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As notae ecclesiae do

Credo Niceno-Constantinopolitano
Fonte do re-encantamento com
o projeto da Igreja Cristã

Helmut Renders

Resumo

O artigo investiga diversas leituras confessionais e


denominacionais das notae ecclesiae (sua descrição
da Igreja como una, santa, católica e apostólica) e
sua vinculação com a igreja "invisível" e "vísível". O
texto convida a uma leitura realista das igrejas e,
ao mesmo tempo, enriquecida pelas notae ecclesiae
como um dos seus horizontes de esperança.

Palavras-chave

Marcas da Igreja – notae ecclesiae – unidade – santidade


– apostolicidade – catolicidade.

Presbítero da Igreja Metodista


Unida na Alemanha. Professor
de teologia e história e
secretário executivo do Centro
de Estudos Wesleyanos da
Faculdade de Teologia,
Umesp. Doutor em Ciências da
Religião, Umesp. Doctor of
Ministry, Wesley College,
Washington, DC.
Endereço eletrônico:
helmut.renders@metodista.br

Revista Caminhando v. 13, n. 21, p. 41-59, jan-mai 2008 85


The notae ecclesiae of the Niceno-
Constantinopolitan Creed
Source for the re-enchantment
with the Christian Church project

Helmut Renders

Abstract

This article researches on several confessional and


denominational readings of the notae ecclesiae (its
description of the church as one, holy, catholic, and
apostolic) and its bond with the “invisible” and
“visible” church. The text invites the reader to a
realistic reading of churches and, at the same time,
enriched by the notae ecclesiae as one of its
horizons of hope.

Keywords

Marks of the church - notae ecclesiae – unity –


holiness – apostolity – catholicity.

Ordained pastor of the United


Methodist Church in Germany.
Professor of theology and
history and executive secre-
tary of the Center for
Wesleyan Studies of the
School of Theology, UMESP.
Doctorate in Religious Sci-
ences, Umesp. Doctor of Min-
istry, Wesley College, Wash-
ington, DC.
Electronic address:
helmut.renders@metodista.br 

86 Helmut RENDERS, As notae eclesiae do Credo Niceno-Constantinopolitano.


Las notae ecclesiae del credo Niceno –
Constantinopolitano
Fuente del re-encantamiento
con el proyecto de la Iglesia Cristiana

Helmut Renders

Resumen

El articulo investiga diversas lecturas confesionales


y denominacionales de las notae ecclesiae (su
descripción de la Iglesia como una, santa, católica y
apostólica) y su vinculación con la Iglesia “invisible”
y “visible”. El texto invita a una lectura de las
Iglesias y al mismo tiempo enriquecido por las
notae ecclesiae como uno de sus horizontes de
esperanza.

Palabras–clave

Marcas de la Iglesia – notae ecclesiae –unidad-


santidad – apostolicidad – catolicidad.

Presbítero de la Iglesia
Metodista Unida de Alemania.
Profesor de teología e historia
y secretario ejecutivo del
Centro de Estudios
Wesleyanos de la Facultad de
Teología, Umesp. Doctor en
Ciencias de la Religión,
Umesp. Doctor of Ministry,
Wesley College, Washington,
DC. Correo electrónico:
helmut.renders@metodista.br

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Em meio às discussões do dia-a-dia, do Credo Apostólico, ou seja, do
diante de tantas demandas do cotidiano, é Credo principal da igreja ociden-
bom fazer uma retrospectiva sobre uma tal.3
das discussões em andamento na vida da
A terceira se fundamenta nas
igreja. É oportuno consultar a tradição,
marcas da igreja encontradas no
entendida como testemunho vivo de dis-
cussões anteriores, contemporâneas lá no Credo Niceno-Constantinopolitano
seu tempo. A tradição nunca responde (daqui para frente “Credo N-C”), o
integralmente as perguntas do cotidiano; único Credo aceito tanto pela igre-
mesmo assim, ela pode trazer mais luz ja ocidental como pela igreja ori-
sobre certo assunto. “Luz” no sentido de
ental. Por suas notae ecclesiae
trilhar argumentos promissores e consis-
descreve-se a Igreja como “una,
tentes, e também necessários alertas,
“luz” no sentido de um re-encantamento, santa, católica e apostólica”4.

de um novo fascínio, de um novo e pro- Em seguida, especialmente explorare-


fundo respeito com aquilo que herdamos. mos a discussão sobre as notae ecclesiae
A pergunta “o que a Igreja na sua es- e a sua relação com as, assim chamadas,
sência é?” tem sido um dos nossos temas igreja visível e igreja encoberta, oculta ou
em discussão. No protestantismo, classi- invisível. Citaremos um número significati-
camente consideram-se três aproxima- vo de autores de diferentes vertentes do
ções. cristianismo, para nos familiarizarmos com
Na primeira, há uma definição que as suas argumentações e intuições, e

parte da práxis interna da Igreja. concluímos com algumas observações


próprias.
As marcas constitutivas da Igreja
(também chamadas as notae ex-
ternae [ou marcas visíveis1]) são
o anúncio do evangelho e a cele-
bração dos sacramentos. A tradi-
ção reformada acresce a estas
duas marcas uma terceira, a dis-
2
TRILLHAAS, Wolfgang. Dogmatik. Berlin & New
ciplina”.2 York: Walter de Gruyter, 1980, p. 511.
3
Credo Apostólico: “Credo in Spiritum Sanctum,
A segunda se refere, no ambiente sanctam ecclesiam catholicam, sanctorum commu-
nionem”. Na teologia moderna, a obra mais signifi-
protestante, à Igreja como sanc- cativa sobre este tema é provavelmente BONHOEF-
FER, Dietrich. Sanctorum Communio: Eine dogma-
torum communio, comunhão do tische Untersuchung zur Soziologie der Kirche
(1930). Werke, vol. 1. Joachim von Soosten (ed.).
santos. Trata-se de uma citação München: Chr. Kaiser Verlag, 1986.
4
Latim: “Credimus [...] in unam sanctam catholicam
et apostolicam ecclesiam”. Grego: !"#$%&'$( [...]
$)* ')+( ,-)+( .+/&0!.1( .+) +2&"#&0!.1(
3..0$")+(. Cf. PELIKAN, Jaroslav & HOTCHKISS,
1
Da mesma forma é o batismo considerado “um sinal Valerie. Creeds and Confessions of Faith in the
visível de uma graça invisível”. Christian Tradition: vol. 1 – Early, Eastern, & me-
dieval. New haven & London: Yale University Press
2003, p. 162.

