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Resenha - Liberalismo e sindicato no Brasil – Luis Werneck Vianna

Luis Werneck Vianna analisa a formação do capitalismo brasileiro, explicitando suas

peculiaridades e contradições. Para realizar tal análise o autor estuda a situação do mercado de

trabalho e o comportamento dos empresários e da classe operária na Primeira República. Segundo

sua análise, o capitalismo brasileiro resultaria de uma da identidade entre oligarquia agrário-

exportadora e burguesia industrial. Ao introduzir o trabalho ele desenvolve uma série de conceitos

que serão utilizados no decorrer da obra.

Para Vianna o movimento de 30 consistiu principalmente numa reordenação institucional-legal

da dominação burguesa. É a livre circulação das mercadorias, especialmente a da força de trabalho

que caracteriza a concepção de mundo liberal, mas com a ampliação dos direitos à cidadania houve

uma reorientação do papel do Estado, a redefinição do privado diante da ordem pública e a

intervenção legal no mercado de trabalho através da paulatina criação de um Direito do Trabalho,

dessa maneira admitia-se os sindicatos substituído a figura do contratante individual. Decorre que do

liberalismo passa-se para o corporativismo que obriga à cooperação e à harmonia homens

desigualmente proprietários pela força da norma legal e do imperativo ético. Tal cooperação se

produz pela lei pela ética.

Separa-se o “homem privado” do “homem público”, o primeiro é movido por impulsos

egoístas, enquanto o segundo vive no interior de uma ordem cooperativa. Daí decorre a separação

entre o privado e o público. O homem público seria fruto da transferência dos direitos de cidadania

ao Estado. Devido à tal transferência o Estado deve manter o “Estado de Paz.”

Para que o interesse privado se torne público é preciso que o interesse privado se aproprie do

público, e que o faça em nome de um “universal”. Utilizando-se de uma abordagem gramsciana o

autor demonstra como se dá tal apropriação: os mecanismos de reprodução de hegemonia não são

unicamente compostos dos meios de coerção, tais mecanismos buscam estabelecer o consenso.

Quando tal objetivo é atingido, se transforma em um “senso comum”. Para sua realização, o sistema

de hegemonia depende de um projeto integrador que articule o todo social. Para que isso ocorra é
necessário a emergência de um grupo social que se apresente como expressão universal. A

reprodução seria realizada nos ‘aparelhos ideológicos do Estado’, localizado fora do “aparelho

estatal”. Para deter o poder é necessário repô-lo, o que implica em um domínio “não-material”, sobre

as instituições que trabalham os valores sociais.

A importância do “intelectual orgânico” está no fato de que a disputa de poder não se realiza

somente no “terreno político e militar”, mas também na maneira como as diferentes “frações de

classe” enxergam sua realidade. É o “intelectual orgânico” que as conduz a esse campo de batalha

especial.

Quando tal ação parte do Estado, pode vir qualificada como “comunitária” esse comunitarismo

atua sobre o “egoísmo” do homem liberal, reduzindo-o diante dos objetivos “públicos”, que visam

manter a “paz social”. As disputas sociais, a partir daí são reguladas por uma legislação, com o

objetivo de solidarizar seus componentes em um “todo orgânico”. O Estado busca a harmonia entre

os grupos sociais intervindo legalmente sobre todas as atividades presentes na sociedade civil. O

Estado a partir desse ponto prevê, contém e institucionaliza os conflitos sociais.

Decorre que o Direito do Trabalho, de conquista das classes subalternas, vira-se contra elas. A

forma mercantil que se preside a compra e a venda da força de trabalho é suprimida pela lei. Dessa

maneira a força de trabalho já não é mais reconhecida como mercadoria e seus proprietários estão

excluídos da sociedade mercantil.

No capitalismo “pós-concorrencial”, a ação de setores socialmente emergentes provocou a

criação pelo Estado de novas instituições para canalizar novas demandas. Reconhecem-se os

sindicatos. A economia, se torna função do novo tipo de Estado. O privado, para manter seu status

precisa exercer funções de interesse público. Público e privado, separados pelo liberalismo clássico

encontram-se de certa forma reunidos novamente sob o neoliberalismo.

