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Sinopse

Quando Gabriel arrombou minha porta, ele assumiu


meu corpo e minha vida. Nunca com força, mas sempre
com manipulação inteligente. Ele me despojou de minha
independência, minhas defesas e minhas roupas e me
transformou em uma viciada por seu toque.

Uma vez, tinha sonhos


e um futuro. Agora, tenho medos,
cicatrizes e necessidades insaciáveis. Estou
ferida e irreparável, mas, para sobreviver ao
homem mais perigoso de Joanesburgo, não
posso permitir que ele me quebre, porque os
brinquedos quebrados são destinados ao
depósito de lixo.
1
Valentina

UM BEBÊ.
Vou ter o bebê de Gabriel Louw.
Gabriel Louw.
O homem mais perigoso de Joanesburgo.
Oh Deus.
Coloco a mão na minha boca para silenciar um soluço e coloco a outra
sobre a minha barriga, onde nosso filho está crescendo.
Enquanto o táxi me leva cada vez mais longe de meu captor em minha rota
de fuga impulsiva, minha mente gira com mil pensamentos. Como isso
aconteceu? Eu esqueci de tomar meu comprimido? Tenho certeza de que tomei
todos os dias na mesma hora. Até tenho um alarme programado no meu telefone.
Eu errei? Como? Quando? Não tomei nenhum medicamento que pudesse
interferir com o anticoncepcional.
Pela minha vida, não consigo pensar em uma explicação. Minha mente
racional, minha parte em negação, exige que eu encontre provas de
que o teste de gravidez está errado, mas meu instinto sabe
o contrário. O conhecimento bate em
minhas costelas.
Estou grávida.
E sozinha.
Tenho pouco dinheiro, não tenho emprego e estou fugindo
de Gabriel Louw.
Estou com tantos problemas. Agora não é hora de descobrir o
que deu errado. Preciso pensar em como vou continuar viva.
— Para onde vamos, senhora? — O motorista pergunta.
Quando Gabriel descobrir que estou desaparecida, ele irá
atrás do meu irmão. Dou o endereço de Kris ao motorista e
afundo no banco, nauseada de medo.
Ele me olha pelo espelho retrovisor. — Está tudo bem?
Eu abaixo minha mão da minha boca e agarro a maçaneta
da porta. Preciso me agarrar a algo. — Estou bem, obrigada.
Parece uma eternidade antes de chegarmos à clínica. Peço
ao motorista que mantenha o taxímetro funcionando e
contorne os fundos da casa, onde não serei vista de nenhuma
das janelas da clínica. Tento abrir a porta da cozinha, mas
está trancada. Eu bato suavemente.
Por favor, Charlie, rápido.
Por vários batimentos cardíacos dolorosos, nada acontece.
Roendo minha unha, corro de janela em janela até localizar Charlie. Ele
está sentado em sua cama, lendo uma revista em quadrinhos. Eu bato no vidro.
A última coisa que quero é assustá-lo com um soco na janela. Sem reação. Eu
bato com mais força. Não posso me dar ao luxo de atrair a atenção de Kris. Nesse
ínterim, o taxímetro está abrindo um buraco na pequena quantia de dinheiro
que tenho comigo.
Toque, toque.
Finalmente, Charlie ergue os olhos. Quando ele me vê, grita. — Va-Val.
Eu aceno para ele ficar quieto com meu dedo em meus lábios e aponto para
a trava da janela. Em vez de abrir, Charlie salta da cama e sai do quarto.
Não chame por Kris.
Um momento depois, a porta dos fundos se abre e meu irmão sai.
Além do alívio, quero puxar ele para meus braços e dizer que vamos ficar
bem, mas tenho que agir normalmente.
— Surpresa, Charlie, — eu sussurro. — Eu vim buscar você. Estamos
saindo de férias, mas você tem que vir em silêncio.
— Si-silêncio, — ele sussurra de volta, imitando meu gesto anterior com
um dedo em seus lábios.
Não há tempo para entrar na casa e recolher algumas de suas coisas. Eu
tranco para que Kris fique segura lá dentro e jogo a chave através das barras da
janela aberta do banheiro. Enganchando meu braço no de Charlie,
eu o levo para o táxi que está esperando.
Lá dentro, o motorista e Charlie falam
simultaneamente.
— Para onde você quer ir?
— O-Onde estamos i-indo?
Onde estamos indo?
Para onde posso correr e que Gabriel não me
encontrará? Um lugar assim não existe. Se eu quiser manter meu
juízo sobre mim, tenho que ignorar essa noção. Não sou mais
responsável apenas por Charlie e por mim, mas também por uma
terceira vida. Não tenho um plano de ação. Eu belisco a ponte
do meu nariz.
Pense, Valentina. Pense.
— Senhora, para onde? — O motorista repete, mais
impaciente agora.
Não posso pagar uma passagem de avião ou ônibus para
lugar nenhum só para mim, muito menos para duas pessoas. Só
resta uma opção. Aonde quer que vamos, terei que dirigir.
— Senhora? — O homem se vira em seu banco e me
lança um olhar penetrante. — Está tudo bem aí?
— Sim. Estamos indo para Berea.
Ele me olha por baixo de suas sobrancelhas
grossas e diz com uma pitada de descrença. —
Berea. Tem certeza?
— Apenas dirija. Vou te dar instruções.
Ele segura meus olhos por mais um momento antes de se virar para a
frente e sair do meio-fio. Eu exalo de alívio e aperto a mão de Charlie para
tranquilizar ele, feliz por Kris não ter visto a gente. Charlie abaixou sua janela e
está olhando para os prédios que passam zunindo, alheio ao nó de concreto em
meu estômago e ao medo enlouquecedor que bombeia em minhas veias.
Eu envio uma mensagem de texto rápida para Kris para que ela não se
preocupe quando descobrir que Charlie foi embora.
Eu: Charlie e eu temos que sair por um tempo. Desculpe fugir assim, mas
quanto menos você souber melhor. Obrigada por ser sempre ser
minha amiga. Te amo.
A um quarteirão do meu antigo apartamento, o motorista para. — Isso é o
mais longe que eu vou. — Ele aponta para a rua em frente. — Esse é o paraíso
dos sequestradores.
Eu pago a quantia exorbitante e levo Charlie para fora antes que o
motorista possa fazer as perguntas que vejo em seu rosto. No minuto em que
estamos na calçada, ele sai em alta velocidade, feliz por sair daqui.
— Va-Val. — Charlie chuta seus pés quando eu pego seu braço. — Esta é
ca-casa.
— Não mais. — Eu dou a ele um sorriso brilhante. — Este é apenas o
lugar onde nossas férias começam.
Tenho pouco tempo precioso. É questão de horas, minutos
talvez, antes que Gabriel descubra que eu parti e coloque uma
sentença de morte por nossas vidas. Ele rastreará
meu telefone e estará em nosso
encalço mais rápido do que posso
dizer desaparecer, mas se eu quiser que
Charlie me siga sem complicações, tenho que fazê-lo feliz.
Caminhamos um quarteirão até um café de esquina, onde
compro um sorvete King Cone para Charlie. Enquanto ele se senta
na calçada para comer, ligo para Jerry. O número toca e toca e,
finalmente, desconecta sem ir para o correio de voz.
Merda. Jerry é minha única esperança. Tento o número
especial que ele me deu quando ainda estava supostamente
cuidando de Charlie. É um número que só eu e alguns de seus
companheiros do crime temos.
Desta vez, ele atende com um hesitante. — Val?
Não há tempo para rodeios. — Eu preciso de um carro.
— O que?
— Um carro, Jerry. Agora.
— Vai comprar?
— Eu teria chamado um ladrão de carros se quisesse
comprar um carro?
Ele expressa sua recusa humildemente. — Eu não
posso fazer isso. O que está acontecendo? Isso não é
típico de você.
Sempre condenei seus negócios sombrios, mas agora não é o momento
para meus valores morais induzirem à culpa. — Depois do que você fez para nós,
você me deve, maldito seja.
Há desânimo em sua voz. — Val…
— Você quer saber o que Gabriel Louw fez comigo por causa de sua
estupidez ignorante?
— Oh merda. Oh merda. Você está fugindo. — Sua voz treme. — Você está
fugindo do Breaker.
— Se ele me encontrar, estou morta. Charlie também. — E o bebê que
estou carregando. — Por favor, Jerry. Você nos meteu nessa confusão. Me ajude
a sair.
Há um longo silêncio. Quase posso sentir as engrenagens girando em sua
cabeça. Bem quando eu acho que vai desligar, ele diz. — Onde você está?
— Seu lugar.
— Me dê uma hora.
— Trinta minutos.
— Maldição, Val. — Ele respira fundo, como se quisesse se acalmar. —
Espere na lateral do prédio.
— Obrigada. É melhor você aparecer. Quando eu desligar, não poderemos
mais falar neste telefone.
Ele sabe o que quero dizer. Tenho que destruir o telefone se não quiser que
Gabriel me rastreie.
— Eu estarei lá. — A linha fica muda com um clique.
Charlie terminou seu sorvete. Eu o faço
limpar as mãos em um lenço de
papel e jogo a embalagem na lata de
lixo para que eu possa dobrar a esquina e
esmagar o telefone sob meu calcanhar. Há muitas partes
minúsculas para discernir um rastreador, não que eu saiba o que
procurar, então eu acerto tudo de novo, só para ter certeza, e jogo
tudo na lixeira.
— Pronto para nossa aventura? — Eu pego a mão de Charlie. —
Vamos pegar nosso carro.
Nós nos escondemos em uma alcova de onde posso
observar a rua. Felizmente, não cruzamos com nenhum
bandido, mas eles logo vão rastejar para fora de seus buracos
com o pôr do sol. Eu jogo um jogo da velha para distrair Charlie,
usando uma pedra de giz que peguei na estrada para desenhar
linhas na parede de tijolos.
Trinta e cinco minutos depois, uma perua laranja para. A
carroceria está amassada e o metal enferrujado onde a tinta
descascou. Meu queixo cai quando o veículo frágil para ao
nosso lado e Jerry sai.
— Jerry. — Eu jogo meus braços no ar.
— O que? — Ele diz com uma voz exasperada. —
É tudo o que pude fazer em curto prazo.
— Até onde essa coisa vai nos levar?
Ele dá uma tapinha no capô. — Ela é boa. Eu a verifiquei. O motor foi
refeito, é tudo ou nada. — Ele estende a chave para mim. — Troquei a placa dela
também, mas fique longe das estradas principais, só para garantir.
— Obrigada. — Pego a chave de sua mão. — Vamos, Charlie.
Jerry dá uma tapinha nas costas de Charlie enquanto meu irmão dá a volta
no carro. — Como vão as coisas, cara?
Charlie dá a ele um comprimento e um sorriso. Quando ele está com o
cinto de segurança, olho para Jerry pela janela uma última vez antes de arrancar
em direção à rodovia.
O motor faz um barulho engraçado e a carroceria do carro chacoalha, mas
nós avançamos bem e conseguimos passar por Hillbrow sem nenhuma tentativa
de sequestro, cortesia do estado do carro.
Assim que atingimos o N1, meus nervos desgastados finalmente me
atingiram. Minhas mãos começam a tremer no volante. Uma onda de calor
percorre meu corpo, me fazendo começar a suar. Meu estômago está tão
apertado que dói. Eu luto contra a vontade de vomitar. A poluição do verão é
irritadiça e suja, mas abro a janela para encher meus pulmões de ar. Como
sempre, o modo de sobrevivência entra em ação e me entorpece com os medos e
perigos de nossa situação.
Charlie está olhando pela janela, cantarolando uma música. Consigo
ajustar o rádio o suficiente para encontrar uma estação country e
ocidental de que ele goste. Verificando o medidor de gasolina, eu
gemo por dentro. O tanque está quase vazio. No
primeiro posto de gasolina depois de
Midrand, eu encho e uso meu último
dinheiro para comprar alguns suprimentos da
loja Quick, que são principalmente lanches para Charlie. Não me
atrevo a sacar dinheiro no caixa eletrônico com meu cartão. Será
muito fácil rastrear. Eu deveria ter me lembrado de fazer isso antes
de começar.
Meu estômago dobra e se agita quanto mais nos afastamos de
Joanesburgo, a cidade de ouro que é governada por um homem
tão belo e arruinado quanto o próprio lugar, um homem que
nos matará se nos encontrar.
Quando o horizonte de Sandton desaparece do meu
espelho retrovisor, uma noção paralisante de perda e solidão me
atinge. As emoções me desequilibram. O choque me percorre. Eu
sinto falta de Gabriel. Isso me deixa confusa e doente. Devem ser
os hormônios. Sim, não sou eu mesma. Lágrimas não
convidadas ardem em meus olhos. Golpeando-as, forço meu
olhar para a estrada à frente.
Não olhe para trás.
Há apenas Charlie, eu e meu bebê agora.
Nós vamos conseguir. Nós vamos sobreviver.
Não tenho ideia de para onde estou indo até chegarmos à placa que
anuncia a divisão de três vias. Se seguirmos em frente, seguiremos para o norte
em direção a Polokwane. Eu não conheço a área. As únicas opções restantes são
Bloemfontein ou Durban. Durban não está tão longe quanto Bloemfontein e o
clima é menos severo. Sem recursos financeiros, Durban é a melhor opção. Além
disso, posso chegar lá com um tanque de gasolina, onde ficarei sem combustível
no meio do nada, muito antes de atingir Bloemfontein.
O sinal para o N3 aparece. Mudo de faixa e entro no trevo que me leva para
a rodovia e para o leste. Com um movimento rápido do indicador, decido nosso
destino e futuro.

Gabriel

O CARA QUE MATEI esta tarde era a escória, mas hoje a violência deixa
um gosto ruim na minha boca. Tudo que eu quero é ir para casa, para Valentina,
rastejar em seu corpo e derreter em sua cama. As coisas entre nós mudaram.
Não importa o quanto eu minta para mim mesmo, ela não é mais o brinquedo
que roubei de sua vida. Ela é algo, alguém que eu quero o suficiente para quebrar
todas as regras do livro para manter. Ela não é mais minha cativa. Eu sou dela.
Meu vício cresceu com o passar dos meses e se tornou uma
obsessão que me consome. Apesar da frieza dentro de mim, ela
desperta emoções que eu pensava não
ter. Ela me faz sentir coisas que
nunca senti antes, gratidão,
arrependimento, alegria e medo, e mesmo que esses
sentimentos me assustem terrivelmente, eu quero mais.
Quando chego em casa, dispenso Rhett e Quincy e subo
para tomar um banho. Não quero enfrentar minha garota coberto de
sangue. Lavando o fedor dos meus pecados, penso nela e no que
quero fazer com seu corpo. Os pensamentos me deixam
duro. Se eu não estivesse tão impaciente para plantar meu pau
em seu corpo, eu teria me feito gozar primeiro para que
pudesse durar mais, mas minha urgência é palpável. Me seco
rapidamente com a toalha e visto uma calça e uma camisa.
Meu batimento cardíaco acelera enquanto faço meu
caminho para a cozinha. A esta hora, Valentina estará
engomando. Me irrita vê-la trabalhar arduamente, vê-la
trabalhar tanto, mas não será por muito mais tempo. No
minuto em que ela engravidar, tudo vai mudar.
O silêncio me cumprimenta quando entro na
cozinha. Os balcões estão arrumados e limpos. Marie já
encerrou seu dia. Um vazio assustador pressiona o
espaço. Eu não gosto disso. Acelero meu passo,
colocando minha cabeça ao redor do batente da porta da copa, mas não há
ninguém. Uma sensação nauseante se instala em meu corpo. Cada terminação
nervosa formiga. Correndo para os aposentos das empregadas, abro a porta. A
cama de Valentina está feita. Oscar está dormindo em seu travesseiro. Minha
perna dói com a força que apliquei enquanto mancava para o banheiro.
Vazio.
Com uma sensação crescente de pavor, abro os armários. Tudo parece
estar lá. Os cosméticos e sais de banho que comprei estão bem empilhados. De
volta ao quarto dela, faço o mesmo com o armário. As roupas, sapatos, joias,
livros e outras bugigangas que dei para Valentina estão lá. Ainda assim, algo
está errado. Eu sei disso no meu instinto.
Parado ali, absorvendo o frio da noite que desce, as moléculas do meu
corpo ficam vazias e frias. Uma sensação avassaladora de abandono me
preenche. Então o medo me atinge, quente e líquido, reverberando sobre mim
em uma onda. Se Magda fez alguma coisa com Valentina... Se ela a machucou...
Juro por Deus que mato minha mãe.
Fazendo meu caminho pelo corredor até meu escritório, eu pego meu
telefone do bolso e ligo para Rhett.
Ele responde com um alegre. — E aí, chefe?
— No meu escritório. Agora. Traga Quincy.
Desligo e corro pela porta do meu escritório, esperando um exército ou
Magda, mas o que vejo é uma folha de papel branco na minha mesa.
Toda a minha atenção se concentra naquele pedaço de
papel. O instinto me diz que tudo o que acabou de
descarrilar em minha vida está
resumido ali, e por três segundos
inteiros não consigo me mover. Eu fecho meus
olhos, me preparo e dou a volta na minha mesa. Está com a letra
dela. Minha mão treme enquanto eu o levanto para a luz e leio.
Não posso honrar minha promessa. Espero que você me
perdoe.
Maldição, não!
Amasso o papel e passo as mãos pelo cabelo. Tenho
vontade de cair de joelhos, mas de alguma forma continuo de
pé. De todas as coisas que ela poderia ter feito, esta é a última
que eu esperava. Charlie significa muito para ela. Meus
sentimentos são uma confusão de fios elétricos
emaranhados. Estou prestes a entrar em curto-circuito, explodir
e queimar. Eu quero encontrá-la e machucar, fazê-la pagar por
sua traição e pelo que ela está me fazendo passar. Vou
machucar a pele de seu traseiro e arrastá-la de volta. Desta
vez, vou acorrentar ela à minha cama até que entenda o
significado de propriedade.
Rhett e Quincy correm pela porta, me salvando de
meus pensamentos sombrios. Os dois estão cuidadosos
com meu estado.
— O que foi? — Quincy pergunta com cuidado.
Eu abaixo minhas mãos em meus quadris. É difícil para mim falar. Por um
momento, penso em empurrar o papel para eles, mas não quero que
testemunhem a rejeição íntima de Valentina. Eu engulo, inspiro e digo. —
Valentina se foi.
Quincy empalidece. — O que você quer dizer com se foi?
Preciso de cada grama de força que tenho para pronunciar as palavras e,
quando finalmente o faço, minha boca está amarga. — Ela fugiu.
Os olhos de Rhett se arregalam. — Porra, não.
Quincy é o primeiro a recobrar os sentidos. — Ela disse algo? Alguém a viu
sair?
— Ela deixou uma nota. — Como Quincy parece mais no controle do que
Rhett, digo. — Vá para a casa da guarda. Pergunte a eles quando ela saiu e como.
Com o que? Ela foi com uma mala? Puxe a fita. Eu quero saber cada detalhe do
caralho. Nem uma palavra para Magda ou seus guardas. — Uma gota de suor
frio desce pela minha espinha enquanto eu digo isso. Esta é a oportunidade que
Magda esperava.
Quincy saiu do meu escritório em um piscar de olhos. Estou tropeçando
nos meus pensamentos nos pedidos que estou elaborando para Rhett. Rastreie
o telefone dela. Puxe seus registros bancários das últimas seis horas. Avise
nossos informantes. Antes que eu possa expressar qualquer coisa, Rhett dá um
passo à frente. Algo em seu comportamento me faz parar. Seus
ombros estão curvados e suas sobrancelhas franzidas.
— Gabriel... — ele começa.
Isso vai ser ruim.
Ele faz uma pausa e lambe os
lábios. — Há algo que você deveria saber.
Essas palavras me fazem querer matar ele. Ele sabe algo e
me negou isso. Eu fico em silêncio, esperando que ele continue.
— Eu acho... — Ele abaixa a cabeça. — Talvez... não sei ao
certo, mas...
Minha paciência se rompe. — Cuspa isso ou vou abrir um buraco
na sua maldita língua.
Ele respira fundo e me encara. —Valentina me pediu
para comprar um teste de gravidez para ela esta manhã.
Eu cambaleio em estado de choque. — O que? — Eu o
ouvi bem, mas não consigo processar o que me disse. —
Valentina acha que está grávida? — Eu digo mais para mim
mesmo do que para ele.
— Se você pensar sobre isso, ela tem agido meio
emocionalmente, ultimamente.
Eu deixei a observação afundar. Ela passou por muito
com seu acidente e desistiu de seus
estudos. Naturalmente, atribuí sua tristeza a esses
eventos. Agora que Rhett mencionou, Valentina está
mais chorosa do que de costume. Quando a toquei na
noite passada, seus seios estavam maiores e sensíveis, mas eu culpei seu
período pendente pelas mudanças.
Porra.
Há muitos sentimentos me assaltando para dar sentido a qualquer coisa,
orgulho, alegria, medo, raiva louca e delirante. Se Valentina está grávida e fugiu,
só pode ser por um motivo. Sei o quanto as mulheres de minha vida se sentiram
negativas e deprimidas em relação à gravidez planejada. Quanto pior ela deve se
sentir sobre uma inesperada? Ela não quer o bebê e vai se livrar dele.
Mesmo que eu esperasse a reação, estou cheio de raiva e ansiedade de
partir o coração. A raiva não é por ela, mas por mim. Eu poderia ter evitado esse
desastre. Eu deveria ter a trancado. Eu deveria ter percebido quando sua
disposição mudou. Eu poderia ter evitado que ela matasse nosso filho, a criança
que deveria salvá-la.
A dor rasga meu interior quando penso em perder um bebê que ainda não
nasceu, mas não tenho ninguém além de mim mesmo para culpar. Isso é tudo
culpa minha. Troquei suas pílulas anticoncepcionais por placebos. Eu a enganei
da maneira mais desprezível e assumirei total responsabilidade por suas ações.
Não importa se ela não estiver mais grávida, ela ainda é minha e eu a quero de
volta.
— Gabriel? — Rhett deu dois passos para trás e está a uma distância
segura perto da porta.
— Procure em todas as latas de lixo da propriedade. — Há uma
boa chance de Valentina ter levado o teste de gravidez com ela, mas
preciso ter certeza. —Encontre esse teste e traga
para mim.
Estou claro o suficiente em
meu estado de merda para perceber que posso
estar me precipitando. Há uma chance de que ela não esteja
grávida, mas tenho que considerar todas as opções.
Quando ele sai, ligo para a casa da guarda e grito
comandos. Não quero que a notícia vaze para Magda
prematuramente. Eventualmente, ela vai descobrir. Até então, preciso
de todo o tempo que puder ou Valentina estará morta. Eu
insiro os detalhes para ativar o software rastreador instalado
no meu telefone. O rastreador dela está morto, o que só pode
significar que ela destruiu o telefone. Para ter certeza, eu disco
o número dela, mas vai direto para a caixa postal.
No dia em que chutei a porta de Valentina em Berea, dei a
ela meu telefone para ligar para sua amiga, a veterinária para
quem ela trabalha. Salvei o número no meu telefone quando ela
terminou. Rolando até o nome de Kris, eu disco o número com
a mão trêmula.
A voz dela está cansada ao telefone. — Kris,
aqui. Como posso ajudar?
— Gabriel Louw.
Ela fica quieta com a menção do meu nome.
— Valentina está com você?
— Por que ela estaria? — O pânico entra em seu tom. — O que há de
errado?
Eu acredito nela. A reação dela é muito genuína para estar atuando. —
Charlie está aí?
— Você sabe que está.
— Acho melhor você verificar.
— Mesmo se ele não estivesse, eu não te contaria.
— Me ouça e ouça com atenção. Não é hora para jogos. A vida de Valentina
pode estar em jogo.
— Seu filho da puta inútil. Eu vou acabar com você. — Ela continua com
insultos elaborados e coloridos que são interrompidos por muitos latidos.
Presumo que esteja caminhando pela clínica até a casa. — Vou te picar e comê-
lo vivo.
— Kris? — Eu mantenho minha voz calma. — Nós dois nos preocupamos
com Valentina, cada um à sua maneira. Me ajude a ajudar ela.
Ela fica quieta com isso, e por um momento, eu também. É a primeira vez
que confesso para alguém além de mim mesmo que me importo com Valentina.
As palavras me chocam, mas também me libertam. Está exposto. Sem mais me
esconder.
Ela inspira e expira. O ar que sai de sua boca está trêmulo. Seu veredicto
é curto e amável. Tem uma sensação de terrível finalidade. — Ele se
foi.
Jesus.
Eu levanto meu rosto para o
teto e procuro por calma dentro de
mim.
— O que diabos está acontecendo? — Ela grita.
— Existe uma nota?
Eu posso ouvir seus passos estalando pela casa. — Não. Nada.
— Ela está revirando as coisas. Algo bate no chão com um baque. —
Que se foda tudo. Todas as coisas de Charlie estão aqui.
— Fique calma. Eu vou encontrar ela. Me faça um
favor. Ligue para mim neste número se souber de alguma coisa
dela.
— Por que eu vou te dar merda?
— Acredite em mim, agora, sou a única chance dela.
— O triste é que sim.
Eu cortei a ligação assim que Rhett entrou novamente no
meu escritório, um bastão na mão. Ele o estende para mim. —
Achei.
Seus olhos solenes me contam a notícia antes mesmo
de eu pegar a prova. Duas linhas azuis.
O ar deixa meus pulmões. Minha perna fraca
estremece e tenho que agarrar a borda da mesa para
manter o equilíbrio.
Eu tinha razão. Valentina só pode ter partido por um motivo, se livrar de
um bebê que ela não quer. Isso pode simplesmente matá-la se Magda conseguir
o que quer. É exatamente o oposto do que eu pretendia. Meu plano engenhoso e
fodido saiu pela culatra.
Quincy volta correndo. As palavras caem como diarreia verbal de seus
lábios. — Ela saiu a pé há quatro horas. Tudo o que ela tinha com ela era uma
bolsa de mão. Tentei não levantar suspeitas, mas os guardas sabem que algo
está acontecendo. Estou com medo... — Ele para quando seus olhos pousam no
bastão em minha mão. — Porra. É isso que eu acho que é?
— E agora, Gabriel? — Rhett pergunta, sua expressão preocupada. — O
que nós fazemos?
Eu não hesito em minha resposta. — Nós a traremos de volta.
— É melhor você se apressar, — Quincy diz. — Os guardas fizeram
barulho. Agora, Magda já sabe.
Com o bastão com a prova da concepção de Valentina em mãos, marcho
até o escritório de Magda.
Ela se senta atrás de sua mesa, rabiscando em um bloco de notas. —
Valentina fugiu. — Sua expressão é presunçosa. — Nós vamos atrás dela com
tudo o que temos. Uma equipe já está a caminho de seu irmão.
— Pare eles.
Ela joga a caneta na mesa. — Desculpe?
Eu deixo cair a evidência do meu filho na frente dela. Ela leva
um segundo para conectar os pontos. Em seus olhos, eu vejo sua
compreensão. Ambos sabemos que fiz de
propósito e ambos sabemos por quê.
Ela aperta os lábios e se
recosta na cadeira. — Então, é assim que você
consegue o que deseja.
— Chame seus homens.
— Você cometeu um grande erro.
— Essa é a sua opinião, e você sabe que não me importo com
o que você ou qualquer outra pessoa pensa. Valentina vai ser a mãe do
meu filho. De agora em diante, ela é família. Isso quita a dívida
e a mantém segura e a qualquer pessoa remotamente
conectada a ela.
Não digo o que suspeito, que o bebê já pode ter ido
embora. Não importa se eu a trago de volta grávida ou
não. Eventualmente, ela terá meu filho, mesmo que leve anos e
milhares de Rands de tratamentos de fertilidade. Eu não me
importo. Em algum lugar no fundo da minha mente, sei que é
uma mentira. Eu me importo. Eu me importo se ela quer ser
mãe. Mais do que isso, me preocupo se ela
quer meu filho. Infelizmente, quando se trata de vida ou
morte, nem sempre podemos nos dar ao luxo de
escolher ou responder às nossas perguntas. Talvez
seja melhor eu não saber as respostas. Já sei que sou
um monstro e ela me odeia. O que estou fazendo com ela é egoísta, errado e
imoral, mas nunca afirmei ser um bom homem. Eu a queria desde o momento
em que a vi. Ainda quero. Mais do que nunca. Deixá-la ir é a única coisa de que
não sou capaz.
Magda ainda me olha com desprezo. Eu irei tão longe quanto dizer que é
com ódio. Mesmo enquanto fala, ela pega seu telefone e disca um número. —
Seu menino tolo. Isso mostra que os homens nunca são confiáveis. É muito fácil
conduzir eles por seus paus. — Um toque soa em seu telefone, seguido por uma
resposta curta. — Scott, volte. O ataque a Charles foi cancelado. — Ela ouve
uma resposta. — Ainda queremos a garota, mas traga ela ilesa. — Ela corta a
ligação e me encara. — Você percebe que entregou todo o seu poder. Agora, ela
tem poder sobre você. Espero que isso te faça feliz.
Já se passou muito tempo desde que Valentina assumiu o poder sobre
mim, e um homem como eu nunca será feliz. Vou me contentar em estar
contente, e estarei assim quando receber minha preciosa propriedade de volta.
Minha mãe precisa entender uma coisa. — Se um fio de cabelo de sua
cabeça for prejudicado, vou interpretar isso como um ataque pessoal a mim e à
minha família. Não haverá restrição ao conflito.
— Isso nunca pode ter um final feliz.
Não quero ouvir a profecia de minha mãe, porque ela atinge o
conhecimento instintivo dentro de mim com um alvo. — Apenas se certifique de
que seus homens entendam. Ela é minha responsabilidade. Qualquer
coisa que eles encontrarem, qualquer coisa que ouvirem, cheirarem,
souberem ou adivinharem, eu quero saber.
— Você irá. Eu te devo
um foda-se por ficar emaranhado
entre as pernas daquela prostituta e estragar
tudo para a família.
Me aproximo lentamente da mesa, me elevando sobre
Magda. —Cuidado. Você está falando sobre a mãe do meu filho. Este
é o seu último aviso. Insulte ela de novo e não gostará das
consequências.
O sorriso que quebra sua espessa camada de base é
artificial. — Eu adoraria ver como você vai explicar isso para
Carly.
É um golpe baixo. Considerando a possibilidade de
Valentina estar grávida, é algo que pensei. Vou ter que mentir
para minha filha, contando a ela um tom rosado de uma besteira
rosada sobre Valentina e eu nos apaixonando, quando na
realidade nada pode estar mais longe da verdade. Não há como
garantir que Valentina manterá a boca fechada sobre as
circunstâncias de como acabamos na cama. Eu a seduzi, mas
fiz contra sua vontade. Há pouca diferença entre meu tipo
de sedução e força. Pelo que eu sei, ela vai se vingar e
contar a Carly como eu a roubei, chantageei e torturei
por nada além do meu prazer, apenas para que eu
pudesse alimentar meu vício doentio de dar a ela dor e orgasmos. Suas lágrimas
e súplicas me deixam duro, mas seu clímax me faz explodir. A combinação dos
dois, sua dor e prazer é o maior afrodisíaco. Além da parte física, outra coisa
começou a se desenvolver, essas coisas que ela me faz sentir, como a agonia que
está cortando meu estômago agora.
— Eu vou lidar com isso, — eu digo sem rodeios. — Ninguém diz uma
palavra para Carly além de mim.
— Oh, — ela ri, — eu não ia ser voluntária. Vou deixar a tarefa
desagradável para você.
— Bom. Estou feliz por nos entendermos. — Eu ando até a porta e
viro. Meu sorriso é tão frio quanto seus olhos. — Parabéns. Você vai ser avó de
novo.
Eu não espero pela reação dela. Volto para o meu escritório para iniciar
minha própria pesquisa.
Se torna evidente que não tenho nada para continuar. Valentina destruiu
seu telefone em um lugar diferente daquela área esquecida por Deus onde ela
morava, e não mexeu no dinheiro de sua conta. Embora ela não pudesse pagar
uma passagem de avião, iniciei uma busca por viajantes de avião e ônibus. Os
trens que vão além de Pretória não existem, o que me deixa com táxis
particulares, mas nenhum na área de Joanesburgo cruzou as fronteiras da
cidade nas últimas horas. Meus hackers plantam vigia em bancos eletrônicos e
servidores médicos para levantar uma bandeira se os nomes dela e
de Charlie aparecerem em qualquer lugar do sistema. Informo
minha rede de colegas e informantes da polícia
para ficarem atentos e ofereço uma
grande recompensa por qualquer
informação sobre seu paradeiro. Então eu
dirijo para a casa de Kris, que está em estado de choque. Ela me
mostra o texto de Valentina quando eu finalmente a convenço de
que estou apenas tentando manter Valentina segura, e exige saber
por que Valentina fugiu. Não conto a ela sobre o bebê. Por enquanto,
é melhor que apenas Magda, meus guarda-costas e eu saibamos.
Pego Rhett e dirijo para Berea. Batemos na porta de todos
os bares e lojas em um raio de oito quilômetros de sua antiga
casa, mas ninguém sabe de nada. Quando a noite cai, estou
doente. Minha preocupação é tão grande que não consigo nem
a odiar por isso. Eu só a quero de volta. Ela não tem dinheiro e
o mundo é um lugar muito inseguro. Valentina pode estar com
frio, fome ou medo. Ela pode até estar em perigo. Sem dinheiro,
sua única opção é um aborto clandestino, e isso não ocorre sem
riscos à saúde. Me sentindo derrotado, pego o volante e dirijo
para uma casa insuportavelmente vazia.
2
Valentina

DIRIGIR É EXTENUANTE.
Por causa do estado do carro, leva mais tempo para cruzar o país a uma
velocidade mais lenta do que o limite legal. Minhas costas doem e Charlie está
ficando inquieto, mas depois de sete horas as luzes de Durban finalmente
aparecem. Bem a tempo. Estamos quase sem combustível. Não tenho ideia para
onde estou indo. Só estive aqui duas vezes nas férias com meus pais quando
criança.
Uma placa indica a praia. A praia principal será muito perigosa com os
criminosos rondando. Opto por uma em um subúrbio e sigo a estrada até um
estacionamento escuro e vazio. Não podemos ficar aqui à vista de todos. É uma
busca por problemas. Depois de dar a volta no estacionamento uma vez,
encontro um lugar onde posso me esconder sob algumas árvores pendentes. O
esconderijo não é perfeito, mas terá que servir. Eu não posso ir mais um
quilômetro.
Charlie faz muito barulho animado quando percebe que
chegamos ao nosso destino. Tenho que silenciá-lo como fiz em casa
quando nos escondemos da máfia. Sabendo que ele
precisa esticar as pernas após a longa
sessão, destranco as portas e o
ajudo a sair de baixo da densa vegetação
para a noite. O clima tropical é quente e úmido.
De mãos dadas, descemos o íngreme caminho até a
praia. Eu uso minha lanterna para iluminar nosso caminho, me
mantendo vigilante e olhando para o perigo. Você nunca sabe quem
se esconde no escuro.
— Shh, — eu digo. — Não deveríamos estar na praia à
noite. Este é o nosso segredo, certo?
Charlie acena com entusiasmo. — Se-segredo.
Paramos no final do caminho de pedra para contemplar
a paisagem. A lua brilha sobre a água, lançando uma luz sobre
a espuma branca das ondas. Eu levo um segundo para registrar
o ar salgado e o barulho da água enquanto ela se enrola e se
quebra.
— Você se lembra do oceano, Charlie?
— Na-nadar.
— É noite.
Seu tom se torna insistente. — Na-nadar.
— Amanhã, tudo bem? É muito arriscado à noite.
— Na-nadar!
Eu pego seu braço. — Primeiro você precisa dormir para ganhar força.
Solto um suspiro de alívio quando ele me permite conduzi-lo de volta ao
caminho. Perto do topo, escalamos a areia, já molhada do orvalho, para nos
encaminhar pelas dunas. Certa de que o estacionamento ainda está vazio, levo
ele de volta para o carro. Por um segundo, ele congela.
— N-Não.
— Não vamos dirigir mais. Eu prometo.
Ele balança seus cachos. — Na-não.
— Ei, — eu o cutuco com o cotovelo, — esta é a nossa grande aventura.
Estamos acampando.
— Aca–acampando.
— Sim. — Eu pego sua mão e levo de volta para o carro. — Não é
emocionante?
Eu ajeito os assentos e os coloco o melhor que posso, enrolando minha
blusa de lã em um travesseiro para sua cabeça e cobrindo ele com minha
jaqueta. Quando seus roncos suaves enchem o carro, permito que minha
fachada caia. Fingir é exaustivo. Não sei se vamos passar a noite ilesos ou de
onde virá a comida de amanhã, mas me preocupar com o futuro é inútil, então
eu simplesmente me concentro em passar a noite.

A MANHÃ ESTÁ
surpreendentemente fria. Eu tremo
na minha camiseta. Meu corpo dói
por causa da posição desconfortável. Muito cautelosa
com os possíveis perigos, não dormi muito. Charlie se mexe,
boceja e me lança um olhar turvo.
Eu seguro sua bochecha. — Como você dormiu?
Ele não responde, mas não precisa. Os círculos escuros sob seus
olhos dizem tudo.
Nós rastejamos para fora dos arbustos. Pego minha
sacola de toalete do carro e encontro uma torneira de jardim
no topo do caminho para a praia, onde podemos lavar o rosto
e escovar os dentes. Dou a Charlie a escova de dentes que
comprei na Quick e o ajudo com sua aparência. Me vestindo
atrás de uma árvore, coloco meu biquíni por baixo do vestido e
tento não pensar no fato de que Gabriel o comprou para
mim. Charlie terá que nadar de cueca até que eu possa fazer
outro plano.
— Fo-fome.
— Eu também.
Não tendo dinheiro suficiente para comida, deixei Charlie terminar a maçã
de seus lanches e encho sua garrafa de refrigerante vazia com água.
— Pronto para mais aventuras? — Eu protejo meu rosto com a palma da
mão, olhando para a estrada que passa pelas casas até o topo da colina.
Charlie geme, mas segue quando eu começo a andar. Depois de uma hora,
chegamos à primeira pequena área comercial. É um shopping que consiste em
uma mercearia, um restaurante Wimpy, um banco, uma farmácia e uma loja de
bebidas. Paro em todas as lojas para pedir um emprego, mas como era de se
esperar, não havia nada disponível. Com uma taxa de desemprego de mais de
quarenta por cento e eu não tendo qualificações formais ou cartas de
recomendação, tenho zero por cento de chance de conseguir qualquer coisa, sem
mencionar que a lei de ação discriminativa não está a meu favor.
Ao meio-dia, chegamos a outra área residencial e a uma praia. Estou
faminta e Charlie está cansado. Paramos em um quiosque de praia que vende
sorvete e cachorro-quente. Eu conto meus últimos centavos no balcão, mas não
é o suficiente para comprar um sorvete para Charlie.
O homem que espera atrás de nós na fila estala a língua. — Eish1, — diz
ele no dialeto local, — você parece estar com fome, senhorita.
Eu me viro para olhar para ele. Ele tem a pele morena e enrugada, como
as pessoas de cor que são uma mistura de preto e branco.
Ele passa por nós e vai até a frente, vasculha os bolsos e tira uma nota,
que entrega ao vendedor. — Dê a esta senhora e a este homem um rolo
de boerewors2.
Eu fico boquiaberta com ele, piscando para
conter as lágrimas. Pelo estado de
suas roupas e a forma como as solas
de seus sapatos balançam quando ele anda,
ele está pior do que nós.
— Não por favor. — Eu levanto a mão. — É muito gentil,
mas não posso aceitar.
Ele faz um barulho e murmura algo em zulu para o homem
que grelha salsichas de carne na churrasqueira a gás atrás do balcão.
Antes que eu possa protestar novamente, o vendedor
coloca dois boerewors com todas as guarnições em nossas
mãos.
Desvio os olhos, com vergonha de termos roubado uma
refeição deste pobre homem, mas faminta demais para recusa
uma segunda vez. — Obrigada.
— De nada.

1 Eish - é uma exclamação expressiva de

surpresa, concordância ou desaprovação do


dialeto Africâner
2 Boerewors é uma tradicional salsicha sul-

africana feita de carne picada, gordura de porco


e especiarias.
Charlie come. Nos sentamos em um banco de frente para o mar para
comer. O pão é torrado e a linguiça de boi grossa e suculenta com gordura. O
molho chakalaka de feijão está pingando com cebola, pimentão e tomate. Tem
a quantidade certa de pimenta para dar uma mordida sem arder. Charlie devora
o dele em segundos e lambe cada gota de molho de seus dedos. Termino metade
do meu e dou o resto a ele.
O homem que nos pagou o almoço passa, uma garrafa de Coca-Cola
debaixo do braço e um pão no outro. Uma jaqueta usada com remendos nos
cotovelos se estende sobre suas costas tortas. Os pontos são visíveis onde o
tecido está puxando uma parte dos ombros.
— Espere! — Eu pulo e corro atrás dele.
Ele se vira e sorri. — Sim?
— Você tem um número? — Eu limpo o cabelo soprado pelo vento do meu
rosto. — Eu posso te ligar quando eu conseguir um emprego para te
recompensar.
— Não é necessário, — diz ele com um aceno de cabeça grisalha, — mas
você terá dificuldade em encontrar qualquer coisa aqui.
— Você não sabe de algo? — Eu pergunto esperançosamente.
Ele ri baixinho. — Se eu soubesse, teria contado.
— Obrigada novamente pela comida.
— Boa sorte. — Com um aceno, ele se foi.
Vamos precisar de mais do que sorte.
Para distrair Charlie, eu o levo para nadar. Ele fica de molho
na água rasa até que seus lábios estejam azuis e
seus dentes batam antes de me
deixar secá-lo com uma toalha. Por
um tempo, ficamos deitados na areia, olhando
para o céu azul e claro. Vai escurecer em algumas
horas. Precisamos voltar para o carro. Enquanto caminhamos, eu
falo e canto para manter a mente de Charlie longe do esforço,
simultaneamente observando os elementos desfavoráveis. Pelo
menos aqui, na área residencial, estamos mais seguros.
No centro comercial, nós nos sentamos no gramado de
um pequeno parque de frente para os fundos das lojas para
descansar. Isso é o que digo a Charlie, mas tenho um motivo
oculto. Quando um garçom do Wimpy traz os sacos de lixo,
digo a Charlie para ficar parado e atravesso a rua correndo.
— Com licença, — eu chamo enquanto me aproximo.
O homem ergue os olhos. Ele tem uma pele lisa e escura
como óleo e seu avental é de um branco imaculado.
— Há algum emprego aqui?
Ele balança a cabeça. — Aikona3.
— Talvez alguma sobra de comida?

3 Aikona- não em africâner


Ele balança a cabeça novamente e joga os sacos na lata de lixo.
— Deve haver algo que alguém não terminou. Eu não sou exigente.
— As pessoas levam para casa o que não comem em sacos de sobras. —
Ele passa por mim e se dirige para a porta.
Eu agarro seu braço. — Por favor. Não me faça vasculhar o lixo.
Ele se solta e bate à porta na minha cara.
Engolindo meu orgulho, olho em volta e, quando não vejo ninguém, levanto
a tampa da lata de lixo e rasgo o saco de cima. O interior é uma versão misturada
de cafés da manhã, almoços e jantares com respingos de café e milkshake. Eu
levanto minha manga e mergulho meu braço até o cotovelo, mas tudo que eu
agarro é mingau. Vai ser mais fácil tirar o saco, mas é mais pesado do que eu
pensava. Eu luto e resmungo, e quando estou prestes a tirar o saco da lixeira,
uma mão se fecha em volta da minha garganta. Soltando um grito, eu largo o
saco.
— Esta é a minha área, — uma voz rosna.
Eu olho para um par de olhos vermelhos. O homem que está me segurando
fede a conhaque. Suas roupas estão oleosas e seu cabelo e barba sujos.
— Desculpe, — eu murmuro, lutando para passar a palavra com a pressão
que ele está colocando na minha traqueia.
Com o canto do olho, observo Charlie. Meu coração afunda quando ele se
levanta, seu rosto franzido de medo.
— Eu não sabia. — Eu levanto minhas mãos. — Eu não
vou mais voltar aqui. Apenas me deixe ir. Meu irmão está a caminho
e vai machucar você. Eu não quero problemas.
Ele olha para Charlie. Quando
ele vê o corpo volumoso do meu
irmão se movendo em nossa direção, ele me
solta. Eu corro para longe o mais rápido que posso, interceptando
Charlie no meio do caminho.
— Va-Val?
Charlie nunca machucaria uma mosca, mas minha ameaça
funcionou.
— Vamos, — digo, pegando seu braço e voltando para a
estrada.
Temos que esperar uma hora até que o último visitante,
um homem que estava correndo na praia com seu cachorro,
saia do estacionamento onde nosso carro está escondido. Só
então entramos no carro e resolvemos passar a noite. Felizmente,
Charlie adormece rapidamente, mas não tenho tanta sorte. Minha
mente trabalha horas extras. Precisamos de dinheiro. As
únicas soluções plausíveis são encontrar um emprego,
roubar um banco ou implorar. Não quero mendigar ou
roubar, mas é difícil conseguir trabalho.
A parte surpreendente é que ainda sinto falta de
Gabriel. Sinto falta de seus braços em volta de mim e de
sua boca na minha pele. Meu corpo precisa dele com
mais intensidade do que nunca. Se ele estivesse aqui, teria me mantido segura,
como me protegeu de Tiny, mas o que ele vai fazer com o meu bebê? Vai me
culpar? Ou me odiar? Ele vai acreditar que foi um acidente, que eu não planejei
esta gravidez para manipular o meu caminho para sair da minha dívida? Não.
Ele não vai acreditar em mim. Um homem como Gabriel nunca escorrega e não
vai entender o fracasso. Havia uma boa razão para ele me dar as pílulas
anticoncepcionais. Ele não vai querer esse bebê. Ele não perdoará ou
compreenderá. Ainda assim, deitada aqui, olhando para o teto do nosso carro
roubado, eu quero correr para ele. Ele é o único homem que desejo e temo
simultaneamente.
Um barulho me tira do meu devaneio. Parece uma lata vazia sendo
chutada no asfalto. Eu olho para Charlie. Por favor, não acorde e entre em pânico.
Se ele fizer algum som, seremos descobertos. O barulho do metal fica mais alto.
O riso segue. Me viro para olhar pela janela traseira. Quatro homens estão
caminhando em nossa direção. Eles estão chutando uma lata de cerveja entre
eles. A ponta vermelha de um cigarro brilha no canto da boca de um dos homens.
Eu fecho meus olhos. Não deixe que eles se aventurem nos arbustos. Meu
coração começa a galopar conforme eles se aproximam cada vez mais, fazendo
um barulho estridente. Caminhar e nadar devem ter deixado Charlie exausto,
porque ele dorme apesar do barulho. Minhas unhas cravam nas palmas das
mãos enquanto espero que eles saiam, mas se sentam na lateral do terreno e,
pela maneira como ficam confortáveis, podem ficar por um tempo. Eles
falam e falam até a conversa virar uma discussão, mas não entendo
o que estão dizendo. Eles falam em Zulu. Um dos
homens coloca um pacote de seis
cervejas no centro do círculo e cada
um abre uma lata. Outro escolhe uma música
em seu telefone e a reproduz no volume máximo. Charlie se mexe,
mas não abre os olhos.
Eles estão ficando mais selvagens, rindo e fumando
maconha. O cheiro é inconfundível. Quando eles pegam facas e
começam a atirar em gatos vadios, começo a suar frio. Além disso,
minha bexiga está cheia e não sei por quanto tempo mais
poderei aguentar. Enquanto os homens estiverem aqui,
estamos presos. A sensação é nauseante. Agora, faria
qualquer coisa para estar de volta nos braços fortes de Gabriel,
exceto sacrificar meu bebê.
Depois de muito tempo, um se levanta e caminha por entre
os arbustos, vindo direto para nós.
Minha garganta se fecha. Eu paro de respirar. A uma
curta distância do nosso carro, ele para e abre a
braguilha. Mirando diretamente em nós, ele se alivia nos
arbustos.
Não deixe ele nos ver.
Uma inclinação de cabeça, uma folha faltando ou o brilho da lua na
carroceria do carro, e seremos descobertos.
Ele se sacode, fecha o zíper e, para meu alívio absoluto, se volta para seus
amigos.
Meu corpo é uma massa trêmula de nervos. Estou tremendo, sentindo frio
no meu interior. Fico acordada, quase sem respirar, observando cada movimento
deles. Depois do que parece uma eternidade, eles se levantam e vão embora. O
ar deixa meus pulmões em uma onda de alívio. Para ficar do lado seguro, espero
dez minutos antes de ousar sair do carro e chegar perto do estacionamento. Não
há sinal dos homens. Eu faço um trabalho rápido de esvaziar minha bexiga atrás
de um arbusto e acendo minha lanterna. No asfalto está uma colher queimada
suja de sangue, uma sacola de plástico vazia e várias latas de cerveja amassadas.
Não podemos ficar aqui. É apenas uma questão de tempo antes de sermos
apanhados, estuprados e assassinados.

A MANCHETE DO JORNAL na banca pela qual passamos na manhã


seguinte não ajuda a acalmar meus nervos. Uma família foi torturada até a morte
em sua casa na noite passada por causa de sua televisão e laptop. Charlie
caminha ao meu lado, mal-humorado e zangado. Este também não é um passeio
divertido para ele. Eu gostaria de poder falar com ele e pedir seu
conselho. Daria tudo por um ombro para me apoiar, para alguém
compartilhar uma pequena parte do meu
fardo. Determinados a não dormir
no carro, hoje caminhamos mais
longe em minha busca por um emprego. No
supermercado, consigo mendigar alguns pães vencidos, e isso nos
mantém em pé por dois dias.
Quando Charlie nada, eu enxáguo suas roupas e as deixo
secar ao sol. À noite, dormimos escondidos entre a grama alta das
dunas. É mais confortável, mas mais frio e úmido. Charlie fica
resfriado, mas me recuso a perder as esperanças. Mais de uma
vez me sinto tentada a sacar dinheiro do banco, ainda tenho a
mesada que Gabriel me pagou, mas, assim que eu fizer isso,
Gabriel saberá onde estamos. Posso muito bem assinar nossas
sentenças de morte.
Depois de uma semana, não dá mais para fingir que é
férias. Charlie não acredita mais em mim.
— Eu quero voltar, — ele implora.
Eu dou uma tapinha em sua perna. — Em breve. — O
que mais eu posso dizer?
Mais uma semana passando fome e me lavando
debaixo de chuveiros frios na praia, e finalmente tirei a
sorte grande. Estamos do lado de fora de uma
lavanderia a seco quando um chinês puxa uma mulher pelo colarinho, gritando
em mandarim. Não entendo uma palavra, mas pela camisa com o buraco
queimado que ele levanta ao gritar, não é difícil entender do que se trata. Ele
volta para dentro e volta com uma bolsa que joga na pobre mulher. Ela chora e
implora em inglês, pedindo desculpas, mas o homem é uma estátua com o dedo
apontando para o norte. Ao perceber que sua imploração não surtiu efeito, a
mulher sai com os ombros curvados, segurando a bolsa contra o peito.
Eu aproveito a oportunidade. Uma hora depois, sou contratada. A única
razão pela qual o homem, Ru, está me aceitando é porque ele pode me pagar em
dinheiro por baixo da mesa. Esta é à sua maneira de evitar impostos, e me
convém. Não há nenhuma trilha de dinheiro que leve até mim. O salário é baixo,
mas ele deixa Charlie ficar comigo enquanto eu trabalho, e pela metade do
dinheiro que ele me paga por mês, ele nos cede um quarto com banheiro e pia
nos fundos. Tem uma porta que dá para a rua para que possamos entrar e sair
livremente quando a loja está fechada.
O quarto está sujo, mas com a ajuda de Charlie, nós o limpamos com os
produtos da loja, esfregando fungos na pia e sujeira do banheiro, cujas origens
não quero considerar. O colchão está manchado de café e sêmen, mas cortei
sacos de lixo de plástico e os colei ao redor da cama.
No dia seguinte, voltamos para buscar minhas roupas no carro, mas a
longa caminhada não vale o esforço. Alguém arrombou o carro e roubou nossos
pertences, até nosso sabonete e escovas de dente. Quando conto a
Ru sobre nosso infortúnio, ele permite que tiremos as roupas da
caixa cheia de roupas de limpeza a seco não
reclamados.
O dinheiro que eu ganho mal
dá para alimentar duas pessoas. Nosso novo
estilo de vida não é muito diferente do antigo em Berea, exceto que
naquela época eu ainda sonhava em fazer um futuro melhor para
nós. Meu sonho pode estar morto, mas minha esperança ainda está
viva. Nós vamos superar isso. Eu trabalho longas horas, suando na
tábua de passar, enquanto Charlie joga paciência na mesa de plástico
no canto que usamos para o almoço. O ritmo é forte e minha
gravidez não ajuda. Nunca estive mais cansada na minha vida.
Eu logo descubro outro motivo pelo qual Ru está feliz por
não ter me empregado com um contrato formal. Ele pode me
tratar como quiser. Ele me obriga a trabalhar doze horas por dia
em vez das oito legais, mas não me atrevo a reclamar. É difícil
colocar um pé na frente do outro depois de passar roupas das seis
da manhã às sete da noite com uma hora de intervalo para o
almoço. Quase todas as noites, adormeço no minuto em que
bato no colchão ao lado de Charlie.
Depois de mais algumas semanas, três meses para
ser exata, meu jeans está se esticando sobre a minha
barriga e não consigo mais abotoar. Não há mais nada
na caixa de roupas não reclamadas para caber em mim,
então mantenho as duas pontas do cós junto com um elástico que enrolo na
casa do botão e ao redor do botão. Algumas mulheres têm sorte e não mostram
muito nos primeiros quatro ou cinco meses da primeira gravidez, mas eu não
sou uma delas. Eu tenho uma barriga definitiva. Se meu chefe percebeu, ele não
disse nada.
A náusea me atinge de vez em quando durante o dia e a noite. Às vezes eu
vomito e às vezes é apenas uma sensação nauseante na boca do estômago que
dura o dia todo. Estou perdendo em vez de ganhar peso, que deve ser por causa
do vômito. O futuro não pode parecer brilhante agora, mas posso trabalhar com
ele. Estamos vivos. Tudo o que tenho a fazer é superar essa gravidez e ter um
bebê saudável.
É abril, durante a primeira semana do meu segundo trimestre, quando
entrego a uma senhora bem arrumada sua lavagem a seco que desmaio.
Eu volto aos meus sentidos, deitada de costas no chão. Alguém está
batendo na minha bochecha. Merda, dói. Ru está curvado sobre mim, falando
em voz alta, palavras raivosas.
— Pare de gritar com ela, — diz a senhora. — Ela precisa de um médico.
Eu empurro meus cotovelos. — Estou bem.
— Você não está. — A mulher olha para baixo, para onde meu suéter
subiu, expondo a calça que mantenho fechada com um elástico. — Você está
grávida.
Isso evoca uma nova maratona de palavras de meu chefe. Ele
as joga em mim com gestos animados, que apontam principalmente
para o meu estômago.
A mulher o empurra para
longe. — Pare agora mesmo ou vou
ligar para o serviço social.
Isso o cala.
— Você precisa ver o doutor, — diz a mulher.
— Estou bem, sério. — Eu a deixei me ajudar a sentar.
Ela franze os lábios enquanto me estuda. — Estou levando
você.
— Não, só preciso de um minuto.
— Não se preocupe, estou pagando.
Quero morrer de vergonha, mas a preocupação com meu
bebê anula meu orgulho. — Tenho que dizer a meu irmão para
onde estou indo, ou ele vai se preocupar.
— Eu vou esperar.
Digo a Charlie para ficar em nosso quarto e trancar a
porta. Quando eu volto para a loja da frente, Ru começa a
protestar novamente.
— Vou denunciar você, — diz a mulher, acenando com
o dedo em seu rosto.
Infeliz, mas encurralado, ele me solta, deixando-o
desamparado no meio de um dia de trabalho.
— Eu sou Cynthia, — ela diz enquanto entramos em seu carro luxuoso.
Não respondo, rezando para que ela não pense que estou retribuindo sua
gentileza com grosseria. Quanto menos alguém souber, melhor.
Ela me leva a uma clínica chique e me apresenta a uma amiga que é
ginecologista. Quando a recepcionista pede meu documento de identidade,
começo a discutir, mas ela me diz que é o procedimento padrão e não consigo
ver um médico se ela não registrar meus dados. Eu não tenho escolha a não ser
entregar o meu. Cynthia dá meu endereço à recepcionista e, quando digo que
não tenho telefone, ela dá o número da loja de Ru.
Como se entendesse meu medo, Cynthia acaricia minhas mãos. — Não se
preocupe. Esta clínica é muito discreta. Ninguém saberá que você esteve aqui.
Depois de um ultrassom e exames de sangue, a médica me diz que estou
bem e meu bebê está saudável, mas estou desnutrida. Ela prescreve vitaminas
e um shake de proteína, que minha boa samaritana compra na farmácia.
— Obrigada, — digo quando Cynthia me deixa na loja. — Não sei como
retribuir.
— Você está passando as camisas do meu marido há mais de três meses.
Além disso, eu estava indo para um almoço caro com uma amiga. Estou feliz por
ter usado melhor o dinheiro.
Sem dizer mais nada, saio do carro e caminho de volta para dentro, onde
encontro um Ru muito zangado.
Ele aponta para minha barriga. — Nenhum bebê. Não quero
nenhum bebê. Vai. — Ele acena com as mãos para mim. —Fora. Vai.
Minha esperança se despedaça e meu
mundo acaba. — Estou bem, eu
prometo. Não vai interferir no meu
trabalho.
— Fora. Amanhã. Nenhum bebê. — Ele me empurra em
direção ao banheiro. — Nenhum bebê. Amanhã. Vai.
Eu destranco a porta e tropeço para dentro em lágrimas,
encontrando Charlie na cama jogando paciência. Olho ao redor do
quarto surrado, mas limpo, com os lençóis baratos que comprei no
mercado de pulgas e as caixas cobertas com
um pano colorido que serve de nossa mesa. Nem sei se o carro
ainda está no mato da praia. Tudo que tínhamos se foi
incluindo meu trabalho.
— Nós ficaremos bem, — eu digo, escovando minha mão
sobre a cabeça de Charlie enquanto eu passo por ele em direção
ao fogão de duas bocas. — Que tal ovos mexidos para o jantar?
Charlie adora ovos mexidos. Eu viro minhas costas para
ele para que não veja minhas lágrimas
desesperadas. Segurando o balcão, eu as deixo fluir. É minha
culpa estarmos nessa bagunça. Se eu não
tivesse escorregado no meu controle de natalidade,
Charlie estaria seguro, aquecido e na cama com a
barriga cheia. Tenho que encontrar uma nova maneira
de colocar um teto sobre nossas cabeças e comida na mesa, mas estou tão, tão
cansada. Não tenho mais forças para lutar esta batalha sem fim pela
sobrevivência. Quanto tempo antes de eu decepcionar meu
irmão e meu bebê? Amanhã, estamos de volta à rua. Oh, Deus, o que vou fazer?
Soluços silenciosos sacodem meus ombros enquanto levanto meus olhos
para o céu e oro por um milagre.
Alguma coisa.
Qualquer coisa.

Gabriel
JÁ SE PASSARAM TRÊS meses e uma semana desde que Valentina
fugiu. Achei que conhecia a agonia quando Sylvia foi embora, mas nada se
compara a essa tortura. Não saber é o pior. Valentina está viva? Ela está
bem? Quando não estou procurando por ela, passo os dias me concentrando nos
negócios e nos fins de semana passando o tempo com a Carly.
A primeira descoberta vem de Magda. Estou examinando nossas
demonstrações financeiras quando ela entra no meu escritório e joga a foto da
placa de um veículo na minha mesa.
— Foi assim que ela saiu.
Largo tudo para olhar a foto. Pela primeira vez em meses, meu
coração congelado começa a descongelar. Meus
dedos apertam o papel brilhante. —
Como você encontrou isso?
— Eu encontrei Jerry.
Isso me lembra o quão poderosa é a rede de minha
mãe. Estou tentando há meses localizar aquele vira-lata de cabelo
laranja, sem sucesso.
— Onde você o encontrou? Como?
— Isso importa? — Ela se senta na beirada da minha mesa. —
Conexões.
Valentina não mexeu em seu dinheiro, o que deixa
apenas uma explicação. — Ele deu a Valentina um carro
roubado. Placa de carro falsa?
— Exatamente.
— E? — Eu prendo minha respiração.
— Nada até agora, mas eu disse que estamos procurando
um carro com essa descrição. Tenho alguns amigos no
departamento de trânsito.
Desde nossa discussão inicial, Magda se tornou muito
mais cooperativa. Quando ela reconheceu que Valentina
poderia potencialmente ter um filho para mim, ela colocou
todo o seu peso no esforço de rastrear Valentina. Pela
primeira vez na vida, tenho a sensação de que nossa
família, pelo menos minha mãe e eu, estamos juntos. Isso não nos faz gostar um
do outro, mas nossos níveis de tolerância são mais altos.
Apesar da minha preocupação e raiva, admiro Valentina por ficar
escondida por tanto tempo. As chances nunca estiveram a seu favor. Era apenas
uma questão de tempo, e essa hora é agora.

UM DIA DEPOIS RECEBEMOS informações do Departamento de Trânsito


de Kwazulu Natal. A boa notícia é que encontraram o veículo. A má notícia é que
está destruído. Os voos de hoje para todos os aeroportos de Natal estão lotados
e mal posso esperar até amanhã.
Uma hora depois, Rhett, Quincy e eu estamos a caminho de Durban. Eu
pego o Jaguar enquanto eles seguem com o Mercedes para que possamos nos
separar, se necessário. Instruo meus guarda-costas a falar com as pessoas que
residem na área onde o carro foi encontrado e visito o local. O que vejo arrepia
meus braços. O carro está escondido atrás de alguns arbustos sob as árvores,
algo inteligente que Valentina faria, mas o estado dele me dá arrepios. Há
degradação na carcaça vandalizada. Os pneus estão faltando, os bancos foram
arrancados, o painel rasgado em pedaços e as janelas estilhaçadas. No meio do
caos, em um círculo de grama preta queimada, está a estrutura
quebrada do carro. Não há como dizer há quanto tempo a destruição
ocorreu, mas o odor pungente de fuligem
ainda cobre o solo. Seu corpo está
em algum lugar nos arbustos,
vandalizado também? Mesmo o contato de Magda
no departamento de polícia me garantindo que a área foi
completamente revistada, não consigo tirar o fantasma desse
pensamento da minha cabeça.
Quincy e Rhett se juntam a mim uma hora depois. Um velho
que morava em uma casa à beira-mar viu uma jovem e um
homem que combinavam com as descrições de Valentina e
Charlie andando pela praia, mas já faz dias desde que ele os
viu pela última vez. Estou prestes a fazer uma busca nas
dunas quando chega uma mensagem de texto do meu hacker.
Bingo.
Valentina Haynes visitou uma clínica particular. Hoje. Eu
fico olhando para o endereço e o número de telefone dela que
aparecem na minha tela, esperando a próxima linha dizer que
é uma farsa, mas nenhuma outra informação segue.
— O que é isso? — Quincy pergunta.
— Rhett, Quincy, tragam o carro. Me sigam.
A voz de Rhett é esperançosa e assustada. — Você
a encontrou?
Não vou azarar minha sorte dizendo que sim. Eu faço meu caminho com
passos largos para o meu carro. Rhett me alcança quando abro a porta.
Ele coloca a mão no meu braço. — Gabriel?
Existem milhares de perguntas na maneira como ele fala meu nome, e eu
entendo cada uma delas. Eu sei o que ele está perguntando. — Eu não vou
machucar ela. Se os dois estiverem lá, leve Charlie para beber até eu dar mais
instruções.
Ele solta a mão, me deixando entrar no carro.
Envio o endereço para Anton, meu Investigador Particular, com instruções
para obter informações sobre a moradia. Quero saber que tipo de prédio é, quem
é o proprietário e se os inquilinos estão registrados.
Os poucos quilômetros que dirijo até o endereço no meu GPS são os mais
longos da minha vida. Cada semáforo está vermelho e parece levar uma
eternidade para mudar. É início de noite quando paramos em frente a uma
lavanderia. A loja já está fechada. Meu ânimo afunda. Eu puxo as informações
que Anton enviou para o meu telefone. A empresa pertence a um imigrante
chinês. Se ele deu um emprego a Valentina, ela não está registrada como
funcionária em seu cadastro. Eu saio e faço um gesto para Quincy e Rhett me
seguirem, armas em punho. A área não é tão ruim quanto o centro da cidade,
mas nunca se sabe. Se necessário, vou esperar aqui a noite toda até a loja abrir
pela manhã. Não vai doer olhar ao redor enquanto isso.
Nós nos movemos ao redor do prédio. Uma luz brilha na única
janela da sala dos fundos, mas uma cortina obscurece a vista. Com
o pulso acelerado, testo a
maçaneta. Bloqueado. Um aceno de
cabeça para Rhett comunica meu
comando. Ele sabe o que fazer. Recuando, ele
mira.
3
Valentina

SECANDO MEUS OLHOS com as costas da minha mão, respiro fundo


algumas vezes e me controlo. Uma coisa de cada vez. Jantar primeiro e depois
fazer as malas. Estou quebrando os ovos em uma tigela quando uma sombra se
move pela janela com cortinas. Meu batimento cardíaco acelera e arrepios
de aviso percorrem a minha pele. Talvez fosse alguém passando na rua.
Prendendo a respiração, apuro os ouvidos e ergo meu olhar. Nenhum som vem
de fora. Não há mais movimento. Vários segundos se passam sem que nada
aconteça. Estou quase deixando o ar sair dos meus pulmões de alívio quando a
maçaneta gira.
A ação é silenciosa e ameaçadora. Alguém está tentando entrar.
Eu não consigo me mover. Escapar. Precisamos escapar, mas a porta da
loja está trancada e Ru é o único com a chave. Mais cinco segundos e então a
adrenalina faz efeito. Eu largo o batedor, procurando por uma arma. Ao mesmo
tempo, avalio a posição de Charlie. Ele ainda está na cama, o que o coloca mais
perto da porta. Pegando a faca de legumes, me coloco com passos silenciosos
entre Charlie e a porta. Graças a Deus pelo treinamento de
autodefesa de Rhett. Minha experiência é limitada e meu estado
físico é fraco. Minha única chance é pegar
nosso atacante desprevenido. Assim
que a porta abrir, vou esfaquear.
Minha mão segurando a arma insuficiente
treme. Charlie olha para cima e nota a faca. Antes que eu possa
silenciá-lo, ele grita. Seu grito quebra minha concentração. Um
baque forte vem da porta. O batente da porta sacode. Quem está de
fora agora sabe que sabemos que ele está lá. O elemento surpresa
está perdido. Não há mais invasão silenciosa. Ele está
derrubando nossa porta.
Quando a porta voa para dentro do quarto, um feitiço
horrível de déjà vu passa por mim. Pela segunda vez esta noite
estou congelada, mas desta vez estou congelada em um
momento no passado. Como na minha memória, Gabriel passa
por cima da madeira quebrada e entra no quarto. Rhett e Quincy
estão em seus calcanhares, mas só consigo me concentrar no
homem de quem fugi e na arma em sua mão.
Ele nos encontrou.
Ele vai nos matar.
Charlie encara os três homens, confusão estragando
suas feições. Desde nosso
primeiro encontro violento com Gabriel, depois de todas
as visitas à casa de Kris, Charlie considera Gabriel um amigo. Quincy e Rhett
bloqueiam a única saída enquanto Gabriel atravessa o chão com seu
característico caminhar manco. Ele veste um terno preto e camisa branca sem
gravata. Seu corpo é tão largo e grande quanto me lembro, e há uma ameaça em
cada linha de cada músculo rígido. A luz fraca do quarto não é suficiente para
esconder as cicatrizes em sua bochecha. Ele perdeu um corte de cabelo ou
dois. Fiapos de cachos alcançam suas orelhas.
Ele para na minha frente e olha para mim com a expressão mais sombria
que já vi. Pela maneira como seu peito arfa, tudo o que está acontecendo dentro
de sua cabeça é intenso. A retribuição é intensa. Matar também. Só posso fazer
uma coisa para tentar salvar nossas vidas.
Eu caio de joelhos e cruzo os braços em volta de suas pernas. Olhando
para ele com toda a súplica que sou capaz, eu sussurro. — Por favor, Gabriel.
A arma em sua mão treme.
Eu não consigo controlar meu tremor. Até minha voz treme. — Não é culpa
de Charlie. Por favor, não o machuque.
— Vamos lá, amigo, — diz Rhett, pegando o braço de Charlie, — vamos
pegar um milk-shake.
— Milk-milk-shake. — Charlie não hesita. Ele confia em Gabriel e,
portanto, em seus amigos.
Eles vão atirar no meu irmão no beco. Eu começo a chorar, abraçando as
pernas de Gabriel com mais força. — Por favor, não o machuque. Eu
farei qualquer coisa, qualquer coisa que você quiser.
Sua postura é passiva quando me olha. O
único movimento é um tique em sua
têmpora. — Eles estão apenas
levando ele para tomar uma bebida.
Para que Gabriel possa atirar em mim sem que Charlie seja
testemunhas?
Rhett e Quincy saem do quarto com meu irmão, me deixando
sozinha com Gabriel. Minhas lágrimas caem mais rápido. Meu
orgulho não me deixa rastejar por mim mesma, mas farei qualquer
coisa pelo meu bebê. Me degradando como nunca fiz, me
ajoelho ainda mais e beijo seus pés, minhas lágrimas
estragando seus sapatos caros.
— Por favor, Gabriel, eu imploro. Por favor, não nos
mate. Eu sinto muito. Me desculpe. Desculpe por fugir, mas não
tive escolha.
Minha respiração fica presa de medo quando ele agarra meu
cabelo e guia minha cabeça para encontrar seus olhos
novamente. Acariciando meu couro cabeludo com o cano da
arma, ele tira um saco plástico do bolso e o balança na frente
do meu rosto. — É por isso que você fugiu?
Quando meus olhos se concentram no objeto, um
suspiro involuntário escapa da minha garganta. Ele
sabe. Eu levanto meu olhar lentamente de volta para o dele. O gelo em seus
olhos azuis perfura meu coração.
Eu balanço minha cabeça, forçando para fora através dos lábios secos. —
Eu não engravidei de propósito. Eu juro por Deus. Gabriel, você tem que
acreditar em mim. Não sei como aconteceu, mas garanto que foi um acidente.
Ele coloca as mãos sob meus braços e me coloca de pé. Sua voz está baixa.
Abatido, quase. — Eu acredito em você.
Eu caio em seus braços. Como ele pode estar tão calmo? A vida que levo
não significa nada para ele. Ele ainda vai me matar. A única questão que resta
é como. Reunindo uma força desumana, eu me afasto e me endireito. — Você vai
atirar em mim?
Ele me olha com um brilho estranho nos olhos. — Não, Valentina, eu não
vou atirar em você.
Eu levanto meu queixo uma fração, ignorando as lágrimas quentes que
escorrem pelo meu rosto e pingam no meu suéter. — Como você vai fazer isso?
— Fazer o que?
— Me matar. Estrangulando? Uma faca? Ou você vai quebrar meu
pescoço?
O gelo em seus olhos estilhaça. Os fragmentos ficam escuros. — Eu não
disse que ia te matar.
Minha fraca bravura escorrega. — O que então? — Eu jogo as palavras
para ele. — Me torturar?
— Prefiro chamar de punição. — Ele agarra meu rosto e enfia
os dedos em minhas bochechas. — Por fugir. Por
colocar sua vida em perigo. Por não
falar comigo antes de fugir
estupidamente.
Mais lágrimas escorrem dos meus olhos, escorrendo pelos
seus dedos. —Eu pensei que você não iria acreditar em mim. Eu
sabia que você ficaria com raiva do bebê.
Seu aperto afrouxa. —Estou com raiva do bebê. — Seus
ombros caem quando ele me solta. — Você deveria ter falado comigo.
Ele vai me forçar a fazer o que eu temia o tempo todo.
— E agora? — Eu sussurro.
— Agora eu a levo de volta para onde você
pertence. Faremos o resto quando estivermos em casa.
O que significa que ele vai me forçar a fazer um
aborto. Colocando minhas mãos sobre o estômago, dou dois
passos para trás.
— Eu imploro, Gabriel. — Meus lábios tremem
violentamente. — Por favor, não machuque meu bebê.
Quando a última palavra sai da minha boca, o momento
congela. Os olhos de Gabriel se arregalam e seu rosto
empalidece, a cor fazendo as cicatrizes em relevo em sua
bochecha ficarem vermelhas. O tempo passa enquanto
ele me encara em estado de choque. O horror que eu
nunca quis ver está gravado em seu rosto, me dando uma visão de sua
alma. Não, ele não estava me levando para casa para um aborto. Ele esperava
que eu tivesse cuidado disso agora. Ele está desapontado porque o problema
ainda está aqui, crescendo na minha barriga.
O feitiço que o mantinha imóvel se quebra, e ele manca de volta para mim.
Somos duas pessoas quebradas em uma situação distorcida com uma vida
inocente presa entre nós, uma vida que já amo mais do que a minha.
— Por favor, — eu imploro quando ele se eleva sobre mim, — vou aceitar a
sua tortura ou punição e prometo nunca mais fugir de você, não importa o que
aconteça, se você deixar meu bebê viver.
— Nosso bebê, — diz ele duramente.
Ele tem razão. É o bebê dele também, mas não somos duas pessoas em
um relacionamento que tomam decisões consensuais. Gabriel decide.
— Sim, nosso bebê, — eu concordo. — Não me obrigue a fazer algo com
que não posso viver. Por favor.
— Você quer este bebê, — diz ele com um toque de descrença, — sabendo
como isso vai complicar sua vida?
— Não é culpa dele que ele foi concebido. Não pode ser desfeito e eu vou
lidar com isso, custe o que custar.
Seu olho esquerdo pula e suas narinas se dilatam. Não tenho ideia do que
ele está pensando, só que é perturbador. Eu entendo por que ele está inquieto.
Eu sei como isso deve parecer. Muitas meninas em minha vizinhança
engravidaram para pegar um homem ou escapar de uma
dívida. Deve ser difícil para ele me conceder o
benefício da dúvida e lutar contra a
ideia de me tornar uma mãe
relutante.
— Não vou pedir nada de você, — continuo apressadamente,
contendo as lágrimas. — Eu não vou tornar este problema
seu. Você não tem nada com o que se preocupar. Não espero seu
dinheiro ou tempo. Eu vou cuidar de tudo. Você nem vai saber que
a criança está lá.
Tudo o que vejo é incompreensão enquanto ele digere
minhas palavras. Por alguma razão, ele parece confuso, é
muito para entender, mas como ele não se opõe
imediatamente, me permito sentir esperança.
— Por favor? — Eu pergunto suavemente.
— Por quê? — É tudo o que ele pede em troca, como se não
conseguisse entender o meu pedido.
— Porque eu já o amo.
— Ele?
— Tenho a sensação de que é um menino.
Ele não diz nada. Ficamos de pé, frente a frente,
enquanto emoções inomináveis se desenrolam entre
nós. Prendo minha respiração enquanto espero por sua
resposta. Minha vida, a vida de Charlie e a vida do meu
bebê estão nas mãos de Gabriel. A próxima palavra que sairá de sua boca será
o veredito que decide o futuro do meu filho, a diferença entre a vida e a morte, e
não posso fazer nada a respeito, porque ainda sou propriedade de Gabriel pelos
próximos nove anos.
O som que estou esperando não vem, mas ele me dá melhor. Ele envolve
seus braços em volta de mim e me puxa para seu corpo. No minuto em que sua
força me envolve, eu desabo, meus joelhos cedendo enquanto minhas mãos
agarram a camisa sob sua jaqueta. Não importa que eu não aguente, porque ele
está lá para me pegar. Respiro seu cheiro picante e limpo, um alívio enorme me
deixando tonta e, agora que não estou mais sozinha, também me deixando fraca.
— Eu estava com tanto medo, — eu sussurro, deixando escapar um
suspiro trêmulo e agarrando suas roupas como se fossem minha tábua de
salvação. — Eu tinha tanto medo todos os dias.
— Shh. Estou aqui agora.
Suas mãos são largas e fortes nas minhas costas, e eu afundo mais
profundamente na força que ele fornece. A maneira como ele me segura é
hesitante. Sinto que ele quer dizer mais, mas depois de outro batimento cardíaco,
ele me pega em seus braços, pega minha bolsa da mesa improvisada e me
carrega para seu carro.
Conheço homens como ele, e sei que o presente que ele acabou de oferecer
é maior do que qualquer um que eu poderia ter esperado. Mais do que acreditar
em mim quando eu disse que não engravidei de propósito, ele me
perdoou por ter fugido e está me permitindo ter um filho que ele não
quer. Ele não precisava. Poderia ter me deixado
em uma clínica com instruções e me
trazido de volta como seu
brinquedo. Homens como Gabriel não se dão
bem com brinquedos grávidos. Uma barriga grande não atenderá
às suas necessidades. Ou talvez eu não seja mais dele. Seja qual
for o caso, estou cheia de alívio. Inclino minha cabeça em seu peito
em gratidão.
Ele abre a porta, me abaixa no banco do passageiro e coloca meu
cinto de segurança. Ele tira a jaqueta e joga a arma no
esconderijo. A jaqueta vai para o console entre nossos
assentos e minha bolsa aos meus pés. Quando ele assume o
volante, me atrevo a perguntar de novo. — Charlie?
Ele aperta meu joelho. — Não se preocupe, linda. Ele vai
ficar bem.
Depois de colocar o cinto de segurança, ele nos conduz para
o trânsito e liga para Rhett no kit viva-voz com uma única
instrução. — Leve Charlie para casa.
Eu inclino minha cabeça para trás, pela primeira vez
em três meses, sem me preocupar em morrer. Com a
adrenalina anterior acabando, me sinto como uma
boneca de pano desbotada. Não me importo com o que
me espera em casa. Tudo o que importa é que estamos seguros.
Gabriel segura meu pescoço e empurra minha cabeça em seu colo, meu
corpo amortecido em sua jaqueta. Eu mantenho meus olhos abertos e absorvo
seu poder. Os músculos de suas coxas se contraem sob minha bochecha
enquanto ele pisa na embreagem e muda de marcha. Eu assisto suas mãos
enormes quando agarra o volante e se encarrega de meu destino. A sensação que
uma vez tive de me colocar em suas mãos, confiando nele para ser um bom
motorista que me levará com segurança ao meu destino, agora é real. Conto com
ele para dirigir seis horas seguidas durante a noite e nos levar para casa. Não
tenho dúvidas de que ele navegará em qualquer armadilha sem adormecer ou
bater o carro. Gabriel é muito decidido, racional e perfeito para isso. Seu peito
sobe e desce com respirações profundas e constantes, a garantia de que preciso
que ele está seguro em seu curso e sabe o que está fazendo. Eu posso baixar
minha guarda. Pela primeira vez, posso contar com outra pessoa para assumir
o controle.
Eu aninho mais fundo em seu colo, deixando seu calor me envolver. A
masculinidade irradia da flexibilidade de seus músculos enquanto ele manipula
o poderoso motor do carro. Ele não ultrapassa o limite de velocidade e isso me
tranquiliza ainda mais. Ele liga o aquecedor e liga o rádio em uma estação de
música clássica que ajuda a me acalmar.
Uma vez na estrada aberta, onde não precisa mudar de marcha, ele passa
a palma da mão na minha cabeça, enredando os dedos no meu
cabelo. Por um tempo, ele esfrega as mechas entre o polegar e o
indicador e, em seguida, acaricia meu ombro e
braço. Ele passa a mão nas minhas
costas e para na minha mão, seus
dedos brincando suavemente sobre o lado da
protuberância que costumava ser minha barriga lisa. Eu me viro
ligeiramente para encontrar uma posição mais confortável, e
Gabriel não muda seu controle sobre mim. Ele mantém as pontas
dos dedos na curva da minha barriga, levemente, mas de
forma protetora.
A lua é visível da janela do passageiro, onde rompe as
nuvens. Ela se move conosco, trazendo as estrelas da Via
Láctea. Há algo reconfortante no som dos pneus rolando no
asfalto e na música tocando suavemente no fundo enquanto
estou encasulada no colo quente de um homem forte enquanto
a noite fria e escura passa do lado de fora. Finalmente, a
segurança confortável e luxuosa de tudo isso me acalma para
dormir. Eu caio em uma toca de coelho de sonhos profundos,
exaustos e loucos, onde uma propriedade como eu é
valorizada.

