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Assim É Se Lhe Parece de Luigi Pirandello PDF
Assim É Se Lhe Parece de Luigi Pirandello PDF
Luigi
Pirandello
Tradução
de
Millôr
Fernandes
Personagens
Lamberto Laudisi
A senhora Frola
O senhor Sirelli
A senhora Sirelli
O Prefeito
O Comissário Centuri
A senhora Cini
A senhora Nenni
Numa pequena cidade italiana, na O Copeiro da casa dos Agazzi
época atual - 1916
Outros senhores e senhoras
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 2
ATO
I
Sala
de
visita
em
casa
do
Conselheiro
Agazzi.
Entrada
principal
no
fundo.
Entradas
laterais
à
direita
e
à
esquerda.
CENA
I
A
senhora
Amália,
Dina,
Laudisi.
(Ao
levantar
o
pano,
Lamberto
Laudisi
passeia
pela
sala.
É
um
homem
de
seus
quarenta
anos,
ágil,
elegante,
sem
ser
rebuscado.
Veste
um
paletó
de
cor
violeta,
com
debruns
e
alamar
pretos)
LAUDISI
-‐
Ah,
quer
dizer
então
que
teu
marido
foi
se
queixar
ao
Prefeito?
AMÁLIA
(Aproximadamente
quarenta
e
cinco
anos,
cabelos
grisalhos.
Revela
o
sentimento
de
importância
que
ocupa
na
sociedade
devido
ao
posto
do
marido.
Todavia
faz
compreender
que,
se
dependesse
dela,
representaria
o
seu
próprio
papel
diante
do
mundo
de
maneira
bem
diversa.)
-‐
Oh,
Deus,
Lamberto,
afinal
de
contas
o
homem
é
um
subordinado
dele!
LAUDISI
-‐
Subordinado
na
prefeitura
-‐
não
em
casa!
Nem
na
rua!
DINA
-‐
(Dezenove
anos.
Um
certo
ar
de
que
compreende
tudo
muito
melhor
do
que
a
mãe
e
o
pai;
isso,
porém,
não
a
faz
impertinente,
suavizado
que
é
por
uma
irresistível
graça
juvenil.)
-‐
Mas
ele
veio
colocar
a
sogra
neste
mesmo
edifício
-‐
e
neste
mesmo
andar!
LAUDISI
-‐
Ué,
e
isso
é
proibido?
Tinha
um
apartamento
vago,
ele
alugou
pra
sogra.
Existe
alguma
lei
obrigando
uma
sogra
a
prestar
vassalagem
(Caricato,
provocador)
à
esposa
e
filha
do
superior
do
genro
na
repartição?
AMÁLIA
-‐
Alguém
falou
em
obrigação?
Não
exigimos
que
ela
viesse
aqui.
Nós
é
que
fomos,
eu
e
Dina;
uma
visita
de
cortesia.
E
essa
senhora
se
recusou
a
nos
receber.
É
isso!
LAUDISI
-‐
E
que
é
que
teu
marido
foi
exigir
do
Prefeito?
Que
a
autoridade
imponha
um
ato
de
gentileza?
AMÁLIA
-‐
Um
ato
de
reparação,
desculpas,
pelo
menos.
Não
se
deixa
duas
senhoras
mofando
diante
da
porta,
como
duas
idiotas.
LAUDISI
-‐
Prepotência!
Prepotência!
Uma
pessoa
não
pode
ficar
em
paz
nem
na
própria
casa.
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 3
AMÁLIA
-‐
Ora,
você
não
está
querendo
entender.
Nós
é
que
fomos
fazer
uma
gentileza,
querendo
deixá-‐la
à
vontade
aqui
-‐
ela
é
uma
pessoa
de
fora.
DINA
-‐
O
senhor
devia
ser
mais
compreensivo
conosco,
tio.
Está
bem,
vamos
admitir
-‐
vamos
dizer
que
o
nosso
gesto
fosse
metade
cortesia,
metade
curiosidade.
Mas
o
senhor
não
acha
isso
uma
coisa
natural?
LAUDISI
-‐
Pra
quem
não
tem
mais
o
que
fazer.
DINA
–
Que
é
isso
tio?
Vê
só:
digamos
que
o
senhor
está
aqui
tratando
da
própria
vida
e
não
tomando
o
menor
conhecimento
do
que
se
passa
em
volta.
Bom.
Aí
venho
eu.
E
aqui,
aqui
assim,
em
cima
dessa
mesa,
com
o
ar
mais
natural
do
mundo
-‐
ou
melhor,
com
a
expressão
patibular
desse
sujeito
que
o
senhor
está
defendendo
-‐
ponho
os
chinelos
sujos
da
cozinheira.
LAUDISI
(Aborrecido)
-‐
O
que
é
que
tem
o
chinelo
da
cozinheira
a
ver
...?
DINA
-‐
Está
vendo?
Viu
o
seu
espanto?
É
uma
coisa
estranha
e
o
senhor
não
resiste
-‐
quer
logo
saber
por
quê.
LAUDISI
-‐
(Sem
resposta,
um
sorriso
frio,
mas
logo
reafirmando-‐se.)
Que
encanto
você
é!
Engenhosinha,
sim
senhora!
-‐
mas
está
falando
comigo,
sabe?
Você
vem
colocar
os
chinelos
da
cozinheira
aqui
na
mesa,
exatamente
para
acicatar
-‐
gostou?
-‐
acicatar
a
minha
curiosidade.
E
aí,
como
fez
de
propósito,
exatamente
com
esse
intuito,
não
pode
me
reprovar
se
eu
pergunto:
“Mas
por
que
você
botou
os
chinelos
da
cozinheira
aqui
em
cima?”
Você
agora
tem
que
demonstrar
que
esse
senhor
Ponza
-‐
Esse
grosseirão,
esse
canalha,
como
o
chama
teu
pai
-‐
alojou
a
sogra
aqui
ao
lado
com
o
mesmo
intuito.
DINA
-‐
Está
bem!
Não
foi
de
propósito.
Mas
o
senhor
não
pode
negar
que
o
comportamento
dele
é
suficientemente
estrambólico
para
acicatar
a
curiosidade
naturalíssima
de
todo
mundo.
Desculpe,
mas
vê
só.
Ele
chega.
Vai
assumir
um
cargo
público.
Que
faz?
Aluga
um
apartamento
no
último
andar
de
um
casarão
sinistro,
quase
fora
da
cidade,
longe
de
tudo.
O
senhor
conhece
esse
casarão?
Pergunto
-‐
por
dentro?
LAUDISI
-‐
Não.
Mas
você
já
deve
conhecer
muito
bem.
DINA
-‐
Claro,
tio!
Fui
ver.
Com
a
mamãe.
E
o
senhor
pensa
que
fomos
só
nós
duas?
Todo
mundo
foi.
Tem
um
pátio
interno
escuríssimo,
parece
um
poço!
Bem
lá
no
alto,
no
último
andar,
há
uma
proteção,
de
onde
descem
cordas
com
cestos
pendurados.
LAUDISI
-‐
E
então?
DINA
(Com
espanto
e
indignação)
-‐
E
então?
Confinou
ali
a
própria
mulher!
AMÁLIA
-‐
E
botou
a
sogra
morando
aqui,
do
nosso
lado!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 4
LAUDISI
-‐
Realmente
um
belo
apartamentinho,
o
da
sogra.
E
bem
no
meio
da
cidade!
AMÁLIA
-‐
Generoso,
não?
Pra
obrigá-‐la
a
viver
longe
da
filha.
LAUDISI
-‐
Quem
foi
que
disse?
Como
é
que
você
sabe?
Não
pode
ser
a
mãe
que
quer
isso,
pra
ter
mais
liberdade?
DINA
-‐
Mas
que
o
quê,
tio!
Isso
é
coisa
dele.
Todos
sabem!
AMÁLIA
-‐
Olha,
Lamberto,
se
compreende
que
uma
jovem,
casando,
deixe
a
casa
da
mãe
e
vá
morar
com
o
marido
-‐
até
em
outra
cidade.
Mas
que
uma
pobre
mãe,
não
resistindo
a
viver
longe
da
filha,
a
siga
e,
na
cidade
em
que
ela
também
é
uma
estranha,
seja
obrigada
a
viver
separada,
não
vai
me
dizer
que
você
admite
isso!
LAUDISI
-‐
Mais
que
coisa,
meu
Deus!
Vocês
raciocinam
feito
tartarugas.
Não
precisa
muita
imaginação
pra
supor
que,
ou
por
culpa
dela,
ou
por
culpa
dele
-‐
ou
sem
culpa
de
ninguém
-‐
haja
divergências
fundamentais,
incompatibilidades
de
caráter,
que
tornem
absolutamente
impossível
a
convivência
e
...
DINA
-‐
(Interrompendo,
espantada.)
-‐
Como,
titio?
No
caso
dessa
incompatibilidade
só
poderia
existir
entre
a
mãe
e
a
filha.
LAUDISI
-‐
Por
que
entre
a
mãe
e
a
filha?
AMÁLIA
-‐
Porque
não
há
entre
os
dois.
Estão
sempre
juntos,
ele
e
ela!
DINA
-‐
Sogra
e
genro!
É
esse
o
espanto
de
todo
mundo!
AMÁLIA
-‐
Vem
toda
noite
aqui,
ele
-‐
fazer
companhia
à
sogra.
DINA
-‐
Vem
de
dia
também.
Tem
dias
em
que
vem
duas
vezes.
LAUDISI
-‐
Que
escândalo!
Vocês
acham
que
há
um
caso
de
amor
entre
ele
e
a
sogra?
DINA
-‐
Que
é
isso?
Uma
pobre
velhinha!
AMÁLIA
-‐
Mas
nunca
traz
a
filha!
Nem
uma
única
vez
trouxe
a
mulher
pra
ver
a
mãe!
LAUDISI
-‐
Talvez
a
pobrezinha
esteja
doente
...
não
pode
sair
de
casa
...
DINA
-‐
Nada
disso!
A
mãe
vai
lá,
-‐
nada
disso!
AMÁLIA
-‐
Vai
lá
...
É!
Pra
ver
a
filha
de
longe!
Se
sabe
que
a
pobre
senhora
está
proibida
de
subir
pra
ver
a
filha
de
perto!
DINA
-‐
Só
pode
falar
com
ela
lá
de
baixo,
do
pátio.
AMÁLIA
-‐
Do
pátio,
coitada!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 5
DINA
-‐
De
lá
fica
olhando
a
filha,
que
se
mostra
na
varandinha
lá
em
cima,
como
um
anjo
no
céu!
A
pobre
senhora
entra
no
pátio;
puxa
a
corda
do
cesto;
faz
soar
a
campainha
lá
no
alto,
a
filha
aparece,
e
ela
fala
à
filha
cá
de
baixo,
do
fundo
do
poço
torcendo
o
pescoço,
assim!
Imagina!
E
nem
consegue
vê-‐la,
ofuscada
pela
luz
que
vem
de
cima.
(Alguém
toca,
na
entrada,
e
o
copeiro
entra.)
COPEIRO
-‐
Com
licença?
AMÁLIA
-‐
O
que
é?
COPEIRO
-‐
Está
aí
o
casal
Sirelli,
e
mais
uma
senhora.
AMÁLIA
-‐
Manda
entrar.
(O
copeiro
se
inclina
e
sai.)
CENA
II
O
casal
Sirelli,
a
senhora
Cini
e
os
personagens
anteriores.
AMÁLIA
-‐
(À
senhora
Sirelli)
-‐
Cara
senhora!
SRA.
SIRELLI
(Gorducha,
bem
conservada,
paramentada
com
o
exagerado
apuro
de
uma
elegância
provinciana;
ardente
de
curiosidade;
dura
com
relação
ao
marido.)
Tomei
a
liberdade
de
trazer
a
minha
boa
amiga,
a
senhora
Cini.
Desculpe,
mas
ela
tinha
um
enorme
desejo
de
conhecê-‐la.
AMÁLIA
-‐
Muito
prazer,
cara
senhora
-‐
fiquem
à
vontade.
(Apresenta.)
Minha
filha,
Dina.
Lamberto
Laudisi,
meu
irmão.
SIRELLI
-‐
(Calvo,
por
volta
dos
quarenta
anos;
gordo,
empomadado,
pretensões
a
elegante,
sapatos
brilhantes
de
bem
engraxados,
rangendo.
Cumprimenta.)
-‐
Senhora.
Senhorita.
(Estende
a
mão
a
Laudisi)
SRA.
SIRELLI
-‐
Ah,
dileta
amiga,
viemos
aqui
como
quem
vai
beber
a
uma
fonte.
Somos
dois
beduínos
sedentos
de
notícias.
AMÁLIA
-‐
Que
notícias?
SRA.
SIRELLI
-‐
Mas
...
desse
bendito
novo
secretário
da
Prefeitura.
Não
se
fala
de
outra
coisa
na
cidade!
SRA.
CINI
(Velha
deselegante,
cheia
de
satisfeita
malícia,
dissimulada.
Num
tom
de
ingenuidade.)
-‐
Estamos
todos
morrendo
de
curiosidade,
uma
curiosidade
que
...
eu
nunca
vi
assim.
AMÁLIA
-‐
Mas
nós
sabemos
tanto
quanto
todo
mundo,
isto
é,
também
não
sabemos
nada,
minha
senhora.
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 6
SIRELLI
-‐
(À
mulher,
como
que
assegura
uma
vitória)
-‐
Eu
não
te
disse?
Sabem
o
que
eu
sei
talvez
até
menos!
(Voltando-‐se
pros
outros)
A
razão
porque
essa
pobre
mãe
não
pode
ver
a
filha,
por
exemplo
-‐
alguém
aqui
sabe
a
verdadeira
razão
desse
...
impedimento?
AMÁLIA
-‐
Estávamos
falando
exatamente
disso
-‐
aqui
com
meu
irmão.
LAUDISI
-‐
A
mim
me
parece
que
de
repente
todo
mundo
enlouqueceu!
DINA
(Subitamente,
antes
que
se
dê
qualquer
razão
ao
tio)
-‐
Não
há
mistério
nisso
-‐
dizem
que
Ponza,
o
genro,
proibiu
a
mãe
de
ver
a
filha!
SRA.
CINI
(Com
voz
de
lamento)
-‐
Isso
não
convence
ninguém,
senhorita!
SRA.
SIRELLI
(Apoio)
-‐
Mas
não
convence
mesmo!
Tem
mais
alguma
coisa.
SIRELLI
(Com
um
gesto,
chamando
atenção)
-‐
Notícia
fresca
recolhida
agora
mesmo!
(Quase
silabando,)
Ele
a
mantém
trancada
à
chave!
AMÁLIA
-‐
A
sogra?
SIRELLI
-‐
Não,
senhora
-‐
a
mulher!
SRA.
SIRELLI
-‐
A
mulher!
A
mulher!
SRA.
CINI
(Voz
de
lamento)
-‐
À
chave?
DINA
-‐
Compreendeu,
titio?
O
senhor
que
procura
desculpar
...
SIRELLI
-‐
(Espantado)
-‐
Como?
Você
está
querendo
justificar
aquele
monstro!
LAUDISI
-‐
Eu?
Eu
não
quero
desculpar
nem
justificar
coisa
nenhuma!
Digo
que
a
curiosidade
de
todos
aqui
-‐
que
me
perdoem
as
senhoras
-‐
é
tola,
se
não
fosse
por
outra
coisa,
porque
é
inútil.
SIRELLI
-‐
Inútil?
LAUDISI
-‐
Inútil!
Inútil,
podem
crer!
SRA.
CINI
-‐
O
senhor
considera
inútil
querermos
esclarecer
as
coisas
...
LAUDISI
-‐
Esclarecer
o
quê,
me
desculpe?
O
que,
realmente,
podemos
nós
saber
dos
outros?
Quem
são
...
como
são
...
o
que
fazem
...
porque
fazem
...
SRA.
SIRELLI
-‐
Procurando
notícias,
pedindo
informações
...
LAUDISI
-‐
Mas
se
existe
uma
pessoa
que,
por
esse
caminho,
deveria
estar
perfeitamente
atualizada,
essa
pessoa
seria
exatamente
a
senhora,
com
um
marido
como
o
seu,
sempre
a
par
de
tudo!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 7
SIRELLI
(Tentando
interromper.)
-‐
Perdão
...
Perdão
...
SRA.
SIRELLI
-‐
Ah,
não,
meu
caro,
escuta:
esta
é
a
verdade!
(Se
volta
pra
senhora
Amália.)
A
verdade,
minha
senhora:
com
o
meu
marido,
que
afirma
saber
de
tudo,
eu
não
consigo
saber
nunca
nada.
SIRELLI
-‐
Pudera!
Você
nunca
está
contente
com
o
que
eu
lhe
digo!
Acha
sempre
que
o
que
eu
lhe
conto
nunca
é
como
foi.
Pelo
contrário,
já
parte
da
idéia
de
que
assim
não
pode
ser.
Chegando
quase
sempre
à
certeza
de
que
é
exatamente
o
contrário!
SRA.
SIRELLI
-‐
Mas
tenham
a
santa
paciência
-‐
ele
me
conta
cada
uma
...
LAUDISI
(Ri,
forte)
-‐
Ah!
Ah!
Ah!
Ah!
Me
permite,
senhora?
Respondo
eu
ao
seu
marido.
Como
você
quer,
meu
caro,
que
tua
mulher
se
contente
com
as
coisas
que
você
lhe
conta
se,
naturalmente,
você
as
conta
como
elas
te
parecem?
SRA.
SIRELLI
-‐
Quer
dizer
-‐
como
absolutamente
elas
não
podem
ser!
LAUDISI
-‐
Ah,
não,
cara
senhora,
admito
que
ache
e
que
diga
que
ele
está
enganado!
Mas
para
seu
marido,
não
tenha
dúvida,
as
coisas
são
como
ele
lhe
conta.
SIRELLI
-‐
Como
são,
na
verdade!
Como
são,
na
verdade!
SRA.
SIRELLI
-‐
De
maneira
nenhuma!
Você
se
engana
o
tempo
todo!
SIRELLI
-‐
Por
favor,
mulher,
você
é
quem
se
engana,
admita
uma
vez!
Eu
não
me
engano!
LAUDISI
-‐
Mas
não,
por
favor,
que
é
isso?
Nenhum
dos
dois
se
engana.
Me
dão
um
instante?
Faço
uma
experiência.
(Se
coloca
no
meio
da
sala.)
Ambos
estão
me
vendo
perfeitamente.
Não
estão?
SIRELLI
-‐
Bem
...
acho
que
sim.
LAUDISI
-‐
Não,
não:
não
responda
tão
depressa,
meu
caro.
Vem
cá,
vem
cá.
SIRELLI
-‐
(Olha-‐o
com
um
sorriso,
perplexo,
um
pouco
desconcertado,
como
quem
não
quer
se
prestar
a
uma
brincadeira
que
não
compreende)
-‐
Pra
que?
SRA.
SIRELLI
(Forçando-‐o,
irritada)
-‐
Vai
lá!
LAUDISI
(À
Sirelli,
que
se
aproxima
sem
vontade)
-‐
Você
me
vê?
Me
olha
bem!
Me
toca.
SRA.
SIRELLI
(Ao
marido
que
hesita)
-‐
Toca
nele!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 8
LAUDISI
(À
Sirelli,
que
levantou
a
mão
e
toca-‐o,
mal
e
mal,
no
ombro.)
-‐
Isso,
ótimo!
Você
está
tão
certo
de
que
me
toca
tanto
quanto
de
que
me
vê,
não
é?
SIRELLI
-‐
Eu
diria
que
sim.
LAUDISI
-‐
O
importante
é
que
você
não
duvida
disso.
Volta
pra
lá.
SRA.
SIRELLI
(Ao
marido
apatetado
que
continua
junto
de
Laudisi)
-‐
É
inútil
você
continuar
aí
com
essa
cara
-‐
senta
um
pouco!
LAUDISI
(À
Senhora
Sirelli,
depois
que
o
marido
voltou
ao
lugar
anterior.)
-‐
Agora,
por
favor,
vem
cá
a
senhora.
(Mudando
de
idéia.)
Não,
não,
eu
vou
aí.
(Fica
diante
dela,
se
ajoelha
sobre
um
joelho.)
Está
me
vendo,
não
está?
