O documento discute as críticas feitas ao filósofo Olavo de Carvalho por supostamente ensinar uma versão do perenialismo gnóstico. O autor analisa as acusações de que Olavo foi influenciado pelos mestres René Guenon e Frithjof Shuon, representantes do gnosticismo moderno, e que apresenta dificuldades em aceitar certos dogmas católicos como a salvação fora da Igreja. No entanto, o autor também aponta limitações na forma como alguns críticos como o Instituto Montfort real
O documento discute as críticas feitas ao filósofo Olavo de Carvalho por supostamente ensinar uma versão do perenialismo gnóstico. O autor analisa as acusações de que Olavo foi influenciado pelos mestres René Guenon e Frithjof Shuon, representantes do gnosticismo moderno, e que apresenta dificuldades em aceitar certos dogmas católicos como a salvação fora da Igreja. No entanto, o autor também aponta limitações na forma como alguns críticos como o Instituto Montfort real
O documento discute as críticas feitas ao filósofo Olavo de Carvalho por supostamente ensinar uma versão do perenialismo gnóstico. O autor analisa as acusações de que Olavo foi influenciado pelos mestres René Guenon e Frithjof Shuon, representantes do gnosticismo moderno, e que apresenta dificuldades em aceitar certos dogmas católicos como a salvação fora da Igreja. No entanto, o autor também aponta limitações na forma como alguns críticos como o Instituto Montfort real
Orlando Fedeli versus Olavo de Carvalho – Introdução ao perenialismo
gnóstico
Comparar a filosofia do Olavo de Carvalho com a de qualquer outro
intelectual brasileiro da atualidade seria mais ou menos como comparar o sol com um palito de fósforo.
Casado e pai de nove filhos, amado e reverenciado pelos seus
alunos, odiado pelos críticos, desconhecido pela maioria dos brasileiros, muito mais do que um simples “professor”, Olavo de Carvalho é um erudito, escritor, jornalista, cientista político e filósofo de primeira grandeza: trata-se de um dos personagens mais intrigantes e importantes da nossa história recente, cuja relevância não pode ser negligenciada de forma alguma.
Em primeiro lugar, graças a ele os principais expoentes da
intelectualidade de esquerda foram completamente humilhados depois de décadas de hegemonia cultural, e muitos jovens começaram a se converter para a fé católica: inclusive eu. No meu caso em particular, meu mestre espiritual foi o Padre Paulo Ricardo de Azevedo que, por sua vez, também é um aluno e grande admirador do Olavo.
Em contrapartida, aqueles que levantaram as objeções mais
pertinentes contra o "guru da nova direita" denunciam justamente o aspecto anti-católico do seu ensino: trata-se do Instituto Montfort, os irmãos Velasco e o ex-diretor do Mídia Sem Máscara, Caio Rossi.
O falecido professor Orlando Fedeli, fundador do Instituto
Montfort, no seu longo artigo A gnose "tradicionalista" de René Guenon e Olavo de Carvalho, foi o primeiro a tentar explicitar o suposto gnosticismo olaviano: demonstrando, principalmente no que diz respeito ao aspecto religioso, a correspondência entre o pensamento do Olavo e as concepções de René Guenon e Frithjof Shuon – ambos representantes do gnosticismo moderno. O mérito dos irmãos Velasco, por outro lado, consiste na investigação praticamente policial que fizeram a respeito do passado e do envolvimento pessoal do filósofo com os seus referidos mestres: entre tantas coisas, além de praticar astrologia e se meter em uma seita chamada "Tradição", Olavo de Carvalho chegou a liderar uma tarica islâmica comandada por Frithjof Shuon. Não obstante, talvez a explicação mais detalhada dessa polêmica seja fornecida pelo Caio Rossi nos próprios vídeos em parceria com os Irmãos Velasco, onde se demonstra a natureza extremamente maligna do perenialismo gnóstico de Guenon e Shuon, bem como sua presença no discurso do Olavo e de certos autores endossados pelo mesmo.