Gabriel
DURANTE TODO O TRAJETO de Durban a Joanesburgo, minhas
entranhas tremem. Quão facilmente eu poderia ter perdido ela. Ela é uma
sobrevivente, uma das mais fortes que conheço, mas até os sobreviventes
acabam ficando sem sorte. Isto é minha culpa. Este é o meu golpe de
traição. Valentina correu para proteger nosso bebê. Ela acreditava que eu não
iria querer isso. Eu não posso culpá-la. De sua perspectiva, eu sou o monstro, e
é verdade. Só um monstro iria sequestrá-la, e treinar para transar com ele e
depois deixar ela grávida sem seu consentimento. Só um monstro acreditaria no
pior dela, esperando que ela corresse para se livrar de nosso filho. Um bom
homem teria visto as coisas como elas são. Valentina não é capaz de machucar
uma criança por nascer, mesmo que essa criança seja de um monstro.
A culpa dilacera minha mente em todo o caminho de casa. Eu me odeio
pelo que sou e pelo que vou fazer, porque não vou contar a ela. Não vou contar
a Valentina por que ela engravidou. Estou muito carente. Eu quero demais uma
pequena parte de seu afeto e aprovação. Por que fazê-la me odiar mais do que já
odeia? Por que tornar isso mais difícil para ela? Será melhor para nós dois
manter a mentira escondida. Ela nunca precisa saber. É isso que digo a mim
mesmo quando estaciono o carro na garagem.
Enquanto ela dormia, liguei para Magda para informá-la sobre o estado da
situação. Também verifiquei com Rhett como Charlie estava. Eles
estavam atrás de mim por uma hora. Eu os instruí a deixar Charlie
dormir na guarita quando chegassem. Foi uma
longa viagem de doze horas de ida e
volta para Durban, mas mal sinto a
tensão. Força sobre-humana me impulsiona
no que diz respeito à minha mulher e meu filho. Uma olhada no
relógio do painel me diz que são três da manhã. A casa está quieta,
todos dormindo. Melhor assim. Quero um tempo a sós com
Valentina antes de enfrentar Magda e o resto da equipe.
Meu pacote precioso se agita quando eu a tiro do carro e
a carrego para dentro, mas pressiono seu rosto contra meu
peito, insistindo que não interrompa o sono. Eu a levo para
cima e a deito na minha cama, tentando não a perturbar muito
quando tiro suas roupas. Depois de me despir, fico sob as
cobertas ao lado dela e a puxo contra o meu peito. Meu corpo se
molda ao dela, cada parte exatamente como eu me lembro, exceto
pela curva suave de seu estômago que pressiona mais
profundamente em minha virilha. O resto dela perdeu
peso. Seus ombros ossudos e braços finos cortam
diretamente minha consciência, e ainda sou perverso o
suficiente para ficar duro. Eu quero possui-la e
reverenciá-la por não a tocar. Com toda a força de
vontade que possuo, eu forço meu pau para baixo. Por
enquanto, sua mente está em um mundo subconsciente, e como o bastardo que
sou, eu seguro seu corpo nu enquanto ela não pode me negar.

Valentina

A VIGÍLIA ME PUXA, mas não estou pronta para abrir os olhos. Ainda
estou no meu casulo, quente e segura, só que agora está mais macio e
confortável. Lentamente, a realidade retorna. Estou em uma cama, em um par
de braços fortes. Nua. Eu levanto minhas pálpebras para encontrar Gabriel me
observando. Imediatamente, fico tensa. Quando ele vai me mandar para a
academia para minha punição? Conforme a rigidez invade meus músculos, seus
olhos ficam duros e seu rosto deformado se transforma em uma máscara fria,
mas ele não afrouxa seu controle.
Sua voz está cortada. — Como você está se sentindo?
Eu coloco meu cabelo atrás da orelha, sem graça com a nossa nudez. Já
se passaram três meses e meu corpo mudou. — Bem, obrigada.
— Fique. — Ele tira o edredom de seu corpo, mas garante que estou
coberta.
Sua bunda dura se contrai e os músculos de suas costas se flexionam
enquanto ele caminha para o banheiro. Um segundo depois, a água
do chuveiro é aberta.
Sem saber o que fazer, olho ao
redor do quarto familiar. O mesmo
equipamento médico de antes ainda
está aqui. Não vou ficar deitada na cama esperando
minha punição nua. Me levanto e vou até o armário para pegar
emprestada uma de suas camisetas para poder chegar ao meu
quarto com minha modéstia intacta, mas quando abro a gaveta de
cima minhas camisetas estão cuidadosamente dobradas na
prateleira. Assim como minhas calcinhas, shorts e
camisolas. Gaveta após gaveta guarda minhas roupas, assim
como roupas novas que eu nunca vi. Eu levanto uma blusa
para ler o rótulo. Tudo está do meu tamanho, ou pelo menos
do meu tamanho antes da gravidez. Perplexa, eu examino o
armário. Meus jeans, vestidos, jaquetas e calças estão
organizados por cores.
— Isso não vai caber agora, — sua voz profunda diz atrás
de mim.
Eu pulo e giro. Gabriel está parado na porta, uma
toalha enrolada em sua cintura e seu peito molhado com
gotas d'água. Instintivamente, cubro meus seios e abaixo
do estômago, um rubor quente percorrendo meu
corpo. Sem olhar para minhas partes nuas, ele pega uma camiseta da prateleira
de cima e a entrega para mim. É uma dele.
— Teremos que fazer algumas compras, — diz ele.
Eu puxo a camiseta sobre a minha cabeça rapidamente. Felizmente, a
bainha chega aos meus joelhos. Eu aponto para os armários. — Eu não entendo.
— Mandei mudar suas coisas.
— Por quê?
Ele tira uma camisa e deixa cair a toalha. Eu tenho que desviar o olhar
quando ele começa a se vestir. — Vamos corrigir a situação das roupas o mais
rápido possível. Peço desculpas por isso.
Mais confusa do que nunca, digo. — Você não poderia saber. Que ainda
estou grávida, quero dizer.
O olhar que ele me dá é estranho. Uma sombra invade seus olhos. Ele
veste uma calça, sem se preocupar com a cueca.
— Como foi que você descobriu? — Eu pergunto com cuidado.
— Rhett estava preocupado com você.
— Ah. — É uma boa maneira de me dizer que Rhett me delatou sem culpar
Rhett.
Me sentindo cada vez mais desconfortável, encontro uma calcinha e visto
uma das calças de moletom de Gabriel com um cós elástico que se ajusta à
minha cintura arredondada. Tenho que dobrar as pernas várias vezes.
— Volte para a cama, — diz ele com uma expressão sombria.
Não aguento mais a tensão. — Gabriel…
Ele se vira para mim. — Valentina?
— Apenas me leve para a
academia e acabe com isso.
Por um segundo, dois segundos, três
segundos ele me encara, então ele atravessa o chão e coloca as
mãos nos meus ombros. — Eu nunca vou te machucar enquanto
você estiver grávida.
O ar deixa meus pulmões em um jorro. Estou aliviada, mas
não segura. —Só depois?
Ele não responde. Apenas aponta para a cama e me faz
voltar para ela.
— Não se mova.
— Charlie?
— Mais tarde.
Ele beija minha testa e sai do quarto. O que
devo fazer? Dormir? Não estou pronta para testar a paciência de
Gabriel, eu fico parada. A porta se abre nem cinco minutos
depois, e Marie entra com uma bandeja. Ela me dá uma
carranca e joga na mesa de cabeceira. Há ovos, bacon,
torradas, feijão cozido e café. O cheiro da comida me deixa
enjoada, mas luto contra isso. Antes que eu possa dizer
obrigada, ela se foi.
Gabriel não me deixa em paz por muito tempo. Quando ele retorna, é com
o Dr. Engelbrecht. Uma carranca percorre suas feições quando ele olha para a
comida intocada, mas não diz nada. O médico faz testes semelhantes aos que fiz
em Durban e anota tudo em seu computador.
— Eu sei que é difícil quando você está se sentindo mal, — diz o médico,
— mas se você não quiser alimentação intravenosa, terá que comer alguma coisa.
— Ela vai tentar, — diz Gabriel.
Assim que o médico sai, Gabriel me lança um olhar penetrante. — Vista o
casaco e os sapatos.
— Onde estamos indo?
Ele tira a jaqueta do gancho, mas não responde.
Não tenho escolha a não ser obedecer e seguir ele até o carro. Antes de
ligar o motor, ele beija a junta do meu polegar amputado e coloca minha mão
em sua coxa. Nós dirigimos em silêncio. Só quando estacionamos do lado de fora
de um prédio de tijolos vermelhos é que me atrevo a interrogar ele novamente.
— Gabriel, o que está acontecendo?
Ele desliga o motor e me encara de frente, seu corpo um bloco de músculos
rígidos que ocupa todo o espaço do seu lado do carro. Apertando seus dedos nos
meus, como se esperasse que eu me afastasse, ele disse em uma voz inabalável.
— Vamos nos casar.
4
Valentina

— O QUE? — Eu chio.
Tento me afastar, mas ele me segura, um aviso silencioso rastejando em
seus olhos.
— Vamos nos casar, — ele repete.
— Agora?
— Aqui, agora, hoje.
Se ele me desse um soco no estômago, não conseguiria tirar meu fôlego
com mais força. — Por quê?
Ele me lança um olhar equilibrado. — Você está grávida do meu bebê.
Estou me sentindo mais histérica a cada momento. — Isso não significa
que você tem que se casar comigo.
Ele me solta, abre a porta e dá a volta no carro para abrir a minha.
Quando não me mexo, ele abaixa a cabeça. — Saia do carro, Valentina.
Agora.
Chutar e gritar não vai me fazer bem. Ele vai me carregar para
dentro do prédio, se for preciso. Minha única
chance de sair dessa é argumentar
com ele.
Eu saio com as pernas trêmulas,
segurando a porta para estabilidade. —Você não precisa se casar
comigo só porque estou grávida.
Ele estreita os olhos. — Você acha que não vou assumir minha
responsabilidade?
— Eu te disse, não espero nada de você.
Ele coloca o nariz a um fio de cabelo do meu. — A ideia
de que estou fazendo isso para te proteger passou pela sua
cabeça?
O soco que ele me deu antes não é nada comparado a
este nocaute.
— Você sabe quantos inimigos eu tenho? — Ele continua
agarrando meus braços. — Você sabe o que eles farão com você
para chegar até mim? A única coisa que torna intocável
qualquer pessoa no negócio é ser família.
Tudo o que ele diz é verdade. Eu sei como o negócio
funciona. Meu filho ainda não nasceu e já tem uma
espada pendurada sobre sua cabeça. O fato de ele
ser filho de Gabriel é o suficiente para colocar nossas
vidas em perigo. Eu entendo o que ele diz, mas casamento não é o que eu
quero. Não é o que Gabriel quer. Assim não. Casamento é por amor.
— Tem de haver outro jeito.
— Este é o único caminho. Você pode fazer isso da maneira mais fácil ou
lutando. O juiz foi comprado. Ele não se importa se você disser sim ou não. Nós
vamos nos casar.
Seus dedos cavam em meu braço enquanto ele me puxa escada acima e
porta adentro. Alguns de seus homens o seguiram de carro e estão guardando a
entrada. Ele não me dá tempo para protestar ou falar até que paramos em frente
a uma porta com uma placa de metal que diz Juiz EL Viljoen.
Eu recuo quando ele avança. Ele se vira com um olhar irritado.
— Gabriel.
— O que?
Corro minhas mãos suadas sobre o casaco justo que não vai mais prender
na minha barriga, para secar as palmas. — Acho que vou ficar doente. — A bile
sobe na minha garganta.
Ele segura meu rosto. Pela primeira vez desde que conheci Gabriel, seus
olhos se enchem de algo como ternura. — Respire fundo. — Ele me dá um beijo
forte e possessivo e me conduz para dentro.
Apenas cinco minutos depois, estamos casados.
Marido e mulher.
A náusea que consegui controlar ferve. Quase não saímos
antes de esvaziar meu estômago em um canteiro de flores. Gabriel
está ao meu lado, seu braço sob meus
ombros. Ele segura meu cabelo
longe do meu rosto e esfrega minhas
costas enquanto vibrações secas destroem
meu corpo. Lágrimas se misturam à minha angústia, sacudindo
meus ombros.
— Está tudo bem, linda. Inspire e expire.
Respiro fundo e tiro um pouco de dignidade do fundo do poço
do meu controle, o suficiente para endireitar minhas costas e suprimir
mais lágrimas.
Gabriel me leva de volta para o carro e aperta meu cinto
de segurança. Em estado de choque, eu fico olhando para o aro
de platina com o diamante flutuante no meu dedo anelar que
combina com o dele, exceto que o dele tem um diamante preto. O
meu se encaixa perfeitamente. De jeito nenhum ele pediu os
anéis esta manhã. Ele já os tinha antes de saímos de casa. O
casamento apressado não foi algo que ele planejou ontem à
noite.
Ele entra e passa o polegar pelo meu queixo. — Se
sentindo melhor?
Eu levanto minha mão esquerda, os dedos
abertos. — Há quanto tempo você está planejando isso?
Sua expressão fica cautelosa. Ele liga o motor e coloca o carro em marcha.
— Desde que encontrei o teste de gravidez.
— Por que você está fazendo isso? Por que desistir de sua vida de solteiro
para me proteger? — Sério, por que ele se importa? — Minha dívida não pode
valer muito para você.
Em vez de responder, ele sai, seus guardas o seguindo. Dirigimos em
silêncio até chegarmos à estrada em direção a Lanseria.
— Onde estamos indo?
Ele segura meu joelho. — Precisamos de um lugar tranquilo para
conversar.
— Charlie...
— Vai ficar bem. Rhett e Quincy estão cuidando dele. Hoje é sobre nós.
Minha preocupação não diminuiu completamente, mas não tenho escolha.
Eu tenho que confiar em Gabriel. Agora que estamos de volta, tenho que avisar
Kris. Eu odeio ter feito ela se preocupar.
— Você se importa se eu ligar para Kris?
Ele pega o telefone do suporte do carro e o entrega para mim.
— Obrigada.
Gabriel tem o número dela salvo em seus contatos. Por que isso não me
surpreende? Ela atende com uma saudação apressada.
— Kris, é a Valentina.
— Val! Onde você está?
— Joanesburgo.
— Você está bem?
— Estou bem. Estamos bem.
— O que aconteceu? Gabriel
encontrou você?
Eu olho para ele, sabendo que ele pode ouvi-la, mas seu
rosto é uma máscara estoica.
— Sim, — eu digo.
— Me diz o que aconteceu. Estou ficando louca.
— Prometo explicar tudo, mas não por telefone.
— Quando posso ver você?
Eu olho para Gabriel.
— Amanhã, — ele diz.
— Amanhã, — eu repito.
— Hoje. Você me deve a porra de uma explicação.
— Você está certa. — Eu esfrego meus olhos. — Mas eu não
posso fazer isso agora. Vai ter que esperar.
— Val...
— Kris, por favor.
Ela deve ter ouvido o desespero em minha voz, porque
depois de um suspiro, ela diz. — Tudo bem. Amanhã e não
um dia depois. Estarei esperando.
— Sinto muito por fazer você se preocupar.
— Estou feliz que você esteja segura. Conversaremos amanhã.
Não sei como vou explicar. Eu tanto temo o julgamento de Kris e anseio
por seu apoio.
Devolvo o telefone a Gabriel e olho pela janela. Estamos indo em direção a
Magaliesburg, passando pelo aeroporto.
— Como você está se sentindo? — Ele pergunta.
— Enjoada.
Eu juro que há uma sugestão de um sorriso malicioso em seu rosto.
— O que é tão engraçado? — Eu estalo.
Há uma contração definitiva em seus lábios desta vez. — É fofo.
— É fofo que eu tenha vontade de vomitar?
— É fofo que você esteja tendo sintomas de gravidez.
Ele coloca a palma da mão na minha barriga, mas a afasta imediatamente,
como se estivesse preocupado que seu toque fosse indesejável. O triste e doentio
é que fico gelada quando seu toque acaba. Só o orgulho me impede de pedir a
ele para me abraçar.
Depois de trinta minutos, a estrada começa a serpentear montanha acima.
Normalmente não fico enjoada, mas a estrada sinuosa não ajuda. Tenho que me
concentrar na minha respiração para não esvaziar meu estômago novamente.
Ele dá uma tapinha no meu joelho. — Quase lá.
Eu fecho meus olhos e inclino minha cabeça contra o encosto de cabeça.
Quando os abro novamente, passamos pelos portões do Monte
Grace. Eu me sento mais reta. Sempre quis vir aqui. Ouvi dizer que
é lindo.
É isso e muito mais. O resort
da montanha está escondido nas
colinas verdejantes, rodeado por uma
floresta. O edifício principal tem paredes de pedra e telhado de
palha. Tudo indica luxo e taxas exorbitantes. Quando
chegamos ao saguão onde vários hóspedes bem-vestidos conversam,
fico constrangida com minhas roupas, mas o braço de Gabriel está
em volta do meu corpo, me protegendo contra seu corpo. Um concierge
corre para a frente e cumprimenta Gabriel pelo nome.
— Seu quarto está pronto, senhor. Gostaria que eu o
acompanhe?
— Nós vamos tomar café da manhã, primeiro. Minha
esposa está grávida e ela precisa comer.
— Claro. O que o senhor deseja?
— Tudo, — diz Gabriel, — e meus homens vão pedir do
menu.
—Sim senhor.
Os guardas de Gabriel o seguem, mas eles mantêm
distância suficiente para nos dar privacidade. Somos
conduzidos a um jardim interno onde uma mesa é posta
com talheres e porcelana fina como papel. Trepadeiras
perenes ornamentam as paredes de vidro que dão uma vista das montanhas e
do vale.
— Não está muito frio? — Gabriel pergunta enquanto pega meu casaco.
Há um toque no ar de outono e o dia está nublado. — Está quente o
suficiente aqui dentro, obrigada.
Ele me ajuda a sentar antes de se sentar na cadeira oposta. Um garçom
chega com café e uma variedade de chás de ervas. Opto por uma infusão de
menta, porque o café não combina com o meu estômago, ultimamente. Mais
garçons depositam travessas de prata cobertas nas mesas que revestem a parede
lateral. Eles levantam as tampas para revelar todo tipo de comida de café da
manhã imaginável. São salsichas, bacon, batatas fritas, ovos, mingaus,
panquecas, cereais, frutas, nozes, croissants, pastéis doces, queijos e uma
variedade de cortes de carnes frias. Os homens de Gabriel não estão sentados
conosco, mas há comida suficiente para alimentar dez vezes o pequeno exército.
— Isso é muito, — eu protesto.
— Eu não sabia o que você poderia engolir. Além disso, não queria perder
tempo examinando um menu. Era mais fácil simplesmente pedir tudo.
— Os guardas podem comer conosco. Pelo menos nem toda a comida será
desperdiçada.
— Os guardas estão bem. — Ele se vira para o chefe dos garçons. —
Empacote tudo o que não comemos e entregue no abrigo para sem-teto.
— Certamente senhor.
Gabriel se vira para mim. — Pronto. Feliz?
— Devemos servir, senhor?
— Vamos dar um jeito,
obrigado.
O pessoal sai discretamente, nos
deixando sozinhos.
— Precisamos colocar um pouco de comida em seu corpo, —
diz ele. — O que você gosta?
— Apenas algumas frutas. — Eu olho para a comida. — Sinto
muito, mas o cheiro de todo o resto me deixa enjoada.
— Nunca se desculpe por como você se sente. — Ele se
levanta e coloca uma seleção de frutas em um prato, que leva
para a mesa. — Laranja? — Ele espetou um pedaço em um
garfo e o levou à minha boca. Pedaço por pedaço, ele me
alimenta até que metade do prato acabe e eu garanto que não
posso comer mais nada. — Você não comeu o suficiente em
Durban. — Sua expressão fica sombria. — Seu estômago
provavelmente encolheu. Teremos que consertar isso.
— É só a gravidez. Você não está com fome?
A maneira como seu olhar me percorre detona faíscas
na minha pele. Ele ainda me quer, e meu corpo não parou
de querer ele. Nem por um segundo. Nem mesmo depois
que ele me intimidou para esse casamento. O velho
condicionamento entra em ação. Minha calcinha fica úmida quando ele pega
minha mão e esfrega o polegar no meu pulso.
Tão rápido quanto ele pegou minha mão, ele a soltou. Um silêncio
desconfortável se segue enquanto ele se serve de um café da manhã inglês
completo e come enquanto eu bebo meu chá.
Ele só fala novamente quando empurra o prato vazio de lado. — Nós
precisamos conversar. Eu sei que você não quer isso, Valentina, mas não há
como voltar. Você me perguntou por que desisti da minha solteirice para te
proteger. Você vai ser a mãe do meu filho. Você e nosso filho são minha
responsabilidade e nunca tive medo de minhas responsabilidades. Você é família
agora. Sua dívida foi apagada. Você nunca mais terá que temer por sua vida ou
pela vida de Charlie novamente. Vamos ser uma família e sei que não será fácil.
Tudo que peço é que você tente. Não vou negar a você nada que esteja ao meu
alcance para dar. Peça e você terá tudo o que seu coração deseja.
Eu engulo no final de seu discurso. — Charlie e eu, não devemos nada
para você?
— Você não tem mais dívidas.
O que ele oferece é nobre, mas tenho que entender se somos iguais. — Você
está dizendo que eu sou livre?
Uma expressão de pedra substitui sua ternura anterior. — Não.
— Então, nada mudou em termos do que devo a você.
Ele se recosta na cadeira, colocando distância entre nós. —
Oh, mas fez. Tudo mudou. — Ele segura meus olhos. — Antes, eram
nove anos. Agora, é para sempre.
A declaração me assusta. Eu
mordo meu lábio para parar de
tremer. Que esperto. Ele mudou o jogo, as
regras e as implicações. O que eu pensei que um anel no meu dedo
significava? Ainda sou um brinquedo. A única diferença é que
desta vez é para toda a vida.
Inclinando sobre a mesa, ele agarra meu queixo, mas não há
nada de terno no gesto. É dominante e brusco. — Será mais fácil para
nós dois se você não deixar sua decepção aparecer tão
facilmente.
Com um movimento de cabeça, eu me liberto. — Por que
deve ser para sempre?
— Você é minha, Valentina. Eu nunca vou deixar você ir.
— Por quê? — Eu sussurro de novo, precisando tanto
entender que faz um buraco na minha alma.
— Eu não preciso de um motivo. Quando te vi pela
primeira vez no Napoli, eu queria você, então a tomei. Agora,
eu decidi ficar com você.
A xícara de chá está tremendo tanto na minha mão
que preciso largar. —E o que eu quero?
— Eu disse que faria tudo ao meu alcance para te
fazer feliz. Nosso tempo juntos não precisa ser
miserável. Isso pode ser bom. Basta aceitar do jeito que está e as coisas serão
mais fáceis para você.
A parte de mim que precisa ser amada se rebela. — Eu ainda sou sua
propriedade.
— Como minha esposa, você será respeitada e protegida.
— Contanto que eu fique.
Sua expressão escurece. — Você fugiu de mim uma vez, mas não vou
deixar você correr duas vezes. Na próxima vez que acontecer, a pessoa que vai
sofrer é Kris. Vou arruinar ela, quebrar tudo o que ela construiu em sua vida e
matá-la. Você entende?
A comida empurra de volta para minha garganta. Parece que uma faca está
se torcendo em meu estômago.
— Eu te fiz uma pergunta, Valentina.
Lágrimas embaçam minha visão. Eu não quero chorar na frente dele. Eu
não quero que ele saiba que tem um efeito sobre mim. Piscando para afastar a
umidade, dou a resposta que ele deseja em uma voz rouca de lágrimas
reprimidas. — Sim.
— Bom. — Empurrando sua cadeira para trás, ele dá a volta para o meu
lado da mesa e envolve seus braços em volta de mim. — Com o tempo, você vai
se acostumar com isso.
Eu não digo nada. Um conhecimento profundo me pressiona. Gabriel é um
homem de palavra. Ele fez o que disse que faria. Ele encontrou um
novo gatinho e, desta vez, não vai deixá-lo ir. Tudo o que posso fazer
é levantar uma barreira protetora ao redor do meu
coração. Para sobreviver a esse novo
arranjo, preciso ser forte, mas as
primeiras rachaduras já estão aparecendo. Ele
vai me quebrar, afinal.

DEPOIS DO CAFÉ DA MANHÃ do casamento Gabriel me


leva para um passeio no jardim. Fiel à sua palavra, ele tenta
tornar a situação boa para mim. Ele coloca o braço em volta
dos meus ombros, garantindo que eu não escorregue nas
pedras que estão molhadas de orvalho, e aponta espécies de
pássaros.
À beira de um lago, paramos para admirar a vista.
— Eu estava pensando, — diz ele, — que talvez você gostaria
de fazer um trabalho de caridade.
Eu olho para ele rapidamente.
— Agora que você não está estudando nem
trabalhando, — ele continua, — terá tempo disponível. Eu
sei que você queria ser uma veterinária, — ele esfrega
um dedo sobre a junta do meu polegar perdido, — mas
que tal começar um programa de resgate de cães? Vou patrocinar todo o dinheiro
que você precisar.
É muito, muito rápido. Eu não fiz as pazes com meu novo futuro, ainda.
Preciso de tempo para que tudo se encaixe e se ajuste às minhas novas
circunstâncias.
— Obrigada. Vou pensar sobre isso.
Ele toca minha bochecha. — Você está pálida. Ainda está com náuseas?
— Um pouco.
— Vamos. Vou te levar para o quarto.
Não pergunto por quanto tempo vamos ficar ou por que, presumindo que
essa seja a nossa pretensão de lua de mel.
O quarto é espaçoso e confortável, com decoração em cores neutras. Não
temos bagagem, mas o banheiro está abastecido com tudo que eu preciso,
incluindo escova de dentes, pente, roupão fofo e chinelos. A banheira fica contra
uma janela de vidro do teto ao chão que revela a vista mais deslumbrante do
vale.
— Você se importa se eu tomar um banho? — Eu pergunto. — Estou me
lavando em uma bacia há três meses.
Uma sombra cruza seu rosto quando menciono a bacia, mas ele não
comenta sobre isso. — Sente-se aí. — Ele aponta para a cadeira de vime no
canto. — Vou preparar um banho para você.
Emocionalmente, me sinto esgotada. Eu me jogo na cadeira,
observando Gabriel preparar um banho com óleo que cheira a
lavanda. Minha vida não é mais minha, mas estou
cansada demais para lutar contra
isso. Às vezes, nadar rio acima se
torna muito cansativo. Será terrível se eu,
apenas por um tempo, seguir o fluxo? Talvez quando eu recuperar
minhas forças eu lute de novo, mas agora não é esse momento.
— Venha aqui, — diz Gabriel quando a banheira está cheia de
água fumegante, estendendo a mão.
A desobediência tem um preço. Ficando de pé, cruzo o chão e
paro na frente dele. Um momento de silêncio se segue
enquanto ele olha para mim, seus pensamentos impossíveis de
ler. Quando ele finalmente age, é com movimentos
determinados e fortes. Não há nada de inseguro ou hesitante
na maneira como ele agarra a bainha da camiseta e a arrasta
sobre minha cabeça. Enterrando os dedos sob o elástico da
minha calcinha, ele empurra a calcinha e a calça de moletom para
o chão. Enquanto seus dedos deslizam sobre minhas pernas
até meus quadris, meu corpo aquece, ganhando vida sob a
leve carícia. O poder de seu toque é familiar. Estou devastada
e em êxtase ao descobrir que sua magia ainda funciona
em mim. Eu anseio por seu corpo, mas me sinto
culpada por querer o homem que me amarrou a ele com
as correntes inviáveis do casamento, e pior, o destino de
Kris. Como sempre, ele não me deixa escolha. Sou impotente para evitar seu
toque ou minha excitação. Sou impotente para fazer qualquer coisa além de
sentir.
Uma vibração de antecipação nervosa corre pela minha barriga,
queimando meu núcleo enquanto suas mãos prendem minha cintura. Em vez
de me levar para a banheira, ele me leva de costas para a janela até que minhas
costas pressionem o vidro. O frio nítido do ar do outono penetra minha pele, mas
o calor desce pela minha espinha. Ele me arruma como uma borboleta presa
numa moldura e dá um passo para trás. Por vários segundos, ele apenas olha
para mim, seu olhar indo do topo da minha cabeça até a ponta dos pés. Há fogo
em seus olhos, mas são suas mãos que eu quero. Eu anseio por elas em mim
com um desespero que faz minha respiração superficial e meus seios pesados.
Quando ele finalmente se aproxima de novo, suas roupas roçam minha pele.
Preciso de todo o meu autocontrole para não me esfregar contra ele em busca do
contato de que preciso.
Segurando meus olhos, ele alcança entre minhas pernas. Meu corpo treme
quando ele contorna levemente minhas dobras.
— Vou entender se você não quiser, — diz ele. — Eu sei como é com uma
mulher grávida.
O fato de ele estar me dando uma escolha é uma grande surpresa. É a
última coisa que esperava dele. Mas sim. Eu o quero lá e mais fundo. Pegando
sua mão, eu guio seu dedo médio para dentro.
Ele solta um gemido e encosta sua testa na minha. — Você
está molhada. Eu treinei seu corpo muito bem.
Não há como discutir esse
fato. Todas as noites longas e
assustadoras de minha liberdade eu ansiava
por ele, pela maneira como ele agora reúne minha umidade e a
espalha em meu clitóris. Eu suspiro quando ele pressiona a ponta
do dedo na protuberância e mantém a pressão sem me dar o
estímulo de que preciso. Forçando meus quadris a ficarem imóveis,
espero permissão para ter minha liberação. Sua respiração persegue
meu rosto enquanto ele mantém a postura, seu pau duro
contra meu quadril.
Sua mandíbula flexiona enquanto ele range os
dentes. Não sei por que, mas ele luta por me
querer. Eu? Já desisti há muito tempo. Eu sou uma garota
realista. Eu sei que sou um objeto, algo para satisfazer seus
anseios sexuais por domínio e manipulação de meu prazer, mas
comecei a aceitar seu controle sobre meu corpo enquanto estou
chegando a um acordo com meu novo cativeiro. Eu nunca
serei livre ou amada, e eu não vou me negar a única coisa que
tenho, paixão física inigualável. Se é a isso que minha vida
foi reduzida, vou pegar o que puder. Não sou
masoquista o suficiente para recusar migalhas de pão
quando estou morrendo de fome. Aí serão outras coisas
que podem preencher o buraco no meu coração e o desejo ardente de amor em
minha alma. Uma carreira, um filho, encontrando alegria e gratidão a cada
momento. Neste momento, posso ter um pedaço de Gabriel dando a ele o que ele
mais deseja. O meu prazer. Minha submissão.
Pegando seu rosto lindo, masculino e cheio de cicatrizes, guio seus lábios
para o meu peito, mostrando a ele o que estou preparada para receber e dar.
— Valentina. — Meu nome é um som quebrado em seus lábios. Ele escova
sua boca sobre meu mamilo. — Você tem certeza disso?
Eu arrasto minha mão por seu cabelo, puxando as mechas. — Não é isso
que maridos e esposas fazem na lua de mel?
Ele olha para mim com o tipo de intenção que é forte o suficiente para
assustar. — Não. — A palavra está carregada. Ele solta um bufo de controle
tenso. — Isso é não como maridos e mulheres se comportam.
Eu sei o que ele quer dizer. Maridos e esposas fazem amor. Eles não se
devoram com uma fome que beira a obsessão, com algo tão perversamente
prazeroso que parece errado.
O ar deixa seus lábios em um jorro, um momento de entrega sublime. A
luta para manter sua distância se funde no beijo que ele planta no meu peito. Ele
geme quando sua língua toca a ponta. Com uma recuperação de sua respiração,
ele me puxa mais fundo.
Meus joelhos dobram com a ardência de sua boca enquanto ele lambe e
morde. Se foi o algodão em que ele me envolveu antes, e de volta
está o homem em quem sou viciada. Ele solta meu sexo para apertar
meu outro seio entre seus dedos. Sua boca se
move para aquele pico, sugando com
uma força que puxa o sangue para
a ponta ingurgitada. Quando eu gemo, ele me
solta com um pop.
Ele esfrega a palma da mão sobre a curva. — Jesus, eu te
dei um chupão no peito.
Eu não me importo. Meu corpo já mostrou suas marcas antes,
marcas mais duras do que a mancha vermelha em meu peito. Seu
nome sai dos meus lábios carentes e sem fôlego.
O desejo contido substitui a aparência de predador de
um momento atrás. Mais uma vez, Gabriel está no
controle. Ele se ajoelha na minha frente e coloca minha perna
por cima do ombro. Cruzando as mãos em volta da minha
cintura, ele me ajuda a manter o equilíbrio enquanto sua boca
vai até a junção das minhas coxas. Ele me observa enquanto
provoca minhas dobras com a língua, passando a ponta sobre
minha carne aquecida. Quando ele morde levemente meus
lábios, eu empurro e tento me afastar, mas suas mãos
grandes me mantêm no lugar. É a maneira extenuante
com que ele chupa meu clitóris e passa os dentes sobre
a protuberância dolorida que faz meus dedos se
curvarem com prazer insuportável. Ele se afasta, o
tempo todo segurando meus olhos, e separa os lábios da minha boceta. Seu
olhar deixa o meu para estudar a carne no V de seus dedos.
— Você é linda para caralho, — ele sussurra. — Você tem a boceta mais
bonita que eu já vi.
Eu coro com seu elogio vulgar, mas não me dá tempo para processar o que
sinto sobre as palavras grosseiras, porque ele afunda o polegar de sua mão livre
em meu canal. Minhas coxas tremem quando ele puxa e empurra de volta
algumas vezes.
— É isso aí, linda. Quero fazer todo o seu corpo tremer de prazer.
Isso é exatamente o que acontece quando ele usa dois dedos pressionados
juntos para bater no meu clitóris.
— Gabriel!
Minhas unhas cavam em seus ombros em busca de apoio enquanto meu
corpo se prepara para a liberação.
— Eu sei que você gosta disso.
Sim ele sabe. Ele sabe disso desde a primeira vez que bateu na minha
boceta com o cinto.
— Goze para mim, — ele rosna, olhando para mim com uma possessão
sombria.
Mais duas batidas e eu faço o que ele exige, gozando com um espasmo
violento que trava meus músculos e arqueia minhas costas. Ele cobre meu
clitóris com os lábios e me suga durante o orgasmo até que estou
tremendo pelos tremores secundários. Minha cabeça está inclinada
para trás e meus olhos estão fechados, mas eu o
sinto se endireitar e abrir a
braguilha.
Ele beija a minha orelha. — Vou te foder
bem aqui contra esta janela.
Ninguém pode nos ver, nosso banheiro é praticamente um
abismo, mas a ideia de ser vista em uma posição tão
comprometedora me deixa tensa. A cabeça lisa de seu pau toca
minha barriga. Abro meus olhos para olhar para ele. Seu rosto está
perto do meu, não se virou para me proteger das cicatrizes
como antes.
Ele roça nossos lábios. — Que visão linda você deve
ser com suas nádegas pressionadas contra esta janela.
Ele agarra minha bunda e espalha as bochechas, me
abrindo para a visão do mundo exterior. — Que excitante ver
esses lábios de boceta molhados. — Ele belisca meu pescoço,
liberando seu pau. — Qualquer homem do outro lado desta
janela gozará em suas calças.
Enquanto ele fala, alinha seu pau com a minha entrada
e pressiona um centímetro dentro. Eu gemo com a
intrusão espessa, precisando dele para dirigir mais
fundo, mas Gabriel não deve ser apressado. Grunhidos
masculinos e choramingos femininos preenchem o
espaço enquanto ele entra em mim cuidadosamente lento. Demora um
pouco para estar totalmente dentro. Eu quase esqueci o quão grande e grosso
ele é. No momento em que está enterrado até as bolas, ele está suando e seu
rosto está contorcido de tensão. Ele me aperta contra o vidro com seu corpo,
dobra os joelhos e dá algumas bombeadas lentas.
— Minha. Minha. Minha. — Ele acentua cada palavra com um empurrão
que arrasta seu pau sobre o ponto ideal que faz meu útero apertar com uma
nova necessidade crescente. É muito pouco e demais.
— Por favor, — eu imploro.
Ele sai quase completamente para me dar mais atrito e me penetra com
cuidado. Segura meus quadris entre suas grandes palmas como se eu fosse tão
frágil quanto nossa porcelana do café da manhã. Seu calor me envolve pela frente
enquanto a janela fria esfria minhas costas. Nesse ritmo, a contração que
anuncia o meu orgasmo é uma piscina de detonação lenta de prazer que se
espalha por todo o meu corpo.
— Ga... –– Eu engulo o resto de seu nome enquanto gozo.
— Sim, — ele grunhe, — goze no meu pau.
Meus músculos internos se contraem em torno dele enquanto ele fala as
palavras perversas. Minha pele ainda está latejando do orgasmo quando ele se
solta, me gira em direção à banheira e coloca minhas mãos na borda.
— Segure aí para mim.
Com muita delicadeza ele entra em mim por trás. Seu polegar
pressiona o vinco da minha bunda, adicionando sensações extras
enquanto ele bombeia dentro e fora do meu corpo,
balançando nós dois com um ritmo
fácil.
— Olhe para isso, — ele diz, agarrando
meu cabelo e virando minha cabeça em direção ao espelho na
parede.
Os músculos de suas pernas e bunda se contraem quando ele
puxa para fora, penetra e aperta nossas virilhas
juntas, repetidamente. O movimento faz meus seios
balançarem. Segurando em um quadril, ele apalpa um seio e
rola meu mamilo, me fazendo contrair em torno dele.
Ele geme e belisca. — Sim, aperte meu pau assim. Me
faça gozar.
Quando eu aperto meus músculos internos, ele cai para a
frente com uma maldição, segurando seu peso com as palmas
das mãos na borda da banheira. Seu peito está pressionado
contra minhas costas. Mesmo que eu não possa levá-lo mais
fundo, ele empurra seus quadris para cima, reivindicando
cada pedaço de mim que puder.
Eu sinto o momento exato em que ele estala, o
momento em que cada parte de seu corpo fica rígida e
seu pau fica mais grosso dentro de mim. Quando ele
pega o óleo de banho, lembro de que Gabriel ainda é o
amante duro de antes. Eu me contorço quando a tampa se levanta com um
clique, mas ele me segura com uma mão entre minhas omoplatas e esguicha o
líquido na fenda da minha bunda.
Eu sei o que isso significa antes mesmo que ele penetre minha entrada
escura com um dedo. Por um tempo, ele me leva com bombadas superficiais, e
então seu dedo desliza por todo o caminho. Quando estou acostumada com a
sensação, um segundo dedo se junta ao primeiro e depois um terceiro.
— Você será uma boa menina se eu te possuir, Valentina?
Não importa o quão bem ele me prepare, anal nunca será meu favorito,
mas Gabriel adora. Eu quero dar isso a ele. Eu olho para ele por cima do meu
ombro e dou um pequeno aceno de cabeça.
— Boa gatinha.
Ele levanta a palma das minhas costas e agarra a raiz de seu pau,
posicionando-o na minha entrada apertada. Sua mão livre se move entre minhas
pernas. Arde quando ele me abre com a cabeça larga de seu pênis, mas seus
dedos hábeis estão manipulando meu clitóris da maneira certa, rolando a
protuberância super estimulada com a quantidade perfeita de pressão. O
caminho para o meu traseiro é um processo lento que leva muito tempo, durante
o qual ele para com frequência para me deixar ajustar. Quando a queimadura
fica muito forte, ele belisca meu clitóris, causando um bom tipo de dor em
minhas terminações nervosas. No momento em que todo o seu comprimento
está enterrado dentro de mim, estou tremendo, mas o prazer é sempre
maior do que a dor.
— Quero tornar isso bom para você, — diz
ele em voz tensa.
Eu grito quando ele começa a
se mover, sentindo um prazer sombrio e louco
percorrer junto com a dor na minha espinha. Eu cerro os dentes
enquanto ele aumenta seu ritmo, tentando acomodar os
sentimentos carnais tão diferentes dos meus orgasmos
habituais. Anseio com ferocidade, mas não sei o quê. Só quando ele
enfia dois dedos na minha boceta e os abre é que eu entendo o que meu
corpo quer. Eu preciso gozar tanto que parece uma
tortura. Estou no limite, mas a penetração anal não é
suficiente.
— Toque-se, — ele comanda, entendendo meu corpo
melhor do que eu.
Eu encontro meu clitóris e esfrego enquanto ele me fode
com os dedos e o pau. Não estou ciente de tempo ou lugar, apenas
dele e de nossos corpos enquanto ele me empurra para o mais
escuro dos prazeres, a um ponto onde ninguém deveria ir. Ele
me fode em êxtase flutuante, sempre empurrando os limites
para alturas físicas. Estou com medo de não sobreviver,
mas de alguma forma sempre sobrevivo, e ele está lá
comigo enquanto amaldiçoa e clama seu clímax.
Gozando dentro de mim enquanto dirijo além dos meus limites, ele me faz perder
da melhor e da pior maneira possível.
Antes que eu possa segurar minha língua, as palavras saem da minha
boca, abafando até mesmo o poderoso orgasmo queimando por mim.
— Eu te amo, Gabriel.
5
Gabriel

UM HOMEM COMO EU, só pode sonhar pelas palavras que ela pronuncia,
mas elas me tiram de equilíbrio. Eu tropeço para trás, arrancando meu pau
muito rapidamente de sua bunda e a fazendo gemer. Ela congela. Suas costas
não estão mais subindo e descendo com a respiração pesada de antes. Ela
está tão chocada quanto eu. A declaração caiu de sua boca sem premeditação.
Ao contrário do meu tipo normal de mulher, ela não expressou o último
sentimento de afeto para me manipular, porque não há nada para manipular.
Seu destino está selado. O anel em seu dedo é a prova. Ela é minha, para
sempre, mas a espontaneidade das palavras não as torna mais verdadeiras do
que quando Sylvia ou Helga as pronunciavam. Isso é o que eu a treinei para
pensar. Acreditar. Sexo e emoções andam de mãos dadas para as mulheres.
Minha arma com Valentina sempre foi o sexo, e suas palavras confirmaram que
ganhei a guerra. No entanto, em vez de me sentir vitorioso, me sinto um idiota.
Uma aversão fria e sombria enche minhas entranhas.
Cobrindo seu corpo com o meu, cruzo meus braços ao redor dela
e dou a ela a única coisa que pode me fazer sentir melhor, a verdade.
— Você só pensa que me ama porque eu te treinei
assim. — Beijo seu pescoço para
suavizar a horrível verdade.
Finalmente, seu peito se expande
enquanto ela inala. Quando empurra para cima, eu não a
impeço.
Ela se vira em meus braços para me encarar. O orgulho se
choca com o embaraço em seus olhos lindos e grandes. — Você está
certo, — ela levanta o queixo, — porque eu te odeio mais.
Aí está, a verdade nua e crua, despojada de fingimentos
e uma versão embonecada de nosso relacionamento não
convencional quando o sexo é retirado da equação.
Eu seguro seu rosto. — Eu sei, linda.
A parte triste é que sim. Eu sempre soube. No minuto em
que a vi e decidi o que fazer com seu corpo, soube que ela me
odiaria. Eu só não estava preparado para o quanto doeria, e isso
é uma surpresa. Claro, me preocupo com ela como eu nunca me
preocupei com outra mulher, nem mesmo minha ex-mulher,
mas o plano sempre foi de manter a minha posição superior
de poder sobre ela. Os sentimentos não deveriam me
enfraquecer. Como eu poderia prever que essa mulher
pequena me faria sentir tantas coisas diferentes no
curto espaço de meio ano?
Estou invadindo seu espaço, não recuando para que ela possa se mover,
mas ela não está tentando escapar. Ela me encara bravamente com suas
bochechas pálidas e olhos embaçados. Eu reconheço a emoção nessa
expressão. Derrota. É o ponto em que ela percebe o quão completamente a
arruinei. Ela precisa de mim e odeia isso, mas não se esquiva da realidade. Ela
abraça a dor e a assume com o mesmo senso de sobrevivência que lhe permitiu
aceitar minha propriedade, desistir de seu sonho e carregar meu bebê
indesejado.
Em troca de sua vida e corpo, seus sonhos e um amor unilateral e
distorcido, envolvo meus braços em torno dela e dou conforto. Ela não se nega o
pouco que ofereço. Enterra o rosto no meu peito e se inclina contra mim, me
permitindo suportar seu peso. Eu a pego em meus braços e a coloco na água
antes de tirar a roupa e entrar na banheira. Eu a puxo de volta para o meu peito
para que sua cabeça repouse no meu ombro. A água cobre tudo, exceto as
pontas contraídas de seus seios que flutuam como cerejas sedutoras na água
perfumada. Eu coloco sabão na esponja e arrasto sobre seus ombros lisos e as
cristas de seus seios. Eu lavo suavemente entre suas pernas, onde ficará
sensível, e esfrego minhas mãos sobre os músculos tonificados de suas coxas. É
na barriga dela que fico mais tempo, cruzando as mãos em torno do milagre que
se desenvolve em seu ventre.
Estou surpreso que ela me permita tocá-la e pateticamente grato. Não
consegui chegar perto de Sylvia desde o minuto em que ela
engravidou até o dia em que Carly nasceu. Relutante em
interromper o momento, não tenho escolha
quando a água começa a esfriar. Eu
puxo a tampa, a ajudo a sair da
banheira e entrego uma toalha. Nós nos
vestimos em silêncio, ambos perdidos em nossos pensamentos.
Quando olho para ela, meu coração se enche de uma tristeza
intensa e avassaladora. Contra a extensão da janela, ela parece
perdida e incrivelmente negligenciada, uma noiva em minhas roupas
enormes. Frágil, danificada e irreparavelmente quebrada.
— Venha para cama. — É meio-dia, mas quero abraçá-
la.
Ela pisca como se estivesse voltando de algum lugar
distante. Eu não gosto disso. Mesmo os momentos em que ela
se retrai em sua cabeça estão muito distantes para o meu
gosto. Com as montanhas e a natureza selvagem como pano de
fundo, ela é terrivelmente frágil. Pequena e vulnerável. O
aumento de sua cintura me lembra que sua condição delicada
a torna dez vezes mais frágil. Uma sensação avassaladora de
proteção me consome. O medo de que algo aconteça com ela
ou de que eu possa perdê-la me dá uma sensação de
queimação na garganta. O pensamento das mãos de
alguém sobre ela além das minhas vai me deixar de
joelhos.
De repente, preciso saber. Disse a mim mesmo que se pudesse tê-la de
volta, seria o suficiente, que não faria perguntas, mas não sou forte o suficiente
para manter minha intenção.
— Em Durban, você tocou em outro homem?
Ela me lança um olhar assustado. — Não.
— Ninguém?
— O único homem que já me tocou foi você. — Ela parece
desconfortável. — Exceto por aquela vez.
Eu cruzo o chão e beijo seus lábios para a calar. Eu não quero que ela
pense sobre o estupro. Devido a toda a minha energia estar concentrada em
encontrar minha garota fugitiva, não fiz progresso no rastreamento de seus
agressores. Chega desses pensamentos. Levei seu corpo com força, e ela precisa
descansar. Talvez eu precise abraçar ela mais do que ela precisa, mas não
importa. Eu pego sua mão e a puxo para baixo ao meu lado na cama. Totalmente
vestido, coloco meus braços em volta dela e a embalo contra o meu corpo. Ela
relaxa, seus membros se moldando ao redor dos meus como peças de um
quebra-cabeça que se encaixam perfeitamente.
— O que você gostaria de fazer mais tarde? — Eu pergunto, acariciando
seus cabelos.
— Isso é o suficiente, Gabriel.
Eu beijo o topo de sua cabeça. Isso nunca pode ser suficiente. Eu nunca
consigo me fartar dela, e isso me assusta pra caralho.
Tiramos um cochilo de algumas horas, almoçamos tarde e
fazemos uma das caminhadas curtas até a
cachoeira, depois de verificar com o
guia do hotel que a caminhada não é
muito cansativa para minha esposa grávida. O
ar e o exercício fazem bem a nós dois. Eu precisava limpar minha
cabeça da revelação de amor e ódio de Valentina, e ela tem um
brilho em suas bochechas muito pálidas quando voltamos ao pôr do
sol. Não desejando compartilhar ela com outras pessoas, eu
egoisticamente peço que o jantar seja servido em frente à lareira em
nosso quarto. Quando a equipe limpa a louça e atiça o fogo,
jogamos uma partida de Scrabble. Nosso comportamento me
parece estranho. Isso não é algo que eu jamais teria feito com
Sylvia, e certamente não em uma lua de mel, mas não somos
um casal normal comemorando nossos votos recém-feitos.
Mesmo que minha necessidade por Valentina já seja forte
de novo, eu a levo para a cama sem transar com ela. Em seu
estado frágil, estou preocupado em deixá-la cansada, e depois
da maratona desta manhã, esta noite parece muito cedo.
Apesar de não satisfazer meu desejo sexual, estou total e
estranhamente contente em simplesmente dormir ao lado
dela, uma primeira vez para mim.
Quando o sol me acorda com um brilho pálido que
penetra pelas grandes janelas de nosso quarto, não
posso fingir que nosso castelo de vidro no topo da montanha é para sempre por
mais tempo. O conto de fadas da noite passada acabou. É hora de voltar à
realidade e a todos os problemas que nossa nova situação trará, incluindo dar a
notícia a Magda e Carly. Começo com Magda, enviando uma mensagem de texto
para informar a ela que somos casados. Deixe que ela faça o que quiser.
Valentina esta quieta no caminho para casa. A primeira coisa que ela faz
quando chegamos é checar Charlie. Sua preocupação era por nada. Ele está em
seu elemento, jogando cartas com os guardas de folga nos aposentos dos
funcionários. A caminhada até a casa parece uma boa hora para falar sobre
como vamos morar.
— Charlie vai morar conosco de agora em diante.
Ela para de repente e fica boquiaberta.
— Você não está feliz?
— Claro que estou. Eu apenas presumi que ele voltaria para Kris.
— Você é minha esposa. Isso o torna família. Ele pode pegar um dos
quartos lá em cima. Vou mandar alguém buscar suas coisas, hoje. Você pode se
encarregar de redecorar ou o que quer que vocês mulheres façam.
— Obrigada. — Ela aperta meus dedos.
Eu levo a mão dela à minha boca e beijo suas juntas. — Eu não quero que
você faça nada extenuante enquanto estiver grávida. Sem trabalho físico.
— Estou grávida, não doente.
— Não vou correr riscos com a sua saúde.
No meu tom severo, ela permanece quieta.
A consultora de roupas está esperando por
nós em casa com uma seleção de
roupas de gravidez para Valentina
escolher. Achei mais fácil para ela fazer
compras em casa do que se cansar caçando roupas. Não era minha
intenção ficar enquanto ela experimentava alguns dos vestidos,
mas encontro uma alegria tremenda em me sentar no sofá enquanto
ela desfila para mim. Sendo conservadora em seus gastos, eu tenho
que convencê-la a usar mais do que calças com cós ajustáveis e sapatos
fechados. Meus favoritos são os que se ajustam. Eles vão vai
mostrar sua barriga lindamente. Sentado ali e olhando para
ela, meu peito se expande de orgulho. Ela vai me fazer um pai,
um presente precioso que pensei que nunca mais teria.
Sem a consultora, entrego a Valentina as ideias que anotei
para que ela iniciasse um programa de resgate de animais, bem
como um novo telefone. Ela é uma mulher brilhante e
ambiciosa. A última coisa que quero é que ela fique entediada.
Recontratamos nossa antiga empresa de limpeza e um garçom
para as refeições noturnas, e Marie está de volta à
cozinha. Minha esposa não vai sujar as mãos como foi
forçada a fazer quando minha mãe a fez nossa
empregada.
Pensando no diabo, Magda entra na sala enquanto Valentina me diz que
vai subir para trocar de roupa.
— Val. — Magda se aproxima rigidamente. Ela não abraça Valentina ou
beija sua bochecha como fez com Sylvia quando eu a trouxe para casa depois do
nosso casamento, mas faz um esforço para ser educada. — Bem-vinda de volta.
— Ela mexe na barriga de Valentina. — Como você está?
A mão da minha pequena esposa se dobra sobre a barriga de maneira
protetora. — Estou bem, obrigada, Sra. Louw.
— Me chame de Magda. Somos uma família agora.
— Tudo bem, Magda.
Magda passa as mãos no vestido. — Vou ser brutalmente honesta, porque
não há outra maneira de dizer isso. Não estou feliz com a virada dos
acontecimentos, mas seja qual for o nosso passado, seja qual for a sua dívida,
isso ficou para trás. Você é uma Louw, agora, e a família vem em primeiro lugar.
Você terá todos os benefícios que acompanham nosso nome e, em troca, espero
que seja leal. Entendido?
— Sim.
Magda está preocupada que Valentina nos delate para as pessoas erradas
no governo, pessoas que cumprem a lei, ou pior, nossos inimigos.
Passei o braço pela cintura de Valentina. — Ela entende.
— Bom. — Magda olha entre nós. — Eu também não estou feliz com a
maneira como você escapou para se casar. E assim. — Ela aponta
para o traje de Valentina e enruga o nariz. — Sério, Gabriel, que
vergonha você fazer uma dama se casar com você
em tal estado. Deveria ter sido feito
corretamente, em uma igreja, com
convidados e com a exposição pública que meu
filho merece. O melhor que podemos fazer agora é um anúncio no
jornal.
Eu não discuto, porque ela está certa. Que vergonha. Como
qualquer outra mulher, Valentina merecia um lindo vestido branco,
flores, um bolo de três camadas e os nove metros inteiros de véu, mas
eu estava frenético demais para garantir sua segurança. Além
disso, eu queria aquelas algemas invisíveis com ela no segundo
em que ela estivesse de volta na minha cama, onde ela
pertence.
— Bem, então, — Magda dá um aceno de cabeça apertado,
— grite se precisar de alguma coisa.
Quando a presença sufocante de minha mãe se vai, coloco
minhas mãos nos ombros de Valentina e a viro para mim. Seus
músculos afrouxam quando a tensão deixa seu corpo. Magda
a deixa nervosa.
Eu passo o polegar sobre a pele lisa de sua
bochecha. — Eu tenho negócios para cuidar esta tarde,
e não estarei em casa para o jantar. Vou até a casa de
Sylvia para dar a notícia a Carly.
Apreensão enche seus olhos. — Como ela vai reagir?
— Ela vai ficar bem. — Dou-lhe um aperto reconfortante, mesmo que tenha
minhas dúvidas. — Se você for para a casa de Kris, ou qualquer outro lugar, os
guardas irão com você.
Ela não contesta a nova invasão de sua privacidade. Valentina já sabe
quando uma batalha não vale a pena lutar.
Eu a beijo levemente. — Me ligue se precisar de mim ou se não estiver se
sentindo bem.
— Eu vou ficar bem, — diz ela em tom sério.
Eu rio e a beijo novamente. Ela vai ficar. É forte demais para ser outra
coisa.

Valentina

O AR DA CASA É SUFOCANTE. Não importa para onde eu vá, Magda está


lá.
— O que diabos você está vestindo? — Ela exclama quando eu desço as
escadas em um vestido de lã até a panturrilha com botas. — Isso mostra cada
recanto e protuberância em seu corpo. Você quer esconder seu estômago, não
chamar atenção para ele. Experimente um vestido curto que você
possa usar como uma blusa sobre uma calça comprida, e
opte por sapatilhas. Esses saltos, —
ela acena para minhas botas, —
parecem uma fantasia de prostituta
para o Halloween. Um lenço é sempre bom para
completar sua aparência. Vou te levar ao Hermes em Sandton
amanhã. Eles têm uma nova gama de cores neutras para o
inverno.
Em suma, ela quer que eu me vista como ela. Ignorando seus
comentários, eu fujo para a cozinha para uma xícara de
chá. Marie entra com um punhado de coentros quando ligo a
chaleira.
— Como você está, Marie?
Sua boca cai para um lado. — Vadia.
Demoro um pouco para entender o que ela disse. De
repente, minha sede por uma bebida quente se foi.
— Onde está o Oscar?
Ela não responde.
Eu o encontro dormindo na secadora. — Olá
querido. Senti sua falta. — Eu coço atrás de sua orelha e
sou recompensada com um ronronar.
A curiosidade me leva aos meus antigos
aposentos. O quarto está vazio. A cama foi arrancada e
as cortinas sumiram. Parece irreal ver o espaço tão vazio. Uma parte de mim
pertence aqui. Estranhamente, estou sentimental sobre meus primeiros
momentos íntimos com Gabriel que aconteceram neste quarto. Lembro com
incrível clareza da primeira noite em que ele veio até mim. Se ele fosse um
amante menos habilidoso, minha reação a ele teria sido diferente? De alguma
forma, eu duvido. A verdade é que estou tão atraída por Gabriel quanto tenho
medo dele. Sua escuridão há muito invadiu meu coração, me fazendo uma alma
gêmea para as necessidades indizíveis que o impulsionam.
De longe, Magda chama por mim. Eu fujo para fora para ver Bruno. Pelo
menos ele está feliz por me ter de volta. Depois de brincar um pouco com ele,
sigo o caminho até os aposentos dos funcionários. Quincy está com Charlie.
Ele se levanta quando eu entro. — Sra. Louw.
— Por favor, ainda sou Valentina.
Ele dá um pequeno aceno de cabeça. — Como você está?
— Eu estou bem.
— Está mesmo?
— Sim, claro. — Meu sorriso é forçado quando me movo para Charlie. —
Ainda jogando cartas?
— Ele joga pôquer descente. — Quincy ri. — Ele limpou o pote de moedas.
— Obrigada, — eu digo com gratidão. — Vou tirá-lo de suas mãos assim
que voltar da casa de Kris.
— Sem problemas. Estamos nos divertindo. Gabriel
mencionou que você iria. Os guardas estão prontos quando você
estiver. Devo ligar para Kris e informar ela que
você está a caminho?
— Isso vai ser gentil, obrigada.
Demorou para me acostumar com Rhett
ou Quincy me conduzindo quando Gabriel não estava disponível,
mas agora tenho uma comitiva de dois carros e sete homens.
— Isso não é exagero? — Eu pergunto ao meu motorista.
Ele não responde e, pelo resto do caminho, ficamos em
silêncio.
Kris sai no minuto em que estacionamos. Os homens
assumem posições ao redor da propriedade.
— Val! — Kris me dá um abraço e me segura com os
braços estendidos. —Você está bem?
— Perfeita.
Ela olha para os homens. — Eles são realmente
necessários?
— Gabriel parece pensar assim. Vamos entrar.
Ela pega meu braço e me leva para o
consultório. — Limpei minha agenda quando Quincy
ligou. Eu só tenho que terminar os medicamentos do
meio-dia.
— Oh, Kris, você não deveria. — Ela precisa do
dinheiro da consulta.
— Quero falar com você sem interrupções.
— Eu poderia ter vindo hoje à noite.
— Eu não podia esperar. Vamos, pegue a bandeja.
Pego a bandeja com os comprimidos, xaropes e seringas e sigo Kris até o
canil do hospital. As caixas estão empilhadas nos cantos e em todas as
superfícies livres. Lendo os rótulos, eu lanço a ela um olhar questionador. — Um
computador? E impressora?
Ela administra uma injeção em um Pug. — Mais como computadores e
impressoras, no plural.
— Ganhou na loteria? — Ninguém merece mais do que Kris. — Você
herdou dinheiro de um tio há muito perdido? — Eu provoco. — O que aconteceu?
Ela termina com a injeção e fecha a gaiola antes de se virar para mim. —
Gabriel, foi isso que aconteceu.
— O que?
Ela acena com o braço para as caixas. —Tudo isso é dele. Veio na semana
passada. Há também uma máquina de ECG e raio-X na sala dos fundos.
— Onde você vai colocar tudo isso? — O consultório está explodindo do
jeito que está.
— Um arquiteto veio falar comigo sobre os planos de ampliação. Os planos
incluem uma piscina de reeducação, Val.
Eu fico boquiaberta com ela. — Gabriel?
— Sim.
— Você aceitou?
— Não.
— O que ele disse?
— Ele me disse para levar tudo
para o depósito de lixo se eu não quiser. — Ela
continua com suas administrações.
— Isso soa como ele.
— Por que ele fez isso? — Ela pergunta, enxugando as mãos
no sobretudo e me dando um olhar penetrante.
— Ele não disse?
— Nada.
— Vamos tomar um chá?
— Tudo bem.
Terminamos a rodada de remédios e vamos para
casa. Na cozinha, ela tira duas cervejas da geladeira.
— Não, obrigada. Vou ficar com o chá.
Ligo a chaleira enquanto ela abre a lata e me observa por
baixo dos cílios.
— Que porra é essa, Val?
Eu suspiro e me encosto no balcão. — Eu realmente
sinto muito por fugir com Charlie assim. Eu não poderia
te dizer. Não queria colocar sua vida em perigo.
— Gabriel invadiu aqui parecendo um louco. O
cara é normalmente uma merda esquisita e
assustadora, mas o jeito que ele parecia naquele dia me assustou muito. Por que
você fugiu?
— Eu pensei... eu estava preocupada que ele me obrigasse a fazer algo que
eu não queria.
— Como o quê?
Eu luto por palavras, tentando encontrar as mais diplomáticas.
— Tipo o quê, Val?
— Estou grávida.
— Jesus. — Ela vira a cabeça para o teto e passa a mão pelo rosto. Quando
ela cruza os olhos comigo novamente, há simpatia nos dela. Seu olhar desliza
para o meu estômago. — Quantos meses?
— Quatro.
— Muito tarde para um aborto.
— Eu não queria um.
— Por que não? Você planejou isso?
Eu dou a ela um olhar incrédulo. — Claro que não. Tomei minha pílula
todos os dias. — Eu mexo com o saquinho de chá. — Eu não entendo onde errei.
Seu suspiro é forte. — Acontece. A pílula não é cem por cento eficaz.
Sempre há a exceção de um por cento, mas por que você deixou a gravidez chegar
tão longe? Ninguém teria culpado você se tivesse acabado com isso. Suas
circunstâncias não são exatamente normais.
— Não é culpa da criança.
— Nem é sua. — A voz dela fica amarga. — É culpa de Gabriel
Louw.
— É preciso dois para dançar
o tango.
— Eu não sou ingênua, Val.
— Ele não me estuprou.
— Não?
— Não!
— Você pode me dizer honestamente que deu seu
consentimento a ele?
— Sim. Na verdade, eu implorei a ele. — Pego a lata com
açúcar para que Kris não veja a vergonha em meus olhos.
— Eu disse que ele estava fodendo com sua mente. Por
favor, não me diga que você o ama.
Eu não consigo encará-la. — Eu disse a ele exatamente
essas palavras ontem.
— Você não fez.
— Eu também disse que o odiava mais.
— O que é isso? Uma coisa de amor e ódio? — Ela
caminha para o meu lado e abaixa a cabeça, procurando pelos
meus olhos. — O que você acha que tem com ele,
Val? Você ainda deve dinheiro a ele e nove anos de
trabalho escravo.
Eu despejo a água sobre o saquinho de chá. — Ele descartou tudo isso.
— Por causa do bebê?
Pegando a caneca, eu me viro para ela. — Nós nos casamos ontem.
Seu queixo cai. Seu olhar vai para o anel na minha mão esquerda. Por
vários segundos, ela apenas o encara, como se não conseguisse entender o que
era. Finalmente, ela coloca a mão sobre a cabeça e começa a andar pela sala.
Nenhuma de nós fala enquanto ela processa a notícia.
Quando ela finalmente para, é para me encarar com incompreensão. —
Explique para mim, porque eu não entendo.
Eu encolho os ombros. — Eu vou ter o bebê dele. Fazer de mim sua família
era a única maneira de ele me proteger.
— Você está se ouvindo? Você é um membro da família Louw. Você é da
máfia, Val.
— Eles não são da máfia. Eles são agiotas.
— Que diabos. Mesma diferença. Você se casou com a máfia.
— Bem, está feito. Eu não posso voltar atrás.
— Certo, você não pode. — Seu olhar muda de volta para o meu estômago.
— Como ele se sente sobre o bebê?
Eu engulo. — Tenho certeza de que ele não está em êxtase, mas é homem
o suficiente para enfrentar sua responsabilidade. — Não digo que o casamento
tenha muito a ver com a obsessão possessiva de Gabriel por mim.
Ela levanta um dedo. — Me deixe ver se entendi. Você
descobriu que está grávida, mas não conseguiu passar por cima do
coração para interromper, e com medo de que
Gabriel te forçasse um aborto, você
correu, levando Charlie com você,
porque sabia que Gabriel viria atrás dele
quando descobrisse que você se foi. E depois?
— Então pedi a Jerry, você se lembra do meu antigo vizinho?
Para me dar um carro, e dirigimos para Durban. Foi aí que Gabriel
finalmente me alcançou.
— E em vez de matar você por fugir, ele se casou com você.
— Sim.
— Você sabe como isso soa fodido?
— Eu sei que a situação não é ideal, mas Charlie está
seguro, e eu também.
— Meu Deus, Val, você vai ser mãe. É isso que você quer?
— Talvez não seja o que eu teria escolhido, pelo menos não
nos próximos anos, mas aconteceu, e estou lidando com isso da
melhor maneira que posso.
— E sobre a sua vida?
— O que tem isso?
— Vai ser centrada em torno do erro que você e
Gabriel cometeram?
— Meu filho não é um erro.
— Isso não foi o que eu quis dizer. Uma vida sem amor pode ser
terrivelmente solitária.
— Vou ter meu bebê, não é?
— Não tenho certeza se você vai.
Uma sensação de pavor se apodera de mim. — O que você quer dizer?
— Você cresceu nesse meio. Você não é estúpida. Este filho será o primeiro
de Gabriel e o seu segundo. Se a família dele está contra você, eles podem não
lhe dizer muito sobre como você o cria. Na verdade, se eles quiserem, podem tirá-
lo de você.
— Ele é meu. — Eu coloquei a mão na minha barriga. — Ninguém o tira de
mim.
— Não é assim que a família funciona, — ela diz gentilmente.
Ela está certa. Gabriel detém todo o poder, mas não posso enfrentar isso.
Agora não.
— Escute, Val, apenas me faça um favor. Arrume um emprego. Encontre
algo para ocupar sua mente, algo que a faça feliz.
Eu pareço imaturamente amarga. — Para o caso de eu acabar não tendo
um filho para cuidar, você quer dizer?
— Eu me importo com você, garota. Isso é tudo.
— Eu sei. — Eu desviei o olhar. — Gabriel quer que eu administre um
projeto de caridade para animais abandonados.
— Você?
— Eu não sei. Eu meio que perdi minha paixão.
— Talvez volte.
— Talvez.
— Eu sempre estarei aqui para
você, não importa o que aconteça. Você sabe
disso, certo? Só não quero que você olhe para a situação com olhos
de proteção e leve um choque quando a realidade chegar.
— Eu sei.
— Ei, — ela me cutuca, — você almoçou?
— Não.
— Que tal eu cozinhar algo para nós e conversamos sobre
fraldas descartáveis versus fraldas ecológicas?
— Tenho uma ideia melhor. Vou te levar para almoçar e
fazer compras para o bebê.
— Não agarre meu braço quando eu oferecer o dedo
mínimo. Há uma grande diferença entre falar e realmente andar
por corredores cheios de mamadeiras e chupetas.
— Também falaremos sobre seu novo consultório. Você
vai ficar com o equipamento que Gabriel enviou?
— Ainda não decidi.
Deixo o chá morno no balcão e pego sua mão. —
Você terá que contratar mais pessoas se o fizer.
— E arrumar um cercadinho de bebês para
quando a mãe dele vier visitar.
Eu limpo as lágrimas crescendo em meus olhos. — Malditos hormônios.
— Aqui. — Ela tira um lenço de papel do bolso. — O melhor remédio para
superar os hormônios da gravidez é o tiramisu do Roma’s.
— Errr. — Eu faço uma careta. — Só de pensar em licor de café e creme
me deixa doente.
— É para mim, não para você. Parece que vou precisar de uma porção
dobrada, hoje.
Uma risada sai da minha garganta. — Você é horrível.
— Também te amo, garota.