Agora
levante
uma
mãozinha
e
me
toque.
(E
como
a
senhora
Sirelli,
sentada,
lhe
coloca
a
mão
no
ombro,
ele
se
inclina
pra
beijá-‐la.)
-‐
Bela
mãozinha!
SIRELLI
-‐
Hei,
hei,
hei!
LAUDISI
-‐
Não
se
importe
com
ele!
A
senhora
também
está
certa
de
que
me
vê
e
me
toca?
Não
pode
duvidar
de
si
mesma.
Mas,
por
caridade,
não
conte
a
seu
marido,
nem
a
minha
irmã,
nem
a
minha
sobrinha,
nem
a
essa
senhora
aqui
...
SRA.
CINI
(Soprando)
-‐
Cini
...
LAUDISI
-‐
Cini
...
não
diga
a
nenhum
deles
como
me
vê,
porque
todos
os
quatro
lhe
dirão
que
está
totalmente
enganada:
e
a
senhora
sabe
que
está
perfeitamente
certa!
Pois
eu
sou
exatamente
assim
como
me
vê.
O
que
não
impede,
minha
cara
senhora,
d’eu
ser
também
como
vê
o
seu
marido,
a
minha
irmã,
a
minha
sobrinha
e
a
senhora
aqui
...
SRA.
CINI
(Soprando)
-‐
Cini
...
LAUDISI
-‐
Cini
...
e
que
eles
também
absolutamente
não
estão
equivocados.
SRA.
SIRELLI
-‐
Quer
dizer
então
que
o
senhor
muda
de
um
pra
outro?
LAUDISI
-‐
Mas
claro
que
mudo,
minha
senhora!
E
a
senhora
não?
Vai
dizer
que
não
muda?
SRA.
SIRELLI
(Rapidamente)
-‐
Eu?
Ah,
não,
não,
não,
não.
Lhe
garanto
que
eu
absolutamente
não
mudo!
Pra
mim,
pelos
menos.
LAUDISI
-‐
Mas
pra
mim
eu
também
não
mudo,
acredite.
E
digo
mais
-‐
estão
todos
completamente
enganados
se
não
me
vêem
como
eu
me
vejo!
O
que
não
impede
que
isto
seja
apenas
uma
tremenda
presunção
minha
...
e
da
senhora,
também.
SIRELLI
-‐
Mas,
desculpe,
afinal
essas
divagações
todas
são
pra
concluir
o
quê?
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 9
LAUDISI
-‐
Não
te
parece
clara
a
conclusão?
É
que
fico
espantado
vendo
vocês
todos
empenhadíssimos
em
saber
como
são
os
outros
ou
como
são
certas
coisas,
como
se
os
outros
e
as
coisas
fosse
assim
ou
assado.
SRA.
SIRELLI
-‐
Segundo
o
senhor
então
nunca
se
poderá
saber
a
verdade?
SRA.
CINI
-‐
Claro
-‐
se
não
podemos
nem
mesmo
acreditar
no
que
vemos
ou
pegamos!
LAUDISI
-‐
Pode
crer,
como
não?
Digo
apenas
que
tem
que
respeitar
o
que
os
outros
vêem
e
pegam,
mesmo
que,
sendo
a
mesma
coisa,
seja
o
contrário
daquilo
que
a
senhora
vê
e
pega.
SRA.
SIRELLI
-‐
Oh,
quer
saber
de
uma
coisa
-‐
eu
lhe
dou
as
costas
e
não
falo
mais
consigo.
Não
pretendo
ser
joguete
de
...
LAUDISI
-‐
Não,
não
-‐
chega!
Prometo.
Continuem
a
falar
da
senhora
Frola
e
do
seu
genro,
o
senhor
Ponza.
Não
vou
interromper
mais,
juro.
AMÁLIA
-‐
Ah,
que
Deus
seja
louvado!
Seria
até
melhor,
caro
Lamberto,
se
nos
deixasse
sozinhos
um
momento.
DINA
-‐
É,
titio;
faz
isso,
faz!
Deixa
a
gente
aqui
um
instantinho
só.
LAUDISI
-‐
Mas
por
quê?
Eu
me
divirto
tanto,
ouvindo
o
que
vocês
falam!
Já
prometi
-‐
não
digo
uma
palavra.
Quer
dizer,
de
vez
em
quando
não
vou
poder
resistir
e
dou
uma
risadinha.
Só
isso.
Se
me
escapar
uma
risada
mais
forte,
podem
me
chamar
a
atenção.
SRA.
SIRELLI
-‐
E
dizer
que
viemos
aqui
pra
saber
...
Desculpe,
senhora,
seu
marido
não
é
superior
desse
Ponza?
AMÁLIA
-‐
Uma
coisa
é
a
repartição,
outra
é
a
casa,
o
lar
-‐
me
compreende.
SRA.
SIRELLI
-‐
Sim,
sim!
Claro!
Mas
as
senhoras
nem
ao
menos
tentaram
um
contato
com
a
sogra,
aqui
do
lado?
DINA
-‐
Como
não?
Tentamos
duas
vezes!
SRA.
CINI
(Mais
viva,
interessadíssima.)
Ah,
bom!
Mas
então
falaram
com
ela!
AMÁLIA
-‐
Não
fomos
nem
recebidas,
minha
senhora.
SIRELLI,
Senhora
Sirelli
e
Senhora
Cini
-‐
Oh!
Oh!
Como
assim?
DINA
-‐
Esta
manhã
mesmo
...
AMÁLIA
-‐
Na
primeira
vez
ficamos
mais
de
um
quarto
de
hora
esperando
na
porta.
Ninguém
veio
abrir
e
não
tínhamos
nem
como
deixar
um
cartão
de
visita.
Ontem
tentamos
outra
vez...
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 10
DINA
(Com
um
gesto
das
mãos
exprimindo
espanto)
-‐
Quem
veio
abrir
foi
ele!
SRA.
SIRELLI
-‐
Que
descaramento!
Aliás
esse
indivíduo
tem
mesmo
cara
de
descarado!
Assusta
todo
mundo
com
essa
fisionomia
patibular!
E
essa
mania
de
sempre
se
vestir
de
preto?!
...
Todos
os
três
andam
sempre
de
preto,
a
senhora
aí
do
lado
também,
não
é
verdade?
E
a
filha!
SIRELLI
(Com
tédio)
-‐
Mas
a
filha
ninguém
conseguiu
ver,
até
hoje.
Já
te
disse
mil
vezes!
É
possível
que
também
ande
vestida
de
preto
...
São
de
um
fim
de
mundo
aí,
em
Avezzano...1
AMÁLIA
-‐
É.
Parece
que
o
lugar
foi
bastante
destruído
...
SIRELLI
-‐
...
no
último
terremoto.
Não
ficou
pedra
sobre
pedra.
Até
o
solo
desapareceu,
e
certas
partes.
DINA
-‐
Dizem
que
perderam
todos
os
parentes.
SRA.
CINI
(Ansiosa
por
continuar
o
discurso
interrompido)
-‐
Bem,
bem...
mas
ele
então
abriu
a
porta
e
...
AMÁLIA
-‐
Quando
vi
aquele
homem
na
minha
frente,
com
aquela
cara,
não
consegui
arrancar
da
garganta
a
voz
suficiente
pra
dizer
que
vínhamos
fazer
uma
visita
à
sogra.
Não
saiu
nada,
sabe?
Nem
mesmo
um
cumprimento.
DINA
-‐
Bem,
mamãe,
mas
ele
fez
uma
inclinação.
AMÁLIA
-‐
É.
Só
isso.
Assim
-‐
com
a
cabeça.
DINA
-‐
Mais
com
os
olhos,
não
esquece!
Aqueles
olhos
de
bicho,
de
fera.
Aquilo
não
é
olhar
humano.
SRA.
CINI
-‐
E
aí?
Que
foi
que
ele
disse?
Falou
algumas
coisa?
DINA
-‐
Ficou
todo
atrapalhado
...
AMÁLIA
-‐
...
todo
confuso,
e
mal
conseguiu
balbuciar
alguma
coisa.
Disse
que
a
sogra
estava
indisposta
...
que
agradecia
muito
a
nossa
atenção
...
e
ficou
ali,
calado,
na
soleira
da
porta,
esperando
que
nos
retirássemos
...
DINA
-‐
Que
humilhação!
SIRELLI
-‐
Que
tipo
mais
grosseiro!
Ah,
pode
estar
certa
que
é
ele,
sabe?
O
culpado
é
ele!
Traz
a
pobre
velha
fechada
em
casa.
A
sete
chaves!
SRA.
SIRELLI
-‐
Precisa
coragem!
Com
uma
senhora,
mulher
de
um
seu
superior!
1
(N.T. - Substituí Marsica por Avezzano. Foi essa cidade a destruída por um terremoto em 1915).
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 11
AMÁLIA
-‐
Ah,
mas
desta
vez
o
meu
marido
ficou
realmente
indignado.
Tomou
isso
como
uma
falta
de
respeito
grave
e
foi
relatar
a
cena
diretamente
ao
Prefeito,
exigindo
uma
reparação,
uma
desculpa.
DINA
-‐
Ah,
ainda
bem
que
ele
chega
-‐
olha
aí
o
papai!
CENA
III
O
conselheiro
Agazzi
e
os
personagens
anteriores.
AGAZZI
(Cinqüenta
anos,
cabelo
ruivo,
desgrenhado,
com
barba,
óculos
de
ouro,
autoritário
e
desagradável.)
-‐
Oh,
caro
Sirelli.
(Avança
até
o
sofá,
se
inclina
e
aperta
a
mão
as
Sra.
Sirelli.)
Senhora.
AMÁLIA
(Apresentando
a
Senhora
Cini.)
-‐
Meu
marido,
a
senhora
Cini.
AGAZZI
(Se
inclina,
aperta
a
mão
dela.)
-‐
Muito
prazer.
(Depois
se
volta
quase
com
solenidade
pra
mulher
e
pra
filha.)
Olha,
se
preparem
pra
receber
a
senhora
Frola
agora
mesmo.
Ela
vem
aí.
SRA.
SIRELLI
(Bate
palmas,
exultante.)
-‐
Vem
aí?
Vem
mesmo?
AGAZZI
-‐
Mas
claro
que
vem!
Eu
poderia
permitir
que
se
fizesse
uma
ofensa
assim
tão
frontal
à
minha
casa
-‐
às
mulheres
da
minha
casa?
SIRELLI
-‐
Claro
que
não.
Estávamos
falando
exatamente
disso!
SRA.
SIRELLI
E
seria
bom
aproveitar
esta
ocasião
para
...
AGAZZI
(Prevendo)
-‐
...
para
advertir
o
Prefeito
de
que
deve
mandar
observar
tudo
que
se
fala
na
cidade
a
respeito
desse
cavalheiro.
Não
é
isso?
Pois
é
-‐
não
tenha
dúvida.
Foi
o
que
eu
fiz!
SIRELLI
-‐
Ah,
bem!
Muito
bem!
SRA.
CINI
-‐
Coisas
inexplicáveis!
Coisas
inconcebíveis!
AMÁLIA
-‐
Verdadeira
selvageria!
Traz
fechadas
a
chave
ambas
as
mulheres!
DINA
-‐
Não,
mamãe:
da
sogra
ainda
não
se
sabe
nada.
SRA.
SIRELLI
-‐
Mas
quanto
à
mulher
-‐
está
confirmado!
Não
resta
dúvida!
SIRELLI
-‐
Mas
...
e
o
Prefeito?
AGAZZI
-‐
Bem
...
o
Prefeito
ficou
muito
...
Eh
...
muito
impressionado.
SIRELLI
-‐
Ah,
menos
mal!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 12
AGAZZI
-‐
Alguma
coisa
já
tinha
chegado
até
ele,
algumas
vozes
...
e
acha
que
agora
tem
oportunidade
de
esclarecer
esse
mistério,
de
saber
a
verdade.
LAUDISI
(Ri
forte)
-‐
Ah!
Ah!
Ah!
Ah!
AMÁLIA
-‐
Era
só
o
que
nos
faltava
agora,
essa
tua
risada.
AGAZZI
-‐
Por
que
é
que
ele
está
rindo?
SRA.
SIRELLI
-‐
Bobagem!
Porque
acha
que
é
impossível
descobrir
a
verdade!
CENA
IV
Copeiro,
os
personagens
anteriores,
depois
a
senhora
Frola.
COPEIRO
-‐
(Aparece
na
entrada.)
Dá
licença?
A
senhora
Frola.
SIRELLI
-‐
Ah!
Aí
está
ela.
AGAZZI
-‐
Veremos
agora
se
e
possível
ou
não,
caro
Lamberto!
SRA.
SIRELLI
-‐
Isso
mesmo!
Vamos
ver.
Ah,
estou
tão
contente!
AMÁLIA
(Levanta-‐se)
-‐
Eu
vou
lá
receber.
AGAZZI
-‐
Não,
por
favor,
fica
aí
sentada.
Deixa
ela
entrar
sozinha.
Sentados,
todos
sentados.
É
preciso
ficar
sentados.
(Ao
copeiro.)
Manda
entrar.
(O
copeiro
sai.
Logo
depois
entra
a
senhora
Frola
e
todos
se
levantam.
A
senhora
Frola
é
uma
velhinha
linda,
modesta,
delicadíssima,
com
uma
grande
tristeza
nos
olhos,
tristeza
atenuada
pela
doçura
constante
do
sorriso.
A
senhora
Amália
estende
a
mão.)
AMÁLIA
-‐
Por
favor,
minha
senhora.
(Pega-‐a
pela
mão
e
apresenta.)
A
senhora
Sirelli,
minha
boa
amiga.
A
senhora
Cini.
Meu
marido.
O
Senhor
Sirelli.
A
minha
filha
Dina.
Meu
irmão
Lamberto
Laudisi.
Sente-‐se,
por
favor.
SRA.
FROLA
-‐
Estou
doente,
e
dou
isso
como
desculpa
por
até
hoje
ter
faltado
com
o
meu
dever.
A
senhora,
com
tanta
consideração,
me
deu
a
honra
de
uma
visita,
se
adiantou,
quando
tocava
a
mim
vir
visitá-‐la
primeiro.
AMÁLIA
-‐
Entre
vizinhos,
senhora,
não
se
repara
nesse
tipo
de
precedência;
quem
visita
primeiro
...
Tanto
mais
que
a
senhora,
estando
aqui
sozinha,
e
sendo
de
fora,
poderia,
quem
sabe,
precisar
de
alguma
coisa
...
SRA.
FROLA
-‐
Obrigada
...
obrigada
...
É
muita
bondade
...
SRA.
SIRELLI
-‐
A
senhora
está
sozinha
aqui
na
cidade?
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 13
SRA.
FROLA
-‐
Não,
tenho
uma
filha
casada;
mas
ela
também
está
aqui
há
muito
pouco
tempo.
SIRELLI
-‐
O
genro
da
senhora
é
o
secretário
da
Prefeitura,
o
senhor
Ponza,
não
é?
SRA.
FROLA
-‐
Isso
mesmo.
E
o
senhor
Conselheiro
vai
me
desculpar,
espero,
e
desculpar
também
meu
genro.
AGAZZI
-‐
Pra
lhe
ser
sincero,
senhora,
fiquei
um
tanto
contrariado
com
...
SRA.
FROLA
(Interrompendo)
-‐
Mas
tem
razão!
Tem
razão!
Só
peço
que
desculpe!
Mas,
acredite,
ficamos
totalmente
desnorteados
com
a
nossa
desgraça!
AMÁLIA
-‐
Ah,
sim!
Foram
vítimas
também
dessa
catástrofe!
SRA.
SIRELLI
-‐
Perderam
parentes?
SRA.
FROLA
-‐
Meu
Deus!
Todos!
Praticamente
não
sobrou
nenhum
traço
da
nossa
aldeia.
O
que
se
vê
é
só
um
monte
de
ruínas
no
meio
do
campo
-‐
tudo
abandonado!
SIRELLI
-‐
É
verdade.
Todos
sabemos.
SRA.
FROLA
-‐
Eu
tinha
apenas
uma
irmã.
Ela
também
com
uma
filha
só,
uma
filha
solteira.
Mas
pro
meu
pobre
genro
a
desgraça
foi
maior.
Perdeu
a
mãe,
dois
irmãos,
uma
irmã,
o
cunhado,
duas
cunhadas
e
dois
sobrinhos.
SIRELLI
-‐
Uma
hecatombe!
SRA.
FROLA
-‐
São
chagas,
feridas
pro
resto
da
vida!
Não
se
cura
mais!
AMÁLIA
-‐
Tem
razão!
SRA.
SIRELLI
-‐
De
um
momento
pro
outro!
É
de
enlouquecer!
SRA.
FROLA
-‐
Não
se
pensa
em
mais
nada.
Comete-‐se
os
piores
enganos
sem
sequer
perceber,
senhor
Conselheiro.
AGAZZI
–
Oh,
por
favor,
minha
senhora,
não
se
fala
mais
nisso.
AMÁLIA
-‐
Foi
mesmo
por
consideração
a
esses
fatos
que
eu
e
minha
filha
resolvemos
visitá-‐la
logo.
SRA.
SIRELLI
-‐
Coisa
natural,
sabendo
que
a
senhora
estava
tão
sozinha.
Embora,
me
perdoe
tocar
nisso,
eu
não
entendo
como,
sua
filha
também
morando
aqui,
a
senhora
e
ela,
depois
de
tal
desgraça
...
(“Hábil”,
depois
da
“hábil”
introdução.)
Isso,
me
parece,
deveria
fazer
crescer
nos
sobreviventes
a
necessidade
de
ficarem
bem
unidos,
bem
...
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 14
SRA.
FROLA
(Seguindo
a
fala
dela,
prá
tirá-‐la
do
embaraço.)
Acha
estranho
que
eu
esteja
só,
não
é
mesmo?
SIRELLI
-‐
Exato.
Muito
estranho,
pra
lhe
ser
sincero.
SRA.
FROLA
(Triste)
-‐
É.
Compreendo.
(E
aí,
como
tentando
uma
saída.)
Mas
...
sabe,
eu
sou
de
opinião
que
quando
um
filho
ou
uma
filha
se
casam
devem
viver
a
própria
vida,
ficarem
sós
-‐
isso!
LAUDISI
-‐
Muito
bem
dito!
Justíssimo!
Uma
outra
vida
-‐
novas
relações
com
o
marido
ou
com
a
mulher.
SRA.
SIRELLI
-‐
Mas,
meu
caro
Laudisi,
pra
isso
não
é
preciso
excluir
da
nova
vida
as
relações
com
a
própria
mãe.
LAUDISI
-‐
Alguém
falou
isso?
Falou-‐se
aqui
-‐
se
é
que
entendi
bem
-‐
de
uma
mãe
que
compreende
que
a
filha
não
pode
e
não
deve
continuar
ligada
a
ela
como
antes
-‐
tem
que
cuidar
da
própria
vida.
SRA.
FROLA
(Com
gratidão.)
-‐
Isso
mesmo,
é
isso
mesmo!
Muito
obrigada!
Foi
exatamente
o
que
eu
quis
dizer!
SRA.
CINI
-‐
Mas
a
sua
filha,
eu
imagino,
vem
sempre
aqui
pra
lhe
fazer
companhia.
SRA.
FROLA
(Em
espinhos)
-‐
É
...
sim
...
nós
nos
vemos,
certamente
...
SIRRELI
(De
repente)
-‐
Mas
a
sua
filha,
eu
imagino,
vem
sempre
aqui
pra
lhe
fazer
companhia.
SRA.
CINI
-‐
Naturalmente
tem
que
cuidar
dos
filhos!
SRA.
FROLA
(Rápido)
-‐
Não,
ainda
não
tem
filhos.
Talvez
até
não
tenha
mais.
Já
está
casada
há
sete
anos.
Tem
muita
coisa
que
fazer
em
casa,
é
verdade.
Mas
não
é
por
isso.
(Sorri
triste.
E
procura
outra
saída.)
Nós,
sabem
-‐
nós,
mulheres
da
roça,
fomos
educadas
a
não
sair
de
casa.
AGAZZI
-‐
Mas
mesmo
quando
a
mãe
não
mora
junto?
AMÁLIA
-‐
Nesse
caso
é
evidente
que
a
senhora
vai
visitá-‐la.
