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PUC R 1O

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Ferreira, Pedro Magalhães Guimarães
A fé em Deus de grandes cientistas / Pe. Pedro Magalhães Guimarães Fer­
reira. - Rio de Janeiro : PUC-Rio ; São Paulo : Ed. Loyola, 2009.
310 p. ;21 cm
Inclui bibliografia
1. Religião e ciência. 2. Fé e razão. 3. Cientistas - Biografia. III. Título.

CDD: 201.65

Conselho Editorial PUC-Rio: Augusto Sampaio,


Cesar Romero Jacob,
Fernando Sá,
José Ricardo Bergmann,
Luiz Roberto Cunha,
Maria Clara Lucchetti Bingemer,
Miguel Pereira e
Reinaldo Calixto de Campos.

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ISBN 978-85-I5-O365I-6
© E dições Loyola , São Paulo, Brasil, 2009

isbn 978-85-87926-58-6
© E ditora PUC-R io , Rio de Janeiro, Brasil, 2009
3a edição: fevereiro de 2010
À memória de:
meus pais, José Luiz e Sarah,
meu irmão Alfredo e
minha irmã Thereza e meu cunhado Francisco.

À PUC-Rio, pelo seu compromisso com a verdade, no empenho pela


excelência acadêmica.

Ao “Grupo Pe. Leonel Franca”, principal inspirador deste texto nas nossas
reuniões semanais.

À Companhia de Jesus.
Sumário

N otação.....................................................................................................................10
Introdução................................................................................................................11
Números preocupantes para quem tem fé? Ou pelo contrário?...................15
Cientistas ilustres com fé em D eu s..................................................................... 19
Copérnico............................................................................................................19
Clavius................................................................................................................ 20
Napier..................................................................................................................21
Galileo..................................................................................................................24
Marin Mersenne................................................................................................ 28
Kepler...................................................................................................................29
Girard...................................................................................................................32
Descartes............................................................................................................ 33
Roberval..............................................................................................................35
Grimaldi..............................................................................................................36
Pascal...................................................................................................................37
B oyle................................................................................................................... 41
Huygens.............................................................................................................. 44
Barrow................................................................................................................ 47
Hooke.................................................................................................................. 49
Newton ...............................................................................................................51
Leibniz.................................................................................................................55
Halley...................................................................................................................58
De Moivre............................................................................................................60
Saccheri............................................................................................................... 63
Bernoulli............................................................................................................. 63
Riccati................................................................................................................. 66
Maupertuis..........................................................................................................66
Vincenzo Riccati................................................................................................ 69
Euler....................................................................................................................70
Coulomb..............................................................................................................73
Laplace.................................................................................................................76
D a lto n ................................................................................................................ 80
Fourier ............................................................................................................... 84
B io t......................................................................................................................86
A m père...............................................................................................................87
G auss...................................................................................................................88
Brewster............................................................................................................. 90
Bolzano.............................................................................................................. 93
Fresnel................................. ..96
Cauchy ............................... ..99
Faraday............................... 101
Babbage............................... 105
Herschel.............................. 108
Henry ................................. 112
Abel..................................... 114
Sturm ................................. 116
Jacobi................................... 117
De Morgan......................... 119
Le Verrier............................ 121
B o o le ................................... 123
Joule ................................... 126
Fizeau.................................. 129
Foucault............................. 130
Stokes.................................. 132
John Couch Adams........... 135
H erm ite.............................. 137
Kronecker........................... 139
K elvin.................................. 140
R iem ann............................. 143
Maxwell ............................. 147
G ibbs................................... 149
Rayleigh.............................. 151
C antor................................. 153
J. J. Thomson...................... 155
Hertz ................................... 156
Planck ................................. 158
Pierre D uhem .................... 162
Roberto Landell de Moura 165
W hitehead......................... 170
Bragg ................................... 178
Millikan ............................. 180
Marconi ............................. 183
James Jeans......................... 186
Einstein............................... 188
Eddington........................... 199
Victor Hess.......................... 204
Schrõdinger......................... 206
Com pton............................. 210
M o rse......................................................... 214
Lemaitre...................................................... 216
M iln e.......................................................... 217
Isidor Isaac Rabi........................................ 219
Pauli ........................................................... 222
Heisenberg................................................. 225
Margenau................................................... 232
Von Neum ann........................................... 233
Nevill M o tt................................................ 236
G õd el.......................................................... 238
Charles Townes.......................................... 251
Arthur Schawlow....................................... 254
Freeman D yson ......................................... 256
Anthony Hewish....................................... 259
Abdus Saiam.............................................. 261
John Polkinghorne................................... 264
Arno Penzias.............................................. 269
Donald Knuth............................................ 273
Joseph H. Taylor, Jr.................................... 275
Stephen Hawking..................................... 277
Isham........................................................... 283
William D. Phillips................................... 285
Referências...................................................... 291
índice dos cientistas em ordem alfabética 307
Notação: Usarei [ ] - entre colchetes - para indicar as referências bibliográficas
no final da obra; para enumerar essas referências ao lado do nome do cientista
pelo qual ele é mais conhecido; e para acréscimo de palavra(s) a frases citadas
para torná-las mais claras. Usarei [...] - reticências entre colchetes - para indi­
car a omissão de parte de frase citada. Usarei {{}} - entre chaves dobradas -
para minhas observações e reflexões pessoais sobre os cientistas. As referências
ao lado dos nomes dos cientistas dizem respeito principalmente à vida do cien­
tista, sendo que ao longo do respectivo texto aparecem às vezes outras, princi­
palmente as citações de seu pensamento a respeito de Deus e religião. Quando
se remete a outro cientista do livro, isto é indicado com (□) após o nome.
Introdução

Este trabalho não pretende abordar a questão da fé dos cientistas em


todos seus aspectos, longe disto. Pretende apresentar biografias, algumas
mais breves, outras mais longas, dependendo da importância do cientista,
dos seus ditos sobre o tema que abordo e da facilidade de acessar os dados
biográficos deles. Boa parte das biografias tem citações sobre o que pensa­
vam sobre a fé. Todos, ou quase todos, os cientistas neste livro foram/são
de primeira classe, alguns deles ainda vivos. Limitei-me aos matemáticos
e físicos porque conheço estas ciências (bem) melhor que as outras, ou se­
ria mais apropriado dizer que as conheço (bem) menos mal que as outras.
Em vários casos me estendi mais pelo que o cientista tem de interessante
na sua biografia, não necessariamente pelo seu testemunho de fé ou reli­
giosidade. Há excentricidades na vida de muitos dos gênios, o que torna
suas biografias interessantes e, muitas vezes, pitorescas.
A Matemática tem uma posição destacada nos tempos atuais, pois
é na linguagem dela que se exprimem a Física e várias “Ciências de En­
genharia”, como, por exemplo, Informática, Telecomunicações e Ro­
bótica e, cada vez mais, a Química, a Economia, as Finanças e vários
ramos da Biologia, mas também, de modo ainda bem mais limitado,
as Ciências Humanas.
Quanto à Física, ela é a mais matematizada das ciências da natureza.
Na realidade, os físicos têm sido corresponsáveis pela solução de vários
problemas matemáticos, na medida em que formulam - e na maioria
das vezes resolvem, sozinhos - os problemas. (Em matemática, muitas
vezes o mais importante é formular com precisão um problema.)
E o mesmo tem acontecido de forma cada vez mais forte com rela­
ção às Ciências de Engenharia e em outras. O que me motivou a escre­
ver estas páginas, além do que foi dito ao início, é que muitas pessoas
acham que a ciência provou que Deus não existe. Vejam, no entanto, o
que escreveu Schrõdinger, um dos grandes da Mecânica Quântica:

Eu fico impressionado como a realidade descrita pela ciência é defi­


ciente. A ciência nos dá um conjunto enorme de informações factuais
e coloca toda nossa experiência numa ordem magnífica, mas [...] não
nos pode dizer uma palavra sobre o vermelho e o azul, amargo ou doce,
dor física e prazer, belo ou feio, Deus e eternidade. A ciência às vezes
pretende nos oferecer respostas nestes domínios, mas elas são muito
frequentemente tão estúpidas que eu não posso levá-las a sério ([403]
citado em [39]).
Como veremos, não somente alguns, mas possivelmente a maio­
ria dos grandes matemáticos e físicos acreditaram/acreditam num
“Ser supremo”, independente do universo. De acordo com [146], ci­
tado em [39]:

Referências a Deus continuaram na literatura científica até meados dos


anos 1800. Parece que a ausência de referências à religião depois des­
ta época foi devido mais a uma mudança em convenções sociais entre
cientistas do que a uma mudança no modo de pensar. Efetivamente, ao
contrário de um mito popular, os cientistas parecem ter a mesma gama
de atitudes sobre assuntos religiosos como a maioria das pessoas.

Opinião abalizada de Max Jammer: “Com o aparecimento do livro


de William Paley, Natural Theology, (Londres: Faulder, 1802), a ideia de
que o estudo da natureza e da física, em particular, revela um mundo
que manifesta uma inteligência divina, ganhou uma grande audiência, o
que continua até hoje” ([17], p.158). E alguém não menor que um Eins-
tein disse, entre muitas outras afirmações, e até mais enfáticas, como
veremos mais adiante:

Se se tem uma ideia adequada da ciência e da religião, então um confli­


to entre elas parece impossível. Porque a ciência se ocupa somente do
que é, mas não do que deveria ser [...]. A Religião, pelo contrário, trata
somente da avaliação dos pensamentos e atos humanos, e não pode, de
modo razoável, falar sobre fatos e relações entre eles. De acordo com
esta interpretação, os bem conhecidos conflitos entre ciência e religião
no passado devem ser atribuídos a mal-entendidos... ([181], apud [121],
pg. 45).

O físico de partículas Jeremy Bernstein escreveu: “Se eu fosse um


místico oriental, a última coisa do mundo que eu desejaria seria uma
reconciliação com a ciência moderna [porque] ligar uma filosofia reli­
giosa a uma ciência contemporânea é um caminho seguro para a obso­
lescência.” “O misticismo genuíno é perfeitamente capaz de oferecer a
sua própria justificação, sua própria evidência, suas próprias afirmações
e suas próprias provas.” ([145], prefácio, pp.ix, x).
“A física moderna tem sido usada para apoiar e refutar o determinis­
mo, o livre arbítrio, Deus, espírito, imortalidade, predestinação, budis­
mo, hinduismo, cristianismo e taoísmo.” ([145], Introdução, p.3). “Estes
físicos teóricos [Einstein, Schrõdinger, Heisenberg, Bohr, Eddington,
Pauli, de Broglie, Jeans e Planck] são praticamente unânimes ao decla­
rar que a física moderna não oferece qualquer apoio para o misticismo
ou transcendentalismo de qualquer tipo. E, no entanto, todos eles foram
místicos de uma maneira ou outra.” ([145], introdução, p.5).
Tendo feito as suas descobertas mais importantes nas duas primei­
ras décadas do século XX, Einstein tornou-se uma celebridade e era
convidado a dar palestras em toda a parte e sobre os mais variados as­
suntos. Sobre isso, disse Friedrich Diirrenmatt ([18], apud [16]): “Eins­
tein falava sobre Deus tão frequentemente que para mim ele parecia um
teólogo disfarçado” (“Einstein pflegte so oft von Gott zu sprechen, dass
ich beinahe vermute, er sei ein verkappter Theologe gewesen”).
Este texto se apresenta um pouco como uma enciclopédia sobre
o tema. Mas, mesmo uma leitura superficial verificará que está longe
de sê-lo: em primeiro lugar, porque não é de forma alguma exaustivo,
ficando de fora, certamente, inúmeros matemáticos e físicos com crença
religiosa, a maioria deles, possivelmente, não tendo se pronunciado pu­
blicamente sobre o tema. Uma segunda diferença, bem mais superficial,
é que a ordem não é alfabética, e sim cronológica, o que permite apre­
ciar, numa leitura completa, a evolução das duas ciências nos últimos
cinco séculos.
Mas, além do índice cronológico, é apresentado também um índice
alfabético, apropriado para consultas. O objetivo principal deste livro é
mostrar a crença em Deus e a religiosidade de vários dos maiores mate­
máticos e físicos. Mas isto torna inevitável uma breve biografia de cada
um, tanto mais que todos eles foram personalidades interessantíssimas.
Veja-se esta frase, que revela uma humildade profunda daquele que terá
sido o maior físico de todos os tempos, Einstein:

O culto de indivíduos é, na minha opinião, injustificável [....] a natu­


reza distribui seus dons de maneira desigual entre seus filhos. Mas há
um grande número de pessoas bem dotadas, graças a Deus, e eu estou
convencido de que a maioria deles vive tranquilamente [...]. Considero
pouco justo, e mesmo de mau gosto, selecionar uns poucos que recebem
uma admiração sem medida, atribuindo-se poderes sobre-humanos a
eles. Este tem sido meu destino e o contraste entre o prestígio popular e
a realidade é simplesmente grotesco ([122], apud [121], p.4).

O presente texto se restringirá à matemática e física modernas,


mais concretamente, começando com Copérnico. A contribuição dos
antigos à matemática, começando com a Escola de Pitágoras já no sé-
culo VIII A.C., é notável; mas no que concerne à física, ela só come­
ça, de fato, na Idade Moderna, ao se fazer a abstração de variáveis
de difícil mensuração e estabelecendo modelos matemáticos, que têm
evoluído gradualmente, numa compreensão cada vez melhor do Uni­
verso em que vivemos. Na relação de cientistas que se segue, há alguns
poucos em que se fica sem certeza sobre suas crenças, a palavra “Deus”
podendo ser usada de modo quase “leve”, sem compromissos maiores.
É claro que os nomes apresentados estão longe da totalidade, como já
observado acima. Há um site - “Scientists of Christian Faith” [219] -
com uma grande relação de cientistas cristãos. Engloba todas as ciên­
cias, mas nem todos são estrelas de primeira grandeza. Neste trabalho,
pelo contrário, somente (ou quase somente, sempre haveria diferentes
opiniões quanto a isso) são apresentados aqueles que tiveram grande
destaque nas respectivas ciências.
Números preocupantes para quem tem fé?
Ou pelo contrário?

Em 1916 o cientista social James Leuba [1] fez uma pesquisa junto
a mil cientistas nos Estados Unidos, escolhidos aleatoriamente no livro
American Men and Women of Science. Perguntou aos cientistas se eles
acreditavam na existência de um Deus que atendesse às nossas orações;
além disso, foi-lhes questionado se acreditavam em vida após a morte.
O resultado da pesquisa foi que cerca de 40% responderam afirmativa­
mente, o que chocou a opinião pública de então. Pensava-se que seria
muito mais.
Em 1996, Larson & Witham [2] replicaram a pesquisa, utilizando o
mesmo número de cientistas escolhidos aleatoriamente; o resultado foi
surpreendente para a maioria das pessoas, mas agora no sentido inverso:
cerca de 40% afirmaram que acreditavam, 45% não acreditavam, e 15%
se declararam em dúvida; ou seja - e esta foi a surpresa para muitos,
talvez para a maioria -, apesar do enorme progresso científico durante
os 80 anos que antecederam a pesquisa, não houve redução no número
de cientistas de valor que acreditam num “Deus pessoal” e na vida após
a morte. (“Deus pessoal” é aquele que atende às nossas orações.)
Mais recentemente foi realizada uma pesquisa junto aos membros
da National Academy of Sciences, dos Estados Unidos [3], que é obvia­
mente uma “nata” da ciência mundial. O resultado surpreendeu de novo
no sentido oposto ao anterior: somente 7% responderam que acredita­
vam num “Deus pessoal” e 7,9% acreditavam em vida após a morte.
Porém, a National Academy of Sciences (NAS) é composta de 2.100
membros e a pergunta foi feita a 517 membros, dos quais apenas a meta­
de respondeu. Portanto, a partir dos dados da referência [3] - não tendo
eu encontrado outra fonte que esclarecesse melhor -, esta pesquisa não
permite concluir muita coisa: tanto pelo critério na escolha dos 517,
como pelo pequeno número de respostas. Imagino que, para muitos
cientistas, a fé religiosa é algo estritamente pessoal, preferindo não se
manifestar a respeito.
A propósito dessas pesquisas, creio que nenhuma delas é satisfató­
ria, pois seria necessário distinguir: i) crença ou descrença em Deus; ii)
crença ou descrença num “Deus pessoal” para os que creem em Deus; iii)
crença em vida após a morte; iv) agnosticismo, que é a posição daqueles,
provavelmente muitos, que duvidam, nem afirmando nem negando seja
um “Deus pessoal”, seja um “Deus não pessoal”, seja a vida após a morte.
Não imagino que exista alguém que acredite em vida após a morte sem
acreditar em Deus, mas seria perfeitamente possível, logicamente falan­
do, acreditar em vida após a morte sem acreditar num “Deus pessoal”
no sentido acima, o que aliás é confirmado pela pesquisa, mencionada
acima, na NAS. Ou seja, a pesquisa teria que ser desdobrada em várias
perguntas para nos apresentar um quadro satisfatório da fé dos cientis­
tas. É claro que muitos, provavelmente, que não acreditam num “Deus
pessoal”, acreditam em Deus, a exemplo de Einstein e, possivelmente,
um número significativo é de agnósticos, sendo, nessa hipótese, bastan­
te reduzido o número de ateus entre os cientistas. Pelo menos é certo
que são muito poucos os que se declaram ateus, a não ser os cientistas da
antiga União Soviética, em que o ateísmo era doutrina oficial.
Vale observar que em 1996 o grupo de cientistas que apresenta
maior percentual de crentes (quase 45%) são os matemáticos. Pensan­
do bem, não é de se estranhar, pois os matemáticos são “platônicos”,
no sentido de que afirmam que as estruturas matemáticas e os teore­
mas que vão descobrindo existem realmente, independentemente da
inteligência humana. Ora, essas estruturas matemáticas são “perfeitas”.
Daí para se passar a uma Razão Suficiente para essas perfeições, o pas­
so parece não ser muito grande. Ou é? Outra coisa, porém, é acreditar
num “Deus pessoal”.
E aqui, para possível surpresa de eventuais leitores deste trabalho
que têm alguma familiaridade com o pensamento católico, é preciso
notar que as famosas cinco vias de São Tomás de Aquino [4] para de­
monstrar a existência de Deus não provam diretamente um “Deus pes­
soal”. Provam, certamente, que Deus é infinitamente bom, mas daí não
se pode concluir logicamente que Ele atenda às nossas orações. A crença
em um “Deus pessoal” é certamente uma verdade de fé cristã e cató­
lica e/ou resultado de experiência pessoal, a qual é bem mais comum
em pessoas mais simples, especialmente as “deserdadas da história e da
geografia” (Dostoievski). São experiências bastante comuns, em geral,
entre os que têm fé robusta: essas pessoas constatam a presença de Deus,
a Providência de Deus, em vários pequenos milagres, com frequência
várias vezes por dia. “Coincidências”, dirá quem não crê num Deus pes­
soal. “É muita coincidência”, diria qualquer um que é testemunha, como
o autor destas linhas, de inúmeras confidências, que, aliás, muitas delas,
nem precisariam permanecer confidenciais.
Passamos a seguir para o testemunho de vários cientistas. Como
veremos, as biografias revelam personalidades interessantíssimas. Sem­
pre houve cientistas ateus, um dos mais ilustres tendo sido Paul A. M.
Dirac, um dos grandes da Mecânica Quântica. Mas em compensação,
o (considerado geralmente) “príncipe dos matemáticos”, Carl Friedrich
Gauss (□), e o maior dos matemáticos-físicos de todos os tempos, Isaac
Newton (□), acreditavam no “Deus pessoal”, como veremos. Sem falar
em Einstein (□), possivelmente o maior físico de todos os tempos, longe
do ateísmo, apesar de não acreditar num “Deus pessoal”.
Cabe uma palavra a respeito das referências: a pesquisa da qual re­
sultou este trabalho foi fortemente baseada em informações recolhidas
da internet, isto é, da web, usando a ferramenta “Google”. Como é sabi­
do, há muitas informações não confiáveis na internet e é bom conferir
sempre com outra fonte da mesma internet ou livro/artigo. Mas para
surpresa do autor destas linhas, as páginas da web referentes às vidas de
matemáticos e físicos revelaram-se, à medida que o trabalho avançava,
extremamente confiáveis. Destaque especial para a muito citada wikipe-
dia em inglês. O que, pensando bem, não é de admirar, pois os autores
desses sites são, eles mesmos, cientistas/professores de ciências, que, por
profissão, têm compromisso com a verdade.
Cientistas ilustres com fé em Deus

Copérnico [13], [15], [159]


Nicolaus Copernicus (1473-1543) foi um clérigo (católico) polonês.
Seu pai, com o mesmo nome, foi um negociante de cobre, mas também
se interessava por política, tornando-se um líder na cidade onde morava
(Torun, tendo vindo de Krakow).
Copérnico tinha doze anos quando seu pai faleceu, sendo então ado­
tado por um tio, que era cônego. Depois de uma formação humanística,
ingressou na Universidade de Cracóvia. Ali aprendeu astronomia num
tratado do século XII, que adotava o geocentrismo de Ptolomeu e a física
de Aristóteles. Ainda em Cracóvia, adquiriu os Elementos, de Euclides.
Voltando a Torun, seu tio insistiu em que se tornasse clérigo, o que
era comum na época para quem quisesse fazer uma carreira intelec­
tual. Assim, matriculou-se na Universidade de Bolonha (a mais antiga
das universidades) a fim de se graduar em Direito Canônico, em 1503.
Quando estava ainda em Bolonha, seu tio lhe garantiu a posição de
cônego na Catedral de Frauenberg, o que lhe proporcionou uma so­
brevivência tranquila, que lhe permitiría continuar seus estudos. Em
Bolonha, além de Direito Canônico, estudou grego, matemática e astro­
nomia. A seguir foi para Roma, observou um eclipse da lua e resolveu
estudar também medicina, em Pádua. Naquela época, a medicina fazia
uso da astrologia, que era, na realidade, a astronomia da época. Além de
astrônomo, Copérnico foi matemático, jurista, médico, um scholar nos
clássicos, administrador, líder militar, diplomata e economista. Consi­
derava sua pesquisa como um “amável dever de buscar a verdade em
todas as coisas, enquanto Deus o permita”.
Em 1514 fez circular um pequeno livro, intitulado Pequeno comen­
tário, sem constar o seu nome como autor, em que propunha o heliocen-
trismo, um documento fascinante. Propõe sete “axiomas”, não no sentido
de que fossem evidentes por si mesmos. Um deles diz que o centro do
universo está “próximo” do Sol, o que corresponde mais exatamente à
verdade, no que concerne ao Sistema Solar, do que dizer que o centro está
exatamente no Sol, pois, na realidade, o centro do Sistema Solar não coin­
cide com o centro do próprio Sol, ainda que esteja no seu interior.
Um outro “axioma” é que a distância da Terra ao Sol é “impercep­
tível” em comparação com a distância às estrelas. Um terceiro diz que a
rotação da Terra é responsável pela aparente rotação diária das estrelas.
Um quarto diz que o ciclo anual de estações é causado pelo movimento
da Terra em torno do Sol. O sétimo “axioma”, o mais notável, é que o apa­
rente movimento retrógrado dos planetas em torno da Terra é causado
pelo movimento da Terra. Foi o mais notável, porque ninguém, antes dele,
havia dado essa explicação do movimento retrógrado dos planetas.
Observe-se que o heliocentrismo não era uma verdade inteira­
mente nova, pois já havia sido afirmado por sábios da Grécia, com
Aristarco de Samos no século III a.C. e, na índia, pelo grande matemá­
tico e astrônomo Aryabhatta, mais de 1.000 anos antes de Copérnico,
mas era desconhecido pelo mundo ocidental de então, onde prevalecia
amplamente o sistema geocêntrico proposto em cerca do ano 150 da
nossa era pelo grego Ptolomeu.
Após este pequeno texto, em que só apresentava os resultados de
sua pesquisa, Copérnico começou logo a escrever outro, mais longo,
com as provas matemáticas das afirmações que fizera, o “De revolutioni-
bus orbium coelestium” (“A respeito das rotações no orbe celeste”), obra
que só foi publicada em 1543. Embora o heliocentrismo fosse causar
uma verdadeira revolução no modo de pensar dos homens, na medida
em que a Terra não era mais o centro do universo, a teoria não pertur­
bou em nada a fé católica do próprio Copérnico. Na realidade, a possibi­
lidade de a Terra girar em volta do Sol já tinha sido discutida livremente
no século XIII por um bispo francês, Nicole Oresme e, no século XIV,
pelo grande filósofo e teólogo, que foi feito cardeal, Nicolaus de Cusa.
É importante observar que em 1533 foi dada uma série de conferências
sobre a teoria heliocêntrica de Copérnico, despertando o interesse do
papa Clemente VII e de vários cardeais católicos. A maior oposição a
Copérnico no mundo religioso foi entre teólogos protestantes, por mo­
tivos bíblicos. A oposição entre católicos começaria 73 anos mais tarde,
ocasionada pelo affair Galileo (□).
Copérnico demorou bastante a publicar sua teoria, por receio da
reação, não dos clérigos, mas dos cientistas, de acordo com os historia­
dores da ciência David Undberg e Ronald Numbers. A teoria de Copér­
nico é considerada de extraordinária importância na história do conhe­
cimento humano. Há um paralelismo entre as vidas de Copérnico e a de
Charles Darwin, na medida em que ambos demoraram a publicar seus
resultados, em função da revolução que iriam operar na nossa maneira
de entender as coisas.

Clavius [11], [12], [157], [158]


Christopher Clau (1538-1612), padre católico jesuíta, alemão, foi
um matemático e astrônomo ilustre, personalidade principal na refor­
ma do calendário, o atual, que foi chamado gregoriano, em homenagem
ao papa de então, Gregório XIII. Fez-se jesuíta em 1555, logo chamando
a atenção de seus superiores religiosos para seu talento em matemáti­
ca. Estudou em Coimbra e depois teologia no “Colégio Romano” (na
realidade, uma instituição de ensino superior) dos jesuítas, que depois
veio a ser a Universidade Gregoriana. Professor de matemática do Co­
légio Romano durante muitos anos, manteve correspondência científica
constante com os grandes nomes da ciência de seu tempo: Tycho Brahe,
Kepler (□), Galileo (□) etc. Kepler, Descartes (□) e Leibniz (□) reconhe­
ceram que Clavius foi uma fonte de suas inspirações. Foi cognominado
“o Euclides do século XVI”. Efetivamente, seu texto “Euclidis elemento-
rum livri XV” contém um grande número de comentários e esclareci­
mentos sobre a obra fundante da geometria como ciência exata. Além
disso, o texto de Clavius tem uma avaliação crítica sobre os axiomas de
Euclides, principalmente o quinto, tema que seria um leitmotiv nos geô-
metras posteriores. Clavius foi também precursor da ideia de logaritmo,
utilizando, ao invés, senos e cossenos, fazendo uma tábua de sete casas
decimais para cálculos aritméticos.
O “Comentário” (sobre Euclides) de Clavius tornou-se texto padrão
no século XVII. Publicou 19 livros sobre aritmética, geometria, álgebra e
astronomia, que seriam amplamente utilizados durante o século XVII por
todas as escolas dirigidas pelos jesuítas, fazendo-o virtualmente o instru­
tor das escolas católicas (e de não poucas protestantes) na Europa naquele
período. Além da aritmética, álgebra e geometria, Clavius trabalhou em
teoria harmônica e astronomia. O historiador de ciências George Sarton
o denominou “o mais influente professor da Renascença” [158]. Clavius
manteve sempre relação de amizade com Galileo (□). Seus muitos escritos
em matemática foram recolhidos em cinco grandes volumes, “Christo-
phori Clavii e Societate Jesu opera mathematica, quinque tomis distribuía”.
(Obra matemática em cinco volumes por Christopher Clavius)

Napier [378], [380]


John Napier (1550-1617) foi um matemático escocês que nasceu
em Edinburgh, num castelo, e faleceu na mesma cidade. Seu pai, Archi-
bald, foi pessoa importante ao final do século XVI na Escócia. Sua fa­
mília tinha amplas propriedades desde os anos 1430. Archibald Napier
foi feito “Sir” em 1564 e “Master ofthe Mint” em 1582. A mãe de Napier
era Janeth Bothwell, irmã do bispo de Orkney. O local de nascimento de
Napier é hoje parte da Napier University. Cabe uma palavra a propósito
do sobrenome de John Napier. Ele é citado na literatura como Napier,
Nepair, Nepeir, Neper, Napare, Naper e Naipper. A forma “Neper” é que
deu origem ao nome do logaritmo neperiano, fundamental no cálculo
diferencial e integral e em vários ramos da matemática.
Sabe-se pouco sobre os primeiros anos de John. Ingressou na St. An­
drews University, na Escócia, com treze anos de idade, morando no
St. Salvators College. Pouco depois de Napier se matricular na univer­
sidade, sua mãe morreu. Na universidade ele se apaixonou pela Teolo­
gia. Seu nome não consta entre os que se graduaram em St. Andrews.
Portanto, deve ter ido estudar em outra parte da Europa, antes de se
graduar. É certo que não adquiriu em St. Andrews seu conhecimento de
alta matemática, nem seu profundo conhecimento de literatura clássica.
É provável que tenha passado pela Universidade de Paris e também pela
Itália e pela Holanda. Teria retornado à Escócia por volta de 1571, pois
estava presente ao segundo casamento de seu pai, que teve lugar naque­
le ano. Encontrou seu país numa guerra civil entre as forças da rainha
Mary, tentando fazer o país retornar ao Catolicismo, e seu filho regente,
determinado a manter a Igreja Reformada Protestante.
Ele próprio se casou dois anos mais tarde e recebeu a maior parte
das propriedades da família, residindo no Castelo de Gartness. Napier
dedicou-se então a administrar suas posses. Aplicou-se a essa tarefa com
grande dedicação e competência, dono de inteligência brilhante e inventi­
va. E fez experiências bem-sucedidas e novas na agricultura. Também to­
mou parte nas controvérsias religiosas do seu tempo. Era um protestante
fervoroso e publicou o que ele considerava a sua mais importante obra, o
livro Plaine discovery ofthe whole Revelation ofSt. John (A simples desco­
berta de toda a Revelação de São João) em 1593. (Este é um tratado do que
é chamado em muitas línguas de o “Livro da Revelação”, que no Brasil e
em outros se chama o “Livro do Apocalipse ”). De acordo com [380], seu
objetivo era provar que o papa seria o anticristo.
Baseado nesses estudos, Napier acreditava que o fim do mundo
ocorrería em 1688 ou em 1700. Ele foi acusado de necromancia, mas
esse tipo de acusação era comum aos cientistas da época. De acor­
do com [378], Napier tinha sido um protestante fanático desde seus
tempos de aluno de graduação em St. Andrews. Ele escreveu o livro
mencionado acima, como diz no prefácio, “for preventing the apparent
danger ofPapistry arising within this Island." (para impedir o perigo
aparente de o Papismo surgir nesta ilha...). Esse livro de Napier teve
bastante influência não somente na Escócia; foi traduzido para o ho­
landês, francês e alemão.
Napier confessa que era difícil encontrar tempo para a matemática
no meio dos seus estudos de teologia e administração das suas proprie­
dades. Ele se tornou especialmente conhecido pela invenção dos loga­
ritmos, mas deu outras contribuições, como um método mnemônico
para fórmulas usadas para resolver triângulos esféricos, duas fórmulas
chamadas “analogias de Napier” e uma invenção chamada de “ossos
(sic) de Napier” usada para, mecanicamente, multiplicar, dividir, extrair
raízes quadradas e raízes cúbicas. Tratava-se, efetivamente, de barras de
forma cilíndricas e de marfim, por isso parecendo ossos. Napier achou
lambém expressões exponenciais para funções trigonométricas e intro­
duziu a notação decimal para frações. Os logaritmos tornaram os cálcu­
los a mão muito mais rápidos e simples.
O estudo de Napier dos logaritmos aparece em “Mirifici logarith-
morum canonis descriptio” (“Descrição canônica dos admiráveis logarit­
mos”), em 1614. A tradução em inglês apareceu dois anos depois. O loga­
ritmo inventado por Napier era diferente daquele que acabou se impondo
na matemática. Efetivamente, Napier não pensou no logaritmo como
uma entidade algébrica. Como a álgebra era pouco desenvolvida naquela
época, ele pensou esta nova entidade em termos cinemáticos (sic).
Briggs se interessou muito pela nova invenção, fez um enorme elo­
gio ao texto de Napier e propôs algumas modificações, inclusive, a base,
que ele propôs que fosse 10, com log 1 = 0. Briggs, de Londres, fez duas
visitas prolongadas a Napier, trocando idéias, e faria uma terceira, se o
escocês não tivesse falecido nesse meio tempo.
Entre suas invenções, mantidas em segredo, um espelho de grandes
dimensões para refletir os raios do sol com o objetivo de queimar a ar­
mada inimiga (católica), um tanque de guerra, movido pelos homens,
um submarino e uma forma de artilharia que podia destruir qualquer
coisa que estivesse pelo menos a 30 cm de altura. Nenhuma dessas in­
venções foi efetivamente usada.
Napier viveu num tempo de muitas superstições, sua pátria, a Es­
cócia, sendo muito dada a isto. De modo que não é de se estranhar que
seus contemporâneos fizeram circular histórias estranhas a seu respeito,
e a tal ponto que Mark Napier, um dos seus descendentes, afirmava que
Napier “estava associado ao poder das trevas”, transmitindo na sua bio­
grafia o que havia ouvido de contemporâneos. Efetivamente, durante
décadas Napier trabalhou em matemática na privacidade do seu quarto,
dele saindo, com a sua barba negra, vestido de um “gown” (uma espécie
de manto) preto, alimentando, portanto, a fama de “feiticeiro”.
A contribuição de Napier para o desenvolvimento da ciência com
a invenção dos logaritmos foi notável. Foi usando logaritmos que Ke-
pler (□) pôde reduzir suas observações e produzir as três leis dos mo­
vimentos dos planetas. De acordo com [380], não fosse a invenção dos
logaritmos e do uso da fração decimal, as descobertas de Kepler, Galileo
(□) e Newton (□) teriam sido retardadas por anos em virtude dos cál­
culos complexos envolvidos. Efetivamente, Kepler gastou quatro anos
para calcular somente a trajetória de Marte. Se ele não contasse, daí para
frente, com os logaritmos de Napier, provavelmente ficaria o resto da
vida para calcular as trajetórias dos outros planetas.
Em 1619, Kepler escreveu a Napier agradecendo a sua contribuição,
mas este já havia morrido havia dois anos. Laplace (□) diria, 200 anos
mais tarde, que o uso dos logaritmos, “reduzindo o trabalho [dos cálcu­
los], dobrava a vida dos astrônomos”.
Napier se casou duas vezes: a primeira em 1571, com Elizabeth,
filha de Sir James Stirling of Keir, com a qual teve um filho e uma filha,
e a segunda vez com Agnes, filha de James Chisholm of Cromlix, com
a qual teve 10 filhos. Seu filho mais velho, Archibald, foi feito barão por
Charles I em 1627, com o título de Lord Napier, que ainda é usado por
seus descendentes. De acordo com o intelectual escocês David Flume,
“Napier foi a pessoa para a qual o título de grande homem é devido
mais do que a qualquer outro que este país (Escócia) produziu”. Ele foi
sepultado na St. Cutberth Church em Edinburgh.

Galileo [45], [51], [274]


Galileo Galilei (1564-1642) nasceu em Pisa e faleceu em Florença.
Foi físico, matemático e astrônomo e considerado por muitos um dos
maiores gênios da história da humanidade. O mais velho de sete filhos,
aos sete anos começou sua educação formal num Mosteiro da Ordem
dos Valombrosos e ingressou na Ordem, deixando-a, entretanto, antes
de completar o ano de Noviciado. Na juventude interessou-se por litera­
tura e, seguindo a vontade de seu pai, estudou medicina na Universida­
de de Pisa, tendo ali ingressado em 1581. Aos 17 anos, observando um
lustre oscilando na catedral, ele mediu o período, a partir dos batimen­
tos do próprio pulso, e verificou que o período era constante, indepen­
dentemente da elongação do mesmo, fato desconhecido na época.
Em 1586 inventou a balança hidrostática e, em 1588, escreveu um
tratado sobre o centro de gravidade dos sólidos. Em 1589 tornou-se
professor de matemática da Universidade de Pisa, mas dois anos depois
deixou a Universidade por causa do aristotelismo prevalente, transfe­
rindo-se para a Universidade de Pádua, onde ficou até 1610, retornando
a Florença na qualidade de filósofo e matemático de Cosme II. Já nes­
sa época só se interessava por fazer experiências de física. Deixando a
medicina, passou a estudar matemática. Galileo formulou o princípio
da inércia da física, e demonstrou experimentalmente a constância da
aceleração da gravidade na queda livre dos corpos, utilizando planos
Inclinados para minimizar, relativamente, a resistência do ar. {{Este fato
é de enorme importância e se pode dizer que, com ele, Galileo inaugura
a física moderna. Com efeito, antes dele, as experiências eram tomadas
de forma “bruta”, global. Após ele, a física formula suas leis rigorosas do
ponto de vista matemático, mas sempre fazendo alguma aproximação
ou “abstração física”}}.
Galileo fez amplo uso da luneta astronômica, por ele mesmo cons­
truída em 1609, descobrindo as montanhas da lua, as manchas sola­
res e as fases nos planetas Mercúrio e Vênus. Seus estudos o levaram à
convicção forte, enunciada por Copérnico (□) vários anos antes, como
vimos, de que o Sol, e não a Terra, é o centro do nosso sistema. Por causa
dessa afirmação, que antes tinha sido razoavelmente bem acolhida pela
Igreja, como vimos no verbete sobre Copérnico, foi condenado pela In­
quisição: esta declarou que a posição de Galileu estava “teologicamente
errada” (1616).
Muito se escreveu e continua se escrevendo sobre o affair Galileo.
Scholars ilustres escreveram livros sobre o assunto, a maioria condenan­
do a posição da Igreja. Efetivamente, houve na controvérsia um equí­
voco elementar - assim parece hoje - por parte da Igreja, confundindo
os “registros epistemológicos”. Galileo escreveu a propósito [49]: “É um
ato de piedade e prudência afirmar que a Bíblia não contém erros, se o
seu verdadeiro sentido for compreendido. Mas eu acho que ninguém
negará que ela é frequentemente bastante abstrusa no seu sentido literal
e quer dizer coisas bem distintas deste sentido [literal]”. {{Observo que
Galileo, ao afirmar isso, não dizia nada de novo, pois desde Orígenes,
pelo menos, no início do século III, ficou consagrada a interpretação
alegórica dos textos da Sagrada Escritura, principalmente os do Antigo
Testamento, que, como ensinaria depois Santo Agostinho, torna-se in­
teligível a partir do Novo Testamento. O Concilio Vaticano II, na Cons­
tituição “Dei Verbum”, diz que a Sagrada Escritura não contém erros
relativos à “verdade salvífica”, não sendo um texto de ciências}}.
Isto, aliás, não era novidade no tempo de Galileo. Mas ele falava
sobre astronomia, talvez de modo “polêmico”, e era interpretado como
se fizesse afirmações teológicas, quando se tratava, na verdade, de afir­
mações científicas. Consta que Galileo costumava dizer que “a Bíblia
nos ensina como se vai para o céu, e não como vai o céu” [51]. (Mas o
padre Paul Schweitzer, bom conhecedor do affair Galileo, diz que esta
frase, na realidade, é do cardeal Baronio). Sendo católico fervoroso, Ga-
lileu tinha, entretanto, um temperamento afirmativo e inclinado à con­
trovérsia. Vivendo numa época atribulada na Igreja, diante da Reforma
protestante, Galileo foi novamente julgado e condenado a abjurar sua
posição heliocêntrica em prisão domiciliar. Quanto ao que padeceu nas
mãos da Inquisição, vale referir o que diz seu biógrafo protestante, von
Gebler [51]: “...Galileo esteve ao todo 22 dias nos prédios do Santo Ofí­
cio (isto é, da Inquisição), e não numa cela com grades, mas num apar­
tamento cômodo de um funcionário da Inquisição.” E para o resto do
tempo de prisão, ele teve permissão para usar casas de amigos, sempre
confortáveis e algumas luxuosas.
É completamente falsa a afirmação de que ele tenha sido torturado
ou tornado cego por algozes. (Efetivamente, ele ficou totalmente cego
cinco anos antes de morrer, e consta que foi por observar o Sol com
luneta). Passou os últimos anos de sua vida retirado em sua vila perto
de Florença, de onde escreveu uma obra fundamental sobre dinâmica.
Também é falsa a afirmação de que lhe tenha sido negada sepultura em
cemitério católico; na verdade, foi enterrado dentro da igreja de Santa
Croce em Florença, e o papa (Urbano VIII) lhe enviou uma bênção es­
pecial pouco antes da morte.
Galileo tinha uma fé robusta. No famoso “Diálogo sobre os grandes
sistemas do mundo”, diz: “A Inteligência Divina conhece infinitamente
mais proposições verdadeiras que a nossa. Mas com relação às poucas
que o intelecto humano entende, eu creio que seu conhecimento iguala
em certeza objetiva ao de Deus” (citado em [49]). E a propósito da sua
controvérsia com a Igreja [50]: “Eu não me sinto obrigado a acreditar
que o mesmo Deus que nos proporcionou os sentidos e a inteligência
não queria que os usássemos”. Langford [274] sintetiza bem a polêmica
em torno de Galileo:

Parece que a polêmica da disputa entre Galileo e a Igreja Católica nunca vai
terminar. Trezentos anos de mitos, relatos preconceituosos e apologéticos
acabaram distorcendo os fatos e o que estava em questão na disputa [...].
Acusações e negações foram veementes até menos do que 100 anos atrás.
O espírito do século XIX, com seu acento de liberdade intelectual ilimitada,
encorajou os historiadores a produzirem a imagem de Galileo como o gran­
de e corajoso cientista, cujos pensamentos foram encadeados por uma Igre­
ja tirânica. Muitos historiadores usaram o nome de Galileo como um grito
de guerra na sua polêmica contra a Igreja de Roma. Os pensadores católicos,
ao responderem a esses ataques, foram para o extremo oposto. Muitas vezes,
o que começou como uma explicação terminou como uma justificação da
condenação. [...]. O debate continua atualmente. E infelizmente continuam
também os mal-entendidos (o.c., Introduction, p. xiii).

E o mesmo autor resume da página 208 à 210:

- Em 1611 os astrônomos jesuítas confirmam suas descobertas, Galileo é


eleito para a Academia dei Lincei. Volta para Florença e se envolve numa
disputa sobre o comportamento dos corpos na água;
- Em 1613 ouve que sua doutrina foi impugnada, com base na Sagrada
Escritura da corte do Grande Duque;
- Em 1614 é atacado publicamente pelo padre Cassini;
- Em 1615 o padre Foscarini publica um livro tentando reconciliar a Sa­
grada Escritura com a nova astronomia. O cardeal Bellarmino escreve
cartas ao padre Foscarini e a Galileo convencendo-os a permanecerem
no terreno das hipóteses até que apareça prova demonstrativa. Galileo
vai a Roma para defender sua posição. Thomas Campanella escreve Apo­
logia pro Galileo, a pedido do cardeal Gaetani;
- Em 1616 consultores teológicos são convocados pela Santa Sé e concluem
que a doutrina de Copérnico é herética, e o papa Paulo V encarrega o car­
deal Bellarmino de dizer a Galileo que ele não defenda a sua teoria;
- Em 1623 o cardeal Barberini, amigo de Galileo, é eleito papa, tomando
o nome de Urbano VIII. Galileo vai a Roma, tentando obter a revogação
da condenação da doutrina de Copérnico. Recebido seis vezes pelo papa,
sendo encorajado a escrever, mas a se manter nos limites daquilo que é
bem demonstrado;
- De 1625 a 1630 escreve o Diálogo sobre os dois grandes sistemas-,
- Em 1632 a publicação dessa obra é suspensa e sua venda é proibida por
ordem da Santa Sé; nesse mesmo ano Galileo é convocado a Roma. Sua
saúde estava debilitada; na viagem foi assistido por servos do grande du­
que; permaneceu na Vila Mediei durante dois meses antes de ir para os
aposentos do “Santo Ofício”, onde recebeu tratamento sem precedentes:
uma suíte com cinco quartos e um servo (o.c., pp. 138 e ss.).
- Em 1633 Galileo é julgado pelo Santo Ofício, sendo que o frade domi­
nicano encarregado da acusação era pessoalmente favorável ao sistema
copernicano. Apresenta sua defesa ao Santo Ofício, mas um relatório
tendencioso é enviado ao papa. Este decreta que Galileo deve abjurar
publicamente sua opinião e seu livro deve ser proibido. Galileo abjura.
Sua sentença é comutada. Ele fica sob a custódia do arcebispo de Siena;
- Em 1637, já cego, escreve novo livro, Discurso sobre duas ciências, que é
publicado no ano seguinte em Leyden, na Holanda.
Marin Mersenne [133], [136]
Marin Mersenne (1588-1648) nasceu e viveu na França, falecendo
em Paris. Filho de família católica que vivia do trabalho, demonstrou
desde cedo piedade religiosa e uma grande vontade de aprender. Assim,
apesar das dificuldades financeiras, foi enviado ao Collège de Mans,
onde fez os primeiros estudos. Mais tarde, já com 16 anos, pediu para
ser admitido no recém-fundado colégio jesuíta de La Fleche. Descartes
(□), que era oito anos mais moço, ingressou no mesmo colégio, mas
os dois só se tornariam amigos bem mais tarde. Seu pai queria que ele
fizesse carreira na Igreja, mas Mersenne gostava demais de estudar e
assim foi para Paris. Na viagem, hospedou-se num convento dos Frades
Mínimos (Ordem fundada por São Francisco de Paula no século XV) e
ali ficou encantado com aquela vida. Prosseguiu, entretanto, a viagem.
Em Paris estudou no Collège Royal de France e depois na Sorbonne,
obtendo o grau de mestre em filosofia. Decidiu-se então a entrar, em
1611, na Ordem dos Mínimos, que era dedicada à oração, ao estudo e
scholarship. No ano seguinte foi ordenado sacerdote. Enviado ao Con­
vento de Nevers em 1614 para ensinar filosofia e teologia. Foi durante
esse período que descobriu a cicloide, uma curva geométrica. Dois anos
mais tarde foi enviado a Paris, onde permanecería até a morte.
Desde o começo de sua estada em Paris, os problemas matemáticos
passaram a ter uma grande importância na sua vida, começando logo a
interagir com matemáticos importantes. De acordo com [134], Mersen­
ne foi peça central em Paris nos anos 1630 e 1640 no novo estudo dos
problemas de física por meio da matemática. Ele foi dos mais entusiastas
nisto, tendo publicado vários livros que tiveram muita influência então.
Durante os anos 1620 Mersenne era conhecido em Paris como um firme
defensor da física de Aristóteles, rejeitando as posições de Galileo (□).
Entretanto, ele mudaria a partir do início dos anos 1630, tornando-se
inclusive um dos que mais apoiaram Galileo. Foi a matemática a ciência
que ele passou a estudar em profundidade, persuadindo-se de que, sem
ela, nenhuma ciência seria possível. Ele atacava os problemas matemá­
ticos de um modo filosófico, estando convencido de que a causa das
ciências é Deus.
Mersenne começou a tornar-se naquela época uma espécie de coor­
denador de todos os scholars europeus, correspondendo-se com cientis­
tas até da Transilvânia e Constantinopla. A lista de seus correspondentes
e que também o visitavam regularmente incluía nomes como Gassendi,
Descartes (□), Roberval (□), Fermat, Hobbes e Blaise Pascal (□). Ele
organizava seminários com cientistas convidados de toda a Europa, du-
rante os quais eram apresentados e discutidos trabalhos científicos. Es-
ics seminários passaram a ser conhecidos como Academia Parisiensis,
lendo que entre os amigos era chamada de Academie Mersenne. Reu­
niam-se semanalmente e se constituiu num dos mais produtivos centros
de pesquisa científica do tempo.
Mersenne gostava muito de música e em 1627 publicou Uharmonie
universelle, em que pela primeira vez foi proposta uma lei que estabele­
cia uma relação entre a frequência, tensão, o comprimento, o diâmetro
e o peso de uma corda vibrante. Durante sua vida Mersenne estimulou
vários cientistas em potencial, encaminhando-os na direção certa. Tra­
balhou também bastante com números primos, pretendendo achar uma
fórmula que gerasse todos eles. Apesar de não a ter encontrado [sendo
este um problema em aberto até hoje], seus estudos sobre números da
forma 2P -1, ondep é um número primo, suscitaram ao longo dos tem­
pos interesse na investigação de grandes números primos.
Nos últimos anos de sua vida, Mersenne trabalhou bastante no pro­
blema da pressão atmosférica e mediu o peso do ar. Uma questão inte­
ressante é como ele pôde trabalhar cientificamente com tanta liberdade
numa época em que a Igreja havia condenado o sistema copernicano
(a terra girando em torno do sol), pois Mersenne permaneceu sempre
um membro devoto da Igreja. Hine [136] observa que, na França, havia,
na prática, possibilidade de se continuar a estudar dentro do sistema
copernicano.

Kepler [13], [39], [80], [81], [286]


Johannes Kepler (1571-1630), alemão, nasceu em Weil der Stadt.
Seu pai era um bêbado que dissipou toda a fortuna familiar. Sua mãe
tinha um temperamento azedo. Kepler trabalhou, ainda menino, na ta-
verna de seu pai e, quando esta faliu, o pai abandonou a família. Kepler
contraiu varíola, o que lhe deixou parcialmente prejudicado em termos
motores e com a vista muito ruim. Apesar dessas desvantagens, demons­
trou considerável habilidade para a matemática e foi sempre um aluno
nota 10. Seu desejo maior era ingressar no ministério eclesiástico (ele
era luterano) e estudou inicialmente para seguir carreira teológica, mas
a necessidade econômica o fez aceitar uma posição na Universidade de
Graz, na Áustria, em 1594.
Foi somente após concluir seus estudos universitários que Kepler
se ocupou da matemática e astronomia, interessando-se, sobretudo, pe­
los trabalhos de Copérnico (□). Mas poucos anos depois, por confllitos
com a Igreja Católica, foi então para Praga trabalhar com Tycho Brahe.
Mais tarde ele reconhecería a Providência divina na carreira científica
que abraçara.
Kepler foi atormentado por problemas financeiros durante toda
sua vida. Isto, em primeiro lugar, o motivou a se dedicar à astronomia,
mas também a se engajar em atividades pseudocientíficas, como, por
exemplo, os horóscopos para complementar sua renda. A esse pro­
pósito, porém, em defesa de Copérnico, deve-se dizer que a frontei­
ra entre ciência e pseudociência não era nada nítida naquela época.
{{Se, até hoje, depois de tanto progresso científico, há tantos que ainda
acreditam em horóscopo... Mas é claro que nenhum físico, matemá­
tico ou astrônomo atual leva a sério os horóscopos}}. Mas Kepler se
empenhou em mostrar que a astrologia podia ser levada a sério como
ciência. Sua teoria era que, embora as estrelas não nos compelissem
nas nossas decisões, elas imprimiam características especiais na nossa
alma.
Tycho Brahe (1546-1601), dono de vista invejável, vinha fazendo
havia muitos anos, de modo notável, observações a respeito do movi­
mento dos planetas. Kepler procurou-o. Ao início, Brahe tratou Kepler
com certo desprezo, recusando-lhe informações importantes. Mas Ke­
pler logo mostrou seu talento. Brahe o encarregou de estudar o movi­
mento de Marte, e Kepler concluiu que o planeta girava não em volta da
Terra, mas do Sol. Brahe era geocentrista e desconhecia a paralaxe este­
lar, concluindo que a afirmação de Copérnico de que a Terra girava em
torno do Sol estava errada. Brahe morreu dez meses depois que Kepler
começou a trabalhar com ele.
Com a morte de Brahe, Copérnico foi designado, em seu lugar,
“matemático imperial”, tendo como primeira missão completar as ob­
servações de Brahe. O velho astrônomo, no seu leito de morte, havia
solicitado exatamente isto, esperando que suas teorias fossem demons­
tradas. Durante anos Kepler trabalhou sem ajuda de assistentes, con­
vencido de que o Universo tinha que ser belo, harmonioso e exprimível
em fórmulas matemáticas. Depois de enfrentar um sem-número de di­
ficuldades, Kepler concluiu que as órbitas dos planetas não podiam ser
circulares, como se acreditava então, mas sim elípticas, o Sol ocupando
um dos focos. Verificou ainda que os planetas se moviam mais rapida­
mente quando estavam mais próximos do Sol. E pouco depois verificou
a relação entre a distância média do planeta ao Sol e o tempo necessário
para completar uma órbita. Ele chegou a esses resultados não somente
utilizando as observações de Tycho Brahe mas também estudando cui­
dadosamente a órbita de Marte.
As três leis de Kepler foram o primeiro hreakthrough pós-coper-
nicano na moderna compreensão da astronomia. O novo sistema era
quase cem vezes mais rigoroso do que os precedentes e eliminava os
complexos diagramas de cicloides e epi-cicloides necessários na doutri­
na ptolemaica.
As três leis de Kepler são assim formuladas modernamente:
i) as órbitas são elípticas, o sol ocupando um dos focos;
ii) a “velocidade areolar” é constante;
iii) o quadrado do período de uma órbita completa é diretamente
proporcional ao cubo do eixo maior da elipse.

Seu trabalho marca o nascimento da astronomia moderna. Estas


leis permitiríam a Isaac Newton (□) demonstrar matematicamente a lei
da gravitação universal. Newton diria mais tarde: “Se enxerguei longe,
foi porque me apoiei em ombros de gigantes.”
Kepler verificou também que o Sol exerce sobre os planetas uma
força enorme. Mas não tendo o conceito de força gravitacional, atribuiu
esta força a alguma forma de “magnetismo”. {{Vale observar como se
abusa desta palavra até hoje, usando-a, por exemplo, na parapsicologia,
até o presente uma pseudociência, na medida em que é incapaz de pre­
ver acontecimentos a partir de leis. E, no entanto, desde Maxwell (□), se
não antes, na segunda metade do século XIX, o conceito de magnetismo
é definido com precisão matemática, nada tendo a ver com o seu (fre­
quente e errôneo) uso na linguagem comum}}.
Os estudos astronômicos de Kepler o levaram a um melhor conhe­
cimento de ótica. Descartes (n) considerava Kepler seu mestre nesse do­
mínio. Efetivamente, seus estudos o levaram a uma compreensão acura­
da das leis da distância focal no telescópio e sua relação com o poder de
ampliação da imagem. Fato surpreendente na história da ciência é que
Galileo (□) deu pouca atenção às descobertas de Kepler, considerando-
as tão inúteis como seus horóscopos. Efetivamente, Kepler transcrevia
suas descobertas em livros compridos e místicos. Newton (□), porém,
que foi um místico e ocultista, estudou rapidamente as obras de Kepler
e aceitou suas descobertas sem hesitação. Kepler sugeriu que as caudas
dos cometas são forçadas para fora pelos raios solares. Este é um fato
bem documentado atualmente.
Kepler casou-se a primeira vez com Barbara Müller, viúva e divor­
ciada, com a qual não foi feliz, e teve cinco filhos, dos quais apenas dois
sobreviveram à infância. Barbara também morreu cedo e Kepler casou-
se de novo com uma órfã, com a qual foi feliz e teve sete filhos, dos quais
apenas dois chegaram à idade adulta.
Todos os textos e cartas de Kepler mostram convicções religiosas
profundas. E ele percebeu que a Bíblia é um guia espiritual, e não cien­
tífico. Ele se considerava um “padre” com relação à natureza, cujas des­
cobertas glorificavam o nome de Deus [286].
Ele foi um cristão luterano devoto, inclusive afirmando que a dou­
trina teológica da Trindade sugeria que o Universo fosse constituído de
três partes, a saber, o sistema heliocêntrico, as estrelas fixas e o espaço
entre estas e aquele. Quando perguntado por que fazia ciência, respondeu
que, através da pesquisa, pretendia obter um pouco da alegria e deleite do
Deus Criador. “Quanto mais o homem avança na penetração dos segre­
dos da natureza, melhor se desvenda a universalidade do plano eterno.”

Girard [297], [301], [219]


Albert Girard (1595-1632) era francês, mas foi para a Holanda
como refugiado religioso. Ele ingressou aos 22 anos na Universidade de
Leiden, onde estudou matemática. Mas na realidade seu primeiro inte­
resse havia sido a música e ele chegou a tocar flauta profissionalmente.
Trabalhou em álgebra, trigonometria e aritmética (teoria dos números),
publicando em 1626 um tratado em trigonometria que continha pela
primeira vez as abreviações sin, cos e tg. Também produziu fórmulas
para um triângulo esférico. Em álgebra, fez alguns trabalhos sobre o
assim chamado teorema fundamental da álgebra (ver [298]), que afirma
que uma equação polinomial de grau n tem n soluções. Ao estudar esse
problema, Girard determinou também as relações entre os coeficientes
e as raízes das equações de segundo, terceiro e quarto graus [300],
Ele foi também o primeiro a formular, independentemente de Ke­
pler, usando indução matemática, a definição da sequência de Fibo-
nacci, / „ +2 = f n+x + f n, mostrando também que ela dá origem à razão
áurea, largamente usada em arquitetura e artes plásticas em geral pela
sua harmonia, descoberta pelos gregos a partir da relação entre os lados
de um retângulo. Como muitos matemáticos do seu tempo, Girard era
interessado em aplicações militares da matemática, tendo estudado de
modo especial as fortificações. Ele fez muitas traduções do francês para
o flamengo (holandês) e também do flamengo para o francês. Em 1629
escreveu Invention nouvelle en lalgèbre, demonstrando que as equações
podem ter raízes negativas e imaginárias. Como professor, ensinou ma­
temática, engenharia, ótica, pesquisando também a lei da refração e a
música. {{O fato de ter se mudado para a Holanda por causa da perse­
guição religiosa contra os huguenotes, os calvinistas franceses, revela
sua convicção cristã. Ele é citado em [219] como cientista de fé cristã}}.
Descartes [37], [38], [160], [161]
René Descartes (1596-1650) nasceu em 1596, em La Haye, um po­
voado da Touraine, numa família da pequena nobreza. Órfão de mãe
no primeiro ano de idade, foi educado pelos avós. Essa circunstância
influenciaria a vida futura de Descartes, pois o liberou facilmente para
a vida militar e viagens.
Francês e católico, foi educado no famoso colégio dos jesuítas de La
Flèche, de 1604 a 1612, que ele considerava “a melhor escola da Europa”.
Descartes teve então um condiscípulo, que já em 1611 entrou na Or­
dem dos Mínimos (fundada por São Francisco de Paula com a primitiva
regra franciscana), e se faria notável, o padre Marin Mersenne (□). Ao
padre Mersenne continuou Descartes fazendo confidências, por carta,
ou durante visitas em Paris. Em La Flèche gozava de um regime de pri­
vilégio, pois se levantava quando queria, o que o levou a adquirir um
hábito que o acompanharia por toda sua vida: meditar no próprio leito.
Eram os jesuítas uma Ordem nova, sem maiores presilhas com o passa­
do, como a dos franciscanos e a dos dominicanos. Todavia, os jesuítas
continuaram na esteira aristotélica, que se firmou na Igreja a partir de
São Tomás de Aquino.
Descartes seguiu depois seus estudos, graduando-se em Direito
em 1616 pela Universidade de Poitiers. No entanto, Descartes nunca
exerceu o Direito, e em 1618 alistou-se no exército do príncipe Mau­
rício de Nassau, com a intenção de seguir carreira militar. Pouco após
ter se alistado no exército, Descartes descobriu que tinha talento para a
matemática, de modo que passou a maior parte de seus anos militares
e subsequentes (ele pediria demissão quatro anos mais tarde) estudan­
do matemática pura, especialmente geometria analítica, por ele criada,
uma fusão da álgebra com a geometria, que se tornou o campo da mate­
mática no qual fez suas maiores contribuições.
Apesar de apreciado por seus professores (jesuítas, em sua maior
parte), ele se declara, no “Discurso sobre o Método”, decepcionado com
o ensino que lhe foi ministrado: “Não encontramos aí (na filosofia esco-
lástica) nenhuma coisa sobre a qual não se dispute.” Só as matemáticas
demonstram o que afirmam: “As matemáticas agradavam-me sobretudo
por causa da certeza e da evidência de seus raciocínios. Mas as mate­
máticas são uma exceção, uma vez que ainda não se tentou aplicar seu
rigoroso método a outros domínios.”
Eis porque o jovem Descartes, decepcionado com a Escolástica,
parte à procura de novas fontes de conhecimento, a saber, longe dos
livros e dos regentes de colégio, a experiência da vida e a reflexão pessoal:
“Assim que a idade me permitiu sair da sujeição a meus preceptores,
abandonei inteiramente o estudo das letras; e resolvendo não procurar
outra ciência que aquela que poderia ser encontrada em mim mesmo ou
no grande livro do mundo, empreguei o resto de minha juventude em
viajar, em ver cortes e exércitos, conviver com pessoas de diversos tem­
peramentos e condições.” Em 1626 ele se estabeleceu em Paris, mas foi
persuadido a mudar-se para a Holanda em 1628, país que estava, então,
no auge do seu poder. Ali morou e trabalhou nos vinte anos seguintes,
devotando seu tempo e esforços ao estudo da matemática e filosofia, na
perseguição da verdade. Em 1649, foi convidado para ser professor pela
rainha Cristina, da Suécia, mudando-se para Estocolmo, mas morreu
poucos meses após chegar, de pneumonia aguda, em fevereiro de 1650.
Os trabalhos de Descartes em filosofia e ciência foram publicados
em cinco livros, o mais citado e provavelmente o mais importante sendo
o Discours de la Méthode Pour Bien Conduire Sa Raison et Chercher La
Vérité Dans Les Sciences (Discurso sobre o Método de Bem Conduzir sua
Razão e Procurar a Verdade nas Ciências).
Descartes destacou-se mais como filósofo, sendo considerado o
fundador da filosofia moderna; na realidade, inaugurou o racionalismo
da Idade Moderna. Mas foi também matemático ilustre, além de físico.
É bom lembrar que àquela época essas três ciências estavam muito im-
bricadas, bastando exemplificar com a grande obra de Newton - que
viveu bem depois - que tratava de matemática e física e se intitulava
“Philosophiae naturalis principia mathematica”, ou seja, “Princípios ma­
temáticos de filosofia natural”. As contribuições de Descartes à física fo­
ram feitas principalmente na ótica, mas ele escreveu extensamente sobre
muitos outros temas, incluindo biologia, cérebro e mente. Ele não foi
um experimentalista, no entanto.
Descartes ocupou-se também de problemas teológicos, polemizan­
do com Arnaud (líder jansenista) e com o teólogo holandês Johan de
Kater, entre outros. Sua prova da existência de Deus pode ser resumida
nas suas próprias palavras:

Dentre as idéias do meu cogito’ existe uma inteiramente extraordiná­


ria. É a ideia de perfeição, de infinito. Não posso tê-la tirado de mim
mesmo, visto que sou finito e imperfeito. Eu, tão imperfeito, que tenho
a ideia de Perfeição, só posso tê-la recebido de um Ser perfeito que me
ultrapassa e que é o autor do meu ser. Por conseguinte, eis demonstra­
da a existência de Deus. E note-se que se trata de um Deus perfeito,
que, por conseguinte, é todo bondade. Eis o fantasma do gênio maligno
exorcizado. Se Deus é perfeito, ele não pode ter querido enganar-me e
todas as minhas idéias claras e distintas são garantidas pela veracidade
divina. Uma vez que Deus existe, eu então posso crer na existência do
mundo [160].