Gabriel
NO CAMINHO PARA Berea ligo para Dorothy Botha. A psiquiatra me
cumprimenta pelo nome quando ela atende.
Eu mergulho direto. — Eu preciso de um conselho. Quando é uma boa
hora para ligar?
— Você pode falar. Eu não estou com um paciente.
— Eu preciso dar notícias importantes para Carly, e estava me
perguntando como fazer isso.
— Que tipo de notícia?
— Eu me casei e minha esposa está grávida.
Segue um silêncio. — Carly sabe sobre seu relacionamento?
— Nós o mantivemos em
segredo. Ela era nossa empregada.
— Eu vejo. — O silêncio se
estende ainda mais. — Carly gosta dela?
—Vamos apenas dizer que ela não a odeia. Depois do que
você disse sobre a insegurança de Carly em perder a mim ou sua
mãe para um novo cônjuge, quero ter certeza de que lidei com
isso corretamente.
— Receio que seja tarde demais. Você agiu mal no minuto
em que decidiu se casar em segredo. Carly não fez parte do
relacionamento que se desenrolava ou dos eventos que levaram
à sua decisão.
— As coisas estavam complicadas. O que você sugere?
— Em uma situação como essa, eu diria que você deve ser
honesto.
— Impossível. Este não é um conto de fadas cor de rosa,
Sra. Botha.
— Se você não pode contar todos os fatos, seja o mais
honesto possível. Diga a Carly por que você a excluiu e seja
franco sobre seus sentimentos. Pode ajudá-la a expressar
o que sente a respeito de sua decisão
precipitada. Espere uma reação negativa e, faça o que
fizer, não fique chateado. O que ela precisa é de amor e compreensão. Dê a ela
tempo para lidar com as notícias e se ajustar, mas deixe claro que sua decisão
não mudará, se for o caso. É importante mostrar estabilidade a ela e assegurar
que seu amor por ela não será afetado.
— Então, eu apenas deixo escapar?
— Não, você usa tato. Dê a ela um aviso para prepará-la, algo como, 'Carly,
você se lembra da Sra. Fulano de Tal?'
— Entendi.
— Boa sorte. Vou conversar com Carly sobre isso durante nossa próxima
sessão.
— Obrigado.
— O prazer é meu. Ah, e parabéns.
Esfrego os músculos doloridos do pescoço quando ela desliga. Como já
disse a mim mesmo tantas vezes nos últimos dias, a culpa é minha.
A primeira coisa na minha agenda é dar uma palavrinha com Jerry. Tenho
procurado por ele desde o roubo no antigo apartamento de Valentina, o
apartamento de solteiro sujo que agora possuo. A barata está se escondendo
desde o dia em que peguei Valentina, mas agora que Magda o encontrou, ele
rastejou para fora dos canos, pensando que estava a salvo de mim. Há coisas
que não combinam e eu quero respostas.
De acordo com minhas instruções, Rhett e Quincy seguem no Mercedes.
Eu precisava de privacidade para a ligação que fiz para a Sra.
Botha. Eles estacionam atrás de mim em frente ao prédio de
Jerry. Os mendigos na calçada reconhecem meu
rosto. Eles se espalham quando eu
saio. Das janelas mais altas, as mães
gritam em xhosa e sotho4 para que seus filhos
corram para dentro.
Scott, o guarda-costas de minha mãe, sai do Mercedes com
meus dois caras. Este não era o plano.
Ele me cumprimenta com um breve aceno de cabeça. —
Senhor Louw.
— Scott, — eu digo, reconhecendo-o e me viro para
Rhett. — Qual é o significado disto?
— Sra. Louw o mandou conosco.
Minha mãe nunca mandou uma babá antes, e ela não
mandou Scott por preocupação maternal com meu bem-
estar. Já estive em situações muito mais perigosas do que
essa. Em todo caso, estamos aqui e não quero perder tempo.
— Quincy, fique com os carros, — eu instruo. Podemos
ser temidos, mas algum idiota burro ou adolescente drogado
pode enfiar na cabeça no roubo de veículos ou pneus.
— Sim chefe. — Ele pega sua arma, se certificando
de que está visível.

4 Xhosa e Sotho-Línguas da África do Sul.


— Vocês vêm comigo.
Subimos os degraus enferrujados até o andar de Jerry. Pego minha arma
enquanto Rhett bate na porta.
— Quem é? — Uma voz chama de dentro.
Não estou com vontade de quebrar uma porta, hoje, então arrasto meu
anúncio para Scott, que responde.
— É o cara da Sra. Louw, Scott.
A chave gira na fechadura e a porta se abre. No minuto em que a barata
me vê, ele inverte a ação, tentando fechar a porta, mas meu pé já está preso
entre a parede e a madeira.
Sabendo que está preso, ele engole e volta para a sala. — O que você quer?
Entramos no interior que parece e cheira surpreendentemente limpo.
— Eu gostaria de fazer algumas perguntas. — Eu fecho a porta e a tranco.
Seus olhos seguem a ação. — Sobre o que?
— Onde você estava se escondendo nos últimos meses?
— Eu não estava me escondendo.
— Não? — Eu me movo ao redor da sala, observando a prateleira acima da
televisão cheia de baralhos de cartas e uma primeira edição do Banco Imobiliário.
Eu amo essa edição. A Eloff Street, uma das principais artérias de Hillbrow,
ainda é uma propriedade valorizada neste jogo de tabuleiro.
— Eu estava visitando a família, — diz ele, seus olhos disparando entre
Rhett, Scott e eu.
— Certo. — Eu levanto a tampa do Banco Imobiliário. Todas
as peças, incluindo o carro, chapéu, sapato, ferro
e gato, estão lá. — Ou talvez você
tenha fugido porque pensou que
depois de ajudar Valentina eu iria atrás
de você.
Ele solta uma risada nervosa. — Ei, eu não fiz nada de
errado.
— Você levou Charlie para jogar, não é?
Seu rosto empalidece um pouco, mas ele mantém a bravata. —
Onde está o pecado nisso?
— Vamos ver. — Pego o gato prateado e o estudo sob a
luz. — Talvez o fato de ele ter dano cerebral e não saber o
significado da dívida?
A maneira como ele lambe os lábios me lembra um lagarto
pegando moscas. — Eu não entendo.
— O que você não entende?
— Por que você está aqui, perguntando sobre isso?
— Quem invadiu o apartamento de Valentina?
— Só ouvi o que os vizinhos disseram. Eu te disse, não
estava aqui.
Avanço sobre ele, balançando a arma pelo guarda-mato5. — Por que você
deu a Valentina um carro roubado?
— Porque eu me senti mal, tudo bem?
— Mal em conseguir que ela e seu irmão morressem?
Ele recua até que suas pernas batem no sofá. — Você os matou?
— Eu ia, mas você sabia disso.
— Eu não tinha certeza. — Ele levanta as palmas das mãos. Elas estão
suadas e tremendo. — Olha, eu não sabia de nada. Eu só fiz o que sua mãe me
disse para fazer.
Eu congelo. Eu o ouvi perfeitamente bem, mas o reflexo me faz perguntar.
— O quê?
Ao mesmo tempo, a palavra sai da minha boca, um tiro ressoa.

5 Guarda mato é a
designação de uma peça que circunda o gatilho
de uma arma de fogo, protegendo-o de
contaminações externas, e o usuário de um
disparo acidental.
6
Gabriel

O CORPO PERMANECE DE PÉ por duas batidas antes de cair de costas


no sofá. O cadáver de Jerry está olhando para o teto com os olhos arregalados,
a boca fechada para sempre.
Lentamente, eu me viro. Scott está com a arma levantada. O barril ainda
está fumegando.
A raiva faz minha mandíbula travar. Demoro três respirações calmantes
antes que eu possa falar. — O que diabos aconteceu?
Scott abaixa sua arma. — Ele foi desrespeitoso.
Se Scott fosse meu homem, eu colocaria uma bala em seu cérebro, mas
ele responde a Magda. Em duas passadas estou na frente dele. Não posso atirar
nele, mas não significa que não posso fazer isso. Eu me afasto e coloco o punho
em sua mandíbula, fazendo ele bater na mesa de centro.
Rhett aponta sua arma para Scott. Sua primeira prioridade é me proteger.
Scott pode estar trabalhando para minha mãe, mas, agora, aos olhos de Rhett,
ele é um inimigo. Um movimento errado e a cabeça cacheada está
morta. Scott sabe disso. De onde está deitado no chão, ele
larga a arma e levanta as mãos.
— Sem ressentimentos, — ele
murmura, movendo a mandíbula de
um lado para o outro.
Eu me aproximo e paro sobre ele, cerrando minhas
palavras. — Eu não terminei.
— Ele não ia te contar nada, — diz Scott.
Besteira. Ele ia me contar muito mais, e eu quero minhas
respostas. Ficando de cócoras, agarro a mão direita de Scott e
empurro seu dedo médio para trás. — Adivinha o quê,
Cachinhos Dourados? Você vai substituir o homem que
matou.
Ele grunhe quando aplico pressão. — Você não pode me
tocar. Estou na folha de pagamento de Magda.
Isso resolve. Pontos pretos aparecem na minha visão. — A
coisa, você vê, é que eu não dou a mínima.
A incerteza rasteja em seus olhos. A maneira como suas
pupilas estão pulando enquanto ele avalia a sala me diz que
ele está considerando suas opções. Lutar ou fugir. Ele
tenta soltar o dedo, mas eu o empurro mais. Antes que ele
pegue a arma no chão, uso minha mão livre para a
deslizar na direção de Rhett. Quando seu punho ataca, eu agarro e aperto até
que ele range os dentes.
— Por que você atirou nele, Scott?
Ele cospe próximo aos meus pés. — Vai se foder.
— Se é assim que estamos jogando, muito bem. — Um pouco mais de
pressão e seu dedo estala acima da articulação.
Um grito arrepiante enche a sala. Para um homem tão grande, ele tem uma
voz estridente. Ele será um bom soprano.
Eu solto seu punho e movo para seu polegar. — Você tem nove dedos das
mãos e dez restantes nos pés. Isso pode demorar um pouco.
Ele grunhe e chia quando eu dobro o dedo para trás. Seus músculos se
contraem. Ele acha que não vou ver o golpe chegando, mas estou no ramo há
muito mais tempo do que ele. Eu me abaixei quando seu punho passou zunindo
pelo meu rosto e revidei com alguns socos em suas costelas. Outro em seu
estômago tira seu fôlego.
— Porra. Ahh. — Ele tosse e gorgoleja. — Merda fodida.
Snap. Esse era o polegar dele.
Seu choro é feio dessa vez. Pelas portas batendo e pelos pés correndo no
patamar, concluo que as pessoas estão fugindo do prédio. Um tiro não é
novidade. A maioria das pessoas espera, se escondendo atrás de portas
trancadas. Gritos, são um jogo totalmente diferente. Ninguém quer ser torturado
e, se o vizinho não estiver falando, é bem provável que quem o está
fazendo gritar venha atrás de você.
Scott está rolando no chão, se curvando em
posição fetal. — Seu merda. Você
quebrou meu polegar.
— Se eu quebrar os dois dedos do
gatilho, você estará fora do mercado. Não vai ser um bom guarda
sem um dedo no gatilho, vai?
— Eu não sei de nada. — Ele grunhe de dor.
— Vou perguntar uma última vez. Por que você atirou em
Jerry?
— Eu estava seguindo ordens.
Eu o empurro para uma posição sentada. — Ordens
de quem?
— As sra. Louw. Tudo o que sei é que ela me disse para
cuidar dele. — Seu olhar é cortante. — Não é meu trabalho fazer
perguntas.
Eu acredito nele. Rhett dá um pequeno aceno de
cabeça. Ele concorda.
— Leve ele de volta para o carro, — eu digo.
Enquanto Rhett está ajudando um Scott curvado sair
para o andar de baixo, eu vou pelo apartamento, mas não
encontro nada de interessante. Colocando o gato do
Banco Imobiliário no bolso, fecho a porta e me junto aos
homens.
— Leve Scott para casa, — digo a Quincy. — Rhett, mantenha uma arma
nele, apenas por precaução.
Scott está furioso quando o colocam no banco de trás, mas ele fica
quieto. É muito inteligente para me insultar novamente.
Saindo na frente deles, corro para o norte na Avenida Jan Smuts com a
velocidade do diabo. Preciso de mais respostas e Magda dará. Ela está
trabalhando no escritório de empréstimos em Yeoville hoje.
Eu entro direto em seu escritório sem bater. — Por que você ordenou que
Scott atirasse em Jerry?
— Gabriel. — Seus modos são calmos quando ela se levanta e dá a volta
em sua mesa. — Ele era um incômodo.
Uma raiva louca envolve minhas entranhas, puxando meu estômago com
força. — Um incômodo? Isso é motivo suficiente para uma matança?
— Não é isso, e você sabe. Ele estava começando a causar problemas.
— Você sabe o que eu penso? — Eu encurto a distância. — Eu acho que
você queria calar ele.
Uma risada borbulha de sua garganta. — Calá-lo?
— Ele estava prestes a me dizer o que você ordenou que ele fizesse.
— Eu? Dar uma ordem a ele? Você está louco? O único contato que tive
com Jerry foi para obter mais informações sobre o paradeiro de Charlie Haynes.
— Acho isso difícil de acreditar.
— Você acreditaria naquele ladrão de carro miserável ao invés
de mim? Jerry estava assustado. Claro que ele vomitou todo tipo de
besteira. — Ela cruza os braços. — Acredite no
que quiser, eu fiz seu trabalho por
você. Jerry deu um carro para sua
esposa, um carro roubado devo acrescentar,
para fugir de você. Se você fosse homem o suficiente, ele estaria
morto no minuto que eu lhe dei a informação.
— A minha primeira prioridade era encontrar a
Valentina. Depois disso, tive outras prioridades.
— Gosta de transar com ela?
Para me impedir de estrangular Magda, coloco meus
punhos nas laterais do corpo. — Você não vai falar sobre
minha esposa assim.
— Se acalme. — Ela abaixa os braços. — Desde quando
não posso chamar uma espada de espada?
— Você é vulgar.
— Eu sou honesta.
— Você é?
— Não tenho tempo para seus jogos. Scott matou Jerry
porque tínhamos que mostrar ao mundo que ninguém mexe
com nenhum de nós, e Valentina é uma de nós. Dar um
carro a ela era tão bom quanto mexer comigo ou com
você. Na próxima vez que ela fugir, seus amigos vão
pensar duas vezes sobre ajudá-la em suas buscas idiotas.
— Isso não vai acontecer de novo.
— É melhor não. Não ficará bem para você se sua própria esposa fugir. —
Ela volta para a cadeira e se senta. — Algo mais?
Minhas palavras são medidas. — Hoje não.
— Bom. Agora saia do meu caminho. Tenho trabalho a fazer.
Na porta, eu digo por cima do ombro. — Oh, a propósito, Scott está com
alguns dedos quebrados.
As linhas de carvão ao redor de seus olhos se enrugam. — Isso foi uma
coisa infantil de se fazer.
— Ele também pode ter algumas costelas quebradas. — As palavras me
dão uma satisfação enorme. — Se ele invadir uma das minhas festas novamente,
a seu convite ou não, ele não sairá vivo. — Eu pisquei. —Tenha isso em mente
se você o valoriza como membro de sua equipe.
Seus olhos estão cuspindo veneno quando fecho a porta.
Em meu escritório em casa, adiciono o gato do Banco Imobiliário de Jerry
ao meu pote de amuletos. Um para cada vida que tirei. Posso não ter puxado o
gatilho, hoje, mas a intenção estava lá. No meu livro, intenção é tão boa quanto
ação.
O frasco está assustadoramente cheio. Ele fica no canto da minha mesa
para me lembrar quem eu sou. Posso colocar um rosto em cada lembrança
naquele frasco. Digo a mim mesmo que cada um deles foi
justificado, uma morte necessária nesta guerra constante pela
sobrevivência, mas estou perdendo meu apetite
pela morte. Meu caminho foi traçado
e tenho seguido conforme minha
herança exige. Com esse novo caminho que
estou trilhando com a Valentina, parece que estou me afastando
cada vez mais de onde vim. Não sei para onde estou indo, mas sei
que não posso voltar. Eu quero muito caminhar nesta estrada com
ela, ela e meu bebê.

A TARDE SE ARRASTA COM assuntos que me mantêm


ocupado até tarde, e quando finalmente paro na garagem de
Sylvia, são quase sete horas. O jantar é servido às oito. Espero
conseguir ter essa conversa importante com Carly antes de nos
sentarmos para a refeição.
Sylvia espera na porta, uma mão no quadril. — Ei,
Gab... Gabriel, — ela corrige, se controlando. Seu sorriso é
doce e repleto da autoconfiança feminina de quem sabe que é
fisicamente desejável. — Você me fez pensar sobre esse
jantar apressado o dia todo.
— Eu não queria te dar trabalho extra.
Ela ri baixinho e estende a mão para pegar minha jaqueta. — Não se
preocupe. Meu cozinheiro fez todo o trabalho. — Ela deposita a jaqueta no
cabide. — Você vai me dizer a razão de estarmos jantando com Carly ou vai me
fazer suar por mais uma hora?
— Onde está Carly? — Eu olho ao redor do foyer e subo a escada. Não
quero que minha filha ouça nada prematuramente.
— No quarto dela. Vou chamá-la em um segundo. Aceita uma bebida?
Ela já está a caminho do salão. Eu sigo, olhando ao redor do espaço
desconhecido. Estive na casa de Sylvia algumas vezes, mas ainda parece
estranho. Abafado demais. Muito perfeitamente decorado. Nenhum animal de
estimação, livros ou sapatos espalhados. Nada que indique vida. Os brinquedos
de Carly nunca foram espalhados em nossas escadas ou mesmo no tapete da
sala de jogos. Valentina vai permitir a vida em nossa casa? Meu peito se enche
de algo quente e leve enquanto imagino trens, carros de bombeiros e brinquedos
de pelúcia espalhados por nosso chão.
— Aqui está. — Ela me entrega um copo de uísque com gelo e pega um
para si, que toca no meu. — Agora, me diga o propósito desta reunião familiar
secreta.
Provavelmente é melhor que eu a prepare antes de falar com Carly. Eu
medito sobre as palavras, mas não há maneira fácil de dizê-las. Finalmente,
decido ser curto e doce. — Valentina e eu nos casamos ontem.
Sua mão fica parada com o copo a meio caminho da boca, o
esmalte de unha vermelho se destacando contra o branco de sua
pele onde ela agarra o copo. Seus olhos se
arregalam e seus lábios se estreitam.
— Ela vai ter meu bebê.
Puxando o braço para trás, ela me dá um
tapa na bochecha. Eu vi o golpe chegando. Eu poderia ter
impedido, mas permiti que a violência fosse uma válvula de escape
para seu choque.
— Seu filho da puta. Como você ousa humilhar nossa família
assim? — Sua voz se eleva. — Você se casou com a empregada?
— Você sabe que a tornar nossa empregada foi ideia de
Magda de receber a dívida que ela acreditava que merecíamos.
— Ela pegou você, não foi?
— Na verdade, — dou a ela um sorriso frio, — eu a
peguei.
— Por quê? — Ela bate o copo no consolo da lareira, gotas
de álcool escorrendo pelas laterais. — Você poderia ter Helga ou
qualquer outra mulher de sua posição social.
— Eu não quero nenhuma outra mulher. — Minhas
palavras são medidas. — Eu a quero.
— Qual a idade dela?
— Vinte e três.
— Isso é algum tipo de crise de meia-idade? É por isso que você tem que ir
para uma garota quinze anos mais nova que você? Você tem que provar a si
mesmo que ainda consegue?
— É por isso que você está noiva de um homem mais jovem?
— Vai se foder, Gabriel. Não é o mesmo.
— Não, não é, porque suas decisões quando se trata de relacionamentos e
casamento não são baseadas em amor ou afeição, mas em qual movimento será
mais útil para sua posição financeira e política.
— Amor e afeição? — Ela solta uma risada. — Você está me dizendo que
a ama?
— Eu não sei sobre o amor, não mais, mas tudo o que eu sinto é a coisa
mais próxima que eu já senti de ser feliz.
— Você é um tolo.
— Eu fui um tolo por amar você uma vez.
— Você ainda ama.
— Talvez, você sempre será a mãe da minha filha, mas eu a quero mais do
que qualquer mulher que eu já quis.
A cor sumiu de seu rosto. A raiva enche seus olhos azul-violeta, mas ela
mantém uma voz calma. — Eu não vou reconhecer essa mulher ou seu filho.
— É meu filho. Sua natureza desagradável tornará as coisas mais difíceis
para todos nós, mas a escolha é sua.
Ela empurra o queixo. — Vou chamar a Carly e dar a vocês
dois um momento. Venha para a sala de jantar quando estiver
pronto.
Quando os saltos dela batem
no mármore, tomo um longo gole da
minha bebida. Um momento depois, minha
filha desce as escadas saltando.
— Papai! — Ela me dá um daqueles raros abraços. — Jantar
na semana? Na casa da mamãe? O que está acontecendo?
Deixo minha bebida na mesa e a puxo para se sentar ao meu
lado no sofá. Pela porta aberta, vejo Sylvia indo para a cozinha. Quando
nossos olhos se encontram, ela me dá um olhar de censura.
Eu puxo minha atenção de volta para Carly. — Como vai
à escola, princesa?
— Bem. Você viu minhas notas.
— Que tal morar com sua mãe? Está funcionando bem?
— Sim. É sobre me pedir para voltar para a sua casa?
— Claro que não. — Estou ganhando tempo, mas, por Deus,
é difícil tocar no assunto. — Eu tenho notícias. — Coloquei um
sorriso brilhante no rosto. —Notícias muito empolgantes.
— Pai, — ela coloca o cabelo atrás da orelha, — o que
é?
— Eu me juntei a alguém.
— Como no namoro? Isso é ótimo!
— Na verdade, é muito mais sério do que namorar. Já levamos isso para o
próximo nível.
— Você está noivo? — Ela grita. — Oh meu Deus! Quem é ela?
— Não noivo, Carly, — eu digo suavemente. — Eu me precipitei e me casei
com ela.
Seu sorriso desaparece. Ela me encara com a decepção que eu esperava,
mas almejava não ver. — Você se casou?
— Sim.
— Quando?
— Ontem.
— Eu... eu não entendo. Por que você não disse nada? Por que fazer isso
em segredo?
— Foi uma decisão impulsiva. Não é que eu não quisesse você lá para um
evento importante. Aconteceu no calor do momento. — Isso é o mais próximo
que posso chegar da honestidade.
Sua boca puxa para baixo. — Oh, meu Deus, eu tenho uma madrasta.
— Eu não quero que você pense nela como uma madrasta. Sylvia é sua
mãe. Ela é minha esposa, e vai significar muito para mim se você puder ser gentil
com ela.
Seu lábio inferior começa a tremer. — Quem é ela? Quer dizer, eu ao menos
a conheço?
— Sim, você conhece.
Uma carranca puxa sua sobrancelha. — Quem?
— É a Valentina.
Antes que o nome seja
terminado, ela está de pé. — Pai,
não! Como você pode? Ela é nossa empregada!
Eu me levanto e coloco minhas mãos em seus ombros. —
Carly, se acalme, por favor, e me escute. Não há nada de errado
em ser empregada doméstica.
— Ela passa minhas roupas e limpa meu quarto, pelo amor de
Deus!
— Ela era nossa empregada. Não mais. Temos um
serviço de limpeza para isso, agora.
— Uma empregada! Você não poderia ter feito uma
escolha menos humilhante?
— Não há nada de humilhante em ser uma empregada
doméstica. Valentina estava estudando para ser veterinária antes
de começar a trabalhar para nós, e ela só veio trabalhar para nós
porque devia muito dinheiro e não tinha escolha.
Ela se solta do meu aperto e vira as costas para mim.
Eu gemo por dentro. — Achei que você gostasse dela.
— É o dinheiro? Ela se casou com você pelo seu
dinheiro?
— Não.
Ela gira para me encarar novamente. — O que então? — Sua risada é
irônica. Nesse momento, ela se parece muito com a mãe. — Não me diga que
você está apaixonado.
— Ela vai ter um bebê, — eu digo suavemente.
Como Sylvia, seus olhos ficam grandes. O choque cobre suas feições,
deixando-a pálida e silenciosa.
Eu pego a mão dela. — Isso não muda o que eu sinto por você. Eu vou te
amar para sempre. Lamento que você tenha que descobrir assim, mas espero
que aceite Valentina como parte desta família.
Ela se afasta, cruzando as mãos atrás das costas. — Eu vou fazer dezessete
em um mês. Você não acha que é um pouco tarde para começar uma nova
família?
— Não é uma nova família, princesa. Somos todos família.
— Ela não é minha família e nunca será!
Com um soluço, ela sai correndo da sala. Estou dividido entre ir atrás dela
e dar-lhe espaço. Eu decido sobre o último. Acho que foi o melhor que pôde. Com
o tempo, ela mudará de ideia.
Sylvia inclina o quadril contra o batente da porta e gira o licor em
seu copo. — Parabéns, Gabriel. Espero que esteja feliz.
Ela me observa com desprezo enquanto atravesso a sala, um olhar que não
é desconhecido para mim. É o mesmo que ela me deu na cama, pouco antes de
a tocar.
Esticando o pescoço para mim, ela continua. — Acho que
o jantar está cancelado. Eu não sei sobre Carly,
mas se ela sente o mesmo que eu,
ela perdeu o apetite.
— Compreendo.
Ela achatou o corpo no batente da porta para eu
passar. Enquanto pego minha jaqueta, tenho plena consciência de
que manco e de como seus olhos ardem nas minhas costas.
— Boa noite, Sylvia. Vou ligar para Carly amanhã.
O gelo tilinta em seu copo. — Faça isso.
Ela não me acompanha até a saída e dirijo a curta
distância para casa. Gosto de dizer a mim mesmo que Sylvia
comprou uma casa perto da nossa por causa de Carly, mas
sempre foi o prestígio da vizinhança. Como Magda, Sylvia vem
de uma longa linhagem de descendentes onde o dinheiro é tudo
e o status é determinado pelo nascimento. O pessoal da casa não
se mistura com os proprietários. Aos seus olhos, Valentina
sempre será a criada. Até hoje, nunca percebi quantos valores
de Sylvia estão embutidos em Carly.
Quando chego em casa, encontro Valentina de joelhos
em nosso banheiro com a cabeça sobre o vaso sanitário.
Correndo para o lado dela, tiro o cabelo de seu
rosto. — Droga, Valentina. Você está bem?
Um leve aceno de sua mão deveria me mandar embora. — Apenas enjoo
matinal. — Seu corpo convulsiona, mas seu estômago deve estar vazio, porque
nada sai.
Preocupação queima em meu intestino. — Achei que isso só aconteceria
de manhã.
Ela dá duas respirações firmes. — Todas as horas do dia. — Sua risada é
fraca, mas não sem humor. — Este bebê não gosta de macarrão.
Eu passo minha mão sobre sua testa úmida. — O que você comeu?
— Fettuccini com cogumelos cèpe. Almocei com Kris no Roma's. — Ela se
vira e se joga contra o vaso sanitário. Seu rosto é branco pastoso e anéis escuros
estragam seus olhos perfeitos. — Sobre isso... — Um olhar severo invade aqueles
olhos turvos. — O que você está fazendo mandando para Kris todas essas coisas?
Me abaixei e a levantei em meus braços. Mesmo aos quatro meses de
gravidez, ela não pesa nada. A preocupação pesa mais sobre meus ombros. Ela
parece exausta. Pela forma como seu corpo está reagindo, eu a envenenei com
minha semente. Eu a coloco no box e começo a puxar o vestido pela cabeça dela.
Obedientemente, ela levanta os braços.
— Eu te fiz uma pergunta, Gabriel.
Eu solto o fecho de seu sutiã e empurro as alças por seus braços. — Ela é
sua amiga.
— É essa a sua motivação para gastar uma fortuna no consultório dela?
A calcinha vem a seguir, mas as botas dela me impedem de
tirar a meia. —Do jeito que as coisas estavam indo, seu consultório
não iria sobreviver por muito mais tempo.
— Se eu ficar, Kris terá uma
clínica renovada, e se eu for embora,
ela morre.
— Sim.
Minha resposta é dura, mas ela precisa entender até onde
vou. Saber que ela está aqui contra a vontade dela é uma pílula
difícil de engolir, mas vou engolir as chamas, o fogo e o lixo tóxico se
for o que tenho que fazer.
Eu me agacho para abrir o zíper de suas botas. — Por
que trazer isso à tona? Você está pensando em ir embora?
— Não.
Resposta correta. — Então deixe Kris aproveitar o
presente e pare de se preocupar com isso. Exceto pela massa
nauseante, como foi seu almoço?
Sua expressão se ilumina. — Boa. Eu sinto falta de
Kris. Ela é uma boa pessoa, você sabe.
— Eu não duvido.
Eu removo suas botas e depois as meias, permitindo
que meus dedos demorem mais do que o necessário.
— Você voltou mais cedo. — Seu olhar é
pensativo. — Como Carly recebeu a notícia?
— Não foi bem, mas ela vai aceitar.
— Oh, não, Gabriel. Eu sinto muito.
— Não é sua culpa.
— É sim. Se eu não tivesse engravidado...
Meu intestino se contorce de culpa. — Eu não quero ouvir você falar assim.
Se eu fosse confessar tudo, agora seria a hora, mas minha decisão está
tomada. Ela abre a boca, mas eu a imobilizo com um dedo nos lábios. Chega de
falar de nosso relacionamento certo em todos os caminhos errados. Sem mais
conversa, pelo menos não pelo resto da noite, não enquanto seu corpo nu estiver
bem na minha frente. Ficando de joelhos, seguro seus quadris e a puxo para
mim. Ela dá dois pequenos passos, mas o momento a faz tropeçar em mim. Eu
pressiono meus lábios contra seu abdômen e o seguro lá até que seu suspiro me
assusta.
— Oh, uau. — Ela solta uma risadinha encantada. — Eu o senti.
Minha garganta aperta com uma emoção desconhecida. — O bebê?
— Ele se moveu. — Ela encara seu estômago com admiração. — Pareciam
asas de borboleta.
Nós rimos juntos enquanto coloco minhas mãos sobre a pele firme de sua
barriga enquanto ela coloca suas mãos sobre as minhas. Não consigo processar
a maravilha que se desenrola sob minhas palmas. Ela é um milagre e torna
minha vida mais feliz por este presente incrível.
— Faça de novo, — ela diz, levantando as mãos para me dar acesso.
Planto beijos por toda a sua barriga, começando pelo umbigo
e terminando no osso púbico.
Ela diz meu nome como se fosse uma
palavra feliz. Um sorriso de dez
megawatts surge no meu rosto.
— Funcionou?
— Sim. — Ela ri novamente, seus olhos se enchendo de
reverência. — Oh, meu Deus, Gabriel. — Ela pega minha mão e a
move de volta sobre seu estômago. — Pode sentir isso?
— É muito cedo, linda. Me diga como é.
— Faz cócegas por dentro.
Um brilho feliz transforma o rosto pálido com anéis
escuros. É um lindo momento que não mereço, mas o aceito
com avidez. Eu ficaria de joelhos para sempre para fazer parte
desses marcos mágicos que Sylvia não compartilharia comigo.
Por mais um momento, eu a abracei, pressionando meu rosto
contra sua pele quente, inalando a fragrância de framboesa que
eu associo a ela. Estou relutante em deixar ir, mas ela
provavelmente está cansada e fraca por causa do ataque de
enjoo. Me afastando, tomo um banho. Há espaço suficiente
para nós dois ficarmos em pé confortavelmente, mas eu me
sento no banco e a coloco sobre meu corpo, sem querer
quebrar nosso contato. Ela me deixa cuidar dela,
lavando seu corpo e cabelos.
Quando estamos secos, eu a carrego para a nossa cama. Minha única
intenção é segurar ela enquanto descansa, mas quando sua mão envolve meu
eixo, minha força de vontade se dissolve. Eu rolo sobre ela, mantendo meu peso
em meus braços, e beijo seus lábios. Ela se engasga quando meu pau afunda no
calor de sua boceta, e então há apenas gemidos enquanto faço amor com ela,
lenta e reverentemente.

QUANDO CHEGA DE MANHÃ me forço a sair da cama. Valentina está


dormindo, e se eu ficar mais um segundo, vou acordá-la com meu pau na sua
boceta. Novamente. Fizemos amor até tarde e ela precisa dormir. Não posso agir
como um maldito adolescente com tesão perto dela o tempo todo. O problema é
que a quero mais do que nunca. Com curvas atraentes e feições bonitas, ela
sempre foi meu brinquedinho perfeito, meu animal de estimação, mas agora ela
é uma deusa. Quando me apaixonei por ela, foi por sua força e lealdade. Desta
vez, estou apaixonado por seu amor incondicional pela vida que carrega e por
sua natureza indiferente ao lidar com as dificuldades da gravidez.
Algumas mulheres adoecem, algumas ficam cansadas, algumas têm dores
nas costas e algumas desenvolvem desejos, mas Valentina tem de tudo. Esta
gravidez a atingiu com a força total de um furacão. Estou no banho quando ela
entra no banheiro e vomita suas tripas.
Saio em um flash, enrolando uma toalha em volta da minha
cintura. Eu a deixei terminar antes de ajudar a se
levantar.
Ela limpa a boca com as costas
da mão. — Lamento que você tenha visto isso.
Enredando meus dedos em seu cabelo, eu empurro sua
bochecha contra meu peito. — Você não tem nada para se
desculpar. Estamos nisso juntos, querida.
Ela coloca um centímetro de distância entre nós e me dá um
tipo de sorriso agradecido e culpado que despedaça meu coração,
porque eu não mereço uma gota de sua gratidão e
especialmente não sua culpa.
Ela toca seu cabelo rebelde matinal. — Eu devo estar
uma bagunça.
— Você nunca esteve mais bonita.
Desta vez, seu sorriso me cega com seu brilho. Ela segura
minha bochecha no lado marcado do meu rosto. — Você é doce.
— Doce? — Eu avanço sobre ela, prendendo-a contra o
balcão. — É assim que você me descreveria?
— Como açúcar.
— Açúcar, hein? — Ela grita quando eu a pego pela
cintura e a coloco no balcão. — Você está causando
sérios danos à minha reputação.
— Apenas um grande, velho, fofo e doce urso, — ela provoca.
— Velho? Fofo? Agora você está pedindo por isso. — Eu faço cócegas em
seus lados, provocando mais gritos e um ataque selvagem de riso.
— Pare, — ela diz entre lágrimas de riso, tentando agarrar meus pulsos.
Pego os dela e os coloco no espelho acima de sua cabeça. Eu quero olhar
para ela. Ela é incrivelmente linda quando acorda e ainda mais quando está feliz.
Lágrimas de riso grudam em seus cílios, tornando-os quase mais escuros. Traços
da mesma umidade correm por suas bochechas coradas. O cabelo sedoso cai em
cachos sobre os ombros. Seus seios estão firmes, seu novo peso puxando-os
ligeiramente para baixo. Sob meu escrutínio descarado, seus mamilos
endurecem, puxando suas aréolas com força. Estou de pé entre suas pernas,
seus joelhos roçando meus quadris. Meu pau se agita. Minha respiração acelera.
O monte de sua boceta raspada pressiona contra meu pau onde sobe sob a
toalha. Eu puxo a toalha do meu corpo e cubro as torneiras para proteger ela as
costas dela antes de dobrar seus joelhos e colocar seus pés na borda da bancada.
Ela está bem aberta e é tudo para mim.
Eu coloco a ponta de um dedo em seu clitóris. — Minha.
— Sua, — ela ecoa, sua respiração superficial.
— Eu quero fazer você queimar.
— Então me toque.
As risadas e brincadeiras se foram. Isso é exatamente o que vou fazer.
Tocá-la. Não deveria, mas não sou forte o suficiente para
resistir. Minha consciência diz que ela precisa descansar, mas
minha luxúria diz que ela está acordada, de
qualquer maneira. Que se foda
minhas boas intenções. Eu preciso
dela. Eu preciso do prazer dela. Eu preciso de
seu intenso prazer. É muito cedo para tomar ela como em Mount
Grace. Fodendo a bunda dela assim, eu meio que me perdi depois
de não a ter por tanto tempo, e não quero me perder de novo. Não
quero machucá-la, pelo menos não de uma forma não erótica.
Eu aperto seus pulsos. — Mantenha as mãos para cima.
O medo se mistura com a excitação em seus olhos. Ela
quer isso, porque foi isso que eu ensinei a ela. É assim que eu
a fiz. É tudo que ela conhece.
Alcançando o armário de parede por cima dela, tiro o óleo
para orgasmo que guardei para uma ocasião como esta. Eu
desatarraxo a tampa e coloco a garrafa no balcão. Ela me observa
com os olhos arregalados, lambendo os lábios nervosamente.
Toda a minha atenção se concentra em sua
boceta. Cuidadosamente, usando o dedo indicador e médio,
eu separo seus lábios, expondo o tesouro enterrado entre
eles. Seu clitóris está ingurgitado. A umidade brilha ao
redor de sua fenda. Ela está excitada. Inferno, eu
estou. Meu pau está prestes a entrar em combustão e
estou apenas olhando para ela. Segurando-a aberta,
viro a garrafa de cabeça para baixo e espero que uma gota se forme no bocal do
gotejador.
Eu pego seu olhar, silenciosamente comandando seus olhos para segurar
os meus. — Vai ficar quente, mas é perfeitamente seguro.
Ela comunica sua confiança com um pequeno aceno de cabeça.
— Boa menina.
Eu pingo o óleo estimulante em seu clitóris e massageio na protuberância.
Sua carne incha e fica um pouco mais escura. O calor penetra na pele calejada
da ponta do meu dedo. Eu só posso imaginar o quão quente seu clitóris delicado
deve estar queimando. A visão daquela carne deliciosa se transformando
em labaredas torturantes sob meus cuidados é o suficiente para me fazer
ejacular sem tocar meu pau, mas eu desvio meu olhar para ler a expressão em
seus olhos. Sua cabeça está apoiada no espelho, o rosto voltado para o lado.
Mais dois segundos e a gostosura se transformará em um inferno intenso e
rápido. Bem na hora, seus olhos se abrem. Manchas vermelhas colorem suas
bochechas.
Ela solta um gemido baixo. — Queima.
— Eu sei, querida.
Eu paro a massagem, dando-lhe tempo para absorver a sensação.
Conforme a intensidade aumenta, seu clitóris incha. Seus pés escorregam do
balcão. Ela tenta aliviar a sensação fechando as pernas, mas preciso assistir.
Empurrando suas coxas, eu prendo seu corpo com o peso do meu e
pressiono meu dedo revestido de óleo em seu traseiro.
— Quer queimar aqui também? — Eu
pergunto, beijando seu ombro.
— Não. — Ela se contorce
debaixo de mim. — Por favor.
— Então, mantenha as pernas abertas.
Ela gira os quadris, tentando pressionar suas partes em
chamas no mármore frio, mas eu pego suas pernas para a manter
imóvel. Ela morde o lábio inferior e tenta ficar quieta enquanto surfa
na onda que queima seus órgãos genitais, mas seus gemidos estão
ficando mais altos.
— Por favor, Gabriel. Eu preciso gozar.
O estimulante faz seu clitóris pulsar de necessidade, e a
mordida do calor só o deixará mais quente quando ela
gozar. Sua boceta está molhada com sua excitação, os lábios
rosas escuro e inchados, me convidando a afundar meu pau na
profundidade macia e quente além. À beira de explodir, meu pau
derrama pré-sêmen. Eu separo suas dobras com uma mão e
agito seu clitóris super estimulado com minha unha. Cada vez
que minha unha se conecta com sua pele, ela dilata um pouco
mais e geme um pouco mais alto. Eu conto cada
movimento, medindo a pressão com cuidado. Muito
duro ou mole e ela não encontrará liberação assim. Ela
goza na décima primeira contagem com um gemido que
eleva o telhado. Sua boceta se contrai em torno de nada além do ar, mas não
ficará vazia por muito tempo. Eu pressiono a cabeça do meu pau em seu clitóris,
esfregando em círculos para prolongar orgasmo. Ela aperta as pernas em volta
dos meus quadris. O calor que a levou tão alta penetra a ponta do meu pau e
queima meu eixo em uma mistura lenta e agonizante de prazer doloroso. O
desejo de atacá-la é forte, mas conto até cinco, respiro fundo algumas vezes e a
penetro com cuidado.
Sua boceta é apertada, quente e molhada com um eco distante de uma
queimadura. Eu paro quando estou enterrado ao máximo. Isso é o que eu
sempre quero, levá-la tão fundo que ela não saiba onde começa e eu termino. Há
uma necessidade infinita de meu ritmo quando começo a bombear. Ela deixa
cair os braços para agarrar a bacia para se apoiar enquanto eu empurro nela,
fazendo suas costas colidirem com o espelho. Eu preciso que ela goze, desta vez
comigo. Tendo decidido compreender seu corpo, sei como fazer isso acontecer.
Agarrando ambos os mamilos entre meus dedos, eu uso as pontas duras como
uma alavanca para balançar suas curvas. O aperto de sua boceta no meu pau é
a reação que procuro. Empurrei com mais força e acelerei meu ritmo. Seu corpo
fica tenso e suas pernas me abraçam com mais força.
— Goza, linda. — Eu libero seus mamilos e agarro seus seios em minhas
palmas, massageando a carne enquanto meu próprio clímax começa a se
construir na base da minha espinha. — Maldição. Porra.
Minha carga explode como jatos quentes de lava. Eu mordo
outra maldição e caio sobre ela, prendendo seu corpo entre meus
braços.
— Maldição, Valentina. — Eu
descanso nossas testas juntas
enquanto recupero o fôlego.
No momento em que me sinto mais ou menos estável, ela
ainda está recostada no espelho, seus músculos como uma massa.
— Não se mova.
Ligo o chuveiro e enxáguo nós dois, tomando cuidado para
lavá-la delicadamente. Quando ela está seca, eu cubro seus genitais
com um bálsamo vaginal para aliviar qualquer queimadura
persistente e apenas para ter certeza faço em seu buraco
apertado também.
Limpando meus dedos na parte interna de sua coxa,
procuro seus olhos. —Como você está?
Seu sorriso é suave e sonolento. — Mm.
Eu gostaria de poder levá-la de volta para a cama, mas
nosso primeiro compromisso será aqui em trinta minutos. Não
temos tempo para mais do que um beijo casto. — Se vista e
desça para o café da manhã. Você precisa comer. Depois do
café da manhã, há alguém que eu gostaria que você
conhecesse.
— Quem?
— Apenas faça o que eu digo.
— Eu vou verificar Charlie, primeiro. Foi a primeira noite em seu novo
quarto.
— Deixe-o dormir. Ele ficou acordado até tarde com Rhett, assistindo
filmes.
— Isso é novo para ele.
— Ele vai ficar bem.
— Eu só...
Minha palma pousa em seu traseiro nu. Smack. — Você está me
provocando deliberadamente para bater em sua bunda?
Por um momento louco, uma nova onda de luxúria flameja em seus olhos.
Parece que ela está considerando aquela surra proibida, mas então se vira para
escovar o cabelo.
Meu telefone vibra na mesa de cabeceira com uma mensagem de Magda.
Nosso compromisso chegou mais cedo. Graças a Deus Valentina não faz mais
perguntas. Não tenho ideia de como ela vai reagir ao homem esperando por nós
lá embaixo.
7
Gabriel

NA HORA QUE EU DESÇO CHRISTOPHER van Wyk e Magda estão


conversando na sala. Magda nos apresenta. Ele é um amigo próximo, e isso foi
ideia dela.
— Cheguei cedo, — diz ele, apertando minha mão, — mas não sabia como
seria o trânsito de Pretória.
— Por que você não se junta a nós na sala de jantar? — Eu ofereço. —
Podemos conversar durante o café da manhã.
Magda está servindo café quando Valentina desce as escadas. Como um
tolo, paro o que estou dizendo para olhar para ela pela porta aberta. Ela é
loucamente, desumanamente, angelicalmente bonita. Seu cabelo tem mais
volume e seu rosto tem um brilho de gravidez. Talvez parte disso sejam as
endorfinas pós-orgasmo correndo por seu sangue, mas a qualidade perolada de
sua pele macia é algo que só vi em mães grávidas. O vestido azul é justo,
mostrando a redondeza de seus seios fartos e barriga. Há um brilho em seus
olhos quando ela olha diretamente para mim, um sinal revelador de segredos,
de momentos em banheiros que só nós compartilhamos.
— Você estava dizendo? — Christopher pede.
— Eu-u h...
Valentina me salva parando na
porta.
Eu fico de pé. — Me deixe te apresentar a
minha esposa. Essa é a Valentina. Valentina, conheça Christopher
van Wyk. Ele é um psicólogo da hipnose.
Christopher dá a volta na mesa para apertar a mão dela. —
Prazer em te conhecer, Sra. Louw.
Magda fica tensa quando Christopher atribui nosso
sobrenome a Valentina, mas ela estampa um sorriso no
rosto. — Christopher é um amigo. Eu queria que você o
conhecesse, Valentina.
— Eu? — Valentina se senta na cadeira que seguro para
ela.
— Já que Charlie agora faz parte da família, — diz Magda,
— quero examinar todos os tratamentos possíveis.
Valentina me olha rapidamente, uma pergunta em seus
olhos.
— Não tive tempo de te contar. — A verdade é que eu
não queria dar a ela a oportunidade de recusar.
— Já tentamos tudo, — diz ela educadamente.
— Não hipnoses, tenho certeza, — diz Magda.
— Não, hipnose não, mas eu me encontrei com todos os especialistas em
Joanesburgo. Nada pode reverter o dano cerebral.
— Não estamos falando sobre reparar danos, — diz Christopher, se
sentando novamente. — Estamos falando sobre garantir que ele esteja
confortável e feliz.
— Garanto a você, Charlie é tão equilibrado e feliz quanto pode ser.
— Hipnoses podem ajudá-lo a ser mais autônomo. — Magda leva a xícara
aos lábios. — Ele precisa de mais estímulos e amigos. Existem instituições
maravilhosas em Joanesburgo que podem fornecer isso.
O alarme pisca em suas belas feições. — Gabriel, você disse que ele poderia
viver aqui.
— Ele pode. — Eu seguro sua mão. — Eu só quero que você considere
todas as possibilidades agora que dinheiro não é um problema.
— Ele precisa de mim. — Ela olha para as pessoas ao redor da mesa como
um coelho preso. — Eu sou a única família dele.
— Shh. — Eu puxo sua cadeira para mais perto da minha e coloco um
braço em volta de seus ombros. — Eu não quero que você fique chateada. A
decisão permanece em suas mãos.
— Você vai me deixar decidir?
— Claro.
Seus ombros tensos relaxam um pouco. — O que o tratamento envolve?
— Algumas sessões de hipnoses, — diz Christopher, —
durante as quais Charlie entrará em um estado de relaxamento
profundo. Ele sairá das sessões sentindo centrado
e em paz. Usei minha técnica em
casos semelhantes para ajudar com
insônia, perda de apetite, problemas de fala,
tiques, ações repetitivas, xingamentos involuntários,
comportamento antissocial e pensamentos incoerentes.
— Charlie tem um período de atenção curto e repete sílabas,
mas ele come e dorme bem.
— Vamos fazer uma avaliação extensa com antecedência, — diz o
médico.
— Se for do interesse de Charlie... — Ela olha para mim.
— É, — eu digo. — Existem também questões legais que
você negligenciou, como declarar Charlie financeiramente
incompetente e formalizar sua tutela. Veremos isso depois do
café da manhã.
Seu olhar oscila entre Magda e eu. Ela não confia em nós e
não a culpo. Ela sempre cuidou do irmão sem ajuda, e nós
íamos matar ele, afinal.
— Você não está mais sozinha, — eu sussurro em seu
ouvido. — Eu vou cuidar de tudo.
Valentina

DEPOIS DO CAFÉ DA manhã Gabriel me dá documentos para eu assinar


para declarar Charlie financeiramente incompetente e garantir minha
tutela. Estou ansiosa para ver como meu irmão está esta manhã, mas Charlie
acorda tarde. Vou ter que falar com Rhett sobre as noites de cinema. Charlie
está feliz com seu novo quarto, especialmente a televisão de tela plana montada
na parede.
Eu faço um café da manhã com chá e torradas para Charlie, e o apresento
para Bruno, mas os dois não se dão bem. Bruno deve sentir a apreensão de
Charlie. Normalmente, Charlie não se aventura fora a menos que seja atraído
por alguém balançando uma recompensa na frente de seu nariz, mas eu dou a
ele instruções estritas sobre como perguntar antes de ir para o jardim. Não acho
que Bruno vá atacar ele, mas prefiro ser cautelosa demais. Para tirar Charlie de
casa, decido levar ele às compras comigo depois do almoço.
Quando conto a Gabriel sobre meu plano, ele fica satisfeito por eu sair e
gastar dinheiro. Ele nos leva para fora e me entrega um molho de chaves.
Meus dedos se dobram em torno do chaveiro. — Chaves da casa?
— Sim. — Ele ri. — E suas rodas. Desculpe, não estava pronto quando
você chegou, mas não havia estoque na loja. Eu tive que pedir.
Há cinco carros estacionados na calçada da garagem
circular. A quem todos eles pertencem? Talvez os guardas ou Magda
e o pessoal do serviço de limpeza.
— Vá em frente, — diz
ele, indicando o controle remoto em
minha mão.
Quando pressiono o botão, as luzes indicadoras de um
Porsche Cayenne Turbo acendem.
— Isso é muito gentil, mas...
— Não diga que você não vai aceitar, — diz Gabriel
sombriamente, —porque é meu trabalho cuidar de você.
— Tudo bem, não vou dizer que não vou pegar, mas é um
carro grande. Eu só preciso de algo pequeno.
— É um carro seguro com espaço suficiente para um
carrinho de bebê, bebê conforto, cadeira de alimentação, babá
e tudo o que as mulheres precisam quando saem com um bebê.
O olhar rebelde de pânico em seus olhos enquanto ele
retumba os itens me faz rir. Eu o soco de brincadeira no braço. —
Não vou precisar de mais do que um carrinho de bebê e
definitivamente não vou precisar de uma babá.
— Não? — Ele parece surpreso.
— Minha mãe e eu éramos próximas.
Ele ainda me olha com a sobrancelha levantada
em dúvida.
— Eu quero criar meu filho sozinha. Quero experimentar tudo, tanto as
partes difíceis quanto as alegres. — As palavras de Kris de repente me
assombram. Eu envolvo meus braços em volta de sua cintura e olho em seus
olhos. — Você vai me deixar cuidar do nosso bebê, não vai?
A ternura em seu toque enquanto ele tira o cabelo do meu rosto me
tranquiliza. — Qualquer coisa que você quiser. Desde que não te canse muito.
Ficando na ponta dos pés, eu o beijo. — Obrigada pelo carro. — Eu aprendi
minha lição. Não adianta discutir.
— O prazer é meu. Dirija seguramente.
Ele acena para os guardas parados ao lado de uma Mercedes preta
enquanto Charlie e eu entramos em meu novo carro. Sei que eles o seguirão,
mas também sei que é para nossa segurança.
— Mi-milk-shake. Podemos tomar mi-milk-shake?
— Vamos comprar um presente para o Gabriel, mas podemos parar para
a sobremesa. Na verdade, podemos pegar mais do que milkshake. Que tal um
banana split?
A boca de Charlie cai aberta. Eu juro que tem uma gota de baba do lado.
Eu dou um tapinha em sua perna. — Eu sei. Você não teve muitos
desses. Quase não o suficiente.
Nós dirigimos para um shopping próximo em Rosebank. Depois de Orange
Grove, Rosebank é o subúrbio com o maior assentamento judaico. Portanto, não
é nenhuma surpresa que eu não encontrei alguém do ramo judaico
há muito tempo.
— Meu Deus, — grita Agatha Murray, —
você não é a garota Haynes? — Ela
olha Charlie de cima a baixo. —Você
deve ser Charles.
— Está certo. Como você está?
— Você provavelmente não se lembra de mim.
É difícil não se lembrar dela. Agatha tem a mesma aparência
de quando tirou a dentadura e bebeu o chá do pires em nossa
cozinha. Da cabeça aos pés, ela está vestida de preto, sempre um
vestido rendado com capa e chapéu. Ela está vestida assim
desde a morte do marido, muito antes da morte do meu
pai. Ela deve possuir mil chapéus. Eu nunca a vi repetir
um. Hoje, ela usa uma criação no estilo caixa com um buquê
de penas de corvo e um grande diamante falso que mantém tudo
unido.
— Oh, não, eu me lembro, — eu digo.
— Triste por seus pais. Tão errado.
Charlie começa a arrastar os pés. Ele está ficando
impaciente.
— E Charles, — diz ela quando seus olhos são
atraídos por seus movimentos. — Que tragédia.
As tragédias não estão na minha lista de tópicos do dia. O encontro desta
manhã com Christopher já me fez sentir culpada o suficiente. — Foi bom
encontrar você.
— Suponho que Charles teria assumido o negócio se não fosse o acidente.
Ele sempre foi um grande pedaço de um menino, todo músculos e o mais alto de
sua classe. Você acha que ele teria se tornado o chefão, talvez comandado a
máfia?
Eu olho ao redor para ver se estamos sendo ouvidos e mantenho minha
voz baixa. — Estou feliz por ele não fazer parte desse estilo de vida criminoso.
— Criminoso ou não, pelo menos você não teria acabado tão pobre quanto
ratos de igreja. Você ainda está em Berea?
— Nos mudamos.
— Para onde?
— Eu realmente tenho que ir.
Dedos ossudos se fecham em volta da minha mão esquerda. Antes que eu
possa me afastar, ela levanta meu dedo anelar para a luz.
— Olha só? — Ela dá uma gargalhada de galinha. — Pelo tamanho desta
pedra, não é o anel de Lambert Roos. — Ela estuda o anel, virando minha mão
para a esquerda e para a direita.
Conscientemente, eu me afasto.
— Lambert não teve escolha, você sabe. Ele queria se casar com você. Ele
não era de todo ruim, naquela época. — Ela funga. — Um pouco
preguiçoso, mas não de todo ruim. Tudo estava preparado para o
seu noivado no dia em que você fizesse dezoito
anos, e quando você sabe, os
portugueses arrombaram a porta e
ameaçaram matar todos se eles a recebessem.
Disseram que seria uma guerra entre judeus e portugueses. Sem
mais nem menos eles o soltam. Acho que o pagamento também
teve muito a ver com isso.
— O que? — Eu esqueço a preocupação de Charlie e minha
irritação. —Por quê?
— Não sei. Provavelmente dinheiro. O dinheiro é sempre
a motivação no negócio, não é?
Eu fico olhando para ela de boca aberta. Meu pai fazia
parte da máfia judia, mas eles tinham um acordo com
os portugueses no sul.
— De qualquer forma, — ela acena com a mão, — são águas
passadas. Essa vida se foi. Não sobraram muitos membros da
velha gangue. — Seus olhos assumem uma aparência distante.
— Eu-eu sinto muito. Eu tenho que ir. — Agarrando o
braço de Charlie, eu o arrasto ao longo da passarela.
— Espera! Você não me disse com quem se casou.
Não querendo ouvir mais, corro de frente para um
fluxo de pedestres. Arranhar as velhas feridas de como
meu pai morreu foi muito doloroso. Eu faço o meu
melhor para sacudir suas palavras enquanto tomo um gole de suco de fruta
enquanto Charlie engole uma fatia de banana com todos os acompanhamentos.
Enquanto estamos no café, Kris liga, perguntando como eu estou, e de alguma
forma consegue me distrair da minha viagem de culpa.
— Preciso de ajuda no consultório, — diz ela. — Você pode vir?
Eu devo a ela. — Ficarei feliz em ir. Posso levar Charlie?
— Eu estava esperando que você oferecesse. Ele fez um ótimo trabalho
passeando com os cachorros.
Concordamos que eu começaria na próxima semana com meu antigo
salário. Eu não preciso do dinheiro, Gabriel transferiu uma quantia
ridiculamente grande para minha conta, mas gastar seu dinheiro não parece
certo. Eu deveria ganhar o meu próprio.
— Venha almoçar amanhã, — ela diz. — Vamos conversar sobre a logística.
Depois da sobremesa, fomos às lojas. Quero dar a Gabriel algo de
aniversário. Não falamos sobre isso, mas a grande festa, aquela em que eu
deveria trabalhar, aconteceu enquanto eu estava em Durban. É patético, mas
me importo. Eu posso evitar tanto quanto posso ajudar como ele me faz sentir
com seu toque. Mesmo enquanto anseio por minha liberdade, para poder fazer
escolhas como qualquer outro ser humano, eu quis dizer isso quando disse que
o amo. Menti quando disse que o odeio mais. Meu amor por ele floresceu
silenciosamente dentro de mim, crescendo a partir do minúsculo grão que ele
plantou. Quando notei a árvore, já era tarde demais. Doeu quando
ele me disse que eu não queria dizer isso. Talvez tenha sido por isso
que retaliei dizendo que o odeio, e o fato de que
essas palavras ofensivas não tiveram
nenhum efeito sobre ele me feriu
ainda mais. Ainda assim, sempre fiel à sua
palavra, ele está fazendo isso bem para mim, e isso é o mais feliz
que estive em muito tempo, desde aquele trágico dia 13 de
fevereiro. Dar a ele algo de aniversário é minha maneira de mostrar
gratidão. O único problema é que não tenho ideia do que comprar
para ele. Gabriel tem tudo.
Andamos pelo shopping até que Charlie se canse e eu
tenho que tomar uma decisão. Parando em frente a uma
livraria, uma ideia me ocorre. Não demoro muito para
encontrar o livro que procuro. Eu pago e mando embrulhar.
Quarenta minutos depois, estamos em casa.
Com Carly morando na casa da mãe, Magda tem o jantar
servido mais tarde. Isso permite que ela e Gabriel trabalhem até
tarde. Charlie não vai durar tanto, então eu preparo espaguete
à bolonhesa e sirvo com salada na cozinha. Desembalamos as
roupas que os homens de Gabriel trouxeram da casa de Kris
e exploramos seus novos presentes, que incluem um
PlayStation e uma pilha de jogos, cortesia de
Gabriel. Ele está preparado para a noite quando Gabriel
chega em casa depois das nove. O jantar não é antes
das dez. Ele vai trabalhar mais uma hora em seu escritório. Com o presente
agarrado nas minhas costas, eu bato em sua porta.
Sua voz profunda está cheia de impaciência. — Entre.
Incerta, eu paro no batente da porta. Ele parece estressado e ocupado. Eu
estou perturbando-o.
Recostando na cadeira, ele solta a gravata com uma das mãos e estende a
outra para mim. — Venha aqui.
Eu ando ao redor de sua mesa e paro ao lado dele.
Ele estica o pescoço para olhar ao meu redor. — O que você tem nas
costas?
— Um presente.
— Um presente?
— Para você, — eu digo timidamente. Ele vai achar que é uma ideia boba.
— Para mim, — ele repete. Calor enche seus olhos e, em seguida,
apreciação enquanto ele trilha seu olhar lentamente sobre mim. Ele dá um
tapinha no joelho. — Então é melhor você vir aqui e dar para mim.
Mais um passo me coloca entre suas pernas enquanto ele as abre para me
acomodar. Com suas mãos em meus quadris, ele me levanta em seu colo, me
fazendo montar ele. O vestido sobe pelas minhas coxas, expondo minha
calcinha. Eu ainda tenho minhas mãos agarradas nas minhas costas, então ele
não pode soltar minha cintura sem arriscar meu equilíbrio, mas ele encara
o triângulo entre minhas pernas como se quisesse tocá-lo com cada
fibra de seu ser.
— É um presente muito bonito, — ele
pondera. — Mal posso esperar para
abrir.
O conhecimento de quanto ele me quer
enche meu centro de calor e meu coração com um tipo mais
profundo de calor. Eu pego o presente de trás das minhas
contas. — Isso é o que você precisa abrir.
Um sorriso puxa seus lábios quando ele me solta com uma
mão para pegar o presente. — Qual é a ocasião?
Eu seguro seu rosto, sentindo a aspereza de sua barba
entre minhas palmas, e beijo seus lábios. — Feliz
Aniversário. Eu estou... — É difícil para mim dizer isso, mas
tenho que tirar isso do meu peito. — Lamento não estar aqui.
Sinto muito por ter corrido. Sinto muito por colocar nossas vidas
em perigo. Eu deveria ter falado com você, confiado em você,
mas...
— Shh. — Ele me acalma com um beijo. — Não há nada
a perdoar. — Sua expressão fica dolorida. — Chega dessa
conversa, entendeu?
Eu concordo.
Ele mostra o presente. — Você quer que eu abra
isso agora?
— Quando você quiser.
— Segure no apoio de braço. Eu não quero que você caia.
Quando faço o que ele instrui, ele tira o papel e levanta o livro para ler o
título. — Nomes de bebê.
— Eu não sabia o que comprar para você. Você tem quase tudo, então
pensei que poderia escolher o nome dele.
Em nosso tipo de família, as mães dão nomes aos bebês. É uma regra não
escrita e inquebrável. Seu raciocínio é que, enquanto sofrerem as dores do parto,
a escolha é seu privilégio e direito. A dor do parto sempre foi uma moeda de troca
infalível, e os detalhes disso são um argumento que os homens não estão
preparados para enfrentar.
Gabriel engole em seco. Ele me encara com um olhar penetrante. — Você
vai me deixar escolher?
— Não é um presente real, mas...
O livro cai em sua mesa e seus braços me envolvem. —Você realmente vai
deixar?
— Se você está bem com isso.
— Valentina... — Ele pressiona nossas cabeças juntas. — Você não tem
ideia do quanto isso significa para mim.
— Eu estava com esperança.
— Obrigado. — Ele me dá o mais gentil dos beijos, sua barba aparada
arranhando minha pele. — É um presente lindo e altruísta.
— Você já tem alguma ideia?
Seus lábios se inclinam em um canto. — Você não deve dizer
até que o bebê nasça.
— Nunca vou conseguir
esperar tanto tempo!
Ele morde meu lábio inferior. — Parece
que você cavou um buraco muito fundo, mas não se preocupe,
você tem cinco meses para conquistar sua curiosidade.
— Você é malvado.
O sorriso desaparece e sua expressão fica séria. — Sim, eu
sou, mas não importa o que eu seja, você é minha.
Antes que ele possa dizer coisas mais sombrias, eu o
beijo novamente, correndo meus dedos sobre as rugas de suas
cicatrizes. Ele é minha escuridão e meu amor, e não tem ideia
de quão verdadeiramente eu sou dele.

Gabriel
MEUS HOMENS ME informam do desentendimento de
minha esposa com Agatha Murray. É acidental, ou eu teria
encontrado uma ligação para ou do número de Agatha no
telefone de Valentina. Sim, sou um canalha. Verifico as
ligações de minha esposa, mas é tanto para a proteção
dela quanto para minha paz de espírito. Nosso negócio é perigoso. Mesmo que a
maioria dos homens siga as regras e apenas um idiota maluco encostaria o dedo
em minha esposa, sempre há os loucos que cruzariam a linha. Além disso, ela
ainda é uma esposa forçada, que mantenho sob controle pelo prazer e das
ameaças, e prefiro ser prudente quando um membro da família mafiosa como
Agatha entra de repente no palco.
Não querendo levantar o assunto na frente de Magda, procuro Valentina
depois do café da manhã. Ela sai do quarto de Charlie com um cesto de roupa
suja. Que diabos? A coisa é tão grande que bloqueia sua visão. Ela quase bate
em mim. A colisão só é evitada porque a agarro pela cintura.
A preocupação faz minha voz parecer zangada. — O que você está fazendo?
Ela pisca. Seus olhos grandes e inocentes estão arregalados. —
Lavanderia.
Pego a cesta de suas mãos. — Você não deve carregar coisas pesadas. —
Esqueça isso. — Você não deveria lavar a roupa.
Um doce sorriso flerta com seus lábios. Eles são cheios e rosa, e beijáveis.
— Não há nada de errado com minhas mãos.
— Eu não me importo. Temos um serviço para isso.
— Não seja difícil.
— Você não viu difícil, ainda. — Eu coloco a cesta de lado, enredo minha
mão em seu cabelo e a arrasto para mim. — Eu posso mostrar a você, mas vai
custar suas lágrimas e prazer.
Esses lábios macios se abrem. Ela geme. Uma ondulação
suave corre pela pele delicada de sua garganta
enquanto ela engole. Quando eu
puxo sua cabeça mais para trás para
olhar nas piscinas escuras de seus olhos, ela
afunda contra mim, seu corpo quente e flexível. Suas pupilas
dilatam um pouco e seu olhar se torna lascivo.
Minhas palavras a excitaram. Eu, não há palavra para definir
o que sou. Combustão, talvez. Explodindo. Preso entre nossos
corpos, meu pau pulsa contra seu estômago, mostrando como ela me
afeta. O que eu quero é arrancar suas roupas e transar com
ela bem aqui contra a parede. Posso ficar louco se não o fizer.
Arrastando meus lábios sobre sua garganta, eu beijo um
caminho até sua mandíbula. — Você gostaria disso,
linda? Você quer um pouco de dor com o seu prazer?
Sua respiração fica presa. — Sim.
Eu roço o lóbulo de sua orelha com meus dentes. — Por
quê?
— Porque é bom.
O sádico em mim ruge. Eu quero bater nela, chicoteá-
la, usar o cinto nela, mas não enquanto ela estiver
grávida. A confirmação de que ela quer isso é o
suficiente. Soltando seu cabelo, pego seu rosto entre as
palmas das mãos e aperto nossas bocas juntas. Minha
língua atravessa seus lábios sem esperar que ela abra. Ela geme, e eu engulo
cada som. Minha mão se move sob seu vestido, encontrando o elástico de sua
calcinha. Meus dedos estão a um fio de cabelo de penetrar em sua boceta quando
alguém limpa a garganta atrás de mim.
Porra. Agora não. Eu deixei os lábios de Valentina irem com um som
próximo a um rosnado, bloqueando seu corpo com o meu até que eu abaixei seu
vestido para proteger seu pudor.
Magda passa por nós com uma carranca. — Você tem um quarto, pelo
amor de Deus.
Aquilo foi um balde de água fria no nosso momento. As bochechas de
Valentina queimam como lâmpadas. Ela desvia os olhos e puxa uma mecha de
cabelo atrás da orelha.
— Temos uma reunião em dez minutos, — Magda chama do final do
corredor.
Pegando a mão de minha esposa, eu entrelaço nossos dedos. — Chega de
lavanderia ou trabalho doméstico.
— Lavar roupa não é um trabalho árduo.
Meu tom não deixa espaço para discussão. — Sem lavar roupa.
Ela consente com um bufar.
— Meus homens me disseram que você encontrou Agatha Murray ontem.
— Oh. — Sua testa franze, como se a lembrança fosse desagradável. —
Sim.
— Você parece chateada. O que ela disse para você?
— Não foi nada.
— Valentina, não minta para
mim.
— Nada importante, de qualquer
maneira.
— É para mim.
Seus ombros caem. — Você é impossível.
Eu pego sua outra mão e puxo seu corpo contra o meu. —
Tenho uma videoconferência em cinco minutos. Comece a falar.
Um suspiro move seus seios contra meu peito. — Ela
disse que os portugueses ameaçaram a família de Lambert com
uma guerra se eles me acolhessem. Aparentemente, ele foi
subornado para não se casar comigo.
Cada músculo do meu corpo fica tenso. O que diabos eu
faço com a informação? É como suspeitei. Lambert não deu as
costas para sua noiva prometida porque ele não a queria. Ele foi
forçado. A questão é por quê.
O beijo que coloco em seus lábios é gentil. É minha
maneira de recompensar sua honestidade. — Seja uma boa
menina hoje. Te vejo no almoço. — Eu aperto suas mãos e
a liberto.
— Gabriel?
Eu sorrio como um adolescente. Deus, adoro quando ela diz meu nome,
principalmente com aquela pontinha de timidez, como se estivesse prestes a me
pedir alguma coisa e achasse que vou recusar. Se ela apenas souber que
arrancaria minhas bolas por ela.
— Valentina? — Eu deixei o nome dela rolar na minha língua.
— Não estarei aqui para almoçar hoje.
— Onde você vai?
— Vou ver a Kris. Com todas as extensões do consultório... — Ela torce as
mãos.
— O que é isso?
— Ela quer que eu trabalhe com ela novamente.
Kris fez o que eu pedi a ela. Isso vai ser bom para minha garota. Ela não é
do tipo que fica em casa. — Você quer?
— Gostaria disso.
— Bom.
Seu rosto se ilumina. Tudo brilha de seus olhos ao rubor feliz em suas
bochechas. — Mesmo?
— Mesmo. Fique segura.
Seu olhar fica sério. — Você também.
Meu pau se enfurece em protesto enquanto me afasto dela. Terminei.
Acabado. Chicoteado. Não há mais como me afastar dela. Nunca. Eu não posso
existir sem esse pedaço de mulher.