SRA.
FROLA
(Rápido)
Ah,
claro!
Como
não?
Uma
ou
duas
vezes
por
dia!
SIRELLI
-‐
E
sobe,
duas
vezes
por
dia,
aquelas
escadas
todas,
até
o
último
andar
daquele
casarão?
SRA.
FROLA
(Esmorecendo,
tenta
ainda
um
sorriso
diante
do
interrogatório)
-‐
Não,
não.
Subir
não
subo.
O
senhor
tem
razão
-‐
seria
coisa
demais
pra
mim.
Não
subo.
A
minha
filha
aparece
lá
em
cima,
no
gradil
e
...
e
nos
vemos,
nos
falamos.
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 15
SRA.
SIRELLI
-‐
Só
isso
-‐
assim?
De
longe?
Oh!
Nunca
a
vê
de
mais
perto?
DINA
(Abraçando
a
mãe.)
Eu,
como
filha,
não
deixaria
minha
mãe
subir
noventa
ou
cem
degraus
por
minha
causa.
Mas
também
não
me
contentaria
em
vê-‐la
só
de
longe,
ter
que
falar
com
ela
aos
gritos,
não
poder
abraçá-‐la,
ficar
juntinho
dela,
assim
ó!
SRA.
FROLA
(Completamente
perturbada)
Tem
razão!
É,
sim,
olha
-‐
é
preciso
que
eu
conte.
Não
gostaria
que
pensassem
de
minha
filha
uma
coisa
que
ela
não
é;
que
tenha
pouco
afeto
por
mim,
nenhuma
consideração.
E
também
quanto
a
mim,
que
sou
a
mãe
...
Vejam,
noventa
ou
cem
degraus
não
são
impedimento
pra
uma
mãe,
por
mais
velha
e
cansada
que
seja
-‐
quando
lá
em
cima
está
o
prêmio
de
poder
abraçar
e
beijar
a
própria
filha!
SRA.
SIRELLI
(Triunfante)
Está
aí!
Era
o
que
nós
dizíamos,
senhora!
Tem
que
haver
uma
razão!
AMÁLIA
(Intencional)
-‐
Tem,
está
vendo,
Lamberto?
Tem
uma
razão!
SIRELLI
(Rápido)
-‐
O
seu
genro,
então?
SRA.
FROLA
-‐
Ah,
por
caridade,
não
pensem
mal
dele!
É
um
rapaz
excelente!
Nem
podem
imaginar
como
ele
é
bom!
O
afeto
quente,
delicado,
o
verdadeiro
desvelo
que
ele
tem
por
mim!
Já
nem
falo
do
amor
e
do
cuidado
que
tem
por
minha
filha.
Ah,
me
acreditem,
eu
não
poderia
ter
desejado
um
marido
melhor
pra
minha
filha.
Nunca!
SRA.
SIRELLI
-‐
Mas
...
então?
SRA.
CINI
-‐
A
razão
então
...
não
é
ele?
AGAZZI
-‐
Mas
evidente!
Não
me
parece
mesmo
possível
que
ele
proíba
a
mulher
de
se
encontrar
com
a
mãe,
ou
a
mãe
de
sair
de
casa
pra
ficar
alguns
momento
com
a
filha!
SRA.
FROLA
-‐
Não,
nunca
proibiu!
Eu
não
disse
nada
parecido
com
isso!
Fomos
nós,
senhor
Conselheiro,
nós
duas,
eu
e
minha
filha,
espontaneamente,
que
resolvemos
não
nos
encontrar
mais
...
por
respeito
a
ele.
AGAZZI
-‐
Respeito?
E
como,
me
desculpe,
ele
poderia
se
sentir
ofendido
com
...
?
Não
vejo
como!
SRA.
FROLA
-‐
Não
ofender-‐se,
senhor
Conselheiro.
É
um
sentimento
...
um
sentimento,
sabem,
talvez
difícil
de
entender.
Mas,
uma
vez
entendido,
não
é
difícil
de
desculpar
-‐
embora,
sem
dúvida
alguma,
represente
um
sacrifício
bastante
pesado
pra
mim
e
pra
minha
filha.
AGAZZI
-‐
Bom,
reconhecerá,
minha
senhora,
que
pelo
menos
é
muito
estranho
tudo
isso
que
diz.
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 16
SIRELLI
-‐
É
mesmo.
E
portanto
capaz
de
suscitar
e
legitimar
qualquer
curiosidade.
AGAZZI
-‐
Eu
diria
mais
-‐
qualquer
suspeita.
SRA.
FROLA
-‐
Contra
ele?
Não,
pelo
amor
de
Deus,
nem
fale
nisso!
Que
suspeita,
senhor
Conselheiro?
AGAZZI
-‐
Nada
concreto.
Não
se
perturbe.
Falei
numa
hipótese.
Uma
suspeita.
SRA.
FROLA
-‐
Não,
não!
Suspeita
de
quê?
O
nosso
acordo
é
perfeito!
Estamos
contentes,
contentíssimas,
tanto
eu
quanto
minha
filha.
SRA.
SIRELLI
-‐
Mas
de
que
se
trata
-‐
ciúmes,
talvez?
SRA.
FROLA
-‐
Ciúmes
da
mãe?
Ciúmes?
Não
creio
que
se
possa
chamar
assim.
Embora
não
saiba
verdadeiramente.
Olha
-‐
ele
quer
todo
o
coração
da
mulher
só
pra
ele.
Até
o
amor
que
a
filha
deve
dedicar
à
mãe
...
ele
quer
que
esse
amor
me
chegue
através
dele,
por
meio
dele,
só
assim!
AGAZZI
-‐
Oh!
A
senhora
vai
me
desculpar!
A
mim
isso
me
parece
um
ato
de
lamentável
crueldade.
SRA.
FROLA
-‐
Não,
não
-‐
crueldade
nunca!
Não
fale
em
crueldade,
senhor
Conselheiro!
É
uma
outra
coisa,
acredite!
Eu
não
consigo,
não
sei
me
exprimir
...
Natureza;
é
isso!
Mas
não...
não
é
isso.
Talvez
seja,
oh,
meu
Deus,
talvez
seja
uma
espécie
de
doença,
se
quiserem.
Uma
plenitude
de
afeto
-‐
fechada
-‐
é
isso,
exclusiva:
na
qual
a
mulher
deve
viver
sem
jamais
sair,
e
na
qual
ninguém
poderá
entrar.
DINA
-‐
Nem
mesmo
a
mãe?
SIRELLI
-‐
Um
belíssimo
egoísmo,
é
o
que
é.
SRA.
FROLA
-‐
Talvez.
Mas
um
egoísmo
que
se
entrega
todo
á
própria
mulher!
Pois,
veja
bem,
egoísmo
verdadeiro
seria
o
meu
se
quisesse
forçar
a
porta
desse
mundo
fechado,
sabendo
que
a
minha
filha
vive
feliz
-‐
adorada
assim!
Isso,
pruma
mãe,
deve
bastar,
não
concordam?
Mesmo
porque
eu
vejo
minha
filha
e
falo
com
ela
...
(Com
gracioso
movimento,
confidencial.)
O
cestinho
que
usamos
lá
no
pátio
leva
sempre
pra
baixo
e
pra
cima,
algumas
palavras
com
as
notícias
do
dia.
A
mim
isso
me
basta
ou
já
estou
completamente
resignada,
se
preferem!
Não
sofro
mais.
AMÁLIA
-‐
Quer
dizer,
no
final
de
contas,
estão
satisfeitas.
SRA.
FROLA
(Levantando-‐se)
-‐
Mas
sim,
como
não
-‐
eu
falei!
Ele
é
muito
bom
-‐
podem
acreditar!
Não
podia
ser
melhor!
Todos
temos
as
nossas
fraquezas
e
é
fundamental
tolerarmos
as
dos
outros.
(Cumprimenta
a
senhora
Amália.)
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 17
Senhora.
(Cumprimenta
a
senhora
Sirelli,
e
Cini,
depois
Dina.
Aí
se
vira
para
o
Conselheiro
Agazzi.)
-‐
Espero
que
me
desculpe.
AGAZZI
-‐
Oh,
senhora,
nem
fale
mais
nisso!
Somos
gratíssimos
pela
sua
visita.
SRA.
FROLA
(Cumprimenta
com
a
cabeça
Sirelli
e
Laudisi,
depois
se
volta
para
a
senhora
Amália.)
-‐
Não,
por
favor
...
Não
se
incomode,
senhora
...
AMÁLIA
-‐
Ora,
é
o
meu
dever.
(A
senhora
Frola
sai
acompanhada
pela
senhora
Amália,
que
volta
pouco
depois.)
SIRELLI
-‐
Mas
que
coisa!
Que
coisa!
Vocês
se
contentaram
com
essas
explicações?
AGAZZI
-‐
Mas
que
explicações?
Há
um
grande
mistério
nessa
história.
SRA.
SIRELLI
-‐
Ninguém
sabe
o
quanto
deve
sofrer
esse
pobre
coração
de
mãe!
DINA
-‐
E
a
filha,
também,
meu
Deus!
(Pausa.)
SRA.
CINI
(Do
canto
da
sala
onde
se
escondeu
pra
esconder
o
pranto,
explode)
-‐
As
lágrimas
lhe
tremiam
a
voz.
AMÁLIA
-‐
É,
quando
disse
que
subiria
muito
mais
de
cem
degrau
pra
poder
apertar
a
filha
nos
braços!
LAUDISI
-‐
Eu
por
mim
notei
sobretudo
que
fazia
um
imenso
esforço
para
proteger
o
genro
de
qualquer
suspeita!
SRA.
SIRELLI
-‐
Mas
o
que?
Ela
não
tinha
palavras
pra
desculpá-‐lo!
SIRELLI
-‐
E
iria
desculpar
o
quê?
A
violência?
A
estupidez?
CENA
V
Copeiro,
os
mesmos
personagens,
depois
o
senhor
Ponza.
COPEIRO
(Aparecendo
na
porta)
-‐
Senhor
Comendador,
está
aí
o
senhor
Ponza,
perguntando
se
pode
recebê-‐lo.
SRA.
SIRELLI
-‐
Oh!
Ele!
(Surpresa
geral
e
movimento
de
ansiosa
curiosidade,
quase
de
susto.)
AGAZZI
-‐
Quer
que
eu
o
receba?
COPEIRO
-‐
Sim
senhor.
Falou
assim.
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 18
SRA.
SIRELLI
-‐
Por
favor,
receba-‐o
aqui,
Comendador!
Tenho
até
medo
-‐
mas
também
uma
grande
curiosidade
pra
ver
de
perto
esse
monstro!
AMÁLIA
-‐
Mas
o
que
quererá
ele?
AGAZZI
-‐
Sentem-‐se.
Sentem-‐se.
É
preciso
ficar
sentados.
(Ao
copeiro.)
Manda
entrar.
(O
copeiro
se
inclina
e
sai.
Entra
o
senhor
Ponza
logo
depois.
Gorducho,
moreno,
ar
quase
feroz,
todo
vestido
de
preto,
cabelos
negros,
densos,
testa
curta,
grandes
bigodes
negros.
Fecha
continuamente
os
punhos
e
fala
com
esforço,
mais
que
isso,
violência,
que
contém
com
dificuldade.
De
tempos
em
tempos
enxuga
o
suor
da
fronte
com
um
lenço
de
listas
negras
.
Os
olhos,
quando
fala,
estão
sempre
duros,
fixos,
tétricos.)
AGAZZI
-‐
Entre,
entre,
senhor
Ponza!
(Apresenta.)
O
novo
Secretário,
senhor
Ponza.
A
minha
senhora,
a
senhora
Sirelli,
a
senhora
Cini,
minha
filha,
o
senhor
Sirelli,
Laudisi,
meu
cunhado.
Fique
à
vontade.
PONZA
-‐
Obrigado.
É
só
um
momento
e
não
incomodo
mais.
AGAZZI
-‐
Quer
falar
comigo
em
particular?
PONZA
-‐
Não.
Posso...
posso
falar
na
frente
de
todos.
Pois
é
...
é
uma
declaração,
digo,
uma
coisa
que
tenho
o
dever
de
esclarecer
publicamente.
AGAZZI
-‐
Está
falando
da
visita
da
senhora
sua
sogra?
Não
precisa
dizer
nada,
porque
...
PONZA
-‐
Não
vim
por
isso,
senhor
Comendador.
Só
pra
dizer
que
a
senhora
Frola,
minha
sogra,
sem
dúvida
alguma
teria
vindo
aqui
antes
que
a
sua
senhora
e
a
senhorita
a
houvessem
honrado
com
sua
visita,
se
eu
não
tivesse
impedido
isso.
Não
posso
permitir
que
ela
receba
ou
faça
visitas.
AGAZZI
(Com
evidente
ressentimento)
-‐
Mas
por
que,
me
desculpe?
PONZA
(Alterando-‐se
cada
vez
mais,
apesar
do
esforço
pra
conter-‐se.)
-‐
Minha
sogra
deve
ter-‐lhes
falado
de
sua
filha,
deve
ter
dito
que
eu
a
proíbo
de
vê-‐la,
de
subir
na
minha
casa.
AMÁLIA
-‐
Mas
não!
A
senhora
estava
cheia
de
cuidados
e
de
referências
bondosas
a
seu
respeito!
DINA
-‐
Só
falou
bem
do
senhor!
O
tempo
todo!
AGAZZI
-‐
E
que
ela
se
abstém
de
subir
na
casa
da
filha
respeitando
um
sentimento
seu,
que
nós
lhe
dissemos
francamente
que
não
conseguimos
entender.
SRA.
SIRELLI
-‐
Até,
se
pudéssemos
dizer
exatamente
o
que
pensamos
...
AGAZZI
-‐
Isso
nos
pareceu
uma
enorme
crueldade,
sim
senhor!
Uma
barbaridade!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 19
PONZA
-‐
Estou
aqui
exatamente
pra
esclarecer
isso,
Comendador.
A
condição
dessa
mulher
é
lastimável.
Mas
não
menos
lastimável
é
a
minha,
até
pelo
fato
de
que
me
obriga
a
desculpar-‐me
a
e
lhes
dar
conta
a
razão
de
uma
desventura
que
apenas
...
apenas
uma
violência
como
esta
me
forçaria
a
revelar.
(Pára
um
momento
olhando
todos,
depois
diz,
lento
e
silabando.)
A
senhora
Frola
é
louca.
TODOS
(Num
frêmito)
-‐
Louca?
PONZA
-‐
Está
louca
há
quatro
anos.
SRA.
SIRELLI
-‐
(Com
um
grito)
-‐
Oh,
meu
Deus,
mas
não
parece!
AGAZZI
(Aturdido)
-‐
Louca,
como?
PONZA
-‐
Não
parece.
Mas
é
louca.
E
sua
loucura
consiste
exatamente
em
acreditar
que
eu
não
desejo
que
ela
veja
a
filha.
(Com
comoção
quase
feroz.)
Que
filha,
em
nome
de
Deus,
se
a
filha
que
tinha
morreu
há
quatro
anos?
TODOS
(Pasmos)
-‐
Morta?
...
Oh!
...
Como?
...
Morta?
...
PONZA
-‐
Há
quatro
anos.
Minha
sogra
enlouqueceu
exatamente
por
isso.
SIRELLI
-‐
Mas,
e
que
é
essa
que
vive
lá
com
o
senhor?
PONZA
-‐
É
minha
segunda
esposa.
Casei
com
ela
há
dois
anos.
AMÁLIA
-‐
E
a
senhora
pensa
que
ainda
é
filha
dela?
PONZA
-‐
É
uma
sorte,
se
se
pode
falar
de
sorte
nesse
caso.
Da
janela
do
aposento
onde
eu
a
tinha
confinado,
me
viu
passar
com
esta
minha
segunda
esposa.
Acreditou
que
ela
era
a
filha
desaparecida.
Se
pôs
a
rir
e
a
tremer
de
emoção.
Imediatamente
saiu
da
tétrica
prostração
em
que
vivia
pra
se
jogar
nessa
outra
loucura,
a
princípio
exultante,
feliz,
a
pouco
e
pouco
mais
calma,
embora,
ainda
assim,
angustiada,
numa
resignação
que
ela
própria
se
impôs
-‐
e
que,
resumindo,
a
deixa
contente,
como
puderam
ver.
Se
obstina
em
acreditar
que
a
filha
não
morreu,
e
que
eu
a
quero
totalmente
pra
mim,
não
permitindo
que
ela
a
veja.
Desse
jeito
dá
a
impressão
de
que
se
recuperou.
Tanto
que,
ouvindo-‐a
falar,
ninguém
dirá
que
ela
é
louca.
AMÁLIA
-‐
Realmente!
Realmente!
SRA.
SIRELLI
-‐
É
mesmo,
afirma
que
está
muito
contente
assim.
PONZA
-‐
Diz
isso
a
todo
mundo.
E
tem
por
mim
gratidão
e
afeto
verdadeiros.
E
eu
cuido
de
protegê-‐la
o
mais
que
posso,
ao
custo
mesmo
de
enormes
sacrifícios.
Sou
forçado
a
ter
duas
casas.
Obrigo
minha
mulher
que
por
sorte
se
presta
generosamente
a
isso,
a
confirmar
diariamente
a
grande
ilusão
de
que
ela
é
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 20
sua
filha.
Chega
à
janela,
escreve
a
ela,
lhe
fala.
Mas
isso
é
caridade,
sabem,
dever
que
vai
até
certo
ponto,
senhores!
Não
posso
obrigar
minha
mulher
a
conviver
com
ela.
E
apesar
disso
minha
mulher
vive
como
num
cárcere,
uma
desgraçada,
fechada
a
chave,
com
medo
de
que
a
outra
entre
em
casa.
É
uma
mulher
tranqüila,
minha
esposa,
extremamente
dócil:
mas
é
fácil
compreender
que
seria
horrível
pra
ela
submeter-‐se
às
carícias
que
minha
sogra
lhe
faria.
Até
aí
não
se
chega.
AMÁLIA
(Com
horror
e
piedade,
ao
mesmo
tempo)
-‐
Ah,
claro!
Pobre
senhora,
que
situação!
SRA.
SIRELLI
(Ao
marido
e
à
senhora
Cini)
-‐
Ah,
então
é
ela
própria
perceberam?
-‐
que
deseja
viver
fechada
a
chave.
PONZA
(Cortando)
Senhor
Comendador,
está
vendo
que
eu
não
podia,
a
não
ser
forçado,
deixar
que
ela
viesse
fazer
esta
visita.
AGAZZI
-‐
Compreendo,
agora
compreendo
-‐
sim,
sim,
já
entendo
tudo.
PONZA
-‐
Quem
está
envolvido
em
semelhante
desventura
tem
que
viver
afastado.
Não
conseguindo
impedir
que
minha
sogra
viesse
aqui,
era
meu
dever
lhes
dar
o
esclarecimento
necessário.
Isso
por
respeito
ao
posto
que
ocupo.
Um
servidor
público
não
pode
deixar
que
se
acredite
dele
uma
tal
enormidade.
Que,
por
ciúme,
ou
por
qualquer
outro
motivo,
eu
impeço
uma
pobre
mãe
de
ver
sua
filha.
(Se
levanta.)
Senhor
Comendador!
(Se
inclina.
Depois,
diante
de
Laudisi
e
Sirelli,
inclina
a
cabeça.)
Senhores.
(E
sai
pela
entrada
principal.)
AMÁLIA
(Abalada)
-‐
Quer
dizer
...
É
louca,
então!
SRA.
SIRELLI
-‐
Pobre
senhora!
Louca!
DINA
-‐
Aí
está!
Pensa
que
é
a
mãe
mas
aquela
não
é
a
filha
dela.
(Esconde
o
rosto
nas
mãos,
de
horror)
Meu
Deus!
SRA.
CINI
-‐
Mas
que
jamais
poderia
supor?
AGAZZI
-‐
Contudo
...
bem
...
Da
maneira
como
ela
falava
...
LAUDISI
-‐
...
você
já
tinha
percebido?
AGAZZI
-‐
Não
...
mas,
veja
bem
...
ela
própria
não
sabia
como
dizer!
SRA.
SIRELLI
-‐
Pudera,
coitadinha
-‐
não
raciocina!