{{O caminho é o inverso do seguido por São Tomás de Aquino nas


suas famosas cinco vias para demonstrar a existência de Deus; ou seja,
para Descartes, a existência do mundo é demonstrada a partir do pró­
prio pensamento, do qual não pode duvidar, passando por Deus}}.
Para Descartes, Deus transcende totalmente a natureza a ponto de
não se submeter a nenhuma verdade prévia. Ele criou as verdades pelo
seu livre arbítrio. Assim, por exemplo, que a soma dos ângulos de um
triângulo seja igual à soma de dois ângulos retos é o resultado da vonta­
de livre de Deus. {{Creio que nenhum outro grande pensador tenha sido
tão radical quanto à transcendência de Deus}}. Além do mais, segundo
ele, Deus cria o mundo a cada instante, as leis da natureza são o que são
a cada momento em virtude da vontade do Criador. Sendo totalmente
transcendente ao homem, este não é parte de Deus, daí a autonomia, o
livre arbítrio do ser humano. Estamos, nesse ponto, nos antípodas de
Einstein, como veremos adiante.

Roberval [394], [396], [398]


Gilles Personne de Roberval (1602-1675) nasceu provavelmente
em Roberval, onde foi criado, perto de Beauvais, na França, e faleceu
em Paris. Seu nome original era Gilles Personne ou Gilles Personier. Co­
meçou a estudar matemática aos catorze anos. Já adulto, viajou muito,
estando em vários lugares da sua França, discutindo assuntos avançados
de matemática nas universidades por onde passava. Ele vivia das aulas
que dava. Em Bordeaux encontrou Fermat e, em Paris, aonde chegou
em 1628, integrou o grupo do padre Mersenne (□), estabelecendo con­
tatos com Pascal (□), entre outros. Em 1632 foi nomeado professor de fi­
losofia no Collège Gervais de Paris e, dois anos depois, obteve a cátedra
“Ramus” no Collège Royal. A condição para que o professor mantivesse
essa cátedra era que propusesse problemas para outros resolverem, e
deveria renunciar se algum outro resolvesse o problema melhor. Rober­
val foi capaz de manter essa cátedra até o fim da vida. Em 1655 obteve a
cátedra “Gassendi”, além da “Ramus”.
Roberval foi um dos matemáticos que, pouco antes da invenção do
cálculo infinitesimal, se ocupou com problemas que ou só podiam ser
resolvidos com esse método ou com limites de infinitésimos - proble­
mas que hoje são resolvidos com o cálculo diferencial e integral escre­
vendo o Traité des indivisibles. Calculou a integral definida da senoide,
estudou as propriedades da cicloide e o tamanho do arco de uma espiral.
Trabalhou também na quadratura de superfícies (isto é, achar um qua­
drado que tenha área igual à de uma dada superfície) e na “cubatura” de
volumes.
Tornou-se importante também por suas descobertas nas curvas
planas e pelo método de traçar tangentes, que tinha sido sugerido por
Torricelli (□). Este método fez de Roberval o fundador da “geometria
cinemática”. Eleito para a Académie Royale des Sciences em 1666, sen­
do, aliás, um dos fundadores desta Academia. Em 1669 inventou a “ba­
lança de Roberval” [395]. Roberval também trabalhou em cartografia e
escreveu sobre o mapa da França. Estudou também o vácuo e projetou
a máquina que foi usada por Pascal nas suas experiências. Ele foi um
defensor do sistema heliocêntrico. Roberval é citado como um cientista
de fé cristã em [219].

Grimaldi [302], [305]


Padre Francesco Grimaldi SJ (1613-1663), um jesuíta (indicado
pelo “SJ” depois do nome), nasceu e faleceu em Bolonha, na Itália, ten­
do sido professor de matemática e física no Colégio dos Jesuítas (na
realidade, uma Faculdade) por muito anos, de acordo com [302], cujo
autor do site, Padre Joseph McDonnel SJ, falecido recentemente, foi um
especialista na história de jesuítas cientistas.
Segundo [304], ele teria nascido em 1618, data menos provável,
tendo em vista o ano do seu ingresso na Companhia de Jesus (a Ordem
dos Jesuítas) em 1632. Foi ordenado sacerdote em 1651, tendo feito seus
estudos em Novellara, Parma e Bologna. Em Bologna ensinou filosofia
e, depois, matemática.
De acordo com [302], ele foi um dos grandes geômetras-físicos de
seu tempo, tendo sido um observador hábil e exato, principalmente na
ótica. Descobriu a difração da luz, descrevendo-a com precisão, tendo
dado ao fenômeno o nome, que significa “quebrar em partes” (frações),
estabelecendo os fundamentos para que mais tarde se fizessem grades
de difração. (De acordo com [304], citando [305], Leonardo da Yinci já
teria observado o fenômeno).
Grimaldi foi um dos primeiros cientistas a sugerir que a natureza
da luz é ondulatória, formulando uma base geométrica para uma teoria
ondulatória da luz no seu texto “Physico-mathesis de lumine” (1666)
(“Física Matemática da luz”). De acordo com [302], foi esse texto que
atraiu Isaac Newton (□) para o estudo da ótica. Efetivamente, Newton e,
mais tarde, Robert Young (□), se referiram às experiências de Grimaldi,
repetindo-as e aperfeiçoando-as.
Na astronomia, o trabalho de Grimaldi esteve fortemente ligado
ao de um outro jesuíta, Giovanni Battista Riccioli. Em 1640 conduziu
experiências de queda livre de corpos com Riccioli, concluindo, inde­
pendentemente de Galileo (□), que o quadrado do tempo da queda é
proporcional à altura da queda, fato que fora demonstrado de modo
mais preciso por Galileo, utilizando planos inclinados. A contribuição
de Grimaldi para a astronomia, feita com instrumentos por ele mesmo
elaborados, incluiu a medida da altura de montanhas lunares, enquanto
que, para a Meteorologia, contribuiu com a medida da altura de nuvens.
Foi Grimaldi quem introduziu o costume de dar nome de cientistas às
crateras da Lua, antes sendo denominados de outra forma como, por
exemplo, o “Mar da tranquilidade”. Juntamente com Riccioli, compôs
um mapa da Lua muito exato, cuja cópia está na entrada do National
Space Museum de Washington.

Pascal [13], [103]-[106], [286], [306]


Blaise Pascal (1623-1662) nasceu em Clermont-Ferrand e faleceu
em Paris. Brilhante em matemática, física e filosofia. Seu talento precoce
para as ciências levou a família para Paris, onde se dedicou ao estudo
da matemática. Sua mãe faleceu quando ele tinha apenas três anos de
idade. Seu pai, um homem rico, era advogado e um matemático mui­
to bom, que educou pessoalmente o filho. Nessa educação, adotou um
método não convencional: em vez de encher a cabeça do filho com o
latim, como era o costume, insistiu em ensiná-lo métodos racionais e
de julgamentos, pelos quais compreenderia as razões por trás dos fatos.
O ensino do latim foi postergado até Pascal chegar aos doze anos. Mais
ainda, de acordo com uma das fontes mencionadas acima, o pai deter­
minou que ele estudasse línguas antigas antes de estudar matemática,
proibindo que lesse livros de geometria.
Mas o talento do jovem Pascal era tanto que aos doze anos ele já
provava teoremas de Euclides por si próprio. Aos dezesseis anos pu­
blicou um livro sobre as seções cônicas. Essa obra continha o maior
avanço da geometria desde os gregos, de acordo com [286]. Ele criou
com esse trabalho a Geometria Projetiva. Descartes, que era o filóso­
fo e matemático dominante na época, não quis acreditar que tal obra
pudesse ser produzida por alguém tão jovem. Entretanto, sua intensa
aplicação ao trabalho intelectual teve um preço: dores de estômago e
insônia. Influenciado pelas experiências de Torricelli, enunciou os pri­
meiros trabalhos sobre o vácuo e demonstrou as variações da pressão
atmosférica.
Em 1646-1647 fez uma série de estudos sobre a atmosfera e me­
cânica dos fluidos. Demonstrou o que Torricelli tinha conjecturado, a
saber, que a atmosfera tem peso e que, portanto, a pressão atmosférica
varia de acordo com a altura. Também provou que é possível obter-se o
vácuo invertendo um tubo cheio de mercúrio. Além disso, inventou a
seringa e o elevador hidráulico.
Essas invenções eram baseadas no depois denominado princípio de
Pascal, que diz que a pressão exercida sobre a superfície de um líquido
se transmite igualmente em todas as direções. Conta-se que ele demons­
trou isso em praça pública, usando um barril reforçado com cintas de
ferro, cheio de água, no qual fez um orifício circular com o diâmetro de
uma bengala e, introduzindo a bengala no orifício, o barril explodiu.
Desenvolveu extensivas pesquisas utilizando sifões, seringas, foles e
tubos de vários tamanhos e formas e com líquidos como água, mercúrio,
óleo, vinho, ar etc. no vácuo e sob pressão atmosférica. Aperfeiçoou o ba­
rômetro de Torricelli e, na matemática, publicou o célebre Traité du trian-
gle arithmétique (1654). Juntamente com Pierre de Fermat, estabeleceu as
bases da teoria das probabilidades e da análise combinatória (1654), que o
holandês Huygens (□) ampliou posteriormente (1657) [103].
Excelente matemático, especializou-se em cálculos infinitesimais,
abrindo caminho para a descoberta do cálculo integral por Newton (□)
e Leibniz (□) e criou um tipo de máquina de somar que foi chamada de
La pascaline (1642), a primeira calculadora mecânica que se conhece,
preservada no Conservatório de Artes e Medidas de Paris.

O invento de Pascal foi considerado uma verdadeira revolução, pois


transformava uma máquina em ciência, ciência que reside inteiramente \
no espírito. A construção da máquina foi todavia muito complicada e
Pascal levou dois anos trabalhando com artesãos. Essa fadiga compro­
meteu definitivamente sua saúde, que se tornou muito frágil daí por
diante [105].

Alguns dos seus textos: “Essai sur les coniques” (1640); “Avis à ceux
qui verront la machine arithmétique” (1645); “Récit de la grande expé-
rience de lequilibre des liqueurs” (1648); e “Traité du triangle arithmé­
tique” (1654). Mas as consideradas obras primas de Pascal são “Provin-
ciales” e “Pensées”.
Em 1646 Pascal se converteu a uma forma austera de catolicismo, o
jansenismo, influenciando também sua irmã Jacqueline. Daí em diante,
sua vida foi de tensão entre o racional e o místico; frequentemente ele
abandonava os trabalhos científicos, considerando uma perda de tempo
tudo que não fosse espiritual. Tendo sido educado sob forte influência
religiosa, tornou-se católico fervoroso após uma “visão divina”, abando­
nando as ciências para se dedicar exclusivamente à teologia; extrema­
mente asceta, escreveu várias obras teológicas.
As “Provinciales” foram escritas sob um pseudônimo, tendo como
assunto a moral e a política dos jesuítas. As quatro primeiras tratam
da questão dogmática que formam a base do jansenismo no problema
da graça e da liberdade humana. De acordo com [306], a posição de
Pascal foi, na prática, se não teoricamente, de negar a graça suficiente e
a liberdade. {{Um problema de difícil equacionamento, cuja solução é
um mistério}}. A 17a e a 18a cartas tratam do mesmo problema, mas de
forma mais matizada. Da 4a a 16a cartas, ele censura o código moral dos
jesuítas, ou antes, seu casuísmo. As mais famosas foram a 4a, com acusa­
ções de ignorância, e a 13a, sobre o homicídio. Não se pode negar a boa
fé de Pascal, testemunhada inclusive no leito de morte, mas, de acordo
com [306], seus métodos são questionáveis, organizando as acusações
contra os jesuítas, muitas vezes casuísticas. Mas, segundo a mesma fon­
te, a grande censura que se deve fazer a ele é o fato de ter censurado
Injustamente e de modo exclusivo a Companhia de Jesus (a Ordem dos
Jesuítas), acusando-os de diminuir o ideal cristão, tornando mais suave
o seu código moral em função de interesses políticos.
Por alguns anos seu fervor religioso arrefeceu. Mas um acidente
quase fatal com uma carruagem fê-lo interpretar o fato como um aviso
de Deus, tornando-se mais fervoroso do que nunca em termos espiritu­
ais. Foi então que escreveu as “Lettres Provinciales” que, de acordo com
[286], seus biógrafos consideram que elevaram a prosa francesa a um
mais alto e novo patamar em termos de poder e forma. Suas “Pensées”
tiveram uma longa e profunda influência desde que foram publicadas.
Desejando intensamente a certeza da fé, ele concluiu que “o coração tem
razões que a razão desconhece”. {{Permita-se-me uma observação, com
a humildade devida diante de um gênio como Pascal: a fé não se apoia
nem na razão nem no coração; a fé é uma virtude infusa, seu autor sendo
o próprio Deus. Existem os “preâmbulos” da fé, pelos quais ela se torna
üm “obséquio razoável”; esses preâmbulos a tornam verossímil: existên­
cia de Deus, divindade de Cristo, a Igreja Católica sendo a continuação
do “reino de Deus” inaugurado por Cristo. Mas não há constringência
lógica nesses preâmbulos, trata-se de plausibilidade. E isto exige estudo
sério e imparcial, coisa que a maioria das pessoas não se dispõe a fa­
zer, preferindo muitas vezes a leitura de literatura fantasiosa a respeito,
como vimos recentemente no sucesso de O Código da Vinci}}.
Em 1654 Pascal teve uma espécie de visão mística, escrevendo:

Ano da graça de 1654, segunda-feira, 23 de novembro, dia de São Cle­


mente, Papa e mártir, e de outros no martirológio. Vigília de São Crisógo-
no, mártir, e de outros. Das dez horas e meia da noite, mais ou menos, até
cerca de meia-noite e meia. Fogo. Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus
de Jacó, e não dos filósofos e dos sábios. Certeza, certeza, sentimento, ale­
gria, paz. Deus de Jesus Cristo. Deum meum et Deum vestrum (meu Deus
e vosso Deus). Esquecimento do mundo e de tudo, menos de Deus. Não
se encontra fora das vias ensinadas no Evangelho. Grandeza da alma hu­
mana. Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci. Alegria,
alegria, alegria, lágrimas de alegria. Eu me separei d’Ele, Dereliquerunt Me
fontem aquae vivae (Abandonaram a Mim, fonte da água viva). Abando-
nar-me-íeis vós, meu Deus? Que eu não me separe dele pela eternidade.
A vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o Deus único e verdadeiro
e aquele que enviaste, Jesus Cristo. Jesus Cristo, Jesus Cristo, Eu me afastei
d’Ele, evitei-O, reneguei-O, crucifiquei-O, que eu jamais me separe d’Ele.
Não se conserva senão pelas vias ensinadas no Evangelho. Renúncia total
e doce. Submissão completa a Jesus Cristo e ao meu diretor. Alegria eterna
por um dia de provação na terra. Non obliviar sermones tuos. Amen (Não
me esquecerei das tuas palavras. Amém) [106],

Ele costurou essas palavras na sua roupa e morrería com elas sobre
seu coração. Em 1658 recolheu-se à abadia de Port-Royal des Champs,
centro do jansenismo. O jansenismo era uma espécie de luteranismo
um pouco mitigado; como é sabido, Lutero escreveu “De servo arbítrio”,
negando a liberdade humana, uma vez que a natureza teria sido comple­
tamente corrompida pelo pecado original. O luteranismo foi, ao longo
dos tempos, mitigando este radicalismo de Lutero.
Nos seus “Pensées”, uma obra que ficou incompleta, Pascal apresen­
ta várias idéias de valor sobre as relações entre ciência e religião. Deus
deseja mover o coração, mais do que a razão ([13] e [103]). Este é um
tratado de espiritualidade, escrito em 1660, que faz a defesa do cris­
tianismo e marca o início de seu afastamento dos jansenistas. Deus se
revela parcialmente e se “esconde” parcialmente. E isto porque tanto é
perigoso para o homem conhecer a Deus sem conhecer a própria mal­
dade, como conhecer a própria maldade sem conhecer a Deus [13]: “(...)
o centro de todas as suas reflexões religiosas e filosóficas [é] a figura de
Cristo, mediador entre o finito (as criaturas) e o infinito (Deus).”
Em função de Cristo, Pascal estabelece a verdadeira relação entre
os dois Testamentos: o Antigo revelaria a justiça de Deus, perante a qual
todos os homens seriam culpados pela transmissão do pecado original;
o Novo [Testamento] revelaria a misericórdia de Deus, que o leva a des­
cer entre os homens por intermédio de seu Filho, cujo sacrifício infunde
a graça santificante no coração dos homens e os redime. A ideia central
de Pascal sobre o problema religioso é, portanto, a de que sem Cristo
o homem está no vício e na miséria; com Cristo, está na felicidade, na
virtude e na luz” [105]. Cristo era o centro da sua teologia e da sua fé,
“Jesus Cristo, que o Antigo e o Novo Testamentos consideram, respecti­
vamente, como sua expectativa e modelo”.
Ao final da sua breve, mas fecundíssima vida, Pascal se afastou do
jansenismo, retornando à ortodoxia católica, de acordo com uma das
fontes citadas acima.
Pascal tem um famoso argumento, em termos de probabilidade a
favor da existência de Deus (ligeiramente modificado da sua forma ori­
ginal [306], para torná-lo mais compreensível): se eu aposto que Deus
existe e Ele de fato existe, meu ganho é infinito (a vida eterna); se eu
perder a aposta, isto é, se ele não existir, terei perdido um bem finito.

Boyle [219], [243], [245], [286]


Robert Boyle (1627-1691) foi um físico, químico, filósofo e inven­
tor, que deu o nome, juntamente com Mariotte, à lei da física que rege a
relação entre a pressão e o volume de um gás. Ele é considerado um dos
fundadores da moderna química. Nascido em Waterford, na Irlanda,
sétimo filho do primeiro Conde de Cork, de um total de catorze, seu
pai, um empreendedor, adquiriu grandes extensões de terra na Irlanda
tornando-se o homem possivelmente mais rico da Grã-Bretanha. Sua
mãe, a bela Catherine Fenton, morreu quando Boyle tinha apenas três
anos. Robert era ainda uma criança quando aprendeu a falar latim, gre­
go e francês. Ele era o filho predileto do pai, que gostava especialmente
da sua veracidade, já que ele preferia ser objeto da ira de seu pai a dizer
uma mentira. Com oito anos de idade, foi enviado, com um irmão, para
o Eton College na Inglaterra. Nessa época esse college estava ficando na
moda; as pessoas importantes mandavam seus filhos para lá. Ali os dois
estudaram os clássicos, como era a voga, e tiveram tutores especiais de
francês, dança e música, durante mais de três anos.
Quando Robert tinha doze anos, o pai o fez viajar por Dieppe, Pa­
ris, Lyon e Genebra com um tutor francês. Nessa última cidade, estudou
com um tutor. E Robert começou a estudar matemática, logo se tornan­
do familiar com a aritmética e com a geometria. Em 1642 estava em Flo-
rença, onde Galileo morreria pouco depois. Boyle estudou então cuida­
dosamente os trabalhos de Galileo e foi esse fato que orientou a sua vida
para a dedicação às ciências. Regressando à Inglaterra em 1645, recebeu
do pai, que havia falecido pouco antes, propriedades na Irlanda.
A partir de então, passou a se dedicar totalmente às pesquisas científi­
cas, logo passando a ter uma posição proeminente num grupo de pesqui­
sadores que eram conhecidos como o Invisible College (faculdade invisí­
vel), que se dedicavam ao cultivo da “nova filosofia”. Eles se encontravam
frequentemente em Londres e também em Oxford, cidade onde Boyle
passou a residir em 1654. Tendo lido sobre a bomba de ar de Otto Von
Guericke, começou, juntamente com Robert Hook, em 1657, a construí-
la, melhorando-a, terminando dois anos depois a construção da que ficou
sendo chamada “machina Boyleana”, ou também “máquina pneumática”.
A partir disso, iniciou uma série de experiências sobre as proprie­
dades do ar. Um relato dessas experiências foi publicado em 1660 com
o título New Experiments Physico-Mechanical, Touching the Spring ofthe
Air, and its Effects.... (Novas experiências ftsico-mecânicas que dizem res­
peito à elasticidade do ar e seus efeitos).
Um jesuíta, Franciscus Linus, criticou num livro este trabalho e, na
resposta, Boyle se referiu pela primeira vez à lei da física segundo a qual
o volume ocupado por um gás é inversamente proporcional à pressão
exercida sobre ele. (Segundo [286], entretanto, a primeira vez em que
ele se referiu a este fato foi numa carta a Hobbes).
Em 1663 o Invisible College se tornou a Royal Society of London
for the Improvement of Natural Knowledge (Real Sociedade de Londres
para o aumento do conhecimento natural), Boyle tendo sido nomeado
pelo Rei um dos membros do Conselho.
Em 1680 foi eleito presidente da Sociedade, mas declinou da hon­
raria por um escrúpulo a respeito do juramento. Boyle considerava a
aquisição de conhecimentos como um fim em si mesmo, o que não
significava que ele não prestasse atenção às aplicações práticas da ciência.
Boyle foi um alquimista, no sentido de que achava que era possível a
transmutação de metais, tendo feito várias experiências nesse sentido,
mas, depois de algum tempo, com sua retidão, haveria de desprezá-la.
Boyle verificou também que o ar tomava parte na propagação do
som. Talvez ele tenha sido o primeiro cientista a provar todas as suas
afirmações. Realizou 43 experiências com o ar, relatando-as na forma
usada pelos cientistas atuais: definindo as hipóteses, descrevendo os
equipamentos usados, as condições do ambiente e tabulando os resulta­
dos. Ele se ocupou principalmente da compressibilidade do ar, sua “ma­
terialidade” e seu peso. Mostrou também que as criaturas (seres vivos)
não podem viver no vácuo.
As conclusões de Boyle foram criticadas por vários, entre os quais
o matemático e filósofo ateu Thomas Hobbes. Este, seguindo Aristóte­
les, afirmava que o vácuo é impossível. Boyle inventou um refrigerador
primitivo e demonstrou que a água se expande quando se congela. Sen­
do químico, além de físico, foi ele quem propôs a moderna definição
de elemento. Boyle tinha muita facilidade para escrever, inclusive tendo
escrito romances, Martydom ofTheodore (O martírio de Teodora) e Se-
raphical Love (O amor seráfico), que também foi um best-seller.
Samuel Johnson, figura maior da literatura no século seguinte ao de
Boyle, lamentaria que ele tivesse se dedicado especialmente à ciência.
Boyle converteu-se a Cristo durante uma tempestade e, nos primeiros
anos, procurou uma reconciliação da ciência com a religião. Em certo
ponto, ele ficou tão deprimido que pensou, durante dois anos, em se
suicidar, mas a partir daí tornou-se um cristão devoto. Sua irmã Kathe-
rine, que era puritana, reforçou sua fé. Boyle aprendeu a língua hebraica
diretamente de um judeu. Em um só ano ele aprendeu quatro línguas,
de modo a melhor compreender o sentido das Sagradas Escrituras. Sua
ciência era profundamente imbricada com seu Cristianismo. Boyle co­
meçava cada dia com oração e leitura da Bíblia.
Além de ativo em “filosofia natural” (física), Boyle dedicou também
muito de seu tempo à teologia, mostrando-se interessado nos aspectos
práticos da religião, e dando pouca importância às polêmicas e con­
trovérsias. Foi um cristão convicto, tendo escrito vários livros sobre o
Cristianismo, entre outros: Discourse of Things Above Reason (Discurso
sobre coisas acima da razão, 1681), Disquisition About the Final Causes
o f Things (Considerações sobre a causafinal das coisas, 1688) e The Chris-
tian Virtuoso (O cristão virtuoso, 1690).
Ele acreditava que milagres continuavam a acontecer e defendia o
Cristianismo em face dos progressos científicos que pareciam se opor
à fé em Cristo. Para Boyle, a ciência era um meio de glorificar a Deus,
mostrando a sabedoria do Senhor. Foi-lhe oferecido um bispado pela
Igreja Anglicana, mas ele declinou do convite, explicando que o Espí­
rito Santo não o tinha chamado. Recebido favoravelmente pela corte,
teria sido feito Provost de Eton, caso concordasse em se ordenar. Mas
recusou as Ordens Sacras (anglicanas), alegando que seus escritos sobre
assuntos religiosos tinham muito mais influência como leigo do que se
fosse clérigo. Sendo diretor da Companhia das índias Orientais, des­
pendeu grande soma de recursos pessoais para difundir o Cristianismo
no Oriente, contribuindo para sociedades missionárias e para traduções
da Bíblia em várias línguas. Durante o período da Restauração, com
muita corrupção, Boyle viveu uma vida santa. Doou somas substanciais
de dinheiro para ajudar famílias irlandesas empobrecidas e enviou auxí­
lio financeiro aos pregadores do País de Gales que padeciam pelo fato de
recusarem a doutrina da Igreja Anglicana. Antes de falecer, no seu tes­
tamento, destinou recursos para estabelecer conferências para defender
a Religião Cristã contra os ateus e outros descrentes, com a restrição de
que as controvérsias entre os cristãos não deveriam ser tratadas.
As primeiras “Boyle Lectures”, como ficaram conhecidas, foram
dadas no ano seguinte ao do seu falecimento por Richard Bentley. As
“Boyle Lectures” mais importantes ocorreram nos primeiros quarenta
anos. É interessante notar que as “Boyle Lectures” foram ressuscitadas
em Londres em 2004, com o objetivo de “tratar da relação entre o Cris­
tianismo e a nossa compreensão do mundo natural”. A cada ano um teó­
logo ou cientista destacado é convidado a tratar deste tema geral através
de um tópico de sua escolha, um arguente sendo também convidado
para comentar sobre as exposições [244],
De saúde sempre debilitada, Boyle padeceu de uma paralisia, que
durou um ano, aos 45 anos. Em 1691 sua irmã Katherine faleceu. A
ligação entre os dois era tão forte, que ele a seguiu dentro de uma se­
mana. Suas últimas palavras na Royal Society foram: “Lembrem-se de
dar glória ao autor da natureza [...] Usem o conhecimento para o bem
da humanidade.” Foi sepultado no cemitério da igreja de St. Martin e o
sermão do funeral foi pregado por seu amigo, o Bispo Burnet.

Huygens [321], [324]


Christiaan Huygens (1629-1695) nasceu e faleceu em Haya, na Ho­
landa. De importante família holandesa, seu pai, Constantin, tinha es­
tudado “filosofia natural” (física) e era diplomata. Foi através dele que
o filho Christiaan teria acesso aos círculos mais altos da ciência de seu
tempo. Efetivamente, Constantin tinha muitos contatos na Inglaterra, se
correspondia com frequência com Mersenne (□) e era amigo de Descar­
tes (□). Christiaan teve educação privada, em casa, através de tutores até
a idade de dezesseis anos. Aprendeu a geometria, como fazer modelos
mecânicos etc. Sua educação matemática foi claramente influenciada
por Descartes, que visitava às vezes os Huygens e teve um grande inte­
resse na educação matemática do jovem Christiaan.
Christiaan estudou Direito e matemática na Universidade de Lei-
den de 1645 a 1647. De 1647 a 1649 continuou a estudar Direito e ma­
temática, mas no College de Orange, em Breda, uma cidade holandesa.
Por essa época, iniciou-se uma correspondência, graças ao pai, entre o
jovem Christiaan e Mersenne. Este desafiou o jovem Huygens a resolver
uma série de problemas, inclusive a equação matemática de uma corda
dependurada entre dois pontos. Ele não conseguiu resolver esse proble­
ma, mas resolveu um problema semelhante, a saber, quis os pesos que
deveriam ser dependurados na corda de modo que ela tivesse a aparên­
cia de uma parábola.
Em 1649 fez uma viagem como integrante de uma comitiva diplo­
mática à Dinamarca e a vários países da Europa. As primeiras publica­
ções de Huygens, em 1651 e 1654, consideravam problemas matemáti­
cos. Um artigo de 1651 mostrou que era impossível achar um quadrado
cuja área fosse exatamente igual à de um círculo, problema que depois
passou a ser chamado de “quadratura do círculo” que o jesuíta Gregó-
rio de Saint-Vicent (□) tinha pretendido resolver. Em 1654 publicou De
Circuli Magnitudine Inventa (Descobertas a respeito do tamanho do cír­
culo), um trabalho de muito mais fôlego.
Huygens passou a se interessar por confecção de lentes e construção
de telescópios, inventando um novo método de polir lentes. Usando suas
lentes ele detectou, em 1655, o primeiro satélite de Saturno. No mesmo
ano viajou a Paris e divulgou sua descoberta, tomando conhecimento dos
trabalhos sobre probabilidades na correspondência entre Pascal e Fermat.
Retornando à Holanda, publicou um primeiro texto impresso, De Ratio-
ciniis in Ludo Aleae (Sobre os raciocínios em jogos de azar), sobre o trata­
do de probabilidades. No ano seguinte descobriu a verdadeira forma dos
anéis de Saturno. A pesquisa em astronomia exigia precisão na medida do
tempo e assim Huygens atacou este problema, patenteando em 1656 um
relógio de pêndulo, que melhorou enormemente os resultados obtidos
em astronomia. Huygens demonstrou a lei da força centrífuga para o mo­
vimento circular uniforme e, como consequência, ele, bem como Hooke
(□), Halley e Wren formularam a lei do quadrado do inverso da distância
na força gravitacional.
Em 1660 retornou a Paris, frequentando vários encontros de cien­
tistas, trocando idéias, aprendendo sobre a filosofia de Descartes, con­
versando com Pascal sobre a pressão na água e mostrando a ele seus
telescópios. Em 1661 foi a Londres, para conhecer a recém-fundada
Royal Society. Impressionado com vários cientistas que ali encontrou,
manteve contato, dali para frente, com esse grupo. Mostrou seus teles­
cópios, verificando a superioridade deles aos dos usados pelos ingleses.
Impressionou-se com a bomba de vácuo de Boyle (□). Huygens foi elei­
to membro da Royal Society em 1663. Em 1666 foi a Paris e se tornou
membro da Academia Francesa de Ciências.
Ele pesquisou também o problema da colisão de corpos elásticos
e demonstrou que a solução dada por Descartes estava errada. Provou
que o “momentum” (produto da massa pela velocidade) total permane­
ce constante antes e depois da colisão. Este foi um problema proposto
pela Royal Society. Wallis e Wren também resolveram o problema. Em
1672 Huygens e Leibniz (□) se encontraram em Paris, o segundo apren­
dendo bastante matemática do primeiro. No mesmo ano ele criticou os
trabalhos de Newton sobre a luz. Mas na realidade, Huygens estava er­
rado na sua crítica no que diz respeito às cores.
O mais importante trabalho publicado por Huygens em Paris (1673)
foi o Horologium Oscillatorium (Relógio oscilatório), no qual estuda reló­
gios de pêndulo, faz um estudo completo da queda de corpos no vácuo,
seja verticalmente, seja ao longo de uma curva lisa, estuda as evolutas e
involutas, demonstrando algumas de suas propriedades fundamentais,
obtendo as evolutas da cicloide e da parábola; além disso, estuda o pên­
dulo composto e demonstrou que a força centrífuga de um corpo que
se move em um círculo de raio r e velocidade uniforme v é diretamente
proporcional ao quadrado de v e inversamente proporcional a r. Este
texto contém também a primeira tentativa de aplicar a teoria dinâmica
a corpos de tamanho finito e não somente a partículas.
Em 1678, tendo retornado a Paris, Huygens publicou seu Traité de
la lumière (Tratado sobre a luz) no qual argumenta a favor da teoria
ondulatória da luz. Ele afirmava que a luz, emergindo de um ponto, se
propagava como uma esfera, na superfície da qual cada ponto era uma
nova fonte de luz com a mesma frequência e fase. Com esta teoria foi
capaz de explicar as leis da reflexão, da refração e da dupla refração. Ele
verificou também experimentalmente a polarização da luz. Huygens,
tal como Hooke, ao defender a teoria ondulatória, supunha que havia
um meio sutil, o “ether”, no qual ocorriam as vibrações. Newton (□) era
defensor da teoria corpuscular e o seu imenso prestígio desacreditou a
teoria ondulatória; o debate entre as duas teorias continuaria por mais
de duzentos anos, tendo cada uma delas se sofisticado ao longo do tem­
po, até atingir o estágio atual com a Mecânica Quântica, que concilia as
duas teorias, ainda que de modo paradoxal.
Sempre com saúde precária, Huygens esteve várias vezes muito do­
ente. Em 1689 foi à Inglaterra, encontrando-se com Boyle e Newton.
Não sabemos como decorreram as discussões entre Huygens e Newton,
mas sabe-se que Huygens tinha grande admiração por Newton, apesar
de considerar sua teoria da gravitação “absurda” (sic) [321]. Huygens
argumentava que não era possível que duas massas se atraíssem nada
havendo entre elas.
De acordo com [322], citado em [321], “Huygens foi o maior estu­
dioso da Mecânica do século XVII. Ele combinou o tratamento mate­
mático dos fenômenos, de Galileo, com a visão de Descartes a respeito
da finalidade no projeto da natureza. Começando como um defensor
ardente do cartesianismo [...] ele terminou como um dos seus mais fi­
nos críticos... as idéias de massa, peso, momentum, força e trabalho fo­
ram todas tornadas claras no tratamento dos fenômenos do impacto,
da força centrípeta e do primeiro “sistema dinâmico” a ser estudado, o
pêndulo composto.”
Receberam seu nome: o Asteroide 2801, a missão “Cassini-Huy-
gens”, uma espaçonave dirigida a Saturno, uma cratera em Marte, o
“Huygens software” usado para processamento de imagens de micros­
cópios, o princípio “Huygens-Fresnel”, um modelo matemático para
explicar perturbações na propagação de ondas, as “Huygens wavelets”,
a base fundamental para a teoria de difração escalar, etc., incluídos os
nomes de vários laboratórios e instituições de ensino.
Huygens consta como cientista cristão em [219]. Efetivamente,
quando a intolerância com relação a não católicos se tornou mais forte
na França, ele deixou Paris, para lá não mais voltar. Ele seria, provavel­
mente, de profissão calvinista, que era dominante na Holanda.

Barrow [219], [230], [231]


Isaac Barrow (1630-1677) foi teólogo e matemático. Será sempre
lembrado como o homem que iniciou Isaac Newton (□) na ciência. Nas­
cido em Londres, filho de Thomas Barrow, um comerciante, e Ann, que
morrería em 1634, Isaac foi enviado para morar com seu avô. Seu pai
casou-se de novo dois anos depois e queria que ele fosse um scholar,
percebendo sua inteligência. Na realidade, ele foi muito brigão na pri­
meira escola que frequentou.
Na segunda escola, tornou-se mais tranquilo, tendo um bom tu­
tor. Tornou-se proficiente em grego e latim. Seu sucesso nessa escola foi
providencial, porque nesse meio tempo seu pai se arruinou financeira­
mente com a derrota da Irlanda na tentativa de se tornar independente
da Inglaterra. O diretor da escola levou o menino para a própria casa.
Ingressou no Perhouse College de Cambridge em 1643 e depois foi para
Oxford em função de brigas políticas.
Depois de passar um período (conturbado politicamente na Ingla­
terra) em Londres, foi aceito para cursar o Trinity College, em Cambrid­
ge, em 1646, tendo completado sua educação em 1649. Em Cambridge
estudou grego, latim, hebraico, francês, espanhol, italiano, literatura,
geografia e teologia. Naquele tempo era inusitado os estudantes apren­
derem matemática no segundo ou terceiro ano. Barrow estudou arit­
mética, geometria e ótica e se especializou em matemática antes de se
graduar, passando a estudar profundamente matemática logo após se
graduar. Seu entusiasmo como professor atraiu um bom número de dis­
cípulos que estabeleceram os fundamentos do ensino de matemática em
Cambridge. Em 1652 Barrow obteve seu M.A. Candidatou-se à cátedra
de grego, mas em 1655 foi expulso pela perseguição dos “Independen­
tes”. Editou naquele ano os “Elementos de Euclides”, que se tornaram
texto em Cambridge por cinquenta anos.
Por motivos políticos (ou por ter recebido um prêmio?), Barrow
saiu da Inglaterra, viajando então pela Europa: França, Itália e até
Constantinopla, voltando à Inglaterra em 1659. Ficou decepcionado
com Paris em termos acadêmicos, só encontrando ali um matemático
de valor, na sua opinião, Roberval. Em Florença na Itália, gastou boa
parte do seu tempo na Biblioteca Médici, encontrando-se também
com Vincenzo Viviani, discípulo de Galileo. Pretendia ir a Roma, mas
não foi por causa de uma peste na Urbe. Em 1660 foi escolhido para
a cátedra Regius de grego em Cambridge e dois anos depois foi feito
professor de Geometria no Gresham College. Em 1663 foi escolhido
primeiro professor da cátedra Lucasian, que se tornaria prestigiadís-
sima, por ela passando, entre outros, Newton, Babbage (□), Stokes
(□), Paul A. M. Dirac e, atualmente, Stephen Hawking (□). E no mes­
mo ano foi um dos 150 cientistas escolhidos para fellow da Royal So-
ciety. Durante o tempo em que esteve na cátedra escreveu dois textos
de grande elegância e erudição, um sobre Geometria e outro sobre
Ótica.
Escreveu ainda outros tratados importantes de matemática. Desen­
volveu novos métodos para calcular as áreas e determinar as tangentes
a curvas. Na questão das tangentes às curvas, ele prosseguiu na direção
sugerida por Fermat, apontando para o cálculo diferencial, que seria
desenvolvido por seu discípulo Newton. Como professor de Newton em
Cambridge, ele tinha tanta confiança nesse seu aluno privilegiado, que
pediu a ele para revisar suas Lectiones Opticae (Curso sobre Ótica). Esse
trabalho daria a partida para a própria pesquisa de Newton.

Hooke [315], [320]


Robert Hooke (1635-1703) foi um dos maiores cientistas experimen­
tais do século XVII, tendo parte importante na revolução científica do
século em que viveu. Muito do que se sabe da vida de Hooke é devido à
autobiografia que ele escreveu em 1696. Nasceu em Freshwater, na Ilha
de Wight, Inglaterra. Filho do reverendo John Hook, era o último dos
seus quatro filhos. Seu pai servia à Igreja da Inglaterra (anglicanos), mais
precisamente na Igreja de Todos os Santos. Seus três irmãos também ser­
viam como ministros à Igreja e se esperava que o mesmo acontecesse com
Robert. Hooke teve saúde precária desde a infância e, assim, teve sua edu­
cação primária dada em casa pelo próprio pai. Desde cedo se interessou
por problemas de mecânica, revelando-se também excelente desenhista.
Iniciando sua instrução na Westminster School, em 1653, rapidamente
dominou o latim e o grego e os “Elementos de Geometria”, de Euclides.
Nessa fase da vida, fez longos estudos de Mecânica. Em seguida, conquis­
tou um lugar na Universidade de Oxford, ali conhecendo Boyle (□), do
qual se tornou assistente aproximadamente de 1657 a 1662.
Hooke obteve o Master of Arts em 1662 ou 1663. Em 1660 desco­
briu a “lei de Hooke” da elasticidade, que exprime a relação linear entre
a tensão de uma mola e a sua elongação. É interessante notar que Hooke
anunciou essa descoberta na forma de um anagrama. Este era um méto­
do que foi utilizado também por Huygens (□), Galileo (□) e outros para
estabelecer a prioridade na invenção, sem revelar detalhes. Essa inven­
ção permitiu a construção, por ele mesmo, de uma balança de mola e,
subsequentemente, a construção do primeiro relógio portátil. Houve, a
propósito, uma disputa ácida entre Hooke e Huygens a respeito da prio­
ridade da invenção desse relógio. Mais tarde, haveria evidência de que
Hooke foi o primeiro a realizá-lo.
Ele é considerado também o “pai da microscopia”; foi ele que
cunhou a expressão “célula” para denotar a unidade básica da vida. Efe­
tivamente, em 1665, Hooke publicou o livro intitulado Micrographia,
com observações telescópicas e microscópicas, com alguns resultados
originais em biologia. O livro também contém idéias de Hooke, ou tal­
vez de Hooke e de Boyle sobre a combustão. Um dos problemas mais
desafiantes que Hooke atacou foi a medida da distância a uma estrela, a
escolhida tendo sido a Gamma Draconis, utilizando a paralaxe. Depois
de muitos meses de trabalho, Hooke chegou a um resultado que, mais
tarde, seria verificado que ele tinha ficado bastante longe da distância
medida pelos métodos atuais. Hooke estudou também as crateras da
lua, conjecturando como se teriam formado essas crateras. Ele foi tam­
bém um dos primeiros a observar os anéis de Saturno. Também associa­
do com Boyle em experiências do vácuo, construindo bombas de vácuo,
que foram usadas para demonstrar a lei de Boyle-Mariotte, já referida
em Boyle (□). Robert Gunther ([317], apud [316]) sugere que teria sido
Hooke quem teria formalizado matematicamente a lei, dado que Boyle
não era tão hábil na matemática.
Ele foi também um arquiteto importante, supervisor-chefe da re­
construção de Londres depois de grande incêndio. Construiu também
telescópios, fazendo observações sobre as rotações de Marte e Júpiter. Ele
descobriu o fenômeno da refração, deduzindo daí a teoria ondulatória da
luz. Foi o primeiro a sugerir que a matéria se expande quando aquecida e
que o ar é constituído de pequenas partículas, separadas por relativamente
grandes distâncias. Deduziu também, experimentalmente, que a gravida­
de obedece a uma lei do quadrado do inverso da distância, ideia que seria
desenvolvida e demonstrada matematicamente por Isaac Newton (□).
Muito do trabalho de Hooke foi conduzido enquanto ele foi cura­
dor de experimentos da Royal Society, posto que ele deteve a partir de
1662. Em 1680 observou os nós que se formam na vibração de pratos de
vidro. Ele foi Greshman Professor de Geometria.
A reputação de Hooke foi bastante esquecida durante o século
XVIII, fato que é atribuído à ação de Isaac Newton, no período em que
este foi presidente da Royal Society, por uma disputa de mérito quanto
à descoberta da lei de gravitação. Diz-se que Newton destruiu todos os
retratos de Hooke, só restando um.
Mas, por outro lado, a reputação de Hooke, como pessoa, não era
das melhores. Era considerado “melancólico, não confiável e invejoso”,
de acordo com Richard Waller [316]. Esses comentários influenciaram
as biografias subsequentes de Hooke durante dois séculos. Assim, por
exemplo, Arthur Berry ([318] apud [316]) disse que Hooke atribuía a si
o mérito pela maioria das descobertas científicas de seu tempo. Sullivan
([319], apud [316]) escreveu que Hooke “era positivamente inescrupulo-
so” e manteve com Newton uma “vaidade constrangedora”. More ([320],
apud [316]) descreve Hooke como tendo um “temperamento cínico” e
uma “língua cáustica”. E outros autores, vários do século XX, se referem
de forma muito pouco elogiosa à personalidade de Hooke. Na realidade,
podemos estar aqui diante de uma propagação de um erro histórico ou,
pelo menos, de um exagero histórico.
Efetivamente, um diário de Hooke, publicado em 1935, mostra
que ele não teria nada de invejoso. E mostra também que tinha amigos,
tomando sob sua responsabilidade a educação de uma sobrinha e um
primo, ensinando-lhes matemática. Por outro lado, parece que ele era
bastante inclinado à inveja intelectual, nas suas disputas com Newton a
respeito de quem teria o mérito a respeito da gravitação e, com Olden-
burgh, a respeito da invenção de relógios portáteis. Mais ainda, sendo
curador das experiências submetidas à Royal Society, ele tinha a res­
ponsabilidade de testar muitas das idéias, havendo evidências que ele
assumia algum crédito por essas idéias. Seu tempo foi de imenso pro­
gresso científico e muitas idéias eram desenvolvidas simultaneamente
em vários lugares.
Hooke nunca se casou, mas seu diário mostra que ele tinha afei­
ções. O valor científico de Hooke foi restaurado somente no século
XX, graças aos estudos de Robert Gunther [317] e Margaret Espinasse.
Como dito ao início, ele é considerado atualmente como um dos mais
importantes cientistas de sua época. Quando faleceu, verificou-se que
ele tinha guardado no seu quarto uma considerável soma de dinheiro.
Foi sepultado em terreno episcopal. Hooke é citado em [219] como um
cientista de fé cristã.

Newton [13], [94], [101]


A vida de Sir Isaac Newton (1642-1727) pode ser dividida em três
períodos. O primeiro abarca sua juventude até sua graduação em 1669.
O segundo, de 1669 a 1687, foi o período altamente produtivo em que ele
era professor Lucasiano em Cambridge. O terceiro período viu Newton
como um funcionário do governo bem pago em Londres, com muito
pouco interesse pela matemática [101].
Ainda criança, ficou órfão de pai, sua mãe casando-se de novo, sen­
do o menino educado por seus avós. Teve uma infância pouco feliz. Isso
marcou seu caráter no sentido de que tinha dificuldades em fazer ami­
gos. Newton não se casou. Concluiu curso superior no Trinity College
em Cambridge, tendo-se graduado em 1665. Por causa da peste, o Tri­
nity College foi fechado em 1666 e Newton foi para a casa de sua mãe.
Foi nesse ano de retiro, com apenas 24 anos, que construiu quatro de
suas principais descobertas: o Teorema Binomial, o Cálculo Diferencial
e Integral, a Lei da Gravitação Universal e a natureza das cores.
Ele é muito provavelmente o maior matemático-físico de todos os
tempos. {{Einstein não era especialmente forte em matemática; tinha,
isto sim, uma extraordinária intuição física}}. É autor da obra monu­
mental Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, publicada em
1687, mas completada muito antes, quando tinha apenas 28 anos de
idade, em que estabelece a Lei da Gravitação Universal, criando tam­
bém o cálculo diferencial e integral usado para provar a dita Lei da Gra­
vitação Universal; além disso, estabeleceu de modo sistemático as “Leis
de Newton”, da Mecânica, isto é, as três leis dos corpos em movimento,
fundamento da mecânica clássica, sendo que a primeira já havia sido
enunciada por Galileo (□).
Os “Principia”, ao contrário do que sugeriria o seu nome nos nossos
dias, não era uma obra de filosofia, no sentido atual do termo, mas de
física e matemática; até então a Física e a Matemática eram consideradas
partes da Filosofia. Deve-se a ele, ainda na Física, contribuições sobre
Ótica e Astronomia e, na Matemática, vários resultados além do cálculo
diferencial e integral, inventado antes de Leibniz (□), apesar de a publi­
cação ter sido posterior, havendo dúvidas se Leibniz teria se inspirado
em correspondência epistolar de Newton.
Na demonstração da Lei da Gravitação Universal, utilizou as Leis
de Kepler (□). Construiu o primeiro telescópio de reflexão em 1668, e
foi quem primeiro observou o espectro visível que se pode obter pela
decomposição da luz solar ao incidir sobre uma das faces de um pris­
ma triangular transparente (ou outro meio de refração ou de difração),
atravessando-o e projetando-se sobre um anteparo branco, fenômeno
este conhecido como Dispersão Luminosa. Optou, então, pela teoria
corpuscular de propagação da luz, enunciando-a em 1675 e contrarian­
do a teoria ondulatória de Huygens (□). Tornou-se professor de mate­
mática em Cambridge (1669) e entrou para a Royal Society (1672). De
1687 a 1690 foi membro do Parlamento Britânico, em representação da
Universidade de Cambridge, e tornou-se presidente da Royal Society
em 1703. Como todos os grandes cientistas, Newton era humilde, como
nas conhecidas frases ([184], apud [185]); “Se eu vi mais longe, foi por
estar de pé sobre ombros de gigantes”; “O que sabemos é uma gota, o
que ignoramos é um oceano”; “Eu não sei como eu posso parecer ao
mundo, mas para mim, eu pareço ser apenas como uma criança brin­
cando na beira do mar, divertindo-me e encontrando um seixo mais
liso ou uma concha mais bonita do que o ordinário, enquanto o grande
oceano da verdade permanece todo não descoberto diante de mim”; “Se
fiz descobertas valiosas, foi mais por ter paciência do que qualquer ou­
tro talento”.
Newton é, além disso, um “exemplo fascinante de um cientista
proeminente que foi também um homem de fé (cristã) muito devoto,
ainda que não ortodoxo em alguns aspectos” [13]. “Newton foi profun­
damente religioso em toda a sua vida. Várias fontes dizem que dedicou
mais tempo ao estudo da Bíblia do que da própria ciência, escrevendo
mais de 1 milhão e 400 mil palavras sobre teologia” [99], Escreveu mais
sobre religião do que sobre ciência. Dizem alguns biógrafos que ele per­
maneceu virgem (mas não é claro se por generosidade religiosa ou pela
timidez de temperamento).
Newton não hesitou, no Scholion Generale dos Principia, em iden-
Iificar o espaço absoluto com a onipresença de Deus e o tempo absoluto
com a eternidade de Deus. E no Querry 28 do seu tratado sobre Ótica,
concluiu a partir dos fenômenos físicos que “existe um Ser incorpóreo,
vivente, inteligente, onipresente, o qual, no espaço infinito, que é como
o seu Sensor, vê as coisas intimamente, percebendo-as completamente
e as entendendo totalmente pela imediata presença delas a Si mesmo”
([17], pp. 157 e ss.). Em cartas a Richard Bentley há vários argumentos
para provar que a estrutura do universo implica a existência de Deus
como Criador ([17], p. 158). Uma coincidência com Kepler é o fato de
Newton ter sido considerado como “religiosíssimo” por alguns biógra­
fos, e na realidade frequentava de forma regular serviços religiosos da
capela anglicana local. Um profundo estudioso das Escrituras Sagradas,
dominava o conhecimento de línguas clássicas e conseguiu ler versões
do Novo Testamento em seus próprios originais (id.).
Aos vinte anos passara por uma espécie de crise religiosa. Afinal re­
solveu examinar a própria consciência e escreveu uma lista de pecados
próprios, entre os quais incluía: “Pensamentos impuros, palavras, atos e
sonhos”; “Nadando em Teu dia”; “Palavras fúteis em Teu dia e em ou­
tros tempos”; “Colocando meu coração mais no dinheiro, no prazer de
saber do que em Ti”; “Não vivendo de acordo com meus pensamentos”;
“Não Te amando por Ti mesmo”; Não desejando Tua vontade”; “Não Te
temendo a ponto de não Te ofender”; “Negligência na oração” ([94], pp.
19 e 23, citado em [13]).
John Locke dizia que poucas pessoas conheciam a Bíblia tão bem
como Newton ([94], p. 199, citado em [13]). Ele queria certeza na sua
crença, assim estabeleceu uma série de regras para a interpretação da
Bíblia ([94], p. 129, citado em [13]). Newton acreditava que ele era parte
de uns poucos escolhidos por Deus para restaurar a interpretação da
Bíblia ([95], p. 299, citado em [13]).
Um dos seus parentes e biógrafos descreveu sua vida como “tra­
balho contínuo, paciência, humildade, temperança, mansidão, huma­
nidade, generosidade e piedade sem qualquer sinal de vícios” ([94], p.
306, citado em [13]), ainda que este elogio possa ser o produto de uma
glorificação de um herói, observa [13].
A religiosidade de Newton é carregada de emoção com louvor e
glória pela maravilha do poder infinito do Criador. Era generoso com os
pobres, distribuindo exemplares da Bíblia e ajudando amigos em necessi­
dade, bem como a outros que recorriam a ele. Tinha uma “fé de criança”
e vivia conscientemente como puritano. Era enfaticamente protestante.
Só se caiu na conta da heterodoxia [em termos religiosos] de Newton no
século XX ([[94], p. 304, citado em [13]). Ele acreditava no primado das
Escrituras, mas questionava sua inspiração [divina] em alguns lugares;
acreditava no que é referido sobre Moisés, mas contrapunha outros tes­
temunhos antigos ([94], p. 139, citado em [13]). E ele achava que havia
alterações nos textos bíblicos. ([95], p. 284, citado em [13]). Em particular,
acreditava que houve modificações nos textos trinitários. Ele era ariano
(Arius e seus seguidores, no século IV, afirmavam que Jesus Cristo não era
Deus) e por isso considerava a adoração de Cristo uma idolatria.
Provavelmente por causa da sua falta de ortodoxia, Newton acha­
va que a religião deveria ser mais tolerante, embora ele próprio não
fosse tolerante com relação à Igreja Católica Romana ([95], pp. 285,
297 e 288, citado em [13]). Durante certo tempo esteve disposto a dei­
xar sua fellowship [em Cambridge], para não ceder na sua heterodoxia.
Mais adiante na vida, ficou mais flexível, entretanto permaneceu fiel à
sua crença ariana até o fim da vida, embora tenha se comportado como
um bom cristão anglicano e atendendo aos serviços na capela do Trinity
e mais tarde, em Londres [99]. Não recebendo os sacramentos antes da
morte, não queria que alguém o soubesse ([94], pp. 241,302 e 310, citado
em [13]).
A ciência de Newton era intimamente ligada à sua teologia. No
Scholion Geral dos seus “Principia”, ele afirma que o propósito da obra
foi estabelecer a existência de Deus ([94], pp. 205 e 290; [97], p. 12; [96],
p. 169, [95], pp. 292 e 300, citados em [13]). Era para combater o ateís­
mo ([95], p. 292, citado em [13]). Propunha-se a desafiar a explicação
mecanicista [do Universo] e apontar para uma Divindade benevolente,
um Criador inteligente ([98], p. 26, citado em [13]).
Ele acreditava que o Universo é regido por leis gerais naturais, esta­
belecidas por Deus, mas preservado por uma Providência especial, isto
é, ajudado por atos sobrenaturais como os cometas ([98], p. 27; [95], p.
290,apud [13]).
Sua descoberta mais importante, de acordo com suas próprias pala­
vras: “A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido
origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode. Isso fica
lendo a minha última e mais elevada descoberta” ([184], apud [185]). “É
próprio da perfeição das obras de Deus que todas foram feitas com gran­
de simplicidade. Ele é o Deus da ordem, e não da confusão” ([186], apud
[185]). “O ateísmo é tão odioso e sem sentido para a humanidade que ele
nunca teve muitos adeptos” [185]. “O outro lado da religião é constituído
pelos nossos deveres com relação aos seres humanos. Nós devemos amar
nossos próximos como a nós mesmos, nós devemos ser caridosos com to­
das as pessoas, porque a caridade é a maior das graças, maior mesmo que
a fé e a esperança e cobre uma multidão de pecados. Devemos ser corretos
c fazer aos outros o que gostaríamos que eles nos fizessem” [185],
Os funerais de Newton foram de um herói nacional, sendo mais
tarde construído para ele um monumento dentro da Abadia de West-
minster, algo negado a vários da mais alta nobreza, sendo ele, até, então
o único cientista a receber esta honra. Ele havia recebido o título de
“Sir”, em 1708, o primeiro cientista a receber tal homenagem.

Leibniz [82], [86]


Barão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), alemão, nascido em
Leipzig, é considerado um dos maiores filósofos e matemáticos de todos
os tempos. Órfão de mãe aos seis anos, aprendeu praticamente sozinho
latim e grego para ler grandes autores na biblioteca de seu pai. De 1661
a 1666 cursou a Universidade de Leipzig como estudante de Direito,
quando então, teve contato com textos de filósofos modernos da época,
tais como Bacon, Hobbes, Galileo (□) e Descartes (□).
Antes dos vinte anos já dominava o conteúdo dos livros - textos
sobre Matemática, Filosofia, Teologia e Direito. Em 1666 escreveu “De
Arte Combinatoria”, no qual formulou um modelo que é o precursor
teórico de computação moderna. Em 1667 Leibniz dedicou-se a um tra­
balho no qual mostrava a necessidade de uma filosofia e uma aritmética
do Direito e uma tabela de correspondência jurídica. Tratava-se de um
sistema lógico de catalogação que pode muito bem ser comparado aos
atuais princípios da informática. Por causa desse trabalho, foi incum­
bido de fazer a revisão do “corpus juris latini”, a então consolidação do
Direito romano vigente.
Na área religiosa Leibniz se esforçou para a união das religiões pro­
testante e católica. Ele trabalhou no Demonstrationes Catholicae, cujas
especulações levaram-no a situar a alma num determinado ponto e a
desenvolver o princípio de razão suficiente, segundo o qual nada acon­
tece sem uma razão.
Em Paris, conheceu Antoine Arnauld, líder dos jansenistas. Com
Arnauld, Leibniz discutiu sobre a possibilidade da união das igrejas, so­
bre filosofia e matemática. Perdendo, por morte, sucessivamente os seus
protetores, Leibniz busca meios de manter-se, construindo uma máqui­
na de calcular, um aperfeiçoamento de uma desenvolvida anteriormente
por Blaise Pascal (□). Lança em 1675 os fundamentos dos cálculos dife­
rencial e integral. Continua a manter debates sobre a união das religiões
protestante e católica, primeiro com o bispo Cristóbal Rojas de Espínola
e, através de correspondência, com Jacques Benigne Bossuet, famoso
bispo católico francês.
Nessa época Leibniz se ocupou de várias tarefas, entre elas da ins­
peção dos conventos e melhoria da educação com fundação de acade­
mias, e desenvolveu inúmeras pesquisas sobre prensas hidráulicas, moi­
nhos, lâmpadas, submarinos, relógios, idealizou um modo de melhorar
as carruagens e fez experiências com o elemento fósforo recém-desco-
berto pelo alquimista alemão Henning Brand. Desenvolveu também
uma bomba d agua para melhorar a exploração das minas próximas, nas
quais frequentemente trabalhou como engenheiro entre 1680 e 1685.
Leibniz é considerado um dos criadores da geologia, devido à riqueza
de suas observações, inclusive devido à hipótese de ter sido primeiro
a terra líquida, ideia que apresenta no seu Protogeae, que somente foi
publicado após sua morte, em 1749.
Tantas ocupações não interromperam seu trabalho em matemática.
Em 1679 aperfeiçoou o sistema de numeração binário, base da moderna
computação e, ao fim do mesmo ano, propôs as bases do que é hoje a
topologia geral, parte da alta matemática. Nessa mesma época, cerca
de 1683, continuou a aperfeiçoar seu sistema metafísico, buscando uma
noção de causa universal de todo ser, tentando chegar a um ponto de
partida que reduzisse o raciocínio a uma álgebra do pensamento. Con­
tinuou também a desenvolver seus conhecimentos matemáticos e de fí­
sica. Em 1684 publicou “Nova Methodus pro Maximis et Minimis”, uma
exposição do seu cálculo diferencial.
Desde 1665 Newton (□) também havia descoberto o cálculo, mas
apenas comunicara seus achados aos amigos e não os publicou. Entre
esses amigos estava John Collins. Quando se soube que Leibniz havia
estado com Collins na Inglaterra e visto alguns escritos de Newton,
abriu-se a questão se Leibniz não teria se valido dessa informação no
seu desenvolvimento do cálculo.
Dono de enorme energia intelectual, Leibniz continuou estudos
dos mais diversos, a partir daquele momento sobre a história da Ter-
ra, compreendendo os eventos geológicos e a descrição de fósseis. Pro­
curou, por meio de monumentos e de vestígios linguísticos, a origem
das migrações dos povos, origem e progresso da ciência, ética e política
e, finalmente, por elementos da história sacra. Em seu projeto de uma
história universal Leibniz nunca perdeu de vista o fato de que tudo se
interliga. Apesar de não conseguir escrever essa história, seus esforços
foram influentes porque divisou novas combinações de velhas idéias e
inventou outras totalmente novas.
Em 1695 expôs uma parte de sua teoria dinâmica do movimento
no Système Nouveau, em que tratava do relacionamento de substâncias
e da harmonia preestabelecida entre a alma e o corpo. Dizia ele: Deus
não necessita intervir na ação do homem por meio de seu pensamen­
to, como Malebranche postulava, ou dar corda num tipo de relógio de
modo a conciliar os dois; em lugar disso, o Supremo Relojoeiro fez que
se correspondessem exatamente corpo e alma; eles dão sentido um a
outro desde o começo. Em 1697, em “Sobre a origem das coisas”, Leibniz
tentou provar que a origem última das coisas não pode ser outra se­
não Deus. Mais uma vez (em 1700) pôs-se a trabalhar arduamente pela
união das igrejas: em Berlim tratava-se de unir luteranos e calvinistas;
em Paris havia a oposição de Bossuet; em Viena, para onde retorna,
consegue o apoio do Imperador, e na Inglaterra são os anglicanos que
precisam ser convencidos.
Cabe aqui um breve resumo da Teoria do Conhecimento de Leibniz,
pois, a partir dele, chega à existência de Deus. De acordo com Leibniz, a
razão afirma que uma coisa só pode existir necessariamente se, além de
não ser contraditória, houver uma causa, causa de origem e causa final
que a faça existir. Tira daí dois princípios inatos. O primeiro princípio
inato é o Princípio da Não-Contradição do que é explicado ou demons­
trado. Ao primeiro princípio correspondem as verdades de razão. São
necessárias, têm a razão em si mesmas. O predicado está implícito na es­
sência do sujeito. As verdades de razão são evidentes a priori, indepen­
dentes da experiência. As verdades de razão são necessárias, fundam-se
no princípio da não-contradição, como na proposição “dois mais dois
são quatro”: Não poderiam não ser. Não cabe contradição possível. O
segundo princípio é o Princípio da Razão Suficiente da existência da
coisa em questão. Para que uma coisa seja, é necessário que se dê uma
razão para que seja assim e não de outro modo. Ao segundo princípio
correspondem as verdades de fato. Estas não se justificam a priori, mas
sim pelo princípio da razão suficiente. As verdades de fato são contin­
gentes. A sua razão resulta de uma infinidade de atos passados e pre­
sentes que constituem a razão suficiente pela qual ele se dá agora. São
atestadas pela experiência. São as verdades científicas, que são de um
jeito, mas poderiam ser de outro. A água ferve a cem graus centígrados,
eis um dos muitos exemplos de verdade contingente. Essas verdades de­
pendem de experiência que as comprove.
Em Deus desaparece a distinção entre verdades de fato e verdades
de razão, porque Deus conhece atualmente toda a série infinita de razões
suficientes que fazem que cada coisa seja aquilo que é. Para Leibniz, a
vontade do Criador submete-se ao seu entendimento; Deus não pode
romper Sua própria lógica e agir sem razões, pois essas constituem Sua
natureza imutável. Consequentemente, o mundo criado por Deus estaria
impregnado de racionalidade, cumprindo objetivos propostos pela mente
divina. Deus calcula vários mundos possíveis e faz existir o melhor desses
mundos. Entre tantos mundos possíveis (existentes em Deus como possi­
bilidades), Deus dá existência a um só e a escolha obedece ao critério do
melhor, que é a razão suficiente do existir do nosso mundo.
Esta ideia do melhor dos mundos possíveis foi objeto de uma “go­
zação” por Voltaire em Candide, tantos são os males morais e físicos no
mundo. Acontece que, como observa [86], a coisa não deve ser interpre­
tada simplisticamente, pois para Leibniz existe uma relação necessária
entre o bem e o mal no mundo, ou por outras palavras, os males são o
“preço a pagar” pela existência dos bens.
A filosofia de Leibniz ficou especialmente conhecida pela introdu­
ção da ideia de “mônada”. (Não cabe, dentro do objetivo deste texto,
explicar em que consista a mônada; o leitor interessado encontrará uma
explicação bastante didática na referência [82]). Baste, para o propósi­
to deste trabalho, referir que, para Leibniz, no cume da hierarquia das
mônadas, está Deus, que é Ato Puro {{voltando à expressão (e ideia?) de
São Tomás de Aquino}}.