88 Helmut RENDERS, As notae eclesiae do Credo Niceno-Constantinopolitano.


1. Uma voz católica: religiões mundiais, integra o tema da Igre-

Manfred Kehl ja no capítulo 8 sobre a “Salvação”. Trans-


parece aqui a antiga idéia da Igreja como
Kehl, teólogo católico alemão, parte da instituição da salvação (Heilsanstalt)6. O
“compreensão renovada da igreja” do subtítulo 8.2 "A mediação da salvação” é
Concílio Vaticano II.5 Ele interpreta a uni- dividido em 8.2.1 “O horizonte do proble-
dade como expressão da “dimensão esca- ma”; 8.2.2 “A força terapêutica da palavra
tológica” da igreja, mantida “no Espírito de Deus”, 8.2.3 “Identidade espiritual”
Santo”, apesar da “variedade empírica das (batismo) e 8.2.4 “Sociedade espiritual”
Igrejas”. A santidade ele designa como (Santa Ceia).7 Das quatro marcas, segun-
dimensão cristológica. Ela é “dada, à do o Credo N-C, ele trata somente num
grande pecadora, pelo amor incondicio- apêndice sobre “O conceito duplo da Igre-
nalmente confiável de Jesus Cristo”. A ja: igreja visível e encoberta8”: “Palavra e
“comunhão dos santos” é a comunhão sacramento transformam a Igreja naquilo
daqueles que necessitam da graça. A ca- que ela é: na Igreja `una, santa, católica
tolicidade da igreja não deve ser reduzi- e apostólica´[...] não é suficiente entender
da a uma designação confessional e repre- a palavra e o sacramento como marcas da
senta a dimensão “teológico-criacional e igreja institucional e, por outro lado, uni-
escatológica da igreja. Atuar “em prol do dade, santidade, apostolicidade e catoli-
mundo”, “... mediar o amor reconciliador a cidade como marcas da Igreja encober-
toda a criação” é a terceira marca da Igre- ta”.9
ja. Finalmente, a igreja permanece “apos-
tólica” “... na medida em que mantém a 2.2 Wilfried Härle
tensão entre reunião e missão, entre iden- Wilfried Härle descreve a Igreja, na
tidade e relevância (J. Moltmann), entre sua essência, primeiro como “comunhão
fidelidade ao passado e abertura ao pre- de fiéis”. O autor alerta que a igreja enco-
sente e futuro”. A marca da apostolicidade berta não deve ser compreendida como
descreve a igreja como missionária e pe- aquela parte da igreja visível que realmen-
regrinando entre o passado e futuro, atu- te teria fé, porque, desta forma, “a igreja
ando no presente. visível [...] se torna uma designação me-
ramente negativa”. Lutero teria relaciona-
2. Dogmáticas luteranas do as duas como “a alma e o corpo”:

2.1 Hans-Martin Barth


6
Este conceito é próximo, porém não idêntico à
A Dogmática de Hans-Martin Barth, compreensão da Igreja como sacramento.
7
Cf. BARTH, Hans-Martin. Dogmatik: Evangelischer
escrita em diálogo com três das maiores
Glaube im Kontext der Weltreligionen. Gütersloh:
Christian Kaiser & Gütersloher Verlagshaus, 2001,
p. 578-678.
8
Ele usa “verborgen”, não “unsichtbar”. A primeira
expressão é de Lutero (ecclesia abscondita), a se-
5 gunda de Zuínglio (ecclesia invisibilis). Traduzimos
KEHL, Manfred. A igreja: uma eclesiologia católica.
Tradução: João Rezende Costa. São Paulo, SP: Lo- “abscondita” não por “oculta”, mas por “encoberta”.
9
yola, 1997, p. 117-121. Ibidem, p. 673.

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... a igreja encoberta (é) o princípio de isso elas têm sempre um caráter, com
vida interior da Igreja, a igreja visível a
nossas palavras, proléptico12, elas anteci-
sua forma exterior e corporal, sem es-
quecer que nenhuma delas pode ser pam o que ainda não é, mas que há de
sem a outra.” Mesmo assim, Härle in- vir.
terpreta as notae ecclesiae não como
marcas da igreja visível, mas da igreja
encoberta.10 2.3 Gerhard Ebeling

Como tal, a Igreja é Ebeling considera as notae externae no


una (única), porque ela existe e é capítulo “A Igreja contestada”, ou seja, ele
mantida pelo um só evangelho de claramente as relaciona com a igreja visí-
Jesus Cristo; pelo qual ela tem um vel.13 Fazendo assim, ele precisa investi-
só senhor, uma só fé e um só ba- gar a relação entre o “já” e o “ainda não”
tismo (Ef 4.5); destas marcas da Igreja. Primeiro, cada
santa, porque os seres humanos marca é descrita e depois problematizada;
que pertencem à “comunhão da- a seguir, investiga a sua base vital – como
queles que crêem”, também per- fundamento da sua revitalização contínua
tencem a Deus e assim são santi- – e, finalmente, aborda cada marca como
ficados; tarefa. Desde a igreja primitiva a Igreja
católica, ou seja, toda abrangente, confessa a sua unidade, mas nunca se
por que o evangelho que constitui chegou a uma única compreensão a res-
a Igreja chama e sem distinção peito. A unidade da Igreja é constituída
reúne pessoas de todos os povos, pelo fato de ser corpo de Cristo e a busca
todas as raças e todas as regiões; da unidade deve ser construída a partir do
apostólica, ou seja, fundada no cotidiano das igrejas. A apostolicidade
anúncio apostólico, e com isso nunca significou a imutabilidade da Igreja.
constituída pelo evangelho de Je- Para ser fiel às suas origens, a Igreja tinha
sus Cristo, como ele foi, inicial- que se transformar, apesar de que isso
mente, proclamado pelos Apósto- sempre engloba a possibilidade de crises
los. ou até da perda de identidade. A autorida-
Estas marcas não devem ser compre- de da Igreja é sempre relacionada com “a
endidas de forma normativa, mas elas têm autoridade libertadora do evangelho”, e a
um sentido descritivo: A “comunhão de “... perturbadora oposição entre autorida-
fiéis” não tem o dever de ser uma igreja de e liberdade, muitas vezes, engessada
una, santa, católica e apostólica, mas ela é pela oposição entre um legalismo conser-
aquilo enquanto ela for a comunhão de vador e um legalismo progressista [...]
seres humanos movidos pelo evangelho envenena a atmosfera” eclesiástica. A sua
11
de Jesus Cristo. As notae ecclesiae preci-
sam ser lidas a partir do evangelho, e com
12
“ 45"067"!*”(antecipação); “24&0+'8,($!(” (tomar
antes).
13
10 EBELING, Gerhard. Dogmatik des christlichen
HÄRLE, Wilfried. Dogmatik. Berlim & Nova Yorque: Glaubens, vol. III: Der Glaube an Gott den Vollen-
Walter de Gruyter, 1995, p. 570-577. der der Welt. Tübingen: J.C.B. Mohr (Paul Siebeck),
11
Ibidem, p. 575. 1993, p. 371-384.

