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Exegese em Gálatas 3 - 8-14
Exegese em Gálatas 3 - 8-14
JOÃO PESSOA-PB
2017
ALEX PEREIRA LIMA
JOÃO PESSOA-PB
2017
AGRADECIMENTO
EPIGRAFE
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................
1. APRESENTAÇÃO DO TEXTO PROPOSTO.................................................................
1.1 TEXTO DA EPÍSTOLA AOS GÁLATAS EM PORTUGUÊS EXTRAIDO DA
BIBLIA SAGARADA ALMEIDA REVISTA E ATUALIZADA, CAPÍTULO 3,
VERSÍCULOS 8-14:
Este trabalho é uma pesquisa nos moldes da exegese bíblica, cujo objetivo é explicitar
o pano de fundo da justificação pela fé na epistola aos Gálatas, tendo como modelo o patriarca
Abraão, uma das figuras mais importantes do AT. O texto em questão é Galatas 3:8-14, onde
encontramos a primeira alegoria utilizada por Paulo de uma das principais narrativas do AT,
que será a base do argumento defendido em toda epistola, que assim como Deus justificou
Abraão pela fé, sendo ainda incircunciso, e sem a Lei, assim também Ele justificaria em
Cristo os gentios que pela fé cressem no evangelho, para serem participantes da benção de
Abraão recebendo o Espirito da promessa.
A perícope escolhida foi Gálatas 3:8-14, onde destacamos as palavra- chave do texto
original grego. As palavras foram analisadas dentro de seu campo semântico
1. APRESENTAÇÃO DO TEXTO PROPOSTO
1.1 TEXTO DA EPÍSTOLA AOS GÁLATAS EM PORTUGUÊS EXTRAIDO DA
BIBLIA SAGARADA ALMEIDA REVISTA E ATUALIZADA, CAPÍTULO 3,
VERSÍCULOS 8-14:
<http://www.nestle-aland.com/en/read-na28-online/text/bibeltext/lesen/stelle/58/30001/39999/>.
Acessado em: 17/07/17 20:30
Por volta do terceiro século a.C. os celtas que viviam na “Europa central”, “emigraram
para Suíça, sul da Alemanha e norte da Itália”, mais tarde, foram para “Gália” (atual França)
“e Bretanha”. Em 278 a.C., atravessaram o helesponto (Estreito de Dardanelos – na Turquia) a
convite do rei da Bitínia, Nicomedes – “que esperava utilizar seus serviços contra seus
inimigos” – e se instalaram na parte “centro-norte da Ásia Menor” (atual Turquia).1
O nome Galácia, era utilizado na antiguidade para designar a região norte da Ásia
Menor que foi alvo da invasão celta. Em poucas gerações os celtas se misturaram a população
nativa.2 Em 25 a.C. a região foi anexada pelos romanos a um território mais vasto e passou a
ser província de Roma, é possível verificar o status da Galácia que é listada com outras
províncias na primeira epístola de Pedro (1.1) “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos
estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia; ”3
Após o domínio romano, o nome Galácia seria utilizado para designar tanto a região
étnica fundada pelos gauleses (celtas) ao norte como também a parte sul que incluía Pisídia,
Licaônia e outros lugares ao sul.4 Essa “dualidade” quanto ao território para onde Paulo teria
enviado a carta dividiu os estudiosos e deu origem a duas teorias a partir do século XIX: “a
teoria da Galácia do Norte e a teoria da Galácia do Sul. ”5
3. AUTORIA
Com relação ao autor da carta aos Gálatas não há quem “questione seriamente” a
autoria paulina.6 O texto apresenta naturalmente Paulo como autor (Gl 1.1) “Paulo, apostolo,
não da parte de homens, [...]” não há dúvida de que esta carta seja confiável e autentica 7 a
mais paulina de todos os escritos paulinos 8 e que apresenta “as marcas profundas” do caráter
do “apostolo”, estando de fato em consonância ao que se esperaria de “Paulo”. Não
encontramos, portanto, qualquer polêmica quanto à autoria, seja na “Igreja Primitiva” ou
durante a época da “Reforma”.9 A “autoria” de Paulo sobre “Gálatas” é praticamente
reconhecida por todos [...] e antes que fosse conferida a outra pessoa, “ela foi atribuída a
Paulo”.10 Embora se questione a autoria de outras cartas (de Paulo), Gálatas é tida como
1
BRUCE, Frederick Fyvie. Un comentario de la Epístola a los Gálatas. Editorial Clie, 2010. p.41.
2
MERRIL C. TENNEY. O novo testamento: sua origem e análise, p. 275.
3
BIBLIA JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA. p. 1195.
4
MERRIL C. TENNEY. O novo testamento: sua origem e análise, p. 275.
5
GONZAGA, W., A Verdade do Evangelho e a Autoridade na Igreja, p. 24.
6
CARSON, Donald Arthur., et al. Introdução ao Novo Testamento. Vida Nova, 1997. p. 320.
7
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Paulus, 2009. p. 395.
8
BROWN, Raymond Edward. Introdução ao Novo Testamento. Paulinas, 2004. p. 613.
9
GUTHRIE, Donald. Gálatas: introdução e comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Mundo Cristão, 2014. p. 13.