No primeiro capítulo o autor analisa as tradições a respeito da criação das leis trabalhistas, a

primeira que tratava tais leis como que outorgadas pelo Estado, a segunda tratava a revolução de 30

como um divisor, em que a ‘questão social’ teria deixado de se tratar de um ‘caso de polícia’, em

que o Estado disciplinaria o mercado de trabalho de maneira a beneficiar os assalariados. De acordo


com o autor ambas interpretações disfarçavam o caráter controlador e repressivo do comportamento

operário realizado pela legislação trabalhista.

Tais vertentes descartam o papel desorganizador do Estado pós-30 e introduzem o caráter

burocrático das lideranças operárias emergentes. Deixava-se de lado que as leis trabalhistas

possuíam a intenção de restringir a ação e organização operária. Dessa maneira a legislação passou a

ser vista como a realização de um contrato celebrado entre o Estado e a classe operária organizada.

A legislação trabalhista antecede ao Estado de 30, Segundo Vianna afirmar que tais direitos

não têm vigência prática por descumprimento da lei e ausência de fiscalização não corresponde

inteiramente à realidade, já que eram conhecidas nos pólos dominantes do sistema. Segundo o autor

a diferença entre a legislação pré e pós 30 está no fato de que esta foi mais intervencionista que

aquela e que tal processo explicita o rearranjo da ordem que, de liberal, tornou-se corporativa.

A partir da organização da ANL e a conseqüente repressão aos sindicatos, o centro da criação

da legislação social, estará no controle político e social das classes subalternas, essa se tornará uma

questão que afeta toda a sociedade. Após 1935, as dissidências entre as facções da classe dominante,

cedem lugar a uma proposta em nome do corporativismo. O autor relaciona o abandono do

liberalismo político com a reavaliação da legislação trabalhista por parte das elites e classes

dominantes.

O autor sugere que os critérios de periodização do movimento sindical devem conter o sistema

de articulação institucional-legal do movimento operário e sindical com a sociedade inclusiva. De

acordo com sua proposta é importante considerar o movimento operário como um dado isolado do

sindical, na medida em que o movimento operário tem a possibilidade de agir por fora dos marcos

institucionais.

Pelo critério adotado a divisão seria feita em nove períodos, dispostos de acordo com a

variação institucional ocorrida na definição das organizações sindicais, combinados com o papel

desempenhado sobre o mercado pelo Estado e pelo movimento operário e sindical.


Segundo Vianna a legislação social do Governo Provisório resultava de uma articulação entre a

primazia militar e jacobinismo de largos setores das camadas médias urbanas. A reação agrário-

exportadora encontrará sua justificativa no liberalismo e sua construção política.

O liberalismo da Constituição de 1891 será um modelo legal adequado à ordem oligárquica.

Para organizarem o aparato estatal de acordo com seus interesses os estados que possuíam atividades

agrário-exportadoras precisavam de uma concepção mercantil da vida social. A administração de

seus negócios só poderia conviver com o “Estado arbitral do liberalismo”. A fim de concentrar

recursos e expandir a acumulação tais estados necessitaram da ordem federativa. Caso contrário a

concepção distributivista prevaleceria e a renda do comércio exterior serviria para estimular o

desenvolvimento dos estados não-exportadores. Federação e ortodoxia liberal seriam noções

indissoluvelmente vinculadas, para manter tal sistema de dominação.

De acordo com a concepção oligárquica a legislação trabalhista deveria se limitar à cidade,

permanecendo intocatadas as relações de trabalho do mundo agrário. ‘O liberalismo oligárquico’,

como afirma Vianna, ao não criar nenhum dispositivo que regule o mercado de trabalho deixa o

campo livre para a organização da sociedade civil e sua ação no campo das lutas sociais.

A única lei que atuava que sobre o mundo do trabalho, se referia à vida associativa operária,

através da qual todos os profissionais teriam livre direito de associação, de acordo com a lei tais

organizações seriam independentemente de autorização prévia do governo, mas deveriam se pautar

pelos princípios de harmonia entre o capital e o trabalho.