SIRELLI
-‐
Mas,
me
desculpem
-‐
é
estranho
pruma
louca!
Não
raciocina
muito
bem.
Mas
essa
tentativa
de
explicar
porque
o
genro
não
a
deixa
ver
a
filha;
e
a
vontade
de
justificá-‐lo,
adaptando-‐se
às
desculpas
que
ela
própria
encontra
...
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 21
AGAZZI
-‐
Mas
é
isso!
Essa
é
a
prova
de
sua
loucura!
Essa
busca
de
desculpas
pro
genro,
sem
chegar
a
encontrar
nenhuma
verdadeiramente
plausível.
AMÁLIA
-‐
Tem
razão.
Dizia
e
logo
se
desdizia!
AGAZZI
(À
Sirelli)
-‐
E
te
parece
que
se
não
fosse
louca
aceitaria
ver
a
filha
somente
por
uma
janela,
com
a
desculpa
desse
amor
mórbido
do
genro,
querendo
a
mulher
totalmente
pra
ele?
SIRELLI
-‐
Está
bem?
E
é
por
se
louca
que
aceita
isso?
E
se
resigna?
Me
parece
estranho,
muito
estranho.
(À
Laudisi.)
O
que
você
acha?
LAUDISI
-‐
Eu?
Nada!
CENA
VI
Copeiro,
os
mesmos
personagens,
depois
a
senhora
Frola.
COPEIRO
(Batendo
na
entrada
e
logo
depois
se
mostrando
na
porta,
perturbado.)
-‐
Dá
licença?
A
senhora
Frola
está
aí
de
novo!
AMÁLIA
(Assombro.)
Ó
Deus,
vamos
ter
que
agüentar
essa
mulher
o
tempo
todo,
agora?
E
não
podendo
mais
acreditar
nela?
SRA.
SIRELLI
-‐
Pois
é
-‐
sabendo
que
ela
é
louca!
SRA.
CINI
-‐
Deus,
Deus!
Quem
sabe
o
que
ela
vai
contar
agora?
Mas
eu
gostaria
de
ouvi-‐
la.
SIRELLI
-‐
Eu
também.
Não
estou
lá
tão
convencido
de
que
seja
louca.
DINA
-‐
É
mesmo,
mamãe,
não
devemos
ter
medo.
É
uma
mulher
tão
tranqüila.
AGAZZI
-‐
Temos
que
recebê-‐la.
Vamos
ver
o
que
ela
quer.
Dependendo
-‐
se
resolve.
Mas,
sentados,
sentados.
É
preciso
ficar
sentados.
(Ao
copeiro.)
Manda
entrar.
(O
Copeiro
sai.)
AMÁLIA
-‐
Me
ajudem,
por
favor.
Agora
eu
não
sei
mais
o
que
falar!
(Entra
a
senhora
Frola.
A
senhora
Amália
se
levanta
e
vai
ao
seu
encontro,
amedrontada.
Os
outros
observam,
ansiosos.)
SRA.
FROLA
-‐
Me
dão
licença?
AMÁLIA
-‐
Entre,
por
favor.
As
minhas
amigas
ainda
estão
aqui,
como
vê
...
SRA.
FROLA
(Sorrindo,
com
triste
afabilidade.)
-‐
...
e
me
olhando
...
e
a
senhora
também,
é
natural,
como
uma
pobre
demente,
não
é
mesmo?
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 22
SRA.
FROLA
-‐
Eu
sei
o
que
ele
diz!
E
sei
também
como
fica
perturbado
por
ter
que
falar
isso
a
meu
respeito.
É
uma
desgraça,
senhor
Comendador,
que,
com
tanto
esforço,
através
de
tanta
dor,
conseguimos
superar;
mas
assim,
dessa
forma,
no
acordo
de
viver
como
vivemos.
Compreendo,
claro,
que
isso
deve
parecer
estranho,
provocar
escândalo,
suspeitas.
Mas,
por
outro
lado,
o
senhor
o
conhece
bem
-‐
é
um
ótimo
empregado,
zeloso,
escrupuloso.
Já
o
terá
experimentado,
estou
segura.
AGAZZI
-‐
Pra
lhe
ser
sincero,
não.
Ainda
não
tive
a
oportunidade.
SRA.
FROLA
-‐
Então,
por
caridade,
não
o
julgue
pelas
aparências!
É
um
rapaz
ótimo:
todos
os
seus
superiores
sempre
acharam
isso.
Por
que
então
atormentá-‐lo
com
indagações
sobre
sua
vida
familiar,
sobre
sua
desgraça,
já
superada,
repito
e
que,
revelada,
poderia
comprometer
sua
carreira?
AGAZZI
-‐
Mas
não,
senhora,
não
se
aflija
tanto!
Ninguém
deseja
atormentá-‐lo!
SRA.
FROLA
-‐
Deus
meu,
como
quer
que
eu
não
me
aflija
quando
o
vejo
forçado
a
dar
a
todo
mundo
uma
explicação
absurda
-‐
absurda
e
horrível!
Os
senhores
acreditaram
a
sério
que
a
minha
filha
está
morta?
Que
eu
sou
louca?
Que
a
mulher
que
está
com
ele
é
a
sua
segunda
esposa?
Temos
que
aceitar
isso
-‐
Que
ele
precisa
dizer
isso!
Só
assim
foi
possível
lhe
devolver
a
calma
e
a
confiança.
Mas
ele
próprio
percebe
a
enormidade
do
que
diz
e,
forçado
a
dizer
se
perturba,
se
excita,
se
perde
-‐
os
senhores
viram!
AGAZZI
-‐
Sim,
realmente,
estava
um
pouco
nervoso.
SRA.
SIRELLI
-‐
Oh,
Deus,
mas
como
então?
Mas
então
é
ele
que
...
?
SIRELLI
-‐
Claro
que
deve
ser
ele.
(Triunfante.)
Eu
não
disse?
AGAZZI
-‐
Será?
É
possível?
(Viva
agitação
em
todos.)
SRA.
FROLA
(De
repente,
juntando
as
mãos)
Não,
por
favor,
senhores!
O
que
é
que
estão
pensando?
Ë
só
essa
ferida
que
não
deve
ser
tocada!
Desculpem,
mas
eu
deixaria
minha
filha
só
com
ele,
se
ele
fosse
louco?
Não!
E
a
prova
o
senhor
vai
ter
logo
na
repartição,
senhor
Conselheiro,
onde
cumpre
sempre
os
seu
deveres
com
absoluta
correção.
AGAZZI
-‐
Ah,
mas
é
preciso
que
a
senhora
explique,
e
claramente,
como
estão
as
coisas!
Está
dizendo
que
o
seu
genro
veio
aqui
inventando
essa
história
toda?
SRA.
FROLA
-‐
Sim
senhor,
tem
razão,
claro
-‐
eu
explico
tudo!
Mas
é
preciso
piedade,
Conselheiro!
AGAZZI
-‐
Me
diga;
não
é
verdade
que
a
sua
filha
morreu?
SRA.
FROLA
(Horror)
-‐
Oh,
não!
Deus
me
livre
disso!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 24
AGAZZI
(Irritadíssimo,
gritando.)
Mas
então
o,
maluco
é
ele?
SRA.
FROLA
(Suplicante.)
-‐
Não,
não
...
veja
...
SIRELLI
(Triunfante.)
-‐
Claro
que
tem
que
ser
ele!
SRA.
FROLA
-‐
Não!
Olhem!
Olhem
aqui!
Ele
não
é
louco!
Me
deixem
falar!
Os
senhores
viram
-‐
é
muito
forte
de
físico,
violento
...
Quando
casou
foi
tomado
por
um
verdadeiro
frenesi
de
amor.
Acreditem,
quase
destruiu
a
minha
filha,
uma
mulher
tão
delicada.
A
conselho
do
médicos
e
de
todos
os
parentes,
e,
inclusive,
dos
pais
-‐
que
agora,
coitados,
já
não
vivem
mais!
-‐
tirou-‐se
a
mulher
de
junto
dele
-‐
e
foi
colocada
numa
casa
de
saúde.
E
ele
então,
que
já
estava
bastante
alterado
por
aquele,
digamos,
exagero
de
amor,
quando
não
a
encontrou
em
casa
...
ah,
senhores,
caiu
em
desespero
furioso:
acreditou
seriamente
que
a
mulher
tinha
morrido,
não
quis
ouvir
mais
nada,
mais
ninguém;
começou
a
cometer
loucuras;
e
não
se
conseguiu
mais
demovê-‐lo
dessa
idéia
fixa.
Tanto
que
quando,
depois
de
um
ano,
a
minha
filha,
já
restabelecida,
revivida,
lhe
foi
reapresentada,
ele
gritou
que
não,
que
aquela
não
era
ela!
Não!
Não!
E
a
olhava
-‐
aquela
não
era
mais
ela!
Ah,
meus
senhores,
que
tormento!
Se
aproximava
dela,
carinhoso,
parecia
reconhecê-‐
la,
e
logo,
não!
não!
E
pra
fazer
com
que
a
aceitasse
outra
vez,
se
inventou
um
segundo
casamento
com
a
ajuda
de
amigos
...
SRA.
SIRELLI
-‐
Ah,
é
por
isso
então
que
ele
...
SRA.
FROLA
-‐
Sim.
Mas
ele
próprio
não
acredita
muito,
de
um
tempo
pra
cá!
Tem
necessidade
de
se
reafirmar
contando
isso
pros
outros:
é
mais
forte
que
ele,
isso!
Precisa
estar
seguro,
entendem?
Acho
que
de
vez
em
quando
lhe
volta
o
terror
de
que
lhe
roubem
de
novo
a
mulherzinha.
(Voz
baixa,
sorrindo
confidencialmente.)
Por
isso
a
mantém
fechada
a
chave
-‐
só
assim
a
tem
toda.
Mas
a
adora!
Não
tenho
a
menor
dúvida.
E
a
minha
filha
está
feliz.
(Suspira
docemente,
sacudindo
as
mãos
postas.)
Precisa
muita
paciência!
Aquela
pobrezinha
tem
que
fingir
que
não
é
ela
própria
mas
uma
outra;
e
eu
...
eh!
Eu
tenho
que
passar
por
louca,
imaginem!
Mas
que
fazer?
É
preciso
que
ele
tenha
paz!
Não
se
incomodem
comigo,
por
favor,
já
sei
o
caminho.
Até
outro
dia,
senhores,
até
outro
dia.
(Cumprimentando
e
se
inclinando
vai
embora
depressa,
pela
saída
principal.
Os
outros
ficam
todos
em
pé,
espantados,
se
olhando
sem
saber
o
que
dizer.
Silêncio.)
LAUDISI
(Fazendo-‐se
notar,
subitamente.)
-‐
Estão
todos
se
olhando
com
cuidado?
Bem
nos
olhos?
Procurando
o
quê?
A
Verdade?
(Começa
a
gargalhar.)
Ah!
Ah!
Ah!
Ah!
(Cortina)
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 25
ATO
II
(Estúdio
na
casa
do
Conselheiro
Agazzi.
Móveis
antigos.
Nas
paredes
,
velhos
quadros.
Entrada
ao
fundo
com
cortina.
Entrada
Lateral
à
esquerda,
dando
na
sala,
também
com
cortina.
A
direita
uma
boa
lareira,
sobre
a
qual
há
um
espelho
grande.
Aparelho
telefônico
na
escrivaninha.
Um
pequeno
divã,
cadeiras,
etc.)
CENA
I
Agazzi,
Laudisi,
Sirelli.
(Agazzi
está
em
pé
junto
da
escrivaninha,
com
o
receptor
do
telefone
no
ouvido.
Laudisi
e
Sirelli,
sentados,
o
observam,
esperando.)
AGAZZI
-‐
Pronto!
Sim!
Centuri?
Como
é
que
é?
Sim,
sim,
ótimo!
(Escuta
longamente.)
Mas
como,
desculpa,
é
isso
mesmo?
(Escuta
de
novo,
longamente.)
Compreendo
mas,
mas
se
você
fizer
um
pequeno
esforço
...
(Outra
pausa
longa.)
É
muito
estranho,
me
desculpe,
que
não
se
possa
...
(Pausa.)
Compreendo.
Sim.
Compreendo.
(Pausa.)
Basta,
verei
eu
mesmo...
Pra
você
também.
(Recoloca
o
receptor
e
avança.)
SIRELLI
-‐
Então?
AGAZZI
-‐
Nada.
SIRELLI
-‐
Não
se
encontra
nada?
AGAZZI
-‐
Todo
espalhado
ou
destruído.
Município,
arquivo,
estado
civil.
SIRELLI
-‐
Mas,
e
o
testemunho
dos
sobreviventes?
AGAZZI
-‐
Não
se
tem
notícias
dos
sobreviventes.
E
se
há
alguma
busca
é
dificílima,
quase
impossível,
agora!
SIRELLI
-‐
Quer
dizer
que
não
nos
resta
senão
acreditar
nele
ou
nela,
assim,
sem
qualquer
prova?
AGAZZI
-‐
É
o
que
parece.
LAUDISI
(Levantando-‐se.)
-‐
Querem
seguir
o
meu
conselho?
Acreditem
nos
dois!
AGAZZI
-‐
Me
diz
como
se
...
SIRELLI
-‐
...
se
um
diz
preto
e
o
outro
diz
branco.
LAUDISI
-‐
Então
não
acreditem
em
nenhum
dos
dois!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 26
SIRELLI
-‐
Você
está
brincando!
Faltam
as
provas,
os
dados
factuais.
Mas
a
verdade,
é
evidente,
tem
que
estar
com
um
ou
com
outro.
LAUDISI
-‐
Os
dados
factuais,
você
falou?
O
que
você
deduziria
deles?
AGAZZI
-‐
Ora,
Laudisi,
o
dado
da
morte
da
filha
é
definitivo
pra
provar
que
a
SRA.
FROLA
é
louca.
Não
se
acha
essa
informação
como
não
se
acha
mais
nada.
Mas
deve
haver
essa
informação
em
algum
lugar.
A
qualquer
momento
pode
ser
encontrada.
E
se
está
morta
não
há
mais
qualquer
dúvida
-‐
o
genro
tem
razão.
SIRELLI
-‐
Você
negaria
essa
coisa
evidente,
se
amanhã
a
prova
que
buscamos
lhe
fosse
apresentada?
LAUDISI
-‐
Mas
eu?
Eu
não
nego
coisa
alguma!
Tomo
todo
cuidado
pra
não
fazer
isso!
Vocês,
não
eu,
têm
necessidade
de
fatos,
de
documentos,
pra
afirmar
ou
negar!
Eu
não
sei
o
que
fazer,
pois
pra
mim
a
realidade
não
consiste
nisso,
mas
na
alma
dos
dois,
na
qual
não
tenho
a
pretensão
de
entrar,
senão
pelo
pouquinho
do
que
eles
próprios
dizem.
SIRELLI
-‐
Muito
bem.
Mas
essas
aparências,
não
mostram,
que
um
dos
dois
é
louco?
Ou
ele
é
louco
ou
ela
é.
Daí
você
não
escapa!
Qual
dos
dois?
AGAZZI
-‐
Eis
a
questão!
LAUDISI
-‐
Antes
de
mais
nada,
não
é
verdade
que
os
dois
se
digam
loucos.
Apenas
ele,
o
senhor
Ponza,
fala
isso
da
sogra.
Ela
o
nega
peremptoriamente,
não
só
com
respeito
a
si
própria
mas
também
com
referência
a
ele.
No
máximo
-‐
pelo
que
ela
diz
-‐
se
conclui
que
Ponza
ficou
um
tanto
alterado
do
espírito
por
um
amor
total,
exacerbado.
Mas
agora
está
muito
bem,
calmo,
saudabilíssimo.
SIRELLI
-‐
Se
entendo
bem,
você
se
inclina,
como
eu,
pela
versão
da
sogra.
AGAZZI
-‐
A
verdade
é
que,
aceitando
o
que
ela
diz,
tudo
se
explica
com
clareza.
LAUDISI
-‐
Mas
também
se
explica
tudo
satisfatoriamente
aceitando
o
que
afirma
o
genro.
SIRELLI
-‐
Quer
dizer
então
que
louco
mesmo
ninguém
é?
Mas
um
dos
dois
tem
que
ser,
pelo
amor
de
Deus!
LAUDISI
-‐
E
qual
dos
dois
você
prefere?
Você
não
é
capaz
de
decidir
isso,
ninguém
é.
E
não
pelo
fato
de
que
os
dados
que
procuram
tenham
sido
anulados
-‐
destruídos
ou
perdidos
-‐
por
um
acidente
qualquer,
um
incêndio,
um
terremoto.
Não.
Mas
porque
os
dois
anularam,
destruíram
esses
fatos
em
si
mesmos,
no
mais
fundo
da
alma.
Criando,
ela
pra
ele,
ou
ele
pra
ela,
um
fantasma
que
tem
a
exata
consistência
da
realidade,
e
no
qual
os
dois
concordam
com
perfeita
harmonia,
pacificados.
E
essa
realidade
deles
não
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 27
pode
ser
destruída
por
nenhum
documento,
pois
eles
a
respiram,
a
vêem,
sentem-‐na
...
e
tocam-‐na!
No
máximo
o
documento
serviria
a
vocês,
só
a
vocês,
satisfazendo
uma
tola
curiosidade.
E
como
aí
estariam
condenados
ao
maravilhoso
suplício
de
ver,
ao
mesmo
tempo,
aqui
o
fantasma,
e
aqui
a
realidade,
e
não
saber
distinguir
um
do
outro!
AGAZZI
-‐
Filosofia,
meu
caro,
vã
filosofia!
Vamos
ver
-‐
nós
vamos
ver
agora
se
não
é
possível.
SIRELLI
-‐
Ouvimos
primeiro
um,
depois
o
outro.
Colocando-‐os
agora
juntos,
frente
a
frente,
você
acha
que
não
descobriremos
qual
é
o
teu
fantasma
e
qual
é
a
tua
realidade?
LAUDISI
-‐
Só
quero
que
me
dêem
licença
de
continuar
rindo
até
o
fim.
AGAZZI
-‐
Está
bem,
está
bem
-‐
vamos
ver
quem
ri
melhor.
não
percamos
tempo!
(Se
aproxima
da
entrada
à
esquerda
e
grita.)
Amália,
senhora,
venham
-‐
venham
aqui!
CENA
II
Senhora
Amália,
Senhora
Sirelli,
Dina
e
os
personagens
anteriores.
SRA.
SIRELLI
(A
Laudisi,
ameaçando
com
um
dedo)
-‐
Você?
Mas
continua!?
SIRELLI
-‐
É
incorrigível!
SRA.
SIRELLI
-‐
Mas
será
que
-‐
como
todo
mundo
-‐
é
uma
mania,
já!
-‐
não
vai
também
se
interessar
pelo
esclarecimento
desse
mistério
que
enlouqueceu
a
cidade?
Eu
não
vou
conseguir
dormir,
esta
noite!
AGAZZI
-‐
Por
favor,
minha
senhora,
não
lhe
dê
atenção.
LAUDISI
-‐
Um
bom
conselho!
Dê
atenção
a
meu
cunhado
que
lhe
prepara
o
sono
desta
noite.
AGAZZI
-‐
Bom.
Decidimos
assim.
As
mulheres
vão
ao
apartamento
da
senhora
Frola
...
AMÁLIA
-‐
E
ela
nos
recebe?
AGAZZI
-‐
Sem
dúvida.
DINA
-‐
É
nossa
obrigação
retribuir
a
visita.
AMÁLIA
-‐
Mas
não
ficou
dito
que
ele
não
permite
que
ela
faça
ou
receba
visitas?
SIRELLI
-‐
Antes,
sim!
Porque
ninguém
sabia
nada.
Mas
agora
que,
forçada
pelas
circunstâncias,
ela
explicou
a
seu
modo
a
razão
do
seu
recolhimento
...
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 28
SRA.
SIRELLI
(Concordando)
-‐
...
talvez
até
tenha
prazer
em
falar
da
filha.
DINA
-‐
É
uma
pessoa
tão
delicada.
Ah,
pra
mim
não
há
a
menor
dúvida
-‐
o
louco
é
ele!
AGAZZI
-‐
Não
nos
precipitemos
-‐
não
vamos
avançar
nenhum
juízo.
