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All content following this page was uploaded by Diego Carlos Zanella on 22 March 2016.
Resumo:
O texto tem a pretensão de discorrer sobre um dos principais problemas da ética kantiana, a
saber, como é possível a liberdade? Para Kant a ação moral só é possível se for por dever, isto
é, obedecendo a lei na forma do imperativo categórico, que ele criou para si próprio. Dessa
forma o homem é autor e submisso à mesma lei. Kant resolve esse problema afirmando que o
homem, enquanto ser racional é membro de dois mundos: o inteligível (onde ele cria a lei) e o
sensível (onde ele é submisso a ela).
legislação. Assim, a autonomia é a propriedade da vontade de ser em todas as ações uma lei
para si mesma (cf. Kant, 2004, p.99). Em outros termos, não significa outra coisa senão que a
vontade, enquanto uma causalidade tem a si mesma por objeto de uma lei universal. Desse
modo, a vontade é ao mesmo tempo livre e também submetida à sua própria lei. Por
conseguinte, essa definição de liberdade expressa também a fórmula do imperativo
categórico5. Mas, com essa derivação, a validade prática da lei moral ainda não é
demonstrada, e proposições tais como: “uma vontade absolutamente boa é aquela cuja
máxima pode sempre conter-se a si mesma em si, considerada como lei universal” (Kant,
2004, p.94), são sintéticas, pois requerem um conceito que não está contido analiticamente no
princípio da moralidade. Segundo Kant, o conceito positivo de liberdade cria esse terceiro
elemento que não pode ser um conceito empírico, mas deve ser totalmente a priori (cf. Kant,
2004, p.94).
É uma conseqüência necessária supor que, se a vontade é uma causalidade atribuída
à razão pura, e a liberdade é a propriedade dessa causalidade, então temos que atribuir a
liberdade também a todos os seres racionais em geral. Essa universalização é válida também
para a lei moral que, se “nos serve de lei somente enquanto somos seres racionais, tem ela
que valer também para todos os seres racionais” (Kant, 2004, p.95). A liberdade é condição da
lei moral, no entanto, é também uma idéia cuja realidade objetiva é em si mesma, duvidosa,
pois Kant deixou claro na Dialética Transcendental da Crítica da Razão Pura, que a mesma
não se refere a nenhum objeto dado na intuição sensível. Apesar disso, a idéia de liberdade
constitui um pressuposto necessário e aparentemente suficiente do princípio da moralidade e
da liberdade prática, pois “todo o ser que não pode agir sob a idéia de liberdade, é por isso
mesmo, em sentido prático, verdadeiramente livre (...)” (Kant, 2004, p.95). Desse pressuposto
segue-se outro, ou seja, “a todo o ser racional que tem uma vontade temos que atribuir-lhe
necessariamente a idéia da liberdade, sob a qual ele unicamente pode agir” (Kant, 2004, p.95-
96). Esse recurso de Kant se baseia no fato de que a liberdade não pode provir da experiência,
tampouco pode ser inventada arbitrariamente. Pois, já que dela depende o princípio da
autonomia e, consequentemente, a própria lei moral, que não é senão a auto-legislação, a
liberdade só pode ser pressuposta enquanto uma idéia da qual os seres racionais tem
consciência. Através dessa idéia a razão pode ser pensada como prática em si mesma, ou seja,
O simples fato de que a lei moral se refere em última instância à idéia de liberdade
não significa que com isso está demonstrada a possibilidade real da liberdade, mas apenas que
Da idéia de liberdade segue-se a consciência de uma lei de ação que diz “que os
princípios subjetivos das ações, isto é as máximas, têm que ser sempre tomados de modo a
valerem também objetivamente, quer dizer a valerem universalmente como princípios e,
portanto a poderem servir para a nossa própria legislação universal” (Kant, 2004, p.97).
A universalização da lei moral, que requer das máximas, enquanto princípios
subjetivos, também uma validade objetiva, traz consigo uma situação paradoxal, ou seja,
temos que pensar a vontade como livre e ao mesmo tempo submetida a sua própria legislação.