Halley [307], [308]


Edmond Halley (1656-1742), inglês, foi astrônomo (atividade pela
qual ficou mais conhecido), físico, matemático, geofísico e meteorolo­
gista. Há alguma dúvida sobre a data de seu nascimento - a data dada
aqui está nos dois sites citados acima.
Nasceu numa pequena cidade perto de Londres (atualmente dentro
de Londres), filho de pai rico, fabricante de sabão, que tinha o mesmo
nome do filho. Desde criança se interessou pela matemática. Estudou
primeiramente com um tutor em casa, depois na St. Pauis School, onde
se distinguiu principalmente nos clássicos e na matemática, e finalmente
em Oxford, no Queen College, onde ingressou em 1673. Ao ingressar em
Oxford, já era um astrônomo de qualidade, tendo observado as variações
na bússola e o movimento das estrelas ao longo do ano. Ainda como estu­
dante de graduação, em Oxford, publicou sobre o sistema solar, inclusive
a ocultação de Marte pela Lua, fato que foi publicado nas Philosophical
Transactions ofthe Royal Society, e sobre manchas solares.
Depois da graduação, em 1676, sobre a qual pairam dúvidas se ela
foi concluída, ele foi à ilha de Santa Helena, com a intenção de, no He­
misfério Sul, estudar as estrelas. Para esse empreendimento contou com
a ajuda financeira de seu pai e do rei, Charles II. Em 1678 publicou Ca-
talogus Stellarum Australium (Catálogo das Estrelas do Hemisfério Sul),
que incluía detalhes de 341 estrelas vistas do Hemisfério Sul. Apesar
de possivelmente não ter se graduado em Oxford, tornou-se um dos
astrônomos mais importantes do seu tempo. Em função dessa fama, ob­
teve o M.A. em Oxford, sem fazer exames, por ordem do rei em 1678 e
tornou-se também fellow da Royal Society no mesmo ano, com apenas
22 anos, um dos fellows mais jovens. Em 1686 publicou um texto sobre
os ventos no Hemisfério Sul, identificando o calor solar como a causa
dos movimentos atmosféricos. Ele também estabeleceu a relação entre a
altura de um lugar e a sua pressão atmosférica.
Casou-se com Mary Tooke em 1682, tendo três filhos. Um proble­
ma que o interessava era o das três Leis de Kepler sobre os movimen­
tos dos planetas. Ele provou que a terceira lei implicava que a atração
gravitacional era proporcional ao inverso da distância, mas não conse­
guiu provar que as órbitas dos planetas são elípticas. Visitou então Isaac
Newton (□), em 1684, em Cambridge e ficou sabendo que Newton já
havia resolvido completamente não só esse problema, mas vários outros
de Mecânica, apesar de nada ter publicado.
Halley teve a grandeza de verificar o gênio matemático maior de
Newton e o convenceu a escrever os Philosophiae Naturalis Principia
Mathematica (Princípios matemáticos da Filosofia da Natureza, 1687),
que foi efetivamente publicado às expensas de Halley. Ele não somente
pagou as despesas, mas corrigiu as “provas” tipográficas, abandonando
temporariamente o próprio trabalho para urgir a publicação do “opus
magnum” de Newton.
Como cristão, Halley não interpretava a Bíblia literalmente, como
era a maneira usual de fazê-lo na época. Newton lamentava que Halley
duvidasse da versão da Bíblia sobre a criação. Em 1691, precisando de
uma posição remunerada, pois o pai tinha se casado de novo, ele se
candidatou a uma cadeira de astronomia em Oxford, que estava vaga.
A sua posição pouco ortodoxa em termos de interpretação da Bíblia
contribuiu para que ele não fosse o escolhido. Em 1693, Halley publicou
um artigo, que foi o predecessor da ciência atuarial. Esse artigo permitiu
ao governo britânico vender o que seria hoje um plano de previdência.
Em 1699, comandando um navio britânico, viajou para fazer pesquisas
extensivas sobre o magnetismo terrestre. Uma segunda viagem, no ano
seguinte, permitiu-lhe fazer observações sobre o magnetismo terrestre
do paralelo de 52 graus no Hemisfério Norte ao Paralelo simétrico no
Hemisfério Sul. Esses resultados foram publicados em Chart ofthe Va-
riations ofthe Compass (Mapa das variações da bússola, 1701), que foi
o primeiro mapa a respeito, onde aparecem as linhas isogônicas, tam­
bém chamadas de Linhas de Halley, que indicam os lugares que têm o
mesmo ângulo apontando para o polo. Em 1703 (ou 1704?) foi eleito
Savilian Professor de Geometria de Oxford, tendo-lhe sido outorgado
um doutorado honoris causa em 1710.
Halley teve parte ativa nas controvérsias científicas de seu tempo,
apoiando Newton na questão da prioridade, com relação a Leibniz (□),
da invenção do cálculo diferencial e integral. (Efetivamente, está bem
estabelecido, hoje em dia, que Newton o inventou antes, havendo dúvi­
das se Leibniz não teria lido uma carta de Newton a uma terceira pessoa
sobre o assunto).
Em 1705 publicou um texto em que conjecturava que os cometas
que haviam aparecido em 1456, 1531, 1607 e 1682 eram um único co­
meta, que deveria aparecer de novo em 1758. (Ele achava, acertadamen-
te, que as órbitas dos cometas eram elípticas, enquanto Newton achava
que eram parabólicas). Quando isso de fato aconteceu, dezesseis anos
depois de ele falecer, o cometa tomou o seu nome. Em 1710, usando o
catálogo de Ptolomeu, concluiu que as estrelas se movem, detectando o
movimento de três estrelas. Em 1720 foi designado Astrônomo Real do
Observatório Real de Greenwich, uma posição que ocupou até a morte,
aos 85 anos de idade, tendo deixado o seu nome, além do cometa, numa
cratera em marte, outra na Lua, uma Estação de Pesquisa na Antártica e
um método para solução numérica de equações.

De Moivre [370], [372], [373]


Abraham de Moivre (1667-1754) nasceu em Vitry-le-François, a
meio caminho entre Paris e Nancy. Seu pai era cirurgião, a família luta­
va financeiramente, algo equivalente hoje a classe média baixa. Seus pais
eram protestantes, mas sua primeira educação foi na Escola dos Lassa-
listas, católica. Era uma escola tolerante em termos religiosos, tendo em
Vista a tensão religiosa da época. Aos onze anos seus pais o enviaram à
icademia protestante em Sedan, onde ele passou quatro anos, segundo
[|70|, ou cinco anos, segundo [372], dedicado especialmente ao estudo
do grego. Essa academia foi suprimida em 1682 apesar da (teórica) li­
berdade de culto na França desde o Edito de Nantes em 1598. Seja dito
de passagem que a intolerância incomodava não só os protestantes, mas
deixava os clérigos católicos numa posição que eles próprios considera­
vam desconfortável. De Moivre teve que sair e começou a estudar lógica
em Saumur até 1684. Embora a matemática não fizesse parte do currí­
culo, ele começou a estudá-la por conta própria; leu o texto de Huygens
(n) sobre jogos e sorte, De ratiociniis in ludo aleae (“Sobre o raciocínio
em jogos de probabilidades”).
Com a família, mudou-se para Paris, prosseguindo seus estudos no
Collège de Harcourt, tomando cursos de física e, pela primeira vez, teve
uma instrução formal em matemática. Revogado o Edito de Nantes em
1685 por Louis XIV, a perseguição religiosa na França tornou-se séria,
levando à expulsão dos Huguenotes (calvinistas). De Moivre foi preso
por suas convicções religiosas no Priorado de St. Martin. Não é claro
quanto tempo ele ficou na prisão, alguns biógrafos (católicos, segundo
[370]) dizendo que ficou pouco tempo, enquanto os biógrafos protes­
tantes (ainda segundo [370]) dizem que ele ficou cerca de três anos an­
tes de ir para a Inglaterra. De acordo com [372], ele foi no mesmo ano,
1685, para a Inglaterra.
Chegando a Londres, tornou-se professor particular (tutor) de ma­
temática. Nessa época já era um matemático competente, familiarizado
com muitos dos textos usados então. Ele teve acesso aos “Principia” de
Newton (□) e caiu logo na conta de que esse texto era muito mais pro­
fundo que todos os que havia lido. Comprada uma cópia, começou a
lê-lo e relê-lo, enquanto ia da casa de um aluno para a de outro. E com
o seu gênio, foi capaz, nessas circunstâncias desfavoráveis, de dominar
o conteúdo daquela obra de mestre. Sendo francês, não podia aspirar a
uma cátedra na Inglaterra. Mas em 1692 De Moivre conheceu Newton
e os dois se tornaram amigos. Ele escreveu então seu primeiro artigo
sobre os fluxions (que era o termo empregado por Newton para o que
se chama, a partir de Leibniz (□), de “diferencial”), comunicando-o à
Royal Society e em 1697 foi eleito para a mesma Sociedade.
Sem poder ter uma cátedra na Inglaterra, continuou suas pesquisas
de matemática, sendo um dos pioneiros no desenvolvimento da Geo­
metria Analítica e da Teoria de Probabilidades. Publicou em 1718 The
Doctrine of Chance: A method of calculating the probabilities ofevents in
play (“A doutrina da chance: um método para calcular as probabilidades
de eventos”)- Uma versão em latim do texto já havia sido apresentada
à Royal Society e publicada em 1711 nos Philosophical Transactions. O
texto em inglês teve três edições ulteriores, a última em 1756. Esta úl­
tima continha o que teria sido a contribuição mais importante de De
Moivre para a Teoria de Probabilidade, a saber, a aproximação à dis­
tribuição binomial no caso de um grande número de eventos binários.
Esse texto contém “a primeira ocorrência [na literatura científica] da
distribuição chamada ‘normal’”. Inclusive parece que ele percebeu, sem
denominá-lo, o parâmetro que atualmente é chamado de desvio padrão
([371] citado em [370]).
As tabelas de mortalidade, usadas por empresas de seguros de vida,
começaram com um trabalho de Halley em 1693. De Moivre, amigo
dele, se interessou pelo problema, trabalhando e publicando em 1724
Annuities on lives, texto que teve também várias edições posteriores.
Esse texto mostra como se deve calcular a anuidade que o interessado
(o prêmio, como se diz eufemisticamente hoje em dia) deve pagar para
uma dada aposentadoria vitalícia.
Em 1710 De Moivre foi nomeado para a comissão estabelecida
pela Royal Society com o objetivo de verificar a prioridade da inven­
ção do cálculo diferencial e integral, se Newton ou Leibniz. Ora, De
Moivre era muito amigo de Newton, o que mostra que a Royal Society
sabia o que queria.
De Moivre também é conhecido pela fórmula (cos x + isenx)n ,
onde i é a raiz quadrada de -1, a unidade dos chamados números ima­
ginários. Essa fórmula levou a trigonometria para dentro da análise e
foi importante no desenvolvimento da teoria dos números complexos.
A fórmula aparece em um artigo que De Moivre publicou em 1722, mas
bem antes, em 1707, ele tinha apresentado uma fórmula parecida. Ape­
sar de sua competência, não conseguia obter uma cátedra, tendo apela­
do também a Leibniz por uma cátedra na Alemanha, mas sem sucesso.
De Moivre viveu, assim, seus últimos anos na pobreza e na obscuridade,
porque seus amigos e colaboradores faleceram antes dele. De Moivre
não se casou. Suas horas de lazer eram dedicadas à leitura de Molière,
Rabelais etc.
Em 1754, já com a visão e audição muito prejudicadas, foi eleito
membro associado da Academia de Ciências de Paris. Ele integrou tam­
bém a Academia de Berlim. De Moivre previu com exatidão o dia da
própria morte do seguinte modo: ele verificou que, na velhice, dormia
cada noite quinze minutos a mais que na noite anterior. A morte ocor-
reria quando ele dormisse 24 horas, um cálculo fácil de ser feito, e foi o
que aconteceu. De Moivre era calvinista, como visto acima, e é citado
em [219] como cientista de fé cristã.

Saccheri [388], [399], [402]


Giovanni Girolamo Saccheri (1667-1733) nasceu em San Remo,
Gênova (atual Itália) e faleceu em Milão, também na Itália. Foi um pa­
dre jesuíta e matemático. Ele ingressou na Companhia de Jesus (a Or­
dem dos Jesuítas) em 1685 em Gênova; cinco anos depois foi enviado a
Milão, onde estudou filosofia e teologia na Faculdade dos Jesuítas. Du­
rante esse período foi encorajado a estudar matemática. Foi ordenado
padre em 1694. Ensinou filosofia em Turim de 1694 a 1697 e filosofia,
teologia e matemática em Pavia desde 1697 até morrer.
Publicou várias obras, incluindo Quaesita geométrica (1693), Ló­
gica demonstrativa (1697), em que trata a lógica com definições, pos­
tulados e demonstrações no estilo de Euclides, e Neo-statica (1708).
Ele tornou-se especialmente conhecido por sua última publicação, em
1733, ano de sua morte, Euclides ab omni naevo vindicatus (Euclides
livre de toda falha), que tem importantes contribuições para a geome­
tria não euclidiana. É atualmente considerado como o segundo trabalho
nesse assunto. O objetivo deste trabalho era demonstrar que a negação
do 5o. Postulado de Euclides (o das paralelas) conduziria a um absurdo,
partindo dos outros postulados. Ele não conseguiu demonstrar o absur­
do, mas, no processo, tirou várias conclusões que hoje são reconhecidas
como importantes teoremas da geometria não euclidiana. Ele chegou
intuitivamente a resultados que constituem hoje teoremas da geometria
hiperbólica [401]. O grande Gauss (□) descobriu que o 5o. Postulado
podia ser negado, mas ficou tão chocado com a nova estrutura desco­
berta que teve medo de publicar seu trabalho.
Muitas das idéias de Saccheri, segundo [399], foram precedidas
pelo matemático persa do século XI Omar Khayyam, que escreveu um
texto com o título “Discurso sobre as dificuldades em Euclides”. Não há
certeza se Saccheri teve acesso a alguma tradução desse texto ou desen­
volveu as idéias de forma independente. O “quadrilátero de Saccheri”
[400] é atualmente chamado de quadrilátero de Khayyam-Saccheri.

Bernoulli [219], [232], [233]


Johann Bernoulli ou Johannes, João ou Jean Bernoulli, também co­
nhecido por Johann I Bernoulli (1667-1748), nasceu e faleceu na Basi­
léia (Basel), na Suíça. Ele foi o décimo filho de Nicolaus e Margaretha
Bernoulli. Conforme sua autobiografia, seus pais não pouparam esfor­
ços para dar-lhe uma educação apropriada em moral e religião - cal-
vinista cristãos amplamente majoritários na Suíça desde meados do
século XVI. Seu pai queria que ele entrasse numa carreira de negócios,
para os quais, entretanto, não tinha nem gosto nem habilidade. Com
muita relutância, seu pai acabou concordando que ingressasse na Uni­
versidade da Basiléia. Ingressou no curso de Medicina em 1683, mas
estudou também matemática com seu irmão Jakob Bernoulli, doze anos
mais velho, e efetivamente dedicava a maior parte do tempo de estudo
aos artigos de Leibniz (□) sobre o cálculo diferencial e integral. Depois
de dois anos, já se igualava ao irmão na matemática.
Doutorou-se em medicina, mas sua tese foi realmente de aplicação
de malária à medicina, sobre o movimento muscular. Em 1691 foi para
Genebra para dar aulas sobre cálculo diferencial. De lá foi para Paris
onde entrou em contato com o “círculo” de Mersenne (□) e teve con­
versas matemáticas profundas com 1’Hospital, o melhor matemático em
Paris então.
L’Hospital pediu a Bernoulli que lhe explicasse o cálculo recém-
desenvolvido e publicado por Leibniz (o), o que fez, recebendo do mes­
mo um generoso pagamento. UHospital publicaria o primeiro livro de
cálculo, Analyse des infinimetit petits pour Vintelligence des lignes courbes
(1696), baseado nas aulas que recebera de Bernoulli, que ficou furioso
pelo fato de o texto não reconhecer que havia se baseado nas suas aulas.
Efetivamente, a conhecida “regra de rHospital” para cálculo de limites
foi inventada por Bernoulli.
Após a morte de 1’Hospital, em 1707, Bernoulli protestou de forma
enérgica publicamente, afirmando que o livro atribuído a 1’Hospital era
resultado de suas aulas a ele. Ao que parece, o fato de 1’Hospital ter pa­
gado generosamente a ele pelas aulas incluía um trato de silêncio sobre
o real autor da obra. A autoria só ficou confirmada em 1922, quando foi
encontrada uma cópia de um curso dado por ele em Basiléia.
Muito importante para ele foi a correspondência que teve com
Leibniz. Bernoulli teve grande sucesso em achar soluções de equações
diferenciais. Sua produção notável lhe proporcionou em 1695 a oferta
de duas posições como professor, em Halle e em Gronigen, que foi a
escolhida por ele. Tendo se casado com Drothea Falkner, seu primeiro
filho, Nicolaus, também seria matemático. É de se notar que mais dois
de seus filhos também seriam matemáticos, Daniel e Johann II. Em Gro-
ningen, na Holanda, onde permanecería dez anos, se envolveu numa
série de disputas religiosas. Numa delas foi acusado de negar a ressur­
reição, e isto por conta de algumas opiniões de Medicina que tinha. Um
estudante o acusou de seguir a filosofia de Descartes e o mesmo panfleto
o acusava de se opor à fé calvinista e de privar os fiéis da consolação na
paixão de Cristo. (Observe-se que o cristianismo predominante na Ho­
landa, tal como na Suíça, era o calvinismo).
Bernoulli escreveu uma resposta de doze páginas, encaminhada à
direção da Universidade, em que declarava, entre outras coisas: “...du­
rante toda minha vida eu professei a fé cristã reformada...” [232].
Ainda em Groningen, propôs a vários matemáticos de primeira
qualidade, inclusive Newton (□), Leibniz (□) e ao próprio irmão, Jakob,
o famoso problema “braquistócrono”, para o qual Galileo tinha encon­
trado uma solução errada, que é o de achar a curva entre dois pontos
num plano vertical tal que um objeto descendo nela sob a ação da gra­
vidade, sem atrito, chegue ao final em tempo mínimo. Todos os desafia­
dos enviaram a demonstração com a respota certa: a cicloide. O primei­
ro que enviou a resposta não assinou. Mas Bernoulli logo reconheceu a
autoria, dizendo “ex unguene, Leo” (do tamanho da garra, se reconhece
o Leão): era Newton.
Sua relação com o irmão Jakob foi muito amigável até um certo
ponto, a partir do qual se tornou bastante hostil. Após a morte de seu
irmão Jakob, em 1705, Johann ocupou seu lugar em Basiléia. Muito fez
para divulgar o cálculo na Europa. Seu campo de atuação incluía física,
química, astronomia, além da matemática. Em ciência aplicada contri­
buiu extensamente para a ótica. Escreveu sobre a teoria das marés e a
teoria matemática da navegação. Contribuiu ainda em várias áreas da
matemática aplicada, incluindo o movimento de uma partícula num
campo gravitacional. Estabeleceu a equação da catenária, problema co­
locado por seu irmão em 1691.
Johann se tornou ciumento com relação também a seu filho Daniel.
Em 1738 os dois publicaram simultaneamente resultados sobre hidrodi-
nâmica, que deram origem à famosa Equação de Bernoulli, que estabe­
lece a diferença de pressão entre duas superfícies de um mesmo objeto
como função da espessura do objeto e da diferença das velocidades do
fluido nas duas superfícies, equação que explica por que um avião voa.
De acordo com [233], Johann antecipou em dois anos a assinatura do
trabalho para ter precedência sobre seu filho.
Bernoulli adquiriu grande fama durante sua vida. Foi eleito mem­
bro das academias de Paris, Berlim, Londres, São Petersburgo e Bolo­
nha. Foi cognominado o Arquimedes do seu tempo, como consta no
seu túmulo.
Riccati [381], [382]
Jacopo Francesco Riccati (1676-1754), de origem nobre, nasceu em
Veneza e faleceu em Treviso, ambas cidades da então República de Vene­
za, atualmente parte da Itália. Entrou originalmente na Universidade de
Pádua para estudar Direito, mas se tornou amigo de Angeli, que o enco­
rajou a estudar matemática. Logo se tornou famoso, recusando ofertas
de Pedro, o Grande, para ser presidente da Academia de Ciências de São
Petersburgo, além de outros convites, preferindo permanecer na Itália.
Seu trabalho em Hidráulica foi útil para a cidade de Veneza, aju­
dando a construir diques ao longo dos canais. No estudo de equações
diferenciais, seu método de diminuir a ordem de uma equação e separar
variáveis foi importante. Considerou muitas classes gerais de equações
diferenciais e achou métodos de solução que foram amplamente adota­
dos. Tornou-se especialmente conhecido pela equação diferencial que
recebeu seu nome, sobre a qual fez estudos elaborados e deu soluções
para casos especiais. Efetivamente, essa equação já havia sido estudada
por Jacob Bernoulli, tendo sido discutida por ele em um artigo de 1724.
Riccati se correspondeu com um grande número de matemáticos
da Europa e teve uma grande influência em Daniel Bernoulli e em nada
menos que Euler (□). Ele trabalhou também em pêndulos cicloidais, as
leis da resistência ao movimento num fluido e em geometria diferencial.
Teve dois filhos, sendo que um deles, Vincenzo Riccati (n), tornou-se
jesuíta e foi também matemático. O outro filho, Giordano Riccati, foi o
primeiro a medir o Módulo de Young (uma medida da elasticidade dos
sólidos) dos metais, 25 anos antes de Thomas Young. Riccati é listado
em [219] como cientista de fé cristã.

Maupertuis [358], [360]


Pierre-Louis Moreau de Maupertuis (1698-1759) foi matemático,
filósofo e homem de letras. A ele é atribuído o “princípio de ação mí­
nima”, que tem larga aplicação em física. Nascido em Saint-Malo, na
França, foi o filho mais velho numa família moderadamente rica. Seu
pai era membro do Conselho de Comércio e representava a Província
da Bretanha. Sua mãe teve bastante importância na formação do seu
caráter, sendo excessivamente protetora com relação a ele, gerando ciú­
mes no irmão mais novo, que chegou a odiá-lo. Educado inicialmente
em casa por um tutor, foi enviado em 1714 ao Collège de la Marche em
Paris, onde só ficou dois anos, pois sua mãe o chamou de volta a Saint-
Malo. Começou a estudar música em 1717, mas desenvolveu um forte
interesse pela matemática.
Tendo sua mãe julgado que a marinha era muito perigosa, seu pai
lhe garantiu uma comissão de cavalaria em grande parte honorífica em
1718. Depois de três anos na cavalaria, tempo em que ele teve contatos
com círculos sociais e de matemática, foi para Paris e começou a cons­
truir sua reputação como matemático e homem de letras. Em 1723 foi
admitido como adjunto à Academia de Ciências. No ano seguinte es­
creveu seu primeiro artigo, “Sur la forme des instruments de musique”
(Sobre a forma dos instrumentos de música), que estudava o efeito da
forma de um instrumento na notas que produzia. Seguiram-se artigos
em 1726 sobre máximos e mínimos, em 1727 sobre cicloides e outros
artigos sobre outras curvas nos dois anos seguintes. Durante esse perío­
do esteve também interessado em Biologia, tendo escrito um importan­
te trabalho sobre a salamandra.
Em 1728 visitou Londres e foi eleito fellow da Royal Society. Em
1729 esteve em Basiléia, na Suíça, para se aperfeiçoar em matemática
sob a orientação de Johann Bernoulli (□). Na Universidade de lá rece­
beu uma excelente formação e treinamento. De volta a Paris em 1730,
começou a escrever artigos sobre Mecânica. No ano seguinte, escreveu
artigos sobre astronomia e sobre equações diferenciais, obtendo repu­
tação de matemático e cientista. Em 1732 escreveu artigo sobre corpos
em movimento de rotação e sobre os anéis de Saturno, publicados no
Philosophical Transactions ofthe Royal Society ofLondon, mas o artigo
continha erros, que mostravam que ele não havia entendido bem a lei
da gravitação de Newton (□). Ele foi um grande defensor das teorias
newtonianas na França, pois elas ainda não eram bem aceitas fora da
Inglaterra.
Uma disputa na qual se envolveu foi a respeito da forma da Ter­
ra: segundo ele, acertadamente, esta seria achatada nos pólos, enquanto
Cassini dizia que era achatada na Linha do Equador. Em 1736 chefiou
uma missão geodésica francesa, enviada pelo rei Luis XIV, à Lapônia,
para medição do meridiano. Os resultados obtidos, que ele publicou
detalhadamente, mostraram que tinha razão quanto à forma da Terra.
Ganhou fama nessa ocasião, mas, quando voltou, publicou vários arti­
gos atacando rudemente seus adversários, especialmente Cassini. Con­
vidado por Frederico II da Prússia, em 1740, como parte do projeto de
Frederico de trazer para Berlim o que havia de melhor em filosofia e
ciências, Maupertuis foi o primeiro presidente da Academia de Ciências
de Berlim. Depois de uma breve estada lá, ocupou-se de assuntos mi­
litares, tomou parte na Batalha de Mollwitz, sendo feito prisioneiro de
guerra pelos austríacos.
Sendo libertado, voltou a Paris eleito diretor da Academia de Ciên­
cias em 1742 e eleito para a Academie Française no ano seguinte. Em 1741
apresentou um trabalho na Academia de Ciências de Paris intitulado Loi
du repos des corps (Lei do repouso dos corpos). Ele usava o “princípio de
ação mínima”, segundo o qual em todos os fenômenos da natureza uma
quantidade chamada “ação” tende a ser minimizada. Maupertuis desen­
volveu esse princípio por duas décadas. Para ele, a “ação” era expressa
matematicamente como o produto da massa do corpo pela distância que
ele tinha percorrido e pela velocidade em que estava, ou seja, em termino­
logia atual, o produto do “momentum” pela distância. No artigo mencio­
nado, provou que um sistema de corpos em equilíbrio fica num estado no
qual qualquer perturbação é tal que a “ação” é minimizada.
Em 1744 apresentou outro trabalho à mesma Academia, Accord de
plusieurs lois naturelles qui avaient paru jusquici incompatibles (Concilia­
ção de muitas leis naturais que até agora pareciam incompatíveis), para
mostrar que o comportamento da luz na refração é tal que a “ação” é mi­
nimizada. Em 1745 casou-se com Eleonor Borck. Nessa época estava de
volta a Berlim. Enquanto isso, a Academia de Paris cancelou sua filiação
por pressão de Cassini. Em 1746 foi finalmente designado presidente da
Academia de Berlim, uma posição que manteve durante oito anos, apesar
de não falar alemão, o que, a rigor, não era indispensável, pois era possível
se expressar em latim e francês. Frederico II queria uma Academia de pri­
meira classe, a melhor, mas não colocava à disposição os fundos necessá­
rios para tanto. A Academia tinha, porém, uma pessoa de altíssimo nível,
o mais produtivo matemático de todos os tempos, Euler (□).
Em 1745 Maupertuis publicou anonimamente um livro que se tor­
nou popular, parte ciência, parte filosofia e parte erótica, “Vênus physi-
que”. Este trabalho seria um precursor, em termos de Biologia, da Teoria
da Evolução. Em 1746 escreveu um outro artigo, Loix du mouvement et
du repos (Leis do movimento e do repouso), no qual mostrava que na
colisão de massas pontuais, a “ação” era minimizada. Segundo [359] foi
neste artigo que ele enunciou pela primeira vez o “princípio de ação mí­
nima”. Mais ainda, ele achava que o princípio de ação mínima era algo
geral, uma vez que se tratava de um princípio de economia, ou eficiên­
cia. Publicou essas idéias em Essai de cosmologie (Ensaio sobre Cosmo-
logia) e achava que com isto provava a existência de Deus, pois se trata
de um princípio que revela uma grande sabedoria. Portanto, o princípio
de ação mínima era não somente o ponto culminante da obra de Mau­
pertuis nas diferentes áreas da física, mas também o mais importante
resultado da Metafísica, provendo uma prova de Deus incontroversa.
Entretanto, há falhas óbvias no seu argumento. Efetivamente, o
produto da massa pela velocidade e pelo espaço é equivalente à inte­
gral com relação ao tempo, quando a velocidade é constante da então
chamada força viva (atualmente, energia cinética). Leibniz (□) já havia
mostrado que esta grandeza é minimizada em alguns fenômenos e ma­
ximizada em outros. Sua posição ficou extremamente delicada quando
eclodiu a “Guerra dos sete anos” entre sua pátria e a dos seus anfitriões.
Com a saúde fragilizada, retirou-se em 1757 para o sul da França e no
ano seguinte, para Basiléia, na Suíça, onde faleceu.
De acordo com [360], citado em [359], “o brilho do que [Mauper-
tuis] fez foi prejudicado pela sua tendência de deixar os trabalhos in­
completos, sua incapacidade de desenvolver plenamente todo seu po­
tencial. Foi um insight de gênio que o levou a formular o ‘princípio de
ação mínima, mas faltou-lhe energia intelectual ou rigor para dar-lhe
uma fundamentação adequada que Lagrange daria mais tarde...”

Vincenzo Riccati [387], [388]


Vincenzo Riccati (1707-1775) nasceu em Castel Franco Veneto,
Itália, e faleceu em Treviso, no mesmo país. Ele foi o segundo filho de
Jacopo Riccati (□). Sua primeira educação foi em casa e junto aos jesuí­
tas. Ingressou na Companhia de Jesus (Ordem dos Jesuítas) em 1726, fa­
zendo seus estudos e preparação para o sacerdócio em Piacenza, Pádua,
Parma, Roma e Bolonha. Nessa última cidade ensinou matemática no
Colégio São Francisco Xavier durante trinta anos. Vincenzo continuou
os estudos de seu pai sobre integração e equações diferenciais. Tornou-
se especialista também em engenharia hidráulica, aplicando seus conhe­
cimentos ao proteger as regiões de Bolonha e Veneza contra enchentes.
Estudou funções hiperbólicas e as usou para obter soluções das funções
cúbicas. Achou a forma padrão da adição de funções hiperbólicas, suas
derivadas e relação com as funções exponenciais.
Diz-se que Lambert introduziu o estudo das funções hiperbólicas
em 1770, mas na realidade Vincenzo Riccati o precedeu, publicando
artigos sobre o assunto entre 1757 e 1767, alguns deles em coautoria
com Saladini. Vincenzo e Saladini também trabalharam nas “curvas
das rosas” e no problema de Alhazen, a saber, dados dois pontos A
e B, achar o ponto C num espelho circular, tal que um raio de luz,
partindo de A, atinja B depois de se refletir em C. Alhazen tinha uma
solução pouco satisfatória para esse problema. Huygens (□) encon­
trou uma boa solução, que foi simplificada e melhorada por Vincenzo
e Saladini. .
Hoje tratamos as funções hiperbólicas como pares de funções ex-
ponenciais, (ex ± e ‘ )12 , mas elas foram inventadas, de acordo com [388],
por Vincenzo, que as desenvolveu e provou sua consistência, usando
somente a geometria da hipérbole x 2- y 2 = 1 . Ele desenvolveu as proprie­
dades das funções hiperbólicas a partir unicamente de considerações
geométricas, mesmo sabendo dos trabalhos de Euler (□), que tinha in­
troduzido o conceito do número e, base dos logaritmos neperianos, dez
anos antes de Vincenzo. Ver em [388], pp. 37 e ss„ detalhes sobre este
trabalho de Vincenzo.

Euler [35], [36], [162], [163], [286]


Leonhard Euler (1707-1783) é considerado um dos maiores mate­
máticos de todos os tempos, “sem dúvida o maior matemático do século
XVIII” [163],
Nasceu na Basiléia, filho do pastor calvinista Paul Euler, que tinha
vocação para a matemática, e de Marguerite Brucker, filha de um pastor.
Foi seu pai quem lhe proveu os estudos elementares. Frequentou a Es­
cola Secundária local, na qual, entretanto, não se estudava matemática,
mas foi ajudado nisto, privadamente, por um matemático amador. Seu
pai queria que ele fosse pastor. Embora muito religioso, Euler não se
entusiasmou com o estudo da teologia, e seu pai consentiu que mudasse
para a matemática. Euler conservaria, entretanto, por toda a sua vida,
a fé calvinista, fazendo orações diárias e atos de culto em sua casa e, às
vezes, pregando.
Ingressou aos catorze anos na Universidade da sua cidade na­
tal, recebendo, três anos depois, o título de mestre em filosofia, com
uma dissertação em que comparava as filosofias de Descartes (n) e
Newton (□), recebendo ótima orientação em matemática de Johann
I. Bernoulli (□). Aos dezoito anos, o gênio em matemática começou
a produzir trabalhos originais. Na Suíça do século XVIII, entretan­
to, não havia muito trabalho para matemáticos em início de carreira.
Quando se soube que a Academia de São Petersburgo procurava novos
colaboradores, matemáticos de toda a Europa viajaram até à Rússia,
incluindo Daniel e Nicolaus II Bernoulli - filhos de Johann Bernoulli.
Nessa altura, Euler procurava também um lugar acadêmico. Ele obte­
ve uma posição na Academia, mas resolveu viajar para a Rússia só na
primavera seguinte por dois motivos: procurava tempo para estudar
os tópicos do seu novo trabalho e queria tentar conquistar um lugar
vago na Universidade da Basiléia, como professor de Física. Para se
candidatar a esse posto, Euler escreveu um artigo sobre acústica. Ape­
sar da qualidade do artigo, não foi escolhido para o cargo. O fato de ter
apenas dezenove anos teve influência.
Para felicidade de Euler, publicava-se livremente na Academia de São
Petersburgo, e assim muitos dos seus trabalhos foram logo impressos. Em
1727 ele passou a integrar a Academia de São Petersburgo, embora na
cátedra de medicina e fisiologia. Nesse mesmo ano, Nicolaus Bernoulli
morreu e deixou vaga a posição de assistente em matemática, que Euler
ocupou. Euler foi feito professor de física em 1731 pela sua classificação
no ranking da escola. Dois anos mais tarde, Daniel Bernoulli partiu para
Basiléia, sendo substituído por Euler como professor de Matemática.
Com esse novo cargo, viu o seu orçamento melhorar, o que lhe permitiu
trabalhar mais na sua pesquisa matemática e constituir família.
Em 1734, Euler casou-se com Katharina Gsell, também suíça, com
quem teve treze filhos que ele amava ternamente, mas dos quais apenas
cinco sobreviveram à infância. Euler enviuvaria e casar-se-ia uma se­
gunda vez, em 1773, com uma meia-irmã de Katharina, Salomé Abigail
Gsell. Em 1735 Euler resolveu um problema que lhe deu fama mundial,
o chamado “problema da Basiléia”. Tratava-se de somar a série infinita
dos inversos dos quadrados. Johann Bernoulli (□) tinha lutado com esse
problema durante décadas, que desafiou matemáticos de todo o mundo.
Euler desenvolveu um novo método analítico para lidar com o proble­
ma. O seu método permitia também somar todas as séries infinitas do
mesmo tipo em que o expoente é um número par.
Em 1736-37, Euler publicou seu livro Mechanica, no qual tratou ex­
tensivamente da análise matemática da dinâmica newtoniana pela pri­
meira vez. Foi também nessa época que seus problemas de saúde come­
çaram. Euler era constantemente atormentado por fortes crises febris, e
desenvolveu catarata, que acabou por lhe tirar a vista. Durante os anos se­
guintes, Euler produziu trabalhos fundamentais em Teoria de Números,
Séries, Cálculo de Variações, Mecânica, entre outros. Depois de ter ganho,
por duas vezes, o Grande Prêmio da Academia de Paris, Euler recebeu o
convite de Frederico, o Grande, para fazer parte da Academia de Berlim,
o que ele aceitou, tendo em vista a instabilidade política da Rússia.
Deixou São Petersburgo em 1741 e viveu 25 anos em Berlim, onde
escreveu mais de 380 artigos. Ele contribuiría enormemente para o
prestígio da Academia de Berlim. Seu patrão, Frederico o Grande, en­
tretanto, era ateu, e frequentemente debochava da sua fé. Publicou em
Berlim os dois trabalhos que o iriam tornar mais conhecido: lntroductio
in analysin infinitorum (Introdução a análises dos números infinitos), e
Institutiones calculi differentialis (Princípios do cálculo diferencial).
A filosofia de Euler foi também ridicularizada por Voltaire, um
deísta, o mais articulado filósofo de então. Euler não se deixava inti­
midar e rebatia os argumentos, defendendo o cristianismo. Entretan­
to, Frederico começou a interferir também no trabalho matemático de
Euler, e a situação tornou-se intolerável. Essas desavenças fizeram-no
deixar a Alemanha e retornar a São Petersburgo em 1766, onde já rei­
nava Catarina, a Grande. Em 1771, velho e doente, Euler teve sua casa
destruída num incêndio. Tudo o que ele salvou foram seus manuscritos.
Foi nessa época que ficou totalmente cego. Dizia que só a sua fé em Deus
é que lhe permitiu suportar estas provações.
A memória de Euler era lendária, assim como seu poder de con­
centração. Chamado de Análise Encarnada, ele era capaz de recitar
toda a Eneida de cor, e nunca foi atrapalhado por interrupções ou dis­
trações, de modo que muito de seu trabalho foi realizado tendo suas
crianças à volta. Era capaz de realizar desenvolvimentos matemáticos
prodigiosos de cabeça, uma necessidade depois que ficou cego. O im­
pressionante é que, mesmo depois de ficar cego, continuou com seus
projetos, e quase a metade de toda a sua produção científica foi con­
cluída depois de cego.
Mas Euler não logrou todas essas conquistas sozinho, contando
com a ajuda valorosa de dois de seus filhos, Johann Albrecht Euler, que
seguia os passos do pai, e Christoph Euler, que estava na carreira militar,
e também de dois membros da Academia, A. J. Lexell e o jovem mate­
mático N. Fuss, esposo de sua neta. Euler escreveu 866 trabalhos, o mais
produtivo de todos os matemáticos, quase a metade dos quais depois
que ficou cego aos 59 anos de idade.
Muitos dos termos em matemática levam seu nome: números de Eu­
ler, integrais de Euler, critério de Euler, constante de Euler. Os matemáticos
ditos formalistas são aqueles que se deliciam com a forma que uma equa­
ção toma. Euler era decididamente um formalista, como são com frequ­
ência os grandes matemáticos. A possivelmente mais bela fórmula de
Euler é: em + 1 = 0. Nessa única fórmula estão contidas duas constantes
importantíssimas, o número imaginário e os dois dígitos elementares, lem­
brando que e éabase dos logaritmos neperianos, onipresente no cálculo
e na análise, n é a bem conhecida relação entre o perímetro do círculo e o
seu diâmetro e i é a unidade dos números imaginários, igual à raiz quadra­
da de -1. Por sua vez, os dígitos 0 e 1 são suficientes para criar um sistema
numérico, o sistema binário (usado nos computadores). A solução para o
problema das sete pontes de Kõnigsberg foi a base dos estudos de Topolo­
gia, que deveria se desenvolver enormemente no século XX.
Euler fez contribuições de primeira classe em Análise, Cálculo, Te­
oria dos Números, Álgebra, Séries Convergentes e Divergentes e tam­
bém em Física, especialmente na Mecânica dos Sólidos e dos Fluidos,
Astronomia, Ótica e Eletromagnetismo. Seus trabalhos tiveram profunda
influência sobre cientistas como Riemann e Maxwell.
Euler foi cristão por toda a sua vida e frequentemente lia a Bíblia
com sua família. Uma estória sobre sua religiosidade durante sua estada
na Rússia envolve o filósofo ateu Diderot. Diderot foi convidado à corte
por Catarina, mas se tornou inconveniente ao tentar converter todos ao
ateísmo. Catarina pediu a Euler que ajudasse, e Euler disse a Diderot,
que era ignorante em matemática, que lhe daria uma prova matemática
da existência de Deus, se ele quisesse ouvir. Diderot disse que sim, e,
conforme conta De Morgan (□), Euler se aproximou de Diderot e disse,
sério, com um tom de perfeita convicção: “ ( a + bn ) / n = x , portanto,
Deus existe”. Diderot ficou sem resposta, e a corte caiu na gargalhada.
Diderot voltou imediatamente à França.
Muitas das convicções religiosas de Euler podem ser deduzidas de
suas “Cartas a uma Princesa alemã” e sua “Defesa da Revelação Divina
contra as objeções de livre-pensadores”. Esses escritos revelam um cris­
tão convicto e ardoroso e que interpretava a Bíblia de forma literal. De
acordo com [286], “o nome de Euler é um dos pilares da Matemática.
Mais importante ainda, a defesa de sua fé em face do criticismo mordaz
permanece como um monumento definitivo ao seu Salvador”.

Coulomb [383], [386]


Charles Augustin de Coulomb (1736-1806) era filho de Henry Cou­
lomb e Catherine Bajet. A família de seu pai era importante na profissão
do Direito e na Administração do Languedoc (sul da França), e a famí­
lia de sua mãe também era bastante rica. Depois de ter sido educado
em Angulême, a família de Coulomb se transferiu para Paris, onde ele
frequentou o colégio Mazarin (segundo [383], e o prestigioso Collège
des Quatre Nations, segundo [386]), recebendo bons fundamentos de
língua, literatura e filosofia, além de receber a melhor educação dispo­
nível em matemática, astronomia, física e botânica. Entretanto, seu pai
fez algumas especulações financeiras mal-sucedidas, perdeu toda sua
fortuna e ele teve que trocar Paris por Montpellier. A mãe de Coulomb,
entretanto, ficou em Paris, mas Coulomb acompanhou o pai, discordan­
do da mãe quanto à carreira que devia seguir.
A essa altura, os interesses de Coulomb eram principalmente ma­
temática e astronomia e, em Montpellier, ele se associou à Sociedade de
Ciências local em 1757 e apresentou vários artigos sobre os tópicos à So­
ciedade. Coulomb queria entrar na Escola de Engenharia de Mézières,
mas percebeu que, para passar no exame de entrada, precisaria de um
tutor. Assim, em 1758, voltou a Paris com essa finalidade, frequentando
o curso de matemática dado por Camus durante muitos meses, ingres­
sando na Escola de Engenharia citada acima em 1760, graduando-se no
ano seguinte. À época era engenheiro com grau de tenente no Corpo de
Engenharia (do Exército). Nos vinte anos seguintes foi enviado a dife­
rentes missões, sempre envolvido com problemas de engenharia, proje­
tos estruturais, fortificações, mecânica dos solos e muitas outras áreas.
Começando seu trabalho em Brest, em 1764, foi enviado a Martinica,
nas então chamadas índias Ocidentais, o atual Caribe. Coulomb foi en­
carregado de construir um novo Forte Bourbon, tarefa que o ocupou até
1772. Nesses anos mostrou grande habilidade e talento de engenheiro, e
essas experiências lhe seriam de grande serventia nos futuros relatórios de
pesquisa que escreveria mais tarde sobre Mecânica. Sua saúde sofreu bas­
tante durante esse período na Martinica, tornando-se precária até o fim
da vida. Retornando à França, foi enviado a Bouchain. Então começou a
escrever importantes trabalhos sobre a assim chamada Mecânica Aplica­
da. Seu primeiro trabalho foi apresentado na Académie des Sciences em
Paris, em 1773. O trabalho se intitulava Sur une application des règles, de
maximis et minimis à quelque problèmes de statique, relatifs à larchitecture
(“Sobre uma aplicação de regras de máximos e mínimos a alguns proble­
mas de estática, relativos à arquitetura”). {{Hoje, ao invés de “arquitetura”,
diriamos “engenharia civil”}}. Do ponto de vista matemático, o aspecto
mais importante foi o uso do “Cálculo de variações” para resolver proble­
mas de engenharia, uma novidade na época.
O trabalho de Coulomb foi muito apreciado pela Académie des
Sciences. De Bouchain, Coulomb foi enviado a Cherbourg, onde escre­
veu um artigo sobre a bússola, que submeteu para o Grande Prêmio da
Académie des Sciences, em 1777. O trabalho recebeu parte do prêmio.
Esta pesquisa continha o primeiro trabalho de Coulomb sobre a “ba­
lança de torsão”. Em 1779 foi enviado a Rochefort para colaborar com o
Marquês de Montalambert, para construir um forte feito inteiramente
de madeira perto da Ilha dAix. Tal como Coulomb, Montalambert tinha
boa reputação de engenheiro militar para construir fortificações. Du­
rante esse período, Coulomb continuou suas pesquisas sobre Mecânica,
focalizando o atrito, escrevendo Théorie des machines simples, que lhe
valeu o Grande Prêmio da Académie des Sciences, em 1781. Nesse tra­
balho estudou tanto o atrito estático como o dinâmico.
De acordo com os autores de [384], “as contribuições de Coulomb
para a ciência do atrito foram excepcionais. Sem exagero, pode-se dizer
que ele criou esta ciência”. Esse trabalho mudou a vida de Coulomb. Foi
eleito para a seção de Mecânica da Académie des Sciences e, em conse­
quência, mudou-se para Paris, onde, a partir de então, teria uma posição
permanente. Dali em diante nunca mais esteve envolvido em projetos
de engenharia, a não ser esporadicamente, ainda que fosse consultado
nesses assuntos, passando a se dedicar a assuntos de física.
Seu trabalho sobre as balanças de torsão seria usado mais tarde
para estudar as atrações e repulsões de cargas elétricas. Em 1784 escre­
veu Recherches théoriques et expérimentales sur la force de torsion et sur
lelasticité desfils de metal (“Investigações teóricas e experimentais sobre
a força de torsão e sorbre a elasticiade dos fios de metal”). Em 1785 apre­
sentou três trabalhos sobre Eletricidade e Magnetismo:

- Premier Mémoire sur YElectricité et le Magnétisme (“Primeiro Relatório


sobre Eletricidade e Magnetismo”), no qual mostrava “como construir e
usar uma balança (de torsão), baseada na propriedade dos fios de metal de
terem uma força de reação à torsão proporcional ao ângulo de torsão”;
- Sécond Mémoire sur YElectricité et le Magnétisme, no qual determinou
as leis segundo as quais os “fluidos” elétrico e magnético agem seja por
atração, seja por repulsão; e
- Troisième Mémoire sur YElectricité et le Magnétisme, “sobre a quantida­
de de eletricidade que um corpo isolado perde num certo período de
tempo, seja por contato com ar menos úmido, seja pelo contato com
suportes de [materiais] menos “idio-elétricos” (isolantes, na termino­
logia atual).

Ele apresentou, nos anos seguintes até 1791, mais quatro trabalhos
sobre eletricidade e magnetismo, três dos quais sobre eletricidade e um
sobre magnetismo. Todos esses trabalhos foram apresentados à Acadé­
mie des Sciences. A respeito desses artigos, [385] refere que “obtiveram
resultados muito importantes, usando a balança de torsão: lei de atra­
ção, de repulsão, as cargas elétricas, polos magnéticos, distribuição da
eletricidade na superfície de corpos carregados e outros.” Efetivamen­
te, demonstrou a lei do inverso do quadrado da distância nas forças de
atração e repulsão das cargas elétricas, lei que tomou o seu nome. Ele
sugeriu ainda que não há dielétricos perfeitos, propondo um limite a
partir do qual conduz a eletricidade. Esses resultados demonstraram a
ação à distância para cargas elétricas, à semelhança do que Newton (□)
demonstrou para a ação gravitacional.
Esses trabalhos sobre eletricidade e magnetismo foram os mais im­
portantes de Coulomb nesse período. Mas foram apenas uma pequena
parte de toda a sua obra. Efetivamente, entre 1781 e 1806 ele apresentou
25 mémoirs à Académie des Sciences e sua sucessora, o Instituí. Cou­
lomb trabalhou com Laplace (□), Bossut e outros nesse período, e par­
ticipou de nada menos do que 310 comitês da Academia. Ele ainda se
envolveu com projetos de engenharia, o mais notável deles tendo sido
seu relatório sobre os melhoramentos do canal e do porto da Bretanha
em 1783-1784. Foi pressionado a tomar este trabalho, contra sua von­
tade, e acabou sendo considerado culpado de erros, pelo que esteve na
prisão durante uma semana.
Coulomb também trabalhou pelo governo francês em diversas fun­
ções, como em educação e na reforma de hospitais. Em 1784 foi encar­
regado de supervisionar as fontes e suprimento de água em Paris.
Em 1790 teve seu primeiro filho, embora não estivesse casado com
Louise François LeProust Desormeuax. Quando a Revolução Francesa to­
mou conta do país, várias iniciativas que foram tomadas desagradaram a
Coulomb. Estava na época profundamente envolvido nos seus trabalhos
científicos e em nada com a política. Coulomb se retirou com seu amigo
Borda para o campo, numa propriedade dele, a fim de prosseguir com
suas pesquisas científicas. A Académie des Sciences foi abolida e substi­
tuída pelo Institut de France. Coulomb retornou a Paris, sendo eleito para
o Institut em 1795. Em 1797 nasceu-lhe o segundo filho e em 1802 casou-
se finalmente com Louise Marie, mãe dos seus dois filhos.
Vale referir o testemunho de Biot (□) a respeito de Coulomb: “É a
Borda e Coulomb que nós devemos a renascença da física na França,
não uma física de palavras e hipotética, mas aquela física com engenho
e exata que observa e compara as coisas com todo rigor.” A unidade de
carga elétrica no sistema métrico tem o seu nome. Coulomb é citado em
[219] como cientista de fé cristã.

Laplace [277], [281]


Pierre-Simon Laplace (1749-1827) foi matemático, físico e astrô­
nomo brilhante. Nasceu, segundo [277] e [279], próximo de Caen, ou,
segundo [281], em Beaumont-en-Auge, na Normandia, filho de um pe­
queno fazendeiro, Pierre Laplace, que cultivava cidra. Sua mãe, Marie-
Anne Sochon, provinha de uma família rica de fazendeiros. Laplace es­
tudou dos sete aos dezesseis anos na escola de uma abadia beneditina,
segundo [277] e [281]. Seu pai queria que ele fizesse carreira eclesiástica,
católica. Efetivamente, as carreiras mais atraentes na época eram a ecle­
siástica e a militar.
De acordo com [277], tornou-se ligado à escola militar de sua ci­
dade, primeiro como aluno e depois como professor. Mas [279] e [281]
dizem que ele ingressou na Universidade de Caen aos dezesseis anos,
tendo se matriculado no estudo de teologia. E de acordo com [279],
foi na Universidade de Caen que descobriu sua vocação para a mate­
mática, não tendo se graduado em Teologia. Mas todo esse período da
infância e juventude de Laplace é mal conhecido pela História. O que
passa a ser certo é que, aos dezoito anos, foi para Paris depois de im­
pressionar d’A lembert a respeito de seus talentos com uma carta sobre
os princípios da Mecânica, obtendo então uma posição de professor
na Escola Militar.
Laplace começou, então, a produzir uma série de artigos notáveis.
O primeiro, apresentado à Academia de Ciências, foi sobre máximos e
mínimos de funções, melhorando os métodos desenvolvidos por La-
grange. Seu segundo artigo foi sobre equações de diferenças {{usadas
extensivamente hoje em dia em matemática discreta, que se tornou es­
pecialmente importante com o advento dos computadores}}.
Em 1771 enviou o artigo Recherches sur le calcul intégral aux diffé-
rences infiniment petites, et aux différences finies (“Pesquisas sobre o cál­
culo integral com diferenças infinitamente pequenas e com diferenças
finitas”) para o periódico Mélanges de Turin, com equações importantes
para a Mecânica e Astronomia.
Outra descoberta/invenção importante são as chamadas “transfor­
madas de Laplace”, com inúmeras aplicações em física e engenharia. O
“laplaciano”, um operador diferencial, também foi denominado em hon­
ra dele, em função de seus trabalhos conexos. Durante os anos 1770, a
reputação de Laplace cresceu rapidamente. De acordo com [280], citado
em [279], nesse período Laplace “estabeleceu seu estilo, sua reputação,
sua posição filosófica, algumas técnicas matemáticas e um programa de
pesquisa em duas áreas, probabilidade e mecânica celeste, nas quais tra­
balhou até o fim da vida”.
De acordo com [279], os anos 1780 foram aqueles em que Laplace
produziu seus trabalhos mais profundos, que fizeram dele um dos cien­
tistas mais importantes de todos os tempos. Mas isso não foi conseguido
sem prejuízo do relacionamento com seus colegas. Ao que parece, La­
place não era (ou não parecia?) modesto a respeito de suas habilidades.
Lexell visitou a Academia de Ciências em 1780-1781, e relatou que La-
place se considerava o melhor matemático da França. {{Falta de modés­
tia compreensível num homem na casa dos trinta anos...}}.
Em 1780 Laplace, deixando temporariamente a matemática, traba­
lhou e inventou, com Lavoisier, um calorímetro que permitiu demons­
trar que a respiração era uma forma de combustão. Esse trabalho com
Lavoisier marcou o início de uma área importante nas pesquisas de La­
place, a teoria física do calor, em que trabalhou até o fim da vida.
Em 1784, tornou-se examinador da Artilharia Real. Permaneceu
nessa posição durante os dezesseis anos de poder de Napoleão. Foi um
posto que lhe deu bastante trabalho em termos de escrever relatórios.
A vantagem foi que se tornou bastante conhecido pelos ministros. Em
1795 foi fundada a Escola Normal com o objetivo de ensinar professores
de escolas. Laplace começou a ensinar ali no mesmo ano da fundação.
Casou-se aos 38 anos, tendo um filho em 1789 e mais outro depois.
Durante as mudanças políticas na França, procurou sempre estar
bem, respectivamente, com a Revolução, com o cônsul (Napoleão), com
o imperador (idem) e depois com o rei. Em 1799 aceitou do cônsul o
posto de Ministro do Interior, mas, depois de seis meses, foi afastado
por incapacidade administrativa. Foi membro e chanceler (1803) do Se­
nado e grande oficial da Legião de Honra e da nova Ordem da Reunião.
Com a queda de Napoleão, foi nomeado a dignidade com direito a as­
sento na Câmara, sendo feito Marquês em 1817.
Ele viveu seus últimos anos em sua vila em Arcueil, que se tornou
um centro de visitantes sábios e jovens estudiosos, como Biot (□) e Pois-
son, entre outros. Mantinha amizade imperturbável com seu grande ri­
val, Legendre, que se queixava, entretanto, que não era por ele citado.
Suas principais descobertas científicas foram feitas entre os vinte e os
quarenta anos de idade. Nos 38 anos restantes, dedicou-se a escrever
dois textos que se tornaram clássicos: Exposition du systeme du monde
(1796), em cinco volumes, e Traité de Mécanique Céleste (1799-1825).
No primeiro dos textos, apresentou sua famosa hipótese das “nébulas”
{{que hoje chamamos galáxias, mas no seu estudo ele considerou so­
mente a Via Láctea}}. Nesse texto, conjecturava que nosso sistema solar
era o resultado da condensação de gases originariamente incandescen­
tes. Nos cinco volumes tratou dos movimentos aparentes dos corpos
celestes, o movimento dos mares, a refração atmosférica, o movimento
real dos corpos celestes, o momentum (produto da massa pela velocida­
de), a teoria da gravitação universal, a forma da Terra.
A Exposition du systeme du monde foi uma introdução não-mate-
mática ao seu opus magnum, Traité de Mécanique Celeste, em que trata
do equilíbrio e movimento dos sólidos e líquidos, a gravitação universal
e os centros de gravidade do sistema solar. O maior problema nele foi
o estabelecimento das equações diferenciais e suas soluções para deter­
minar os movimentos dos planetas. No segundo volume, trata de Me­
cânica aplicada ao estudo dos planetas, que incluía um estudo sobre a
Terra a partir de diversas observações experimentais feitas até então,
aplicando a eles a teoria dos erros. Estudou também o problema das
marés. No texto não aparecem muitas referências a outros cientistas,
mas hoje é claro que Laplace foi fortemente influenciado por Lagrange
e Legendre.
No Traité de Mécanique Céleste, talvez sua maior contribuição tenha
sido a descoberta da invariância das trajetórias médias dos planetas, com
a consequência da estabilidade do sistema solar. O texto contém ainda
estudos de pressão e densidade, refração astronômica, pressão baromé­
trica e a transmissão da gravidade, que Laplace conjecturou que fosse de
molécula para molécula. Laplace também foi o primeiro a conjecturar
a existência de colapsos gravitacionais, dando origem ao que chama­
mos de “buracos negros”. Depois da publicação do Traité de Mécanique
Celeste, Laplace continuou a aplicar suas idéias de física ao estudo da
capilaridade, dupla refração, teoria do calor, forma e rotação da Terra
e fluidos elásticos. Entretanto, durante esse período, sua proeminência
na ciência francesa chegava ao final e outros, com diferentes concepções
sobre as teorias físicas, começaram a crescer em importância.
Os cinco volumes do Traité de Mécanique Céleste tornaram-no “o
Newton da França”. Foi admitido à Academia de Ciências, primeira­
mente como associado (1773), depois como membro titular (1785). A
primeira edição da Théorie Analytique des Probabilités foi publicada em
1812, consistindo de dois livros; uma segunda edição, publicada dois
anos depois, aumentava em cerca de 30% o material do tratado. O se­
gundo livro contém a definição de probabilidade de Laplace, chamada
mais tarde “regra de Bayes” por Poincaré. Edições posteriores do texto
consideram aplicações da Teoria de Probabilidades aos erros na deter­
minação das massas de Júpiter, Saturno e Urano, bem como a determi­
nação do meridiano da França.
Sua “Exposition du Système du Monde”, sem apelo à matemática, foi
escrita com tal elegância no francês, que lhe valeu uma das quarenta ca­
deiras na Academia Francesa (1816), sendo que durante certo tempo foi
presidente da mesma. Teve atuação proeminente na fundação do “Insti-
tut”, que foi o desenvolvimento da Academia. {{Atualmente o “Institut”
tem várias academias, incluídas a de Letras e a de Ciências)}}.
Foi um dos fundadores do Bureau de Longitudes, sendo durante
certo tempo seu presidente. A Royal Society de Londres e as princi­
pais Academias da Europa o tiveram como membro. Grandes cientis­
tas, como, por exemplo, Bertholet, Cuvier e Humboldt dedicaram suas
obras a ele. Suas obras completas foram publicadas duas vezes: a primei­
ra em sete volumes pelo governo (1843-1847) e a segunda vez por seus
familiares, em treze volumes (1878-1904).
Laplace nasceu e morreu católico [277], apesar da sua famosa frase
dita a Napoleão, que lhe perguntou qual seria o lugar de Deus no seu
“Sistema do Mundo”: “Senhor, não preciso desta hipótese”. {{Na minha
opinião, nesta frase Laplace se antecipou à ciência posterior, ao prescin­
dir de Deus nas suas descobertas, algo que já havia sido anunciado pelo
cardeal Barônio - ver Galileo (□). É interessante que Newton (□) ainda
estava preso aos esquemas anteriores ao afirmar, por exemplo, que o
espaço é o “sensório de Deus”, um conceito inadequado, com todo res­
peito ao seu gênio provavelmente inigualado na história da ciência, pois
Deus é espírito. Newton, grande conhecedor da Bíblia, por essa afirma­
ção mostrava que tomava as Sagradas Escrituras literalmente, como já
foi comentado. Mais ainda, de acordo com [281], Newton contava com
uma intervenção periódica divina para garantir a estabilidade do sis­
tema solar, o que, para Laplace, não era necessário, tendo ele estudado
a fundo as chamadas “variações de segunda ordem”}}. Nesse contexto,
observe-se que dois gigantes, Euler e Lagrange, haviam desprezado os
termos de segunda ordem e foi Laplace quem mostrou que, ao ser inte­
grados ao longo do tempo, poderiam se tornar importantes.
Laplace faleceu em sua residência na Rue du Bac, em Paris, sendo
atendido pelo padre das missões estrangeiras e pelo pároco de Arcueil,
que ele chamava carinhosamente de administrador do último conforto
da religião ([278], apud [277]).

Dalton [219], [254], [256], [286]


John Dalton (1766-1844), nascido numa pequena localidade pró­
xima a Cockermouth em Cumberland, Inglaterra, é considerado o fun­
dador da moderna teoria atômica. Era filho de Quakers; seu pai era te­
celão. Com apenas quinze (ou doze?) anos, John e seu irmão Jonathan
dirigiram uma escola quaker num celeiro vazio. Naquele tempo, um em
cada 215 ingleses era analfabeto, mas todas as crianças quakers eram
alfabetizadas.
Ainda na segunda década de sua vida, contribuiu com vários ar­
tigos com problemas e soluções de matemática em dois periódicos de
diversões matemáticas, sendo desde então considerado um gênio em
matemática. E, no entanto, essa reputação lhe trazia pouca vantagem
financeira. Durante toda sua vida permaneceu um quaker e educador.
Em 1793 foi para Manchester, influenciado por um meteorologista
quaker, ajudando-o nas pesquisas desse assunto, publicando, em 1793,
Meteorological Observations and Essays (“Observações meteorológicas e
ensaios”), que continha meticulosas observações meteorológicas, úteis
até hoje, e tinha também, semanalmente, várias das suas descobertas
posteriores.
Este livro fez de Dalton um pioneiro na Meteorologia, tendo sido o
primeiro a estabelecer a natureza magnética da aurora boreal. Ele tam­
bém demonstrou, usando estatística, que os rios são formados pela chu­
va que satura a terra, e não, como se supunha até então, pela água do
mar, que se infiltraria na terra. Foi nomeado professor de matemática
e de “filosofia natural” (física) no New College de Manchester, que não
seguia a ortodoxia anglicana, ou seja, era considerado dissidente. Na­
quela época, os dissidentes em termos religiosos não podiam frequentar
as universidades inglesas.
Um ano após sua chegada a Manchester, foi eleito para a Manchester
Litterary and Philosophical Society (Sociedade Literária e Filosófica de
Manchester) e, poucas semanas depois, publicou um texto sobre a visão
humana. Apesar de chegar a conclusões equivocadas, como foi demons­
trado posteriormente, quanto às causas do chamado daltonismo (percep­
ção errada de cores), usou, entretanto, um método tão rigoroso para seu
tempo, que a história da ciência o honrou com o nome da doença.
Seguiram-se vários outros trabalhos publicados sobre a chuva, o or­
valho, o calor, a cor do céu, o vapor, além da reflexão e refração da luz.
Em 1800 tornou-se secretário da Manchester Litterary and Philo­
sophical Society e, nos anos que se seguiram, apresentou uma série de
conferências importantes intituladas “Experimental Essays” (Ensaios
Experimentais) sobre a constituição de mistura de gases, a pressão do
vapor, sobre vapores em diferentes temperaturas, seja no ar, seja no vá­
cuo, sobre a evaporação e sobre a expansão térmica dos gases. Ele previa
que qualquer gás poderia ser liquefeito mediante temperatura baixa e
pressão alta, fato que se confirmou posteriormente, como é sabido. Afir­
mou também que um gás se expandiría proporcionalmente (linearmen­
te) à temperatura, mantida a pressão constante, fato que Gay-Lussac, de
modo independente, enunciaria um pouco depois, em 1802.
As descobertas que o tornaram mais famoso foram as relativas ao
seu trabalho pioneiro no desenvolvimento daquilo que seria a moderna
teoria do átomo, a qual, é claro, se desenvolveu muito depois de seus
trabalhos. Um dos primeiros fatos que lhe chamaram a atenção, prede-
cessor da sua teoria do átomo, é a diferença de comportamento entre
líquidos e gases no que diz respeito à mistura. Assim, quando óleo e
água se misturam, o óleo sobrenada e a água fica embaixo. Mas os gases
da atmosfera, nitrogênio e oxigênio se misturam. Ele retomou a ideia do
átomo e de sua estrutura, ou seja, partículas reunidas em uma região e
separadas entre si pelo vazio. (O nome de “átomo” foi retirado dos estu­
dos dos gregos desenvolvidos por Leucipo e seu discípulo Demócrito. A
palavra átomo, de origem grega, significa exatamente indivisível, pois,
segundo Demócrito, sua divisão era impossível).
A primeira publicação de Dalton sobre esse tema está ao final de
um artigo sobre a absorção dos gases em outubro de 1803, publicado em
1805. Dalton verificou também que a pressão exercida por uma mistura
de gases num recipiente é igual à soma das pressões que cada gás exerce
no mesmo recipiente, se estiver sozinho e na mesma quantidade. Não só
isso, mas procedeu à publicação da primeira tabela dos pesos atômicos
relativos; nessa tabela aparecem os pesos atômicos de seis elementos:
hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, carbono, enxofre e fósforo, atribuindo
ao hidrogênio o peso atômico igual a um.
Dalton estudou também o peso atômico de substâncias compostas,
nisto e em outros pontos, que veremos logo a seguir, diferenciando-se
do conceito grego de átomo. Sua teoria sobre os átomos pode ser resu­
mida em cinco pontos:

1) Os elementos são compostos de partículas ínfimas chamadas áto­


mos;
2) Todos os átomos de um dado elemento são idênticos;
3) Òs átomos de um dado elemento são diferentes dos de outro elemen­
to, a diferença podendo ser constatada pelos pesos atômicos diferentes;
4) Os átomos de um dado elemento podem se combinar com os átomos de
outro elemento para formar substâncias compostas; uma dada substância
composta sempre tem o mesmo número relativo de tipos de átomos;
5) Os átomos não podem ser nem criados, nem divididos nem destruí­
dos nos processos químicos; as reações químicas simplesmente mudam
a maneira como os átomos são agrupados.