Escutem
um
pouco
(Olha
o
relógio.)
Não
demorem
muito.
Fiquem,
no
máximo,
um
quarto
de
hora.
SIRELLI
(À
mulher.)
Por
caridade,
presta
atenção!
SRA.
SIRELLI
(Furiosa.)
-‐
Por
que
você
me
diz
isso?
SIRELLI
-‐
Bom,
porque
você,
quando
começa
a
falar
...
DINA
(Pra
evitar
a
briga)
-‐
Um
quarto
de
hora,
um
quarto
de
hora
-‐
deixem
que
eu
vigio..
AGAZZI
-‐
Vou
dar
um
pulo
na
Prefeitura
e
estarei
aqui
em
vinte
minutos
-‐
às
onze
em
ponto.
SIRELLI
(Inquieto)
-‐
E
eu?
AGAZZI
-‐
Espera.
(Às
mulheres.)
Um
momento
antes,
com
um
pretexto
qualquer,
vocês
forçarão
a
senhora
Frola
a
vir
aqui.
AMÁLIA
-‐
Mas
...
que
pretexto?
AGAZZI
-‐
Qualquer
um!
Vão
encontrar,
no
meio
da
conversa.
Não
me
diga
que
vai
lhes
faltar
pretexto
-‐
imagina,
se
vocês,
mulheres,
não
encontram
um!
Está
aí
Dina,
está
aí
a
senhora
...
Quando
entrarem
aqui
devem
ir
pra
sala.
(Vai
até
a
entrada
à
esquerda
e
a
abre
bem,
afastando
a
cortina.)
Essa
entrada
deve
ficar
bem
aberta
-‐
assim!
De
maneira
que
daqui
se
ouça
o
que
vocês
falam.
Deixo
aqui
na
escrivaninha
estes
papéis.
Um
documento
urgente
pra
ser
estudado
pelo
senhor
Ponza.
Com
a
desculpa
de
ter
esquecido
isso,
eu
venho
até
aqui
com
ele.
E
aí
...
SIRELLI
-‐
Desculpa,
mas
eu,
onde
é
que
eu
entro
nisso?
AGAZZI
-‐
Alguns
minutos
depois
das
onze,
quando
as
senhoras
já
estiverem
na
sala
e
eu
aqui
com
Ponza,
você
virá
buscar
sua
mulher.
E
eu,
então
juntarei
todo
mundo
aqui
-‐
no
estúdio...
LAUDISI
(De
repente.)
-‐
...
e
a
verdade
será
descoberta!
DINA
-‐
Que
é
que
o
senhor
acha,
tio,
o
que
vai
acontecer
quando
os
dois
estiverem
aqui?
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 29
AGAZZI
-‐
Pelo
amor
de
Deus,
Dina,
não
presta
atenção
a
ele!
Vamos,
vamos.
Não
há
tempo
a
perder!
SRA.
SIRELLI
-‐
Vamos
logo
-‐
vamos,
que
isso
aqui
...
Eu
nem
o
cumprimento
mais!
LAUDISI
-‐
Não
se
incomode,
senhora.
Eu
mesmo
me
cumprimento
em
seu
nome.
(Aperta
uma
mão
na
outra.)
Boa
sorte!
(Saem
Amália,
Dina
e
a
senhora
Sirelli.)
AGAZZI
-‐
(À
Sirelli.)
Vamos
nós
também.
Depressa!
SIRELLI
-‐
Vamos
logo.
Adeus,
Lamberto.
LAUDISI
-‐
Até
já,
até
já!
(Agazzi
e
Sirelli
saem.)
CENA
III
Laudisi,
só.
Depois,
o
Copeiro.
LAUDISI
(Anda
um
pouco
pelo
estúdio,
refletindo
e
abanando
a
cabeça.
Para
diante
do
enorme
espelho
da
lareira
e
fala
à
própria
imagem.)
-‐
Ué,
você
está
aí!?
(Cumprimenta
com
dois
dedos,
pisca
um
olho
galhofeiro
e
ri
ironicamente.)
Oi,
amigo!
Quem
é
o
maluco
de
nós
dois?
(Aponta
um
dedo
contra
a
imagem
que,
obviamente,
aponta
um
dedo
pra
ele.
Ri
de
novo
e
diz:)
Já
sei,
já
sei.
Eu
digo
que
é
você,
e
você,
com
o
dedo,
aponta
pra
mim.
Vá
lá
-‐
mas
na
intimidade,
tu
comigo
e
eu
contigo,
nós
dois
nos
conhecemos
muito
bem.
O
diabo
é
que
ninguém
mais
te
vê
como
eu
te
vejo!
E
aí,
caro
amigo,
você
vira
o
que?
Eu
sou
eu,
aqui
na
tua
frente,
ó
-‐
me
vejo
e
me
toco.
Mas
você,
como
os
outros,
te
vêem,
o
que
é
que
você
é?
Um
fantasma,
meu
caro,
um
fantasma!
Contudo,
viu
como
esses
malucos
agem?
Sem
perceberem
o
fantasma
que
trazem
consigo,
digo,
dentro
de
si
mesmos,
vão
correndo
cheios
de
curiosidade
atrás
do
fantasmas
dos
outros!
Achando
que
é
uma
coisa
diferente!
(O
Copeiro,
entrando,
fica
espantado
ouvindo
as
últimas
palavras
de
Laudisi.
Espera
e
fala:)
COPEIRO
-‐
Senhor
Lamberto.
LAUDISI
-‐
Hein?
COPEIRO
-‐
Estão
aí
duas
senhoras.
A
senhora
Cini
e
uma
outra.
LAUDISI
-‐
Querem
falar
comigo?
COPEIRO
-‐
Perguntaram
pela
patroa.
Eu
disse
que
estava
visitando
a
senhora
Frola
aqui
do
lado
e
aí
...
LAUDISI
-‐
E
aí?
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 30
COPEIRO
-‐
As
duas
ficaram
se
olhando.
Batendo
com
as
luvas
nas
mãos.
“Ah,
é?”
“Ah,
é?”
E
me
perguntaram,
de
mau
humor,
se
realmente
não
tinha
ninguém
em
casa.
LAUDISI
-‐
E
você
respondeu
que
não
tinha
ninguém.
COPEIRO
-‐
Disse
que
tinha
o
senhor.
LAUDISI
-‐
Eu?
Não.
No
máximo
aquele
que
elas
conhecem.
COPEIRO
(Atrapalhado.)
-‐
O
que
é
que
o
senhor
disse?
LAUDISI
-‐
Olha
bem
-‐
a
você
parece
o
mesmo?
COPEIRO
(Tentando
manter
um
sorriso
de
boca
aberta)
-‐
Não
compreendo.
LAUDISI
-‐
Com
quem
é
que
você
está
falando?
COPEIRO
-‐
Como
...
com
quem
estou
falando?
Com
o
senhor
ora!
LAUDISI
-‐
E
você
está
certo
de
que
eu
sou
o
mesmo
que
essas
senhoras
procuram?
COPEIRO
-‐
Bom
...
agora
já
não
sei
...
Elas
disseram
o
irmão
da
patroa
...
LAUDISI
-‐
Ah,
meu
caro!
É
...
então
sou
eu
...
sou
eu
...
Manda
entrar,
manda.
(O
Copeiro
sai,
virando
várias
vezes
pra
trás,
olhando
Laudisi
como
quem
não
acredita
no
que
está
vendo.)
CENA
IV
Os
mesmos,
a
Senhora
Cini,
a
Senhora
Nenni.
SRA.
CINI
-‐
Dá
licença?
LAUDISI
-‐
Entre,
senhora,
entre.
SRA.
CINI
-‐
Me
disseram
que
a
senhora
não
está.
Tinha
trazido
minha
amiga,
a
senhora
Nenni
...
(Apresenta.
É
uma
velha
mais
deselegante
e
desajeitada
do
que
ela,
e
também
cheia
de
curiosidade
doentia,
mas
reservada,
temerosa.)
Ela
tinha
tanta
vontade
de
conhecer
a
senhora
...
LAUDISI
-‐
Frola?
SRA.
CINI
-‐
Não!
Não!
A
senhora
sua
irmã.
LAUDISI
-‐
Ah,
ela
já
vem
-‐
não
demora
nada.
A
Senhora
Frola
vem
com
ela,
também.
Fiquem
à
vontade,
por
favor.
(Indica
pra
que
se
sentem
no
pequeno
divã.
Depois,
sentando-‐se
graciosamente
entre
as
duas.)
Me
permitem?
O
divã
dá
muito
bem
pra
três
pessoas,
não
acham?
A
senhora
Sirelli
está
aí
também.
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 31
SRA.
CINI
-‐
Ah,
sim.
O
Copeiro
nos
disse.
LAUDISI
-‐
Está
tudo
combinado,
sabem?
Vai
ser
uma
cena
daquelas
-‐
uma
cena
sem
um
senão!
Aqui!
Num
minuto,
às
onze
em
ponto.
SRA.
CINI
(Espantada)
-‐
Me
desculpe,
o
que
é
que
o
senhor
quer
dizer
-‐
o
que
é
que
está
combinado?
LAUDISI
(Misterioso,
primeiro
erguendo
os
indicadores
das
mãos,
depois
com
a
voz.)
-‐
O
encontro!
(Gesto
de
admiração.
Depois.
)
Uma
grande
idéia!
SRA.
CINI
-‐
Que
...
que
encontro?
LAUDISI
-‐
Dos
dois.
Primeiro
entra
ele.
SRA.
CINI
–
O
senhor
Ponza?
LAUDISI
-‐
É.
Enquanto
ela
é
levada
pra
lá.
(Indica
a
sala.)
SRA.
CINI
-‐
A
senhora
Frola?
LAUDISI
-‐
Sim,
senhora.
(E
agora,
primeiro
com
um
gesto
expressivo
da
mão,
depois
com
a
voz:)
Logo
em
seguida
os
dois
estão
juntos
aqui,
um
na
frente
do
outro
-‐
e
nós
em
volta,
vendo
e
ouvindo
tudo.
Uma
grande
idéia!
SRA.
CINI
-‐
Isso
pra
revelar
...
LAUDISI
-‐
...
a
verdade!
Que,
aliás,
já
se
sabe.
Agora
falta
apenas
desmascará-‐la.
SRA.
CINI
(Com
surpresa
e
ânsia
incontida.)
-‐
Não
diz!
Já
se
sabe?
E
quem
é?
Qual
dos
dois?
Quem
é?
LAUDISI
-‐
Vejamos
com
calma.
Adivinhe.
Vamos
-‐
coragem!
SRA.
CINI
-‐
Eu
...
eu
digo
que
é
ele!
LAUDISI
(Olha-‐a
um
pouco.
Depois.)
-‐
É
ele.
SRA.
CINI
(Exultante.)
-‐
É
mesmo?
Está
vendo?
Está
vendo?
Eu
não
dizia?
Tinha
que
ser
ele!
SRA.
NENNI
(Exultante.)
-‐
Sim
senhor.
Ele!
Todas
nós
sabíamos,
nós
as
mulheres!
SRA.
CINI
-‐
E
como
se
soube?
Apareceram
as
provas
que
buscavam?
Os
fatos?
SRA.
NENNI
-‐
Através
da
ação
policial,
é
evidente.
Nós
falamos!
Não
era
possível
que
não
se
esclarecesse
tudo,
com
o
prestígio
e
a
autoridade
do
Prefeito
...
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 32
LAUDISI
(Sinal
com
as
mãos
pra
que
se
encostem
mais
nele.
E
aí
diz,
em
tom
de
mistério:)
-‐
Parece
que
conseguiram
o
registro
do
segundo
casamento.
SRA.
CINI
(Como
recebendo
um
soco
na
cara.)
-‐
Do
segundo?
SRA.
NENNI
(Transtornada)
-‐
Como?
Como?
Do
segundo
casamento?
SRA.
CINI
(Absolutamente
contrariada.)
-‐
Mas
então
...
então
é
ele
quem
tem
razão?
LAUDISI
-‐
Eh!
São
dados
de
fato,
minhas
senhoras.
Não
se
pode
fazer
nada
contra
eles.
O
registro
do
segundo
casamento
-‐
ao
que
parece
-‐
fala
bem
claro.
SRA.
NENNI
(Quase
chorando.)
-‐
Mas
então
a
louca
é
ela!
LAUDISI
-‐
É,
não?
Parece
indubitável!
SRA.
CINI
-‐
Mas
como
é
isso?
O
senhor
não
disse
que
era
ele?
LAUDISI
-‐
Disse.
Acreditando
nela.
Porque
esse
registro,
minha
senhora,
pode
muito
bem
ser
o
que
afirma
a
senhora
Frola
-‐
um
registro
simulado
-‐
feito
por
piedade,
com
a
ajuda
dos
amigos
dele,
pra
dar
veracidade
à
sua
fixação
de
que
a
mulher
não
era
mais
aquela
-‐
era
uma
outra.
SRA.
CINI
-‐
Mas
então
é
um
registro
...
assim
...
sem
nenhum
valor
-‐
falso?
LAUDISI
-‐
Isso
mesmo.
Ou
o
contrário.
Com
o
valor
...
o
valor,
minhas
senhoras,
que
as
pessoas
resolveram
lhe
dar.
Não
existe
também,
me
perdoem,
os
bilhetinhos
que
a
senhora
Frola
diz
receber
diariamente
da
filha
por
meio
do
cesto?
Esse
bilhetes
existem,
não
existem?
SRA.
CINI
-‐
Existem.
E
daí?
LAUDISI
-‐
E
daí!
Documentos,
senhora!
Documento,
cada
bilhetinho
desses!
Claro,
de
acordo
com
o
valor
que
cada
um
lhes
dê!
Uma
bolsa
de
valores.
Sobe.
Desce.
Pois
de
repente
chega
o
senhor
Ponza
e
afirma
que
os
bilhetes
são
falsos,
escritos
para
dar
veracidade
à
fixação
da
senhora
Frola
...
SRA.
CINI
-‐
Mas
então,
meu
Deus,
não
se
sabe
nada?
Nunca
se
tem
certeza?
LAUDISI
-‐
Não,
que
é
isso?
Também
não
é
assim.
Me
diga,
quantos
são
os
dias
da
semana?
SRA.
CINI
-‐
Sete,
claro!
LAUDISI
-‐
Segunda,
terça,
quarta
...
SRA.
CINI
(Convidada
a
continuar.)
...
quinta,
sexta,
sábado
...
LAUDISI
...
e
domingo!
(Pra
outra.)
E
os
meses
do
ano?
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 33
SRA.
NENNI
-‐
Doze!
LAUDISI
-‐
Janeiro,
fevereiro,
março
...
SRA.
CINI
-‐
Está
bem.
O
senhor
conseguiu
o
que
queria.
Nos
fazer
de
idiotas!
CENA
V
Os
mesmos
e
Dina.
DINA
(Entrado
rapidamente
pela
porta
dos
fundos.)
-‐
Titio,
por
favor
...
(Vê
a
senhora
Cini.)
Oh,
a
senhora
está
aqui?
SRA.
CINI
-‐
Sim,
vim
com
a
senhora
Nenni
...
LAUDISI
-‐
...
que
tem
uma
vontade
imensa
de
conhecer
a
senhora
Frola.
SRA.
NENNI
-‐
Mas
não,
que
é
isso?...
SRA.
CINI
-‐
Ficou
o
tempo
todo
assim,
fazendo
pouco
de
nós.
Como
se
fôssemos
...
Ah,
senhorita!
Embaralhou
tudo,
sabe?
Sabe
quando
se
entra
numa
estação,
tãn,
tãn,
tãn,
tãn,
aquela
confusão
e
a
gente
tem
que
mudar
de
cabine,
depois
tem
que
mudar
de
vagão,
depois
tem
que
mudar
de
trem!
Estamos
tontas
-‐
é
a
verdade!
DINA
-‐
Eu
sei!
Tem
sido
assim,
desagradável
o
tempo
todo
-‐
até
pra
nós.
Paciência,
paciência.
Não
precisa
de
mais
ninguém.
Vou
dizer
à
mamãe
que
as
senhoras
também
estão
aqui.
Ah,
tio,
se
o
senhor
a
ouvisse
-‐
que
tesouro
de
velhinha!
Como
fala!
Que
bondade!
E
como
é
limpa
a
casinha
dela,
toda
muito
bem
arrumada,
linda:
cada
coisa
em
seu
lugar,
as
toalhas,
os
enfeites
...
Nos
mostrou
todos
os
bilhetes
da
filha
...
SRA.
CINI
-‐
Está
certo
...
é
...
Mas,
como
estava
nos
dizendo
o
senhor
Laudisi
...
Esses
bilhetes
...
DINA
-‐
E
o
que
é
que
ele
sabe,
esse
senhor
Laudisi?
Não
leu
nem
um
bilhete!
SRA.
NENNI
-‐
Não
podem
ser
falsos?
DINA
-‐
Mas
falsos,
como?
Não
prestem
atenção
nele!
Acham
que
uma
mãe
vai
se
enganar
com
os
termos
usados
pela
própria
filha?
O
último
bilhete,
de
ontem
...
(Cala,
ouvindo,
na
sala
ao
lado,
pela
passagem
aberta,
o
rumor
de
vozes.)
Ah,
pronto:
já
estão
aí!
(Vai
olhar
na
entrada
da
sala.)
SRA.
CINI
(Atrás
dela.)
-‐
Estão
com
ela?
Com
a
senhora
Frola?
DINA
-‐
É
Venham.
Venham.
É
preciso
estarmos
todas
na
sala.
Já
são
onze
horas,
tio?
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 34
CENA
VI
Os
mesmos,
a
senhora
Amália.
AMÁLIA
(Entrando
também,
agitada,
da
entrada
da
sala.)
-‐
Eu
acho
que
agora
já
chega.
Não
há
mais
necessidade
de
provas!
DINA
-‐
Isso
mesmo!
Também
acho
isso!
Não
precisa
mais
nada!
AMÁLIA
-‐
(Cumprimenta,
às
pressas,
a
senhora
Cini.)
Cara
senhora.
SRA.
CINI
(Apresentando
a
senhora
Nenni.)
A
senhora
Nenni,
que
veio
comigo
pra
...
AMÁLIA
(Saudando
com
a
mesma
pressa
anterior.)
-‐
Muito
prazer.
(Depois.)
Não
há
mais
qualquer
dúvida!
É
ele!
SRA.
CINI
-‐
É
verdade
-‐
é
ele?
Está
certa?
DINA
-‐
Se
pudéssemos,
avisando
o
papai,
impedir
esse
logro
que
armamos
pra
pobre
senhora!
AMÁLIA
-‐
Pois
é!
Ela
está
aí!
Nós
a
trouxemos!
Me
parece
uma
verdadeira
traição!
LAUDISI
-‐
Realmente!
É
indigno!
Vocês
têm
toda
razão!
Sobretudo
quando
é
absolutamente
evidente
que
deve
ser
ela!
Sem
dúvida
que
é
ela!
AMÁLIA
-‐
Ela
o
quê?
Que
diz?
Enlouqueceu
você
também,
agora?
LAUDISI
-‐
É
ela,
ela,
ela.
AMÁLIA
-‐
Pára
com
isso.
DINA
-‐
Nós
estamos
absolutamente
certas
do
contrário!
SRAS.
CINI
E
NENNI
(Contentes.)
É?
Estão
mesmo?
LAUDISI
-‐
Exatamente!
O
que
me
dá
certeza
é
vocês
estarem
certas
do
contrário.
DINA
-‐
Vamos
embora,
vamos
pra
lá;
não
percebem
que
ele
faz
de
propósito?
AMÁLIA
-‐
Vamos,
minhas
senhoras,
venham
comigo.
(Pára
na
entrada
da
sala.)
Por
favor
...
(Saem
as
três
senhoras.
Dina
faz
movimento
de
sair
também.)
LAUDISI
-‐
Dina!
DINA
-‐
Não
quero
mais
ouvir
o
senhor!
Não!
Chega!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 35
LAUDISI
-‐
Fecha
isso
aí,
fica
comigo
-‐
você
disse
que
não
há
mais
necessidade
de
nenhuma
prova.
DINA
-‐
E
o
papai?
Ele
deixou
a
entrada
da
sala
aberta.
Está
chegando
com
aquele
outro.