90 Helmut RENDERS, As notae eclesiae do Credo Niceno-Constantinopolitano.


superação depende do amadurecimento para si mesma, mas para o mundo.
[...] isso não depende da liberdade ce-
do corpo de Cristo e nasce “no primeiro
dida para a Igreja, mas da liberdade
lugar, da Igreja como convivência”. A que ela faz viver e de qual ela se apro-
apostolicidade afirma Jesus Cristo como o pria por ser dada para ela...14
fundamento da Igreja. Nem a tentativa da pelo evangelho. A universalidade da igreja
sua institucionalização (sucessão apostóli- é enraizada no senhorio de Jesus Cristo e
ca), nem a tentativa da sua renovação na sua autodoação para todos/as e sua
escatológica (comunidades neo- disponibilidade para todos/as. Trata-se de
apostólicas), nem a aproximação da Igreja uma nova realidade que marca o mundo,
ao ideal da pobreza apostólica e à comu- não de um mero ideal. Por causa disso, a
nhão dos bens, vivenciada separada do igreja deve, primeiro, reconhecer a uni-
mundo (ordens religiosas) garantem o versalidade de Jesus Cristo e ceder espaço
caráter apostólico da Igreja, se não for na a ela. O luterano Ebeling favorece até a
liberdade do evangelho. A marca da santi- criação de ordens religiosas evangélicas
dade da igreja sempre causou um conflito para vivificar melhor a tão necessária
com o ideal da sua unidade. Para que a relação entre a contemplação e a ação.
busca da pureza não destrua a Igreja, o
catolicismo optou pelo caminho de exigir, 2.4 Paul Tillich
de grupos diferentes, atitudes diferentes
Tillich menciona as notae externae,
em relação à santidade. O protestantismo,
sem referência direta, no capítulo “A pre-
sua vez, acabou com os santos, aliás, de
sença espiritual e o novo ser na comuni-
forma mais radical do que os próprios
dade espiritual”15, em dois momentos;
reformadores. Como santos de substitui-
primeiro em relação ao evento de pente-
ção são procuradas algumas pessoas en-
costes; depois, como parte da sua distin-
volvidas em ortopraxia, por exemplo, na
ção entre a comunidade espiritual latente
diaconia. Ao longo do tempo isso levou a
e manifesta16. A “comunidade espiritual,
uma compreensão moralista da santifica-
sem ambigüidade, embora fragmentada” é
ção. “Jesus Cristo é a base da santidade
“... criação estática [...] criação de uma fé
da Igreja. O Espírito Santo vivificador [...]
[...] criação do amor [...] criação da uni-
é o Espírito santificador. [...] (Jo 15.3).” A
dade e [...] criação da universalidade...” O
Igreja deve ao mundo o acesso a “fé como
aspecto da apostolicidade transparece
liberdade para amar” e a santidade é a
“auto-realização como liberdade para
servir”. A universalidade da Igreja – Ebe-
ling omita a expressão catolicidade –, ou 14
Ibidem, p. 382.
a sua ecumenicidade é questionável en- 15
TILLICH, Paul. Teologia sistemática. São Leopoldo /
São Paulo: Sinodal / Paulinas, 1987, p. 499-508.
quanto não é interpretada como “envio 16
Igreja “latente” e “manifesta” não são sinônimos da
abrangente para o mundo”, mas entendi- Igreja “visível” e “invisível”. “As qualidades invisível
e visível devem ser aplicadas à igreja tanto em sua
da como a afirmação latência como quanto em sua manifestação. [...] O
que é latente é a Comunidade Espiritual antes de
... da permanência da Igreja em si. um encontro com a revelação central e manifesta
[...] A questão [...] é como a Igreja vi- depois desse encontro.” Segundo Tillich, existem
também Comunidades Espirituais latentes em ou-
ve a sua universalidade, não somente tras religiões e grupos sociais. Ibidem, p. 501-502.

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talvez no aspecto do serviço, relacionado [...], quando ela é leal a Jesus e quando
com o amor que se “auto-entrega” e que, ela se orienta [...] segundo a Ecclesia”.
desta forma, simboliza a sua conexão com “Uma igreja que se considere infalível,
as suas raízes. A unidade é interpretada justamente por causa disso não pode ser
como força para integrar “... indivíduos, considerada apostólica. [...] O conceito da
nacionalidades e tradições diferentes e apostolicidade [...] poderia ser chamado
congregá-los para a refeição sacramental”. um princípio revolucionário da Igreja”.
A universalidade – não catolicidade, nem Católico “... significa universal, tratando do
ecumenicidade – é interpretado como tudo”. A Ecclesiae como nova humanidade
está em colisão com o mundo, mas, ao
... impulso missionário daqueles que
foram tomados pelo Espírito Santo. mesmo tempo, deve se aproximar do
[...] não existe Comunidade Espiritual mundo.18 Em relação à santidade da Igre-
sem abertura a todos os indivíduos,
ja, Brunner alerta:
grupos e coisas e o impulso de incor-
porá-los a si. Todos esses elementos
A igreja precisa decidir se pensa de si
[...] sendo marcas da Comunidade Es-
mesma segundo os apóstolos, em ca-
piritual tal como derivada da imagem
tegorias pessoais, ou como, a Igreja
de Jesus como o Cristo e do Novo Ser
Católica, em categorias sacramentais.
manifesto nele.17 [...] Ecclesia sancta somente pode sig-
nificar: uma igreja fundada mediante o
Em seguida, Tillich define a santidade
ato santificador e a palavra santifica-
da Comunidade Espiritual pela sua partici- dora de Deus em Jesus Cristo, que po-
pação “... mediante a fé da santidade da de ser recebido somente pela fé.19
Vida divina”. Também ela “... confere A impossibilidade da unidade entre i-
santidade às comunidades religiosas, isto grejas batistas, congregacionais e igrejas
é, às igrejas das quais ela é a essência episcopais, por um lado e entre a Igreja
Espiritual invisível”. Católica e as igrejas protestantes, por
outro, se deve à confusão feita, pelas
3. Dogmáticas reformadas mesmos, entre ecclesia e igreja. Cada
igreja precisa reconhecer que ela não é o
corpo de Cristo em si, mas que ela somen-
3.1 Emil Brunner te serve para edificar o corpo de Cristo.
Brunner distingue entre a “Ecclesia
como irmandade de pessoas [...] baseada 3.3 Wilfried Joest
na comunhão com Cristo”, sendo assim, Joest relaciona o ensino sobre as qua-
“uma koinonia do Espírito”, “nova humani- tro marcas da Igreja segundo o Credo N-C
dade”, ou “o povo de Deus na história”, com a doutrina da igreja invisível e resu-
por um lado, e a Igreja como “instituição”, me:
por outro lado. Depois ele inverte a ordem
do Credo N-C. A Igreja é apostólica “por
ser erguida no fundamento dos Apóstolos
18
BRUNNER, Emil. Dogmatic, vol. III: The Christian
doctrine of the Church, Faith and the consummation
of all things. London: Lutherworth Press, 1962, p.
117-133.
17 19
Ibidem, p. 501. Ibidem, p. 126 & 127.