É impressionante como essa teoria mantém até hoje sua validade,


tendo sido elaborada numa época em que ainda havia alquimistas que
pretendiam transmutar os elementos. Mas ele supôs erroneamente que
os átomos combinam-se um a um. Não tendo notado que dois átomos de
hidrogênio se combinam com um de oxigênio, concluiu erroneamente
que o átomo de oxigênio pesava sete vezes mais que o de hidrogênio. O
atomismo já havia sido proposto antes pelos antigos (Demócrito, grego,
teria sido o primeiro) e por Gassendi cerca de 150 anos antes de Dalton.
Mas os anteriores haviam proposto o atomismo por motivos filosóficos,
enquanto Dalton apresentou razões científicas. Com sua teoria sobre o
átomo, lançou a Química numa direção absolutamente inesperada no
contexto newtoniano que dominava então a ciência. Efetivamente, os
seguidores de Newton tentaram explicar as reações químicas através de
atração gravitacional.
Os químicos, todos, aceitaram rapidamente a teoria de Dalton. Mes­
mo antes de propor sua teoria atômica, Dalton já havia adquirido uma
reputação científica considerável, tendo sido convidado a dar uma série
de conferências na Royal Institution em Londres. Em 1810 Davy propôs
que ele se candidatasse à Royal Society, mas ele declinou do convite, seja
porque os quakers proibiam que seus membros recebessem glórias, seja
por motivos financeiros. Mas a glória lhe veio ao encalço apesar de sua
fé. Em 1822 ele foi proposto e eleito para a Royal Society, sem ser consul­
tado. Em 1830 foi eleito um dos oito membros associados, não franceses,
para a Académie Française de Sciences. Cientistas do mundo inteiro iam
à Inglaterra, para discutir problemas com ele. Oxford lhe outorgou o “Dr.
Honoris causa”. Em 1833 o governo lhe outorgou uma pensão de 150 li­
bras esterlinas, aumentando para 300 libras três anos depois.
Dalton foi presidente da Manchester Litterary and Philosophical So­
ciety desde 1817 até sua morte, contribuindo com 116 memoirs, os mais
importantes tendo sido os primeiros. Dalton nunca se casou por causa
de sua pobreza. E bem que se sentia atraído por belas jovens quakers.
Certa vez perdeu o apetite durante uma semana por causa de uma jo ­
vem quOlcer especialmente atraente. Durante toda sua vida tentou, sem
sucesso, sair dá pobreza. Ele não cobrava nada de seus discípulos. Dal­
ton teve poucos amigos mais íntimos, morando por mais de 25 anos
com seu amigo, o reverendo W. Johns, que falecería um ano depois dele.
Morou sempre em Manchester, foi poucas vezes a Londres e uma única
vez a Paris, onde esteve com muitos cientistas de destaque.
A Associação Britânica para o Progresso da Ciência, que ajudou a
criar, garantiu-lhe uma pensão quando ele chegou à velhice. Nos seus
últimos sete anos de vida teve derrames cerebrais que lhe paralisaram os
movimentos. Dalton foi um quaker extremamente fiel, participando do
serviço religioso duas vezes aos domingos. Muitas vezes participou nos
Conselhos da sua Igreja. Certa vez propôs que houvesse música nos ser­
viços religiosos; mas sendo sua proposta rejeitada, aceitou plenamente
a decisão de seus pares. Ele foi, sem sombra de dúvida, um homem ho­
nesto e temente a Deus.

Fourier [137], [139]


Jean Baptiste Joseph Fourier (1768-1830), francês, nasceu em Auxer-
re e faleceu em Paris. É especialmente conhecido por iniciar a pesquisa na
assim chamada “série de Fourier” e transformada do mesmo nome. Seu
pai, Joseph Fourier, era alfaiate, e enviuvou depois de ter tido três filhos
com a primeira mulher, casando novamente e tendo mais nove filhos,
sendo Jean Baptiste o último. Jean Baptiste mostrou ao início talento para
a literatura, mas já aos treze anos a matemática tornou-se o seu principal
interesse, sendo que aos catorze anos já havia estudado os seis volumes
do Cours de mathématiques de Bézout. Em 1787 ele se decidiu pelo sacer­
dócio católico e entrou na abadia beneditina de St. Benoit-sur-Loire. Seu
interesse pela matemática permaneceu, e ele continuou a se corresponder
com seu professor de matemática em Auxerre.
A partir de certo ponto Fourier passou a ficar em dúvida quanto
à sua vocação para o sacerdócio. Efetivamente, não fez os votos, e dei­
xou a abadia em 1789. Fourier tinha dúvidas se deveria seguir a vida
religiosa ou se dedicar à pesquisa matemática. Mas em 1793 ele passou
a se envolver em política e provavelmente esfriou seu fervor católico,
pois escreveu: “...a sublime esperança de estabelecer um governo livre,
sem reis e padres, e livrar deste duplo fardo o longamente usurpado
solo da Europa. Eu rapidamente me enamorei por esta causa...”. Fourier
não aceitava o poder eclesiástico interferindo na vida política da nação,
algo que foi assimilado pela própria Igreja, só que bem mais tarde. Não
consta que ele tenha abandonado sua fé.
Por outro lado, Fourier não concordou com o Terror, período que
dominou a França por poucos anos. Inclusive esteve preso, temendo que
fosse condenado à morte, mas, no meio tempo, Robespierre foi para a
guilhotina e Fourier foi solto. Em 1794 Fourier foi escolhido para cursar a
École Normale de Paris, uma instituição recém-criada para servir de mo­
delo. Teve como professores de matemática nada menos do que Lagrange,
que Fourier descreveu como “o primeiro entre os homens de ciência na
Europa”, Laplace, que Fourier não considerava tanto, e Gaspar Monge, so­
bre o qual Fourier disse que “tem uma voz forte, é ativo e sabe muito”.
Fourier começou então a ensinar no Collège de France {{uma ins­
tituição única no mundo: suas classes são abertas para qualquer pessoa
e os professores têm a obrigação de lecionar um curso diferente a cada
ano}} e obteve uma posição numa instituição que passaria logo a se de­
nominar École Polytechnique, que logo se tornaria uma das instituições
de mais prestígio no mundo acadêmico. Em 1797 sucedeu Lagrange na
cátedra de Análise e Mecânica. No ano seguinte acompanhou Napoleão,
como assessor científico, na invasão ao Egito. Tendo a esquadra de Na­
poleão sido completamente destruída pela de Nelson, Fourier teve que
ficar no Egito, onde ajudou a criar estabelecimentos de educação e se
dedicou a trabalhos arqueológicos.
Fourier voltou para a França em 1801 e reassumiu sua posição do­
cente ná Escola politécnica. A contragosto, por pedido de Napoleão, foi
designado prefeáo do^Departamento de Isère, com sede em Grenoble.
Foi durante sua estada em Grenoble que Fourier fez seu trabalho ma­
temático importante sobre a teoria do calor. Em 1807 apresentou o tra­
balho, resultado de três anos de pesquisa, a um comitê constituído por
Lagrange, Laplace, Monge e Lacroix. Esse trabalho recebería alta con­
sideração no futuro, mas na época causou controvérsia. Nele, Fourier
introduziu a expansão de funções em séries trigonométricas, objetada
por Lagrange e Laplace. A propósito, [138] escreveu: “Tudo foi escrito
com exemplar clareza do ponto de vista lógico [...] de modo que a inca­
pacidade de persuadir Laplace e Lagrange [...] dá uma boa medida da
originalidade da visão de Fourier”.
Na realidade, como foi demonstrado posteriormente, o resultado
de Fourier não vale para todas as funções descontínuas. Dirichlet de­
monstraria uma classe de funções para as quais o resultado era verda­
deiro [139]. Entretanto, poucos anos depois, com esse mesmo trabalho
com acréscimos, Fourier recebeu um prêmio sobre propagação do calor
em corpos sólidos. Faziam parte do comitê de julgamento Lagrange, La­
place, Legendre e mais outros dois. Apesar do prêmio, ficaram ainda as
críticas sobre a “falta de rigor”.
Foi eleito para a Académie des Sciences em 1817 e tornou-se seu se­
cretário em 1822. Somente nesse ano a Academia publicou o trabalho de
Fourier, Théorie analytique de la chaleur (“Teoria analítica do calor”). Re­
tomou suas pesquisas matemáticas e publicou vários trabalhos, alguns em
matemática pura e outros em matemática aplicada. Além da série de Fou­
rier, a transformada de Fourier também foi seu legado. Essas últimas têm
larga aplicação nas teorias de comunicações e de controles, entre outras.
Biot [140], [143], [219]
Jean-Baptiste Biot (1774-1862) nasceu e faleceu em Paris. Foi físico e
matemático. Educado no Liceu Louis-le-grand, ingressou depois no exér­
cito. Após servir na artilharia, ingressou na École Polytechnique, tendo
sido aluno de Monge, que estava em seu período áureo. Participou de
uma insurreição regalista, tendo sido preso pelas forças do governo. Gra­
ças a Monge, que não podia ver perder-se tal talento, foi solto. Tornou-
se professor de matemática da École Centrale de Beauvais em 1797. Três
anos depois, tornou-se professor de matemática e física no Collège de
France em Paris, graças à influência de Laplace. Em 1803 foi eleito para a
Primeira Classe do Instituto e para a Académie de Sciences. Em 1809 foi
nomeado professor de astronomia física da Faculdade de Ciências. Biot
estudou um grande número de tópicos, a maioria dos quais no âmbito
da matemática aplicada. Assim, fez contribuições para a Astronomia, a
Elasticidade, Eletricidade e Magnetismo, Calor e Ótica, enquanto na Ma­
temática Pura fez importantes contribuições para a Geometria.
Foi Biot quem, com Savart, verificou que uma corrente elétrica que
atravessa um fio produz um campo magnético cuja intensidade varia
inversamente com a distância ao fio. É a chamada lei de Biot-Savart.
Um dos feitos interessantes de sua vida é sua ascensão em um balão,
com Gay-Lussac, a 3.900 metros com o objetivo de estudar as condi­
ções magnéticas, elétricas e químicas da atmosfera nas várias altitudes.
Envolveu-se também ativamente no trabalho de medida do meridiano
terrestre, com o objetivo de produzir um padrão para a unidade de com­
primento; com esse objetivo, esteve em vários lugares da Europa: Ilhas
Baleares, Bordeaux, Escócia, Sicília e Espanha.
Sua produção científica ultrapassou os 250 memoirs em física ex­
perimental e teórica e astronomia. Foi um dos grandes defensores da
teoria corpuscular da luz, apresentando explicação para o fenômeno da
polarização da mesma, tendo descoberto as leis da polarização rotatória
pelos corpos cristalinos. Recebeu a Medalha Rumford da Royal Society
pelos seus trabalhos sobre a polarização da luz que passa por soluções
químicas; foi eleito fellow da Royal Society em 1815 e fellow da Royal
Society de Edinburgh no mesmo ano. Em 1814 foi feito cavalheiro da
Legião de Honra e em 1849, comendador da mesma Legião.
Foi conhecido também pelos seus trabalhos sobre a dupla refração
da luz. Uma cratera na lua tem o seu nome, bem como uma rua em Pa­
ris, no 17-ème arrondissement. Com seus hábitos regulares de estudo e
recreação, teve excelente saúde, atingindo idade avançada. Seus trabalhos
mais elaborados são “Traité de géometrie analytique”, 1802 (8a. ed„ 1834);
“Traité de physique expérimentale et mathématique”, (4 vols., 1816); “Pré-
cis de physique”, (2 vols., 1817); “Traité d’astronomie physique”, (6 vols.
com Atlas, 1850); “Mélanges scientifiques etlittéraires”, (3 vols., 1858). Era
religioso, católico, e tornou-se mais ainda ao final da vida, constando que
recebeu o sacramento da Confirmação de seu neto.

Ampère [5], [151], [152]


André-Marie Ampère (1775-1836) foi físico e matemático francês
dos mais importantes na área do eletromagnetismo. A unidade de in­
tensidade de corrente elétrica tem o seu nome. Seu pai foi comerciante
bem-sucedido; sua mãe era piedosa e caridosa. Menino prodígio, re­
velou grande aptidão para os estudos de matemática. Entretanto, teve
juventude marcada por tragédia, quando seu pai foi condenado à gui­
lhotina, por ter resistido, em Lyon, ao Terror após a Revolução Francesa.
Esse fato foi devastador na sua juventude, deixando de lado os estudos
de mecânica analítica por dezoito meses.
Saiu da depressão ao se apaixonar por Julie, com quem se casaria
e da qual teria um filho. Em 1803 escreveu um tratado sobre Teoria
de Probabilidade, a qual tinha um erro apontado por Laplace. Seguiu-
se um texto sobre o Cálculo de Variações. Professor em Bourg (Escola
Central), depois em Lyon, no Liceu. Em 1803 sua esposa morre precoce­
mente, fato que lhe proporcionou escrúpulos, pois achou que não teria
dado a devida atenção à sua doença. (Ampère tinha uma grande capa­
cidade de se abstrair dos problemas humanos que o cercavam, quando
nos seus estudos científicos). Desejou então afastar-se de Lyon, onde sua
amada falecera e, tendo sido verificado seu talento, foi contratado pela
famosa École Polytechnique de Paris, primeiro como tutor (repetidor)
e depois professor (titular) de Análise. Mais ainda, com seus estudos
sobre equações diferenciais de derivadas parciais, derrotou em 1814 o
famoso Cauchy (□) num concurso para a Academia de Ciências, parte
do “Institut”.
A partir de 1826 foi professor também no Collège de France, cujo
corpo docente é sempre escolhido entre os melhores. No Collège de
France ele podia escolher os cursos que desejava dar, ao contrário da
Escola Politécnica. Foi feito também cavalheiro da Legião de Honra.
Alternava seus estudos entre a Matemática, a Física, a Química (ten­
do produzido uma tabela de elementos, entre ouras contribuições) e a
Metafísica. Publicou um trabalho sobre a refração da luz em 1815 e foi um
ardoroso defensor da teoria ondulatória da luz, concordando com Fresnel
e discordando de Biot (□) e Laplace, que defendiam a teoria corpuscular.
Foi ele quem descobriu as leis que regem as atrações e repulsões das cor­
rentes elétricas entre si. Idealizou o galvanômetro e inventou o primeiro
telégrafo elétrico e, em colaboração com Arago, o eletroímã.
Costumava dizer que um dos momentos mais importantes de sua
vida foi sua Primeira Comunhão. Quando sua esposa faleceu, escreveu:
“Senhor, Deus de Misericórdia, uní-me no céu àqueles que permitistes
que eu amasse na terra.” Algumas vezes, dúvidas o assaltavam, ele en­
tão se refugiava na leitura da Bíblia e dos “Padres da Igreja” {{“Padres
da Igreja” são chamados, usualmente, os autores dos primeiros sécu­
los, como São Justino, São Clemente Romano, São Policarpo de Es-
mirna, Sto. Inácio de Antioquia, Orígenes... mas a expressão também
pode incluir os Doutores da Igreja até a metade do primeiro milênio,
mais ou menos}}.

Gauss [52], [55]


Carl Friedrich Gauss (1777- 1855), era alemão. Matemático, As­
trônomo e Físico. É geralmente considerado o “príncipe dos matemá­
ticos”, o maior gênio matemático da história; seu QI foi estimado em
cerca de 240.
Nasceu num casebre em Braunschweig. Seu pai, Gerhard Diederich,
jardineiro e pedreiro, era severo e brutal e tudo fez para impedir que
o filho desenvolvesse seu gênio específico, salvo nisto pela mãe e por
um tio que se aperceberam da inteligência fora do comum do menino.
Tinha memória fotográfica, tendo retido as impressões da infância e da
meninice nítidas até a sua morte.
Ressentia-se de que seu tio Friederich, que ele considerava um gê­
nio, perdera-se pela morte prematura. Aos dois anos impressionava a
todos que acompanharam o seu desenvolvimento. Antes dos três anos
corrigiu uma longa soma que seu pai fizera, já aprendera a ler e somar
sozinho. Aos sete anos entrou para a escola.
Segundo uma história famosa, seu diretor, Butner, pediu que os
alunos somassem os números inteiros de um a cem. Mal havia enun­
ciado o problema e o jovem Gauss colocou sua lousa sobre a mesa com
a resposta: 5050, a qual foi encontrada através do raciocínio que de­
monstra a fórmula da soma dos termos de uma progressão aritmética.
Butner ficou tão atônito com a proeza de um menino de dez anos que
pagou do próprio bolso livros de aritmética para ele, que os absorvia
instantaneamente.
Reconhecendo que fora ultrapassado pelo aluno, passou o ensino
para seu jovem assistente, Johann Martin Bartels, apaixonado pela ma­
temática. Entre Bartels, com dezessete anos, e o aluno de dez nasceu
uma boa amizade que durou toda a vida. Eles estudavam juntos, ajudan­
do-se um ao outro nas dificuldades.
Aos doze anos já olhava com desconfiança para os fundamentos da
geometria euclideana e aos dezesseis já tinha tido seu primeiro vislum­
bre de uma geometria diferente da de Euclides. No ano seguinte faz uma
crítica precisa das provas da Teoria dos Números e completou o que
tinha sido feito pela metade.
Doutorou-se aos vinte anos pela Universidade de Gõttingen. A Teo­
ria dos Números (Aritmética) seria daí para a frente o seu campo predi­
leto dentro da Matemática, tendo demonstrado o que um Euler(n) e um
Lagrange não conseguiram, o chamado “theorema aurum”. Costumava
dizer: “A Matemática é a rainha das Ciências e a Teoria dos Números é a
rainha da matemática” [53]. .
Nunca reivindicou a autoria de descobertas em que ele se antecipa­
ra (algumas se tornaram importantes campos da matemática no século
XIX). No diário, há anotações muito pessoais, como por exemplo, no
dia 10 de Julho de 1798 há o seguinte registro: EYPHKA! NUM = v +
v + v. Traduzindo-se: Eureka! Todo número positivo é a soma de três
números triangulares.
Embora o sentido de alguns registros esteja perdido para sempre,
a maior parte é suficientemente clara, algumas nunca publicadas, disse
ele, por considerar seus trabalhos científicos apenas como resultado de
profunda compulsão de sua natureza. Publicá-los para o conhecimento
de outros lhe era inteiramente indiferente. Disse também que um tão
grande volume de novas idéias trovejaram em sua mente, antes de ter
completado vinte anos que, dificilmente, poderia controlá-las, só haven­
do tempo de registrar uma pequena fração delas.
Gauss apresentava provas sintéticas e conclusões indestrutíveis de
suas descobertas às quais nada poderia ser acrescentando ou retirado.
Uma catedral não é uma catedral — disse — até que o último andaime
tenha sido retirado. Com este ideal diante de si, Gauss preferia polir
sua obra muitas vezes, em vez de publicar um grosseiro esboço. Os fru­
tos deste esforço em busca da perfeição estavam, na verdade, maduros
mas nem sempre facilmente digeríveis por outros. Todos os passos pelos
quais o objetivo tinha sido atingido tinham sido omitidos, não era fácil
para seus seguidores redescobrir a estrada pela qual ele tinha caminha­
do. Consequentemente, alguns de seus trabalhos tiveram que esperar
por intérpretes altamente qualificados antes que o mundo da matemáti­
ca pudesse entendê-los.
Neste contexto ele diria mais tarde a respeito do que foi posterior­
mente denominado “último teorema de Fermat”, cuja prova desafiou as
mais brilhantes inteligências da matemática durante mais de três sécu­
los, só tendo sido estabelecida na última década do século passado: “Eu
confesso que o teorema de Fermat como uma proposição isolada me
desperta muito pouco interesse; eu poderia facilmente afirmar um gran­
de número de proposições [matemáticas] que não se conseguiria provar
nem sua veracidade nem sua falsidade” [56],
Com menos de vinte anos rejeitou os fundamentos até então domi­
nantes do cálculo diferencial e integral e deve ser considerado o inicia-
dor daquilo que se chama “Análise Matemática”.
Gauss não tinha preocupação de publicar o que ia descobrindo. Seu
motto a respeito era “wenige, aber reipe”, ou seja, “poucos (artigos), mas
maduros”. A comunidade de matemáticos tomou mais plena consciên­
cia da sua grandeza muitos anos depois da sua morte, quando foi pu­
blicado o que ele tinha deixado em “rascunho”, esperando a elaboração
de teorias mais completas. Muitos problemas que outros resolveram e
publicaram já haviam sido resolvidos por ele.
O estudo das línguas permaneceu sempre seu passatempo prefe­
rido, aliás a decisão entre a matemática e a filologia só ocorreu aos de­
zenove anos. Seu período mais prolífico foi dos dezenove aos 37 anos
de idade. Depois desta idade, Gauss se dedicou também, e com grande
sucesso, à Física e à Astronomia.
Vale citar algumas de suas frases no contexto deste trabalho, obser­
vando que Gauss, tendo nascido em 1777, na época do Iluminismo e pou­
co antes da Revolução Francesa, já viveu num mundo em que a crença
em Deus não era mais algo não contestado na sociedade: “Há problemas
cuja solução eu daria uma importância infinitamente maior do que os
problemas da matemática, por exemplo, os problemas relacionados à Éti­
ca, ao nosso relacionamento com Deus, ao nosso destino [...].; mas suas
soluções estão completamente à margem da ciência” [56].
A respeito da solução de um problema matemático que acabara de
resolver, ele escreveu a um amigo: “Finalmente, há dois dias, eu conse­
gui, não por causa dos meus grandes esforços, mas pela graça de Deus.
Como um súbito clarão de um raio, o problema foi resolvido. Eu sou
incapaz de dizer qual foi o fio condutor que uniu o que eu conhecia pre­
viamente com o que tornou meu sucesso possível” [56],

Brewster [286], [433], [434]


Sir David Brewster (1781-1868) FRS (Fellow ofthe Royal Society)
é, para muitos, um nome obscuro das ciências. E, no entanto, suas con­
tribuições para a ótica foram extremamente importantes. Entre muitas
outras, ele descobriu as leis da polarização e inventou o caleidoscópio.
Brewster nasceu em Jedburgh, na Escócia, filho de um professor de es­
cola. Tinha nove anos quando sua mãe faleceu. Na realidade, ele era
uma pessoa de muitas facetas, tal como o caleidoscópio: pesquisa cien-
Iífica, religião, educação, ótica, fotografia, conjecturando vida em outros
planetas. Ele perseguiu cada um desses objetivos com notável energia.
Mostrou-se um menino prodígio, revelando grande interesse por coisas
científicas, construindo o próprio telescópio quando tinha dez anos. Fez
também relógios de sol e microscópios na sua infância.
Jovem ainda, estudava as notas de aula que seu pai tomava, como
estudante, na Universidade de Aberdeen, tomando conhecimento de
várias conquistas da ciência de seu tempo. Aos doze anos ingressou na
Universidade de Edinburgh, com o objetivo de tornar-se clérigo. Toda­
via, tinha uma forte inclinação para as ciências naturais. Aos dezenove
anos obteve o grau honorário de mestre em Artes. Só subiu ao púlpito
para pregar uma vez, pois ficou extremamente nervoso. Foi um dia ruim
para a Igreja Nacional da Escócia, mas bom para as ciências. A partir
daí, começou a se dedicar ao que seria seu interesse por toda a vida: o
estudo da ótica e o desenvolvimento de instrumentos científicos.
Adquiriu muita facilidade para escrever, tornando-se editor do
Edinburgh Magazine, com apenas 21 anos de idade. Em 1807, aos 26
anos, a Universidade de Aberdeen lhe outorgou o grau de doutor em
Letras. Cerca de 1813 submeteu à Royal Society um artigo sobre instru­
mentos científicos e que também mostrava o poder de duzentas subs­
tâncias de refratar ou dispersar a luz. No mesmo ano publicou A Treatise
Upon New Philosophical Instruments (“Um tratado sobre novos instru­
mentos filosóficos”).
Em 1815 foi feito fellow da Royal Society (FRS). Em 1816 o Institut
da França lhe concedeu metade do prêmio de 3.000 francos destinado às
descobertas científicas mais importantes daqueles dois últimos anos. Ele
recebería mais tarde as medalhas Copley, Rumford e Real, bem como o
Prêmio Keith por suas contribuições para a ciência.
Sua contribuição mais notável foi a lei que tomou seu nome, se­
gundo a qual, para um certo ângulo de incidência, que também tem o
seu nome, a luz monocromática refletida é 100% polarizada, enquanto
a luz refratada é parcialmente polarizada, propriedade que teria grande
aplicação cerca de um século depois nos lasers. Embora essa lei pudesse
ser melhor explicada pela teoria ondulatória da luz, Brewster reteve tei­
mosamente a explicação corpuscular. Sua oposição à teoria ondulatória
se devia à dificuldade que tinha de aceitar o ether (o meio onde cami­
nhavam as ondas ondulatórias). Como a existência do ether não tinha
sido demonstrada experimentalmente, Brewster rejeitou a teoria ondu-
latória da luz, que na época era francamente dominante na comunidade
científica. A não existência do ether seria confirmada pelas experiências
de Michelson e Morley, se impondo com a teoria da relatividade restrita
de Einstein (□).
Brewster foi sempre um advogado da ciência. Ele urgiu a criação
de posições pagas para cientistas e a educação das pessoas comuns nos
rudimentos da ciência. Este seu zelo ajudou a estabelecer a Associação
Britânica para o Progresso da Ciência. Brewster tinha sido forçado a
abandonar a pesquisa científica para sustentar a família. Passou a maior
parte da sua vida escrevendo trabalhos científicos e biografias, editando
a Edinburgh Encyclopedia. Para se manter financeiramente, deu aulas,
inclusive servindo de tutor em famílias locais.
Os interesses científicos dele cobriam um largo espectro: visão, este-
reografia, fotografia, tendo introduzido o caleidoscópio. Seus trabalhos
com microscópios o levaram a analisar as cores, especialmente pela ab­
sorção estereoscópica. Identificando objetos pelas suas raias espectrais,
ele acrescentou 1.600 linhas escuras às 354 que Fraunhofer (1787-1826)
havia observado. Estudou figuras de interferência em estruturas dupla­
mente refratoras, cristais que dividem um feixe de luz em dois. Foi autor
ou coautor de mais de trezentos artigos científicos publicados por várias
sociedades científicas. Uma das suas mais importantes contribuições pu­
blicadas foi a Memoirs of the Life, Writings and Discoveries of Sir Isaac
Newton (□), um trabalho de mais de vinte anos de investigação dos ma­
nuscritos originais de Newton e de outras fontes.
Brewster casou-se a primeira vez com Janet McPherson em 1810.
Enviuvou e casou-se com Jane Purnell, quando ele já tinha quase 75
anos. Teve filhos de ambas (uma única filha de seu segundo casamento),
e dois de seus filhos se tornariam pessoas importantes, graças ao prestí­
gio do pai. Seu gênio não foi caracteristicamente matemático. Seu mé­
todo de trabalho foi empírico e as leis por ele descobertas resultaram de
experiências repetidas muitas vezes. Tinha um temperamento nervoso,
irritando-se quando discutia matérias controversas, sendo frequente­
mente provocado pelos outros.
As influências religiosas foram fortes na vida de Brewster. Educado
para exercer o ministério, teve durante certo tempo autorização para
pregar. Mas desistiu de seguir a carreira eclesiástica, como mencionado
acima, em vista da sua incapacidade de lidar com o estresse da pregação
cm público. Mas reteve um vivo interesse em assuntos religiosos duran­
te toda sua vida, rompendo, entretanto, com a Igreja da Escócia (oficial),
para filiar-se em 1843 à Igreja Livre da Escócia. Sua vida espiritual foi
intensa e muito autêntica. Sua filha contava que ele despertava de ma­
nhã cedo “para chorar e rezar”. Costumava dizer: “Não pode ser presun­
ção ser certo de ser perdoado, pois é obra de Cristo, e não nossa; pelo
contrário, é presunção duvidar da sua palavra e obra.” Antes de morrer,
disse: “Eu verei Jesus... eu verei aquele que fez os mundos.”

Bolzano [219], [236], [239]


Bernard Placidus Johann Nepomuk Bolzano (1781-1848), um dos
mais importantes matemáticos de sua geração, nasceu em Praga, na
Boêmia (atual República Tcheca), falecendo na mesma cidade. Seu pai,
Bernard Pompeius Bolzano, nasceu no norte da Itália e emigrou para
Praga. Sua mãe, Maria Cecilia Maurer, alemã de origem, era uma católi­
ca devota. Seu pai vivia do comércio de obras de arte, mas tinha rendi­
mentos modestos. Tinha sido bem educado e também era um católico
devoto, com grande preocupação com as pessoas, tendo fundado um
orfanato em Praga. O casal teve doze filhos, sendo Bernard o quarto,
mas apenas dois atingiram a idade adulta.
A educação de Bolzano teve grande influência nas idéias que en­
sinaria mais tarde, muito influenciado pelo pai na ajuda ao próximo.
Frequentou o Ginásio dos “Piaristas” {{uma Ordem católica fundada
no início do século XVII por São José Calazans, um espanhol, especial­
mente dedicada ao cuidado da juventude}} entre 1791 e 1796. Ingressou
na faculdade de filosofia da Karl Universitát em 1796, estudando filoso­
fia, física e matemática.
Nos estudos de matemática foi especialmente influenciado estudan­
do o texto de Kaestner, Mathematische Anfangsgründe (“Fundamentos
Básicos de Matemática”). Kaestner era profundamente interessado em
questões filosóficas da matemática e teve especial cuidado em demons­
trar muitos resultados que eram considerados óbvios pelos matemáti­
cos da época. Bolzano escrevería: “Meu prazer especial em matemática
sempre foi sua parte especulativa, ou por outras palavras, eu só gostava
da matemática que fosse ao mesmo tempo filosofia.”
Em 1799-1800 se dedicaria intensamente à pesquisa em matemáti­
ca. Nesse último ano iniciou um curso de três anos de teologia na mes­
ma universidade. E enquanto estudava teologia, preparou uma tese em
geometria. Recebeu o doutorado em 1804, escrevendo uma tese sobre
como construir uma prova correta em matemática. Dois dias depois de
receber o doutorado, foi ordenado sacerdote católico, mas tomou cons­
ciência (pouco depois) que o ensino, e não o ministério (sacerdotal),
era a sua verdadeira vocação. (Efetivamente os estudos teológicos nada
acrescentaram às suas convicções religiosas cristãs). Debatendo-se em
dúvidas religiosas, finalmente encontrou-se com a convicção de que
uma doutrina religiosa é justificada se se puder provar que o acreditar
nela promete um bem moral maior do que não acreditando. Esse prin­
cípio lhe proporcionou a aceitação dos conteúdos místicos do Cristia­
nismo para o maior bem da humanidade, ainda que pessoalmente não
aceitasse que fossem historicamente verdadeiros.
Bolzano competiu para duas cátedras na universidade: matemáti­
ca e uma nova, filosofia da religião, que havia sido recém-criada pelo
imperador. Ele ficou em primeiro lugar nas duas competições, mas a
Universidade preferiu lhe dar a cátedra de filosofia da religião. E foi a
pessoa errada para a cátedra, porque ele esposava todas as idéias que o
imperador Franz temia, revelando-se pacifista e socialista.
A cátedra implicava a obrigação de ensinar a doutrina católica
e pregar sermão exortatório para todos os alunos todo domingo. Ele
cumpriu com rigor essas obrigações, mas usou o púlpito também para
defender um socialismo utópico, encantando os estudantes. Foi um de­
fensor denodado dos direitos humanos, criticando com vigor todas as
discriminações: dos boêmios de língua alemã contra os tchecos e o an-
tissemitismo tanto dos boêmios de língua alemã quanto dos tchecos.
Dentro da Igreja Católica, muitos criticaram seu racionalismo, mas ti­
nha o apoio do arcebispo de Praga e do reitor do Seminário.
Em 1815 Bolzano foi eleito para a Real Sociedade de Ciências da Bo­
êmia e, em 1818, decano da faculdade de filosofia da Universidade. Mas,
em 1819, foi demitido dessa função por pressão do governo da Áustria.
Colocado em prisão domiciliar, teve sua correspondência censurada e foi
proibido de publicar. De 1821 a 1825 foi investigado pela Igreja e exortado
a renunciar a supostas heresias. Recusou-se a fazer isso e renunciou à cá­
tedra. Entre 1830 e 1841 morou com seus amigos Hoffmanns, com muito
tempo para se dedicar aos estudos. J.J. Hoífmann era um matemático
que tinha tomado conhecimento dos trabalhos iniciais de Bolzano.
De volta a Praga em 1841, tornou-se novamente membro ativo da
Real Sociedade de Ciências da Boêmia, presidindo-a em 1842-1843.
Embora alguns de seus livros tenham sido publicados fora do Império
Austro-Húngaro, por causa da censura, continuou a desempenhar im ­
portante papel cultural no seu país. Bolzano escreveu Beitrãge zu einer
begründeteren Darstellung der Mathematik. Erste Lieferung (“Contribui -
çôes para uma apresentação fundamentada da Matemática. Primeira
Edição”), em 1810, que foi a primeira de uma série programada sobre os
fundamentos da matemática. Escreveu o segundo texto sobre o mesmo
assunto, mas não o publicou, preferindo escrever textos que, pelos seus
temas, atraíssem a atenção do mundo culto.
Assim, escreveu um artigo sobre binômios e um outro, Rein
analytischer Beweis (“Prova analítica pura”), em 1817, uma tentativa
de livrar o cálculo do conceito de infinitesimais. “Neste trabalho[...]
Bolzano [...] não somente queria purificar os conceitos de limite, con­
vergência e derivada dos seus componentes geométricos, substituin­
do-os por conceitos puramente aritméticos. Ele estava consciente de
um problema mais profundo: a necessidade de refinar o conceito mes­
mo de número” ([237], apud [236]). O artigo apresenta uma prova do
teorema do valor médio pelo seu novo método (analítico), que ficou
conhecido como “teorema de Bolzano” e definiu o que é chamada atu­
almente uma “sequência de Cauchy (□)”. (A definição aparece num
trabalho de Cauchy quatro anos mais tarde, mas é pouco provável que
ele tenha conhecido o trabalho de Bolzano). Para os fundamentos da
análise ele também contribuiu para a introdução das definições, que
se tornaram clássicas, que utilizam f ’s e 5 's. O famoso teorema, de­
nominado de “Bolzano-Weierstrass”, foi demonstrado primeiramen­
te por Bolzano e só alguns anos depois, de forma independente, por
Weierstrass.
Depois de 1817 Bolzano não publicou nada sobre matemática du­
rante muitos anos. Entretanto, em 1837 publicou o texto Wissenschafts-
lehre, uma tentativa de uma teoria completa da ciência e do conheci­
mento. Neste meio tempo, trabalhou num projeto mais ambicioso, Grõs-
senlehre, com o objetivo de colocar toda a matemática em fundamentos
lógicos; este trabalho foi sendo publicado em partes.
Seu estudo sobre os paradoxos a respeito do infinito, Paradoxien
des Unendlichen, foi publicado em 1851, por um dos seus estudantes,
três anos após sua morte. Neste artigo a palavra “conjunto” aparece pela
primeira vez na matemática. Ele apresenta exemplos de correspondên­
cia 1 a 1 entre os elementos de um conjunto infinito e os elementos de
um subconjunto próprio.
A maior parte dos trabalhos de Bolzano permaneceu na forma de
manuscritos, não se tornando conhecidos durante sua vida e, assim, não
influenciando o desenvolvimento dos respectivos tópicos. A teoria de
Bolzano sobre o infinito matemático antecipou a de Cantor (□) sobre
conjuntos infinitos.
Além de seus trabalhos de matemática, Bolzano foi importan­
te também como filósofo e como lógico, tendo publicado o Lehrbuch
der Religionswissenschaft (“Livro texto sobre a ciência da religião”), em
1834, e Wissenschaftslehre (Teoria da Ciência) em 1837: os dois primei­
ros volumes cobrem suas idéias sobre a filosofia da lógica, o terceiro
apresenta uma teoria sobre a descoberta científica e o quarto apresenta
sua metodologia para escrever livros textos.

Fresnel [286], [291]


Augustin Jean Fresnel (1788-1827), nascido na Normandia, França,
teve como pais Jacques Fresnel e Augustine Méreimée. O pai foi um
arquiteto que construiu grandes prédios. Fresnel ficaria famoso ao con­
testar o mais brilhante cientista até então, Isaac Newton (□), opondo
a teoria ondulatória da luz, que havia sido efetivamente proposta an­
tes, à teoria corpuscular defendida pelo inglês genial. Ao contrário de,
por exemplo, um Young, que havia proposto a teoria ondulatória an­
tes, Fresnel tinha o conhecimento matemático necessário para provar
que Young estava certo. Os pais de Fresnel eram jansenistas, uma cisão
no catolicismo, que teve muita influência na prática católica não só na
França; foi condenada pela Igreja Católica, pelo seu rigorismo moral e
predestinacionismo. Fresnel foi assim educado sob uma forte influência
jansenista, que afetaria toda a sua vida.
Seus estudos elementares foram feitos em casa, em vista da difícil si­
tuação política por que passava a França. Seu progresso foi bastante lento
ao início, só começando a ler quando já tinha oito anos. Aos doze anos,
ingressou na École Centrale de Caen. Foi então introduzido ao estudo das
ciências e demonstrou logo um gosto pela matemática, graças em grande
parte pelos bons professores que teve. Ficou claro que seu interesse nessa
época era pela engenharia: ele tinha o interesse, a habilidade e a formação
necessárias para tal carreira, ingressando na École Polytechnique de Paris
em 1804, atraindo a atenção de Legendre. Após dois anos, ingressou na
École de Ponts et Chaussées, completando o curso em três anos e se qua­
lificando como engenheiro civil. Émpregou-se então no Corps des Ponts
et Chaussées, que o enviou para a Vendée.
Em 1812 envolveu-se num grande projeto de Napoleão, a constru­
ção de uma estrada ligando a França à Espanha e ao norte da Itália.
Em 1814, fascinado com o fenômeno da luz, começou a fazer suas pri­
meiras experiências em ótica. Ele demonstraria, com brilhantismo, uma
conjectura de Hooke (1672), que as vibrações ondulatórias da luz eram
transversas, e não longitudinais.
Entretanto, diversas turbulências políticas na França o coibiram
nas suas primeiras pesquisas, mas nesse meio tempo estava convenci­
do da natureza ondulatória da luz, que naquela época era francamente
preterida, na comunidade científica, em favor da teoria corpuscular.
Com a derrota de Napoleão em Waterloo, Fresnel foi recontratado
para seu antigo trabalho como engenheiro, com pouco tempo para
suas pesquisas em ótica. Mesmo assim, ele aplicou resultados de Aná­
lises Matemáticas, removendo muitas das objeções à teoria ondulató­
ria da luz.
Observe-se que muitos desses trabalhos foram feitos sem que ele
conhecesse a contribuição para a teoria ondulatória por outros grandes
cientistas como Huygens (□), Euler (□) e Young (□), tampouco conhecia
as últimas contribuições de também grandes cientistas para a teoria cor­
puscular. Fresnel começou a fazer experimentos com a difração, levan­
do-o a um breakthrough científico ao verificar as diversas faixas claro-
escuro sobre um pedaço de papel de luz difratada através de uma fenda.
Ele produziu fórmulas que indicavam onde as vibrações das ondas es­
tavam em fase ou fora de fase, publicando seu primeiro artigo científi­
co em 1815. A seguir realizou experiências de interferência, usando as
mesmas ferramentas matemáticas, produzindo faixas de interferência
de uma mesma fonte de luz refletida em dois espelhos. Note-se que, até
então, ele tinha obtido resultados bastante semelhantes aos que Tho-
mas Young havia obtido em Cambridge, Inglaterra, entre 1797 e 1799.
Mas a seguir ele passou à frente, utilizando ainda o mesmo ferramental
matemático para estudar a interferência de ondas produzidas por um
difrator. Esse estudo lhe custou muitos meses de esforço, publicando
os primeiros resultados em 1816. Interrompendo temporariamente essa
pesquisa para estudar a polarização da luz em 1817, de modo particular
a reflexão da luz polarizada, voltou ao estudo da difração em vista de um
grande prêmio anunciado pela Académie de Sciences para o melhor tra­
balho sobre difração. Completou seu trabalho matemático pouco antes
do término do tempo de submissão, em 1818.
Em 1819 o Comitê reuniu-se para julgar os trabalhos. Incluía alguns
dos maiores cientistas da época, como Poisson, Biot (□) e Laplace (a),
tendo Arago como presidente. Era um comitê que favorecia, na sua
maioria, a teoria corpuscular da luz. Mas Poisson ficou fascinado com o
trabalho de Fresnel, calculando algumas integrais, chegando a conclu­
sões ulteriores àquelas que Fresnel tinha proposto. O Grande Prêmio
foi ganho por Fresnel e este fato contribuiu fortemente para se apoiar a
teoria ondulatória da luz.
Fresnel e Arago continuaram juntos o trabalho, e coube a Fresnel
descobrir o que mais tarde seria chamada luz polarizada circularmen-
te. Em 1821 Fresnel escreveu um artigo em que afirmava com certeza
que a luz era uma onda transversa. Esta última afirmação era demais
para muitos e foi contestada mesmo por Arago. Mas Fresnel mostrou a
seguir que a refração dupla podia ser deduzida a partir da hipótese da
onda transversa, com nenhuma componente longitudinal, ao contrário
do que Young previa.
Em 1823 Fresnel foi eleito para a Académie de Sciences. Foi eleito
também para a Royal Society de Londres em 1825 e receberia dela a
medalha Rumford em 1827, entregue a ele quando já estava no leito de
morte. Depois de 1824 Fresnel devotou menos de seu tempo ao estudo
da luz. Seu novo emprego não lhe dava muito tempo para pesquisa. Pas­
sou a se dedicar mais aos trabalhos com composição de lentes. í
O grande problema com a teoria ondulatória da luz, que Fresnel
reconhecia, era que ela implicava a existência do ether, o meio no qulal
as ondas caminhavam. A dificuldade objetada era que o ether teria que
ser sólido, o que complicava o movimento dos planetas. A não existên­
cia do ether seria demonstrada ao final do século nas experiências de
Michelson e Morley, a partir das quais Einstein (□) formulou a Teoria
da Relatividade Restrita.
Se Fresnel não tivesse vivido uma vida de grande disciplina, a hu­
manidade teria perdido um grande cientista. Faleceu precocemente
de tuberculose aos 39 anos, após uma vida de grande produtividade
científica. Na realidade, tinha lutado toda a vida contra a doença e
é admirável que tenha conseguido trabalhar tanto, apesar da fadiga
constante. Possivelmente foi sua religiosidade estrita, transmitida por
seus pais, o que lhe deu forças [287]. “Nas ciências, não menos que na
política ele se manteve sempre tenaz nas suas convicções, defendendo-
as com coragem e vigor [...] ele se indignava quando o comportamento
dos outros ficava aquém de seus altos valores éticos [...]. Seus contem­
porâneos o consideravam [...] gentil e caridoso” ([288], apud [287]).
Fresnel era um homem profundamente religioso, notável pelo seu sen­
tido do dever [291],
Deixou seu nome em várias das coisas estudadas em Física e Mate­
mática: “Equações de Fresnel”, “difração de Fresnel”, “Integral de Fres-
nel”, “Lanterna de Fresnel”, “Lente de Fresnel”, “Número de Fresnel”,
“Princípio de Huygens-Fresnel”.
Nas palavras de [286], “sua morte precoce encurtou uma vida de
grande produtividade, mas apressou a ida de um grande soldado de
Deus à sua presença eterna”.
Cauchy [9], [10], [155], [156], [286]
i Augustin-Louis Cauchy (1789-1857), francês, é considerado um dos
f maiores matemáticos de todos os tempos. Nascido em Paris, primeiro fi­
lho de um pai que era brilhante no conhecimento dos clássicos. Como seu
pai exercia altos cargos administrativos, temendo pela sua vida em Paris
(era o tempo do “terror” nos anos subsequentes à Revolução Francesa),
mudou-se com a família para Arcueil. Durante esse tempo, a família lutou
contra a pobreza, tendo sido mal nutrido o jovem Cauchy.
Logo voltaram a Paris, e o pai de Cauchy foi participante ativo em
sua educação. Laplace e Lagrange visitavam regularmente a casa da fa­
mília Cauchy, e Lagrange em particular parecia ter um interesse maior
na educação matemática do jovem Cauchy. Lagrange aconselhou o pai
de Cauchy a primeiramente dar ao filho uma boa base em línguas para
depois começar os estudos de matemática. Em 1802 Augustin-Louis en­
trou na École Centrale du Panthéon, onde passou dois anos estudando
línguas clássicas. Em 1804 tomou aulas de matemática e fez o exame de
admissão para a École Polytechnique em 1805, onde foi ridicularizado
por suas convicções religiosas, católicas. Conservou a calma e até tentou
converter alguns dos zombadores. Ele era um estudante excepcional.
Em 1807 graduou-se e entrou na École des Ponts et Chaussées.
Depois de uma breve passagem pelo exercício da engenharia, re­
tornou à matemática. Provou em 1811 que os ângulos de um poliedro
convexo são determinados por suas faces. Encorajado por Legendre e
Malus, submeteu outro artigo sobre polígonos e poliedros em 1812. Os
gostos de Cauchy se revelavam pelos livros que, naquela época, trazia
sempre consigo: a Mecânica Celeste, de Laplace (a), a Imitação de Cristo,
de Kempis, e a poesia latina de Virgílio.
De volta a Paris, Cauchy investigou funções simétricas e submeteu
um artigo sobre esse tópico em novembro de 1812, que foi publicado no
Journal de V École Polytechnique em 1815. Em 1814 publicou um traba­
lho sobre integrais definidas que posteriormente viria a se tornar a base
da teoria de funções complexas. Cauchy foi um dos fundadores da teo­
ria de grupos finitos, criador da moderna noção de continuidade para
funções de variável real ou complexa. Definiu com precisão as noções
de limite e integral definida, abordagem nova da teoria das equações
diferenciais, demonstrando a unicidade das soluções quando definidas
as condições de contorno.
Em 1816 um artigo demonstrando o modo como as ondas se pro­
pagam num fluido tornou-se um clássico em hidrodinâmica e lhe mere­
ceu um prêmio. A demonstração de um teorema, na realidade até então
uma conjectura, que Fermat havia proposto e que nem Gauss (□) (consi­
derado o “príncipe dos matemáticos”) nem Euler (□) (outro dos maiores
de todos os tempos) haviam conseguido demonstrar, fê-lo famoso na
comunidade científica. Aos 27 anos já era considerado um dos maiores
matemáticos vivos. Com essa idade ingressou na Academia de Ciências.
Foi feito professor na Escola Politécnica.
Poucos matemáticos podem se gabar de levar o governo de uma
grande nação ao ridículo. Foi o que Cauchy fez ao se negar a fazer um ju­
ramento. Em 1830, Cauchy era um homem de meia-idade, já estabelecido
como um scholar proeminente, quando teve lugar a segunda Revolução
Francesa. Ele já havia feito um juramento de lealdade a Carlos X, que foi
então exilado da França. Negando-se a fazer um juramento ao novo regi­
me, ele autoexilou-se. Por um tempo ficou separado da família, morando
com os jesuítas na Suíça, mas o rei da Sardenha logo lhe ofereceu uma
cátedra em Turim. Cauchy aprendeu rapidamente o italiano e começou a
dar aulas lá. Mas Carlos X o chamou a Praga para educar o filho, e Cauchy
foi feito barão pelo rei exilado. Cauchy retornou a Paris em 1838, recusan­
do-se a fazer o juramento, e o governo de Louis Philippe caiu no ridículo
com essa negativa de Cauchy. Afinal, Napoleão II isentou Cauchy do jura­
mento e o governo provisório de 1848 acabou abolindo os juramentos.
Em 1843 Lacroix morreu e Cauchy tornou-se candidato para sua
cátedra no Collège de France. Liouville e Libri eram também candida­
tos. Cauchy teria facilmente sido indicado, mas suas atividades políticas
e religiosas, como ajudar os jesuítas, foram fatores cruciais. Libri foi es­
colhido, claramente o mais fraco dos três, e Liouville escreveu no dia se­
guinte que ele próprio estava “profundamente humilhado como homem
e como matemático pelo que acontecera ontem no Collège de France”.
Inúmeros termos em matemática levam o nome de Cauchy, entre
outros, o teorema da integral de Cauchy, a teoria de funções comple­
xas, o teorema de existência de Cauchy-Kovalevskaya, as equações de
Cauchy-Riemman e as sequências de Cauchy. Nenhum matemático tem
tantos teoremas importantes com seu nome como ele [286]. Uma das
suas grandes contribuições foi trazer uma nova precisão à análise. Ele
produziu 789 trabalhos em matemática, num total de 24 volumes, vários
dos quais muito extensos, sendo que quase seiscentos foram escritos nos
seus últimos vinte anos de vida, um feito extraordinário. Alguns dos
seus memoirs tinham trezentas páginas.
Nos últimos anos ocupou-se também de Astronomia, colaborando
com Le Verrier (□) na determinação da trajetória do asteroide Palias; ele
diminuiu o trabalho, através de um novo método de cálculo.
Cauchy casou-se com Aloisse de Bure, com a qual teve duas filhas.
Boi um católico admirável, sempre leal e filho devotado da Igreja, um
advogado incansável do Evangelho de Jesus Cristo. Qualquer um que
ele encontrasse era um candidato à conversão. Quando Hermite (□) fi­
cou doente, vítima da varíola, Cauchy o visitou e o levou à fé em Cristo.
Fez profissão pública de fé e encontrava seu maior prazer em obras de
zelo e caridade. Foi membro ativo da Sociedade de São Vicente de Paulo.
Durante a fome na Irlanda, em 1846, Cauchy fez um apelo ao papa a fa­
vor daquele povo sofredor. Foi muito amigo do padre jesuíta Ravignan,
famoso pregador de Notre Dame. Durante o reinado de Louis-Philippe,
os Colégios dos Jesuítas foram atacados. Cauchy saiu em sua defesa,
escrevendo dois artigos a respeito.
Morreu inesperadamente. Antes da morte, conversou animadamen-
te com o arcebispo de Paris. Sua morte foi assim relatada por sua filha:
“Tendo permanecido plenamente lúcido até as 3:30 da manhã, meu pai
repentinamente pronunciou os benditos nomes de Jesus, Maria e José.
Pela primeira vez ele tomou consciência da gravidade da sua condição.
Cerca das 4 horas, sua alma foi para Deus. Ele enfrentou a morte com tal
calma que nos fez nos envergonharmos da nossa tristeza.” “Os feitos de
Cauchy na matemática, na sua fidelidade ao rei e no serviço ao Rei dos
reis são um exemplo para todas as gerações subsequentes” [286],

Faraday [13], [39], [41], [165], [286]


Michael Faraday (1791-1867), nascido em Londres, onde também
faleceu, foi possivelmente o mais brilhante e intuitivo físico experimen­
tal até hoje, seus conhecimentos em matemática tendo sido bastante
precários. De família pobre, não teve a oportunidade de uma educação
formal. Seu pai era ferreiro, teve dez filhos e o jovem Michael com fre­
quência tinha pouco para comer. Aos treze anos, Faraday havia apren­
dido somente o necessário para ler, escrever e um pouco de matemática,
mas já trabalhava ajudando no transporte do material e nas encaderna­
ções em uma livraria. Esse trabalho lhe proporcionou um amplo conta­
to com livros e despertou sua curiosidade e interesse pelas ciências. Ele
lia todos os livros que lhe permitiam, e tal dedicação chamou a atenção
até mesmo de clientes da livraria.
Foi através da ajuda de um cliente que, em 1812, Faraday assistiu a
uma série de quatro conferências do químico Humphry Davy, na Royal
Institution. Ele anotou cuidadosamente essas conferências e enviou
uma cópia para o conferencista, pedindo-lhe um emprego em qualquer
função relacionada à atividade científica.
Em março do ano seguinte, com a demissão de um assistente, Fa-
raday conseguiu o emprego. Então, aos 22 anos, ele se tornou assistente
de Humphry Davy em seu laboratório na Royal Institution de Londres.
Seu salário era menor do que recebia antes, mas lhe abriu novos hori­
zontes. Davy foi um químico brilhante e seu laboratório era dos mais
bem equipados da Inglaterra. Com ele, Faraday fez um estudo sobre o
cloro, experiências sobre difusão de gases e liquefação, dentre muitas
outras atividades.
Em outubro de 1813, Faraday acompanhou Davy em uma viagem
pela França, Itália e Suíça, onde conheceu importantes cientistas de di­
ferentes áreas (como Alessandro Volta e Joseph Gay-Lussac) e aprendeu
a “ver” e “pensar” os problemas científicos. Durante vários anos, apenas
auxiliou Davy em seus estudos em química e foi assim que adquiriu
uma grande habilidade experimental. Essa habilidade o levou ao esta­
belecimento das leis básicas da eletroquímica, considerada uma impor­
tante contribuição ao desenvolvimento da química. No entanto, foram
suas pesquisas em outro ramo das ciências, na física, que o tornaram
mundialmente famoso. Efetivamente, ele avançaria o conhecimento da
eletricidade como ninguém tinha feito até então.
Faraday não havia se dedicado a pesquisas em Física até 1820, ano
em que 0rsted divulgou a descoberta do eletromagnetismo, uma relação
entre eletricidade e magnetismo que era esperada havia muito tempo, im­
pressionando toda a comunidade científica da época. O fenômeno obser­
vado por 0rsted foi o movimento da agulha de uma bússola provocado
por corrente elétrica que atravessava um fio próximo à bússola. Também
Davy teve seu interesse despertado pela novidade e foi como assistente
dele que Faraday teve seu primeiro contato com experimentos sobre ele­
tromagnetismo. Ele registrou essa experiência em seu caderno de labora­
tório e depois voltou sozinho ao laboratório para novas experiências.
Foi então convidado a escrever um artigo de revisão sobre o novo
campo de pesquisas eletromagnéticas para uma importante revista da
época, o “Annals of Philosophy”. Para escrever o artigo, Faraday teve
que estudar grande parte do que havia sido publicado sobre eletromag­
netismo até aquele momento. Nesses estudos repetiu os experimentos
que os pesquisadores descreveram em seus artigos e buscou melhores
interpretações para os mesmos.
Essa atividade o levou ao correto entendimento do fenômeno rela­
tado por 0rsted (embora ainda não houvesse clareza sobre o conceito
de campo magnético, gerado pela corrente elétrica), superando inter­
pretações equivocadas com as quais tinha se apegado anteriormente.
Estimulado por essas leituras e pelas controvérsias encontradas nos tra­
balhos que estudou, Faraday iniciou uma série de experiências inovado­
ras sobre rotações de ímãs e fios condutores de eletricidade, utilizando
os efeitos eletromagnéticos. Na prática, conseguiu produzir rotações
contínuas de fios e ímãs em torno uns dos outros, ou em outras pala­
vras, conseguiu transformar energia elétrica em energia mecânica. Esse
t rabalho, conhecido como “rotações eletromagnéticas”, constituiu-se na
sua primeira contribuição importante ao desenvolvimento da nova área.
A repercussão desse trabalho aumentou seu prestígio na comunidade
científica e promoveu seu relacionamento com renomados cientistas,
como o francês André Marie Ampère, com quem estabeleceu intensa
correspondência discutindo os resultados de pesquisas de ambos.
É de se notar que, nos Estados Unidos, Joseph Henry (□) (1797­
1878) estivesse fazendo experimentos semelhantes na mesma época,
mas não houve publicação imediata de seus resultados. Faraday ante­
cipou-se ligeiramente ao cientista americano e mostrou que todas as
formas de eletricidade conhecidas até então (estática, química, termo­
dinâmica, animal e outras) eram uma mesma coisa. Suas descobertas
levaram diretamente aos trabalhos de Joule (□), na termodinâmica, e
de Maxwell (□), no eletromagnetismo. Ele se tornou fellow da Royal So-
ciety, em 1824, e passou a exercer o cargo de diretor do laboratório no
ano seguinte. Em uma dessas ocasiões, registrada em seu caderno de la­
boratório com a data de 28 de dezembro de 1824, Faraday realizou uma
experiência que marcou o início de sua busca pelo efeito da indução
eletromagnética. A motivação da experiência pareceu seguir um racio­
cínio simples: se as correntes elétricas produzem efeitos sobre os ímãs,
os ímãs deveríam produzir efeitos sobre as correntes elétricas.
Faraday finalmente alcançou seus objetivos em uma nova fase de
pesquisas sobre eletromagnetismo que se iniciou somente em 1831,
quando conseguiu que uma corrente elétrica em um circuito induzisse
corrente num outro circuito. E pouco depois, realizou seu experimen­
to mais conhecido, conseguindo induzir corrente elétrica pela variação
de um campo magnético: a demonstração do primeiro gerador (tam­
bém conhecido como dínamo), que transforma a energia mecânica em
energia elétrica. No final daquele ano, Faraday anunciou a formulação
original que levou à lei da indução eletromagnética. Mas essa lei não foi
apresentada através de uma equação matemática, como usualmente a
conhecemos. A precária formação matemática de Faraday não lhe per­
mitia tais elaborações, de forma que a lei da indução só foi escrita em
linguagem matemática posteriormente por Maxwell e constitui uma das
quatro leis fundamentais do eletromagnetismo. Foi também Maxwell
quem deu sequência a seus estudos sobre as linhas de força, origem do
conceito de campo.
Faraday estudou nos anos seguintes o diamagnetismo e o efeito do
magnetismo sobre a luz polarizada. Essa descoberta foi especialmente
valorosa por revelar uma ponte entre o magnetismo e a ótica, ou seja,
representa um caminho de unificação entre teorias de diferentes campos.
A respeito da importância de Faraday na física, é significativo o fato de
que ele foi, com Isaac Newton (□) e James Clerk Maxwell (□), um dos três
“heróis” de Einstein (□) [40]. A vasta contribuição que deixou à ciência e
a forma com a qual buscou o conhecimento da natureza, através de um
trabalho experimental marcado pelo incessante aperfeiçoamento dos ins­
trumentos, pela necessidade de partilhar com outros seus conhecimentos,
por sua dedicação aos mais jovens, pela amabilidade no tratamento com
os colegas, revelam a correção de caráter pela qual foi reconhecido.
Durante toda sua vida, Faraday nunca se beneficiou industrialmen­
te (ou financeiramente) das aplicações de suas descobertas, tendo se
mantido na Royal Institution até o fim de sua carreira. A maior parte
dos termos usados em eletricidade foram cunhados por Faraday: eletró-
lise, anodo, catodo, íon. A unidade de capacitância, o farad, foi escolhi­
da em sua honra.
Faraday atendeu a chamados para consultoria em diversos traba­
lhos públicos e por trinta anos foi conselheiro da Trinity House. Sem
nunca ter cursado uma universidade, recebeu títulos honorários e ho­
menagens de toda parte do mundo, e tanto a Royal Society como a Royal
Institution tentaram persuadi-lo a aceitar a presidência, sem sucesso.
O sucesso fulgurante de Faraday provocou um grande ciúme naquele
que foi seu mentor ao início de seus trabalhos científicos, Sir Humphrey
Davy, que acabou se tornando um inimigo amargo.
Na opinião de Davy, Faraday não lhe tinha dado suficiente crédito
pelas suas descobertas. Davy foi o único a votar contra o ingresso de
Faraday na Royal Society. Possivelmente, Davy já estaria sofrendo os
efeitos do envenenamento no trabalho com produtos químicos, en­
venenamento que também afetou o próprio Faraday nos seus últimos
anos. Mais tarde, porém, Davy diría que Faraday foi sua grande “des­
coberta”. Ao contrário do que se pensa frequentemente a respeito dos
cientistas, como pessoas pouco ou nada religiosas, Faraday era extre­
mamente religioso.
A rejeição das presidências da Royal Society e da Royal Institution,
bem como do título de Sir, foi por motivo religioso: ele dizia que nem
Cristo nem os apóstolos aceitariam essas honrarias mundanas. De acor­
do com [286], as conquistas de Faraday, dentre as maiores da história,
foram fruto de sua fé religiosa. A ideia de unificação, mencionada acima,
das forças da natureza, revela traços de suas crenças pessoais, morais e
religiosas, e é perseguida ainda hoje por vários cientistas. Sob o enfoque
de sua formação religiosa, em algumas conferências Faraday discutiu
sua visão sobre a relação entre seu trabalho científico e sua religião, dei­
xando indícios de como seu trabalho foi influenciado pelos valores que
adquiriu desde pequeno dentro da seita cristã dos sandemanianos, onde
foi pregador leigo ao longo de sua vida e chegou a exercer por duas vezes
o cargo de presbítero.
Os sandemanianos eram uma pequenina (e, nas suas próprias pa­
lavras, “desprezada”) seita cristã, um ramo da Igreja Presbiteriana Es­
cocesa. Os sandemanianos procuravam viver o Cristianismo como os
Apóstolos o praticavam. Praticavam a Comunhão (Eucaristia) sempre
junto com o Lava-pés {{tal como consta no Evangelho de São João}}.
Os sandemanianos eram tão estritos que Faraday foi temporariamen­
te excomungado por ter comparecido diante da rainha Vitória, por ela
convocado, porque sua presença tinha sido simultaneamente requerida
na Igreja. Ele considerava sua crença, sua pertença à dita seita e suas
práticas religiosas mais importantes do que sua carreira científica. Para
sua admissão na igreja, teve que proclamar diante da assembléia sua fé
na graça de Deus e seu compromisso de viver a imitação de Jesus Cristo.
Os sandemanianos eram um pequeno grupo que atingiu um extraor­
dinário grau de consenso. A vivência cristã de Faraday não se limitava
apenas aos domingos, mas atingia todos os aspectos de sua vida social.
Sua fé lhe deu a coragem para se negar a atender a uma determina­
ção do governo de desenvolver gases venenosos para serem usados na
guerra da Crimeia. Tendo vivido um casamento feliz com Sarah Ber-
nard, que também era sandemaniana, o casal não teve filhos.