10
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Gálatas. Trad. Valter Graciano Martins. São Paulo: Cultura
Cristã, 2009. p. 32,33.
autentica. “Negar o caráter genuíno de Gálatas [...] não é mais do que uma aberração critica
na história da investigação do Novo Testamento. ”11
De acordo com Kümmel quando a carta “aos gálatas” foi escrita já existiam diversas
igrejas “ou comunidades destituídas de nome específico”. Não há qualquer informação na
carta que determine a data de fundação destas igrejas, nem mesmo as duas referências que o
livro de Atos faz (16.6; 18.23) a “passagem do apostolo e de seus companheiros através da
Galácia e da Frígia” são suficientes para determinar a data, mas nos informam que já havia
discípulos neta região à época da terceira viagem missionária de Paulo.12
Com relação à época da escrita Hendriksen fala sobre “uma grande diversidade de
opiniões”, bem como aqueles que situam a data ao fim da “primeira viagem missionária” por
volta de 50 d.C. e atribuem “Antioquia” como possível local “de composição. ” Esta data foi
popular entre os defensores da teoria da Galácia do Sul, sendo ainda hoje apreciada por
“alguns” notáveis “estudiosos”.13 Bruce afirma que entre as principais cartas de Paulo esta é a
mais difícil de datar, mais até que 2 Coríntios 10-13. 14 Não há qualquer indicio que estabeleça
definitivamente o local e a data de sua escrita.15
De acordo com Dockery ainda existe a possibilidade sido escrita em Antioquia da Siria
em 48 ou 49 d.C., ou em Antioquia, ou em Corinto, ou em Efeso ou na Macedonia nos
primeiros anos da década de 50. 16
Stott é um dos estudiosos que defende que a carta aos gálatas teria sido enviada a parte
“sul da provincia”(entre 48 ou 49 d.C.), à “Antioquia, Iconio, Listra e Derbe”, “cidades da
Pisídia” onde Paulo pregou o evengelho quando empreendeu sua “primeira viagem
missionária”. (At 13; 14)17
11
BRUCE, Frederick Fyvie. Un comentario de la Epístola a los Gálatas. Editorial Clie, 2010. p. 39.
12
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Paulus, 2009. p. 383.
13
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Gálatas. Trad. Valter Graciano Martins. São Paulo: Cultura
Cristã, 2009. p. 25.
14
BRUCE, Frederick Fyvie. (2010. p. 88).
15
HOWARD, R. E. et al. Comentário bíblico Beacon. Gálatas à Filemom, Vol 9. Rio de Janeiro, CPAD,
2006. p. 21.
16
DOCKERY, David S. Manual bíblico vida nova. São Paulo: Vida Nova, 2001. p. 742.
17
STOTT, John Robert Walmsley. A mensagem de Gálatas: somente um caminho. São Paulo: ABU, 2003. p. 13.
Um fato importante do ponto de vista histórico é o concilio de Jerusalém, segundo
Carson a ausência de qualquer menção por parte de Paulo sobre a deliberação dada pelos
apóstolos aos gentios, parece indicar que a escrita da carta é anterior ao concilio, o que
explica Paulo não utilizar isso em favor de sua argumentação na carta, o que vários estudiosos
concordam seria de grande autoridade contra o falso ensino dos legalistas que diziam ser
necessário aos gentios circuncidarem para ter acesso a salvação;18 Carson em sua introdução
ao novo testamento nos dá uma cronologia aproximada tanto do concilio de Jerusalém (48 ou
49 d.C.) quanto da primeira viagem missionária (46-47 ou 47-48 d.C.)19.
Guthrie explica que não é possível argumentar sobre a data desta “Epistola” sem
considerar as diferentes opiniões sobre “seu destino”, o que inclui as teorias da Galácia do
Norte e do Sul, ainda que isso não estabeleça obrigatoriamente a sua data. ” 20 Todavia, não
podemos ser categóricos em afirmar uma teoria ou outra, pois “ambas” têm bons argumentos
e são sustentadas por grandes nomes da erudição do novo testamento.21
Guthrie nos informa que as comunidades de cristãos gentios da Galácia não tinham
uma tradição judaica como pano de fundo da qual pudessem usufruir de alguma vantagem, ao
contrário, haviam deixado o paganismo e os falsos ídolos23 como encontramos em (Gl 4.8)
“Outrora, porém, não conhecendo a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são;”
A motivação de Paulo ao escrever a carta não é das melhores, ele soube de um grupo
que visitou seu campo missionário na Galácia e que estavam persuadindo os convertidos a
aceitarem um tipo de ensino diferente do que lhes foi transmitido, Paulo os denomina de
18
CARSON, Donald Arthur., et al. (1997. p. 326)
19
Ibidem. p. 261.
20
GUTHRIE, Donald. (2014. p. 38)
21
Ibidem. p. 37.