Mas, a partir disso, não podemos mais explicar porque temos de nos submeter à lei moral,
nem tampouco porque devemos tomar interesse por ela, ou, o que é o mesmo, “por que é que
a validade universal da nossa máxima, considerada como lei, tem de ser a condição limitativa
das nossas ações” (Kant, 2004, p.98). Para Kant, mostrar a possibilidade meramente lógica da
lei moral não é suficiente, pois, nessa derivação se manifesta “uma espécie de círculo
vicioso”, ou seja, “considerarmo-nos como livres na ordem das causas eficientes, para nos
pensarmos submetidos a leis morais na ordem dos fins, e depois pensamo-nos como
submetidos a estas leis porque nos atribuímos a liberdade da vontade” (Kant, 2004, p.98-99).
Se, por um lado, Kant tem de mostrar que a lei moral é obrigatória para os seres racionais
finitos, deve também poder mostrar que temos um interesse por essa lei. O que, não obstante,
está claro é o fato de que a lei moral, no caso dos seres racionais em geral, se manifesta como
um puro querer. No entanto, para seres racionais finitos, cuja faculdade de desejar está sujeita
também à determinação por móbiles empíricos e, portanto, subjetivos, constitui um dever. O
conceito de dever só pode ser admitido com o pressuposto de que o princípio da moralidade é
objetivamente válido enquanto um imperativo categórico.
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A solução que Kant propõe à questão se baseia na distinção que faz entre fenômeno e
coisa em si (noumêno). Todas as nossas representações sensíveis são apenas fenômenos que
constituem os únicos objetos de todo o nosso conhecimento. Mas, é preciso pressupor como
estando na base desses fenômenos as coisas em si, das quais não podemos ter conhecimento
algum. Os fenômenos nos são dados mediante intuição sensível em relação aos quais somos
simplesmente passivos. Já as coisas em si, são puros entes do entendimento, pois, são
produtos da espontaneidade do nosso pensamento, mas nem por isso invenções arbitrárias.
Dessa separação entre fenômeno e coisa em si, diz Kant, “tem de resultar a distinção, embora
grosseira, entre um mundo sensível e um mundo inteligível, o primeiro dos quais pode variar
muito segundo a diferença de sensibilidade dos diversos espectadores, enquanto o segundo,
que lhe serve de base, permanece idêntico” (Kant, 2004, p.100). Essa divisão não diz respeito
apenas aos objetos em geral, mas também ao sujeito. Consequentemente, o homem como
integrante do mundo sensível se conhece pelo sentido interno como fenômeno. Mas, enquanto
integrante do mundo inteligível, não pode se conhecer a si mesmo, embora tenha
necessariamente que pressupor em si uma atividade da qual tem consciência imediata e que
constitui o seu eu inteligível. De acordo com as suas inclinações, que são simples percepções,
é meramente passivo, mas enquanto ser inteligível se pensa a si mesmo como pura
espontaneidade.
Essa espontaneidade que o homem encontra em si mesmo é “uma faculdade pela
qual se distingue de todas as outras coisas, e até de si mesmo, na medida em que ele é afetado
por objetos; essa faculdade é a razão” (Kant, 2004, p.101). Embora o entendimento seja
também atividade própria, os seus conceitos servem unicamente para determinar objetos, isto
é, “submeter a regras as representações sensíveis” (Kant, 2004, p.101). A razão, ao contrário,
com os seus conceitos puros (idéias) ultrapassa o âmbito da experiência e mediante uma
atividade pura pensa as coisas em si e separa o mundo em sensível e inteligível, determinando
com isso também os limites do entendimento.
Uma vez que o homem é participante de dois mundos, tem que se admitir também
duas legislações. Enquanto ser sensível, todas as suas ações são determinadas segundo leis da
natureza e formam no seu conjunto uma heteronomia para a razão. Enquanto ser inteligível,
as leis podem ser dadas unicamente pela razão, em que o ser racional se considera a si mesmo
autor dessas leis sob a idéia de liberdade. Essas leis constituem para a razão o que Kant chama
de autonomia. Assim como o fenômeno está na base das leis da natureza, analogamente, a
idéia de liberdade está na base da lei moral. Kant pretende com isso ter resolvido o “círculo
vicioso”, que se manifesta quando liberdade e submissão à lei moral são pensadas como
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conceitos que servem de fundamento um ao outro e que coexistem num e mesmo sujeito;
Pois agora vemos que, quando nos pensamos livres, nos transpomos
para o mundo inteligível como seus membros e reconhecemos a
autonomia da vontade juntamente com a sua conseqüência – a
moralidade; mas quando nos pensamos como obrigados, consideramo-
nos como pertencentes ao mundo sensível e, contudo ao mesmo tempo
também ao mundo inteligível (Kant, 2004, p.103).
Referências Bibliográficas