Babbage [219], [224], [225], [227], [228]


Charles Babbage (1791-1871) foi um matemático e inventor inglês,
tendo nascido e morrido em Londres. Seu pai, Benjamin Babbage, era
um banqueiro e sua mãe se chamava Betsy Plumleigh Babbage. O me­
nino foi muito doente na infância, tendo sido educado por um clérigo
numa pequena escola. Enviado para uma escola maior, mostrou sua
paixão pela matemática e desinteresse pelos clássicos. Em seguida teve
um tutor, professor de Oxford, que o preparou para ingressar no Trinity
College, Cambridge, em 1810. Quando lá chegou, já havia lido extensi­
vamente Leibniz (□), Lagrange, Simpson e Lacroix. Os cursos em Cam-
bridge estavam abaixo de sua capacidade e ele começou a devorar textos
de Euler (□) e de outros grandes matemáticos, espalhados nos inúmeros
volumes das Academias de São Petersburgo, Berlim e Paris.
Com amigos, todos alunos de graduação em Cambridge, liderou a
fundação, em 1812, de uma sociedade que se chamou “Analytical Socie-
ty”, com o objetivo inicial de traduzir um texto de Lacroix sobre os cál­
culos diferencial e integral. John Herschel (□) e George Peacock, além
de Babbage, eram os membros mais proeminentes da Sociedade. No
ano seguinte ao da fundação, Babbage e Herschel produziram o primei­
ro trabalho, publicado nas Memoirs of the Analytical Society. Trata-se de
um trabalho profundo, tendo em vista que foi escrito por dois alunos
de graduação. Seguiram-se duas publicações, traduzindo o texto de La­
croix e um livro com exemplos de cálculo, publicado em 1820.
Ele havia passado do Trinity para o Peterhouse College, também em
Cambridge, que foi onde se graduou em 1814, com um B.A., como second
wrangler, atrás de Herschell. No mesmo ano casou-se com Georgiana
Whitmore na Igreja (Anglicana) de St. Michael em Teignmouth, Devon,
casamento que não teve a aprovação do pai. O casal teve oito filhos, mas
somente três chegaram à idade adulta. Em 1815 mudou-se para Londres,
publicou mais artigos, alguns deles de qualidade inferior e foi eleito fellow
da Royal Society de Londres em 1816. Não satisfeito com a maneira de
ser da Royal Society, comentou: “O Conselho [dela] é um conjunto de
homens que se elegem reciprocamente para os ofícios e então jantam jun­
tos, com dinheiro da Society, para se elogiarem uns aos outros, movidos a
vinho, e para se concederem mutuamente medalhas.”
Em 1820 foi eleito fellow da Royal Society de Edinburgh e, no mes­
mo ano, foi um dos fundadores da Royal Astronomical Society, sendo
seu secretário nos seus quatro primeiros anos, mais tarde eleito presi­
dente. Juntamente com Herschel, conduziu, nessa época, experiências
sobre o magnetismo, na linha desenvolvida por Arago. Em 1827 foi feito
lucasian professor de matemática em Cambridge, uma cátedra extrema­
mente prestigiosa, que fora ocupada antes por Newton (□) e que seria
mais tarde ocupada por Stokes (□) e Paul A. M. Dirac, e tem atualmente
Stephen Hawking (□) como titular. Ocupou essa cátedra por doze anos,
mas efetivamente nunca deu aulas. Além de artigos de matemática, es­
creveu também artigos de estatística, física e geologia.
A razão de ele não ter dado aulas foi que naquela época ocupou-
se inteiramente daquilo que foi a grande paixão de sua vida: o desen­
volvimento de computadores mecânicos. Com efeito, Babbage deve ser
considerado, sem sombra de dúvida, como aquele que deu origem aos
conceitos dos computadores atuais. Começou construindo uma máqui­
na que calculava diferenças, em 1819, completando-a três anos depois.
Anunciou a sua invenção em artigo apresentado à Royal Astronomical
Society. Babbage mostrou as possibilidades da pequena máquina, calcu­
lando os termos sucessivos, variando n, da sequência n 1 + n + 41. Os
lermos dessa sequência são 41, 43, 47, 53, 61 ..., enquanto as diferenças
dos termos são 2, 4, 6, 8 ... e as segundas diferenças são 2, 2, 2,... Mos­
trou que sua máquina era capaz de calcular 60 termos por minuto da
sequência n 2 + n + 41.
Em 1823, Babbage recebeu a medalha de ouro da Astronomical
Society pela invenção. Além disso, a mesma sociedade recomendou
fortemente ao governo britânico que disponibilizasse fundos para o de­
senvolvimento de um projeto maior. Com uma dotação inicial de 1.500
libras, começou a construir uma grande máquina de calcular, que espe­
rava concluir em três anos. Tal máquina calcularia facilmente a tábua
de logaritmos que Prony estava ainda calculando. Entretanto, a cons­
trução demorou bem mais do que ele esperava e, em 1827, as despesas
já estavam bem além do que ele dispunha. E aquele ano foi trágico para
Babbage, pois morreram seu pai, sua esposa e pelo menos dois de seus
filhos. Em 1830 ele obteve mais nove mil libras para o projeto.
Em 1834 Babbage publicou um artigo que mais influência teve de­
pois (“On the Economy of Machinery and Manufactures”), em que pro­
punha um algoritmo daquilo que é chamado hoje Pesquisa Operacional.
Mas, no mesmo ano, o trabalho com a máquina de cálculo de diferen­
ças parou. O governo havia investido dezessete mil libras, enquanto que
Babbage já havia usado seis mil libras dos próprios recursos. De 1834 a
1842 o governo não fez nenhuma decisão de continuar com o projeto,
até que finalmente decidiu cancelá-lo. É digno de nota que o projeto de
Babbage tinha o apoio dos cientistas e engenheiros em geral, de modo
que essa indecisão do governo por oito anos foi muito mal recebida pela
comunidade científica.
A proposta de Babbage nessa época tinha se tornado muito mais
sofisticada do que o primeiro projeto de cálculo de diferenças de sé­
ries e era notavelmente semelhante, nos seus componentes lógicos, aos
computadores atuais. Babbage descreve detalhadamente cinco compo­
nentes: memória (storage), processador (mill), controle, entrada e saída.
Além disso, projetou também uma impressora. Chamava sua máqui­
na de Analytical Engine (“Máquina Analítica”). Babbage nunca desistiu
de construir sua máquina, conforme escreveu no texto de 1864 ([225],
apud [224]): “(...) se eu sobreviver mais alguns anos, a Máquina Analí­
tica será construída.”
A respeito de sua crença em um Deus pessoal, temos sua frase, ci­
tada em [226]: “Milagres não são uma interrupção de leis estabelecidas,
mas (...) indicam a existência de leis mais altas”. {{Esta frase é interpre­
tada como crença em Deus pessoal, pois no contexto em que Babbage
viveu não cabiam dúvidas sobre o definitivo das leis da natureza; o sis­
tema newtoniano, por exemplo, foi ontologizado por ninguém menos
do que um Kant}}.

Herschel [286], [368], [369]


Sir John Frederick William Herschel (1792-1871) foi matemático,
astrônomo, químico e inventor inglês, filho único de William Herschel
e de Mary Pitt, que era filha de um comerciante abastado. Seu pai era
astrônomo, tendo descoberto o planeta Urano e catalogado as estrelas
vistas no hemisfério norte. Sua mãe era viúva, sem filhos, com 38 anos
quando se casou com William. Quando John nasceu, seu pai tinha 55
anos e sua mãe, 42. Nasceu em Slough, Berkshire. Em sua infância teve
poucos amiguinhos de sua idade, mas teve sempre a presença dos maio­
res cientistas de sua época. Uma tia, Caroline Herschel, cheia de vida,
que também se tornaria famosa na astronomia, teve muita influência,
inclusive científica, na vida de John. Por toda sua vida ele permaneceu
afeiçoado a ela. John foi criado na Casa do Observatório. Tanto seu pai
como sua tia Caroline eram músicos, além de astrônomos. Em sua casa,
música, ciência e religião eram os assuntos dominantes. Aos oito anos
foi enviado ao Eton College, mas era importunado (bullying) por seus
colegas, e assim voltou para casa depois de alguns meses, recebendo au­
las particulares.
William Herschel queria que seu filho fizesse carreira eclesiástica,
considerando que a Igreja Anglicana era equivalente a um serviço ci­
vil, mas com um rendimento regular. O jovem Herschel rejeitou uma
carreira no púlpito, procurando viver primeiramente como advogado
e depois como cientista. Ingressou no St. Johrís College em Cambridge
(Universidade). John tornou-se sênior wrangler, isto é, foi o primeiro
colocado no exame de matemática, graduando-se em 1813. Ele ascen­
deu rapidamente a posições de influência. Ele, George Peacock e Bab­
bage (□), dos quais se tornou amigo, fundaram a “Analytical Society” de
Cambridge antes de se graduarem, em 1812.
O objetivo dessa Sociedade era trazer para a Inglaterra a ciência
do continente europeu, que estava mais desenvolvida. Na Inglaterra, as
obras de d’Alembert, Leibniz (□), Euler (□) e Lagrange não eram conhe­
cidas. Herschel e Peacock traduziram o Traité du calcul différentiel et du
calcul integral, de Lacroix, que trazia essas novas contribuições para a
matemática. Desafiando a fidelidade britânica a Isaac Newton (□), ele
trouxe o cálculo mais elegante de Leibniz. Essa tradução tornou-se texto
padrão. Depois de se graduar, Herschel foi o primeiro a receber o prê­
mio Smith e foi eleito fellow do St John College. E no mesmo ano, 1813,
foi eleito fellow da Royal Society de Londres.
A mais surpreendente decisão dele foi tomada logo depois de se
graduar: decidiu se dedicar às leis, contra a vontade do pai, que queria
que ele se tornasse clérigo. Foi para Londres a fim de receber um trei­
namento no assunto, hjas depois de dezoito meses, caiu na conta de que
isto era um equívoco, retornando a Cambridge como tutor e examina­
dor de matemática. Publicou então trabalhos sobre matemática como o
Ona remarkable application ofCotess theorem (“Sobre uma notável apli­
cação do Teorema de Cotes”). Trabalhou e publicou especialmente em
problemas de álgebra e séries trigonométricas. Em 1820 publicou um
livro em dois volumes com exemplos de aplicações de diferenças finitas.
Mas Herschel tinha muitos outros interesses científicos. De acordo com
[369], teria sido o personagem principal em qualquer dos ramos cientí­
ficos a que se aplicou. E efetivamente fez contribuições importantes em
várias áreas do conhecimento.
A decisão de estudar (também) a astronomia se deveu à vontade de
dar continuidade à obra do pai, que em 1816 estava com 78 anos. Hers­
chel e Babbage tornaram-se amigos por toda a vida e, em 1821, foram
juntos à Itália e à Suíça. Ambos gostavam muito de subir montanhas, mas
Herschel aproveitava essas viagens para fazer várias observações cientí­
ficas. Durante a viagem fez numerosas observações meteorológicas com
um aparelho que ele mesmo inventou para medir a energia solar.
Em outra viagem se encontraram com grandes cientistas, como
Biot (□), Laplace (□) e Arago. Impressionado com a matemática fran­
cesa, Herschel traduziu três volumes para o inglês, expandindo-os com
exemplos próprios. Quando seu pai faleceu, em 1822, ainda que não fosse
propriamente rico, a herança lhe permitiu uma maior liberdade de ação.
Foi nesse ano que publicou seu primeiro trabalho sobre astronomia, um
trabalho de importância menor, sobre a maneira de calcular os eclipses da
Lua. Seu trabalho mais importante foi um catálogo sobre estrelas duplas,
que publicou nos Transactions ofthe Royal Society em 1824.
No mesmo ano foi eleito secretário da Royal Society, permane­
cendo nessa posição durante cerca de três anos. Tornou-se líder dos
reformadores na Royal Society, sendo proposto por Babbage para pre­
sidente, mas perdeu por pouco a eleição para os tradicionalistas. Hers-
chel continuou trabalhando sobre estrelas duplas, cada qual girando
em torno da outra, até 1833. Tendo o governo britânico lhe oferecido
um salário, ele o recusou a fim de conduzir suas pesquisas de forma
independente. Tendo aprendido com seu pai o polimento de lentes e
a construção de telescópios, construiu para si alguns dos maiores e
melhores telescópios do seu tempo.
Viajou para a África do Sul em 1834 a fim de catalogar as estre­
las e “nebulosas” (galáxias) do hemisfério sul, tal como seu pai havia
feito para o hemisfério norte. Ali chegou e instalou um telescópio de
6,4 metros. Dentre muitas observações, verificou o retorno do cometa
Halley. (Até então, e até bem mais adiante, julgava-se que os cometas
descreviam “parábolas”, que são curvas abertas; por conseguinte, os
cometas, uma vez passando, não retornariam). Livre das pressões a
que era submetido como cientista em Londres, pôde se dedicar muito
mais à pesquisa enquanto esteve na África do Sul, que fazia parte en­
tão do Império Britânico. Ele diria mais tarde que aquele havia sido o
tempo mais feliz de sua vida, com sua esposa, Margaret Stewart, que
se dedicava à botânica; o casal produziu um catálogo precioso, com
ilustrações da melhor qualidade da flora local, publicadas recente­
mente (1996), a Flora Hershceliana. John usava uma “câmara lúcida”,
precursora da câmara fotográfica, deixando para a esposa completar
os detalhes.
Nessa época ele havia se perguntado como é que as espécies se
formavam, tendo discutido isso com geólogos e naturalistas. Quando
o navio Beagle aportou na Cidade do Cabo na África do Sul, onde
viajava o jovem Charles Darwin, os dois tiveram uma conversa que
teria sido muito importante para aquele que formulou o princípio da
evolução das espécies. Em 1838 o casal Herschel voltou à Inglaterra, e
ele publicou em 1847 Results of Astronomical Observations made at the
Cape of Good Hope (“Resultados de observações astronômicas feitas
no Cabo da Boa Esperança”).
O estudo das estrelas duplas o fascinou e ele catalogou 1.202 delas.
Entretanto, pesquisas ulteriores feitas por outros verificaram que algu­
mas delas eram na realidade estrelas bem separadas, mas na mesma li­
nha de visão. Mas em outros casos se tratava realmente de duas estrelas
que giravam uma em torno da outra. A observação dessa rotação permi­
tiu que suas massas fossem calculadas. Esses estudos mostraram que as
leis de Newton se aplicavam a objetos cósmicos muito distantes.
Para determinar as dimensões de nossa galáxia, a Via Láctea, ele
contou mais de setenta mil estrelas. Descobriu, dando-lhes nomes, sete
satélites de Saturno e quatro de Urano. Contribuiu com artigos muito
liem escritos para a Encyclopaedia Britannica, então em sua sétima edi­
ção, e escreveu um dos maiores sucessos editoriais em termos de intro­
dução à astronomia, Outlines ofAstronomy.
Herschel era também um excelente químico e logo que soube da
existência do precursor da fotografia, que foi o daguerreótipo, tentou
usá-lo nas suas pesquisas astronômicas. Não só, mas aperfeiçoou o
método de Daguerre (1789-1851) e, modestamente, não fez nenhum
esforço para ter crédito de ser um quase co-inventor do daguerreóti­
po. Ele, juntamente com Talbot, além do próprio Daguerre, devem ser
considerados os precursores da fotografia. Além disso, estudou o poder
químico dos raios ultravioleta.
Herschel propôs uma correção no calendário gregoriano, deixando
de considerar como bissextos os anos múltiplos de quatro mil anos. Mas
tal proposta não foi aceita. {{Mais tarde, os múltiplos de quatrocentos
não seriam anos bissextos, que é a prática atual}}.
Herschel recebeu um sem número de homenagens científicas ao
longo de sua vida. Com apenas 21 anos, foi o mais jovem cientista da
história a ser admitido na Royal Society. Foi frequentemente convida­
do a presidir importantes comitês e a aceitar posições de prestígio. Mas
Herschel tinha pouco interesse por essas coisas, tendo em vista quanto
lempo elas o afastavam de seus principais objetivos.
Foi agraciado em 1821 com a medalha Copley da Royal Society, em
1825 com a medalha Lalande do Institut (francês), em 1826 recebeu a
medalha de ouro da Royal Astronomical Society, que ganhou de novo
dez anos depois. Foi feito Sir em 1831. Ao final de sua vida, concordou
em se tornar master of the mint, um posto importante no governo da
Escócia e da Inglaterra dos séculos XVI a XIX (Isaac Newton também
ocupou essa posição: ver [367]), mas essa decisão foi um erro. Com
efeito, Herschel tentou introduzir um nível de profissionalismo que foi
rejeitado pelos funcionários, muitos dos quais estavam interessados em
se apropriar da burocracia governamental em proveito próprio. Com
seus nobres esforços e correção, as coisas pioraram e ele acabou doente
e tendo que deixar a posição.
Profundamente apaixonado, ele teve uma vida muito feliz com
sua esposa Margaret. Tal como seu pai, tinha sido antes de se casar
um cristão nominal, na melhor das hipóteses (“não praticante”, como
dizemos no Brasil).
Mas, depois de casado, passou por uma genuína experiência de
conversão. Margaret era filha de um pastor presbiteriano escocês. Sua
vida de piedade tranquila transformou Herschel de um cristianismo que
beirava o panteísmo-deísmo a uma total conversão de reconhecimento
de Cristo como nosso Senhor e Salvador.
Essa sua nova convicção o inflamou com um sentido de dever
com relação aos outros. Assim, advogou reformas educacionais na
África do Sul que deram origem ao desenvolvimento da educação pú­
blica naquele país.
O casal teve três filhos e sete filhas, dois dos filhos se tornaram
cientistas de valor. Mesmo com vontade de se aposentar, sua casa
era visitada com frequência por cientistas. Seu senso de justiça o fez
“juiz” na disputa científica a respeito de prioridade entre Adams e
Leverrier. Recebendo-os em casa, colocou-os à vontade para discutir
com liberdade a questão, chegando ambos a uma conclusão comum.
Ao se tornar idoso, Herschel se retirou para uma vida mais pacata,
longe da cidade, onde podia apreciar a natureza. Escreveu poesias,
mas que não chegaram a atrair a atenção; a mesma sorte teve sua tra­
dução da Ilíada de Homero. Herschel foi enterrado na Westminster
Abbey, onde são coroados os reis da Inglaterra, ao lado de Sir Isaac
Newton. Ele tem o seu nome numa ilha, no oceano Ártico, ao nor­
te do território do Yukon, Canadá, numa montanha, na Antártica, e
numa cratera na Lua. -

Henry [417], [419]


Joseph Henry (1797-1878) foi um cientista norte-americano, o
principal da sua época. Nasceu em Albany, NY, filho de pais pobres,
William Henry e Ann Alexander Henry, imigrantes da Escócia. O pai
faleceu quando era pequeno. Henry passou a morar com sua avó. Fre­
quentou uma escola elementar - que mais tarde receberia seu nome - e
depois trabalhou numa loja. Aos treze anos foi aprender o ofício de re­
lojoeiro. Apaixonou-se pelo teatro e por pouco não se tornou um ator
profissional. Seu interesse pelas ciências foi despertado quando tinha
dezesseis anos, com a leitura de um livro popular. Em 1819 entrou na
Academia de Albany, onde obteve instrução gratuita. Era tão pobre que
teve que se sustentar dando aulas particulares. Pretendia estudar medi­
cina, mas em 1824 foi nomeado assistente de engenheiro para supervi­
sionar a construção de uma estrada entre o rio Hudson e o lago Erie.
Daí que se decidiu a estudar engenharia civil ou mecânica. Henry foi
um aluno excelente, a tal ponto que ajudava seus professores no ensino
da ciência. Em 1826 foi nomeado professor de matemática e “filosofia
natural” (física) da Academia de Albany.
Algumas de suas mais importantes pesquisas foram feitas nessa
época. Sua curiosidade a respeito do magnetismo terrestre o levou a
fazer pesquisas sobre o magnetismo em geral. Ele foi o primeiro a fazer
uma bobina de modo a obter um campo magnético forte, construindo
o mais forte eletroímã da época para a Yale University. Sua técnica de
construir eletroímãs tornou possível o telégrafo.
Em 1831 construiu uma das primeiras máquinas motrizes utilizan­
do o eletromagnetismo para se movimentar; essa máquina foi o primei­
ro ancestral do motor de corrente contínua. Henry descobrittxtambém
a propriedade de autoindutância, mais ou menos ao mesmo teAipo que
Michael Faraday (□). Mas Faraday publicou antes seus resultados, sen­
do então reconhecido oficialmente como o descobridor do fenômeno.
Henry foi sempre lento para publicar seus resultados. A unidade de in-
dutância, o henry, é uma homenagem a ele. Foi professor do então Col-
lege of New Jersey (atualmente a famosa Princeton University), de 1832
a 1846, ensinando não somente física, mas também química, geologia,
mineralogia, astronomia e arquitetura. Era reservado e tranquilo, mas
se tornou um professor muito popular.
A direção de Princeton concedeu-lhe uma oportunidade raríssi-
ma naquele tempo: viajar para a Europa, com salário pago. Em 1837
encontrou-se com Faraday, Wheatstone e outros cientistas britânicos.
Voltou para Princeton com vários equipamentos para pesquisa compra­
dos na Europa. Suas pesquisas não se limitaram ao eletromagnetismo,
mas incluíram a fosforescência, o som, a capilaridade e a balística. Tra­
balhando em conjunto com o professor Stephen Alexander, determinou
a temperatura relativa de diferentes partes da superfície do sol. Pouco
depois estava interessado em meteorologia, trabalhando com o profes­
sor Thaddeus Lowe, um balonista. Em seguida, Henry trabalhou em
acústica: reflexões e reverberação do som, com o objetivo de melhorar
a acústica das salas.
Tornando-se cientista famoso, Henry foi nomeado diretor do
Smithsonian Institution, que havia sido criado em 1846, a partir de
uma doação de James Smithson, um inglês, “para o aumento e difusão
do conhecimento entre os homens”. Foi nomeado um conselho de per­
sonalidades ilustres com o objetivo de encontrar o melhor para dirigir a
nova Institution. A escolha recaiu logo em Henry, que relutou bastante
■em deixar Princeton. Disse a um amigo: “Se eu for, estarei provavelmen­
te trocando a fama por uma reputação transitória.” Mas foi.
Henry foi um dos membros fundadores da National Academy of
Sciences, tendo sido seu segundo presidente. Foi também presidente
da Associação Americana para o Progresso da Ciência. Era procurado
por muitos cientistas que buscavam seus conselhos e experiência. Um
deles foi Alexander Graham Bell, ainda jovem, com sua invenção, o
telefone, que despertou grande interesse em Henry. O conjunto dos
vários laboratórios de física em Princeton tem o seu nome. Em Wa­
shington, D.C., na frente do prédio mais antigo da Smithsonian Ins-
titution há uma estátua de Henry. Ele foi um cristão devoto, tendo o
hábito de parar periodicamente seu trabalho de pesquisa para adorar a
Deus, pedindo-lhe sua ajuda em todos os momentos mais importantes
do trabalho [413].

Abel [219], [223]


Niels Henrik Abel (1802-1829) foi um genial matemático norue­
guês. Sua vida foi dominada pela pobreza: uma crise econômica na
Noruega, como resultado da guerra napoleônica contra a Inglaterra,
levou o país à fome e à extrema pobreza. O pai de Abel era formado
em teologia e filosofia e seu avô fora ministro luterano. O pai de Abel,
Soren Georg Abel, era um nacionalista que se envolveu politicamente
na independência da Noruega, primeiro com relação à Dinamarca e de­
pois com relação à Suécia. Casado com Ane Marie Simonson, teve sete
filhos, dos quais Niels foi o segundo. A pobreza na infância do menino
se devia também ao fato provável de que seu pai bebia e sua mãe tinha
comportamento moral “leve” ([220], apud [221]). Apesar disso, seu pai
tornou-se importante na política.
Em 1815 Abel foi matriculado na Escola da Catedral de Christiania
(antigo nome de Oslo). A Escola estava em mau estado, em termos aca­
dêmicos, e assim Abel não se sentiu motivado ao estudo, mas dois anos
depois as coisas mudaram, quando Abel teve um novo professor de mate­
mática. Ele começou a estudar textos matemáticos de nível universitário
como os de Euler, Newton, Lalande e dAlembert. O professor, percebendo
o talento de Abel, o estimulou a leituras avançadas como as de Lagrange
e Laplace, mas em 1820 a situação ficou muito difícil com a morte do seu
pai, obrigando Abel a ajudar a manter sua mãe e seus seis irmãos.
Apesar disso, esse professor, Holmboe, ajudou Abel a obter uma bolsa
de estudos para permanecer na Escola e depois ajuda material com amigos
para ele ingressar na Universidade de Christiania em 1821, graduando-se
no ano seguinte. O primeiro trabalho notável de Abel foi a demonstração
do que depois foi denominado de teorema de Abel-Ruffini, homenagean­
do os dois matemáticos que produziram o resultado, independentemente
um do outro, sobre a não-solução de equações do 5o grau.
Em 1823 Abel publicou artigos sobre equações funcionais e integrais
num novo periódico dinamarquês. No terceiro artigo deu a primeira so­
lução de uma equação integral. Em 1825 ele conseguiu uma bolsa do go­
verno norueguês para viajar; ele pretendia visitar o grande Gauss (□), em
Gõttingen, Alemanha, para mostrar seus resultados em equações do 5o
grau. Entretanto, não encontrou receptividade e nem chegou a visitá-lo.
Na França, mostrou seu extenso trabalho sobre funções transcendentais
a Cauchy (□), que, porém, nem chegou a lê-lo. Tratava-se de uma gran­
de generalização de um resultado de Euler (n)sobre integrais elípticas. O
artigo foi submetido a um periódico e dois revisores, Cauchy (□) e Le-
gendre, que foram indicados para julgá-lo; nesse meio tempo, Abel, na
França, ficou deprimido e emagreceu, pois só dispunha de recursos para
uma refeição por dia. Sem dinheiro, foi para Berlim, onde pediu um em­
préstimo e continuou a trabalhar com funções elípticas, escrevendo um
artigo em que transformou a teoria das integrais elípticas em teoria das
funções elípticas, usando as funções inversas.
De volta a Christiania, conseguiu uma posição provisória de pro­
fessor na Universidade e na Academia Militar. Em 1828 Abel tomou co­
nhecimento de um artigo escrito por Jacobi (n) sobre transformações de
integrais elípticas; Abel verificou que esse resultado era consequência do
seu. Legendre diria que o trabalho dos dois os colocava “entre os melhores
analistas do tempo”. Abel continuou a produzir matemática de alta quali­
dade, enquanto sua saúde deteriorava rapidamente (tuberculose).
Nesse meio tempo, o trabalho que ele tinha submetido à Academia
de Paris foi perdido. No Natal fez uma viagem extensa para visitar sua
noiva, debilitando dramaticamente sua saúde. Faleceu em abril do ano
seguinte, mostrando sempre uma grande paciência. Sua morte prema­
tura cortou a carreira de um matemático brilhante. Sobre ele disse Le­
gendre: “quelle tête celle du jeune Norvégien!” (que cabeça a do jovem
norueguês!). O trabalho que ele tinha enviado para a Academia de Paris
foi encontrado, depois de muita procura por Cauchy (□), em 1830. E,
no mesmo ano, a Academia deu a Abel (postumamente) e a Jacobi (□) o
grande prêmio pelo seu extraordinário trabalho. A obra de Abel foi tão
revolucionária que um matemático disse que ela deixaria os matemáti­
cos ocupados durante quinhentos anos [222].
O nome de Abel ficou também imortalizado na matemática pela
sua associação aos anéis comutativos, chamados de “anéis abelianos”,
além de “categorias abelianas”, “variedades abelianas”, “transformações
abelianas”, “teorema de Abel”, “funções abelianas”, “identidade de Abel”
“desigualdade de Abel”. Há uma cratera na Lua com seu nome. O go­
verno norueguês emitiu quatro selos tanto no centenário de sua morte
como no segundo centenário do seu nascimento. Há uma estátua de
Abel em Oslo. Seu nome está em [219], que contém uma relação de
cientistas cristãos.

Sturm [144], [147]


Charles-François Sturm (1803-1855) nasceu em Genebra e faleceu
em Paris. Seu pai, Jean-Henri Sturm, era professor de matemática de
colégio e casou-se com Jeanne-Louise-Henriette Gremay. Sturm rece­
beu boa educação, destacando-se na escola em poesia latina e grega. Sua
família era protestante, e assim ele permaneceu. Tinha dezesseis anos
quando seu pai faleceu e ele trocou então o foco de seu interesse, pas­
sando a se dedicar à matemática.
Seus primeiros professores logo reconheceram o gênio matemático
de Sturm. Depois de concluir o curso na Academia de Genebra, seu
primeiro emprego foi ser tutor do filho mais novo de Mme. de Staél, em
um castelo perto de Genebra, em 1823, um trabalho que lhe dava tempo
de sobra para se dedicar aos seus próprios estudos. Começou então a
escrever artigos sobre geometria que foram publicados nos Annales de
mathématiques pures et appliquées.
Com a família de Mme. de Staél se mudando para Paris, Sturm pas­
sou a se encontrar com os grandes nomes da ciência, como Laplace (□),
Poisson, Fourier (□), Gay-Lussac, Ampère (□) etc. Estava presente com
frequência nas reuniões do Instituí que tinham lugar toda segunda-feira.
Mas isso só durou seis meses, após os quais eles voltaram para o castelo.
Em 1825 Sturm foi para Paris a fim de fazer cursos de matemática e física
e lhe foi autorizado o uso do Laboratório de Ampère. Sturm assistiu aos
cursos de vários dos grandes cientistas: além de alguns dos referidos aci­
ma, há que se mencionar Cauchy (□) entre seus professores de então. Pas­
sou a ser assistente de Fourier e, com um colega e amigo físico (Colladon),
fez uma série de experiências sobre a compressibilidade da água no lago
de Genebra, ganhando um prêmio da Académie des Sciences.
Esse prêmio permitiu que os dois continuassem a viver em Paris,
mas a partir de então se dissociaram em termos de pesquisa, pois Colla­
don era essencialmente um físico experimental, enquanto Sturm era,
antes de mais nada, um matemático. Os estudos de Sturm se voltaram
para problemas sobre curvas cáusticas (com aplicações em ótica) e po-
los de seções cônicas. Um dos seus mais famosos artigos foi Mémoire
sur la résolution des équations numériques, publicado em 1829, no qual
estudou o problema de determinar o número de raízes reais de uma
equação num dado intervalo. Este era um problema famoso que havia
sido atacado por Descartes (□), Lagrange, Fourier (□) e Cauchy (□), en­
tre outros. O primeiro a dar uma solução completa foi Cauchy, mas seu
método era complicado e pouco prático. A solução de Sturm tornou-
o famoso, pois era simples, aproveitando idéias de Fourier. Apesar da
lama obtida, Sturm não conseguiu uma posição em Paris, que não era,
naquele tempo, fácil de admitir protestantes estrangeiros em posições
acadêmicas. Mas as coisas mudaram com a Revolução de 1830 e Sturm
conseguiu uma posição no Collège Rollin.
Tornou-se cidadão francês em 1833 e foi eleito para a Académie des
Sciences em 1836. Durante esses anos publicou alguns resultados im­
portantes sobre equações diferenciais e associou-se a Liouville no traba­
lho para a solução das equações diferenciais no problema da condução
do calor. A partir de 1838 começou a trabalhar na École Polytechnique,
tornando-se professor de Análise e Mecânica em 1840. No mesmo ano
sucedeu Poisson na cadeira de Mecânica na Faculté des Sciences.
Excelente professor, fez questão de dar o melhor de si aos alunos,
escrevendo textos que se tornariam clássicos, Cours danalyse de VÊcole
Polytechnique 2 Vol. (1857-63) e Cours de mécanique de VÊcole Polyte­
chnique 2 Vol. (1861), ambos publicados postumamente. Com tempo
dedicado à pesquisa limitado, ele assim mesmo trabalhou em geome­
tria infinitesimal, geometria projetiva, geometria diferencial de curvas
e superfícies e fez trabalho importante em ótica geométrica. A partir de
1851 sua saúde tornou-se frágil, fazendo com que ele deixasse o ensino,
mas voltasse brava e brevemente, falecendo depois de longa doença.

Jacobi [70], [71], [235]


Karl Gustav Jacob Jacobi (1804-1851) era alemão de família judai­
ca. Seu pai era banqueiro e sua família, rica. Karl foi o segundo filho,
num total de quatro, sendo que o primeiro, Moritz, seria físico ilustre.
Bem educado por um tio, logo demonstrou seu talento, tendo entrado
no gymnasium em Potsdam antes de completar doze anos. E ainda no
primeiro ano, em vista do seu adiantado preparo, foi passado para o
último ano, encontrando-se, portanto, em condições de entrar na uni­
versidade. Mas a Universidade de Berlim não aceitava estudantes com
menos de dezesseis anos, e assim Jacobi teve que esperar, “repetindo”
o último ano da escola várias vezes, recebendo as notas mais altas em
grego, latim, história e, principalmente, em matemática.
E durante os anos “repetidos”, aproveitou para avançar nos seus co­
nhecimentos de matemática, de modo que, ao terminar, já havia lido os
mais avançados textos de matemática, como a Introductio in analysim
infinitorum (“Introdução à análise dos infinitos”), de Euler (□), e já in­
gressava na pesquisa, tentando resolver equações do 5o grau. Entrando
na Universidade de Berlim, em 1821, ainda estava inseguro quanto ao
tópico em que iria se concentrar. Assistiu a cursos de clássicos, filosofia
e matemática, decidindo-se pela última depois de dois anos. Mas o nível
dos cursos de matemática na Alemanha naquele tempo era bastante fra­
co, e assim Jacobi continuou um autodidata, concentrando-se na obra
de Lagrange e de outros matemáticos de primeira linha. Em 1824 foi
aprovado nos exames que o habilitavam a ensinar matemática, latim e
grego nos colégios.
Apesar da discriminação aos judeus, em vista do seu brilho foi-lhe
oferecida uma posição numa das principais escolas de Berlim. Mas, an­
tes disso, já havia submetido sua tese doutorai à Universidade de Berlim,
que foi aprovada, e logo autorizado a submeter sua Tese de Habilitação
(ao ensino superior, na mesma Universidade).
Em 1825 submeteu um artigo sobre funções iterativas à Academia
de Ciências de Berlim, mas os revisores recusaram o trabalho. O tra­
balho seria publicado mais de dois séculos depois, com comentários,
por Biermann, em 1961 [234], o qual cita as opiniões dos revisores e
os critica fortemente. Esse primeiro revés não desanimou Jacobi, muito
pelo contrário.
Por volta de 1825 Jacobi converteu-se ao cristianismo, o que tor­
nou possível o acesso a posições de ensino nas universidades alemãs
da época e, efetivamente em 1825-1826 já estava ensinando na Uni­
versidade de Berlim. Em 1826 passa para a Universidade de Kõnigs-
berg, onde encontrou Bessel, que era professor de astronomia. Nessa
época ele já havia feito excelentes descobertas na Teoria dos Números.
Gauss (□) ficou impressionado com os resultados que ele havia obtido
sobre resíduos cúbicos. Jacobi trabalhou a seguir em funções elípti­
cas, à mesma época e independentemente de Abel (□), enviando os
resultados a Legendre, que era o especialista no assunto e que ficou
vivamente impressionado.
Em 1829 Jacobi esteve em Paris, onde encontrou Legendre, Fou-
rier (□) e Poisson, tendo passado antes por Gõttingen, onde se en­
controu com Gauss. Em 1831 casou-se com Marie Schwink e poucos
meses depois foi promovido a professor titular. No mesmo ano pu­
blicou o artigo Fundamenta novae theoriae functionum ellipticarum
(“Fundamentos de nova teoria sobre as funções elípticas”), no qual fa­
zia contribuições fundamentais sobre funções elípticas. Jacobi tinha a
reputação de ser um excelente professor, tendo atraído muitos alunos,
formando uma verdadeira “escola” entre seus ex-alunos, entre os quais
se incluíram Heine, Borchardt, Hesse, entre outros notáveis. Nesse
mesmo tempo Abel (□) também realizava contribuições fundamentais
sobre o mesmo tópico, e assim desenvolveu-se uma competição entre
os dois. Mas Abel morreria precocemente pouco depois.
Jacobi desenvolveu pesquisas importantes também em equações
diferenciais de derivadas parciais de primeira ordem, aplicando-as à Di­
nâmica. Trabalhando também com determinantes, desenvolveu o deter­
minante funcional que recebeu seu nome, o jacobiano. Na realidade, es­
ses jacobianos haviam sido estudados vários anos antes por Cauchy (□),
em 1815, mas foi Jacobi quem desenvolveu mais o assunto, escrevendo
o texto alentado De determinantibus functionalibus, em 1841. Em 1843,
devido a excesso de trabalho, teve uma crise de saúde, tendo ido à Itália
a fim de tentar recuperar-se e retornando à Alemanha com uma pensão
real, graças à interferência de seu amigo Alexander von Humboldt.
Tendo passado do judaísmo para o cristianismo, possivelmente as
suas convicções religiosas não teriam sido muito profundas. Mas em
todo o caso, ele acreditava em Deus, talvez entendido à sua maneira,
como aparece na frase: “Deus sempre faz aritmética” [71], ou ainda mais
original, “O Deus que reina no Olimpo é o Número Eterno” [71].

De Morgan [219], [257]


Augustus De Morgan (1806-1871) nasceu na índia, na região onde
é hoje Madurai, Tamil, quando seu pai ali trabalhava, e faleceu em Lon­
dres. Foi matemático e lógico. Formulou o que ficou conhecido como
“leis de Morgan” e introduziu o termo de indução matemática. Existe
uma cratera com seu nome na Lua.
Seu pai, John, foi tenente-coronel, e teve várias funções na Compa­
nhia das índias Orientais. Sua mãe descendia de James Dodson, que com­
putou uma tábua de antilogaritmos. Augustus foi o quinto filho e perdeu
a visão do olho direito pouco após o nascimento. A família voltou à In­
glaterra quando Augustus tinha sete meses. Seu pai faleceu quando ele
tinha dez anos. Mrs. De Morgan residiu em vários lugares do sudoeste da
Inglaterra e, assim, Augustus frequentou várias escolas nos seus primeiros
anos. Mrs. De Morgan era ativa e fervorosa na Igreja da Inglaterra (angli­
cana) e desejava que seu filho se tornasse clérigo, mas nesta época o filho
já mostrava rebeldia com relação a certas coisas da Igreja.
O talento de Augustus para a matemática só foi percebido quando
tinha 14 anos. Em 1823, com 16 anos, ingressou no Trinity College em
Cambridge. Passava suas horas de recreio tocando flauta, na qual se tor­
nou exímio. Obteve o bachelor ofArts, mas, para obter o master ofArts,
teria que passar num exame de Teologia, ao qual se recusou, apesar de
ser anglicano. (Por volta de 1875 esses testes teológicos seriam abolidos
nas universidades de Oxford e Cambridge).
Dirigiu-se então a Londres a fim de iniciar seus estudos de Direito,
com a finalidade de exercer a profissão. Mas, nesse meio tempo, um
grupo de intelectuais de mente liberal resolveu fundar a London Uni-
versity (atualmente University College of London) com o princípio de
neutralidade religiosa.
De Morgan, então com 22 anos, foi designado professor de mate­
mática. Mas, sendo mal definidas as relações entre o Senado dos Pro­
fessores e o Corpo dos Estudantes, estabeleceu-se uma disputa entre o
professor de anatomia e os estudantes. E em virtude da decisão tomada
pelo Conselho, vários professores se demitiram, encabeçados por De
Morgan. Mais tarde, foi convidado a reassumir a cátedra, ali permane­
cendo por trinta anos. Através da Society for the Diífusion of Useful
Knowledge (Sociedade para a Difusão de Conhecimentos Úteis), que
havia sido recém-fundada sob a liderança de Lord Brougham, De Mor­
gan publicou um grande trabalho sobre o cálculo diferencial e integral,
escrevendo também 712 artigos, ou seja, a sexta parte dos artigos, na
' Penny Encyclopedia, editada pela mesma Society.
Em Londres, De Morgan tornou-se grande amigo de William
Frend, também matemático, mas com idéias heterodoxas a respeito
dos números negativos. Apesar dessa divergência em termos matemá­
ticos, os dois convergiam a respeito de assuntos religiosos. Em 1837
De Morgan casou-se com Sophia Elizabeth, uma filha de Frend. De
Morgan foi extremamente bem-sucedido como professor; para ele, a
compreensão e assimilação de grandes princípios era muito mais im ­
portante do que a habilidade analítica em casos particulares de princí­
pios não bem entendidos.
Em 1837 publicou seus primeiros trabalhos de lógica formal. Em
1838 definiu e introduziu o conceito de “indução matemática”, num dos
artigos publicados na Penny Enyclopedia, algo que estava sendo usado
até então sem clareza e rigor. Em 1849 publicou Trigonometry and double
Álgebra, no qual deu uma interpretação geométrica dos números com­
plexos. Reconheceu o caráter puramente simbólico da álgebra e estava
consciente de que outras álgebras, além da usual, poderíam ser criadas.
Talvez seu trabalho mais importante tenha sido Budget of Paradoxes,
publicado inicialmente nas colunas do Athaeneum, um periódico; esse
trabalho foi revisado e melhorado pelo autor até o fim da vida, sendo
publicado postumamente pela viúva.
De Morgan se correspondeu com Babbage (□), que era tutor de
Lady Lovelace, a qual, segundo consta, escreveu o primeiro programa
de computador para Babbage. De Morgan teve três filhos e quatro filhas.
Seu segundo filho, George, se tornaria um matemático ilustre, sendo um
dos co-fundadores da Mathematical Society em Londres; De Morgan foi
o primeiro presidente da nova Sociedade e seu filho, o primeiro secretá­
rio do que se tornaria, mais tarde, a London Mathematical Society.
Em 1866 um clérigo unitário foi recomendado para uma cátedra, mas
foi vetado pelo Conselho. De Morgan considerou essa atitude um desres­
peito à neutralidade religiosa e resignou à própria cátedra, em protesto,
aos sessenta anos de idade. Seus alunos lhe mantiveram com quinhentas
libras esterlinas ao ano, mas dois anos depois seu filho George, do qual
tinha tanto orgulho, faleceu e logo após uma de suas filhas também mor­
reu. De Morgan resistiu pouco a esses dois fatos, falecendo aos 65 anos.
De Morgan tinha uma maneira de viver bastante peculiar, sendo
um recluso: morando em Londres, nunca foi à Abadia de Westminster
(onde são coroados os reis e rainhas da Inglaterra, com estátuas dos
grandes heróis nacionais) nem à Câmara dos Comuns (o Parlamento
britânico) nem à Torre de Londres, {{três visitas “obrigatórias” para
qualquer pessoa que vá a Londres}}. Nunca tentou se tornar fellow da
Royal Society, e aliás nunca ia às reuniões da dita Sociedade. Tornou-se
grande amigo de William R. Hamilton, um irlandês, grande matemá­
tico, que inventou os quaternions. Se todos os trabalhos de De Mor­
gan fossem publicados, formariam uma pequena biblioteca. Ele criou a
Relation Álgebra, uma álgebra binária, relacionada à Álgebra de Boole
(a), que se tornaria muito importante para os Principia Mathematica, de
Bertrand Russell e A. N. Whitehead (□). Mais tarde, essa álgebra se tor­
naria também muito importante nos trabalhos iniciados em 1940 por
Alfred Tarski e seus colegas na Universidade da Califórnia.

Le Verrier [219], [355], [357]


Urbain Jean Joseph Le Verrier (1811-1877) foi um matemático
francês que se especializou em mecânica celeste e ficou particularmen­
te conhecido pela descoberta do planeta Netuno. Nascido em Saint-Lô,
estudou na École Polytechnique. Depois de um breve período de estu­
do de química sob a orientação de Gay-Lussac, voltou-se para o estudo
da astronomia, de modo especial para a mecânica celeste, tornando-se
professor dessa matéria na École Polytechnique em 1837. Aceitou uma
posição no Observatório de Paris, onde passou a maior parte da sua
vida profissional, tornando-se finalmente seu diretor.
O feito mais famoso de Le Verrier foi sua predição da existência
de Netuno, usando somente matemática e observações astronômicas do
já conhecido Urano. Encorajado pelo então diretor do Observatório, o
físico Arago, Le Verrier gastou meses fazendo cálculos complexos para
explicar as pequenas mas sistemáticas diferenças entre a órbita obser­
vada de Urano e a que era predita pela lei de gravitação de Newton (□).
Isto foi em 1846. À mesma época, mas desconhecido para Le Verrier, o
inglês John Couch Adams (□) estava fazendo cálculos semelhantes. Le
Verrier anunciou sua descoberta à Academia Francesa dois dias antes
de Adams chegar à solução, que foi enviada ao Royal Greenwich Ob-
servatory [355] e [356]. De acordo com [357], Adams completou seus
cálculos dois meses antes de Le Verrier e, por isso, os dois deveríam ser
considerados os descobridores de Netuno.
Um pouco antes da descoberta matemática por Le Verrier, o pla­
neta foi observado em Berlim com um refrator, por Galle e Heinrich
dArrest, com Io de diferença com relação à predição de Le Verrier. Ara­
go diria a respeito da façanha: “Aos olhos de qualquer pessoa imparcial,
esta descoberta permanecerá como um dos mais magníficos triunfos da
astronomia teórica, uma das glórias da Academie [de Ciências da Fran-
• ça] e uma das mais belas distinções de nosso país” [356].
O jornal Times de Londres anunciou no dia Io de outubro de 1846:
“O planeta de Le Verrier foi encontrado”. Entusiasmado com tal desco­
berta, Le Verrier voltou-se para o planeta Mercúrio, tentando explicar as
variações na sua órbita, mais precisamente no seu periélio. Ele concluiu
que deveria haver um outro planeta, ao qual deu o nome de Vulcano.
Isto deu origem a uma onda de detecções falsas que duraram até 1915,
quando Einstein (□) explicou o movimento anômalo de Mercúrio com
a sua Teoria da Relatividade Geral.
A última quarta parte da vida de Le Verrier foi ocupada no estabe­
lecimento preciso das órbitas dos oito planetas. Em 1854 ele foi nomea­
do diretor do Observatório de Paris, que estava decadente. Le Verrier
restabeleceu o Observatório como local de ciência de boa qualidade,
mas era muito impopular entre os colegas, pois estabeleceu normas ex­
tremamente rígidas de comportamento. Um contemporâneo chegou a
dizer (antes da descoberta de Netuno): “Eu não sei se Mr. Le Verrier é o
homem mais detestável na França, mas estou certo de que é o mais de-
testado” [356]. Essa impopularidade fez com que ele tivesse que deixar a
direção do Observatório em 1870. Recebeu a Medalha Copley da Royal
Astronomical Society e, na sua França, se tornou um Oficial da Legião
de Honra. Tem seu nome em crateras de Marte e da Lua, um anel de Sa­
turno e o asteroide de 1997. Le Verrier era casado e teve filhos. Faleceu
em Paris. Ele sempre será lembrado pela frase de Arago no seu túmulo:
“o homem que descobriu um planeta com a ponta de uma caneta”. Le
Verrier consta na lista de [219] como cientista de fé cristã.

Boole [219], [240], [242], [286]


George Boole (1815-1864) foi matemático e filósofo britânico, in­
ventor da álgebra booleana, que é a base da moderna aritmética usada
pelos computadores. Nesse sentido, é considerado um dos fundadores
da ciência de computação, precedendo em várias décadas a existência
dos primeiros computadores eletrônicos. Efetivamente, Bertrand Rus-
sell, coautor dos Principia Mathematica, considerava que a matemática
pura fora descoberta por Boole [286].
Boole nasceu em Lincolnshire, na Inglaterra, como o primeiro de
quatro filhos, e faleceria na Irlanda. Batizado no dia seguinte ao que
nasceu, uma indicação provável de que corria risco de vida. Seu pai foi
um comerciante de recursos muito limitados, mas era um estudioso,
uma mente sempre ativa. Sendo o pai especialmente interessado em
matemática, foi ele próprio que deu ao filho sua primeira educação
nessa ciência, tendo George se matriculado na escola primária quando
tinha sete anos.
Entretanto, o talento extraordinário do filho para a matemática não
se manifestou nos primeiros anos. Teve um primeiro interesse pelo es­
tudo dos clássicos da literatura. Tendo aprendido latim na escola, foi
autodidata no grego, dominando essa difícil língua com apenas catorze
anos de idade. Aliás, foi autodidata praticamente em tudo, não tendo
feito estudos formais. Aos dezesseis anos, já dava aulas de matemática
numa escola particular para se sustentar. Mantendo seu interesse pelas
línguas, passou a se interessar intensamente pela matemática, abando­
nando então a ideia, que tivera antes, de ingressar na Igreja (como cléri­
go). O primeiro texto de matemática avançada que leu foi o de Lacroix,
sobre o cálculo diferencial e integral.
Com apenas dezenove anos abriu uma escola em Lincoln, de lá se
transferindo com os pais e irmãos para Waddington a fim de dirigirem
a Hall Academy. Nessa época estava estudando os trabalhos de Laplace
e Lagrange, sempre tomando notas. Seu primeiro artigo publicado foi
“Theory of Analytical Transformations” no Cambridge Mathematical
Journal, em 1839.
Em 1842 começou a se corresponder com De Morgan (o), escre­
vendo seu primeiro artigo sobre a aplicação da álgebra à solução de
equações diferenciais, publicando-o nos anais da Royal Society em 1844,
recebendo por ele uma medalha da mesma entidade pela qualidade do
trabalho. Recebeu também a medalha Keith.
Em 1849, já com grande reputação, tornou-se professor de matemá­
tica do Queens College em Cork, na Irlanda, e ali permaneceria como
professor até o fim da vida. Apesar da carga pesada de aulas e da sua dedi­
cação aos alunos, foi capaz de se dedicar também a pesquisas importantes.
Em 1851 foi eleito decano de Ciências, encargo que exerceu com grande
senso de responsabilidade. Em 1854 publicou seu mais importante tra­
balho, “An investigation into the Laws of Thought, on which are founded
the Mathematical Theories of Logic and Probabilities” (Uma investigação
sobre as leis do pensamento, nas quais estão fundadas as teorias da lógica
e das probabilidades). Boole abordava nesse artigo a lógica de modo novo,
reduzindo-a a uma álgebra. Ele iniciou o que se chamaria a “álgebra de
Boole”, que teria, várias décadas mais tarde, no século XX, larga aplicação
em computadores, circuitos de “chaveamento” etc.
Casou-se em 1855 com Mary Everest, sobrinha de um colega em
Cork, sobrinha também de quem deu o nome à mais alta montanha do
mundo; ela escrevería, como Mrs. Boole, diversos textos educacionais
muito úteis. Foi um casamento muito feliz, com cinco filhas. Boole era
muito consciencioso no seu trabalho; seus livros e textos sobre equações
diferenciais e de diferenças finitas permaneceram em uso em muitas
instituições por cerca de cinquenta anos. Para o público em geral, Boole
era o autor de numerosos artigos abstrusos sobre tópicos matemáticos.
Seu trabalho sobre operadores em análise o levou à eleição para/e//ow
da Royal Society.
Uma longa lista dos trabalhos de Boole em lógica e matemática se
encontra no Catalogue o f Scientific Memoirs, publicado pela Royal So­
ciety, e no volume suplementar de Differential Equations, editado por
Isaac Todhunter. Boole contribuiu com 22 artigos para o Cambridge
Mathematical Journal e seu sucessor, o Cambridge and Dublin Mathe­
matical Journal, dezesseis artigos no Philosophical Magazine, seis arti­
gos importantes no Philosophical Transactions, além de publicações nas
Atas das academias de Real Sociedade de Edinburgh e da Real Acade­
mia Irlandesa, no Boletim da Academia de São Petersburgo e no Crelles
Journal, além de um artigo no Mechanics Magazine em 1848.
Em 1847 Boole escreveu o livro Mathematical Analysis of Logic, no
qual desenvolveu a lógica matemática pela qual se tornaria especialmente
famoso. É interessante observar que esse livro teve como objetivo defen­
der seu amigo, De Morgan, que tinha sido atacado por um filósofo esco­
cês, para o qual a matemática é uma coisa perigosa, inútil e que nada tinha
a oferecer à lógica. Essa obra de Boole, entretanto, tinha algumas impreci­
sões e lacunas, que seus seguidores precisaram de anos para corrigir. Com
a lógica de Boole, a filosofia da matemática tornou-se científica.
Com efeito, Boole foi dos primeiros a perceber que os símbolos das
operações da matemática podiam ser tratados como objetos de cálculo.
Boole desenvolveu uma notável habilidade no cálculo de símbolos. As
obras de Boole estão contidas em cerca de cinquenta artigos espalhados
em diversos veículos de publicação, além de algumas publicações sepa­
radas. Há somente dois tratados sobre assuntos de matemática escritos
por Boole: o Treatise on Differential Equations, de 1859, e o Treatise on
the Calculus ofFinite Differences, publicado no ano seguinte. Esses dois
tratados contêm importantes contribuições para os dois ramos da ma­
temática em questão.
Boole foi, assim, um dos primeiros matemáticos que escreveram
também sobre lógica. Ele tinha ainda um vasto conhecimento de outros
assuntos. Dante era seu autor predileto, preferindo o Paradiso ao Infer­
no. A Metafísica de Aristóteles, a Ética de Spinoza e as obras filosóficas
de Cícero foram frequentes objetos de estudo. Suas reflexões sobre ques­
tões científicas, filosóficas e religiosas estão contidas em discursos, que
depois foram impressos: The Genius ofSir Isaac Newton (□), The Right
Use ofLeisure (“O uso correto do descanso”), The Claims of Science (“As
afirmações da ciência”) e The Social Aspect of Intellectual Culture (“Os
aspectos sociais da cultura intelectual”).
A personalidade de Boole inspirava uma estima profunda em todos (
os seus amigos. Era extremamente modesto e sua vida teve como objetivo
a procura da verdade. Seu gênio teria o reconhecimento adequado vários
anos depois da morte, acometido por uma crise febril, quando estava na
plenitude de seu poder mental, aos 49 anos de idade. Extremamente cons­
ciente de seus deveres profissionais, foi à universidade para dar aula num
dia de chuva torrencial. Com as roupas encharcadas, pegou um resfriado,
que se desenvolveu em pneumonia, da qual faleceu.
Seu sentimento sobre Deus era forte, citando o Apóstolo Paulo:
“ninguém vive para si mesmo, nem morre para si mesmo” (Rom. 14,7).
Ele praticava o que pregava, visitando as pessoas doentes e ajudando as
pessoas necessitadas na medida de suas possibilidades.
Joule [347], [350], [286]
James Prescott Joule (1818-1889), FRS (Fellow ofthe Royal Society),
foi um físico inglês, nascido em Salford, perto de Manchester. As leis
da termodinâmica estabelecem que o calor e a energia são uma mesma
coisa e cada qual pode ser convertido no outro. Provar isto foi o trabalho
de toda a vida de Joule, que assim descobriu a chamada primeira lei da
termodinâmica.
Seu pai, Benjamin Joule, era um rico fabricante de cerveja. Tendo
um problema de coluna, James foi educado em casa até 1834, quando
foi enviado, junto com o irmão, para estudar com John Dalton (o) na
Manchester Litterary and Philosophical Society. Dalton estimulou Jou­
le no interesse pelas ciências naturais e matemática, introduzindo-o nos
seus rudimentos. Dalton já tinha setenta anos nessa época, e depois de
dois anos teve um infarto e foi obrigado a se aposentar. Os irmãos Joule
se reduziram a estudos de aritmética e geometria, mas Dalton teve uma
influência grande e permanente sobre Joule. A seguir, ele foi tutorado por
John Davies. Joule foi em grande parte um autodidata, especialmente no
que se refere à eletricidade e ao eletromagnetismo. Sendo seu pai rico,
Joule montou seu próprio laboratório. Ainda na juventude, inventou seu
próprio motor eletromagnético e, quando tinha dezenove anos, começou
a fazer experiências com o calor, registrando os resultados obtidos.
Joule era fascinado pela eletricidade. Ele e seu irmão se divertiam
dando choque um no outro e nos empregados da família. Joule teve que
' se tornar o administrador da cervejaria, que seria vendida em 1854. Até
então ciência era um hobby para Joule, que logo começou a investigar a
possibilidade de substituir o motor a vapor da cervejaria por um motor
elétrico, recentemente inventado. Em 1838 publicou seu primeiro artigo
científico sobre a construção de um motor eletromagnético. No mesmo
ano, outro artigo, “Description of an electromagnetic engine, with experi-
ments” (“Descrição de um motor eletromagnético com experiências”). No
ano seguinte publicou Investigations in Magnetism and Electromagnetism
(“Investigações sobre o Magnetismo e Eletromagnetismo”), mostrando
como construir um galvanômetro e como calibrá-lo, usando eletrólise.
Com cerca de trinta anos estava convencido de que a energia se
conservava. Em 1840 Joule e William Sturgeon formaram um núcleo de
um círculo intelectual em Manchester. Os dois participavam da convic­
ção de que ciência e teologia podiam e deviam ser integradas. A teoria
dominante então a respeito do calor era a do “calórico”, introduzida por
Lavoisier em 1783, considerado um fluido, que não podia ser nem cria­
do nem destruído. A teoria de Lavoisier teria sido “confirmada” pelo
su cesso de Sadi Carnot nas suas experiências com máquinas térmicas.
Ora, a lei de Joule (ver logo em seguida) desafiava essa convicção e o
tempo mostraria que estava certo.
Em 1840, publicou três artigos, entre os quais: “On Electromagne-
tic Forces” (“Sobre as forças eletromagnéticas”), “On the Production of
I leat by Voltaic Electricity” (“Sobre a produção de calor pela eletricida­
de voltaica”), no qual ele formulou a “lei de Joule”, Q = R I 2t , ou seja, a
quantidade de calor produzida por uma corrente elétrica de intensidade
/ através de uma resistência elétrica R durante um certo tempo t é dada
pela fórmula acima. Mas, de acordo com [350], ele teria chegado a esse
resultado dois anos mais tarde (1842).
Ele esperava impressionar a Royal Society com essa descoberta,
mas foi julgado um mero diletante. No mesmo ano publicou ainda On
Heat evolved by Metallic Conductors of Electricity and in the Cells of a
Battery during Electrolysis. (“A respeito do calor desenvolvido em con­
dutores metálicos de eletricidade e nas células de uma bateria durante a
eletrólise”). Em 1841 publicou On the Electric Origin ofHeat and Com-
bustion (“Sobre a origem elétrica do calor e da combustão”). Experiên­
cias adicionais de Joule o levaram a calcular o equivalente mecânico (em
termos de “trabalho”) do calor, mostrando que eram necessários 838
libras-pés de trabalho mecânico para elevar a temperatura de um pound
de água em um grau Fahrenheit.
(De acordo com [286], ele chegou a um valor de 772 libras-pés,
muito próximo dos 778 libras-pés, aceitos hoje em dia). Ele anunciou
esse resultado em 1843 e os ouvintes silenciaram... Esses resultados
foram publicados em On the Heat evolved during the Electrolysis of
Water (“Sobre o calor desenvolvido durante a eletrólise da água”) e
em On the Caloric Effects o f Magneto-electrics, and on the Mechanical
Value ofHeat (“Sobre os efeitos térmicos de eletro-magnetos e sobre o
valor mecânico do calor”).
Joule continuou suas experiências nessa linha, fazendo a água pas­
sar através de um cilindro perfurado, o que, por conta da viscosidade,
aumentava a temperatura dela. O fato de os resultados utilizando ener­
gias mecânica e elétrica na conversão do calor levarem a valores rela­
tivamente próximos era uma evidência da sua teoria de conversão de
uma forma de energia em outra. Entretanto, o artigo que publicava esses
resultados foi rejeitado pela Royal Society, e ele teve que se contentar em
publicá-los no Philosophical Magazine, de status inferior.
Em 1847 publicou On Matter, Living Force and Heat (“Sobre a
matéria, a força viva e o calor”). {{“Força viva” era a expressão antiga
de energia mecânica cinética}}. E é interessante observar que a opção
de Joule tinha também motivação teológica, pois ele dizia que só o
Criador poderia criar ou destruir a “vis viva” (“força viva”). Utilizando
métodos cada vez mais refinados e inteligentes, Joule foi se aproxi­
mando do valor atual. Assim, em 1850, obteve e publicou uma medida
bastante refinada, equivalente a 4,159 joules por caloria nas unidades
atuais, o valor a que se chegou finalmente, já no século XX, sendo 4,18
joules por caloria. {{A caloria é a quantidade de calor necessária para
elevar de um grau centígrado um grama de água; joule é o trabalho
(energia) despendido por uma força de 1/9,8kg para mover um objeto
de lkg numa distância de lm em ls. O valor de 4,18 é equivalente aos
778 libras-pés mencionados acima}}.
Durante muito tempo Joule foi quase ignorado pela comunidade
científica. Ele era, afinal, o filho de um cervejeiro e ele mesmo cervejeiro.
Nesse meio tempo, na Alemanha, Helmholz e Mayer estavam chegando
às mesmas conclusões de Joule. Em 1847 o primeiro declarou de modo
definitivo o princípio de conservação de energia. Numa apresentação
em 1847 de Joule em Oxford estavam presentes Stokes (□), Faraday (o)
e um jovem precoce, William Thomson, que mais tarde seria Lord Kel-
vin (□), que tinha sido nomeado recentemente professor de “filosofia
natural” em Glasgow. A partir de então, Joule passou a ser levado a sério
pela comunidade científica. Stokes inclinou-se a tornar-se um joulite,
Faraday ficou muito impressionado, mas com sérias dúvidas, enquanto
Thomson ficou intrigado, mas cético.
No mesmo ano ele se casou com Amélia Grimes, com quem teve
um filho e uma filha. Mas Thomson e Joule se encontraram várias ve­
zes para discutir o assunto, uma colaboração de 1852 a 1856, quando
Thomson finalmente reconheceu a contribuição de Joule. A partir daí,
os méritos de Joule foram aceitos pela comunidade científica: ele foi
eleito para a Royal Society (1850), recebeu a Royal Medal (1852) e mais
tarde a medalha Copley (1870) além de ter sido feito duas vezes presi­
dente da Associação Britânica para o Progresso da Ciência, a primeira
vez em 1872. E, no entanto, Joule nunca ensinou e nunca teve outro
trabalho senão o de fabricante de cerveja.
Joule e Thomson descobriram o que ficou conhecido como “efeito
Joule-Thomson”, que descreve a diminuição da temperatura de um gás,
quando ele se expande. Joule era um fervoroso defensor da teoria atômi­
ca, tal como seu mestre, Dalton. Foi também advogado da teoria cinética
dos gases, proposta primeiramente por John Herapath. Joule achava que
o calor se transmitia de forma rotacional, e não translacional, como fica-
t ia demonstrado depois. Além das comendas e encargos mencionados
acima, ele foi presidente da Manchester Litterary and Philosophical So-
ciety (1860) e recebeu a Albert Medal da Royal Society of Arts. Recebeu os
seguintes títulos honorários: LL. D, Trinity College, Dublin (1857); DCL,
University of Oxford (1860), LL.D, University of Edinburgh (1871).
A unidade de energia, “joule”, usada hoje em dia, homenageia o
cientista. Ele costumava dizer: “Depois do conhecimento e cumprimen­
to da vontade de Deus, nosso principal objetivo deve ser algo de seus
atributos de sabedoria, poder e bondade, evidenciados na sua obra. É
evidente que o conhecimento das leis naturais significa nada menos do
que o conhecimento da mente de Deus nelas expressas.” No seu túmulo,
uma citação do Evangelho de São João (Jo 9,4): “Eu devo fazer as obras
daquele que me enviou enquanto é dia; virá a noite, quando ninguém
pode trabalhar.”