22
HOWARD, R. E. et al. (2006. p. 22)
23
GUTHRIE, Donald. (2014. p. 21)
perturbadores (Gl 1.7; 5.10) e agitadores (Gl 5.12). O novo ensino consistia basicamente na
imposição da circuncisão como critério de salvação e a observância de dias especiais,
provavelmente seguindo o calendário judaico lunar (Gl 4.10).24
Logo após sua segunda visita missionária para confirmar as igrejas na Galácia, chegou
até Paulo a noticia que “alguns perturbadores” (Gl 1.7) estavam pondo em duvida a
legitimidade de seu apostolado, com a intenção de desacreditar o evangelho por ele pregado
sem qualquer inclusão dos preceitos da lei de Moises, como a circuncisão (Gl 6.12) (ponto
alto na confrontação com o ensino dos judaizantes), as festas judaicas (Gl 4.10) que incluía
“dias, meses, estações e anos”. Poderiam estar alegando que Paulo estava afrouxando o que o
evangelho exigia como condição para o gentio ser incluído ao povo de Deus. Paulo
demonstrará em sua exposição a partir do AT e de “acontecimentos” mais “recentes” que o
evangelho que recebera e havia transmitido era de fato “a única concepção correta da fé
cristã”, sem a observância das praticas mosaicas.25
A carta é escrita para combater o falso ensino que pervertia o evangelho de Cristo e
também advertir os cristãos que se eles se deixassem circuncidar estariam se desligando de
Cristo e caindo da Graça.26
A perícope de Gálatas 3.8-14 está localizada no capítulo 3 da Epistola aos Gálatas que
contem 29 versículos. Nos versos de 1 a 5 Paulo repreende os gálatas por sua insensatez em
substituir o evangelho pela lei, a partir do verso 6 ele demonstra como Deus planejou
justificar a todos, judeus e gentios por meio da fé em Cristo com base em sua promessa feita a
Abraão de abençoar todas as Nações (cf. Gn 12.3).
Esta é a única carta em que não encontramos a formula de ação de graças que
geralmente abriam suas epistolas o que revela seu descontentamento com a atitude daqueles
cristãos, como não vemos em nenhuma outra carta de sua autoria. Paulo inicia a seção do
capítulo 3 com uma expressão muito forte “Insensatos” (gr. ἀνόητος)27, Hendriksen sugere
que uma pesquisa do vocábulo “insensato” ou “néscio”, em Lucas 24.25; Romanos 1.14; 1
24
BRUCE, Frederick Fyvie. (2010. p. 60)
25
BROWN, Raymond E.; FITZMYER, Joseph A.; MURPHY, Roland E. Novo comentário bíblico São Jerônimo: novo
testamento e artigos sistemáticos. São Paulo: Paulus, 2011. p. 423.
26
BRUCE, Frederick. (2010. p. 60)
27
HAUBECK, Wilfrid; SIEBENTHAL, Heinrich Von. Nova Chave Linguística do Novo Testamento Grego: Mateus-
Apocalipse. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Targumim & Hagnos, 2009. p. 1086.
Timóteo 6.9, [...] e Tito 3.3, mostrará que o sentido original tem a ver com uma atitude do
“coração”, “e não” simplesmente “da mente. ” De fato, os gálatas foram negligentes ao não
utilizarem sua mente e razão para confrontar o falso evangelho que lhes foi apresentado,
simplesmente, passivamente aceitaram o que foi imposto pelos judaizantes como verdade. 28
Em nada eram semelhantes aos de Bereia: “Ora, estes de Bereia eram mais nobres que os de
Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os
dias para ver se as coisas eram, de fato, assim. ” (At 17.11)29
Paulo prossegue com uma pergunta que denota certa comoção: “Quem os enfeitiçou? ”
(gr. βασκαίνω) única ocorrência no novo testamento. Essa palavra às vezes era empregada em
feitiços30, popularmente conhecida como “um mau olhado”.31 Bruce sugere a seguinte
tradução: “Quem os hipnotizou? ” Afinal, seu procedimento era tão inexplicável, tão
incompatível com a mensagem de liberdade do evangelho que era como se alguém os
tivessem colocado sob um feitiço. ”32
Há muita especulação quanto o real entendimento dessa passagem, sobre o que seria
esse “mau-olhado”. Obviamente, Paulo não devia estar pensando em um feiticeiro em termos
literais, mas nos falsos mestres, os judaizantes, comparados a feiticeiros por terem sido tão
eficazes em enredá-los com seu ensino, ao ponto de deixaram Cristo pela observância fria da
lei. Tal indignação não era sem motivo, afinal o próprio Paulo lhes expos o evangelho onde
Cristo foi “abertamente exibido, clara e publicamente proclamado”, como se tivessem
assistido a crucificação, de fato.33
Outro vocábulo que podemos destacar é (gr. προεγράφη) “escrever antes, escrever em
público”, segundo Lightfoot, esta palavra era comumente utilizada para notícias e
proclamações públicas, então, a pregação de Paulo era como se estivesse expondo um cartaz
em um local onde todos pudessem ver.34 Mesmo encontrando outros usos desta palavra no
novo testamento, aqui o contexto da passagem deixa claro seu sentido, sua exposição de
Cristo crucificado foi tão “clara e vívida” que os gálatas até podiam criar na mente uma
imagem da crucificação.35
28
HENDRIKSEN, William. (1999. p. 163)
29
BIBLIA JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA
30
GUTHRIE, Donald.(2014. p. 114)
31
STOTT, John Robert Walmsley. (2003. p. 66)
32
BRUCE, Frederick Fyvie. (2010. p. 206)
33
HENDRIKSEN, William. (1999. p. 137)
34
LIGHTFOOT, Joseph Barber. Saint Paul's Epistle to the Galatians. Macmillan and Company, limited, 1910. p. 134.
35
HENDRIKSEN, William. (1999. p. 137)
É importa notarmos a presença de um particípio perfeito passivo “crucificado” (gr.