Valentina

EU DIMINUO MAIS ou menos minha náusea com dois


biscoitos e refrigerante de gengibre antes de me preparar para
encontrar Kris. Charlie e eu estamos na metade do caminho para o
meu carro quando Rhett vem correndo pela garagem. Pela forma
como o suor escorre de seu corpo, ele estava treinando. As
coisas entre nós têm estado estranhas desde que Gabriel me
trouxe de volta, principalmente porque o tenho evitado. Não é
culpa dele, mas ainda estou chateada por ter me traído. No
final, antes de correr, senti que estávamos nos tornando
amigos.
— Oi, — eu digo para ser educada sem parar meu passo.
Ele agarra meu pulso quando eu passo. — Valentina.
Eu olho para trás por cima do meu ombro. — Sim?
— Posso falar com você?
— Eu tenho um almoço marcado.
— Levará apenas cinco minutos.
Pelo aço em seu olhar, é claro que ele não vai
ceder.
— Tudo bem.
Ele relaxa um pouco e libera seu aperto. — Eu tive que dizer a Gabriel.
— Compreendo.
— Você não entende. Os homens de Magda iam matar você. A única
maneira de te manter segura era jogar aquele cartão da gravidez. Magda nunca
machucará a mãe de seu neto.
— Oh. — A compreensão floresce em meus sentidos. — Eu pensei que
Gabriel... eu pensei que ele...
— Ia forçar você a se livrar do bebê?
— Sim.
— Bem, agora você sabe.
— Eu devo a você um agradecimento, então.
— Eu vou me contentar se você não ficar com raiva de mim.
— Eu não estava com raiva. Você trabalha para Gabriel e sua lealdade está
com ele. Eu me senti traída.
Uma expressão de mágoa percorre seu rosto. — Eu não queria
comprometer sua confiança, mas como eu disse, se mantivesse minha boca
fechada, você estaria morta.
Eu olho para Charlie rapidamente, mas ele não reage.
Rhett estende a mão. — Amigos?
— Amigos.
Nós apertamos as mãos.
— Como vai você? — Seu olhar segue para minha barriga mais
redonda.
— Eu fico bem quando não
estou com náuseas, vômitos ou
choro à toa.
Ele sorri. — Espero que você esteja dando uma merda a
Gabriel por isso. — Seu rosto fica sério. — Ele está te tratando
bem?
— Sim. — Não quero discutir meu relacionamento com
Gabriel. — Muito bem.
— Bom. — Ele dá um tapinha nas costas de Charlie. —
Eu tenho que me preparar para o serviço da portaria. Até a
próxima. — A atmosfera entre nós é mais leve. Há um pouco
da velha brincadeira em sua maneira quando ele fala. — Pelo
menos o bebê me salvou de treinar você.
— Nem de longe.
Ele se vira e salta para trás. — Por quê?
— No minuto em que ele nascer, voltamos ao básico.
Ele geme, mas há um sorriso em seu rosto enquanto ele
sai correndo.
ENCONTRAMOS KRIS NA cozinha, fritando schnitzels6 de vitela. O cheiro
me desanima, mas engulo minha náusea.
— Sente-se, — ela diz. — A comida está quase pronta.
— Hum-Hum. — Charlie se senta em seu lugar habitual à mesa e enfia um
guardanapo no colarinho.
Eu sirvo a água enquanto Kris serve arroz, schnitzels, creme de espinafre
e purê de abóbora com canela.
— Então, — ela diz entre duas garfadas de comida, — eu decidi ir em frente.
— Os planos de extensão?
— A piscina, a nova sala de cirurgia, o canil maior, tudo.
— Bom para você.
— Eu achei que seria rude olhar os dentes do cavalado dado.
Minha suspeita cresce. Kris é uma pessoa com princípios demais para
mudar de ideia da noite para o dia. — Gabriel está por trás disso?
Ela arregala os olhos. — Você sabe que ele está pagando.
— Quero dizer, ele disse para você fazer isso por mim?
Apanhada. Suas bochechas ficam em chamas. — Ele pode ter mencionado
que será bom para você voltar a um negócio de que gosta.
— Você vai empurrar seu orgulho e fazer isso por mim?
Ela se estica sobre a mesa e segura minha mão. — Ele está certo, você
sabe. Desistir de seus estudos foi muito difícil. Ninguém sabe o quanto isso
significava para você melhor do que eu. Você perdeu um polegar e
nunca poderá ser uma cirurgiã veterinária, mas e daí? O que há de
errado em ser veterinária clínica?
— Não era isso que eu queria.
— Então coloque seu coração
em outra coisa. — Ela aponta o dedo para
mim. — Você ainda tem a paixão. Eu posso ver em seus olhos.
— Não vou voltar para a universidade.
— Você tem certeza?
— Não tenho mais ânimo para isso.
— Que tal um campo de ação diferente?
Eu esfaqueio um pedaço de carne. — Qual é a sua ideia?
— Gerenciamento de consultório.
— Você quer que eu conduza seu consultório?
— Se você não vai ser uma veterinária, que
seja. Posso contar com outro veterinário na equipe, mas preciso

6 Um schnitzel é uma fatia fina de carne frita

na gordura. A carne é geralmente temperada


com um amaciante de carne. Mais comumente,
as carnes são empanadas antes de fritar. O
schnitzel empanado é popular em muitos países
e é feito com vitela, porco, frango, carneiro, boi
ou peru.
de alguém mais para administrar o negócio. Isso vai liberar meu tempo para ser
uma veterinária e não uma gerente.
Meu interesse foi despertado. Parece desafiador e excitante.
Ela pega o arroz com um pedaço de pão e o coloca na boca. — Mais,
Charlie?
— Ma-Mais. É bo-bom.
Ela coloca outra porção no prato dele e segura a colher para mim, mas eu
balanço minha cabeça.
— Vamos precisar de uma recepcionista, — diz ela, — e de uma enfermeira
veterinária, talvez até de uma contadora, e de uma reforma. Uma área de
recepção mais agradável. Eu gostaria de administrar um centro de resgate em
conjunto com a clínica. Temos espaço suficiente nos fundos onde antigamente
ficava a horta. Deus sabe, não tenho tempo para plantar uma folha de grama,
de qualquer maneira.
Não posso deixar de rir de seu entusiasmo contagiante. — Devagar. Nós
precisamos primeiro de um plano financeiro.
— Nós? — Ela abaixa a faca e o garfo. — Isso significa que você está dentro?
— Tudo bem, estou dentro.
Ela agarra minha mão de um lado e a de Charlie do outro. — Os três
mosqueteiros.
— Nós três, — eu repito.
— Muito bem, garota.
Charlie, que capta a vibe, canta com Kris. — Muito be-bem. —
A risada transforma seu rosto. Por um momento,
ele se parece exatamente com ele aos
quinze anos, antes do acidente.
Eu seguro sua bochecha. — Você gosta
de passear com cães, não é?
Ele concorda batendo a ponta da faca na mesa até que eu
tenha que colocar minha mão em seu braço para imobilizar ele.
— Termine, — digo a ele. — Kris tem que voltar ao trabalho.
Ela olha para minha comida intocada. — Ainda se sente enjoada?
— Sim. Não há como dizer quando isso vai passar. Eu
gostaria de ser uma daquelas mulheres de sorte que só passou
mal durante o primeiro trimestre ou nem passou mal. — Um
pensamento me ocorre. — Espero não te decepcionar quando
chegar a hora de ter este bebê. Ninguém em sã consciência vai
empregar uma mulher grávida, muito menos para um trabalho
tão importante.
— Nós vamos dar um jeito nisso. Não se preocupe.
— Obrigada. — E quero dizer isso. Kris sempre foi
minha boia salva-vidas, e ela acabou de me dar uma grande,
graças a Gabriel.
Ela empurra o prato de lado. — Como vão as
coisas em casa?
— Bem. — Eu não posso evitar o sorriso ou calor que se arrasta em meu
rosto quando penso na reação de Gabriel esta manhã. — Maravilhoso, na
verdade.
Sua sobrancelha se levanta. — Mesmo?
— Por que você pergunta como se fosse impossível?
— Maravilhoso em que sentido?
—Gabriel é bom para mim. Ele é gentil, atencioso, generoso, amoroso...
— Amoroso?
— Sim.
— Você se esqueceu de mencionar controlador, possessivo e ciumento.
— Sim, ele é controlador, mas de uma forma protetora. — Ele também
ameaçou a vida da minha melhor amiga, mas ela não precisa saber. Enquanto
eu cumprir minha parte no trato, Gabriel manterá sua palavra. — Não vamos
esquecer que essa nova prática de gerenciamento não seria possível sem sua
generosidade.
— É verdade, ele faz um ótimo trabalho cuidando de você, mas isso é só
material.
— Como eu disse, ele é mais do que dinheiro.
— Você se apaixonou por ele.
Não há mais como negar. — Você sabe que sim.
— So–sobremesa, — Charlie diz, lambendo seu prato.
— Não faça isso, — eu castigo. — Não é educado.
— Tem pudim na geladeira, — Kris disse sem desviar sua
atenção de mim. — Sirva-se, Charlie. — Ela pega
minha mão novamente. — Val, o que
você está fazendo? Brincando de
casinha?
— O que há de errado nisso?
— Não é nada além de uma encenação se ele não te ama. Ele
ama?
Eu desvio meus olhos. — Provavelmente não.
Há compreensão e simpatia em seu tom. — Aí está a sua
resposta.
— O problema é que estamos morando juntos,
legalmente casados e vamos ter um filho. Na maioria das vezes,
estamos felizes. Eu não vou mais lutar. — De qualquer forma,
não tenho escolha. — Nem sempre podemos ter tudo o que
queremos, mas podemos ser felizes com o que temos.
— Tudo bem. — Ela aperta meus dedos e solta minha
mão. — Estou com você. Cem por cento. Sem mais perguntas.
— Obrigada, — eu sussurro.
— Posso não concordar com o que Gabriel faz para
viver, mas sou grata a ele por tirar você de Berea. Essa
área só está piorando. Com Jerry sendo assassinado e
tudo mais...
— O que? — Eu agarro seu braço, meus dedos cavando em sua carne. —
O que você disse?
— Merda. Você não sabia.
— Jerry?
— Sim.
— Quando?
— Ontem. Sinto muito, Val. Achei que Gabriel tivesse contado a você. —
Ela acrescenta se desculpando. — Talvez ele não saiba.
Gabriel deve saber. Berea é seu território. Ele sabe de tudo o que acontece
lá. Um conhecimento doentio cresce em meu intestino.
— Como? — Eu pergunto.
— Um tiro entre os olhos. Um vizinho o encontrou em seu apartamento.
— Eles têm um suspeito?
— O artigo do jornal não dizia. Não acho que a polícia vai fazer um grande
esforço por um ladrão de carros assassinado em Berea.
Eles não vão. Uma morte acontece a cada vinte e cinco minutos. Jerry é
um ladrão a menos para lidar, e ninguém se importa se seu assassino for pego.
O sufoco paira como uma capa sobre mim. O ar na cozinha de Kris de
repente ficou pesado demais para respirar.
Verificando meu relógio, mantenho meu rosto calmo. — Vamos deixar você
voltar ao trabalho. Obrigada pelo almoço. — Já estou de pé, limpando a mesa.
— Deixe isso para mim, — Kris diz. — Vou fazer isso hoje à
noite.
— Não vou deixar você voltar para uma
cozinha suja.
Com a ajuda de Charlie, os
pratos estão limpos e secos quando Kris está
pronta para reabrir o consultório. Eu ando até o carro com as
pernas trêmulas, mal consciente do que está acontecendo ao meu
redor. Os guardas de Gabriel estacionados do outro lado da estrada
me reconhecem e entram em seus carros quando o fazemos. Me
certifico de que Charlie está com o cinto de segurança e arrasto
algumas respirações profundas em meus pulmões. Sozinha
com Charlie que não vai notar, eu deixo a verdade cair sobre
mim. Minhas mãos tremem no volante enquanto o que Kris
continua me lembrando, a mesma coisa que eu ignorei e tentei
esquecer, me atinge com força.
Meu marido é um assassino e matou o homem que me
ajudou a escapar.
8
Valentina

DIRIGIR PARA CASA PASSA em uma névoa. Não consigo lembrar se parei
em algum semáforo. Só consigo pensar que Jerry está morto por minha causa,
e meu marido o matou. Sim, Jerry foi um canalha que me colocou nessa situação
terrível, mas isso não significa que ele merecia morrer.
Coloco o desenho favorito de Charlie em seu quarto e corro para o
escritório de Gabriel, sem me importar se meu rosto está manchado de lágrimas
ou se meu rímel está escorrendo. Gabriel levanta os olhos quando abro a porta.
O sorriso congela em seu rosto quando ele me observa. Ele fica de pé, o vacilo
sempre presente revelando a tensão que a ação coloca em sua perna.
— Como você pode? — Eu choro.
— Valentina. — Sua voz é áspera, autoritária. — Se acalme.
— Não me diga para me acalmar. Você matou Jerry!
Uma mistura de simpatia e pesar suaviza suas feições. — Quem te contou?
— Está no noticiário. — A última coisa que quero é implicar Kris.
Contornando sua mesa, ele pega meus ombros. — Eu deveria
ter contado para você, mas eu não queria te chatear.
— Por quê? Foi porque ele me
deu um carro?
— Não é o que você pensa.
Eu bato minhas palmas em seu peito. — Seu filho
da puta.
Ele segura meus pulsos. — Se acalme, por favor, ou serei
forçado a te amarrar.
Com isso, eu paro. Gabriel nunca faz ameaças inúteis.
— Você vai ficar quieta se eu te deixar ir? — Ele parece
genuinamente preocupado. — Todos esses gritos e choro
não podem ser bons para o bebê.
Eu quero odiar ele, mas não posso. Nem mesmo quando
acho que ele atirou em Jerry. Meus ombros caem.
— Você vai ouvir? — Ele pergunta.
— Sim.
— Calmamente, — ele insiste.
Eu não tenho escolha a não ser concordar. —
Calmamente.
Ele me solta lentamente, me testando. Quando eu
não me movo, ele passa os polegares nas minhas
bochechas, enxugando as lágrimas. — Foi Scott quem
atirou em Jerry.
— O guarda-costas de Magda?
— Sim.
— Por quê?
Ele respira fundo e o segura por um momento.
— Me diga, — eu insisto. — A verdade.
— Ele ajudou você a correr, e não deveria. Ela tinha que fazer dele um
exemplo.
Há dúvida na maneira como ele fala as palavras. Tenho a sensação de que
ele não acredita em si mesmo. — Você estava lá?
— Sim, — ele diz gravemente.
Empurrando suas mãos, eu cubro meu rosto. — Oh, meu Deus, Gabriel. É
minha culpa. Ele morreu por minha causa. Por que você não parou Scott?
— Ele não me deu chance. Valentina, olhe para mim. — Ele agarra meus
braços e afasta minhas mãos do meu rosto. — Jerry não era nenhum santo. Ele
colocou Charlie nessa confusão.
Minha aparência é cortante. — Você quer dizer que ele me escravizou.
Seus olhos de geleira ficam duros e seu aperto aumenta a ponto de doer. —
Você não entende o significado da palavra escravo. Eu fiz de você uma princesa,
mas se você quiser ser tratada como uma escrava, isso pode ser arranjado.
De todas as verdades duras e frias, esta é a mais profunda, porque é mais
uma afirmação do que Kris vive me dizendo. Gabriel não me ama. Eu sou um
objeto. Ele pode me transformar de princesa em escrava conforme
seu humor muda.
A dor em meu coração me faz atacar ele com
raiva. — O que eu quero não
importa, de qualquer maneira. Você
vai fazer comigo o que quiser.
— O que você é para mim está inteiramente em suas
mãos. Você pode viver com conforto e ser querida ou ser
acorrentada em meu porão e dormir em uma gaiola.
— Mas eu nunca poderei sair.
— Não, você nunca pode sair.
— Então eu não sou nada além de sua prisioneira.
— Essa é uma maneira de ver. A outra maneira de ver as
coisas é que você é minha esposa.
Soluços saem do meu peito e chegam aos meus
lábios. Eu estava indo tão bem no faz de contas até algumas
horas atrás. Como pode doer tanto? Por que eu não escutei
Kris? Por que me tornei vulnerável? Agora é tarde demais. Eu me
apaixonei por ele, e dói para caralho que ele não sente o mesmo
por mim.
—E u não entendo. — Eu envolvo meus braços em volta
de mim e dou um passo para trás. — Por que eu? Por que
você está fazendo isso comigo?
Ele elimina o espaço entre nós com um passo
fácil. — Eu já te disse, não preciso de um motivo.
— Te odeio! — Eu acentuo a declaração com um punho em seu peito.
Suas palavras são ternas, compassivas. — Já estabelecemos isso.
Não tenho mais forças para lutar sozinha. Eu não posso lutar contra ele e
eu. Ele fez eu me apaixonar por ele sabendo que nunca me amará de volta. Como
pode um homem ser tão cruel?
— Por favor, Gabriel, se você sente alguma coisa por mim, qualquer coisa,
me liberte. — É minha única esperança de salvar o que resta do meu coração.
Ele envolve seus braços em volta de mim e me puxa para perto, com
cuidado, como se eu tivesse asas de papel de arroz. O abraço é o que ele oferece.
Esta é a sua resposta. Ele não vai me libertar. O que recebo em troca de amor é
um abraço de consolação.
— Eu te odeio, — eu digo, soluçando em seus braços, me odiando mais
porque eu não consigo nem mesmo dizer as palavras malditas.
Ele beija o topo da minha cabeça. — Estou com você, querida.
O homem que inflige a dor é o homem que oferece o bálsamo, me segurando
contra o calor de seu corpo e sussurrando palavras suaves em meu ouvido.
Gabriel é uma constante que nunca muda. Ele cuida de mim agora como faz
depois de me chicotear com o cinto ou a palma da mão. Seu comportamento
quando me machuca emocionalmente é o mesmo de quando ele me tortura
fisicamente. Não tenho forças para não aceitar este ramo de oliveira que ele
oferece. Não tenho forças para não cair nele. Como sempre, ele está lá para me
pegar e carregar através de sua crueldade. Enquanto ele me levanta
em seus braços e se move em direção às escadas, eu já lamento
minha rendição.

Gabriel

TODO SER VIVO LUTA POR uma coisa. Liberdade. Eu


reivindiquei uma mulher e tirei isso dela. Em vez de colocá-la em
uma gaiola, cortei suas asas para impedi-la de voar. Com o
tempo, algumas criaturas enjauladas são domesticadas.
Alguns permanecem selvagens para sempre. Valentina se
enquadra na última categoria. Seu espírito é muito forte, mas
minha vontade é mais forte. Minha necessidade é mais
feroz. Vou quebrar ela, uma e outra vez, fazê-la se submeter a
mim uma e outra vez, até que ambos dermos nossos últimos
suspiros.
Ela é minha gatinha preta.
Ela é minha para sempre.
Suas lágrimas me tocam, mas não com a luxúria
perversa que sinto por sua dor erótica. Essa dor me
corta. Eu a carrego para o nosso quarto e abro a porta.
Esta é uma daquelas ocasiões em que quero amá-la com
ternura, dando-lhe conforto para compensar o que não vou dar, a liberdade pela
qual ela luta. O amor que ela merece.
Fazendo um trabalho rápido de nos despir, eu a coloco na cama e cubro
seu corpo com o meu. Eu apalpo entre suas coxas para testar se ela está pronta
e ela está escorregadia. Sempre molhada para mim. Eu não espero. Coloco meu
pau em sua entrada, separo suas dobras e penetro sua boceta.
Quando ela geme e se contorce eu dou mais a ela, e quando ela começa a
ofegar eu dou tudo, levando seu corpo para um lugar onde o prazer é liberdade.
Ela se agarra a mim com seus braços e pernas enquanto seu orgasmo a esmaga.
Nosso acoplamento é simples, puro e completo. Presos um no outro, nossos
corpos conectados, por alguns momentos abençoados que ambos esquecemos.

Valentina

A MANHÃ CHEGA E volto a fingir. É a única maneira de sobreviver. Não é


como se nada além do meu coração estivesse sofrendo. Muitas pessoas estão em
situação pior. Olhe para o pobre Jerry. Estou bem. Tenho sorte. Poderia ter sido
eu com uma bala no cérebro. Quem precisa de liberdade e amor? Eu cansei de
chafurdar na piedade egocêntrica. Existem outras pessoas a serem
consideradas.
Hoje é o primeiro dia do novo tratamento de
Charlie. Eu dei meu consentimento,
porque não consegui encontrar
nenhum argumento para não tentarmos.
Nós não temos nada a perder. Espero ansiosamente fora da
sala de televisão onde Christopher está trabalhando com
Charlie. Pedi para ficar com meu irmão, mas Christopher disse que
isso prejudicaria seus esforços e inibiria Charlie. Gabriel está
sentado ao meu lado no corredor na famosa poltrona Louis Vuitton de
Magda, aquela que Oscar quase destruiu, segurando minha
mão. Ele age como um bom marido, e não falamos sobre
ontem.
Eu me afasto dos meus pensamentos quando a porta se
abre. Christopher aparece primeiro.
— Como foi? — Eu pergunto, me pondo de pé.
— Muito bom. Nós temos um progresso.
— Mesmo?
Charlie segue. Ele parece feliz, calmo e muito desperto,
desperto como se estivesse no presente.
— Ei. — Eu toco seu braço. — Como você está se
sentindo?
— Ó-ótimo.
— Está com fome?
— Fa-faminto.
— Que tal um hambúrguer? — Gabriel pergunta. — Posso começar
a assar.
— Ha-hambúrguer.
— Madeira ou gás? — Ele pergunta.
— Ma-madeira.
Charlie adora uma lareira. Ele pode ficar olhando para as chamas por
horas.
— Vamos cuidar do almoço, então. Depois, vamos jogar futebol com os
guardas.
Gabriel pega Charlie e me deixa sozinha com Christopher. Por mais que eu
me ressinta com meu marido, eu o amo por isso.
— Você acha que as sessões farão diferença? — Eu pergunto.
— Eu acho. — O médico muda uma pasta de uma mão para a outra. —
Começaremos com exercícios gerais de relaxamento e depois trabalharemos a
fala.
— Quanto de suas velhas memórias ele ainda tem?
— É difícil dizer. Só posso saber se o levar de volta ao passado. Por que
você pergunta?
— Eu só queria saber se ele se lembra de nós como éramos antes do
acidente.
— Ah. — Ele larga a pasta e tira os óculos. — Sra. Louw...
— Valentina, por favor.
— Valentina, — uma nota de cautela desliza
em sua voz, — nunca será como
antes.
— Eu sei. Eu só estava esperando...
— É normal sentir falta da velha personalidade, a pessoa
antes do dano cerebral, mas não é propício querer viver no
passado. É melhor aceitar o presente e otimizar o que temos.
— Compreendo. — Eu sinto muito a falta do meu
irmão. Anseio pelo Charlie que destruí.
Ele me olha com os olhos semicerrados. — Talvez você
pudesse usar um pouco de hipnoterapia. Você viveu uma
experiência traumática com o acidente, e o trauma é muitas
vezes contínuo para aqueles que cuidam dos feridos.
— Oh eu estou bem.
— Não vai fazer mal tentar. Não foi isso que dissemos sobre
Charlie?
— Sério, estou bem.
— Me avise se mudar de ideia.
Eu estendo minha mão. — Obrigada. Posso te
acompanhar?
Seu aperto de mão é firme. — Eu quero me
despedir de Magda antes de ir, mas não se preocupe,
eu sei o meu caminho.
Gabriel
ESTAMOS NA MESA DE jantar. Magda está na cabeceira e Valentina à
minha frente ao lado de Charlie. Nosso garçom entra com o vinho.
— Sem vinho para Charlie ou para mim, obrigada, — diz Valentina, como
todas as noites.
— Água, senhora?
— Com gás, por favor.
Magda levanta um dedo. — Pare. Com gás vai te causar indigestão.
Valentina não discute, mas eu sirvo um copo de água com gás para minha
esposa. O olhar de Magda é condescendente, como se eu fosse uma criança que
a desafia obstinadamente com o único propósito de criar conflito.
Quando o assado é servido e Valentina adiciona sal, Magda diz. — Sem
tanto sal. Não é bom para o bebê.
Eu imobilizo Magda com um olhar. — A pressão arterial dela está boa.
Magda dá um gole no vinho. Seu olhar se move sobre Valentina. — Você
não poderia caber em um vestido mais apertado?
O vestido preto foi minha escolha, e Valentina fica linda nele. Mostra sua
barriga crescendo do jeito que eu gosto. Eu quero que o mundo veja que ela está
carregando minha semente em seu ventre.
Valentina se mexe na cadeira, mas pisco para ela. — Eu gosto
dele.
Magda faz um som
sarcástico. — Claro.
— Podemos comer em paz, agora? — Eu
pergunto incisivamente.
Apertando os lábios, Magda me lança um olhar
desagradável.
Por um tempo, comemos em silêncio, exceto pelo barulho dos
talheres de Charlie. Ele tem o hábito de cortar tudo em seu
prato em pedacinhos.
No meio da refeição, Magda está em sua terceira taça de
vinho. De vez em quando ela lança um olhar irritado na direção
de Charlie, seus olhos focados na faca que ele arrasta através
da carne.
Como se ela não pudesse suportar olhar para ele
massacrando sua carne por mais tempo, Magda se vira de lado
em sua cadeira, cortando Charlie de sua visão periférica. —
Alguma notícia de Carly?
A comida estraga na minha boca. Magda sabe que é
um assunto delicado e que não quero discutir na mesa de
jantar. Eu engulo e tomo um gole. — Nada de novo.
— Eu sinto falta dela. — Magda suspira. — Quando ela volta para casa?
Sua visita de fim de semana não está atrasada?
Charlie deixa cair sua faca. Faz um barulho alto ao atingir o prato. Magda
estremece. Ela fecha os olhos por cinco segundos, provavelmente contando para
ter controle sobre sua paciência.
— Eu disse... –– ela começa.
— Eu ouvi o que você disse. Sylvia e eu não trabalhamos assim, e você
sabe disso. Carly tem idade suficiente para decidir quando quer visitar. Ela sabe
que seu quarto está sempre pronto.
— Talvez você deva forçar, Gabriel. — Seu olhar continua voando para
Charlie, que está beliscando cada minúscula porção de comida em seu prato
com o barulho alto de seu garfo. — Você é muito mole com ela.
Charlie dá uma mordida e mastiga exatamente dez vezes antes de engolir.
Ele repete isso com cada pedaço.
Magda se vira para Valentina. — Você deveria ocupar o quarto à sua
esquerda para o bebê. Você já pensou em decorar?
Valentina olha para mim. — Gabriel e eu não discutimos isso, ainda.
A mulher doce e incrível que ela é vai me permitir fazer parte da criação de
um quarto para Connor. Foi assim que decidi chamar ele, em homenagem ao
meu bisavô, que admiro muito.
Eu sorrio para ela, dizendo o quanto ela me agradou. — O que você
gostaria?
— Eu estava pensando em cores vivas como verde e azul com
um tema de selva. Algo feliz.
Se ela quiser macacos e presas
de elefante nas paredes, ela pode
ficar com isso. Ela pode ter qualquer coisa que
quiser.
Como de costume, Magda tem que jogar um balde de água
fria. — Verde e azul? — Ela gargalha. — Não vai combinar com o
resto da decoração da casa. Eu vi um lindo berço em madeira caiada
com um edredom bege bordado à mão. Ele ficará perfeito com paredes
brancas e cortinas cor de areia. Devemos substituir o carpete
por azulejos. Um tapete fica muito sujo com um bebê.
Valentina se endireita. — Obrigada por sua contribuição,
mas não é meu estilo.
É a primeira vez que Valentina desafia Magda tão
abertamente, e Magda não gosta disso. Eu, por outro lado, estou
extasiado por minha minúscula esposa ter coragem suficiente
para defender o que deseja.
— Bem, — Magda olha entre nós, — está ainda
é minha casa.
É uma declaração vencedora para um
argumento. Não há muito que Valentina pode dizer
sobre isso, e o olhar presunçoso no rosto de Magda diz
que ela sabe disso.
Venho pensando em conseguir nosso próprio lugar e agora minha decisão
está tomada. A atmosfera nesta casa é muito tensa.

Gabriel

DEMORA MAIS TRÊS semanas de bajulação antes de Carly concordar em


vir. Ela não concorda com uma visita de fim de semana, mas me contento com
o almoço de sábado que ela me propõe. Para tornar isso o mais descontraído
possível, planejo um churrasco à beira da piscina. É final do outono e a água
está fria demais para nadar, mas o dia está ensolarado e agradavelmente quente.
Um almoço ao ar livre fará bem a todos nós.
Carly não diz uma palavra no carro a caminho de nossa casa.
Na garagem, desligo o motor e viro para ela. — Há algo que você gostaria
de conversar antes de entrarmos?
Ela olha para a frente com os braços cruzados sobre o peito. — Como o
quê?
— Como o fato de que Valentina e eu somos casados e vamos ter um filho.
— Você já disse tudo não foi?
— Não seja uma piadista. Quer falar sobre como isso te faz
sentir?
Ela me lança um olhar sujo. — Envergonhada?
— Sinto muito se minha
escolha a envergonhou, mas ela é
uma mulher boa e forte, e estou
orgulhoso dela.
— Como você esteve orgulhoso da mamãe?
— Isso não tem nada a ver comigo e sua mãe. Sua mãe
escolheu um caminho diferente e eu aceitei. Você também deveria.
Afastando o rosto de mim, ela puxa a bainha da blusa. — Você a
trata de maneira diferente.
— Como?
— Você a ama mais.
— Por favor, não compare ela e sua mãe. Também não é
justo.
— Você amou a mamãe?
— Muito.
— Por que mudou?
— Pessoas mudam. Às vezes, nos distanciamos ou
queremos coisas diferentes.
— Mamãe queria coisas diferentes ou era você?
— Apontar o dedo e culpar não vai ajudar. É o que
é. Precisamos aceitar isso e seguir em frente.
Ela bufa. — Você certamente fez.
— Você prefere me ver sozinho pelo resto da minha vida?
— Não sozinho. Só com alguém diferente. Ela é uma interesseira.
— Me escute, Carly. Valentina não pediu para ser colocada nesta situação.
Se for culpa de alguém, é minha. Isso também é difícil para ela. Você vai pelo
menos tentar fazer um esforço?
— É por isso que estou aqui, não é?
— Bom. Obrigado. Antes de entrarmos, há mais coisas que você
deve saber.
Ela vira a cabeça para mim rapidamente. — Mais? O quanto isso pode ficar
pior?
— Carly, — eu digo severamente. Estou tentando ser paciente, mas a
atitude dela não ajuda.
— Está bem, está bem. — Ela revira os olhos. — Estou ouvindo.
— O irmão de Valentina vai ficar conosco.
Ela se engasga. — Você está mudando toda a família dela?
— Apenas o irmão dela.
— Por que ele deve morar aqui?
— Ele tem danos cerebrais e precisa de muitos cuidados.
— Oh, meu Deus. — Ela faz uma careta. — Uma pessoa com deficiência
em nossa casa?
— Estou orgulhoso da forma como Valentina cuida dele.
— Dê a ela uma estrela dourada na testa ou algo assim. Ela
não tem outra família que pode acolher ele?
— Não e esse não é o ponto. Eu ofereci.
— Quão louco ele é?
— Ele não é louco. Ele perdeu
algumas de suas funções cognitivas.
Principalmente, ele repete partes de palavras.
— Essa vai ser a festa do chá maluca do Chapeleiro Maluco.
— Não vou tolerar esse tipo de conversa, entendeu?
Ela solta uma lufada de ar. — Podemos entrar agora? Está
calor no carro.
— Se lembre do que eu disse. Isso não é culpa de
Valentina.
Ela sai e bate à porta. Eu respiro fundo algumas
vezes. Admito, não esperava que ela ficasse em êxtase. Não a
culpo por ela estar chateada, mas não posso ficar parado e deixa-
la ser má com Valentina por algo que é minha culpa.
Pego a bolsa de Carly na parte de trás e a sigo para dentro.
— Estamos do lado de fora, — grita Magda quando a porta
batendo anuncia nossa chegada.
Em vez de ir para a varanda, Carly pega sua bolsa de
mim e desvia em direção às escadas. — Eu te encontro na
piscina. Eu vou me trocar.
Parte da tensão deixa meu corpo quando eu saio
e vejo Valentina. Ela está vestida com um vestido
apertado com o cabelo puxado para trás. Deus, ela é linda. O tamanho da barriga
não a incomoda, mas Valentina nunca se deu conta de sua beleza física. O fato
de ela não saber o quão desejável ela é apenas a torna mais desejável para
mim. Uma mecha que escapou do elástico está sobre sua têmpora e um rubor
marca suas bochechas, sinais reveladores de que ela tem estado ocupada. Ela
está ocupada em torno da mesa da varanda, que está coberta com louças verdes
e guardanapos amarelos brilhantes. Um ramo de girassóis é a decoração
central. Magda está deitada em uma espreguiçadeira, lendo um livro, e parece
que Charlie está fazendo origami da maneira como dobra meticulosamente os
guardanapos de papel.
Eu atravesso a varanda e puxo Valentina para mim com uma mão em seu
quadril. — Ei, linda.
Ela sorri para mim. — Fiz salada de batata e beterraba com pão de alho.
Tem torta de chocolate para a sobremesa. Você acha que vai servir?
— Perfeito.
Eu me certifico de que ela perceba o quanto eu aprecio seu esforço com
um beijo suave. O vermelho de suas bochechas escurece.
Ela primeiro olha para Magda e depois para as portas de correr. — Onde
ela está?
— Se trocando. Ela descerá em um minuto.
Carly leva tempo para se juntar a nós. No momento em que entra pela
porta vestindo um maiô e óculos escuros puxados para trás, estou
no meu segundo chá gelado.
Ela beija a bochecha de Magda, mas ignora
Valentina e Charlie.
Meu sangue começa a ferver,
mas lembro a mim mesmo que sou o único
culpado. Forçando a paciência, conto até dez e digo. — Carly, você
não tem algo a dizer a Valentina?
Ela se vira para Valentina como se só a notasse agora. — Ah
sim. — Ela se joga em uma cadeira e vira os óculos de sol sobre os
olhos. — Me dê uma limonada. Muito gelo. Enquanto você está nisso,
me traga uma toalha.
9
Gabriel

MINHA VISÃO SE DESFAZ nas bordas. Quem é essa garota má? Carly
sempre foi difícil, mas esse desrespeito cruza uma nova linha. O chá espirra nas
bordas quando bato o copo na mesa. Em dois passos estou ao lado de Carly,
puxando-a pelo braço. Ela me olha assustada, sua atitude arrogante se
esvaindo. Magda larga seu livro e se senta.
— Papai!
Carly protesta enquanto eu a arrasto pelas portas deslizantes de volta para
a casa. É hora de nós dois termos uma conversa. Não como a conversa que
tivemos no carro. Uma conversa séria.
A primeira sala disponível é a sala de leitura. Eu a empurro para dentro e
estou prestes a bater à porta quando Valentina entra correndo.
— Agora não, — eu rosno. — Isso é entre Carly e eu.
Sua mão macia no meu braço me faz parar, e é o olhar em seus olhos que
me faz vacilar. Não consigo resistir a esse apelo de olhos arregalados.
— Apenas cinco minutos, — ela diz.
Educar Carly nos bons modos é minha responsabilidade, mas
também é direito de Valentina se defender. Com muita
dificuldade, saio da sala, mas não
consigo me mover além da porta
onde paro para escutar sem vergonha.
— Você está chateada, — diz Valentina.
— Claro que estou.
— Compreendo. Deve ser difícil lidar com as notícias sobre
o bebê. Foi um choque para mim também.
— Você só engravidou para prender meu pai.
— Foi um acidente que nenhum de nós planejou.
Há lágrimas na voz de Carly. — Há quanto tempo você
está dormindo com ele?
— Isso é privado, — responde Valentina gentilmente, —
e não é da sua conta.
— Você o seduziu?
— Não.
— Então o que?
— Não entendo sua pergunta.
— Ele disse que você não pediu por isso. — Há um longo
silêncio antes de Carly falar novamente. — Ele... forçou
você?
Meu coração para de bater. Valentina me
odeia. Ela não tem motivo para proteger minha filha
da verdade nua e crua. Sim, eu a forcei. Eu a fiz implorar primeiro, mas não dei
escolha. Na verdade, não.
O tremor na voz de Valentina é tão diminuto, se eu não a conhecesse tão
bem como eu conheço, teria perdido. — Por que você perguntaria isso?
— Aconteceu com amigos da minha mãe. A empregada está grávida do filho
do marido e disse que não teve escolha porque ele a forçou.
A voz de Valentina é firme e tranquilizadora. — Isso não aconteceu
conosco.
— Ele não... estuprou você?
— Absolutamente não. Por favor, não pense em seu pai dessa maneira.
— Então, você não é uma vítima.
— Não, eu não sou.
— Se você não é uma vítima, não posso sentir pena de você.
— Não estou pedindo que sinta pena de mim. Estou pedindo que você
tente, por nós nos entendermos.
— Por quê? Por que eu deveria? Eu nem gosto de você. Você é de classe
baixa e pobre.
— Justo. Então tente pelo bem do seu pai.
— Não estou fazendo nada por ele. Ele não falou comigo antes de se casar
com você para ver como eu me sentiria, então por que devo considerar seus
sentimentos?
— Ele te ama, Carly. Não o afaste. Se colocarmos um pouco
de esforço nisso, todos podemos nos dar bem.
— Me dê um, um bom motivo para eu me
dar bem com você?
— Você vai ter um irmãozinho
ou irmãzinha. Isso não conta para nada?
Carly fica quieta. Por vários segundos, nem uma delas
fala. Finalmente, Carly diz com a voz quebrada. — Sempre quis
um irmão ou irmã, mas não de você.
— Não podemos mudar quem sou eu, mas tenho certeza de
que este bebê vai adorar ter uma irmã mais velha.
Carly funga. — Você acha?
— Eu acho. Eu esperava que você me ajudasse com
algumas compras de bebê.
— Esses sapatos minúsculos e pijamas de orelha de
coelho fofos?
Valentina ri. — E um ursinho de pelúcia. Todo bebê precisa
de um ursinho.
— Oh, meu Deus, eu sei exatamente para onde ir. A irmã
mais velha de Tammy teve um bebê no mês passado. Você
deveria ver os vestidos bonitos para bebês e as bandanas
combinando que compramos para ela. Posso ajudar com o
quarto?
— Sim, você pode.
— Não a pintura, entretanto. Ah, e não vou trocar fraldas.
— Sem tinta. Sem fraldas. Entendi.
Carly balbucia animadamente sobre talco para bebês, celulares e
cobertores.
Pela primeira vez em meses, ouço Carly rir. Eu inclino minha cabeça
contra a parede e engulo em seco. Não mereço o encobrimento de Valentina, mas
aceito assim mesmo.

Valentina

ESTACIONAMOS EM FRENTE a uma casa de dois andares com uma


entrada circular que dá num hall de entrada como uma torre de castelo
abstrata. Os pilares que enquadram a entrada são uma versão moderna e
desequilibrada do Arco do Triunfo. A casa é pintada de cinza, preto e
vinho. Nunca vi nada assim.
— Onde estamos?
Gabriel desliga o motor, mas não responde. Ele sai e dá a volta para me
ajudar a sair do carro. Foi uma longa viagem até o subúrbio ao norte de
Broadacres, e ficamos presos no trânsito. Eu me estico para aliviar a dor nas
minhas costas. Ele se move para a minha parte inferior das costas,
os dedos massageando suavemente os músculos doloridos.
Nas portas de vidro, ele me entrega uma chave
com uma fita vermelha enrolada no
buraco.
— Gabriel, o que é isso?
— Nossa nova casa.
Incapaz de formar palavras, meu olhar se desloca das
chaves para as portas. Atrás do vidro, há um amplo espaço
mobiliado em plano aberto.
— Você não vai abrir? — Ele pergunta com uma peculiaridade de
seus lábios.
Tento encaixar a chave na fechadura e, eventualmente,
consigo nos deixar entrar.
Nossos passos ecoam nos pisos de ardósia. Uma escada
em espiral leva da entrada ao primeiro nível. À esquerda está
uma sala e na parte de trás uma cozinha. Os acabamentos são
em aço industrial.
— Venha. — Ele pega minha mão e me leva pela casa.
O andar térreo inclui uma adega com frigorífico, um
escritório para Gabriel, uma sala de cinema a prova de som,
uma churrasqueira completa virada para uma piscina
aquecida, jacuzzi, bar, banheiro, sala de sauna e
academia. A cozinha leva a uma despensa e copa, e a
copa a quartos de empregada e garagem dupla.
Ele avalia minha reação enquanto me leva para cima. — Você gosta disso?
A decoração é minimalista e moderna. Posso ver por que Gabriel gostaria
disso. — É muito impressionante.
Satisfeito com minha resposta, ele me mostra quatro quartos espaçosos,
cada um com banheiro privativo.
Do quarto principal, pisamos na varanda com vista para a piscina.
— Charlie pode ficar com o quarto maior à direita, e podemos quebrar a
parede para uma porta do nosso quarto para o da esquerda para o bebê.
Eu me inclino na balaustrada e olho para ele. — Por quê? — Magda tem
uma casa grande e, até agora, Gabriel se contentou em morar lá.
— Eu quero que você seja feliz. Quero que você compre o que quiser, decore
como quiser e pinte as paredes de verde, se essa for a sua praia.
Eu tenho que rir. Não consigo imaginar as paredes cinzentas desta casa
sendo de um verde louco.
Ele segura meus quadris e pressiona nossos corpos juntos. — Apenas me
prometa que o berçário terá um tema de selva. Eu meio que tenho meu coração
determinado nisso.
Mais risadas borbulham em meus lábios. A conversa de bebê e decoração
é tão diferente de Gabriel.
— Eu quero que isso seja bom para você, Valentina. — Ele tira o cabelo do
meu rosto. — Ter um bebê não será fácil. Eu quero que você fique o mais
confortável possível.
— Obrigada, — eu sussurro, não pela casa, mas por seus
esforços.
Ele me beija e sorri contra
meus lábios. — Isso significa que
você gosta da casa?
— Eu gosto.
— Então nos mudamos na próxima semana.
Eu passo meus dedos por seu cabelo grosso, mantendo-o no
lugar. — Eu não me importo onde vivemos, contanto que você nunca
pare de me tocar.
O sorriso se foi. Sua expressão fica séria. — Eu treinei
você tão bem.
— Isso significa que você gosta? — Eu pergunto, jogando
suas palavras de volta para ele.
— Gosto disso? — O calor invade o azul gelado de seus
olhos. — Eu amo isso. Eu vivo para isso.
Quando seus dedos vão para o zíper do meu vestido, eu
derreto para ele, querendo o que ele pode me dar muito antes
de oferecer. Quer me arraste para Berea, Broadacres ou para
o inferno, não faz diferença. Enquanto ele se alimentar do
meu prazer, seus braços me manterão aquecida e posso
continuar fingindo que ele dá a mínima para mais do
que meu corpo.
A MUDANÇA OCORRE na segunda-feira seguinte. Na terça, estamos
instalados. Como a casa estava totalmente mobiliada, tudo o que tivemos que
transportar foram nossas roupas e o equipamento de escritório de Gabriel. Em
uma das noites em que Gabriel se atrasou, convido Kris para jantar e mostrar a
ela nosso novo lar. Eu não me sentiria confortável em convidá-la para a casa de
Magda. Pelo menos aqui, posso fazer o que quiser. A liberdade é incrível. A ironia
desse sentimento não me escapa. Não sou nada livre, mas conforme os dias
passam e meu ventre fica maior, uma nova dormência entorpece meus sentidos
até que eu não penso mais em meu cativeiro.
O interfone vibra enquanto caramelizo o açúcar com um maçarico de
cozinha sobre o creme brulée. Oscar, que agora mora conosco assim como
Bruno, salta da valiosa tigela de prata sobre a mesa de centro.
— Vou atender — Rhett grita da academia.
Rhett e Quincy residem conosco nos aposentos dos funcionários
destinados às criadas. Cada um tem um quarto independente com cozinha
compacta e banheiro. Gabriel insiste que um deles fique comigo quando ele não
estiver em casa. Os guardas que trabalham em nosso portão não estão morando.
Eles trabalham em turnos. O arranjo de moradia com Quincy e Rhett funcionou
bem, já que não quero uma empregada doméstica e prefiro cuidar da cozinha eu
mesma, talvez por causa das memórias que esse papel evoca. Devido
ao tamanho da casa, fomos obrigados a contratar um serviço de
limpeza que vem duas vezes por semana. O resto
eu posso lidar entre trabalhar na
clínica de Kris e concluir um mini
MBA para me ajudar a dominar a gestão de
negócios. A casa, o trabalho, Charlie e os estudos me mantêm
ocupada, mas nunca fui uma pessoa ociosa e gosto de me sentir
útil.
— Aqui está sua convidada, — Rhett diz, segurando a porta
para Kris.
—Obrigada, Rhett. O jantar está quase pronto. Você
gostaria de se juntar a nós?
— Sim. — Seu sorriso é entusiasmado. Rhett adora
comida caseira. — Me deixe tomar um banho rápido.
Indo até Kris, dou um abraço nela. — Como estava o
trânsito?
— Não foi tão ruim. — Ela olha para a entrada de portas
duplas, vira em um círculo e assobia entre os dentes. — Uau.
— Você gosta disso?
— Muito moderno para o meu gosto, mas é... uau.
— Charlie, venha dizer oi, — eu chamo para a sala
de cinema. — Kris está aqui.
Charlie salta pela porta e a pega em um abraço de urso, como se não
tivesse se despedido dela na clínica apenas três horas atrás.
Kris fareja o ar. — Cheira a estrogonofe de carne.
— Boas habilidades olfativas. Vinho ou cerveja?
— Cerveja.
— Na geladeira. Fique à vontade.
Kris pega uma lata e olha em volta enquanto coloco a comida na mesa.
— Há uma quantidade enorme de portas e janelas de vidro.
— Eu amo a luz.
— E quanto à segurança? Não vejo barras contra ladrões.
— Cada porta e janela está equipada com uma veneziana de metal à prova
de balas. Nenhum cortador de metal consegue atravessar o aço. Em caso de
emergência, podemos desativar elas em segundos com o aperto de um botão.
Temos um painel de controle na cozinha e no andar de cima em nosso quarto.
— Você não está brincando.
— Você conhece Gabriel.
— Sim, isso soa como ele. Esse homem é loucamente protetor sobre você.
Não quero ver como ele vai ficar quando o bebê nascer.
Rhett entra na cozinha com o cabelo molhado. — Isso é strogonoff que
estou cheirando?
— Acertou, — Kris diz.
Ele esfrega as mãos. — Vamos comer antes que esfrie?
Kris ri. — Com fome?
Eu pego a tigela e Charlie serve a
água. Rhett não bebe quando está
de plantão.
— Val me disse que ela pode atirar em
um alvo. É verdade? — Kris pergunta a Rhett.
Ele me lança um olhar severo. — Você não deveria anunciar
isso.
— Eu só disse a minha melhor amiga. — Eu sorrio. — Fiquei
orgulhosa.
Terei que fazer o treinamento de defesa pessoal após o
nascimento, mas convenci Rhett a me levar para o campo de
tiro quando Gabriel fica fora até tarde para os negócios.
— Meus lábios estão selados, — Kris diz, — e eu acho
que é uma coisa boa que Val saiba como se defender.
Rhett dá um meio sorriso a Kris. Sua bunda estará em jogo
se Gabriel descobrir.
— Como vão as sessões de Charlie? — Kris pergunta,
felizmente mudando de assunto.
— Bem. — Dou um tapinha na mão de Charlie. —
Christopher diz que está progredindo. Não é?
— Pro-progresso.
Kris levanta sua cerveja. — Ao progresso de Charlie e a gerente de melhores
práticas do mundo, que agora também pode atirar como uma profissional.
Nossa risada é interrompida pelo telefone de Rhett.
— Com licença. — Ele olha para a tela. — É Quincy. Eu tenho que atender
a ligação.
Ele sai da mesa e vai até o canto mais afastado da sala, mas a acústica do
espaço aberto leva suas palavras até nós.
— O que? — Ele faz uma pausa para ouvir. — Tudo bem. Certo. Não se
preocupe. Eu direi a ela.
Meu peito zumbe com pontadas de mau presságio. — Gabriel está bem?
Ele volta para a mesa com uma expressão preocupada. — É Carly. Ela foi
presa por posse de drogas. Gabriel está na delegacia. Ele estará em casa mais
tarde do que o planejado.
Kris cobre a boca com a mão. Só Charlie come sem nenhuma preocupação
no mundo. Meu apetite por comida acabou. Tudo que eu quero é estar com
Gabriel.
— Não há nada que possamos fazer, — diz Rhett. — Também podemos
desfrutar da nossa refeição.
Quando Kris vai embora, ainda não há novidades de Quincy ou Gabriel.
Rhett vai para a cama e eu assisto a um filme com Charlie para me distrair, mas
não consigo me concentrar em nada. Finalmente, não há mais nada a fazer a
não ser mandar Charlie para a cama e esperar. Eu tomo banho e visto
uma camisola antes de me acomodar no sofá da sala com um
livro. Meu olhar continua piscando para a porta,
procurando os faróis de Gabriel no
portão.
Já passa das três da manhã quando ele
volta.
Quando abro a porta, ele me agarra e enterra a cabeça no
meu pescoço. —O que você está fazendo acordada? — Ele beija o
ponto fraco na curva do meu ombro. — Está tarde.
— Ela está bem? — Eu me afasto para olhar para ele. — A polícia
apresentou acusações?
Ele fecha a porta e gira as três fechaduras antes de pegar
minha mão e me puxar para o bar. Ele me serve um suco de
tomate, pelo qual eu desenvolvi um desejo repentino, e um
uísque para ele.
— Sem acusações.
— O seu advogado a libertou?
— Não meu advogado. Magda.
Ele não precisa dizer mais nada. Magda tem ligações
questionáveis com a polícia.
Ele se senta em uma das banquetas do bar e me
puxa para o seu colo. —A polícia invadiu uma boate. —
Seus olhos gelados ficam tempestuosos. — Eles
encontraram um grama de coca com ela.
— Oh, Gabriel. — Eu coloco a mão em sua bochecha.
— Ela tem dezesseis anos, pelo amor de Deus. — Ele segura minha mão
e esfrega o queixo na palma da minha mão. — Sylvia disse que não sabia. Ela
disse que Carly fugiu.
— As drogas?
— Carly disse que um amigo deu a ela. Ela jurou que tentou apenas uma
vez. Esta noite deveria ser sua segunda vez. Acho que a prisão foi uma boa lição.
Isso a assustou para caramba, especialmente porque ela é menor de idade para
ter acesso a esse clube. — Ele distraidamente acaricia meu cabelo. — Ela me
prometeu que nunca faria isso de novo, mas como posso confiar nela agora?
Envolvendo meus braços em volta dele, inclino minha cabeça em seu peito,
oferecendo o pouco conforto que posso.
— Valentina. — Ele agarra meu queixo e inclina meu rosto para ele. — Não
sei o que vou fazer sem você.
Como ele sempre esteve lá para mim, eu estou lá para ele. Ele sabe que
pode contar comigo, não importa o quê. É um vínculo invisível que se fortalece
a cada dia que passa. Não sei se é o bebê ou o tempo que passamos juntos que
nos aproxima, mas não importa. Nunca me senti mais conectada com ninguém
do que me sinto com Gabriel, e isso me assusta.
— Não me deixe, — eu imploro.
É um medo irracional que eu atribuo a meus hormônios da gravidez e um
pedido estranho vindo de alguém que implorou para ser libertada
há menos de um mês. Eu quero ficar, mas por minha própria
vontade, e até que Gabriel me deixe ir, ele nunca
vai saber ou acreditar em mim
quando digo que o amo e não vou
fugir.
Em vez de apontar a mudança em minhas demandas,
Gabriel une nossos lábios e me beija com ternura. — Nunca. Eu
nunca posso deixar você ir.
Abraçando esse conhecimento, eu me inclino para ele,
imensamente grata por meu mundo imperfeito.

Gabriel
O MÊS QUE SE segue é o mais feliz da minha vida. Tive
contratempos com Carly, mas nosso relacionamento nunca foi
melhor. Ela visita todo fim de semana. Valentina sugeriu que ela
escolhesse um quarto e o decorasse ela mesma, o que Carly
apreciou. Comemoramos seu décimo sétimo aniversário com
um almoço tranquilo em casa, e depois ela fez compras
para bebês com Valentina. Embora nunca veja Valentina
pelos meus olhos, elas estão se dando bem,
principalmente devido aos esforços de Valentina, pelos quais sou eternamente
grato.
Os negócios estão calmos, para variar. Magda finalmente aceitou minha
decisão de me mudar e, desta vez, não estamos batendo cabeças. A distância é
o que precisávamos. É melhor não vivermos sob o mesmo teto. Quincy e Rhett
adoram minha esposa, e apenas sua atenção devotada a mim e a mim sozinho
me faz engolir meu ciúme. Instalamos uma porta entre nosso quarto e o berçário,
e Valentina comprou a tinta. Verde claro. Tenho certeza de que é só para irritar
Magda, mas estou dentro.
No que diz respeito ao mundo, somos recém-casados. Inferno, no que me
diz respeito, isso é o mais normal possível. Não consigo manter minhas mãos
longe dela, e ela precisa dos meus avanços invasivos. Posso amá-la muito ou
segurá-la em meus braços assistindo a um filme. Não importa se estamos
nadando com Charlie ou limpando a mesa após as refeições, adoro cada minuto
com ela. Eu amo a maneira como sua barriga incha com a vida que criamos.
Cada vez que olho para ela, tenho esse medo terrível de que não seja real, de que
seja bom demais para durar. Como uma pessoa influenciada, flutuo na nuvem
que criei, cego para qualquer coisa, exceto para o prazer de minha esposa e
minha própria euforia.
Em uma daquelas manhãs quentes e ensolaradas de inverno pelas quais
Highveld é famosa, estamos relaxando à beira da piscina coberta. Estou com as
pernas de Valentina no colo, massageando seus pés. Ela geme
enquanto eu trabalho em seus pontos de pressão. Eu roubo olhares
para seu corpo de biquíni. Com sua barriga de seis
meses, ela parece um pináculo de
força e vulnerabilidade. Charlie
descobriu o amor pela água. Ele é um nadador
forte. Mesmo assim, eu mantenho um olho sobre ele quando ele
está fazendo voltas do superficial para o fundo da piscina. Mais
tarde, vou buscar Carly para o fim de semana. Temos um churrasco
planejado. Somos apenas nós, Rhett e Quincy, e algumas amigas de
Carly. Depois, o plano é relaxar com alguns filmes. Estou ansioso pela
tarde. O tempo discreto e familiar é exatamente o que eu
preciso. Oscar pula da minha toalha enquanto meu telefone
vibra.
Eu verifico a tela. Sylvia. Carly deve estar atrasada,
como sempre. Eu aperto o botão para responder e encontro um
ruído tão estranho e bizarro que minha mente se recusa
a identificar. Eu me sento, todos os músculos ficando tensos.
— Sylvia?
Uma série de palavras incoerentes misturadas com
soluços histéricos se seguem. Afasto os pés de Valentina e fico
de pé, minha única consciência é a dor aguda que atinge
meu quadril e a dormência que se instala em meu
coração.
— Sylvia, respire fundo e me diga o que está acontecendo.
Seus soluços ficam mais distantes. Ouço um ruído de arranhar antes de
outra voz entrar na linha.
— Senhor Louw?
— Quem é você? O que está acontecendo?
— Eu sou um paramédico, senhor. A Senhora Louw não está em condições
de falar agora. Temos que pedir que você venha à Clínica Garden.
— O que aconteceu? Quem está ferido?
— É sua filha, senhor. — Há uma pausa curta e assustadora, e então as
palavras que não consigo enfrentar. — Sinto muitíssimo.
10
Gabriel

MEU PEITO ENCOLHE.


Minhas costelas contraem meu coração. Ruído estático zumbe na minha
cabeça.
Minha menina. Minha garotinha.
— Gabriel?
A voz de Valentina me alcança através do zumbido em meus ouvidos. O
som está distante e distorcido.
Apenas trinta e sete anos de experiência me permitem colocar um
pensamento cognitivo na frente do outro. Diga a Quincy para ficar com
Valentina. Pegue o carro. Dirija até a clínica. Ligue para Magda no caminho.
— Gabriel?
Eu me viro para minha esposa grávida, não vendo nada além de sua
barriga e nosso bebê ainda por nascer. — É Carly, — eu digo no piloto
automático. — Ela está no hospital.
— O que aconteceu? — Ela pergunta em voz baixa.
— Eu não sei. — Mas eu sei sim. Por favor não. Não.
Querido Deus. Eu não posso
sobreviver a isso. Ainda há
esperança.
Ela envolve seu corpo. — Eu vou com você.
— Não.
A palavra é dura e raivosa. Não era minha intenção, mas não
consigo controlar minha entonação. Eu preciso de espaço. Preciso
me quebrar no carro para ficar forte antes de chegar à clínica. Sylvia
não vai querer Valentina lá e eu não tenho presença de espírito
suficiente para lidar com o que a espera e proteger
Valentina. Acima de tudo, não quero expor Valentina a um
hospital com germes e uma situação estressante em seu estado
de fragilidade.
A dor invade seus olhos, mas ela rapidamente limpa. —
Tudo bem. Me avise, por favor. Me avise se precisar de
mim. Qualquer coisa.
Gotas de água espirram na lateral da piscina onde
Charlie está nadando. O cheiro de cloro enche minhas
narinas. O zumbido preguiçoso de uma abelha gira em
meu ouvido. Oscar lambe a pata e lava o pelo. Uma brisa
agita a lavanda na estufa à beira da piscina e leva o
perfume para a varanda. A fragrância de flores limpas é
infundida com o odor fresco de um gramado aparado. Os cheiros se misturam
com o cloro da água para criar um perfume de verão bem no meio do
inverno. Nosso pequeno paraíso artificial. Cada detalhe é ampliado. Cada
impressão é clara e sem confusão. É a adrenalina do choque. Eu pego tudo e
imprimo em minha mente, instintivamente sabendo que as coisas nunca mais
serão as mesmas. A vida nunca será tão despreocupada e feliz como esta manhã.
Dou um selinho na boca de Valentina. — Tranque a porta atrás de mim.
Na sala, pego minha camisa e calças na parte de trás do sofá. Tirando o
calção de banho molhado, deixo ele em uma poça deformada no chão e visto as
calças sem cuecas. Enquanto abotoo minha camisa, ligo para Quincy no
telefone. Não vou perder tempo indo para o quarto dele.
— Estou saindo. — Pego minha carteira e jaqueta na cozinha. — Fique de
olho em Valentina e Charlie. Eles estão na piscina.
Depois de passar pelos portões, aperto o acelerador, rompendo todos os
limites de velocidade e irritando mais de um táxi de minivan. É apenas uma
questão de minutos antes que eu me transforme em uma vítima da raiva na
estrada.
Uso o controle de voz para ligar para Magda.
— Estou a caminho, — diz ela. — O namorado de Sylvia me ligou.
Felizmente, o estacionamento da clínica está vazio. Amaldiçoo minha
perna enquanto corro muito devagar para a entrada e atravesso as portas.
— Carly Louw, — anuncio na recepção.
A recepcionista evita meus olhos. — Quarto número seis,
senhor.
— É Louw, — repito. — Minha
filha foi internada. — Ela estará na
ala de emergência, em uma sala de cirurgia ou
na UTI. Não um quarto. Por favor Deus. Não um quarto.
— Os outros estão esperando por você, senhor. Quarto seis.
Não é um quarto. Não é um quarto.
— Senhor?
— Sim. — Eu me viro em direção aos quartos privados, cada
passo mais lento que o anterior.
Não é um quarto.
Minha palma achata na porta, logo abaixo do número
seis. Depois de abrir a porta, nunca mais poderei
voltar. Depois de cruzar o limiar, minha vida nunca mais será a
mesma. Mas o mundo gira sob meus pés e ao meu redor, e não
há escolha a não ser seguir em frente com o tempo. Eu aplico a
pressão necessária, me impulsionando para dentro do quarto.
A porta bate suavemente atrás de mim com
uma finalidade bizarra, me envolvendo na realidade selada
no quarto. Meu olhar percorre o espaço, meus olhos se
conectando com cada pessoa que compartilha meu
destino. Sylvia está curvada. François, seu namorado,
sofre com o esforço de segurar ela. Magda fica parada
perto deles, sua bolsa Gucci balançando inutilmente para frente e para trás em
sua mão. Diante deles está um capelão. Ele para de falar na minha entrada. Os
olhos de Magda encontram os meus. É assim que meus olhos devem estar,
estéreis e vazios. Ela me dá um pequeno aceno de cabeça, me preparando.
— Senhor Louw. — O capelão inclina a cabeça e agarra meu ombro. — Eu
sinto muito.
Eles ainda precisam dizer isso. Alguém tem que me dizer.
Sylvia levanta a cabeça. Raiva e culpa distorcem suas feições, mas não
aceitação. Eu sinto tanta simpatia por ela, agora mesmo. Esse é o pior
sofrimento, o caminho para a aceitação.
— Me conte. — Não me diga. Até que seja falado, não é real.
O capelão aperta meu ombro. — Sua filha... eh... — ele olha para um
pedaço de papel em cima da Bíblia que ele segura em sua mão, — Carly, se foi.
—Se foi? — Eu digo.
O clérigo vacila sob meu olhar severo.
— Foi para onde?
— Senhor Louw.
Ele diz meu nome como se fosse um apelo. Um apelo para quê? Um apelo
para não o obrigar a dizer isso?
— O que? — Eu desafio.
É Sylvia quem dá um passo à frente. — Ela está morta. Ela está morta,
Gabriel. Ela está morta! — Se jogando sobre mim, ela bate em meus
braços e dá um tapa em meu rosto. — É você! É você! É tudo culpa
sua!
Eu assumo sua culpa e soco,
desejando a Deus que ela me batesse
com mais força para que eu não sentisse a
tocha queimando um buraco em meu coração.
O capelão e François estendem a mão para ela
simultaneamente, tentando puxá-la para longe, mas ela recomeça o
ataque, gritando e soluçando com catarro voando de seu nariz. Eu
estendo um braço, mantendo os dois homens afastados.
— Por quê? — Ela chora, olhando para mim em busca
de uma resposta. —Por que, Gabriel? Por quê?
Por quê? Sim, por favor, alguém, me diga por quê. Eu
não sei. Eu só posso olhar para ela.
No meu silêncio, ela desabou contra o meu peito,
agarrando minha jaqueta com os punhos. — Eu nunca vou te
perdoar. É você. É você e seus jogos. Você, sua esposa e o bebê.
À menção de minha esposa e filho, eu me solto de seu
aperto, segurando seus cotovelos para mantê-la estável.
François a segura pelos ombros e Sylvia se deixa levar
até o canto onde ele a embala em seus braços.
Magda me olha com um rosto pálido e estoico. —
Ela teve uma overdose de pílulas para dormir.
Eu só consigo acenar com a cabeça em reconhecimento e agradecimento.
Eu precisava saber.
— Eles limparam seu estômago, — ela continua, mas não diz mais nada.
Ela não precisa.
— Você gostaria que eu orasse por ela? — O capelão pergunta.
Rezar não vai mudar o fato de ela ter partido. Morta. Rezar não a trará de
volta.
— Devíamos discutir os preparativos para o funeral. — Eu tenho que fazer
isso. Eu preciso me manter ocupado.
François me lança um olhar de 'você não pode estar falando sério.'
— Sobre aconselhamento... — o capelão começa.
Eu não ouço mais. Eu já estou fora da porta. O aconselhamento ajudará
tão pouco quanto orar. Ninguém naquele quarto pode me consolar. Eu não posso
consolar eles. Eu só quero sair.

TÃO JOVEM.
Seu rosto parece angelical. Pacífica.
O médico puxa o lençol para cobri-la. — Nós tomamos providências para
que ela seja transportada para o necrotério. — Ele me entrega uma bolsa de
hospital com os pertences dela. — Sinto muito pela sua perda.
Eu aceno sem desviar meus olhos da forma sob o lençol.
— Quando você estiver pronto, — ele diz.
A porta se fecha com um clique
agradável. Por fim, estou sozinho
com minha garota. Eu movo o lençol
de lado para pegar a mão dela. Sua pele está
fria quando pressiono meus lábios nela.
— Sinto muito por ter falhado com você, Carly.
Minha voz falha. Lágrimas escaldantes queimam meu rosto e
escorrem pelo meu pescoço até a gola da minha camisa. Por dentro,
sou polpa. Um hematoma espesso. É apenas meu condicionamento
que me permite construir uma parede estoica do lado de
fora. Já tirei muitas vidas, mas nunca perdi uma. Meu pai,
sim, mas isso era diferente. Não éramos próximos. Nunca fui
cortado, exposto e deixado vulnerável. Sou uma concha vazia
de fraqueza, presa fácil para qualquer inimigo, e desafio todos
eles a me enfrentar, me tirar e acabar com essa miséria da qual
sou o único culpado.
Eu falhei.
Onde é que eu me enganei? Fui muito duro com
ela? Muito suave? Por que eu não vi isso chegando? Passei
muito pouco tempo com ela? Eu estava muito
egocêntrico? Foi meu estilo de vida? Ela descobriu
o que eu faço para viver? Eu deveria ter recusado
quando ela disse que estava voltando para a mãe. Eu
nunca deveria ter a levado para casa no dia em que ela confrontou Valentina
antes mesmo de começarmos o churrasco. Eu deveria ter insistido para que ela
ficasse. Eu deveria ter forçado-a a falar. Eu deveria ter sido mais paciente. Eu
deveria ter levado ela para casa comigo depois do susto das drogas. Eu não
deveria ter ignorado meu instinto. Eu não deveria ter vivido em minha bolha
ignorante de felicidade egoísta.
Arrependimentos, arrependimentos.
Alguém, Deus, qualquer pessoa, por favor, me diga onde eu errei. Eu quero
rasgar o céu em dois e gritar com a vida por explicações, mas tudo que faço é me
ajoelhar e pressionar minha testa na mão morta de minha filha. Eu oro para
saber. Eu preciso saber, mas nunca haverá uma resposta. Sem compreensão.
Sem absolvição. Sem perdão. Apenas suposições e culpa. Apenas ‘devia ter’ e ‘e
se.’
Quando eles vêm busca-la, encontro Magda esperando no corredor. O
exterior que ela se esforça tanto para manter racha, e suas acusações não ditas
aparecem nas fendas.
— François levou Sylvia para casa, — diz ela. — O médico deu a ela um
tranquilizante.
— Eu vou cuidar dos preparativos para o funeral.
— É melhor você cuidar. Duvido que Sylvia consiga.
— Posso te dar uma carona?
— Scott vai me levar. — Ela hesita. — Você vai ficar bem?
— Sua voz falha na última palavra.
Por um breve momento, ela me puxa para
ela, me envolvendo em seu abraço. É
a primeira vez que minha mãe me
abraça. Parece estranho, e depois de um
segundo ela se afasta. As rachaduras em seu verniz se abrem
completamente. Lágrimas escorrem por suas bochechas,
escorrendo rímel preto por sua base.
— Eu nunca vou perdoá-la pelo que ela fez a esta família.
Demoro um segundo para entender de quem ela está falando. É
mais fácil transferir a culpa, mas nem mesmo Magda pode ser
tão cega.
— Não é obra de Valentina.
— É o bebê, — ela sussurra, — e tudo o mais.
Largando tudo o mais no meu colo, ela me deixa com
aquele fardo pesado e vai embora. Ela está certa, é claro. Sempre
estraguei tudo na minha vida. Meus relacionamentos. Minha
filha. Valentina. Eu deveria estar sob aquele lençol branco.
Sou eu que não mereço viver. Embora, ironicamente, aqui
estou.
Estacionando na garagem de casa, fico sentado em
silêncio por um longo tempo. A vida foi sugada
de mim. Estou entorpecido. Não posso chorar, reclamar
ou delirar. Eu não consigo dormir ou comer. Não
consigo trabalhar ou pensar. Acima de tudo, não consigo me enfrentar. Me sento
no meu carro, porque simplesmente não tenho força de vontade para fazer mais
nada.
A porta que liga a casa se abre e a luz acende. Valentina está parada em
uma piscina de brilho da lâmpada que brilha através do tecido fino de sua
camisola. Isso lança um holofote sobre a redondeza de seu corpo, as mentiras e
erros que plantei em sua barriga.
— Gabriel.
Meu nome é um soluço. Ela deve ter ouvido de Scott ou alguém da equipe
de Magda teria chamado Quincy. Ela não se aproxima nem fala. Ela espera que
eu dê o primeiro passo, para ver o que preciso.
Me preparando, eu forço meu corpo a obedecer e sair do meu carro. Seus
braços me alcançando são demais. Eu não mereço sua simpatia ou conforto. Eu
fiz isso com ela. Eu fiz isso com Carly. Eu sou a destruição. Eu sou um monstro.
Um olhar de dor se infiltra em seus olhos quando evito seu abraço.
— Está tarde, — eu digo, de costas para ela. — Durma um pouco.
Enquanto eu me afasto, seu sussurro suave chega às minhas costas.
— Sinto muito, Gabriel.
Eu continuo caminhando. É o que ela quer. É melhor para ela.
Levo um cobertor e um travesseiro para o meu escritório. Não há chance
de dormir, mas preciso fingir que sou rotineiro, como preciso do uísque que
sirvo. Eu bebo o licor forte e sirvo outro, depois outro. Sozinho, caio
de joelhos e choro no travesseiro, lamentando a vida que criei e
destruí.
Em algum momento, devo ter
desmaiado, porque acordo com uma
dor de cabeça do inferno e minha garganta
pegando fogo. São cinco da manhã. Silenciosamente, eu caminho
pela casa grande, indo de cômodo em cômodo de nada e de
vazio, até ter feito a ronda completa e estar de volta ao meu
escritório. A bolsa do hospital está em minha mesa como um
santuário, um lembrete que nunca me deixará ir.
Minhas mãos tremem quando chego dentro. É como
enfiar o braço em uma caixa cheia de cobras. Não sei o que vou
tirar ou como isso vai me envenenar com mais auto culpa e
tristeza, mas não consigo me conter. Eu removo uma regata
branca e shorts azuis. Roupa interior selada em saco
plástico. Seu par de sandálias favorito. Um som cru deixa minha
garganta. As roupas são familiares, mas estranhas. Não estando
em seu corpo, elas se parecem com as de outra pessoa, e o
sentimento de afastamento me assusta. Eu quero guardar
cada memória, não perder uma única fibra de emoção
intangível ou a vida inteira de rolos de filme impressos em
minha cabeça. Seu primeiro dente, seu primeiro
sorriso, seu primeiro passo. Deus, isso dói. Corta e
corta até eu não ser nada além de carne picada até o osso.
Eu caio na minha cadeira, lutando contra o colarinho da minha camisa e
puxando o botão que me estrangula. Eu sinto muito. Eu sinto muito, porra. Me
perdoe, Carly. Eu nunca vou me perdoar. Minhas mãos se fecham em punhos.
Eu os bato na mesa com tanta força que meus dedos sangram. Eu a quero de
volta. Eu quero voltar no tempo. Uma raiva latente queima meu corpo,
sacudindo meus músculos. Cada grama dessa fúria espessa e negra é dirigida a
mim mesmo. Como eu poderia não saber? Como eu não vi?
Demoro várias respirações profundas antes de me acalmar um pouco. Eu
tenho que me comportar racionalmente. Para o bem de todos, mas para meu
próprio bem. Tenho que usar a máscara e seguir em frente.
Minha atenção volta para o saco de papel. Virando de cabeça para baixo,
dou uma sacudida, ansiando por mais. Alguma coisa. Qualquer coisa. Um
envelope lacrado cai com um estrondo. Dentro há algo volumoso. Eu corro meus
dedos sobre as saliências do papel. Parece uma corrente. Eu tiro a vedação e
deixo que o objeto deslize para fora. É o pingente de borboleta de platina de
Carly, aquele que eu dei a ela em seu aniversário de dezessete anos. Pegando a
corrente, eu a seguro contra a luz. Ele está pendurado em meus dedos, a
borboleta voando como um pêndulo da esquerda para a direita, da direita para
a esquerda.
— Voe livre, princesa. — Eu pressiono as asas de prata em meus lábios. —
Adeus.
Adeus. É aqui que faço as pazes, encontro a minha
aceitação. Será um longo caminho para a cura e,
honestamente, não sei se
conseguirei. Segurando o pingente
sobre o pote de lembranças, deixei a corrente
correr pelos meus dedos, permitindo que escorregasse das minhas
mãos, elo por elo. Ele cai com um tilintar em cima das
lembranças. É aqui que ele pertence, com todas as outras vidas que
tirei. Eu torço minhas mãos, entrelaçando meus dedos até doer.
Esta foi a última vez.
O último.
Eu cansei de matar.

Valentina

A NOITE É UMA DAS mais longas da minha vida. Eu me


viro e desço na ponta dos pés várias vezes para verificar
Gabriel. A porta de seu escritório permanece
fechada. Nenhum som vem de dentro. Apenas um
fragmento de luz vazando por baixo da porta confirma
sua presença. O que eu faço? Como você pode tornar
algo assim melhor? Doente de tristeza impotente e preocupação auto censurável,
ando entre a cozinha e a sala até que a primeira luz penetre na noite terrível.
O sol está fraco hoje com nuvens de névoa se formando no céu. O dia
parece quebrado. Tudo parece quebrado. Meu coração se parte por Gabriel.
Começo a chorar toda vez que me lembro das palavras horríveis de Quincy, do
jeito como ele me olhou com preocupação e pena enquanto gaguejava a notícia,
porque eu desempenhei um papel culpado nessa tragédia. A gravidez foi difícil
para Carly. Ainda mais difícil foi o significado implícito de que seu pai e eu
éramos íntimos em segredo, bem debaixo de seu nariz. Se eu não tivesse
engravidado, nada disso teria acontecido. Carly estaria felizmente inconsciente
e talvez ainda estivesse viva. Sim, definitivamente viva. Quanto mais eu penso
sobre isso, mais eu me encolho de vergonha e pecado ardente. Isto é minha
culpa. Se eu não implorasse a Gabriel para me deixar ficar com o bebê que ele
nunca quis, isso não teria acontecido. Gabriel algum dia me perdoará? Posso me
perdoar? Não posso lidar com as respostas, então me concentro no assunto mais
urgente, cuidar de Gabriel.
Meu olhar alterna entre o sol forte obscurecido por trás das nuvens e a
porta do escritório. Quando a porta ainda está fechada por volta das oito, eu
tomo um banho rápido e verifico Charlie antes de iniciar as tarefas do dia no
piloto automático. Eu alimento Oscar e Bruno e preparo o café da manhã para
Quincy, Rhett e Charlie.
Quincy me observa por baixo dos cílios enquanto preparo uma
bandeja para Gabriel. — Como ele está?
Eu desvio meus olhos. — Eu não sei.
— Ele não saiu do escritório, —
diz Rhett em compreensão.
Eu coloco açúcar na bandeja. — Ele
precisa de tempo.
— Claro. — Rhett se levanta e pega a bandeja. — Me deixe
levar isso para você.
— Eu levo, — eu digo apressadamente. — Termine seu café da
manhã.
O que quero dizer é que preciso ver Gabriel. Anseio por
vê-lo, por acalmá-lo, por dizer-lhe o quanto lamento, se ele ao
menos me ouvir.
Na porta, equilibro a bandeja sobre a mesa no corredor e
bato.
Sua voz soa simultaneamente forte e cansada. — Quem é?
— Valentina. — Eu limpo minha garganta. — Eu trouxe o
café da manhã.
O som de sua cadeira raspando no chão me alcança
através da porta, seguido por seus passos irregulares. A porta
se abre com uma fresta.
— Gabriel...
— Eu pego.
Pegando a bandeja, eu a entrego e lambo meus lábios secos em preparação
para o que quero dizer, mas a sombra da porta cai sobre mim quando ele a fecha
na minha cara com um breve — Obrigado.
— Você estava certa, — Rhett diz atrás de mim, me fazendo pular. — Ele
precisa de tempo.
Eu fico vermelha de vergonha por Rhett ter testemunhado a rejeição de
minhas condolências. É um reflexo claro do julgamento de Gabriel. Sinto como
se a culpa estivesse gravada em meu peito. Primeiro meu pai e Charlie, depois
Tiny e Jerry e agora Carly.
— Sim. — Dou vários passos para longe da porta. — Ele precisa de espaço.
— Val. — Rhett estende a mão para mim. — Você está bem?
— Não sou eu quem está sofrendo. — Lágrimas queimam em meus olhos.
— Eu gostaria de poder tirar isso dele.
— Eu sei. — Ele dá um aperto reconfortante em meus ombros. — Eu sei
como você pensa, Val. Não é sua culpa.
Incapaz de olhar ele nos olhos, viro meu rosto para o lado.
— Não é sua culpa. — Ele acentua suas palavras com uma sacudida suave.
— Certo. Sim. — Eu giro. — Vou começar o almoço. Provavelmente
teremos visitantes aparecendo ao longo do dia.