Fizeau [219], [275], [282], [283]


Armand-Hypolite-Louis Fizeau (1819-1896) nasceu em Paris, filho
de um médico ilustre e professor de medicina durante a Restauração. Seu
pai lhe deixou uma fortuna considerável, o que lhe permitiu se dedicar à
pesquisa científica. Estudou no College Stanislas e depois começou o cur­
so de medicina, mas teve que abandoná-lo em virtude de sua saúde pre­
cária, viajando durante certo tempo. A seguir, frequentou as conferências
de Arago no Observatório e as de ótica no Collège de France. E começou a
estudar cuidadosamente os textos de seu irmão na École Polytechnique.
Em 1839 passou a interessar-se por fotografia, conseguindo obter
fotos permanentes com o daguerreótipo, inventado originalmente por
J. M. Daguerre. Fizeau os usou para observações astronômicas, desco­
brindo em 1847 que a luz se propaga mais rapidamente no ar do que na
água. Foucault (□), também interessado nesse tema, associou-se a ele,
e os dois fizeram experimentos de ótica que se tornaram célebres, de­
monstrando que calor irradiado e luz eram duas formas de ondulações,
reforçando a teoria ondulatória da luz.
Em 1849 foi o primeiro a determinar a velocidade da luz, utilizando
engenhosamente uma roda dentada, entre os dentes da qual passava a
luz, e um espelho fixo distante oito quilômetros, fato que o notabilizou
na comunidade científica. Conhecida a distância entre cada fresta e cada
dente, o tempo que a luz levava para ir e voltar, batendo no dente, era o
mesmo que a roda levava para o dente ocupar o lugar da fresta. Obteve
como resultado da velocidade da luz no ar 313.240km/s, um erro de
apenas 4,4% com relação ao valor conhecido atualmente.
Em 1849 recebeu a condecoração da Legião de Honra, tornando-se
oficial em 1875. Em 1856, por recomendação da Academia de Ciências,
receberia do Instituto o grande prêmio de dez mil francos. Foi eleito
membro da Academia de Ciências em 1860 e membro do Bureau de
Longitudes em 1878. Em 1866 a Royal Society de Londres lhe deu a
medalha Rumford.
Cornu disse a respeito dele que “ele era um cristão convicto e pra­
ticante e não escondia este fato” [275]. No seu discurso de presidente
da Academia, chamou a atenção para “a dignidade e independência
das ciências naturais, assim como seus limites, proibindo-a de interfe­
rir em questões filosóficas ou sociais, e não se permitindo colocar-se
em oposição aos nobres sentimentos do coração nem à voz pura da
consciência”. A maior parte de seus trabalhos foi publicada nas Comp-
tes rendues e nos Annales de physique et de chemie. Alguns dos títulos
são: Sur la dageurréotypie, Sur Vinterférence entre deux rayons dans le
cas de grandes différences de marche, Vitesse de la lumière, Interférence
des rayons calorifiques, Réfraction différentielle, Vitesse de lelectricité e
Dilatation des cristaux.

Foucault [276], [284], [285]


Jean-Bertrand-Léon Foucault (1819-1868) nasceu em Paris. Foi um
físico experimental. Seu pai, Jean Leon Foruné Foucault, foi um editor
que obteve reputação pela publicação de uma excelente obra sobre a
História da França. Com a saúde debilitada, foi com a família para Nan-
tes. Faleceu quando seu filho tinha apenas nove anos, e sua mãe decidiu
voltar para Paris, morando numa casa elegante, onde até hoje existe uma
placa marcando o lar de Foucault.
Sua mãe o colocou no Collège Stanislas, mas ele não teve ali bom
aproveitamento; ela então o retirou do colégio para educá-lo em casa
com um tutor. Durante o período no colégio tornou-se amigo de Fizeau
(n). Se não se deu bem academicamente, começou muito cedo a reve­
lar grande habilidade para coisas mecânicas, construindo um telégrafo
mecânico e uma máquina a vapor. Sua mãe pensou então que, com essa
habilidade manual, ele poderia ser um excelente cirurgião.
Tendo obtido o diploma de curso secundário (“médio” na term i­
nologia atual), começou a estudar medicina em 1839. No começo foi
bem, mas na primeira ida ao hospital, viu sangue e desmaiou. Caiu na
conta então de que nunca seria um bom médico, mas Donné não quis
abrir mão de suas habilidades, fazendo-o seu assistente no curso de
microscopia médica.
Em 1845 os dois publicaram um livro, Um curso de microscopia, que
ensinava técnicas de fotografia através do microscópio. Naquele mesmo
ano, Donné aposentou-se como redator do Journal des Débats, passando
o cargo para Foucault. Seus estudos em matemática elementar e ciências
haviam sido muito deficientes e ele foi preenchendo essa lacuna à me­
dida que ia se interessando por experiências e invenções. Era entusiasta
da ciência, mas nunca tinha gostado de estudar. Sua nova posição, num
periódico frequentado por cientistas eminentes, o colocou numa situa­
ção extremamente difícil, mas na qual se saiu, paradoxalmente, bem.
Em 1850 recebeu a medalha Copley, o maior prêmio da Royal
Society de Londres, pelo seu trabalho mostrando a relação entre a
energia mecânica, o calor e o magnetismo. A posição de físico do Ob­
servatório de Paris foi criada para ele em 1855, graças à admiração que
Napoleão III lhe tinha. Esse posto lhe veio providencialmente, pois até
então vivia somente dos honorários de redator do Journal des Débats.
Foucault fabricou excelentes telescópios para o Observatório, com vá­
rias inovações.
Foucault trabalhou em muitas linhas de pesquisa: interferência de
raios de luz vermelhos e sua influência no daguerreótipo, visão binocular,
experimentos cruciais que destronaram a teoria corpuscular da luz defen­
dida por Kepler, Newton e Laplace. Em 1857 inventou um polarizador da
luz que leva o seu nome. Em 1860 demonstrou experimentalmente que a
velocidade da luz no ar é maior do que na água, contrário ao que cria a
“teoria da emissão”. Foucault demonstrou isso com um aparelho que usa­
va espelhos rotativos, que ocupava apenas cerca de 3,6m.
A medida da velocidade da luz por ele obtida foi, de longe, a melhor
até então: 298 mil km/s. Foucault inventou também um regulador para
a lâmpada de arco voltaico, tornando-a prática. O famoso “pêndulo de
Foucault”, para demonstrar experimentalmente a rotação da Terra, foi
colocado no Panthéon de Paris em 1851, com cerca de 66m de altura.
Foi um sucesso tanto na comunidade científica como junto ao povo. O
giroscópio, um aparelho bastante sofisticado e de grande aplicação em
sistemas mecânicos, foi também inventado por ele, com o mesmo pro­
pósito do famoso pêndulo: demonstrar a rotação da Terra em torno do
próprio eixo, a diferença sendo que para o grande público a prova não
era compreensível.
Foucault observou em 1855 que apareciam correntes elétricas num
disco que girava entre dois polos magnéticos. Esse tipo de corrente elé­
trica recebeu seu nome. Em 1860 acompanhou Le Verrier à Espanha
para fotografar um eclipse solar. A partir daí obteve várias honrarias: a
Cruz da Legião de Honra, em 1862, membro do Bureau de Longitudes
no mesmo ano, eleito para a Academia de Ciências da França, em 1865,
felloxv da Royal Society de Londres, membro da Academia Alemã de
Cientistas. Há uma cratera com seu nome na Lua.
Do ponto de vista religioso, Foucault (católico) foi pouco pra­
ticante na maior parte da vida, exceto nos seus últimos anos [276].
Suas obras completas foram organizadas por C. M. Gabriel e editadas
por sua mãe, Recueil des Travaux Scientifiques de Léott Foucault (Paris,
1878).

Stokes [39], [117], [170], [286]


Sir George Gabriel Stokes (1819-1903), irlandês, foi o filho mais
novo de seis do reverendo Gabriel Stokes, protestante; sua mãe, Elizabeth
Haughton era irmã de um ministro da igreja e, assim, George Stokes foi
criado num ambiente muito religioso.
De acordo com [286], teve uma infância feliz e custou a aprender
a ler. Mais tarde, frequentando a Igreja Anglicana em Cambridge, o pa­
dre da igreja comentou a seu respeito: “Embora sua fé e simpatia pela
religião nunca tivessem sido estreitas, ele se manteve fiel às verdades
evangélicas que ele aprendeu com seu pai” [170].
De acordo com [286], foi uma das almas nobres do século XIX
que examinavam a natureza a partir de uma fé firme no Criador. Cien­
tista de primeira classe, com reputação de devoção a Deus, ainda de
acordo com [286]. Depois de estudar em Dublin e Bristol, na Inglater­
ra, depois da morte de seu pai matriculou-se em Cambridge, onde, ao
se graduar, foi sênior wrangler, ou seja, o primeiro da classe. Em 1849
foi promovido à cátedra Lucasian [ocupada antes por Isaac Barrow (□)
e Isaac Newton (n) e mais tarde Paul A. M. Dirac e, atualmente, por
Stephen Hawking (□)].
Suas contribuições originais para a ciência começaram em cerca de
1840. Combinava um notável vigor matemático com uma grande habi­
lidade para conduzir experiências científicas. Fez importantes contri­
buições ao estudo dos fluidos incompressíveis, viscosidade dos fluidos,
equilíbrio e movimento de sólidos elásticos, efeitos do vento sobre o
som. Essas pesquisas colocaram a hidrodinâmica em um novo patamar.
Sua teoria sobre a viscosidade dos fluidos foi de enorme importância
para a ciência, servindo de base para um experimento famoso de Milli-
kan, várias décadas depois, que permitiu a determinação da carga do
elétron. A lei que determina a velocidade final de uma esfera em queda
num meio viscoso tomou o seu nome.
Possivelmente seus trabalhos sobre ótica foram ainda mais impor­
tantes: estudou o espectro da luz, a difração, a dupla refração, demons­
trando também que o plano de polarização é perpendicular à direção de
propagação da luz. Estudou também a fluorescência e mostrou que, ao
contrário do vidro, o quartzo é transparente à luz ultravioleta. Mostrou
ainda que uma compreensão da fluorescência permitiría um melhor en­
tendimento do espectro ultravioleta. Esse estudo lhe valeu a medalha
Rumford. Alem disso, estudou a condução do calor em cristais, apre­
sentou uma teoria para os raios-X, e estudou a variação da gravidade na
superfície da Terra.
Juntamente com Lord Kelvin (□), foi dos primeiros a reconhecer o
mérito dos trabalhos de James Joule (□) a respeito do equivalente mecâ­
nico do calor. Ele expandiu o conhecimento sobre as discrepâncias gra-
vitacionais e da astrofísica. Quando seu contemporâneo e amigo James
Clerk Maxwell (□) unificou eletricidade, magnetismo e luz numa única
teoria, Stokes mostrou que os raios-X também eram parte do espectro
eletromagnético de Maxwell. Stokes foi também um matemático ilustre,
havendo um teorema com seu nome (apesar de ter sido demonstrado
antes por Kelvin), sobre a integral do rotacional de um vetor, com ampla
aplicação no eletromagnetismo, além de em outras áreas da física. Es­
tudou a soma de séries periódicas, o cálculo numérico de uma classe de
integrais definidas e de séries infinitas. Sua contribuição ao estudo das
séries periódicas foi notável. Ele trouxe a matemática mais avançada da
França para Cambridge e, com seu grande amigo, Lord Kelvin, editou o
Cambridge Mathematical Journal. Lord Kelvin aprendeu muita matemá­
tica de Stokes, na sua longa convivência.
O nome de Stokes aparece numa “linha” no espalhamento da luz,
nas relações de fases da luz refletida de uma superfície não absorvente,
em equações, junto com Navier, na dinâmica de fluidos, em parâmetros
que quantificam a polarização da luz, num aparelho, junto com Camp­
bell, para registrar a aurora. Seu nome foi honrado ainda em uma cratera
da Lua e outra de Marte. Em 1857 escreveu para sua então noiva: “Eu fui
capaz de avançar em matemática pela convicção de que a trilha seguida
estava certa e eu creio que Deus pôs estas idéias na minha mente, suprin­
do aquilo que faltava a mim próprio” [170]. E três dias depois ele escre­
vería a ela: “Eu sinto que meu casamento com você será talvez o ponto
de partida para a minha salvação” [170], Mas seus sentimentos mudaram
com relação a ela, escrevendo-lhe uma carta de 55 páginas expressando
suas dúvidas a respeito. Acabaram se casando e, a partir de então, Stokes
nunca mais retomou a atividade intensa de pesquisa que tinha antes.
Mas as cartas mostram talvez que, efetivamente, Stokes estava que­
rendo mudar. Em 1891, publicou um volume sobre Teologia Natural,
na qualidade de Gifford Lecturer. (As prestigiosas Gifford Lectures pro­
vêm de um fundo, criado por Lord Gifford, para premiar Conferências
com a finalidade de promover e difundir o estudo da Teologia Natural
no sentido mais amplo do termo, ou seja, para promover e difundir o
conhecimento de Deus. A primeira foi em 1888 e, de lá para cá, ela tem
reconhecido eminentes pensadores nos seus respectivos campos de atu­
ação. Nas áreas de matemática e física, entre outros: Niels Bohr, Werner
Heisenberg (□), A. N. Whitehead (□), Eddington (□), von Weizsácker,
Freeman Dyson (□), Carl Sagan, John Barrow (□), Ian Barbour, Roger
Penrose e John Polkinghorne (□): ver [118]).
Durante certo tempo, Stokes foi presidente do Victoria Institute, de
Londres, que examinava a relação entre o Cristianismo e o pensamento
contemporâneo, com ênfase na ciência. Temperamento amigo e genero­
so, se destacou por recusar reivindicação de prioridade quando outros
apresentavam trabalhos que ele tinha antecipado, ainda que de forma
não completa. Talvez não sentisse a necessidade de reconhecimento,
tendo já contribuído para a solução de um grande número de problemas
e porque já havia obtido uma posição de liderança e também em vista da
sua disposição permanente de ajudar os outros.
Foi um membro ativo na Cambridge Philosophical Society, secretá­
rio e presidente da Royal Society de Londres e representante da Univer­
sidade de Cambridge no Parlamento. Eleito presidente da Royal Society
(1885-1890). Seu destaque contribuiu para a retomada do prestígio da
Cátedra Lucasian, referida acima, que, antes dele, tinha sido ocupada
por vários cientistas medíocres. Com efeito, de acordo com [286], qual­
quer das suas principais descobertas seria suficiente para recuperar o
brilho da Cátedra.
Era estritamente escrupuloso, de acordo com [286], com um forte
sentido de consistência. As influências cristãs foram profundas em sua
vida, sendo que três dos seus irmãos se ordenaram (na Igreja Anglica­
na). De acordo com [286], durante sua vida ele foi consistentemente
um estudioso de teologia e escreveu frequentemente sobre assuntos
religiosos. Sua fé não era meramente intelectual. Nas suas próprias
palavras, citadas em [286], “a evidência para a ressurreição de Cristo
não pode ser separada da consideração dos ensinamentos e palavras
do próprio Cristo”.
Ele se deleitava em participar do serviço religioso (missa) muitas
vezes num mesmo domingo. A fé cristã de Stokes era bem conhecida.
A história da sua vida mostra que ele entendeu a compatibilidade entre
ciência e fé. Sobre a possibilidade de milagre, escreveu: “Admitir a exis­
tência de um Deus pessoal e a possibilidade de milagres são duas coisas
interconexas. Se as leis da natureza ocorrem de acordo com sua vontade,
ele, que as quis, pode querer sua supressão...”

John Couch Adams [286], [377]


John Couch Adams (1819-1892) nasceu numa fazenda em La-
neast, perto de Launceston, Cornwall, Inglaterra, e faleceu em Cam-
bridge. Seu feito científico mais famoso foi a predição da existência
e posição do planeta Netuno, usando exclusivamente a matemática.
Ele era o filho mais velho, dentre sete, de Thomas Adams e Tabitha
Knill. Seu pai era um fazendeiro pobre. Sua família era de devotos
metodistas {{ramo protestante fundado por Wesley, um anglicano que
se tornou dissidente, um homem muito fervoroso na sua fé}}. Um de
seus irmãos tornou-se missionário.
Estudou inicialmente na escola local de Laneast, onde aprendeu
algum grego e álgebra. Dali ele foi para uma escola dirigida por um re­
verendo que era primo de sua mãe em Devonport, onde estudou os clás­
sicos e foi em grande parte autodidata em matemática. Era jovem ainda
quando fez um relógio de sol em casa, a partir do qual fez várias obser­
vações. Um jornal de Londres publicou um registro que ele fez de um
eclipse parcial do Sol, usando instrumento tão simples. Ele tinha apenas
dezesseis anos quando teve esse primeiro momento de glória. E obser­
vou o cometa de Halley no mesmo ano. Ultrapassando rapidamente seu
mestre-escola, Adams passou a ler livros para se autoeducar. Estudou as
cônicas, cálculo, teoria de números, mecânica e astronomia.
Sua família tinha poucas posses, mas sua mãe tinha uma pequena
propriedade cuja renda permitiu ao filho fazer os estudos superiores.
Dando aulas particulares, ele suplementava esses recursos escassos e
ajudava os pais. Em 1839 ingressou no St. Johns College (na Universi­
dade de Cambridge), graduando-se sênior wrangler em 1843.
Algumas irregularidades no movimento do planeta Urano chama­
ram logo sua atenção. Em 1841 escreveu um artigo científico para in­
vestigar se essas irregularidades podiam ou não ser atribuídas à atração
gravitacional de um planeta ainda desconhecido. Seja observado que
naquela época alguns achavam que a lei da gravitação podería variar
com a distância do Sol. Mas Adams estava muito ocupado com seus
estudos (de graduação) para levar à frente essas pesquisas. Em 1843,
mesmo ano em que se graduou, tornou-se fellow e tutor do St. Johns
College. Foi Lowndean professor em Cambridge por 33 anos, a partir
de 1859, e logo depois de se graduar atacou o complicado problema
do movimento de Urano. Tratava-se de resolver um problema com dez
incógnitas. Mas Adams era bom de cálculo, perfazendo-os muitas vezes
mentalmente e sua conclusão preliminar foi que devia existir um outro
planeta, que perturbava o movimento de Urano. Convicto de que valia a
pena ir à frente com essa pesquisa, ele obteve melhores dados do astrô­
nomo real George B. Airy.
Em 1845 Adams já tinha em rascunho a órbita e a massa do novo
planeta que seria denominado Netuno. Airy, entretanto, se recusou a ad­
mitir a existência do novo planeta, convencido que estava de que havia
erros na aplicação da teoria gravitacional. Adams, uma pessoa modesta
e humilde, além de leal, aceitou a posição de Airy. Efetivamente, ao que
parece, de acordo com [377], havia lacunas nos seus cálculos, passagens
que ele considerava “triviais”, mas que precisariam de demonstração.
Entretanto, Urban Leverrier (□), ao final do mesmo ano (1845),
publicou independentemente cálculos que mostravam a existência do
novo planeta, concordando com os cálculos de Adams. E dois meses
depois o alemão Galle encontrou o planeta a partir dos cálculos de Le­
verrier. Quando os trabalhos anteriores de Adams foram anunciados,
ele foi acusado de roubar a glória de Leverrier. Adams mostrou então
que sua formação cristã não foi em vão; durante toda esta provação,
brilhou seu espírito cristão de humildade. Enquanto franceses e ingle­
ses disputavam sobre preeminência, ele se manteve longe da disputa,
exprimindo sempre admiração pelo trabalho de Leverrier. Houve, efeti­
vamente, uma disputa entre franceses e ingleses quanto à prioridade da
descoberta. À medida que os fatos foram se tornando mais conhecidos,
chegou-se à conclusão unânime de que os dois astrônomos tinham re­
solvido de modo independente o problema de Urano. Os ingleses, en­
tretanto, tenderam a atribuir a Adams mérito maior. Quando os dois,
Adams e Leverrier, se encontraram na casa de Sir John Herschel (□), eles
se tornaram rapidamente amigos.
Adams nunca reclamou que se publicaram mentiras a respeito do
seu trabalho, nem reclamou prioridade na descoberta. Pelo contrário,
segundo [377], reconheceu publicamente a prioridade de Leverrier.
Ainda de acordo com [377], Adams era “extraordinariamente não com­
petitivo, relutante em publicar trabalhos incompletos a fim de suscitar
debates, avesso a controvérsias sobre estes assuntos”. Ele simplesmente
continuou com seu trabalho, recebendo, aliás, remuneração pelo mes­
mo, graças aos esforços de Herschel. Adams trabalhou também no estu­
do do magnetismo terrestre.
Em 1852 publicou novas e precisas tábuas da paralaxe lunar. Des­
de os tempos antigos, havia sido observado que a posição da Lua no
céu estava se modificando ligeiramente. Ao final do século XVII, Halley
(□) havia calculado que havia uma alteração de 11” (segundos de grau)
por século, um efeito chamado de “aceleração secular da Lua”. Em 1853,
Adams tornou-se, de novo, centro de controvérsia. Com efeito, ele de­
monstrou que Laplace (□), considerado o grande expoente das leis de
Newton no século XIX, havia se equivocado no cálculo do complexo
movimento lunar. Os franceses protestaram veementemente e defende­
ram Laplace, mesmo depois de investigações independentes demons­
trarem que Adams estava certo.
Adams gostava de cálculos complicados. A pedido de amigos, cal­
culou eclipses anteriores. Sua análise do meteorito “Leonid”, que se de­
sintegrou na atmosfera, mostrou que ele seguia a trajetória de um come­
ta. Para chegar a um valor definitivo da chamada constante de Euler (=
0, 577215665, aproximadamente), chegou a 263 algarismos. (Ver a defi­
nição dessa constante em [376]). Adams ajudou também na elaboração
de um projeto de descrição da abóboda celeste feito pela Astronomische
Gesellschaft (Sociedade astronômica).
Aos 44 anos Adams se casou com Eliza Bruce. Em 1866 ele recebeu
a medalha de ouro da Royal Astronomical Society. Nos anos seguintes
de vida foi duas vezes presidente da mesma sociedade e recebeu diver­
sas comendas. Recusou o título de Sir a fim de se afastar da querela a
respeito da descoberta de Netuno. Já idoso, recusou também o posto de
astrônomo real. Foi criada uma bolsa de estudos com seu nome, mas
nada alterou sua modéstia e seu caráter alegre e generoso.
Uma cratera na Lua tem seu nome, bem como o mais exterior dos
anéis de Netuno e o asteroide 1966. O prêmio Adams, da Universidade
de Cambridge, comemora sua predição da posição de Netuno. Há um
medalhão dele na Westminster Abbey e um busto no St Johns College
em Cambridge, um busto na Royal Astronomical Society, e um quadro
no Pembrocke College (também na Universidade de Cambridge).
Em [377] há 24 referências sobre Adams e a descoberta de Netuno.

Hermite [148], [150]


Charles Hermite (1822-1901) foi o sexto filho de Ferdinand Hermite
e Madeleine Lallemant. Seu pai estudou engenharia e empregou-se numa
firma de comércio de tecidos. Charles nasceu com um defeito na perna
direita, o que não afetou sua personalidade, tendo usado uma bengala por
toda a vida. Quando tinha seis anos, sua família mudou-se para Nancy,
tendo sido internado num Liceu. De lá foi para Paris, estudando no Liceu
Henri IV. Aos dezoito anos foi para o famoso Louis-le-Grand. Suas pri­
meiras publicações foram do tempo em que ele ali estudava, no Nouvelles
Annales de Mathematiques, fundado em 1842, dirigido aos estudantes
de escolas superiores. Daí ingressou na École Polytechnique. Foi expulso
da Politécnica um ano depois porque seu pé defeituoso, de acordo com o
regulamento, tornava-o inadequado para qualquer posição oferecida para
estudantes bem-sucedidos daquela faculdade. Enquanto esteve lá, em vez
de escravizar-se com a geometria descritiva, passou seu tempo com “fun­
ções abelianas”; naquela época (1842) talvez o tópico de maior interesse e
importância para os grandes matemáticos da Europa.
A carreira de magistério não lhe abriria as portas por não ter ele o
grau exigido. Continuou, pois, com suas pesquisas, enquanto pôde re­
sistir. Quando atingiu 24 anos, conscientizou-se de que teria que definir
sua vida. Abandonou, pois, as importantes descobertas que estava fa­
zendo para aprender as trivialidades requeridas para a obtenção do grau
de bacharel em letras e ciência. Por ironia do destino a primeira função
acadêmica a ele atribuída foi a de examinador para admissão à Politéc­
nica. Alguns meses mais tarde foi designado répétiteur nessa mesma ins­
tituição. Ele naquele momento estava seguro no nicho de onde nenhum
examinador poderia tirá-lo. Para alcançar esse patamar, cumprindo a
exigência do sistema oficial, ele sacrificara quase cinco anos do que seria
seu mais inventivo período. Agora poderia tornar-se um grande mate­
mático. Ele substituiu Libri no Collège de France.
Com apenas 24 anos, foi eleito membro da Academia de Ciências.
Nesse ano casou-se com Louise. A despeito de sua reputação internacio­
nal como um matemático criativo, só aos 47 anos conseguiu um empre­
go condigno, quando foi designado professor em 1869 da Escola Nor­
mal e, finalmente, em 1870, tornou-se professor da Sorbonne, lugar que
manteve até sua aposentadoria, vinte anos mais tarde. Durante o tempo
em que ocupou essa importante posição, treinou um geração de ilustres
matemáticos franceses, entre os quais Émile Picard, Gaston Darboux,
Paul Appell, Émile Borel, Paul Painlevé e Henri Poincaré. Sua influência
estendeu-se para além da França, e seus trabalhos ajudaram a educar
seus contemporâneos em outros países.
Uma importante característica da nobreza de Hermite está associa­
da ao seu cuidado para não aproveitar-se de sua posição para “re-criar”
seus alunos à sua imagem. Provavelmente nenhum outro matemático
dos tempos modernos manteve tão volumosa correspondência científi­
ca com toda a Europa. O tom de suas cartas era sempre bondoso, enco-
rajador e apreciativo.
Muitos matemáticos da segunda metade do século XIX devem seu
reconhecimento pela publicidade que Hermite deu aos seus primeiros
esforços. Nesse, assim como em outros aspectos, não existe, possivel­
mente, um caráter mais fino do que o de Hermite em toda a história
da matemática. Até 33 anos, era um tolerante agnóstico. Em 1856 ado­
eceu gravemente (varíola). Foi Cauchy (□) aquele que, com suas fortes
convicções religiosas (católicas), ajudou Hermite através da crise. Esse
fato teve uma influência profunda sobre Hermite, que então se tornou
católico.
Hadamard se refereria a ele, mais tarde, como “um homem pro­
fundamente religioso” [150]. Hermite acreditava que os números ti­
nham uma existência própria acima de qualquer controle humano.
Aos matemáticos, dizia ele, é permitido de vez em quando capturar
vislumbres da sobre-humana harmonia que regula este etéreo reino
da existência numérica, exatamente como os grandes gênios da ética e
da moral têm algumas vezes afirmado, terem vislumbrado, a perfeição
celestial do Reino do Céu.
Foi grande a contribuição de Hermite para a matemática, destacan­
do-se seus trabalhos sobre teoria dos números, álgebra, polinômios or-
togonais, funções elípticas e funções quadráticas, entre outros tópicos.
Significativa foi a sua permanente busca do ideal de que a ciência está
para além das nações, acima da força de credos que visam dominar ou
embrutecer.

Kronecker [130], [131]


Leopold Kronecker (1823-1891) nasceu em Liegnitz, na Prússia, e
morreu em Berlim. Seu pai foi um homem de negócios bem-sucedido.
A família era judaica, cuja religião Kronecker manteve até um ano antes
de morrer, quando se converteu ao Cristianismo (protestante). Enquan­
to no ginásio, seu tutor, Kummer, logo se apercebeu do talento matemá­
tico do seu pupilo. Apesar de ser judeu, Kronecker recebeu instrução
evangélica no ginásio. Ingressou na Universidade de Berlim, onde foi
aluno de Dirichlet. Além da matemática, estudou astronomia, meteoro­
logia química, filosofia, interessando-se por Descartes (□), Leibniz (□),
Kant, Spinoza e Hegel. Doutorou-se em 1845 com uma tese sobre teoria
algébrica dos números.
Deixou Berlim para tratar de assuntos familiares e se casou em 1848
com Fanny Prausnitzer. Passou a administrar a propriedade familiar,
enriquecendo, mas continuou a se dedicar à matemática por puro pra­
zer. Voltou à Universidade de Berlim, mas não se interessando por ter
uma posição lá, pois não precisava, apenas para trocar idéias matemá­
ticas. Não tendo que dar aulas, tornou-se um pesquisador muito ativo,
publicando rapidamente um grande número de artigos sobre teoria dos
números, funções elípticas e álgebra e, mais importante, explorou as in-
terconexões entre esses tópicos. Em 1861 ele foi eleito para a Academia
de Berlim, o que lhe dava o direito de ensinar na Universidade e, assim,
mesmo sem ser professor, começou a lecionar na sua alma mater. Não
foi um professor popular, sempre exigente, não atraindo assim muitos
alunos. Em 1868 foi-lhe oferecida uma cátedra em Gõttingen, mas ele
recusou, pois gostava muito de Berlim.
Kronecker acreditava que a matemática deveria tratar somente de
números finitos e com um número finito de operações. Nesse contexto,
foi produzida sua famosa frase: “Deus criou os inteiros; todo o resto é
trabalho do Homem.” A partir de 1870, Kronecker começou a adotar uma
série de posições “heterodoxas” em matemática, começando a duvidar da
prova da existência não-construtiva de soluções de problemas, opondo-se
ao uso de números irracionais e afirmando que os números transcenden­
tais não existem. Apesar disso, continuou a ter muita influência no mun­
do da matemática, sendo eleito para a Royal Society em 1884.
As suas posições heterodoxas em matemática só foram tornadas
públicas por ele, na realidade, em 1886. E teve contra si nomes como
Cantor (□), Weierstrass, Schwarz e Heine, principalmente o primeiro.
Entretanto, não se deveria pensar que as posições de Kronecker fossem
completamente excêntricas. Embora a maioria dos matemáticos de en­
tão e de hoje não concordassem com seus pontos de vista, esses não
foram deixados de lado. Com efeito, estas idéias de Kronecker foram
desenvolvidas por Poincaré e Brouwer, que deram especial importância
ao intuicionismo. Por meio dele enfatiza-se que a matemática tem prio­
ridade sobre a lógica: as estruturas matemáticas são construídas e de­
senvolvidas pela mente humana e é impossível definir as propriedades
das estruturas matemáticas simplesmente através de axiomas.

Kelvin [39], [77], [79], [168], [286]


Lord Kelvin (William Thomson, 1824-1907), matemático, físico e
engenheiro britânico, nascido em Belfast, na atual Irlanda do Norte, foi
um menino prodígio. Foi um dos grandes cientistas de seu tempo. Re­
cebería o título de nobreza, barão Kelvin de Largs, aos 68 anos de idade,
pela grande importância de seus trabalhos científicos.
Educado inicialmente em área rural, seu pai era professor de ma­
temática na Universidade de Belfast (Irlanda do Norte); a família mu­
dou-se para Glasgow (Escócia) quando seu pai foi contratado como
professor de matemática na Universidade do mesmo nome. Aos oito
anos de idade já assistia às conferências de matemática de seu pai e
dois anos depois teve licença especial, devido à idade, para ingressar
na Universidade de Glasgow. Aos dezessete anos, já com reputação de
ser brilhante, mas sem um grau acadêmico, foi para a Universidade de
Cambridge.
Seu primeiro artigo científico, publicado com pseudônimo quando
ele tinha dezessete anos, foi sobre a teoria matemática desenvolvida por
Fourier (□), defendendo-a dos ataques na Inglaterra. Um outro artigo
no mesmo ano foi sobre a condução de calor nos sólidos, estabelecendo
analogias entre a teoria do calor e da eletrostática. Em 1845 graduou-
se em Cambridge, como segundo wrangler e venceu o prêmio Smith.
Após graduar-se, visitou seu herói, Michael Faraday (□), cujo trabalho
aperfeiçoou. Seus primeiros artigos sobre eletromagnetismo e calor es­
tabeleceram logo sua reputação. Visitando Paris, estudou técnicas de
pesquisa, encontrando-se com Biot (□) e Cauchy (□). Retornou breve­
mente a Cambridge, antes de ir para Glasgow, onde se tornou professor
titular de filosofia natural aos 22 anos. A essa altura já havia publicado
cinquenta artigos de matemática, a maior parte deles em francês.
Ao assumir essa posição, tratou logo, com seu magro salário, de
montar um laboratório. Ele tinha uma notável capacidade de discernir
o que era importante na pesquisa corrente. Era absolutamente brilhan­
te como expositor, atraindo alunos da mais alta qualidade. O grande
Maxwell (□) foi um dos cientistas profundamente influenciados por
seus trabalhos de eletricidade e as leis da termodinâmica. Quando Kel-
vin começou a fazer contribuições importantes para a termodinâmica,
Helmholz e Joule (□) já haviam percorrido um bom caminho, mas o
trabalho desse último ainda não havia sido reconhecido. Kelvin foi o
primeiro a reconhecer o valor de seu trabalho.
Formulou a segunda lei da termodinâmica, afirmando que a dissi-
pação de energia é um fenômeno universal. Seus cálculos mostravam
que era possível uma escala absoluta de temperatura e foi o primeiro a
concluir que a temperatura de -273 graus centígrados, 0 grau na escala
que leva seu nome, é a mais baixa possível. A escala Kelvin de tempera­
tura ficou assim chamada quando Thomson foi feito Sir.
Foi também supervisor de construção do primeiro cabo telefônico
transatlântico. Em 1890, foi eleito presidente da Royal Society. Seria tam­
bém eleito presidente da Sociedade Britânica para o Progresso da Ciência.
Foi Kelvin quem trouxe o termo “energia”, definida com precisão, para
dentro da física. Lord Kelvin foi também o primeiro a desenvolver méto­
dos para a liquefação de hidrogênio e de hélio. Outra de suas contribui­
ções práticas foi o estabelecimento de padrões para medidas elétricas.
Seus inúmeros interesses o levaram a estabelecer um negócio pró­
prio, construindo instrumentos de grande utilidade, como sistemas
elétricos para navegação, funcionando como bússolas também. Além
de cientista, tendo publicado mais de seiscentos artigos, era também
inventivo, obtendo cerca de doze patentes. Na realidade, além de tra­
balhos em física e matemática, ele fez pesquisas marinhas, arquitetura
naval e magnetismo terrestre. Mas Kelvin não permanecia numa “torre
de marfim”, seus escritos sendo sempre claros.
Kelvin era um cristão convicto. Ao início de suas aulas ele recitava
sempre de cor passagens das Escrituras (Bíblia). Utilizando o melhor da
termodinâmica da época, calculou a idade da Terra em cem milhões de
anos. {{Hoje em dia a ciência fala em cerca de 4,5 bilhões de anos}}. Ele
dizia mais que não teria havido tempo para a vida evoluir, pois a Terra
teria antes que esfriar. Kelvin relacionou a dissipação de energia direta­
mente à teologia: a lei natural universal é criada e governada pelo poder
divino e o mundo evolui inexoravelmente para um fim. Kelvin rejeitava
a evolução do universo por um jogo de probabilidades, afirmando que a
vida procedia da vida, projetada e dirigida por um Criador.
Algumas de suas frases reveladoras da sua crença em Deus, citadas
em [80]: “Existem fortíssimas provas, à nossa volta, de um projeto inte­
ligente e benevolente”; “As perspectivas da raça humana seriam negras
se não fossem iluminadas pela luz [da fé] que nos revelam ‘novos céus
e novas terras”’ (citando o livro do Apocalipse); “Eu creio que, quanto
mais profundamente a ciência é estudada, tanto mais ela nos afasta de
qualquer coisa equivalente ao ateísmo”; (Frase semelhante, muito cita­
da, de um dos grandes cientistas do século XIX, Pasteur: “A pouca ciência
afasta de Deus, mas a grande ciência aproxima de Deus”);“Quanto mais
eu conduzo pesquisas científicas, tanto mais eu acredito que a ciência ex­
clui o ateísmo”; “A ideia do ateísmo é tão sem sentido que eu sou incapaz
de colocá-la em palavras”; “Não tenha medo de ser um livre-pensador.
Se você pensar de modo bastante profundo, será forçado pela ciência à
crença em Deus, que é o fundamento de toda religião. Você perceberá
que a ciência não se opõe, mas ajuda a religião”. {{Em fins do século XIX
e início do século XX, ser “livre-pensador” virou moda elegante nos
círculos intelectuais ou pseudointelectuais}}.
Todo esse envolvimento com a ciência, no entanto, não o impediu
de, no final da vida, opor-se às novas descobertas da desintegração ra­
dioativa. Aliás, a descoberta da radioatividade punha abaixo seus cál­
culos sobre a idade da Terra, uma vez que os decaimentos radioativos
produzem energia térmica que continuam a aquecer o núcleo da Terra.
Kelvin foi casado com sua prima em segundo grau, Margaret Crum, que
era muito doente; os dois viajavam com frequência em função de sua
saúde. Quando ela teve um derrame, ele ficou tão desolado que adoeceu
e morreu. Tal como ocorrera com Newton (□), foi sepultado com gran­
des honras na abadia de Westminster (normalmente reservada a figuras
importantíssimas, como monarcas).

Riemann [286], [390], [393]


Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826-1866) fez contribuições
muito importantes para a análise e para a geometria diferencial, tendo
sido o criador da geometria não-euclideana, dos “espaços curvos”, usada
na teoria da relatividade geral de Einstein. De acordo com [286], Rie­
mann “foi um poeta da matemática, produzindo resultados engenhosos
e originais de uma grande beleza”. Nasceu em Breselenz, uma vila perto
de Dannenberg, no então Reino de Hanover, atualmente na Alemanha.
Seus pais foram Friedrich Bernhard Riemann e Charlotte Ebbel, que se
casaram quando ele era um homem de meia-idade. Ele era um pobre
ministro luterano e educou seus seis filhos durante os seus primeiros
anos. Georg era o segundo e foi educado pelo pai até os dez anos, sendo
assistido nisto por um professor local.
Georg era tímido e teve, durante a vida, vários breakdowns psi­
cológicos. Desde pequenino, mostrou inclinação excepcional para
a matemática, uma facilidade fantástica para cálculos. Aos dez anos
ele já era muito avançado para seu professor local. Em 1840 Riemann
entrou diretamente na terceira série no liceu em Hannover, moran­
do com sua avó. Ele estudou a Bíblia intensamente, mas sua mente
“deslizava” sempre para a matemática. Ele tentou inclusive demonstrar
matematicamente a correção do Livro do Gênesis (o primeiro Livro
da Bíblia). Foi bom aluno no gymnasium, mas não excepcional, traba­
lhando fortemente em assuntos clássicos como hebreu e teologia, mas
mostrou, como dito, especial interesse pela matemática, o que levou
o diretor do ginásio a emprestar-lhe os livros de matemática de sua
biblioteca particular.
Com dezesseis anos apreendeu em seis dias o conteúdo do difícil
texto de Legendre, teoria dos números, um livro de novecentas pági­
nas! Provavelmente foi esse trabalho de Legendre que despertou nele
o interesse pelos “números primos”, e isto o conduziria a uma série de
seis conjecturas sobre a “função zeta” (ver [389]), das quais cinco já
foram provadas, e a sexta, chamada “hipótese de Riemann”, continua
desafiando os matemáticos. Em 1846 começou a estudar filologia e te­
ologia a fim de se tornar um padre (luterano) e assim ajudar o pai nas
finanças da família. Georg, que foi um jovem devoto, não teria sido
avesso a se tornar um ministro da Igreja Luterana.
Em 1846 ingressou na Universidade de Gõttingen. De acordo com
[286], para satisfazer à vontade do pai, se inscreveu na Faculdade de
Teologia. Entretanto, assistiu a algumas aulas de matemática e pediu ao
pai para se transferir para a faculdade de Filosofia, a fim de estudar ma­
temática. Ele era muito afeiçoado à família e não teria, sem a permissão
do pai, feito essa transferência. A permissão foi dada e assim Riemann
se inscreveu em cursos de Moritz Stern e do grande Gauss (□), conside­
rado até hoje o “príncipe dos matemáticos”.
Observe-se que naquela época Gõttingen não era um bom centro
para estudar matemática, de acordo com [390]. Gauss deu a Riemann
somente cursos elementares e não há evidência de que ele tenha reco­
nhecido então o gênio de Riemann. Stern, entretanto, reconheceu a
genialidade do aluno e diria mais tarde que “ele já cantava como um
canário”. Riemann se transferiu, em 1847, para a Universidade de Ber­
lim, que tinha entre seus professores de matemática Steiner, Jacobi (□),
Dirichlet e Eisenstein. Este foi um tempo importante para Riemann,
aprendendo muito com Eisenstein, com ele discutindo o uso de variáveis
complexas na teoria de funções elípticas. Mas a pessoa que mais influên­
cia teve sobre ele nessa época foi Dirichlet, que trabalhava com base em
intuições, que foi também o forte de Riemann, o qual, segundo [390],
nos seus trabalhos, deixava um pouco a desejar em termos de rigor. Mas
as idéias brilhantes ali contidas tornam-se claras, porque não eram so­
brecarregadas de cálculos.
Riemann dominou as técnicas do cálculo e da análise lendo as obras
do genial Euler (□). Em 1849 regressou a Gõttingen para a tese doutorai,
orientada por Gauss, submetendo-a em 1851. A tese de Riemann estu­
dava a teoria das variáveis complexas e, em particular, o que atualmente
chamamos de “superfícies de Riemann”, introduzindo métodos topoló-
gicos na teoria de funções complexas. O trabalho de Cauchy (□) sobre
funções de variáveis complexas teve influência no trabalho de Riemann,
mas sua tese foi uma peça tremendamente original, examinando pro­
priedades geométricas de funções analíticas, operadores conformes e
conectividade de superfícies. Gauss descreveu a tese de Riemann como
tendo “uma gloriosa fertilidade de originalidade”.
Mas Riemann não foi influenciado só por Gauss nessa época. A
fisica de Wilhelm Weber também o atraiu e, a partir de então, teve
grande interesse em física matemática. Riemann foi assistente de We­
ber durante dezoito meses. Com recomendação de Gauss, Riemann
foi nomeado para uma posição em Gõttingen e começou a trabalhar
para a sua “habilitação” (livre-docência), dedicando trinta meses à
dissertação correspondente. O assunto estudado foi a representativi-
dade de funções por séries trigonométricas. Ele demonstrou as condições
para que uma função de variável complexa seja integrável, condições essas
que receberam o seu nome. Para completar a habilitação, ele tinha que dar
uma aula. Conforme as regras, preparou três aulas, escolhendo duas so­
bre eletricidade e uma sobre geometria. Gauss escolheu a geometria, para
surpresa de Riemann, mas deu uma aula que se tornou um clássico
na matemática, Über die Hypothesen welche der Geometrie zu Grunde
liegen (“Sobre as hipóteses que estão nos fundamentos da geometria”),
apresentada em 1854.
De acordo com [391], citado em [390], durante a aula, dentre os
presentes, “só Gauss foi capaz de apreciar a profundidade das idéias de
Riemann [...] a aula superou suas expectativas e o surpreendeu tremen­
damente. Na reunião subsequente de professores ele falou com raro en­
tusiasmo sobre o trabalho de Riemann”. [390] afirma que ele não foi
plenamente entendido a não ser sessenta anos depois. Efetivamente, se­
gundo [392], “a teoria da relatividade geral justificou esplendidamente
este trabalho de Riemann. No aparato desenvolvido por Riemann, Eins-
tein (n)encontrou a estrutura para colocar suas idéias físicas”.
A vaga de Gauss em Gõttingen foi preenchida por Dirichlet em
1855. Houve então uma tentativa, sem sucesso, para obter uma cátedra
para Riemann. Mas dois anos depois, foi nomeado professor e naquele
mesmo ano publicou uma outra das suas obras-primas intitulada “teo­
ria de funções abelianas”, resultado de trabalho de vários anos e contida
num curso que deu para apenas três alunos em 1855-1856. Um desses
alunos era Dedekind, que publicou essas belas aulas após a morte pre­
matura do mestre.
O trabalho sobre as funções abelianas continuava onde sua tese
doutorai tinha parado, e desenvolveu ainda mais a ideia de “superfície
de Riemann” e suas propriedades topológicas. Ele examinou as funções
de muitas variáveis como de uma variável numa superfície de Riemann
especial e resolveu o problema geral das inversas de funções, que ti­
nha sido resolvido para integrais elípticas por Abel (□) e Jacobi (□).
Weierstrass, que também estava trabalhando nesse problema, quando
viu o artigo de Riemann, retirou a submissão de seu artigo, tantos eram
os conceitos inesperados do trabalho de Riemann.
Em 1859 Dirichlet faleceu e Riemann foi indicado para ocupar sua
posição, a cátedra de matemática de Gõttingen. Poucos dias depois foi
eleito para a Academia de Ciências de Berlim. Cada novo membro da
Academia devia apresentar uma aula e Riemann apresentou uma outra
de suas grandes obras-primas, “Sobre os números primos menores do
que um dado valor”.
Nesse trabalho, examinou a “função zeta” [389], que já tinha sido
estudada por Euler. No seu trabalho, Riemann afirmava que a função zeta
tinha um número infinito de raízes não triviais e parecia provável que
todas elas tinham parte real igual a 0,5. Esta é a famosa “hipótese de Rie­
mann”, que permanece um problema aberto em matemática, desafiando
as melhores inteligências matemáticas desde então. Em 1858 produziu
um trabalho sobre eletrodinâmica, que julgava que seria a palavra defi­
nitiva sobre o assunto, mas foi a teoria de Maxwell (□) que recebeu essa
distinção. Ele fez, ademais, outros trabalhos notáveis na física, incluindo
estudos sobre as ondas sonoras e sobre o movimento dos fluidos.
Em 1862 casou-se com Elise Koch, uma amiga de sua irmã, que
lhe deu uma filha. Poucos meses depois de se casar, teve uma pleu-
risia, seguida de tuberculose. Como muitos pacientes de tuberculose
da época, Riemann viajou para a Itália, com clima mais quente. Para
lá voltou mais duas vezes por conta da doença. Em Gõttingen seguiu
trabalhando até a véspera da morte, deixando incompleto um artigo
que estava escrevendo.
A importância de seu trabalho só foi plenamente reconhecida no
século XX. De acordo com [286], o historiador da matemática Dirk J.
Struik diz que Riemann “mais do que qualquer outro, influenciou a
direção que tomou a moderna matemática”. Existem as seguintes es­
truturas matemáticas que levam o nome de Riemann: uma hipótese
(mencionada acima), a função zeta (também mencionada acima), a
integral, a soma, um lema, uma variedade, um teorema de operadores,
o problema de Riemann-Hilbert, a fórmula de Riemann-Hurwitz, a
fórmula de Riemann-von Mangoldt, as famosas “superfícies”, o teore­
ma de Riemann-Roch, a função “teta”, uma equação diferencial, uma
matriz, a famosa esfera, o tensor métrico, o tensor de curvatura, as
equações de Cauchy-Riemann, o teorema de Hierzebruck-Riemann-
Roch, o lema de Riemann-Lebesgue, a integral de Riemann-Stieltj es,
o teorema das séries.
Ainda de acordo com [286], quando sua vida estava terminando,
sua esposa rezou para ele o “Pai nosso”, a “Oração do Senhor”. Um dos
últimos pedidos à esposa foi: “Beije nossa filha por mim.” Durante toda
sua vida, Riemann examinou diariamente a própria consciência do pon­
to de vista da fé cristã. Um contemporâneo escreveu a respeito dele: “A
alma gentil que lhe foi implantada pela família de seu pai permaneceu
nele durante toda sua vida e ele serviu a seu Deus fielmente, tal como
seu pai, mas de um modo diferente” [286].

Maxwell [13], [39], [40], [89], [93]


James Clerck Maxwell (1831-1879), escocês, é considerado usual­
mente como um dos maiores gênios da física de todos os tempos. Seria
com Newton (□) e Einstein (□) a tríade dos maiores. Revelou curiosi­
dade científica desde os três anos de idade, ocupando-se com chaves,
fechaduras, a maneira como a água vem da torneira através da parede...
Muito cedo, encantou-se com a geometria, descobrindo os poliedros re­
gulares antes da educação formal.
Com apenas catorze anos publicou seu primeiro artigo na Royal
Society of Edinburgh. Apesar disso, Maxwell não foi um menino
prodígio da estatura de um Gauss (□), um Mozart ou um Pascal (□).
Na realidade, seu gênio iria amadurecer lentamente. Ele ingressou
na Universidade de Edinburgh aos dezesseis anos e se graduou com
brilhantismo em matemática. Havia sido convidado para estudar em
Cambridge, mas julgou que era muito longe de casa, só podendo ver o
pai duas vezes ao ano. Mas aos dezenove anos foi para Cambridge e ali,
ainda como estudante de graduação, obteve vários resultados matemá­
ticos relativos às equações do eletromagnetismo. Professor primeiro
em Aberdeen, depois no Kings College em Londres e finalmente em
Cambridge, onde foi o primeiro Cavendish Professor.
Tornou-se fellow da Royal Society aos 29 anos. Em 1859 recebeu
um prêmio em Cambridge pelo seu trabalho sobre a estabilidade dos
anéis de Saturno. Notável também seu trabalho sobre a estabilidade do
movimento para resolver o problema da instabilidade frequente dos re­
guladores das máquinas a vapor. Este deve ser considerado o primeiro
artigo sobre teoria de controles, que se estabelecería de forma elaborada
somente durante a Segunda Guerra Mundial, no século XX. Em 1866
formulou a teoria cinética dos gases, independentemente de Ludwig
Boltzmann, estabelecendo a assim chamada equação de Maxwell-Boltz-
mann da teoria cinética dos gases.
Sua maior contribuição, entretanto, foi na área do eletromagnetis-
mo. Baseando-se nos trabalhos experimentais de Ampère (□) e Fara-
day (□), e utilizando a grande intuição desse último que foi o conceito
de “campo”, pelo mesmo chamado de “linhas de força”, estabeleceu as
famosas quatro equações de derivadas parciais, que regulam de forma
compacta e de uma elegância matemática inexcedidas, pela sua simetria
e compacidade, o comportamento dos fenômenos elétricos e magnéti­
cos. Simetria entre os campos elétricos e magnéticos capazes de predizer
a existência das ondas eletromagnéticas, comprovadas experimental­
mente mais de vinte anos depois por Heinrich Herz.
{{A propósito, ou talvez um pouco fora de propósito: na literatu­
ra pseudointelectual e também intelectual, tornou-se moda chamar de
“linear” o que é “quadrado”, simplista etc. Pois bem, o talvez mais belo
conjunto de equações da física, que regem o comportamento de todos
os fenômenos eletromagnéticos, é... linear. E a equação de Schrõdinger
(□), que rege os fenômenos quânticos, também é linear}}.
Vale lembrar o que foi dito a respeito de Faraday [40], que Maxwell
era, com Newton e o próprio Faraday, um dos três “heróis” de Einstein (□).
Maxwell transformou em equações matemáticas as intuições de Faraday
e, ao fazer isso, deu um passo gigantesco na física, prevendo a propagação
de ondas eletromagnéticas, das quais a luz é um caso particular.
Maxwell casou-se aos 27 anos de idade e não teve filhos. Morreu com
48 anos de um câncer no abdômen. Foi sepultado na sua nativa Escócia.
Suas obras completas foram publicadas em 1890 pela Cambridge Uni-
versity Press. Aos 22 anos Maxwell comprometeu-se de modo profundo
e permanente em matéria de fé. Ele deixou o establishment das Igrejas
da Escócia e da Inglaterra na sua procura pessoal em termos religiosos.
Depois da sua conversão religiosa, estava convencido de que a base da re­
ligião não consistia em elaborações racionalistas. Maxwell reconhecia que
a ciência nunca poderia ser um guia para a verdade religiosa. Dizia ele: “A
velocidade das mudanças das hipóteses científicas é naturalmente muito
mais rápida do que a das interpretações bíblicas” ([92], apud [13]), “[A
interferência] da ciência na teologia pode ser não somente ilegítima, mas
perigosa para os que creem” (id.), “[...] todos aqueles que se submetem à
justiça [de Deus] e desejam receber seu dom [a vida eterna em Jesus Cris­
to...,] se conformam à imagem d’Ele, e quando isto acontece, não pode
mais haver condenação” [39]. Essas palavras de Maxwell revelam um ho­
mem forte na fé não somente em Deus, mas um cristão convicto.
Gibbs [292], [296]
Josiah Willard Gibbs (1839-1903), americano, foi um físico teó­
rico, químico, matemático e engenheiro proeminente, certamente um
dos grandes cientistas americanos de todos os tempos, estabelecendo
muitos dos fundamentos da físico-química e da termodinâmica. E,
como matemático, foi o inventor da análise vetorial. Ele foi o sétimo
de uma lista familiar de americanos scholars, que tem seu início no
século XVII. Seu pai, que tinha exatamente o mesmo nome do filho,
foi professor de Sagradas Escrituras na Faculdade de Teologia da Uni­
versidade de Yale, em Connecticut. Sua mãe era filha de um graduado
em Literatura, também em Yale.
Depois de estudar na Hopkins Grammar School, onde era conside­
rado amigável mas reservado, Gibbs se matriculou em Yale aos quinze
anos de idade graduando-se em 1858, com prêmios em matemática e
latim. Ali começou suas pesquisas em engenharia. Sua tese doutorai foi
sobre o uso de métodos geométricos para projeto de sistemas de trans­
missão mecânica através de rodas dentadas.
Em 1863 obteve o primeiro Ph.D. em engenharia nos Estados Uni­
dos. Depois de dois anos como tutor em latim (sic!) e um ano no que
ainda era chamada “filosofia natural” (a saber, ciências naturais), tudo
em Yale. Tendo seu pai e sua mãe falecido precocemente, ele e suas duas
irmãs herdaram uma boa soma de dinheiro, com o que ele foi para a
Europa a fim de estudar, passando um ano em cada uma das cidades,
Paris, Berlim e Heidelberg, onde foi influenciado principalemente por
Kirchhoff e Helmholtz. Nessa época os alemães lideravam em química,
termodinâmica e ciências teóricas em geral.
Efetivamente, ele voltou da Europa com uma cabeça de cientista
mais europeia do que americana, donde se explica a demora do reco­
nhecimento do seu valor na sua própria pátria. Retornando em 1869
para Yale, foi escolhido para professor de física matemática em 1871,
sem nenhuma publicação científica. Ele já tinha 34 anos, em 1873,
quando começou a publicar, com dois artigos importantes: Graphical
Methods in the Thermodynamics of Fluids (“Métodos gráficos na Ter­
modinâmica de Fluidos”) e A Method o f Geometrical Representation o f
the Thermodynamic Properties ofSubstances by Means ofSurfaces (“Um
método de representação geométrica de propriedades termodinâmicas
de substâncias por meio de superfícies”).
O segundo artigo impressionou tanto o grande Maxwell (□) que
ele construiu um modelo tridimensional da superfície termodinâmi­
ca de Gibbs, enviando-o a esse pouco antes de morrer. Entre 1876 e
1878 escreveu um conjunto de artigos, publicados coletivamente como
On the Equilibrium of Heterogeneous Substances (“Sobre o equilíbrio de
substâncias heterogêneas”), que foi considerado uma das grandes rea­
lizações científicas do século e um dos fundamentos da físico-química.
Nesses artigos, Gibbs aplicava a termodinâmica para interpretar fenô­
menos físico-químicos, relacionando fatos que tinham sido considera­
dos totalmente isolados.
Alguns dos tópicos mais importantes desses artigos incluem: o con­
ceito de potencial químico e energia livre, o ensemble de Gibbs, que se
constitui no início da mecânica estatística e a “regra de fase” de Gibbs.
Em 1880 a Johns Hopkins University em Baltimore, ofereceu a Gibbs
uma posição de professor com um salário (anual) de três mil dólares.
Yale contrapropôs para o salário de Gibbs, oferecendo-lhe mais dois
mil dólares. Gibbs preferiu permanecer em Yale. De 1880 a 1884 Gibbs
combinou as idéias de Hamilton, um matemático irlandês, sobre os qua-
ternions, e a “álgebra exterior” de Grassmann, obtendo a “análise veto-
rial” (que foi desenvolvida independentemente pelo físico, matemático
e engenheiro britânico Oliver Heaviside). Gibbs desenvolveu a análise
vetorial com o propósito de aplicação em física.
De 1882 a 1889 Gibbs refinou a sua análise vetorial, publicando cinco
artigos sobre a teoria eletromagnética da luz. Ele evitou deliberadamente
teorizar sobre a estrutura da matéria, uma decisão sábia, tendo em vista os
desenvolvimentos revolucionários sobre as partículas subatômicas e física
quântica próximas da sua morte. Depois de 1889 trabalhou em mecânica
estatística, “provendo um arcabouço matemático para a teoria quântica e
as teorias de Maxwell”, de acordo com [293], Seus trabalhos em mecânica
estatística foram publicados pela Yale University em 1902. Gibbs também
fez contribuições sobre cristalografia e aplicou seus métodos vetoriais
para a determinação das órbitas de planetas e cometas.
O reconhecimento do trabalho de Gibbs demorou, em parte, por­
que ele publicou principalmente no Transactions ofthe Connecticut Aca-
demy of Sciences, um periódico pouco lido nos Estados Unidos e, menos
ainda, na Europa.
A princípio, poucos físicos teóricos prestaram atenção aos seus
trabalhos, uma das exceções tendo sido Maxwell (□). Somente quando
seus trabalhos foram traduzidos para o alemão e para o francês, suas
idéias começaram a ser divulgadas amplamente na Europa. Pelo seu tra­
balho sobre o calor recebeu em 1880 o prêmio Rumford, da Academia
Americana de Artes e Ciências. Em 1901 recebeu a medalha Copley da
Royal Society de Londres, “por ter sido o primeiro a aplicar a segunda
lei da termodinâmica à exaustiva discussão da relação entre as energias
térmica, elétrica e química e a capacidade para o trabalho (no sentido
da física) exterior”.
O prêmio Nobel de física de 1918, cujo vencedor foi Max Planck
pelo seu trabalho pioneiro na física quântica, deve-se em grande parte
aos trabalhos preliminares de Rudolf Clausius, Gibbs e Ludwig Boltz-
mann. Em 1945 a Universidade de Yale criou a cátedra “J. Willlard
Gibb de Física Teórica”. Em 1947 o economista americano Paul Sa-
muelson publicou Foundations ofEconomic Analysis, baseado na sua
tese doutorai em Harvard. Samuelson diz que seu trabalho foi influen­
ciado pelos métodos usados em termodinâmica por Gibbs. Em 2003
a Universidade de Yale organizou um simpósio para comemorar seu
centésimo aniversário de morte. A American Mathematical Society
estabeleceu as “Conferências Josiah Willard Gibbs”, com a finalidade
de despertar a consciência das pessoas para a importância da mate­
mática e suas aplicações, declarando Gibbs um dos maiores cientistas
americanos de todos os tempos.
Gibbs permaneceu solteiro, morando com sua irmã, sempre amável
com todos, mas às vezes incompreensível pelos seus estudantes. Não
tinha ambições pessoais, nunca exaltava as próprias qualidades, ele “...
progrediu muito na realização de um cristão desprendido. Para aqueles
que o conheceram pessoalmente, a grandeza de suas realizações intelec­
tuais nunca farão sombra à dignidade e beleza de sua vida”, de acordo
com Bumstead ([296], apud [293]).

Rayleigh [412], [416]


John William Strutt (1842-1919) foi prêmio Nobel de física em 1904
“por suas investigações sobre a densidade dos gases mais importantes e
sua descoberta do Argônio no contexto destes estudos” [414], Como se
verá adiante, esse não foi o foco principal das pesquisas dele, ainda que
tenha sido, reconhecidamente, um dos seus mais importantes trabalhos.
O terceiro barão Rayleigh nasceu em Langford Grove, Essex, Inglaterra,
filho de John James Strutt, o segundo barão, e de Clara Elisabeth La
Touche. John foi um dos muito poucos membros da alta nobreza que
ganhou fama como um cientista destacadíssimo. Durante a infância e
adolescência teve saúde muito precária; sua educação teve que ser inter­
rompida diversas vezes por esse motivo.
Em 1861 entrou no Trinity College, da Cambridge University, onde
começou estudando matemática. No começo não era tão bom como os
melhores da classe, mas seu talento extraordinário logo lhe permitiu su­
perar os colegas. Teve um excelente tutor, Edward Routh, um matemáti­
co importante, o mais famoso tutor de Cambridge na época e possivel­
mente o melhor de todos os tempos [416], Durante seus anos de estudo
de matemática teve também a influência de Stokes (□). Graduou-se em
matemática como sênior wrangler (o melhor da classe), recebendo tam­
bém o primeiro prêmio Smith.
Em 1866 obteve uma fellowship no Trinity College, que durou até
1871, quando se casou com Evelyn, irmã do futuro primeiro-ministro,
conde de Balfour e filha do segundo marquês de Salisbury, tendo com
ela três filhos, o segundo dos quais seria professor de física no Imperial
College of Science and Technology em Londres.
Uma crise de febre reumática no ano seguinte o fez ir ao Egito e à
Grécia, retornando à Inglaterra um ano depois, seu pai falecendo pouco
depois de ele chegar.
Sucedeu ao pai como o novo barão de Rayleigh, o que o obrigou
a devotar parte do seu tempo à administração das suas propriedades
de sete mil acres, ou seja, pouco menos de três mil hectares. A com­
binação de seus conhecimentos científicos gerais com a competência
específica em agricultura que ele tinha adquirido fez com que a ad­
ministração de suas propriedades estivesse à frente de seu tempo sob
vários aspectos. Apesar disso, ele deixou essa adminstração para seu
irmão mais novo em 1876.
A partir de então ele poderia se dedicar de novo inteiramente à
ciência. Em 1879 foi escolhido para suceder o grande James Clerck Ma­
xwell (a) como professor de física e diretor do Laboratório Cavendish
na Universidade de Cambridge. Em 1884 deixou Cambridge para con­
tinuar suas pesquisas experimentais no seu torrão natal, Essex. De 1887
a 1905 foi professor de “filosofia natural” (física) na Royal Institution da
Grã-Bretanha, sucedendo a Tyndall. Depois de ter servido por seis anos
como presidente do Comitê do Governo para Explosivos, foi assessor
científico da Trinity House de 1896 a 1919. Foi também Lord Tenente de
Essex, de 1892 a 1901.
As primeiras pesquisas de Lord Rayleigh foram principalmente ma­
temáticas (física teórica), em ótica e vibrações. Suas pesquisas mais tarde
cobriram quase todo o espectro da física: som, teoria ondulatória, visão
das cores, eletrodinâmica, eletromagnetismo, tendo predito a existência
de “ondas de superfície”, que tomaram o nome de “ondas de Rayleigh”,
espalhamento de luz, escoamento de líquidos, hidrodinâmica, densida­
de dos gases, viscosidade, capilaridade, elasticidade e fotografia.
Seu primeiro artigo foi inspirado pela leitura de um artigo de
Maxwell (□) sobre a teoria eletromagnética. Além de Maxwell, es­
tudou também profundamente os trabalhos de Helmholtz. Rayleigh
também publicou trabalhos em matemática pura (mas com olhos nas
aplicações em física): artigos sobre as funções de Bessel, a relação en­
tre as funções de Laplace (□) e as de Bessel e as funções de Legendre.
Seus experimentos conduzidos com paciência e detalhe levaram ao
estabelecimento dos padrões de resistência elétrica, intensidade de
corrente elétrica e diferença de potencial (ou “força eletromotriz”,
como se dizia então). Seu trabalho nos últimos anos de vida se con­
centrou em problemas elétricos e magnéticos.
Ele foi um excelente professor. Sua Theory ofSound (Teoria do Som)
foi publicada em dois volumes em 1877-1878 e seus outros estudos ex­
tensivos foram publicados nos seus Scientific Papers em seis volumes de
1889 a 1920. Ele também contribuiu para a Encyclopaedia Britannica.
Todos seus artigos, por mais abstrusos que fossem os temas para o gran­
de público, foram modelo de clareza. Seus 446 artigos científicos foram
republicados nas suas obras completas.
Sendo membro (pelo fato de ser barão) da Câmara dos Lordes, in-
tervinha nos debates raramente, nunca permitindo que a política inter-
viesse na ciência. Foi chanceler da Universidade de Cambridge, juiz de
paz,fellow da Royal Society (a partir de 1873), tendo sido dela secretário
e presidente, recebeu a Ordem do Mérito e as medalhas-Copley, Royal
e Rumford da mesma sociedade, além do prêmio Nobel em 1904. Além
do que já foi dito, tem o seu nome num “critério”, num número, num
quociente, na lei de Rayleigh-Jeans, numa distribuição, na instabilidade
de Rayleigh-Taylor, na instabilidade de Plateau-Rayleigh, numa meda­
lha, na convecção de Rayleigh-Bénard.
Faleceu em 1919 em Witham, Essex. Lord Rayleigh era um homem
modesto, humilde no julgamento de si próprio como cientista, tendo dito:
“meu único mérito foi de ter-me deleitado com meus estudos, e qualquer
resultado que possam ser devidos às minhas pesquisas se devem ao fato
de que tem sido um prazer para mim ter me tornado um cientista”. Lord
Rayleigh era conhecido como um cristão sincero. No frontispício dos seus
artigos ele escreveu: “Grandes são as obras do Senhor, elas são meditadas
por todos os que se comprazem nelas” (Sl. 11,2) (ver [413]).