ἐσταυρωμένος), literalmente “tendo sido crucificado”, não se trata apenas de um evento
histórico,36 o tempo perfeito indica os efeitos permanentes da obra consumada de Cristo, isso
é suficiente para confrontar os pecadores para que entendam que o acesso a salvação somente
está disponível no cristo crucificado.37
A reação de Paulo diante da nova postura dos gálatas justifica-se, pelo fato de que eles
haviam recebido a verdade do evangelho, a justificação pela fé em Cristo e agora estavam
abraçando a ideia de que circuncisão e as obras da lei eram necessárias para serem justificados
e aceitos diante de Deus. Se eles de fato tinham entendido o que Cristo realizou na cruz, então
deveriam saber que tudo o que Deus exigia deles era que aceitassem as boas novas pela fé,
nada podiam fazer para merecer os benefícios da cruz.38
5. ANÁLISE DE PARALELOS
Não há dúvidas de que Romanos seja de longe a epistola mais próxima da teologia de
gálatas, que com seus 6 capítulos e 149 versículos traz um forte apelo ao antigo testamento.
São “pelo menos dez citações formais”, em termos de proporção só perde para Romanos. Sua
teologia é fortemente influenciada pelo antigo testamento, os argumentos dos capítulos 3 e 4
estão fundamentos no livro do Genesis e são a base para o que ele quer demonstrar.40
Com relação ao gênero literário de Gálatas, Fitzmyer explica que dentre os 27 livros
do NT 21 são chamados de “espistolai”,41 que originalmente, não foram produzidos com a
36
GUTHRIE, Donald. (2014, p. 114)
37
STOTT, John Robert Walmsley. (2003. p. 70)
38
Ibidem. p. 66
39
GUTHRIE, Donald. (2014, p. 114)
40
BEALE, Gregory K.; CARSON, Donald Arthur. Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2014. p. 974.
41
BROWN, Raymond E.; FITZMYER, Joseph A.; MURPHY, Roland E. 2011. p. 400.
intenção de formar um corpo escrituristico.42 Na antiguidade, a “espistola” era “um gênero
literário artístico, como o dialogo, o discurso ou o drama”, e seu conteúdo era publico. 43
A epistola aos Gálatas apresenta uma estrutura muito parecida com outras epistolas de
Paulo, e segue o modelo padrão da época, o que não encontramos, no entanto, é “o trecho de
ações de graças bastante peculiar em seus escritos. O uso de alegorias com pano de fundo do
AT é um recurso do qual Paulo se serve em sua argumentação.44
Guthrie chama atenção para um grande numero de figura de linguagem que servem
como indicadores “dos antecedentes de Paulo”. Outro aspecto marcante no estilo de Paulo são
as perguntas retoricas, distribuídas uniformemente por toda epistola; o emprego da primeira
pessoa do plural com alguma frequência, ajuda-o na identificação com seus leitores.45
EXEGESE DO TEXTO
Depois de expor a legitimidade de seu apostolado na abertura da carta (Gl 1.1) ele nos
apresenta um breve relato de como foi sua conversão e seu chamado por meio de uma
revelação. No capítulo 2 ele é enfático quanto a sua posição de apostolo dos gentios e que em
nada é inferior aos demais apóstolos a despeito de todos eles terem sido discípulos do próprio
Cristo. Paulo é alguém que compreende muito bem sua vocação e escreve para mostrar aos
gálatas a grande falácia que abraçaram.
42
Ibidem p. 401.
43
Ibidem p. 400.
44
DOCKERY, David S. 2001. p. 743.
45
GUTHRIE, Donald. (2014, pp. 17,18)
(Vendo previamente então a Escritura que pela fé Deus justificaria os gentios antecipou o
evangelho a Abraão: em ti serão abençoadas todas as Nações)
A importância desse argumento está no fato de que tanto judaizantes como cristãos
consideravam a Escritura como autorizada, Paulo se refere à Escritura “com um agente
pessoal”, pois Deus fala por meio dela. Logo, a ideia é provar que a promessa de Abraão
incluía os gentios, pois foi estendida as nações, não por meio da circuncisão, mas pela fé.48
O evangelho (ou a promessa) que Abraão creu, constitui a base da salvação tanto no
AT quanto no NT: a promessa do Cristo, que provê justificação também para os gentios.49
Segundo Hendriksen, parece haver uma razão especial para Paulo trazer Abraão para a
discussão, se seus adversários se vangloriavam por serem filhos de Abraão como se isso lhes
assegurasse alguma vantagem, ele coloca a ênfase da justificação na fé que ele teve ao crer na
promessa de Deus, não em alguma obra que tivesse praticado. Se os judaizantes apelavam
46
ROGER, Cleon; FRITZ, Rienecker. Chave Lingüística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 376.
47
KEENER, Craig S. Comentário histórico-cultural da Bíblia: Novo testamento; tradução de José Gabriel Said.-São Paulo:
Vida Nova, 2017. p. 633.