De fato, apesar de se dizer católico e realmente manifestar uma
sabedoria impressionante das coisas naturais e sobrenaturais, eu mesmo observei no discurso do Olavo uma dificuldade terrível, pra dizer o mínimo, quanto ao dogma de que fora da Igreja Católica não há salvação: o que se demonstra sobretudo em certas atitudes ecumênicas. Por exemplo, algo que considero gravíssimo e que é bastante enfatizado tanto pelos irmãos Velasco quanto pelo pessoal da Montfort, é a sua amizade com o padre ortodoxo Luís Filidis. Em um hang-out do youtube, no qual também estava presente o seu filho Luiz Gonzaga de Carvalho Neto, Olavo de Carvalho afirma que “a Igreja Católica reconhece os sacramentos da Igreja Ortodoxa e vice-versa”: o que no mínimo seria um erro grosseiro (difícil de ser suposto em uma pessoa tão culta como o Olavo) ou simplesmente uma mentira. Isso porque os sacramentos da Igreja Ortodoxa, embora sejam válidos, não são lícitos: uma vez que os ortodoxos são cismáticos e heréticos. Sendo assim, a Igreja Católica condena os seus sacramentos e, dessa forma, além de desencorajar os fiéis de se comungarem com os mesmos, prega abertamente a verdadeira fé e reza continuamente para que eles se convertam e retornem à unidade da verdadeira Igreja.
Doravante, mais obscura ainda é a relação do Olavo com o
próprio islamismo. Apesar de publicamente condená-lo em diversos vídeos e contribuir para elucidar o aspecto islâmico da própria obra guenoniana, em outros momentos ele profere absurdos completamente blasfêmicos quando afirma, por exemplo, que o Alcorão teria sido revelado pelo anjo Gabriel. Além disso, ele continua ensinando, como o Orlando Fedeli já havia demonstrado, que o livro de Frithjof Shuon sobre A unidade transcendente das religiões seria correto: fato esse que considero um verdadeiro crime intelectual por parte do Olavo de Carvalho. Com efeito, esse livro de Shuon está repleto de erros terríveis: como a ideia de que haveria um intelecto único para todos os seres humanos – tal como postulava o filósofo islâmico Averróis e também o herético Meister Eckhart –, ideia essa que já está perfeitamente refutada na obra de Santo Tomás de Aquino. Pior ainda, além de defender claramente uma espécie de relativismo religioso, Shuon afirma que haveria um aspecto de impessoalidade em Deus que seria anterior e superior ao aspecto pessoal: como se houvesse algo acima da Santíssima Trindade. Em última instância, trata-se de um perenialismo relativista, gnóstico e anti-católico cuja aprovação por um intelectual da envergadura do Olavo de Carvalho é totalmente injustificável.
Para aqueles que nunca ouviram falar sobre o assunto, saibam
que o perenialismo moderno refletido nas obras de René Guenon e Frithjof Shuon se origina da maçonaria e tem suas raízes mais remotas no hermetismo helênico, no neoplatonismo e no gnosticismo que a Igreja teve que enfrentar nos primeiros séculos e que ressurgiu vigorosamente no período conhecido como Renascimento. De forma geral, esses perenialistas afirmam a existência de uma "tradição primordial" – daí o nome da seita "Tradição" que o Olavo pertenceu – que seria portadora da verdadeira gnose: um núcleo perene de conhecimentos metafísicos que virtualmente se encontraria em todas as religiões autenticamente reveladas. Com efeito, os perenialistas não são relativistas no sentido cético do termo, mas acreditam que as grandes religiões derivam realmente da manifestação divina, e que as verdades da tradição primordial nelas se encontrariam como que dispersas e encobertas por um véu de simbolismo. Mais especificamente, para esses que foram os mestres do Olavo, toda religião (com certas ressalvas em relação ao cristianismo) se dividiria entre um aspecto exotérico e outro esotérico: o primeiro sendo destinado ao grande público, composto de ritos e doutrinas bem delimitadas, feito para que o fiel possa alcançar a "salvação"; enquanto o segundo se destinaria a uma pequena elite, propondo não a salvação, mas a "libertação" – como se fala na linguagem budista – ou a gnose propriamente dita (o conhecimento), dando destaque assim à experiência direta com a divindade, através de ritos, doutrinas e interpretações muitas vezes contrárias aos dogmas da religião exotérica. Por exemplo, a cabala – que é o esoterismo da religião judaica – acredita na reencarnação, enquanto o judaísmo oficial, baseado na lei de Moisés, condena explicitamente qualquer espécie de espiritismo; e enquanto para os católicos o sexo sempre foi visto como algo sagrado, para os cátaros da idade média o sexo seria o próprio pecado original, de forma que eles condenavam o casamento. E assim por diante.
