de construção do roteiro;


G métodos de melhoria do roteiro.

Métodos de Construção do Roteiro


Os métodos de construção partem de um ou dois pontos, e vão formando o
roteiro através do acréscimo paulatino de pontos adicionais. A sistemática
mais simples é ir ligando cada ponto ao seu vizinho mais próximo. Elege-se
um deles como ponto inicial e se procura, dentre os demais pontos, aquele
que estiver mais perto do primeiro. Toma-se o segundo ponto e faz-se o mes-
mo procedimento, tomando o cuidado de excluir todos aqueles que já fazem
parte do roteiro. Esse método não é dos mais eficazes, mas é rápido e fornece
uma solução, que pode ser adotada como configuração inicial para aplicação
dos métodos de melhoria.
Na Figura 10.2 é mostrado um roteiro com 36 clientes. Elegeu-se,
para início da construção do roteiro, o ponto mais ao sul, conforme indica-
do na figura. Tomando sempre o vizinho mais próximo para formar a se-
quência de visitas do roteiro, obtém-se o resultado mostrado na Figura 10.2,
com L = 55,69km. Se tomarmos um outro ponto como início do percurso, o
roteiro resultante pode ser diferente. Em geral, a solução obtida com um mé-
todo desse tipo não é satisfatória, exigindo a aplicação de um método de me-
lhoria sobre o resultado assim obtido. Por exemplo, a solução de um PCV
não pode apresentar percursos cruzados no roteiro. O roteiro da Figura 10.2
apresenta três cruzamentos desse tipo. A razão para essa afirmação pode ser
entendida através da observação da Figura 10.3. Um teorema da geometria
afirma que um lado do triângulo é menor ou igual à soma dos outros dois la-
dos. Então, tomando o triângulo ICK da Figura 10.3, o lado IK é menor do
que a soma IC + CK. De forma análoga, se tomarmos o triângulo JCL na Fi-
gura 10.3, o lado JL é menor do que a soma dos lados JC + CL. Mas, se essas
duas relações são verdadeiras, então as ligações IK e JL dão um resultado me-
305
36 clientes

Ponto
inicial

L = 55,69 km
FIGURA 10.2 • Aplicação do método do vizinho mais próximo para obtenção
de uma solução inicial para o PCV

lhor do que as ligações anteriores, IL e JK, conforme mostrado na Figura


10.3, ou seja, sempre que ocorrer um cruzamento pode-se substituí-lo, com
vantagem, pela ligação não cruzada. Além desse tipo de redução da extensão
do roteiro, existem outras possibilidades não tão aparentes, que são explora-
das através de métodos de melhoria.
Um processo de construção mais eficiente do que esse que analisamos
é o método de inserção do ponto mais distante. Seja, por exemplo, o caso
dos seis clientes mostrados na Figura 10.4a, e tomemos o ponto 1 para iniciar
o roteiro. Procura-se inicialmente o ponto mais distante do ponto inicial, no
caso o cliente 4. Ligam-se os dois pontos, formando o roteiro embrionário

I I

J J

K K

L L
IK £ IC + CK
IK + JL £ IL + JK
JL £ JC + CL
FIGURA 10.3 • Eliminação de cruzamento num roteiro do PCV
306
4 4 4
3 3 3

2 6 6
5 2 2 6
5 5

(a) 1 (b) 1 (c) 1

4 4 4

3 3
3

6 2 6
2 6 2 5
5 5

(d) (e) 1 (f) 1


1

FIGURA 10.4 • Método de inserção do ponto mais distante (PCV)

mostrado na Figura 10.4b. A seguir, busca-se o ponto mais distante do ro-


teiro parcial já montado. É o ponto 5, levando ao roteiro parcial 1-4-5
mostrado na Figura 10.4c. Dentre os pontos ainda não incluídos no rotei-
ro, busca-se novamente o mais distante dos arcos (ligações) que formam o
roteiro parcial. É o cliente 3, conforme mostrado na Figura 10.4c. Esse
novo ponto é inserido no arco mais próximo, no caso, o arco 1-4. Temos
então o roteiro parcial 1-3-4-5, conforme Figura 10.4d. Repetindo a ope-
ração, notamos que o ponto mais distante do roteiro é o cliente 6. Esse
ponto está mais próximo do arco 1-5 e, por isso, é colocado entre esses dois
clientes, como mostrado na Figura 10.4e. Finalmente, o ponto restante é o
cliente 2, que está mais próximo do arco 1-3, sendo inserido entre esses
dois pontos, completando assim o roteiro (Figura 10.4f). Problemas maio-
res, com muitos clientes, são obviamente resolvidos com o auxílio de com-
putador.
Outros métodos de construção de roteiros são relatados na literatura
especializada. O leitor interessado nesse assunto poderá consultar, por
exemplo, Laporte (1992).

Métodos de Melhoria do Roteiro


Os métodos de melhoria partem da solução obtida com o auxílio de um outro
método qualquer e procuram aperfeiçoar o resultado assim obtido, utilizan-
do, para isso, uma sistemática predefinida. Os dois métodos de melhoria mais
utilizados são o 2-opt e o 3-opt, desenvolvidos por Lin e Kernighan (1973). O
método 2-opt, mais simples, tem a seguinte evolução computacional:
307
Etapa 1. Começamos com um roteiro qualquer, de preferência um
roteiro gerado com o auxílio de um método de construção.

Etapa 2. Removemos dois arcos do roteiro e tentativamente


reconectamos os nós que formam esses dois arcos, alterando as
ligações (Figura 10.5). Se essa nova ligação produzir um resultado
melhor, isto é, gerando um roteiro de extensão menor do que o
anterior, substituímos o roteiro inicial pelo novo roteiro e
repetimos a etapa 2. Caso contrário, continuamos com o roteiro
anterior e tentamos outros dois arcos, repetindo a etapa 2,
e assim sucessivamente.

Etapa 3. O processo termina quando não se conseguir nenhuma


melhoria, ao se fazerem todas as trocas de ligações possíveis.

Na Figura 10.5 representamos simbolicamente um roteiro qualquer.


Num certo momento do processo, estamos considerando quatro nós, sendo
que o nó J é o seguinte do ponto I no roteiro, e o nó L vem logo após o ponto
K. Suponhamos que o roteiro (a), da Figura 10.5, tenha extensão La. Altera-
mos agora as ligações dos arcos I, J, K e L, gerando a nova sequência mostra-
da simbolicamente na Figura 10.5b, com extensão Lb. Se Lb < La, a alteração
produziu uma melhoria, e então deixamos de lado o roteiro (a) e adotamos
(b) como roteiro básico. Se, ao contrário, Lb ≥ La, isso significa que a altera-
ção não produziu nenhuma melhoria, e então o roteiro (a) continua servindo
como roteiro básico. O processo continua, realizando todas as combinações
possíveis de pares de nós, até que não se consiga mais obter nenhuma melho-
ria. Nesse ponto o computador pára, mostrando o roteiro final otimizado e
sua extensão.

K K

L L
arcos a modificar
J J
I I

(a) roteiro básico (b) roteiro modificado


FIGURA 10.5 • Dois pares de nós (I –J e K-L) rearranjados no método 2-opt, para solução
do PCV
308
1 2 3

roteiro
básico

4 5 6 7

1 • • • 7 = possíveis combinações dos nós


FIGURA 10.6 • Possíveis recombinações dos nós no método 3-opt

O método 3-opt é conceitualmente semelhante ao 2-opt, com a diferen-


ça de que as alterações são agora realizadas tomando três pares de arcos de
cada vez. Outra diferença importante em relação ao método anterior é que
agora são possíveis sete alterações diferentes para cada configuração básica,
conforme pode ser visto na Figura 10.6. Embora mais complexo do que o
2-opt, o método 3-opt fornece resultados mais precisos.
Tomemos, como exemplo, os 36 clientes da Figura 10.2. Aplicou-se o
método 3-opt para melhorar o resultado obtido anteriormente com o método
do vizinho mais próximo, gerando o roteiro da Figura 10.7, com uma redução
de 21,6% na distância percorrida. Poderíamos ter aplicado primeiro o méto-
do 2-opt, para então aplicar o método 3-opt sobre o roteiro resultante. Alguns
autores não recomendam isso, sugerindo que se aplique o 3-opt diretamente
sobre o resultado obtido com o auxílio de um método de construção.

36 clientes

L = 43,68 km
FIGURA 10.7 • Roteiro obtido através da aplicação do método 3-opt sobre o resultado
inicial apresentado na Figura 10.2
309
O PCV – Problema do Caixeiro-Viajante – apresenta dificuldades cres-
centes de resolução (tempo de processamento) quando o número de clientes
aumenta. Problemas de pequeno porte são facilmente resolvidos, enquanto
problemas maiores, com número de pontos visitados maior do que 100, re-
querem tempos de processamento apreciavelmente mais elevados.

ROTEIRIZAÇÃO COM RESTRIÇÕES


Já vimos, no Capítulo 8, que a resolução da maioria dos problemas de distri-
buição física fica condicionada aos limites de tempo ou de capacidade do veí-
culo. Muitas vezes é preciso roteirizar os veículos sem que haja uma prévia
divisão da região em bolsões. Nesses casos, o processo de roteirização é dife-
rente dos anteriormente vistos. A roteirização, nessas situações, ocorre si-
multaneamente com o processo de divisão da área em bolsões ou zonas de
entrega. Na literatura, são descritos métodos diversos para resolver esse tipo
de problema, muitos deles envolvendo modelos matemáticos razoavelmente
complexos. Neste texto, escolhemos dois métodos relativamente simples,
um deles bastante eficaz e muito utilizado. São eles:

G método de varredura;
G método de Clarke e Wright.

Método de Varredura
É um método fácil de se usar e de computação rápida. Mas é menos preciso
que o método de Clarke e Wright e deve ser utilizado com certo cuidado, de
forma a evitar distorções nos resultados. Algumas limitações ficarão claras
através do exemplo. Segundo Ballou (1999), o método de varredura apre-
senta precisão de 10%, tomando como referência a solução ótima absoluta.
Esse nível de precisão pode ser aceitável em situações em que as característi-
cas do problema mudam muito rapidamente, sendo preferível obter uma so-
lução razoável, num prazo curto, do que a solução ótima, num período de
tempo incompatível com as necessidades reais. Ballou ( 1999) indica que há
situações em que os encarregados da elaboração de roteiros têm que desen-
volvê-los, muitas vezes, num prazo de uma hora após terem recebido os da-
dos sobre os pontos de entrega e as quantidades a transportar.
O método de varredura consta da seguinte sequência de procedi-
mentos:

Etapa 1. Tomando o depósito como centro, definir um eixo passando por


ele. Esse eixo geralmente coincide com a linha horizontal (eixo das abscissas,
310 Figura 10.8a);
Etapa 2. Vá girando o eixo em torno do CD no sentido anti-horário (ou ho-
rário, se assim o preferir) até que a linha inclua um cliente (Figura 10.8a).

Etapa 3. Teste o cliente em potencial, verificando se pode ser incluído no ro-


teiro em formação: (a) o tempo de atendimento do novo cliente excede a
jornada de trabalho permitida por dia?; (b) a quantidade de mercadoria a
transportar para o novo cliente excede o limite de capacidade do veículo? Se
ambas as restrições não forem violadas, o novo cliente poderá ser incorpora-
do ao roteiro, e o processo (etapas 2 e 3) continua.

Etapa 4. Se o novo cliente não puder ser incluído no roteiro em formação, é


sinal de que as possibilidades desse roteiro se esgotaram. Nesse caso, fecha-
mos o roteiro e iniciamos um novo. O processo termina quando todos os
clientes tiverem sido incluídos num roteiro (Figura 10.8b).

Etapa 5. Para cada roteiro, aplicar um método de melhoria (o 3-opt, por


exemplo) de forma a minimizar os percursos.

Vamos aplicar o método de varredura a um problema contendo 60


clientes distribuídos numa região, conforme mostra a Figura 10.9. Para cada
cliente, são disponíveis (Tabela 10.1): (a) coordenadas x e y da localização;
(b) quantidade q de mercadoria demandada por entrega. As coordenadas x e
y têm sua origem no CD da empresa. O tempo de descarga em cada cliente
foi admitido uniforme e igual a 15 minutos. Não há restrição, no entanto,
em se adotar tempos de entrega diferenciados por cliente.
O CD está situado ao sul, relativamente longe da região de distribuição.
As coordenadas do CD são (0,0). A distância média do CD aos clientes é de
77,6km, estando o ponto mais próximo a uma distância de 75,2km e, o mais
distante, a 79,8km. Se aplicarmos o método de varredura, com o eixo giran-
do em torno do CD, conforme recomendado nas instruções, os roteiros re-
sultantes ficarão extremamente alongados na direção do depósito. Isso não é
bom, pois a forma ideal para os bolsões não deve apresentar distorções acen-

Região Região
atendida atendida
Clientes Clientes

Roteiro 2
Ângulo Roteiro 3
variável

Roteiro 1

Eixo
CD CD

(a) (b)

FIGURA 10.8 • Método de varredura: evolução


311
tuadas numa das dimensões. Neste caso, devemos adotar então outro centro
para o eixo. Escolhemos o centro de gravidade dos pontos de entrega da re-
gião, que é representado pelo ponto CG, na Figura 10.9.

Tabela 10.1 Coordenadas e demandas dos clientes, exemplo


de roteirização, Figura 10.9
no x (km) y (km) Q (kg) no x (km) y (km) Q (kg)
1 1,26 55,65 203 31 2,67 56,26 175
2 1,52 55,12 125 32 1,86 55,38 228
3 2,66 55,01 183 33 3,48 54,07 177
4 2,33 56,20 208 34 0,83 55,38 133
5 2,79 55,80 141 35 0,83 54,88 162
6 3,27 56,23 188 36 2,40 55,41 243
7 2,53 56,67 209 37 2,44 54,04 310
8 3,26 55,62 215 38 3,67 55,86 39
9 0,50 55,78 300 39 3,20 55,73 167
10 3,67 55,63 172 40 2,04 55,42 274
11 1,34 55,04 267 41 1,43 55,82 68
12 3,77 55,41 251 42 3,01 55,00 199
13 3,29 55,69 128 43 3,37 55,35 206
14 3,41 55,30 230 44 1,36 54,93 150
15 3,14 55,67 158 45 1,07 56,43 307
16 3,54 56,02 254 46 2,27 54,77 173
17 0,84 55,14 207 47 3,54 54,16 198
18 2,82 55,81 189 48 2,70 55,19 159
19 1,29 55,98 147 49 1,36 56,32 253
20 2,27 54,99 223 50 2,48 56,93 91
21 3,40 54,49 171 51 2,13 56,54 198
22 2,29 56,12 112 52 3,49 55,36 216
23 2,37 55,16 340 53 1,92 55,50 225
24 1,40 54,15 175 54 2,44 54,25 315
25 3,59 54,32 309 55 2,62 56,01 303
26 0,70 55,55 75 56 3,17 56,35 252
27 1,38 54,16 220 57 1,69 55,28 76
28 2,03 53,80 286 58 3,55 55,11 159
29 2,21 53,70 218 59 1,47 56,17 187
30 3,32 56,43 165 60 0,90 54,65 94

312
Região de
distribuição

CG
Pontos a serem
visitados
(60 clientes)

CG – centro de gravidade

FIGURA 10.9 • Localização dos clientes e do centro de gravidade (CG) numa região
de distribuição

Adotamos, para este caso, um veículo de quatro toneladas de capacida-


de útil e limitamos a jornada de trabalho a oito horas por dia. A distância en-
tre dois pontos quaisquer foi estimada multiplicando-se a distância em linha
reta por um fator k1 = 1,40, que leva em conta a não linearidade do percurso
real do veículo. Aplicando o método de varredura, com o eixo girando em
torno do centro de gravidade CG, obtivemos sete roteiros, todos eles restri-
tos por tempo. O carregamento máximo dos veículos chegou a apenas 1,8
tonelada, significando que o caminhão escolhido tem sobra de capacidade.
O resultado preliminar da aplicação do método de varredura é apresen-
tado na Figura 10.10. Pode-se observar que os roteiros apresentam muitas
interseções e ziguezagues desnecessários, exigindo a aplicação de um méto-
do de melhoria em cada roteiro, separadamente. Notar que, ao considerar-
mos individualmente cada roteiro, recaímos na categoria anterior, isto é, ro-
teiros sem limitações de tempo ou de capacidade. Isso acontece porque essas
duas restrições já foram consideradas no método de varredura, não sendo
necessário incorporá-las mais nesta fase da roteirização.
Para cada um dos sete roteiros mostrados na Figura 10.10, aplicamos o
método de melhoria 3-opt, resultando no esquema mostrado na Figura
10.11. Os resultados obtidos com o método de varredura são os seguintes:

G Número de roteiros (no de veículos): 7


G Quilometragem total diária da frota (km): 1.101,9
G Custo médio por cliente visitado (R$): 16,58 313
Região de
distribuição

R3 R2

R1
R4
CG

R7
R5

R6

R1, R2...: roteiros

FIGURA 10.10 • Roteiros resultantes da aplicação do método de varredura

Região de
distribuição

R2
R3
R1

R4
CG

R7

R5

R6

R1, R2...: roteiros

FIGURA 10.11 • Roteiros obtidos com o método 3-opt, aplicado sobre os roteiros gerados
com o método da varredura

Método de Clarke e Wright


Esse método (Clarke e Wright, 1963) tem sido muito utilizado, e com gran-
de sucesso, na resolução de problemas isolados, como também aparece em-
butido dentro de muitos softwares de roteirização. Isso porque permite in-
corporar, de forma eficiente, diversos tipos de restrições, e utiliza uma forma
314
engenhosa de construção de roteiros. Segundo Ballou (1999), enquanto o
método de varredura produz um erro médio de 10%, o de Clarke e Wright
reduz esse nível a 2% do ótimo absoluto. Como a maioria dos métodos de
roteirização, o método de Clarke e Wright tem como objetivo gerar roteiros
que respeitem as restrições de tempo e de capacidade, mas visando, ao mes-
mo tempo, minimizar a distância total percorrida pela frota.
À medida que o método vai construindo os roteiros de forma inteligen-
te, buscando reduzir ao máximo a distância percorrida, o número de veícu-
los necessários para realizar o serviço tende também a ser minimizado, redu-
zindo assim os investimentos e o custo de operação.
O método de Clarke e Wright baseia-se no conceito de ganho. Partimos
da pior situação, em que um veículo sai (hipoteticamente) do CD somente
com a mercadoria destinada a um único cliente. Após fazer a entrega, o veí-
culo volta ao depósito. É claro que essa situação vai levar a um número ex-
cessivo de veículos e a uma quilometragem elevada para a frota. Suponha-
mos, por exemplo, que o cliente j seja atendido logo em seguida ao cliente i.
Segundo essa regra conservadora, o veículo faria as duas viagens na sequên-
cia mostrada na Figura 10.12 (a). Sendo dD,i e dD,j as distâncias entre o CD e
os clientes i e j, o veículo faria um percurso para atendê-los igual a:

L = 2 × dD,i + 2 × dD,j (10.1)

Uma possibilidade de melhoria desse esquema seria juntar os dois clien-


tes i e j num único roteiro. Nesse caso, conforme é mostrado na Figura 10.12
(b), o veículo faria um percurso igual a:

L´ = dD,i + di,j + dD,j (10.2)

Ao integrar os clientes i e j num único roteiro, faremos uma economia


de percurso (ganho) igual à diferença L – L´:

gi,j = L – L´ = dD,i + dD,j – di,j (10.3)

Na escolha de dois pontos i e j para formar uma sequência no roteiro,


procura-se selecionar o par com maior ganho gi,j. Há combinações, no entan-
to, que violam as restrições de tempo ou de capacidade, não sendo por isso
factíveis. A análise da relação 10.3 mostra duas propriedades interessantes:

G o ganho tende a crescer quando os pontos i e/ou j se afastam do CD,


pois as parcelas dD,i e dD,j têm valores positivos;
315
G o ganho tende a crescer quando os pontos i e j estão mais próximos,
pois então a parcela di.j, que aparece com sinal negativo na relação
10.3, tem valor absoluto menor.

(a) Entregas (b) Roteiro


i separadas i combinado

j j

D (depósito) D (depósito)

L = 2´ dD,i + 2´ dD,j L' = dD,i + di,j + dj,D


FIGURA 10.12 • Integrando dois clientes num roteiro compartilhado

O método Clarke e Wright se inicia com a análise de todas as combina-


ções possíveis entre os nós, dois a dois. Em seguida, são ordenadas as combi-
nações, na ordem decrescente dos ganhos gi,j. Tendo em vista as considera-
ções anteriores, as combinações com maiores ganhos tendem a ser formadas
por pontos distantes do CD, mas próximos entre si, ou seja, os roteiros vão
sendo formados a partir dos pontos mais distantes do depósito, vindo paula-
tinamente na direção do CD. Essa propriedade ficará mais clara através da
análise de um exemplo.
O método de Clarke e Wright consta das seguintes etapas:

Etapa 1. Combinam-se todos os pontos (que representam os clientes) dois a


dois e calcula-se o ganho para cada combinação através da relação 10.3.
Etapa 2. Ordenam-se todas as combinações i, j, de forma decrescente segun-
do os valores dos ganhos gi, j.
Etapa 3. Começamos com a combinação de dois nós que apresentou o maior
ganho. Posteriormente, na análise de outras situações, vai-se descendo na lis-
ta de combinações, sempre obedecendo à sequência decrescente de ganhos.
Etapa 4. Para um par de pontos (i, j), tirado da sequência de combinações,
verifica-se se os dois pontos já fazem parte de um roteiro iniciado:
(a) se i e j não foram incluídos em nenhum dos roteiros já iniciados,
cria-se então um novo roteiro com esses dois pontos;
316
(b) se o ponto i já pertence a um roteiro iniciado, verificar se esse
ponto é o primeiro ou último desse roteiro (não contando o CD). Se
a resposta for positiva, acrescentar o par de pontos (i, j) na
extremidade apropriada. Fazer a mesma análise com o ponto j. Se
nenhum dos dois pontos satisfizer essa condição separadamente,
passar para o item (c);
(c) se ambos os pontos i e j fazem parte, cada um deles, de roteiros
iniciados, mas diferentes, verificar se ambos são extremos dos
respectivos roteiros. Se a resposta for positiva, fundir os dois roteiros
num só, juntando-os de forma a unir i a j. Caso contrário, passar para
a etapa 5;
(d) se ambos os nós i e j pertencerem a um mesmo roteiro, passar
para a etapa 5.

Etapa 5. Cada vez que acrescentar um ou mais pontos num roteiro ou quan-
do fundir dois roteiros num só, verificar se a nova configuração satisfaz as
restrições de tempo e de capacidade. Se atender aos limites das restrições, a
nova configuração é aceita.
Etapa 6. O processo termina quando todos os pontos (clientes) tiverem sido
incluídos nos roteiros.

Um Exemplo de Aplicação do Método Clarke e Wright


Vamos aplicar o método de Clarke e Wright ao problema anteriormente re-
solvido pelo método de varredura e contendo 60 clientes, cujos dados são
apresentados na Tabela 10.1 e na Figura 10.9. Nesse exemplo, a região de
distribuição está situada ao sul do CD, relativamente distante deste, com as
distâncias entre o depósito e os clientes na faixa de 75,2 a 79,8 km. Trata-se de
um caso de entrega de mercadorias numa cidade diferente do local onde está
instalado o CD. Os veículos saem pela manhã, trafegam pela rodovia até a ci-
dade de destino, fazem a distribuição e retornam ao depósito no fim do dia.
Fazendo as combinações dos pontos dois a dois, temos 60 × 60 = 3.600
situações. É calculado o ganho para cada situação. Em seguida, ordenam-se
as combinações na sequência decrescente dos ganhos. Tomemos os 20 maio-
res ganhos, cujos dados são mostrados na Tabela 10.2. Verificamos que o
maior ganho corresponde a juntar os nós 7 e 50, conforme mostrado na Fi-
gura 10.13a. Temos assim o roteiro-embrião que, partindo do CD, visita o
cliente 50, depois o 7, retornando em seguida ao CD.
O segundo maior ganho, mostrado na Tabela 10.2, corresponde à jun-
ção dos pontos 30 e 56. Esses clientes não fazem parte do roteiro embrioná-
317
rio anterior. Então, de acordo com a etapa 4a, iniciamos um outro roteiro
embrionário, ligando o CD ao ponto 30, este ao cliente 56, daí retornando
ao depósito (Figura 10.13b).