Cantor [6], [8], [153], [154]


Georg Cantor (1845-1918), matemático alemão, de origem russa,
foi conhecido especialmente por ter criado a moderna teoria dos con­
juntos. Seu pai foi um comerciante bem-sucedido. Georg herdou o ta­
lento musical de seus pais, tornando-se um exímio violinista. Ele foi
educado no protestantismo, sendo esta a religião de seu pai, enquanto
sua mãe era católica. Sendo precária a saúde de seu pai, deixaram os
frios invernos de São Petersburgo em direção à Alemanha, fixando-se
em Darmstadt.
Terminou o curso secundário aos quinze anos, demonstrando ca­
pacidade excepcional para a matemática, especialmente na trigonome-
tria. Ingressou na Escola Politécnica Federal de Zürich, atualmente o
ETH (Eidgenossische Technische Hochschule) em 1862. Seu pai queria
que ele se tornasse engenheiro, mas seu ideal era a matemática, obtendo
permissão do pai que morreu pouco após. Ingressou em 1863 na Uni­
versidade de Berlim. Passando o verão de 1866 em Gõttingen, retornou
à Universidade de Berlim, completando sua tese doutorai em 1867, “De
equationibus secundi gradus indeterminatis” (“Sobre as equações de se­
gundo grau indeterminadas”, um título que diz pouco sobre a profun­
didade do seu trabalho sobre Teoria dos Números). Em seguida, traba­
lhou na sua tese de “Habilitation” (equivalente à nossa livre docência),
obtendo posição na Universidade de Halle, na Alemanha. Em Halle,
desvia sua atenção da teoria dos números para a análise, desafiado por
um problema que não tinha sido solucionado por matemáticos do ca­
libre de Dirichlet, Heine, Lipschitz e Riemann, a saber, o problema da
unicidade da representação de uma função como uma série trigonomé-
trica. Cantor o resolveu em 1870.
Em 1872 publicou um artigo sobre séries trigonométricas, no qual
define os números irracionais em função de sequências convergentes de
números racionais. Em 1873 provou que os números algébricos, isto é,
aqueles que são raízes de equações polinomiais com coeficientes intei­
ros, são contáveis, isto é, podem ser postos em correspondência um a
um com os números naturais (= números inteiros maiores que zero). Os
matemáticos definem como transcendentais os números irracionais que
não são raízes de equações polinomiais com coeficientes inteiros. Em
1874 ele demonstrou que “quase todos” os números são transcenden­
tais, provando que os números reais não são contáveis, tendo ele mesmo
provado antes que os números algébricos são contáveis.
Em 1874 casou-se com Vally Guttmann; sua lua de mel foi na Suíça,
onde discutiu matemática boa parte do tempo com Dedekind. Entre
1879 e 1884 Cantor publicou uma série de seis artigos nos Mathema-
tischen Annallen para estabelecer uma base introdutória à Teoria dos
Conjuntos, sendo que no quinto artigo ele introduziu o conceito de nú­
mero transfinito, uma extensão autônoma e sistemática dos números
naturais, evitando o conceito de “infinito”, mas equivalente ao senti­
do usado atualmente de número infinito. A teoria proposta por Cantor
encontrou bastante dificuldade de aceitação entre vários matemáticos
importantes. Os matemáticos modernos, por seu lado, aceitam plena­
mente o trabalho desenvolvido por Cantor na sua teoria dos conjuntos,
reconhecendo-a como uma mudança de paradigma da maior impor­
tância. Nas palavras de David Hilbert (considerado o maior matemático
da primeira metade do século XX): “Ninguém nos poderá expulsar do
Paraíso que Cantor criou.” Também de Hilbert a respeito da obra de
Cantor: “o mais fino produto do gênio matemático e uma das mais ele­
vadas realizações da atividade intelectual humana.”
Na segunda metade de sua vida teve frequentes crises de depres­
são, teria sido considerado hoje em dia vítima do transtorno bipo-
lar, maníaco-depressivo. Começou então a se interessar por literatura e
religião, desenvolvendo o conceito de Infinito Absoluto, que identificou
como Deus. “O infinito aparece em três contextos: primeiramente quan­
do ele é realizado na forma mais completa, em uma forma completamente
independente e não mundana, in Deo, que eu chamo de Infinito Absoluto
ou simplesmente Absoluto; em segundo lugar ele ocorre no mundo cria­
do e contingente e em terceiro lugar quando a mente humana o concebe
in abstracto como uma grandeza matemática....” [8, apud [7]].
“Eu provei rigorosamente que não existe um ‘gênero supremo’ do
atual infinito [...], o que supera tudo isto é a unidade singular e indivi­
dual na qual tudo está contido, que inclui o Absoluto, incompreensível
para a inteligência humana. É o ‘Ato Puríssimo’, que é chamado Deus
por muitos.” {{Não tenho ideia se Cantor leu São Tomás de Aquino,
que usou a expressão “Ato Puro” para se referir a Deus. Caberia a hi­
pótese que sim, até pelo “que é chamado Deus por muitos”, que ele usa,
semelhante à expressão usada por São Tomás ao final de cada uma das
suas cinco vias.}}.

J. J. Thomson [39], [67], [69]


Joseph John Thomson (1856-1940) foi prêmio Nobel de física em
1906, “em reconhecimento do grande mérito das suas pesquisas teóricas
e experimentais sobre a condução da eletricidade pelos gases” [69].
Inglês, nascido em Manchester, estudou engenharia no Owens
College e depois no Trinity College em Cambridge. Em 1884 tornou-se
professor de física do famoso Laboratório Cavendish, em Cambridge
- do qual saíram quinze prêmios Nobel -, graças à qualidade dos seus
trabalhos sobre o eletromagnetismo. Um de seus alunos foi Ernest Ru-
therford, que mais tarde trabalhou no mesmo cargo e ganharia também
o prêmio Nobel. Em 1890 casou-se com Rose Elisabeth Paget. Teve um
filho, George Paget Thomson, e uma filha, Joan Paget Thomson. (Seu
filho se tornou um notável físico, que também ganharia o Prêmio Nobel
por descobrir propriedades ondulatórias nos elétrons).
Eleito para a Royal Society, da qual seria presidente entre 1916­
1920. Convidado, esteve como professor visitante por breve tempo na
universidade americana de Princeton (1896). Ao voltar de lá, comple­
tou o mais brilhante trabalho de sua vida, um estudo original sobre os
chamados “raios catódicos”, que culminou na descoberta do elétron em
1897. Voltou aos Estados Unidos, à Universidade de Yale, para dar uma
série de conferências sobre “eletricidade e matéria” em 1904. Além de
prêmio Nobel e defellow da Royal Society, foi agraciado com várias me­
dalhas, prêmios e honrarias: Order of Merit, Royal and Hughes Medal,
Copley Medal, Hodgkins Medal, Franklin Medal, Faraday Medal etc.
Doctor honoris causa pelas Universidades de Oxford, Londres, Colum-
bia, Cambridge, Gòttingen, Sorbonne, Princeton, Johns Hopkins, Cra-
cóvia, entre outras.
Na porta do seu laboratório estava escrita, em latim, a frase bíblica
(Livro dos Provérbios, 1,7): “o temor de Deus é o princípio da sabedoria”.
Publicou certa vez na revista científica Nature (citado em [39]): “aqueles
que sobem a torre [da ciência], veem novas perspectivas e aprofundam
o sentimento [...] que grandes são as obras do Senhor” (citando o Salmo
111,2 no final da frase).

Hertz [309], [311]


Heinrich Rudolf Hertz (1857-1894) foi o físico alemão que deu
origem ao nome da unidade de frequência, hertz, igual a um ciclo por
segundo. Nascido em Hamburgo, de uma próspera família hanseática.
Seu pai, Gustav Ferdinand, fez carreira política, chegando a senador;
sua mãe, Anna Elisabeth Pfefferkorn. Teve três irmãos e uma irmã, to­
dos mais novos que ele. Fez o gymnasium em Hamburgo e demonstrou
aptidões para ciências e línguas, aprendendo o árabe e o sânscrito. Es­
tudou ciências e engenharia nas cidades alemãs de Dresden, Munique e
Berlim, nesta última tendo sido aluno de Kirchhoff e Helmholtz, douto­
rando-se em 1880 e ali permanecendo para um pós-doutoramento sob
a orientação de Helmholtz.
Em 1881-1882 publicou dois artigos sobre o que passou a ser cha­
mado de mecânica de contato, utilizando resultados clássicos de elasti­
cidade e de mecânica de objetos contínuos para estudar como se com­
portavam dois objetos com simetria axial quando em contato um com
outro e submetidos a alguma carga (força). Em 1883 assumiu uma po­
sição docente na Universidade de Kiel, tornando-se professor titular na
Universidade de Karlsruhe em 1885, onde descobriu experimentalmen­
te as ondas eletromagnéticas. Efetivamente, foi o primeiro a demonstrar,
de modo satisfatório, em 1887, a existência das ondas eletromagnéticas,
previstas teoricamente por Maxwell (□), construindo um aparelho ca­
paz de detectar frequências de rádio. Outra contribuição importante sua
foi na área de deformações mecânicas.
Hertz sempre teve grande interesse em meteorologia, mas não con­
tribuiu muito para o progresso nessa área, tendo estudado a evaporação
de líquidos e inventado um novo tipo de higrômetro. Além disso, inven­
tou um método para determinar a umidade do ar, quando submetido
a mudanças adiabáticas (que são aquelas em que não há troca de calor
com o exterior).
Hertz ajudou a estabelecer o efeito fotoelétrico [que seria mais tar­
de explicado por Einstein (□) em 1905], quando verificou que um ob­
jeto carregado eletricamente perde sua carga mais rapidamente quando
iluminado por luz ultravioleta. Em 1887, a partir de suas observações do
efeito fotoelétrico e das ondas eletromagnéticas, publicou artigo no pe­
riódico Annalen der Physik (“Anais de Física”). Através de experiências,
demonstrou que as ondas eletromagnéticas eram transversas, isto é, se
propagavam numa direção perpendicular aos campos elétrico e mag­
nético. Esse fato já havia sido previsto matematicamente por Maxwell e
bem antes, intuitivamente, por Faraday (□).
Demonstrou também experimentalmente que a velocidade das on­
das eletromagnéticas é igual à velocidade da luz. A intensidade do cam­
po elétrico e a polaridade também foram medidas por Hertz em 1887­
1888. Hertz também demonstrou, sempre experimentalmente, que as
ondas eletromagnéticas podiam ser transmitidas através de diferentes
tipos de material e eram refletidas por outros, o que precedeu o desen­
volvimento do radar.
Hertz não se apercebeu da importância prática do seu trabalho. Dis­
se na ocasião: “Isto não tem nenhuma utilidade [...], isto é apenas uma
experiência que prova que mestre Maxwell estava certo - nós temos es­
tas misteriosas ondas eletromagnéticas que não podemos ver com nossos
olhos. Mas elas estão lá” ([310], apud [309]). Perguntado certa vez sobre as
ramificações de suas descobertas, respondeu: “Nenhuma, eu acho” (id.).
E, no entanto, suas descobertas seriam mais bem entendidas pouco mais
tarde. Em 1891 um matemático-físico inglês diria: “Há três anos, as ondas
eletromagnéticas não estavam em lugar algum, agora elas estão em toda
parte” [311]. Hertz estudou também os raios-X, construiu tubos de raios
catódicos e verificou a penetração dos raios-X em vários materiais.
Hertz era casado com Elizabeth Doll, com a qual teve duas filhas.
Ele era uma pessoa modesta, aparentemente com poucas ambições. “Ele
era um homem de temperamento nobre, que teve a sorte de ter muitos
admiradores e ninguém que o odiasse ou invejasse. Todos os que tive­
ram contato com ele puderam admirar sua modéstia e sua amabilidade”,
disse alguém num elogio fúnebre [311]. Embora seu pai fosse de família
judaica, converteu-se ao catolicismo antes de se casar. Hertz era antes
luterano. Faleceu com apenas 36 anos, vítima de uma infecção.

Planck [107], [111], [189], [404], [409]


Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947), alemão, foi o sexto fi­
lho de um jurista eminente, professor da Universidade de Kiel, cidade
onde nasceu. Dos seus estudos colegiais, obteve sólida formação nos
clássicos, além de ter tido um excelente professor de matemática e físi­
ca, que “tinha a arte de fazer seus alunos visualizarem e entenderem as
leis da física. Minha mente absorvia avidamente, como uma revelação,
a primeira lei que eu percebia possuir validade absoluta [...], o princípio
de conservação de energia” [111].
Planck era muito dotado também para a música: aprendeu o canto
e a tocar piano, órgão e violoncelo; além disso, compôs canções e óperas.
“A longa tradição da família de devoção à Igreja (tanto seu avô paterno
como o materno foram professores de teologia em Gõttingen) e ao Es­
tado, excelência em scholarship, incorruptibilidade, conservadorismo,
idealismo, confiabilidade e generosidade foi profundamente assimilada
na vida e obra de Planck” [108].
Fez seus estudos superiores na Universidade de Munique. Apesar
de um professor de física ter tentado dissuadi-lo a se especializar nes­
sa disciplina, “porque nesta área quase tudo já foi descoberto, restando
umas poucas lacunas a serem preenchidas”, Planck foi adiante com seu
projeto, replicando que não pretendia descobrir novas coisas, mas ape­
nas entender o que era fundamental em Física. Seus estudos em Muni­
que começaram em 1874; em 1877 foi a Berlim para um ano de estudos;
lá pontificavam, entre outros, Helmholtz e Kirchhof na física e Weiers-
trass na matemática.
Em 1887 casou-se com Maria Merck, com a qual teve dois filhos
e duas filhas, gêmeas. Ele ficaria viúvo em 1909 e contrairía segundas
núpcias em 1911 com Marga von Hoesslin, com a qual teria um filho.
Em 1879, portanto com apenas 21 anos, apresentou sua tese de douto­
rado sobre a teoria mecânica do calor. No ano seguinte, defendia sua
“tese de habilitação” (correspondendo ao que no Brasil é a tese de livre-
docência) sobre o estado de equilíbrio térmico de corpos isotrópicos
em diferentes temperaturas. Prosseguindo nos estudos sobre o calor,
realizou, sem o saber, um trabalho essencialmente igual ao que Gibbs
realizava nos Estados Unidos. Em 1885 foi contratado como professor
associado na Universidade de Kiel. Quatro anos depois foi contratado
como professor associado pela Universidade de Berlim, e pouco depois
como professor titular, sucedendo a Kirchhoff, onde permaneceu até
1926, sendo sucedido por Erwin Schrõdinger.
Em Berlim, a casa de Planck era um foyer de convivência de gran­
des físicos, como Einstein (□), Otto Hahn e Lise Meitner. A grande con­
tribuição de Planck na física foi a explicação da irradiação do chamado
“corpo negro” (isto é, um absorvedor perfeito de energia eletromagnética
irradiada). Depois de várias tentativas para entender o fenômeno, chegou
à conclusão que ele não queria aceitar por ser absolutamente revolucioná­
ria, que a irradiação eletromagnética de energia se fazia em “pacotes”, os
“quanta”, proporcionais à frequência da irradiação. Isto foi em 1900 e essa
descoberta dava início à física quântica, que dominaria, junto com a rela­
tividade, os fundamentos da física moderna até nossos dias. Note-se que,
a princípio, considerava a própria descoberta uma “hipótese meramente
formal [...] efetivamente eu não pensei muito sobre ela” [107]. Planck re­
cebeu o prêmio Nobel em 1918 por essa descoberta.
Em 1905, o chamado “annus mirabilis”, Einstein (n) publicou quatro
artigos revolucionários, um deles explicando o efeito fotoelétrico com a
física quântica e em outro apresentava a teoria da relatividade restrita.
Planck foi dos primeiros a aceitar a teoria da relatividade, mas, curio­
samente, não se convenceu com a explicação do efeito fotoelétrico pela
física quântica, preso ainda que estava à teoria de Maxwell (□). Einstein
só logrou convencê-lo seis anos depois, na primeira das famosas con­
ferências Solvay, a qual foi organizada pelo próprio Planck, juntamente
com Nernst. Nesse meio tempo, Planck foi feito decano na Universidade
de Berlim, tendo então a oportunidade de estabelecer uma cátedra para
Einstein em 1914. Os dois cientistas se tornaram grandes amigos e fre­
quentemente tocavam música juntos.
Planck via o cientista como um homem de imaginação e fé. Por exem­
plo, dizia ele, o princípio de causalidade na ciência não é verdadeiro nem
falso, trata-se antes de um ato heurístico de fé por parte do cientista.
Planck, um conservador por temperamento, nunca pretendeu fazer
uma revolução na ciência, o que de fato fez, ao introduzir a Física Quânti-
ca. E, juntamente com Einstein e Schrõdinger, permaneceu imperturbável
na sua oposição à visão estatística do mundo introduzida por Niels Bohr,
Max Born e Werner Heisenberg (□), entre outros, com a introdução da
mecânica quântica em 1925-1926. Planck argumentava que o Universo é
uma realidade objetiva que existe independentemente do ser humano: o
observador e aquilo que é observado não estariam, segundo Planck, inti­
mamente “acoplados”, como queriam Bohr e sua escola.
Ele foi gradualmente, ao longo do tempo, concentrando sua
atenção em problemas gerais como a relação entre ciência e religião.
Ele acreditava no valor absoluto da ética e considerava “a veracidade
como a mais nobre das virtudes humanas” [111]. Acreditava em um
ser sobrenatural, todo poderoso, onisciente e benevolente. “A reli­
gião é aquilo que relaciona o ser humano com Deus [...] e que resulta
da humildade diante de um poder sobrenatural, ao qual toda vida
humana está sujeita...” [111].
Para ele, a existência de Deus é exclusivamente uma matéria de fé, a fé
religiosa. Era favorável a todas as religiões, mas escolheu o Cristianismo.
No entanto, lamentava o não questionamento dos assuntos de fé dentro
da Igreja [luterana], pois segundo ele, isto afastava aqueles que questio­
navam [id.]. Em 1937, numa conferência, Religion und Wissenschaft (Re­
ligião e Ciência) [409], Planck afirmou que Deus está presente em toda
parte e que “a santidade e incompreensibilidade de Deus é expressa pela
santidade dos símbolos” [110]. “Eu sempre considerei a pesquisa pelo ab­
soluto como o mais nobre objetivo da atividade científica” [111]. Dizia
ele: “...a humanidade necessita de alguns postulados fundamentais para a
existência do dia-a-dia e isto é muito mais importante do que a sede do
saber científico. Uma única ação tem frequentemente mais importância
para um ser humano do que toda a sabedoria humana junta...”

A lei da causalidade é a regra que guia a ciência, mas o Imperativo Cate­


górico {{trata-se, aparentemente, do Imperativo Categórico Moral, pos­
tulado por Kant na sua Critica da Razão Prática}} [...] é a lei que guia a
vida. Aqui a inteligência tem que dar lugar ao caráter e o conhecimento
científico à fé religiosa. E quando eu digo fé religiosa eu quero dizer a
expressão no seu sentido fundamental. [...]. A religião pertence ao âm­
bito que é inviolável perante a lei da causalidade [...]. O cientista como
tal deve reconhecer o valor da religião em qualquer das suas formas, a
não ser que ela cometa o engano de opor seus dogmas [...] à sequência
de causas e efeitos nos fenômenos externos. [...]. Eu diria também que
aquelas formas de religião que têm uma atitude niilista com relação à
vida não se harmonizam com a visão científica e contradiz seus prin­
cípios. [...]. Eu creio que a maioria dos cientistas concordaria com esta
afirmação.

E continua no mesmo texto:

Não pode haver oposição real entre ciência e religião, toda pessoa séria
e reflexiva toma consciência, creio eu, que o elemento religioso deve ser
reconhecido e cultivado se todas as potências de sua alma agirem numa
harmonia balanceada. E, efetivamente, não pode ser uma coincidência
que os grandes pensadores de todos os tempos foram almas profunda­
mente religiosas, mesmo aqueles que não fizeram profissão pública dos
seus sentimentos religiosos. É da cooperação entre o intelecto com a
vontade que os melhores frutos da filosofia foram colhidos, a saber, os
frutos éticos. A ciência favorece os valores morais da vida porque exerce
o amor da verdade ([189], p.151).

E ainda: “Qualquer pessoa que tenha se engajado seriamente no tra­


balho científico de qualquer tipo toma consciência de que à entrada do
templo da ciência estão escritas as palavras: ‘Você tem que ter fé’. Trata-se
de uma qualidade que nenhum cientista pode dispensar” (id., p.152).
Na conferência referida, Religion unã Wissenchaft (Religião e Ciên­
cia) em maio de 1937, Planck disse: “Ciência e Religião precisam, para
suas atividades, da crença em Deus. Mais ainda, para a primeira, Deus
está no seu princípio enquanto que para a segunda (a Ciência), Deus
está no seu fim, no final de seu pensamento. Para a primeira, Deus re­
presenta a base, para a segunda, Deus representa a coroa de todo pensa­
mento global” ([409], apud [404], p.8).
E na mesma conferência: “É na contínua e permanente luta con­
tra o ceticismo e o dogmatismo, contra a descrença e a superstição
que ciência e religião caminham juntas [...] para Deus” ([404], p.9).
“A religião representa uma ligação do homem com Deus. Ela consiste
numa admiração reverente diante de um Poder sobrenatural, ao qual
a vida humana é subordinada, que tem em suas mãos nosso bem-estar
e nossa miséria”. ([404], p.8).
Seu filho tendo sido executado pelos nazistas, em 1945, após um
atentado mal sucedido contra Hitler, Planck escreveu a um amigo: “Se
existe consolação [...] é no Eterno e eu considero uma graça dos céus
que a fé no Eterno foi implantada firmemente em mim desde a infância”
([404], p.9).
“Nunca poderá haver uma oposição real entre Ciência e Religião,
porque uma é o complemento da outra. Toda pessoa que reflete seria­
mente, toma consciência, eu penso, que o elemento religioso na sua na­
tureza deve ser reconhecido e cultivado [...]. Efetivamente, não é uma
coincidência que todos os grandes pensadores de todos os tempos foram
almas profundamente religiosas” (id.). E ainda sobre este tema: “Uma
não exclui a outra, mas são complementares e interagem entre si. O ser
humano precisa da ciência como um instrumento de percepção e preci­
sa da religião como um guia para a ação” ([404], p.10). Planck acreditava
na vida após a morte, na existência de “um outro mundo, exaltado aci­
ma do nosso, onde nós poderemos nos refugiar” ([404], p.10).

Pierre Duhem [219], [262], [264]


Pierre Duhem (1861-1916) nasceu em Paris e faleceu também na
França. Seu pai, Pierre-Joseph Duhem, era um caixeiro-viajante, e sua
mãe se chamava Alexandrine Fabre e era de uma família flamenga. Pierre
era o mais velho de quatro filhos. Aos onze anos entrou no Collège Stanis-
las, revelando-se um estudante brilhante. Terminando os anos de colégio
com desempenho excepcional em latim, grego, ciências, matemática etc.,
teve que decidir entre a École Polytechnique, que formava engenheiros, e
a École Normale, mais acadêmica. O pai queria que ele fosse para a Po­
litécnica, enquanto sua mãe desejava que ele se dedicasse ao latim e ao
grego, principalmente porque ela temia que estudos científicos o afastas­
sem da sua fé católica, fé que ela instilara fortemente nos filhos. Duhem
foi o primeiro colocado no exame para as duas Écoles, mas não seguiu o
conselho dos pais, escolhendo a École Normale, mas para se dedicar ao
estudo das ciências, iniciando o curso em agosto de 1882.
Em 1884 publicou seu primeiro artigo, sobre células eletroquímicas.
Aluno de Hermite e Poincaré, fez rápidos progressos na matemática,
submetendo uma tese doutorai antes mesmo de concluir a Licenciatura.
Sua tese doutorai tinha como tema a termodinâmica em processos físi­
cos e químicos, nos quais ele definia o critério para as reações químicas
em termos da energia livre; com isto, ele estava substituindo o critério
(errado) introduzido por Berthelot vinte anos antes.
A tese de Duhem chamava a atenção, corretamente, do erro da teo­
ria de Berthelot. Infelizmente, na ciência nem sempre prevalece, a curto
prazo, a verdade, e Berthelot usou sua influência para reprovar a tese de
Duhem. Este tinha certeza de que estava certo e publicou sua tese em
1886. Para piorar sua situação, Berthelot foi feito ministro da Educação
naquele mesmo ano. Duhem trabalhou então numa segunda tese, mais
matemática, sobre o magnetismo, que foi aprovada em 1888 e antes
mesmo de ela ser submetida, ele já estava no magistério em Lille desde
o ano anterior, ali permanecendo até 1893, ensinando hidrodinâmica,
elasticidade e acústica, publicando as notas dessas aulas em 1891.
Em 1890 casou-se com Adele Chayet, que morreu dois anos depois
do nascimento da segunda filha do casal, que também morreu. Essa du­
pla tragédia certamente contribuiu para suas disputas com o decano de
Lille, mudando-se para Rennes, como maitre de conférence. Mas logo
caiu na conta de que Rennes não era equipada de maneira satisfató­
ria para seu trabalho, transferindo-se para a Universidade de Bordeaux
como professor de física em 1894. Mas uma mudança para Paris, que
seria o lugar natural de um cientista da sua estatura, estava bloqueada
por Berthelot. Esse fato teve uma influência negativa profunda em toda
a vida acadêmica de Duhem. A disputa com Berthelot não se limitou à
ciência, pois havia uma divergência profunda entre os dois em matéria
religiosa. Duhem tinha, além disso, um temperamento de polemista,
fazendo inimigos pessoais por causa de assuntos científicos. Poucos
cientistas contribuíram tanto como Duhem para a filosofia da ciência, a
historiografia da ciência e para a própria ciência. Mas muitos dos seus
escritos, segundo [262], eram fortemente influenciados por suas posi­
ções “ultracatólicas”.
Seus interesses na ciência abrangeram principalmente a física ma­
temática e, de modo particular, a termodinâmica, a hidrodinâmica, a
elasticidade, a química matemática e a mecânica.
Duhem pode ser considerado muito moderno para seu tempo no
seu método de ataque de um problema: ele começava colocando axio­
mas que eram satisfeitos pelo(s) fenômeno(s) que estava pesquisando e
em seguida estudava em profundidade as consequências dos axiomas
iniciais, deduzindo propriedades do sistema físico, usando matemática
a partir somente dos axiomas iniciais. Ele se opunha, porém, a estudar
problemas matemáticos que não surgissem de problemas físicos.
Duhem escreveu, além disso, artigos da maior importância sobre a
filosofia das ciências. A assim chamada “tese de Quine-Duhem” afirma
que para qualquer conjunto de observações existe um conjunto inume­
rável de explicações. De acordo com essa teoria, a “evidência” empírica
não pode forçar a revisão de uma teoria. {{Temos aqui uma alternativa
ao conhecido critério de “falsificação” de Popper, que permite distinguir
a ciência da falsa ciência}}.
Mas há que acrescentar que Pierre Duhem e Willard Van Orman
Quine afirmaram teses bem diferentes. Duhem afirmava que a teoria
física é fundamentalmente diferente de, por exemplo, fisiologia e alguns
ramos da química. Duhem não incluía, é claro, a lógica e a matemática
no conjunto de ciências às quais se aplicava essa teoria. Afirmava tam­
bém que “uma teoria física [...] é um sistema de proposições matemá­
ticas, deduzida de um pequeno número de princípios, cujo objetivo é
representar um conjunto de leis experimentais tão simplesmente, tão
completamente e tão exatamente quanto possível”.
{{Vale aqui referir a teoria de informação algorítmica, desenvolvida
pelo matemático contemporâneo Gregori Chaitin (pesquisador da IBM
em Nova Iorque), segundo a qual, entre duas teorias que explicam um
certo conjunto de fatos experimentais, a melhor é aquela que pode ser
expressa no menor número de bits. Trata-se, por outras palavras, do
critério de simplicidade, que integra a definição acima de Duhem. Mas
para Chaitin este é o critério para escolher entre duas teorias, o que pare­
ce fazer sentido. Ver, por exemplo, [263], principalmente pp.73ss}}.
Duhem engajou-se em um vigoroso debate com Poincaré sobre a
filosofia da ciência. Do estudo da filosofia da ciência, Duhem foi con­
duzido naturalmente ao estudo da história da ciência. Já em 1895, num
artigo sobre as teorias do calor, se debruçou sobre a história da ciência e
de novo, em artigo sobre a evolução da mecânica. Mas seu trabalho mais
importante nesse tópico foi mostrar que a partir de 1.200 a ciência não
tinha sido ignorada, a Igreja Católica não podendo ser responsabilizada
por impedir trabalhos científicos durante esse período.
D el9 1 3 al9 1 7 começou a publicar uma obra monumental, em dez
volumes, Le système du monde: histoire des doctrines cosmologiques de
Platon à Copernic [265]. Ao contrário de historiadores anteriores, como
Voltaire e Condorcet, que denegriram a Idade Média, Duhem se empe­
nhou em demonstrar que a Igreja Católica tinha apoiado o desenvolvi­
mento científico em um dos seus períodos mais fecundos. Encontrou as
origens da Estática nos trabalhos de Buridanus, Nicole Oresme e Roger
Bacon, cuja sofisticação o surpreendeu. Passou a considerá-los como os
fundadores da ciência moderna, antecipando-se a Galileo. {{Esta tese
é dificilmente defensável pela maioria esmagadora dos cientistas, pelo
que me consta. Embora os princípios da estática, a mais elementar das
partes da física, tivessem sido estabelecidos na Idade Média, a descober­
ta desses princípios não exigiu a abstração física, isto é, isolar, no estudo
de um fenômeno, aquilo que é menos relevante. Este mérito coube in­
discutivelmente a Galileo (n), ao demonstrar a constância da aceleração
da gravidade, utilizando planos suavemente inclinados, para minimizar
o efeito do atrito e da resistência do ar}}.
Ao final de sua vida, foi oferecida a Duhem uma cátedra em Pa­
ris sobre história da ciência e não de física matemática. Ele recusou,
considerando-se um físico matemático e não desejando entrar em Paris,
- algo que ele tinha desejado tanto - pela porta de trás.

Roberto Landell de Moura [374], [375]


Roberto Landell de Moura (1861-1928) foi padre católico e inven­
tor. Nasceu e faleceu em Porto Alegre, RS. Era o quarto filho de uma
família tradicional, com ascendência inglesa, pelo lado da mãe, educado
dentro dos princípios da Igreja Católica. Estudou com o pai, o capitão
Ignácio }osé Ferreira de Moura, as primeiras letras. Sua mãe, com quem
teve grande identidade, chamava-se Sara Marianna Landell de Moura e
teve catorze filhos. Quando já sabia ler e começava a aprender a tabua-
da, Landell de Moura procurava algum meio para não decorar. Tinha
aversão por decorar aquilo que não entendia bem. Na infância ficou im­
pressionado com as manchas da lua, o abatimento moral dos pobres e
as coisas científicas.
O seu pendor pelas ciências se manifestou muito cedo. Aos dezes­
seis anos, um ano depois de ter sido anunciado o invento do telefone
por Graham Bell, construiu um telefone, provavelmente sem nunca ter
visto o aparelho. Em plena puberdade, exibia gosto pelos conceitos filo­
sóficos, pelo estudo da mecânica celeste, pelo estudo das ciências físicas
e químicas. Realizou seus estudos iniciais em Porto Alegre e São Leo­
poldo, antes de seguir para a Escola Politécnica do Rio de janeiro.
Mas desejava ser padre católico e, assim, em 1878 foi para Roma,
morando no Colégio Pio Americano e estudando na Universidade Gre­
goriana. Completou sua formação eclesiástica em Roma, formando-se
em Teologia e sendo ordenado sacerdote em 1886. Ainda em Roma,
iniciou seus estudos mais completos de física e eletricidade. No Brasil
continuou seus estudos como autodidata. Voltou a residir no Rio de Ja­
neiro, no tradicional seminário de São José, na então rua da Ajuda, ao
pé do morro do Castelo.
Substituindo frequentemente o coadjutor do capelão do Paço Impe­
rial, no Rio, manteve longos diálogos científicos com D. Pedro II. Depois
disso, serviu em uma série de cidades do interior de São Paulo. Jayme Leal
Velloso (Jornal da Manhã, de Porto Alegre, de 16/07/1933) testemunha:
“Tendo residido trinta anos no estado de São Paulo, dos quais 25 na ca­
pital, ouvi muitas vezes falar, ali, das experiências realizadas por aquele
ilustre sacerdote (padre Landell), de transmissões de telegrafia e telefonia
sem fio, do alto da avenida Paulista para o alto do bairro de Santana, numa
distância aproximada de uns oito quilômetros em linha reta, fatos esses
ocorridos mais ou menos entre os anos de 1892 a 1894”. Infelizmente não
há documentação da época sobre essas experiências, mas o senhor Ernani
Fornari, um dos biógrafos de Landell, que, com ele privou, afirma no seu
livro O incrível padre Landell de Moura que as primeiras experiências de
transmissão e recepção sem fio efetuadas pelo padre Landell, com pleno
êxito, ocorreram entre os anos de 1893 e 1894.
É importante observar que as datas mostram que Landell se anteci­
pou a Marconi nas radiocomunicações, pois oficialmente consta que o
cientista italiano realizou a sua primeira experiência em 1895 entre dois
pontos distanciados de uma centena de metros. Mais documentada está
a experiência levada a efeito em três de junho de 1900, com a presença
de autoridades, incluindo o cônsul inglês em São Paulo, P. C. P. Lupton,
com a presença da imprensa, onde foi feita a transmissão e recepção de
sinais de voz, no ponto costumeiro que Landell utilizava para as suas
experiências em São Paulo, entre a avenida Paulista (onde hoje estão
as antenas de transmissão de TV) e os altos do bairro de Santana, sen­
do noticiada pelo Jornal do Commercio, de 10/06/1900: “No domingo
passado, no alto de Santana, na cidade de São Paulo, o padre Landell
de Moura fez uma experiência particular com vários aparelhos de sua
invenção. No intuito de demonstrar algumas leis por ele descobertas no
estudo da propagação do som, da luz e da eletricidade através do espa­
ço, as quais foram coroadas de brilhante êxito. Assistiram a esta prova,
entre outras pessoas, Percy Charles Parmenter Lupton, representante do
governo britânico, e sua família.”
Foi pioneiro na transmissão da voz utilizando equipamentos de rá­
dio de sua construção patenteados no Brasil em 1901, e pôsteriormente
nos Estados Unidos em 1904. Landell transmitiu a voz humana por meio
de dois veículos: o primeiro, um transmissor de ondas que utilizava um
microfone eletromecânico de sua invenção, que recolhia as ondas sono­
ras através de uma câmara de ressonância onde um diafragma metálico
abria e fechava o circuito do primário de uma bobina de Ruhmkorff, e
induzia no secundário dessa bobina uma alta tensão que era irradiada
ou através de uma antena ou de duas esferas centelhadoras. A detec­
ção era feita por dispositivos que foram sendo melhorados ao longo do
tempo. O segundo meio utilizado pelo cientista era através do aparelho
de telefone sem fio, que utilizava a luz como uma onda portadora da
informação de áudio. Nesse aparelho as variações das pressões acústicas
da voz do locutor eram transformadas em variações de intensidade de
luz, de acordo com a onda de voz, que eram captadas em seu destino por
uma superfície parabólica espelhada em cujo foco havia um dispositivo
cuja resistência elétrica variava segundo as modificações da intensidade
de luz. No circuito de detecção havia apenas o dispositivo fotossensível,
uma chave, um par de fones de ouvido e uma bateria. Por utilizar a luz
como meio de transporte de informação Landell é considerado um dos
precursores das fibras óticas.
Em 1903, Artur Dias, em seu livro Brasil Actual, faz referência a
Landell de Moura, descrevendo, entre outras situações, a seguinte:

Logo que chegou a S. Paulo, em 1893, começou a fazer experiências


preliminares, no intuito de conseguir o seu intento de transmitir a voz
humana a uma distância de 8, 10 ou 12 km, sem necessidade de fios
metálicos. Após alguns meses de penosos trabalhos, obteve excelentes
resultados com um dos aparelhos construídos.
O telefone sem fios é reputado a mais importante das descobertas do
padre Landell, e as diversas experiências por ele realizadas na presença
do vice-cônsul inglês de S. Paulo, Sr. Percy Charles Parmenter Lupton, e
de outras pessoas de elevada posição social, foram tão brilhantes que o
Dr. Rodrigues Botet, ao dar notícias desses ensaios, disse não estar longe
o momento da sagração do padre Landell como autor de descobertas
maravilhosas.

Incompreensão e descaso do Brasil. O êxito das experiências do pa­


dre Landell não tiverem acolhida pela imprensa e autoridades brasilei­
ras da época, conforme se verifica em reportagem publicada no jornal
La Voz de Espana (editado em São Paulo), de 16/12/1900, em que diz:
“Quantas e que amargas decepções experimentou Padre Landell ao ver
que o governo e a imprensa de seu país, em lugar de o alentarem com
aplauso, incentivando-o a prosseguir na carreira triunfal, fizeram pouco
ou nenhum caso de seus notáveis inventos”.
Estava em Campinas quando, numa tarde, ao retornar da visita
a um doente, encontrou a porta da casa paroquial arrebentada e seu
laboratório e instrumentos completamente destruídos. Visto por uma
população ignorante como “herege”, “impostor”, “feiticeiro perigoso”,
“louco”, “bruxo” e “padre renegado” por seus experimentos envolvendo
transmissões de rádio dois dias antes em São Paulo, pagou com sofri­
mento, isolamento e indiferença sua posição de absoluto vanguardismo
científico. Em junho de 1900, por carta, Landell de Moura doou seus
inventos ao governo britânico, como registrou em pesquisa para douto­
rado na USP, em 1999, o historiador da ciência Francisco Assis de Quei­
roz. O assistente do presidente, no entanto, preferiu interpretá-lo como
um “maluco” e o pedido foi negado. Na Itália, quando fez um pedido
semelhante, Marconi teve toda a esquadra à disposição.
Landell só conseguiria realizar demonstrações públicas de seu in­
vento com navios da marinha em 1905 e mesmo assim não conseguiu fi­
nanciamento privado ou governamental para continuar suas pesquisas,
nem para construir equipamentos de rádio em escala industrial.
Patente brasileira e estadunidense: Landell de Moura, em 9/3/1901,
obteve para seus inventos a patente brasileira número 3.279, meses de­
pois seguiu para os Estados Unidos, e em 4/10/1901 deu entrada no Pa-
tent Office of Washington, D.C., pedindo privilégio para suas invenções,
tendo obtido, em 11/10/1904 a patente 771.917 para um transmissor
de ondas; a 22/11/1904 a patente 775.337 para um telefone sem fio e a
775.846 para um telégrafo sem fio.
Seu trabalho foi notícia em 12/12/1902, no jornal americano The
New York Herald, em reportagem sobre experiências desenvolvidas na
época, inclusive por cientistas americanos, alemães, ingleses dentre
outros, na transmissão de sons sem uso de aparelhos com fio. Ressalta
o jornal: “Entre os cientistas, o brasileiro Padre Landell de Moura é
muito pouco conhecido. Poucos deles têm dado atenção aos seus tí­
tulos para ser o pioneiro nesse ramo de investigações elétricas. Mas,
antes de Brigton e Ruhmer, o padre Landell, após anos de experimen­
tação, conseguiu obter uma patente brasileira para sua invenção, que
ele chamou de Gouradphone.”
O jornal publica uma ampla reportagem sobre Landell de Moura, sua
vida e obra, completada por uma fotografia do padre, intitulada “Padre
Landell de Moura: inventor do telefone sem fio”. Vale notar o que escreveu
o jornalista americano: “Eu o achei um gentleman de cerca de quarenta
anos de idade, esbelto e seco de corpo, inteligência viva e entusiástica.
Estava perfeitamente habilitado para falar acerca do seu invento, ao qual
dedicou toda a sua vida. O seu primeiro pensamento é para a religião, o
segundo para a ciência.” “Quero mostrar ao mundo - dizia-me - que a
Igreja Católica não é inimiga da ciência e do progresso humano. Indiví­
duos na Igreja podem neste ou naquele caso estar opostos à luz, porém
eles cegam a verdade católica. Eu mesmo tenho-me encontrado em oposi­
ção com os meus queridos crentes. No Brasil, uma multidão supersticiosa
acusava-me de participante com o diabo, interromperam os meus estudos
e quebraram os meus aparelhos. Todos os meus amigos de educação e
inteligência, dentro ou fora das ordens santas, olhavam as minhas teorias
como contrárias à ciência. Conheci o que é sentir como Galileo (□) para
gritar: “Eppur si muove” (“E, no entanto, se move”, frase atribuida a Gali­
leo após a sentença de condenação pela Inquisição). Quando todos eram
contra mim, simplesmente pus-me de pé sobre o solo e disse: “Isto é as­
sim, isto não pode ser de outro modo”. O padre Landell explicou que não
lhe era possível dar os detalhes concernentes às suas teorias e invenção tão
longamente quanto foi pedido para as patentes.
Nos Estados Unidos o padre Landell adoeceu e passou um tempo
em Cuba para fazer tratamento de uma pneumonia. Landell se endivi­
dou nos Estados Unidos e chegou a dever a um amigo, Daniel Tamagno,
a quantia de quatro mil dólares que só conseguiu pagar muitos anos
mais tarde quando de volta ao Brasil. Consta que foi proibido de ofi­
ciar, por razões ocultas. Esse foi um duro golpe, um duríssimo sacrifício,
para quem a religião estava em primeiro lugar.
Retornando ao Brasil, ao ter requisitado do presidente da Repú­
blica Rodrigues Alves, já com suas patentes conseguidas no U.S. Patent
Office ( Wireless Telephone, Wave Transmitter e Wireless Telegraph),
dois navios para fazer a demonstração dos seus aparelhos, o enviado
do presidente quis saber de Landell qual a distância que os navios de­
veríam guardar um do outro: “quantas milhas, reverendo?”. Respon­
deu o cientista: “As que quiserem ou puderem”, afirmou com decisão
e acrescentou: “Os meus aparelhos podem estabelecer comunicação
com quaisquer pontos da terra, por mais afastados que estejam uns
dos outros. Isto, presentemente, porque futuramente servirão até mes­
mo para comunicações interplanetárias.”
Naturalmente que a ingenuidade de Landell, ao acreditar que o en­
viado do presidente pudesse compreendê-lo nas suas palavras, custou-
lhe muitíssimo caro: o enviado retornou com a sentença já feita: “Imagi­
ne, presidente, o homem é totalmente louco. Disse que os seus aparelhos
poderão se prestar para comunicações com outros mundos”, e foi-lhe
negado o pedido.
{{Padre Landell de Moura era um intuitivo. De acordo com [375],
ele enunciou o seguinte princípio: “Todo movimento vibratório que até
hoje, como no futuro, pode ser transmitido através de um condutor po­
derá ser transmitido através de um feixe luminoso; e, por esse mesmo
fato, poderá ser também transmitido sem o concurso desse agente.” E
outro, também enunciado em Campinas: “Todo movimento vibratório
tende a transmitir-se na razão direta de sua intensidade, constância e
uniformidade dos seus valores ondulatórios e na razão inversa dos obs­
táculos que se opuserem à sua marcha e produção.” Depois disso enun­
ciou um postulado maior: “Dai-me um movimento vibratório tão ex­
tenso quanto a distância que nos separa dessas outras terras que rolam
sobre as nossas cabeças, ou sob nossos pés, e eu farei chegar a minha voz
até lá.” Esses “princípios” foram enunciados sem uma demonstração,
pelo que consta da bibliografia consultada. E são formulados de modo
impreciso para a ciência de seu tempo. Que significa, por exemplo, “va­
lores ondulatórios”? A que tipo de “obstáculos” se refere? Parece que ele
desconhecia os resultados obtidos por Faraday (□) e sua matematização
por Maxwell (□), através das quatro equações que regem o comporta­
mento das ondas eletromagnéticas e, como caso particular, a luz.
Ao afirmar ao emissário do presidente Rodrigues Alves que pode­
ría transmitir seus sinais a qualquer distância da Terra, parecia se esque­
cer da esfericidade da Terra; a rigor, ele só tinha transmitido seus sinais
dentro do horizonte visível}}.
Demonstração dos inventos em 1984: em 7/9/1984, em Porto Alegre,
foi feita uma demonstração pública utilizando-se um rádio montado com
os mesmos materiais usados à época por Landell de Moura, tendo sido
transmitidas algumas palavras pronunciadas pelo então governador do
Estado. O CPqD (Centro de Pesquisas e Desenvolvimento) criado pela
Telebrás em 1976 recebeu o nome de “Roberto Landell de Moura”.

Whitehead [205], [208], [209]


Alfred North Whitehead (1861-1947), matemático inglês que se
tornou filósofo, foi renomado pesquisador, principalmente no que diz
respeito aos fundamentos da matemática. Escreveu, juntamente com
Bertrand Russell, o famoso Principia Mathematica, em três volumes. Es­
creveu sobre álgebra, lógica, fundamentos da matemática, filosofia das
ciências, física, metafísica e educação.
Fez os cursos fundamentais na Sherborne School, considerada en­
tão uma das melhores do país. Na escola destacou-se em esportes e ma­
temática, além de ser o “prefeito” de sua classe. Entrou no Trinity Colle-
ge, Cambridge, em 1880 com uma bolsa para estudar matemática. Eleito
fellow do Trinity College quatro anos depois. Casou-se com Evely Wade
em 1891, com a qual teve uma filha e dois filhos, um dos quais morrería
na Primeira Guerra Mundial.
Sua vida como scholar costuma ser dividida em três períodos. O
primeiro, em Cambridge, de 1884 a 1910, no qual atuou principalmente
em matemática e lógica; foi nesse período que colaborou intelectual­
mente com Bertrand Russell, a partir de 1890, quando Russell entrou
em Cambridge. Russell se referia a ele como um professor “extraordi­
nariamente perfeito”. Foi eleito fellow da Royal Society em 1903, como
reconhecimento de seu trabalho em álgebra. Escrever a obra conjunta
Principia Mathematica, que eles esperavam que durasse um ano, tomou-
lhes toda uma década.
O segundo período, que vai de 1910 a 1924, corresponde ao seu
tempo em Londres, para onde foi como docente do University College,
sendo depois escolhido para professor de matemática aplicada no Im­
perial College of Science and Technology. Nesse período, Whitehead se
concentrou especialmente, mas não exclusivamente, em problemas de
filosofia das ciências e filosofia da educação. Além da matemática, Whi­
tehead teve sempre um grande interesse pela física, sua dissertação para
afellowship em Cambridge tendo sido sobre a teoria eletromagnética de
Maxwell. Mas sua atitude tanto com relação à matemática quanto com
relação à física foi sempre mais filosófica do que puramente científica,
isto é, mais interessado pelos objetivos e natureza dessas ciências do que
seus resultados particulares e paradigmas. Em física, Whitehead chegou
a articular uma teoria rival à teoria da relatividade geral de Einstein,
mas que foi desacreditada porque previa uma variação na constante gra-
vitacional G, o que não foi confirmado experimentalmente.
O terceiro período, na Universidade de Harvard, nos Estados Uni­
dos, a partir de 1924, quando foi contratado como professor de filoso­
fia. Tendo sido aluno de matemática e física quando jovem, costumava
brincar dizendo que a primeira aula de filosofia que assistiu foi a que ele
mesmo deu em Harvard. Nesse período atuou nos temas mais gerais da
filosofia, incluindo um sistema metafísico completo, que passou a ser
denominado de “filosofia do processo”. Eleito para a Academia Britânica
em 1931. Aposentou-se em Harvard em 1937, mas ficou nos Estados
Unidos. Recebeu a Ordem do Mérito (Estados Unidos) em 1945. No seu
testamento, Whitehead determinou, estranhamente, que todos seus ar­
tigos em posse da família fossem destruídos. Como consequência, não
há uma edição crítica de suas obras.
Whitehead foi sempre interessado em teologia, sua família sendo
firmemente anglicana: seu pai e seus tios eram vigários e seu irmão seria
bispo de Masdras, na fndia. Talvez influenciado por sua esposa e pelos
escritos do cardeal Newman, Whitehead se inclinou para o catolicismo.
Antes da Primeira Guerra Mundial ele se considerava agnóstico. Mais
tarde, voltaria para a religião, mas sem se afiliar a alguma Igreja. Um dos
seus textos, Process and Reality [210], resultado de uma Giíford Lecture
em 1927, tornou-se famoso pela defesa do teísmo.
Num texto muito interessante, resultado de conferências em Bos­
ton e editado como livro, Religion in the making [205], Whitehead afir­
ma que “o propósito [do texto] é considerar o tipo de justificativa que é
accessível para se crer nas doutrinas religiosas”. (Não estou citando pá­
ginas porque minha leitura foi feita através do site indicado). “Este é um
problema que oferece novos desafios a cada geração, pois é uma peculia­
ridade da religião que a humanidade está sempre mudando sua atitude
com relação a ela.” O texto, um clássico, oferece uma análise concisa dos
diversos fatores na natureza humana que levam à formação da religião.
De uma maneira ou de outra, diz ele, a “justificação” (“salvação”) é a
base de toda religião. No seu aspecto doutrinai, a religião é um conjunto
de verdades gerais que têm o efeito de transformar o caráter, na medida
em que são vividas com sinceridade.
As grandes religiões, diz ele, são o resultado de uma consciência
religiosa, que é universal e não somente tribal, ou mesmo social. Porque
é universal, ela introduz a nota distintiva de solidão. “Se você nunca
é solitário, diz ele, então você nunca é religioso.” {{Vale aqui referir a
reclamação recente da nossa grande poetisa, católica praticante, Adélia
Prado, que em certas missas atualmente não há um único momento de
silêncio}}. Continua Whitehead: “Entusiasmos coletivos, revivais, insti­
tuições, igrejas, rituais, bíblias, códigos de comportamento, são as arma­
dilhas da religião, suas formas passageiras.”
“Religião é o que o indivíduo faz com sua solidão. A relação entre
universalidade e solidão é que a universalidade é a desconexão com o
entorno imediato, é o esforço para encontrar algo permanente e inteligí­
vel para interpretar a confusão produzida pelos detalhes. Este elemento
de distanciamento nas religiões é mais nítido nas grandes religiões.” “A
religião não é necessariamente boa, ela pode ser má. [...]. Na sua experiên­
cia, o Deus com o qual você se relaciona pode ser o Deus da destruição
[...]. O ponto importante [da religião] é sua transcendência, o fato desta
importância sendo comprovado abundantemente na história.”
A religião, tal como aparece na história, explica ele, exibe quatro
aspectos: ritual, emocional, crença e racionalização, que foram apare­
cendo, nesta ordem, ao longo dos tempos. Somente quando a crença
e a racionalização estão bem estabelecidas é que aparece o apelo à so­
lidão. Efetivamente, as grandes religiões que apreendem a imaginação
da civilização têm no seu centro a solidão: a de Maomé, no deserto, as
meditações de Buda e, na expressão de Whitehead, “o Homem solitá­
rio na Cruz”. “Faz parte do espírito religioso mais profundo o sentir-se
abandonado, mesmo por Deus.”
{{A este propósito, as palavras de Cristo na cruz: “Meu Deus, meu
Deus, por que me abandonaste?” (Mt. 27,46). E acrescente-se também
os numerosos tempos de oração de Cristo, segundo o relato dos Evan­
gelhos e, mais ainda, sua vida oculta, tempo de solidão e oração, isto é,
antes dos trinta anos, durante a qual Ele “devia se ocupar das coisas do
seu Pai”(Lc 2,49). Vale observar também o que já foi dito antes, comen­
tando frase de Einstein (□): na mística apofática, na qual se afirma que
o que se sabe a respeito de Deus é o que Ele não é, a “noite escura” (São
João da Cruz) é elemento fundamental. Ver a respeito, por exemplo, o
testemunho de madre Teresa de Calcutá, que se sentiu abandonada e
rejeitada por Deus, justamente quando ela mais se dedicava ao serviço
de Deus junto aos mais pobres dentre os pobres, uma “noite escura” que
durou cinquenta anos: a narração deste seu “calvário” está no belíssimo
livro Come be my light [206]}}.
Segundo Whitehead, a Bíblia é, de longe, a mais completa reali­
zação do ingresso do racionalismo na religião; primeiro, pensamentos
prevalentes, depois profetas que denunciavam, a seguir um homem
com doze discípulos, que foi rejeitado do ponto de vista nacional quase
completamente, seguida de uma adaptação da doutrina por um outro
homem [São Paulo],
Para Whitehead, as doutrinas da religião racional desejam ser a
metafísica que pode ser derivada das experiências supernormais da
humanidade nas suas melhores intuições. Segundo ele, “o Cristianismo
sempre foi uma Religião à procura de uma Metafísica, enquanto que o
Budismo tem sido uma Metafísica à procura de uma Religião. Assim,
no Sermão da Montanha, nas parábolas e nas narrativas sobre Cristo, os
Evangelhos exibem um tremendo fato. O Buda, pelo contrário, deixou
uma doutrina, os fatos históricos sobre ele sendo subsidiários à doutri­
na. A vida de Cristo não é uma exibição de poder. [...]. Seu poder consis­
te na ausência de força. [Trata-se de] um ideal supremo e é por isto que
a história da humanidade é dividida pela sua [a.C. e d.C.]”.
Os dogmas da religião são tentativas de formular em termos pre­
cisos as verdades reveladas pela experiência religiosa da humanidade,
do mesmo modo que os dogmas da física são tentativas de formular em
termos precisos as verdades descobertas nas experiências sensoriais da
humanidade”.
Whitehead afirma que

a única prova possível [de Deus] parece ser a ‘prova ontológicá proposta
por Santo Anselmo e revista por Descartes (□ ) {{e revisitada de novo
por Leibniz (□ ), que a aprofundou e formalizou mais}}. De acordo com
essa prova, o mero conceito de Deus nos permite inferir sua existên­
cia. A maioria dos teólogos e filósofos rejeita esta prova [...]. Qualquer
prova que comece com a consideração sobre a natureza deste mundo
não pode ir além desta mesma natureza. [...]. Por outras palavras, ela
pode descobrir um Deus imanente, mas não um Deus transcendente. A
dificuldade pode ser posta deste modo: considerando o mundo [...] nós
não podemos descobrir algo não incluído na sua [do mundo] totalidade
e que seja a sua explicação.

{{Ao mencionar a prova ontológica como a única possível de


Deus, Whitehead exclui, sem mencioná-las, as famosas “cinco vias” de
São Tomás de Aquino. Não é possível que não as conhecesse, ficando
claro que as rejeita e, aliás, o argumento transcrito acima é justamente
uma refutação dos argumentos do “Doutor Angélico”, segundo o qual,
a partir das coisas criadas, chega à existência de Deus. A afirmação de­
cisiva do seu argumento é repetido: “Qualquer prova que comece com
a consideração sobre a natureza deste mundo não pode ir além desta
mesma natureza”. Ora, esse argumento faz todo sentido em termos
físicos, mas não necessariamente, a meu ver, do ponto de vista metafí­
sico. Resumamos o argumento de São Tomás de Aquino em duas das
suas cinco vias: se existe A, ele tem uma causa, chamemo-la de B, o
qual tem uma causa C etc. E o ponto decisivo é que esse processo não
pode ir ao infinito, isto é, não é possível haver uma sequência infini­
ta de causas, esta seria uma não-explicação. Então é necessária uma
Causa primeira que não seja efeito de nenhuma outra. Há aqui um
“salto” metafísico, rejeitado provavelmente pelas filosofias dominantes
atualmente. Mas o ponto é que se se rejeita este salto metafísico, o
universo fica sem explicação. Rejeitar apriori uma explicação racional
é o que Lonergan chama de oversight [190]. Se se rejeita a priori uma
explicação racional, como se justificaria a ciência? Alguém negaria
que esse salto seja algo racional. Então, a meu ver, tem que rejeitar
toda a metafísica. Explorar a analogia até suas últimas consequências,
estudar o ser em toda a sua latitude, isto é metafísica. Pode-se apelar
também para o princípio de razão suficiente, bastante explorado por
Leibniz (□): se uma coisa existe, tem que haver uma razão suficiente
para a sua existência e, de novo, a sequência de razões suficientes não
pode ser infinita, esta seria uma não-explicação. Então tem que haver
uma Razão suficiente primeira, que é razão suficiente dela mesma, de
novo, um “salto” metafísico}}.
Mais adiante, falando sobre Deus, ele diz: “O mundo moderno per­
deu Deus e o está procurando.” Em seguida, mostra algumas contradições
nos escritos da Bíblia, como por exemplo, “O temor do Senhor é o começo
da Sabedoria” (Proverb., 1,7) e por outro lado, “Deus é amor” (1 Jo. 4,8).
{{Nesse ponto, como em outros, Whitehead parece não conside­
rar aquilo que se chama “evolução objetiva do dogma” na História da
Salvação, algo que é familiar para os católicos, mas nada familiar, fre­
quentemente, para os protestantes e também não, por influência dos úl­
timos, entre os anglicanos, de onde Whitehead, inglês, deve ter recebido
maior influência. Ao estudar a história do dogma, o grande John Henry
Newman, anglicano do século XIX, percebeu a evolução do mesmo ao
longo de toda a história da salvação e converteu-se ao catolicismo. Um
é o Deus do Antigo e do Novo Testamento, mas a sua compreensão,
por parte dos judeus, primeiro, e depois dos cristãos, evoluiu ao longo
do tempo tornando-se, aliás, sempre mais “refinada”. Como dito acima,
Whitehead inclinou-se simpaticamente, durante certa fase de sua vida,
para o catolicismo, por influência de Newman. Portanto, parece estra­
nho que se lhe tenha escapado, aparentemente, esse ponto central na
conversão de Newman.}}.
E mais adiante: “Se o mundo moderno vai encontrar Deus, será
através do amor e não através do temor, com a ajuda de João, e não de
Paulo.” {{Aqui de novo, com todo respeito, devo discordar com relação
ao final dessa frase. Não há que opor João a Paulo. O mesmo Paulo dizia,
entre muitas outras passagens: “Deus rico em misericórdia, pelo grande
amor que teve por nós” (Ef 2,4), “...onde abundou o pecado, supera-
bundou a graça...”(Rom 5,20). Mas é certo que ao longo da história do
cristianismo, dependendo do país, do tempo e da cultura local, tem-se
sublinhado muito o temor de Deus e pouco o amor, a misericórdia}}.
No capítulo seguinte, o terceiro, “Body and Spirit”, Whitehead faz
a seguinte consideração: “A religião precisa de um apoio da metafísica,
porque sua autoridade é ameaçada pelas emoções por ela geradas. Tais
emoções são a evidência de uma experiência viva, mas são uma garan­
tia muito precária da sua interpretação correta. Portanto, a crítica desa­
paixonada da fé religiosa é necessária acima de tudo. Os fundamentos
do dogma devem se apoiar sobre uma metafísica racional que critique
os significados [deles...]. Quando a religião para de se aprofundar, na
busca da clareza [de idéias], ela está revertendo às suas formas inferio­
res.” {{Essas palavras de Whitehead me parecem de uma atualidade im­
pressionante, haja vista às extravagâncias de tantos movimentos de tipo
“pentecostal” dentro do cristianismo...}}.
Nesse mesmo capítulo uma seção se denomina: “A contribuição da
Religião para a Metafísica”. Diz ele: “Na medida em que confiamos na ob­
jetividade das intuições religiosas, temos que afirmar que as [respectivas]
doutrinas metafísicas são bem fundadas”. Mais adiante: “Mas se Deus é
uma entidade atual [isto é, real] que entra em toda fase criativa e não
muda, Ele deve ser imune de inconsistência interna, que é a característica
do mal. Se Deus é atual, ele deve incluir em si mesmo uma síntese de todo
o universo, [...] assim Ele é isento de toda mudança em algo distinto...”
“[Minha] linha de pensamento, diz ele, é uma extensão do argumen­
to de Kant. Ele viu a necessidade de Deus na ordem moral. Mas com sua
metafísica rejeitou o argumento [da prova da existência de Deus] a partir
do universo. A doutrina metafísica aqui exposta encontra o fundamento
do mundo na experiência estética, e não, como em Kant, na experiência
cognitiva. Toda ordem, portanto, é estética, e a ordem moral é apenas um
aspecto da ordem estética. O mundo atual é resultado da ordem estética e
a ordem estética é resultado da imanência de Deus”.
{{De acordo com a doutrina cristã, mais elaborada, creio, no cato­
licismo, Deus é transcendente e imanente ao mundo. O primeiro termo
quer dizer que seu Ser é distinto do mundo, independe do mundo, exis­
tindo necessariamente, mesmo que o mundo não existisse. Mas Deus
está presente no mundo. E seria mais apropriado dizer que o mundo
está em Deus. Outra é a posição dos panteístas, o mais ilustre deles teria
sido possivelmente Spinoza, o “guru” de Einstein (□). Para eles, o m un­
do se identifica com Deus}}.
“Não existe ser, nem mesmo Deus, que não requeira nada, além de
si mesmo, para existir. De acordo com a doutrina desta [minha] exposi­
ção, todo ser é na sua essência social [...]. Efetivamente, a sociedade para
cada ser, atual ou ideal, é o universo na sua totalidade, incluídas as suas
formas ideais [no sentido platônico].”
Mas, por outro lado, ele afirma adiante que na sua doutrina o úni­
co ser a respeito do qual se pode afirmar a espiritualidade e imortali­
dade é Deus. E afirma também que não há razão para que não se de­
cida esta questão (espiritualidade e imortalidade de outros seres, além
de Deus) em outros níveis, como por exemplo, o religioso, supondo
que ele seja confiável.
E termina esse terceiro capítulo com essas belas palavras:

A ordem do mundo não é um acidente. Não há nada atual, que não po­
dería sê-lo sem alguma medida de ordem. A intuição ( insight) religiosa
é o tomar consciência desta verdade: a ordem do mundo, a realidade da
profundidade do mundo, o valor do mundo no seu todo e nas suas par­
tes, a beleza do mundo, o gosto pela vida, a paz da mesma e o domínio
sobre o mal, tudo isto está ligado, não acidentalmente, mas pelo seguin­
te fato: o universo exibe uma criatividade com liberdade infinita e um
conjunto de formas com possibilidades infinitas; mas esta criatividade e
estas formas são incapazes de serem atuais separadas da harmonia ideal,
que é Deus.

No capítulo seguinte, o quarto, ele diz:

A religião começa a partir da generalização de verdades [...] percebidas


em situações particulares. Estas verdades em conjunto formam um sis­
tema coerente e são aplicadas à interpretação da vida. Elas permanecem
ou são deixadas de lado, como outras verdades, de acordo com o seu
sucesso nesta interpretação. O caráter peculiar da verdade religiosa é
que ela lida especialmente com valores. [...]. Ela provê um sentido, em
termos de valores, para a nossa existência, um sentido que decorre da
natureza das coisas. [...] há certos estados emocionais que são mais favo­
ráveis para concentração em tópicos de interesse religioso, assim como
há outros estados que facilitam a apreensão de verdades matemáticas.