TANTAS PESSOAS PARAM para prestar condolências que eu


perco a conta. Funcionários, máfia, funcionários
do governo, associados. Todos
chegam em ternos escuros com
rostos respeitosos e flores caras, murmurando
palavras de simpatia e consolo. Gabriel está sentado no salão,
recebendo as condolências e pêsames de visitas que nunca
diminuem o suficiente para conceder-lhe um momento de solidão. A
única maneira de me tornar útil é assar pastéis salgados e doces e
preparar saladas e caçarolas, que sirvo de acordo com a hora do
dia. Salgadinhos pela manhã, almoço das doze às duas horas e
doces à tarde com chá. Quincy e Rhett ajudam a carregar a
máquina de lavar louça e a retirar a louça em um ciclo
contínuo. Charlie fica feliz em preparar o chá e o café frescos.
Magda chega um pouco antes da hora do chá. Apesar de
sua coragem, seu rosto está pálido. Nós nos encaramos em uma
atmosfera tensa perto da porta. Desde a nossa mudança, ela não
veio nos visitar, nem mesmo para ver a casa. Não importa nossa
história, meu coração dói por sua perda.
Eu coloco a mão em seu braço. — Magda, sinto muito.
Ela afasta o toque. — Se não fosse por você...
Meu estômago afunda e minhas entranhas se
retorcem, a culpa corroendo meu estômago. Eu me
afasto para deixá-la entrar. — Ele está na sala. — Eu aponto para o grupo
aglomerado nos sofás.
Sylvia chega poucos minutos depois de braço dado com o namorado. Seu
cabelo está cuidadosamente trançado em uma trança francesa e ela está usando
maquiagem, mas parece abatida. Seus olhos me cortam, e então seu olhar cai
para minha grande barriga. O jeito que ela olha para mim me faz sentir suja,
como se eu tivesse trapaceado ou feito algo errado. Eu estava errada em me
render aos avanços de Gabriel? Eu deveria ter sido mais forte? Uma pessoa
melhor teria resistido. Indefinidamente. Sinto como se estivesse sob os holofotes
prestes a receber julgamento.
— Esta é ela, — diz ela a François. — Esta é a razão pela qual Carly
cometeu suicídio.
11
Valentina

As conversas à nossa volta ecoavam as palavras de Sylvia. Ninguém além


de seu namorado e eu escutamos. Por isso, sou profundamente grata. Não tenho
certeza se posso lidar com todos os olhos da sala em mim no meio da dor de
Gabriel.
Um interruptor em seus movimentos, e eu não existo mais. Ela olha
através de mim. Como Magda, ela caminha para o lado de Gabriel para receber
a simpatia e o apoio que merece. Não esperava nada diferente, mas deixa minha
posição clara. Gabriel e eu podemos ser casados, mas apenas no nome. Para
todos os outros ainda sou a empregada, a escrava, o brinquedo, a impostora.
Não posso nem negar. Todas essas coisas, eu sou. As únicas pessoas que
prestam atenção em mim são Michael e Elizabeth Roux.
Elizabeth me abraça na porta. — Como ele está?
Eu só posso balançar minha cabeça.
— Venha aqui. — Michael me dá um grande abraço, me segurando por
dois segundos em seu corpo grande.
Até agora, não percebi o quanto precisava de um abraço. Não
há nada de sinistro no gesto. A única vibração que ele emite é de
afeto platônico. Eu imediatamente gosto mais
dele.
Elizabeth paira uma palma
acima do meu estômago. — Posso?
Tento dar a ela o sorriso brilhante de uma mãe grávida, mas
meu esforço voa pela metade. — Claro.
Ela coloca a mão na minha barriga e olha para Michael com
olhos brilhantes. — Oh meu Deus. Juro que sinto o bebê chutar.
— Ele tem causado uma tempestade desde esta manhã.
— Você está linda, Valentina. Verdadeiramente
deslumbrante. Não é, Michael?
— De tirar o fôlego, — ele diz com uma luz gentil em seus
olhos.
— Acho que estou tornando o bebê ativo. — Elizabeth
remove sua mão. —Ele obviamente gosta de mim. — Ela olha em
direção ao salão, observando os convidados. — Pobre Sylvia. —
Sua atenção volta para mim. — Pobre Valentina. Ela te odeia,
não é?
— É tão óbvio?
Elizabeth faz uma cara triste. — A maneira como ela
olha para você...
— Eu mereço.
Michael agarra minha mão. — Não, você não merece, e se você disser algo
tão degradante de novo, vou conseguir a permissão de Gabriel para bater em
você eu mesmo.
Uma voz de barítono ressoando atrás de nós me faz pular.
— O que foi isso, Michael?
Nós três viramos em uníssono. Gabriel está parado a dois passos de
distância, sua camisa branca e gravata preta imaculadas, como se ele não as
estivesse usando desde o início desta manhã. Ele parece composto, como se
tivesse controle de tudo. Apenas o olhar assombrado em seus olhos congelados
o denuncia.
— Eu estava apenas dizendo a Valentina para não se rebaixar, — diz
Michael.
Os olhos de Gabriel encontram os meus. Eles penetram minha alma, me
deixando com frio por dentro. — É isso mesmo?
— Nossas mais profundas condolências, meu amigo. — Michael coloca a
mão no ombro de Gabriel. — Não há palavras.
— Não, não há, — Gabriel diz.
— Gabriel. — Elizabeth o abraça. — Se houver alguma coisa, qualquer
coisa...
— Obrigado.
— Parabéns pelo casamento, — Michael continua. — Estamos felizes por
você.
— Sim, — Gabriel diz sem olhar para mim.
Interiormente, eu encolho. Se eu tinha
alguma dúvida sobre os sentimentos
de Gabriel em relação a mim, não
tenho mais. Ele pensa como Magda e Sylvia. É
apenas seu senso de responsabilidade e honra que o impede de
jogar seus verdadeiros pensamentos na minha cara.
Elizabeth salva o momento enquanto o Gabriel questiona
sobre o planejamento do funeral. Todo o tempo, ele me ignora sem
me olhar. Ele finge que não estou ao lado dele, mas estamos tão cientes
um do outro que nossos corpos zumbem.
A atmosfera é desconfortável. O estresse é
demais. Cada músculo do meu corpo está apertado. Uma dor
aperta em volta do meu abdômen, apertando e segurando por
três segundos antes de soltar. Depois de duas batidas, o padrão
se repete, mas não dói. Minhas primeiras contrações de Braxton
Hicks.
Precisando escapar da situação tensa, eu ofereço uma
bebida para Elizabeth e Michael, mas Gabriel me impede
antes que eu possa ir embora.
Seus dedos se enrolam em volta do meu braço. —
Não.
Eu fico olhando para ele com surpresa. —
Desculpe?
— Suba e descanse.
Ele está tentando me mandar embora? Ele tem vergonha de mim? De todo
mundo ver a evidência do que aconteceu entre nós no tamanho da minha
barriga? Sentimentos dolorosos me queimam, mas este não é o momento nem o
lugar. Isso não é sobre mim. Ou nós. Isso é sobre ele e Sylvia. Isso é sobre Carly.
— Tudo bem. — Eu sorrio brilhantemente para seus convidados. — Me
avise se precisar de mim.
Eu franzo os lábios quando outra contração atinge. Gabriel sustenta meu
olhar por mais dois segundos, seus olhos muito conhecedores, muito
penetrantes. Quando o aperto invisível em minha barriga se rompe, ofereço a
Elizabeth e Michael um gesto educado e liberto meu braço do aperto de Gabriel,
me virando para as escadas, mas ele não me deixa ir. Sua palma pressiona
minhas costas.
— Vou te acompanhar.
Eu não posso ficar sozinha com ele agora. Tenho medo da intensidade do
que senti um momento atrás e, principalmente, de sua honestidade. — Eu vou
ficar bem. Fique com seus convidados.
E ele faz. Ele se vira e vai embora.
Em nosso quarto, me sento na cama. Minhas mãos alisam o edredom que
conhece nossos segredos, nossa vergonha. A dor e a culpa me separam. Meu
coração bate mil vezes mais pelo homem lá embaixo. Não tenho como consolar
ele. Como posso? Sou um elo feio e sujo em uma cadeia de eventos
que levou à morte da filha de Gabriel.

Gabriel

MAGDA ESTÁ FICANDO impaciente comigo. Ela bate as


unhas na mesa do andar de cima do Napoli. — Faz um mês. Você
tem que seguir em frente.
Um mês desde que Carly se foi, e eu não consigo me
recompor. Com seguir em frente de Magda significa matar, é
claro. Algum idiota em Braamfontein cruzou a linha quando
roubou nosso escritório. Um mês atrás, eu não teria hesitado.
Eu teria matado o idiota sem piscar, mas fiz uma promessa a
mim mesmo, por Carly, e não vou trair a memória da minha filha.
Eu viro minhas costas para ela, de frente para a janela que
dá para o andar de jogo abaixo. — Eu te disse, eu
terminei. Estou fora.
Há raiva em sua voz. — Sem você, vamos afundar.
— Você tem Scott e milhares de outros que pode
recrutar.
— Você é meu filho. Embora seja inútil, e graças a... — Ela se interrompe,
engole um pouco de ar. Uma respiração instável desliza para o silêncio. — Agora
não temos um herdeiro.
Claro que não. Meu filho não vai acabar como eu, assim como nunca foi
minha intenção casar Carly com um criminoso digno de dirigir nosso negócio
sombrio. O que Magda não vê é que nunca tivemos um herdeiro, e nunca
teremos.
— É da sua conta. — Eu me viro para encarar ela. — Faça o que quiser
com ele, mas estou indo embora.
O desprezo deforma sua boca. — O que você vai fazer? Como você vai
viver?
Ela me pegou pelas bolas e do jeito que aquele sorriso desdenhoso se
transformou em um sorriso maldoso, ela sabe disso. Eu não faço ideia. Tenho
esposa e em breve terei um filho para cuidar. As pessoas me odeiam. Os inimigos
têm rancores. Preciso manter minha família segura, e a única maneira de fazer
isso é ter dinheiro. Os sistemas de alarme, munição e guardas de última geração
custam dólares. Grandes quantias.
Eu lancei minhas redes com cuidado. — Eu ainda poderia dirigir o
escritório, assumir o controle de nossos negócios.
Ela me lançou um olhar malicioso. — Em nosso negócio, os únicos chefes
respeitados são aqueles que sujam as mãos.
— Poderíamos limpar o negócio.
Ela bate com o punho na mesa. — Não é assim que esta cidade
funciona, e você sabe disso. — Ela aponta o dedo
para mim. — Tente administrar um
negócio de agiotas limpo e veja até
onde você chega. A competição irá te arruinar
em um dia, e se não o fizerem, a polícia e o governo irão. Eles
aceitarão propina de alguém disposto a pagar, e estaremos
liquidados. Acabados.
A parte triste é que ela está certa. Se você não pode subornar
e jogar sujo, você cairá.
— Não verei meu árduo trabalho para construir esta
empresa até o ponto em que está para vê-la ir pelo ralo. — Ela
acentua sua declaração com um prego que empurra na
madeira polida da mesa.
Eu não vou quebrar minha promessa. Isso deixa apenas
uma opção. —Sinto muito, Magda. Acho que isso significa que
você está sozinha.
Seu corpo fica rígido. Empurrando a cadeira para trás, ela
se levanta majestosa. Parece que suas costas estão prestes a
estourar. O cabelo fino em seu lábio superior e queixo
treme. Suas narinas se expandem e estremecem como um
leão farejando uma presa.
Ela pressiona as palmas das mãos na mesa, olhando para mim por cima
da borda dos óculos. — Você está cometendo um erro.
— Esta é a única coisa certa que fiz na minha vida.
Seus braços estão tremendo tanto que ela tem que travar os cotovelos. Eu
nunca a vi tão louca.
— É ela, não é? — Ela sibila. — É ideia dela. Obra dela. Ela plantou isso
na sua cabeça estúpida.
Minhas defesas aumentam. — Deixe Valentina fora disso.
Seus olhos se estreitam em fendas. — Eu deveria saber. Deveria ter
adivinhado este é o jogo dela. Ela sempre foi santa demais para nós.
Dou um passo em direção à mesa. — Deixe-a em paz.
— É disso que se trata, então? — Ela se endireita, cerrando os punhos ao
lado do corpo. — Você a escolherá em vez de sua família, ao invés de sua própria
mãe?
— Ela é minha família e, sim, ela vem primeiro.
Magda vacila com minhas palavras. Eu posso muito bem ter dado um tapa
nela. A cor de sua pele adquire um tom acinzentado. Por alguns segundos, as
emoções ficam suspensas entre nós, choque, traição, decepção, raiva. Elas
poluem o ar e envenenam o sangue que é considerado mais espesso que a água.
Quando não há outra expressão além de desilusão em seu rosto, ela diz
categoricamente. — Saia.
Eu jogo suas palavras em minha mente. Isso é o que
aconteceu. Para ser honesto, sempre seguiríamos nessa
direção. Sempre fui o filho que desapontou. Ela
fez minha escolha e me deu uma
arma, mas não sou mais aquele
menino. Sou o homem que Magda
amargamente esperava que eu nunca fosse.
Batendo os nós dos dedos na mesa, dou a ela minha
aceitação com um aceno de cabeça apertado e viro as costas para
ela e para o futuro que venho construindo toda a minha vida. Uma
parte de mim sente pena dela. Ela não só perdeu sua única neta, mas
também as ambições que tinha para o filho. Eu não serei seu
sucessor. Não vou salvar e destruir o negócio pelo qual ela
trabalhou tanto. Isso irá com ela para o túmulo, e o que fiz por
este negócio me levará para o inferno.
Lá fora, paro no patamar para respirar. Eu inclino minhas
mãos na balaustrada e inalo profundamente. Foi aqui que
tudo começou. Foi aqui que vi Valentina pela primeira vez. Ela
parecia tão jovem e inocente em seu uniforme branco e tão
forte. Ela estava bem ali, naquela mesa, e quando o crupiê
agarrou seu braço, tive vontade de cortar sua mão por colocar
o dedo nela. No minuto em que olhei em seus olhos
assustados, mas desafiadores, eu a queria. Ela era um
desafio e um mistério. Ela era corajosa e ingênua. Tão
bonita e intocável. Inatingível e, ainda assim, apenas ali, ao meu alcance. Todas
as contradições do livro. A mulher que eu queria e a mulher que eu tinha que
matar.
Parece que foi há três existências, mas só se passou um ano. Se eu fosse
um homem melhor, acertaria a decisão que tomei aqui naquela noite, libertando-
a. Eu a cortaria como cortei os cordões com The Breaker, mas não sou um bom
homem. Eu nunca posso deixá-la ir. Este é o meu mal não arrependido. Ela é
meu maior pecado.
Parece que fechamos o círculo. Termina onde começou. Com ela. Em
algum lugar, perdi Carly. Meu casamento, o bebê, as mudanças em nossos
arranjos de vida, era demais. Minha luxúria implacável por uma mulher que
roubei afastou minha filha de mim, empurrando-a para o limite. Meu fardo não
parece mais leve quando desço as escadas e me afasto de quem eu costumava
ser. Ele só fica mais pesado quanto mais perto eu chego de casa. Não posso
largar esse fardo esquecido por Deus, porque isso significará que terei de libertar
Valentina, mas também não posso olhar para ela, porque significa que terei de
enfrentar minha culpa.

Valentina

CONFORME OS DIAS PASSAM


Gabriel fica cada vez mais longe de
mim. Ele está fechado em si mesmo,
e nenhuma quantidade de sondagem ou isca pode
atrai-lo para fora. Sofrer a perda que ele recebeu é devastador e a
dor é devastadora. Ele se alimenta bem e se exercita todos os
dias. Seu corpo é o mesmo, duro como uma rocha, forte como me
lembro, mas o homem por dentro mudou. Ele está mesmo lá, na
escuridão que se tornou sua mente? Não importa o quanto eu
fale ou toque, não consigo falar com ele.
Pelas olheiras que marcam seus olhos, sei que ele não
está dormindo, mesmo que não durma mais ao meu lado. Após
o funeral, ele se mudou para o quarto de hóspedes. Não vai
trabalhar ou ver amigos. Fica em casa o dia todo, mas bem longe
de mim. Quando ele não está fechado no escritório ou malhando
na academia, está fazendo algum trabalho pela casa. Eu o
observo com seu corpo sem camisa na escada, e meu corpo
não se importa se ele ainda está de luto ou se me culpa. Ele
só quer o que está sendo negado, o toque do meu marido.
Em resumo, ele nunca foi meu marido, claro. Nosso
castelo de cartas, minha realidade manufaturada, veio
abaixo, e o homem que me ensinou a ter fome de suas
carícias agora as está negando a mim. Isso me deixa triste. Como ele não está
dentro de mim há semanas, me sinto obsoleta, como um fardo pesado. Quando
ele não me deu escolha, eu não queria ser seu brinquedo ou sua esposa, e agora
que não sou nenhum dos dois, quero desesperadamente ser um ou o outro, de
preferência os dois. Eu vou me contentar com qualquer coisa que ele
der. Tem que haver esperança, porque ele ainda fica duro para mim. É difícil se
esconder quando ele está malhando de calça de moletom ou nadando de calção.
Esta noite, preparo seus pratos favoritos, assado de cordeiro, feijão verde
com bacon e batatas fritas e coloco uma mesa com velas do lado de fora. Rhett,
Quincy e Charlie estão jantando dentro de casa, como de costume. A vacilação
no passo de Gabriel quando ele desce as escadas e vê o cenário romântico no
jardim quase faz com que minha coragem falhe.
Encontrando-o na parte inferior da escada, eu pego seu braço e o levo para
fora, não dando a ele a escolha de ir para a sala de jantar.
Sem uma palavra, ele me senta e se senta na cadeira oposta.
Seu olhar se move sobre a refeição. — Qual é a ocasião?
— Só jantar.
Pela primeira vez em um mês, ele encontra meus olhos diretamente. — Só
jantar?
— E passar um tempo sozinhos. Estamos sempre com os outros, não que
eu esteja reclamando. Eu gosto deles, mas... — Droga. Minha coragem me falta.
O olhar em seu rosto me impede antes que eu possa criar
coragem para terminar minha frase. Um véu cai sobre seus olhos e
uma veneziana se fecha. O silêncio se estende
enquanto ele me olha com uma
emoção que lentamente invade sua
expressão ilegível. Sob a superfície espessa de
sua máscara, reconheço pena.
Ele tem pena de mim. Deve pensar que sou patética. A raiva
irracional se espalha em minhas veias. Isso é obra dele, o que ele me
fez. Se estou carente, é culpa dele. Se eu o quero, ele é o
culpado. Como ele ousa sentar lá e me julgar, sentir pena de mim por
deseja-lo? Lágrimas picam atrás dos meus olhos. Não importa
o quão rápido eu pisque meus cílios, eu não consigo afastar
elas. Uma escorrega, duas... Maldição. Eu tenho que mostrar
fraqueza após fraqueza?
A máscara escorrega mais uma fração quando ele se estica
sobre a mesa e pega minha mão. — Não faça isso.
Não chorar? Não querer? Não sentir? Eu quero gritar e
machucar ele como eu estou sofrendo, mas eu seguro minhas
lágrimas e forço meus hormônios irracionais para baixo.
— Estou tentando tanto... — Minha voz falha na última
palavra. Não consigo continuar a falar por medo de chorar
no assado.
Ele esfrega o polegar sobre minhas juntas. — Você
não precisa tentar, linda.
Eu não teria que tentar o quê? Encarando-o em meio às lágrimas, desejo
que ele explique, mas não o faz.
Ele leva minha mão à boca e beija as costas. — Você precisa de sua força.
Devo servir para você?
Meu coração se quebra em pequenos fragmentos. Preciso de tudo que
tenho para aceitar minha rejeição com graça e não pular e lutar contra ele como
uma cadela no cio. Eu concordo. Quando ele está ocupado servindo comida no
meu prato, eu rapidamente limpo os olhos com as costas da mão. Será mais fácil
para ele simplesmente me deixar ir.
— Gabriel? — Espero até que ele me olhe. — Me liberte.
Seus olhos ficam duros. — Eu já disse que não vai acontecer. — Ele abaixa
a colher. — Coma. Sua comida está esfriando.
Jurei pegar tudo o que pudesse. Parece que estou me contentando em ser
uma responsabilidade indesejada.

KRIS PERCEBE MINHA mudança no trabalho. Ela me arrasta para fora


até a mesa do jardim para o almoço e coloca uma caixa de comida para viagem
na minha frente. Eu me sinto mal por Charlie estar comendo sozinho lá dentro,
mas quando menciono isso, ela balança a cabeça e aponta um pauzinho
para mim.
— Fique aqui. Nós vamos conversar.
Eu gemo.
— Você pode me olhar desse
jeito o quanto quiser, — ela sacode
um guardanapo no colo, — mas você vai
conversar comigo. O que está comendo você?
— Hormônios. — Ultimamente, tenho usado muito isso como
desculpa.
Seu queixo se contrai de um jeito que diz que ela não vai
desistir. — Como vão as coisas em casa, com Gabriel, quero dizer?
Não quero sobrecarregar Kris com meus problemas, mas
preciso de uma amiga em quem confiar. — Não muito bem. Ele
é um cadáver ambulante.
Ela enche a boca de macarrão e resmunga. — Parece
normal com o que ele está passando.
Imediatamente, me sinto egoísta e mal por pensar em
minhas necessidades quando deveria colocar as dele em primeiro
lugar.
— O luto leva tempo, — diz ela.
— Ele não voltou ao trabalho e quase não sai de casa.
— Ele não precisa trabalhar se não quiser. Tem
dinheiro suficiente.
— Estou preocupada com ele sentado em seu
escritório o dia todo.
— Tenho certeza de que ele está fazendo coisas.
— Eu gostaria de saber o que fazer para ajudar.
— Dê espaço a ele. — Ela dá outra grande mordida. — E seja paciente.
Quando eu não digo nada por vários segundos, ela para de comer e olha
para mim novamente. — Você quer que as coisas deem certo com ele, não é?
Este é o ponto crucial do problema. — Sim, — eu sussurro.
— Você sente que não deveria por causa de como vocês dois começaram.
— Não sei o que sinto. Eu só sei que quero que seja real. Eu não quero
mais fingir. Quero um verdadeiro marido que me ame por mim, não um dono
que se casou comigo para que seus inimigos não me decapitem.
— Uau. — Ela ri. — Parece duro quando você o coloca assim.
— Mas é verdade.
— Sim. Duro, mas é verdade. O que você vai fazer?
— Eu estava esperando que você me contasse. O que devo fazer, Kris?
— Acho que depende do que você deseja.
— Eu o quero.
— Então lute.
— Lutar?
— Sim. Dê a ele mais alguns meses para chorar e então comece a andar
nua. Isso deve chamar a atenção dele.
Eu a golpeio com meu guardanapo. — Temos outras pessoas morando na
casa.
— Eu sei. Talvez isso seja parte do problema. Você precisa de
um tempo sozinhos. Mande os caras embora e
traga Charlie para mim.
— Você é uma boa amiga.
— Sou prática.
— Você ainda é uma boa amiga.
Ela checa o relógio. — Coma sua comida. Estaremos de volta
em cinco. Viu? Eu sou prática.
Isso arranca uma risada de mim.

TIRANDO ERVAS DANINHAS da horta, me sento de


bunda no chão, pois não consigo mais me abaixar. O Dr.
Engelbrecht, que faz uma visita domiciliar a cada duas semanas,
me diz que estou ganhando muito peso. Parte disso é retenção
de água, mas na maior parte é infelicidade. Eu engulo sorvete com
molho de manteiga de amendoim quando estou triste, pelo
menos desde que estou grávida. O peso extra restringe meus
movimentos e ainda tenho dois meses pela frente.
O sol do meio-dia de julho bate em minha
cabeça. Mesmo no inverno, faz calor. Parece que tenho
um aquecedor interno, piorando as coisas. A menos que
eu queira desmaiar de superaquecimento, é melhor eu
procurar o interior fresco da casa. Enquanto estou lutando para levantar meu
corpo pesado, um par de mãos agarra meus cotovelos e me ajuda a ficar de pé.
Eu olho para o rosto de Quincy. — Meu cavaleiro de armadura brilhante.
Obrigada.
— Onde está Gabriel? — Ele parece chateado. — Espere, não me diga. Em
seu escritório.
— Isso é difícil para ele, Quincy. — Não sei se estou falando de mim, do
bebê ou da morte de Carly. Provavelmente todos os três.
— Sim. — Ele mexe na minha barriga. — Isso não é difícil para você.
— Não é o mesmo.
Parece que ele quer discutir, então digo rapidamente.
— Charlie tem uma sessão com Christopher. Vou fazer um jarro fresco de
chá gelado.
— Precisa de ajuda?
— Estou bem, obrigada.
Ele me observa pensativo enquanto eu caminho de volta para a casa.
Christopher já está lá conversando com Rhett. Eu levo o médico e Charlie para
a sala de cinema com uma sensação desconfortável. As últimas sessões
deixaram uma marca em Charlie. Ele ficou agitado depois, mas Christopher
escreveu as mudanças de humor para uma fase intermediária normal da terapia.
Hoje, eu espero na porta, imediatamente percebendo os ombros tensos de
Charlie quando ele sai.
Eu agarro seu braço antes que ele possa escapar. — Como foi?
— Pi-piscina. — Ele se solta e me contorna,
indo em direção às portas de correr.
— Eu fiz chá gelado, —
grito atrás dele. — É maçã e canela. — O
favorito de Charlie.
Ele me olha, mas se afasta com passos rápidos. Ele está
irritado e não se deixa abalar.
Christopher é o próximo. — Bem, irei embora, então.
— Podemos conversar um pouco?
Ele olha para o relógio de pulso. — Eu tenho outro
compromisso.
— Cinco minutos?
Ele não pode me recusar sem ser rude, mas os cantos de
sua boca viram para baixo. — Tudo bem. — Ele abaixa a pasta e
aceita o chá que ofereço.
— Charlie tem estado irritado ultimamente. Para ser exata,
desde suas últimas quatro sessões.
— Eu disse que é normal. Atingimos uma barreira em
seu desenvolvimento e é difícil ultrapassar ela, mas assim que
terminarmos, ele ficará bem. Melhor do que bem.
— No que você está trabalhando?
— Não tenho liberdade para discutir isso. Pode
comprometer nosso objetivo se você interferir. — Abro a
boca para protestar, mas ele me imobiliza com a mão no ar. — Acredite em mim,
todos os parentes afetuosos interferem. É a natureza humana. Não suportamos
ver o sofrimento de nosso ente querido. Lembre-se de que todos os grandes
resultados vêm com muito trabalho.
Não estou tranquila, mas ele engole sua bebida e deixa o copo sobre a
mesa. — Ótimo chá gelado. Me lembra minha avó.
— Obrigada, — eu murmuro quando ele se vê fora.
Vou fazer mais duas sessões e, se Charlie ainda estiver nervoso, vou parar
o tratamento. Às vezes Charlie fica impaciente, especialmente quando não
consegue expressar seus sentimentos, mas, principalmente, ele é apenas um
grande urso que pode ser abraçado. Eu não quero que ele seja infeliz, nunca.

Gabriel

OS DIAS SE TRANSFORMAM em noites e as noites em dias. O tempo é um


ciclo lento, sem fim e tortuoso. Quase todos os dias, vejo álbuns de fotos com
fotos de Carly desde o nascimento até a morte. Eu estudo cada foto, procurando
detalhes e informações que eu possa ter perdido antes, como em
quantas fotos ela usava sua camiseta azul com o coração
vermelho. Nunca percebi o quanto ela gostou. Se eu
soubesse, teria embalado em uma
caixa e guardado com seus
primeiros sapatos de bebê, seu chocalho
favorito e a boneca com que ela dormiu até os cinco anos,
aquela cujo cabelo ela cortou, acreditando que cresceria de volta.
Minha vida é uma caixa de memórias. Cheia, mas vazia.
Estou me esforçando para continuar com minha vida. O
dinheiro na minha conta bancária não durará para sempre. Aceitei
um emprego de gerenciamento em uma das empresas de
Michael, o que nada mais é do que caridade da parte dele. Ele
acabou se tornando um bom amigo e não importa o quão difícil
seja tirar minha cabeça da areia, eu me recuso a desapontá-
lo.
Magda e eu ainda não estamos nos falando. Ela me enviou
um e-mail informando que o que quer que tenha acontecido entre
nós, o neto dela sempre será bem-vindo em sua casa, e ela
espera que eu mude de ideia.
Que azar. Estou a caminho de um novo futuro que não
envolve agiotas ou ossos quebrados. Preciso fazer isso por
mim, mas também pelas pessoas que dependem de mim
para cuidar delas.
Estou prestes a sair para o meu primeiro dia no novo emprego quando
Quincy entra no meu escritório.
Ajustando minha gravata, digo. — Estou atrasado.
A postura ampla que ele assume me faz olhar, realmente olhar, para ele.
Seus punhos estão fechados ao lado do corpo e sua mandíbula está flexionada.
Ele está bravo. Furioso.
— Nós vamos conversar, Gabriel. Agora. Isso já dura tempo suficiente.
— Falar de quê?
— Você quer que eu soletre para você?
O que diabos está comendo-o? — Por que você não soletra?
— Sua negligência com Valentina.
Leva um momento para suas palavras serem registradas. — Minha
negligência de... — E então elas afundam. — O quê? — Eu olho para ele. — Não
é da sua conta.
Sua postura se torna mais ampla. — Ela é sua esposa ou, não é?
Meu temperamento começa a ceder. — Claro que é minha esposa.
— Então aja como um marido e, se não puder, deixe outra pessoa.
Eu vejo a porra do vermelho. Queimado em preto com bordas derretidas
em laranja. — Fique fora do meu negócio, — rosno, — e longe da minha esposa.
— Ela merece coisa melhor. Você a engravidou. Agora trate ela bem.
Agarrando sua lapela, eu o levanto do chão. — Se você for sábio, vai calar
a boca.
Ele não parece nem um pouco assustado. — Não pode
enfrentar a verdade? Não é homem o suficiente
para ouvir isso?
Antes que eu possa me parar,
bato meu punho em sua mandíbula. Ele sai
voando, batendo no chão com um baque. Naquele exato momento,
o objeto de nossa discussão entra pela porta. Valentina congela,
olhando de mim para Quincy que está esparramado nos ladrilhos. É
para ele que ela corre.
— Quincy! Você está bem? — Ela me lança um olhar
assustado. — Gabriel, o que há de errado com você?
O ciúme que eu havia reduzido a uma arte durante os
últimos meses borbulha de volta à superfície, feio e ácido na
minha garganta. Ela é minha e
está carregando meu filho. Ninguém fica com ela, não importa o
quão melhor homem ele seja.
Antes de dizer ou fazer algo de que me arrependerei, deixo
Quincy em suas mãos preocupadas e vou para o trabalho. Eu
não vou contar a ela sobre isso até a hora certa, até que eu
saiba que está funcionando. Ela não precisa se preocupar
com a origem do dinheiro.
JOGANDO TODO O meu peso em minha resolução, tudo que como, bebo
e vivo é o trabalho. Estou me adaptando bem na empresa e me dou bem com o
Michael. Eu o respeito como amigo e chefe. Elizabeth é sua segunda em
comando. Ela sempre pergunta sobre Valentina, mas desiste quando não
consegue nada de mim. É estranho trabalhar na empresa de outra pessoa, mas
sou grato pelo desafio. Isso mantém minha mente longe de pensamentos
sombrios. Quanto mais gentis eles são comigo, mais eu trabalho para merecer
isso. Quero provar meu valor para eles, mas principalmente para mim
mesmo. Isso não é negócio de meu pai ou dinheiro de minha mãe. Estou
ganhando do meu jeito, e é mais difícil do que pensava. Passo longas horas
no escritório, voltando para casa depois das onze, quando o resto da casa está
dormindo, e saindo antes que eles acordem. Aos poucos, dia após dia, vou
costurando uma semelhança de vida.

Valentina

SÃO SETE HORAS da noite quando o carro de Magda chega ao nosso


portão, e Scott a anuncia pelo interfone. O que ela está fazendo aqui? Gabriel a
convidou para jantar? Desde o funeral, ela não voltou nessa
casa. Mesmo que Gabriel não diga muito, eles devem ter tido algum
tipo de desavença.
Limpo meu vestido, um hábito
nervoso de saber o quanto ela
desaprova minha escolha de roupas, e a encontro na
porta.
Sua atitude é urgente. — Gabriel ainda está no trabalho?
— Você saberá melhor do que eu.
— Eu?
— Ele trabalha com você, não é?
— Ele não falou para você? — Ela abre muito os
olhos. Por trás de sua expressão falsa, ela parece satisfeita. —
Ele trabalha para Michael e Elizabeth Roux, agora.
Uau. É como enfiar uma agulha debaixo da minha unha
e torcê-la. O fato de ele não ter me dito algo tão importante dói
de uma maneira que não me interessa examinar.
— Entre. — Eu me afasto, imaginando o quanto devo
perguntar. Eu não quero dar a ela munição para derrubar as
paredes já em ruínas de qualquer relacionamento distorcido
que Gabriel e eu deixamos. Estou segurando as ruínas com
as duas mãos, cravando as unhas nos tijolos quebrados
enquanto seguro a parede, mas não tenho certeza se
rachaduras desse tamanho podem ser preenchidas.
Ela olha ao redor do espaço. — Onde estão todos?
— Charlie está lá em cima e Rhett está em seu quarto.
— Quincy?
— Com Gabriel.
— Ah. Bom. Eu esperava que pudéssemos conversar sozinhas. Podemos ir
a algum lugar privado? Eu não quero ser interrompida.
Uma coceira desce pela minha espinha. Eu deveria dizer não, mas meu
instinto está agitando, e bandeiras vermelhas estão balançando em minha
mente.
— Aqui. — Eu a levo para o escritório de Gabriel, a sala mais próxima com
uma porta.
— Estou surpresa por ele não ter contado que deixou nossa empresa, —
diz ela, assim que entramos. — Então, novamente, ele não diz muito a você, não
é?
Por que ele escondeu de mim? E Rhett e Quincy? Eles também estão
nisso? Não posso evitar o quão defensiva pareço. — O que isso quer dizer?
— Aposto que ele nunca lhe contou por que você engravidou.
Aquela coceira de antes se espalha pela minha pele, fazendo com que cada
terminação nervosa formigue em alarme. — O que?
— Ele substituiu seu controle de natalidade por pílulas de placebo. — Ela
empurra um USB em minha mão. — Aqui está a prova e a razão pela qual ele
escolheu você.
12
Valentina

GABRIEL FEZ O QUÊ?


Eu não acredito nisso. Ele não iria. Nunca. Por que Magda
está fazendo isso? Meu instinto me avisa que isso é apenas o
começo. Magda plantou um caminho de destruição em minha
palma, e meus pés estão firmes nele. Meus dedos agarram a
chave em minha mão que, se for verdade, vai me destruir. A
dor no coração que senti com a rejeição de Gabriel não é nada
comparada à dor cortando meu interior. Prefiro cem chicotadas
de seu cinto a isso. Qualquer coisa, mas não isso. Se Magda
estiver certa, ele me enganou de propósito. Ele mentiu para
mim. Pior, me deixou acreditar que era minha culpa. Minhas
unhas cortam a pele da palma da mão ao redor do pedaço de
plástico. Eu sofro em cada canto da minha alma.
— Vou deixar você com isso. — Magda caminha até
a porta. — Eu suponho que você prefira assistir isso em
particular. Se eu fosse você, não perderia tempo fazendo
minhas malas. — Um sorriso vitorioso marca sua grande saída.
Por algum tempo, fico enraizada no lugar. Meu corpo treme e calafrios
percorrem minha pele. Fim do jogo. Dói, dói de verdade. Por que eu? A resposta
que desejo está na palma da minha mão. Liberando meus dedos um por um, eu
olho para o objeto preto com o logotipo da empresa de Magda. Minha mão treme
enquanto o carrego para a mesa de Gabriel e abro seu laptop. Quando a tela
ganha vida, eu hesito. Depois que o pen drive atingir a entrada, não há como
voltar. Não terei escolha a não ser enfrentar os fatos. Minha mão paira ao lado
da abertura.
Como você pôde Gabriel?
Eu coloco o pen drive e mordo minha unha.
Enquanto o arquivo carrega, Charlie aparece na porta aberta.
— Estou com fo-fome.
— Eu estarei lá. Que tal dobrar a roupa enquanto você espera? — Charlie
adora pares de meias.
— La-lavanderia. — Ele desaparece na direção da copa.
Eu volto meu foco para o computador. Tem uma pasta com o nome
Valentina ameaçadoramente na tela. Calafrio após calafrio rasteja sobre meus
braços. É estranho ver meu próprio nome e errado abrir algo que não pertence a
mim, algo que Gabriel está claramente escondendo. Faço um último e corajoso
esforço para abortar minha missão, que é movida pelo horrível combustível da
curiosidade, da dor e da humilhação, mas meu dedo já está
pairando sobre o mouse. Gabriel vai me dar respostas honestas se
eu o questionar? Provavelmente não. O
pensamento final que balança o
equilíbrio e traz meu dedo é o
conhecimento de que Magda sabe mais do que
eu.
Clique-clique.
A pasta é aberta. Meu coração para de bater por um
instante. Prendo minha respiração e mordo meu lábio. A pasta
contém dois arquivos. Um é intitulado Controle de natalidade e a
outra evidência. Eu abro o controle de natalidade
primeiro. Ele contém um arquivo de som. Confusa, clico
nele. É a gravação de uma conversa telefônica. As vozes
pertencem a Gabriel e Dr. Engelbrecht. Eles estão discutindo
minha saúde. A culpa e a terrível antecipação esquentam
minhas bochechas enquanto ouço uma conversa que não é para
meus ouvidos.
— Eu quero uma pílula anticoncepcional de placebo, — diz
Gabriel.
— Você quer que ela engravide? — Dr. Engelbrecht
pergunta.
Gabriel não hesita. — Exatamente. — Ele nem
parece envergonhado. Sem remorso, sem explicações.
— Amanhã? — O médico diz.
Há um sorriso em sua voz. — Perfeito. Precisamos repetir o exame para ter
certeza de que ela está saudável e suscetível. Eu quero que ela tome uma injeção
de fertilidade para ajudar as coisas.
Leva um minuto inteiro para registrar as palavras. Eu retrocedo e repasso
a conversa. De novo, e de novo. A cada repetição mais raiva ferve em minhas
veias até que meu corpo parece brasas em chamas. Tremendo
incontrolavelmente, volto ao início e ouço a conversa novamente. Eu não posso
ajudar a mim mesma. Continuo açoitando minha alma com a verdade dolorosa,
me punindo por minha ingênua ignorância. Meu coração não quer aceitar o que
ouvi, mesmo que minha mente já acredite nisso. Eu cubro minha boca com uma
mão e coloco a outra na minha barriga, sobre a intenção planejada de Gabriel,
o bebê que eu amo mais do que a mim mesma. Estou enjoada. Depois de repetir
a conversa pelo menos dez vezes, paro. Eu escutei cada nuance e entonação da
voz de Gabriel, procurando por sentimentos e motivações que não estavam lá.
Por que ele fez isso? Por que ele mentiu para mim? Por que eu? As palavras de
Magda giram em minha cabeça. E a razão pela qual ele escolheu você.
É preciso toda a coragem que me resta para abrir o segundo arquivo. Este
é um videoclipe. O medo desce pelo meu braço, fazendo-o sentir pesado
enquanto meu dedo para acima do teclado, mas minha mão tem vida própria
enquanto se move para baixo e pressiona Enter.
A imagem está granulada e desfocada, mas lentamente entra em foco. Não
é um feed de uma câmera de segurança como eu esperava, mas um
filme caseiro. A lente está apontando para o chão. Quem está
carregando a câmera está caminhando. Um par
de sapatos pretos polidos bate na
madeira. Existem vozes ao
fundo. Elas estão animadas, altas. Há outra
coisa, outra voz que minha mente se recusa a decifrar. Uma
sensação de mau presságio aquece meu corpo, deixando minhas
mãos úmidas. Quero desligar a gravação, mas não posso. As
imagens que se desdobram prendem meus olhos como se estivessem
colados na tela. A gritaria fica mais alta, mais clara. Há briga. A câmera
se levanta e a sala entra em foco.
— Você conseguiu, Barney? — Uma voz diz.
— Sim, se apresse. Estou filmando.
As paredes são revestidas de painéis de madeira com
fotos emolduradas de cachorros vestidos a rigor jogando
cartas. No centro está uma grande mesa forrada com feltro
verde. Uma mesa de bilhar. Minha boca fica seca. A temperatura
do meu corpo cai dez graus e o gelo se aloja em todos os poros
da minha pele. Paralisada de horror, vejo quatro homens
arrastarem uma garota lutando para cima da mesa. Dois
deles agarram seus braços, e dois suas pernas, enquanto
um quinto começa a puxar suas roupas. Seus gritos são
inúteis. Quanto mais ela implora, mais eles
riem. Soluços destroem seu corpo magro. Ela tenta
chutar e leva um soco no estômago. Seus olhos estão fechados enquanto o
homem que destruiu suas roupas coloca as calças nos quadris. Ele é gordo e
grisalho. Ela mantém os olhos fechados enquanto ele faz o impensável, mas eu
não. Observo cada movimento violento de seu corpo, cada tapa dolorosa de sua
palma quando cai em seu rosto. Através das lentes, observo cada rosto que olha,
que ri quando é sua vez de sorrir para a câmera. A frieza se espalha por meus
membros quando o homem no centro, aquele com as calças nos tornozelos, cai
sobre o corpo da garota. Algo quente e úmido corre pelo meu rosto e explode em
gotas no teclado. A câmera se move ao redor da mesa, capturando todos os
ângulos do corpo imóvel que está em cima. Quando chega do lado em que seu
cabelo escuro cai sobre a borda, o estuprador se levanta bem na minha frente.
Sua cabeça está inclinada, obscurecendo suas feições enquanto ele puxa as
calças e fecha o cinto. Então ele levanta o rosto e olha diretamente para mim.
Minha garganta se contrai. Tento engolir, mas não consigo. Eu não consigo
respirar. O feitiço congelante do meu corpo ondula sobre minha pele, me
congelando centímetro a centímetro, até que eu não consigo mover um dedo da
mão ou do pé. Quando o frio extremo atinge meu couro cabeludo, é substituído
por um calor escaldante. Já vi o rosto do meu estuprador muitas vezes
antes. Bem aqui, no escritório do meu marido. Ele está de pé em sua mesa,
olhando para mim agora. Testemunhando meu choque, ele me olha com
um sorriso de escárnio.
Owen Louw.
Pai de Gabriel.
13
Valentina

E TUDO ACONTECE DE UMA VEZ.


Uma contração dolorosa me dobra. Uma dor surda penetra em meu
cérebro até que minha visão fica turva com manchas. E minha bolsa estourou.
É muito cedo.
Não se parecem em nada com as contrações de Braxton Hicks com as quais
me acostumei. A dor me deixa de joelhos. Rangendo os dentes, espero passar e,
quando a faixa de agonia me deixa, agarro a mesa e me levanto. Uso o telefone
da mesa para discar o número de emergência, inspirando e expirando enquanto
espero. Assim que alguém atende à ligação, ocorre a segunda série de contrações.
Eu cerro meus dentes e gemo.
— Alô? — A operadora diz. — Você pode me ouvir?
Por favor, não desligue.
Clique.
Droga. Não! Colocando uma das mãos nos móveis, uso a mesa, a cadeira
e a parede como apoio para fazer meu caminho até a sala. A tontura retarda meu
progresso. Minha cabeça dói tanto quanto meu abdômen. Só então, Charlie sai
da copa com uma cesta cheia de meias.
— Vá buscar Rhett, — eu digo tão calmamente
quanto possível, mesmo que todos os ossos
do meu corpo estejam tremendo. Há
uma boa chance de perder o bebê.
Charlie dá uma olhada para mim e deixa cair
a cesta. — Va-Val!
— Está tudo bem. Onde está Rhett? — Eu continuo para a
cozinha, mas outra contração me paralisa antes que eu possa
chegar ao meu telefone que está no balcão.
Dói como nada que eu já senti. Minha cabeça vai
explodir. Eu conto. Um, dois, três, quatro, cinco. Mais alguns
passos. Meu grito não é alto, mas é um som horrível. — Rhett?
Ele sai voando de seu quarto, com o cabelo molhado e
uma toalha enrolada na cintura. — Val, você me ligou? — Seus
olhos caem sobre a umidade em minhas pernas e pés, e então
eles ficam grandes.
— O bebê, — eu sussurro, com lágrimas escorrendo dos
meus olhos. —Chame uma ambulância.
O pensamento que se repete em minha mente é
mostrado na maneira como ele balança a cabeça em uma
negação silenciosa.
Muito cedo.
Não temos a menor chance de um parto domiciliar prematuro. Se eu não
chegar a tempo ao hospital, meu bebê está morto. Choro ainda mais quando
Rhett coloca nosso serviço de ambulância particular na linha e dá nosso
endereço, mas o choro só piora minha dor de cabeça. O tempo todo ele esfrega
meu ombro. Sou grata por esse ponto de contato humano. Estou com medo de
passar por isso sozinha.
— Eles estão a caminho, — diz ele em uma voz cortada quando desliga.
— Ligue para Kris. Ela precisa ficar com Charlie. — Eu resmungo quando
outra contração puxa meu abdômen em um ponto agudo de dor.
Respire. Dentro, fora. Dentro, fora.
Enquanto Rhett liga para Kris, eu falo com Charlie. — Vou para o hospital,
como falamos. Você vai ficar bem. Kris está vindo cuidar de você. Peça a ela para
cozinhar o que você quiser. Tem muita comida na geladeira.
— Ela estará aqui assim que puder, — Rhett diz bufando.
— Você pode ser corajoso por mim? — Eu pergunto a Charlie.
— Co-corajoso.
— Bom. Eu te amo tanto. — Quero dizer mais, mas não posso falar durante
a próxima contração. Eu tenho que me apoiar em Rhett. Impaciente para me
levantar, solto um suspiro e respiro fundo. Tenho pouco tempo antes que chegue
a próxima. — Você sempre foi um bom irmão mais velho para mim, Charlie.
Nunca se esqueça do quanto eu te amo.
— Deus, Val. — A voz de Rhett está embargada. — Não fale
assim.
— Eu estou bem. — Dou-lhe uma tapinha
reconfortante no braço. — Eu só
quero que ele saiba.
— Ele sabe. — Rhett lança um olhar
preocupado para Charlie. — Que tal assistir a um filme até Kris
chegar?
— C-certo.
Enquanto Charlie se dirige para a sala de cinema, Rhett me
carrega para o sofá. Ele empurra um travesseiro sob minha cabeça e
acaricia meu cabelo. —Você é forte. Você vai ficar bem.
Meu sorriso é fraco, porque meu coração não está nele.
Por favor, não deixe meu bebê morrer. Por favor, não o
deixe pagar o preço.
Rhett está com o telefone pressionado contra o ouvido
quando as sirenes soam ao longe. — Maldito seja, Gabriel,
atenda, — ele murmura baixinho.
Não sei como me sinto sobre Gabriel estar aqui, agora,
mas este bebê ainda é dele também.
— Quincy? — Eu ofereço, rangendo meus dentes com a
dor.
Ele já está rolando sua lista de contatos quando o
interfone toca, mas desiste da chamada para abrir o
portão do painel de controle da cozinha. Rhett corre
para a porta e deixa os paramédicos entrarem. Apesar de ainda estar usando
apenas uma toalha, ele corre ao lado da maca enquanto eles me levam para a
ambulância.
Ele agarra minha mão. — Eu não vou sair do seu lado.
— Não. Fique com Charlie. — Ele pode se afogar na piscina ou explodir o
gás da cozinha. Há muitos acidentes potenciais esperando para acontecer nesta
casa. Quando parece que ele vai discutir, eu imploro. — Por favor, Rhett.
Relutantemente, ele cede, mas sua expressão me deixa saber que ele não
está satisfeito.
— Vou ligar para Quincy, — ele grita enquanto os paramédicos me colocam
na parte de trás da ambulância e um deles se posiciona ao meu lado.
Estamos acelerando quando o médico começa a me bombardear com
perguntas médicas sobre meu histórico de saúde e a gravidez, enquanto ouve
meu batimento cardíaco e mede minha pressão arterial. Seus olhos brilham
quando ele lê o medidor.
— Exceto pelas contrações, você tem alguma outra dor?
— Minha cabeça dói.
— Visão turva, vendo manchas ou sensibilidade à luz?
— Pontos.
Sua carranca se aprofunda. — Náusea ou vômito?
— Náusea, mas estou com náuseas desde o início da gravidez.
— Tontura?
— Sim.
Ele me conecta a um aparelho para medir
minhas contrações e diz que está
enviando a informação ao hospital
antes da minha chegada. Ele não diz que não
há nada com que se preocupar, e fico feliz por ele não me
tranquilizar sem sentido.
Graças ao seguro médico privado de Gabriel, fui pré-admitida
para o parto na nova Clínica Broadacres, a uma curta distância de
casa. Passamos os portões menos de vinte minutos depois. Um
enfermeiro está esperando na entrada de emergência para me
acompanhar até uma sala de exames na ala de parto, onde um
obstetra assume o comando imediatamente. Com ele estão
duas enfermeiras. Ele está estudando uma prancheta
enquanto uma enfermeira me ajuda a despir e vestir a camisola
do hospital enquanto a outra prepara um soro. A enfermeira me
ajuda a entrar no banheiro para pegar uma amostra de urina
antes de me levar a uma mesa de ginecologia, onde o médico
coleta uma amostra de sangue e faz um exame físico. O olhar
em seus olhos quando ele finalmente levanta a cabeça reflete
meus medos.
— Sra. Louw, — ele diz com uma voz suave, —
você está dilatada nove centímetros e suas contrações
estão com dois minutos de intervalo. Você está na fase
ativa do parto. É muito tarde para uma epidural. Iremos para o natural, a menos
que haja complicações, certo?
— Você não pode parar as contrações? É muito cedo para o bebê.
O jeito que ele olha para mim é tão calmo que suas próximas palavras me
deixam completamente no chão. — Você tem pré-eclâmpsia severa. Você está
familiarizada com o termo?
Eu franzo a testa para ele. — Vagamente.
— Sua pressão arterial está muito alta. Se você não entregar o bebê
agora, corre o risco de desenvolver eclampsia ou convulsões, que podem ser
fatais. — Ele suaviza o golpe com um tapinha na minha perna.
— O que? — O choque ressoa por mim. — Meu bebê! E quanto ao meu
bebê? — Eu mordo meu lábio quando a dor mais forte do que antes contrai meu
corpo.
— Faremos o nosso melhor. O resto está nas mãos de Deus. — Há uma
sensação de urgência, mas também confiança em seus movimentos enquanto
ele começa a se preparar, vestindo o uniforme e uma touca. — Podemos chamar
alguém para estar com você? — Ele olha para a tela do tablet. — Você
tem apenas seu marido listado.
As únicas pessoas que quero são Kris e Charlie. Eles são os únicos que
ficaram ao meu lado de qualquer maneira, que nunca mentiram ou me
enganaram, mas essa não é uma situação à qual eu posso expor Charlie, e é
melhor que Kris cuide dele.
— Não, — eu digo, — não há mais ninguém.
— Coloque o anestesiologista de prontidão,
— diz o médico a uma das
enfermeiras.
A enfermeira enfia uma agulha em meu
braço e a conecta a um soro enquanto o médico se senta na frente
de minhas pernas dobradas.
— Empurre quando eu mandar, — diz ele. — Vou contar até
três. Um. Dois. Três!
As contrações estão vindo mais rápido e mais forte. Preciso de
toda a minha energia para respirar por elas. Não tenho força
suficiente para pensar, muito menos para falar, então tirei
tudo da cabeça, exceto a única tarefa exigida de mim, fazer o
parto deste bebê.
14
Gabriel

A REUNIÃO VAI ALÉM DA HORA.


Enquanto nosso investidor fala sobre o mercado imobiliário, eu verifico
meu relógio. São quase oito horas. Meu telefone vibra na mesa. Eu olho para a
tela. É uma mensagem de Quincy.
Ligue para Rhett.
Algo está acontecendo. Estando em uma reunião, eu ignorei a ligação
anterior de Rhett, mas meus dois guarda-costas não vão tentar entrar em
contato comigo se não for importante. Pedindo licença, deixo Michael presidir a
reunião e faço a ligação no corredor.
A voz de Rhett está tensa. — Valentina está a caminho da Clínica
Broadacres.
Cada tendão do meu corpo é uma corda prestes a se romper. — O que
aconteceu?
— A bolsa dela estourou.
Eu fico frio. Aperto o telefone com tanta força que meus dedos doem. —
Espere. — Eu tremo como um cachorrinho na tempestade. Minha
perna é um peso morto arrastando atrás do meu corpo enquanto eu
corro de volta para a sala de reuniões e
sussurro minha emergência no
ouvido de Michael.
— Vá, — diz ele, agarrando meu ombro, — e
nos informe. — Seus olhos estão cheios de preocupação enquanto
me seguem para fora da sala.
No corredor, eu mando uma mensagem para Quincy, dizendo-
lhe para trazer o carro e volto para a ligação de Rhett.
Falando enquanto caminho, pergunto. — Onde você
está?
— Em casa. Estou esperando Kris chegar para ficar com
Charlie. Assim que ela chegar, irei para o hospital.
— Como isso aconteceu? Ela levantou algo pesado? —
Querido Deus, ela...? — Ela caiu? — Eu deveria ter estado lá,
caramba. Talvez ela tenha tentado limpar debaixo da cama
novamente ou carregar o cesto de roupa suja para baixo.
— Eu não sei. — Rhett parece perdido. Assustado. —
Magda chegou, fui tomar banho e, a próxima coisa que me dei
conta, Valentina está em trabalho de parto.
— Espere. — Magda esteve aí? Meus pelos
arrepiam. — O que Magda queria?
— Eu não sei. Achei que fosse uma visita social.
Não faz sentido. Estou no saguão, procurando por Quincy na rua. — Você
a viu?
— Não. Eu apenas abri o portão. Valentina a encontrou na porta. Fui
tomar banho para lhes dar privacidade.
— Ela ainda está aí?
— Ela saiu antes da bolsa de Valentina estourar.
Vendo o Jaguar parando no meio-fio, corro para o lado do passageiro. —
Bom. — Não quero Magda lá quando não estou em casa. Eu entro e cubro o
telefone com a mão. — Clínica Broadacres, — digo a Quincy. —
Rápido. Valentina vai ter o bebê.
Quincy empalidece. Ele coloca o carro em marcha e sai com pneus
barulhentos.
— Estou a caminho, — digo. — Estaremos aí em vinte.
Felizmente, a esta hora, há pouco tráfego. Pegamos as estradas mais
calmas e chegamos à clínica logo abaixo do meu tempo previsto.
Quincy me deixa na entrada da frente. — Vai. Vou estacionar o carro.
Há um mês, corri para a recepção, mas desta vez pergunto por minha
esposa. Há um mês, a recepcionista me disse para ficar parado. Um médico está
vindo ao meu encontro. Eu me transformei em pedra. Meus órgãos se
transformam em chumbo. Não fui direcionado para uma sala, mas é o mesmo.
Um jovem de jaleco branco se aproxima de mim. Ele não perde tempo com
saudações.
— Senhor Louw, sua esposa está em trabalho de parto.
Sou como um leão pronto para atacar. Eu
quero ficar com minha mulher. —
Eu sei. Me leve até ela.
— Em breve. — Seu tom é assertivo. —
Primeiro, preciso te atualizar. — Ele se vira e começa a andar, sem
olhar para ver se estou seguindo.
Quando entramos na pequena sala de visitantes, tudo dentro
de mim fica pesado. Meu estômago é uma bola de granito. Minha
cavidade torácica está cheia de pedras.
Ele fecha a porta e se vira para mim. — Sua esposa tem
pré-eclâmpsia severa como resultado da hipertensão. A única
maneira de evitar riscos futuros é o parto imediato, mas
estamos lutando para estabilizar a pressão arterial. Estamos
administrando sulfato de magnésio por via intravenosa. Se seu
corpo não reage ao magnésio, ela pode desenvolver
eclampsia. Em outras palavras, ela pode ter convulsões. Já
explicamos a ela a condição e as possíveis consequências. Antes
de entrar na sala de parto, precisamos fazer o mesmo. — Ele
respira fundo e segue em frente. — Há uma chance de que ela
não sobreviva ao parto.
Minhas pernas se transformam em pilares de
pedra. Minha culpa. Meu fazer. — Quão grande é a
chance?
— No momento, eu diria meio a meio, mas depende de como ela reage ao
medicamento.
Minha primeira reação irracional é a raiva. — Nosso médico particular a
examinava a cada duas semanas. Por que ele não percebeu isso?
— A pré-eclâmpsia geralmente só começa no início do trabalho de parto.
— O nascimento era esperado para dois meses depois. O que deu errado?
Estou gritando com a natureza, com Deus, pelo dia que troquei as pílulas
anticoncepcionais dela por placebo. Se eu conseguir descobrir o que
desencadeou as contrações inoportunas, talvez possa voltar no tempo e mudar
isso. Talvez eu consiga encontrar o erro e me açoitar para reverter esse processo,
para leva-la de volta antes que a bolsa estourasse. Ou talvez eu simplesmente
precise me punir por não carregar aquele cesto de roupa suja para ela. Se eu
açoitar minhas costas até que fique ensanguentada por deixa-la se curvar e
limpar debaixo da cama, talvez Deus me perdoe e poupe a vida dela.
— É difícil dizer, — diz o médico. — Um choque físico pode ter
desencadeado o nascimento, trauma emocional, doença... há muitos fatores. O
que importa agora é que você a apoie. — Ele agarra meu ombro. — Você tem que
ser forte por ela, Sr. Louw. É o que ela mais precisa.
Não percebi que lágrimas grandes e gordas escorriam pelo meu rosto até
que ele me entregou um lenço de papel de uma caixa estrategicamente colocada
sobre a mesa. Se ela morrer... não, não, não. Eu não consigo enfrentar isso.
— Pronto? — O médico aperta meu ombro. — Nós devemos ir.
Outro minuto depois, estou lavando e esfregando as mãos em
um vestiário, vestindo o uniforme que uma
enfermeira colocou para mim. Meu
peito está tão apertado que é difícil
respirar. A batida do meu coração é como a
batida de um martelo em um bloco de mármore, lascando
os cantos e as bordas, cavando sulcos profundos nas memórias
dos meus momentos com Valentina.
Por favor, Deus, salve ela.
Em vez disso, darei minha vida. Não a faça pagar pelos meus
erros. Não a deixe pagar o preço final por minha luxúria egoísta
e vontade obstinada de mantê-la. Salve ela e juro que
consertarei isso. Vou fazer um voto de joelhos para desfazer
todos os erros, todos os pecados egoístas que cometi contra
ela. Mesmo que isso me mate, vou libertá-la.
Eu vou deixá-la ir.
Porra, esse pensamento corta como facas entrecruzadas
em meu coração. Retribuição é uma merda e eu mereço cada
parte disso.
— Vamos, Sr. Louw.
A enfermeira me leva por um longo corredor com
luzes muito fortes. É como descer um túnel até o
fim. Há misericórdia na vida e paz na morte. Não quero
que ela tenha paz ainda, não antes de ter vivido a vida
plena e feliz que merece. Eu quero que ela envelheça e veja seus netos
casados. Eu quero que ela tenha o que quiser. Eu quero que ela tenha
misericórdia.
A mulher de uniforme branco segura uma porta e faz sinal para que eu
entre. Meu mundo se despedaça antes que essas peças sejam reconstruídas para
formar a imagem diante de mim. Minha esposa está deitada em uma cama, se
esforçando com todas as forças. Seu rosto está branco como argila de oleiro e
suas pernas esguias tremem de uma maneira anormal, como se ela estivesse
tendo um ataque. Ela está tentando dar vida ao bebê que coloquei em seu ventre
e, de repente, seus membros frágeis parecem vulneráveis demais para a tarefa.
Seu cabelo está grudado na testa e sua pele brilha de suor, mas a forma de sua
boca é determinada. Forte.
Me sacudindo do meu estado de choque imóvel, corro para o lado dela e
pego sua mão. O coto que costumava ser seu polegar é mais um lembrete de
quem eu sou, mais um pedaço que tirei dela.
— Você pode fazer isso, linda.
O que está diante de mim é uma criatura quebrada, um anjo com asas
rasgadas e pedaços de sua alma e corpo faltando. Apesar dos ferimentos, ela
ainda luta para voar. Levo sua mão à boca e beijo seus dedos. A pele dela está
fria.
— Por favor, Valentina. — Eu imploro por perdão. Eu imploro para ela
lutar mais forte e não me deixar. — Lute, — eu sussurro.
Apesar de todos os seus bravos esforços, as coisas estão dando
errado. As enfermeiras estão tensas e as
instruções do médico são forçadas.
— O bebê não está descendo,
— diz o obstetra.
Valentina geme quando ele empurra o antebraço em cima do
abdômen e o empurra para baixo. Eu quero separar os membros
do filho da puta. Eu quero arrancar a causa de sua dor e esmagar
seu crânio contra a parede. É apenas pura força de vontade que me
impede de esfaqueá-lo com o bisturi. Minha raiva é dirigida à pessoa
errada. A raiz de toda essa agonia está em pé ao lado da cama,
segurando a mão dela.
— Cesariana de emergência, — declara o médico com
nova nota de urgência.
Uma das enfermeiras põe a mão no meu braço. — Por
favor, se mova, senhor.
Eu me liberto. — Eu não vou deixá-la.
— Senhor Louw, — a voz do médico é severa, — pelo bem
da vida de sua esposa e filho, vá embora. Não temos tempo.
Agarrando seu rosto, eu a beijo como se nunca pudesse
beijá-la novamente. Há muito a dizer, mas não há tempo,
porque as ordens estão sendo dadas e Valentina é
puxada dos meus braços para uma maca. Eu me
esforço para me conter quando eles a
pegam. Caminhando ao lado dela, mantenho uma mão em sua barriga e agarro
seus dedos com a outra.
Eu pressiono sua palma contra minha boca, sufocando as emoções que
não me deixam falar, porque eu tenho que dizer isso.
— Eu te amo. — Cada palavra é quebrada. Cada palavra é significativa.
Cada palavra é bela à sua maneira, feia e errada.
Nos aproximamos das portas da ala operacional.
— Você pode esperar na área de visitantes, Senhor Louw.
— Espera. — Valentina agarra meu pulso. — Qual o nome dele?
— Connor, — eu digo, lutando para evitar que minha voz falhe. — O nome
dele é Connor.
E então ela se foi.
As portas da ala operacional se fecham e estou sozinho no longo corredor
com as luzes fortes.

ARRANCANDO AS ROUPAS do hospital, ando de um lado para o outro e


oro, repetindo minha promessa. Estou com vontade de morrer. Isso é punição
pelos meus pecados?
Rhett e Quincy chegam. Eles estão aqui mais por Valentina do que por
mim, e não posso culpa-los. Ela tem esse efeito nas pessoas.
— Como Charlie está se saindo? — Eu pergunto a Rhett.
— Ele está bem. Kris está preparando o
jantar. Você não precisa se
preocupar com ele.
— Val? — Quincy parece temer minha
resposta, mas não consegue parar de perguntar.
— Eu não sei, — digo honestamente. Dou uma breve
explicação da situação.
— Porra. — Quincy aperta as mãos e se joga na cadeira mais
próxima.
— Café? — Rhett pergunta.
Sentindo que ele precisa se manter ocupado, eu
concordo.
Armados com café escuro e amargo, alimentamos nossos
medos, pensamentos e culpa enquanto esperamos. Quando não
aguento mais, eu manco para cima e para baixo no
corredor. Está demorando muito.
Já perdi a conta do tempo quando a porta no final do
corredor se abre e um médico sai. Quincy e Rhett se
levantam. Eles olham para o médico como se ele tivesse
chifres crescidos. Com passos seguros, ele se aproxima,
parando perto de mim. Seu olhar é direto e real, sem
emoção. De pé, rezando, esperando, desesperado,
aguardo as notícias. Parece que pedras estão se esfregando no meu peito. Cada
respiração que dou dói.
Ele olha para nós três. — Senhor Louw?
— Este sou eu.
— É um menino.
15
Gabriel