Tabela 10.2 Método de Clarke e Wright: 20 maiores ganhos


No Ponto i Ponto j Ganho No Ponto i Ponto j Ganho

1 7 50 10,65 11 31 50 9,50

2 30 56 10,19 12 7 30 9,48

3 6 30 10,03 13 6 16 9,47

4 50 51 10,03 14 7 56 9,46

5 6 56 9,92 15 45 49 9,44

6 7 51 9,83 16 16 38 9,43

7 30 50 9,61 17 16 56 9,35

8 16 30 9,58 18 4 50 9,28

9 50 56 9,55 19 4 7 9,26

10 7 31 9,52 20 31 56 9,23

O terceiro maior ganho, conforme a Tabela 10.2, corresponde à ligação


6-30. Como o cliente 30 já está na extremidade de um dos roteiros embrio-
nários, atendendo ao estipulado na etapa 4b, fazemos a junção, ligando os
pontos 6 e 30, conforme mostra a Figura 10.13c.
Passamos ao quarto ganho, que corresponde à ligação 50-51, conforme
a Tabela 10.2. De forma análoga, seguindo as instruções da etapa 4.b, liga-
mos o ponto 51 ao 50, conforme mostra a Figura 10.13d. Passando agora ao
quinto ganho, vemos na Tabela 10.2 que corresponde à ligação 6-56. Obser-
vamos, no entanto, que ambos os clientes já estão incluídos num dos roteiros
embrionários e, então, seguindo as instruções da etapa 4d, passamos ao ga-
nho seguinte.
O sexto ganho, correspondente à ligação 7-51, apresenta a mesma ca-
racterística, uma vez que ambos os clientes já pertencem a um roteiro inicia-
do. O sétimo ganho, por sua vez (ligação 30-50), apresenta um cliente situa-
do num roteiro, e o outro, num roteiro diferente. Os dois pontos não são ex-
tremidades de seus respectivos roteiros. Se fossem, essa propriedade permi-
tiria a união dos dois roteiros, mas não é o caso na presente situação. Assim,
aplicamos as instruções da etapa 4c, pulando para a etapa 5.
O oitavo ganho, correspondente à ligação 16-30, contém um ponto que
já faz parte de um roteiro (cliente 30) e outro que ainda não foi incluído em
318
50 50
Região de Região de
7 distribuição 7 distribuição
30
56

(a) (b)

CD CD

50 50
Região de Região de
7 51 7
30 distribuição 30 distribuição
56 56 6

(c) (d)

CD CD

FIGURA 10.13 • Evolução do método de Clarke e Wright

nenhum roteiro (cliente 16). No entanto, o ponto 30 não é extremidade de


seu roteiro, o que elimina sua utilização (etapa 4c). O nono ganho também é
eliminado porque os dois pontos (50 e 56) já fazem parte de roteiros abertos,
e um deles (o ponto 50) não é extremidade de seu roteiro.
O décimo ganho (pontos 7 e 31) permite a inserção do ponto 31 (etapa
4b, Figura 10.14e). O décimo primeiro ganho (ligação 31-50) é eliminado,
pois os dois pontos já fazem parte do mesmo roteiro (etapa 4d). O décimo
segundo ganho também é eliminado porque os dois pontos (7 e 30) fazem
parte de roteiros diferentes e não estão (ambos) na extremidade dos respecti-
vos roteiros. O décimo terceiro ganho permite anexar o ponto 16 ao ponto
6, visto que este último é um dos extremos de seu roteiro. O ganho décimo
quarto é eliminado porque o ponto 7 não é extremo de seu roteiro.
Uma vez que os pontos 45 e 49 não pertencem a nenhum dos dois ro-
teiros abertos até agora, o décimo quinto ganho nos leva a abrir mais um
roteiro (etapa 4.a, Figura 10.14g). O décimo sexto ganho permite ligar o
ponto 16 ao 38 (etapa 4b). Os ganhos 17, 18 e 19 não são aproveitáveis (eta-
pas 4d, 4b e 4b, respectivamente).
O ganho 20, que envolve os pontos 31 e 56, permite juntar dois dos ro-
teiros já abertos (etapa 4c, Figura 10.14.h), formando um roteiro maior, e
assim sucessivamente.
319
50 50

51 Região de 51 Região de
7 30 7
distribuição 30 distribuição
31 56 31 56
6 6
16

(e) (f)

CD CD

50 50

51 Região de Região de
7 51 7
30 distribuição 30 distribuição
45 49 31 56 45 49 56
6 6
16 16

38

(g) (h)

CD
CD

FIGURA 10.14 • Evolução do método de Clarke e Wright (cont.)

Para simplificar a exposição, deixamos de falar, em cada etapa, sobre a


verificação das restrições. Antes de se fazer qualquer acréscimo num roteiro,
seja adicionando um ponto, seja juntando dois roteiros já abertos, o com-
putador soma todos os tempos correspondentes ao ciclo do veículo e verifi-
ca se o tempo total está dentro do limite previamente estabelecido. O mes-
mo é feito com o carregamento, somando-se os pesos das mercadorias dos
clientes, em cada roteiro, e verificando se a lotação está dentro da capaci-
dade de carga do veículo. Caso uma das restrições, ou as duas simultanea-
mente, não seja respeitada, aquele ganho não é considerado, passando-se
para o seguinte na lista.
A aplicação do método de Clarke e Wright ao exemplo resultou nos seis
roteiros mostrados na Figura 10.15. Muito embora não se notem tantos cruza-
mentos e ligações subótimas, quanto os apresentados pelo método de varredu-
ra, ainda assim é necessário aprimorar os resultados através de um método de
melhoria, no caso o 3-opt. Após aplicar o método 3-opt, os roteiros melhorados
são os mostrados na Figura 10.16. Os resultados gerais são os seguintes:

G Número de roteiros (no de veículos): 6


G Quilometragem total diária da frota (km): 950,7
G Custo médio por cliente visitado (R$): 14,24
320
Região de
distribuição
R1

R2
R3

CG
R4

R5

R6

R1, R2...: roteiros

FIGURA 10.15 • Roteiros obtidos com o método de Clarke e Wright

Região de
distribuição
R1

R2
R3

CG
R4

R5

R6

R1, R2...: roteiros

FIGURA 10.16 • Roteiros (Figura 10.15) melhorados pelo método 3-opt

321
Comparando os resultados obtidos através das duas metodologias, ob-
servamos que o método de Clarke e Wright é mais preciso. De fato, os se-
guintes benefícios são obtidos pela utilização do segundo método em relação
ao primeiro, na aplicação analisada:

G Redução no investimento em veículos (1/7): 14,3%


G Redução na quilometragem da frota: 13,7%
G Redução no custo unitário: 14,1%

IMPACTOS DAS RESTRIÇÕES DE TEMPO E DE CAPACIDADE


Na distribuição física de produtos, os impactos das restrições de tempo e de
capacidade são muitas vezes dramáticos, mudando a solução do problema
em função de variações em alguns dos fatores que governam o processo. Essa
característica dos problemas de distribuição nem sempre é bem entendida no
momento de planejar um sistema de entregas de produtos. Vamos mostrar
esse ponto através de um exemplo.
No exemplo que analisamos anteriormente, correspondente a um
caso com 60 pontos de entrega, a região de distribuição estava situada rela-
tivamente distante do CD, com as distâncias entre o depósito e os clientes
na faixa de 75,2 a 79,8km. Trata-se de um caso de entrega de mercadorias
numa cidade diferente do local onde está instalado o CD. Os veículos saem
pela manhã, trafegam pela rodovia até a cidade de destino, fazem a distri-
buição e retornam ao local de origem no fim do dia. Vimos que, neste caso,
o problema é restrito por tempo. Isso porque os veículos consomem boa
parte do tempo na viagem entre as duas cidades, sobrando um tempo rela-
tivamente escasso para realizar as entregas, que consomem, em média, 15
minutos cada.
Vamos analisar agora o problema da distribuição, em que é atendida
a mesma região e os mesmos clientes, mas supondo o CD localizado junto
à zona de entrega. Ou seja, trata-se agora de um problema de distribuição
urbana. O CD continua localizado ao sul da região. A distância média do
depósito aos clientes é agora igual a 3,8km, observando-se uma distância
mínima de 1,2km e máxima de 5,7km. Todas as demais informações do
problema permanecem as mesmas, sendo alterada apenas a localização do
CD.
Nessas condições, com veículo de quatro toneladas de capacidade, o mé-
todo de Clarke e Wright gerou três roteiros, todos eles restritos por capacida-
de. As principais características dos roteiros são apresentadas na Tabela 10.3.

322
Tabela 10.3 Características dos roteiros gerados pelo método de Clarke
e Wright (veículos de 4t, jornada de 8h/dia)
Roteiro Número de clientes Tempo de ciclo diário Lotação do veículo (t)

1 21 5h42min 3,9

2 22 6h 4,0

3 17 4h36min 3,9

Sendo de oito horas a jornada diária normal de trabalho, observamos


que os tempos de ciclo mostrados na Tabela 10.3 são baixos, variando em
torno de 50% do tempo disponível. Isso mostra que os veículos estão sub-
dimensionados, sugerindo a utilização de caminhões de maior porte. Tenta-
tivamente, aumentamos a capacidade do veículo para oito toneladas, mas a
aplicação do método de roteirização mostrou que o sistema passou a ficar
restrito por tempo. Finalmente conseguimos uma solução razoável, com veí-
culos de seis toneladas de capacidade e operando 8½ horas por dia. Para essa
configuração foram definidos dois roteiros, cujas características são apresen-
tadas na Tabela 10.4. Os roteiros gerados pelo método de Clarke e Wright
foram submetidos ao processo 3-opt, resultando nos roteiros mostrados na
Figura 10.17.

Região de
distribuição

R1

R2

FIGURA 10.17 • Aplicação do método de Clarke e Wright: veículo de 6 t e jornada de 8½h

323
É importante observar que a definição das condições operacionais para
um sistema de distribuição física é um processo relativamente complexo, que
transcende a mera aplicação de métodos de roteirização ou de softwares es-
pecializados. De fato, há muitas variáveis em jogo e, além disso, os resulta-
dos são muito sensíveis a mudanças nas condições operacionais.

Tabela 10.4 Características dos roteiros gerados pelo método de Clarke


e Wright (veículos de 6t, jornada de 8½h/dia)
Roteiro Número de clientes Tempo de ciclo diário Lotação do veículo (t)

1 31 8h18min 5,9

2 29 7h48min 5,9

SOFTWARES DE ROTEIRIZAÇÃO
Hoje se dispõe, no mercado, de um número razoável de softwares de
roteirização, que ajudam as empresas a planejar e programar os serviços
de distribuição física. A publicação OR/MS Today, do Institute for Opera-
tions Research and Management Sciences, realiza periodicamente uma
pesquisa junto a fornecedores de softwares de roteirização e usuários
(Hall, 2006). Apresentamos, nesta seção, um resumo das principais carac-
terísticas de alguns dos roteirizadores mais conhecidos. Não é nossa in-
tenção recomendar nem tampouco discriminar qualquer fornecedor, mas
apenas fornecer alguns dados preliminares, para apreciação dos leitores.
Para mais informações, pode-se consultar diretamente os sites dos forne-
cedores na Internet.

Tendências Tecnológicas
Há algum tempo, os despachantes localizados nos depósitos e centros de dis-
tribuição só conseguiam falar com os motoristas dos veículos através de rá-
dio, e assim mesmo quando estavam dentro da área de alcance das transmis-
sões. Muitas vezes, no entanto, o contato só era realizado em algumas
ocasiões em que o motorista conseguia um acesso telefônico e ligava para a
sede. Hoje, as possibilidades são muitas e a oferta ainda está crescendo: tele-
fones celulares, pagers alfanuméricos, scanners portáteis e pequenos compu-
tadores de bordo.
Muitos veículos são hoje equipados com RFID e rastreadores, muitas
vezes dispondo de receptores GPS (Global Positioning System), que forne-
cem a latitude e a longitude do caminhão real-time. O GPS, combinado com
uma base geográfica de dados (GIS) e comunicação por satélite, permite ao
324 despachante localizar o veículo, na rede viária, a qualquer instante. Essa faci-
lidade permite alocar o veículo mais próximo e disponível a uma tarefa
emergencial. Também é usada largamente na alocação dos veículos para
apanha real time de pacotes e documentos.
A Internet vem também sendo usada cada vez mais em associação
com a roteirização de veículos. Por exemplo, permite aos usuários visuali-
zarem informações sobre seus pedidos. Permite também que os clientes
submetam seus pedidos eletronicamente. Uma tendência que está se fir-
mando, embora ainda embrionária, é a Internet móvel ou sem fio (veja
Capítulo 3). As pessoas, carregando pequenos aparelhos de mão, podem
acessar uma gama muito grande de informação. Assim, os motoristas dos
veículos de distribuição poderão não somente se comunicar com a sede,
como também obter informações sobre tráfego e sobre condições de tem-
po, como adicionalmente trocar mensagens com os clientes e solicitar so-
corro, quando necessário.

Evolução dos Softwares


Nos dois anos desde a pesquisa anterior da OR/MS Today, ocorreram algu-
mas mudanças importantes no setor de roteirização de veículos. Por exem-
plo, aumentaram as possibilidades de aplicação utilizando softwares direta-
mente na Internet, destacando-se nessa vertente os setores tradicionais,
como atacadistas e distribuidores de produtos alimentícios, bem como servi-
ços de entregas domiciliares de eletrodomésticos. Diversos softwares de ro-
teirização, por outro lado, se tornaram mais sofisticados, utilizando sistemas
de comunicação de dados sem fio (wireless data communication) e algorit-
mos genéticos na otimização de rotas. Observa-se também um incremento
razoável no número de aplicações ao setor de serviços, refletindo a maior
orientação da economia nessa direção.
Segundo Hall (2006), a palavra-chave nos sistemas de roteirização de veícu-
los atuais é a integração. Por exemplo, módulos para previsão das entregas,
para planejamento da utilização das docas nos depósitos, para programação
das equipes de carga/descarga etc. integrados com o software de roteirização
e de alocação de veículos e tripulação estão em alta no mercado. Outra ten-
dência é integrar o planejamento e a execução das atividades de transportes
dos clientes com as do operador, de modo a diminuir a ociosidade, reduzir
custos e aumentar o nível de serviço.
Anteriormente, o setor de produção de softwares de roteirização focali-
zava a distribuição dentro de um prazo mínimo de 24 horas. Ou seja, o pla-
nejamento ocorria num dia, e as entregas eram realizadas no dia seguinte.
Hoje, muitos clientes indagam constantemente sobre a situação de seus pedi-
dos, perguntam quando os produtos serão entregues e querem saber onde
está a carga. A razão para isso é fundamentalmente a busca por estoques cada
325
vez menores, o que obriga as empresas a controlarem estreitamente a distri-
buição dos produtos, de forma a evitar situações emergenciais irreparáveis.
Por isso, a tendência atual dos softwares de roteirização é de executarem a
programação e o monitoramento na modalidade real time.

Selecionando um Software de Roteirização


Para escolher um software adequado às condições reais da empresa, o ideal é
definir uma ou mais situações para testar os sistemas disponíveis no merca-
do. Muitas vezes, a empresa constata a inadequação do software após tê-lo
adquirido, com prejuízos apreciáveis. Mas, nem sempre há condições de se
montar situações realistas para teste, principalmente quando o projeto ainda
não foi operacionalizado ou quando estão sendo realizadas modificações
profundas no sistema existente. No entanto, algumas observações e suges-
tões podem ajudar nesse processo de seleção:

G Praticamente todos os softwares de roteirização não são sistemas que


podem ser instalados pelo usuário e utilizados imediatamente, sem
apoio técnico. Normalmente requerem a participação de um ou mais
consultores, com o objetivo de adaptar o caso em questão ao formato
próprio do produto e treinar o pessoal que irá utilizá-lo na empresa.
Esse tipo de serviço extra precisa ser devidamente avaliado e compa-
rado, em termos de prazos e de custos.
G Alguns softwares exigem simplificações para resolver certos tipos de
problema e, em alguns casos, essas situações não ficam muito claras
na hora da aquisição. Por exemplo, uma empresa jornalística brasilei-
ra analisou um software para roteirizar as entregas domiciliares de
jornais. Cada roteiro tinha um número grande de pontos de entrega,
mas o software restringia esse número a 50. A solução, caso a empre-
sa optasse pelo produto, seria agregar, no computador, locais de en-
trega próximos, como se fossem um único ponto, de forma a reduzir
o problema aos níveis exigidos pelo sistema. A pergunta que se deve
fazer, nesses casos, é qual o efeito que tais simplificações podem ter
na precisão final dos resultados. De repente, pode ser mais vantajoso
adotar um método mais simples e mais barato, e que dê a mesma pre-
cisão conseguida com tal aproximação.
G Todos os roteirizadores operam sobre uma representação digital da
rede viária (ruas, no ambiente urbano e rodovias, nas ligações inte-
rurbanas). Para bem utilizar um software de roteirização, essa base de
dados, representando a rede viária, deve ser confiável e atualizada. O

326
fornecedor do software, se não dispõe dessa base de dados, deve indi-
car como adquiri-la.
G Em algumas aplicações, os clientes não são fixos, mas variam diaria-
mente. É o caso, por exemplo, das lojas de departamento, que ofere-
cem serviço de entrega a seus consumidores. Os pontos de entrega
mudam continuamente, o que dificulta a elaboração dos roteiros,
uma vez que o sistema não pode usar um cadastro dos clientes previa-
mente preparado, na forma usual.

Na Tabela 10.5 são apresentadas informações sobre os principais soft-


wares de roteirização disponíveis no mercado internacional. Os dados foram
extraídos do trabalho de Hall (2006).

327
328

Tabela 10.5 Informações gerais sobre softwares roteirizadores


Produto Empresa Ano do lançamento Preço (US$) Instalação

(licença p/ 50 rotas) Custo (US$) Tempo necessário para


Instalação (50 rotas)

A.MAZE GEOCOMtms 1999 n.d. n.d. n.d.

ArcLogistics Route ESRI 1999 12.000 n.d. n.d.

Descartes Delivery Descartes 1981 n.d. n.d. n.d.

Direct Route Appian Logistics Software 1996 25.000 100/hora 16 a 24 horas

ETMS – EDGAR Edgar Manag. Consulting 1973 n.d. taxa anual n.d.

GalaxyFlow 4.2 SAITECH, Inc. 2005 n.d. 125-250 / hr 2 semanas

ILOG Dispatcher ILOG, Inc. 1997 n.d. n.d. n.d.

ILOG Transp. PowerOps ILOG, Inc. 2005 n.d. n.d. n.d.

Network Analyst ESRI 2005 2.500 n.d. n.d.

Optrak4 Optrak Distribution Software 2001 a partir de 28.000/ano incluído na licença anual 10 dias

Paragon Routing & Scheduling System Paragon Software Systems, Inc. 1997 62.000 (100 rotas) 94 – 116/hr 80 horas

PlanOp Carmen Systems 1997 22.000 140/hora 20 horas

REACT MJC2 Limited 1995 n.d. n.d. n.d.

Roadnet Transportation Suite UPS Logistics Technologies 1983 n.d. 120/hora 80 horas

SHORTREC Suite ORTEC 1981 n.d. 175/hora 2 a 5 dias

STARS 4.2 SAITECH, Inc. 1995 n.d. 125 – 150/hr 2 dias

TourSolver for MS Map/Point Scheduling Magellan Ingenierie 2002 a partir de 4.000 n.d. n.d.

TruckStops Routing & Scheduling MicroAnalytics 1984 9.500 n.d. 24 a 48 horas

TS RouteMatch Software 1999 n.d. n.d. n.d.

Versa Trans RP Versa Trans Solutions, Inc. 1982 n.d. n.d. 4 horas

Fonte: Hall, 2006.

(Continua)
Tabela 10.5 Continuação
o
N de organizações
que utilizam o
Produto Tamanho máximo da aplicação software Instalações mais significativas
No de visitas por dia o
N de veículos
o
N de CDs
A.MAZE Ilimitado Ilimitado Ilimitado entre 1e 100 NAPA, Purolator, Craft Oil, Pepsi, Galderma, Hogan
Harwoods, McPherson Oil, Tanguay Furnitures
ArcLogistics Route Ilimitado Ilimitado Ilimitado entre 500 e 1000 n.d.
Descartes Delivery Ilimitado Ilimitado Ilimitado n.d. Coca-Cola (Rep. Checa), Schwan´s, Ashley Furniture, Old
Dominium Freight Lines, Ferreligas, Tomra
Direct Route Ilimitado Ilimitado Ilimitado entre 500 e 1000 Walgreens, Ryder, Schneider, Kraft, Dunkin Donuts,
Tru-Value, Atrium, Goldkist, Swift, Ruan, Simmons
ETMS EDGAR limitado pela limitado pela limitado pela entre 1e 100 Fort Worth School District, San Francisco Unified School
capacidade memória capacidade memória capacidade memória District
GalaxyFlow 4.2 Ilimitado Ilimitado 200 entre 1e 100 Grandes transportadoras carga parcelada
ILOG Dispatcher limitado pela limitado pela limitado pela entre 1e 100 TNT Express, JB Hunt, Schneider National
capacidade memória capacidade memória capacidade memória
ILOG Transp. limitado pela limitado pela limitado pela entre 1e 100 n.d.
PowerOps capacidade memória capacidade memória capacidade memória
Network Analyst Ilimitado Ilimitado Ilimitado > 1000 n.d.
Optrak4 40.000 1.000 1 entre 100 e 500 Total Elf, Shell, Matthew Clark Wholesale, Robert Horne
Paragon Routing & 20.000 3.000 500 entre 100 e 500 McLane, TNT, Ryder Canada, Spirit Delivery, Safeway, Ryder
Scheduling System BrandsMart
PlanOp Ilimitado Ilimitado Ilimitado entre 1e 100 Correio Austrália, Schweppes Austrália
REACT Ilimitado Ilimitado Ilimitado entre 1e 100 n.d.
Roadnet Ilimitado Ilimitado Ilimitado > 1000 Anheuser Busch, Office Depot, Pepsi, Sysco, Mohawky
Transportation Suite Industries, Apria Healthcare
SHORTREC Suite Ilimitado Ilimitado Ilimitado entre 100 e 500 Coca-Cola, InBev, BP, DHL, Yellow Transportation, Phillips,
Royal Ahold.
STARS 4.2 Ilimitado 150 30 entre 1e 100 New Nihon Oil, Takenaka Corporation
TourSolver for MS n.d. n.d. n.d. entre 100 e 500 n.d.
Map/Point Scheduling
TruckStops Routing & Ilimitado Ilimitado Ilimitado > 1000 The Home Depot, Chicago Tribune, fastenal, King Provision
Scheduling
TS n.d. n.d. n.d. entre 100 e 500 Iowa Department of Transportation, South Carolina
Department of Transportation
Versa Trans RP Ilimitado Ilimitado Ilimitado entre 500 e 1000 Buffalo-NY, Orleans parish – LA, Davis County,
Albuquerque, Fort Wayne, Dayton
Fonte: Hall, 2006.
32
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330
11
O Custeio
ABC na
Logística

IMPORTÂNCIA DOS CUSTOS NO SCM


Nos capítulos anteriores apresentamos exemplos que envolviam custos na
distribuição de produtos, mas deixamos de detalhar propositadamente al-
guns aspectos importantes. Isso porque tal detalhamento depende do conhe-
cimento de uma série de componentes e fatores que serão analisados no pre-
sente capítulo. É importante lembrar que o gerenciamento da cadeia de
suprimento (SCM) pressupõe a visão integrada de custos, considerando con-
juntamente todos os componentes da cadeia, inclusive os estoques.
Um exemplo simples (Rushton e Oxley, 1989) nos ajuda a entender
melhor a importância do enfoque integrado na cadeia de suprimento. Um fa-
bricante de brinquedos plásticos embalava o produto em caixas de papelão e
fornecia a mercadoria em pallets a um grande varejista. A utilização de pal-
lets, no caso, era uma exigência da empresa varejista. Uma análise, por parte
da indústria, mostrou que a embalagem de papelão era desnecessária, pois
seu custo era significativo em relação ao baixo valor do produto. Este, por
sua vez, tinha rigidez suficiente para ser diretamente embrulhado, juntamen-
te com o pallet, numa proteção plástica, eliminando as caixas de papelão.
Por outro lado, segundo o setor de marketing da empresa, a embalagem não
agregava nenhum valor mercadológico ao produto. Consequentemente, a
caixa de papelão foi eliminada pelo fabricante.
No centro de distribuição do varejista, no entanto, o produto era empi-
lhado em até três camadas de pallets. Com a eliminação das embalagens de 331
papelão, a superfície superior das unidades paletizadas passou a ser irregu-
lar, impedindo o empilhamento dos pallets. Com isso, o varejista foi obriga-
do a adquirir recipientes metálicos para armazenagem dos brinquedos, com
custos muito superiores aos da embalagem de papelão. O preço final do pro-
duto ao consumidor foi consequentemente aumentado, prejudicando as
condições de competitividade da cadeia de suprimento diante dos concor-
rentes. Faltou ao fabricante a visão de parceria e integração, que possibilita-
ria buscar uma solução em conjunto com o varejista.
Para uma correta análise da cadeia de valor precisamos adotar uma meto-
dologia de cálculo de custos adequada. Devido à complexidade das operações
logísticas na cadeia de suprimento, os métodos tradicionais de cálculo de cus-
tos deixam a desejar. Devido à importância do assunto para o gerenciamento
da cadeia de suprimento, apresentaremos, neste capítulo, os conceitos básicos
do método ABC (Activity Based Costing ou Custeio Baseado em Atividades)
aplicados à Logística. Essa metodologia de análise de custos foi desenvolvida a
partir do trabalho do prof. Robert S. Kaplan, da Harvard Business School (Ka-
plan, 1995, 96, 97 e 98), e tem apresentado resultados satisfatórios em diver-
sas aplicações à indústria, ao comércio e às empresas de serviços.