As doutrinas gnósticas são bastante complexas e variadas,
podendo pregar desde o ascetismo mais fanático até o total imoralismo. Não obstante, todas elas se fundamentam na perspectiva sedutora de que a criatura racional seria capaz de atingir a bem- aventurança pela força de sua própria virtude: o princípio satânico por excelência. Mais ainda, o gnosticismo sempre fornece alguma visão maluca a respeito de Deus, invariavelmente blasfêmica, que por isso mesmo acaba distorcendo as relações entre a criatura e o Criador. Em poucas palavras, se a revelação nos ensina que o pecado original foi um ato cometido por Adão, o gnosticismo tende a colocar a origem do mal na conta de Deus: como se houvesse um desequilíbrio cósmico primordial dentro da própria divindade – desequilíbrio esse que haveria causado a fragmentação e o aprisionamento do espírito dentro da matéria. Nesse sentido, haveria uma “centelha divina” (expressão gnóstica) em cada ser humano, de forma que bastaria ao homem tomar consciência de sua própria natureza para ser capaz de, aos poucos, se “libertar” ou reascender ao plano da ordem sobrenatural. Com efeito, é fácil enxergar como esse tipo de concepção danifica completamente toda a dinâmica da redenção: pois se a culpa não foi do homem, não há necessidade de arrependimento; e se no ser humano já existe uma “centelha” divina, fica anulada a necessidade da graça ou mesmo qualquer possibilidade de condenação eterna.
É óbvio que o Olavo de Carvalho não ensina, pelo menos
exotericamente, nenhuma dessas doutrinas gnósticas. E considerando as informações adquiridas até o momento, muito menos se pode deduzir com certeza absoluta, como pretendem os irmãos Velasco, que ele seja um luciferianista realizando o culto do eterno feminino sob a aparência de uma devoção à Virgem Maria: "tipo de anti-olavismo que só serve para aumentar o olavismo" - pra usar uma expressão do próprio Carlos Velasco. No entanto, é verdade que este foi caminho seguido pelo seu antigo mestre Shuon que, se aproveitando da devoção crescente em torno da Virgem Maria associada às diversas aparições ao longo dos últimos séculos, optou pelo catolicismo – contrariando Guenon – como via exotérica pela qual se poderia introduzir novamente o esoterismo gnóstico do eterno feminino na cultura ocidental.
Ademais, quanto aos discípulos do Sr. Orlando Fedeli, embora se
considerem tradicionalíssimos - e não há dúvida de que estão cheios de boas intenções -, o problema da crítica que eles fazem ao Olavo de Carvalho, na minha opinião, se encontra não tanto no conteúdo, mas sim na forma – muito pouco católica – como essa crítica se realiza.
Nesse sentido deve-se compreender que, mesmo se o Olavo for
um gnóstico, recusar por inteiro a sua filosofia seria mais ou menos como rejeitar a Metafísica de Aristóteles só porque ele diz que "Deus não é ciumento", ou condenar a sua Ética sobre as virtudes naturais pelo fato de desconhecer as virtudes teologais. Pelo contrário, os católicos não condenam indiscriminadamente tudo o que os pagãos ensinam: sabem separar o joio do trigo e absorver o que existe de salutar em suas doutrinas e práticas.
Sendo assim, como seria possível negar as contribuições imensas
que o Olavo de Carvalho fez para a filosofia? Como rejeitar, por exemplo, a sua tese brilhante sobre os quatro discursos em Aristóteles ou seu estudo sobre a mentalidade revolucionária e a paralaxe cognitiva? Como prescindir dos seus conhecimentos sobre o comunismo? Como renegar suas análises extraordinárias sobre a psicologia, a política, a história e a cultura de forma geral? E como atirar na fogueira livros magníficos como o Imbecil Coletivo e o Jardim das Aflições?