— EU TENHO UM MENINO,
Eu murmuro.
Eu sou pai.
Rhett, Quincy e eu olhamos para o médico. Nenhum de nós fala.
Esperamos no pior silêncio da minha vida.
O obstetra me dá um sorriso cansado. — Sua esposa conseguiu.
A terra tomba sob meus pés. Tenho que agarrar a cadeira para me manter
em pé.
Ela vive.
Um menino.
Obrigada, obrigada.
Estou em conflito e em carne viva, sabendo do sacrifício que pagarei por
sua vida, mas minha alegria supera em muito o tormento de desistir de meu
filho e da mulher que amo.
— Ele nasceu às três e trinta e seis, — continua o médico. —
Um quilo e cem gramas. Trinta e nove centímetros.
Minha voz está grave. — Como eles estão?
— Ambos estão indo
bem. Você pode ver sua esposa em
uma hora, quando ela acordar. Seu bebê foi
colocado em uma incubadora. Uma enfermeira irá te levar para ver
ele.
— Ele tem apenas 29 semanas. Que complicações podem ser
esperadas?
— Qualquer coisa, mas, estatisticamente, as taxas de
sobrevivência para sua idade estão acima de noventa por cento
e a deficiência, menos de dez.
Eu engulo o nó na minha garganta. — Obrigado.
Ele dá um tapinha nas minhas costas. — Espere aqui. E
parabéns.
Rhett está ao meu lado no minuto em que o médico sai,
agarrando meus braços como se sentisse
minha fraqueza física. — Parabéns, Gabriel.
Um sorriso transforma o rosto de Quincy em uma
máscara boba. — Você tem um filho. — Ele me puxa para um
abraço e dá um tapa nas minhas costas. —Bom trabalho.
— Ela está viva, — eu digo, ainda precisando me
convencer. — Ela vai ficar bem.
Há uma nota de orgulho na voz de Rhett. — Ela é uma boa lutadora.
— Ela é forte, — Quincy concorda.
Eles esperam comigo até que a enfermeira volte para me levar ao meu
filho. Eu paro na frente da incubadora que nos separa. Por enquanto, isso é o
mais perto que posso chegar dele. Ele tem adesivos no peito minúsculo, um tubo
no nariz e uma intravenosa na perna. Droga, ele é pequeno, se afogando na
fralda branca. Tão frágil. Tão perfeito.
Eu coloco minha palma no vidro. — Connor. — Eu anseio por tocá-lo, por
segurá-lo contra meu peito e sentir seu coração bater em seu pequeno peito
corajoso. — Você conseguiu. Você vai crescer grande e forte. Um bom homem.
— Com uma mãe como a dele, ele não terá escolha.
Lágrimas grandes e sem vergonha correm pela minha barba até meu
sorriso. São lágrimas de felicidade. Lágrimas atormentadas, lágrimas de boas-
vindas e lágrimas de despedida.
Ele se parece comigo, pelo menos o eu antes das minhas cicatrizes, mas
ele tem os lábios carnudos de Valentina. Não sei por quanto tempo fico assim,
absorvendo suas feições enquanto ele dorme como só os inocentes podem, mas
meu quadril está doendo por causa da longa espera quando uma enfermeira toca
meu braço.
— Você gostaria de ver sua esposa? — Ela pergunta com uma voz alegre. —
Ela está acordada.
Eu gostaria de ver minha esposa? Que tipo de pergunta é
essa? Não me preocupo em responder. Eu nem tenho flores ou
um brinquedo de pelúcia. Sem balões ou
diamantes. Apenas mentiras,
engano e liberdade.
A enfermeira para em frente a uma porta
da maternidade. — Aqui está. Ela sofreu perda de sangue e ainda
está fraca, mas você pode ficar o tempo que quiser. Não se aplica
horário de visita. Não canse ela, entretanto.
Isso faz parte da vantagem de uma clínica e quarto
privados. Eu me preparo e abro a porta. Valentina está rodeada por
lençóis brancos. Seus olhos estão fechados e seus lábios
entreabertos. Sua respiração está regular, mas sua pele reflete
a cor dos lençóis. Meu intestino vira do avesso. É difícil vê-la
assim.
Eu faço meu caminho em silêncio, tentando não a
perturbar, mas seus cílios levantam quando chego à beira da
cama. Por três batidas de coração, ela me encara, seus olhos
suaves inundados de emoções. Porra, esse olhar me
perturba. A expressão distorcida e atormentada envolve meu
peito e expele o ar dos meus pulmões. A única lágrima que
desliza de seu olho e escorre por sua bochecha é uma
estaca em meu coração que deixa um buraco
que nunca pode cicatrizar.
Pego seus dedos e aperto. Quero subir na cama e a abraçar contra mim,
mas não quero perturbar sua ferida e machucá-la. Em vez disso, vou me
contentar em me sentar na borda.
Eu afago o cabelo de sua testa e traço meus polegares sobre a pele frágil
sob seus olhos. — Como você está se sentindo?
— Você o viu? — Ela resmunga.
— Ele é perfeito, Valentina. Tão perfeito.
Ela solta uma lufada de ar que faz seus ombros afundarem de volta no
colchão.
— Descanse. — Eu beijo seus lábios rachados. — Eu estarei bem aqui.
Suas pálpebras se fecham e sua respiração muda. Em um segundo, eu a
perco para o sono. É o anestésico ainda em seu sistema. Incapaz de me afastar,
me deito ao lado de seu corpo e cuidadosamente a puxo para mim. Eu a observo
até que um novo turno de equipe entra em serviço e uma enfermeira aparece
pela porta.
— O médico vai examinar ela, agora, se você quiser ir para casa e tomar
um banho, — ela oferece de forma brusca. — Talvez você queira comer algo
também. Vai precisar de força para sustentar sua linda e jovem esposa e aquele
seu lindo filho.
Arrastando a mão sobre minha barba, eu olho para baixo para minha
camisa amarrotada e terno. Devo estar uma bagunça. Minha boca está com um
gosto horrível e minha garganta dói. A fome não passou pela minha
cabeça, mas me sinto instável quando me levanto. Estou relutante
em deixa-la, mas saio do caminho dos
funcionários para que possam
cuidar da preciosa criatura na cama
branca.
No meu caminho para fora, eu verifico Connor. Depois de
lavar e aquecer minhas mãos, eu as coloco em suas costas. Ele é
tão pequeno que minha palma envolve toda a parte superior de
seu corpo. Carinho, orgulho, instinto protetor e amor machucam
meu peito.
Eu passo no meu primeiro teste de troca de fraldas, e
quando coloco Connor como a enfermeira me mostra, ele
segura meu polegar com o punho, seu aperto
surpreendentemente forte. Fisicamente dói quando tenho que
soltar seus dedos minúsculos.
Eu coloquei meu dedo em seu coração. — Eu te amo filho.
Não são permitidos telefones celulares na maternidade. Lá
fora, quando ligo meu telefone pela primeira vez novamente, há
dez chamadas perdidas de Kris. Droga. Em meu
pânico, esqueci completamente de informar a ela sobre o
status dos eventos.
Quincy se senta em uma cadeira contra a parede
quando entro na área da recepção. Ele pula de pé
quando me vê. — Como eles estão?
O sorriso que corta meu rosto é uma corda amarrada a um balão de hélio.
Eu vou flutuar até as nuvens. — Bem. Ela está cansada. Ele é perfeito. —
Observo seu cabelo despenteado e sua sombra de barba de cinco horas. — O que
você ainda está fazendo aqui?
— Não iria embora sem você. Rhett foi para casa para verificar Charlie. Kris
estava ficando louca. Ela pirou quando não conseguiu falar com você, então
Rhett contou a novidade. Espero que você não se importe.
— Obrigado. — Quero dizer isso como nunca antes. Não sei o que teria
feito sem esses dois homens. E Kris.
— De nada. Você parece uma merda. Eu vou te levar para casa.
São quase seis da manhã. Um novo dia amanheceu. Os raios de sol batem
nos peitoris das janelas como os ponteiros de um relógio, marcando meu tempo
que está se esgotando. Parece que passei dez mil noites aqui, e cada passo que
dou em direção à luz do sol é mais pesado do que o anterior. Cada quilômetro
que coloco entre nós é um quilômetro mais perto de nunca. Eu engulo o
conhecimento do que tenho que fazer, colocando de lado para lidar mais tarde,
sozinho. Por enquanto, precisamos celebrar a vida.
Em casa, um animado Charlie e Kris me encontram na porta.
Kris me abraça, com lágrimas escorrendo pelo rosto. — Parabéns. Eu
estava ficando louca. Me conte tudo. Eu fiz o café da manhã.
Ela nos leva até a mesa perto da cozinha e me faz contar tudo o que
aconteceu sobre ovos, bacon e torradas. Eu apenas me concentro
nos aspectos médicos e faço uma descrição longa e detalhada de
Connor, deixando de fora a parte de como isso vai
se desenrolar. Quando eles fazem
ooh e aah, eu começo a entrar em
ação. Kris não pode se dar ao luxo de fechar o
consultório durante o dia e, sabendo como ela dormiu pouco na
noite passada, me ofereço para chamar uma veterinária
temporária por meio da agência de empregos, mas ela teimosamente
se recusa. Ainda temos que falar sobre a licença-maternidade de
Valentina e como isso afetará o consultório de Kris, mas deixo isso em
segundo plano por enquanto. A prioridade é que Valentina e
Connor descansem e fiquem fortes.
Me sentindo melhor depois de um banho e de vestir um
terno limpo, ligo para Michael e o informo. Tenho cinco dias de
licença paternidade, mas vou passar pelo escritório esta tarde
para resolver algumas pontas soltas.
Cinco dias para dizer adeus. Isso é o que eu me dou. Eu não
vou ficar pensando nisso. Ainda não. Há um monte de coisas
para fazer em cinco dias. O berçário não está pronto. Exceto
por algumas roupas e uma caixa de fraldas, não chegamos a
fazer as compras do bebê. Valentina precisa de um berço,
carrinho de bebê, bebê conforto, cadeirinha, bomba
para tirar leite e vários outros dispositivos necessários
para bebês. Depois de fazer algumas compras, quero
passar pela clínica novamente. Ansioso por continuar com as tarefas domésticas
para poder voltar para as duas pessoas de quem mais gosto no mundo, tiro um
pouco do dinheiro que guardei para as compras do bebê no cofre do meu
escritório. Estou prestes a sair da sala quando meu laptop aberto chama minha
atenção. Sempre o mantenho fechado quando não estou usando. É uma questão
de segurança saber com que facilidade um hacker pode acessar a webcam e
estudar o que está acontecendo em nossa casa. Cada cabelo do meu corpo se
eriça. Alguém bisbilhotou. Há informações no computador que podem me
implicar em crimes e assassinatos. Deliberadamente, não apaguei as evidências
de apropriação indébita e suborno que fizemos para o negócio de Magda. Você
nunca sabe quando pode precisar, como chantagear em uma situação terrível
em que sua vida está ameaçada.
Andando com cuidado ao redor da escrivaninha, examino a mesa em busca
de sinais de distúrbio, mas todos os papéis e arquivos estão no lugar,
meticulosamente limpos e arrumados, exatamente como os deixei. Apertei um
botão aleatório para reiniciar a tela. Uma pasta que não conheço aparece. O
nome faz meu coração disparar. Quase tenho uma parada cardíaca quando o
abro e leio os nomes dos arquivos.
Porra. Merda. Não.
Meus olhos caem sobre o pen drive preto com o logotipo Louw Unlimited
inserido na unidade flash USB.
Magda.
Magda disse a Valentina. Disse a ela o que eu fiz. De acordo
com os arquivos olhando para mim, ela fez mais
do que isso. Ela deu a Valentina a
porra da prova. Jogando a pilha de
notas na mesa, eu aperto e abro minhas mãos.
Faço isso várias vezes para me impedir de bater em alguma
coisa. Valentina sabia. Ela teve nosso bebê sabendo o que eu fiz
com ela. Magda não tinha o direito. Por quê? Nunca quis que
Valentina sofresse a terrível verdade. Droga! Eu coloco minha raiva
na cadeira, chutando-a até que uma dor aguda sobe pela minha
perna e atinge meu quadril.
O que Magda mostrou a Valentina? Uma gravação da
minha conversa com o médico? Abro o arquivo com a mão
trêmula. Assim como eu pensei, um arquivo de áudio da minha
ligação para Engelbrecht é aberto. Escuto todo o discurso
horrível, ouvindo o que Valentina ouviu, tentando imaginar o que
ela sentiu, o que ela pensou. Eu meio que adivinhei qual era o
conteúdo desse arquivo antes mesmo de clicar nele, mas não
tenho ideia do que a chamada pasta Evidência contém. Que
outra prova existe do meu engano?
Um mau pressentimento repousa na boca do meu
estômago. Isso parece pesado. Sujo. De repente, estou
impaciente. Na minha pressa para abrir o arquivo, clico
errado e preciso abrir novamente. O que abre é um
videoclipe. Uma imagem borrada preenche a tela. Parece um filme caseiro de
baixa qualidade. À medida que as imagens se desdobram, um pavor gelado
enche minhas veias. O medo se transforma em lava fervente e derretida. A raiva
explode em todos os vasos sanguíneos do meu corpo. A raiva me faz
tremer. Meus órgãos tremem ao testemunhar uma versão mais jovem de
Valentina em seu pior pesadelo. Recordo o arrepio incontrolável de seu corpo
quando ela se ajoelhou diante de mim e me contou seu segredo. Eu sinto sua
dor e vejo sua humilhação quando seis homens adultos causaram esses
sentimentos para o prazer deles. Eu quero matar eles, como nunca quis
matar. Eu quero fazê-los sofrerem mil vezes mais. Quero decepar seus membros
e jogar eles aos pés de Valentina. Vou arrastar eles por pedras e espinhos até
que não tenham mais um centímetro de pele em seus corpos. Eu fervo em minha
fúria, me forçando a assistir cada segundo cruel, desejando que cada segundo
seja o último de sua tortura. É horrível de se ver e pura agonia de testemunhar,
mas eu continuo, porque o vídeo contém algo que eu tenho procurado por quase
um ano, as identidades dos agressores de Valentina.
Em algum lugar no fundo da minha mente, um aviso aparece. Algo é
familiar, mas não consigo identificar. Quando um dos filhos da puta fala de novo,
a névoa se desfaz da minha mente. Eu conheço essa voz. Barney. Ele era... oh
porra. Não. Um dos camaradas do meu pai. Um por um, seus rostos feios
aparecem na tela. Toda a maldita equipe. Se meu pai encobriu o crime deles, se
jogou terra sobre o ato desprezível, ele não é melhor do que
eles. Então a câmera se vira e eu olho nos olhos do homem que
estuprou Valentina, o homem que me deu a vida.
Doce mãe de Jesus. Chocado e
enjoado, caio na cadeira, olhando
para a tela preta. Vários fatos perfuram minha
mente como flechas em chamas. Um, meu pai estuprou Valentina
enquanto seus amigos a seguravam. Meu próprio maldito
pai. Dois, Magda sabia. Ela sabia do estupro e nunca me contou.
Terceiro, isso tem a ver com o motivo pelo qual Magda queria
Valentina morta. A dívida era apenas uma cortina de fumaça. E quarto,
o que Valentina viu nesta pasta desencadeou um choque
grande o suficiente para colocar ela em trabalho de parto e
arriscar a vida dela e do meu bebê.
Partículas de carvão queimado vagam na frente da
minha visão. Lentamente, com determinação, fico de pé. Tranco
o pen drive no cofre e pego minhas chaves. Magda trabalha em
Brixton hoje. A viagem até lá demora muito. É meio da manhã
quando estaciono em frente ao escritório de empréstimos.
Apenas o Mercedes está fora, o que significa que Scott é meu
único obstáculo antes de eu chegar a Magda.
Eu bato minhas mãos nas portas de vidro e as
empurro abertas. Scott, que está sentado atrás da
recepção, se levanta de um salto, pegando sua
arma. Antes que ele possa agarrar a haste que está
presa no coldre de quadril, eu planto um chute em seu estômago e um punho
em sua mandíbula. Ele cai para trás, seu corpo se conectando com a parede. Eu
uso o impulso para segurar seu cabelo e jogar ele de cara no chão. Com um
joelho nas costas, eu contenho seus pulsos e tiro a pistola de seu coldre. Tiro a
trava de segurança, engatilho a arma e empurro contra sua têmpora.
Ele para de lutar, sabendo que está praticamente morto. — Que porra é
essa, cara?
— Onde está Magda?
Ele grunhe quando eu empurro seu braço. — No escritório.
— Quem está com ela?
— Ela está sozinha.
Ela geralmente está. O escritório é à prova de som. Ela não vai me ouvir
áspero com Scott, a menos que passe pela porta.
— Por que ela foi para minha casa, ontem?
— Eu não sei. — Ele pragueja e choraminga de dor. — Você está quebrando
meu braço.
— Essa é a ideia, — eu rosno. — Onde Magda conseguiu a fita?
— Que fita? — Ele vira a cabeça para o lado e engole o ar pela boca. — Ah,
porra, isso dói.
— Aquela que ela deixou na minha casa. Ontem.
— Não sei do que você está falando.
Eu empurro com mais força, convidando mais palavrões, desta
vez misturado com ranho e lágrimas.
— Uma fita velha. Filme caseiro.
— Porra. Pare.
Ele se contorce como um
verme. Eu soltei um centímetro, dando espaço
a ele para respirar e falar.
Ele ofega e assobia. — Eu cavei uma fita de vídeo no
cemitério.
— Qual?
— Rosettenville.
— Qual túmulo?
— Haynes, Charles.
Eu empurro de novo, convidando a um uivo. — Ele não
está morto. Se você mentir para mim, seu filho da puta...
— É a cova dele, — ele grita, — para quando ele morrer.
— Quando? — Eu acentuo minha urgência colocando força
em seu cotovelo. — Quando você desenterrou?
— Ah, porra! Pelo amor de Deus. — O ar sopra por entre
seus dentes quando eu o solto. — Ontem.
— Como você sabia que estava lá?
— Charlie.
— Ele te contou?
— Ele disse ao médico.
— Quem, Christopher?
— Simmm.
Esse bastardo. É por isso que Magda insistiu na hipnoterapia. Ela
precisava encontrar uma fita que estava procurando. Algumas peças se
encaixam, mas ainda há um grande buraco escuro no meio da imagem.
— Por que ela deu a fita para minha esposa?
— Eu não sei! Eu nem sei o que está na fita.
Cheguei ao meu limite com Scott. Ele não sabe mais. Agarrando a arma
pelo cano, eu bato a haste com força em sua cabeça, nocauteando-o. Por
precaução, pego as braçadeiras que Magda mantém com várias outras
ferramentas de tortura na gaveta de baixo e amarro suas mãos e pés. Eu coloquei
uma placa de fechado e tranquei a porta da frente antes de ir para o escritório
para obter minhas respostas.
Magda salta da cadeira e dá a volta na mesa, chamando Scott antes que a
porta se feche atrás de mim.
Eu avanço sobre ela. — Ele não pode te ajudar.
Seus olhos deslizam para a arma em minha mão. — Seja razoável, Gabriel.
— Como você estava quando deu a fita para Valentina?
Ela empalidece com a cor da madeira caiada, a superfície de sua pele é
irregular e áspera. — Ela mostrou para você?
O meu lado diabólico quer brincar com ela. Um coelho e uma raposa. —
Você estava esperando que ela não fizesse?
Ela levanta as palmas das mãos. — Tudo que eu queria era
que ela fosse embora. Eu só queria meu filho de volta.
Minha voz fica mais alta com cada sílaba. —
Você pensou que ela fugiria sabendo
que meu maldito pai a estuprou.
— Sim, pensei que isso a afastaria. Você
não tem sido o mesmo desde que ela entrou em sua vida. Ela está
destruindo você, assim como destruiu seu pai.
— Ela o destruiu? — Cada um dos meus membros está
tremendo. — Ele foi o único que tirou sua inocência, sua juventude,
Deus, Magda, bateram nela até um centímetro de sua vida e ela o
destruiu?
Seus olhos estão ampliados por trás dos óculos. — Ela o
seduziu!
— Ela tinha treze anos, porra, — eu solto.
— Eu vi o jeito que ele olhou para ela, mesmo quando ela
era tão jovem. Você sabe como é isso? É a maneira como ela
anda, com a bunda balançando e os seios empurrados para
fora. É o que ela usa, aquelas saias curtas e blusas justas. —
Ela aponta o dedo para meu peito. — Ela fez isso com ele e ela
está fazendo isso com você.
Não posso acreditar no que estou ouvindo. — Há
quanto tempo você sabe?
Ela desvia o olhar.
— Você vai me dizer, — eu digo. — Hoje é o dia em que esclarecemos tudo.
— Você não deveria descobrir, não assim.
Não. Nem Valentina. Deus, não assim. — Mas descobri então, comece a
falar.
Ela me encara lentamente. — O que você vai fazer com a fita?
Ela precisa entender como estou falando sério. Vou assustar ela e fazê-la
falar e, se isso não funcionar, juro por Deus que torturarei minha própria mãe. —
Irá para as autoridades, as quais você não possui.
Ela treme desde a bainha do vestido até a linha do cabelo perfeitamente
penteado. — Isso vai nos destruir.
— Já estamos destruídos. Acabou, Magda. Terminamos. O negócio
acabou.
Seu pomo de adão balança enquanto ela engole. — Não faça isso, Gabriel.
— Por que não? Meu pai é um estuprador. Minha mãe é uma criminosa e
eu sou um assassino.
— Nós fazemos o que devemos para sobreviver.
— Não justifique nossos pecados, porra.
— Você diz isso porque está sob o feitiço dela, assim como seu pai.
— Não, Magda. Estou apaixonado por ela. Eu a amo como nunca amei
uma mulher. Eu irei para o inferno por ela, e não vou piscar para mandar você
para a prisão pelo que você sabia e encobriu, então comece a falar.
Por cinco segundos inteiros ela me encara. Quando eu acho
que ela não vai responder, ela diz. — Seu pai pensou que ele a tinha
matado. Ele disse que ninguém precisava saber,
então disse a Barney para destruir a
fita. Só que, Barney nunca o fez. Ele
se agarrou a ela, como moeda de troca, talvez
para chantagear seu pai mais tarde, quem sabe? Valentina
sobreviveu. Soubemos disso quando ela já estava se recuperando
bem, porque Marvin e Julietta ficaram calados. Seu pai...
— Pare de chamar ele de meu pai. — Não suporto ser parente
dele.
— Owen tinha certeza de que Val sabia seus nomes. Ele
arranjou um golpe para matar toda a família.
Palavras feias estão na ponta da minha língua, mas eu
as afasto para que ela possa terminar esse pesadelo de uma
história.
— Antes que o golpe pudesse acontecer, — ela continua, —
Barney acabou morto. Abatido em seu próprio jardim. Então
Marvin fez uma visita a Owen e disse que tinha a fita. Comprou
do Barney. Ele nos deu uma cópia impressa que mostrava
claramente a sua... — ela se conteve. — mostrava o rosto de
Owen como prova. Ele disse que a fita estava escondida e,
se tocássemos em sua família, ela iria para a polícia. Na
época, quando Owen dirigia a empresa, não tínhamos
muitos contatos na força. A polícia estava esperando
um motivo para prender Owen. Mesmo uma multa por excesso de velocidade
teria servido. Não tínhamos escolha a não ser cancelar o golpe.
Agora entendo por que Magda trabalhou tão diligentemente para comprar
sua passagem pela força policial. Havia um método em sua loucura de ter tantos
deles no bolso.
— Qual foi o retorno? — Marvin queria vingança e compensação pelo que
foi feito a sua filha.
Ela me lança um olhar longo e triste. — Você.
Eu tropeço um passo, todo o peso do meu corpo pressionando minha perna
meio aleijada. — O que?
— O acordo era que você se casaria com a arruinada Valentina, e Owen
daria metade dos negócios para Marvin.
Eu luto para assimilar a informação, mas faz sentido. Marvin não só
receberia um upgrade em termos de pretendente para sua filha, mas também
uma bela vingança, não que dinheiro algum pudesse compensar o que eles
fizeram.
Eu forço a pergunta dos meus lábios secos. — O que aconteceu?
— Owen não se permitiria ser chantageado. Charles tinha quinze anos e
era um fator perigoso a ser considerado. Ele era protetor com sua irmã. Eu disse
a Owen que Charles nunca deixaria isso passar. Ele iria esperar a hora certa e
se vingar. Não tendo escolha, Owen concordou com as exigências de Marvin, mas
no minuto em que Marvin saiu, Owen chamou seus rapazes e disse-
lhes que encontrassem a fita e matassem os Haynes. Em vez de um
acerto, deveria parecer um acidente.
— O carro que saiu da ponte...
— Nossos homens cortaram os
cabos do freio.
— Julietta?
— O assalto a banco foi encenado. Ela era o verdadeiro alvo.
— Por que Owen deixou as crianças viverem?
— Owen falou com Val no funeral de Marvin. Estava claro que
ela não o reconheceu. Ela não colocou dois e dois juntos. Você viu pela
fita... — Ela desvia o olhar novamente, incapaz de encontrar
meus olhos. — Você viu pela fita que ela nunca abriu os olhos
e Charles não era mais ele mesmo.
— Por que correr o risco?
— Owen queria aquela fita, e Lambert Roos nos disse que
Marvin a deu para Charlie esconder. Charlie era o único que
sabia onde estava. Tentamos falar com ele após o acidente, mas
Charlie não conseguia se lembrar. Ele não sabia do que
estávamos falando. Ele estava totalmente incoerente. Um
vegetal completo.
— A máfia expulsou os garotos Haynes e Lambert
rejeitou Valentina. Owen ordenou que fizessem isso,
não foi? Foi porque Valentina estava prometida a mim?
— Eu não tinha nenhuma intenção de trazer aquela mulher sob nosso teto.
Você acha que eu queria um lembrete constante olhando para o rosto dela todos
os dias?
— Então por que dizer a Lambert para romper o noivado?
— Owen não queria que eles tivessem a proteção da máfia portuguesa. Se
a verdade fosse revelada, seria uma guerra entre nós e eles. — Seus olhos se
tornam planos e brilhantes como moedas de prata. — Ninguém foi autorizado a
acolher ela, mas ninguém foi autorizado a tocar nela ou a seu irmão,
também. Ele disse que era só até encontrar a fita, mas eu sabia que era por um
motivo diferente.
— Que razão?
— Ele ficou obcecado por ela.
— Por que você diria isso?
Ela abre a primeira gaveta de sua mesa. Pegando um álbum de recortes,
ela o joga na minha direção. Eu caminho até a borda com mais desgraça do que
curiosidade em meu coração, mas nós chegamos muito longe para não tirar a
tampa e deixar todos os vermes saírem. Abrindo as páginas, cambaleio em
estado de choque enquanto olho para uma foto após a outra de Valentina, todas
tiradas de longe. Eu chego só à terceira página antes de meu intestino se revirar
e a bile subir pela minha garganta. Isso explica como Valentina sobreviveu,
relativamente ilesa em Berea.
Magda abre os dedos e pousa as pontas na mesa. —
Continuamos procurando, procurando em todos os
lugares. Viramos a casa deles de cabeça para
baixo e varremos todos os cantos da
oficina de Marvin, mas a fita nunca
apareceu. Mesmo assim, Owen continuou
atrasando sua morte, usando aquela maldita fita como desculpa.
— Quando Owen morreu, você ordenou que Charlie e
Valentina morressem para evitar que eles falassem e se vingasse de
Valentina por seu ciúme injustificado. A dívida era apenas uma
desculpa para que nenhum dedo da família mafiosa pudesse ser
apontado para você.
— Sim. Paguei a Jerry para levar Charlie ao Napoli.
— É por isso que você fez Scott atirar em Jerry. Sem
testemunhas.
— Sim.
— A invasão do apartamento de Valentina?
— Tínhamos revistado o apartamento antes, mas quando
soube que ela estava vendendo, tive que ter certeza de que a fita
não estava lá.
Então me apaixonei por Valentina, não apenas
honrando sem saber a promessa de Owen de casar seu
único filho com a garota que ele estuprou, mas também
tornando o maior pesadelo de Magda realidade,
arrastando as memórias do crime hediondo de meu pai até sua porta. Que
grande reviravolta irônica nos eventos.
Sua voz treme. — Eu disse para você não se apaixonar por ela. Eu implorei.
Estou morto por dentro para as pessoas que me conceberam e criaram.
Minha família não existe mais.
— Seu plano brilhante para hipnotizar Charlie funcionou.
— Sim. Ele disse a Christopher onde a fita estava escondida.
— E então você pensou que poderia matar Valentina mostrando a ela em
detalhes brutais o que o pai de seu marido fez com ela?
— Eu nunca mataria a mãe do meu neto. Eu só esperava que ela deixasse
você.
— Bem, você quase a matou.
— Quase? — Ela pergunta em voz baixa, muito inadequada para Magda.
— Valentina entrou em trabalho de parto ontem devido ao choque. Ela não
só quase perdeu meu bebê, mas também quase morreu.
Alegria brilha em seus olhos. É breve, durando apenas uma fração de
segundo, mas não perco. Ela ficaria feliz se Valentina estivesse morta, talvez até
aliviada se meu filho também estivesse morto. Isso, eu não posso perdoar. Não
me importo que ela atirou em mim e me transformou em um assassino. Eu
gostava de ser temido. Não vou mentir. O que não vou aceitar é uma ameaça ao
meu filho e à mulher que amo, a mulher que esta família prejudicou em todos
os sentidos. Tiramos sua virgindade, seus pais, seu irmão, sua casa,
seu dinheiro, seu noivo e sua proteção. Nós a brutalizamos,
desfiguramos seu corpo, destruímos seus
estudos, seus sonhos e sua vida. Eu
forcei meu filho em seu corpo, e
agora ela sabe. Ela conhece a horrível verdade.
Magda interrompe minha linha de pensamento. — O que
você vai fazer, Gabriel?
— Corrigir isso.
— Eu vejo. — Seu corpo alto e reto se curva. Ela parece
cinquenta anos mais velha. — É a isso que se trata, então.
— Isso nunca deveria ter começado. — Owen nunca
deveria ter encostado um dedo em Valentina.
Seu olhar está desolado enquanto procura o meu. — E
agora?
— Está nas mãos da Valentina. É a decisão dela se quiser
fazer uma acusação ou enviar a fita aos judeus.
Ela franze os lábios, como se estivesse pensando
profundamente. Depois de um tempo, ela perguntou baixinho.
— Menino ou menina?
— É um menino. O nome dele é Connor.
— Connor. Você o manteve na família. Isso é
bom. Gabriel... — Ela hesita. — Há algo que você
precisa saber sobre a morte de Carly. Não acho que o
bebê foi a razão do suicídio dela.
— Do que você está falando?
— Sylvia e Carly vieram almoçar um dia antes de ela falecer. Elas tiveram
uma discussão sobre Carly ir a uma festa com seus amigos. Sylvia não a deixou
ir. Ela disse que depois do que aconteceu com as drogas não podia confiar em
Carly. Carly estava sendo dramática, acusando Sylvia de arruinar sua vida. Ela
disse que preferia estar morta e, se estivesse, Sylvia lamentaria. Não acho que
ela pretendia uma overdose de comprimidos para dormir de Sylvia. Eu acredito
que foi mais uma acrobacia de sua parte em busca de atenção que deu
terrivelmente errado.
Não preciso perguntar por que ela não me contou antes. Ela queria que eu
me sentisse culpado por ficar com Valentina. Era uma questão de, 'veja, eu disse
a você.' Mesmo assim, alguns dos pesos caem dos meus ombros.
— Obrigado por me dizer.
Ela concorda.
Eu olho para ela uma última vez, porque quando eu sair daqui nunca mais
quero colocar os olhos nela novamente.
— Adeus, Magda.
Ela não responde. Ela ainda está balançando a cabeça, balançando a
cabeça para cima e para baixo, quando eu saio de seu escritório sem me
preocupar em fechar a porta. Eu não chego até a recepção quando o tiro é
disparado.
16
Gabriel

É muito familiar o som de uma bala saindo do cano de uma arma e


rasgando meu corpo. Eu paro de repente. A explosão de metal vibra em meu
crânio antes que as paredes absorvam os últimos ecos. Minha primeira reação é
ouvir. Por sons de vida? Que ela errou? Eu não sei.
Silêncio.
Meu corpo está pesado. Demoro para me virar e voltar para o escritório.
Meus dedos hesitam na maçaneta da porta aberta. Eu não consigo respirar.
Parece que tenho dez anos, debaixo d'água na piscina, contando até sessenta. O
peso da porta se move em meu punho. Não quero abrir mais, mas não tenho
escolha. Assim como quando eu tinha doze anos, Magda retirou minha escolha
quando puxou o gatilho. A porta se abre totalmente, um raio de luz caindo sobre
meus sapatos. Eu sei o que me espera, mas a situação me abala. Magda está
caída de bruços sobre a mesa, sangue por toda parte. Em sua mão, ela segura a
arma com a haste de marfim, a mesma arma que ela usou para atirar motivação
em mim.
Seu corpo imóvel parece irreal. Ela é muito forte para ficar
esticada assim. Muito orgulhosa. Muito
lutadora. Deve ter sido o fim da luta
para ela. Com certeza é para
mim. Meu peito esvazia e sobe. O ar enche
meus pulmões, uma tragada dolorosa após a outra, enquanto suas
palavras caem em meu crânio.
É a isso que se trata.
Tirando meu telefone do bolso, ligo para um amigo, o capitão
Barnard na delegacia de polícia de Brixton, eu explico o que aconteceu,
sem contar a história de meu pai. Minutos depois, os detetives
inundam o escritório.
Barnard lança um olhar de soslaio para Scott, que
está acordando. — O que aconteceu com ele?
— Eu o contive para interrogatório.
Ele escreve algo em um bloco de notas e me olha por baixo
das sobrancelhas. — Você e Magda brigaram?
— Um desacordo.
— Posso perguntar o que?
— Um assunto de família que diz respeito à minha
esposa.
— Eu vejo. — Ele continua a rabiscar. — Você a
matou?
— Não.
— É suicídio então?
—Sim.
— Ah, ha.
— Posso ir? Minha esposa acabou de ter um bebê.
— Eu avisarei se você precisar vir para mais perguntas.
O tom de Barnard beira o tédio. Ele não era amigo de Magda, por isso o
chamei. Ele se ressentia da criminalidade que seu negócio de agiota trouxe para
uma Brixton já dominada pelo crime.
Lutando contra a claustrofobia, corro para fora e paro ao sol. O que eu
sinto? Culpa? Alívio? Tristeza? Pena? Magda e eu nunca fomos próximos, mas
ela era minha mãe. Bem ou mal, família é família, e só eu sou deixado para
carregar os nossos pecados. Minha vida está desmoronando, então faço o que
sempre fiz. Eu continuo.
O mundo pesa sobre meus ombros quando ligo para Rhett para dar a ele
e Quincy a notícia antes que a vejam na mídia. Rhett se oferece para me buscar,
mas eu recuso.
— Eu tenho outro favor a pedir, — eu digo.
Rhett é uma rocha confiável, como sempre. — Desembucha.
Com o funeral para cuidar, não vou dar conta de tudo. — Você e Quincy
podem ajudar com algumas compras de bebê?
Ele hesita por um segundo. Se não fosse pelas circunstâncias, o medo em
sua voz teria me feito sorrir. — Que tipo de compras?
— As coisas que os bebês precisam. Você sabe, um carrinho
de bebê, cadeirinha de carro, berço, esses tipos de
coisas.
Ele engole com um gole
audível. — Uh... eu acho que sim.
— Bom homem. Pegue meu talão de cheques. — Rhett tem
poder de assinatura. — Está no meu escritório.
— Espere, — diz ele quando estou prestes a desligar. — Qual
cor? Quais modelos? — Seu tom aumenta com uma pitada de
pânico. — Onde você compra coisas assim?
— Você vai descobrir. Vai tornar a vida de Valentina mais
fácil quando ela voltar para casa.
Mencionar Valentina fecha o acordo. Não há limites que
meus guardas não irão por minha mulher.
Com meus guarda-costas cuidando das compras, tenho
tempo de ir para casa e fazer as malas para Valentina e Connor
antes de parar em uma floricultura e joalheria. Armado com um
par de brincos de diamante, um pouco de chocolate, um enorme
arranjo de flores e um crocodilo gigante de pelúcia, eu dirijo
para a clínica. Diamantes no bolso, flores embaixo de um
braço, crocodilo embaixo do outro, chocolates agarrados
na minha mão e uma bolsa para passar a noite
balançando da outra. Entro pela porta de Valentina.
Ela está apoiada nos travesseiros na cama. Eu paro para observar ela.
Seus longos cílios caem sobre sua bochecha enquanto ela olha para suas mãos.
Cachos cor de chocolate e vinho caem sobre seus ombros, obscurecendo
parcialmente a curva suave de seu seio sob o lenço do hospital. O brilho bronze
está de volta em suas bochechas, a palidez desta manhã se foi. A visão dela me
deixa fraco. Devo estar me transformando em um grande bebê chorão, porque
estou lutando contra as lágrimas pela terceira vez desde ontem. Assim quando
eu acho que ela não vai olhar para mim, seus cílios levantam e seus olhos
castanhos encontram os meus. Rios de tristeza fluem por suas profundezas,
deixando rastros de lama, eu juro que posso ver todo o caminho até sua alma.
Relutante em começar o assunto inevitável que precisamos discutir, tento
ganhar tempo colocando o crocodilo nos pés da cama. — Para Connor.
Um sorriso surge no canto de seus lábios. — Você não acha que é muito
pequeno?
Eu encolho os ombros, mudando o peso das flores. — Achei que
combinaria com o tema da selva.
Seu olhar se move para os lírios brancos e azuis.
— Para você. — Coloquei as flores na cômoda contra a parede. — Elas
cheiram bem.
— Obrigada.
Deixo os chocolates ao lado das flores e abro o zíper da bolsa. — Eu trouxe
algumas roupas para você e Connor. — Transfiro os itens para o
armário. — Se eu esqueci de alguma coisa, é só dizer e eu trarei o
que você precisar. — Eu termino desempacotando
sua bolsa de toalete no banheiro
privativo.
Quando volto, eu pego seus olhos
grandes e questionadores em mim. Desarmado, sem nada pesando
em meus braços, estou exposto e vulnerável. Não tenho escolha a
não ser dar a ela o que ela realmente merece, a verdade.
Minha perna machucada dói quando atravesso o chão e paro
ao lado da cama. Não consigo evitar estender a mão e segurar a
bochecha da minha mulher. Por um momento de parar o
coração, ela pressiona minha palma, e então o calor de sua
pele vai embora.
Eu a soltei, meus dedos percorrendo sua mandíbula e
pelo pescoço. —Como você está se sentindo?
Seus cílios baixam, meias-luas obscurecendo sua
expressão. — Eu estou bem.
Uma parede se quebra dentro de mim e as emoções
inundam minha compostura. Minha voz treme. — Eu sinto
muito. — Afundando na cadeira ao lado da cama, pego sua
mão e pressiono seus dedos em meus lábios. — Eu sinto
muito, porra. — Por enganar ela, pela dor que sofreu,
por quase perde-la para a morte. Depois de Carly, eu
não seria capaz de lidar com a perda dela ou de Connor também.
— Por quê? — Sua respiração fica presa em um soluço. — Por que você
fez isso?
A pergunta está carregada. Existem tantas respostas para essa única
pergunta que não sei por onde começar.
— Eu sei tudo, Gabriel.
Não tudo. E vai me matar de dizer a ela. Eu aceno e engulo, tentando
encontrar minha voz. — Eu sei que você sabe, linda.
Lágrimas fazem seus olhos brilharem como pepitas de ouro na água
límpida de um rio. — Por que você não me contou? — Sua mão treme em meu
aperto. — Você gostou de me fazer retransmitir todo o assunto feio? Por que eu,
Gabriel? Você precisava terminar o que seu pai havia começado?
Uma onda de náusea me envolve. — Deus não. Não, Valentina. Eu não
sabia que era ele até encontrar o USB no meu computador esta manhã. Tenho
perseguido os homens que fizeram isso com você desde o momento em que você
me contou. Você tem que acreditar em mim. Juro por Deus, se eles já não
estivessem mortos, eu os teria matado com minhas próprias mãos pelo que
fizeram com você. — Meu tom cai para um sussurro. — Se eu pudesse, faria meu
pai pagar.
— Como…? — Sua voz falha. Demora um pouco antes que ela possa falar
novamente. — Como Magda encontrou a fita?
Eu fico olhando para ela por três segundos inteiros. Mais
tempo. Esta é a parte em que ela vai me odiar ainda mais, se isso
for possível. — Charlie.
— Charlie?
— Seu pai matou Barney por
causa da fita. Ele deu a Charlie para esconder.
— Barney. Ele estava com seu pai. — A cor deixa suas
bochechas. — Meu pai matou Barney? E Charlie se lembrou? —
Seus olhos se arregalam à medida que a compreensão os invade. —
A hipnose?
— Sim, — eu digo sombriamente. — Foi assim que Magda
descobriu que Charlie enterrou a fita no cemitério, no terreno
que seu pai comprou para ele.
A resolução marca o conjunto elegante de seus ombros
enquanto ela se prepara para o que está por vir. — É melhor
você começar do início.
Conto tudo o que Magda disse, sem omitir nada. Digo a ela
que meu pai era um bastardo doente obcecado por uma garota
menor de idade, e sua obsessão levou à destruição não só dela,
mas também de minha família. Conto a ela como a máfia
pagou e ameaçou Lambert Roos para cancelar o noivado, e
que eu deveria tomar seu lugar, ironicamente ter tomado
seu lugar. Conto a ela sobre Jerry, a armadilha que
Magda armou para Charlie, e talvez a parte mais difícil,
que eu deveria matar ela, mas que ela já sabia. Ela sabia
do fato desagradável e ainda tentou construir algo comigo. O coração dela é
grande assim, mas nenhum coração pode ser grande o suficiente para processar
e perdoar a profundidade do que estou colocando a seus pés agora.
Ela me ouve até o fim, e quando minhas palavras secam, ela pergunta. —
Por que você me enganou?
Esfrego as pontas dos dedos em meus lábios, para frente e para trás, para
frente e para trás, implorando com os olhos por compreensão enquanto reúno
minhas palavras.
— Foi a única maneira de te salvar.
— De Magda.
— Sim.
— Por que ela fez isso? Por que me mostrar a fita?
— Dar a fita a você foi a maneira dela tentar te afastar. Não acredito que
fosse sua intenção te forçar a um trabalho de parto difícil.
Ela me encara por um longo tempo, enquanto lágrimas silenciosas
escorrem por seu rosto. Finalmente, ela sussurra. — E agora, Gabriel?
Há muita perda em seu tom. As palavras soam quebradas vindo de seus
lábios. E agora? Como alguém segue em frente depois de algo assim? Como ela
junta os pedaços de sua vida e constrói uma nova? Meu coração dói por ela, mas
minha garota é forte. Ela é leal, determinada, amorosa e corajosa. Ela vai
conseguir.
— Magda está morta. Ela colocou uma arma na cabeça
quando a confrontei nesta manhã.
Sua pele empalidece ainda mais. — Não.
Não sendo mais capaz de
manter minha distância, eu subo ao
lado dela na cama e a puxo em meus
braços. No minuto em que meu corpo se molda ao dela, ela encaixa
em mim. Soluços grandes e insuportáveis sacodem seus
ombros. Eu a acalmo da única maneira que conheço, segurando-a
perto. Eu empurro a cabeça de Valentina contra meu peito,
desejando que ela purgue sua alma com lágrimas amargas.
Os gritos de Valentina devem ter assustado uma
enfermeira que entra no quarto e pergunta se estamos
bem. Analisando o estado de Valentina, ela se dirige a mim. —
Depressão pós-parto. Se não desaparecer em alguns dias,
ligue para o médico dela. — Ela arruma os lençóis da cama e sai
sem fazer mais perguntas.
Tiro a caixa do bolso e coloco no colo de Valentina. — Eu
queria dar a você algo memorável, para que você nunca se
esqueça de como foi corajosa. — Eu beijo seus lábios. —
Lembre-se sempre de que você lutou e sobreviveu.
As palavras são carregadas. Nós dois sabemos o que
realmente quero dizer. Ela sobreviveu à minha
família. Se ela pode sobreviver a Gabriel Louw, pode
sobreviver a qualquer coisa.
— Abra, por favor, — digo quando ela não alcança a caixa.
Depois de um segundo, ela puxa a fita. Cuidadosamente devagar, remove
o papel de embrulho e observa o logotipo dourado no veludo pelo que parecem
séculos antes de levantar a tampa.
Ela morde o lábio. — Eu não posso.
— Não diga não. Isso é para mim, não para você.
— Isso vai fazer você se sentir melhor?
Nada pode me fazer sentir melhor. — Sim.
Ela retira os diamantes da caixa e os coloca nas orelhas. Eles combinam
perfeitamente com ela. Parece que ela foi feita para pedras brilhantes e perfeitas.
Eu demoro para eternizar a imagem em minha mente.
— Obrigada, — eu digo, sentindo essas duas palavras no fundo da minha
alma.
Não estou pronto para ir, mas há muito o que cuidar. O planejamento de
uma vida inteira precisa acontecer em cinco dias. Tiro o telefone do bolso e deixo
na mesa de cabeceira. Pegando seu rosto, beijo sua testa. O passado é uma
nuvem escura e espessa que sufoca o ar entre nós. Nada pode ser dito ou feito
para eliminar isso. Tudo o que posso esperar é que minha decisão o torne
melhor.

Valentina
POR DENTRO ESTOU cortada em
pedaços. Minha alma está
quebrada. Não sobrou nada da
mulher que eu fui ou da que poderia ter sido. Eu
ainda sou um vulcão queimado, cinzas e preto, mas onde aquela
queimação foi alimentada por medo e raiva quando Gabriel
quebrou minha porta pela primeira vez, agora é o resultado de uma
tristeza inconsolável. A cratera que costumava ser meu coração está
borbulhando com emoções de perda, vergonha, engano e
inutilidade. Perdi tanto de mim mesma que não sei se sobrou
o suficiente para me levantar das brasas frias da destruição. O
pai de Gabriel tirou algo de mim que eu deveria guardar para
o homem que um dia amaria. Ele pegou mais do que minha
inocência. Ele tirou minha habilidade de ter um relacionamento
normal com um jovem normal. Talvez seja por isso que eu me
apaixonei por Gabriel. Talvez eu só possa ter relacionamentos
doentios, desiguais e nada normais com homens mais velhos
e distorcidos. Owen Louw tirou minha alegria pelo resto da
vida e, em vez disso, me deu pesadelos e vergonha. Por
causa de um momento no tempo em que ele pegou algo
que não deveria ter desejado, perdi meu futuro e meus
pais. Perdi meu lindo Charles para um menino na casca
de um homem. Por causa do crime de Owen, nos tornamos párias que viviam na
pobreza com a crueldade de pessoas como Tiny. Quando chegasse a hora,
teríamos pagado o preço final, nossas vidas.
Então havia Gabriel. Por causa dele, Charlie e eu não morremos no dia em
que ele veio por nós. Eu gostaria de acreditar que havia mais do que luxúria.
Uma pequena parte de mim gosta de pensar que foi o cerne de algo maior, algo
mais profundo. Tenho que acreditar que ele sente mais do que uma atração
física ou mesmo uma obsessão doentia, porque a semente de prazer e dor que
ele plantou em mim germinou para um apego e cuidado inegáveis. O frágil caule
de afeto que cresceu em meu coração a partir dos segredos podres de nosso
passado cresceu tão espesso e robusto quanto uma árvore. Essa árvore pode ter
brotado nas camadas fermentadoras do engano, mas esse mesmo composto fez
os galhos crescerem altos e fortes. Os vícios que Gabriel me deu estão tecidos
como hera ao redor daquele tronco. Estão enxertados com a planta e as raízes.
Eles são parte de quem eu sou. No centro de tudo está uma emoção abrangente.
Amor.
Apesar de tudo, amo Gabriel. Vai levar tempo para perdoar e lidar com
meu passado, e muito esforço para voltar a confiar nele novamente, mas há
positivo no negativo. Se não fosse por aquele dia fatal de treze de fevereiro, eu
estaria casada com Lambert Roos, vivendo uma vida sem amor em uma casa
decadente no Sul de Joanesburgo com cinco ou seis filhos, passando batom
vermelho para passar o dia. Se Magda não tivesse orquestrado a
dívida de Charlie no Napoli, eu não teria caminhado naquela noite
em que pus os olhos em Gabriel. Se Gabriel não
tivesse que me matar, ele não teria
me salvado. Sempre vou lamentar
meus pais e o que aconteceu com
Charlie. Minhas cicatrizes nunca desaparecerão completamente,
mas meu passado não tem que ditar quem eu me tornarei. Eu
escolho não ser uma vítima. Owen pode ter quebrado meu corpo e
arruinado minha juventude, mas não vou dar a ele meu espírito.
Gabriel me quebrou, e me fez inteira novamente. Ele me ensinou
o significado do amor e me deu um lindo bebê que leva esse
amor a um nível totalmente diferente. Quando ele me tirou de
Berea, ele não me deu escolha, e eu flutuei na absolvição
inocente que ele ofereceu por muito tempo. Prisioneira de
Gabriel ou não, é hora de se posicionar. Naquela época, fiz uma
promessa relutante de pagar a dívida por nove anos. Agora farei
minhas promessas de boa vontade. Eu nunca iria querer um
assassino como pai para Connor, mas Gabriel trabalha para
Michael, agora. Não há mais nada entre nós. Eu escolho
amor. É meu para ter e segurar, e darei meu melhor tiro até
que a morte nos separe.
Gabriel
OS PRÓXIMOS DIAS passam como um borrão. Entre pintar o quarto do
bebê e organizar o funeral de Magda, fico com Valentina e Connor com a maior
frequência e duração possível. Quincy, Rhett e eu temos as coisas do bebê
coberto, ou pelo menos acho que sim. Não tenho ideia se as um bilhão de coisas
que compramos remotamente cobrem tudo, porque eu não tinha estado
envolvido nos preparativos para Carly. Isso foi cuidado por uma enfermeira e
decoradora de interiores. Preparar um quarto para Connor me dá imenso prazer.
Instalei uma babá eletrônica com webcam para que Valentina pudesse ver ele de
qualquer lugar da casa. Coloquei barreiras no topo e na base das escadas, capas
protetoras em todos os cantos das mesas e balcões e fechaduras de bebê nos
armários com produtos de limpeza e perigosos. Fiz uma cobertura com chave na
banheira de hidromassagem, coloco grades na frente de todas as janelas do
andar de cima e instalo um alarme e uma cerca ao redor da piscina. Certo que
a casa é segura para criança, eu retiro todas as plantas venenosas no jardim,
bem como encubro o viveiro. Li na internet que uma criança pode se afogar em
até dois centímetros de água. Eu levo Charlie para visitar Valentina e Connor e
o elogio por ser um bom tio. Rhett e Quincy estão mais no hospital do que em
casa, ansiosos para experimentar todas as engenhocas que compraram e
desapontados quando disseram que teriam de esperar até que Connor pudesse
manter a temperatura corporal e ganhar peso suficiente.
O funeral de Magda é um dia antes de Valentina voltar para
casa. Arrumei assim de propósito, não
querendo que ela fizesse parte do
evento. Magda não merece seus
desejos de despedida, e duvido que Valentina queira
dar a ela. O serviço é privado, apenas para a família, o que
significa apenas eu. Não é que eu não queira que seus amigos e
colegas de trabalho prestem homenagem. Eu simplesmente não
posso enfrentar os tubarões que circulam as águas, esperando
ansiosamente por pedaços de isca sobre como vou lidar com as
promoções, novos compromissos, compensações e
subornos. Parece adequado que seja eu a testemunhar o
momento de fraqueza de Magda, quando seu caixão é colocado
ao solo. Mesmo na morte, ela ocupa seu lugar de direito ao lado
de meu pai, do jeito que ela comprou os lotes anos atrás. O velho
cemitério em Emmarentia está cheio agora, sem mais espaço para
uma alma. Meu corpo não vai descansar aqui, e isso também
parece adequado. Disse adeus antes de ela morrer. Cortei
minhas amarras aquele dia no Napoli.
No final da tarde, o advogado de Magda lê seu
testamento. Não é surpresa que ela tenha adicionado uma
cláusula. Ainda sou seu único herdeiro, mas a riqueza
só pode ser legada ou redistribuída em caso de minha
morte. Sempre meticulosa, Magda garantiu que eu não pudesse dar um centavo
a Valentina ou ao meu único filho sobrevivente. O ódio de Magda pela garota que
arruinamos se estende além da vida, até o túmulo. Valentina não pode pôr um
dedo na fortuna da família Louw, nem mesmo como minha legítima esposa, já
que nos casamos sem a comunhão de bens. Não até eu estar morto. O que
representa um problema se eu quiser dar a ela a liberdade que prometi pela vida
dela. De jeito nenhum vou mandá-la e meu filho para o mundo sem um tostão.
Acho que vou ter que morrer.
17
Valentina

TODOS OS DIAS GABRIEL nos visita no hospital. Kris, Charlie, Rhett e


Quincy também são visitantes frequentes, mas ninguém é tão atencioso quanto
Gabriel. Só preciso mencionar sede, e tenho um frigobar no meu quarto
abastecido com todas as marcas imagináveis de água mineral e suco de
frutas. Mesmo quando não digo nada, ele me estraga com refeições gourmet da
minha delicatessen italiana favorita e produtos de banho com aroma de
framboesa. Ele massageia minhas costas e esfrega meus pés. Quando não está
comigo, ele está embalando Connor no estilo canguru e trocando sua fralda. Vejo
o bom pai que amou, ainda ama, Carly, e tenho um vislumbre de como a vida
pode ser.
No dia da minha alta, Gabriel me espera com um monte de balões azuis e
brancos. Ações tão atenciosas e gentis, mas eu quero que ele pare com esses
esforços exagerados para compensar o passado e simplesmente ser ele mesmo.
Eu só quero que sejamos nós. Com o tempo, as coisas se encaixarão e
encontraremos nossa medida de normalidade. Eu tenho que manter essa crença.
Para o protesto de Gabriel, recuso a cadeira de rodas. Comecei
a andar um pouco todos os dias, ansiosa para recuperar minhas
forças. Rhett e Quincy ajudam a carregar tudo,
desde o quarto até uma picape que
Rhett organizou para esse fim. Com
os presentes que acumulei, não é uma tarefa
leve. Mesmo que eu esteja feliz por ir para casa, é difícil para mim
ir embora sem meu bebê. Agarrando a mão de Gabriel, recuo
quando alcançamos as portas principais da clínica. Estando tão em
sintonia com minhas emoções quanto ele, ele entende o motivo do
meu pânico.
Braços fortes me envolvem em um casulo seguro e
quente. — Ele vai ficar bem. — Beija meus lábios. — Ele é um
lutador, como a mãe.
Isso evoca um sorriso, que parece agradar a Gabriel, mas
o seu próprio é fraco em troca. Eu gostaria de saber o que está
acontecendo em sua cabeça. O suicídio de Magda e o
conhecimento do que seu pai fez devem ser terrivelmente duros
para ele. Vai ser difícil trabalhar nosso caminho para a
felicidade, mas tenho um caminhão cheio de determinação e
amor sem fim em meu coração.
Eu entrelaço nossos dedos. — Vamos para casa? —
Eu quero que ele saiba que eu estou pronta, que eu
estou tomando o próximo passo de bom grado.
Ele engole e acena com a cabeça, mas não se move em direção à porta.
— Gabriel? — Solto seus braços para que eu possa dar um passo para trás
e olhar para ele.
Sua expressão muda. Suas cicatrizes se contraem com o estreitamento
dos olhos, como se ele estivesse estudando um retrato para guardá-lo na
memória. Seu rosto lindo e desfigurado se suaviza e sua mandíbula relaxa
enquanto seu olhar azul translúcido passa por mim. Isso é enorme. Não sei o
que significa esse olhar repentino de afeto triste, mas sei que é o tipo que pode
arrancar seus pés de baixo de você. Quando estou prestes a falar, um sorriso
limpa a tristeza condenatória de seu rosto.
Sua voz é firme e segura, levando meu medo para longe. — Depois de você,
linda.
Durante a viagem, ele me conta sobre as mudanças que fez em casa.
— Eu sei que você quer amamentar, mas eu tenho um esterilizador elétrico
a vapor, apenas no caso de Connor ter que beber de uma mamadeira por mais
algum tempo. — Ele olha para mim. — E um processador de alimentos para
depois quando quiser fazer purê. Se você quiser, é claro. Não há nada de errado
em comprar comida pronta para bebês. Eu apenas pensei...
Eu seguro seu joelho. — Obrigada, Gabriel. Tudo será perfeito.
Em casa, ele me leva para fazer um tour para me mostrar o que ele falou
no carro, insistindo em me carregar para cima e para baixo pelas escadas. É
como se ele estivesse me dando um sermão antes de fazer uma longa
viagem. Apesar da minha explosão de energia anterior, estou
cansada quando terminamos e feliz por tirar uma
soneca.
Os homens preparam um
jantar de boas-vindas com costeletas de
cordeiro queimadas e purê de batata grosso. Eu me sinto querida
e algo que não sentia há muito tempo, bem-vinda. Isto é um
lar. Esta é nossa casa.
Depois do jantar, Gabriel me leva para o chuveiro e lava meu
cabelo e corpo. Ele tem um cuidado extra, em me secar, tomando
cuidado para não pressionar meus pontos. Ajoelhado aos
meus pés, ele me encara com um olhar derretido.
Ele planta uma trilha de beijos pelas minhas pernas até
minhas coxas, suas palmas seguindo o caminho. — Deus, você
é linda.
— Tenho muita flacidez para me livrar.
— Não há nada para se livrar. — Suas mãos deslizam sobre
meus quadris. — Você é perfeita.
Eu passo meus dedos por seu cabelo espesso. — Você é
um mentiroso.
— Não sobre isso. Não sobre você. — Ele dá um beijo
suave na minha incisão. — Este corpo incrível me deu
um filho lindo. — Seus olhos se enchem de pesar. —
Sinto muito, Valentina, mas faria tudo de novo para te manter segura.
— Está bem. — Eu seguro sua bochecha quando ele pressiona seu rosto
no meu estômago. — O que você fez foi errado, mas não me ressinto de ter
Connor.
Há mais o que discutir, mas temos tempo e, por enquanto, esqueço tudo
enquanto seus dedos se movem para o meu centro.
— Nós não deveríamos... — eu gemo quando ele me afasta suavemente.
— Eu não vou penetrar em você. Só uma amostra.
Sua língua lambe minhas dobras, encontrando meu clitóris dolorido. A
umidade quente de sua boca é incrível, mas o prazer faz meu útero se contrair,
e isso dói. Eu gemo em decepção frustrada quando ele para.
— Desculpa. — Ele me lança um olhar envergonhado. — Eu não pude
resistir.
Ele me pega e me carrega para a cama como se eu fosse feita de vidro fino
como papel. Movendo atrás de mim, ele me segura em seu corpo, pele contra
pele, até que eu caia na promessa que ele fez na clínica quando sussurrou que
me amava. Quando eu disse as mesmas palavras para ele, ele não acreditou em
mim, mas não importa. Tenho todo o tempo do mundo para convencê-lo. Um
dia, se eu tiver sorte, posso ouvir essas palavras preciosas saindo de seus lábios
novamente.

EU ACORDO SOZINHA os lençóis do lado da


cama de Gabriel estão frios. Ele pode
estar no chuveiro ou se exercitando
na academia. Apenas, eu sei que ele não
está. Existe um conhecimento instintivo em minha alma. Um
sentimento sombrio envolve asas agourentas ao meu redor. Meu
coração bate na gaiola de minhas costelas.
— Gabriel?
Eu saio da cama e visto um robe. Descendo as escadas o mais
rápido que meus pontos permitem, chamo seu nome
novamente, mas tudo que consigo é o meu eco no espaço vazio.
— Valentina? — Quincy entra na cozinha, a preocupação
gravada em seu rosto. — Está tudo bem?
— Gabriel. — Vou até a cozinha como se estivesse pisando
em alfinetes. —Gabriel se foi.
— Ei. — Ele corre para me encontrar e pega meu braço. —
Ele saiu cedo para cuidar dos negócios. Estará de volta após o
café da manhã.
Me sento na cadeira que ele puxa para mim. — Onde
ele foi?
— O escritório de Brixton.
— Com Rhett?
— Sim.
Mesmo sabendo que Rhett está com ele não me faz respirar mais fácil. —
Por quê?
— Sem Magda, há muito o que resolver.
Ainda não conversamos sobre o negócio ou quais são seus planos. Talvez
ele sinta que não deve me preocupar. — Ele trabalha para Michael. Isso significa
que ele está voltando ao negócio de empréstimos?
Quincy parece desconfortável. — Eu não sei sobre isso. Você vai ter que
perguntar a ele.
Ainda há uma lacuna enorme entre Gabriel e eu e onde eu estou em nosso
relacionamento.
— Posso fazer uma xícara de café para você? — Quincy pergunta com uma
sobrancelha franzida. — Talvez chá?
Eu agarro meu estômago e fico de pé. — Eu preciso falar com ele. Agora.
— Eu não consigo afastar essa sensação horrível rastejando sobre minha pele.
— Ei. — Ele me empurra de volta na cadeira. — Fique aqui. Gabriel vai me
esfolar vivo se você abrir seus pontos. Vou pegar seu telefone. Onde está?
— Obrigada, — eu sussurro. — Na mesinha de cabeceira do quarto.
— Eu volto já. — Ele dispara escada acima, subindo de dois em dois
degraus.
Não me importo que a cama esteja desfeita ou que minhas roupas estejam
espalhadas pelo chão onde Gabriel deixou cair cada item na noite passada depois
de estudar meticulosamente cada centímetro do meu corpo, não como
se ele estivesse se despedindo. Pior. Como se ele nunca mais fosse
colocar os olhos em mim
novamente. Minha garganta
aperta. Eu agarro a cadeira, lutando
para respirar.
Quincy desce as escadas saltando com meu telefone e o
estende para mim. — Aqui está. — Ele dá uma segunda olhada. —
Jesus, Val. Você está branca como um lençol. Você está bem? Devo
chamar um médico? Gabriel disse que devo chamar o Dr.
Engelbrecht se você não se sentir bem.
Eu pego o telefone com a mão trêmula. — Eu só preciso
ouvir a voz dele.
Percorro minha lista de chamadas e aperto o
botão. Pressionando o telefone no ouvido, espero
impacientemente pela ligação. Se ao menos eu puder falar com
ele, esse medo irracional me deixará ir. Meu mundo vai ficar bem,
minha vida alinhada.
Esperança despenca com uma reviravolta inquieta do
meu estômago quando seu telefone vai direto para o correio
de voz.
— Gabriel, — eu molhei meus lábios secos, — por
favor, me ligue. Eu preciso ouvir sua voz. Preciso te
contar coisas, muitas coisas que não posso dizer ao
telefone. — Eu começo a chorar — Quero dizer o quanto
te amo e que vou ficar porque quero. Eu quero dar a este relacionamento o meu
melhor. Eu quero tornar reais os votos que fiz. Por favor, por favor, Gabriel, não
tire essa chance de mim. Não vá embora sem me dar uma chance de dizer
isso. Você me deve, está me ouvindo? Você me deve esta chance. — Minhas
lágrimas correm em riachos pelo meu rosto. — Por favor, me ligue de volta. —
Eu desligo, totalmente arrasada. Baixando minha cabeça para minhas mãos, eu
choro como nunca antes.
— Val. — A voz ofegante de Quincy me alcança através dos meus
soluços. — Bom Deus. O que está acontecendo? O que eu posso fazer?
Através das minhas lágrimas, eu o vejo agachado na minha frente.
— Ele está trabalhando, querida. Ele receberá sua mensagem e ligará de
volta quando...
O toque de seu telefone o interrompe. O som é alto e intrusivo, como
notícias ruins.
Seu rosto congela quando ele olha para a tela. Sua voz é sinistra. — É
Rhett. — Ele força um sorriso no rosto, mas seu coração não está em suas
palavras. — Viu? Ele vai te dizer que está tudo bem. — Ele se endireita e caminha
até a esquina, se mantendo de costas para mim. — O que foi, Rhett?
Por um tempo ele não fala. Apenas escuta. O conjunto de seus ombros fica
cada vez mais tenso. Eles puxam para dentro, e sua cabeça abaixa entre eles até
que pende de seu pescoço como uma folha murcha. Ele se vira um centímetro,
como se quisesse olhar para mim, mas não o faz. Ele corta a ligação
e abaixa a mão sem dizer uma palavra. Não precisa. Está escrito em
sua linguagem corporal. Quando ele finalmente
me encara, a tristeza que vejo em
seu rosto enfraquece meus joelhos.
— Val. — Ele engole em seco e desvia o
olhar, então volta seus olhos para os meus. — Você tem que ser
forte.
18
Valentina

MINHA CABEÇA SE move de um lado para o outro automaticamente, já


negando as palavras que Quincy ainda não disse. — Não.
Ele caminha de volta para mim, deixa o telefone cair na mesa e pega
minhas mãos. — Houve uma explosão.
O calor ferve em minhas veias e congela. Eu fico olhando para Quincy em
um estupor silencioso.
— Eu... — Seu pomo de adão balança, e seus olhos se borram por trás de
um véu de umidade. — Sinto muito. — Sua voz baixa para um sussurro. —
Gabriel estava no prédio.
Eu não consigo pensar. Não consigo processar o que ele disse. Apenas meu
corpo está reagindo às palavras cruéis, começando a tremer incontrolavelmente.
— Rhett está a caminho com um policial. — Ele pisca várias vezes, mas
suas lágrimas transbordam. — Você tem que ser forte, agora, mais forte do que
nunca.
Não me sinto forte. Não sou forte o suficiente para isso. Isso não
pode estar acontecendo. De longe, alguém chama meu nome.
— Val. — Quincy dá uma leve carícia nos meus
ombros. — Eu vou te ajudar até lá em
cima. Você vai se vestir.
Eu mudo para o piloto
automático. É tudo que posso fazer para me manter firme,
mas como um vaso remendado cheio de rachaduras coladas,
minha base já está fraca. Nada é coerente e nada é poderoso
o suficiente para me proteger desse ataque. É a mão firme de Quincy
que me orienta, me deixando no closet para terminar uma rotina
mundana para que eu possa enfrentar o mundo.
Aleatoriamente, pego roupas em cabides, sem pensar na
cor ou no estilo. Não me lembro de ter vestido ou escovado os
dentes, mas meu hálito tem gosto de menta e meu cabelo está
penteado quando ouço uma batida suave na porta do
quarto. Abro para encontrar Rhett parado na porta, parecendo
desamparado e abatido. Seus ombros tremem enquanto ele me dá
um breve abraço, tomando cuidado para não pressionar meus
pontos.
— Há um sargento lá embaixo, — diz ele quando
consegue se recompor.
— Eu sei.
Pegando meu braço, ele me ajuda a chegar à sala onde uma mulher de
uniforme azul espera. Olhando para seu rosto jovem, sinto pena dela. Que tarefa
terrível.
— Sra. Louw, — sua voz é firme, respeitosa e cheia de simpatia. — Lamento
muito informar que seu marido morreu em uma explosão esta manhã.
Morreu. Que escolha estranha de palavras. Como comida ou uma
mercadoria sem vida. — Não quer se sentar? — Me sento em uma cadeira porque
minhas pernas não me carregam.
Ela se senta na beirada do sofá e olha para Quincy e Rhett, que pairam ao
meu lado. — Você prefere que falemos em particular?
Eu sigo seu olhar. Como um relógio perdendo tempo, estou um segundo
atrasada em fazer conexões intelectuais. — Oh, — eu digo enquanto a olho. —
Eles são funcionários e amigos. Você pode falar na frente deles.
— Muito bem. — Ela volta sua atenção para mim. — Uma investigação terá
que ser conduzida, mas suspeitamos de crime.
Algo dentro do meu peito aperta. — Quer dizer que não foi um acidente?
— Encontramos evidências que dizem o contrário.
— Que tipo de evidência?
— Explosivos plásticos.
Eu coloco a mão sobre minha boca. — Oh meu Deus.
— Seu marido tinha muitos inimigos. — Ela diz isso como uma declaração.
— Ele recebeu alguma ameaça ultimamente?
Eu posso pensar em cem pessoas na minha cabeça que teriam
ameaçado Gabriel, especialmente com Magda
fora, mas não é onde meus
pensamentos estão morando. — O
corpo. — Afundo minhas unhas no tecido do
assento quando penso nele feito em pedaços. — Você encontrou
um corpo?
— Ainda não, mas os destroços não foram varridos.
Eu olho para Rhett. — Ele poderia ter saído.
O olhar de Rhett é assombrado. — Eu o vi entrar, Val. Não há
outra saída. Sem porta dos fundos ou janelas.
A raiva surge em mim. — O que diabos ele estava fazendo
lá? Por que ele voltou?
Rhett coloca a mão no meu ombro e diz gentilmente. —
Ele tinha que lidar com o negócio após a morte de Magda.
A sargento pigarreou. — A que horas seu marido saiu de
casa esta manhã?
Eu volto para ela. — Eu não sei. Quando acordei, ele
tinha ido embora.
— Saímos às seis, — disse Rhett, — como eu já disse.
Ela o ignora, mantendo sua atenção fixa em mim. —
Eu vou deixar você saber o que encontrarmos. — Ela
enfia a mão no bolso e tira um cartão de visita. —
Enquanto isso, se você tiver dúvidas ou informações que considere úteis, não
hesite em ligar.
Pego o cartão com os dedos dormentes, olhando para o nome sem vê-lo.
— Bom dia, Sra. Louw. — Ela se levanta. — Mais uma vez, sinto muito por
sua perda.
Rhett a acompanha até a porta enquanto Quincy fica ao meu lado.
— Quem fez isso? — Pergunto a Rhett quando ele volta.
— Se eu soubesse, Val, ele já estaria morto.
Eu me abraço para conter meu tremor. — Alguém sabia que ele estaria
indo para lá.
— Todos sabiam, — Quincy disse com uma nota de desespero, — e a
sargento está certa. Ele tinha muitos inimigos. — O tom dele escurece. — Assim
como você.
— Ele não está morto. Eu não acredito nisso.
— Val. — Rhett se ajoelha, nos colocando no nível dos olhos. — Ele se foi.
Ele entrou lá e, dois minutos depois, uma explosão abalou o lugar. — Ele balança
a cabeça. — Eu sinto muito, porra. Ninguém e nada poderia ter sobrevivido à
explosão.
A conexão entre nós ainda existe. Poderia ser como um membro fantasma?
Eu sentiria a coceira muito depois de minha alma gêmea ser amputada, como
com meu polegar?
Antes que eu possa analisar meus pensamentos, Charlie desce
as escadas vestindo sua camiseta do Batman e calça de pijama. Eu
vou até ele com os braços estendidos, precisando
de seu conforto, mesmo que ele não
entenda. Eu inclino minha cabeça
contra seu peito e sussurro. — Gabriel se foi.
— Gabriel fo-foi.
Com a afirmação, todo o meu ser se despedaça. Minhas
pernas desabam. Como um peso morto, caio no chão. Tudo que eu
quero é me enrolar e ficar lá, mas ao testemunhar minha angústia,
Charlie começa a puxar seu cabelo. Ele precisa de mim. Connor precisa
de mim. Em um piscar de olhos, Quincy e Rhett estão lá, me
ajudando a levantar.
— Nós estamos com você, — Quincy diz. — Você vai ficar
bem, está me ouvindo? Vai demorar, mas eventualmente você
vai ficar bem.
As palavras não me acalmam, porque não acredito
nelas. Sem Gabriel, nada vai ficar bem, então coloco minhas
forças na esperança, nesta estranha conexão que ainda parece
ferver entre nós.
— Vamos encontrar ele, — digo a Quincy, —
e então vou ficar bem.
Um olhar passa entre ele e Rhett.
— Houve funerais demais nesta família, — Rhett
rosna, — e eu serei amaldiçoado se adicionarmos outro
a ele. — Ele me leva até a cozinha e chama Charlie para segui-lo. — Coisas
importantes primeiro. Você tem que comer. Eu estou cozinhando.

A POLÍCIA DEU A atualização do escritório Brixton dois meses após a


explosão. Não demora dois meses para vasculhar os destroços em busca de
evidências. Eles simplesmente não tinham pessoal para cuidar disso antes. O
que eles me dão é um relatório e um saco plástico com a aliança de casamento
distorcida de Gabriel, o único item que recuperaram. Esta aliança, seu anel,
anuncia que ele morreu de verdade. Se eu não tivesse acreditado tão fortemente
que ele está vivo, eu teria desabado no local. O relatório da polícia afirma que
restos humanos foram recuperados, mas não são identificáveis. O único elo com
o corpo destruído na explosão, confirmando a identidade do falecido, é o anel de
platina. Oficialmente, Gabriel foi declarado morto. Oficialmente, sou viúva.
Gabriel sempre foi um planejador meticuloso. Não é uma surpresa que ele
tenha seu funeral organizado até o último detalhe, não deixando nada para eu
fazer a não ser chorar. Vestida de preto, com Kris ao meu lado, fico na beira de
uma cova enquanto um caixão vazio é baixado ao solo. Enquanto Gabriel não
estiver dentro do caixão, há uma chance de que ele esteja vivo. Até ver seu corpo
com meus próprios olhos, me recuso a acreditar. Dr. Engelbrecht diz que estou
em negação, mas ele não sente o vínculo que sinto com Gabriel. Ele diz
que a negação é o primeiro passo no processo de luto e
é perfeitamente normal, mas ele não sabe que
estou sofrendo desde que fiz treze
anos. Se ele soubesse minhas dores,
não diria nada sobre o que considero normal e
que eu deveria ser trancada em um sanatório. Pretendo gastar
cada centavo à minha disposição para encontrar o homem
que me roubou. No meu coração, tenho certeza de que ele está vivo,
mesmo enquanto Rhett me garante todos os dias que Gabriel entrou
naquele prédio. Rhett foi ao ponto de conseguir as fitas das câmeras de
segurança da rua que monitoram o prédio, mostrando os
ombros largos de Gabriel desaparecerem pela porta. Meu
marido deve ser Houdini, então.
Um toque no meu braço me puxa de volta ao presente. O
rosto de Diogo paira sobre o meu.
— Sinto muito por sua perda, minha querida. Agora que
você está sozinha, me deixe saber se precisa de um ombro para
chorar.
Rhett, que nunca está longe, dá um passo à frente, mas
eu levanto a mão. — Não, obrigada. Eu tendo a evitar
estupradores.
Kris estremece de repente. Parece que quer falar
alguma coisa, mas Diogo coloca o corpo entre nós,
bloqueando-a da minha vista.
Ele ri, o som é suave e oco. — Cuidado com as acusações. Posso decidir te
processar por calúnia.
— Eu nunca faria uma acusação sem as evidências para provar isso. Por
acaso, tenho a filmagem das câmeras de segurança mostrando você com seu pau
pendurado tentando me colocar contra a parede. Não é assim que você disse?
Ele olha ao redor e abaixa a voz. — Não há necessidade de tirar suas
garras. Estou apenas oferecendo meu apoio.
— Seu apoio é indesejado. Se eu encontrar você e seu apoio em qualquer
lugar perto de mim novamente, vou espirrar essa fita em todos os lugares que
importam e te transformar em uma celebridade do noticiário noturno. Tenho
certeza de que um dos meninos vai gostar de colocar sua bunda contra a parede
da prisão.
Ele aponta o dedo para mim. — Cuidado, garotinha. Não aceito ameaças
com gentileza.
— Oh, não é uma ameaça. É a sua nova realidade. Se alguma coisa
acontecer comigo ou com qualquer pessoa relacionada a mim, esses arquivos
serão enviados. Chame isso de meu seguro pessoal contra saltadores como
você.
Rhett e Quincy estão curtindo o show, mas seus sorrisos não diminuem a
ferocidade dos olhares de advertência que fixam em Diogo.
O fogo dispara de seus olhos. Tudo que falta é fumaça saindo de suas
narinas enquanto ele gira e se afasta.
Por dentro, estou tremendo. Claro, é tudo um blefe. Eu não
tenho a fita. Não gosto de jogar este jogo,
mas esperava por isso. Quando
alguém tão poderoso e rico como
Gabriel cai, os abutres se movem.
O capitão Barnard, que está parado por perto, se
aproxima. — Sinto muito pelo seu marido.
— Obrigada.
— Este não é o momento nem o lugar, mas me ligue em
algumas semanas se quiser limpar o negócio de agiotagem. Faremos
um acordo. Oferecerei imunidade em troca de informações.
— Eu não preciso de imunidade. Eu não sou culpada de
nada.
— Claro que não. Sinto uma mulher honesta e boa em
você, Sra. Louw. Espero que você faça a coisa certa.
— Eu também.
Quando ele tira o chapéu e vai embora, Michael e Elizabeth
Roux se apresentam para oferecer suas condolências.
Elizabeth fica olhando para Barnard. Quando está fora
do alcance da voz, diz. — O que o Diogo queria? Aposto que
não foi para oferecer simpatia.
— Nada, — eu digo.
— Se ele olhar para você de novo... — Michael
deixa a ameaça no ar.
— Não se preocupe. — Quincy pega meu braço e me puxa para longe de
Michael. — Nós cuidamos dela.
— Qualquer coisa que você precisar, — Michael continua com um ar
imperturbável, — você apenas tem que dizer. Elizabeth e eu estamos aqui para
te ajudar.
— Você vai jantar em nossa casa na sexta à noite, — diz Elizabeth.
— Isso é muito gentil, mas...
— Sem desculpas. Estou cozinhando, então não será nada sofisticado.
Apenas um jantar entre amigos onde você pode ser você mesma e baixar a
guarda. — Ela olha para Rhett e Quincy. — Já que eles parecem não deixar você
fazer xixi sozinha, traga seus guarda-costas também.
— Eles não são guarda-costas, não mais.
— Tanto faz. — Ela fala para os homens. — Vocês são mais que bem-
vindos, rapazes. Cuidem dela. — Ela beija minha bochecha. — Me ligue sempre
que precisar de um amigo.
— Ultimas palavras? — O ministro pergunta enquanto a multidão começa
a diminuir ao redor do túmulo.
Eu fico olhando para a pilha de terra recém-revolvida. — Isso não acabou,
Gabriel Louw.
O ministro me lança um olhar penetrante, mas não diz
nada. Provavelmente está feliz que isso acabou para que ele possa voltar para
casa e seus chinelos confortáveis e jornal.
— Pronta? — Rhett pergunta.
— Sim. — Eu me afasto do buraco aberto
no chão.
— Para onde? Casa?
Gabriel estipulou em seu plano de
funeral que não haveria recepção após a cerimônia. Estou grata
por não ter que fazer um show para os abutres.
— Vou passar pela clínica para ver Connor.
— Eu vou dirigir.
— Eu tenho um carro.
— Eu não vou deixar você ir sozinha. — Ele diz isso como
se fosse um negócio sério.
Kris dá a volta e pega minha mão. — Ele tem razão. Nós
dois iremos com você, e então eu vou preparar o jantar para
você em casa.
Eu apenas aceno com gratidão. Eu posso fazer isso com o
apoio dela, mesmo que ela já tenha me dado tanto.
Enquanto caminhamos para os carros, há uma parte de
mim que fica para trás naquele cemitério. Dói, mas não o tipo
de dor quando você perde o amor da sua vida. Machuca com
a solidão, e, ao mesmo tempo que arde com esperança.
Amanhã de manhã vou levar o anel de Gabriel a um
joalheiro para o consertar e polir.
JOGAR TODO O meu peso para lidar com as consequências do
desaparecimento de Gabriel, como passei a chamar, me ajuda a enfrentar. Há o
suficiente para me manter ocupada para que minha mente não se demore em
sua ausência. Para começar, há Connor. Sempre há Charlie. Aqui está meu
trabalho no consultório de Kris, que coloquei em espera. Concordamos em
contratar uma assistente e, agora que Kris está ganhando mais, pode contratar
outro veterinário. As tarefas mais desafiadoras são cuidar da propriedade de
Gabriel e dos negócios.
Acontece que eu herdei tudo, as casas, os carros, o negócio, os ativos... e
as dívidas. Não creio que Gabriel tenha percebido a terrível situação em que se
encontrava o negócio. Os Louws viviam bem acima de suas posses, e o dinheiro
do suborno afetava muito seus cofres. Magda fez um bom trabalho em esconder
isso. Por causa da investigação em andamento sobre a sabotagem, os bens de
Gabriel estão congelados. Minha única renda é o salário que Kris me paga.
Graças a Deus pela licença maternidade paga.
A casa terá que ir. Não tenho como sustentar ela com meu salário. A
hipoteca que Magda fez sobre sua casa em Parktown para manter um negócio
que estava se afogando exige que a casa seja vendida. Uma semana depois, as
duas casas são colocadas à venda. Ligo para Sylvia para perguntar se ela quer
alguma coisa, talvez haja algo de valor sentimental para ela, mas ela
bate o telefone na minha cara.
O grande e antigo lugar em Parktown tem
que ser esvaziado. Leva uma
semana inteira de trabalho árduo de
Kris, Charlie, Quincy, Rhett e eu para
embrulhar louças e vidros preciosos em papel e enviar caixas
lacradas para lojas de antiguidades. Uso o dinheiro que ganhei
com os móveis e utensílios domésticos para saldar as dívidas mais
urgentes. Naquela mesma semana, para minha grande alegria,
Connor volta para casa.
Nossa casa é a próxima. Assim que consigo um
comprador, alugo uma casa modesta em Northriding, uma
área mais barata, mas ainda nos subúrbios mais seguros do
Norte. Em seguida, vem a parte difícil de pagar o
pessoal. Marie foi embora quando Magda faleceu e Gabriel se
livrou dos guardas que permaneceram na propriedade de
Magda. Termino os contratos com os nossos guardas e pago-lhes
um bónus para amenizar o golpe. Quando proponho o acordo a
Rhett e Quincy, eles teimosamente se recusam.
— Eu não posso te pagar o que Gabriel te pagou, — eu
digo. — Na verdade, não posso pagar nada a você.
Quincy cruza os braços. — Vou aceitar a
participação nos lucros.
— Em quê? O negócio do agiota está com tantos problemas que levará anos
para se recuperar.
— Então, vou me conformar por anos. — Ele pisca. — O que posso dizer?
Tenho fé na sua capacidade empresarial.
— Estou com ele, — diz Rhett.
— É uma decisão tola, pessoal.
Rhett levanta uma sobrancelha. — Isso é o que Gabriel teria desejado.
— E o que você quer?
— A participação nos lucros soa bem para mim.
Com isso, nossa discussão está encerrada. Rhett e Quincy ficam para
proteger a mim e a Connor, compartilhando um dos dois quartos da minha
minúscula casa alugada, enquanto Charlie, Connor e eu dividimos o outro. Não
é certo, mas não importa o quanto eu discuta e barganhe, eles não mudarão de
ideia.
Com a mudança atrás de nós, mergulho de cabeça no negócio. Não
sabendo o suficiente sobre finanças, logo fica claro que vou precisar de um
consultor financeiro para me ajudar a navegar pelo campo minado de contratos
e dívidas. MichaeI e Elizabeth são uma grande ajuda, examinando o jargão
jurídico e explicando as coisas para mim em termos simples. Gabriel estava
ocupado após a morte de Magda. Ele limpou a parte ilegal do negócio, liberando
funcionários do governo e da polícia que recebiam propinas regulares de Magda.
Ele resolveu disputas territoriais estabelecendo contratos que operam
em regime de comissão. Convenientemente, todas as evidências de
corrupção e crime foram destruídas na explosão
que destruiu o escritório de Brixton,
me deixando o mais segura possível
nesta cidade e negócios. Se eu tivesse sujeira
sobre os grandes políticos e juízes, não teria vivido
muito. Perturbadoramente, Christopher, o psicólogo de hipnose,
desapareceu após a morte de Magda. Só posso esperar que ele tenha
fugido para salvar sua vida e não que Gabriel tenha se vingado de
seus atos desleais. De qualquer forma, todos os vestígios de Magda e
seus comparsas foram eliminados. O que resta é o lado
jurídico, embora seja um negócio que não quero
explorar. Ainda envolve o uso de taxas de juros paralisantes
para roubar pessoas que já são pobres.
Agindo contra o conselho de Michael, eu reduzo as taxas
de juros em toda a linha e cancelo a dívida dos devedores que já
pagaram juros iguais aos seus empréstimos de capital. Não
haverá mais quebra de ossos e violência. Fecho todos
os escritórios, exceto o de Auckland Park, para economizar
despesas e reduzir o número de funcionários. Magda os
contratou e não confio neles. Rhett e Quincy ajudam na
contabilidade, mesmo que não seja o forte deles. Não
podemos continuar assim indefinidamente, e não
posso simplesmente desligar tudo. Preciso de dinheiro
para pagar Rhett e Quincy e preciso sobreviver. Preciso de um futuro para meu
filho e irmão. Preciso de muito dinheiro para encontrar Gabriel. O que eu preciso
é uma mudança de direção e um diretor financeiro. O problema é que não posso
me dar ao luxo de contratar um diretor financeiro decente. Eu preciso de uma
estratégia diferente. Passo minha ideia por Michael quando ele aparece para ver
como estou lidando com tudo, o que mais ou menos se tornou seu ritual de
segunda-feira.
— Preciso de um jovem universitário brilhante com ambição e nada
a perder.
Michael me olha do outro lado da mesa em meu escritório com um olhar
duvidoso. — Com um salário-mínimo?
— Não se esqueça da participação nos lucros.
— Seu negócio está instável e você é uma jogadora desconhecida, sem
conexões. A economia e a política do país estão em ruínas. Nenhum investidor
local ou estrangeiro lhe dará a hora do dia. O que você deve fazer é cobrar os
juros de seus empréstimos ativos.
Eu olho para Charlie que está jogando cartas em uma mesa no canto e
baixo minha voz. — Não vou tirar as pessoas de suas casas ou cortar suas
gargantas se elas não puderem pagar.
— O que você vai fazer? Garanto a você, a maioria não vai pagar a menos
que você coloque um medo do diabo neles.
— Escreva como inadimplência.
Ele bate os dedos na mesa. —Você não está administrando
uma instituição de caridade, Val.
— Não vou fazer aos outros o
que aconteceu comigo.
Ele suspira pesadamente, se inclina para
trás e ajeita a gravata. — Suas intenções são nobres, mas você está
caminhando para a falência.
Eu esfrego minha testa, sentindo uma dor de cabeça
chegando. — Eu sei. — Isso é mais assustador do que eu pensava,
mas não vou descer ao nível do crime ou da violência. Nunca.
— Por que você simplesmente não aceita minha oferta?
Connor começa a mexer em sua caminha no tapete ao
meu lado. Eu o pego e jogo um cobertor de algodão sobre meu
ombro para que eu possa alimentar ele discretamente. Não
tenho nenhum problema com a alimentação pública, mas se
Gabriel não queria que Michael beijasse minha mão, acho que
ele teria ciúmes de compartilhar a imagem íntima de Connor no
meu seio, e é extremamente importante para mim proteger os
sentimentos de Gabriel, mesmo em sua ausência.
Especialmente em sua ausência.
— Val? — Michael levanta uma sobrancelha, me
lembrando que ele ainda espera uma resposta.
— Não posso aceitar o seu dinheiro. — Michael
gentilmente se ofereceu para cuidar de mim e de Connor
como uma forma de prestar seus últimos respeitos a Gabriel, mas meu orgulho
nunca me permitirá. Eu tenho que fazer isso sozinha. Esta é minha bagunça
para resolver.
Ele suspira novamente. — Você está inflexível sobre isso, não é?
— Absolutamente.
Ele aperta a ponte do nariz. — Eu tenho um contato na escola de negócios.
Vou falar com ele e ver se conhece algum candidato adequado.
Meu sorriso é todo dentes. — Obrigada.
— Não tenha muitas esperanças. — Ele se levanta. — Se você paga
amendoim...
— Sim, sim, eu sei. — Eu reviro meus olhos. — Eu não quero um macaco.
Quero um trabalhador inteligente que me ajude a cultivar a árvore para colher
as bananas em tempo útil.
Ele faz uma careta. — Essa é a pior analogia que já ouvi. Por favor, não
mencione isso em sua entrevista.
— Você trouxe os amendoins.
Ele ri e balança a cabeça. — Eu tenho que ir. Jantar em nossa casa, sexta
à noite?
Como todas as outras noites de sexta-feira, eu aceito. Nossos jantares se
tornaram um arranjo permanente, assim como as noites de sábado na casa de
Kris se transformaram em um encontro semanal. Charlie, Rhett e Quincy estão
sempre incluídos. Não posso ir a lugar nenhum sem eles, de
qualquer maneira. É a maneira dos meus amigos cuidarem de mim,
e às vezes essas noites são tudo que me mantém
sã. Sinto falta de Gabriel
com intensidade brutal. Todo dia
sem ele é uma tortura. O trabalho mantém
minha mente longe dele durante o dia, mas é à noite, sozinha na
cama, eu quebro um pouco mais a cada hora que passa.
Michael me beija na testa. — Se mantenha firme. Fica melhor.
Eu só posso acenar. Se eu falar, minha voz pode falhar. Aceno
um adeus enquanto ele me sopra um beijo da porta e faz uma saudação
para Charlie.
Quincy entra enquanto ele sai. — Eu trouxe o almoço. —
Ele coloca um recipiente de plástico com um garfo na minha
mesa e outro na de Charlie. —Salada de massa e queijo.
As saladas são o humilde esforço dele e de Rhett para
cortar custos. Eu sei que eles sentem falta de seus
hambúrgueres para viagem.
Piscando para afastar as lágrimas que sempre vêm
quando penso em Gabriel, dou a ele um sorriso agradecido. —
O que eu faria sem você?
Ele pisca. — De nada. Quando aquele homenzinho
terminar de comer, vou levar ele para passear para que
Rhett passe o aspirador.
— Eu posso passar o aspirador.
— Não doçura. Você está ocupada.
Connor parou de mamar. Ele está prestes a adormecer no meu seio, então
eu o removo com cuidado e ajusto minhas roupas. — Você não precisa mimar
Connor. Ele provavelmente vai dormir durante a aspiração.
Quincy me olha como se eu fosse louca. — Com aquele barulho? Você não
pode expor os ouvidos dele a isso. Nah, dê ele aqui. — Ele pega meu pequeno
bebê, cheira sua bunda e declara solenemente. — Ele está limpo, — antes de
prender ele no carrinho e colocar um cobertor em volta de seu corpo. Ele ajusta
o guarda-chuva que fica na lateral do carrinho e puxa a capa protetora de
plástico sobre ele.
— Pela poluição, — diz ele, colando uma máscara hospitalar descartável
sobre os orifícios da lacuna respiratória.
Enquanto eu pego minha salada, ele carrega uma sacola de bebê com
fraldas, lenços umedecidos, uma garrafa de leite ordenhado em um saco lacrado,
um chocalho e uma fralda de tecido. Por último, ele adiciona uma variedade de
chupetas, provavelmente todos os modelos do mercado. Não sei por que ele ainda
insiste nisso, porque Connor sempre os recusa. Quando ele está pronto, Rhett
entra com o aspirador de pó.
Rhett larga o aspirador e vai até o carrinho. — Ele não está coberto o
suficiente. — Ele tira o celular do bolso e verifica a previsão do tempo. — São
apenas vinte graus com vento de quinze quilômetros. — Ele começa a tirar a
capa de plástico. — Coloque outro cobertor e um gorro.
— Ele vai sentir muito calor embaixo do plástico, — protesta
Quincy.
— Que-quente, — diz Charlie.
— Ele vai ficar doente com o
vento passando pelas aberturas. Eu disse que
devíamos ter escolhido o modelo Chicco. O plástico se ajustava
completamente ao apoio para os pés.
— Mas aquele tinha quatro rodas, e minha pesquisa mostrou
claramente que três rodas são mais fáceis de manipular. Não se
esqueça de que o Maclaren fica melhor para as costas do bebê.
— A armação não cabe um bebê conforto ou cadeirinha
de carro como a Chicco.
— Gente, — eu me levanto e giro minha mesa, — Connor
está feliz. Olhem para ele.
Ambos olham para a face da inocência. Connor está
dormindo, seu pequeno peito se movendo
com respirações fortes e constantes. Com aquele rosto angelical,
você nunca pensaria que ele poderia levantar o telhado com os
punhos cerrados e berrando com raiva quando sua comida
não chega rápido o suficiente.
Você é tão parecido com seu pai.
Rhett bate a mão na testa. — Idiota, Quincy. Você
não mudou antes que ele adormecesse, e agora ele terá
assaduras.
— Você acha? — Quincy me lança um olhar preocupado.
— Ele vai ficar bem. — Empurro Quincy em direção à porta. — Traga ele
de volta se começar a chorar e fique seguro.
Se não fosse Quincy, eu teria me oposto a levar meu bebê para dar um
passeio no parque em frente à rua. É muito perigoso andar do lado de fora,
mesmo em plena luz do dia, mas Quincy não é o homem comum, além de estar
armado com três armas, um par de facas e Bruno.
No minuto em que eles se vão, Rhett começa a passar o aspirador com a
velocidade do super-homem enquanto eu volto aos livros, examinando os
extratos de balanço.
Ele cutuca meus pés com o tubo de vácuo. — Levante.
Eu cruzo meus tornozelos na mesa, esperando que ele termine. A arma
que ele sempre carrega na parte de trás da cintura aparece quando a bainha do
suéter sobe com seus movimentos.
Quando ele desliga a máquina, digo. — Gostaria de começar a treinar
novamente. — Mesmo que Gabriel tenha limpado o negócio, ainda permanece
arriscado por causa do antigo esquema. As pessoas podem realizar vinganças.
Além disso, a cidade sempre será perigosa.
Ele apoia as mãos nos quadris. — Concordo.
Sua fácil concordância me surpreende. Eu esperava que ele argumentasse,
mas o fato de que não o faz me diz o quão volátil e vulnerável é a minha situação.
— O que o Dr. Engelbrecht diz? — Ele pergunta. — Você está
pronta?
— Estou pronta.
— Esta noite. — Ele fecha o
acordo com um aceno de cabeça. —
Vou verificar o Quincy. — Ele puxa a arma da
cintura e a deixa na minha mesa. —Tranque a porta atrás de mim.
Não vou a Berea desde o dia em que Jerry me deu um carro
roubado, mas isso não significa que Berea não venha até mim.