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A Igreja é una e santa, por ser unida perigos passa pelo contínuo retorno ao
e santificada por Cristo e seu Espíri-
fundamento da “unidade em diversidade”
to,apostólica, por seguir com o seu
foco na Bíblia o testemunho apostólico; e sua “liberdade em união”, a Santa Ceia.
católica, por viver nesta crença única, Como o corpo de Cristo é um, a marca da
verdadeira e fundamentada na palavra
união tem também um aspecto ecumêni-
de Deus20
co: “Uma comunidade, que não encara o
sofrimento e o testemunho de uma outra
3.4 Jürgen Moltmann comunidade, como seu próprio sofrimento
Jürgen Moltmann fecha sua eclesiolo- e testemunho, divide o uno, o Cristo, que
gia com as notae ecclesiae, ou seja, reser- sofre e que age em todos os lugares e
va para elas um lugar incomum e privile- todos os tempos”. Catolicidade, em
giado.21 Moltmann pergunta se estas Moltmann, é a capacidade de “tomar par-
quatro marcas do Symbolum Nicaeno- tido”. A catolicidade e a união são con-
Constantinopolitanum deveriam ser en- ceitos correlacionais. A primeira descreve
tendidas como “condições (criteria) da uma “união extensa” e a segunda uma
igreja verdadeira” ou como “sinais (signa) “catolicidade intensa”. Segundo Molt-
ou características (notae) da igreja”. No mann, a Igreja é católica “não por si
primeiro caso, “... procura-se fazer distin- mesma, mas somente em e por Cristo”. A
ção entre igreja verdadadeira e igreja igreja não deve interpretar a sua catolici-
errada, a fim de definir as condições para dade como dever de servir a todos no
a comunhão entre igrejas”. No segundo sentido de assumir posições. Pelo contrá-
caso, “... pretende-se esclarecer a forma rio, deve tomar partido a favor daque-
reconhecível da igreja no mundo como les/as sem “meios, direitos e liberdades
testemunha”. Assim, ele descreve as mar- para viver”. A santidade da Igreja é tam-
cas da igreja como “afirmações da fé” bém somente garantida em Cristo:
(Glaubenssätze) e “afirmações messiâni-
A Igreja é [...] ao mesmo tempo
cas” ou “afirmações da esperança” communio peccatorum e communio
(Hoffnungssätze) que levam, necessaria- sanctorum. A santidade não separa a
igreja e os cristãos da humanidade pe-
mente, a ações afirmativas caminosa [...] A igreja é santa, justa-
(Handlungssätze). A unidade, segundo mente naqueles momentos, quando
Moltmann, é “união em liberdade” e “li- ela confessa o seu pecado e o pecado
da humanidade e crê na justificação
berdade e diversidade em união”. Dessa por Deus. [...] A comunidade dos pe-
forma, a união resiste ao “vício da unifor- cadores justificados é, ao mesmo tem-
midade” e a um “pluralismo sem conside- po, a comunidade dos vocacionados
para o serviço no Reino de Deus. Não
ração do outro”. A superação dos dois para si mesma, mas para o serviço no
Reino de Deus ela é separada. [...] Os
sinais da santificação da Igreja e dos
seus membros são, de forma especial,
os sinais do seu sofrimento, sua per-
20
JOEST, Wilfried. Dogmatik, vol. 2: Der Weg Gottes seguição por causa da sua resistência
mit den Menschen. Göttingen: Vandenhoeck, 1986,
p. 533-534.
21
MOLTMANN, Jürgen. Kirche in der Kraft des Geis-
tes: Ein Beitrag zu einer messianischen Ekklesiolo-
gie. München: Christian Kaiser, 1989, p. 363-388.

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e sua pobreza [...] Os [...] santos e- apostolicidade é problemática, preci-
ram os mártires...22 samente, por ser não-católica.25

Pela sua apostolicidade, a Igreja revela A unidade delas seria incompleta, pe-
Cristo. Trata-se da única marca não eterna la falta de relações concretas com todas as
da igreja. A marca da apostolicidade rela- outras igrejas. Sua santidade seria restri-
ciona o “testemunho dos primeiros apósto- ta, por ser exclusivista. Sua apostolici-
los” com o “envio missionário” e destaca o dade seria limitada, pela rejeição da su-
conteúdo desta missão: anunciar o crucifi- cessio apostolica. De lá, entretanto, Volf
cado e ressurreto e testemunhar até os parte para sua proposta da catolicidade
confins da terra a presença “libertadora de como “unidade diferenciada“ ou “unidade
Cristo”. Por causa disso, esta marca é heterogênea”, citando o exemplo do corpo
sempre desafiada e leva a Igreja ao sofri- humano, usado por Tomás de Aquino26:
mento.
Quando se nega a multiplicidade, a ca-
tolicidade é dissolvida numa completa
uniformidade e, desta forma, numa to-
4. Uma voz pentecostal: talidade falsa; quando se entrega a u-
Miroslav Volf nidade, a catolicidade passa ser uma
não-integrada e assim falsa particula-
Pela proximidade à tradição reforma- ridade. Uma compreensão apropriada
da catolicidade não pode dispensar
da, incluímos aqui uma voz pentecostal. O nem a unidade nem a multiplicidade.27
teólogo pentecostal Miroslav Volf toma a
Mas, enquanto a “relação entre unida-
posição das igrejas livres23.24 Ele parte do
de e multiciplidade é, em primeiro lugar,
ponto mais sensível para estas igrejas, o
um problema interno de cada igreja [...] o
caráter “católico” da Igreja:
lado externo do problema [...] é o pro-
Igrejas livres representaram para am- blema entre a exclusividade e a inclusivi-
bas, a Igreja Católica e a Igreja Orto-
doxa, a quinta-essência daquilo que é dade”. Desta forma, o tema da catolici-
considerado não-católico. Como a ca- dade da Igreja refere-se também às rela-
tolicidade qualifica todos os outros a- ções externas de cada igreja. Volf destaca
tributos essenciais da Igreja, todos os
pecados capitais eclesiológicos das i- as diferentes compreensões de !"# ine-
grejas livres podem ser compreendidos rente ao conceito da catolicidade.
como uma transgressão contra a cato-
licidade. A compreensão, nas igrejas Com a mudança das referências, [...] o
livres, da unidade, da santidade e da significado da catolicidade varia, in-
cluindo o aspecto geográfico (encon-
trado em todas as partes), antropoló-
gico (em relação a todos seres huma-
nos), revelacional (conter toda verdade
da revelação), criacional (curando toda
22
Ibidem, p. 380. a criação), soteriológico (conter todos
23
Free Churches são, pela definição literal, igrejas
não estaduais.
24
VOLF, Miroslav. After our likeness: the church as
the image of trinity. Grand Rapids, Michigan / Cam-
bridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Com- 25
Ibidem, p. 259.
pany, 1998, p. 259-282. O livro desenvolve a posi- 26
ção das igrejas livres em discussão com as posições O próprio Aquino parte da imagem da Igreja como
eclesiológicas do teólogo católico Karl Ratzinger e corpo de Cristo, usada nas cartas paulinas.
27
do teólogo ortodoxo John D. Zizioulas. Ibidem, p. 162.