GASTO, CUSTO E DESPESA


O livro-texto sobre contabilidade de custos, de Eliseu Martins, apresenta,
logo no início, uma discussão sobre alguns conceitos básicos essenciais. Qual
a diferença entre custo e despesa? O que vem a ser gasto? Ao leitor interessa-
do em se aprofundar na questão de custos recomendamos a leitura desse tex-
to (Martins, 2000).

Gasto, segundo Martins, é o sacrifício financeiro arcado pela empresa


para a obtenção de um produto ou serviço qualquer. Esse sacrifício pode ser
originado pela entrega efetiva do produto ou serviço, ou pela promessa de
entrega futura.
Já a noção de custo está diretamente ligada à produção de bens ou servi-
ços. A empresa adquire matéria-prima, componentes e outros insumos neces-
sários à produção. Essas aquisições geram gastos diversos. O custo é um gasto
que só é reconhecido efetivamente como tal no momento de sua utilização na
fabricação de um produto ou na execução de um serviço. Por exemplo, admi-
tamos que um operador logístico possua uma frota de 200 veículos e faça,
num certo momento, uma aquisição maciça de pneus, aproveitando uma ofer-
ta especial do fabricante. O gasto na aquisição dos pneus é lançado na conta-
bilidade financeira, mas o custo correspondente ao consumo de pneus só se
realiza quando o pneu, colocado na roda de um veículo, é consumido ao pres-
tar serviço. Segundo Martins, custo é assim um gasto relacionado com um
332 bem ou serviço que se concretiza na produção de outros bens ou serviços.
Despesas, por sua vez, representam gastos com bens ou serviços consu-
midos, direta ou indiretamente, em atividades voltadas à obtenção de recei-
tas. Por exemplo, a comissão de vendedores é uma despesa, pois está relacio-
nada à obtenção de receitas através das vendas.
A contabilidade de custos é uma atividade relativamente recente, pois,
até a Revolução Industrial, praticamente só existia a contabilidade financeira
ou geral. Antes da Revolução Industrial, a grande maioria das empresas ti-
nha atividade nitidamente comercial. Os produtos eram produzidos arte-
sanalmente. As empresas adquiriam os produtos dos artesãos ou intermediá-
rios e os comercializavam em suas lojas.
Naquela fase, a contabilidade era bastante simples: verificando os ní-
veis de estoque no início e no fim do período, e a quantidade de produto
recebida durante o mesmo, o contador calculava a receita total de vendas.
Para isso multiplicava a quantidade pela diferença entre preço pago pelo
consumidor e o gasto na aquisição dos bens. Tinha assim o lucro bruto, do
qual deduzia as despesas de manutenção da loja durante o período (em-
pregados, impostos, aluguel, despesas financeiras). O resultado era o lu-
cro líquido da firma.
Na indústria, a situação é bem mais complexa, pois há transformação
de matéria-prima em produtos e ocorrem gastos diferenciados com energia,
mão de obra e equipamentos. Se uma indústria produzir somente um tipo
uniforme de produto, vendendo-o em quantidades mais ou menos iguais e
com iguais condições de pagamento e de preço, o sistema convencional ain-
da pode ser aplicado satisfatoriamente. O problema ocorre quando a fabri-
cação começa a se diversificar em termos de produtos, tipos de acabamento,
formas de comercialização etc. Para essas situações, torna-se necessária uma
contabilidade de custos mais sofisticada.
Hoje, as empresas estão operando num ambiente extremamente com-
petitivo. Nesse contexto, a correta identificação dos custos incorridos na fa-
bricação dos produtos e na prestação de serviços permite definir preços mais
justos aos clientes, evitando que os concorrentes eventualmente ofereçam o
mesmo bem ou serviço a preços mais convidativos. É claro que uma boa con-
tabilidade de custos não faz milagres se não for acompanhada pela racionali-
zação dos métodos e aprimoramento da produção. Mas ajuda, em muito, a
identificação dos problemas e dos pontos críticos, que geram custos muitas
vezes fora do normal.

CUSTOS DIRETOS E INDIRETOS


Suponhamos que um operador logístico possua um centro de distribuição
com atividades diversas e atendendo vários clientes. Três tipos diferentes de
serviços são oferecidos: 333
G serviço A: recebimento, conferência, armazenagem, picking e entrega
de produtos;
G serviço B: embalagem de produtos segundo especificações dos clien-
tes;
G serviço C: crossdocking, realizado numa ala especial do depósito.

Vamos supor que os seguintes itens de custo, calculados mensalmente,


precisem ser alocados aos três diferentes serviços oferecidos pelo operador
logístico:

G mão de obra no depósito;


G salários de supervisão;
G depreciação de equipamentos (empilhadeiras, carrinhos, paleteiras
etc.);
G material para embalagem de produtos;
G aluguel do prédio;
G energia elétrica.

Analisando separadamente cada tipo de custo, observa-se o seguinte:

G Mão de obra: a maior parte dos empregados é alocada às tarefas na


medida das necessidades, não havendo especialização de função. Há,
no entanto, registro dos tempos consumidos em cada atividade pelos
trabalhadores.
G Supervisão: parte das tarefas de supervisão corresponde aos chefes
de equipe, que têm suas atividades devidamente registradas. Mas há
também os supervisores gerais, que acompanham as atividades de
toda a empresa.
G Depreciação de equipamentos: a empresa não registra os tempos de
utilização dos equipamentos por tipo de serviço. Assim, empilhadei-
ras são utilizadas no descarregamento de veículos, tanto no serviço
tipo A como do tipo C.
G Material para embalagem de produtos: esse item é perfeitamente
identificado em relação ao tipo de serviço (B) e ao cliente.
G Aluguel do prédio: é um gasto único mensal, sendo impossível alo-
cá-lo de forma precisa aos tipos de serviço oferecidos.
G Energia elétrica: da mesma forma que o aluguel, trata-se de um custo
global, com desembolso mensal único.
334
Alguns desses custos podem ser relacionados diretamente com o produ-
to ou serviço. Por exemplo, o material para embalagem está diretamente re-
lacionado com o serviço “B” e com os clientes que o utilizam. Da mesma for-
ma, os custos de mão de obra podem, nesse caso, ser diretamente relaciona-
dos com as atividades e com os serviços, já que há um sistema de apontamen-
to no depósito. São assim denominados custos diretos com relação aos servi-
ços oferecidos.
Outros itens de custo não permitem que se faça uma alocação objetiva
aos diferentes serviços. Qualquer alocação dos mesmos será feita de maneira
estimada, algumas vezes arbitrária e subjetiva. Por exemplo, o custo de alu-
guel pode ser rateado pelos diferentes serviços de acordo com a área utiliza-
da, mas pode haver diversos serviços que utilizam a mesma área. Por exem-
plo, o descarregamento de veículos na doca de recebimento atende os servi-
ços “A” e “C”, indiscriminadamente. Esse tipo de custo é denominado custo
indireto. Observa-se que a maioria dos custos relacionados anteriormente
(supervisão, depreciação de equipamentos, energia elétrica, aluguel) recai na
categoria de custos indiretos. Isso vai exigir que se elejam fatores de rateio de
tais custos, de forma a alocá-los aos diversos serviços.
Alguns custos indiretos podem ser separados em duas ou mais partes,
de forma a permitir que uma ou mais parcelas resultantes possam ser trans-
formadas em custos diretos. Por exemplo, vimos que as atividades de super-
visão envolvem a supervisão direta no depósito, por parte dos chefes de
equipe, e a supervisão geral. O primeiro tipo de atividade, por ser devida-
mente registrado, permite a determinação de custos diretos. Já a segunda
deve permanecer como custo indireto.
Essa quebra de alguns custos indiretos mostra um aspecto muito impor-
tante da contabilidade de custos: uma vez que a contabilidade financeira é
desenvolvida e aplicada com outros objetivos, muitas vezes somos obrigados
a desdobrar itens lançados pela primeira, de forma a compor uma estrutura
de custos adequada aos propósitos da empresa.

CUSTOS FIXOS E VARIÁVEIS


Outro conceito importante é o de custo fixo e custo variável. Ao se produzir
bens ou serviços, certos custos vão variar diretamente com a quantidade pro-
duzida. Por exemplo, o custo mensal de mão de obra para descarregar ma-
nualmente um certo tipo de caminhão vai estar diretamente relacionado
com a quantidade de carga movimentada naquele período. Igualmente, o
custo mensal de combustível de um determinado tipo de veículo de distribui-
ção está diretamente relacionado com a quilometragem mensal percorrida.
Tais itens são denominados custos variáveis, pois variam em função do vo-
lume produzido ou de outra variável operacional qualquer.
335
Por outro lado, o aluguel mensal do depósito tem um valor previamen-
te determinado, e não varia com uma produção maior ou menor durante o
mês. É, assim, um custo fixo. Notar que a noção de custo fixo não implica
uma rigidez absoluta. Por exemplo, o custo de consumo de energia elétrica
no depósito pode variar um pouco mês a mês, mas é fixo, pois sua variação
não pode ser explicada pelo volume de serviço produzido.
Muitas vezes, os custos podem ser subdivididos em componentes fixos
e variáveis. Por exemplo, o custo mensal de manutenção dos veículos de dis-
tribuição é formado por uma parcela constituída pelos gastos com peças de
reposição. Essa parcela pode ser relacionada à quilometragem do veículo,
sendo assim um custo variável. Admitindo que a empresa possua frota pró-
pria e tenha uma oficina mecânica para atender seus veículos, os gastos com
mão de obra na oficina, depreciação de máquinas e ferramentas etc. formam
outro conjunto de gastos que não variam com a quilometragem. Essa parcela
será, então, um custo fixo.
As despesas também podem ser fixas ou variáveis. Por exemplo, a re-
muneração mensal do pessoal de vendas pode incluir uma parcela fixa e uma
parte que varia proporcionalmente ao montante das vendas. Lembramos
que as despesas envolvem todos os gastos ligados às atividades voltadas à ob-
tenção de receitas.

CUSTO MARGINAL
O conceito de custo marginal é de fundamental importância nas análises
econômicas ligadas ao setor público. Isso porque, segundo a economia do
bem-estar (Wellfare Economics), o preço a ser cobrado pelo uso de um servi-
ço público, e que maximiza o bem-estar, está diretamente ligado ao custo
marginal. No setor privado, a determinação do custo marginal pode também
ser de grande utilidade, em muitos casos.
Suponhamos que um determinado serviço prestado por uma empresa
gere um custo total mensal conforme a curva mostrada na Figura 11.1. O
custo total apresenta uma parcela fixa e outra variável em relação ao volume
oferecido. Num certo momento, a empresa está operando com um volu-
me mensal VA, correspondente ao ponto A na Figura 11.2. Suponhamos que
um cliente potencial deseje contratar os serviços da empresa. Se isso ocorrer,
o volume mensal produzido passará para VB, correspondente ao ponto B, na
Figura 11.2. Os custos totais passariam então de CA para CB. Admitindo que
o acréscimo ΔV = VB – VA seja pequeno relativamente a VA, a diferença de cus-
to ΔC = CB – CA representa o custo marginal de se atender o novo cliente.
Vamos ilustrar o conceito de custo marginal com um exemplo simples.
Uma empresa transportadora faz regularmente a transferência de produtos
336 de uma cidade A para uma cidade B, situadas dAB = 1.000 quilômetros entre
Custo Função
custo

Custo
variável
Custo
fixo

Volume produzido

FIGURA 11.1 • Função custo

Custo

CB
DC B
CA
A

DV Volume V
VA VB
FIGURA 11.2 • Variação marginal do custo

si (Figura 11.3a). Os caminhões retornam vazios de B para A. A empresa,


que utiliza caminhões de 18 toneladas, está considerando transportar uma
carga de retorno, apanhando-a na cidade C, próxima de B, e transportan-
do-a para A (Figura 11.3b). O custo fixo de transporte é de R$288,00/dia e o
custo variável é de R$0,61 por quilômetro rodado. A nova operação implica
um tempo adicional de deslocamento entre B e C de três horas, um tempo de
carregamento e esperas de quatro horas em C, e mais cinco horas para des-
carregar em A, totalizando 12 horas ou meio dia. A distância entre B e C é de

B
B
dBC
dAB
dAB C
dBA

dCA

A
A
Situação (A) Situação (B)
FIGURA 11.3 • Serviço marginal: carga de retorno
337
dBC = 150km. A viagem entre C e A apresenta distância e tempo praticamen-
te igual ao do trecho entre B e A. Qual o custo marginal dessa operação?
O custo marginal é simplesmente a soma do custo fixo de meio dia com
o custo variável correspondente a 150km, ou seja:

CM = 288,00 × 0,5 + 0,61 × 150 = R$235,50 por viagem (11.1)

Admitindo que o veículo trafegue lotado, transportando 18 toneladas,


o custo marginal da carga de retorno é de 235,50/18 = R$13,08 por tonela-
da. Admitindo que a viagem A-B-A (sem a carga de retorno) consuma quatro
dias, sendo percorrida uma distância total de 2 × 1.000 = 2.000km, o custo
de transporte é dado por:

C = 288,00 × 4 + 0,61 × 2.000 = R$2.372,00 por viagem, (11.2)

importância que, dividida pela capacidade do caminhão (18 toneladas), leva


a R$131,78 por tonelada. Ou seja, neste caso o custo marginal de transpor-
tar uma tonelada de carga de retorno é somente 9,9% do custo básico. Isso
mostra que a transportadora tem uma ampla faixa de manobra para negociar
fretes de retorno, sem incorrer em prejuízo. Deve-se lembrar, no entanto,
que toda atividade marginal não pode ser intensificada indiscriminadamen-
te, pois, caso contrário, acabará distorcendo os resultados econômico-finan-
ceiros do negócio. Por exemplo, se a tarifa de retorno for muito baixa, pode
atrair uma demanda exagerada. Com o tempo, o que era puramente margi-
nal passa a constituir uma parcela importante dos serviços, aumentando ou-
tros gastos não considerados no cálculo do custo marginal (instalações, pes-
soal, administração etc.).

CONTABILIDADE DE CUSTOS: EVOLUÇÃO


Há métodos diversos de contabilização de custos, muitos deles largamente
utilizados há bastante tempo, como o RKW de origem alemã, desenvolvido
no início do século e adotado em muitos países, inclusive no Brasil. Pela sua
atualidade e abrangência, focalizaremos neste texto a metodologia ABC
(Activity-Based Costing) ou Custeio Baseado em Atividades.
Quando os administradores de uma empresa do Texas, fornecedora de
toldos e suprimentos industriais, decidiram analisar a margem obtida na ven-
da de produtos para seus diversos clientes, utilizando para isso o método de
custeio ABC, ficaram surpreendidos com os resultados. Chegaram à conclu-
são de que cerca de 70% de seus clientes e 80% de seus produtos apresenta-
338 vam margens insatisfatórias. Contrapondo esses resultados com as análises
convencionais do setor financeiro da empresa, o contraste mostrou-se gritan-
te, pois esses relatórios indicavam que 95% dos clientes e produtos eram ra-
zoavelmente lucrativos. Por que essa forte discrepância entre os dois enfoques?
O objetivo básico do método de custeio ABC é quebrar a caixa-preta
dos custos indiretos, inclusive administração, e dos custos operacionais fi-
xos, ligando-os diretamente aos clientes, produtos e pedidos. Um cliente,
que nos parece lucrativo à primeira vista, pode se tornar bastante deficitário
quando consideramos despesas individualizadas, associadas à venda, proces-
samento dos pedidos, estoque e distribuição. Isso porque muitas vezes
alguns clientes apresentam características bastante peculiares, muito diferen-
ciadas, acarretando custos excessivos que ficam diluídos no contexto geral,
sem que a empresa os perceba.
Muito embora a análise de custos tenha sido um elemento muito im-
portante na gestão das empresas desde a Revolução Industrial, foi somente
nos últimos anos que tomou uma feição diferente, mais sofisticada. Isso ocor-
reu porque, entre outras coisas, os custos de administração cresceram muito
ultimamente. Antes, logo após a Segunda Guerra, o custo direto de mão de
obra e de materiais significava mais de 90% do custo do produto, com os
custos indiretos totalizando apenas 10%. Hoje, as despesas indiretas e de ad-
ministração podem representar mais de 50% dos custos de um produto (Fi-
gura 11.4).
Além dos custos operacionais fixos e de administração, há que se levar
em conta também as situações excepcionais, muito comuns numa era alta-

(baseado em Cokins, 2000)


100%

Custos indiretos

Materiais
Componentes (direto)
de custo

Mão de obra direta

0%
convencional hierárquico integrado

Estágios na evolução das empresas


FIGURA 11.4 • Evolução relativa dos custos ao longo do tempo
339
mente competitiva, que exige resposta rápida às solicitações dos clientes. Por
exemplo, muitas vezes a empresa é obrigada a fazer pedidos emergenciais a
seus fornecedores, de forma a atender a uma solicitação inesperada de um
cliente importante, ocasionando aumento nos custos. Outras vezes, para
atender a uma linha de produtos ampla, é obrigada a manter em estoque in-
sumos de giro muito lento. Há casos em que as especificações muito particu-
lares de um cliente exigem controles de qualidade específicos, com custos
elevados. A lista de casos semelhantes é bastante extensa.
Na sua primeira geração, o método de custeio ABC enfocava o proble-
ma de apropriação de custos dentro dos departamentos em que a empresa é
tradicionalmente dividida. Ou seja, procurava interligar os custos diversos
de um departamento da empresa com os objetos de custeio, sem, contudo,
quebrar os limites interdepartamentais clássicos. Numa segunda geração,
denominada ABM (Activity-Based Management, ou Gestão Baseada em Ati-
vidades), o enfoque passou a ser o processo, isto é, o desenrolar de um servi-
ço específico voltado a um cliente externo, desde a entrada do pedido até a
satisfação final do consumidor/cliente.
De uma forma geral, os objetivos do método ABC são (Cokins, 1996):

G reduzir ou eliminar, se possível, custos que adicionam pouco valor ao


produto ou serviço;
G aumentar a eficiência e a eficácia das atividades que adicionam valor;
G encontrar as raízes que causam os problemas e corrigi-los, lembrando
que custos excessivos são sintomas que encobrem deficiências diversas;
G remover distorções causadas por falhas na interpretação das relações
entre causas e efeitos, levando a alocações errôneas de custos.

UM EXEMPLO SIMPLES
A literatura sobre custeio baseado em atividades apresenta um exemplo pa-
drão, que nos ajuda a melhor entender os conceitos e objetivos desse método
(Kaplan, 1998; Kaplan e Cooper, 1998). São consideradas, no exemplo,
duas indústrias quase iguais. A indústria A produz um milhão de canetas es-
ferográficas por ano, todas iguais, na cor azul. O fabricante B, por sua vez,
também produz um milhão de canetas por ano, mas de tipos, tamanhos e co-
res diferentes. Esse segundo fabricante, num ano típico, produz cerca de
1.000 variedades diferentes de canetas. Alguns tipos especiais de caneta, fa-
bricados sob encomenda para serem oferecidos como brinde por grandes
empresas, não passam de 100 a 200 por ano. Mas a indústria B também pro-
duz canetas comuns (azul, preta e vermelha), cuja produção anual atinge cer-
ca de 100.000 unidades.
340
Apesar de ambas produzirem a mesma quantidade de canetas, a indús-
tria B precisa de muito mais recursos para fabricar seu variado mix de produ-
tos. Relativamente à empresa A, a indústria B necessita de maior equipe téc-
nica de planejamento e de controle da produção, mais empregados para pro-
gramar e fazer o set up das máquinas, inspecionar a qualidade dos produtos,
acompanhar a execução dos pedidos, projetar novos produtos e aperfeiçoar
os existentes, negociar com os fornecedores, inspecionar a matéria-prima e
os componentes recebidos e atualizar as bases de dados do sistema de infor-
mação da companhia. Adicionalmente, a empresa B vai operar com níveis
bem mais elevados de tempo de espera entre os diversos processos de fabri-
cação, tempos de set up, horas extras dos funcionários, bem como de esto-
que de insumos e de rejeitos. Mesmo apresentando o mesmo output físico, o
custo de aquisição da matéria-prima para a empresa B tende a ser maior, vis-
to que coloca pedidos menores para uma série de itens, ao contrário da in-
dústria A, que consome uma variedade bem menor de insumos. Finalmente,
é de se esperar que a firma B apresente um custo de administração maior, já
que tem maior trabalho nos setores de marketing e vendas, finanças, conta-
bilidade e compras, principalmente.
A análise tradicional de custos começa com a escolha de um fator expli-
cativo básico, de natureza físico-operacional, que permita à gerência e à dire-
toria da empresa a gestão econômico-financeira do negócio. Esse fator expli-
cativo é normalmente algo que exprime o volume de produção. No caso da
fabricação de canetas, a escolha natural seria o número de canetas produzi-
das. No caso da indústria A, não haveria maiores problemas em calcular o
custo unitário: basta dividir a soma do custo total pelo número de canetas
produzidas para se obter o valor unitário. Já para a empresa B, o cálculo re-
quer maior detalhamento. Para isso, parte-se dos conceitos clássicos de custo
fixo e de custo variável.
A empresa B consegue medir as quantidades de matéria-prima utiliza-
das em cada tipo de caneta. Isso porque, no projeto da caneta, estão especifi-
cadas as quantidades de cada insumo, o que possibilita calcular o custo unitá-
rio da matéria-prima. Por outro lado, medindo no chão de fábrica as sobras e
as perdas de materiais, se chega a uma estimativa do custo adicional corres-
pondente. Assim, pode-se avaliar, com precisão satisfatória, os custos unitá-
rios de matéria-prima para cada tipo de caneta produzida. Como esse custo é
proporcional ao número de itens, esse elemento é um custo variável. De for-
ma semelhante, é possível calcular os custos variáveis de utilização das má-
quinas na fábrica, de mão de obra direta, e de outros fatores de produção.
Outros gastos, como as despesas de administração, por exemplo, não
estão diretamente ligados a um determinado tipo de produto, mas sim à ope-
ração da empresa como um todo. São custos fixos, pois não variam direta-
mente com a quantidade produzida. Mas a empresa precisa estimar de algu- 341
ma forma esses custos, individualizando-os para cada tipo de produto.
Como o fator explicativo clássico, neste exemplo, é o número de canetas
produzidas, a forma tradicional de alocar o custo de administração a cada
produto é realizar o rateio com base nesse elemento. Por exemplo, suponha-
mos que um determinado tipo de caneta tenha uma produção de 200.000
itens, ou seja, 20% do total. Tomamos 20% do custo de administração e di-
vidimos esse valor por 200.000, obtendo assim a parcela alocável à atividade
em questão para o tipo de produto considerado. O mesmo é feito para ou-
tros tipos de custo fixo, tais como gastos com energia, vigilância, informáti-
ca, seguro e outros.
No caso da empresa B, a menos de uma pequena diferença no custo da
matéria-prima e nos custos variáveis, o resultado do processo de custeio le-
varia a valores quase iguais para todos os tipos de canetas fabricadas. Se os
preços das canetas forem estabelecidos com base nesses custos estimados,
poderão ocorrer distorções sérias. Em geral, os produtos mais elaborados te-
rão seus custos subestimados, enquanto os produtos de menor dificuldade
de fabricação terão seus custos superestimados.
Por que isso acontece? Hoje, na era da informação, os custos fixos
têm uma participação muito grande nos custos do produto, quando
comparados com os custos variáveis. Isso acontece por várias razões.
Em primeiro lugar, os custos de mão de obra direta caíram para uma
porcentagem relativamente baixa na formação do custo dos produtos
(Figura 11.4). Segundo, a competitividade global e crescente entre as
empresas tem levado a produzir itens mais sofisticados, em termos tec-
nológicos e de acabamento, bem como a esforços de marketing e serviços
de pós-venda mais diferenciados. Em terceiro lugar, a atual tecnologia de
computadores e de sistemas de informação tem levado a um crescimento
exponencial nas atividades de obtenção e uso de dados e de informações
no domínio empresarial. Esses avanços nas operações e na gestão das em-
presas ocasionaram um aumento expressivo nos custos fixos. Por outro
lado, os preços das matérias-primas não cresceram na mesma proporção
dos demais custos, e o impacto do custo da mão de obra vem caindo em
decorrência da automação industrial.
Dessa forma, os custos variáveis, diretamente alocáveis aos diferentes
tipos de produto, passaram a ter menor participação no cômputo dos custos
de produção. Assim, uma fábrica de canetas da década de 1940 tinha uma es-
trutura de custos baseada predominantemente nos custos variáveis. Mas,
para a indústria B de nosso exemplo, esse tipo de cálculo de custos seria ex-
tremamente prejudicial, pois levaria, de um lado, a custos subestimados para
os itens especializados e de baixo volume, e, de outro, a custos superestima-
dos para os produtos de tipo comum e de volume elevado. O que fazer então
342 para corrigir essa distorção?
O MÉTODO DE CUSTEIO ABC
Eventos, Transações e Atividades
Um dos objetivos do método ABC é ir a fundo na explicação da composição
dos custos da empresa e da cadeia de suprimento. A meta principal dessa téc-
nica de custeio é alocar custos que reflitam ou “espelhem” a dinâmica físi-
co-operacional da empresa (Ostrenga et al., 1993). De uma maneira geral,
os recursos da empresa são consumidos na realização de atividades diversas,
e estas são executadas para gerar produtos ou serviços que, por sua vez, vão
ser alocados a clientes diversos. Temos então três estágios:

G consumo de recursos pelas atividades;


G relacionamento das atividades com os diversos produtos ou serviços;
G alocação dos custos aos clientes que consomem os produtos ou servi-
ços. Os clientes são o objeto das ações comerciais da empresa.

Mas, o que são atividades? Toda atividade é originada de um evento


que, por sua vez, gera uma transação, levando finalmente à realização da
primeira (Figura 11.5). Os eventos indicam as ações da empresa relaciona-
das com a manufatura de produtos ou com a prestação de serviços. Por
exemplo, um operador logístico pode oferecer, como um de seus serviços, a
coleta de mercadorias no depósito de seu cliente. Esse é um evento (Figura
11.5). Num determinado momento do dia, um funcionário do cliente telefo-
na ao operador logístico e solicita a apanha da mercadoria, fornecendo o lo-
cal da coleta e a quantidade. Foi estabelecida então uma “transação”. Mais
tarde, um veículo do operador logístico é alocado para efetuar a coleta, exe-
cutando assim uma “atividade” (Nakagawa, 1994). As relações entre recur-
sos e atividades, e entre as atividades e os objetos, podem ser entendidas
como um corte vertical nesse processo, que cruza com o corte horizontal,
conforme mostra a Figura 11.6.

Direcionadores
Basicamente, o relacionamento entre os recursos utilizados pela empresa, as
atividades e os objetos das ações da empresa (produtos, serviços, clientes) se
apoia num conceito triplo:

Eventos Transação Atividade

Coleta Pedido Realizar


da carga do cliente a coleta

FIGURA 11.5 • Evento, transação e atividade


343
Recursos

Direcionador
de recurso

Medidas de
Evento Transação Atividades
desempenho

Direcionador
de atividade

Objetos de
processo
Baseado em Nakagawa (1994)

FIGURA 11.6 • As atividades na interseção de dois cortes

G as atividades de uma empresa consomem recursos físicos e operacio-


nais de vários tipos. A relação entre recursos e atividades é comanda-
da por direcionadores de recursos (resource drivers);
G as atividades podem ser relacionadas, de forma direta ou indireta,
com custos;
G os objetos das ações da empresa podem ser relacionados às atividades
através dos direcionadores de atividades (activity drivers).

Os registros contábeis de uma empresa típica refletem normalmente


duas dimensões:

G as categorias de custo que são normalmente exigidas para comunica-


ção externa (com o Fisco ou com os acionistas, por exemplo), como
depreciação de máquinas ou equipamentos, salários e obrigações tra-
balhistas etc.;
G as unidades organizacionais da empresa que incorrem no custo. Por
exemplo, os salários são usualmente subdivididos por departamento:
vendas, administração, fábrica, expedição etc.

De uma forma geral, iniciamos a aplicação do método ABC buscando,


na contabilidade da empresa, as contas de interesse. Mas, para a correta apli-
cação do método ABC, é preciso abandonar a visão estrita de “conta/centro
de custos”. É preciso adotar, em contrapartida, a visão de “processo/ativida-
344
Vendas Operações Financeiro
1

recebimento sequência
do pedido do processo

2 3

verificação coleta da
do cliente carga

4 5

entrega cobrança

pós-venda

FIGURA 11.7 • Estrutura departamental versus estrutura por processos

de”. Portanto, o primeiro passo importante na aplicação do custeio baseado


em atividades é reorganizar as inter-relações para que tenham uma orienta-
ção para “processos/atividades” (Ostrenga et al., 1993). Por exemplo, na Fi-
gura 11.7 são mostrados, de forma bastante simplificada, três departamen-
tos de uma empresa que presta serviços logísticos: vendas, operações e setor
financeiro. Na visão tradicional, as contas seriam levantadas na contabilida-
de, de forma a agrupá-las ao longo das colunas da Figura 11.7. Por exemplo,
os salários seriam desagregados em “setor de vendas”, “setor de operações”,
e “departamento financeiro”. Já no enfoque ABC, procura-se definir um
processo, isto é, uma sequência lógica de atividades, procurando associá-las
aos custos: salários, depreciação de veículos, consumo de combustível etc.
Uma vez completada essa análise preliminar, buscamos as relações en-
tre os recursos utilizados e as atividades. Na Figura 11.8 são mostrados,
como exemplo, três recursos: combustível (óleo diesel), veículos (cami-
nhões) e pessoal utilizado nas operações de carga e descarga na doca do CD.
Duas atividades, por sua vez, são mostradas na Figura 11.8: entrega dos pro-
dutos aos clientes e carregamento dos veículos de distribuição na doca. O
consumo de combustível dos veículos está relacionado com a atividade 1,
mas não está ligado à atividade 2, pois os caminhões permanecem parados
enquanto são carregados. Já que os veículos são utilizados nas duas ativida- 345
Recurso 1 Recurso 2 Recurso 3
mão de obra
combustível veículos carga e
descarga

entrega carregamento
dos produtos do veículo
aos clientes na doca

Atividade 1 Atividade 2
FIGURA 11.8 • Relação entre recursos e atividades

des,1 o custo de capital destes deve ser ligado a ambas. Finalmente, o pessoal
de operação nas docas está relacionado tão somente com a atividade 2. No-
tar que ainda não realizamos nenhum cálculo de custo, como também não os
alocamos às diversas atividades. Isso é feito posteriormente, depois que defi-
nirmos os direcionadores.
Para cada relação recurso/atividade devemos selecionar um direciona-
dor de recurso (resource driver), escolhido cuidadosamente entre os possí-
veis fatores explicativos, de forma a melhor representar a relação de causa
e efeito específica para cada caso. Por exemplo, a utilização de uma empi-
lhadeira no CD pode ser relacionada com o tempo de uso da mesma (R$/ho-
ra-máquina). Já a atividade expedição pode estar associada ao número de
notas de despacho, o esforço do setor de compras ao número de pedidos, e
assim por diante. A escolha de um direcionador de recurso para uma ativida-
de específica reflete um compromisso, até certo ponto subjetivo, entre preci-
são e facilidade de mensuração.
No exemplo da Figura 11.8, tanto para o recurso veículos como para o
custo de mão de obra, carga/descarga, o direcionador mais adequado é o
tempo de operação da atividade. Por outro lado, o recurso combustível/veí-
culos está diretamente relacionado com a quilometragem. A atividade entre-
ga dos produtos aos clientes utiliza os recursos 1 e 2, mas não o 3.
Observamos que a atividade 1, entrega dos produtos aos clientes, se re-
laciona com os recursos através de dois direcionadores diversos. O recurso
1, combustível, é explicado pela quilometragem, enquanto o recurso 2, veí-
culos, tem como direcionador o tempo de uso. Quando essa situação ocorre,
é necessário analisar o processo com mais detalhe. Pode ocorrer que uma das

1
Mesmo parado na doca, o veículo está sendo utilizado, pois seu uso fica bloqueado para possíveis
346 usos em outras atividades.
Recurso 1 Recurso 2

combustível capital
(veículos) (veículos)

Atividade 1 entrega
dos produtos
aos clientes

percurso entrega
percurso
dentro aos
CD – bolsão
do bolsão clientes
Ativ. 1.1 Ativ. 1.2 Ativ. 1.3
FIGURA 11.9 • Desdobramento de atividades no método ABC

relações envolva custos substancialmente maiores do que a outra. Nesse caso


pode-se abandonar o direcionador de menor importância, ficando apenas
com o mais significativo. Caso os dois não sejam desprezíveis, torna-se ne-
cessário subdividir a atividade em duas ou mais.
De fato, a atividade entrega dos produtos aos clientes pode ser melhor
representada através da sua subdivisão em três atividades, a saber:

G percurso do veículo desde o CD até o bolsão e vice-versa;


G percurso dentro do bolsão;
G entrega propriamente dita aos clientes, representada pelas paradas
nos pontos de descarga (Figura 11.9).

Agora, a interligação entre recursos e atividades fica mais explícita, per-


mitindo a escolha de apenas um direcionador para cada relação. Assim, o
custo de combustível dos veículos, para a atividade 1.1, na Figura 11.9, pode
ser explicado pela quilometragem percorrida no trecho entre o CD e o bol-
são, e vice-versa. O custo de combustível dentro do bolsão, por sua vez, está
ligado à quilometragem percorrida dentro do bolsão. Finalmente, o custo re-
lacionado com as entregas propriamente ditas está ligado ao tempo de para-
da nas visitas aos clientes.

Tipos de Direcionadores
Normalmente os direcionadores, no método ABC, são de três tipos: 347
G direcionadores de transação;
G direcionadores de duração;
G direcionadores de intensidade.

Os direcionadores de transação se referem ao número de operações re-


petitivas. Por exemplo, número de set ups da máquina, número de pedidos,
número de veículos descarregados na doca etc. Esse tipo de direcionador
pode ser usado quando todos os outputs da operação imprimem, mais ou
menos, o mesmo nível de esforço sobre a atividade. Por exemplo, a elabora-
ção de um pedido, com o apoio dos modernos sistemas de EDI (Electronic
Data Interchange), exige praticamente o mesmo esforço para a maioria dos
insumos, não dependendo, portanto, do tipo de produto e de sua quantida-
de, mas tão somente do número de vezes que é executado.
Os direcionadores de duração estão relacionados com o tempo de exe-
cução da atividade. São utilizados quando ocorrem variações apreciáveis no
tempo de execução de uma determinada atividade, em função do tipo de
produto. Por exemplo, um produto que é transportado em pallets vai reque-
rer um tempo de carregamento do caminhão na doca de despacho muito me-
nor do que outro tipo de mercadoria solta. Outro exemplo típico é o tempo
de set up das máquinas, que pode ser de 10 minutos para um certo produto e
de seis horas para outro.
Finalmente, os direcionadores de intensidade consideram diretamente a
quantidade de recursos necessária para realizar uma determinada atividade.
Tal situação ocorre quando a realização da atividade for muito complexa ou
muito específica. Nesses casos é melhor medir diretamente os recursos con-
sumidos na atividade. Por exemplo, quando os produtos exigem controle de
qualidade em níveis muito diversos, tanto os direcionadores de transação
como os de duração podem não refletir adequadamente o esforço aplicado.
Podemos, então, determinar o número de homens-hora do pessoal alocado
ao controle de qualidade em cada caso, calculando os salários, horas extras e
encargos sociais, e estabelecendo valores de custo unitário para cada tipo de
produto separadamente. Os direcionadores de intensidade são os mais preci-
sos, porque refletem melhor o consumo dos recursos de produção, mas são
os que consomem mais tempo e homens-hora para levantar.
Uma vez definidas claramente todas as atividades e seus custos, é neces-
sário alocá-los aos objetos. Os objetos podem ser produtos ou tipos de servi-
ço, podendo ser representados também por clientes diversos. Para isso são
definidos direcionadores de atividade, que possibilitam o rateio dos custos
aos diversos objetos considerados. Na Figura 11.10, é exemplificada uma re-
lação desse tipo, em que a atividade “entrega aos clientes” é alocada aos va-
rejistas I, II e III por meio de um direcionador de atividade formado pelo
348
tempo total de parada (tempo médio de parada × no de visitas).
entrega
aos atividade
clientes

tempo de parada
x direcionador
nº de visitas

varejista I varejista II varejista III objeto

FIGURA 11.10 • Alocação de atividade aos objetos

Uma vez definidas as relações entre recursos e atividades, e entre ativi-


dades e objetos, passa-se à quantificação dos custos ABC. Esse processo será
ilustrado mais adiante, através de um exemplo.

Quando Aplicar o Método ABC?


Duas regras simples ajudam a buscar uma resposta para essa questão (Kaplan
e Cooper, 1998). Em primeiro lugar, verifique se a empresa apresenta seto-
res ou atividades com gastos elevados em recursos indiretos ou de suporte, e
verifique também se esses gastos vêm crescendo ao longo do tempo. Para os
casos em que a maior parte dos gastos é formada por mão de obra direta e
utilização direta de insumos (principalmente materiais), sendo possível li-
gá-las aos diferentes produtos por meio dos métodos convencionais de cus-
teio, o emprego do método ABC é menos justificado.
Em segundo lugar, verifique se a empresa apresenta intensidade muito
diversificada no que diz respeito a tipos de produto ou serviços, classes de
clientes e uso de processos. Por exemplo, a empresa pode oferecer produtos
de baixo valor e em grandes volumes, ao mesmo tempo em que comercializa
produtos de valor elevado, em pequenas quantidades. No lado mercadológi-
co, a empresa pode estar trabalhando com clientes institucionais, que adqui-
rem grandes volumes e exigem acentuado esforço de vendas, mas ao mesmo
tempo vendendo no varejo, com consumidores do tipo pessoa física. Tam-
bém é possível ocorrer a manufatura de um produto com a marca e especifi-
cações impostas pelo varejista, o que pode exigir processos de fabricação es-
peciais ou longos set ups das máquinas. Todas essas situações favorecem a
utilização do método ABC.

349
EXEMPLO DE CUSTEIO ABC NA TRANSFERÊNCIA DE PRODUTOS
A transferência de produtos, ou distribuição um para um, ocorre quando se
deslocam mercadorias da fábrica para o depósito do cliente ou para outro
destino qualquer, mas transportando um carregamento completo de cada
vez. Ou seja, o veículo parte de um ponto de origem e leva a carga para um
ponto de destino. Daí a expressão um para um (veja Capítulo 8).
Neste exemplo vamos considerar uma pequena transportadora que
atende dois clientes I e II, fornecendo serviços regulares de transferência de
carga, assim discriminados:

Cliente I: transferência de 1.000 toneladas de carga por mês entre as


cidades A e B, distantes 100km entre si. O tempo médio de
carregamento do veículo na origem é de cinco horas, e o tempo de
descarga no destino é de oito horas, incluindo as esperas;

Cliente II: transferência de 400 toneladas de carga por mês entre a


cidade A e a cidade C, distante 300km da primeira. O tempo médio de
carregamento do veículo é de duas horas, e o tempo de descarga em C
é de três horas, incluindo as esperas.

Nos dois serviços não há carga de retorno, voltando os veículos vazios


para a cidade A. A velocidade média nas rotas é de 40km/h. Por outro lado, a
transportadora aloca permanentemente 12 veículos de oito toneladas úteis
ao serviço I, e 10 veículos do mesmo tipo para o serviço II.
De acordo com o cálculo da transportadora, o custo direto de cada veí-
culo é de R$3.600,00 por mês, incluindo os custos variáveis (combustível,
pneus, manutenção etc.) e os custos fixos (depreciação, salários e obrigações
do motorista, licenciamento, seguro do veículo etc.). Esse custo é calculado
pela transportadora da seguinte forma: a) quilometragem mensal estimada
de 5.000km por veículo e custo variável unitário de R$0,22 por quilômetro
rodado; b) custo fixo mensal de R$2.500,00 por veículo, levando a um total
de 0,22 × 5.000 + 2.500 = R$3.600,00 por veículo e por mês. Dessa for-
ma, o custo alocado pela transportadora ao cliente I é 12 × 3.600,00 =
R$43.200,00, e ao cliente II, 10 × 3.600,00 = R$36.000,00.
Essa forma de calcular os custos está correta? Por outro lado, se surgir
um terceiro cliente solicitando uma proposta para um outro serviço de trans-
ferência de carga, como a transportadora faria a estimativa de custo? Obser-
ve que a transportadora já faz esses dois serviços há um certo tempo, o que
lhe permitiu ir ajustando a frota às necessidades de forma paulatina, até che-
gar ao esquema de operação atual. Mas uma situação diferente pode impli-
car outra estrutura de custos, e nossa pequena transportadora talvez não es-
350 teja preparada para responder a contento às solicitações de novos clientes.
Vamos recalcular os custos seguindo a metodologia do custeio ABC.
Em primeiro lugar, ao analisar o processo de transferência de carga, observa-
mos que há operações que não apresentam relação alguma com a quilome-
tragem percorrida pelos veículos. Neste exemplo, são as operações de carga
e descarga do veículo, incluindo as esperas, durante as quais os caminhões fi-
cam parados, com o motor desligado. O custo dessas operações está relacio-
nado somente com a duração (tempo) e com a tonelagem movimentada. Por
outro lado, o deslocamento dos veículos nas duas rotas tem seus custos rela-
cionados com a duração (tempo), a distância percorrida e a tonelagem.
Temos, assim, três recursos utilizados, a saber:

G duração da atividade;
G quilometragem percorrida;
G tonelagem transportada.

As atividades neste exemplo são somente três: carregamento do veícu-


lo, deslocamento do veículo da origem ao destino (e retorno) e descarga do
veículo no destino. A seguir, vamos quantificar esses recursos por atividade.

Carregamento dos Veículos


Para cada viagem do cliente I são gastas cinco horas para completar o carrega-
mento do veículo. Em cada viagem são transportadas oito toneladas de carga,
e portanto são necessárias 1.000 ÷ 8 = 125 viagens por mês para transportar
as 1.000 toneladas do cliente I. Assim, são gastas 5 h × 125 viagens = 625 ho-
ras por mês no processo de carregamento dos veículos, serviço I. Normalmen-
te se observam variações nos tempos de carga e descarga, devidas a fatores di-
versos (equipes de manuseio da carga mais ou menos eficientes, esperas mais
ou menos longas, tempo variável na liberação dos documentos etc.). É nor-
mal, portanto, dar uma folga nessa estimativa. Adotamos, assim, uma margem
de 10%, levando a um total de 1,1 × 625 = 687,5 horas por mês despendidas
no carregamento dos caminhões, no serviço I. Fazendo o mesmo cálculo para
o cliente II, obtemos 1,1 × 2 × 400/8 = 110 horas por mês.
Qual o custo unitário dessa atividade? Admitimos que a frota esteja dis-
ponível para operação 10 horas por dia, 25 dias por mês, num total de 250
horas mensais. Descontando 15 horas mensais para serviços de conserto,
manutenção, lavagem dos veículos etc., chega-se a uma disponibilidade de
235 horas úteis por veículo e por mês. O custo fixo mensal é igual a
R$2.500,00 por veículo, levando a um custo unitário de 2.500,00 ÷ 235 =
R$10,64 por hora, valor este colocado na Tabela 11.1. Observar que os cus-
tos quilométricos não aparecem nessa atividade, visto que o veículo perma- 351
nece parado, com o motor desligado durante todo o processo de carrega-
mento. Observar também que não foram adicionados os custos de movimen-
tação da carga na doca, os quais seriam cobertos pelo embarcador.

Deslocamento do Veículo entre a Origem e o Destino (e Retorno)


Cada viagem de ida e volta de um veículo, entre os pontos A e B, cobre um
total de 200km, no caso do serviço I. Na realidade, a quilometragem real
tende a ser um pouco maior do que a estimada diretamente com base na dis-
tância rodoviária. De fato, os caminhões têm que trafegar nas vias urbanas
até o depósito do cliente e na cidade de destino, são levados periodicamente
à oficina mecânica, algumas vezes ocorrem desvios esporádicos da rota por
impedimentos nas rodovias etc. Uma margem de 10% na quilometragem se-
ria uma estimativa razoável para levar em conta essas variações. Assim, a
cada viagem do tipo I alocamos 1,1 × 200 = 220km.
Para atender o cliente I são necessárias 125 viagens por mês (ver seção
anterior). A quilometragem mensal total é então igual a 220 × 125 =
27.500km. Para atender o cliente II, por sua vez, a quilometragem mensal
total é calculada de forma análoga, sendo igual a 1,1 × 600 × 400/8 =
33.000km.
Qual o custo unitário dessa atividade? O custo unitário variável é de
R$0,22 por quilômetro rodado, e então o valor mensal correspondente para
o serviço I é igual a 0,22 × 27.500 = R$6.050,00. A velocidade média de
tráfego é 40km/h e, portanto, o tempo mensal total de deslocamento dos veí-
culos, para o serviço I, é igual a 27.500 ÷ 40 = 687,5 horas. Já calculamos o
custo fixo horário na seção anterior, ou seja, R$10,64/h. Assim, o valor
mensal do custo fixo relacionado ao deslocamento dos veículos é dado por
687,5 × 10,64 = R$7.315,00. Somando o custo quilométrico com o custo fi-
xo, obtemos 6.050,00 + 7.315,00 = R$13.365,00, que representa o custo
mensal de deslocamento da frota de veículos alocada ao serviço I. Como são
transportadas 1.000 toneladas/mês, o custo unitário é de 13.365,00/1.000
= R$13,36 por tonelada. Repetindo o cálculo para o serviço II, obtemos um
custo unitário de R$40,09 por tonelada transportada.
O direcionador para essa atividade é a tonelada-quilômetro (t/km), que
é o produto da distância pela tonelagem transportada. Para o serviço I, a dis-
tância por viagem é 2 × 100 = 200km, levando a um custo unitário de 13,36
÷ 200 = R$0,0668 por t/km. Para o serviço II, temos uma quilometragem 2
× 300 = 600km por viagem, levando a um custo de 40,09 ÷ 600 =
R$0,0668 por t/km. Ou seja, os custos de deslocamento dos veículos nos ser-
viços I e II, por t/km, são iguais.
Por que ocorre a igualdade desses custos? Como os caminhões alocados
352 aos serviços I e II são iguais, o custo fixo por hora é o mesmo para os dois ca-
sos. Por outro lado, a velocidade média nas duas rotas é a mesma e, portanto,
o tempo de deslocamento é diretamente proporcional à quilometragem per-
corrida. Isso leva ao mesmo valor de custo por t/km. Se os veículos fossem
diferentes ou se as velocidades médias variassem da situação I para a II, os
custos unitários seriam diferentes. O valor unitário do custo desse direciona-
dor de atividade é colocado na Tabela 11.1.