TENHO UMA ENTREVISTA de hora em hora com os cinco


candidatos para o cargo de diretor financeiro que recebi do
contato de Michael na escola de negócios. Rhett está cuidando
de Connor e Quincy está jogando dardos com Charlie no meu
escritório. Não é a imagem mais profissional, mas os dois
homens se recusaram a ceder para as entrevistas.
O primeiro homem está na casa dos cinquenta. Ele
perdeu o emprego quando a empresa para a qual trabalhava
fechou e, com sua idade, especialmente com o alto índice de
desemprego e a lei de ação afirmativa, será difícil para ele
encontrar outro emprego. Como ele tem uma família
para alimentar, meus termos não funcionam com ele,
então passamos para o número dois.
Um jovem licenciado, aprecio imediatamente o seu entusiasmo. Ele não
está muito interessado em trabalhar por um salário-mínimo com a promessa
incerta e de longo prazo de participações arriscadas nos lucros, mas antes que
possa se decidir, Rhett balança a cabeça.
— Uh-uh. Ele não vai servir.
Eu me viro na minha cadeira. — Desculpe?
— Ele não serve. — Rhett assume uma postura ameaçadora, o que faz o
cara à minha frente se encolher.
— Você pode nos dar um segundo? — Dirijo o jovem até a entrada e fecho
a porta. — O que você está fazendo, Rhett?
— Ele estava examinando seus seios.
— O que?
— Ele olhou para você daquela maneira.
— Eu concordo, — Quincy fala. — Ele não vai servir.
— Caramba, pessoal, me deem um tempo. Estou tentando contratar
alguém com os salários mais baixos para nos ajudar a ganhar muito dinheiro.
Ambos me deram olhares obstinados.
— Podemos simplesmente passar pelas entrevistas sem nenhum
comentário de vocês?
Nenhum dos dois responde.
Eu suspiro e coloco minha cabeça no batente da porta. — Você pode voltar.
O jovem me dá um sorriso de desculpas. — Pensei nisso
enquanto esperava, e estou triste, mas não é para mim.
Ele sai sem se despedir.
— Agora veja o que você fez, —
exclamo com um bufo.
Eles parecem muito satisfeitos consigo
mesmos, como se lutassem contra um lobo em pele de cordeiro.

POR MUITO TEMPO evitei o escritório de Brixton. Eu escolho


um sábado em que posso deixar Charlie e Connor com
Kris. Não quero que nenhum deles testemunhe isso.
Quincy e Rhett me flanqueiam ao lado do Honda de
segunda mão que tomei posse esta manhã. Vendi o Porsche
para minimizar despesas. Nós três olhamos para o prédio
destruído. Emoções flutuam entre nós. De todas as pessoas do
mundo, são as únicas que entendem o que sinto, porque devem
estar se sentindo parte disso. Rhett respira trêmulo. Ele estava
guardando a rua quando a explosão o atingiu. O telhado e
partes das paredes estão faltando. O que costumava ser as
janelas e portas são buracos abertos, revelando uma
extensão de escuridão por dentro.
Quando dou o primeiro passo, os caras me
seguem. Eles me deixaram ir ao meu próprio ritmo,
ficando um passo atrás. O poder de destruição é devastador. Atravessar o
batente da porta é como entrar em um vórtice de morte. Tudo é um tom de preto,
ônix brilhante e carvão fosco com manchas de óleo gorduroso. A culpa me
sufoca. Eu queria uma saída. Em algum momento, especialmente durante
os primeiros dias, eu teria desejado isso. Não é assim agora. Eu só quero Gabriel
de volta. Os armários de arquivo quebrados estavam de lado, com as gavetas
abertas. As estruturas sem almofada das cadeiras de cabeça para baixo nos
cercam. É como estar no olho de um furacão de dor. Minha frequência cardíaca
dispara e minha respiração acelera.
— Não há nada para nós aqui, — eu sussurro.
— Vamos tirar ela dessa merda. — Rhett me gira na direção oposta e me
impele pelo que costumava ser a porta.
Na rua, engulo ar, lutando para conter o ataque de pânico. Me sentindo
mal, coloco minhas mãos nos joelhos.
— Foi uma má ideia vir, — diz Rhett.
Quincy me entrega um lenço de papel. — Ela precisava do encerramento.
Este não é o meu encerramento. Este é apenas o começo. Se for a última
coisa que eu fizer, vou encontrar Gabriel. Só preciso ganhar algum dinheiro.
Um par desalinhado de botas de construção pesadas entra na minha linha
de visão.
— Ei, — Quincy saca sua arma, — pare bem aí.
Meu olhar sobe pelas calças cor de mostarda e uma camisa
branca com manchas de óleo até um rosto redondo apoiado em um
queixo duplo.
— Como está, Val?
Limpo minha boca e me
endireito. — Olá, Lambert.
— Você conhece Roos? — Rhett pergunta com uma pitada de
surpresa.
É Lambert quem responde. — Somos amigos de
infância. Crescemos juntos no bairro.
Eu nunca esperava vê-lo novamente. — O que você está fazendo
aqui?
— Só queria dizer que sinto muito. — Ele olha para seus
pés. — Ouvi dizer que você se casou.
— Sente pelo quê?
— Por nunca te dizer nada.
— Quem te mandou?
— Marvin. Disse que me mataria se eu abrisse minha boca,
e se ele não pudesse chegar até mim, o pessoal do Sr. Louw o
faria.
— É história, agora.
As cabeças de Quincy e Rhett se voltam entre
nós. Quero deixar o passado no passado, não o ostentar
aos pés deles.
— Isso significa que você me perdoa?
— Você não teve escolha, Lambert. Não há nada a perdoar.
— Você não vai vir com seus capangas, — ele olha para Rhett e Quincy, —
e atirar em mim pelas costas enquanto eu durmo?
— Não.
— Certo. — Ele enfia a mão nos bolsos e rola na ponta dos pés, ainda sem
encontrar meus olhos.
— Adeus, Lambert.
— Sim. Adeus, eu acho.
Rhett lança um olhar que diz: 'não brinque comigo,' enquanto caminhamos
de volta para o carro.
— Quem é ele? — Quincy pergunta.
— Meu quase noivo.
— Jesus. Já vai tarde — murmura Rhett. — Se ele olhar em sua direção
de novo, vou colocar uma bala em sua...
— Chega de violência, — eu digo.
— Eu ia dizer uma bala no dedão do pé, em legítima defesa, é claro, se ele
atacar.
Eu só posso sorrir enquanto Rhett segura a porta para mim.
— Eu me pergunto onde ele poderia se esconder? — Eu medito para mim
mesma enquanto ligo o motor.
— Seu quase noivo? — Quincy pergunta.
— Gabriel.
Um silêncio espesso desce sobre o veículo. Nenhum dos meus
companheiros diz uma palavra.
Em casa, eu treino na
academia, construindo minha força
e resistência como faço todos os dias agora, e
desfruto do luxo de um banho longo e ininterrupto, sem agitação
de bebê ou fome antes de irmos para a casa de Kris para jantar
para pegar Charlie e Connor. Quando entro na cozinha, Quincy e
Rhett estão encostados no balcão, os braços cruzados.
— Eu conheço esses olhares. — Eu coloco minhas mãos em meus
quadris. — O que eu fiz?
— Achamos que é hora de você ir a um encontro, —
Quincy diz.
— Uau. Achei que os homens eram estritamente
proibidos.
— Idiotas são. Os outros que não são idiotas têm que
passar em um teste.
Eu bufo. — Obrigada por oferecer sua ajuda, mas eu não
preciso de um encontro.
— Nós conhecemos um cara... — Rhett começa.
— O que vocês são? — Eu bato meu pé em
aborrecimento. — Um serviço de encontros?
— Vai te fazer bem, — diz Quincy.
— Não, obrigada. Podemos ir? Kris fez frango à la king7, e estou morrendo
de fome.
Rhett não é nada senão insistente quando quer. — Por que não?
Eu levanto minha mão esquerda e abro meus dedos para mostrar minha
aliança de casamento. — Porque sou casada.
— Val, — há um apelo na voz de Quincy, — você está viúva.
— Um encontro, — Rhett diz. — Se você não gostar do cara, vamos
encontrar outra pessoa.
— Obrigada pela sua preocupação, mas se eu precisar de um serviço de
acompanhantes, avisarei.
Não lhes dou tempo para responder. Vou para a garagem como se não me
importasse com nada quando estando rasgada por dentro. Eu não consigo parar
a dor. Não consigo parar de querer Gabriel de volta. Três meses se passaram e
não fiz nenhum progresso em localizar ele. Eu fiz minhas próprias pesquisas na
internet e perguntei por aí, mas ninguém viu Gabriel desde a manhã da explosão.
Eu preciso de um investigador particular. Para isso, preciso de dinheiro e, para
obter dinheiro, preciso que o negócio funcione. Eu me recuso a desistir de
Gabriel.
— Tudo a seu tempo, — digo para mim mesma.
— Sim, — Quincy concorda ansiosamente. — Em boa hora.
Ele não tem ideia.

OUTRO NATAL VEM e vai Kris emprega um


novo gerente de consultório. Nós
concordamos que é melhor eu
renunciar para me concentrar no meu negócio
herdado. Demoro quatro meses para entender os fundos em que
Gabriel investiu o capital e o retorno dos investimentos e mais um
mês para analisar eles. Uma pequena corretora de valores
independente, McGregor and Harris, obteve o melhor retorno com
um crescimento de vinte e cinto por cento. O banco está pagando
míseros um por cento sobre nosso capital vinculado, e
nossas políticas de investimento de longo prazo estão
perdendo dinheiro em menos de oito por cento.
Ligo para McGregor e Harris e marco uma reunião com
um dos dois acionistas, Herman Harris. O escritório deles é uma
sala humilde em um prédio de escritórios totalmente novo em
Midrand. Harris deu aos meus rapazes, quando passei a chamar
Quincy, Rhett, Charlie e Connor, um olhar curioso quando nos
amontoamos no corredor estreito em frente à sua porta.

7 Frango à la King é um prato que consiste em


frango em cubos com molho de creme e,
geralmente, com xerez, cogumelos e vegetais,
servido com arroz, macarrão ou pão.
— Charlie e eu vamos levar Bruno para um passeio, — Rhett oferece,
pegando Connor dos braços de Quincy.
Harris encara meu bebê. — Você o chama de Bruno?
— Esse é o cachorro, — eu explico.
— Uau. — Ele coça a cabeça. — Você trouxe um cachorro também?
Eu encolho os ombros. — Minha comitiva.
— Entre. — Ele dá um passo para o lado. — Temos apenas duas cadeiras
de visitantes.
— Isso será o suficiente.
Eu estudo Harris enquanto ele nos direciona para duas cadeiras de
escritório. Ele é muito mais jovem do que eu esperava. Definitivamente, ainda
na casa dos vinte.
Quando Quincy e eu tomamos nossos lugares, mergulho direto no
negócio. — Senhor Harris, você...
— Herman, por favor. — Ele passa a mão sobre o terno. — Eu sou um
cara casual. Só me arrumei para este encontro. Normalmente estou de camiseta
e jeans.
— Obrigada, embora não fosse necessário. Eu não me importo com casual.
Como eu estava dizendo, você administrou um dos fundos de investimento do
meu marido nos últimos cinco anos.
— Minhas condolências. Meu parceiro e eu ficamos chocados quando
soubemos da notícia.
— Sim. Como você ganhou vinte e cinco por cento quando
outras empresas ganham cinco?
— Seu falecido marido nos deu
uma pequena quantia de dinheiro
para investirmos em alto risco. O alto risco
valeu a pena.
— Você joga no mercado de ações excepcionalmente bem.
— Estudamos as tendências e sabemos como prever elas. —
Seus olhos brilham. Esta é claramente sua paixão. — Todos os
nossos clientes são investidores de baixo capital e alto risco, o que nos
permite brincar um pouco. Investimos o capital combinado de
nossos clientes comprando lojas de baixo custo que
apresentam potencial de grande crescimento.
— Como funciona o seu processo?
— Se eu te contar, terei que te matar. — Ele ri de sua
própria piada.
— O que quero dizer é como você pode ter certeza de suas
previsões?
Ele gira uma grande tela plana de computador em
minha direção. — Nós escrevemos um programa de software
que leva em consideração vários fatores socioeconômicos
e políticos internos e externos. É melhor do que
qualquer outro programa de software por aí. Ele mapeia
tendências que podemos analisar e realimentar o
programa, sempre melhorando a si mesmo. Então tem isso. — Ele mexe os
dedos. — O toque mágico. Intuição. Tenho faro para essas coisas.
— Eu tenho uma proposta para você. Quero que você jogue fora a taxa de
administração do fundo fiduciário que você nos cobra.
Ele torce o nariz. — Você quer que gerenciemos seu investimento de graça?
— Não de graça. Estou preparada para pagar a você dez por cento do lucro
que você obtém com nosso capital investido.
Ele ri e coça a cabeça. — Essa é uma proposta de negócio inteligente, mas
dez por cento do que você ganha com o lucro não cobre nossa taxa.
— O que você diria se eu dissesse que quero transferir todos os nossos
investimentos para sua empresa? — Por lei, não posso sacar o dinheiro antes do
término do prazo de investimento, mas posso transferir ele para outro fundo de
investimento.
Ele se endireita. —Tudo?
— Tudo.
— De quanto estamos falando, exatamente?
Pego meu telefone e envio a ele o documento com nosso resumo de
investimento que preparei antes da reunião. Ele abre a mensagem quando ela
apita na tela do computador, seus olhos se movendo da esquerda para a direita
enquanto lê. Quando ele chega ao final, sua boca fica aberta.
Ele olha para mim. — Tudo isso?
— Herman, vou ser honesta com você. Não tenho fluxo de
caixa para pagar sua taxa. Na verdade, nem tenho dinheiro para o
pedido de débito de investimento mensal. Se não
me arriscar, e quero dizer um risco
enorme, perderei tudo. Você pode
não perder muito quando um de seus
pequenos investidores afunda, mas pode ganhar muito mais se
fizer isso direito. A meu ver, é uma vitória para nós dois. Além
disso, acredito que o bom e árduo trabalho deve ser recompensado,
e gosto do que tenho visto do seu trabalho até agora.
Quincy fala pela primeira vez. — É uma empresa jovem, Val. Você
não sabe se eles vão conseguir.
— Eu também não sei se vamos conseguir. A empresa de
Magda veio do pai do pai de Gabriel, mas não é mais a mesma
empresa. Com todas as mudanças que implementei, é o mais
novato possível. Pelo menos desta forma, Herman e eu estamos
pessoalmente investidos.
— Gosto da sua coragem. — Herman me lança um olhar de
aprovação.
Este pode ser o maior erro comercial da minha vida, mas
desde que paramos de matar e ameaçar, nossos devedores
não estão pagando, assim como Michael previu. É esse
risco ou fechar nossas portas.
— Isso é um sim? — Eu pergunto.
— Combinado.
Ele estende a mão e nós apertamos.
— Vou preparar a papelada, — diz ele.
Menos de quinze minutos depois de entrar no escritório, nós saímos, a
adrenalina bombeando em minhas veias.
— Droga, Val. — Quincy balança a cabeça. — Espero que você saiba o que
está fazendo.
— Eu também. — O lucro de Quincy também está em jogo. — A propósito,
tenho algo para você e Rhett. — Pego o contrato da bolsa do laptop e entrego a
ele.
Depois de ler, ele me olha muito como Herman, boquiaberto. — Vinte e
cinco por cento?
— Sim. Estamos dividindo de quatro maneiras: eu, você, Rhett e nosso
futuro diretor financeiro, se algum dia encontrarmos alguém disposto a
trabalhar por participações duvidosas nos lucros.
Ele abaixa o papel. — É muito. A empresa é sua.
— Somos parceiros iguais, todos nós.
—Mas você tem Charlie e Connor para cuidar.
—Um dia você terá sua própria família para cuidar. Vamos torcer para que
a aposta funcione.
Rhett e Charlie, que nos viram esperando ao lado do carro, voltam com
Connor e Bruno.
— Vamos, — eu digo. — Nós vamos sair.
— Sair? — Rhett dobra os joelhos para nos colocar no nível
dos olhos. —Sair onde?
— Aonde você quiser ir. Temos
merda para comemorar.
— Val! — Rhett franze a testa para
mim. — Não xingue na frente de Connor. Que celebração?
— Seu contrato. — Eu entrego a ele o pedaço de papel. —
Assine na linha pontilhada para que possamos ir.
Ele fica boquiaberto como se eu tivesse antenas alienígenas na
minha cabeça.
Eu amarro Connor em sua cadeirinha enquanto Rhett e
Quincy parecem procurar por palavras. Quando termino, me
endireito, alongando as costas. A semana foi difícil. Eu posso
usar um tempo de inatividade e comida gordurosa
reconfortante. — Para onde, pessoal? A decisão é de vocês.
— Spur, — eles dizem em uníssono.
— O Spur?
— Spu-Spur. — Charlie salta para cima e para baixo. Ele
adora o Spur.
— Você quer ir para o Spur? — Eu repito.
— Há um parquinho infantil, — diz Quincy, — com
pinturas faciais e tudo mais.
— Connor é muito jovem para pintar o rosto, — diz Rhett, — e você não
sabe quais são as toxinas dessa tinta.
— Aposto que ele vai adorar o escorrega.
— Ele não vai naquele super tubo infestado de micróbios.
Eu os coloco no carro enquanto a discussão continua.
— Mil-milk-shake.
— Está bem. Esqueça o maldito escorrega. Existem jogos.
— Cara, ele não vai jogar jogos de computador até fazer dezoito anos. É
ruim para o cérebro.
— Ele não pode ser um pária social. Caras jogam. É o que nós fazemos.
Connor murmura como se soubesse que é o centro de uma discussão
acalorada.
Eu mando uma mensagem para Kris e a convido para se juntar a
nós. Então eu coloco o carro em marcha e me perco na bolha segura de vozes
brigando. Meu corpo se aquece com uma agradável sensação de amizade e
aceitação. Se Gabriel não tivesse partido, minha felicidade teria sido completa.

O DINHEIRO DA propriedade de Gabriel eventualmente chega quando a


investigação policial não resolvida é encerrada e seus bens não estão mais
congelados. Mal dá para saldar a última das nossas dívidas, mas me
impede de ter que declarar a falência da empresa, o que me deixará
financeiramente incapacitada pela próxima
década, pois não teria como
conseguir um empréstimo ou
comprar nada no crédito.
Michael questiona a sabedoria dos meus movimentos, mas
ele envia mais candidatos para o cargo de diretor financeiro para
entrevista. Após a vigésima entrevista, finalmente conheci um
graduado em MBA que está disposto a se arriscar. Simon Villiers é
inteligente, otimista e enérgico, todas as qualidades que eu quero em
um homem que está prestes a começar seu primeiro emprego
com dinheiro suficiente para sobreviver e vinte e cinco por
cento de, por enquanto, ações sem valor.
Os picos da roda são Rhett e Quincy, como de
costume. Como acionistas, preciso de seu acordo para contratar
Simon. Quase posso ver como a cabeça de Rhett está
funcionando enquanto ele estuda o homem loiro atraente sentado
no lado oposto da minha mesa.
Rhett balança levemente a cabeça para Quincy. —
Muito atraente. Ele olhou para ela dessa forma?
— Acho que sim, — diz Quincy.
Simon lhes lança um olhar perplexo.
— Você está dentro? — Pergunto a Simon, ansiosa
para desviar sua atenção dos comentários secundários.
— Estou dentro.
Rhett prende seus dedos no cinto e dá um passo à frente. — Espere um
segundo. Esta entrevista ainda não acabou. Minha vez.
Eu suspiro por dentro.
— Você tem namorada? — Rhett pergunta.
— O que? — O rosto de Simon se contrai. — O que isso tem a ver com
minha competência?
— Basta responder à pergunta, — diz Quincy.
— É discriminatório, — Simon retruca. — Você não tem permissão para
me perguntar isso.
— Bem, adivinha só, cara? — Rhett avança mais. — Quem ocupar essa
cadeira, — aponta ele para a mesa ao lado da minha, — vai se tornar parte da
família, então me desculpe por querer entender como sua família está mapeada.
— Tudo certo. — Simon dá a Rhett um sorriso arrojado. — Na verdade, eu
sou gay.
Os olhares nos rostos de Rhett e Quincy não têm preço. Tudo o que posso
fazer é sentar e apreciar sua reação.
— Oh. — Rhett olha para Quincy. — Nesse caso, ele servirá.
Quincy, que se senta no sofá no que chamamos de nosso canto relaxante,
empurra o carrinho sobre o tapete com um chute suave e o puxa de volta com
uma corda que amarrou ao guidão, sua invenção para colocar Connor para
dormir. — Sim, definitivamente.
— E você, Rhett? — Simon pergunta com uma voz sedutora,
se recuperando. — Você é solteiro?
— Eu sou... uh... sim. Eu sou
hetero.
— Certo. — Simon volta sua atenção
para mim. — Onde eu assino?
Eu o teria contratado pela maneira como ele lidou com Rhett
sozinho. —Aqui. — Eu empurro o papel sobre a mesa para ele. —
Bem-vindo à empresa.

LENTAMENTE, MAS com segurança com a ajuda de


Simon e os investimentos da Harris, o dinheiro começa a
entrar. Estamos contando com empréstimos legais com taxas de
juros razoáveis e obtemos nosso lucro por meio de investimentos
inteligentes. É exatamente como administrar um banco. Os
negócios não são minha paixão, mas paga pelo que se torna
minha paixão, encontrar Gabriel.
Não conto a meus parceiros de negócios ou amigos
sobre minha pesquisa. Eles não acreditam que Gabriel
está vivo, e eu correria o risco de ser presa em um
sanatório por insistir que ele está, então
mantenho minha boca fechada. Quando há dinheiro
suficiente no banco para pagar o teto sobre nossas cabeças e a comida em nossa
mesa sem entrar no cheque especial, uso o que posso de minha renda para
contratar um investigador particular. Começamos verificando as listas de
passageiros no aeroporto e encontrando uma correspondência para a descrição
de Gabriel. Com seu físico, seria difícil passar despercebido. Durante meses,
nada aconteceu. Chego a endossar os esforços do capitão Barnard para limpar
as áreas da cidade onde temos filiais, para que ele retire todas as fitas de
vigilância das ruas do dia em que ocorreu a explosão. Quero ter certeza de que
não perdi nada. As fitas mostram Gabriel entrando no prédio, a explosão e nada
mais, mas há um ponto cego na parte de trás do prédio onde as câmeras não
alcançam. Sem saída na parte de trás, ele teria que passar pelo telhado ou pelo
subsolo. Barnard me dá as plantas do prédio do município, mas elas mostram
apenas a estrutura. Sem passagens secretas. Sem esgoto ou drenagem nos
sistemas. Não há saídas de incêndio do telhado.
Estou começando a perder a última coisa que me resta. Minha esperança.
19
Gabriel

FORJAR MINHA MORTE foi fácil.


Depois de escalar o alçapão no teto, tudo que eu tive que fazer foi mover a
telha acima do buraco que eu fiz anteriormente, correr pelo telhado e descer pela
parte de trás do prédio onde as câmeras da rua não estão em ângulo antes de
detonar os explosivos via remoto. A explosão apagou meus rastros, bem como
todas as evidências que poderiam ter me incriminado ou colocado em perigo a
vida de Valentina. Rhett, que estava de vigia na rua, não sabia do corpo que
peguei em Hillbrow na noite anterior e guardei no banheiro nos fundos. Coloquei
o cadáver perto dos explosivos, sabendo que a explosão não deixaria impressões
digitais ou registros dentários, e coloquei minha aliança de casamento no dedo
do morto. O fogo apagaria qualquer vestígio identificável, mas não o aro de
platina que me prometeu a Valentina para o resto da vida.
Para a vida.
Deixar Valentina e Connor foi a coisa mais difícil que fiz depois de me
despedir de Carly. Ele corta minhas entranhas, me deixando tão quebrado
quanto as pessoas que eu torturei. Manter Valentina para
sempre era um sonho sombrio, duvidoso e lindo, mas aquela vida
acabou. Com o dinheiro do meu testamento e
os negócios herdados, ela e Connor
podem viver confortavelmente. Tenho
cem por cento de certeza de que Rhett e Quincy
continuarão trabalhando para ela. Eles a amam o suficiente para
segui-la até o fim do arco-íris e além. O negócio está limpo. Eu me
livrei dos elementos ruins, cortei os laços e quebrei as evidências em
pedaços. Valentina pode dirigir o escritório de empréstimos sem ser
presa ou assassinada pelas máfias portuguesas ou judias.
Eu queria confiar em Michael, mas teria sido muito
arriscado. Ninguém pode saber. Para o mundo, estou
morto. Valentina precisa do dinheiro e de um novo começo,
sem mim.
Droga, o pensamento dói. Eu pressiono a mão no meu
peito, esfregando a dor física onde estou deitado em uma cama de
hospital na Suíça com meu corpo e rosto enfaixados. A nova
tecnologia permitiu uma extensa cirurgia corretiva em meu
rosto e quadril. Quando me recuperar, terei novos recursos e
um corpo quase bom.
As cirurgias feitas não são tanto um presente para
mim como uma forma de me trazer de volta à vida. Já
assumi uma nova identidade. Voltarei para a África do
Sul para ficar de olho em Valentina e meu filho. Este é o meu novo propósito de
vida e a única motivação que me faz continuar. Existem perigos demais para
uma mulher sozinha. Não que ela fique sozinha para sempre. Não uma mulher
como ela. Ela é muito atraente. Muito bonita. Muito forte. Muito amorosa. Será
mais difícil do que queimar nas chamas do inferno, mas vou suportar vê-la nos
braços de outro homem enquanto ela estiver feliz. Pelo resto da minha vida
miserável, vou me esconder nos cantos e nas sombras, seguindo a mulher que
amo, garantindo que ela esteja segura na rua e em sua cama à noite. Vou cuidar
dela e de Connor como um cão de guarda. Sempre vou amá-la, mas desta vez só
de longe.
Atualizações semanais sobre seu bem-estar me chegam por e-mail. Meu
informante é um ex-Recce8. O cara é maluco, mas é cem por cento confiável.
Lendo o último relatório, eu solto uma maldição em voz alta. A enfermeira, que
está trocando meus lençóis, me lança um olhar de repreensão, mas eu não dou
a mínima. Eu pago o suficiente pelo quarto privado para praguejar tão alto e
tanto quanto eu gosto. A dor da minha cirurgia, que geralmente é aguda, se torna
insuportável. Acontece sempre que aperto todos os músculos do meu corpo.
O motivo da minha raiva autodirigida fica borrado na tela à minha frente.
Pisco e releio o último parágrafo. Meus bens estão congelados, um resultado
infeliz da investigação forense, que eu não tive a maldita ideia de prever. Até que
o caso seja fechado, Valentina está sem um tostão.
Eu anseio por estar lá. A necessidade de cuidar dela é
esmagadora, mas não consigo chegar perto dela. Tudo que posso
fazer é assistir sua luta de uma tela de
computador em um continente
diferente, e isso me destrói, porra.

LEVA MAIS NOVE meses de excruciante de espera, fisioterapia


e cura antes que eu possa fechar a distância entre Valentina e eu.
Precisando de uma nova fonte de renda, lancei uma sociedade de
investimento, enquanto eu esperava para curar. É estranho
não poder comprar o que quero sem refletir no meu balanço,
como passagem aérea para a África do Sul. Quando saio da
clínica, a pequena empresa que gerencio online começa a dar
lucro. Antes de minha morte, pesquisei várias empresas offshore
e cheguei a uma lista de startups promissoras. Investi
anonimamente dinheiro em uma empresa que fabricava uma
bebida relaxante, mais ou menos o oposto da Red Bull, que se
revelou um sucesso instantâneo. Um passarinho em
Joanesburgo me disse que os recursos em ouro estão
quase esgotados, por isso comprei ações antes de a crise

8 Brigada das Forças Especiais da África do


Sul, apelidada de Recces.
estourar e o preço do ouro disparou. Por acaso, tropecei e adquiri uma pequena
seguradora à beira da falência, especializada em diamantes e pedras preciosas.
Também passei por consideráveis lutas para criar uma história cibernética para
minha nova identidade.
Quando os hematomas do meu rosto sararem, terei dinheiro suficiente
para comprar uma passagem para a África do Sul e levar uma vida modesta. Em
frente ao espelho do meu apartamento alugado de um quarto em Zurique,
observo o homem olhando para mim. Em vez de barba e bigode fartos, ele usa
cavanhaque. A pele de suas bochechas é lisa. A cicatriz que costumava cortar
da sobrancelha até o queixo sumiu, e a lacuna na sobrancelha mais uma vez
coberta com a mesma cor marrom escuro do cabelo de sua cabeça. Suas maçãs
do rosto são mais altas e seu nariz mais reto. Seus olhos são verdes, graças às
lentes de contato, e seus traços estão dispostos em ordem simétrica. Onde seu
olho esquerdo costumava ceder um pouco, agora os dois olhos estão alinhados.
O homem é atraente, bonito até, e um completo estranho.
Perfeito.
Se eu não me reconheço, ninguém vai.
O novo terno é barato, mas cabe. Mesmo na clínica, fiquei em forma,
malhando todos os dias o máximo que minhas feridas permitiam. O regime rígido
de exercícios não tem nada a ver com vaidade e tudo com ser capaz de proteger
minha família. Com uma última olhada para garantir que minha gravata está
reta, pego meu passaporte sul-africano falso e uma única mala
antes de fechar a porta do apartamento de Zurique para sempre.

MINHA PRIMEIRA PRIORIDADE quando


chego em solo sul-Africano é o de garantir um lugar para
viver. Alugo uma pequena casa em um complexo seguro em
Midrand e compro um carro usado com dinheiro. Mobiliar a casa de
dois quartos leva não mais do que algumas horas em uma grande
rede de lojas. No dia seguinte, são entregues geladeira, poltrona
reclinável e cama. Conseguir uma arma de fogo é muito menos
complicado do que deveria ser. Eu sei para onde ir, onde
nenhuma pergunta é feita. Não me importa se a arma não é
licenciada ou provavelmente roubada. Só preciso dela para
medidas extremas, caso a vida de Valentina ou Connor esteja em
perigo, e não pretendo ser pego. Pelo menos não vivo.
No segundo dia, sou como um animal enjaulado, andando
de um lado para o outro da cozinha até o quarto muito antes de
o sol nascer. Eu não deveria chegar perto dela, não até que eu
tenha resolvido minhas merdas, mas não posso esperar mais
um segundo. Que se foda isso. Eu não vou chegar muito
perto. Eu só vou observar ela à distância, ver se está
bem. Eu tomo banho e visto meu único terno, escovo
meu cabelo com perfeição e então bagunço novamente.
Estou tão nervoso quanto um adolescente indo para seu primeiro encontro, e
nem mesmo vou falar com ela.
Minhas mãos tremem quando puxo o carro para fora da garagem e saio na
direção de Northriding. Estaciono a três casas da dela e espero. É sábado. Não
há como dizer a que horas ela sairá de casa, se é que sairá.
Às sete e meia, a porta da frente se abre. Eu me movo para a beira do
assento, segurando o volante com tanta força que minhas mãos doem. Prendo a
respiração, contando na minha cabeça. Contar me acalma e me ajuda a me
concentrar. É um hábito que aperfeiçoei na clínica de Zurique.
Um, dois, três, quatro...
Um homem sai.
Minha visão explode em fragmentos de fúria negra. Eu sabia que era uma
probabilidade. Cada homem estará nela como uma abelha no mel. Disse a mim
mesmo que lidaria com isso, mas não levei em consideração como a realidade de
realmente testemunhar um homem em sua casa pode destruir minhas
emoções. Eu luto para segurar isso. Conto até dez e volto para um. Eu quero
dizer a ele para ficar longe da minha esposa. Só que ela não é minha esposa.
Ela é sua viúva. Se controle, Gabriel.
Ela tem todo o direito de namorar, mas que se foda. Eu não consigo
enfrentar isso. Estou prestes a colocar o carro em marcha e partir quando o
homem se vira. Rhett. O alívio estoura como uma maré em mim. Um segundo
depois, Quincy sai, carregando uma cadeirinha com um bebê
amarrado dentro.
Meu coração para de bater. Eu me esforço
para ver melhor. Connor. Ele se
parece com o velho eu. Ele é tão
perfeito, não porque se parece com o rosto com
que nasci, mas porque ele é parte de mim e dela.
Um pé elegante com uma bota preta passa pela soleira. Uma
perna longa e fina segue, e então uma mulher caminha para a
varanda. As peças do meu mundo desmoronado voltam a se
juntar. Nada importa, não a velha vida que me esforcei tanto para
excluir ou a redefinida que construí com tanto cuidado. Como
antes, a cada momento nos braços dela, só existe ela. Ela está
vestindo uma calça jeans justa com uma camisa de gola polo
vermelha justa e um casaco preto. Seu corpo está tonificado,
mais magro do que eu me lembrava. Cachos da cor de vinho
rubi e chocolate amargo caem sobre seus ombros e emolduram
seu rosto delicado. Eu giro para ela como um planeta em
órbita. Quero pular do carro e correr pelo gramado, pegá-la nos
braços e beijá-la até ficar tonto, mas o marido que ela teve não
passa de uma velha memória. Bato a palma da mão no
volante, sentindo a dor em minha alma. Este é o preço que
barganhei por sua vida, e serei amaldiçoado se não
honrar meu voto.
O trio carrega Connor e montes de coisas de bebê em um Honda. Não sei
como eles encaixam tudo, mas eventualmente estão todos dentro. Valentina
dirige. Mantendo uma distância segura, eu os sigo para o sul. É quando nos
aproximamos de Bryanston que descubro seu destino. Estacionando no
estacionamento de um mercado de produtos orgânicos de fim de semana, eles
tiram a carga do carro. Paro a duas fileiras de distância, de onde tenho uma boa
visão, e abro a janela. Primeiro Rhett monta o carrinho e leva meu filho para
dentro. Há uma grande discussão entre ele e Quincy sobre se a capa deve estar
aberta ou fechada. Eventualmente, Valentina coloca uma sacola de fraldas nas
mãos de Quincy e uma cesta nas de Rhett antes de pegar o carrinho dos homens
descontentes e empurrar ele sobre a grama em direção às barracas.
— Ele precisa de outro cobertor, — Rhett grita atrás dela. — Está apenas
dezesseis vírgula sete graus com vento a cinco quilômetros por hora.
Ela o ignora, balançando os quadris enquanto manobra o carrinho sobre
as turfas de grama selvagem e montes de terra revirada como se fosse uma brisa.
— Val! — Quincy corre para alcançar ela. — Coloque o guarda-chuva. Ele
vai queimar.
Eu não posso evitar o sorriso que surge no meu rosto. É a primeira vez
desde minha morte que minha boca se curva em algo que remotamente se
assemelha a cordialidade ou simpatia. Maricas. Eu nunca imaginei que eles
iriam se transformar em duas bolas de confusão, mas eu estou bem ali com eles,
de repente preocupado que Connor vá queimar no sol de
outono. Afinal, esta é a África do Sul. Há um grande buraco na
camada de ozônio bem acima de nossas cabeças.
Um jovem com um sobretudo
bege encara minha mulher enquanto
ela passa.
Essa é minha esposa, seu idiota.
O ogro vulgar gira a cabeça para olhar a bunda dela. Estou
prestes a pular do carro e esfregar seu rosto na terra quando Rhett
e Quincy lhe lançam um olhar furioso que o faz desviar o olhar.
Bom.
Eu respiro mais fácil. Eu deveria ficar no carro, mas meu
desejo de dar uma olhada mais de perto é muito
grande. Connor está enrolado em cobertores, então não
consegui dar uma boa olhada para ver se ele cresceu mais
alto. E Valentina… Ela mudou. Há um novo tipo de
autoconfiança nela. Se eu não a conhecesse tão bem, não teria
percebido seus ombros rígidos, indicando que sua vida está longe
de ser fácil ou sem estresse. Ela é um símbolo de força e
resiliência, do amor e lealdade que me atraiu a ela
em primeiro lugar.
Saio do carro, fecho a porta e corro em direção às
fileiras de baias. Abrindo caminho entre abóboras
orgânicas, geleias, mel e pães caseiros, sigo o pequeno
grupo. Eles param em uma cafeteria para
cumprimentar um casal que está comendo bolinhos e o que parece ser um
cappuccino Rooibos. A mulher tem cabelo loiro descolorido e o homem
corpulento usa uma camiseta desbotada do Homem-Aranha sobre um
suéter. Kris e Charlie. Depois de trocar algumas palavras, Valentina e sua
comitiva deixam Kris e Charlie. Valentina para em várias barracas, conversando
com os vendedores enquanto Rhett e Quincy ficam de olho e carregam os
produtos. Estou aliviado que meus homens a estejam protegendo como cães de
caça. Para quem não sabe, eles são apenas dois caras atrás de uma mulher, mas
eu sei que eles estão vasculhando a área e farejando o ar em busca de
perigo. Pelos relatórios que recebi na Suíça, sei que Valentina não tem dinheiro
para pagar eles, o que significa que eles devem permanecer por lealdade e amor,
as mesmas características que admiro em minha esposa. Parece que ela os
cultiva em todos que cruzam seu caminho. Olhe para mim. Aqui estou eu,
seguindo-a como um lobo faminto, desesperado para proteger e cuidar dela.
Circulando em torno dos produtos da fazenda, subo uma fileira e desço do
outro lado para poder cruzar com o objeto da minha obsessão e olhar mais de
perto, mas quando chego ao local onde estavam segundos atrás, eles se
foram. Merda, onde eles estão? Eu giro em um círculo rápido e frenético e bato
em alguém com as minhas costas.
Girando, pego a mulher com quem esbarrei antes que ela tropeçasse. O
pedido de desculpas seca em meus lábios. Valentina encara meu rosto. Por um
momento decisivo, o mundo desaparece enquanto olhamos um para
o outro. Meu corpo fica rígido como uma vara. Ela vai me
reconhecer? Seus olhos procuram os meus como
se estivesse tentando fazer uma
conexão, mas então eles ficam em
branco. Meu disfarce funciona. Ela não tem
ideia. Segurar ela tão perto, literalmente em meus braços, me
deixa tonto e bêbado. Cada folículo do meu corpo pica, ganhando
vida com a eletricidade estática que estala sobre a minha pele. Um
cheiro delicioso de framboesa chega às minhas narinas. A maciez de
seu cabelo roça meus dedos onde ainda agarro seus braços. Seus lábios
se abrem ligeiramente, atraindo minha atenção para lá. Preciso
de todas as fibras do meu ser para não me curvar e sugar
aqueles lábios em minha boca.
Valentina encontra sua língua primeiro. — Eu sinto
muito. — Ela dá um passo para trás, quebrando nossa postura
estranha. Seus olhos permanecem amigáveis, mas o cuidado
desliza em sua expressão.
Boa menina. Ela está certa em ser cautelosa com
estranhos, especialmente estranhos que a tocam e olham para
ela por alguns segundos a mais.
Eu deixo cair meus braços e forço um sorriso no
rosto. — As desculpas são minhas. Eu não vi você. —
Deus, eu não consigo o suficiente dela. Não quero que
ela vá ainda. Só mais um pouco para beber em seu rosto
e no calor de sua presença. Antes que ela pudesse se virar, eu digo. — Espero
não ter machucado você.
Sua risada é suave. Rouca. — Vai precisar mais do que isso.
Rhett e Quincy se aproximam por trás, me dando um olhar maligno, mas
eu ignoro seus rostos estrondosos, mergulhando antes que ela fuja.
— Este é o seu bebê?
Calor inunda sua voz. — Sim. Este é Connor.
Eu espio dentro do carrinho e quase engasgo com minha emoção. Meu filho
me dá um sorriso aberto. Um sorriso. Ele sorriu para mim. Eu engulo minhas
lágrimas pelo seu amor perfeito e riso jubiloso, mantendo minha voz calma. —
Qual a idade dele?
— Dez meses.
Connor agarra o dedo que estendo com avidez. Eu rio. — Ele é bonito.
— Ele é, — ela diz com orgulho. — Parece o pai dele.
Algo perfura meu coração. Eu me endireito e olho para sua mão esquerda.
Ela ainda está usando sua aliança de casamento. Eu fico quente e confuso por
dentro como se não tivesse o direito. Não tenho o direito de ficar feliz por sua dor
ou lealdade, não que ela me dê também.
Não estou pronto para deixá-la ir, tateio em busca de um assunto na minha
cabeça quando meu olhar cai sobre a cesta transbordando nas mãos de Rhett.
— Você não brinca com as compras.
Ela coloca um cacho perdido atrás da orelha. — Parece muito,
não é? Mas meus rapazes, — ela pisca na direção de Quincy e Rhett,
— comem como cavalos. Prefiro apoiar os
agricultores locais, além de
ser orgânico.
Isso soa como ela.
— E você? — Ela olha meu terno. — Você não está vestido
para fazer compras no mercado.
— Vou encontrar alguém.
— Oh, é melhor eu deixar você ir, então.
Não.
Inclinando a cabeça, ela me olha com uma expressão
interrogativa. — A gente se conhece?
A máscara no meu rosto permanece no lugar enquanto
eu estendo a mão. — Gregor Malan.
Ela aceita minha mão estendida e dá um aperto firme. —
Valentina Louw.
Mais calor se espalha sobre mim quando ela usa o
sobrenome que carimbou minha posse sobre ela, como meus
lábios, meu pau, meu cinto e minha semente. Porra, eu
preciso me controlar.
— Foi um prazer esbarrar em você, Gregor Malan.
Seu sorriso é tão doce que eu quero lambê-lo de
seus lábios. — Assim como o pedido de desculpas, o
prazer é todo meu.
Só a pura força de vontade me permite dar o primeiro passo, e o segundo,
e o terceiro, cada um mais longe. Eu não deveria olhar para trás, mas sou apenas
humano e um homem lascivo nisso. Quando olho por cima do ombro, Rhett e
Quincy estão atrás de mim. Bons rapazes. Eles virão em segundo lugar se forem
estúpidos o suficiente para me enfrentar, mas eu com certeza aprecio que eles
mantenham os lobos à distância.
Rhett bloqueia meu caminho. — Gostaríamos de falar com você.
Eu olho para Valentina. Ela parou em uma barraca de frutas de costas
para nós. — Você deixou sua amiga desprotegida.
Quincy amplia sua posição. — Só vai demorar um minuto.
— Você está interessado nela? — Rhett inclina a cabeça na direção de
Valentina.
Esta é a parte em que ele acerta o punho na minha mandíbula por dizer
sim. Eu o olho diretamente nos olhos. — Sim.
— Por quê? — Quincy pergunta.
Que porra é essa? — O que você quer dizer com por quê?
— Como um belo pedaço de bunda para esta noite ou como uma mulher
incrível para a vida?
Minha raiva aumenta com a menção de sua bunda. — Se você falar sobre
ela assim de novo, vou quebrar seus braços e pernas.
Rhett e Quincy olham um para o outro com grandes sorrisos.
— Eu acho que ele vai servir, — Quincy diz.
Rhett me olha de cima a baixo. — Vale a pena tentar, talvez.
— Qual é a porra do seu problema?
— Aqui está o acordo. — Rhett
se aproxima e abaixa a voz. —
Valentina passou por momentos difíceis
ultimamente. A vida dela tem sido uma merda. Se você a verificou
porque acha que ela será uma boa diversão, vamos explodir suas
bolas e quebrar seu pau. Se você for material bom para marido,
estamos preparados para marcar um encontro para você.
Eu não posso acreditar em meus ouvidos. — Marcar um encontro
para mim?
— Considere isso um teste preliminar, — diz Quincy. —
Nós vamos sair com você, você sabe, verificar você. Se você
atender aos nossos critérios, vamos te deixar vê-la.
Rhett empurra o dedo na minha cara. — Só se suas
intenções forem sérias. Você brinca com ela, você brinca comigo.
— Ela é uma jovem mãe, viúva recentemente, — continua
Quincy, — então mostre algum respeito.
— O que vocês são? A agência de namoro dela?
— Amigos, — eles dizem em uníssono.
— Eu vejo. — Eu não vejo. Quero bater em suas
cabeças por marcar um encontro para Valentina com
um homem que ela não conhece, mesmo que esse
homem seja eu.
— Você não deveria manter homens como eu longe?
— Ela é uma boa mulher, — Rhett diz. — Ela merece ter alguém.
Por mais que eu queira aproveitar a oportunidade, isso vai me tornar o
homem que costumava ser, o homem que a manipulou para que o desejasse e
amasse. A ideia de morrer era para libertar ela.
— Que amigos vocês são, — eu mordi. — Mantenha homens como eu longe
dela, entendeu?
— Você não está interessado? — Rhett pergunta.
— Droga. — Quincy enxuga a testa. — Isso é uma vergonha. Eu gosto dele.
— Rapazes? — Valentina vem até nós. — O que está acontecendo?
— Nada, — diz Rhett. — Estamos apenas conversando sobre coisas de
homens.
— Vamos encontrar Kris e Charlie? Connor está com fome.
— Sim. — Quincy pega o saco de frutas dela. — Vamos lá.
O mais indiferente que posso, eu me afasto, me concentrando fortemente
em não mostrar o leve mancar que permaneceu.
Não olhe para trás. Continue.
Merda, eu não posso fazer isso. Quando me viro, Valentina está parada em
silêncio entre as toalhas de mesa tingidas à mão, me observando.
20
Valentina

A RESPIRAÇÃO ESTÁ presa entre minhas costelas. Não consigo respirar o


suficiente para fazer meus pulmões funcionarem. Há algo sobre Gregor Malan.
Seu rosto não é o de Gabriel e seu andar é diferente, mas ele manca, embora
leve, e sua constituição é a mesma. Tudo sobre ele grita Gabriel. Se o próprio
Gabriel não me dissesse que não poderia arriscar mais uma cirurgia plástica, eu
teria apostado minha vida que o homem que esbarrou em mim é meu marido. Ou
isso ou os anjos tiveram pena de mim e me enviaram um sósia para aliviar a dor
ardente sempre presente em meu peito. Só que nenhum substituto servirá. Se
não posso ter Gabriel, não quero ninguém. Meu amor por ele é muito completo.
Perfeito demais. Acho que ele finalmente me quebrou. Me arruinou. Para todos,
menos ele. Sim, estou danificada além do reparo, o brinquedo quebrado
destinado ao lixão, mas eu sou o brinquedo dele, e quebrado ou não, ele vai me
ter de volta. Assim que eu puder encontra-lo.
— Está tudo certo? — Kris pergunta quando voltamos para ela e Charlie.
Meu sorriso é automático. — Sim.
— Vamos colocar as coisas no carro, — diz Rhett. —
Vamos, Charlie, nos dê uma mão.
Os homens vão embora com
nossas compras e Connor, deixando
Kris e eu sozinhas.
— Fale logo, — ela diz, me puxando para baixo na cadeira ao
lado dela. —Eu conheço esse olhar.
— Que olhar?
— Você está taciturna.
Eu aperto minhas mãos nela. — Acabei de ver alguém
que me lembra muito Gabriel.
O cuidado pisca em seu olhar. — Val, não vá procurar
ele em outro homem, porque você só vai acabar
decepcionada. Não há duas pessoas iguais.
— Exatamente. Eu não posso estar com ninguém além
dele.
Ela levanta minha mão. — Faz apenas dez meses. Dá
tempo a isso. Alguém mais virá.
— Minha mente está confusa. As coisas que Gabriel fez
comigo, eu o odiei por elas, e agora anseio pela dor que me
trouxe prazer. Que outro homem em seu perfeito juízo
entenderá o que eu preciso? — Esfrego um dedo sobre
meu polegar amputado. — Meu corpo está mutilado e
meu estômago marcado com as estrias de seu bebê. Você não vê, Kris? Estou
danificada de todas as maneiras possíveis. Ninguém mais pode me
querer. Gabriel era meu monstro, e ele me fez imperfeita e quebrada em sua
imagem. Somos perfeitos um para o outro.
— Não fale assim. — Ela dá um tapinha na minha mão. — Você se
apaixonou por ele. É natural que sinta isso fortemente por ele, mesmo que o que
ele fez tenha sido errado.
— Eu não me apaixonei por ele. Sou viciada nele, mas se, quando, eu o
encontrar, estou planejando cair cabeça como não pude da primeira vez. Desta
vez, não haverá como me conter.
— Oh, Val. — Seu olhar está preocupado. — Você precisa consultar um
psicólogo que possa prescrever antidepressivos para te ajudar a lidar com a
situação. Não há vergonha em depender de medicamentos. Você não precisa
passar por isso apenas com força de vontade.
— Eu não preciso de um médico. — Empurro meu queixo. — O que eu
preciso é de um encontro.
— Eu pensei que você tivesse dito que não queria mais ninguém.
— Eu não quero.
Suas sobrancelhas se juntam. — Eu não entendo.
— Eu preciso de um encontro com o homem que conheci aqui.
— Não, isso não. Você não está indo em uma caça às bruxas para uma
encarnação de Gabriel. Isso é simplesmente prejudicial à saúde.
— Disse que estou danificada. Não sobrou nenhum
pensamento saudável na minha cabeça.
— Não sei o que você vê
quando olha para si mesma, mas
vejo uma mulher bonita, forte, generosa e
amorosa, uma mulher que fará qualquer coisa altruisticamente
por seu irmão e filho.
Quincy chama do outro lado do campo. — Val, vamos embora.
Dou um abraço rápido em Kris. — Você é uma boa amiga. Já
te disse o quanto te aprecio?
— O tempo todo.
Quincy vem correndo em nossa direção. — Eu mudei a
fralda de Connor e dei uma mamadeira, mas ele está
começando a reclamar.
— É a hora de sua soneca. Ele deve estar cansado. — Eu
fico de pé. —Obrigada por nos encontrar, Kris.
— Vejo você no sábado?
— Certo. Venha para o jantar e um jogo de tabuleiro
durante a semana.
Caminhando de volta para o carro, meu passo está mais
leve do que tenho estado em dez meses quando um plano
toma forma em minha cabeça.
RASTREAR O SR. MALAN é fácil. Pelo que pude encontrar na internet, ele
dirige sozinho uma obscura seguradora especializada em pedras preciosas
de alto valor. É um negócio arriscado, mas com apenas um punhado de clientes
de primeira linha, como De Beers e Anglo American, ele deve estar ganhando
bem. De acordo com seu perfil nas redes sociais, ele cresceu no centro da África
do Sul, perto de Kimberley, o que, no papel, explica sua conexão com a indústria
de diamantes. Tenho minhas dúvidas sobre a história branda e linear mapeada
na tela do meu computador. O Sr. Malan se formou em administração pela
Universidade de Bloemfontein, após o qual dirigiu uma pequena empresa
de fabricação de joias que foi dissolvida com a morte do proprietário, daí seu
novo projeto. Só há uma maneira de descobrir se minha suspeita é fundada.
Fechando a porta do escritório para privacidade, equilibro Connor no meu
colo e disco o número listado para Dimension Insurance.
Ele responde com uma respiração curta. — Sim?
Tudo nessa voz me faz ficar mole por dentro. A forma como o barítono
profundo vibra pelo meu corpo envia faíscas às minhas terminações nervosas.
Cada folículo se contrai. Cada cabelo fica ereto.
— Alô?
Eu pulo de volta à vida. — É Valentina Louw. Eu te peguei em um
momento ruim?
A pausa do outro lado da linha dura apenas um milissegundo,
mas é o suficiente para notar. — Não. Eu só estava malhando.
Posso ouvir a incerteza, as perguntas e a
fome em sua voz. Estamos muito em
sintonia, as nuances muito claras
para eu imaginar todas elas. — Eu posso ligar
de volta mais tarde.
— Isso não será necessário. O que posso fazer por você?
— Eu pesquisei você na internet.
Ele solta uma risada seca. — Eu percebi. — Mais cautela. —
Por quê?
— Você dirige uma empresa de seguros.
— Está certo.
Parece que ele está abrindo a geladeira. Um barulho de
lata abrindo. O som é seguido por uma deglutição
suave. Minha imaginação faz coisas perversas comigo, colocando
imagens em minha mente de Gabriel encostado no balcão,
bebendo cerveja. Seu pomo de Adão se move enquanto ele
engole. Todo o tempo ele me observa com a intenção sexual que
me diz que ele vai me dobrar sobre o balcão e pegar o que ele
quer, mas não sem me dar o que eu desejo, primeiro.
— Sra. Louw? — Eu juro que há um sorriso
arrogante por trás do cuidado em seu tom.
Eu me abano com um pedaço de papel da minha
mesa. — Eu tenho negócios para você.
— Que tipo de negócio?
— Diamantes. Prefiro que nos encontremos para discutir isso
pessoalmente do que por telefone.
— Eu... — Seu suspiro é cheio de pesar. — Não sou o homem certo para o
trabalho.
Suas palavras não podem estar mais longe da verdade. — Eu serei o juiz
disso. Amanhã, quatro horas? — Eu fecho meus olhos e prendo minha
respiração.
— Eu trabalho em casa. — Ele faz isso soar como um protesto.
— Não é um problema. Eu tenho seu endereço.
— Claro que tem. — Desta vez, ele parece completamente divertido, mas
então seu tom muda novamente. — Sra. Louw, eu...
— Vejo você às quatro amanhã, então.
Eu desligo antes que ele tenha tempo de invocar uma razão pela qual eu
não deveria bater em sua porta. Se Gregor for Gabriel, pretendo expor ele. É
melhor ele estar pronto. Vou invadir sua porta como ele fez uma vez com a
minha, balançando uma arma muito mais poderosa do que uma arma de fogo.