94 Helmut RENDERS, As notae eclesiae do Credo Niceno-Constantinopolitano.


os bens salvíficos) ou cristológico (a
quem pertence o Cristo todo).
5. Uma voz anglicana:
Jaci Maraschin
Em seguida Volf segue seu orientador
da tese de doutorado, Moltmann, e rejei- Jaci Maraschin, teólogo anglicano bra-
ta uma leitura quantitativa. “A igreja já sileiro, responde às discussões ecumênicas
era católica [...] no por do sol de pente- com uma interpretação latino-
coste”. A frase que católico seria aquilo americana.29 Segundo ele, a Igreja é una
que “ubique, quod semper, quod omnibus no sentido de “singular”. Ela manifesta-se,
creditum est (o que foi crido em todo
... de maneira imperfeita, sempre que
lugar, sempre e por todos)” também não [...] o Evangelho de Jesus, o Cristo, é
resolve o problema, apesar da possível anunciado, e os sacramentos são cele-
interpretação de uma compreensão mais brados [...], sempre quando a Bíblia é
lida e recebida como primeiro docu-
consensual. Catolicidade deveria ser mento da tradição [...] porque tem
interpretado de forma qualitativa como uma só missão [...] quando celebra o
culto em louvor a Deus contra as idola-
“plenitude da salvação”. Ele conclui que
trias que a ameaçam de todos os lados
somente uma compreensão escatológica [...] na sua preocupação em anunciar
da catolicidade seria adequada. Nesta o Evangelho da libertação tanto para
os indivíduos como para as socieda-
catolicidade escatológica, “... a natureza
des.30
entre a Igreja peregrina e a nova criação
A Igreja não é santa no sentido de li-
tem um significado crucial para a com-
vre de pecado, mas no sentido de disposta
preensão da catolicidade histórica da
Igreja”. A descrição mais adequada no ao serviço e “na sua capacidade de `ouvir
o que lhe é dito...´”. A catolicidade não
Novo Testamento desta relação é aquela
passa pela “superioridade numérica”. O
da antecipação.28 Pentecoste é o primeiro
“evento católico”. Mas, como “... o cará- “sentido quantitativo e mecânico” deveria
ser substituido por “um sentido espiritual e
ter antecipatório da catolicidade da
qualitativo”. Desta forma, “a Igreja desti-
Igreja leva à correspondência entre a
catolicidade escatológica e histórica, ele na-se a todas as raças e não faz diferença
entre homens e mulheres”. Isso relaciona
também relativisa [...] a catolicidade
histórica”. Pode-se distinguir entre o a Igreja “à questão da sua inclusão na

“máximo (escatológico)” e o “mínimo particularidade das culturas e no que se


chama contextualização”. A catolicidade
(histórico)” da catolicidade. Estender
este mínimo, porém, continua sendo a “precisa se encarnar”. Apóstolos, segundo

tarefa de todas as igrejas. Maraschin, são, em primeiro lugar “edifi-


cadores da Igreja”. Mas, a marca foi rela-
cionada por muito tempo com a questão

29
MARASCHIN, Jaci. O espelho e a transparência: o
credo Niceno-Constantinopolitano e a teologia lati-
no-americana. Rio de Janeiro, RJ: CEDI, 1989, p.
28 219-242.
Cf. o aspecto proléptico em Haerle e, claro, MOLT-
30
MANN. Ibidem, 219-226.

Revista Caminhando v. 13, n. 21, p. 61-78, jan-mai 2008 95


da autoridade da Igreja. Não um princípio vra proclamada, nos sacramentos es-
tabelecidos, por uma disciplina ao lon-
formal (sucessão apostólica), mas “o ser-
go de toda vida. O mesmo vale para a
viço que ela (a Igreja, a autora) presta” sua santidade, apostolicidade e catoli-
deve ser a medida da sua apostolicidade. cidade.33