48
GUTHRIE, Donald. (2014, p. 119)
49
BIBLIA DE ESTUDO DA REFORMA. Barueri, São Paulo. Sociedade bíblica do Brasil, 2017. p. 1992.
para o patriarca levando em conta sua circuncisão, Paulo demonstra que Abraão foi justificado
ainda incircunciso, apenas por sua obediência à vontade Divina. A vida de Abraão exemplifica
como os homens, em todas as épocas são salvos.50
Pool explica ainda que “nós temos” a promessa de Abraão mediada pela Escritura, em
outras palavras, o que Deus disse a ele está intimamente relacionado a sua trajetória profética
e todos os passos de Abraão em obediência anunciam as boas-novas.52 Em Mateus 3.9, Jesus
se dirige aos fariseus que estavam presentes por ocasião do batismo de João no Jordão e lhes
assegura que Deus poderia suscitar das pedras filhos a Abraão; Carson sugere aqui um
possível jogo de palavras (hebraico ou aramaico) entre “pedras” e “filhos”, talvez se referindo
as pedras do leito do rio Jordão.53
Jesus deixa claro que o fato de descender de Abraão “não é suficiente”, afinal Deus já
havia cortado várias vezes muitos israelitas e salvo um remanescente. A “participação no
Reino” é por meio da graça que ultrapassa as fronteiras bem além do povo da aliança e “das
diferenças raciais”.54
Outra palavra chave é o verbo (gr. εὐλογοῦνται), que está no presente indicativo
passivo, 3ª pessoa do plural de εὐλογέω; abençoar.55 De acordo com Colin Brown, o verbo
eulogeó já era encontrado nas tragédias gregas com o significado de “falar bem”. “Na LXX”,
a primeira tradução do AT para o grego, há 450 ocorrências de eulogeó que traduz a raiz
hebraica ( ברךb®r¹kâ) por “abençoar”.
50
HENDRIKSEN, William. (1999. p. 137)
51
POOL, Adolf. Carta aos Gálatas: Comentário Esperança. Curitiba: Evangélica Esperança, 1999. p. 108.
52
Ibidem. p. 108.
53
CARSON, Donald Arthur. O comentário de Mateus. São Paulo: Shedd Publicações, 2011. p. 134.
54
Ibidem. p. 133-134.
55
ROGER, Cleon; FRITZ, Rienecker. (1995. p. 376)
É possível encontrar no AT diversos “aspectos do sentido de abençoar”, todavia não é
nosso proposito investigar exaustivamente o conceito de benção na bíblia, por isso, elencamos
algumas ocorrências conforme abaixo:
a) Abençoar por meio de uma palavra e uma ação (nesse sentido a ação tem um
aspecto simbólico) (Gn 48.13-20; 24.9; 47.19).
b) Benção “incondicional e irrevogável” (Gn 27.33); (2 Sm 7.29).
c) Está presente no seio da família e é anterior ao culto sagrado.
d) Geralmente é identificada na forma de saudação, quando duas pessoas se
“encontravam” e se despediam (Gn 47.7); nos três pontos chaves da vida:
nascimento (Rt 4.13-14; Lc 2.34); casamento (Gn 24.60) e morte (Gn 48; 49.28).
e) A essencia da benção é conceder e transmitir “poder benefico”, ou seja, fertilidade
entre homens (Gn 24.34-36) e animais (Gn 30.25 e segs.). Tambem atua
“verticalmente” na multiplicação da descendecia (Gn 5; 11.10). Alem disso, está
presente na paz e seguridade em relação aos adversarios, na “felicidade e bem-
estar de uma tribo ou grupo”. Essa ideia está presente no conceito de ֹשלָׁום
ש
(š¹lôm).56
Ὅσοι γὰρ ἐξ ἔργων νόμου εἰσίν, ὑπὸ κατάραν εἰσίν· γέγραπται γὰρ ὅτι ἐπικατάρατος πᾶς ὃς
οὐκ ἐμμένει* πᾶσιν τοῖς γεγραμμένοις ἐν τῷ βιβλίῳ τοῦ νόμου τοῦ ποιῆσαι αὐτά. * (Assim os
56
BROWN, Colin; COENEN, L. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, vol. 1. 2ª Ed. São Paulo: Vida
Nova edições, (2000. pp. 208-210)
57
STOTT, John Robert Walmsley. (2003. p. 69)
58
POOL, Adolf. (1999. p. 71)
que são das obras da lei estão sob maldição; pois está escrito: Maldito é aquele que não
permanecer em todas as coisas escritas no livro da lei para praticá-las).
Duas palavras-chave são destacadas no verso 10, “obras da lei” (gr. ἔργων νόμου).
ἔργων – é um substantivo genitivo neutro plural e significa obra, trabalho; νόμου –
substantivo genitivo masculino singular é a palavra grega genérica para lei. De acordo com
Haubeck e Siebenthal essa expressão tem como significado “os atos que a lei prescreve; com
base na regulação da lei (isto é, de seu conteúdo incluindo as exigências); todos os que se
orientam nas prescrições da lei (em vista de sua justiça). ”59
O substantivo “ergon”, “trabalho”, ocorre 169 vezes no NT, destas 68 só nos textos
paulinos, com usos diversos dependendo do contexto onde aparece. É no judaismo que a ideia
das obras como sendo indispensaveis a observancia da lei, para justiça é desenvolvida e
estabelecida.60 O substantivo “nomos” que já desdo o seculo VII a.C. é encontrado na
literatura grega classica, com o significado “costume”, “uso”, “estatuto”, “lei” particularmente
nas circunstancias da partilha “de bens, da lei e da ordem.”
Há aproximadamente, 430 ocorrencias de “nomos” na “LXX”, cerca de 200 não
encontram equivalentes na lingua hebraica, quanto ao restante delas, traduzem o vocabulo
“tôrâh”, que originalmente denotava uma “instrução” vinda de Deus, um “mandamento” para
uma um caso especifico. No NT encontramos 191 ocorrencias de “nomos” a maioria das
vezes em Paulo, destacando-se as cartas de Romanos e Gálatas. Dois seculos antes a.C.