Descarga dos Veículos


Seguindo passos análogos ao apresentado na seção referente ao carregamen-
to dos veículos, chega-se ao mesmo valor unitário de R$10,64 por hora de
descarga. Faça os cálculos e explique a razão dessa igualdade. Esse valor é
também colocado na Tabela 11.1.

Tabela 11.1 Direcionadores de atividade e respectivos valores unitários


Atividade Direcionador de atividade Valor unitário (R$)

• Carregamento do veículo Horas de operação 10,64

• Deslocamento do veículo na rota Toneladas × km 0,0668


(ida e volta)

• Descarga do veículo Horas da operação 10,64

Passamos agora a calcular os custos ABC para os serviços I e II (Tabelas


11.2 e 11.3). Na primeira coluna das Tabelas 11.2 e 11.3, são listadas as ati-
vidades e, na segunda coluna, são explicitados os direcionadores de ativida-
de. Na terceira coluna são colocados os quantitativos referentes aos diferen-
tes direcionadores. Finalmente, a partir dos custos unitários dos direciona-
dores e dos respectivos quantitativos, obtêm-se os valores do custo ABC para
cada atividade. Somando-se os custos ABC de cada atividade, chega-se ao
custo ABC de cada cliente.

Tabela 11.2 Cálculo do custo ABC para o cliente I


Atividade Direcionador Quantitativo Custo unitário (R$) Custo ABC (R$)

a) Carregamento do veículo TC * 687,5 10,64 7.315,00

b) Deslocamento do veículo t/km** 1.000 × 200 = 0,0668 13.360,00


na rota (ida e volta) 200.000

c) Descarga do veículo TD*** (1.000 ÷ 8)× 8 × 10,64 11.704,00


1,1 = 1.100

Total: 32.379,00

*TC = tempo de carregamento total, em horas por mês.


**t/km = toneladas-quilômetros mensais = ton. transportadas por mês × distância ida e volta.
***TD = tempo de descarga total, em horas por mês. 353
Tabela 11.3 Cálculo do custo ABC para o cliente II
Atividade Direcionador Quantitativo Custo unitário (R$) Custo ABC (R$)

a) Carregamento do TC * 110 10,64 1.170,40


veículo

b) Deslocamento do t/km** 400 × 600 = 0,0668 16.032,00


veículo na rota (ida e 240.000
volta)

c) Descarga do veículo TD*** (400 ÷ 8) × 3 10,64 1.755,60


× 1,1 = 165

Total: 18.958,00

*TC = tempo de carregamento total, em horas por mês.


**t/km = toneladas-quilômetros mensais = ton. transportadas por mês × distância ida e volta.
***TD = tempo de descarga total, em horas por mês.

Assim, o custo de uma tonelada de carga transportada para o cliente I é


de R$32.379,00 ÷ 1.000 = R$32,38/t, e para o cliente II, 18.958,00 ÷ 400
= R$47,39/t. Na Figura 11.11 são mostrados os valores do custo empírico,
isto é, aquele estimado pela transportadora, confrontados com os valores do
custo ABC. Observamos que, para ambos os clientes, o custo ABC foi mais
baixo do que o custo estimado empiricamente. No caso do cliente I, o custo
ABC mensal é 25% inferior ao custo empírico, e, no caso do cliente II,
47,3% menor! Na soma geral, o custo ABC apresentou-se 35,2% menor do
que o custo estimado pela transportadora. Vamos analisar os motivos dessa
discrepância.

50000
Custeio empírico
45000
Custeio ABC
40000
Custo mensal (R$)

35000
30000

25000
20000

15000
10000

5000

0
Cliente I Cliente II
FIGURA 11.11 • Comparação do custo empírico e ABC para clientes I e II
354
Em primeiro lugar, a transportadora estimou em 5.000km a quilome-
tragem mensal percorrida para cada um dos caminhões de sua frota. Vimos
que a quilometragem mensal total da frota, no serviço I, é igual a 27.500km.
Como são alocados permanentemente 12 veículos a esse cliente, cada veícu-
lo percorre uma média de 27.500km ÷ 12 = 2.291,7km/mês, índice este
bem abaixo da quilometragem estimada pela transportadora. Para o serviço
II, são cobertos 33.000km mensais pela frota de 10 veículos, levando a uma
média de 3.300km por veículo e por mês, índice este também bem abaixo do
valor adotado pela transportadora. Assim, o custo variável (R$/km) estima-
do pela transportadora está bem acima do real.
Outro aspecto importante a considerar é a folga temporal observada no
aproveitamento dos veículos. Conforme estimativa apresentada, cada veícu-
lo fica disponível para as operações de transporte durante 235 horas por
mês. No caso do cliente I, cada viagem consome um tempo total dado por:

Carregamento do veículo: 5,0 h


Viagem de ida (100km ÷ 40km/h): 2,5 h
Descarga do veículo: 8,0 h
Viagem de retorno (100km ÷ 40km/h): 2,5 h
Total: 18,0 h

São realizadas 125 viagens por mês para atender o cliente I, levando a
um total de 125 × 18,0 = 2.250 horas de utilização mensal da frota no servi-
ço I. Uma vez que são alocados 12 veículos ao serviço I, a disponibilidade
mensal da frota para o serviço I é então 235 × 12 = 2.820 horas/mês. Há
assim uma folga de 2820 – 2250 = 570 veículos-horas por mês, ou cerca de
20% da disponibilidade de tempo. Essa folga observada no serviço I pode ser
necessária para acomodar variações diversas nas operações. Por exemplo, é
possível que o cliente I não mantenha um planejamento rígido de solicita-
ções para os serviços da transportadora. Nesse caso, ela é obrigada a manter
veículos de plantão para atender chamadas fora do programado. Isso expli-
ca, em parte, a alocação de frotas específicas para cada um dos dois clientes.
No entanto, seria conveniente analisar diretamente as operações por um de-
terminado período de forma a verificar se a transportadora poderia atender
o cliente I com 11 caminhões, em lugar de 12.
Fazendo a mesma análise para o serviço II, observamos que são gastas
20 horas para realizar uma viagem redonda entre A e C, e que são realizadas
400/8 = 50 viagens por mês. Assim, são consumidas 20 × 50 = 1.000 veícu-
los-horas por mês. Por outro lado, a disponibilidade de tempo da frota, com-
posta por 10 caminhões, é igual a 235 × 10 = 2.350 horas mensais, havendo
uma folga de 2.350 – 1.000 = 1.350 h/mês ou 57,4% da disponibilidade.
Observa-se, assim, que a frota alocada ao serviço II apresenta grande folga. É 355
possível que o cliente II não tenha uma programação organizada, solicitando
os serviços da transportadora em momentos imprevisíveis, não permitindo
assim que se faça uma alocação mais racional dos veículos.
Uma possível iniciativa de gestão da transportadora seria juntar as fro-
tas I e II de forma a reduzir o número total de caminhões e, consequente-
mente, reduzir os custos. Mas, para tal, seria necessário melhorar o sistema
de programação dos atendimentos aos clientes, buscando melhor entrosa-
mento e troca de informações entre as empresas, implantar um sistema de
custeio apropriado, além de outras medidas operacionais e de planejamento
adequadas.
Observe que a análise de custeio ABC pode levar à identificação de pon-
tos falhos na operação da empresa. Essa observação levou à evolução do
ABC para o ABM (Activity Based Management ou Gestão Baseada em Ativi-
dades), em que o processo não se exaure com a determinação dos custos,
mas é empregado adicionalmente para identificar falhas na operação e indi-
car possíveis soluções (Develin, 1995).
A seguir, apresentaremos uma aplicação do método de custeio ABC à
operação de um CD ou depósito.

EXEMPLO DE CUSTEIO ABC APLICADO A UM CENTRO


DE DISTRIBUIÇÃO
O CD tem uma área de 5.000m2 e movimenta 15.600 toneladas de produtos
por ano. Um CD pode apresentar as mais diversas formas de arranjo de suas
instalações, com funções bastante variadas. No nosso exemplo, vamos consi-
derar uma situação clássica, em que o armazém desempenha quatro ativida-
des básicas:

G recebimento de produtos;
G inspeção e controle;
G armazenagem;
G expedição.

Para realizar as atividades são necessários recursos diversos. Neste


exemplo são considerados quatro recursos, a saber:

G mão de obra direta;


G pessoal de supervisão;
G equipamentos (empilhadeiras, carrinhos etc.);
G instalações fixas (prédio).
356
Alocação dos Recursos às Atividades
A análise ABC começa na contabilidade. O analista vai rever as contas, bus-
cando aquelas que se relacionam com o objetivo do estudo, e agrupando-as
em categorias. Gastos que são logicamente relacionados entre si, ou que são
gerados de forma similar, são naturais candidatos a ser considerados juntos.
Por exemplo, contas relacionadas à mão de obra que frequentemente são
juntadas num único grupo são: salários (parte fixa), incentivos (parte variá-
vel dos salários), horas extras, FGTS, INSS, seguro de acidentes no trabalho,
auxílio médico etc. No nosso exemplo, os gastos anuais levantados na conta-
bilidade da empresa foram agrupados em quatro categorias de acordo com
os recursos utilizados, como mostra a Tabela 11.4.

Tabela 11.4 Gastos anuais agrupados por recurso


Recurso utilizado Tipo de gasto Custo anual (R$)

Mão de obra direta Salários e obrigações 262.000,00

Pessoal de supervisão Salários e obrigações 66.000,00

Equipamentos Depreciação e custos de operação dos 132.000,00


equipamentos

Instalações fixas (prédio) Depreciação, operação e conservação 164.000,00


do prédio

Total 624.000,00

Os equipamentos utilizados para movimentação da carga no armazém


são carrinhos, empilhadeiras e transelevadores. Os gastos com o prédio en-
volvem depreciação do mesmo, manutenção, iluminação e energia, seguro,
vigilância e limpeza. Os serviços de vigilância e limpeza são terceirizados, ra-
zão pela qual não estão incluídos nos gastos com pessoal.
A segunda etapa do processo é buscar relações de causa e efeito entre a
utilização dos recursos e as atividades. Para isso consideramos separadamen-
te cada tipo de recurso, um por um, e procuramos entender como se relacio-
nam com as atividades e como essas relações podem ser quantificadas. Tor-
na-se necessário definir então os direcionadores de recurso adequados. Nes-
te caso, foi adotada a seguinte lógica para especificar os direcionadores de
recursos:

Mão de obra direta: a forma mais simples e aceitável de relacionar a utili-


zação de pessoal com as respectivas atividades é o número de pessoas en-
volvidas. Na empresa, no entanto, além da mão de obra regular, emprega-
da em tempo integral, é utilizado também pessoal avulso. A maneira encon-
trada para medir a utilização da mão de obra de forma única foi calcular 357
uma equivalência com o empregado de tempo integral. Suponhamos, por
exemplo, que sejam gastos, com pessoal avulso, R$3,00 por hora de ativi-
dade, e com empregados full time, em média R$4,00 por hora de trabalho.
Então, um trabalhador avulso equivale a 3,00/4,00 = 0,75 empregados full
time. Ou seja, se numa determinada atividade são gastas 200 horas com
pessoal avulso e 80 horas com empregados full time, tudo se passa como se
estivessem sendo utilizados 0,75 × 200 + 80 = 230 empregados equivalen-
tes full time.
Para determinar a alocação de pessoal às quatro atividades básicas,
foram consultados os supervisores e um grupo representativo de empre-
gados sobre como os trabalhadores do armazém gastam seu tempo, che-
gando aos resultados mostrados na Tabela 11.5. O direcionador de recur-
so escolhido, para gastos com a mão de obra direta, é a quantidade de pes-
soal, medida em empregados equivalentes full time. Na Tabela 11.5 é
mostrado também o rateio dos gastos de pessoal, segundo o direcionador
selecionado.

Tabela 11.5 Alocação dos custos de mão de obra direta


Inspeção
Atividade Recebimento e controle Armazenagem Expedição Total

Direcionador de recurso 10 10 18 13 51
(no empregados
equivalentes)

Direcionador de 19,6% 19,6% 35,3% 25,5% 100%


recurso (%)

Rateio do custo 51.352,00 51.352,00 92.486,00 66.810,00 262.000,00


por atividade

Tabela 11.6 Alocação dos custos de supervisão


Atividade Recebimento Inspeção Armazenagem Expedição Total
e controle

Direcionador de 35% 25% 20% 20% 100%


recurso (%)

Rateio do custo 23.100,00 16.500,00 13.200,00 13.200,00 66.000,00


por atividade

Pessoal de supervisão: para este recurso é mais difícil relacionar o núme-


ro de pessoas com as atividades, porque o número de supervisores é pe-
queno e a distribuição do tempo por atividade é mais diluída. Por exem-
plo, um supervisor pode estar atendendo a um setor num certo momento
358
e, logo depois, ser chamado para resolver um problema noutro local do
armazém. Por essa razão, os analistas decidiram pelo rateio baseado nas
estimativas de utilização do tempo, fornecidas pelos próprios superviso-
res. A atividade que consome maior tempo dos supervisores é a recepção
(35%), seguida por inspeção e controle (25%), armazenagem (20%) e ex-
pedição (20%). Dessa forma, o rateio deste recurso pelas atividades é o
apresentado na Tabela 11.6.

Equipamentos: foi observado que os equipamentos do armazém são utili-


zados, quase em 100% dos casos, em atividades específicas. Por exemplo,
o sistema de transelevadores é exclusivamente utilizado na armazenagem.
As empilhadeiras são utilizadas predominantemente no recebimento dos
produtos, e assim por diante. Um dos princípios básicos do custeio ABC é
procurar alocar os custos de forma direta, sempre que possível. No caso,
foi feita uma lista dos equipamentos utilizados no armazém, registrando o
tipo e o número de registro de cada um. Depois foram levantados, na con-
tabilidade, os valores correspondentes à depreciação, para cada unidade
de equipamento. Os gastos de energia e manutenção, por outro lado, fo-
ram lançados tomando-se como base os tempos de utilização de cada
equipamento, tempos esses registrados pelo encarregado do setor, em fi-
chas individualizadas. Ao fim, foi estimado, para cada equipamento, o
custo anual de depreciação e de operação. Depois, foram alocados às ati-
vidades os respectivos equipamentos e custos, gerando os resultados mos-
trados na Tabela 11.7.

Tabela 11.7 Custos de depreciação e operação de equipamentos


por atividade
Atividade Recebimento Inspeção Armazenagem Expedição Total
e controle

Valor do custo 25.000,00 7.900,00 58.100,00 41.000,00 132.000,00


por atividade

Instalações fixas (prédio): os gastos incluem depreciação do edifício, manu-


tenção, iluminação e energia, seguro, vigilância e limpeza. Foi concluído que
o melhor direcionador de recurso para este item é a área ocupada. De um to-
tal de 5.000m2 de área útil do armazém, 1.250m2 são ocupados pela recep-
ção, 500m2 pela inspeção, 2.500m2 pela armazenagem e 750m2 pela expedi-
ção. O custo anual deste item é R$164.000,00. A alocação dos custos pelas
atividades é mostrada na Tabela 11.8.

359
Tabela 11.8 Alocação dos custos de depreciação e manutenção
do prédio
Atividade Recebimento Inspeção Armazenagem Expedição Total
e controle

Direcionador de 1.250 500 2.500 750 5.000


recurso (área
ocupada, m2)

Direcionador de 25% 10% 50% 15% 100%


recurso (%)

Rateio do custo 41.000,00 16.400,00 82.000,00 24.600,00 164.000,00


por atividade

Uma vez alocados os recursos às atividades, somaram-se os custos, for-


necendo os valores mostrados na Tabela 11.9.

Tabela 11.9 Desagregação dos custos por recurso e por atividade (R$)
Atividade Recebimento Inspeção Armazenagem Expedição Total
Recurso e controle

Mão de obra 51.352,00 51.352,00 92.486,00 66.810,00 262.000,00


direta

Pessoal de 23.100,00 16.500,00 13.200,00 13.200,00 66.000,00


supervisão

Equipamentos 25.000,00 7.900,00 58.100,00 41.000,00 132.000,00

Instalações fixas 41.000,00 16.400,00 82.000,00 24.600,00 164.000,00


(prédio)

Total 140.452,00 92.152,00 245.786,00 145.610,00 624.000,00

Alocação das Atividades aos Produtos


Um dos objetivos da análise ABC é a avaliação mais precisa do nível de lucrati-
vidade na comercialização de produtos ou na prestação de serviços. Para isso,
precisamos alocar corretamente os custos aos diferentes objetos do processo,
sejam eles produtos, serviços ou clientes. No nosso exemplo, seguindo as ten-
dências que estão no varejo (movimento ECR – Efficient Consumer Response),
vamos efetuar a análise de custo e lucratividade por categoria de produto.
A empresa em questão trabalha com três categorias básicas de produ-
tos: produtos alimentícios não perecíveis, produtos enlatados e artigos de
higiene e beleza. Para determinar a margem líquida de cada categoria e, a se-
guir, analisar sua lucratividade, temos que alocar os custos a cada objeto. Isso
é feito através dos direcionadores de atividade, que serão analisados a seguir:
360
Atividade “recebimento”: analisando in loco o recebimento de pro-
dutos na doca, foram observadas variações expressivas no tamanho do
lote, nas características do veículo e na forma de acondicionamento da
carga. No entanto, constatou-se que uma parte significativa do trabalho
nessa atividade era gasta com procedimentos administrativos. Além disso,
o pessoal encarregado desses procedimentos recebia salários bem mais al-
tos do que aqueles que trabalhavam na doca. Esses fatos indicavam que as
atividades administrativas provavelmente influem mais na composição
do custo de recepção do que a movimentação de carga na doca. Foi feita
então uma análise gráfica, relacionando os custos mensais de recebimento
com a tonelagem de carga desembarcada e com o número de notas recebi-
das. Verificou-se que o custo de recebimento do produto estava mais cor-
relacionado com a segunda variável.
Concluiu-se, então, que o melhor direcionador para esse tipo de ati-
vidade era o número de notas recebidas. Consequentemente, foram le-
vantados dados, por categoria de produto, cobrindo um período de um
ano. Um total de 13.700 notas foi recebido no ano de estudo, sendo
6.570 referentes a produtos alimentícios não perecíveis, 2.330 a enlata-
dos e 4.800 a artigos de higiene e limpeza, conforme mostra a Tabela
11.10. Os custos referentes à atividade “recebimento” foram então aloca-
dos às categorias de produto, utilizando como direcionador de atividades
o número de notas recebidas.

Tabela 11.10 Alocação dos custos de recebimento às categorias


de produtos
Categoria de Produtos alimentícios Produtos Artigos de higiene Total
produto não perecíveis enlatados e beleza

Direcionador de 6.570 2.330 4.800 13.700


atividade
(no de notas)

Direcionador de 48% 17% 35% 100%


atividade (%)

Rateio do custo por 67.417,00 23.877,00 49.158,00 140.452,00


categoria

Atividade “inspeção e controle”: depois de um estudo sobre os procedi-


mentos do setor, concluiu-se ser muito difícil encontrar uma variável
física ou operacional que servisse de direcionador para essa atividade.
Devemos lembrar que, no custeio ABC, procuramos o direcionador de
atividade que tenha, sempre que possível, três características importan-
tes: (1) que seja intimamente relacionado com o objeto ao qual vamos alo-
361
car o custo; (2) que seja altamente correlacionado estatisticamente com o
custo da atividade; (3) que seja fácil de coletar ou que não exija gastos ele-
vados para ser obtido.
Analisando esta atividade in loco, foi observado que os tipos de produto
movimentados no centro de distribuição requeriam esforços diferentes de
inspeção e controle. Preferiu-se definir então um “fator de complexidade”,
da seguinte forma:

G Produtos alimentícios não perecíveis: 3


G Produtos enlatados: 1
G Produtos de higiene e limpeza: 5

O fator de complexidade deve ser ponderado pelo respectivo número


de notas, levando então ao direcionador de atividade para cada categoria,
conforme Tabela 11.11. Na Tabela 11.12 é mostrada a alocação do custo da
atividade “inspeção e controle” aos produtos.

Tabela 11.11 Valores do direcionador da atividade “inspeção e controle”


(1) (2) (3) = (1) `(2)
Categoria de produto Fator de complexidade No de notas (Direcionador de atividade)

Produtos alimentícios 3 1.650 4.950


não perecíveis

Produtos enlatados 1 750 750

Produtos de higiene e 5 4.800 24.000


limpeza

Total – 7.200 29.700

Tabela 11.12 Alocação dos custos de inspeção e controle às categorias


de produtos
Produtos alimentícios Produtos Artigos de
Categoria de produto não perecíveis enlatados higiene e limpeza Total

Direcionador de atividade 4.950 750 24.000 29.700


(fator de complexidade
ponderado)

Direcionador de 16,7% 2,5% 80,8% 100%


atividade (%)

Rateio do custo por 15.389,00 2.304,00 74.459,00 92.152,00


categoria

362
Atividade “armazenagem”: a primeira constatação foi de que a empresa
não tinha registro do tempo de permanência das diversas categorias de
produto no armazém. Falava-se que o estoque girava, 24 vezes por ano,
correspondendo a uma permanência média de 15 dias. Mas esse índice
era geral, não havendo dados desagregados por categoria. Por outro lado,
todos os produtos são estocados em pallets, havendo um registro eletrô-
nico de sua movimentação na entrada e na saída da armazenagem. Ideal-
mente, o melhor direcionador para essa atividade seria o produto do nú-
mero de pallets pelo tempo médio de permanência no estoque, calculado
para cada categoria de produto.
Na falta de dados de permanência dos produtos no estoque, pensou-se,
numa primeira avaliação, em escolher a movimentação de pallets como dire-
cionador dessa atividade. Analisando mais atentamente o armazém, obser-
vou-se que havia posições de pallets reservadas para cada uma das três cate-
gorias de produtos. Conversando com o gerente do centro de distribuição,
percebeu-se que essa alocação não era aleatória, mas respondia satisfatoria-
mente às necessidades reais. Foi concluído então que o número de posições
de pallets, alocado a cada categoria de produto na área de armazenagem, re-
fletia razoavelmente o volume e o tempo de permanência no estoque, ado-
tando-o então como direcionador dessa atividade. Resultou nos valores indi-
cados na Tabela 11.13.

Tabela 11.13 Alocação dos custos de armazenagem às categorias


de produtos
Produtos Artigos de
alimentícios Produtos higiene e
Categoria de produto não perecíveis enlatados limpeza Total

Direcionador de atividade 725 317 358 1.400


(no de posições de pallets)

Direcionador de atividade (%) 51,8% 22,6% 25,6% 100%

Rateio do custo por categoria 127.317,00 55.547,00 62.922,00 245.786,00

Atividade “expedição”: para esta atividade foi relativamente fácil encontrar


um direcionador. A expedição dos produtos para as lojas não é feita usual-
mente em pallets, visto que a demanda é distribuída no tempo e o número de
pontos de venda é relativamente elevado. As remessas são feitas em caixas,
nas embalagens provenientes dos fornecedores. Assim, o número de caixas
despachadas foi escolhido como direcionador dessa atividade, como mostra-
do na Tabela 11.14.