O autor demonstra que a questão sindical é o foco da discussão sobre as leis trabalhistas no

período de 1891 e 1919, já que o período é marcado pela “ortodoxia liberal” e o Estado pouco se

atém a questões referentes ao mundo do trabalho. A ausência de uma regulação do mercado de

trabalho fez com que o operariado se organizasse em prol de seus direitos, tal movimentação tomou

dimensões que preocupavam o Estado e as “facções dominantes”, fazendo com que houvesse uma

mudança de atitude em relação ao mercado de trabalho, essa mudança de postura é marcada pelo

esforço do governo em cooptar politicamente a classe operária, através de obras de caráter

assistencial e à criação de sindicatos ligados ao governo.


Em 1919 após o a assinatura do Tratado de Versailles pelo governo brasileiro, havia a

obrigação de se cumprir algumas recomendações a favor dos trabalhadores. Dessa maneira chegava

ao fim o princípio contratualista individualista, de acordo com o autor: retifica-se o pacto liberal por

pressão das classes subalternas.

Sobre o período de 1919 a 1930, o autor afirma que o Estado intervém no mercado de trabalho,

ainda através dos preceitos de “liberdade profissional” de 1891. A emenda 22 resolveu tal

contradição, delegando ao Congresso Nacional a competência para legislar sobre o trabalho, a partir

daí o parlamento passa a legislar sobre a matéria trabalhista.

No segundo capítulo o autor nos mostra que existem três variações de posição da burguesia

industrial na década de 20 no que se refere à legislação trabalhista. A primeira, situada nos anos pré-

30, será caracterizada por um liberalismo extremo; a segunda será a incorporação consentida da

legislação pelos empresários; a terceira e última será sua identificação com o direito social, no

momento em que a estrutura corporativa e sindical se torna o projeto consensual das elites e classes

dominantes. No espaço de dez anos, há um deslocamento do ultraliberalismo ao corporativismo.

A hipótese do autor é que a posição da facção industrial não deve ser reduzida ao simples uso

da força, ele acredita que havia um compromisso real dos industriais com o liberalismo. O autor

pretende demonstrar que a singularidade da facção industrial residirá na sua compatibilidade os

agrários, mas o segredo de tal compatibilidade consiste no liberalismo ortodoxo que a oligarquia foi

levada a criar para legitimar a idéia de federação.

No fordismo é a fábrica é um aparelho fundamental de hegemonia é construída, através da

constituição de valores e de práticas nela inscrita, dessa maneira o trabalhador é submetido ao

capital. Para produzir o consenso, a fábrica adapta e integra a classe operária. A fábrica vai ao

encontro de algumas necessidades da classe operária, tais como: racionalização, ideologia do

trabalho, salários altos e bem-estar resumem a fórmula geral do fordismo. Ao combinar coerção e

persuasão, o fordismo é o exemplo do liberalismo no estabelecimento da indústria.

O autor dedica o restante do capítulo ao estudo das críticas dos empresários feitas à lei de

férias, código do trabalho do menor e lei das caixas de seguros contra doenças. As críticas dos
empresários se baseiam nos princípios fordistas de “educação” do operariado, no aumento dos custos

da mão-de-obra.

No terceiro capítulo o autor afirma que o final dos anos 20 é marcado por uma crise que atinge

várias dimensões da vida social e uma adesão ao liberalismo. O fato de a burguesia agrária depender

do mercado externo, a impedia de atender às reivindicações dos setores envolvidos com a questão

interna. Decorre daí que a oligarquia agrária sustenta-se no seu liberalismo excludente, promovendo

pequenas alterações para romper seu isolamento. Se os interesses dos grupos emergentes se

acoplassem a ela, sem prejuízo das suas reivindicações, a elite oligárquica poderia realizar uma série

de reformas que atualizassem a política em curso aumentando o número de seus protagonistas. Para

reproduzir seus ganhos econômicos o setor agrário exportador não transferia seus recursos para as

demais frações de classe e mantinha seu regime excludente. O que evidencia a inviabilidade da

economia agroexportadora, na medida em que só podia se afirmar às custas dos demais setores

sociais e do controle oligárquico do Estado. Algumas tensões urbanas são atiradas para cima dos

industriais, estes setores defenderão um retorno à “ortodoxia liberal”.