“nomos” era utilizada no sentido completo: “a lei era coisa absoluta em si mesma e
independente da aliança.” Através de sua observância determina-se quem integrante do povo
de Deus. Entre os fariseus o cumprimento “visível da lei” diferenciava “ o verdadeiro Israel
dos não-judeus” e do povo comum, os ímpios, de entre os judeus, dessa maneira a lei tinha o
papel de mediador “entre Deus e os homens”.61
Segundo Ridderbos, o judaísmo da época de Paulo tinha a lei como um instrumento de
aquisição e acumulo de méritos:
“Para o judaísmo, o grande contrapeso da ameaça e do poder do pecado
encontra-se na lei dada a Israel. A lei é o meio singular de adquirir para si
mérito, recompensa e justiça diante de Deus; é o instrumento dado por Deus
para subjugar o impulso perverso e conduzir bem a vitoria. Pode-se dizer
com razão, portanto, que, para os judeus, a lei era o meio preeminente de
salvação, na verdade, era a verdadeira “substancia de vida”. ” 62
59
HAUBECK, Wilfrid; SIEBENTHAL, Heinrich Von. (2009. p. 1086)
60
BROWN, Colin; COENEN, L. Vol. 2 (2000. p. 2539, 2538)
61
Ibidem. pp. 1152, 1154, 1156, 1157.
62
RIDDERBOS, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do apóstolo dos gentios. São
Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 140.
Riderbbos explica ainda, sobre o uso que Paulo faz da expressão “obras da lei” e
outras formas variadas com o mesmo sentido, por exemplo: os que são “da lei” (Rm 4.16; Gl
3.10); “debaixo da lei” (Rm 6.15; Gl 4.21).
“Paulo usa aqui uma expressão que tem seu equivalente no rabínico ma’aseh
mitzvot ou, o que é ainda mais comum, simplesmente mitzvot. O primeiro
termo significa literalmente “obras dos mandamentos” enquanto o segundo,
que quer dizer “mandamentos”, têm um sentido mais pleno de obra
resultante do cumprimento dos mandamentos [...] que, de acordo com a
doutrina sinagogal de redenção constituem o homem justo diante de Deus.
Mediante esses cumprimentos da lei e do mérito que neles se encontra, o
israelita é capaz de guardar um tesouro para si no dia do julgamento, sendo
que é com base nesse tesouro que ele é absolvido por Deus. ”63
ὅτι δὲ ἐν νόμῳ οὐδεὶς δικαιοῦται παρὰ τῷ θεῷ δῆλον, ὅτι ὁ δίκαιος ἐκ πίστεως ζήσεται·*
(Está claro que pela lei ninguém é justificado perante Deus, pois o justo viverá pela fé).
68
RUSCONI, Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento; tradução Irineu Rebusque. São Paulo: Paulus, 2003. p. 133.
69
BLOMBERG, Craig L. Questões Cruciais do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2010. p. 87.
70
DE CAMPOS, Héber Carlos. A Justificação pela Fé nas Tradições Luterana e Reformada: Um Ensaio em Teologia
Comparativa. F ides Reformata, 1996, 1/2. Disponivel em:
<http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_I__1996__2/a_justificacao.....pdf> Acesso em:
24 de set. 2017.
71
Gonzalez, Justo L. Uma Historia do Pensamento Cristão: Da Reforma Protestante ao Século 20. São Paulo: Cultura
Crista; 2004, p. 59.
alguém receber essa ação justificadora de Deus pelo fato de ser bem-sucedido na guarda das
exigências da Lei”.72
Segal, escrevendo sobre a questão da justificação em Paulo, diz que muito embora ele
esteja fazendo um uso original do termo, isso não era desconhecido tanto do judaísmo quanto
do cristianismo do primeiro século, este fato só veio à tona com a descoberta dos
“Manuscritos do Mar Morto”. Uma leitura atenta dos textos revelou o uso de “vocabulário
semelhante de justificação”, pela comunidade de Qumran, para retratar a “justiça de Deus
para com o fiel. Devido a essa semelhança, admite-se seu conhecimento da teologia essênia.73
De acordo com Stott, o meio pelo qual se alcança um relacionamento correto com
Deus é o “ponto central da religião” (cristã). No verso 11, a ideia de estar “justificado diante
de Deus” é precisamente o contrário “de estar condenado por ele. É ser declarado justo, ser
aceito, permanecer no seu favor e sob o seu sorriso. ” A consequência desta nova posição para
todo aquele que é justificado é a vida, não “física e biológica”, mas vida espiritual e eterna;
vida no porvir.74
Hendriksen fala sobre a incapacidade da lei em sujeitar a inclinação que o homem tem
para o pecado, e muito menos destruir o poder que o pecado exerce sobre ele, logo, como é
possível ao o homem adquirir a vida plena, verdadeira onde encontra paz com seu Criador e
desfruta de sua comunhão? A resposta é a mesma tanto no AT quanto no NT, não importa se
“judeu” ou “gentio”: “O justo viverá pela fé”.75
Segundo Bruce, quando Paulo cita Habacuque esta afirmando a justificação pela fé
como um princípio imutável (Hc 2.4b) que nesse contexto deve ser interpretado da seguinte
maneira: O que é justo (justificado) pela fé (não pela lei) viverá (encontrará a vida). A vida
está assegurada aos que estão justificados pela fé, e não aos que buscam justificar-se pela
observância da lei. No contexto de Habacuque ele clama a Deus por sua intervenção contra
seus opressores da Babilônia que foram enviados para punir os líderes de Judá (Hc 1. 2,3;13).