Se
entra
e
encontra
isso
fechado
...
o
senhor
sabe
muito
bem
como
ele
é,
o
papai!
LAUDISI
-‐
Ora,
vocês,
especialmente
você,
o
convence
facilmente
de
que
não
havia
mais
necessidade
disso
aberto.
Você
já
não
está
convencida?
DINA
-‐
Convencidíssima!
LAUDISI
(Sorriso
de
desafio.)
-‐
Pois
então
fecha!
DINA
-‐
Que
prazer
o
senhor
teria
em
me
jogar
de
novo
na
dúvida!
Hein?
Não
fecho
não.
Mas
só
por
causa
do
papai.
LAUDISI
-‐
Quer
que
eu
feche?
DINA
-‐
A
responsabilidade
é
sua!
LAUDISI
-‐
Mas
eu
não
tenho
a
certeza
de
que
o
louco
é
ele!
Você
é
que
tem.
DINA
-‐
Então
vem
cá
na
sala,
ouvir
a
senhora
falar
como
nos
falou
e
também
não
terá
mais
qualquer
dúvida.
Vem?
LAUDISI
-‐
Sabe
que
vou?
E
sabe
que
vou
fechar
essa
passagem?
Responsabilidade
minha.
DINA
-‐
Está
vendo?
Ainda
nem
a
ouviu
e
já
está
convencido!
LAUDISI
-‐
Não,
querida.
Porque
estou
certo
de
que
a
esta
hora
o
teu
pai
pensa
exatamente
como
vocês
-‐
que
essa
prova
é
totalmente
inútil.
DINA
-‐
Está
certo
disso?
LAUDISI
-‐
Como
não?
Está
falando
com
o
senhor
Ponza!
E
adquirindo
a
certeza
de
que
a
louca
é
ela.
(Vai
direto
à
passagem.)
Fecho.
DINA
-‐
(Subitamente,
impedindo-‐o.)
Não
fecha
não.
(Depois.)
Desculpa
...
se
pensa
assim
desse
modo
...
deixemos
isso
aberto
...
LAUDISI
(Ri,
como
de
hábito.)
-‐
Ah!
Ah!
Ah!
Ah!
DINA
-‐
Faço
isso
pelo
papai.
LAUDISI
-‐
E
o
papai
dirá
que
por
vocês!
Vamos
deixar
aberto.
(Som
de
piano,
na
sala.
Música
antiga,
cheia
de
graça
e
tristeza,
da
Nina
morta
de
Amor2
de
Paisiello.
2
N.T. - (Tenho dúvida se a música se chama assim.)
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 36
DINA
-‐
Ouve!
É
ela!
Está
ouvindo?
Toca!
Está
tocando!
LAUDISI
-‐
A
velhota!
DINA
-‐
É.
Disse
que
antigamente
a
filha
tocava
sempre
essa
melodia.
Está
ouvindo
com
que
doçura
toca?
Vamos,
vamos.
(Saem
os
dois
pela
porta
à
esquerda.)
CENA
VII
Agazzi,
o
senhor
Ponza,
depois
Sirelli.
(A
cena
fica
vazia
algum
tempo.
Ouve-‐se
ainda
o
som
do
piano.
O
senhor
Ponza
entra
pela
entrada
ao
fundo
com
o
Conselheiro
Agazzi
e,
ouvindo
a
música,
fica
perturbado.
Essa
perturbação
cresce
em
cena)
AGAZZI
(Na
entrada
do
fundo.)
-‐
Entre,
entre,
por
favor.
(O
senhor
Ponza
entra.
Agazzi
entra
atrás
e
vai
à
escrivaninha
apanhar
os
papéis
que
fingiu
esquecer.)
Acho
que
deixei
aqui.
Estava
com
eles.
Sente-‐se,
por
favor.
(O
senhor
Ponza
continua
em
pé,
olhando
com
agitação
pra
sala,
ouvindo
o
som
que
vem
de
lá.)
Não
disse?,
estão
aqui!
(Pega
os
papéis
e
vai
até
Ponza,
folheando-‐os.)
Uns
requerimentos.
Mas
o
importante
é
esta
contenda
que,
como
lhe
expliquei,
se
arrasta
há
anos,
cada
vez
mais
enrolada.
(Ele
também
sente
o
som
do
piano
que
vem
do
outro
aposento.)
Mas
essa
música!
Justamente
agora!
(Faz
um
gesto
de
desagrado
ao
voltar-‐se,
com
quem
diz:
“Que
estupidez!”)
Quem
será
que
está
tocando?
(Olha
pela
abertura.
Ar
de
espanto.)
Ah!
Mas
olha
só!
PONZA
(Aproximando-‐se,
convulso.)
-‐
Em
nome
de
Deus,
é
ela?
É
ela
que
está
tocando?
AGAZZI
-‐
É.
Sua
sogra.
E
toca
muito
bem!
PONZA
-‐
Mas
como?
Trouxeram-‐na
aqui
de
novo?
E
deixam
que
ela
toque?
AGAZZI
-‐
Não
vejo
que
mal
pode
haver
nisso!
PONZA
-‐
Mas
não!
Essa
música
não!
É
a
música
que
a
filha
tocava!
AGAZZI
-‐
Isso
o
atinge,
essa
música,
de
alguma
maneira?
PONZA
-‐
Mas
não!
A
mim
não!
Faz
mal
a
ela!
Um
mal
incalculável!
Eu
falei
ao
senhor,
senhor
Conselheiro,
e
às
senhoras
também,
das
lamentáveis
condições
dessa
pobre
desgraçada
...
AGAZZI
(Procurando
acalmá-‐lo
na
agitação
crescente.)
-‐
Sei
...
sei
...
Mas
veja
...
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 37
PONZA
(Continua)
-‐
Que
devia
ser
deixada
em
paz!
Que
não
pode
fazer
nem
receber
visitas!
Só
eu
sei,
só
eu
sei
como
se
deve
cuidar
dela.
Estão
arruinando
a
pobre!
A
estão
destruindo!
AGAZZI
-‐
Mas
não,
por
que
isso?
As
mulheres
da
casa
sabem
muito
bem
...
(Se
interrompe
com
a
interrupção
da
música.
Há
um
coro
de
aplausos.)
Eis
aí.
Escute!
(Da
sala
vêm
alguns
pedaços
de
diálogo.)
DINA
(F.C.)
-‐
Mas
a
senhora
ainda
toca
muito
bem!
SRA.
FROLA
-‐
Eu!
Eh,
a
minha
Lina,
sim!
Deviam
escutar
a
minha
Lina,
como
toca!
PONZA
-‐
(Fremente,
esfregando
as
mãos)
-‐
A
sua
Lina!
Ouve?
Diz
a
sua
Lina!
AGAZZI
-‐
E
como
não?
É
sua
filha!
PONZA
-‐
Mas
diz
toca!
Diz
toca!
SRA.
FROLA
(Da
sala)
-‐
Mas
não,
não
pode
mais
tocar
agora!
Talvez
seja
o
seu
maior
sofrimento,
pobrezinha!
AGAZZI
-‐
Me
parece
natural.
Acha
que
ainda
está
viva.
PONZA
-‐
Mas
não
se
pode
deixá-‐la
falar
nisso!
Não
deve!
Não
deve
dizer
isso
...
Escutou
bem?
Não
pode
mais
tocar
agora
...
Falou
agora!
Se
lembra
do
piano,
é
evidente!
Ela
não
sabe!
Lembra
do
piano
da
pobre
filha
morta!
(Entra,
neste
momento,
Sirelli,
que
ouvindo
as
últimas
palavras
de
Ponza,
e
notando
sua
enorme
exasperação,
permanecerá
sem
ação.
Agazzi,
também
abatido,
faz
sinal
pra
que
se
aproxime.)
AGAZZI
-‐
Por
favor,
traz
aqui
as
senhoras!
(Sirelli
se
aproxima
da
entrada
à
esquerda
e
chama
as
mulheres.)
PONZA
-‐
As
senhoras?
Aqui?
Não,
não!
É
melhor,
talvez
...
CENA
VIII
A
senhora
Frola,
a
senhora
Amália,
a
senhora
Sirelli,
Dina,
a
senhora
Cini,
Laudisi
e
os
anteriores.
(As
senhoras,
ao
sinal
de
Sirelli
visivelmente
preocupado,
entram,
assustadas.
A
senhora
Frola,
descobrindo
o
genro
no
estado
de
agitação
em
que
se
encontra,
tem
um
tremor
quase
animalesco,
verdadeiro
terror.
Quando,
logo
a
seguir,
ele
investe
contra
ela
com
extrema
violência,
ela
faz
às
senhoras,
de
momento
a
momento,
gestos
e
olhares,
sinais
expressivos
de
conivência.
A
cena
será
rápida
e
agitadíssima.)
PONZA
-‐
Mas
a
senhora
está
aqui?
Aqui
outra
vez?
Veio
fazer
o
quê?
SRA.
FROLA
-‐
Eu
vim
aqui
...
tenha
paciência
...
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 38
PONZA
-‐
Veio
aqui
pra
dizer
mais
uma
vez
...
O
que
foi
que
disse?
O
que
foi
que
contou
a
estas
senhoras?
SRA.
FROLA
-‐
Nada,
eu
te
juro!
Nada!
PONZA
-‐
Nada?
Como
nada?
Eu
escutei
-‐
eu
mesmo!
E
esse
senhor
escutou
comigo.
(Indica
Agazzi.)
A
senhora
disse
toca!
Quem
é
que
toca?
Lina
toca?
A
senhora
sabe
muito
bem
que
a
sua
filha
morreu
há
quatro
anos!
SRA.
FROLA
-‐
É
verdade,
eu
sei!
Calma,
fica
calmo,
por
favor!
PONZA
-‐
“E
agora
não
pode
tocar
mais!”
Claro
que
não
pode
tocar
mais!
Desafio
que
toque!
Como
quer
que
ela
toque,
se
está
morta!
SRA.
FROLA
-‐
Mas
é
isso!
Está
certo!
Não
foi
o
que
eu
disse
às
senhoras?
Que
não
pode
mais
tocar
agora!
Pois
se
está
morta!
PONZA
-‐
E
por
que,
então,
a
senhora
ainda
fala
naquele
piano?
SRA.
FROLA
-‐
Eu?
Não
-‐
não
falo
mais
naquele
piano
-‐
nem
penso
mais
nele!
PONZA
-‐
Eu
o
destruí!
Serrei-‐o
todo,
pedaço
a
pedaço!
E
a
senhora
sabe
disso!
Quando
sua
filha
morreu!
Pra
que
esta
outra
nunca
o
pudesse
tocar
-‐
aliás
esta
jamais
tocou
piano!
A
senhora
sabe
muito
bem
que
esta
não
toca!
SRA.
FROLA
-‐
Pois
é!
Então?
Eu
sei
que
não
toca!
PONZA
-‐
E
como
se
chamava,
se
chamava
Lina,
não
é
isso?
A
sua
filha.
Agora
diga
aqui
como
é
que
se
chama
a
minha
segunda
esposa!
Diga
agora
a
todos
-‐
a
senhora
sabe
perfeitamente!
Como
se
chama?
SRA.
FROLA
-‐
Júlia!
Se
chama
Júlia!
Sim,
sim,
a
verdade
é
essa,
senhores
-‐
se
chama
Júlia!
PONZA
-‐
Júlia,
portanto.
Por
que
Lina?
E
não
fica
aí
piscando
o
olho
enquanto
diz
que
ela
se
chama
Júlia!
SRA.
FROLA
-‐
Eu?
Mas
que
absurdo!
Eu,
piscando
o
olho?
PONZA
-‐
Percebi
muito
bem!
Piscou
sim!
Eu
não
sou
cego!
Está
querendo
me
arruinar!
Procura
dar
a
entender
a
todo
mundo
que
eu
quero
guardar
sua
filha
só
pra
mim
-‐
como
se
ela
não
estivesse
morta.
(Rompe
em
soluços
violentos.)
Como
se
não
estivesse
morta!
SRA.
FROLA
(De
repente,
com
infinita
ternura
e
humildade,
tentando
consolá-‐lo.)
-‐
Eu?
Mas
nunca,
meu
filho
querido!
Te
acalma,
por
caridade!
Eu
nunca
disse
uma
coisa
dessas
...
Não
é
verdade?
É
ou
não
é
verdade,
senhoras?
AMÁLIA,
À
senhora
Sirelli
e
Dina
-‐
Mas
é!
É
sim!
Nunca
disse
isso!
Disse
sempre
que
morreu!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 39
SRA.
FROLA
-‐
Não
é
verdade?
Falei
que
tinha
morrido!
Como
dizer
outra
coisa!
E
que
você
é
boníssimo
comigo.
(Às
senhoras.)
Não
foi
isso?
Eu,
te
arruinar?
Eu,
te
comprometer?
PONZA
(Endireitando-‐se,
terrível.)
-‐
Mas,
enquanto
isso,
procura
o
piano
na
casa
do
outros,
pra
tocar
a
sonata
da
sua
filha
e
dizer
que
Lina
toca
assim,
que
Lina
toca
muito
melhor!
SRA.
FROLA
-‐
Não,
foi
só
...
eu
fiz
isso
...
só
...
só
pra
experimentar
...
PONZA
-‐
Mas
não
pode!
Não
deve!
Como
ainda
pode
admitir
de
tocar
a
música
que
tocava
a
sua
filha
morta?
SRA.
FROLA
-‐
Tem
razão,
é,
tem
...
Ah,
pobrezinho
...
pobrezinho!
(Enternecida,
começa
a
chorar.)
Não
farei
mais
isso!
Nunca
mais!
PONZA
(Investindo,
terrível,
contra
ela,
bem
perto.)
-‐
Vai!
Sai
daqui!
Vai
embora!
Vai
embora!
SRA.
FROLA
-‐
Sim
...
sim
...
já
vou
...
já
vou!
Oh,
meu
Deus!
(Faz
gestos
suplicantes
a
todos,
humilde,
como
pedindo
proteção
pro
genro,
e
sai
chorando.)
CENA
IX
Os
mesmos,
menos
a
senhora
Frola.
(Ficam
todos
presos
a
piedade
e
ao
terror,
olhando
o
senhor
Ponza.
Mas
logo,
este,
apenas
sai
a
sogra,
se
transforma,
fica
calmo
e,
com
o
ar
absolutamente
normal,
diz:)
PONZA
-‐
Peço
desculpas
aos
senhores
por
este
triste
espetáculo
que
fui
obrigado
a
encenar
para
remediar
o
mal
que,
sem
querer,
sem
saber,
a
piedade
de
todos
aqui
causa
a
essa
pobre
infeliz.
AGAZZI
(Espantado
como
todos.)
-‐
Mas
como?
O
senhor
fingiu
isto?
PONZA
-‐
Fui
obrigado,
meus
senhores!
Só
me
resta
este
meio
de
mantê-‐la
na
sua
ilusão,
preciso
gritar
a
verdade
com
essa
fúria
pra
que
ela
pense
que
é
loucura
minha.
Perdoem-‐me
e
me
permitam
sair
logo
-‐
tenho
que
ir
correndo
cuidar
dela.
(Sai
correndo
pela
entrada
principal.
Ficam
todos,
mais
uma
vez,
atarantados,
sem
saber
o
que
dizer,
se
entreolhando.)
LAUDISI
(Fazendo-‐se
presente.)
-‐
Pronto,
senhores
-‐
descobrimos
a
verdade!
(Começa
a
rir.)
Ah!,
Ah!
Ah!
Ah!
(Cortina)
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 40
ATO
III
A
mesma
cena
do
Ato
II
CENA
I
Laudisi,
o
Copeiro,
o
Comissário
Centuri.
(Laudisi
está
jogado
numa
poltrona,
lendo.
Pela
entrada
à
esquerda,
a
da
sala,
chega
o
ruído
confuso
de
muitas
vozes.
O
Copeiro,
da
entrada
ao
fundo,
faz
passar
o
Comissário
Centuri.)
COPEIRO
-‐
Por
aqui,
por
favor.
Vou
avisar
o
senhor
Comendador.
LAUDISI
(Voltando-‐se
e
vendo
Centuri.)
-‐
Oh,
o
senhor
Comissário!
(Se
levanta
rapidamente
e
chama
o
Copeiro
que
está
pra
sair.)
Pst!
Espera!
(A
Centuri.)
Notícias?
CENTURI
(Alto,
rígido,
carrancudo,
mais
ou
menos
quarenta
anos.)
-‐
Sim,
algumas.
LAUDISI
-‐
Ah,
bem!
(Ao
Copeiro)
Pode
deixar.
Depois
eu
mesmo
chamo
o
meu
cunhado.
(Indica,
com
a
cabeça,
a
saída
à
esquerda.
O
Copeiro
se
inclina
e
sai.)
O
senhor
fez
um
milagre!
Salvou
uma
cidade!
Ouve?
Ouve
como
gritam?
Vamos
lá
-‐
notícias
certas?
CENTURI
-‐
Conseguimos
finalmente
encontrar
alguém
...
LAUDISI
-‐
...
da
aldeia
do
senhor
Ponza?
Conterrâneo?
CENTURI
-‐
Isso
mesmo.
Daí
conseguimos
alguns
dados
-‐
não
muitos,
mas
seguros.
LAUDISI
-‐
Bom,
muito
bom!
Por
exemplo?
CENTURI
-‐
Olha,
aqui
estão
as
comunicações
que
me
foram
transmitidas.
(Tira
do
bolso
interno
do
casaco
um
envelope
amarelo,
aberto,
com
um
manuscrito
dentro,
e
entrega
a
Laudisi.)
LAUDISI
–
Vejamos!
Vejamos!
(Tira
o
manuscrito
do
envelope
e,
enquanto
lê,
vai
emitindo
sons,
ora
um
ah!,
ora
um
eh!,
primeiro
de
concordância,
depois
de
dúvida,
depois
quase
de
comiseração;
enfim
de
total
desilusão.)
Mas
não!
Não
tem
nada!
Não
há
nada
de
certo
nestas
informações!
CENTURI
-‐
É
tudo
que
conseguimos
apurar.
LAUDISI
-‐
Mas
todas
as
dúvidas
subsistem
-‐
isto
não
muda
nada!
(Olha-‐o,
com
uma
resolução
súbita.)
Quer
praticar
um
verdadeiro
ato
de
bem,
senhor
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 41
CENTURI
-‐
Fiz
tudo
que
podia,
sim.
Mas
se
o
senhor
Laudisi
lhes
afirmou
que
...
AGAZZI
-‐
É.
Ele
nos
disse
que
tem
notícias
novas!
SIRELLI
-‐
Dados
precisos!
LAUDISI
(Forte,
resoluto,
prevenindo.)
-‐
Não
muitos,
é
verdade!
Mas
precisos!
De
pessoas
que
ele
conseguiu
localizar!
Da
aldeia
do
senhor
Ponza!
Gente
que
sabe
o
que
aconteceu!
TODOS
-‐
Finalmente,
então!
Ah,
finalmente!
CENTURI
(Passando
o
documento
para
Agazzi)
-‐
Ponho
em
suas
mãos,
senhor
Conselheiro.
AGAZZI
(Abrindo
a
folha,
envolvido
por
todos
que
o
cercam
e
apertam)
-‐
Ah,
vejamos!
Vejamos!
CENTURI
(Ressentido,
aproximando-‐se
de
Laudisi)
-‐
Sim
senhor,
senhor
Laudisi
...
LAUDISI
(De
repente,
forte!)
-‐
Deixem
que
ele
leia!
Deixem
que
ele
leia,
pelo
amor
de
Deus!
AGAZZI
-‐
Um
pouco
de
paciência,
por
favor!
Um
pouco
de
espaço!
Vou
ler!
(Um
momento
de
silêncio.
E
no
silêncio,
agora,
soará,
limpa
e
firme,
a
voz
de
Laudisi.)
LAUDISI
-‐
Mas
eu
já
li!
TODOS
(Deixando
o
Conselheiro
Agazzi
e
cercando
Laudisi
rumorosamente)
-‐
Ah,
é?
Que
é
que
diz?
O
que
aconteceu?
LAUDISI
(Escolhendo
bem
as
palavras)
-‐
É
certo,
irrefutável,
pelo
testemunho
de
um
conterrâneo
do
senhor
Ponza,
que
a
senhora
Frola
esteve
internada
numa
casa
de
saúde!