De acordo com Vianna a noção de que o sistema agrário-exportador conseguiu compor um

bloco hegemônico no poder não corresponde à realidade do período. O liberalismo excludente da

Primeira República mal conteve no bloco dominante as facções oligárquicas não exportadoras,

alinhando-as em nome da defesa da propriedade latifundiária e do mandonismo local. As demais

classes, camadas e estratos, inclusive a burguesia industrial, permaneceram à margem da política do

Estado.

A desestruturação da ordem oligárquica se dará quando a insatisfação da oligarquia não

exportadora se unir com a insatisfação do movimento operário e das classes médias urbanas. Por fim

o movimento operário ficará marginalizado de tal eixo, o que não imobilizará sua ação. A questão

central será a democratização da ordem liberal. Sobre o exército se depositarão as esperanças das

forças liberais democratizantes. O tenentismo se estabelecia como movimento antioligárquico,

quando reivindicava a abertura do pacto liberal, ou a partir do momento em que se investiu da


consciência de força tutelar. A não integração coletiva no Brasil previa conflitos sociais abertos, caso

não suprida pela ação orgânica e organizadora do Estado.

A respeito da historiografia recente, Vianna identifica dois agrupamentos em relação aos

diferentes autores que abordam o movimento de 30, um que expressa o movimento de 30 como a

ascensão da burguesia industrial à dominação política e outro que vê o movimento de 30 como um

movimento das camadas médias. O estabelecimento de uma polêmica não encaminha para a eleição

de uma ou outra perspectiva. Dessa maneira o autor isola o campo conceitual em que esses estudos

se estruturam, ambos têm um terreno comum, discutem a passagem para a dominação burguesa no

Brasil, tomando 1930 como um marco decisivo, e confundem tal passagem com dominação política

da facção industrial sobre o aparato estatal. Quando tais estudos tratam as alianças entre os agrários-

exportadores e os empresários industriais negam a possibilidade de uma ‘revolução’ burguesa em

1930, ligam a passagem para uma dominação burguesa à uma prévia existência de uma revolução

democrático-burguesa. A partir de tal análise equivocada, as várias linhas de investigação se movem

no mesmo território conceitual, o que varia é apenas o papel que é dado aos protagonistas da trama

social.

Seguindo a perspectiva de Vianna existe um consenso de que o movimento político-militar de

30 desencadeou alterações favoráveis ao sistema produtivo voltado para o mercado interno e de

outras matérias primas exportáveis, que não o café. Tal dificuldade se enraíza em uma discussão

antiga que liga essa transformação a uma vitória do capitalismo sobre forças anticapitalistas. O que

na verdade é apenas de uma diferenciação ocorrida no interior da classe burguesa, levando ao

predomínio da facção industrial. O conflito entre as facções dominantes se revestia do caráter de

uma contradição, embora não antagonística.

O autor explicita que a partir do momento em que a Aliança Liberal assumiu o poder tinha

como questões principais, a alteração do “aparato produtivo” e a ampliação da participação no

sistema político. Tais objetivos se tornaram incompatíveis. A fragilidade do novo governo impedia-o

de aplicar-se nas tarefas de realizar a acumulação que possibilitasse à modernização, exercendo o


jogo político do liberalismo, enfrentando a oposição agroexportadora e a movimentação das classes

subalternas.

A diferença entre os grupos detentores do poder, não permitia a imposição da vontade de

qualquer um deles, nem lhes dava base de legitimação. Era necessário que o Estado fosse autônomo

para estabilizar o regime perante a diversidade dos interesses. Tal Estado atenderia exclusivamente

as oligarquias, exportadoras ou não. Vianna baseando-se em Marx, nos mostra que apesar de

autônomo, o Estado continuava como guardião de classes dominantes.

Segundo Vianna, Gramsci explicita que esse tipo de Estado demonstra a necessidade das

classes dominantes se submeterem a um ‘patrão’. O Estado como um árbitro, retifica, corrige e

promove coercitivamente novos arranjos institucionais. Tal autonomia é realizada para redistribuir as

posições relativas de cada fração burguesa, o que não significa dizer que será equânime a

distribuição de recursos e privilégios, dessa maneira Estado corporativo se torna um instrumento da

burguesia para realizar o industrialismo.