363
Tabela 11.14 Alocação dos custos de expedição às categorias de produtos
Produtos Artigos de
alimentícios Produtos higiene e
Categoria de produto não perecíveis enlatados beleza Total

Direcionador de atividade 330.000 173.000 700.000 1.203.000


(no de caixas enviadas)

Direcionador de atividade (%) 27,4% 14,4% 58,2% 100%

Rateio do custo por categoria 39.897,00 20.968,00 84.745,00 145.610,00

Uma vez alocados os custos ABC a todas as atividades e categorias de


produto, podemos representá-los num quadro (Tabela 11.15). Na Figura
11.12 é mostrada a estrutura geral do método ABC aplicado a este caso.

Método ABC e Sistema de Custeio Tradicional


A análise da lucratividade, por categoria de produto, é mostrada na Tabela
11.16. É apresentado o faturamento anual para cada tipo de produto, do
qual são subtraídos os custos e as despesas de aquisição, comercialização e
administração, gerando uma margem bruta para cada caso. A seguir, é sub-
traído o custo ABC de distribuição, obtendo-se a margem líquida.

Tabela 11.15 Custo ABC por categoria de produto e por atividade


Produtos Produtos Artigos de
Categoria de produto alimentícios enlatados higiene e
Atividade não perecíveis beleza Total

Recebimento 67.417,00 23.877,00 49.158,00 140.452,00

Inspeção e controle 15.389,00 2.304,00 74.459,00 92.152,00

Armazenagem 127.317,00 55.547,00 62.922,00 245.786,00

Expedição 39.897,00 20.968,00 84.745,00 145.610,00

Total 250.020,00 102.696,00 271.284,00 624.000,00

Observa-se que os artigos de higiene e beleza apresentam uma margem


bruta menor, de 3,7% sobre o faturamento, levando a uma margem líquida
negativa, de –0,4%. As demais categorias apresentam resultados aceitáveis.
No método de custeio tradicional, os custos são muitas vezes alocados aos
produtos através de rateios baseados no volume ou em outro parâmetro de
custo. Por exemplo, a contabilidade fornece à direção da empresa o custo
agregado do CD, no caso igual a R$624.000/ano. Uma forma de ratear esse
364 custo é tomar como base os custos de aquisição, comercialização e adminis-
Mão de obra Empregados No de notas
Recebimento
direta equivalentes recebidas Produto 1

Fator de
Rateio Inspeção
Supervisão complexi-
estimado e controle Produto 2
dade

o
Alocação N de posições
Equipamentos Armazenagem
direta de pallets
Produto 3
o
Instalações 2
N de caixas
m de área Expedição
fixas despachada

RECURSOS DIRECIONADOR ATIVIDADES DIRECIONADOR PRODUTOS


DE RECURSO DE ATIVIDADE
FIGURA 11.12 • Estrutura do método ABC aplicado a um centro de distribuição

tração. Os resultados estão indicados na Tabela 11.17. Notamos que a cate-


goria “artigos de higiene e beleza”, que apresentava lucratividade de –0,4%
no método ABC, apresenta, no método convencional, uma margem líquida
pequena, mas positiva, de 2,0% (Figura 11.13).

Tabela 11.16 Margem por categoria de produto (base: custo ABC)


Produtos Artigos de
Categoria de produto alimentícios Produtos higiene e
Item não perecíveis enlatados beleza Total

Faturamento anual 20.400.000 12.000.000 6.600.000 39.000.000

Custo de aquisição, 18.400.000 10.800.000 6.355.000 35.555.000


comercialização e administração

Margem bruta 2.000.000 1.200.000 245.000 3.445.000

Margem bruta sobre vendas 9,8% 10,0% 3,7% 8,8%

Custo de distribuição 250.020 102.696 271.284 624.000

Margem líquida 1.749.980 1.097.304 - 26.284 2.821.000

Margem líquida sobre vendas 8,6% 9,1% - 0,4% 7,2%

Essa discrepância entre os dois resultados pode ter consequências sérias


na gestão da empresa. Por exemplo, medidas visando à reestruturação do se-
tor de higiene e limpeza poderiam ser adiadas, perdendo-se um tempo pre-
cioso. Além de fornecer custos mais precisos, o emprego inteligente do mé-
todo ABC ajuda a identificar atividades e procedimentos com problemas.
Para isso, pode-se lançar mão do benchmarking (veja Capítulo 12), com- 365
Margem líquida sobre vendas (%)
10

8 Categoria de produto
1 - Produtos alimentícios
6 não perecíveis
2 - Enlatados
4 3 - Artigos de higiene
e beleza
2 Método de custeio

0 convencional
1 2 3 ABC
–2

Categoria de produto
FIGURA 11.13 • Margens líquidas: método ABC e sistema tradicional

parando o desempenho da empresa com empresas líderes do mercado. As-


sociações, como a ECR, têm promovido iniciativas desse tipo, com resulta-
dos promissores.

Tabela 11.17 Margem por categoria de produto (custeio tradicional)


Produtos Artigos de
Categoria de produto alimentícios Produtos higiene e Total
Item não perecíveis enlatados beleza

Vendas anuais 20.400.000 12.000.000 6.600.000 39.000.000

Custo de aquisição, 18.400.000 10.800.000 6.355.000 35.555.000


comercialização, vendas e
administração

Margem bruta 2.000.000 1.200.000 245.000 3.445.000

Custo do CD 322.925 189.543 111.532 624.000

Margem líquida 1.677.075 1.010.457 133.468 2.821.000

Margem líquida sobre vendas 8,2% 8,4% 2,0% 7,2%

CUSTEIO ABC NO BRASIL


Khoury e Ancelevicz (1999) fizeram um levantamento da utilização do méto-
do ABC em empresas nacionais. Apesar de o estudo ter sido feito com base nas
respostas a questionários enviados pelo correio, o que obviamente limita seu
alcance, os resultados são bastante elucidativos. Quinhentos questionários, com
24 perguntas, foram enviados para as maiores empresas não financeiras que
operam no território nacional. Desse total, 283 empresas responderam,
366 57% do total. Das que responderam, 78% eram indústrias, 16% empresas
comerciais e 6% empresas do setor de serviços. Em termos de tamanho, 35%
possuíam entre 2.000 e 5.000 funcionários.
Do total, 93% das empresas já tinham ouvido falar do sistema de custeio
ABC. Um percentual não desprezível de 9% dos entrevistados rejeitou o mé-
todo ABC. Finalmente 18% estavam implantando ou utilizando o novo sis-
tema de custeio.
Apenas 7% das empresas não tinham ouvido falar do sistema de custeio
ABC. Outras 34% não tinham interesse em adotá-lo. O setor de comércio
destacou-se pelo desconhecimento do método ABC, por um lado, e, de ou-
tro, por considerá-lo adequado apenas para indústrias. O setor de serviços,
que deveria considerar importante manter um sistema de custos mais preci-
so, foi o que menos se interessou por ele.
Cerca de 28% das empresas pesquisadas, segundo os autores, estavam
avaliando o sistema de custeio ABC, principalmente por considerarem que
esse método proporcionaria melhor identificação das causas de aumento ou
redução de custos. Também mencionaram um maior grau de precisão que
poderia ser conseguido com o custeio ABC, sobretudo na definição dos pre-
ços de produtos e serviços. Não obstante, 9% das empresas decidiram não
utilizar o ABC. Mais de um quarto delas justificaram a opção, alegando com-
plexidade e o alto custo de implantação. Duas empresas que responderam ao
questionário já haviam utilizado o sistema ABC, mas decidiram abando-
ná-lo. As principais razões para tal decisão foram a dificuldade na identifica-
ção dos direcionadores de custos, manutenção trabalhosa do sistema e reno-
vação na diretoria financeira, em que o novo ocupante decidiu abandonar o
processo de implantação.
Um total de 33 empresas, das que responderam ao questionário, estava
implantando o método de custeio ABC. Além dessas, mais 17 firmas já o es-
tavam utilizando, totalizando 50 empresas, 18% do total pesquisado. Ne-
nhuma delas era do setor de serviços. Os dois outros setores estavam repre-
sentados por, pelo menos, uma empresa. A utilização do sistema ABC no
Brasil é bastante recente, visto que 40% das empresas que o empregam co-
meçaram a operá-lo há menos de seis meses, à época da pesquisa.
A utilização do método de custeio ABC não está livre de controvérsias.
Khoury e Ancelevicz (2000) analisam as opiniões a favor e contra a utiliza-
ção desse método de apropriação de custos. Alguns autores afirmam que o
ABC tem ido longe demais, criando uma imagem e expectativas muito além
do que realmente pode oferecer na prática.
Somos de opinião que o sistema de custeio ABC pode ajudar, em muito,
as empresas que atuam no setor de Logística, sejam elas firmas industriais ou
comerciais com deficiências nessa área, sejam operadores logísticos, que de-
pendem de um correto equacionamento de seus serviços para enfrentar a
competição e oferecer um bom serviço a seus clientes. Na verdade, por se 367
tratar de um sistema de formulação mais sofisticada, requer dados de melhor
qualidade e mais desagregados. Empresas com operações deficientes, siste-
mas precários de registro de informações e atividades mal definidas e sem
controle precisam passar primeiro por uma reengenharia, para depois serem
submetidas a uma reestruturação do seu sistema de custeio.
Hoje, estão disponíveis no mercado softwares que ajudam na imple-
mentação desse método de custeio. Esses softwares, embora não resolvam
o problema per se, aliviam muito o esforço associado aos cálculos. Internaci-
onalmente podemos citar os softwares: Acorn Systems (www.acornsys.com),
FlexABM (www.crgroup.com), TRAC (www.abctrac.com), SmartABM
(www.decisionscape.com) e QPR Cost Control (www.qprtools.com). Ne-
nhum deles foi testado pelo autor, razão pela qual não tecemos maiores co-
mentários sobre eles.

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369
12
Produtividade,
Eficiência e
Benchmarking
de Serviços
Logísticos
AS ATIVIDADES LOGÍSTICAS, dentro dos modernos conceitos do Supply Cha-
in Management, ganharam conotação estratégica ímpar, colaborando efeti-
vamente para a conquista de novos mercados, para a melhoria da competiti-
vidade e para o aumento do market share das empresas participantes da
cadeia de suprimento. Dessa forma, medir a eficiência e monitorar perma-
nentemente o desempenho das empresas e subsistemas da cadeia de supri-
mento passam a ser atividades de grande importância nesse contexto.
Neste capítulo discutiremos inicialmente os conceitos de produtividade
e de eficiência aplicados a problemas de logística. A seguir, analisaremos a
eficiência de unidades logísticas utilizando uma metodologia recente, deno-
minada DEA – Análise Envoltória de Dados (Data Envelopment Analysis).
Finalmente, abordaremos a questão do benchmarking, em que se procura
melhorar o desempenho de empresas ou subsistemas, tomando-se como re-
ferência as melhores práticas, isto é, aquelas que conseguiram apresentar
melhores níveis de produtividade e de eficiência.

MEDINDO A PRODUTIVIDADE
A produtividade de um sistema de produção (uma empresa, um setor da eco-
nomia ou mesmo uma nação) é definida como a relação entre o que foi pro-
duzido e os insumos utilizados para tal, num certo intervalo de tempo (Mo-
reira, 1991). Um sistema de produção é qualquer conjunto de elementos (ou
371
partes) que atuam de forma integrada e harmônica para transformar insu-
mos diversos em produtos ou serviços (Moreira, 1991). No domínio em-
presarial, podemos analisar a produtividade dos diversos setores da empre-
sa ou considerar um conjunto de firmas atuando num certo ramo de ativida-
de, ou mesmo a produtividade de um setor da economia.
Os insumos que o sistema utiliza e que geram produtos ou serviços são
também chamados de fatores de produção. Os sistemas de produção podem
ser vistos como sistemas de conversão de insumos em serviços ou produtos.
Essa conversão de insumos em outputs pode ser de vários tipos. Por exem-
plo, uma ferrovia utiliza vagões, locomotivas, pessoal, energia, via perma-
nente etc. (fatores de produção) para gerar transporte de passageiros e de
carga, medidos respectivamente em passageiros/km e toneladas/km (servi-
ços). Uma empresa varejista utiliza área de lojas, check-outs, funcionários,
veículos de transferência e distribuição, depósitos etc., para gerar fatura-
mento de vendas de um determinado mix de produtos.
Na maioria dos casos, os sistemas de produção consomem mais do que
um insumo. Podemos então calcular a produtividade considerando apenas
um dos fatores de produção por vez. Nesse caso a produtividade é dita par-
cial. Noutras vezes, consideramos simultaneamente todos os insumos, esta-
belecendo, para isso, uma soma ponderada desses inputs de forma a se ter
uma medida única dos mesmos. Essa medida da produção é denominada
produtividade total dos fatores (Moreira, 1991) e, obviamente, fornece
mais informação sobre o desempenho do sistema.
O problema é definir pesos adequados para os diferentes insumos, visto
que há infinitas possibilidades e, muitas vezes, a escolha dos pesos é feita
com certo grau de subjetividade. No entanto, existem metodologias um pou-
co mais sofisticadas que permitem medir com maior rigor a produtividade
total dos fatores para sistemas de produção.

Índices de Produtividade
É comum definir um ou mais índices de produtividade para um determinado
sistema de produção. Em alguns casos, são escolhidos índices parciais e, nou-
tros, índices totais. Os resultados servem então para comparar as diversas
unidades que formam o sistema em estudo. Os índices podem servir também
para comparar os elementos do sistema com outras unidades externas, de
desempenho semelhante.
Por exemplo, tomemos o caso de operadores logísticos operando no
país (Revista Tecnologística, março e junho de 2000). Um índice parcial, de
interesse para comparações, é o faturamento por m2 de armazém. Calculan-
do esse índice e o colocando num gráfico, obtemos o resultado mostrado na
372 Figura 12.1. Notamos que uma boa parte das empresas de pequeno porte,
com faturamento até cerca de R$15 milhões por ano, apresenta índice de fa-
turamento por área de armazenagem abaixo de R$200/m2. Mas outra parte
das empresas situadas nessa faixa de faturamento apresenta valores bem
mais elevados.
À medida que o faturamento cresce, observa-se uma tendência de au-
mento no valor do índice, tendência esta indicada pela reta, que foi ajustada
por regressão. Observa-se que, para faturamento tendendo a zero, o índice
esperado seria de R$200/m2. Por outro lado, para faturamento da ordem de
R$150 milhões por ano, o índice esperado é da ordem de R$450/m2. Há,
portanto, uma tendência de crescimento do índice com o tamanho da em-
presa. Ou seja, há economias de escala nesse processo. Por que, no entanto,
ocorrem oscilações tão pronunciadas nesse índice de produtividade, ao lon-
go da faixa de variação do faturamento?
Em primeiro lugar, devemos lembrar que há diferenças apreciáveis no
desempenho dos operadores logísticos. Muitas empresas têm anos de expe-
riência no setor, algumas também no exterior, enquanto outras são bastante
novas, com até dois anos de atividade. É óbvio que a tradição e a experiência
têm um papel muito importante na geração de resultados. Mas há um outro
aspecto que talvez explique melhor a razão para tal disparidade.
Tomemos, como exemplo, o caso da empresa Delara Transportes.
Apresenta um índice elevado, de R$1.428/m2 , para um faturamento anual
de R$65 milhões (Figura 12.1). Ora, apesar de oferecer serviços logísticos, a
empresa é uma transportadora tradicional e, portanto, uma boa parte de seu
faturamento é representada pelos resultados obtidos no transporte de mer-

1750

1500
Faturamento e armazenagem

Delara Transportes

1250

1000

750

tendência
500

250 Ryder
Colúmbia
0
0 25 60 75 100 125 150
Faturamento (milhões de reais)
FIGURA 12.1 • Operadores logísticos – variação de índice de produtividade
com o faturamento
373
cadorias. E, muito embora o transporte de cargas necessite de instalações de
armazenagem para a triagem dos produtos, as necessidades de área são bem
menores do que no caso de operadores logísticos, que oferecem espaço para
estocagem de mercadorias durante prazos bem mais longos, de semanas e até
meses.
Esse caso mostra a dificuldade em se analisar a produtividade com base
em índices desse tipo. Para se ter uma visão mais precisa do processo, seria
necessário desagregar os dados de faturamento e de utilização da área de ar-
mazenagem por tipo de serviço, no caso transporte, de um lado, e estocagem
de produtos, de outro. Mas isso nem sempre é fácil de se fazer. A desagrega-
ção do faturamento é relativamente simples, mas a utilização da área do ar-
mazém é mais complicada visto que, normalmente, ambas as atividades com-
partilham das instalações fixas, não permitindo uma identificação imediata
das áreas utilizadas em cada caso.
Noutras situações, índices parciais do tipo analisado podem canalizar
informações bastante interessantes para a análise da produtividade. Por
exemplo, para empresas supermercadistas, o índice de faturamento por m2
de loja é bastante utilizado nas análises comparativas. Na Figura 12.2 é mos-
trada a variação desse índice em função do faturamento, para as 50 maiores
empresas supermercadistas brasileiras (ABRAS, 1998). Pode-se observar que
o comportamento desse índice de produtividade é bem mais estável para su-
permercados do que para operadores logísticos. Para supermercados de me-
nor porte, nota-se uma dispersão grande em torno da tendência média (cerca
de R$10.000,00 de faturamento por m2 de loja). Mas, à medida que o porte

25.000

20.000
faturamento/área de loja
Índice de produtividade:

15.000
tendência

10.000

5.000

0
0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000
Faturamento (milhares de R$)
FIGURA 12.2 • Supermercados: índice de faturamento por m2 de loja
374
vai crescendo, a variação do índice vai se afunilando, mostrando maior uni-
formidade de comportamento.
Outros índices parciais são usualmente determinados, servindo de base
para as avaliações e comparações. Por exemplo, faturamento por funcioná-
rio, faturamento por check-out (no caso de supermercados) etc. No caso es-
pecífico de centros de distribuição, Frazelle e Goelzer (1999) citam como ín-
dices de produtividade o número de caixas ou pallets embarcados anualmen-
te, dividido pelo total de homens/horas empregado no mesmo período; índi-
ce de falhas, medido pelo número de caixas ou pallets despachados com er-
ros, dividido pelo número total de unidades despachadas; densidade de ar-
mazenagem, representada pelo número total de caixas movimentadas, divi-
dido pela área de estocagem do armazém etc.
Os índices parciais, embora forneçam elementos importantes para a
análise de produtividade, apresentam o inconveniente de representar aspec-
tos isolados do comportamento do sistema de produção. Assim, a análise da
produtividade total, sempre que for possível e prática, atende melhor às ne-
cessidades do analista. Uma metodologia muito utilizada para se conseguir
tal análise integrada é a da função de produção, normalmente ajustada aos
dados por meio de métodos estatísticos (regressão múltipla).

Função de Produção
É uma representação matemática da transformação de insumos (fatores de
produção) em produtos. De maneira geral, uma empresa utiliza uma série de
fatores de produção (mão de obra, instalações fixas, energia etc.), represen-
tados genericamente pelas variáveis x1, x2, ...xn, e transforma-os em produ-
tos (físicos ou serviços), representados pelas variáveis y1, y2, ...ym (Figura
12.3). A função de produção permite analisar a produtividade de um con-
junto de empresas de um determinado setor, e é definida como a relação en-
tre o que foi produzido e os insumos utilizados num certo intervalo de tem-
po (De Neufville e Stafford, 1971). O desafio desse tipo de análise é definir

X1 Y1

X2 Y2
PROCESSO
. .
. .
. .

Xn Ym

Insumos Produtos
FIGURA 12.3 • Transformação de fatores de produção (insumos) em produtos ou serviços
375
uma função matemática que possa representar adequadamente o processo
de transformação de um determinado setor da economia.
Normalmente, a função de produção é ajustada aos dados através de
métodos estatísticos. Um problema que ocorre frequentemente nesse tipo
de análise é que, muitas vezes, o output não é caracterizado por uma única
variável. No caso dos operadores logísticos, cuja produtividade analisare-
mos mais adiante neste capítulo por meio do método DEA, são considerados
dois outputs: o faturamento e o número de clientes atendidos pela empresa.
Os métodos clássicos só permitem considerar, em geral, uma única variável
como output.
Ao se ajustar uma função de produção, teoricamente não se deve lançar
mão de variáveis de natureza monetária. Isso porque os valores monetários
atribuídos aos insumos e aos produtos são, via de regra, condicionados ex-
ternamente pelo mercado, ficando sujeitos a variações sensíveis e introdu-
zindo ruído no ajuste da função de produção. Os princípios de microeco-
nomia nos dizem que, para um determinado setor e para uma determinada
tecnologia, o processo de transformação, considerando somente variáveis
não monetárias, guarda uma estrutura lógica global que nos permite fazer
análises amplas e estudar tendências. Ou seja, as empresas que atuam com
sucesso num determinado setor da economia, como, por exemplo, o super-
mercadista, procuram otimizar seus fatores de produção, atuando sobre va-
riáveis sob seu controle, a saber:

G variáveis tecnológicas (EDI, softwares do tipo ERP, sistemas de ras-


treamento de veículos, roteirizadores, armazéns automatizados etc.);
G variáveis operacionais (ECR, controle de estoques, recursos huma-
nos etc.);
G variáveis econômicas e de marketing (preços, promoções, propagan-
da etc.);
G variáveis de serviço (nível de serviço ao cliente, mix de produtos,
controle de faltas de produtos nas gôndolas, atendimento satisfatório
às reclamações etc.).