“A fidelidade aos fundamentos da Igreja O que faz a Igreja santa, são “sua vo-
não era simples questão de doutrina. Era cação, seu destino, sua paciência e seu
uma práxis ousada e revolucionária”. arrependimento”. Quanto à questão da
visibilidade e invisibilidade da Igreja, Oden
6. Dogmáticas Metodistas questiona o que ele designa como “hiper-
visibilidade” e “hiperinvisibilidade”: Tanto
a posição católica com a sua tendência de
6.1 Thomas C. Oden identificar a Igreja Católica com o Corpo
Oden apresenta o estudo mais abran- de Cristo (= hiper-visibilidade) como a sua
gente sobre as notae ecclesiae em compa- rejeição radical pelo protestantismo – que
ração a todas as dogmáticas consulta- acaba reduzindo a Igreja a uma instituição
das31. A meramente humana (= hiper-
invisibilidade) – precisam ser re-lidas.
... ecclesia é una porque ela participa
num corpo só, o corpus Christi. Ela “Eleição, graça e fé são dimensões invisí-
continua sendo feita santa, na fé, pela veis da Igreja”, mas “o aspecto cooperati-
participação na santidade perfeita do
vo, a organização [...] e o engajamento
Filho mediante o poder do Espírito. Ela
é universal ou católica por oferecer to- trans-cultural são aspectos visíveis da
do consolo de Deus a todo mundo. Ela ecclesia”. Seus comentários sobre a redu-
é apostólica por ser enviada ao mundo
ção do corpo de Cristo a uma igreja empí-
do mesmo modo como o Filho.
rica – como exemplo de um visibilidade
A unidade da Igreja não é um ato vo-
excessiva –, sobre a “rejeição do icono-
luntário dos membros do corpo de Cristo clasmo” – como “luta contra uma invisibi-
que se unem, mas a unidade de um só
lidade excessiva” – e sobre as “fantasias
corpo possibilitada pelo Espírito. A santi-
docéticas da invisibilidade”34 são reflexões
dade da Igreja não é encontrada na pure- inspiradoras que vão além daquilo que é
za moral dos seus membros, mas no Espí-
normalmente tratado em relação às notae
rito Santo.32 A catolicidade não é um
ecclesiae.
conceito territorial, mas representa a uni-
versalidade do aconselhamento divino
6.2 Walter Klaiber e Manfred
oferecido pela palavra. Oden alega: Marquardt
A unidade da Igreja não pode ser ob- Nesta dogmática há um reflexo ecle-
servada empiricamente se não for pela
siológico bastante parecido com a propos-
participação empática na vida da pala-
ta de Tillich:

31
ODEN, Thomas C. Life in the Spirit: Systematic
Theology, vol 3. New York: Harper & Collins, 1992,
33
p. 297-365. Ibidem, p. 303.
32 34
Ibidem, p. 297. Ibidem, p. 330-333.

96 Helmut RENDERS, As notae eclesiae do Credo Niceno-Constantinopolitano.


A comunidade cristã vive como comu- no“, o mero fato que uma pessoa concor-
nidade visível – sujeita a falhas [...] e
de, intelecutalmente, com o conteúdo dos
[...] comunidade oculta. [...] Nas ex-
posições sobre comunidade e Igreja três credos, ainda não garante uma fé
(visível) é absolutamente necessário viva.38 As referências chaves são o sermão
[...] distinguir entre a essência da I-
74 “Sobre a Igreja” e os 24 artigos de fé,
greja de Jesus Cristo (isto é, a identi-
dade que lhe é própria como Igreja e metodistas, apesar deles não preservarem
que lhe pertence como de forma imu- o artigo VIII dos 35 artigos da Igreja An-
tável), de um lado, e suas manifesta-
glicana. No sermão 74, de 1785, Wesley
ções históricas, do outro, e que sem-
pre correspondem mais ou menos à combina as afirmações do Credo Apostóli-
sua essência.35 co (comunhão dos santos39, santidade40,
A communio sanctorum é descrita – catolicidade41) com Ef 4.1-6 (unicidade)
sem usar a expressão – como comunidade e o anúncio da palavra e a devida minis-
composta por aqueles “que buscam e tração dos sacramentos42. Wesley defende
crêem”. O acréscimo “que buscam” vai o movimento metodista com a Confessio
além da compreensão reformada e repre- Augustana43, na busca de manter a unida-
senta uma posição mais próxima à da de entre o movimento e a Igreja Anglica-
compreensão luterana. As notae externae na. No seu Apelo para pessoas de razão e
são mencionadas, mas não em conjunto. religião, de 1745, Wesley interpreta so-
O batismo recebe certo destaque, uma vez mente os artigos anglicanos de religião,
que a discussão da Santa Ceia está inte- mas se refere a “fé” (!), “palavra e sacra-
grada no capítulo sobre os meios da graça. mentos”.44 O artigo de fé n. 13, dos 25
As notae ecclesiae do Credo N-C não são artigos da Igreja Metodista, de 1784, fi-
tratadas. nalmente cita o artigo XIX dos 35 Artigos
anglicanos:
6.3 John Wesley Artigo de fé n. 13 – Da Igreja. A Igreja
Na Geórgia, Wesley foi defendido como visível de Cristo é uma congregação de
fiéis na qual se prega a pura Palavra
ortodoxo, por defender o uso dos credos de Deus e se ministram devidamente
segundo o artigo de religião VIII36.37 Se- os sacramentos, com todas as coisas a

gundo o sermão n. 7, “O caminho do Rei-

35 38
KLAIBER, Walter; MARQUARDT, Manfred. Viver a WESLEY, John. Sermão 7, §I.6.
39
graça de Deus: um compêndio de teologia metodis- WESLEY, John. Sermão 74, §14.
ta. São Bernardo do Campo: EDITEO / Cedro, 1999, 40
WESLEY, John. Sermão 74, §23-28. Aqui Wesley
p. 370. interpreta a santidade com atitudes das bem-
36
O artigo VIII fala do Credo do Nicéia, do Credo de aventuranças.
Atanásio e do Credo Apostólico. Cf. Página na inter- 41
WESLEY, John. Sermão 74, §14.
net Believe. Disponível em: < http://mb- 42
soft.com/believe/txc/thirtyni.htm >. Baixado em: WESLEY, John. Sermão 74, §18.
43
12/04/2008. “Article VIII - Of the Three Creeds: A diferença entre o artigo VII da CA e o artigo XIV
The three Creeds, Nicene Creed, Athanasius' Creed, dos Artigos de Religião da Igreja Anglicana é justa-
and that which is commonly called the Apostles' mente o aviso que a unidade da Igreja não depende
Creed, ought thoroughly to be received and belie- da uniformidade cerimonial.
ved; for they may be proved by most certain war- 44
WESLEY, John. Appeals for men of reason and
rants of Holy Scripture.” religion, §6-11 e 23-25 (fé); §27, 40, 52 (palavra);
37
WESLEY, John. Diário 02/09/1737. §47, 51 (sacramentos).