O isolamento da análise da categoria marxista “Estado autônomo” e seu tratamento a partir de

procedimentos empíricos, resultarão em vários termos, como “flutuações” do Estado, “vazio” do

poder. Boris Fausto nega a natureza modernizante do Estado pré-37, pois vê uma submissão dos

industriais à oligarquia agroexportadora, devido ao fato de o crescimento do parque industrial ter

sido dificultado pelo encarecimento da importação de matérias primas para a indústria, Vianna

afirma que as “evidências empíricas” não fundamentam tal teoria. Já que tal visão afirma que o

processo de ‘industrialização por rupturas’, é um elemento de entrave à formação de um grupo social

estável por parte da burguesia industrial.

Tais vertentes entendem que a modernização e a industrialização não estão presentes na

vontade política dos dirigentes do Estado no pré-37, a forma corporativa do regime e a legislação

trabalhista não se relacionam com uma estratégia de acumulação capitalista. Entendem que são

medidas que regulam os conflitos entre as facções dominantes. Dessa maneira, a legislação

trabalhista não teria como objetivo favorecer a acumulação de capital, efetivando apenas o controle
político da classe operária a fim de mantê-la neutra diante da instabilidade do processo de

industrialização A legislação trabalhista não atingiria a dimensão econômica.

De acordo com a análise de Robert Rowland, o Estado pós-30 teria feito da agência de poder o

lugar de manipulação das tensões políticas das facções dominantes. O estabelecimento da nova

ordem trabalharia a favor da unidade e integração nacional, assim como a centralização do Estado,

seguindo a intenção política dos militares e das lideranças agrárias tradicionais. Sua conclusão é a de

que a industrialização teria sido realizada pelo Estado sem pressões da burguesia industrial, que teria

sido realizada de maneira indireta, pois a burguesia industrial não detinha o poder. Apesar de

perceber que a Revolução de 30 como semelhante a uma revolução burguesa.

O corporativismo é visto como indiferente à burguesia industrial, já que obedeceu a vários

critérios políticos dos quais ela ficou de fora. Vianna percebe que o corporativismo não é uma

construção da burguesia, já que os princípios corporativos se situam fora das concepções

individualistas dessa classe. É certo que o homem burguês não se submete ao Estado corporativo por

vontade própria. Sua adesão se dá à medida em que seus interesses de expansão da sua capacidade

de acumular são defendidos no interior desse Estado.

De acordo com Vianna, Vargas rejeita o neoliberalismo que pautou a campanha presidencial.

Passa a defender a imposição do modelo corporativo para uniformizar a sociedade e evitar os atritos.

A fórmula corporativa ultrapassa o campo político. Para tal o Estado, de acordo com Vargas,

aglutina os interesses privados, e interfere nos variados campos da vida social.

Vianna fala sobre o conceito de revolução “pelo alto” e modernização, para tal utiliza-se da

hipótese de Lênin sobre a formação do modo de produção capitalista, para ele que existem dois tipos

de transformação do mundo agrário, o modelo prussiano e o norte-americano. O primeiro seria

baseado na grande propriedade. Nesse caso o fim das antigas relações de propriedade no campo se

faz por meio de uma “adaptação progressiva ao capitalismo”. O modelo norte-americano em que a

pequena propriedade elimina revolucionariamente o latifúndio feudal, desenvolvendo economia

capitalista. Uma variante estaria nas formas de propriedade camponesa que não enfrentam o tipo
feudal de apropriação de excedente e que o capitalismo se desenvolve independente de rupturas

revolucionárias.

Vianna interessa-se por recuperar a fórmula prussiana, ou ‘revolução pelo alto’, a fim de

debater sobre a modernização no pós-30. O objetivo do autor é descobrir se o Estado foi ou não

agente ativo da modernização no pré-37, e definir o objetivo da ordem corporativa e de sua

legislação social.