O profeta espera pacientemente que Deus responda sua queixa, que o justo espere com fé este
cumprimento, por sua fé conservará sua vida, “pois certamente virá e não tardará”.76
Lutero ao falar da justiça cristã diz o seguinte:
“A justiça cristã é apropriada e definida claramente como sendo a confiança
no Filho de Deus ou a confiança em Deus por intermédio de Cristo. Para
tomar a definição completa, deve-se acrescentar-lhe a frase que a fé é
imputada para a justiça por causa de Cristo. Esses dois aspectos, como disse,
72
REID, Daniel G. Dicionário Teológico do Novo Testamento. São Paulo: Loyola/Vida Nova, 2012. p. 804.
73
SEGAL, Alan F. Paulo, o Convertido. Apostolado e apostasia de Saulo fariseu. São Paulo: Paulus, 2010. p. 281.
74
STOTT, John Robert Walmsley. (2003. p. 72)
75
HENDRIKSEN, William. (1999. p. 154)
76
BRUCE, Frederick Fyvie. (2010. p. 224)
aperfeiçoam a justiça cristã. Um é a própria fé no coração, que é um dom
divino dado por Deus que, formalmente, crê em Cristo. O outro, que
considera essa fé, imperfeita para a justiça, perfeita por causa de Cristo, seu
Filho, que sofreu pelos pecadas do mundo [367] e em quem comecei a crer.
E, por causa dessa fé em Cristo, Deus não vê o pecado que ainda resta em
mim. ” 77
ὁ δὲ νόμος οὐκ ἔστιν ἐκ πίστεως, ἀλλ’ ὁ ποιήσας αὐτὰ* ζήσεται ἐν αὐτοῖς.* (Ao contrário, a
lei não é baseada na fé, antes: o homem que os pratica viverá por eles).
O substantivo (gr. πίστεως) está no caso genitivo singular feminino e significa “com
base na fé” (ἐκ πίστεως).78 Nos textos gregos do período clássico “pistis” tem o sentido de
“confiança” “que um homem pode ter nas pessoas ou nos deuses” 79[...]. No AT a idéia de
“Fé” é encontrada na raiz heb. ’aman, que no troco niphal, significa: “ser leal, digno de
confiança, fiel”. Esta expressão pode ser aplicada tanto a homens “ (e.g. Moises, Nm 12:7; a
servos, 1 Sm 22:14; a uma testemunha, Is 8:2; a um mensageiro, Pv 25:13 aos profetas, 1 Sm
3:20) ”; a Deus que mantém “Sua aliança” e concede sua graça aos que “O amam (Dt 7:9). ”
Brown e Coenen nos oferecem um comentário substancial sobre (Gn 15:6) e a sua
importância na conexão entre AT e NT:
A passagem fala da fé de Abraão como sendo a disposição dele de tomar
para si as ricas promessas dc Deus. Fez da palavra de Deus a sua segurança e
a sua base. O “imputar" da fé consistiu em ato declaratório, que antes era
costumário entre os sacerdotes. Deus trata esta confiança de Abraão como
sendo o comportamento apropriado no relacionamento da aliança. Na
comunhão com Deus, há uma exigência que o homem cumpre quando
confia. A declaração em Gn 15:6 não descreve a totalidade do
relacionamento entre Abraão e Deus. Mesmo assim, tendo em vista uma
situação específica, o julgamento gracioso e global de Deus foi pronunciado
sobre ele.80
Para Lutero, “A fé [...] é algo diferente da lei, assim como a promessa é algo diferente
81
da lei. E a promessa não é apreendida pelo "fazer", mas pelo "crer”. ” Logo, a “Fé” é uma
relação pessoal, que não está subordinada a nenhum tipo de convicção, coisa ou ensinamento,
“mas a aceitação do fato de sermos aceitos. ” 82 De acordo com Tillich, a “Fé” é simplesmente
a “aceitação da graça”.83
77
LUTERO, Matinho.( 2008. p. 225-226)
78
HAUBECK, Wilfrid; SIEBENTHAL, Heinrich Von. (2009. p. 1087)
79
BROWN, Colin; COENEN, L. Vol. 1 (2000. p. 809)
80
Ibidem, p. 812.
81
LUTERO, Matinho.( 2008. p. 261)
82
TILLICH, Paul. Historia do Pensamento Cristão; Tradução de Jaci Maraschin – 2 ed. São Paulo: ASTE, 2000. p. 232.
83
Ibidem. 2000, p. 235.