A Figura 12.4 mostra mais claramente os contornos de uma função de


produção. O processo de produção adotado pelas empresas do setor analisa-
do vai definir uma estrutura de custos que se apoia nos preços (valores) dos
insumos. O processo produtivo propriamente dito, representado pela parte
tracejada da figura, vai gerar produtos e serviços. Estes, por sua vez, são pre-
cificados através de uma estrutura de preços, gerando receitas. Finalmente,
os produtos e serviços são colocados no mercado, onde o consumo lhes dá
um valor final. O processo produtivo propriamente dito, levando em conta
376
3 5
4
Insumos Produtos
Processo
(mão de obra, instal., físicos ou
produtivo
equipamentos etc.) serviços

Função Função
2 Função de 6
custo receita
Produção

Valor $ dos Valor $ dos


1 7
insumos produtos

FIGURA 12.4 • Estrutura genérica de uma função de produção

tão somente as variáveis não monetárias, é representado, como dissemos,


por uma função de produção.
É importante frisar que a função de produção não mede o desempenho
médio de um setor. O que se procura medir é a chamada fronteira de máxi-
ma produtividade, representada pelo máximo desempenho possível em
cada situação existente no mercado. Na Figura 12.5 representamos generi-
camente o processo produtivo de um setor qualquer, considerando apenas
um input e um output. Para um certo valor x1 do insumo, o gráfico mostra
três empresas A, B e P com desempenhos diversos. A empresa A é a menos
eficiente, pois, com o mesmo nível de insumo das demais, produz menos out-
put. A empresa B, por sua vez, consegue extrair melhores resultados de seus
fatores de produção, mas não é considerada eficiente porque a empresa P su-
pera as demais nessa faixa de operação. Ou seja, não é encontrada nenhuma
outra empresa que, utilizando o mesmo nível de insumo, consiga produzir
mais do que a empresa P. A empresa P está então na fronteira de produtivi-
dade. Se unirmos todos os pontos da fronteira através de uma curva, teremos
a função de produção desse conjunto de empresas. Todas as empresas que

Y Função de
produção

Y* P (fronteira)
Produtos

B
Região Região de
não viável soluções
viáveis

X1 insumo X
FIGURA 12.5 • Fronteira de máxima produtividade
377
estiverem na fronteira, sobre a curva de produção, serão consideradas efi-
cientes.
Para ajustar uma função de produção a um conjunto de dados, precisa-
mos selecionar, de início, as variáveis da mesma e, a seguir, escolher um tipo
de função matemática para representar o processo. Esse tipo de modelo é de-
nominado paramétrico no jargão estatístico. Veremos que a DEA, a ser apre-
sentada e analisada mais adiante neste capítulo, é uma abordagem não para-
métrica, pois não requer a escolha a priori de um tipo de função matemática.
Há vários tipos possíveis de função de produção. Eles foram exaustiva-
mente estudados, juntamente com suas propriedades, por Shephard (1970),
num livro muito citado na literatura científica, mas de leitura um tanto difícil
em razão das formulações matemáticas.
Um tipo de função de produção muito utilizado pelos economistas é a
Cobb-Douglas, em que os insumos aparecem na forma multiplicativa, com
expoentes ajustados por meio de regressão múltipla:

y = a x 1b x 2c x 3d (12.1)

onde x1, x2, x3 são as variáveis independentes, que, no caso, representam os


insumos; y é a variável dependente, representando o output, e a, b, c, d são
coeficientes a determinar por meio da regressão. Certo cuidado deve ser to-
mado para evitar que as variáveis do segundo membro da equação 12.1 se-
jam muito correlacionadas entre si, pois tal condição pode prejudicar o ajus-
te estatístico.
Vamos ajustar, a título ilustrativo, uma função de produção ao sistema
formado pelos operadores logísticos que atuam no Brasil, conforme levanta-
mento efetuado pela Revista Tecnologística (março e junho de 2000). São 59
empresas de tamanho variado. A maior, a Ryder do Brasil, teve um fatura-
mento de cerca de R$128 milhões, enquanto a menor, a Empate Logística,
apresentou um faturamento de R$210 mil.
Preliminarmente, antes de ajustar a função de distribuição, algumas ob-
servações precisam ser feitas. Em primeiro lugar, toda pesquisa baseada em
questionários, como a realizada pela Revista Tecnologística, depende de dois
fatores importantes para seu sucesso: a participação efetiva dos entrevista-
dos, medida pela quantidade das respostas, e a precisão das informações, re-
sultante da veracidade das mesmas e da atenção que a empresa dedicou ao
preenchimento do formulário. Muitas vezes o questionário é encaminhado a
um setor com pouca afinidade com o objeto da pesquisa, resultando num
preenchimento incompleto e mesmo incorreto.
Em segundo lugar, diversas empresas omitem dados preciosos como,
378
por exemplo, o faturamento. A internacionalmente conhecida e importante
operadora logística DHL Worldwide Express, por exemplo, deixou de par-
ticipar de nossa análise por não ter preenchido o campo referente ao fatura-
mento, o mesmo ocorrendo com algumas outras firmas.
Em terceiro lugar, muitas das empresas que se dizem operadores logísti-
cos no Brasil são basicamente transportadoras em fase de evolução para a
nova atividade ou são operadores logísticos incipientes, sem suficiente expe-
riência técnica e comercial para posar como prestadores de serviço já estabi-
lizados nesse setor (ver Capítulo 9).
Apesar das restrições, a pesquisa realizada pela Revista Tecnologística
foi feita com bastante cuidado e reflete com boa aproximação o que ocorre
atualmente no setor. Na análise foram adotadas as seguintes variáveis:

G output F (variável dependente): Faturamento anual da empresa, em


milhões de reais;
G inputs: (variáveis independentes):
G T: tempo de atuação no mercado, em anos;
G NF: número de funcionários;
G AR: área total de armazenamento, em milhares de m2;
G NV: número total de veículos, incluindo carga seca, baú, sider, re-
frigerado, tanque e utilitários;
G NE: número total de equipamentos de movimentação interna, in-
cluindo empilhadeiras (elétrica, a combustão, manual) e paleteiras;
G NS: número total de serviços oferecidos, incluindo armazenagem,
controle de estoque, embalagem, montagem de kits e conjuntos,
gerenciamento intermodal, JIT, importação/exportação, logística
reversa, distribuição, distribuição porta a porta e transferência,
conforme classificação da revista;
G NT: número total de recursos tecnológicos específicos utilizados
pela empresa, incluindo WMS, ERP, EDI, VAN, consultas de ser-
viços pela Internet, código de barras, radiofrequência, coletores,
existência de rastreamento da frota e roteirizadores, conforme
classificação da revista.

O número de clientes atendidos pela empresa, que faz parte dos dados
levantados pela Revista Tecnologística, não foi introduzido na regressão por-
que preferimos considerar essa variável como output e não como input. No
caso do processo clássico de regressão clássica, só podemos ter uma variável
como output. Mais adiante, neste capítulo, analisaremos o mesmo problema
com o método DEA, que permite considerar mais de uma variável como out-
put. Aí, então, essa variável fará parte dos outputs. 379
A função de produção a ser ajustada via regressão, do tipo Cobb-
Douglas, tem a seguinte expressão:

F = a T b 1 NF b 2 AR b 3 NV b 4 NE b 5 NS b 6 NT b 7 (12.2)

onde a, b1, b2, ..., b7 são coeficientes a determinar por meio da regressão
múltipla. Para o ajuste da função de produção (12.2) foi utilizado o pacote
Statistica, versão 5, após linearização das variáveis por meio de logaritmos.
Foram obtidos os resultados apresentados na Tabela 12.1. Um parâmetro
importante para avaliar a robustez do ajuste é o coeficiente de determinação
R2, também chamado de coeficiente de correlação linear múltipla. Esse coe-
ficiente representa a fração da variância da variável dependente explicada
pela regressão. Quanto mais perto da unidade for seu valor, melhor o ajuste.
No caso, obtivemos um valor R2 = 0,949, bastante satisfatório.

Tabela 12.1 Resultados do ajuste preliminar da função de produção*


Variável Coeficiente Valor do coeficiente Estatística t (Student)

Intercepto a 0,586 0,561

T b1 0,284 2,883

NF b2 0,496 6,852

AR b3 0,341 6,226

NV b4 0,192 –0,338

NE b5 0,234 3,153

NS b6 –0,078 –0,338

NT b7 –0,145 –1,153
2
Coef. de determinação R 0,949 –

*Amostra constante de 59 casos.

Os coeficientes de três variáveis, no entanto, não apresentaram os sinais


algébricos esperados.
De fato, as variáveis NV (número de veículos), NS (número de serviços
oferecidos pelo operador logístico) e NT (número de recursos tecnológicos
utilizados pela empresa) deveriam ter efeito positivo na produção de receita
da empresa. No entanto, por terem seus coeficientes com sinal negativo (Ta-
bela 12.1), haveria redução no faturamento sempre que os valores dessas va-
riáveis fossem aumentados.

380
Na verdade, o grau de significância estatística dessas três variáveis na
amostra não nos permite tirar nenhuma conclusão sobre seus efeitos na gera-
ção de receita para as empresas. O grau de significância dos coeficientes
pode ser analisado através da estatística t, de Student. Entrando na tabela
apropriada, disponível nos livros de estatística, com grau de liberdade G =
51 (G = no de casos na amostra, menos o número de coeficientes ajustados
= 59 – 8), observamos que os coeficientes b1, b2, b3, e b5 são significantes a
1%, enquanto os coeficientes b4, b6 e b7 não o são. A porcentagem indica a
margem de erro envolvida no ajuste, mostrando que as variáveis T, NF, AR e
NE explicam bem o processo.
Como consequência da análise estatística, foram excluídas da função de
produção as variáveis não significantes, e ajustada novamente a equação, re-
sultando nos valores apresentados na Tabela 12.2. Observa-se que, agora,
todos os coeficientes têm o sinal algébrico esperado, sendo significantes a
1%, de acordo com a estatística t, de Student.

Tabela 12.2 Resultados do segundo ajuste da função de produção*


Variável Coeficiente Valor do coeficiente Estatística t (Student)

Intercepto a 0,263 3,068

T b1 0,255 2,726

NF b2 0,483 6,812

AR b3 0,343 6,449

NE b5 0,205 3,341
2
Coef. de determinação R 0,947 –

*Amostra constante de 59 casos.

A função de produção ajustada é então a seguinte:

F = 0,263 T0,255 NF0,483 AR0,343 NE0,205 (12.3)

Um aspecto muito importante a verificar nesse tipo de análise é caracte-


rizado pelos possíveis ganhos de escala. Suponhamos, por exemplo, que to-
das as quatro variáveis explicativas (T, NF, AR e NE) sejam acrescidas de
uma porcentagem pequena constante, digamos 5%. Três situações podem
ocorrer. O faturamento resultante pode sofrer um acréscimo percentual me-
nor do que os 5%. Nesse caso, dizemos que o ganho de escala é negativo. Tal
situação ocorre quando as empresas já estão no limite máximo de produção,
operando com deseconomias ocasionadas por capacidade insuficiente, tec-
nologia ultrapassada, operações congestionadas etc.
A outra situação possível ocorre quando o acréscimo no faturamento
for maior do que os 5%. Nessa situação, dizemos que há ganhos positivos de 381
escala, significando que, com a tecnologia disponível e com as práticas cor-
rentes, as empresas tendem a melhorar seu desempenho ao ampliar seus ne-
gócios. O último caso corresponde ao empate, quando o acréscimo percen-
tual no faturamento for igual ao acréscimo percentual nas variáveis explica-
tivas. Dizemos então que o ganho de escala é nulo.
Na formulação Cobb-Douglas, o fator de escala, que representamos
por k, é igual à soma dos expoentes das variáveis independentes. Ou seja:

K = 0,255 + 0,483 + 0,343 + 0,205 = 1,286 > 1, (12.4)

significando que as empresas de serviços logísticos apresentam ganhos de es-


cala positivos e significativos. No entanto, o modelo Cobb-Douglas mede
um ganho de escala médio e fixo, envolvendo todos os elementos participan-
tes. Na prática, é importante avaliar a eficiência de escala individualmente
para cada empresa participante, o que é possível, em parte, com o método
DEA, como veremos mais adiante.
Um problema conceitual sério, ligado ao ajuste de funções de produção
por meio de técnicas de regressão linear, é o da não garantia de que a função
ajustada represente efetivamente a fronteira de máxima produtividade. A re-
gressão múltipla convencional ajusta uma curva média passando pelo meio
dos dados. Resulta então que haverá um certo número de empresas situadas
acima da função ajustada e outras abaixo (Figura 12.6). Na verdade, a fun-
ção correta é aquela que representa a fronteira, conforme mostra a Figura
12.6. Há métodos matematicamente sofisticados para ajustar estatisticamen-
te funções de produção de modo a se evitar esse viés. Um deles é o da frontei-
ra estocástica (Aigner et al., 1977), cuja descrição foge ao escopo do presen-
te texto.
Mesmo com tais limitações, é muito comum ajustar uma função de pro-
dução utilizando regressão múltipla, da maneira como foi apresentado neste
capítulo. Uma vez ajustada, a função de produção estabelece uma relação di-
reta entre os fatores de produção e o output, permitindo analisar a produti-
vidade do setor.
Suponhamos, por exemplo, um operador logístico que apresente as se-
guintes características:

G Faturamento (milhões de reais): 40,0


G Tempo de atividade (anos): 5
G Número de funcionários: 120
G Área total de armazenagem (1.000 m2) 180
382 G Número total de equipamentos de movimentação interna: 38
Produção (Y)
Fronteira superior
(função de produção)

Ajuste médio (regressão)

Empresas

Insumos (X)
FIGURA 12.6 • Tipos de ajuste da função de produção

Entrando com os valores dos inputs na função de produção (12.3), ob-


temos um faturamento previsto de R$50,1 milhões. Ou seja, a produtivida-
de do operador logístico está cerca de 20% abaixo da média apresentada
pelo setor, em condições semelhantes de operação.

CONCEITO E MEDIDA DA EFICIÊNCIA


Quando o sistema produtivo é medido por apenas um insumo e apenas um
produto, o cálculo da produtividade é imediato: basta dividir a quantidade
do segundo pelo valor do primeiro. Por exemplo, um fazendeiro que cultiva
apenas soja, utilizando como insumo básico a terra, mede sua produtividade
em toneladas do cereal (ou sacas), por hectare e por ano. Quando se tem
mais de um insumo e/ou mais de um produto, o cálculo da produtividade
torna-se mais complexo. Vimos que se pode medir a produtividade para es-
ses casos através de índices que, no conjunto, permitem comparar os elemen-
tos que compõem o sistema de produção em análise. Por exemplo, no caso
dos operadores logísticos, podemos calcular o faturamento por m2 de área
de armazenagem, faturamento por funcionário, faturamento por serviço
prestado, e assim por diante. Esses índices diversos permitem ao analista fa-
zer comparações entre as empresas do setor. Nos casos em que se tem apenas
um output, podemos também juntar todos os efeitos dos insumos numa úni-
ca expressão, formando uma função de produção.
Nos casos de múltiplos inputs e outputs, a análise ficará bem mais sim-
ples se conseguirmos reunir todos esses índices numa medida única de pro-
dutividade. De uma maneira geral, podemos colocar todos os outputs numa
única expressão, para isso dando pesos aos diversos elementos. Chamando
de Y o output agregado, a expressão é a seguinte:

Y = u1 y1 + u2 y2 + ... + us ys , (12.5) 383


onde y1, y2,... ys são os outputs diversos e u1, u2, ... us são os pesos. De forma
análoga, os insumos podem ser ponderados, formando uma única expres-
são:

X = v1 x1 + v2 x2 + ... + vM xM (12.6)

onde x1 x2 ... xM , analogamente, são os insumos diversos, e v1, v2 ... vM são os


pesos.
A produtividade P pode então ser medida através da relação entre Y e X:

Y u y + u 2 x 2 +...+ u S y S
P= = 1 1 (12.7)
X v1 x 1 + v 2 x 2 +...+ u M y M

Conhecidos os pesos, pode-se calcular o valor da produtividade para


cada empresa do grupo analisado. A partir da produtividade, podemos me-
dir a eficiência de cada empresa. A eficiência é medida comparando-se as
produtividades de cada empresa com a máxima produtividade observada.
Ou seja, sendo P1, P2, ... PN as produtividades das N empresas consideradas e
P* a máxima produtividade observada, a eficiência da empresa E é dada pela
relação:
PE
ϕE = (12.8)
P*

Uma outra forma é atribuir, sem perda de generalidade, o valor unitário


à produtividade máxima P*. Com isso, a produtividade de uma empresa E
qualquer é dada pela relação:

u1 y1 + u 2 y 2 +...+ u S y S
ϕE = (12.9)
v1 x 1 + v 2 x 2 +...+ v M x M

onde ϕE é sempre menor ou igual à unidade. Nesse tipo de formulação ocor-


re um problema: como escolher convenientemente os pesos u1, u2 ... uS dos
outputs e v1, v2 ... vM dos inputs? A Análise Envoltória de Dados (DEA) per-
mite que se faça isso de forma bastante engenhosa.

ANÁLISE ENVOLTÓRIA DE DADOS – DEA


A Análise Envoltória de Dados (DEA) foi desenvolvida na década de 1970
por Charnes, Cooper e Rhodes (1978), tendo hoje larga aplicação na análise
de produtividade e eficiência de empresas e órgãos públicos, servindo tam-
bém de apoio para estudos de benchmarking. Para melhor entender os con-
ceitos envolvidos, lançamos mão de uma analogia.
384
Analogia com os Cavaleiros da Távola Redonda
O rei Artur reunia seus cavaleiros em torno de uma mesa redonda, onde
eram discutidos assuntos diversos de interesse da corte e de seu seleto clube
masculino. Eram participantes sir Lancelot, apaixonado pela rainha Guine-
vere, sir Kay, um bravo cavaleiro, sir Galahad, um místico que andava em
busca do Santo Graal, além de sir Blamour, sir Hors, sir Hector e outros
mais. Numa noite de chuva, o rei Artur propôs uma gesta. Cada cavaleiro ti-
nha que desafiar todos os outros de três formas diferentes, escolhendo livre-
mente as armas. Posteriormente, seriam realizados os embates e avaliados os
resultados.
Sir Blamour foi o primeiro a lançar o repto. Era um cavaleiro truculento
e desafiou os demais na maça, no porrete e na lança. O segundo a se manifes-
tar foi sir Kay, um cavaleiro-padrão: escolheu a espada, o espadachim e a
lança. Sir Lancelot, que estava distraído pensando na amada, foi pego de sur-
presa pelo rei Artur. Não tendo dado maior atenção ao assunto, imitou sir
Kay, desafiando igualmente os demais na espada, no espadachim e na lança.
Galahad, um contemplativo, mudou completamente o quadro: desafiou os
colegas a cantarem a balada mais bonita, a recitar de cor a poesia mais longa
e a jogar xadrez. O rei Artur participou do torneio como juiz. Sua interven-
ção como desafiante não era oportuna em razão de sua idade, mas principal-
mente porque mantinha ligações estreitas com Merlin, o mago da corte, do-
tado de poderes sobrenaturais.
Depois de registrados todos os desafios e realizarem as disputas durante
um mês seguido, o rei Artur anunciou os resultados. Sir Galahad conseguiu
vencer todos os outros naquilo que colocou como desafio, mas perdeu no res-
to. É um eficiente isolado, pois suas armas nada têm a ver com os valores do
grupo. Sir Lancelot, distraído com seus devaneios, perdeu na espada e na lan-
ça, e ganhou no espadachim. Também não conseguiu vencer os demais nos
outros desafios. É um ineficiente, embora com bom desempenho nos domí-
nios de Cupido. Sir Blamour era truculento, mas pouco ágil. Ganhou nas suas
armas, mas perdeu nas demais. É também um eficiente isolado. Sir Kay, por
sua vez, não somente ganhou em suas armas, como também venceu a maioria
dos concorrentes noutras armas. É um lutador eficiente, e foi indicado por
Artur como uma das referências para o benchmarking dos não eficientes.
A partir desse exemplo, podemos tirar algumas conclusões importan-
tes. Em primeiro lugar, havia uma tecnologia comum, que condicionava, na
época, a disponibilidade de armas e de seu uso. Mas, dentro dos limites dessa
tecnologia, alguns participantes conseguiam uma combinação melhor das
armas, tirando melhores resultados delas. Em segundo lugar, havia uma cul-
tura-padrão permeando o ambiente. As gestas, os torneios, o romantismo e
outras manifestações da época formavam um ambiente propício a esse tipo
de atividade. Fosse o ambiente um mosteiro beneditino, certamente o com- 385
portamento seria diverso. Ou seja, a época, o ambiente e a cultura desempe-
nham um papel importante nesse embate. Finalmente, temos que considerar
também as habilidades individuais. Alguns participantes conseguiram perce-
ber suas vantagens competitivas e se esforçaram em aperfeiçoá-las ao máxi-
mo. Analisaram também seus competidores e procuraram melhorar seu de-
sempenho nas armas mais utilizadas. Definiram, assim, uma estratégia para
melhor se situar nesse ambiente altamente competitivo.
Outro aspecto muito importante que se pode tirar desse exemplo é a
questão da referência. Não há uma medida de eficiência absoluta, em relação
à qual o desempenho dos participantes deva ser medido e avaliado. A refe-
rência é formada pelos demais participantes, ou seja, a valoração que o gru-
po finalmente vai dar às diversas armas e aos cavaleiros surge, não por um
édito do rei Artur, mas em função dos pesos que cada um vai dando ao esco-
lhê-las. Nesse processo, uma arma pode ter um peso maior simplesmente
porque muitos a escolheram. O desafio de cantar uma balada, lançado por
sir Galahad, acaba sendo ignorado pelos demais porque é um ato isolado,
sem uma ressonância geral na corte. Esse princípio está embutido no proces-
so de benchmarking, hoje muito utilizado: a referência é formada pelas em-
presas que apresentam as melhores práticas num determinado setor. Não há
um referencial absoluto, mas sim uma avaliação comparativa, visando às me-
lhores práticas possíveis num dado contexto.
Voltando ao nosso problema de medir a eficiência de empresas com
DEA, podemos afirmar que a melhor escolha dos pesos a serem dados aos in-
puts e aos outputs do processo produtivo deve partir dos próprios participan-
tes. É claro que tal escolha não pode ser totalmente livre. Se um operador lo-
gístico valoriza, digamos, o serviço de armazenagem e opta por instalações de
maior área, deixando em segundo plano os demais fatores de produção, pode
haver outra empresa que consegue jogar com mais de um fator ao mesmo
tempo (tecnologia da informação, por exemplo), acabando por suplantar a pri-
meira na competição. Veremos, a seguir, como a DEA resolve essa questão.

Fundamentos da Análise Envoltória de Dados


Nas regras da análise envoltória de dados, cada participante recebe a deno-
minação DMU (Decision Making Unit, Unidade Decisória). Isso porque, de-
pendendo do problema, os participantes podem ser empresas, organizações,
departamentos e mesmo pessoas físicas. Assim, o termo DMU é mais abran-
gente. Neste texto vamos também utilizar, sem perda de generalidade, a de-
nominação simplificada unidade ou, em alguns casos, empresa, juntamente
com o termo clássico DMU. Cada empresa vai procurar otimizar sua eficiên-
cia, para isso escolhendo convenientemente os pesos dos insumos e os pesos
dos outputs da relação 12.9.
386
Suponhamos que, num certo momento, seja a vez da empresa E de lan-
çar seu repto no jogo competitivo. Essa empresa vai procurar valorizar seu
processo produtivo, selecionando os pesos de forma a tornar máxima sua
eficiência relativa ϕE. Mas, ao escolherem os pesos, as demais empresas
participantes vão também aplicá-los aos seus inputs e outputs. Consideran-
do uma outra empresa participante qualquer, denominada genericamente
G, duas coisas podem acontecer: (a) ao aplicar os pesos de E nos inputs e
outputs de G, o resultado pode ser melhor para a última, ou seja, a eficiên-
cia ϕG resultante é maior do que ϕE; (b) alternativamente, aplicando os pe-
sos de E nos inputs e outputs de G, a eficiência resultante para a última
pode ser menor do que ϕE.
Na condição (a), a empresa E vai tentar mudar a composição de seus pe-
sos de forma a vencer a empresa G (ou seja, ela procura um arranjo tal que
obtenha uma eficiência maior do que ϕG). Mas, ao fazer isso, pode acontecer
que uma terceira empresa do conjunto analisado passe a vencê-la. Assim, é
possível que a empresa E não consiga obter a eficiência máxima igual a 1,
pois, qualquer que seja sua escolha de pesos, haverá outra (ou outras) que
conseguirá um arranjo melhor. Nesse caso, a empresa E não é eficiente. Por
outro lado, na condição (b), se a empresa E conseguir achar uma combina-
ção de pesos tal que, aplicados às demais participantes, leve a eficiências
sempre piores, ela será considerada eficiente, com ϕE = 1.
A análise envoltória de dados resolve esse problema através de um mo-
delo de programação linear (Charnes et al., 1994). Havendo N empresas no
conjunto analisado, o DEA resolve N problemas separados de programação
linear. Cada problema corresponde ao enfoque segundo um dos participan-
tes. Pode acontecer que a empresa E consiga ser eficiente (ou seja, obtenha
ϕE = 1) quando escolhe seus pesos (ou seja, quando ela é a desafiante), mas
perde sempre (isto é, obtém valor de ϕE sempre menor do que 1) quando as
desafiantes são as demais. Nesse caso, ela é uma eficiente isolada (como sir
Galahad, no nosso exemplo). Há empresas, no entanto, que não conseguem
vencer as demais nem com suas próprias armas (ou seja, com seus próprios
pesos). São denominadas ineficientes (como sir Lancelot). Finalmente, há
aquelas que vencem com seus próprios pesos e conseguem vencer muitas ou-
tras nas armas de suas oponentes. São as eficientes, que servirão de base para
o benchmarking das não eficientes.
Na literatura, há diversos trabalhos sobre o tema. Sobre comércio, há o
artigo de Donthu e Yoo (1998), em que os autores aplicam DEA a uma cadeia
de restaurantes, e o de Novaes e Borges (2000), em que é feita a aplicação da
análise envoltória de dados a supermercados. Frazelle e Hackman (1993)
aplicaram o método DEA na análise de desempenho de centros de distribui-
ção, com resultados satisfatórios, conforme relatado em Frazelle e Goelzer
(1999). 387
Exemplo: Eficiência de Operadores Logísticos
Voltemos ao caso dos operadores logísticos brasileiros, cujos dados foram
levantados pela Revista Tecnologística (março e junho de 2000). Vamos apli-
car o método DEA para avaliar a eficiência dessas empresas. Consideramos
dois outputs em nossa análise:

G F: faturamento, em milhões de reais por ano;


G NC: número de clientes atendidos pela empresa.