O autor salienta uma peculiaridade, observada na bibliografia, sobre regimes autoritários

corporativos, eles disfarçam sua intenção modernizadora, a fim de obter apoio dos setores da

pequena propriedade urbana e rural. A singularidade do caso brasileiro de estruturação

“prussiana”,estaria no fato de o setor agroexportador, o mais desenvolvido, ter sido desalojado do

poder pelo setor não-exportador, o menos desenvolvido. A Revolução “pelo alto” pressupõe a

conservação do sistema político. Segundo Vianna de certo modo toda revolução “pelo alto” assume

a forma de uma revolução “passiva”.

Sobre as leis trabalhistas, segundo o autor, no pré 35 a desmobilização possuir o caráter

fundamental na mudança estrutural que leva ao corporativismo. Para representar as classes

subalternas, o Estado teria de liquidar suas organizações independentes, reprimir seus líderes. A

partir daí aplica a nova política, combinação de coerção e de manipulação do consenso através da via

corporativa.

O pequeno número de sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho até outubro de

1934 evidencia a resistência sindical e operária à estrutura corporativa. O sindicalismo

desmobilizava, despolitizava e devia ser controlado pelo Estado, tudo com o objetivo de aumentar os

ganhos industriais. O poder estatal detido pela elite agrária, impedia o livre crescimento do mercado

interno, pela impossibilidade de transformação do sistema de propriedade da terra.

No quarto capítulo Vianna trata do pluralismo e autonomia sindicais na constituinte de 1934,

segundo ele na constituinte de 1934, as diversas correntes procuram reorientar a constituição

segundo propostas que se alinham na pauta do corporativismo. Na nova Constituição, instaura-se o

princípio do “superior interesse da comunidade”, o qual cabe ao Estado distinguir.


De acordo com o autor a Igreja Católica postulou a favor do sindicato “livre e plural”, que

decorrerá da associação da bancada católica, associada aos juristas da primeira Constituição

republicana, representando os interesses da oligarquia agroexportadora, seu interesse estava em

diminuir os poderes detidos pelo Estado. A hipótese do autor está no fato de que o sindicalismo livre

e plural reivindicado pela Igreja, não passar de uma manobra para a realização de seu projeto

autoritário de organização da sociedade brasileira.

No pós- 30 há uma mudança no relacionamento burguesia industrial e Estado, o Ministério do

Trabalho enviará às “entidades classistas patronais” o anteprojeto de cada nova proposta a fim, de

sempre que possível obter soluções consensuais. Vianna observa, os empresário já não se justificam

através de argumentos liberais, inclusive recomendam a sindicalização.

As bases da nova constituição seriam a autonomização do regime em relação à sociedade civil,

ao Estado caberia a função de coordenador e diretor da sociedade, dessa maneira os interesses do

grupo seriam mais importantes que os individuais, o indivíduo cederia lugar ao coletivo. Daí que a

concorrência daria lugar à cooperação, que se processaria pelos sindicatos, que seriam a

“constituição orgânica dos grupos sociais”, que seriam regulados e orientados pelo Estado.

Vianna, baseando-se em T.Harding, afirma que no que se refere à negação dos direitos

políticos dos líderes sindicais, o Estado Novo se iniciou em 35. Em 1934 a Lei de Segurança

Nacional, que caracterizava a greve como crime. Frente à vitalidade do movimento Sindical as

correntes liberais e da Igreja recuarão de suas posições pluralísticas. A Igreja, satisfeita com a

permissão do Estado ao acesso à educação religiosa na rede de ensino público, desiste de sua utopia

do controle direto das “classes subalternas” através de sindicatos católicos. Os liberais perceberão

que o preço da “paz social” seria a desistência de suas pretensões em tomar o aparelho de Estado.

Manobras como a do Plano Cohen resultarão em acabar com as chances da oligarquia retomar o

poder por via eleitoral em 1937, amedrontados com as classes subalternas, os liberais aderem ao

Estado autoritário, reduzindo-os à impotência política.