DURANTE TODO O DIA seguinte tenho um caroço de concreto no


estômago. Já que estamos desinfetando o escritório, temos que
fechar mais cedo, a desculpa perfeita para ir para casa e
me preparar. Enquanto Connor cochila, eu tomo
banho e me troco. Minhas mãos
tremem quando aplico maquiagem e
seco meu cabelo. Até mesmo o clima
contribui para o ambiente com uma poderosa tempestade,
provavelmente uma das últimas antes do inverno seco. O trovão
acorda Connor. Eu o alimento e troco, e consigo algum tempo de
carinho de qualidade. Às três e meia, abotoo meu sobretudo e pego
um guarda-chuva. Connor deve ficar bem por algumas
horas. Carregando-o escada abaixo, procuro os caras e os
encontro jogando pôquer na cozinha.
Rhett dá um assobio de lobo quando me vê. — Uau. Você
se arrumou muito bem.
— É só maquiagem. — Eu mudo Connor para o outro
quadril, de repente me sentindo constrangida. Eu exagerei?
— Bo-bonita.
— Obrigada, Charlie.
O olhar de Quincy passa por mim. — Meias e saltos? Eu
não sabia que íamos sair.
— Sa-sair. — Charlie olha para a janela onde um
trovão ilumina o céu. — Está cho-chovendo.
— Nós não vamos sair. Eu vou.
— Uh-uh. — Quincy puxa a boca em uma linha obstinada. — Você não vai
a lugar nenhum sem um de nós. — Ele empurra a cadeira para trás. — Eu irei.
— Você não pode vir.
Ele me lança um olhar perplexo. — Por que não?
— Eu vou sair.
Rhett para de encher a boca de batatas fritas para olhar para mim. — Sair
como em um encontro?
— Eu acho que você poderia chamar assim.
— Oh. Uau. Sim. Certo. — Quincy e Rhett trocam um olhar. — Ótimo.
— Isso é legal. — Rhett diz. — Eu vou te levar.
— Rhett. — Eu levantei minha sobrancelha.
— O que?
— Não vou relaxar sabendo que você está sentado do lado de fora no carro.
Ele franze a testa e esfrega os lábios, como se estivesse pensando. — É
perigoso lá fora.
— Você me ensinou como me comportar, não é?
— Sim, mas...
— Você não tem confiança na minha capacidade de me defender?
— Você é má com esses punhos minúsculos e uma arma, mas... — Ele
esfrega a nuca. — Eu não sei.
—Agradeço o quão bem vocês cuidam de mim, rapazes, realmente
agradeço, mas se vocês querem que eu saia e conheça pessoas,
precisam me dar um pouco de liberdade.
— Ela está certa, — Quincy diz com um
suspiro. — Não podemos
acompanhar ela em um encontro.
— Vou sair algumas horas, no máximo.
— Tudo certo. — Rhett parece ao mesmo tempo feliz e
desconfortável com as palavras. — Ligue para nós se for demorar.
— Vocês se importam em cuidar do Connor? Eu teria
perguntado a Kris, mas ela está trabalhando.
— Claro que não. — Quincy estende as mãos. — Venha
aqui, cara. Tio Charlie vai te ensinar como jogar pôquer, e Tio
Quincy vai te ensinar como ganhar.
— Tenha cuidado na estrada com a chuva, — Rhett diz,
sua expressão preocupada.
— Eu vou ficar bem. Obrigada por Connor.
— Não mencione isso. — Quincy pisca. — Vá em frente. Se
divirta.
— Tem uma mamadeira na geladeira se Connor ficar com
fome antes de eu voltar. Se ele ficar difícil, me ligue.
— Nós sabemos como lidar com um bebê. — Quincy
equilibra Connor sobre os joelhos e me enxota com uma
das mãos. — Pode ir.
— Vocês são os melhores. Não sei o que teria feito
sem vocês.
— Você está me deixando todo emocionado agora, — Rhett reclama.
— Tchau, Charlie. — Eu sopro um beijo para ele e saio antes que meus
nervos falhem.
No caminho para a casa de Gregor, eu contemplo o resultado. Se ele não
for Gabriel, pode não apreciar minha abordagem, mas tenho certeza de que é
ele. Não posso deixar de me sentir segura de mim mesma.
A casa de Gregor fica em um complexo de segurança de tijolos. Eu tenho
que assinar no portão, e o guarda tem que ligar para sua unidade pedindo
permissão para me deixar passar, o que o avisa da minha chegada. Gregor ainda
pode me recusar, mas depois de falar no sistema de intercomunicação, o guarda
aperta um botão que levanta a haste.
Enquanto eu percorro a longa entrada de automóveis até sua casa, os
portões eletrônicos se abrem. Eu dirijo e estaciono em frente à garagem. A porta
da frente se abre antes que eu saia do carro. Gabriel, Gregor, está parado no
batente da porta, vestido com calças escuras e uma camisa justa. A visão dele
tira meu fôlego. Esse novo modelo de Gabriel tem barba e cabelos mais curtos,
mas a cor é a mesma. Seu rosto é incrivelmente bonito, me deixando um pouco
fora de ordem e adicionando a faísca que alimenta minha dúvida. Por baixo das
roupas, posso adivinhar as linhas que definem seus músculos.
Sua postura é casual, mas seus ombros estão tensos. Ele observa minha
abordagem com um tédio fingido, porque seus olhos não perdem nada. Eles me
olham como Gabriel me olhou pela primeira vez no Napoli e como
me olhou quando invadiu meu apartamento. Como na primeira vez,
ele rasga minha alma e olha através de mim, mas
o fogo é uma diferença. Os papéis
estão invertidos. Desta vez, estou
indo para ele como o caçador, e ele é a presa
vulnerável.
Ele não fala até que eu esteja bem na frente dele. —
Senhora Louw.
— Senhor Malan.
Seus olhos verdes me examinam. A cor é desconcertante, não o
azul que procuro, mas ele está usando lentes de contato.
— Eu acho que isso é um erro. O que quer que você
pense, minha empresa...
Eu subo no degrau, colocando meu corpo contra o
dele. — Vou tomar um copo d'água, por favor.
A ingestão aguda de sua respiração é tudo que consigo
antes de ele se afastar, me dando uma entrada clara em sua
casa. Rondando, eu observo seu domínio. A sala, a sala de
jantar e a cozinha são em plano aberto. O espaço é mobiliado
com nada além de uma poltrona de couro reclinável e uma
geladeira.
Ele me olha com os olhos semicerrados enquanto
caminha até a geladeira e pega uma garrafa de água
mineral. Pegando um copo do armário, ele derrama a água e o entrega para mim.
— Obrigada. — Me certifico de que nossos dedos rocem quando pego o
copo.
Seus cílios tremem. — Sobre o seu negócio...
— Então, você é de Bloemfontein.
Seus olhos se estreitam e seus lábios se contraem. Ele não gosta quando
eu o desafio interrompendo e controlando a conversa, mas ele deixa passar.
— O que mais você leu sobre mim?
Eu tomo um gole da água. — Tudo o que pude encontrar.
Por um segundo, seu olhar se fixa em meus lábios enquanto bebo, mas
então ele o afasta.
— E você, Sr. Malan? Você leu tudo sobre mim?
— Eu não precisava.
Eu tomo outro gole. — Como assim?
— Você é uma figura conhecida nesta cidade.
— Eu sou?
Ele anda ao redor do balcão da ilha, parando perto de mim. — Você disse
que tinha negócios. Eu fiz minha lição de casa também. Sua especialidade são
investimentos de alto risco. Não vi diamantes em seu portfólio.
Eu levanto minha mão esquerda e mostro a ele minha aliança de
casamento. — Eu gostaria de assegurar isso. É muito valioso para mim.
Ele o encara. — Eu não trabalho com seguro pessoal. Para
isso, você terá que ligar para Auto e General.
Deixando o copo no balcão, coloco minha
palma em seu peito e deslizo
para baixo em seu estômago duro
para sua ereção ainda mais dura. Quando eu
seguro seu comprimento, ele permanece imóvel, me olhando com
olhos inexpressivos, mas seu pau se contorce na minha mão.
— E para isso? — Eu sussurro. — Eu tenho que ligar para
outra pessoa para isso também?
Seus olhos verdes escurecem com minhas palavras, mas ele não
morde a isca.
Gentilmente, remove minha mão e coloca um passo entre
nós. — Como não parece haver nada em que eu possa te
ajudar, acho melhor você ir embora.
— Nada? — Eu começo a desabotoar meu casaco. — Já faz
muito tempo. Dez meses, para ser exata.
Uma veia pulsa em sua garganta enquanto ele segue
minhas ações. — Você não quer fazer isso, não com um homem
como eu.
— Você queria me encontrar. Você não veio me procurar
no mercado?
Seus olhos voltam para os meus. — O que você
quer dizer?
— Intervenção divina. É como se estivéssemos destinados a nos encontrar.
— Você não acredita nisso, linda.
— Meu marido costumava me chamar de linda.
Ele empalidece um pouco. — Olha, eu...
Quando meu casaco se abre, sua boca também. As palavras que ele diria
caem da ponta da língua e se dissolvem no ar espesso entre nós. O calor queima
em seus olhos quando se fixam em meu traje, calcinha rosa e preta pecaminosa
com meias altas com acabamento em renda e saltos matadores. O sutiã faz meus
seios derramarem sobre o bojo, e meus mamilos são visíveis através da renda
transparente. Suas mãos se apertam ao lado do corpo enquanto ele me olha de
cima a baixo. Seu peito se move rapidamente. Suas narinas dilatam. Se seu pau
podia ficar mais duro, simplesmente ficou. O contorno é claramente visível sob
o tecido de suas calças. Ele engole e encontra meus olhos. Os dele estão ardendo
de desejo. Ele me quer. Merda, se eu estiver errada, vou fazer sexo com um
estranho na cozinha dele.
Por favor, não me deixe errar.
Quando suas mãos se estendem para mim, quase vacilo, mas preciso saber
agora, só há uma maneira segura de descobrir a verdade. Uma coisa que um
homem como Gabriel não pode alterar ou fingir é a maneira como ele fode meu
corpo. Fortalecendo minha determinação, eu levanto meu queixo e empurro
meus seios.
Sua expressão se torce com agonia crua. Agarrando meus
braços, ele me gira em direção à porta. — Saia. Agora.
Eu me inclino para trás, amortecendo sua
virilha com minha bunda. Ele não
oferece resistência quando me
esfrego contra ele. O mergulho de seus joelhos
e o gemido áspero que rasga seu peito enquanto eu arrasto minha
bunda sobre seu pau duro me diz que eu vou conseguir. Sua
reação me deixa confiante o suficiente para caminhar até o balcão
da ilha e pular nele. Eu não tenho que dizer uma palavra. Tudo o
que tenho a fazer é abrir minhas pernas.
Ele ataca como um leão. Há um rosnado em seus lábios
quando ele torce meu cabelo em torno de seus dedos e puxa
para o lado, expondo meu pescoço. Como um predador, ele
trava os dentes no ponto macio onde meu pescoço e meu
ombro se encontram. Ele não morde, apenas me segura no lugar
enquanto chupa minha pele, me marcando. Quando ele me solta,
estou exibindo uma mordida de amor. A satisfação transparece
em sua expressão quando ele encara a marca. Gentilmente, ele
arrasta sua língua sobre ela, gemendo enquanto prova minha
pele. Ele corre o nariz por todo o comprimento do meu
pescoço até a minha mandíbula, inalando profundamente.
Usando meu cabelo para me manter no lugar, ele
beija e belisca seu caminho da minha orelha até o meu
ombro. Cada beijo se torna mais frenético do que o
próximo. Ele se acomoda entre minhas pernas e solta meu cabelo para pegar
meu rosto. Segurando minhas bochechas entre as palmas, ele saqueia minha
boca com a febre reprimida de um homem que foi negado por muito tempo.
Nossas línguas se enredam enquanto ele explora a profundidade da minha boca
e o formato dos meus lábios. Ele me come como se eu fosse sua última refeição.
Posso contar as vezes que Gabriel me beijou sem controle total em uma
das mãos. Suas seduções foram bem pensadas e executadas. Este homem está
me beijando sem um pingo de restrição, como Gabriel me beijou quando eu disse
a ele que não queria Michael. Ele está me beijando como Gabriel beijou no dia
em que se casou comigo contra a minha vontade. Eu gemo em sua boca, meu
corpo se preparando para sua posse ficando quente e escorregadio.
Ele arranca a boca da minha e puxa a camisa da calça. — Me diga o quanto
você quer isso.
Meu olhar cai para suas calças. — Eu quero provar você.
Seus dedos alcançam os botões de sua camisa. Um por um, ele os abre
com as mãos trêmulas. — Você pode ter meu pau em qualquer lugar que você
quiser.
Quando as bordas da camisa se abrem, ele empurra nossos corpos juntos,
pele contra pele. Parece familiar. Parece certo. Ele puxa o bojo do meu sutiã,
deixando as curvas transbordarem, e leva um mamilo na boca. Sua língua é o
céu e o inferno. Ele chupa a ponta, enviando um espasmo direto para o meu
clitóris, e então segue com uma flecha incandescente de dor quando
ele morde. Algumas repetições e meu núcleo é uma poça derretida
de excitação. Ele não desiste até que tenha dado à
outra mama o mesmo
tratamento. Estou ofegante e sem
ossos, incapaz de sustentar meu peso quando
ele levanta sua mão larga da parte inferior das minhas
costas. Com seus dedos enrolados em volta do meu pescoço, ele
me empurra para baixo no balcão. O toque é dominante e
possessivo, assim como eu me lembro.
Eu suspiro quando ele empurra o elástico da minha calcinha de
lado e passa um dedo sobre minha fenda.
Ele se inclina sobre mim e cantarola sua aprovação
contra meus lábios. —Tão molhada.
Quando ele me separa com um dedo, eu gemo mais forte.
— É isso que você quer? — Ele move seu dedo para dentro
até a segunda articulação.
— Sim, oh, Deus.
— Vou te dar o que você veio buscar.
A promessa é mais bonita do que erótica, porque o que
realmente vim buscar é ele. Ele não me dá mais tempo para
pensar, porque começa a mover o dedo em um ritmo lento
e enlouquecedor. Eu empurro meus cotovelos para
olhar para a visão abaixo, e ele alivia a pressão de sua
palma na minha garganta para me permitir. Eu quero
ver ele me reivindicar. Como se sentisse minha necessidade, ele arranca a
calcinha e a joga no chão, olhando fixamente para o trabalho perverso de seu
dedo.
— Deus, você é linda.
Meu clitóris formiga quando ele pressiona a ponta do polegar no feixe de
nervos. Reunindo minha umidade, ele começa uma massagem lenta e suave que
faz meus dedos se curvarem.
— Pare. — Eu agarro seu pulso. — Eu vou gozar.
Seu sorriso é calculado. — Essa é a ideia, linda.
— Eu quero você dentro de mim quando eu gozar.
Seus olhos se arregalam um pouco. Sua mandíbula flexiona da maneira
que Gabriel costumava fazer quando ele lutava pelo controle. — Você terá.
Usando o V dos dedos de uma mão para me abrir mais, ele adiciona um
segundo dedo ao primeiro. Meus músculos se contraem em torno dele.
— Porra, sim.
Seu polegar volta para o meu clitóris enquanto seus dedos preparam meu
canal para o seu pau. Gabriel é longo e grosso. Isso é algo que ele faria. Algumas
estocadas fortes combinadas com os movimentos circulares implacáveis de seu
polegar e eu gozo com um orgasmo feroz, clamando por meu prazer. Ainda
estou aproveitando a onda quando sua boca está na minha boceta, sua
língua assumindo o controle de seus dedos. É uma sensação tão boa. Ele sabe
exatamente como eu gosto. Ele alterna lambidas e chupadas suaves
com beliscões de seus dentes. Como Gabriel me treinou, eu
gozo rapidamente, desta vez em sua boca. Ele me
suga através das ondas de choque
até que meu corpo está uma
bagunça trêmula.
— Boa menina, — ele elogia, dando um beijo no meu monte.
Eu fico ainda mais úmida quando suas mãos vão para o
cinto. Ao mesmo tempo, meu coração lateja na garganta. Isso é mais
do que luxúria. Trata de uma aposta. O cinto cai. O botão de sua
calça se abre. Graças a Deus pela maneira apressada como ele puxa o
zíper, porque meus nervos não aguentam o suspense. Pegando
minhas mãos, ele me puxa para uma posição sentada antes de
agarrar meus quadris e me abaixar no chão. Ele não precisa
pedir. Eu caio de joelhos, como fiz inúmeras vezes com Gabriel,
trazendo o elástico de sua cueca comigo. Quando seu pau pula
livre, eu me sento nos calcanhares. Ele é grosso e comprido, com
veias viris, a cabeça larga e lisa. Quase choro de alívio e gratidão.
Ele é exatamente como eu me lembro.
Ele é o Gabriel.
Se ele sabe que eu sei, não está claro. O momento está
muito consumido por sua necessidade. Seu desejo é o
único foco de sua atenção enquanto ele arrasta os dedos
pelo meu cabelo e espera. Conhecendo meu histórico de
abuso, Gabriel nunca se enfiou em minha boca. Minha
alma voa enquanto eu seguro suas bolas e o puxo para mais perto. Quando meus
lábios se dobram em torno dele, eu recupero os pedaços de mim mesma que
deixei nos destroços da explosão. Movendo minha língua sobre a fenda, eu
devoro o pré-sêmen que ele derramou para mim, me deleitando com o gosto que
é exclusivamente de Gabriel. Meu coração bate com alegria muito poderosa para
conter enquanto eu o tomo profundamente. Chupar Gabriel sempre foi uma das
minhas maiores excitações. Eu amo a maneira como ele geme quando minha
língua gira em torno de sua espessura e traça a veia na parte inferior de suas
bolas. Eu me deleito com a forma como seus joelhos se dobram e seus quadris
sacodem, sabendo que sou a causa de seu prazer. Ter ele na minha boca é como
uma volta ao lar. É a verdade, a única verdade que conheço. Ele me deixa leva-
lo até onde eu quero, e ele não se detém. Ele goza rápido e forte, derramando
sua semente na minha garganta. Eu saboreio cada gota, sentindo a mesma
interconexão que senti durante o sexo oral com Gabriel.
Ele é o Gabriel.
Eu fico olhando para ele, minha alma queima de admiração, enquanto ele
cavalga seu prazer até o fim. Quando seu corpo fica imóvel, ele puxa seu pau da
sucção da minha boca. Sem interromper nossa busca frenética para o prazer um
do outro, ele agarra meus braços e me arrasta para os meus pés, esmagando
nossas bocas brevemente antes de me inclinar sobre o balcão.
Ele posiciona meus braços para que eu estique meus dedos tocando as
bordas. — Espere, linda.
Agarrando o granito frio como alavanca, eu me preparo,
sabendo que quando Gabriel me pegar por trás,
será duro. Exatamente como eu
quero. Seus dedos tocam minhas
dobras, reunindo umidade e me
lubrificando. A larga cabeça de seu pênis cutuca minha
abertura. Ele já está duro de novo. Uma mão está guiando seu
eixo, a outra segurando meu quadril. Vendo que já faz um tempo,
ele entra em mim lentamente, com a consideração que só Gabriel
pode ter. Depois de cada centímetro, ele para, me dando tempo para
me ajustar enquanto brinca com meu clitóris. Na hora que ele
está totalmente alojado em meu interior, nós estamos ambos
ofegante. Não preciso dizer a ele que preciso de mais. Ele
conhece meu corpo por dentro e por fora. Ele conhece minhas
necessidades melhor do que eu mesma.
Quando ele começa a se mover, é com o ritmo exaustivo
que preciso para me empurrar em direção a outro clímax. Ele bate
em mim, girando nossas virilhas juntas e movendo meu corpo
para cima e para baixo sobre a superfície lisa. Minha
necessidade sobe alta e feroz. Quando meus músculos
internos se apertam em torno dele, ele rola meu clitóris
entre seus dedos hábeis, me levando sobre
a borda. Gozando em torno de seu pau, eu grito de
prazer.
Ele cobre meu corpo com o dele, colocando seu peito contra minhas
costas. — Porra, sim. Você fica linda quando goza.
Minha prorrogação dura apenas alguns segundos. Os tremores posteriores
do orgasmo ainda estão passando por mim quando ele se retira e me gira para
ele.
— Eu quero olhar em seu rosto.
Eu também. Quero ver seus olhos quando ele gozar. Houve um tempo em
que ele não olhava para mim quando fazíamos sexo. Era a época em que ele só
me fodia por trás, escondendo seu rosto cheio de cicatrizes e sua pessoa
verdadeira, mas eu nunca quis um rosto diferente ou outra alma. Só ele.
Ele abre minhas pernas e dobra meus joelhos. Sua expressão é terna
enquanto esfrega as palmas das mãos na parte interna das minhas coxas até o
meu centro. Separando meus lábios com os polegares, é nos meus olhos que ele
se concentra quando empurra para dentro. Não hesito em abrir meu
coração. Meus sentimentos estão gravados em meu rosto para ele ler. Apenas
para seus olhos. Eu mostro a ele meu êxtase enquanto ele me preenche da única
maneira que me torna completa, com seu corpo e alma. Eu mostro a ele
minha reverência quando ele começa a derramar tudo o que tem dentro de
mim. Nossos desejos, emoções, sonhos e essência se entrelaçam à medida que
nos movemos juntos. Eu aceito o que ele dá quando suas estocadas se tornam
mais poderosas, mas também retribuo. Para cada empurrão, eu o aperto,
arrastando-o mais fundo e segurando-o com mais força. Minhas
mãos viajam sobre seus braços fortes e seu peito duro, traçando os
sulcos familiares. Eu adoro cada parte dele, por
dentro e por fora, e estou caindo
mais forte do que imaginei ser
possível. A sensação é selvagem e vulnerável,
bela e assustadora em sua intensidade. Eu preciso de seus braços
em volta de mim.
— Me segure, — eu sussurro.
Ele não hesita. Sem quebrar o ritmo, ele entrelaça nossos
dedos e levanta meus braços acima da minha cabeça. Seu peito
pressiona contra o meu enquanto ele clama meus lábios em
um beijo incrivelmente suave e demorado. Eu abraço meus
sentimentos, deixando o amor explodir e crescer dentro de mim
até que não haja nada além dele. Ele preenche meus sentidos.
Seu beijo me diz o que eu quero saber. Ele se importa. Ele ainda
se preocupa comigo e não apenas como uma posse. Estou presa
sob seu corpo forte, um ser danificado, mas estou aqui por minha
própria vontade, e isso me torna mais do que um brinquedo
quebrado. Eu sou mais do que uma vingança ou uma dívida,
e ele é mais do que o Breaker, porque ele me beija como um
marido. No momento, ele é apenas um homem que ama
uma mulher, e eu sou a mulher que o ama de volta. Se
apaixonar, o tipo vertiginoso, depois de um amor
profundo e eterno pode se fazer as coisas ao contrário,
mas Gabriel e eu nunca fomos a norma. Talvez não devêssemos ser a norma.
Nós somos nós e eu amo nós dois.
— Valentina.
Seu sussurro me traz de volta para ele, para a sensação de onde nossos
corpos estão conectados. É muito e muito pouco. Não aguento mais e não
consigo parar. Meus dedos se apertam ao redor dos dele enquanto um grito
estrangulado de prazer deixa minha boca.
— Eu tenho você, linda.
Ele tem. Sempre me teve. Ele diminui um pouco o ritmo e inclina os
quadris, mudando o ângulo de penetração. Ali. Oh Deus. Meus lábios se
separam em um suspiro silencioso quando ele atinge o ponto certo.
— Goze comigo.
É um apelo, não uma ordem, e eu obedeço com mais ansiedade do que
obedeci a qualquer uma de suas ordens. Minha visão embaça enquanto meu
corpo explode. Ele está ali comigo, me dando tudo de si. Suas costas se arqueiam
e seus quadris sacodem enquanto ele segura meu olhar. Seus olhos estão
abertos e sua alma exposta enquanto ele me mostra o que eu faço com ele. Nossa
conexão é perfeita. Não há pensamentos sobre o passado ou o futuro na minha
cabeça. O que sinto é muito intenso para deixar espaço para preocupações e
medos. Existe apenas este momento. Enquanto seus braços vêm ao redor das
minhas costas e me segura perto, eu me permito desmoronar, curar e para que
os pedaços quebrados se juntem. Eu choro na curva de seu pescoço,
descaradamente, pela grandeza deste presente, por ter ele
novamente.
Relâmpagos brilham lá fora e a
tempestade explode com força total.
Quando ele se ergue nos braços para
olhar para mim, seu pau se solta. Eu gemo, não querendo perde-
lo, ainda.
— Frio? — Ele esfrega meu braço.
— Não.
Ele chuta os sapatos e tira as calças. Eu assisto com fascinação
hipnotizada enquanto ele se despe. Ainda existe cicatrizes em
seu corpo, mas elas são diferentes, agora. O que quer que
tenha feito, ele foi submetido a uma cirurgia severa. Não me
importo com a aparência dele, mas sinto falta das marcas que
conheci, aquelas que o definiram. Não importa. Vou conhecer
suas novas cicatrizes.
Percebendo meu olhar sobre ele, ele diz em voz baixa. — O
que você está pensando?
— Que meu marido tinha cicatrizes assim.
Ele não oferece uma explicação e eu não pressiono. O
que eu não quero é mais mentiras entre nós.
— Pegue isso. — Ele me ajuda a vestir sua
camisa. Eu não posso deixar de inspirar
profundamente. O cheiro limpo e picante é de antes de Gabriel se tornar Gregor.
Me levantando em seus braços, ele me carrega para a cadeira reclinável,
se acomoda comigo em seu colo e nos cobre com um cobertor do encosto da
cadeira. Nosso casulo é seguro e quente. Juntos, ouvimos o som da chuva no
telhado e vemos o céu escurecer através da janela.
Ele acaricia meu quadril sob a manta. — Onde está seu filho?
— Com amigos.
Ele fica tenso. — Os confiáveis?
— Os caras que você conheceu no mercado.
Sua tensão não diminui. — Eles podem lidar com um bebê?
— Tão bem quanto qualquer mãe que eu conheço.
— Tem certeza?
Eu não consigo resistir à provocação. — Para um primeiro encontro, você
está muito preocupado com o bebê de uma mãe solteira.
Ele tira uma mecha de cabelo do meu rosto. — Ele é fofo. — Ele diz isso
como se explicasse seu interesse por Connor. — Você disse uma mãe solteira. —
Ele hesita. — Você está?
— Eu estaria aqui se não estivesse?
Ele não responde.
Uma parte de mim quer mergulhar nesse relacionamento e agarrar tudo
com um movimento do meu braço, mas eu me lembro de ser paciente. Não estou
fazendo isso por força ou manipulação. Desta vez, será por nossa
livre vontade.
Viro seu pulso para a luz para ler a hora em
seu relógio. Já passa das cinco. —
Eu tenho que ir, logo.
Seu braço aperta em volta de mim. — Já?
— Eu disse que voltaria para alimentar Connor antes de
dormir. Seu banho é às seis.
Meu coração se contrai dolorosamente pelo desejo que pisca
em seus olhos. Ele olha para mim por um longo tempo e, quando
finalmente atinge o pico, empurra as palavras para fora, como se
fossem difíceis para ele dizer.
— Valentina, você é uma mulher muito desejável.
— Mas?
—Mas isto não foi um primeiro encontro.
— O que foi, então?
Seus olhos procuram os meus por algo que não consigo
nomear. Ele respira fundo e lambe os lábios. — Um erro.
A dor torce meu coração, mas eu a afasto. Não vou
permitir que ele me afaste. — Pode não ser um encontro
convencional, mas não foi um erro.
— Você não me conhece, e quando o fizer, você
fugirá. Isso é totalmente errado.
— O que acabamos de fazer na sua cozinha,
pareceu errado?
— Não. Tudo estava certo, mas não foi isso que eu quis dizer, e você sabe
disso.
— Então, vamos nos concentrar no que parece certo.
— Não, Valentina. — Sua voz é áspera. — Não vai funcionar.
Eu estava tão pronta para dizer a ele que sei a verdade, mas ele não está
pronto para ouvir. Eu acredito que ele está pronto para nós, ou não teria voltado
e me procurado, mas se eu forçar as coisas, posso estragar tudo.
Eu empurro seu peito para me levantar. — Eu tenho que ir.
Ele me fecha em um abraço apertado. — Não enquanto está chovendo
muito. Muito inseguro na estrada.
— Connor...
— Nada vai acontecer se você se atrasar trinta minutos. Ligue para seus
amigos e diga que você está esperando a tempestade passar.
Sempre protetor. Deus sabe, preciso de mais tempo com ele. — Vou pegar
meu telefone.
— Fique aqui. — Ele sai de debaixo de mim e pega minha bolsa na cozinha.
Aproveito a oportunidade para estuda-lo mais. Se ele pensava que eu não
reconheceria a perfeição cinzelada de sua bunda, ele realmente não sabia que
cada parte de seu corpo está para sempre impressa em minha mente. Eu não
me importo com o rosto que ele usa, assustador ou bonito, eu quero o homem
por baixo.
— Aqui está. — Ele me entrega minha bolsa e me dá espaço
para fazer a ligação.
Enquanto falo com Rhett, o cheiro de café
sendo preparado enche o espaço.
Quando eu desligo a ligação, ele traz
uma caneca fumegante para mim. Dois
açúcares e leite, do jeito que eu gosto.
— Eu teria oferecido vinho a você, mas não quero que você
beba e dirija.
— Obrigada. — Eu sorrio com sua proteção. — Isso é muito
atencioso.
— Você gostaria de algo para comer?
— Eu estou bem.
No restante do tempo, bebemos nosso café em um
silêncio confortável enquanto ele brinca com meu cabelo,
quase como nos dias em que eu me sentava a seus pés em seu
escritório à noite. Quando resta apenas uma leve chuva, ele me
ajuda a pegar minhas roupas, mas enfia minha calcinha rasgada
em seu bolso. Ele abotoa meu casaco e me leva até o carro,
segurando meu guarda-chuva para mim.
Seu beijo é apaixonado e desesperado, como se
estivesse se despedindo. —Fique segura.
— Você também.
Ele abre minha porta, mas agarra meu pulso
antes que eu possa entrar. —Valentina.
Eu olho de volta para ele. — Sim?
— Obrigado por vir.
— Eu não conseguiria ficar longe.
Seu sorriso é triste e terno.
A culpa me ataca no caminho para casa. Me sinto mal por deixar Connor
com os caras para que eu pudesse fazer sexo com meu marido morto. Que tipo
de mãe faz isso? E se Connor estiver com fome ou se sentindo mal-humorado?
Minhas preocupações são infundadas. Quando chego em casa, encontro Connor
brincando alegremente no cercadinho e Charlie dobrando a roupa. Rhett e
Quincy me lançam olhares curiosos.
— Você está... diferente, — diz Rhett. — Correu tudo bem, então?
— Sim. — Eu sorrio, mas não ofereço mais nada. As coisas entre Gabriel e
eu sempre foram complicadas, e não é menos agora. Não consigo nem definir o
que temos, muito menos explicar aos meus parceiros afetuosos.
— Alguém que conhecemos?
— O que ele quer dizer é, — diz Quincy, — é alguém que aprovaremos?
— Acho que sim.
— Espere um minuto. — Rhett me examina. — É o cara do mercado?
— Sim. Por quê? Você aprova?
— Eu gosto dele, — diz Quincy.
— Idem.
— Bom.
Eles verão muito mais dele no futuro. Estou determinada a
fazer acontecer. A questão é: Gabriel admitirá a
verdade? Ele vai voltar para mim
como meu marido ou como um
estranho?
21
Gabriel

MERDA EU VOU para o inferno e volto. Como pude desistir tão facilmente?
Tocar em Valentina era totalmente errado. Eu deveria ter mantido distância.
Esbarrar nela estragou tudo. Não sou arrogante o suficiente para acreditar que
ela está atraída por mim ou pelo meu novo rosto. Ela meramente agiu no instinto
que eu treinei nela. Valentina precisa de dor com seu prazer. Domínio na cama.
Ela é atraída pelo sádico, o monstro. Sentir o que sou por baixo do verniz polido
de um homem foi o que a trouxe até minha porta. Esse é quem eu sou. Eu não
posso mudar isso mais do que um gato pode se transformar em um cachorro.
Depois que ela saiu, eu ando de um lado para o outro. O leve cheiro de
framboesa contrai meu peito, me lembrando do que estou perdendo, e que estarei
completamente sozinho pelo resto da minha vida. Que assim seja. Eu não quero
mais ninguém. Meu objetivo é proteger ela e meu filho. É o bastante. Vou me
sentir melhor quando puder compensar as dificuldades financeiras que ela
sofreu após minha morte. Assim que houver lucro suficiente da minha empresa,
investirei anonimamente em sua empresa inteligente. Meu coração
se enche de orgulho. Sempre soube que ela sobreviveria,
e o fato de ela estar fazendo um
trabalho tão bom sem mim me enche
de uma pontada triste de
ciúme. Nenhum homem quer ser dispensável, trocado,
substituível. Tudo o que eu sempre quis foi cuidar dela e veja
aonde isso nos levou. É melhor que eu fique longe dela, mesmo
que cada célula do meu corpo se aproxime dela com uma força quase
impossível de resistir. Troquei sua vida pela liberdade. Tenho que
manter esse juramento quando me sinto fraco. Que é sempre.
Claro, estou tentado a aproveitar a oportunidade de ouro
que ela me apresentou, de reivindica-la como um homem
diferente, mas isso será apenas mais uma mentira, outra
manipulação, e não vou seguir esse caminho com ela novamente.
Nunca. Repito o mantra, esperando que ele afunde e que meu
pau acabe entendendo a mensagem. Apenas estar perto dela me
deixa duro. Porra, pensar nela faz o trabalho. Eu aperto e abro
meus dedos, lutando contra uma vontade repentina de ir atrás
dela e jogar a verdade a seus pés, me ajoelhar e implorar a ela
que me perdoe e me aceite de volta. Deus, eu sou um
bastardo egoísta. Não, não vou destruir meu disfarce e sua
nova vida, conquistada com tanto esforço, para o
inferno. Só há uma cura para domar meu desejo
incontrolável. Visto minha calça de moletom e uma camiseta e me puno com um
treino exaustivo na academia. Com cada peso que levanto, tento expulsar a
memória de seu gosto, seus sons e como ela se sentia sob minhas mãos, mas é
inútil. Quanto mais eu empurro, mais ela penetra na minha pele.
Depois de um banho, comecei a fazer o que venho adiando desde que voltei
para Joanesburgo. Compro um buquê de rosas brancas e dirijo até o cemitério.
Visitar o túmulo de Carly me faz em pedaços. Eu estava com medo de vir aqui,
e agora que toda a força da perda rasga a dor remendada de novo, eu caio de
joelhos na lama e choro sobre a pedra de minha linda garota que eu não pude
salvar. Gritos brutos saem do meu peito. Pela primeira vez depois de sua morte,
eu os deixei sair. A emoção violenta está longe de ser curada. Estou
simplesmente levantando a tampa da dor latente que carrego dentro de mim.
Isso também sempre fará parte de mim, como perder Valentina e Connor. Eu
aceito. É o que mereço, ser um homem infeliz com o rosto inteiro e a alma
quebrada. Seco o rosto na manga, beijo meus dedos e os pressiono na pedra fria.
— Eu te amo, Carly.
Não vou falhar com Connor nem que seja a última coisa que fizer. Ele
nunca me conhecerá, mas também não conhecerá a necessidade. Ninguém vai
colocar um dedo nele enquanto eu viver. Permitindo que a resolução me desse
forças, me levanto e volto para minha casa, que parece mais vazia e fria do que
nunca, agora que Valentina a marcou com sua presença.

UMA SEMANA SE PASSA. Eu


me esforço até parar, senão com
trabalho, na academia. Eu mantenho uma
vigilância apertada sobre a mulher e a criança que dão sentido à
minha existência. Eu mantenho minha distância, garantindo que
não vou cometer o mesmo erro estúpido, então, quando eu volto da
academia no sábado de manhã e encontro o carro de Valentina
estacionado em frente à minha casa, ansiedade se mistura com
desejo. Estou surpreso e ao mesmo tempo não estou. Eu a
tornei fisicamente e emocionalmente dependente de mim
quando a tomei pela primeira vez. É natural que procure
alguém para substituir essa dependência. Uma escuridão
surge dentro de mim quando penso em outro homem cumprindo
esse papel, mas a sensação turbulenta é rapidamente esmagada
quando ela sai do carro com Connor em seu quadril. A visão deles
me acalma. Uma dor profunda aperta meu peito. Eu pressiono
o controle remoto para abrir o portão, paro na minha garagem
e saio do meu carro com cautela.
— Como você conseguiu entrar? — As palavras saem
mais duras do que eu pretendia.
Valentina nem pisca para a minha voz irritada. —
Eu falei suavemente com o guarda.
— Ele não deve deixar ninguém entrar sem permissão. — Estou puto
porque ele desobedeceu às regras. É perigoso. Vou ter que falar com ele.
— Connor ajudou, — diz ela com um sorriso.
Eu fico olhando para ele com orgulho mal disfarçado. Sim, será difícil
resistir àquele sorriso babão de dois dentes. Eu faço um esforço consciente para
suavizar meu tom. — Por que você está aqui? — Merda, algo está errado? — Está
tudo bem?
— Vou levar Connor para um piquenique. Achei que você gostaria de vir.
— Valentina... — sai como o aviso que eu pretendia, mas Deus, é bom dizer
o nome dela. O problema é que quero gritar com seu corpo submisso debaixo de
mim.
Não me dando tempo para elaborar, ela empurra Connor em meus braços.
— Segure ele por um segundo, sim?
A isca é forte demais para resistir. Quando meus braços envolvem meu
filho, algo dentro de mim estala. O mundo vira, e todos os erros se encaixam
enquanto seguro seu pequeno corpo contra o meu peito, inalando seu cheiro de
bebê.
Valentina pega uma sacola de fraldas do banco de trás e me lança um olhar
de desculpas. — Eu só preciso trocar ele antes de irmos. Posso usar sua casa?
Nunca vou negar nada ao meu filho. — Vá em frente.
Equilibrando Connor em um braço, eu destranco a porta e a deixo entrar.
Ela caminha até a única peça de mobiliário na sala. — Você
se importa?
— Não.
Enquanto ela espalha uma
capa protetora na cadeira reclinável,
carrego Connor para ela. Por um segundo eu
me agarro a ele, relutante em soltar, mas ela está lá com a fralda
nas mãos, então eu o deito. O calor sobe e desce pelo meu corpo
enquanto a vejo cuidar de nosso filho. Devoro o momento íntimo
como um homem faminto. Quando ele está limpo e seco, ela se vira
para mim com um sorriso que contém uma calidez amigável e um calor
apaixonado, nenhum dos quais eu mereço.
Seu tom é seguro. — Pronto?
Apesar de como eu a mandei embora depois de nosso
encontro luxurioso, ela não duvida que vá concordar, e ela está
certa. Como posso agora que provei Connor? Eu quero mais
desesperadamente. Eu quero mais da mulher segura de pé na
minha frente também.
Meu sorriso é apertado. Minha fraqueza queima em
mim. — Me dê um minuto para tomar banho e me trocar?
— Claro.
Corro para o chuveiro e visto uma camisa branca
justa e calça comprida. Quando volto para a sala, ela
está sentada na cadeira, amamentando Connor. Eu
paro no meio do caminho. Olhando para baixo, sua
expressão não é nada além de amorosa. Não há ressentimento em suas feições
pela criança que ela não pediu ou planejou. Meus olhos deslizam para o meu
filho. Sua sucção é surpreendentemente forte para uma criatura tão pequena.
— Ai! — Valentina diz, estremecendo enquanto ele enruga as bochechas.
Ele fecha os punhos na camisa de Valentina, segurando sua fonte de
alimento para toda a vida. Pequenos suspiros, gemidos e zumbidos de aprovação
infundem os ruídos de engolir que ele faz. Ele tem uma mecha de cabelo escuro,
não cacheado como o meu, mas sedoso como o de sua mãe. Mesmo com dez
meses, ele parece incrivelmente minúsculo. Frágil.
Antes que eu possa me impedir, estou parado na frente deles, acariciando
o cabelo de Connor. Porque essa cena em particular me comove tanto, não
entendo. Talvez seja porque minha própria mãe nunca cuidou de mim. Havia
babás para isso.
Valentina me encara. — Ele está quase terminando.
— Não tenha pressa. — Quero dizer isso. Posso ficar aqui e olhar para eles
o dia todo. — Ele ainda não está em alimentos sólidos?
— Está sim. Continuo amamentando porque ele precisa de toda imunidade
natural que puder obter. Na verdade, ele tem apenas oito meses, se você
considerar que nasceu dois meses prematuramente.
Ela o devolve para mim e ajusta suas roupas.
— Nós vamos levar meu carro, — diz ela, — porque eu tenho a cadeirinha.
A atrevida me intimidou com sucesso para um passeio, mesmo
sem resistir.
— Precisamos parar para comprar
suprimentos? — Eu pergunto.
— Já arrumei uma cesta. Está
no meu porta-malas.
Eu ofereço a mão para ajudá-la a se levantar.
Ela nos leva ao zoológico, um lugar que eu costumava visitar
quando era pequeno. Não mudou muito em trinta e oito
anos. Connor é muito jovem para apreciar os animais, mas seguimos
o caminho passando por macacos e pássaros, caminhando lado a lado
em um silêncio confortável. Debaixo da sombra de um
salgueiro, ela estende um cobertor e coloca Connor de barriga
para baixo, deixando blocos de plástico de brinquedo ao seu
alcance.
— Ele está quase se sentando sozinho, — ela diz com
orgulho. — Ele está um pouco atrasado neste marco, mas o
médico diz que é normal com prematuros.
Ela é boa com ele. É uma ótima mãe. Eu não deveria tocar
nela, mas não posso deixar de escovar uma mecha de cabelo
atrás da sua orelha. — Como é?
— Como é o quê?
— Maternidade.
— É difícil, às vezes, mas eu nunca iria querer de
outra maneira.
— Lamento que tenha sido difícil para você. — Eu quero dizer com toda a
minha alma.
Ela encolhe os ombros. — É uma questão de encontrar uma rotina que
funcione para todos.
— Tenho certeza de que não é tão simples.
— Não é tão ruim. Tenho flexibilidade no meu trabalho e posso levar
Connor ao escritório.
— Você gosta do seu trabalho?
— Eu agradeço. Coloca um teto sobre nossas cabeças e comida em nossa
mesa. Falando sobre comida... — Ela pega a cesta. — Está com fome?
— Morrendo de fome. — Mas não por comida. Como um idiota, eu olho em
seus olhos, me perdendo em sua escuridão.
Não toque nela.
Ah, que se foda.
Eu seguro seu rosto e a empurro para baixo no cobertor. Parece natural
que meu corpo cubra o dela. Eu anseio por saboreá-la, sentir seus lábios macios
e sentir o perfume inebriante de sua pele. Segurando seus olhos, eu aproximo
nossas bocas. Se ela quiser desistir, vou dar-lhe a oportunidade. Ela fecha o
último fio de cabelo de distância levantando a cabeça. Quando nossos lábios se
tocam, a mesma dor profunda de sempre cria raízes em meu peito. Em vez de
tirar ela do meu sistema, estou ficando mais enredado nela do que nunca. É
ainda mais doce quando desta vez ela me escolheu. Eu não chutei
sua porta e a arrastei aqui contra sua vontade. Não a estou
seduzindo com prazer para olhar além das minhas
cicatrizes. Ela veio até mim. Eu a
beijo como um homem se afogando,
tão grato por seu livre arbítrio que mal consigo
respirar. Todas as emoções que senti quando não era nada além
de uma casca fria e vazia são por causa dessa mulher. Ela me
ensinou o significado da gratidão. Eu sinto isso agora, por me dar
este momento com ela e Connor. Há muito prazer em ter o
consentimento dela. Não uma versão fodida e manipulada, mas a
verdadeira.
Eu derramo meu coração no beijo, e meu corpo responde,
ficando duro e quente em todos os lugares. Estamos em
público, mas não dou a mínima. Estou ficando delirantemente
bêbado com ela e com a sensação viciante de felicidade.
Um gorgolejo de Connor me puxa de volta à
terra. Relutantemente, eu interrompo o beijo. Seu rosto está
lindamente corado.
Eu rio. — Acho que ele aprova.
Ela me dá um sorriso radiante. — Oh, ele
definitivamente aprova.
— Obrigado.
— Pelo quê?
—Por hoje. — Por me permitir um tempo que não mereço.
— De nada.
Connor começa a se agitar. Em menos de um segundo, ele passa de feliz a
chorando. Meu instinto protetor fica acelerado. Perplexo, desamparado, eu me
precipito para alcançar ele. — O que há de errado? O que aconteceu? Ele está
ferido? Ele está doente?
Calma como sempre, Valentina tira uma mamadeira da sacola de fraldas
e me entrega. — Quer alimentar ele?
Connor chora com uma voz que teria levantado o telhado se houvesse um.
Orgulho incha meu peito a ponto de explodir. Quando coloco o bico em sua boca,
ele começa a sugar com goles gulosos.
— Novamente? — Eu pergunto. — Ele acabou de comer.
Ela sorri para mim. — Ele fica com fome a cada duas horas, mais ou
menos.
É como flutuar em uma nuvem. O momento parece surreal. Um
sentimento que combina com a minha alegria por apenas ter beijado Valentina
surge em mim quando meu filho se aninha mais fundo em meus braços. Ele não
pesa nada. Seu corpo é tão pequeno que sua cabeça cabe na palma da minha
mão. Sua boca se fecha firmemente ao redor do bico, e suas bochechas se
encovam enquanto ele faz pequenos sons de sucção. Eu juro que há um gemido
em algum lugar na mamada e algo agudo como um rosnado quando eu perco o
controle da mamadeira e interrompo a sucção. Uma risada profunda
ressoa em meu peito. Eu o abraço mais perto, segurando-o contra
meu coração.
— Você é o cara, — eu digo
com uma risada, dando um beijo em
sua testa.
Enquanto ele drena cada gota da mamadeira, estou
totalmente no momento, devorando cada segundo do precioso
presente.
— Primeira vez dando mamadeira a um bebê? — Valentina
pergunta com um brilho nos olhos.
— Isso aí.
— Não foi tão ruim. — Ela pisca e dá um beijo na minha
bochecha.
Só assim, minha resistência desmorona. Todas as
minhas intenções supostamente firmes caem
como soldados vencidos pela batalha. Mais um beijo, um
momento fugaz de fraqueza, uma memória sem fim, e estou
namorando Valentina Louw, a mulher que me derrubou nos
meus pés, a mãe do meu filho.

NAS SEMANAS SEGUINTES nosso namoro se


torna oficial. Regular. Somos um item. Com o início do
inverno, vamos aos parquinhos cobertos com Connor. Quando Kris ou Rhett e
Quincy podem cuidar de Connor, ficamos em casa e fazemos amor. Toco
Valentina a cada segundo que posso. Cada momento é como um tempo
emprestado. Estimado. Faça o que fizermos, sempre a deixo assumir a
liderança. Ela me apresenta a seus amigos como Gregor Malan, e eles me
aceitam sem questionar ou resistir. Todos estão ansiosos para que ela encontre
a felicidade que merece, e fico lisonjeado por eles acharem que sou o cara certo
para o trabalho. A única questão que estraga este novo desenvolvimento é a
mentira que permanece grande e feia entre nós.
Quanto mais perto fico de Valentina nesse novo relacionamento, mais
dilacerado fico. Meu engano me pune em todas as horas em que estou acordado
e fere meu coração à noite. A culpa me encontra até em meus sonhos. Ela
merece coisa melhor. Ela merece a verdade. Enquanto meu amor continua
superando todas as outras emoções e propósitos em minha vida, eu sei o que
tenho que fazer.
Eu tenho que confessar.
Eu tenho que perde-la.
Novamente.
Á noite eu tomo a decisão, passo a noite em meus joelhos. Me ajoelho no
ladrilho com a testa apoiada nas mãos em punhos, desejando perdão e sabendo
que não vou conseguir. Quando eu a enfrentar amanhã, ela vai me odiar.
Esperando até uma hora decente, ligo e peço que ela venha
depois do trabalho. Sozinha. Não quero fazer isso na frente de
Connor ou de meus ex-guarda-costas. O que
tenho a dizer é para seus ouvidos
apenas. Pelo resto do dia, eu ando
pela casa, recitando meu discurso na minha
cabeça, mas nenhuma palavra soa certa. Finalmente, eu me
conformei com a verdade simples.
— Eu morri para te dar liberdade. Eu morri porque te
amo. Ainda estou morrendo, um pouco a cada dia, e continuarei
morrendo se isso lhe der a felicidade que roubei de você.
Muito dramático.
Eu me encaro no espelho do banheiro, tentando
novamente. — Não sou o homem que você pensa que sou. Eu
sou…
Porra.
Passo a mão pelo meu cabelo. Quem sou eu? — Eu sou o
fantasma do homem que sequestrou e engravidou você. —
Esqueça isso. — Eu sou o homem que te ama.
Ela vai me odiar mais do que antes, mas é a coisa certa
a se fazer. Talvez a coisa mais honrosa que já fiz na minha
vida. Dou uma olhada no rosto estranho no espelho antes
de ir para o chuveiro para me arrumar. Se esta é a
última vez que enfrento Valentina, o mínimo que posso
fazer é dar a ela a cortesia de parecer apresentável.
Valentina

ATÉ HOJE AS coisas andavam devagar entre mim e Gabriel, ou Gregor,


como eu costumava chamar ele. Nós namoramos como duas pessoas
normais. Houve muitas oportunidades de dizer a ele que sei a verdade, mas
quero que ele me diga quando estiver pronto. Não posso dizer a ele como me
sinto até que ele confesse. Se ele não está pronto para me ouvir como Gabriel,
ele não está pronto para me ouvir como Gregor.
Então veio seu telefonema hoje. Havia algo em seu tom, um leve tremor no
tom profundo de sua voz. Minhas mãos tremem enquanto ajusto o novo vestido
vermelho e prendo meu cabelo em um coque. E se ele não quiser mais me ver?
Não, eu tenho que ser positiva. Gabriel pode não me amar como eu o amo, mas
ele precisa de mim. Ele me queria viva, o suficiente para me engravidar. Isso
conta para alguma coisa, não é?
Connor murmura no tapete de jogo. Eu o pego, enterrando meu nariz em
seu cabelo. — Eu te amo, amor. Muito.
Uma pontada de tristeza invade meu coração como sempre
acontece quando tenho que deixá-lo, mesmo que por
algumas horas.
— Ele vai ficar bem, — uma voz
diz da porta.
Eu me viro para ver o sorriso suave
e compassivo de Kris. Maravilhosa Kris que sempre
entende.
Ela estende as mãos. — Me dê ele aqui e vá se divertir um
pouco.
Beijo a cabeça do meu bebê antes de entregar ele.
Kris me olha de cima a baixo. — Você está bonita.
Distraidamente, eu esfrego um dedo sobre a ponta do
meu polegar. —Você acha?
— Perfeita. — Ela me dá um aceno encorajador. — Você
está atrasada.
Ela sabe que estou protelando. Estou protelando porque
estou nervosa. Como esta noite será para nós? Para mim, Gabriel
e Connor? Quando ela sai com Connor, coloco na bolsa o
presente que guardei para Gabriel. Dependendo do que ele
disser, ofereço a ele ou trago para casa. Uma parte de mim
quer adiar esta noite, mas não podemos continuar vivendo
em nosso mundo de faz-de-conta.
Digo um rápido adeus aos rapazes. É noite de pizza e cinema, então Charlie
está cuidado. Então eu dirijo para a casa de Gabriel.
Ele espera do lado de fora, vestido com calças escuras e uma camisa
branca. Como sempre, minha boca fica um pouco seca. Ele é perfeito em todos
os sentidos físicos, mas para mim ainda é o homem com cicatrizes por quem me
apaixonei. Por dentro, ele está tão destroçado quanto eu, e essa dor é um vínculo
que compartilhamos.
Em vez de abrir a porta para mim, como costuma fazer, ele permanece em
pé no gramado, me bebendo com uma expressão faminta enquanto eu caminho
pela trilha. Não precisamos de palavras. Eu sei o que ele está pensando, assim
como ele sabe o que eu estou, porque seus olhos caem para os pontos duros dos
meus mamilos sob o meu vestido. Eu paro perto dele. Minhas emoções são
cruas, mas as dele também. Uma guerra assola seus olhos verdes, a cor tão
errada, mas tão certa. Suas mãos flexionam como se ele estivesse tentando não
me tocar, mas então a corda frágil de sua restrição estala.
Agarrando um punhado do meu cabelo, ele me puxa para mais perto. A
ação me faz tropeçar na barreira dura de seu peito. Ele me pega com um braço
em volta da minha cintura, prendendo sua ereção entre nós.
— Porra. — Ele enterra o nariz no meu pescoço e corre ao longo do meu
queixo. — Apenas um toque.
Isso machuca. Ele diz isso como uma saudação de despedida.
— Eu preciso de você dentro de casa. Agora, — ele sussurra
em meu ouvido. Pegando minha mão, ele me leva até a
porta. Quando está trancado atrás de nós, ele se
vira contra mim, cem por cento
Gabriel. — É um vestido muito
bonito. — Por um segundo, ele parece indeciso,
como se estivesse lutando uma batalha interna, mas então ele
pega meu rosto entre as mãos e me beija com força.
— Você não vai me dizer para tirar? — Eu pergunto quando ele
me liberta.
— Há coisas que preciso dizer.
Eu quero ouvir, mas não quero. Tenho medo de perder
ele, para sempre, desta vez, mas não tenho medo de lutar pelo
que quero. Eu não vou desistir ainda. Eu empurro as alças dos
meus ombros e deixo o vestido cair no chão. Sem usar
calcinha, fico nua na frente dele, exceto pelos meus sapatos.
Seu olhar me acaricia com aprovação, mas a batalha
continua furiosa em seus olhos. — Você veio aqui assim? — Ele
fecha a distância, olhando para minha boca. — Por quê?
Nós dois sabemos por que, mas ele quer que eu diga. —
Eu quero que você me foda.
A pele marcada de suas maçãs do rosto escurece. —
Como?
— Duro. Rude. — Eu distribuo meu trunfo. —
Enquanto você me bate.
As linhas de seu rosto ficam rígidas e o verde de seus olhos fica
esfumaçado. —Por quê?
— Porque me faz gozar mais forte.
Seu peito esvazia com um suspiro de derrota. — Eu não posso negar a
você.
— Então não faça isso.
Ele segura meu seio, sacudindo o polegar sobre meu mamilo. — Se deite
de costas e abra as pernas.
Eu balancei minha cabeça. — Se você quiser, terá que fazer.
Seu corpo fica tenso. — Eu não quero machucar você, de jeito nenhum, —
Ele engole o resto de suas palavras, me dando um olhar de dor e necessidade.
— É o que eu preciso.
Sua decisão desmorona como um pedaço de pão seco. Sua luxúria
cuidadosamente guardada se desfaz, me dando uma parte do verdadeiro homem
enquanto ele cruza os dedos em volta do meu pescoço e me empurra de
joelhos. Me segurando no lugar com uma mão, ele abre o zíper da calça com a
outra, deixando a cintura abotoada, mas liberando seu pau longo e pesado.
Ele solta meu pescoço para segurar meu cabelo. — Me toque.
Nossa posição me excita além de qualquer coisa que eu já experimentei
comigo nua de joelhos e ele se elevando sobre mim, totalmente vestido.
Recolhendo a gota que sai da fenda, esfrego a umidade em torno da cabeça antes
de arrastar minhas unhas ao longo da parte inferior. Sua pele é veludo
quente, sua carne dura como granito. Eu encontro seus olhos
enquanto ele me encara, me lendo como o livro
aberto que sou, sabendo exatamente
o que preciso.
— Lamba.
Com a permissão, eu arrasto minha língua sobre a cabeça,
todo o caminho para baixo e para cima. Não quero nada suave
hoje. Com um olhar de desafio, eu o chupo profundamente em
minha boca.
Sua expressão é de aprovação, mesmo quando ele balança
levemente a cabeça. — Garota safada e gananciosa. Eu disse
para você chupar meu pau?
Em vez de responder, eu gentilmente ralo meus dentes
sobre ele.
Ele estremece. — Nós cuidaremos de sua punição mais
tarde. Se você vai ser desobediente, faça como se quisesse.
Eu faço. Eu enrolo minha língua em torno dele e toco seu
comprimento onde minha boca não alcança. Levando-o o mais
fundo que posso, peço-lhe sem palavras para remover a última
barreira entre nós, o ponto em que ele ainda não me
empurrou. Eu preciso disso. Eu quero tudo dele. Quero
que ele entenda que me curou e que estou disposta a ir
a qualquer lugar por ele. Ele puxa e empurra de volta
mais rápido. Eu o deixo foder minha boca como nunca
fiz com nenhum homem, saboreando cada carícia que ele empurra em minha
boca. Eu quero engolir ele. Eu quero me engasgar e meus olhos
lacrimejarem. Eu quero que ele me leve até o fim. Mudando o ângulo da minha
cabeça, eu o faço perfurar minha garganta em vez de minha bochecha. Minha
recompensa é magnífica. Seus olhos ficam grandes com uma luz aquecida e sua
ereção se contrai na minha boca. Ele empurra mais e mais fundo, esticando
minha mandíbula até o limite.
— Respire pelo nariz, querida.
Este é todo o aviso que recebo antes que ele corte a corda final de
autocontrole que sempre manteve enquanto fode minha boca. Segurando minha
cabeça entre suas mãos grandes, ele ainda me segura e começa a foder meus
lábios com toda a seriedade. Quando eu me engasgo, ele se afasta, me dando
apenas uma breve pausa antes de continuar seu ritmo exaustivo. A maneira
como ele me usa é tão sensual. Estou salivando ao redor dele, fazendo ruídos
nojentos no fundo da minha garganta, e ele adora. Piscando para afastar a
umidade dos meus olhos, me concentro em respirar fundo pelo nariz.
— Olhe para mim, — ele ordena.
Eu levanto meus olhos para os dele, deixando-o ver meu rímel manchado
e meu batom, colocando minha vulnerabilidade a seus pés.
— Você ama isso, não é?
Eu só posso gemer em volta dele, sentindo-o apertar do jeito que faz antes
de gozar. Em vez de me dar sua semente, ele sai. Eu quero seu gosto
na minha boca, mas ele mantém seu pau a centímetros do meu
rosto, me provocando.
Gentilmente, ele massageia as
juntas na minha mandíbula até que
a dor diminua, e então ele dobra seus dedos
fortes em volta da minha garganta e empurra minhas costas para
o chão, minhas pernas dobradas sob mim. Apoiando seu peso em
um braço, ele se estende sobre meu corpo e toma meus lábios em
um beijo tão delicioso e lânguido que meus dedos do pé se enrolam.
Enquanto sua língua acalma minha boca brutalizada, sua mão explora
meu seio. Ele amassa a carne macia entre os dedos
necessitados, um pouco áspero demais para ser confortável,
até que a umidade cubra minhas dobras. Beijos suaves
pousam na minha bochecha, mandíbula, pescoço e clavícula
enquanto ele agarra meu mamilo e puxa. A dor é deliciosa. Seus
dedos percorrem meu estômago até meu monte, roçando
levemente meu clitóris. Gememos na boca um do outro quando a
ponta de seu polegar desliza pela umidade reunida ali para ele.
Um beliscão suave no meu lábio inferior anuncia o fim
do beijo. Ele se afasta um pouco para olhar para mim. — Vou
tomar tudo o que você tem.
Eu mal consigo dizer um rouco: — Sim.
Ele levanta meus braços acima da minha cabeça e organiza minhas mãos
com as palmas mostrando para cima. — As mantenha assim.
Ele se move pelo meu corpo, beijando cada centímetro da minha pele até
que eu me contorço de necessidade. Quando finalmente atinge meu osso púbico,
ele não pressiona seus lábios no meu clitóris como eu desejo, mas endireita
minhas pernas, aliviando a tensão dos meus músculos. Tomando seu tempo, ele
massageia minhas coxas e panturrilhas. Apenas quando meus músculos
começam a relaxar, ele abre minhas pernas, expondo minha boceta. Ele afasta
minhas dobras com os polegares e se senta sobre os calcanhares para me
estudar.
— Tão bonita, — ele reflete. — Tão perfeita. — Ele enfia o dedo médio,
enterrando-o até a junta. — Tão apertada. — Algumas bombeadas fortes fazem
meus quadris se levantarem do chão. — Tão molhada.
Eu choramingo, precisando de mais dessa fricção, mas ele remove o dedo.
Um sorriso puxa seus lábios com o meu gemido de protesto. Sua cabeça abaixa
lentamente até que sua língua provoca meu clitóris, impiedosamente gentil. Eu
levanto meus quadris, tentando fazê-lo ficar mais, mas sou recompensada com
uma mordida que envia uma pontada de dor pelo meu clitóris. Meu grito
ricocheteia nas paredes, um apelo para parar e dar mais. Então ele começa a me
comer com toda a seriedade. Sua língua, dentes, lábios e dedos estão em todos
os lugares, até que eu não posso distinguir entre as pontadas de dor e o prazer
carnal. Um dedo é enfiado na minha bunda, não com cuidado, mas
com urgência, sem se conter. Eu me esforço para reivindicar esse
sentimento, tornando-o meu enquanto ele me
enche de tudo, menos seu
pau. Algumas bombeadas e minha
liberação começa a enrolar, puxando a parte
inferior do meu corpo com força. Ele rosna de satisfação quando
gozo em sua boca, meu prazer explodindo em sua língua e
dedo. Minha excitação cobre seus lábios enquanto ele se afasta, me
dando um sorriso possessivo e vitorioso. Sou dele, não só neste
momento, mas sempre. Eu quero que ele entre em mim e me preencha
com o conhecimento físico.
— Me tome, — eu consigo dizer com um grasnido.
— Sou eu quem dá as ordens.
Para enfatizar a declaração, ele me vira de barriga e
levanta meus quadris. Minha bunda está alta no ar, uma oferta
para ele, e eu já sei o que está por vir antes que ele junte minha
umidade e massageie em meu traseiro. Um gemido involuntário
escapa enquanto ele me estica impacientemente com dois
dedos. Eu inspiro e expiro quando dois se transformam em
três. Uma mão acaricia o globo da minha bunda enquanto a
outra me pune por dentro.
Se curvando sobre mim, ele beija meu ombro. —
Você tem sido uma menina má, vindo aqui nua sob suas
roupas. O vento poderia ter levantado seu vestido, e
alguém poderia ter dado uma olhada. — A possessividade é grossa em seu tom
enquanto seus dedos traçam sobre minhas dobras expostas. — E este é
meu. Tudo meu.
Eu me deleito com a declaração, sabendo que ele vai me reivindicar,
independentemente do que sua expressão vazia significava quando eu cheguei.
Não, não quero pensar nisso agora. Tudo que eu quero focar é nele dentro de
mim, ao meu redor, me fodendo.
O tapa que cai na minha bunda nua vem de forma inesperada. Minha
bunda aperta, prendendo seus dedos dentro. O calor que queima minha pele
deixa cada centímetro do meu corpo, da cintura para baixo, em chamas. Eu
empurro para cima, oferecendo a ele mais, e ele leva, batendo e bombeando.
Meus gritos são ferozes e desesperados. Eu já preciso gozar.
— Minha gulosa e linda garota, — ele geme. — Você quer meu pau neste
lugar apertado, não é?
A última vez que ele me levou assim foi no dia do nosso casamento. Eu sei
que vai doer e que vou adorar, mas agora estou desejando muito a picada de sua
palma para me concentrar em qualquer outra coisa. Meus seios estão pesados,
balançando a cada bofetada que ele dá na minha bunda. O padrão se move da
direita para a esquerda e vice-versa, incendiando a pele do meu traseiro e
deixando minha boceta gorda e molhada. Minhas dobras incham e latejam. Meu
clitóris parece superaquecido. A surra para, mas não os dedos bombeando para
dentro e para fora da minha entrada escura.
— Você não vai andar por aí sem calcinha de novo, a menos
que eu mande.
— Não, — eu
choramingo. Minhas coxas tremem.
— Boa menina. Vou levar essa bela
bunda espancada. — A plenitude de seus dedos desaparece,
abandonando uma queimadura. — Fique parada.
Apoiando minha testa em meus dedos entrelaçados, tento
obedecer, sabendo que será impossível. A larga cabeça de seu pênis
brinca com o anel tenso de músculos.
— Eu vou te levar como você me pediu, — ele diz com
uma voz cheia de luxúria. — Luta comigo.
Eu sei o que ele quer dizer. Ele não quer que eu dê
nada. Ele quer pegar minha bunda, me mostrando sua
verdadeira natureza sem se conter, e ele quer que eu faça o
mesmo. Com cuidado, ele me estica, conduzindo a larga cabeça
de seu pênis além da primeira barreira de músculos. Deus, está
queimando. A transpiração goteja na minha testa enquanto ele
me prepara com golpes superficiais, me dando apenas uma
amostra, e então ele se lança contra mim, fazendo minhas
costas arquearem e forçando um grito sufocado da minha
garganta. Ele me deu permissão para lutar, então tento
deixar meu corpo plano, evitando o ritmo severo,
abaixando minha pélvis até o chão, mas seu braço
envolve minha cintura, me segurando no lugar. Alimentado pela minha
resistência, ele bate com mais força, enfiando seu pau na minha entrada
proibida até que meus olhos lacrimejam e minhas costas queimam como o fogo
do inferno. Eu tento rastejar para longe, mas seu aperto aumenta e sua foda se
intensifica. Suas bolas estão batendo na minha boceta e seu pau martela dentro
de mim, aumentando minha necessidade com uma mistura animalesca de dor e
prazer. Quanto mais tento me mover, mais duro ele me fode.
—Você vai tomar meu pau, — ele sibila antes de beijar meu ombro.
Posso dizer pare, e ele vai parar, mas, em vez disso, aperto meu traseiro,
empurrando-o para fora. O ato de desafio desencadeia a resposta que desejo.
Sua mão se enrola em volta da minha garganta, cortando meu fluxo de ar. Oh
Deus, senti falta disso. Eu não me importo que seja depravado, estranho ou
fodido. Eu quero dar a ele meu ar, prazer, dor e êxtase. Eu permito que ele me
estrangule enquanto desliza para dentro e para fora da minha bunda, sentindo
nada além de confiança e uma profunda sensação de paz, sabendo que ele
cuidará de mim. Quando começo a enxergar manchas brancas, ele relaxa
ligeiramente, me permitindo respirar, e então seus dedos estão no meu clitóris,
beliscando, esfregando, espancando. Um som torto escapa da minha garganta
seca enquanto eu explodo em cacos de prazer doloroso, minha boceta se
contraindo ao redor do ar vazio. Coloco minha mão para trás, tentando encontrar
seu pau. Eu preciso dele onde estou vazia.
Ele agarra meu pulso e levanta meu braço acima da minha
cabeça. — Não até que eu diga.
Ele corre um dedo em volta do meu ânus,
fazendo com que o músculo
se contraia, e então ele puxa meus
globos, as pontas dos seus dedos cravando em
minha bunda. Olhando por cima do meu ombro, eu o vejo de
joelhos, seu pau rígido e grosso. Ele aponta para a minha buceta
e espeta minhas dobras. Meus músculos internos estremecem
enquanto ele dirige para casa, me dando tudo o que ele tem. Mais e
mais, ele me leva, o tempo todo esfregando círculos com a palma da
mão sobre o meu clitóris. Ele muda seu ângulo e encontra o
ponto ideal que sempre me leva ao limite. Não demora muito
para que outro orgasmo se construa. Quando ele quebra, eu
aperto seu pênis com meus músculos, apertando-o até que
amaldiçoa e empurra, mas ele não goza. Ele empurra em mim,
forte e sem remorso, tomando porque eu pedi a ele. Ele me fode
até os ossos e sem sentido, até eu perder a noção do tempo e do
lugar. Estou dificilmente consciente de que meu corpo está
sendo usado, porque estou vagando em um espaço de
pertencimento e puro Gabriel. Puro, nos alertou. Eu só
percebi que desabei de barriga para baixo quando a força
de sua foda me desloca sobre os azulejos. Ele continua
batendo em minha boceta e espalmando meus seios até
que seu pau incha e se contorce, e jatos quentes jorram em meu canal.
— Porra. — Ele cai sobre mim, segurando seu peso nos braços. — Doce
Jesus. — Desesperadamente, ele bombeia mais duas vezes, mais
profundamente, atingindo a barreira do meu colo do útero. — Valentina. — Ele
beija meu pescoço e encosta a testa no meu ombro. — Porra, Valentina.
Meu corpo parece machucado e completamente amado da maneira mais
deliciosa. Um relaxamento letárgico toma conta de mim, transformando meus
músculos em gelatina. Meu amante puxa para fora de mim, fazendo com que o
sêmen quente escorra pelas minhas coxas. Se eu tivesse força, teria me apoiado
nos braços para ver como ele me marcou, mas sei que ele está observando.
— Linda, — ele murmura, passando as mãos pela viscosidade acumulada
na parte interna das minhas coxas.
Incapaz de fazer qualquer coisa, exceto me deitar no chão frio, eu me
concentro em suas mãos enquanto elas esfregam minha bunda, costas e
ombros. Ele me cobre com beijos suaves e sussurra palavras de elogio por quão
boa eu tenho sido. Então me pega em seus braços e me coloca em seu colo, me
balançando suavemente enquanto acaricia meu cabelo e continua me enchendo
de elogios. Descemos do alto nos braços um do outro. Os cuidados posteriores
fazem parte de Gabriel tanto quanto a foda, e eu o amo por me mostrar o quanto
ele se importa. Sua aprovação se infiltra em minha pele e ultrapassa minhas
defesas, me fazendo sentir segura e querida do meu jeito distorcido.
Quando estou saciada de seus beijos prolongados e carícias
suaves, ele me carrega para o chuveiro e lava meu corpo e
cabelo. Depois, ficamos nus na
espreguiçadeira no escuro, ouvindo
os sons de nossa respiração e os
grilos lá fora. A paz anterior está começando a
escorregar, porque tenho que voltar para Connor, logo.
Quando eu mexo em seus braços, seu aperto aumenta.
— Eu prometi a Kris que estaria em casa antes da meia-noite,
— digo relutantemente, simultaneamente ansiosa para ver meu bebê
e desejando poder passar a noite.
— Valentina…
A maneira como ele diz meu nome é um aviso, e em
algum lugar nesse tom está a maldição. Este é o momento em
que ele me diz a verdade ou opta por omitir. Se ele me mandar
embora com um adeus em vez da verdade, minha batalha de
cortejar meu marido está perdida. Eu estremeço, sentindo o peso
do nosso futuro se estabelecer em meu coração. Isso me faz sentir
fria. Eu me viro para encarar ele. Quero olhar em seus olhos,
seus olhos verdes irreais, em nosso momento da verdade.
Seu dedo traça meu queixo. — Valentina, tenho algo
para te contar.
Apesar da suavidade de seu toque, seu corpo está
tenso, seus músculos duros e rígidos.
Eu espero silenciosamente que ele continue.
Ele abaixa a cabeça por um momento antes de encontrar meus olhos
novamente. — Eu menti para você. — Quando não respondo, ele diz. — Eu te
enganei da maneira mais imperdoável e não quero mais ser aquele homem.
Eu coloco minhas mãos sobre seu peito duro. — Me conte.
Ele estremece, como se estivesse com dor. — Só saiba que agi no seu
melhor interesse, mesmo que isso tenha causado dor. — Ele respira fundo e
segura meus dedos como se estivesse com medo de que eu me afaste. — Não há
maneira fácil de dizer isso e não quero te machucar mais do que você já sofreu.
— Me diga, — eu repito.
Sua sobrancelha se torce. — Prometa que vai me ouvir. Por favor.
— Eu prometo.
Ele dá um aceno de cabeça apertado. — Valentina, eu... — Ele engole, seus
olhos medindo minha reação. — Eu sou o homem que roubou sua vida. Sou
Gabriel.

Gabriel

A MULHER NUA em meus braços não é um livro aberto para ler. Acabei de
dizer que sou seu marido morto, mas sua linguagem corporal não me diz nada.
Posso lidar com um tapa, um insulto, culpa e raiva, mas não com o
olhar sério e plano que ela me lança. Isso me deixa indefeso, porque
não sei quais palavras ela precisa a
seguir. Eu a acalmo? Peço
desculpas? Imploro? Explico?
Meu intestino dá um nó quando ela não
responde por vários segundos. Ela não pode me perdoar. O engano
é muito profundo. Seu estado sem emoção só pode significar que
ela finalmente superou o Gabriel. Ele não importa. Talvez nunca
tenha importado. Apenas um idiota arrogante teria uma esperança
diferente. Eu ainda devo a verdade a ela, então é isso que eu
dou, desde o dia em que descobri as evidências de seu estupro
e terminando com minha cirurgia plástica.
Ela não interrompe nenhuma vez. Ela escuta em
silêncio enquanto eu confesso, sua atenção é aguda e
focada. Quando chego ao fim do meu monólogo culpado, ela
finalmente se agita. Meus nervos em frangalhos e meu coração
sangrando, eu a vejo se levantar e caminhar até onde sua bolsa
está no chão. Ela vai reunir suas roupas, se vestir e sair. Eu
nunca vou ver ela e Connor novamente, e não posso culpa-
la. Fiz pior com ela do que os inimigos cujos ossos
quebrei. Tudo o que posso fazer é beber nas linhas suaves
de seu corpo perfeito. Um doloroso flashback dela
pendurada em uma corda com a calcinha nos tornozelos
perfura minha mente. Ela ainda tem aquelas mesmas lindas linhas em S, como
o tema etéreo em um retrato de um pintor.
Pegando algo de sua bolsa, ela se vira e me observa do jeito que me
escutou, com concentração silenciosa. Enquanto ela caminha para mim, a força
que a torna a mulher mais notável que conheço aparece. Cada passo é
acompanhado de confiança. Ela está me julgando? Vai me condenar? Vou
aceitar tudo o que conseguir, seja ódio ou aceitação, mas não espero
perdão. Minha única esperança é que não nos separemos de forma
horrenda. Nada para manchar este último momento perfeito. Uma parte de mim
deseja que ela se afaste assim, sem dizer nada, enquanto outra parte grita para
saber o que ela sente, o que pensa.
Ela para perto de mim, perto demais. — Estou esperando há muito tempo
que você me diga isso, Gabriel.
Ela diz meu nome suavemente, propositalmente.
Meu coração começa a bater furiosamente, o sangue jorrando em minhas
veias, queimando minha pele. — Você sabia?
— Desde o primeiro momento.
Se ela sabia, por que permitiu que as coisas fossem tão longe? Por que ela
não me matou, me machucou ou pediu a um dos meus ex-guarda-costas para
cuidar de mim? Onde está sua vingança? Meus olhos caem para o objeto que ela
segura em seu punho. Seja o que for, ela esperou pela minha confissão antes de
entregar para mim. Pode ser condenação ou absolvição, mas
suspeito da primeira.
Eu não deveria tocá-la, não depois do que
admiti, mas não posso evitar.
Minhas mãos são atraídas para a
curva de seus quadris. Eu a seguro e a
puxo entre minhas pernas, olhando para seus enormes olhos
castanhos, com medo do que vou encontrar lá, mas não há raiva,
culpa ou mágoa. Apenas algo lindo que não mereço. Eu deveria
implorar, suplicar, explicar mais, tentar colocar a confusão de
sentimentos que se retorcem e desmoronam em meu coração em frases,
mas a única palavra que posso forçar do vazio em meu peito é.
— Como?
— Eu não preciso de um rosto para te conhecer.
A esperança floresce dentro de mim, mas eu a
reprimo. — Por que você não disse nada?
— Só há uma coisa que quero dizer e não poderia fazer isso
até que você fosse honesto comigo.
O que ela pode dizer depois de tudo que eu disse, depois
de tudo que minha família fez com ela? Seu olhar é suave e
cheio de algo que faz meu coração disparar. Nunca quero
esquecer a aparência dela, agora mesmo, porque pela
primeira vez na minha vida alguém me encara com amor
e lealdade. Ela vai lutar por mim como ninguém jamais
fez.
Seus lábios se abrem como um sopro de pena. — Eu te amo, Gabriel.
Meu mundo e minha existência lamentável entram em colapso, todas as
defesas que enterrei na parede da minha vida desmoronam ao meu redor.
Arrependimento, alegria, esperança, descrença na minha incrível e milagrosa
sorte de que esta incrível criatura feminina possa me amar derrama de mim, se
condensando em grandes e vergonhosas lágrimas que correm pelo meu rosto.
Ela se inclina contra mim, pressionando nossas peles juntas. — Eu tentei
te dizer, muito tempo antes de você ir embora, mas você não quis ouvir. Agora,
com apenas a verdade entre nós, você tem que acreditar em mim.
Eu pressiono meu rosto em seu estômago, segurando-a como se ela fosse
minha salvação. — Amo você, Valentina. Com tudo que sou. Deus sabe, eu
tentei parar, te libertar, mas não consigo.
Para onde vamos daqui? Como podemos juntar as peças e construir uma
nova vida como uma família?
Ela responde à pergunta quando abre a mão e estende a palma para mim.
— Gregor Malan, você quer se casar comigo?
A minha aliança de casamento de platina forma um círculo perfeito e
brilhante em sua pele. Eu fico olhando para ela em descrença, lutando para
digerir suas palavras.
— Onde…? — Eu olho do anel para o rosto dela.
— A polícia encontrou nos escombros.
Ela se agarrou a isso. Ela nunca parou de lutar por mim. Um
amor avassalador e maior do que a vida cai sobre mim. — Você
suspeitou?
— Eu sabia que você não
estava morto. Nunca parei de
procurar.
Eu cruzo meus braços ao redor dela. Sou um homem que
está se afogando e ela é meu mar. — Não me deixe ir. Eu prometo
que nunca vou deixar você de novo.
Seus lábios se inclinam em um sorriso fraco. — Isso é um sim?
Os fardos do meu passado são retirados de meus ombros. Pela
primeira vez na vida, me sinto verdadeiramente
feliz. Leve. Soltei minha gatinha e ela voltou para mim.
— Sim. — Eu sufoco sua barriga com beijos. — Sim, sim,
porra.
— Me dê sua mão, — ela ordena.
Quando estendo minha mão esquerda, ela empurra o anel
que simboliza nossa união ao longo da vida sobre meu dedo
anelar, onde ele pertence. O ajuste é perfeito. Somos perfeitos,
como sempre soube que seríamos. Ela é minha vida, meu
amor, minha redenção. Não é minha propriedade, mas minha
esposa. Não por nove anos, mas para sempre.
EPÍLOGO
Gabriel

HOJE É UM DAQUELES dias mais frios de verão com uma sugestão de


uma tempestade se formando no horizonte. A paisagem de Joanesburgo com os
marcos das torres de Brixton, Ponte e Auckland Park é visível da colina
Emmarentia, mas não é a vista que estou focando. É a mulher parada em frente
ao prédio antigo e imponente, seu cabelo castanho rubi balançando com a brisa.
Ela está usando um vestido amarelo que acentua o brilho de sua pele dourada.
Por um momento, seus olhos encontram os meus, se conectando a mim e apenas
a mim, e então ela é engolida pela multidão de jornalistas e políticos que querem
um pedaço dela.
Eu aperto minha mão em torno da de Connor, me certificando de não o
perder na multidão, e equilibro Sophia no meu quadril. Sophia vai fazer dezenove
meses amanhã e temos um terceiro a caminho, embora ainda não apareça no
leve inchaço da barriga de Valentina. Decidimos anunciar ao mundo depois de
hoje. Hoje, Valentina não queria nada para competir com a abertura do centro
para deficientes.
Tanto quanto nossos filhos, este é o bebê dela, algo em que
trabalhou duro durante o ano passado, e embora
muitas famílias e pessoas com
deficiência mental lucrem com seu
projeto, ela o fez por Charlie. O antigo hospital
foi transformado em albergue para enfermeiras anos atrás e,
quando os fundos do governo para manter ele, acabaram, o belo
prédio de três andares ficou vazio por quase duas décadas, a
estrutura em ruínas e seu jardim outrora bem cuidado, coberto de
ervas daninhas. Como nova prefeita da cidade, esta foi uma das
primeiras iniciativas de Valentina. Sim, ela percorreu um longo
caminho.
O trabalho que ela fez com sua empresa é
louvável. Depois de transformá-la em uma das empresas de
maior sucesso do país, ela começou a investir dinheiro na
comunidade para ajudar as pessoas que sofreram como ela
antes, pessoas que vêm de onde ela veio. Não foi nenhuma
surpresa que aquelas pessoas passaram a amá-la e reverenciá-
la, selecionando-a para o conselho municipal local e agora
como prefeita de Joanesburgo. Suas conexões com Barnard e
outros funcionários limpos do estado ajudaram, assim
como a operação anti-criminosa que ela empreendeu em
Berea. Meu pequeno animal de estimação é uma líder
forte, justa e compassiva. Não é preciso ser um cientista para ver que ela nasceu
para isso.
Desloco o peso da sacola de fraldas no ombro, ficando na margem para dar
espaço a Valentina para falar com a imprensa e também para admirá-la à
distância. Assistindo-a operar, eu nunca consigo o suficiente. Eu não sou o
único. Ela é um ímã de pessoas. Quincy e Rhett, agora casados e com suas
próprias famílias, estão se aproximando. Eles não são mais seus guarda-costas
autonomeados, mas continuamos amigos, honrando nossas noites de sábado de
pôquer na casa de Kris. Hoje em dia, Rhett administra um negócio de segurança
bem-sucedido, enquanto Quincy fornece proteção para as estrelas em turnê de
shows de rock. Eles me conhecem como Gregor. Ninguém, exceto Valentina,
conhece meu segredo. Kris também está aqui, sempre apoiando Valentina em
seus empreendimentos oficiais e não oficiais. Seu consultório em Orange Grove
se tornou referência no setor com um crescimento tão fenomenal que ela abriu
cinco franquias pela cidade, além do maior centro de resgate de animais do país.
Ela também patrocina uma bolsa integral para alunos carentes de veterinária.
Uma série de flashes dispara enquanto minha esposa posa para as
câmaras com a recém-nomeada presidente da Associação para os Deficientes
Mentais. Charlie sorri ao lado da irmã. Ele vem ao centro todos os dias para
trabalhar como balconista de correspondência, e o trabalho lhe faz bem. Ele
adora dividir as cartas em pacotes de destino organizados. O centro oferece
oportunidades de emprego, que vão desde o preenchimento de
envelopes até a preparação de folhetos promocionais, além de apoio
e orientação aos associados e seus
familiares. Pessoas como Charlie
podem encontrar um senso de
pertencimento e propósito aqui, bem como
tratamento patrocinado pelo governo.
Charlie mora conosco na nova casa que construímos em um
acre de propriedade na fronteira de Kyalami. É uma casa de família
com brinquedos espalhados pelo chão, um balanço no jardim e uma
bicicleta no gramado. Temos cinco cachorros, todos adotados, e uma
série de gatos que vêm e vão, alguns ficando mais tempo do
que outros. Oscar ainda está conosco, mas Bruno infelizmente
morreu de velhice no ano passado.
Todas as nossas vidas giram em torno da pequena
mulher no centro dos espectadores. Outro flash dispara quando
o Ministro do Interior aperta sua mão. No mês passado, Valentina
foi capa de todas as revistas e jornais, e esta semana ela foi
convidada para uma congregação de líderes que esperam votá-
la para ir ao governo em nível nacional, mas ela já decidiu
recusar. Como qualquer casal com negócio próprio, dois
filhos pequenos e outro a caminho, levamos uma vida
agitada, mas que eu não trocaria por nada. Eu gostaria
que Carly pudesse ter conhecido seu meio-irmão e irmã
e compartilhado este momento incrível, mas acredito que ela está aqui conosco.
Desde que Valentina começou a se ocupar com os negócios da Câmara
Municipal, eu dirijo a empresa dela. Meu foco principal ainda é proteger ela e
nossos filhos, mas estou feliz por ter algo em que encontro um propósito, algo
que gosto. Algo limpo. Sem quebrar. Sem mais violência.
Sophia começa a se agitar. Eu conheço esse choro em particular. Em
breve, ela estará gritando. Deito ela no carrinho para verificar sua fralda e jogo
a bolsa no chão.
— Seja um rapazinho e me dê a mamadeira da sua irmã, por favor, — digo
a Connor.
Ele abre o zíper da sacola, localiza o item e o estende com orgulho. — Aqui,
papai.
Eu bagunço seu cabelo antes de pegar a mamadeira do suporte de isopor
e testar uma gota de leite no pulso para garantir que não esteja muito quente.
Minha garotinha dá um gole ganancioso quando coloco o bico em sua boca,
primeiro engolindo ar. Uma mão macia pousa no meu ombro e a voz de Valentina
passa por cima de mim.
— Você está conseguindo?
Eu sorrio para ela. — Sempre.
— Você é uma boa pessoa.
Eu roubo um beijo casto, com cuidado para não virar a garrafa e parar a
sucção de Sophia. — Você é uma mamãe melhor.
— Obrigada. — Suas palavras são de fala mansa.
Meu olhar percorre seu corpo. — Por quê?
— Por fazer isso, — ela aponta
para a nossa filha, — para que eu
possa fazer isso. — Ela vira a mão para as
pessoas que apreciam os coquetéis e os petiscos servidos no
gramado.
— De nada. — A verdade é que adoro ser pai de meus filhos e
não há nada que não faça por minha esposa bonita, inteligente e
diligente.
— Só mais alguns minutos e então podemos escapar.
Connor corre para Charlie. Fico de olho nele e o outro em
minha filha. —Vá se misturar e fazer tudo o que os prefeitos
devem fazer. Sophia não precisa cochilar por mais uma
hora. Posso ir para casa com ela e Connor, se você quiser ficar
mais.
— Eu estava pensando que poderíamos colocar as crianças
na cama para tirar uma soneca e conversar.
Meu corpo está imediatamente interessado. —
Conversar, hein? — Eu me movo para trás do carrinho para
esconder o endurecimento prematuro em minhas calças.
Um belo rubor aquece suas bochechas. — Um,
sim.
Eu sei exatamente como vou conversar com ela, e pelo jeito que ela abaixa
os cílios e mexe o lábio entre os dentes, ela sabe também.
— É melhor você colocar sua bunda sexy no carro. Agora.
Eu uso o suficiente do tom assertivo que ela adora no quarto para fazer
seus olhos voltarem para os meus. Suas pupilas dilatam um pouco e seus
mamilos se transformam em dois pontos duros sob o tecido macio de seu vestido.
Ela limpa a garganta. — Me dê um minuto para dizer meu adeus e chamar
Charlie.
— Eu disse agora. Você me desobedece, esposa. — Eu abaixo meus lábios
nos dela, não a beijando, mas respirando as palavras sobre a curva carnuda de
seu lábio inferior, alto o suficiente para apenas ela ouvir. — Haverá
consequências.
— Promete? — Ela pergunta em um sussurro ofegante.
— Você pode contar com isso.
Ela me encara com um olhar afetuoso e apaixonado que me diz que me
ama pelo que sou e que, não importa o que aconteça, ela sempre estará lá para
mim.
— Eu também te amo, — digo enquanto ela se vira.
— Eu não disse que te amo, — ela diz com um sorriso malicioso.
— Sim, você fez.
Em alguns minutos ela estará gritando também, na única língua que
importa.
Uma linguagem que ultrapassa as palavras e o tempo.
Uma linguagem de amor e para sempre.
Nossa linguagem única.

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