Como inputs foram consideradas as mesmas variáveis adotadas no ajus-


te da função de produção, a saber:

G T: tempo de atuação no mercado, em anos;


G NF: número de funcionários;
G AR: área total de armazenamento, em milhares de m2;
G NV: número total de veículos, incluindo carga seca, baú, sider, refri-
gerado, tanque e utilitários;
G NE: número total de equipamentos de movimentação interna, in-
cluindo empilhadeiras (elétrica, a combustão, manual) e paleteiras;
G NS: número total de serviços oferecidos, incluindo armazenagem,
controle de estoque, embalagem, montagem de kits e conjuntos,
gerenciamento intermodal, JIT, importação/exportação, logística re-
versa, distribuição, distribuição porta a porta e transferência, confor-
me classificação da revista;
G NT: número total de recursos tecnológicos específicos utilizados
pela empresa, incluindo WMS, ERP, EDI, VAN, consultas de servi-
ços pela Internet, código de barras, radiofrequência, coletores, exis-
tência de rastreamento por satélite para a frota e roteirizadores, con-
forme classificação da revista.

Uma regra prática para aplicação de DEA é que a quantidade de DMUs


analisada deve ser maior ou igual a três vezes o número total de variáveis, in-
cluindo inputs e outputs. No caso, temos 59 DMUs e nove variáveis (dois
outputs e sete inputs). Assim 9 × 3 = 27, menor portanto do que o número
de DMUs disponíveis.
Foi utilizado o software Ideas (1995), versão 5.1, para avaliar os 59 ope-
radores logísticos da amostra. Na aplicação da análise envoltória de dados po-
de-se optar por um tipo de modelo mais restrito, em que se admitem ganhos
de escala constantes (modelo CRS, no jargão DEA) ou um modelo em que os
388 ganhos de escala não são restritos (modelo VRS). Pode-se optar também por
duas versões: aquela orientada ao output (output oriented), em que se procura
maximizar o output com os mesmos inputs disponíveis, ou a orientada ao in-
put (input oriented), em que se procura reduzir o consumo dos inputs de for-
ma a manter o mesmo nível de output. Na nossa aplicação, adotamos o mode-
lo VRS, com orientação ao output, por melhor representar o contexto compe-
titivo em que se inserem as atividades dos operadores logísticos.
Dos 59 operadores logísticos analisados, 29 foram selecionados pelo
método DEA como eficientes. Tomando os 20 primeiros, que englobam em-
presas com faturamento anual acima de R$13 milhões, os resultados são os
apresentados na Tabela 12.3.
Na Figura 12.7 é mostrada a variação da eficiência DEA com o porte da
empresa, medida pelo seu faturamento anual. Uma questão importante é a
seguinte: a eficiência dos operadores logísticos tende a melhorar com o fatu-
ramento? Em termos microeconômicos, a resposta é naturalmente afirmati-
va. A análise envoltória de dados confirmou essa hipótese. Observa-se, na Fi-
gura 12.7, que a faixa de variação da eficiência vai se alargando à medida que
o faturamento cai. Os grandes operadores logísticos têm eficiência de 100%
ou perto desse valor. Já para as empresas menores, muito embora se notem
várias com eficiência plena, observa-se uma grande dispersão de valores,
com casos em que a eficiência apresenta valores muito baixos, ao lado de ou-
tras com eficiência elevada. De fato, todas as grandes organizações foram,
um dia, pequenas empresas que se mostraram eficientes e cresceram. Junto
com elas, muitas outras não conseguiram competir e acabaram deslocadas
do mercado.

100

Embage
Cesamar Ryder
80
Eficiência DEA (%)

60

40

20

0
0 25 50 75 100 125 150

Faturamento anual (milhões de R$)


FIGURA 12.7 • Eficiência DEA dos operadores logísticos em função do faturamento
389
Há empresas que, embora não eficientes, estão próximas da fronteira
de eficiência. Na Figura 12.7 observamos que a empresa Cesamar, com fatu-
ramento de R$35 milhões, apresenta uma eficiência de quase 90%, estando
próxima da envoltória superior. Uma empresa pequena, a Embage, com fa-
turamento de R$1 milhão, também se situou próxima da envoltória supe-
rior, com eficiência de 91%.

Tabela 12.3 Eficiência dos 20 maiores operadores logísticos (2000)


Nome da empresa Faturamento Eficiência
(milhões R$) (%)

Ryder do Brasil Ltda. 127,7 100

Colúmbia Sistema Integrado de Logística 106,5 100

Usifast Logística Industrial S.A. 67,3 100

Delara Transportes 65,0 100

Deicmar 65,0 100

Danzas Logística e Armazéns Gerais 48,9 100

TM Transmobra 36,0 100

Cesamar Logística 35,0 89

Delta Records 29,7 69

Friozem Logística 28,0 43

Catlog Logística Transportes 24,0 100

Coimex Logística Integrada 23,0 100

TDS JIT 22,0 100

OTM Serviços de Logística 20,4 100

Abrange Logística 20,0 36

Metropolitan Logística 17,2 76

Exata Logística 15,0 100

Expresso Mirassol 15,0 72

Transportadora Grande ABC 14,0 28

CSI Cargo Logístico Integral 13,2 100

BENCHMARKING
Originalmente, a expressão benchmark refere-se a um marco geográfico de
referência fixo, com coordenadas e altitude conhecidas, utilizado para bali-
zar levantamentos topográficos. De forma mais geral, benchmarking pode
ser entendido como o processo de aferir medidas contra padrões predefini-
390 dos, numa bancada (bench). Mais particularmente, benchmarking é definido
como sendo os procedimentos sistemáticos utilizados para identificar as me-
lhores práticas observadas num determinado setor e modificar a atuação de
um determinado participante de forma a atingir um nível de desempenho su-
perior (Bowersox e Closs, 1996).
O benchmarking de empresas se apoia em duas premissas básicas. Em
primeiro lugar, admite-se que as firmas devam buscar aperfeiçoamentos contí-
nuos em todas as facetas de suas operações, se quiserem sobreviver. Isso signi-
fica que a empresa deve corrigir ou aperfeiçoar os processos, ou as atividades,
que estejam apresentando problemas, antes que se deteriorem completamen-
te. Deve-se evitar, assim, a busca de uma solução tardia, em que se procura
corrigir o sistema depois que acabou se degradando de forma irremediável.
A segunda premissa é que as melhores práticas devem ser buscadas ex-
ternamente à empresa, sempre que possível. Tradicionalmente, as empresas
avaliavam seu desempenho fazendo comparações internas. Assim, os admi-
nistradores comparavam a produtividade das unidades regionais entre si,
atribuindo prêmios às mais produtivas, de forma a estimular as demais a au-
mentarem a produção. Essa estratégia dava resultados numa época menos
competitiva e economicamente estável. Hoje, tal política pode ser potencial-
mente desastrosa, eventualmente levando a firma a um forte grau de endoge-
nia, afastando-a das melhores práticas observadas no mercado e tornando-a
pouco competitiva. No entanto, é recomendável que as empresas iniciem o
bechmarking internamente, procurando homogeneizar suas várias unidades
e fazendo o upgrade das menos eficientes de modo a se aproximarem das efi-
cientes. Uma vez vencida essa etapa, é necessário realizar um benchmarking
externo, tomando como referência as melhores práticas do mercado.
A experiência da Xerox, vivida em princípios da década de 1980, é nor-
malmente considerada o marco zero do moderno benchmarking de empre-
sas. Na sua primeira fase, o benchmarking visava comparar apenas produtos,
expandindo-se depois para todo tipo de serviço, dentre eles os serviços logís-
ticos. O objetivo inicial da Xerox era examinar comparativamente as opera-
ções da manufatura, visando reduzir os custos de fabricação (Camp, 1995).
Hoje, o benchmarking é largamente utilizado no processo de aprimoramen-
to contínuo das empresas.
Em Logística, há diversos casos de benchmarking relatados na literatu-
ra. A Gillete, por exemplo, com unidades industriais no México, Chile, Bra-
sil, Colômbia, Argentina, Venezuela, Equador e Peru, avalia anualmente
seus gerentes de logística através de 12 indicadores de desempenho, incluin-
do níveis de falha na expedição e no estoque, tempo de ciclo do pedido, pro-
dutividade do CD, densidade de estoque, giro anual do estoque e nível de
serviço ao cliente (Frazelle e Gloelzer, 1999). O vencedor de cada categoria
é solicitado a ensinar ao grupo de gerentes como conseguiu alcançar o suces-
so no ano anterior. 391
Uma das etapas críticas do benchmarking é identificar as empresas efi-
cientes que devem servir de parceiras para referenciação nesse processo. A
análise envoltória de dados pode servir de excelente apoio nesse processo.
Por ser um método matemático, que incorpora apenas parte das variáveis
necessárias a esse tipo de investigação, ela não deve ser vista como uma siste-
mática autossuficiente. Ao contrário, deve estar associada aos procedimen-
tos usuais de benchmarking, complementando-os.
Um dos objetivos do benchmarking é determinar as ações necessárias
para tornar eficiente uma empresa considerada não eficiente. A utilização do
DEA como ferramenta de análise pode ajudar enormemente nesse processo,
muito embora o benchmarking não se limite à aplicação desse método. Não
devemos nos esquecer que o computador e os modelos matemáticos são de
grande valia para esse tipo de estudo, mas não dispensam outras formas de
análise complementares, tanto qualitativas como quantitativas, pois levam
em conta apenas uma parte das informações necessárias para se fazer um
benchmarking eficaz.
Vimos, na descrição do método DEA, que algumas empresas são eficien-
tes, mas atuam isoladamente no mercado, seja porque são grandes demais em
relação às outras, seja porque utilizam tecnologias ou estratégias de negócio
muito particulares. Por outro lado, há um conjunto de empresas eficientes que
servem de referência para o benchmarking das não eficientes. Estas últimas
podem ser identificadas no DEA através de um modelo obtido a partir da con-
figuração básica de PL. Esse modelo determina, para cada empresa não
eficiente quais as empresas eficientes que devem lhe servir de base para plane-
jar sua reengenharia. Além disso, o DEA indica o grau de participação de cada
empresa eficiente no benchmarking de uma outra não eficiente. Através de um
exemplo, mostraremos como o DEA determina essas relações.

Benchmarking de um Serviço de Distribuição de Produtos


Nosso exemplo trata de uma indústria de bebidas que distribui seus produtos
em todo o território brasileiro. A empresa possui 15 unidades regionais, in-
dicadas na Tabela 12.4. As unidades regionais são responsáveis pela comer-
cialização dos produtos na sua área de atuação e pela distribuição deles a
partir de seus centros de distribuição. As bebidas são distribuídas a varejistas
de tamanhos diversos.
Na Tabela 12.4 são apresentadas as variáveis disponíveis para a aplica-
ção do DEA. São elas:

Outputs:
G F: faturamento, em milhões de reais por ano;
G MS: market share, isto é, a fatia do mercado conquistado pela uni-
392 dade operacional da empresa na sua região.
Inputs:
GAR: área total do depósito (m2);
GNF: número de funcionários do depósito;
GCX: caixas de bebidas expedidas;

Tabela 12.4 Características das unidades regionais, distribuição de bebidas


Market Área No de caixas
Faturamento share do CD No de expedidas
No Unidade regional (milhões R$) (%) (m2) funcionários (1.000)

1 Porto Alegre 125,3 26,0 16.300 150 10.307,6

2 Joinville 39,0 16,0 5.500 65 3.909,5

3 Curitiba 89,7 25,0 11.500 130 7.606,2

4 Londrina 39,0 25,0 5.000 50 3.028,0

5 Campo Grande 48,2 23,0 6.500 63 4.193,9

6 Cuiabá 31,2 15,0 4.200 55 2.310,0

7 São Paulo 143,0 26,0 17.800 150 10.592,0

8 São José do Rio Preto 73,0 23,5 8.700 92 5.601,5

9 Rio de Janeiro 92,2 27,0 12.100 110 8.032,8

10 Distrito Federal 34,0 19,0 5.000 58 3.411,9

11 Belo Horizonte 83,5 24,0 10.200 103 7.819,5

12 Vitória 56,9 24,0 7.300 70 5.331,3

13 Salvador 79,0 26,0 9.800 85 6.326,6

14 Recife 97,0 21,0 13.800 125 9.511,4

15 Belém 82,5 18,0 14.100 120 8.388,2

A introdução, no modelo, do número de caixas de bebidas expedidas visa


caracterizar o esforço externo despendido nas operações de distribuição. A
área do depósito e o número de funcionários, por outro lado, refletem as ope-
rações internas (carga, descarga, movimentação interna, armazenagem etc.).
O método DEA foi novamente aplicado ao presente caso, para isso lan-
çando mão do software Ideas. Adotou-se o modelo voltado aos outputs, do
tipo VRS (ganhos de escala variáveis), conduzindo às eficiências indicadas na
Tabela 12.5. Das 15 DMUs, ou unidades regionais da empresa, seis são ple-
namente eficientes (nível 100). Mas algumas DMUs apresentam eficiência
próxima da unidade, como as de Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e
Vitória. Outras unidades, como Recife e Campo Grande, apresentam efi-
ciência um pouco maior do que 80, merecendo uma análise de suas deficiên-
cias de forma a torná-las eficientes. Finalmente, três DMUs – Belém, Joinvil- 393
le e Distrito Federal – apresentam níveis bem mais baixos de eficiência, exi-
gindo uma atenção maior.
Uma vez identificados o grupo de unidades eficientes, de um lado, e o
grupo dos não eficientes, de outro, passamos a analisar as relações de
benchmarking entre eles. Para cada DMU não eficiente, o DEA fornece as
contrapartes eficientes que devem servir de referência para a realização do
benchmarking. Por exemplo, para Belém, que tem uma eficiência de 63,4%,
o DEA apresentou as seguintes contrapartes eficientes que devem servir de
apoio para seu benchmarking:

G São Paulo Peso 66,5%


G Londrina Peso 23,5%
G Salvador Peso 10,0%

Das três unidades eficientes apontadas pelo DEA para servir de referên-
cia para o benchmarking de Belém, São Paulo deve entrar com um peso bem
maior, de 66,5%. Londrina participa com peso menor, de 23,5%, e Salva-
dor, com apenas 10%.

Tabela 12.5 Eficiência DEA das unidades regionais, distribuição de bebidas


Ranking No original* Unidades regionais Faturamento Eficiência
(ordenadas segundo o (milhões de DEA
faturamento) reais)

1 7 São Paulo 143,0 100,0

2 1 Porto Alegre 125,3 97,4

3 14 Recife 97,0 81,2

4 9 Rio de Janeiro 92,2 100,0

5 3 Curitiba 89,7 94,5

6 11 Belo Horizonte 83,5 98,5

7 15 Belém 82,5 63,4

8 13 Salvador 79,0 100,0

9 8 São José do Rio Preto 73,0 100,0

10 12 Vitória 56,9 93,0

11 5 Campo Grande 48,2 82,0

12 2 Joinville 39,0 63,0

13 4 Londrina 39,0 100,0

14 10 Distrito Federal 34,0 40,0

15 6 Cuiabá 31,2 100,0

*Coluna 1, Tabela 12.4.


394
Fazendo a contabilização de todas as relações entre DMUs eficientes e
não eficientes, chegamos aos resultados mostrados na Tabela 12.6. Londri-
na, que é uma das DMUs eficientes, foi chamada cinco vezes como referên-
cia de benchmarking de unidades não eficientes, com participação média de
64,6%. Em segundo lugar vem São Paulo, também com cinco participações,
mas com nível médio menor, de 46,4%. Depois aparece São José do Rio Pre-
to, com seis participações, mas nível médio ainda menor, de 40,2%. Salva-
dor, por sua vez, participa cinco vezes como referência, com nível de 30,7%.
Finalmente, Rio de Janeiro foi chamado apenas uma vez, com participação
relativa de 26,4%.

Tabela 12.6 Referências para benchmarking, pela ordem de importância


Ranking Unidades regionais No de Participação Peso relativo
(coluna 1, eficientes, referências participações no média no benchmarking
Tabela 12.5) para benchmarking benchmarking (%) (%)

13 Londrina 5 64,6 35,8

1 São Paulo 5 46,4 25,7

9 São José do Rio Preto 6 40,2 20,4

8 Salvador 5 30,7 14,6

4 Rio de Janeiro 1 26,4 3,3

Notamos que Cuiabá, embora eficiente segundo o DEA, não participou


nenhuma vez do benchmarking de unidades não eficientes. É, assim, uma
unidade eficiente isolada. Normalmente, as DMUs que se situam na extremi-
dade da escala decrescente de tamanho são classificadas como eficientes pelo
DEA devido à falta de outras unidades menores que lhes sirvam de compara-
ção. São, por isso, denominadas outliers nos textos especializados. A unida-
de regional do Rio de Janeiro, que foi chamada a participar marginalmente
do processo de benchmarking das DMUs não eficientes, também pode ser
classificada como eficiente isolada.
As unidades eficientes Londrina, São Paulo, São José do Rio Preto e Sal-
vador, na ordem, são DMUs de referência para o benchmarking das não
eficientes. Assim, podemos fazer uma classificação das unidades regionais,
listando-as na ordem de eficiência e participação, conforme mostrado na Ta-
bela 12.7.

Eficiência Virtual
Vamos analisar a forma como o DEA relaciona as empresas não eficientes
com seus pares eficientes situados na fronteira. Quando uma empresa não é 395
eficiente, mas está próxima da fronteira de produtividade máxima, a análise
envoltória de dados permite estimar uma projeção virtual dessa empresa, lo-
calizada sobre a fronteira. Por exemplo, o ponto F, na Figura 12.8, represen-
ta uma empresa não eficiente. Aplicando uma regra predefinida, o DEA pro-
jeta o ponto F para o ponto F´, este localizado sobre a fronteira.

Tabela 12.7 Classificação da unidades regionais segundo a eficiência


e a participação no benchmarking
Categoria Unidade regional Eficiência DEA

Eficientes, referências para o benchmarking Londrina 100,0


de unidades não eficientes São Paulo 100,0
São José do Rio Preto 100,0
Salvador 100,0

Eficientes isoladas Rio de Janeiro 100,0


Cuiabá 100,0

Quase eficientes Belo Horizonte 98,5


Porto Alegre 97,4
Curitiba 94,5
Vitória 93,0

Eficiência intermediária Campo Grande 82,0


Recife 81,2

Eficiência inferior Belém 63,4


Joinville 63,0
Distrito Federal 40,0

Em geral, há três formas de se fazer essa projeção no DEA. Uma delas


segue a orientação da maximização dos outputs, mantendo os inputs nos ní-
veis atuais. Noutros casos, se deseja minimizar a utilização dos inputs, mas
mantendo o output atual. A terceira envolve uma variação proporcional de
todas as variáveis, sejam inputs, sejam outputs. Na nossa aplicação, adota-
mos a primeira estratégia. É claro que esse salto para a fronteira somente tem
condições de ser realizado, na prática, quando a empresa não estiver muito
distante da envoltória de máxima eficiência. Além disso, por se tratar de um
cálculo teórico, essa projeção deve ser vista como uma aproximação. Por
essa razão, a chamamos de eficiência virtual.
A Figura 12.8 ajuda a entender o mecanismo de ligação entre uma em-
presa não eficiente e seus pares eficientes, que lhe servirão de modelo para o
benchmarking. O ponto F´, projeção virtual do ponto F na fronteira (tipo 3:
variação proporcional), está situado entre os pontos C e D, que representam
empresas eficientes. Essas duas empresas, pela sua proximidade na fronteira,
vão atuar como referências para o benchmarking. Por outro lado, o ponto F´
396 está situado numa certa proporção entre os pontos C e D, proporção essa
Output Y
E
Fronteira F' D
eficiente C
F

Empresas:
A eficientes
não eficientes

Input X
FIGURA 12.8 • Eficiência virtual no DEA

que, de forma inversa, mede a participação de cada ponto no benchmarking


de F. Na Figura 12.8, o ponto F´ está bem mais próximo de D e, assim, este
último participa com maior intensidade no benchmarking de F. Na verdade,
num caso com muitas variáveis, os pontos de referência para o benchmarking
não se restringem necessariamente a dois, como no exemplo da Figura 12.8.

Benchmarking das Unidades Não eficientes


A restrição de espaço não nos permite analisar todos os casos. Como exem-
plo, vamos considerar a unidade regional de Vitória, que apresentou eficiên-
cia de 93%. Escolhemos essa unidade por estar próxima da fronteira de efi-
ciência. Assim, seu upgrade via DEA apresenta maior confiabilidade, pois
não implica mudanças muito drásticas nas variáveis. Para DMUs com efi-
ciência baixa, podemos usar os resultados do DEA, mas as variáveis qualitati-
vas passam a ter predominância na avaliação.
As unidades eficientes que servem de referência para o benchmarking
de Vitória são:

G Londrina Peso 47,2%


G Salvador Peso 31,3%
G São José do Rio Preto Peso 21,5%

Na Tabela 12.8 são apresentados os dados relevantes para a análise.


Observamos que a unidade de Vitória se situa entre Londrina e São José do
Rio Preto, no que se refere ao faturamento. Os resultados do modelo DEA
mostram que, para chegar à fronteira de eficiência, a unidade regional de Vi-
tória precisaria faturar R$61,2 milhões por ano, ou seja, um aumento de 397
7,5%. Admitindo que a demanda total permaneça constante, bem como o
nível de vendas dos concorrentes, isso significa um upgrade no market share,
atingindo 25,8% do mercado.

Tabela 12.8 Benchmarking da unidade regional de Vitória


Objeto do Unidades de referência
benchmarking para o benchmarking

São José
Unidade regional Vitória Londrina Salvador Rio Preto

Situação Upgrade
atual via DEA

Eficiência DEA (%) 93,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Participação no benchmarking – – 47,2 31,3 21,5


de Vitória (%)

Faturamento (milhões de R$) 56,9 61,2 39,0 79,0 73,0

Market share (%) 24 25,8 25 26 23,5

Número de funcionários 70 70 50 85 92
2
Área do CD (m ) 7.300 7.300 5.000 9.800 8.700

Caixas expedidas (1.000) 5.331,3 5.331,3 3.028,0 6.326,6 5.601,5

Índices:

Faturamento/funcionário 812,9 874,3 780,0 929,4 793,5


(milhares de R$/pessoa)

Faturamento/área de 7.794,5 8.383,6 7.800,0 8.061,2 8.390,8


CD (R$/m2)

Faturamento/caixa (R$/cx) 10,67 11,48 12,87 12,47 13,03

O modelo DEA, por ser orientado à maximização do output, não


aponta para redução dos inputs. O output, representado pelo faturamento
por caixa expedida, ainda ficaria 7,9% mais baixo do que o de Salvador,
mesmo com o upgrade. Isso significa que a unidade regional de Vitória está
vendendo um mix de bebidas com maior percentagem de produtos de menor
valor. Uma estratégia de marketing, visando à comercialização das bebidas
de maior valor, seria então uma medida a perseguir imediatamente.
É preciso frisar, no entanto, que os resultados do método DEA devem
ser encarados como mero apoio para o benchmarking. Os números são frios,
e esse tipo de resultado não é exaustivo, não incorporando outras variáveis
quantitativas e qualitativas que poderiam mudar o julgamento final.
Calculamos, a seguir, os índices de produtividade (faturamento por
funcionário, por m2 de área e por caixa) para a condição melhorada da uni-
398
dade de Vitória (upgrade). O faturamento médio por funcionário, atualmen-
te maior do que os índices mostrados por São José do Rio Preto e por Lon-
drina, chegaria mais próximo de Salvador, que é a unidade mais eficiente das
três referências, nesse quesito. O faturamento por m2, por sua vez, atingiria,
no upgrade, o nível de São José do Rio Preto, o melhor das três referências.
O faturamento por caixa expedida, por sua vez, já foi comentado. A conclu-
são a que se chega é que a unidade de Vitória deve imprimir maior agressivi-
dade nas suas atividades comerciais e de marketing, procurando colocar no
mercado produtos de maior valor e aumentando seu market share.
Apesar das ressalvas, cremos que a aplicação da análise envoltória de
dados no benchmarking pode ajudar muito na melhor identificação dos fato-
res que condicionam a eficiência das DMUs, sejam elas empresas, unidades,
departamentos ou outro sistema ou subsistema empresarial.

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