A partir da caça às bruxas realizada contra as lideranças sindicais, o Estado Novo constitui-se

como uma realidade de fato. A partir do momento em que o mercado estava livre do liberalismo
ortodoxo, marcava a adoção de um sistema autoritário para as relações entre o capital e o trabalho,

que desconhecia obstáculos institucionais ou legais para a melhoria das suas possibilidades de

acumulação. A especificidade do corporativismo estava na tentativa de obter a “paz social”, para

alcançar um amplo consenso que submetesse politicamente as classes subalternas, ao contrário da

violência pura utilizada nas duas primeiras décadas do século XX. A questão central do

corporativismo era um equilíbrio entre coerção e consenso no que se referia às classes subalternas,

que deveria ser atingido em termos de uma legislação que as protegesse nas suas relações de

emprego e nas condições de seu trabalho. Os empresários somente aceitavam a interferência do

Estado na medida em que este definisse os direitos de proteção ao trabalho e a respeito do salário

mínimo, os empresários deixavam claro que não aceitavam uma real colaboração com as classes

subalternas. O Estado legitimou tal perspectiva, quando abdicou do seu poder impositivo para

obrigar a realização dos contratos coletivos. Dessa maneira a forma como o modelo autoritário-

corporativo se manifestou, tornou-se impossível sem a mediação dos empresários que legitimavam o

autoritarismo e repudiavam o corporativismo, a não ser nos seus efeitos inibidores e coercitivos da

vida associativa operária.

Os empresários buscavam se associar com os agroexportadores, a partir do princípio da

complementariedade, negando a existência de conflitos entre agrários e industriais. Ao buscar tal

identificação, os empresários reivindicavam a hegemonia de interesses no interior do Estado.

O Estado forte passa a representar um ente totalizador da vontade nacional organizada,

dissolve-se a fronteira entre sociedade civil e o Estado. O indivíduo ao ser absorvido pelo Estado se

despojava da consciência de si, daí que as classes subalternas deveriam se tornar um elemento de

colaboração com o capital. Além de o Estado Corporativo manipular as classes subalternas era

necessário se emergir como agente econômico, para cumprir seu princípio modernizante, uma vez

que o grande capital não era nacional e estava desinteressado das questões pioneiras. O Estado

mobilizava capitais para regiões atrasadas e setores produtivos a desenvolver.

A constituição de 1937 definia a iniciativa individual como fonte de riqueza nacional, o Estado

não deveria defender a igualdade social e sim expandir a produção e o poder econômico nacional.
Após a desmobilização operária realizada em 1935, o objetivo do Estado era mobilizar a classe

operária no interior dos sindicatos, controlados pelo Ministério do Trabalho. Sua ação se limitava à

controlar a vida sindical, efetivando uma razoável fiscalização das leis trabalhistas. Os sindicatos se

tornaram agências de mediação entre o trabalhador e o Estado.

Para comprovar a tese de que é em 1935 que se inicia o Estado Novo para os trabalhadores é o

fato de que os princípios da constituição de 1937 só foram aplicados dois anos mais tarde, durante

quatro anos os sindicatos se viram controlados pelo Ministério do Trabalho.

Mas a “publicização” dos sindicatos levou ao seu esvaziamento, logo foram designados aos

sindicatos papéis mais atrativos para a massa, foram criadas nessa época cooperativas de crédito e

consumo, escolas, assistência médica, entre outras. O problema seria realizar tais façanhas com seus

limitados recursos. Era perigoso que a massa assalariada se afastasse dos sindicatos, pois corria-se o

sério risco de tal classe debandarem para “organizações paralelas”, os sindicatos vazios não

cumpririam seu papel de intermediários entre Estado e classes subalternas. A solução encontrada

para tal dilema foi a criação do imposto sindical, que incidia sobre a folha de pagamentos de

afiliados ou não ao sindicato, dessa maneira os trabalhadores aparelhavam os sindicatos. O plano deu

certo, os assalariados alimentavam as instituições que os mantinham sob a dominação política do

Estado. Mas houve uma falha no plano, como as contribuições eram obrigatórias, a categoria não se

identificava com seus representantes.

Apesar de constar da constituição de 1934, o salário mínimo só foi instituído em 1936, sua

primeira tabela sairá em 1940, durante esses seis anos os salários se fixaram por seu “valor de

mercado”. Para montar a tabela, foi levado em conta o somatório das despesas diárias de um

trabalhador adulto. Para os operários de São Paulo, o salário mínimo não resultará em um aumento

de seu padrão de vida, mas para os demais assalariados de outras áreas urbanas, o salário mínimo

consistiu em um aumento real nas condições de vida dessas populações. Além disso atendeu a uma

antiga reivindicação do empresariado, o aumento do mercado interno.