TODOS
(Com
pena
e
desilusão)
-‐
Oh!
SRA.
SIRELLI
A
senhora
Frola?
DINA
-‐
Mas
então
é
ela
a
louca?
AGAZZI
(Que,
enquanto
isso,
leu
o
papel,
grita,
agitando
a
folha.)
-‐
Mas
não!
Mas
não!
Aqui
não
diz
nada
disso!
TODOS
(De
novo,
deixando
Laudisi,
cercam
Agazzi,
gritando)
-‐
Que
é
isso?
Mas
como?
O
que
diz
então?
O
que
diz
aí?
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 43
LAUDISI
(A
Agazzi
-‐
forte)
-‐
Claro
que
diz
isso!
Diz
exatamente
“a
senhora!”.
Se
refere
especificamente
“à
senhora!”
AGAZZI
(Mais
forte)
-‐
De
modo
algum!
“Me
parece”
diz
este
senhor.
Em
absoluto
não
demonstra
segurança!
Está
claro
que
não
sabe
se
“a
senhora”
é
a
mãe
ou
a
filha!
TODOS
(Com
satisfação)
-‐
Ah!
LAUDISI
(Insistindo)
-‐
Mas
só
pode
ser
ela,
a
mãe,
não
resta
a
menor
dúvida!
SIRELLI
-‐
Por
que,
ora?
Claro
que
é
a
filha,
senhores!
É
a
filha!
SRA.
SIRELLI
-‐
Como
aliás
ela
própria
já
tinha
dito,
a
mãe!
AMÁLIA
-‐
Isso
mesmo!
Que
a
arrancaram
de
junto
do
marido
...
DINA
-‐
...
e
a
internaram
numa
casa
de
saúde!
AGAZZI
-‐
Além
disso
esse
informante
nem
sequer
é
da
aldeia.
É
da
região.
Diz
que
ia
muito
lá...
mas
que
não
recorda
bem
...
que
ouviu
alguém
falar
...
SIRELLI
-‐
Ah!
Palavras
soltas
no
ar,
em
suma!
LAUDISI
-‐
Mas
me
desculpem,
se
estão
todos
tão
convencidos
de
que
a
senhora
Frola
tem
razão,
procuram
mais
o
quê?
Acabem
com
isso
de
uma
vez
por
todas,
pelo
amor
de
Deus!
O
louco
é
ele
e
não
se
fala
mais
no
assunto!
SIRELLI
-‐
Tem
razão!
Teria!
Se
não
fosse
o
Prefeito,
meu
caro,
que
pensa
o
contrário
-‐
e
coloca
ostensivamente
toda
sua
confiança
no
senhor
Ponza.
CENTURI
-‐
É
a
absoluta
verdade!
O
senhor
Prefeito
acredita
no
senhor
Ponza.
Disse
a
mim
também!
AGAZZI
-‐
É
porque
ele
ainda
não
conversou
com
a
nossa
vizinha
aqui
ao
lado.
SRA.
SIRELLI
-‐
Ah,
bom
-‐
pudera!
Só
falou
com
ele!
SIRELLI
-‐
Mas
há
muitas
outras
pessoas
que
pensam
como
o
Prefeito!
SRA.
NENNI
-‐
Eu,
eu,
por
exemplo!
Sim
senhores!
Porque
conheço
um
caso
igual
a
esse,
eu
conheço.
Uma
mãe
enlouquecida
pela
morte
da
filha,
a
qual
acredita
que
o
genro
não
quer
que
ela
a
veja.
Tal
e
qual!
Igualzinho!
SRA.
CINI
-‐
Não,
não
foi
bem
isso.
Nessa
história
o
genro
continuou
viúvo
e
vive
sozinho,
não
tem
ninguém
em
casa
com
ele.
Enquanto
aqui,
esse
senhor
Ponza
mora
com
uma
outra
...
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 44
LAUDISI
(Pensamento
súbito)
-‐
Meu
Deus,
senhores!
Ouviram
isso?
Aí
está
o
fio
da
meada!
Deus
do
céu!
O
ovo
de
Colombo!
(Batendo
no
ombro
do
segundo
senhor).
Parabéns!
Meus
parabéns,
caro
amigo!
Ouviram
bem?
TODOS
(Perplexos,
sem
entender
nada)
-‐
Ouvimos
o
quê?
Que
foi
que
ela
disse?
SRA.
CINI
(Assustada)
-‐
O
que
foi
que
eu
disse?
Eu
não
sei
...
LAUDISI
-‐
Como
não
sabe?
Resolveu
a
questão!
Calma,
um
pouco
de
paciência!
(A
Agazzi).
O
Prefeito
vem
aqui?
AGAZZI
-‐
Vem.
Estamos
esperando.
Que
é
que
há?
Explica.
LAUDISI
-‐
É
inútil
o
Prefeito
vir
aqui
falar
com
a
senhora
Frola!
Até
o
momento
ele
crê
no
genro;
quando
falar
com
a
sogra,
ele
será
mais
um
a
não
saber
qual
dos
dois
acreditar!
Não!
Não!
O
Prefeito
tem
que
fazer
uma
coisa
completamente
diferente!
Uma
coisa
que
só
ele
pode
fazer!
TODOS
-‐
O
que?
Que
coisa?
LAUDISI
(Radiante)
-‐
Que
coisa!
Não
ouviram
o
que
ele
falou?
O
senhor
Ponza
mora
com
uma
outra!.
Claro,
a
mulher
dele.
Aí
está
a
chave.
SIRELLI
-‐
Fazer
a
mulher
falar?
É,
pode
ser.
Por
que
não?
DINA
-‐
Mas
ele
manteve
no
cárcere
o
tempo
todo
essa
pobre
infeliz.
SIRELLI
-‐
É
preciso
que
o
Prefeito
se
imponha
e
a
obrigue
a
falar!
AMÁLIA
-‐
Realmente,
é
a
única
que
pode
nos
dizer
a
verdade!
SRA.
SIRELLI
-‐
Qual.
Dirá
exatamente
o
que
o
marido
quiser!
LAUDISI
-‐
É
claro
...
Se
fosse
obrigada
a
falar
na
frente
dele!
SIRELLI
-‐
Ela
tem
que
falar
sozinha
com
o
Prefeito!
AGAZZI
-‐
É
evidente
que
o
Prefeito
tem
autoridade
bastante
pra
fazer
com
que
a
mulher
lhe
diga
como
são
as
coisas.
Sem
dúvida
alguma!
Que
lhe
parece
Centuri?
CENTURI
-‐
Muito
razoável
-‐
bastaria
o
senhor
Prefeito
querer!
AGAZZI
-‐
É
a
única
possibilidade
que
nos
resta!
Precisamos
avisá-‐lo
e
poupar-‐lhe
o
incômodo
de
vir
até
aqui.
Faça
isso
para
nós,
caro
Centuri.
Vá
lá.
CENTURI
-‐
Pois
não.
Vou
lá.
Senhores.
(Se
inclina
e
sai.)
SRA.
SIRELLI
(Batendo
palmas)
-‐
Muito
bem,
caro
Laudisi!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 45
DINA
-‐
Meus
cumprimentos,
titio!
Que
bela
idéia!
TODOS
-‐
Bravo!
Bravo!
Realmente
é
a
única
...
É
a
única
que
pode
...
AGAZZI
-‐
Que
coisa!
Como
não
pensamos
nisso?
SIRELLI
-‐
É
natural!
Como
nunca
ninguém
a
viu
é
como
se
não
existisse,
essa
pobre
coitada!
LAUDISI
(Iluminado
por
uma
nova
idéia)
-‐
Oh,
Mas,
outra
vez,
me
desculpem
-‐
estamos
mesmos
certos
de
que
existe?
AMÁLIA
-‐
Como?
Deus
meu,
Lamberto?
SIRELLI
(Riso
fingido)
-‐
Agora
até
a
existência
da
mulher
você
vai
pôr
em
dúvida?
LAUDISI
-‐
Não,
eu
não!
Você
mesmo
disse
que
nunca
ninguém
a
viu!
DINA
-‐
Que
é
isso?
Tem
aí
a
senhora
que
a
vê
e
fala
com
ela
todo
dia!
SRA.
SIRELLI
-‐
E
nisso
o
genro
não
discorda.
Diz
a
mesma
coisa.
LAUDISI
-‐
Está
bem!
Mas
reflitam
um
momento.
Pelo
rigor
da
lógica
naquela
casa
não
deve
haver
senão
um
fantasma.
TODOS
-‐
Um
fantasma?
AGAZZI
-‐
Ah,
pára
com
isso
de
uma
vez!
LAUDISI
-‐
Deixa
só
eu
falar.
O
fantasma
de
uma
segunda
mulher,
se
tem
razão
ela,
a
senhora
Frola.
Ou
o
fantasma
da
filha,
se
tem
razão
ele,
o
senhor
Ponza.
Resta
apenas
a
verificar,
ó
senhores!
Se
esse
fantasma
pra
um
ou
pra
outro
é
também
uma
pessoa
em
si
mesma.
No
ponto
a
que
chegamos
confesso
que
começo
a
duvidar.
AMÁLIA
-‐
Ah,
pára
com
isso!
Você
quer
é
que
todo
mundo
fique
maluco
quanto
você!
SRA.
NENNI
-‐
Oh!
Deus,
até
me
gela
a
carne!
SRA.
CINI
-‐
Não
sei
que
prazer
acha
em
assustar
as
pessoas!
TODOS
-‐
Bobagem!
Nada
disso
!
Está
brincando!
Não
leva
nada
a
sério!
SIRELLI
-‐
É
uma
mulher
de
carne
e
osso,
podem
ficar
tranqüilos.
E
vai
falar!
Vamos
fazer
com
que
ela
fale!
AGAZZI
-‐
Você
mesmo
propôs
que
ela
falasse
com
o
Prefeito!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 46
LAUDISI
-‐
Claro
que
propus;
se
há
realmente
uma
mulher
lá
em
cima;
digo,
uma
mulher
qualquer.
Mas,
sabem
de
uma
coisa?
Lá
em
cima
não
deve
haver
mulher
nenhuma.
Não
há.
Eu,
pelo
menos,
duvido
que
haja!
SRA.
SIRELLI
-‐
É.
Realmente
quer
nos
enlouquecer!
LAUDISI
-‐
Vamos
ver!
Vamos
ver!
TODOS
(Confusão)
-‐
Mas
ela
foi
vista
por
outras
pessoas!
Ela
fala
lá
do
alto!
Escreve
cartas!
Ele
quer
é
confusão!
Quer
zombar
da
gente!
CENA
III
Os
mesmos
e
Centuri,
de
volta.
CENTURI
(Entra
no
meio
da
agitação
de
todos,
nervoso,
anunciando:)
-‐
O
senhor
Prefeito!
O
senhor
Prefeito!
AGAZZI
-‐
Como?
O
Prefeito?
O
que
foi
que
o
senhor
fez?
CENTURI
-‐
Eu
o
encontrei
na
rua,
com
o
senhor
Ponza,
já
vindo
pra
cá
...
SIRELLI
-‐
Ah,
está
com
ele?
AGAZZI
-‐
Hi,
meu
Deus!
Se
vem
com
o
Ponza
vai
entrar
aí
na
casa
da
velha,
claro.
Me
ajuda,
Centuri,
fica
na
porta
e
pede
a
ele
que
venha
aqui
primeiro,
como
tinha
prometido.
CENTURI
-‐
Sim,
senhor,
já
vou.
(Sai
pela
entrada
do
fundo.)
AGAZZI
-‐
Senhores,
se
não
se
incomodam,
gostaria
que
passassem
um
instante
pra
sala
ao
lado.
SRA.
SIRELLI
-‐
Mas
não
se
esqueça
do
que
combinamos.
É
a
única
saída.
A
única.
AMÁLIA
(Na
passagem
da
sala)
-‐
Vamos,
por
favor,
senhores.
AGAZZI
-‐
Você
fica,
Sirelli.
E
você
também,
Lamberto.
(Os
outros
todos
saem
pela
entrada
à
esquerda.
A
Laudisi)
Deixa
que
eu
fale,
por
favor.
LAUDISI
-‐
Por
mim
eu
nem
abro
o
bico!
Aliás,
se
você
prefere
que
também
saia
...
AGAZZI
-‐
Não,
não
-‐
é
melhor
que
você
esteja
presente.
Pronto,
está
aí.
CENA
IV
Os
mesmos,
o
senhor
Prefeito,
Centuri.
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 47
O
PREFEITO
(Uns
sessenta
anos,
alto,
gordo,
ar
de
fácil
bom
humor.)
-‐
Caro
Agazzi!
Ah,
o
senhor
também,
Sirelli?
Meu
bom
Laudisi!
(Aperta
a
mão
de
todos.)
AGAZZI
(Convidando-‐o,
com
um
gesto,
a
sentar)
-‐
Desculpe
se
lhe
pedi
que
viesse
primeiro
falar
comigo.
O
PREFEITO
-‐
Era
a
minha
intenção.
Eu
tinha
lhe
prometido.
Viria
mais
tarde,
claro.
AGAZZI
(Vendo
Centuri
atrás,
e
ainda
em
pé)
-‐
Por
favor,
Centuri,
senta
aí.
O
PREFEITO
-‐
E
o
senhor,
Sirelli
-‐
eu
soube!
-‐
é
um
dos
mais
agitados,
um
dos
mais
acessos
nesse
falatório
em
torno
do
nosso
secretário.
SIRELLI
-‐
Ah,
não,
senhor
Prefeito
-‐
estão
todos
tão
agitados
quanto
eu
-‐
a
cidade
inteira!
AGAZZI
-‐
É
verdade,
sim,
agitadíssimos!
O
PREFEITO
-‐
E
eu
não
consigo
perceber
a
razão
disso!
AGAZZI
-‐
Porque
não
lhe
aconteceu
assistir
a
certas
cenas
que
nós
assistimos
-‐
pelo
fato
de
morarmos
junto
à
sogra.
SIRELLI
-‐
Perdoe,
senhor
Prefeito,
mas
o
senhor
ainda
não
ouviu
essa
pobre
senhora.
O
PREFEITO
-‐
Me
propunha
exatamente
a
isso,
ao
vir
aqui.
(À
Agazzi)
Lhe
havia
prometido
ouvi-‐la
aqui,
como
o
senhor
queria.
Mas
o
próprio
genro
dela
veio
me
pedir,
me
implorar
a
graça
pra
terminar
de
vez
com
esses
boatos
-‐
que
fosse
à
casa
dela.
Desculpem,
mas
acham
que
eu
faria
isso
se
não
estivesse
seguro
de
que
essa
visita
seria
mais
uma
prova
de
tudo
que
ele
afirma?
AGAZZI
-‐
Oh,
certo!
Porque,
diante
dele,
a
pobrezinha
...
SIRELLI
(Atacando
rápido)
-‐
...a
pobrezinha
diz
tudo
o
que
ele
quer,
senhor
Prefeito.
A
prova
de
que
a
louca
não
é
ela!
AGAZZI
-‐
Tivemos
uma
experiência
aqui,
aqui
mesmo,
neste
estúdio
-‐
hoje!
O
PREFEITO
-‐
Mas
sim,
meu
caro;
ele
mesmo
faz
com
que
ela
creia
que
o
louco
é
ele!
Me
avisou
disso.
E,
realmente,
que
outra
forma
teria
de
manter
iludida
essa
desgraçada?
É
um
martírio,
acreditem,
esse
homem
é
um
mártir!
SIRELLI
-‐
Está
bem!
Se
não
é
ela,
ao
contrário,
que
mantém
nele
a
ilusão
para
continuar
a
acreditar
que
a
filha
morreu
e
assim
poder
ficar
seguro
de
que
não
vão
mais
lhe
tirar
a
mulher!
Nesse
caso,
vê
bem,
senhor
Prefeito,
o
martírio
seria
da
senhora
não
dele!
AGAZZI
-‐
A
dúvida
é
essa.
E
entra
em
nós
assim
...
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 48
AGAZZI
(Irritado
e
resoluto)
-‐
Ouça
a
mim,
por
favor!
Eu
não
me
inclino,
até
agora
não
quero
me
inclinar,
nem
pra
um
nem
pra
outro.
Pode
ter
razão
ela,
ele
pode
ter
razão.
Só
há
um
meio
de
saber.
SIRELLI
-‐
E
foi
ele
próprio
quem
sugeriu
(Aponta
Laudisi.)
O
PREFEITO
-‐
Ah,
foi?
Pois
então
vamos
ouvir!
AGAZZI
-‐
Já
que
falta
qualquer
prova
de
fato,
a
única
solução
que
nos
resta
é
esta:
que
o
senhor,
com
sua
autoridade,
obtenha
a
confissão
da
mulher.
O
PREFEITO
-‐
Da
senhora
Ponza?
SIRELLI
-‐
Mas
sem
a
presença
do
marido,
se
compreende!
AGAZZI
-‐
Pra
que
ela
possa
contar
a
verdade!
SIRELLI
-‐
Se
ela
é
a
filha
da
senhora
Frola,
como
nos
parece
que
é
...
AGAZZI
-‐
...
ou
uma
segunda
mulher,
que
se
submete
a
representar
o
papel
da
filha,
como
quer
fazer
crer
o
senhor
Ponza
...
O
PREFEITO
-‐
E
como
creio
eu
também,
sem
dúvida!
Está
certo!
A
mim
também
me
parece
a
solução!
Esse
infeliz,
podem
estar
certos,
não
deseja
outra
coisa
senão
convencer
a
todos
com
razões
razoáveis.
Comigo
tem
se
mostrado
absolutamente
cordato!
Acredito
que
ficará
muito
contente!
E
todos,
afinal,
tranqüilos
outra
vez.
Me
faz
um
favor,
Centuri.
(Centuri
se
levanta.)
Me
chama
o
senhor
Ponza
aí
ao
lado.
Peça-‐lhe
que
venha
aqui
um
minutinho.
CENTURI
-‐
Pois
não!
(Se
inclina
e
sai
pela
entrada
do
fundo.)
AGAZZI
-‐
Ah,
se
concordasse!
O
PREFEITO
-‐
Verão
como
consente
logo!
Terminaremos
tudo
em
dez
minutos!
Aqui
-‐
na
frente
de
todos!
AGAZZI
-‐
Como?
Aqui,
na
minha
casa?
SIRELLI
-‐
O
senhor
acha
que
ele
traz
a
mulher
aqui?
O
PREFEITO
-‐
Deixem
isso
comigo!
Mas
vai
ser
aqui!
Porque,
de
outra
maneira,
sei
muito
bem
que,
logo
que
eu
saísse,
iriam
dizer
que
eu
...
AGAZZI
-‐
Mas
não,
senhor
Prefeito,
por
caridade!
Nem
pense
nisso!
SIRELLI
-‐
Isso,
nunca!
O
PREFEITO
-‐
Me
deixem
só
um
instante!
Sabendo
que
estou
totalmente
seguro
de
que
a
razão
é
sua,
vou
lhe
dizer
que,
para
afastar
qualquer
murmúrio
contra
um
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 50
funcionário
público
eu
...
Não,
não
saiam
não.
Prefiro
que
esteja
presentes
e
escutem
tudo.
(A
Agazzi)
E
sua
esposa?
AGAZZI
-‐
Está
aí
na
sala,
com
as
outras
senhoras
...
PREFEITO
-‐
Deus
do
céu,
você
organizou
aqui
um
verdadeiro
centro
de
conspiração
...
CENA
V
Os
mesmos,
Centuri,
o
senhor
Ponza.
CENTURI
-‐
Com
licença?
Está
aqui
o
senhor
Ponza.
O
PREFEITO
-‐
Obrigado,
Centuri.
(O
senhor
Ponza
aparece
na
entrada.)
Entre,
entre,
meu
caro
senhor
Ponza.
(Ponza
se
inclina.)
AGAZZI
-‐
Sente-‐se,
por
favor.
(O
senhor
Ponza
se
inclina
outra
vez
e
senta.)
O
PREFEITO
-‐
Creio
que
conhece
os
senhores
...
Sirelli
...
(Ponza
se
levanta
e
se
inclina.)
AGAZZI
-‐
Conhece.
Eu
já
apresentei.
Meu
cunhado,
Laudisi.
(Ponza
se
inclina.)