Segundo Stott, “fé em Jesus Cristo” é bem mais que uma certeza da razão, é um
comprometimento individual. O vocábulo (gr. eis) que aparece em (Gl 2.16) significa
(literalmente) “nós temos crido em [...] Cristo Jesus”. “É um ato de entrega, não apenas de
aceitação do fato de Jesus ter vivido e morrido, mas de correr a ele em busca de refugio e de
clamar a ele por misericórdia. ” 84
Segundo Da Silva, “fé em Lutero não tem nada em comum com qualquer tentativa de
criar uma coragem ou força, um pensamento positivo em nós mesmos [...], antes “é uma
relação entre Deus e o homem. ” 85
Ladd explica que a fé é o instrumento da “justificação” que a torna operante na vida do
“individuo”, o que implica na plena “aceitação da obra de Deus em Cristo”, e o “abandono
das próprias obras como fundamento da justificação”. “A fé é uma confiança total em Deus e
na providência divina para salvação”.86
Χριστὸς ἡμᾶς ἐξηγόρασεν ἐκ τῆς κατάρας τοῦ νόμου γενόμενος ὑπὲρ ἡμῶν κατάρα, ὅτι
γέγραπται· ἐπικατάρατος πᾶς ὁ κρεμάμενος ἐπὶ ξύλου, * (Cristo nos libertou da maldição da
lei, tornando-se maldição por nós, pois está escrito: Maldito todo o que for pendurado em
madeiro).
O substantivo (gr. κατάρας) é um genitivo feminino singular e significa “maldição”.
Essa maldição era o resultado da quebra da aliança mosaica. 87 Segundo Bruce, a maldição da
lei refere-se ao pronunciamento de Dt 27.26, que recairia sobre os transgressores, Paulo
afirma que Cristo nos redimiu da maldição fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar
(Gl 3.13).88
Segundo Guthrie, não está claro no verso 13 como Cristo se tornou maldição em nosso
lugar, todavia ele nos remiu não só de algo meramente imaginário, ou qualquer coisa legitima
com relação a lei. “A maldição que pairava sobre o Cristo crucificado era a mesma que
pairava sobre todos os homens”.89
De acordo com Stott, a maldição que estava sobre nós Cristo tomou para si, ele o fez
de maneira voluntaria para nos libertar. Isso explicaria o “horrivel grito de abandono e de
solidão pronunciado na cruz. 90
84
STOTT, 2003, p. 60.
85
DA SILVA, Juan Vieira. Sola fide – A compreensão de Martinho Lutero sobre a fé na epístola aos Romanos, 2016.
Disponivel em: < https://seer.ufmg.br/index.php/temporalidades/article/view/4060/pdf>. Acesso em: 24 de set. 2017.
86
LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Ed. rev. - São Paulo, Editora Hagnos, 2003. p. 613.
87
ROGER, Cleon; FRITZ, Rienecker. (1995. p. 376)
88
BRUCE, Frederick Fyvie. (2010. p. 227)
89
GUTHRIE, Donald. (2014, p. 124)
90
STOTT, 2003, p. 76.
ἵνα εἰς τὰ ἔθνη ἡ εὐλογία τοῦ Ἀβραὰμ γένηται ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ, ἵνα τὴν ἐπαγγελίαν τοῦ
πνεύματος λάβωμεν διὰ τῆς πίστεως. (Para que em Cristo Jesus a benção de Abraão viesse
aos gentios, e que pela fé recebêssemos a promessa do Espírito).
O Substantivo (gr. ἔθνη) está no caso acusativo plural neutro, sua forma lexical é
(ἔθνος) e significa povo ou nação. 91 Matthew Henry em seu comentário do novo testamento,
explica que o concerto de Deus com Abraão não foi abolido mesmo após a lei de Moises, pelo
caráter superior da fé em relação a lei. Mesmo depois da morte do patriarca a promessa
permaneceu de pé sustentada pelo descendente, o próprio Cristo, e é ele quem reivindica os
benefícios da posteridade não o povo judeu, dessa forma a benção de Abraão alcança os que
são seus pela fé.92
A benção de Abraão garantida pela fé substitui a maldição, pois a lei fazia distinção
entre o povo de Israel, a quem foi feita a promessa e os gentios que não há tinham, entretanto,
a promessa feita a Abraão incluía os gentios em raio de ação; eles deviam compartilhar a
benção prometida confirmada em Cristo Jesus, não só pela obra redentora mais por ser ele a
semente de Abraão.93
Muito embora os judeus sejam descendência física de Abraão não estão em condição
melhor que os gentios, pois a promessa do Espirito deve ser recebida unicamente pela
fé.94Esta benção “é a justificação pela fé” ofertada “aos gentios”, não somente aos
descendentes de Abraão. Através da “fé” em sua obra redentora efetuada na cruz, “a promessa
de Deus a Abraão [...] pode se tornar uma realidade a todos aqueles que creem.95
Segundo Lopes, “Deus não tem duas formas de salvar o pecador. ” Abraão recebeu a
justificação através de sua fé, assim também, a benção da justificação para com todos os
gentios está disponível pela fé. “A justificação é em Cristo, e não à parte de Cristo”. A
promessa do Espirito, nos vem pela fé, não por obras da lei.96
91
RUSCONI, Carlo. (2003. p. 146)
92
HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento: Atos a Apocalipse. 1ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2008. p.
555.
93
BRUCE, Frederick Fyvie. (2010. p. 232)
94
CALVINO, João. Exposição de Gálatas. Trad. Valter Graciano Martins, São Paulo: Edições Parakletos, 1998. p. 96.
95
RIBAS, Degmar. Comentário do Novo Testamento Aplicação Pessoal. v. 2. Rio de Janeiro: CPAD, 2009. p. 277.
96
LOPES, Hernades Dias. Gálatas: A carta da liberdade cristã. – São Paulo: Hagnos, 2011. p. 144.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERENCIAS
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