Revista Caminhando v. 13, n. 21, p. 61-78, jan-mai 2008 97


eles necessárias, conforme a institui- foi levantada por uma igreja imperial a
ção de Cristo.45
serviço da unidade imperial. Sem dúvida,
É notável que Wesley omitiu, na sua seu doutorando Miroslav Volf tem especi-
versão dos artigos de religião, a passagem almente esta sensibilidade, também intuí-
referente ao caráter errôneo de outras da como “hiper-visibilidade” (Oden), ou
igrejas, que consta na versão anglicana seja, a confusão entre a Igreja empírica e
(trecho em negrito na nota de rodapé 38). a Igreja encoberta. As marcas da Igreja
precisam ser lidas a partir dos princípios
7. A importância,para do evangelho e seu convite para a liberda-
hoje, das notae ecclesiae de da fé (Ebeling, Moltmann). É ele que
e da sua relação com a i- preserva a busca da unidade, da santida-
de, da catolicidade e da apostolicidade,
greja visível e a igreja en-
do legalismo, do institucionalismo, do falso
coberta
orgulho e auto-engano. Somente assim
Até aqui, percorremos este caminho a pode-se vivenciar o “mínimo histórico da
fim de dialogar a uma conversa contínua catolicidade” (Volf), a abertura fraternal
sobre a essência da Igreja. As dogmáticas com a outra igreja, apesar dela ser uma
citadas tentam relacionar esta herança “grande pecadora” (Kehl), “não livre de
com seu respectivo cotidiano. Justamente pecado” (Maraschin) ou “santa em graus
durante os conflitos duros entre os refor- diferentes” (Wesley). A Igreja é “ao mes-
madores e a Igreja Católica, entre o mo- mo tempo communio peccatorum e com-
vimento metodista e a Igreja Anglicana e munio sanctorum” (Moltmann) ou, não
entre a posição pentecostal e a posição somente uma “comunhão daqueles que
católica e ortodoxa, as notae ecclesiae crêem”, mas também “uma comunhão
lembram que não há dois ou mais corpos daqueles que buscam” (Klaiber e Mar-
de Cristo, mas um corpo só. É com esta quardt). Há uma diferença entre os dois
percepção que a fala da Igreja como “una” pronunciamentos, sem dúvida nenhuma; o
se sente compromissada. primeiro é muitas vezes lido com um tom
Mas, isso ainda não responde a per- de resignação: não espere muito da igreja.
gunta “sobre qual igreja estas notae eccle- A idéia da busca parece mais corajosa,
siae falam?” Moltmann lembra, com toda mas também não abraça nenhum triunfa-
razão que, a defesa da unidade da Igreja lismo. Na mesma direção aponta a busca
da santidade como “capacidade de `ouvir
o que lhe é dito...´” (Maraschin). O mundo
precisa mudar, a Igreja precisa ser refor-
45
IGREJA METODISTA, Cânones da Igreja Metodista
2007, p. 40. Compare essa versão com o artigo XIX
mada, as pessoas precisam procurar a sua
da Igreja Anglicana: “Article XIX Of the Church: The transformação – disso há um consenso.
visible Church of Christ is a congregation of faithful
men, in the which the pure word of God is preached Mas, o que encanta e leva à transforma-
and the sacraments be duly ministered according to
Christ's ordinance in all those things that of neces- ção é o evangelho, não o esforço sem a
sity are requisite to the same. As the Church of Je- graça; não a lei eclesiástica exercida sobre
rusalem, Alexandria, and Antioch have erred: so
also the Church of Rome hath erred, not only in o protecionismo do estado; não a falta de
their living and manner of ceremonies, but also in
matters of faith” (negrito pelo autor). liberdade anulada pela supremacia alcan-

98 Helmut RENDERS, As notae eclesiae do Credo Niceno-Constantinopolitano.


çada dentro de uma igreja empírica em o. Também, nesta perspectiva mais favo-
relação às práticas espirituais, aos bens rável à igreja como instituição, a busca da
simbólicos, ou às perspectivas teológicas; unidade, da santidade, da catolicidade e
não o fervor que num instante altera pes- apostolicidade não é considerada fácil
soas sem transformá-las em profundidade. porque ela não existe se não for em Cristo
Então, as notae ecclesiae seriam apenas (Haerle) ou no Espírito (Kehl); mas, ela
marcas escatológicas da Igreja ou são, pode nascer e amadurecer um pouco em
orientações para o cotidiano, marcas a cada minuto que a palavra é ouvida e os
serem envolvidas nos planejamentos es- sacramentos (Barth, Moltmann) – e os
tratégicos das igrejas empíricas? outros meios da graça – são recebidas.
Mas, relações oficiais intra-
7.1 As notae ecclesiae, a Igreja eclesiásticas, não raramente acabam por
visível e a Igreja encoberta: se enganar sobre o estado real da relação
o problema do entusiasmo e precisam de um convívio qualitativo para
institucional e individual
se recuperar (Ebeling). O mesmo auto-
Para a relação entre as igrejas vale engano encontra-se com freqüência entre
que também se observe o que vale entre os movimentos religiosos com tendências
pessoas: relações juridicamente estabele- legalistas. Quantas vezes prevalece o
cidas não garantem a vida, tão pouco a princípio formal e corre-se o perigo de
contínua fuga da formalização desta vida. confundir a aparência da vida com a vida
Relações precisam de coragem e da des- real! A mera existência de instituições
coberta dos limites de si mesmo e do tampouco garante a vida como qualquer
outro, necessitam do remédio do evange- outra definição (literalmente, estabeleci-
lho. Nos porões da polícia ditatorial re- mento de fronteiras) ou lei. Então, seja no
pressiva nascia a possibilidade de uma nível institucional ou no nível individual ou
ecumene bradielrio, que hoje, inversa- pessoal, a aproximação entre o invisível e
mente, vai minguando, justamente, na o visível, ou o divino e o humano, o corpo
autoria da redemocratização no país. de Cristo e a igreja empírica, entre ideal e
Os luteranos, certamente, confiam real, não é fácil; e, uma vez alcançada,
mais na igreja como instituição do que os não éautomaticamente garantida para
calvinistas não armenianos, embora não sempre. Há uniões que não são mais uni-
nas dimensões católicas. Como Lutero, ões, consensos que se esvaziaram, espe-
Tillich e Haerle seguem uma interpretação ranças que não se concretizaram e que
mais relacional entre a igreja visível e foram, lentamente, abandonados ou tro-
encoberta (oculta ou invisível). Eles apro- cados por algo, supostamente, mais pro-
ximam o aspecto escatológico e histórico missor. Mas, a interpretação qualitativa
ou empírico da Igreja sem confundi-los. As das marcas da Igreja não deve ser usada
marcas começam a desafiar a igreja. De para desqualificar o seu aspecto quantita-
uma forma diferente, mas próxima no tivo, mais visível e, desta forma, também
resultado, a santidade bíblica (Wesley) se mais disposto a análises e críticas; diferen-
prova e, ao mesmo tempo, se descobre e te, ela deve contribuir para qualificar as
se renova no cotidiano, na vida, no desafi-