O
PREFEITO
-‐
Mandei
chamá-‐lo,
caro
Ponza,
para
dizer-‐lhe
que
aqui,
com
meus
amigos
...
(Se
interrompe,
notando
que
o
senhor
Ponza,
às
primeiras
palavras
dele,
mostra
grande
nervosismo,
e
fica
preso
de
viva
agitação.)
Tem
qualquer
coisa
a
dizer?
PONZA
-‐
Sim.
Que
pretendo,
senhor
Prefeito,
requerer,
hoje
mesmo,
a
minha
transferência.
O
PREFEITO
-‐
Mas
por
que?
Desculpe,
mas
ainda
há
pouco
o
senhor
falava
comigo
assim,
tão
tranqüilo
...
PONZA
-‐
Mas
é
que
descobri,
senhor
Prefeito,
que
se
prepara
uma
enorme
indignidade
contra
mim!
O
PREFEITO
-‐
Eh!
Por
favor.
Nada
de
exageros!
AGAZZI
(A
Ponza)
-‐
Indignidade,
perdão
-‐
alguma
coisa
que
me
diga
respeito?
PONZA
-‐
Da
parte
de
todos!
E
por
isso
vou
embora!
Vou
embora,
senhor
Prefeito,
porque
não
posso
mais
suportar
essa
inquisição,
essa
perseguição
canina,
essa
invasão
feroz
na
minha
vida
privada,
que
acabará
por
comprometer
e
arruinar
irreparavelmente
uma
obra
de
caridade
que
me
custa
tanta
pena
e
tanto
sacrifício!
Eu
venero
essa
pobre
velha
mais
do
que
uma
mãe
e
fui
obrigado
hoje,
aqui,
a
investir
contra
ela
com
cruel
violência.
E
ainda
agora
a
encontrei
aí
num
estado
de
humilhação
e
nervosismo
que
...
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 51
PONZA
-‐
Trazer
minha
mulher
aqui
para
dar
satisfações
a
quem
não
crê
em
mim?
O
PREFEITO
(Rápido)
-‐
Não!
A
mim,
que
creio.
Desculpe.
Alguma
dificuldade
nisso?
PONZA
-‐
Mas,
senhor
Prefeito
...
não!
Minha
mulher
não!
Deixemos
minha
mulher
em
paz!
Basta
que
o
senhor
creia
em
mim!
O
PREFEITO
-‐
Ah,
não,
olha,
começa
a
me
parecer,
até
a
mim,
que
o
senhor
faz
tudo
justamente
pra
não
ser
acreditado!
AGAZZI
-‐
Tanto
é
verdade
que
procurou
impedir
de
todas
a
maneiras
-‐
até
ao
custo
de
uma
dupla
desfeita
à
minha
mulher
e
à
minha
filha
-‐
que
a
sogra
tivesse
contato
conosco.
PONZA
(Exasperado)
-‐
Mas
o
que
é
que
estão
querendo
de
mim?
Em
nome
de
Deus!
Não
basta
essa
desgraçada?
Querem
também
aqui
minha
mulher?
Senhor
Prefeito,
eu
não
posso
suportar
essa
violência!
Minha
mulher
não
sai
da
minha
casa!
Eu
não
vou
colocá-‐la
aos
pés
de
ninguém!
Me
basta
que
o
senhor
creia
em
mim!
Mesmo
porque,
vou
tomar
as
providências
necessárias
pra
ir
embora
logo.
(Levanta-‐se.)
O
PREFEITO
(Um
soco
na
escrivaninha.)
-‐
Espera!
Antes
de
mais
nada
eu
não
tolero,
senhor
Ponza,
que
o
senhor
assuma
semelhante
tom,
diante
de
um
seu
superior
e
diante
de
mim
-‐
diante
de
pessoas,
em
suma,
que
até
agora
lhe
falaram
com
tanta
cortesia
e
tanta
deferência.
Em
segundo
lugar,
lhe
repito
que
dá
muito
que
pensar
essa
sua
obstinação
em
recusar
a
prova
que
lhe
peço,
ninguém
mais,
no
seu
próprio
interesse
-‐
sugestão
na
qual
não
consigo
ver
nada
de
mal.
Podemos
muito
bem,
sabemos
muito
bem,
eu
e
meus
colegas,
receber
uma
senhora
...
ou
então,
se
prefere
...
irmos
à
sua
casa
...
PONZA
-‐
O
senhor,
então,
me
obriga?
O
PREFEITO
-‐
Repito
que
lhe
peço
isso
pro
seu
próprio
bem.
Poderia
pretender
isso
como
seu
superior!
Não
é
o
caso.
PONZA
-‐
Pois
bem.
Sim
senhor.
Se
é
assim,
trarei
aqui
minha
mulher,
e
acabamos
com
tudo!
Mas
quem
me
garante
que
essa
pobrezinha
não
irá
ver?
O
PREFEITO
-‐
Não
vai
ver
...
Sabemos
que
ela
está
aí,
ao
lado.
AGAZZI
(De
repente)
-‐
Podemos
ir
nos
na
casa
de
sua
esposa.
PONZA
-‐
Isso
não!
Está
bem
assim.
Só
não
quero
que
me
façam
outra
surpresa,
pois
teria
conseqüências
desastrosas!
AGAZZI
-‐
Pode
ficar
tranqüilo
quanto
a
nós!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 53
O
PREFEITO
-‐
Há
uma
terceira
hipótese,
se
prefere
-‐
encontrarmos
sua
mulher
na
prefeitura.
PONZA
-‐
Não,
não
-‐
aqui
...
Imediatamente.
Vou
traze-‐la
aqui.
Assim
eu
mesmo
fico
de
guarda
a
minha
sogra,
protegendo-‐a.
Vou
depressa,
senhor
Prefeito,
volto
logo.
E
acabamos
com
tudo!
De
uma
vez
-‐
com
tudo!
(Sai,
furioso,
pela
entrada
do
fundo.)
CENA
VI
Os
mesmos,
menos
o
senhor
Ponza.
O
PREFEITO
-‐
Confesso
que
não
esperava
essa
resistência
da
parte
dele.
AGAZZI
-‐
E
verá
que
vai
impor
à
mulher
dizer
o
que
ele
quer!
O
PREFEITO
-‐
Ah,
não!
Quanto
a
isso,
fiquem
tranqüilos.
Eu
interrogo
a
senhora!
SIRELLI
-‐
Essa
exasperação
contínua
-‐
que
coisa
estranha!
O
PREFEITO
-‐
É
a
primeira
vez
que
...
sabem?
...
é
a
primeira
vez
que
o
vejo
assim.
Talvez
a
idéia
de
ter
que
trazer
a
mulher
aqui
...
SIRELLI
-‐
De
desencarcerá-‐la!
O
PREFEITO
-‐
Ah,
isso
-‐
que
a
tenha
como
num
cárcere
-‐
acho
que
isso
também
pode
explicar
sem
recorrer
à
suposição
de
que
é
um
louco.
SIRELLI
-‐
Perdão,
senhor
Prefeito.
O
senhor
ainda
não
ouviu
essa
pobre
senhora.
AGAZZI
-‐
Pois
é.
Dizem
que
a
mantém
assim
com
medo
da
sogra.
O
PREFEITO
-‐
Mas
mesmo
que
não
fosse
por
isso
-‐
poderia
ser
o
caso
de
um
ciúme
exagerado,
e
basta.
SIRELLI
-‐
Até
o
ponto,
desculpe,
de
não
ter
sequer
uma
empregada?
Obrigar
a
mulher
a
fazer
sozinha
todo
o
trabalho
da
casa,
todo?
AGAZZI
-‐
Mas
quem
faz
as
compras
todas
as
manhãs
é
ele!
CENTURI
-‐
É
verdade
-‐
eu
mesmo
vi,
pessoalmente!
Leva
as
compras
em
casa
acompanhado
por
um
rapazinho
...
SIRELLI
-‐
...
que
nunca
deixa
entrar
em
casa!
O
PREFEITO
-‐
Oh,
Deus,
meus
senhores;
ele
mesmo
lamentou
isso
tudo,
comigo.
LAUDISI
-‐
Serviço
de
Informações
irrepreensível!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 54
O
PREFEITO
-‐
Faz
isso
por
economia,
Laudisi!
Tem
que
manter
duas
casas
...
SIRELLI
-‐
Mas
não,
nós
não
falamos
por
isso!
Perdão,
senhor
Prefeito,
o
senhor
acredita
que
uma
segunda
esposa
se
submeteria
a
tanto?
AGAZZI
(Apoiando.)
-‐
Aos
mais
humildes
serviços
de
casa?
SIRELLI
(Continuando.)
-‐
Por
uma
pessoa
que
foi
sogra
do
seu
marido
e
que
lhe
deve
ser
completamente
estranha?
AGAZZI
-‐
Diga,
senhor
Prefeito:
Não
acha
um
pouquinho
demais?
O
PREFEITO
-‐
Demais!
Realmente.
LAUDISI
-‐
(Interrompendo)
-‐
...
Pra
qualquer
segunda
mulher?
PREFEITO
(Súbito)
-‐
Admitamos.
É
demais,
sim.
Mas
mesmo
isso,
queiram
desculpar,
se
não
por
generosidade,
pode
se
explicar
facilmente
por
ciúme.
E
que
-‐
louco
ou
não
louco
-‐
ele
é
ciumento,
aqui
entre
nós,
não
é
matéria
de
discussão.
(Nesse
momento
se
ouve
na
sala
um
clamor
confuso
de
vozes.)
AGAZZI
-‐
Oh
que
será
que
aconteceu?
CENA
VII
Os
mesmos,
a
senhora
Amália.
AMÁLIA
(Entra
furiosa,
consternadíssima,
pela
entrada
à
esquerda,
anunciando.)
-‐
A
senhora
Frola!
A
senhora
Frola
está
aí!
AGAZZI
-‐
Mas
não!
Pelo
Amor
de
Deus,
quem
a
chamou?
AMÁLIA
-‐
Ninguém.
Ela
veio!
Está
aí!
O
PREFEITO
-‐
Não!
Por
favor!
Agora
não!
Faz
com
que
vá
embora,
minha
senhora!
AGAZZI
-‐
Tem
que
ir
embora
logo!
Não
a
deixem
entrar!
Evitem
isso,
de
qualquer
maneira!
Se
ele
a
encontrasse
aqui,
seria
verdadeiramente
uma
traição!
Uma
cilada!
CENA
VIII
Os
mesmos,
a
senhora
Frola,
todos
os
outros.
(A
senhora
Frola
entra,
tremelicando,
chorando,
suplicante,
um
lenço
na
mão,
no
meio
do
grupo,
todo
mundo
excitado.)
SRA.
FROLA
-‐
Meus
senhores,
por
piedade!!
Tenham
piedade!
Não
deixe
que
me
botem
pra
fora,
senhor
Conselheiro!
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 55
AGAZZI
(Adiantando-‐se,
irritadíssimo)
-‐
Minha
senhora,
eu
lhe
ordeno
que
se
retire
imediatamente!
Neste
momento
não
pode
entrar
aqui!
SRA.
FROLA
(Assustada)
-‐
Por
que?
Por
que?
(À
senhora
Amália.)
Eu
apelo
à
senhora
...
AMÁLIA
-‐
Mas
a
senhora
não
percebe?
Está
aí
o
Prefeito!
SRA.
FROLA
-‐
Oh,
o
senhor
Prefeito!
Por
piedade!
Eu
ia
mesmo
procurá-‐lo!
PREFEITO
-‐
Não!
Tenha
paciência,
senhora!
No
momento
não
posso
lhe
dar
qualquer
atenção!
É
preciso
que
saia
daqui!
Faça
o
que
lhe
mandam.
Vá
embora
logo!
SRA.
FROLA
-‐
Sim,
eu
sei
-‐
eu
vou!
Vou
embora
logo
-‐
hoje
mesmo!
Vou
partir
-‐
senhor
Prefeito!
E
parto
pra
sempre!
AGAZZI
-‐
Mas
não,
que
é
isso!?
Tenha
a
bondade
de
retirar-‐se
por
um
momento
-‐
volte
à
sua
casa!
Me
conceda
essa
graça!
Mais
tarde
poderá
falar
com
o
senhor
Prefeito!
SRA.
FROLA
-‐
Mas
por
que?
Que
foi
que
houve?
Que
foi
que
houve?
AGAZZI
(Perdendo
a
paciência)
-‐
O
seu
genro
-‐
estamos
esperando
o
seu
genro.
Compreendeu?
SRA.
FROLA
-‐
Ah!
É?
Mas
então
...
sim
...
sim
...
eu
me
retiro!
Eu
me
retiro
logo!
Só
queria
lhes
pedir
uma
coisa
-‐
por
piedade,
acabem
com
isso!
Pensam
que
me
fazem
bem
e
me
fazem
tanto
mal!
Serei
obrigada
a
ir
embora
se
continuam
a
agir
dessa
maneira;
partir
hoje
mesmo,
pra
que
ele
possa
viver
em
paz!
Mas
o
que
querem
-‐
o
que
é
que
estão
querendo
dele
aqui,
agora?
O
que
é
que
ele
tem
que
fazer
aqui?
Oh,
senhor
Prefeito!
O
PREFEITO
-‐
Não
há
nada,
minha
senhora,
fique
calma!
Fique
calma
e
vá
embora,
por
obséquio.
AMÁLIA
-‐
Vamos,
senhora,
vamos!
Obedeça!
SRA.
FROLA
-‐
Ah,
meu
Deus,
vão
me
tirar
o
único
conforto
que
me
restava
na
vida
-‐
de
vez
em
quando
ver
a
minha
filha,
pelo
menos
de
longe!
(Começa
a
chorar.)
O
PREFEITO
-‐
Mas
quem
lhe
disse
isso?
A
senhora
não
precisa
ir
embora!
Pedimos
que
se
retirasse
apenas
um
momento.
Tenha
calma!
SRA.
FROLA
-‐
Mas
eu
só
penso
nele,
senhor
Prefeito!
Vim
aqui
pra
pedir
a
todos
pela
tranqüilidade
dele
-‐
não
vim
pedir
por
mim!
O
PREFEITO
-‐
Pode
ficar
tranqüila
também
por
ele,
eu
lhe
asseguro.
Verá
que
d’agora
em
diante
todas
as
coisas
vão
se
acomodar.
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 56
SRA.
FROLA
-‐
Mas
como?
Se
vejo
aqui
todos
encarniçados
contra
ele?
O
PREFEITO
-‐
Não
senhora!
Não
é
verdade!
Eu
estou
inteiramente
a
favor
dele.
Vá
em
paz!
SRA.
FROLA
-‐
Ah,
misericórdia,
muito
obrigada!
Quer
dizer
que
o
senhor
compreendeu
...
O
PREFEITO
-‐
Sim,
senhora,
compreendi
...
SRA.
FROLA
-‐
Eu
repeti
tantas
vezes
a
todas
estas
pessoas
-‐
é
uma
desgraça
já
superada,
que
não
há
mais
necessidade
de
se
revolver.
O
PREFEITO
-‐
Eu
sei,
minha
senhora,
eu
sei
...
Já
lhe
disse
que
compreendo.
SRA.
FROLA
-‐
Estamos
contentes
de
viver
assim;
a
minha
filha
está
contente.
Portanto
...
O
senhor
resolve,
o
senhor
resolve
...
porque
do
contrário
não
tenho
outra
saída
senão
ir
embora
definitivamente.
E
nunca
mais
ver
minha
filha,
nem
sequer
de
longe
...
Deixem-‐no
em
paz,
pelo
amor
de
Deus!
(Neste
momento,
no
meio
do
bolo
de
pessoas,
há
um
movimento.
Todos
se
agitam.
Alguns
olham
a
entrada.
Alguma
voz
contida
se
fará
ouvir.)
VOZES
-‐
Oh
Deus
...
É
ela!
É
ela!
SRA.
FROLA
(Notando
o
temor,
o
embaraço
geral,
geme,
perplexa,
trêmula.)
-‐
Que
é
que
foi!
O
que
é
que
há?
CENA
XI
Os
mesmos,
a
senhora
Ponza,
depois
o
senhor
Ponza.
(Todos
se
afastam
prum
e
pra
outro
lado
dando
passagem
à
senhora
Ponza,
que
avança
rígida,
de
luto,
o
rosto
escondido
por
um
véu
negro
que
lhe
cobre
todo
o
rosto,
impenetrável.)
SRA.
FROLA
(Soltando
um
grito
estraçalhante,
de
alegria
frenética.)
Ah!
Lina
...
Lina
...
Lina...
(E
se
precipita
e
se
agarra
à
mulher
velada
com
ânsia
de
uma
mãe
que
há
muitos
anos
não
abraça
a
filha.
Ao
mesmo
tempo,
fora
de
cena,
se
ouvem
os
gritos
do
senhor
Ponza,
que
logo
depois
invade
a
cena.)
PONZA
-‐
Júlia!
...
Júlia!
...
Júlia!
...
(A
senhora
Ponza,
aos
gritos
dele,
se
endurece
nos
braços
da
senhora
Frola,
que
a
envolvem.
O
senhor
Ponza,
avançando,
percebe
logo
a
sogra
assim
perdidamente
abraçada
com
a
mulher,
e
berra
com
fúria:)
Ah!
Eu
bem
que
tinha
dito!
É
como
eu
previa.
Se
aproveitaram
assim,
velhacamente,
da
minha
boa
fé!
SRA.
PONZA
(Virando
a
cabeça
velada,
com
austeridade
quase
solene)
-‐
Não
tenha
medo!
Não
tenha
medo!
Vai
embora,
Vai
com
ela!
PONZA
(Calmo,
amoroso,
à
senhora
Frola)
-‐
Vamos
sim,
vem
comigo.
Assim é se lhe parece de Luigi Pirandello 57
SRA.
FROLA
(Que
se
desvencilhou
ela
mesma,
toda
trêmula,
humilde,
do
abraço,
faz
eco
carinhoso
com
o
que
diz)
-‐
Sim,
sim
...
Vamos,
meu
anjo,
vamos
indo
...
(E
os
dois,
abraçados,
se
acariciando,
os
dois
chorando,
se
retiram,
sussurrando
coisas,
palavras
afetuosas.
Silêncio.
Depois
de
seguirem
os
dois
com
os
olhos,
até
que
saem,
todos
se
voltam
agora,
desanimados
e
comovidos,
pra
senhora
de
véu.)
SRA.
PONZA
(Depois
de
olhá-‐los
longamente
através
do
véu,
diz,
com
profunda
solenidade)
-‐
Depois
disso,
que
mais
podem
querer
de
mim,
os
senhores?
Como
vêem
há
uma
desventura
que
deve
continuar
oculta,
pois
só
assim
faz
efeito
o
remédio
que
a
piedade
lhe
oferece.
O
PREFEITO
(Comovido)
-‐
Mas
nós
queremos
respeitar
essa
piedade,
senhora.
Gostaríamos
apenas
que
nos
dissesse
...
SRA.
PONZA
(Fala
lenta
e
distinta.)
-‐
O
quê?
A
verdade?
É
só
esta:
eu
sou,
sim,
a
filha
da
senhora
Frola
...
TODOS
(Suspiros
de
satisfação)
-‐
Ah!
SRA.
PONZA
(Logo
depois)
...
e
a
segunda
mulher
do
senhor
Ponza
...
TODOS
(Estupidificados,
e
desiludidos,
humildemente.)
-‐
Oh!
Mas
como?
SRA.
PONZA
(Logo
depois.)
-‐
...
sim.
E
pra
mim,
nenhuma!
Nenhuma!
O
PREFEITO
-‐
Ah,
não,
pra
si
tem
que
ser
uma
coisa
ou
outra,
minha
senhora!
SRA.
PONZA
-‐
Não
senhor.
Pra
mim
eu
sou
aquela
que
me
crêem.
(Através
do
véu
olha
pra
todos
um
instante.
Silêncio.)
LAUDISI
-‐
Eis
aí,
ó
senhores,
como
a
verdade
fala!
(Dá,
em
volta,
um
olhar
de
galhofeiro
desafio.)
Estão
contentes?
(Desata
a
rir.)
Ah!
Ah!
Ah!
Ah!
(Cortina)
Fim
Texto
gentilmente
doado
por
Miro
Marques
em
agosto
de
2002