Além de sensatez, falta caridade na crítica da Montfort, não tanto
em relação ao Olavo, mas aos próprios católicos que podem e devem se fortalecer na sua doutrina. Aliás, a implicância do Sr. Orlando Fedeli contra o Olavo de Carvalho gira muito em torno desse aspecto em particular do seu ensinamento sobre o cristianismo: o fato de que o filósofo insiste em afirmar que "o cristianismo não é uma doutrina".
De fato, embora tenha uma doutrina, o cristianismo não é uma
doutrina: o cristianismo nasce do contato direto com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada em Nosso Jesus Cristo. Evidentemente, é claro que Jesus veio sim transmitir uma doutrina que, por sua vez, deve ser guardada e transmitida pela Igreja que ele mesmo fundou até o final dos tempos. Não obstante, é igualmente óbvio que a doutrina não se confunde com o próprio mestre, assim como a fé em Deus não é o próprio Deus. Na verdade, sem o auxílio efetivo do Espírito Santo e a prática da oração pela qual buscamos justamente um contato mais direto e íntimo com a divindade, a doutrina nem sequer pode ser compreendida.
Ademais, mesmo se o Olavo estivesse contaminado pela heresia
modernista, como acusou o Sr. Orlando Fedeli, não se combate uma heresia apenas contrapondo o dogma doutrinário que ela nega: é preciso antes compreender qual verdade ela distorce. No caso do perenialismo, vale notar que até mesmo Santo Tomás de Aquino e seu mestre Santo Alberto Magno souberam absorver, em alguma medida, a sabedoria pagã de seu tempo. Por exemplo, o próprio Santo Tomás subscreve a visão de que o homem é um "microcosmos": uma espécie de síntese na qual todas as perfeições básicas da criação estariam presentes. E como se vê no admirável livro de Gleen Alexander Magee, Hegel and the Hermetic Tradition, o conceito do microcosmos é um tema perene e especificamente hermético: e nem por isso Santo Tomás deixou de reconhecer sua veracidade.
Em contraposição ao pendatismo doutrinário do Instituto Montfort
que acha que toda verdade do universo está contida dentro do catecismo, deve-se admitir que existe sim uma sophia perennis: uma sabedoria que permanece e perpassa as mais diversas tradições da humanidade. Sabe-se que a imortalidade da alma humana e o livre- arbítrio, por exemplo, são realidades universalmente reconhecidas por todos os grandes filósofos, bem como a unidade e a infinitude de Deus, e várias outras coisas. Dessa forma, é perfeitamente possível falar em um perenialismo católico que se constitui pela absorção do que há de bom e verdadeiro nas doutrinas pagãs, sem se deixar contaminar pelo que há de ruim. Por outro lado, ao contrário do perenialismo gnóstico de Guenon e Shuon, não consideramos que esses conhecimentos positivos se relacionam à ideia de que tais religiões foram reveladas por Deus, mas se devem ao próprio poder da natureza humana que, após o pecado original, não se corrompe ao ponto do homem ficar completamente privado do conhecimento da verdade.
Por fim, destaco o ponto principal em que, na minha visão, tanto
o Sr. Orlando Fedeli quanto o Olavo de Carvalho pecam gravemente: trata-se do posicionamento que assumem diante do Concílio Vaticano II e dos papas que se seguiram. Entre ambos não há dúvida de que o concílio foi herético e, portanto, inválido: o que é tão certo como dois e dois são quatro. Porém, seria cômico se não fosse estupidamente trágico a forma como Orlando Fedeli montava um verdadeiro tribunal da inquisição para demonstrar o modernismo do Olavo ao mesmo tempo em que puxava o saco do modernista e impostor Bento XVI: um dos grandes heresiarcas do Vaticano II. Por sua vez, embora negue abertamente a autoridade do anti-papa Francisco, Olavo também cai na esparrela de afirmar que "Bento XVI é o verdadeiro papa". Ora, que desgraça de papa verdadeiro é esse que entrega o seu império nas mãos de um palhaço?
Quando até mesmo os sábios estão desorientados, é sinal de que