Revista Caminhando v. 13, n. 21, p. 61-78, jan-mai 2008 99


nossas formas e desafiar as nossas práti- igreja visível (Brunner47, Joest). Poucos
cas. reformados lêem as notae ecclesiae não
Hoje em dia, com muita facilidade se- como condição para (des)considerar a
de-se à tentação de se enganar sobre as igreja como verdadeira, mas como sinais
qualidades celestiais dos indivíduos e sub- de esperança para o mundo (Molltmann).
estima-se a importância da igreja como A preferência para a leitura calvinista
um corpo organizado e bem administrado, não-armeniana da Igreja e sua fundamen-
de forma transparente e participativa, tal desconfiança em relação às instituições
para ter um impacto contínuo e um clima eclesiásticas deve ser lida também a partir
interno alegre e confiante. É muito prová- das experiências reais das igrejas protes-
vel que logo depois do desencantamento tantes no Brasil nos séculos XIX e XX. Pou-
com a igreja institucionalizada – tendência cas eram as possibilidades de uma partici-
protestante – virá o desencantamento pação real na sociedade, e rapidamente
com o ser humano entusiasmado. Organi- elas foram interrompidas por fases naciona-
zações e comissões intra-eclesiásticas listas ou ditaduras, tendencialmente, pro-
podem se enganar sobre o seu estado católicas, ou seja, pouco ecumêicas. Rela-
real, mas também podem se enganar cionar as notae ecclesiae com a igreja visí-
aqueles/as que julgam a sua fé como vel, não significa de abraçar todos os as-
extremamente impactante e vibrante e pectos de uma compreensão de uma igreja
que vivem de evento a evento por depen- imperial, nacional ou estadual. Da mesma
der de fortes estímulos. O desencanta- forma, as igreja que nasceram na persegui-
mento é um desafio para toda a Igreja ção ou enfrentaram uma certa rejeição por
Cristã e todas as suas vertentes. igrejas oficiais, não são obrigadas de se
desencantar totalmente com a igreja cristã
7.2 As notae ecclesiae e a como instituição.
interpretação da Igreja em
termos quantitativos ou 7.3 As notae eclesiae como
qualitativos: tendências horizonte utópico do
místicas e a desesperada compromisso divino para
entrega do mundo a si mesmo com o mundo e compromisso
“Para a teologia reformada a ecclesiae humano para com o Reino
invisibilis é a Igreja dos predestinados, a Horizontes de esperança sempre nos
ecclesiae visibilis é a igreja dos vocaciona- elevam além daquilo que é; porém, não
dos.”46 Este julgamento de Trilhaas não existe nenhum “horizonte” que não acom-
contempla todas as posições reformadas panhe, exatamente, a terra sobre a qual
aqui apresentadas. Mas, também não ele se eleva. As realidades terrestres não
podemos ignorar a tendência da perspec- devem se tornar o cativeiro da esperança
tiva reformada de se mostrar muito mais
cética em relação ao potencial real da

47
São elas que desafiam mais a idéia da igreja
institucional. Cf. BRUNNER, Emil. Equívoco sobre a
Igreja. Tradução Paulo Arantes. São Paulo, SP: Edi-
46
TRILHAAS. Dogmatik, p. 511. tora Cristã Novo Século, 2ª impressão, 2004.

100 Helmut RENDERS, As notae eclesiae do Credo Niceno-Constantinopolitano.


do Reino de Deus, mas a esperança do mento, que se encanta, cada dia
Reino de Deus precisa ser esclarecida de novo, na incondicionalidade da
dentro das condições ou realidades da vida graça e, por causa disso, sabe se
cotidiana. A Igreja faz parte desta tensão.
levantar e sabe motivar outros/as
Nela se encontram terra e céu, ela é corpo
para fazer o mesmo em conjunto;
de Cristo e comunhão de fiéis, sendo e-
les/as também, às vezes, os/as “infiéis”. de uma catolicidade que desco-
Julgar a Igreja a partir de ideais absolutos bre e reconhece no outro o pró-
revela tanto a falta de prudência como a prio Cristo e, por causa disso, de-
desistência de ideais e a preguiça de avali- senvolve a estranha noção de vi-
ar o estado real das igrejas, mesmo que
ver numa casa comum habitada
talvez seja, simplesmente, por falta de
por todos nós (ecumenicidade) e
esperança.
Mas, nem tudo que parece ser uma mantida por Deus, e que sabe en-

revelação é de Deus e nem toda forma de xergar os sinais do Reino em to-


organização, planejamento ou análise é dos os tempos e todos os lugares;
um impedimento ou encobrimento da ação e
divina. Há uma relação entre organização de uma apostolicidade que se ins-
e impacto. Há uma relação entre a frag-
pira no passado e não desiste do
mentação da Igreja e sua perda de visibi-
presente, que não idealiza o pas-
lidade ou de significância na sociedade
pós-moderna, há uma relação entra a sado e não diaboliza o presente,
ênfase na igreja invisível e sua real invisi- que não ignora o passado e não
bilidade na sociedade atual e há também idolatra o momento, que toma
uma relação entre a confusão de estrutu- partido para o/a outro/a do jeito
ras com a vida real e o impacto da Igreja
como Jesus de Nazaré tomou par-
na sociedade.
tido para nós.
Nesta situação as notae ecclesiae ali-
mentam uma esperança Neste sentido, as notae ecclesiae des-

de uma unidade que sabe se enri- crevem uma Igreja que ainda não foi vis-
ta. Mas, quem disse que já vimos tudo,
quecer justamente pela diversida-
inclusive, sobre condições terrestres?
de, que investe num projeto além
Quem disse que mesmo o “mínimo históri-
de si mesma, da sua igreja e ao co da catolicidade” (Volf) já foi alcança-
mesmo tempo sabe criar e cuidar do? Todas as vozes aqui apresentadas
de lugares particulares de encon- mostram como cada igreja “luta” com a
tro e de re-encanto, segundo o sua compreensão confessional da relação
entre os quatro elementos das marcas da
perfil de um povo, de uma cidade
Igreja. E, para a Igreja Metodista no Bra-
ou de um bairro;
sil, como se relaciona a busca da santida-
de uma santidade que não se de – como um dos elementos das notae
cansa de apostar no madureci- ecclesiae – com a busca da unidade, cato-

Revista Caminhando v. 13, n. 21, p. 61-78, jan-mai 2008 101


licidade e apostolicidade da Igreja? Acre- cedora e muito importante para toda Igre-
ditamos que esta discussão seja enrique- ja Cristã.

102 Helmut RENDERS, As notae eclesiae do Credo Niceno-Constantinopolitano.

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