De acordo com o autor a consolidação das leis do trabalho (CLT) possuía o objetivo de retirar

do mercado a disputa entre capital e trabalho, reduzindo cada vez mais a autonomia das classes
subalternas. Sua principal característica é que concebe os conflitos entre classes como uma questão

de direito, ou seja, tais conflitos seriam interpretados pelo judiciário trabalhista, cuja principal

contribuição seria trabalhar a favor da harmonia entre as classes.

Segundo Vianna a decadência do Estado Novo se iniciou em 1943, Vargas desejava reorientar

a ordem institucional sob sua liderança. Mas sua queda estava próxima e em fevereiro de 1945

propõe uma ampla revisão constitucional. Para direcionar as pressões redemocratizantes do Estado a

seu favor, Vargas assumiu a liberalização do regime, mas não abriu mão do corporativismo do

aparato estatal, que industrializavam o país.

A partir de 1944, as facções das classes dominantes abandonam o regime, e Vargas percebe no

movimento operário o melhor aliado para sua defesa, decorre daí a permissão para a organização do

MUT (Movimento Unificado dos Trabalhadores), tenta estabelecer uma comunicação direta com os

trabalhadores, deixando de lado o discurso da harmonia. A principal característica do populismo de

44 está na aliança do Estado com as classes subalternas contra alguns setores das classes dominantes.

À classe operária não restava muita escolha, já que suas opções eram redemocratização “pelo alto”

com Vargas ou se unir a uma conspiração à qual não era chamado a participar.

Até a aprovação da nova Constituição vigora a de 1937, cujas emendas permitem que o

presidente da República oriente o sentido geral da institucionalização, dessa maneira Dutra preserva

a CLT, com sua estrutura corporativa, proíbe o MUT, intervém e suspende as eleições nos sindicatos

e expurga do aparato do Estado membros simpáticos à esquerda operária. Em política liberalismo e

na economia corporativismo.

Sobre a elaboração da Constituição de 1946, Vianna afirma que a corrente da redemocratização

“pelo alto” sem Vargas, saiu-se vitoriosa e impediu a autonomia sindical, restringiu o direito de

greve, devolvendo ao Estado o corporativismo. Devido à fluidez da nova constituição, abria-se a

possibilidade de legitimação da Constituição anterior, desde que julgada compatível pelo judiciário

com a nova Carta. As Leis do Estado Novo acabam por se legitimar em uma ordem liberal. Além

disso a Carta de 1946 reafirmou o regime da CLT. Mas apesar da continuidade, o Estado pós-46

reformulou a relação Estado, capital e trabalho. O papel de ordenar e amparar a CLT que no Estado
Novo cabia ao Ministério do Trabalho, passa à Justiça do Trabalho na nova ordem. Em 1965 o

Estado suprime o papel normativo da Justiça do Trabalho, tirando-lhe o papel de árbitro das questões

salariais, passando tais questões para o foro do Estado. O efeito de tal política será o rebaixamento

dos salários reais, a partir de 1965 os salários passam a ter um movimento declinante. Isso se dará

em função da necessidade da aceleração da expansão do capital industrial. Outra questão será a lei

da estabilidade, acusada de ser responsável pela rigidez contratual, que freariam a capacidade

dinâmica das empresas. O poder regulador da Justiça do Trabalho será totalmente retirado com a

legislação sobre o Fundo de Garantia sobre o Tempo de Serviço (FGTS), que passou a orientar o

mercado a partir de pressupostos liberais próximos à ortodoxia.

O singular no liberalismo brasileiro, de acordo com o modelo de 46, foi a implantação de um

sistema político pluralista com organizações corporativas para as classes subalternas, mas no

momento em que a dominação burguesa libera as classes subalternas de uma ordem corporativa, sem

incluí-las no sistema liberal, necessita de um poder autocrático. Para mobilizar as classes subalternas

recorrem então ao projeto de “grandeza nacional”. Decorre que nem sempre o Estado será um

instrumento dócil nas mãos dos burgueses.

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