E mais adiante:

Não é verdade, porém, que a apreensão de uma verdade geral depen­


da da sua expressão verbal exata [...]. Por exemplo, [...] Newton (□) e
Leibniz (□) introduziram o calculo diferencial e integral, que foi o fun­
damento da física e matemática modernas. Mas as noções matemáti­
cas envolvidas só receberam uma formulação verbal adequada depois
de 250 anos. [Por outro lado] [...] uma formulação unilateral pode ser
verdadeira, mas pode ter o efeito de uma mentira pela distorção produ­
zida pela ênfase [...]. Assim, um zelo desbalanceado na propagação do
dogma [religioso] testemunha uma certa falta de sensibilidade estética.
Mostra uma certa indiferença - devida talvez à arrogância, talvez à pres­
sa, talvez à mera ignorância - ao fato que outros possam desejar mais
equilíbrio nas formulações [...]. Um dogma é a expressão de um fato, tal
como ele aparece dentro de uma certa esfera de pensamento. Você não
pode explicar um dogma, simplesmente traduzindo suas palavras. [...]
Tomemos um exemplo óbvio: ‘Paternidade de Deus’ é uma expressão
que tinha um sentido na primeira república romana, rigorosa, e outra,
terna, para um cristão atual dos Estados Unidos.
Whitehead se estende no tratamento do assunto, sempre profun­
do. Termino aqui suas citações, posto que sua análise, bastante longa,
desborda para o estudo de outros conceitos, como “sacramento” (de­
finido de forma diferente dos católicos e também dos anglicanos), a
relação entre experiência e expressão, a comparação do Cristianismo
com o Budismo etc.

Bragg [219], [246], [249], [404]


William Henry Bragg (1862-1941), prêmio Nobel de física em
1915, nasceu em Cumberland, Inglaterra, o filho mais velho de três. Seu
pai foi oficial da marinha e sua mãe faleceu quando ele tinha apenas
sete anos. A partir de então, viveu com seu tio, um químico, dono de
uma farmácia e que haveria de ter grande influência sobre ele. Ingressou
na Universidade de Cambridge, obcecado que era com a matemática.
Terminados seus estudos de matemática, voltou sua atenção para a físi­
ca, trabalhando no Cavendish Laboratory em 1885. Ao final desse ano
foi escolhido para professor de matemática e física na Universidade de
Adelaide na Austrália. O contrato foi estabelecido em uma semana, e
em três semanas ele estava lá.
Adaptou-se perfeitamente à nova vida, casando-se em 1889 com
Gwendoline. Foi, ao que tudo indica, um casamento feliz, tendo tido
dois filhos e uma filha. Seu primeiro filho, William Lawrence, rece­
bería o prêmio Nobel junto com o pai em 1915. William H. Bragg
tornou-se um professor de física muito estimado na Universidade de
Adelaide, ocupando-se com o ensino, a administração da Universida­
de, a reforma educacional, a vida da universidade, a vida de família,
jogando golfe, tênis e participando ativamente da igreja (episcopal,
ramo da Igreja Anglicana), inclusive como churchwarden (um leigo
na Igreja Anglicana com múltiplas funções) da Igreja de St. John em
Adelaide.
A respeito de sua fé, sua filha escreveu:

A leitura da Bíblia era obrigatória. [Ele] costumava dizer: ‘Se eu tenho


algum estilo para escrever, isto se deve ao fato de que eu fui educado
com [a leitura] da Tradução Autorizada [da Bíblia].’ Ele conhecia a Bí­
blia e era capaz de citar capítulo e versículo, [...] tendo obtido permissão
para pregar [na Igreja] ([247], pp. 161-163, apud [249]).

Nessa época William ainda não pensava em fazer carreira como


pesquisador, deleitando-se nas suas atividades, dando conferências so­
bre física de modo a se fazer entender pelo grande público com lingua­
gem simples e exemplos engenhosos. Na virada do século ele estava com
38 anos, tendo gasto quinze anos nas atividades acima mencionadas,
mas mantinha-se a par das novas descobertas de física. Interessou-se de
modo especial pelos raios-X, recém-descobertos por Rõntgen.
Em 1904, tendo que dar uma palestra na Nova Zelândia na quali­
dade de presidente da Seção de Física da Associação Australiana para
o Avanço da Ciência, tomou conhecimento das descobertas de Marie
Curie sobre o radium e verificou que no artigo de Madame Curie havia
a possibilidade de uma outra interpretação do resultado. Aí começava a
vida de William H. Bragg como pesquisador.
Escreveu a Ernst Rutherford, que ele tinha conhecido em Adelai­
de em 1895, tornando-se amigos, pedindo conselhos e para discutir os
resultados que tinha obtido. Em 1907 Bragg foi eleito fellow da Royal
Society. Em 1909, bastante a contragosto, ele deixou sua querida cida­
de de Adelaide para aceitar uma posição na Universidade de Leeds, na
Inglaterra, em função da sua atividade de pesquisa. Seu filho, William
Lawrence Bragg, conhecido como Lawrence, havia se graduado na Uni­
versidade de Adelaide e ingressou na Universidade de Cambridge.
Iniciava-se uma nova fase da família Bragg. Leeds foi um choque
para Bragg e sua família, que não conhecia o tempo frio e cinzento da In­
glaterra, a pobreza, a sujeira, a fumaça. E a Igreja, que tinha sido parte im­
portante na alegria da família, era tão diferente, tão “dura”. De acordo com
o testemunho de sua filha ([247], p.165, apud [246]), “nunca mais, após
seu retorno de Adelaide, meu pai teve qualquer atividade na Igreja; ele se
sentiu cada vez mais distante da religião organizada. A incompreensão da
Igreja com relação ao ponto de vista científico o entristecia muito”.
A vida na Universidade também foi um ponto difícil para Bragg.
Com efeito, em Adelaide ele era o único físico eminente e gozava de
um público que o “adorava”. Na sua nova Universidade, ele não era mais
o ator principal, tendo inclusive que se ajustar a uma série de regras,
hierarquias e tradições. Suas aulas não iam bem e Bragg perdeu sua au-
toestima. Durante três anos suas pesquisas pararam. Mas se agarrou de­
sesperadamente a uma teoria corpuscular dos raios-X.
Em 1912, seu filho, Lawrence Bragg, graduou-se em Cambridge
e, a partir daí, pai e filho começaram a pesquisar juntos os raios-X e a
estrutura cristalina. Esse foi o início dos trabalhos que lhes outorgaria
o Prêmio Nobel de Física em 1915. No mesmo ano, William Bragg
deixou a Universidade de Leeds para ocupar uma posição de professor
(titular) de física da University College, em Londres, posição que ele
manteve até 1923. Durante a Primeira Guerra Mundial, ficou encarre­
gado da pesquisa de detecção e medida dos sons debaixo d’água, em
conexão com a detecção de submarinos. Seu filho Bob morreu durante
a guerra, em combate.
William Bragg foi feito Sir em 1920. Sua muito querida esposa fa­
leceu em 1929. Ele recebeu a Ordem do Mérito em 1931, foi diretor da
Royal Institution; presidente da Royal Society de 1935 a 1940. Recebeu
também as medalhas Matteuci, Rumford e Copley. Bom pai, William
Bragg ficava muito preocupado que seu filho Lawrence vivesse à sua
sombra, tendo grande contentamento quando seu filho foi feito Sir.
Ele escreveu para sua cunhada em 1941: “Você lerá nos jornais que
Willie [William Lawrence] é Sir. Não é ótimo? [...] Ele terá que ser
chamado Sir Lawrence [para evitar confusão de nomes]. Eu estou tão
feliz por ele. [...] as pessoas misturam nossos nomes, frequentemente
atribuindo a mim o mérito em ocasiões em que ele deveria tê-lo...”
([247], p. 177, apud [246]).
Alguns dos seus pensamentos sobre matéria religiosa: “O manda­
mento de Cristo e seu exemplo mostram que Deus é nosso Pai e nós,
seus filhos, somos uma sociedade governada pelo amor” ([404], p.20).
“Nós confiamos que esta vida é uma preparação, não uma provação fi­
nal” ([404], p.21). “Da religião provém o sentido [da vida] de um ho­
mem; da ciência, o poder de atingi-lo” (id.) Ele identificava dois “tristes
enganos” nos debates ciência/religião: “O primeiro é supor que a ciên­
cia, isto é, o estudo da natureza, conduz ao materialismo e o outro é
[supor] que a adoração de Deus pode ser feita prescindindo do que a
ciência provê” (id.). Sua filha Gwendolen Mary escreveu que “a fé reli­
giosa dele [seu pai] consistia na decisão de apostar todo o seu ser que
Cristo estava certo e testar isto através da experiência da caridade uma
vida inteira” (id.).

Millikan [258], [259], [404]


Robert Andrew Millikan (1868-1953), prêmio Nobel de física em
1923, nasceu em Morrison, IL (EUA), segundo filho do reverendo Silas
Franklin Millikan e Mary Jane Andrews. Passou sua infância num meio
rural, cursando a high school (ensino médio, na denominação atual no
Brasil) no Estado de Iowa. Ingressou no Berlim College em Ohio em
1886; durante seu curso de graduação, seus assuntos prediletos eram
grego e matemática. Após sua graduação em 1891 ensinou física ele­
mentar e foi a partir daí que se entusiasmou pelo assunto no qual se
tornaria eminente.
Em 1893, após seu mestrado em física, foi contratado como fellow
na Columbia University, obtendo aí seu Ph.D. em 1895, com uma
tese sobre polarização da luz emitida por superfícies incandescentes.
Aconselhado por seus professores, passou um ano na Alemanha, nas
Universidades de Berlim e Gôttingen. A convite de A.A. Michelson,
tornou-se professor assistente no recém-criado Reyerson Laboratory
da Universidade de Chicago, em 1896. Millikan era um excelente pro­
fessor, sendo promovido a professor titular em 1910, posição na qual
permaneceu até 1921.
Em 1921 foi feito diretor do Norman Bridge, Laboratório de Físi­
ca do Califórnia Institute of Technology, em Pasadena, Califórnia; e foi
feito também presidente do Conselho Executivo do Caltech (assim é
chamado o Califórnia Institute of Technology, que adquiriría uma re­
putação extraordinária entre as instituições acadêmicas dedicadas às
ciências duras e tecnologia). Aposentou-se em 1946.
Durante sua longa passagem pela Universidade de Chicago, gastou
bastante tempo na elaboração de textos didáticos de física, sendo autor
ou coautor de A College Course in Physics, com S.W. Stratton (1898); Me-
chanics, Molecular Physics, and Heat (1902); The Theory ofOptics, com
CR. Mann traduzido do alemão (1903); A First Course in Physics, com
11.G. Gale (1906); A Laboratory Course in Physics for Seconáary Schools,
com H.G. Gale (1907); Electricity, Sound, and Light, com J. Mills (1908);
Practical Physics - revisão de A First Course (1920); The Electron (1917;
eds. revisadas em 1924 e 1935).
Como pesquisador, Millikan fez numerosas descobertas de grande
importância, principalmente em eletricidade e magnetismo, ótica e fí­
sica molecular. Sua primeira maior contribuição foi a medida da carga
do elétron, utilizando gotas de óleo, provando em 1910 que este valor é
constante para todo elétron, confirmando assim a estrutura atômica da
eletricidade. A seguir verificou experimentalmente a equação foto-elé-
trica de Einstein (□) (que valeu a este o Prêmio Nobel) e foi o primeiro a
determinar através do efeito foto-elétrico o valor da constante de Planck
(n), entre 1912 e 1915.
A seguir, seus estudos sobre o movimento browniano nos gases co­
locou um ponto final à oposição entre as teorias cinética e atômica da
matéria. Ocupou-se a seguir da espectroscopia dos elementos, esten­
dendo o espectro do ultravioleta bem além dos seus limites conhecidos.
A descoberta da lei de movimento de uma partícula caindo na atmosfe­
ra terrestre o levou a importantes estudos sobre radiação cósmica, par­
ticularmente com câmaras de ionização.
Millikan foi um autor prolífico, escrevendo numerosos artigos em
periódicos científicos. E seu caráter religioso e filosófico fica patente
através das suas conferências sobre a reconciliação da ciência com a reli­
gião e dos seus livros Science and Life (Ciência e Vida) (1924); Evolution
in Science and Religion (Evolução na Ciência e Religião) (1927); Science
and the New Civilization (Ciência e a nova Civilização) (1930); Time,
Matter, and Values (Tempo, Matéria e Valores) (1932). Além de outros
textos, publicou sua autobiografia em 1950.
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Millikan foi
vice-presidente do National Research Council (Conselho Nacional de
Pesquisa dos Estados Unidos), tendo participado ativamente em equi­
pamentos antissubmarino e meteorológicos.
Millikan foi presidente da Sociedade Americana de Física, vice-pre­
sidente da Associação Americana para o Progresso da Ciência, mem­
bro do Comitê para a Cooperação da Liga das Nações (a precursora
da ONU, após a Primeira Guerra Mundial), representante dos Estados
Unidos no Congresso Internacional de Física, conhecido como Con­
gresso Solvay em 1921 em Bruxelas. Recebeu o título de doutor honoris
causa de cerca de 25 instituições.
Além do prêmio Nobel, recebeu o prêmio Comstock da National
Academy of Sciences, a medalha Edison do Institute of Electrical Engi-
neers, a medalha Hughes da Royal Society da Grã Bretanha, eleito co­
mendador da Legião de Honra, a Ordem de Jade chinesa. Sobre o tema
ciência/religião escreveu, entre outras coisas: “O bem-estar e progresso
humano se assenta sobre dois pilares [...]: o espírito da religião e o espí­
rito da ciência (conheicmento)” (autobiogrphy apud [404], p. 14).
Numa entrevista em 1925, disse:

Isto eu posso afirmar de modo definitivo, a saber, que não existe base
científica para a negação da religião e não há desculpa, a meu aviso,
para um conflito entre ciência e religião, pois os seus campos são com­
pletamente diferentes. Pessoas que conheçam muito pouco a ciência e as
que conhecem muito mal a religião podem discutir e os outros podem
pensar que há um conflito entre ciência e religião, quando na realidade
o conflito é apenas entre dois tipos de ignorância ([404, p.14).

“Para mim é impensável que um verdadeiro ateu possa ser um cien­


tista” (id.) “Eu nunca conheci um homem que pensa que não acreditasse
em Deus” (id.) “A impossibilidade de a real ciência conflitar com a real
religião torna-se evidente quando se examina o objetivo da ciência e
o objetivo da religião. O objetivo da ciência é desenvolver - sem pre­
conceito de qualquer tipo - um conhecimento dos fatos, das leis e dos
processos da natureza. A tarefa, ainda mais importante, da religião, por
outro lado, é desenvolver as consciências, os ideais e aspirações da hu­
manidade” ([404], p. 15).
"A ciência nos tem revelado um universo de ordem e com a beleza
que provem da ordem, um universo que não conhece caprichos, um
universo que se comporta de modo conhecível e predizível, um univer­
so no qual se pode confiar; ou seja, um Deus que opera através de leis”
(Science and Religion (Yale University Press, 1930), apud [404], p.16).
Millikan casou-se em 1902 com Erwin Blanchard, com a qual teve
três filhos. Faleceu em San Marino, na Califórnia.

Marconi [219], [260], [261], [404]


Guglielmo Marconi (1874-1937) foi prêmio Nobel de física em
1909, juntamente com Karl Braun. Tornou-se especialmente famoso
pelos desenvolvimentos de um sistema rádio-telegráfico, que lhe vale­
ram, juntamente com Karl Ferdinand Braun, esse prêmio “em reconhe­
cimento à contribuição deles ao desenvolvimento da telegrafia sem fio”.
Nascido perto de Bologna, na Itália, filho de Giuseppe Marconi e de
uma irlandesa, Annie Jameson, e batizado na Igreja Católica, se tornaria
membro da Igreja Anglicana. Como criança, não se saiu bem na esco­
la, mas revelou um interesse precoce por ciências e, de modo especial,
pela eletricidade, estudando os trabalhos de Maxwell (□), Hertz, Righi
e Lodge, entre outros.
A partir de 1888, Heinrich Hertz (□) demonstrou que se podia pro­
duzir e detectar irradiações eletromagnéticas, previstas teoricamente
mais de duas décadas antes por Maxwell (□), que foram chamadas a
partir de então de ondas hertzianas. A partir de 1895, Marconi começou
a fazer uma série de experiências. Seu objetivo era usar essas ondas para
produzir um sistema prático de telegrafia sem fio. (A telegrafia com fio
já existia havia vários anos, desenvolvida por Graham Bell). Essa ideia
não era nova, outros pesquisadores já o haviam tentado, mas nenhuma
delas havia se mostrado comercialmente viável. Marconi não descobriu
um princípio novo e revolucionário no seu sistema de telégrafo sem fio;
seu mérito foi reunir, ordenar e aperfeiçoar um grande número de fatos
experimentais. Alguns haviam conseguido transmissão de sinais sem fio
para algumas centenas de metros.
Aumentando o tamanho das antenas de transmissão e recepção,
colocando-as verticalmente, tocando o chão, ele aumentou considera­
velmente o alcance da transmissão e recepção: isto aconteceu em 1895,
quando ele tinha 21 anos. Logo ele conseguiria transmitir os sinais a
cerca de mil e quinhentos metros.
Precisando de fundos para ampliar o escopo de suas pesquisas e
não os conseguindo na Itália, em 1896 ele foi à Inglaterra, obtendo apoio
financeiro de William Preece, chefe de engenharia elétrica do correio
britânico, conseguindo a primeira patente para um sistema de telegrafia
sem fio.
Em 1897 formou uma empresa, The Wireless Telegraph & Signal
Company Limited (renomeada em 1900 para Marconi s Wireless Tele­
graph Company Limited).
É de se notar que Marconi usou um dispositivo extremamente
parecido com o desenvolvido por A. E. Dolbear do Tufts College (em
Boston) treze anos antes! {{Mas na ciência é muitas vezes assim: “quem
ganha, não leva”; para “levar”, não basta ter a ideia e dar-lhe um pe­
queno desenvolvimento, é preciso trabalhar diuturnamente às vezes por
muitos anos, o que prova, de resto, a importância que o cientista dá à
coisa que está pesquisando}}.
Em 1897 ele já conseguia transmitir sinais a uma distância de
catorze km. Impressionados com esses sucessos, William Preece intro­
duziu Marconi aos cientistas e ao grande público em duas conferências
importantes, a segunda delas no Royal Institute. Em 1899 o canal da
Mancha (English channel, como dizem os ingleses) era atravessado pelos
sinais telegráficos de Marconi. Nessa época já havia cabos submarinos
entre a Europa e os Estados Unidos para transmitir sinais telegráficos.
Marconi iniciou então o desafio de atravessar o Atlântico com transmis­
são sem fio, o que foi conseguido em dezembro de 1901, entre Inglaterra
e a Terra Nova (atual Canadá), uma distância de 3.500 km. Mas houve
disputa a propósito desse feito, considerando a dificuldade de transmis­
são, a letra “S” sendo confundida com ruído atmosférico.
Em 1900 obteve a sua patente mais famosa, a de número 7.777 para
“telegrafia sintonizada” e, num dia histórico de 1901, demonstrou que as
ondas eletromagnéticas, pelas quais se transmitiam os sinais, não eram
afetadas pela curvatura da Terra. Ele patenteou uma série de inventos
entre 1902 e 1912, mas Nikola Tesla, rival de Marconi na transmissão
transatlântica, afirmou então que Marconi usara dezessete das paten­
tes dele (Tesla). Em 1903 transmitiu uma saudação do então presidente
americano, Theodore Roosevelt, para o rei do Reino Unido, Eduardo
VIL Houve e ainda há muita controvérsia sobre os méritos científicos de
Marconi. Ele teria usado o que outros já haviam descoberto, como Hertz
(n), Popov, Branley, Tesla e Lodge. Anos mais tarde, a suprema corte
americana decidiu que a maioria das patentes atribuídas a Marconi não
lhe eram devidas, tendo em vista os trabalhos anteriores dos cientistas
mencionados acima.
Em 1905 Marconi casou-se com Beatrice 0 ’Brien, irlandesa, filha
de barão, com a qual teve três filhas e um filho. Eles se divorciaram em
1924 e o casamento foi anulado em 1927. Nesse mesmo ano casou-se
com Maria Cristina Bezzi-Scali, com a qual teve uma filha. Em 1914
Marconi foi feito senador da Itália. Em 1924 foi feito marquês por Vitor
Emanuel III. Marconi filiou-se ao Partido Fascista em 1923 e, em 1930,
o ditador Benito Mussolini o fez presidente da Academia da Itália, o
que lhe dava a posição de membro do Grande Conselho Fascista. Em
1931 Marconi, ainda ativo em pesquisas, conduziu investigações sobre
a propagação de ondas curtas e, em 1932, construiu a primeira linha
radiotelefônica entre o Vaticano e a residência de verão do Papa, em
Castelgandolfo.
Em 1935 as tropas italianas ocuparam a Etiópia, havendo conde­
nação universal da ação da Itália, mas Marconi fez vários discursos
apoiando a ação bélica a tal ponto que a BBC o proibiu de falar sobre
o assunto. Marconi foi também pró-guerra no intervalo entre as duas
guerras mundiais, mas faleceu antes do início da segunda.
Ele recebeu doutorado honorário de muitas universidades e muitos
outros prêmios internacionais, como a Albert Medal da Royal Society of
Arts, as medalhas John Fritz e Kelvin. Recebeu a Ordem de Santa Ana
do Tsar da Rússia, Comendador da Ordem de São Maurício e São Láza­
ro pelo rei da Itália, feito cavalheiro da Ordem Civil da Sabóia, a Grande
Cruz Honorária da Real Ordem Vitoriana do Reino Unido.
Algumas de suas frases sobre a fé: “Quanto mais eu trabalho com
as forças da Natureza, tanto mais eu sinto a benevolência de Deus para
com o homem e tanto mais eu me aproximo da grande verdade que
tudo depende do Criador...([404], p.22). “A harmoniosa unidade de
causas e leis forma a Verdade; a harmoniosa unidade de linhas, cores,
sons e idéias formam a Beleza, enquanto que a harmonia das emoções
e da vontade forma a Bondade” (id.) “Eu me vanglorio de ser cristão.
Eu creio não somente como cristãoi mas como cientista. Um aparelho
sem fio pode enviar uma mensagem através de uma floresta. Na ora­
ção, o espírito humano pode enviar ondas invisíveis para a eternidade
[...] [para] Deus” (id.)
Em uma carta à sua esposa, escreve: “Não pense que eu não seja
agradecido a Deus pela sua bondade e benevolência, pelas quais eu devo
tanto, tudo. Deus me deu este amor eterno e todo poderoso e eu sinto
que Ele fez isso para o meu bem...”(id.).
“Eu creio que seria uma grande tragédia se os homens perdessem a
fé na oração. Sem o auxílio da oração eu talvez teria falhado naquilo em
que fui bem-sucedido. [...] Permitindo-me fazer o que fiz, Deus me fez
inteiramente seu instrumento para revelar seu divino poder” (id.)
“A ciência por si só é incapaz de explicar muitas coisas e, principal­
mente, o maior dos mistérios - o mistério de nossa existência. Eu creio
não somente como católico, mas como cientista” (id.)

James Jeans [193], [194]


Sir James Hopwood Jeans (1877-1946) foi um físico, astrônomo e
matemático inglês. Seu pai, William, foi jornalista e escreveu dois livros
sobre a vida de cientistas. Sua família era muito religiosa (cristã), James
sendo o mais velho dos três irmãos, o único homem. Na escola secundá­
ria, interessou-se inicialmente pelas letras clássicas, mas logo seu interesse
se voltou para a matemática, encorajado por um excelente professor. Des­
tacou-se logo pelo interesse pelas propriedades dos números e excelente
memória. Fez curso superior no Trinity College em Cambridge, a partir
de 1896, com bolsa de estudos adquirida por mérito acadêmico.
Foi colega de G. Hardy, que se tornaria um grande matemático, e
aluno do famoso A. N. Whitehead (□), que escreveu com Bertand Rus-
sell os Principia Mathematica. Concluiu o curso como second wrangler,
ou seja, o segundo colocado em 1898. Em 1901 foi eleito fellow do Tri­
nity College. Ainda como aluno de graduação, escreveu um artigo sobre
teoria dos números. Entre 1899 e 1900 adquiriu experiência como ex-
perimentalista no Cavendih Laboratory de Cambridge. Tornou-se mui­
to ativo em pesquisa, publicando uma série de artigos em matemática,
física e astronomia a partir de 1901.
Contraiu tuberculose, permanecendo dois anos em sanatórios e
foi então que escreveu seu primeiro texto mais alentado, The dynamical
theory of gases (“A teoria dinâmica dos gases”). Foi professor de Cam­
bridge, depois de Princeton, nos Estados Unidos, a partir de 1904, re­
tornando a Cambridge em 1909. Em Princeton, escreveu seu segundo
grande texto, Theoretical Mechanics.
Em 1907 casou-se com a americana Charlotte Tiffany Mitchell, que
se tornou uma poetisa conhecida. Em 1908 publicou The Mathemati-
cal Theory of Electricity and Magnetism. Permaneceu em Cambridge até
1912, quando se retirou para dedicar-se inteiramente à pesquisa mate­
mática e a escrever livros. Em 1914 publicou uma excelente monografia,
Radiation and Quantum Theory, na qual aceitava a teoria de Planck (□)
sobre a irradiação do “corpo negro” (1899), que ele tinha rejeitado em
1905. Foi graças a ele, em grande parte, que a teoria quântica e a teoria
de Bohr sobre o átomo foram aceitas na Inglaterra. E isto apesar de ele
não ter feito, pessoalmente, nenhuma contribuição para a física quân­
tica, a qual foi quase totalmente feita, pelo menos nos seus primórdios,
no continente europeu.
Em 1917 ganhou o prêmio Adams, da Universidade de Cambridge,
por seu trabalho Problems ofcosmogony and stellar dynamics. Jeans era
um amante da música e passou a tocar órgão em casa três a quatro horas
por dia. Em 1923 passou um ano no observatório de Mount Wilson, em
Pasadena, na Califórnia. Em 1928 Jeans foi feito Sir. Houve uma longa
discussão entre Jeans e Eddington (□) a respeito do mecanismo pelo
qual a energia era criada nas estrelas. Jeans julgava, incorretamente, que
a energia provinha da contração das estrelas. Eddington julgou, corre­
tamente, que a energia provinha da aniquilação da matéria, ou, mais
propriamente, da transformação de massa em energia. Em 1929 Jeans
deixou a pesquisa científica para se dedicar a escrever textos de divul­
gação científica. São de sua autoria The Universe Around Us (1929), The
Mysterious Universe.( 1930), The Stars in Their Courses (1931), The New
Background of Science (1933), Through Space and Time (1934), Science
and Music (1938) e Physics and Philosophy (1943).
Sua esposa faleceu em 1934 e ele se casou de novo no ano seguin­
te com Suzanne Hock, uma vienense, música de profissão. Jeans colo­
cou um segundo órgão na sua casa e, graças aos seus conhecimentos
de acústica, conseguiu isolar acusticamente os locais em que ficavam
os órgãos, de modo que os dois podiam tocar simultaneamente. Jeans
recebeu inúmeros prêmios e homenagens durante sua vida. Além dos
já mencionados, vale referir a medalha de ouro da Royal Astronomical
Society (1922), presidente da mesma sociedade (1925-1927), a Franklin
Medal (1931), presidente da British Association for the Advancement
of Science (1934), a Mukerjee Medal (1937), a Calcutta Medal (1938), a
Order ofMerit (1939), vice-presidente da Royal Society (1938-40). Entre
as universidades que lhe outorgaram o título de doutor honoris causa,
destacam-se Oxford, Manchester, Benares, Aberdeen, Johns Hopkins,
St. Andrews, Dublin e Calcutá.
A respeito do problema de Deus, temos as frases: “Deus é um ma­
temático e o universo parece cada vez mais um grande pensamento,
antes que uma grande máquina”. ([189], p. 128). “...a partir da grande
evidência da sua criação, o Grande Arquiteto do Universo parece ser um
matemático puro” (id„ p. 136).
Einstein [16], [34], [121], [124], [132], [164]
Albert Einstein (1879-1955) nasceu em Ulm, Alemanha, e faleceu
em Princeton, Nova Jérsei, Estados Unidos. Ganhou o prêmio Nobel de
física de 1921 pela correta explicação do efeito fotoelétrico. Seu trabalho
a respeito havia sido publicado em 1905. Devido à formulação da Teoria
da Relatividade Restrita, com o trabalho publicado também em 1905, e
da Teoria da Relatividade Geral, Einstein tornou-se mundialmente fa­
moso, algo pouco comum para um cientista.
Nos seus últimos anos, a sua fama excedeu a de qualquer outro
cientista na cultura popular, e Einstein tornou-se um sinônimo de gê­
nio. Foi, por exemplo, eleito pela revista Time como a “pessoa do século”,
e a sua face é uma das mais conhecidas em todo o mundo. Em 2005
celebrou-se o Ano Internacional da Física, em comemoração dos cem
anos do chamado Annus Mirabilis (“ano admirável”) de Einstein, em
que ele publicou quatro dos mais importantes artigos científicos da fí­
sica do século XX.
O primeiro artigo daquele ano foi sobre o movimento browniano,
que constitui uma evidência experimental da existência dos átomos.
Antes desse artigo, os átomos eram considerados um conceito útil, mas
sua existência concreta era controversa. Einstein relacionou as grande­
zas estatísticas do movimento browniano com o comportamento dos
átomos e deu aos experimentalistas um método de contagem dos áto­
mos através de um microscópio vulgar.
O segundo artigo de 1905 propôs a ideia dos quanta de luz (os
fotons) e mostrou como é que poderíam ser utilizados para explicar
fenômenos como o efeito fotoelétrico. A teoria dos quanta de luz de
Einstein não recebeu quase nenhum apoio por parte dos físicos durante
vinte anos. Contradizia a teoria ondulatória da luz, demonstrada pelas
equações de Maxwell. Em 1921, quando recebeu o prêmio Nobel pelo
seu trabalho sobre o efeito fotoelétrico, a maior parte dos físicos ainda
pensava que as equações estavam corretas, mas que a ideia de quanta de
luz era inadequada.
O terceiro artigo de 1905, sobre eletrodinâmica de corpos em mo­
vimento, introduziu a relatividade restrita. Estabeleceu uma relação en­
tre os conceitos de tempo e distância. Algumas das idéias matemáticas
já tinham sido introduzidas um ano antes pelo físico holandês Hendrik
Lorentz, mas Einstein mostrou como era possível entender esses con­
ceitos. A relatividade restrita teve consequências importantíssimas, já
que são rejeitados conceitos absolutos de tempo e espaço e que a veloci­
dade da luz é a mesma para todos os observadores. A teoria ficou conhe-
eida mais tarde por teoria da relatividade restrita, para distinguir-se
da teoria geral que Einstein desenvolvería depois. No quarto artigo,
uma extensão do terceiro, ele deduziu a famosa relação entre massa
e energia: E = mc2. Essa equação afirmava a existência, na matéria, de
uma energia enorme, até então insuspeitada. Anos depois ficaria claro
que se tratava da energia nuclear.
Einstein era judeu. Foi muito solidário com seu povo, mas não pra­
ticava sua religião. Na casa de seus pais não se comia kasher e a família
não frequentava a sinagoga. Seu pai considerava os ritos judeus como
superstições antiquadas.
Aos três anos, Einstein ainda tinha dificuldades de fala. Os pais fi­
caram assustados. Em outubro de 1885, ele começou a frequentar uma
escola primária católica em Munique. Os pais de Einstein, por não se­
rem judeus praticantes, não se importaram que o filho frequentasse
inclusive a catequese, que agradou bastante a Einstein. Curiosamente,
ele desenvolveu sozinho uma fervente fé judaica e passou a cumprir os
rituais judeus incluindo o shabat (descanso sabático) e a comida kasher.
A juventude de Einstein foi solitária. As outras crianças chamavam-lhe
Bruder Langweil (irmão tédio).
Aos dez anos Albert conheceu Max Talmud, um jovem estudante
de medicina que costumava jantar com a família Einstein. Max teve in­
fluência importante na vida de Albert porque o introduziu, apesar da
sua tenra idade, à leitura de importantes obras científicas e filosóficas,
como por exemplo, “Os Elementos”, de Euclides, e a “Crítica da Razão
Pura”, de Kant. Em consequência dos seus estudos sobre ciência, Eins­
tein abandonou completamente a fé judaica aos doze anos.
Em 1895, decidiu entrar na universidade antes de terminar o ensi­
no secundário e com esse objetivo fez exames de admissão para a ETH
(Eidgenõssische Technische Hochschule, Escola Politécnica Federal, em
Zurique, na Suíça), mas foi reprovado na parte de humanidades dos
exames. Foi então enviado para a cidade de Aarau para terminar a esco­
la secundária, concluída em 1896.
Em 1896, Einstein (aos dezessete anos) renunciou à cidadania ale­
mã, tornando-se cidadão suíço, com o intuito de assim evitar o serviço
militar alemão. Nunca deixaria de ser cidadão suíço, mesmo depois de
receber a cidadania americana. Nas inúmeras viagens que faria no futu­
ro, Einstein usaria quase sempre o seu passaporte suíço. Obteve o dou­
torado em 1905. Em 1903 casou-se com Mileva Maric. Albert e Mileva
tiveram três filhos. A primeira morreu ainda bebê, q segundo tornou-se
um importante professor de hidráulica na Universidade da Califórnia
e o mais jovem, formado em música e literatura, morreu num hospital
psiquiátrico suíço. Em 1914, pouco antes do início da Primeira Guerra
Mundial, Einstein instalou-se em Berlim, onde foi nomeado diretor do
Instituto Kaiser Wilhelm de Física e professor da Universidade de Ber­
lim, tornando-se, novamente, cidadão alemão no mesmo ano.
Em novembro de 1915 Einstein proferiu, perante a Academia Prus­
siana das Ciências, uma série de conferências em que apresentou a sua Te­
oria da Relatividade Geral. A conferência final culminou com a apresen­
tação de uma equação que substituiu a lei da gravitação de Isaac Newton
(□). A nova teoria estabelece que todos os observadores são equivalentes,
e não só aqueles que se movem com velocidade retilínea uniforme, como
na Teoria da Relatividade Restrita. Na Relatividade Geral, a gravidade não
é uma força (como na segunda lei de Newton) mas uma consequência da
curvatura do espaço-tempo. A teoria serviu de base para o estudo da cos-
mologia e deu aos cientistas ferramentas para entenderem características
do universo que só foram descobertas bem depois da morte de Einstein.
A relação de Einstein com a física quântica é muito interessante.
Ele foi o primeiro a dizer que a teoria quântica era revolucionária. A sua
ideia de luz quântica foi um rompimento com a física clássica. No entanto,
em meados dos anos 1920, quando a teoria quântica original foi substi­
tuída pela nova mecânica quântica, Einstein discordou da interpretação
de Copenhague, porque ela defendia que a realidade era aleatória ou pro-
babilística. Einstein concordava que a mecânica quântica era a melhor
teoria disponível, mas procurou sempre uma explicação determinista,
isto é, não probabilista. Uma frase famosa de Einstein, em carta a Max
Born, de 12/12/1926, dizia: ‘A mecânica quântica está se impondo. Mas
uma voz interior me diz que ainda não é a teoria certa. A teoria diz mui­
to, mas não nos aproxima do segredo do ‘Velho’ [Deus]. Eu estou con­
vencido de que Ele não joga dados” (Einstein Archive, reel 8-180, apud
[17], p.222). Não era uma rejeição da teoria estatística. Ele tinha usado
a análise estatística nos seus trabalhos sobre o movimento browniano e
sobre o efeito fotoelétrico, mas ele não acreditava que, na sua essência,
a realidade fosse aleatória. Sempre que uma teoria parecia arbitrária ou
forçada, Einstein costumava dizer: “Deus não faz coisas assim”, ou en­
tão: “O Senhor é sutil, mas não é malicioso” (“Raffiniert is der Herrgott
aber boshaft ist er nicht”) ([17], p.233).
Em agosto de 1939 Einstein escreveu a Schròdinger, cumprimen­
tando-o pela experiência pensada (Gedanken Experiment) do gato no
“limbo”, nem vivo nem morto. E referindo-se a Bohr, diz que ele “proíbe
[...] a investigação sobre algo que existe, independentemente do fato de
ser observado ou não”. E diz duas vezes na carta que está convencido,
como sempre esteve, que a mecânica quântica dá uma descrição incom­
pleta da realidade ([24, pp.233ss).
O seu pacifismo e a sua origem judaica tornaram-no impopular en­
tre os nacionalistas alemães. Depois de ter se tornado mundialmente fa­
moso, em 7 de novembro de 1919, quando o Times de Londres anunciou
a confirmação da sua Teoria da Relatividade Geral através do desvio de
luz em Sobral, no Ceará, medida num eclipse solar, o ódio dos naciona­
listas tornou-se ainda mais forte.
Naquele mesmo ano Albert Einstein divorciou-se de Mileva e
casou-se com a sua prima divorciada Elsa. Em 1920, durante uma de
suas aulas em Berlim, há um incidente com manifestações antissemitas,
o que levou Einstein a deter-se com mais atenção aos fatos que então
ocorriam na Alemanha. Com o advento do nazismo, ele emigrou para
os Estados Unidos (1933) e se naturalizou cidadão americano. Durante
os muitos anos até sua morte, esteve sempre como pesquisador no Ins-
titute for Advanced Study em Princeton, N.J.
Em [17], apud [16], Max Jammer, reitor emérito da Universidade Bar
Ilan, em Jerusalém, e ex-colega de Einstein, afirma que nele os conhe­
cimentos de física e religião eram profundamente relacionados (ligados,
mesmo, de acordo com o autor): para Einstein, a natureza exibia traços de
Deus, sendo, portanto, uma “teologia natural”. “Qual o sentido da vida hu­
mana [dizia ele]? Saber a resposta a esta pergunta é ser religioso” ([123],
apud [121], p.l 1). “Eu estou absolutamente convencido de que nenhuma
fortuna no mundo pode fazer a humanidade avançar [...]. O exemplo de
indivíduos grandiosos e puros é a única coisa que pode nos levar a pen­
samentos e ações nobres. O dinheiro leva ao egoísmo e convida irresis­
tivelmente ao abuso. Pode-se imaginar Moisés, Jesus ou Gandhi com [o
dinheiro] de Carnegie?” ([123], apud [121], pp.l2ss). Em [218]: “...uma
pessoa religiosa é devota no sentido que ela não tem dúvida quanto ao
sentido e consistência daqueles objetos e finalidades supra-pessoais, que
nem exigem nem são capazes de fundamento racional. Eles existem com
a mesma necessidade e concretude que ela própria”.
Ernst Strauss, que trabalhou com Einstein no Institute for Advan­
ced Study em Princeton, diz também que quando Einstein observava
alguma característica satisfatória [no trabalho que estava fazendo], ele
exultava [dizendo]: “Isto é tão simples que Deus não poderia deixar de
fazer” ([24], p.228).
“[Na] procura por uma teoria unificada dos campos, tudo de que
[Einstein] dispunha era a sua experiência de vida sem paralelo e a sua
profunda convicção de que tinha que existir tal teoria, que, como os
hebreus afirmavam, o Senhor é um. Isto foi suficiente para sustentá-lo
na pesquisa por mais de trinta anos [da teoria dos campos unificados],
através de decepção após decepção.” ([24], p.228).
Nas linhas seguintes ele descreve três tipos de religiosidade:

Entre os homens primitivos é o medo, acima de tudo, que provoca a reli­


gião - medo de fome, das feras, das doenças, da morte. [...]. Os impulsos
sociais são outra forma de cristalização da religião [....]. O desejo de ser
guiado, de amor, de apoio, levam o homem a formar o conceito moral
de Deus. Este é o Deus da Providência, que protege, dispõe, recompensa
e pune [...]. Este é o conceito moral ou social de Deus. A Bíblia judai­
ca ilustra admiravelmente a passagem de uma religião de temor para
uma religião moral, um processo que continua no Novo Testamento. As
religiões de todos os povos civilizados, especialmente no Oriente, são
primariamente religiões morais. [...]. O que há de comum nessas formas
de religião é o caráter antropomórfico do conceito de Deus.[...].
Mas há um terceiro estágio de experiência religiosa que está presen­
te nos anteriores, embora seja dificilmente encontrável em sua forma
pura: eu o denomino sentimento religioso cósmico. [...]. O indivíduo
sente a futilidade dos desejos e objetivos humanos e [sente] a ordem
sublime e maravilhosa que se revelam na natureza e no mundo do
pensamento.[...]. [Este] sentimento religioso cósmico já aparece nos
Salmos de David e em alguns dos Profetas. O Budismo [...] contém
isto de modo ainda mais forte. Os gênios religiosos de todos os tempos
se distinguiram por este tipo de sentimento religioso, que desconhe­
ce dogmas e um Deus concebido como imagem do homem.[....]. É
precisamente entre os hereges [...] que nós encontramos homens [....]
com o mais elevado sentimento religioso desta espécie [....] que eram
considerados pelos seus contemporâneos muitas vezes como ateus e
às vezes também como santos. Nesta perspectiva, homens como De-
mócrito, Franciso de Assis e Espinoza estão muito próximos entre si.
([124], apud [121], pp. 36-38).

{{Aparentemente Einstein não teve contato com os místicos “apo-


fáticos”, que são os da via da “negação”; com efeito, teria verificado que
eles, provavelmente muito mais do que o próprio Einstein, estão longe
de conceitos antropomórficos de Deus, justamente negando, a respeito
de Deus, tudo aquilo que vemos e sabemos. Em última análise, porque
Deus é infinito, e tudo que conhecemos é finito. Entre os cristãos, des-
t#cam-se nessa via, entre outros, o Pseudo-Dionísio Areopagita [175], o
tutor de The Cloud ofUnknowing [176] e São João da Cruz [177], Valé­
ria ainda citar, a propósito, entre outros grandes, São Tomás de Aquino:
"per creaturas de Deo non cognoscimus quid est, sed potius quid non
est”, ou seja, “através das coisas, não sabemos quem é Deus, mas antes
aquilo que Ele não é”. [178]. E mais enfaticamente em: “de Deo scire non
possumus quid sit, sed quid non sit”, ou seja, “não podemos saber de
Deus o que Ele é, mas o que Ele não é”. [179]}}.
E mais adiante, continua Einstein: “...na minha opinião, a mais im­
portante função da arte e da religião é despertar este sentimento [...]. O
homem que é completamente persuadido da causalidade das coisas não
pode, de forma alguma entreter a ideia de um ser que interfere no curso
dos acontecimentos”.
{{Cabe aqui uma reflexão sobre a observação acima de Einstein, re­
petida por ele várias vezes e em vários contextos: os milagres não fazem
sentido, segundo ele, ou seja, ele rejeita um Deus pessoal, que atenda às
nossas orações. Mas há aqui um mal-entendido, a meu ver, na perspec­
tiva da fé cristã. Com efeito, de acordo com a fé cristã, Deus é eterno,
no sentido de que, para Ele, não há passado nem futuro. A eternidade
é definida classicamente por Boèthius, como “interminabilis vitae tota
simul et perfecta possessio”, ou seja, a eternidade é a “total e simultânea
posse de uma vida interminável” [180]. Ora, entre os muitos universos
possíveis, Ele criou este, com relação de causas e efeitos e no qual mila­
gres são obtidos em previsão de orações de fiéis, mas sem necessidade
de interrupção das relações normais de causa e efeito. Esta consideração
nos leva a uma admiração da inteligência de Deus muito acima, talvez,
daquela suposta por Einstein}}. Neste contexto, vale citar a posição de
Herman Weyl, que propõe o conceito de block universe: “o universo ob­
jetivo simplesmente é, ele não acontece. Somente para o olhar da minha
consciência, ‘nadando’ ao longo da ‘linha da vida’ do meu corpo, é que
uma seção deste mundo adquire vida [....]. Por outras palavras, as rela­
ções ‘antes’, ‘simultâneo’ e ‘depois’ são meramente relações geométricas
no espaço-tempo estático de quatro dimensões, e os termos ‘passado’,
‘presente’ e ‘futuro’ não têm realidade objetiva” ([182], pg. 160).
{{Max Jammer ([17], pp.160 e ss.) afirma que esse conceito de
block universe conflita com a tradição judaico-cristã, que atribui ao
tempo uma função muito importante na história. Creio que essa sua
observação não leva em conta o conceito de eternidade, citado acima,
desenvolvido pela filosofia cristã: ‘tota e simul possessio interminabilis
vitae’ (Boèthius, De Consolatione). Esta definição é um corolário da
imutabilidade de Deus, a qual, por sua vez, resulta da sua perfeição,
pois o que muda ainda não é perfeito. Por outras palavras, para Deus
não existe passado nem futuro, Ele “vê” o universo num “instante”.
Portanto, o conceito de block uníverse está mais próximo da verdade
das coisas do que a concepção usual. Afinal de contas, a plena verdade
das coisas é a visão que Deus tem delas. Mas é claro que na visão ju-
daico-cristã, passado, presente e futuro têm realidade objetiva. Cabe­
ría aqui uma longa digressão, claro, do que se entende por “realidade
objetiva”. Fazendo uma analogia, as cores que eu vejo de um ser vivo
têm realidade objetiva; quando eu vejo o mesmo objeto com um mi­
croscópio potente, as cores desaparecem e outras realidades objetivas
aparecem, tais como células, DNA etc.}}.
Einstein objetava que a ideia de um Deus pessoal seria contraditó­
ria no sentido que a onipotência de Deus, por um lado, e a existência de
males morais e físicos, por outro, são incompatíveis. Paul Tillich, grande
teólogo luterano alemão, que emigrou para os Estados Unidos por causa
do nazismo, respondeu que o argumento de Einstein pressupunha um
conceito de onipotência que a identificava com “omni-atividade”, quan­
do a doutrina tradicional é que Deus age em todas as coisas de acordo
com sua natureza especial: nos animais e plantas de acordo com sua
natureza orgânica, nas pedras de acordo com sua natureza inorgânica
etc. ([17], pp.108 e ss.).

E por outro lado, [contínua Einstein] eu mantenho que o sentimen­


to religioso cósmico é a mais forte e nobre motivação para a pesquisa
científica [...] Um contemporâneo disse, não sem razão, que neste nosso
mundo materialista, os cientistas pesquisadores são as únicas pessoas
profundamente religiosas ([124], apud [121], pp.38-40).
Você encontrará dificilmente, entre os cientistas mais profundos, algum
sem um sentimento religioso próprio [...]. Seu sentimento religioso tem
a forma de um ‘rapto’ de admiração pela harmonia da lei natural, que
revela uma inteligência tal que, comparada com ela, todo o pensamento
sistemático [...] dos seres humanos não passa de uma reflexão insignifi­
cante. Este sentimento é o princípio que guia sua vida e trabalho, na m e­
dida em que o cientista se mantenha distante dos desejos egoístas. Sem
dúvida alguma [este sentimento] é muito próximo daquele dos gênios
religiosos de todos os tempos ([123], apud [121], p.40).

E mais enfaticamente ainda:


...a ciência pode ser criada somente por aqueles que estão totalmente
imbuídos do desejo de verdade e compreensão das coisas. Mas este sen­
timento, entretanto, provém da esfera da religião. Neste contexto está
a fé que as coisas deste mundo são regidas por leis racionais. Eu não
posso conceber um cientista sem esta fé profunda. A situação pode ser
expressa por uma imagem: a ciência sem fé é manca e a fé sem ciência é
cega ([181], apud [121], p. 46).

{{A frase anterior, que coloquei em itálico, é uma das mais famosas
de Einstein}}. Einstein lia regularmente a Bíblia, tanto o Antigo como o
Novo Testamento. Ele desenvolveu uma descrença em toda autoridade,
incluídas a bíblica e a religiosa, mas apesar disso, disse: “Os mais eleva­
dos princípios para nossas aspirações e juízos nos são dados na tradição
judaico-cristã. Trata-se de objetivos muito elevados que, com nossa fra­
queza, podemos alcançar de modo muito inadequado, mas que nos dão
um fundamento sólido para nossas aspirações e avaliações” ([181], apud
[121], p. 43). Tinha uma notável independência de atitude mental, sem­
pre crítico, mas não cético. Nunca perdeu sua admiração pela tradição
religiosa judaico-cristã e não tinha dúvida quanto à importância do que
ele chamava de “objetos e objetivos supra-pessoais que nem requerem
nem são capazes de fornecer explicações racionais” ([19], apud [16]).
Einstein lia muito sobre filosofia e teologia. Vale referir aqui o que
respondeu a alguém que lera um artigo em que se afirmava que a teoria
da relatividade “meramente confirmava os ensinamentos de Tomás de
Aquino”, ao qual Einstein modestamente respondeu: “Eu não li toda a
obra de Tomás de Aquino, mas fico deliciado ao saber que cheguei às
mesmas conclusões de uma mente tão completa como a de Tomás de
Aquino”. ([17], p. 216).
{{Afirmar que Einstein meramente confirmou o que Tomás de
Aquino ensinou é uma bobagem sem tamanho, pois ao tempo do “Dou­
tor Angélico” a física era muito primitiva. Entretanto, a afirmação tem a
ver com o fato de São Tomás, como todo filósofo, ter trabalhado com os
conceitos de espaço e tempo. E aqui, por associação de idéias, vale citar
o trabalho de um grande e original tomista do último século, o padre
jesuíta Bernard J. F. Lonergan, que, na sua obra monumental ([190], pp.
157 e ss.), mostra que os lugares e instantes particulares não têm inteli­
gibilidade própria, distinguem-se entre si “as a matter offact”. Se fosse
verdade que dois acontecimentos simultâneos para um observador de­
vessem ser simultâneos para todos os observadores, então a expressão
matemática da simultaneidade deveria ser invariante. Ora, não há razão
para se esperar invariância nas expressões da simultaneidade, porque a
invariância resulta sempre de uma abstração, não sendo, portanto, pos­
sível formular juízos abstratos a respeito de lugares e instantes particu­
lares. Ou por outras palavras: como sabemos da nossa estrutura cognos-
citiva, as coisas particulares são conhecidas através dos sentidos; mas os
nossos sentidos conhecem sob condições espaço-temporais; logo, se se
quiser procurar um invariante, este terá que ser encontrado sempre no
nível da inteligência, a qual, por abstração das coisas particulares, pode
chegar a expressões invariantes. E Lonergan comenta às pp. 330 e ss:
entre um espaço-tempo absoluto (Newton) e a invariância das leis do
eletromagnetismo (Maxwell) com relação a todos os sistemas de refe­
rência, Einstein optou pela segunda, rejeitando a primeira alternativa.
Ver essa discussão em [191], pp. 210 e ss.}}.
Sem compromisso religioso em termos formais, Einstein tinha,
porém, uma profunda admiração religiosa ao contemplar a imensidão,
unidade, harmonia racional e beleza matemática do Universo. Em pa­
lestra proferida já ao final da vida, ele disse: “A mais bela e profunda
experiência que um ser humano pode ter é o sentido do mistério. É o
princípio fundamental da religião e de todo esforço sério na arte e na
ciência. Quem nunca tem esta experiência, se já não tiver morrido, está
cego, na minha opinião” ([20], citado em [16]).
Em entrevista a The Saturday Evening Post, no dia 26/10/1929, p.17
([16] e [21]), ele dizia: “...eu sou judeu, mas sou fascinado pela figura do
Nazareno”. Comentando, na mesma entrevista, o livro de Emil Ludwig
sobre Jesus, Einstein disse: “Jesus é demasiadamente grande para a pena
de qualquer escritor, por melhor que seja.” E perguntado se aceitava a
historicidade de Jesus, afirmou: “Sem a menor sombra de dúvida. Nin­
guém pode ler os Evangelhos sem sentir a presença atual de Jesus. Sua
personalidade pulsa em cada uma de suas palavras. Nenhum mito pode
ser mantido com tal vida.” O entrevistador menciona o livro de Ludwig
Lewinsohn, segundo o qual muitas das frases de Jesus são paráfrases de
coisas ditas pelos profetas, ao que Einstein replicou: “Ninguém pode
negar nem que Jesus existiu, nem que o que ele disse é lindo. Mesmo
se alguém disse o mesmo antes, nenhum outro exprimiu as coisas de
modo tão divino quanto ele.” Einstein teria dito que Jesus foi o maior
dos judeus [16].
Seu conceito sobre os padres não era muito bom, ao dizer: “Se se pu­
rificarem o Judaísmo tal como proposto pelos Profetas, e o Cristianismo,
tal como o ensinou Jesus, de todas as adições posteriores, especialmente
as feitas pelos padres (priests), fica-se com um ensinamento que é capaz
de curar todas as mazelas sociais da humanidade” ([22], citado em [21]).
No dia 19/01/1936 uma criança no segundo ano do curso funda­
mental em Nova York, escreveu a Einstein, perguntando se os cientistas
rezam. Einstein respondeu: “A pesquisa científica é baseada na ideia de
que tudo o que acontece é determinado pelas leis da natureza [...] Por
isso um pesquisador científico dificilmente seria inclinado a acreditar
que os acontecimentos possam ser influenciados por uma oração, isto é,
um desejo endereçado a um Ser sobrenatural” ([23], citando [24]).
A frase seguinte de Einstein a respeito de um “Deus pessoal” está
cm [26], apud [25]: “Certamente a doutrina de um Deus pessoal in­
terferindo com os acontecimentos naturais nunca poderá ser refutada
pela ciência, pois esta doutrina sempre poderá se refugiar nos domínios
onde o conhecimento científico ainda não está amadurecido.” {{Efetiva­
mente, não parece ser possível demonstrar cientificamente que tal acon­
tecimento foi ou não milagre, isto é, resultado de oração; o que prova o
milagre é a convicção subjetiva do agraciado. Como dito na introdução
deste trabalho, são inúmeras as “coincidências”, na realidade às vezes
pequenas “delicadezas” da Providência Divina; qualquer pessoa que te­
nha fé razoavelmente robusta, sabe disto. Aparentemente Einstein não
teve muitos contatos com tais pessoas, que efetivamente escasseiam
atualmente em atmosferas mais intelectualizadas}}.
E ainda em [27], apud [25]: “Meu Deus criou leis que tomam con­
ta [do Universo], Seu universo não é regido por desejos [humanos]
(“wishful thinking”), mas por leis imutáveis.” Em uma carta ([28], apud
[29]), Einstein escreveu:

Parece-me que a ideia de um Deus pessoal é um conceito antropomór-


fico que eu não posso levar a sério. Eu me sinto incapaz de imaginar
alguma vontade ou finalidade fora da esfera humana. Meu conceito [a
respeito] se aproxima do de Spinoza: admiração pela beleza e pela sim­
plicidade lógica da ordem e harmonia de que nós nos podemos apro­
priar, mas só humilde e imperfeitamente. Eu creio que nós temos que
nos contentar com nosso conhecimento e compreensão imperfeitos e
tratar os valores e obrigações morais como um problema puramente
humano - o mais importante de todos os problemas.

{{Neste último texto Einstein se revela panteísta? Talvez pelo fato de


se aproximar de Spinoza, que é considerado panteísta. Mas outros textos,
inclusive alguns já citados, indicam que seu Deus era distinto do uni­
verso, como, por exemplo, no seguinte, citado em [28]}}: “Todo aquele
seriamente envolvido na pesquisa científica se convence que um espírito
se manifesta nas leis do Universo - um espírito muito superior ao do ser
humano e em vista do qual, nós, com nossos humildes poderes, temos
que nos sentir humildes.” E continua no mesmo texto: “Neste sentido, a
pesquisa na ciência conduz a um sentimento religioso especial, o qual
é bem diferente de uma religiosidade mais ingênua.” {{E em [31], cita­
do em [30], mais claramente ainda mostra que não era panteísta}}: “Eu
quero saber como Deus criou o mundo. Eu não estou interessado neste
ou naquele fenômeno [...], Eu quero saber Seu pensamento; o resto é
detalhe.” Ou ainda: “O que eu estou realmente interessado em saber é se
Deus poderia ter criado o mundo de um modo diferente; ou por outras
palavras, se a condição de simplicidade lógica admite uma margem de
liberdade” (“ob die Forderung der logischen Einfachheit überhaupt eine
Freiheit làsst” [17], p.265). E em outro texto: “Minha religião consiste
em uma humilde admiração do Espírito superior ilimitado que se revela
nos pequenos detalhes que nós somos capazes de perceber com nossas
pequenas mentes. A convicção profundamente emocional da presença
de um Poder inteligente superior, que é revelado no universo incom­
preensível, forma minha ideia de Deus” ([33], apud [34]).
As frases de Einstein sobre Deus são numerosas e várias delas têm
sido muito citadas. No contexto de que ele não acreditava num “Deus
pessoal”, conforme definido acima, vale acrescentar que Einstein se re­
velou um determinista radical a respeito do mundo que de fato existe
(com a interrogação acima se o mundo poderia ser diferente). Este de­
terminismo aparece de forma radical na seguinte frase de uma carta a
propósito do amor aos inimigos [28]: “Eu concordo com sua observação
a respeito do amor ao inimigo [...]. Mas dentro do meu ponto de vista
[...] eu não posso odiá-lo porque ele tem que fazer o que faz.”
“Qual o sentido da vida humana [...]? Saber a resposta a esta inter­
rogação significa ser religioso” ([123], apud [121], p .ll). “... existe um
terceiro estágio de experiência religiosa [...]: eu o chamo de sentido re­
ligioso cósmico. É muito difícil explicar este sentimento para alguém
que não o tenha, especialmente porque não há um conceito antropo-
mórfico de Deus correspondente a ele. O indivíduo sente [...] a sublime
e maravilhosa ordem que se revelam na natureza e no mundo do pen­
samento [...].” “Um contemporâneo disse [...] que nesta nossa sociedade
materialista em que vivemos, os que se dedicam ao trabalho científico
seriamente são as pessoas mais profundamente religiosas” ([124], apud
[121], p.40). “A gente dificilmente encontrará entre os espíritos cien­
tíficos mais profundos algum que não tenha um sentimento religioso
[...]. Seu sentimento religioso tem a forma de uma admiração extasia­
da diante da harmonia das leis da natureza” ([132], apud [121], p.40).
“Mas a ciência só pode ser criada por aqueles que estão completamente
imbuídos da aspiração pela verdade e compreensão. A fonte deste sen­
timento, entretanto, provém da esfera religiosa [...]”. “E assim me parece
que a ciência não somente purifica o impulso religioso do lixo do antro-
pomorfismo, mas também contribui para uma espiritualização religiosa
da nossa compreensão da vida”, (id., p.49).
Há, aparentemente, muito poucos pronunciamentos de Einstein
sobre a vida após a morte. Perguntado certa vez se tinha fé numa vida
futura, ele respondeu: “Não, eu tenho fé no universo, porque ele é ra­
cional. E eu tenho fé no objetivo da minha vida aqui na Terra. Eu tenho
fé na minha intuição, na [...] minha consciência, mas não tenho fé em
especulações a respeito do céu e do inferno” ([192], p.94, apud [17],
p.220, nota 120). {{Esta ausência de fé na vida eterna não é de se estra­
nhar, pois Einstein não acreditava em religião revelada. Mas, por outro
lado, não deixa de ser um pouco estranho o fato de ele desconsiderar,
aparentemente, os motivos racionais que tornam plausível a existência
de vida eterna, a saber, o desejo mais profundo do ser humano por fe­
licidade completa e, por outro lado, a injustiça reinante nesta vida, a
partir da qual se poderia arguir a bondade de Deus se tudo terminasse
com a morte}}.

Eddington [189], [200]


Sir Arthur Stanley Eddington (1882-1944) foi um astrofísico inglês.
Eddington nasceu em uma família Quaker. Desde cedo mostrou gran­
de talento para a matemática e ganhou diferentes prêmios e bolsas que
permitiram que financiasse seus estudos. No primeiro ano, no Owens
College em Manchester, tomou cursos de cultura geral, mas nos três
anos seguintes se concentrou em física, tomando também cursos de ma­
temática e completando o B.Sc., com first dass honours em 1902.
Ingressou no Trinity College na Universidade de Cambridge em
1903, com uma bolsa anual inicial de 75 libras, que foi aumentada para
cem libras a partir do segundo ano, tornando-se sênior wrangler a par­
tir do final do ano e obtendo o M.A. em 1905. Um de seus professores
então foi A. N. Whitehead (□), famoso coautor, com Bertrand Russell,
do Principia Mathematica. Começou suas pesquisas no laboratório Ca-
vendish, na própria Universidade de Cambridge, mas aceitou convite
no final de 1905 para uma posição no Real Observatório de Greenwich.
Ele foi imediatamente integrado a um projeto de pesquisa iniciado em
1900, quando placas fotográficas do asteroide Eros foram tiradas duran­
te todo um ano. Sua primeira tarefa foi terminar a análise dessas placas e
determinar precisamente o valor da paralaxe solar. Desenvolveu um mé­
todo novo para resolver o problema, o que lhe valeu o prêmio Smith em
1907. Esse prêmio, por sua vez, foi a porta de entrada para uma fellowship
no Trinity College, em Cambridge.
Em dezembro de 1912, George Darwin, um dos filhos de Charles
Darwin, morreu e Eddington foi nomeado para substituí-lo como pro­
fessor de astronomia e de “filosofia experimental”. Como o titular da
outra cadeira de Astronomia de Cambridge, a Lowndean chair, também
morreu no ano seguinte, Eddington tornou-se o diretor do observatório
de Cambridge, assumindo assim a responsabilidade da astronomia teó­
rica e experimental na Universidade.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Eddington foi chamado para
o serviço militar. Como quaker e pacifista, recusou-se a servir no Exér­
cito e pediu para participar de um serviço alternativo, mas isso não era
possível naquela época. Alguns amigos cientistas resolveram o proble­
ma pronunciando-se em seu favor para dispensá-lo do serviço militar,
alegando sua importância para a ciência.
Em 1915 começou a se interessar pela Teoria Geral da Relatividade
de Einstein (□), principalmente porque essa nova teoria podia explicar
o avanço, inexplicado até então, do periélio de Mercúrio. Eddington fez
importantes contribuições para a Teoria da Relatividade. Em 1919 es­
creveu o Report on the relativity theory of gravitation, que divulgou a
Teoria Geral da Relatividade de Einstein para o mundo anglófono. De­
vido à Primeira Guerra Mundial, os novos desenvolvimentos da ciência
alemã não eram bem conhecidos no Reino Unido.
Após a guerra, Eddington foi às ilhas São Tomé e Príncipe, no oeste
da África, onde um eclipse solar total seria visível em 29 de maio de 1919.
Segundo a relatividade geral, uma estrela visível nas proximidades do Sol
deveria aparecer em uma posição ligeiramente afastada da posição “real”,
porque sua luz deveria ser ligeiramente desviada pela ação da gravitação
exercida pela massa do Sol. Esse efeito pode ser observado somente du­
rante um eclipse total do Sol, pois do contrário a luminosidade do Sol im­
pede a visibilidade da estrela em questão. A relatividade geral predizia um
desvio duas vezes maior do que o predito pela gravitação newtoniana.
Durante o eclipse, Eddington tirou diversas fotografias das regiões
situadas em torno do Sol. Uma das fotografias de Eddington do eclipse
de 1919, apresentada no seu artigo de 1920, anunciava seu sucesso. O
tempo não estava bom, encoberto de nuvens, e as placas fotográficas re­
velaram-se de péssima qualidade e difíceis de medir. Ele anotou mesmo
assim no seu caderno: “...uma placa que medi confirmava as predições
de Einstein” (□).
Esse resultado, cuja exatidão foi confirmada pouco depois, no
eclipse solar em Sobral, no Ceará, foi aclamado como uma prova con­
clusiva da Relatividade Geral; a notícia foi publicada em jornais em todo
o mundo como uma importante descoberta. Na realidade, o desvio me­
dido a partir das fotos em Sobral era menor do que aquele observado,
com o mau tempo, nas ilhas africanas. Segundo o Pe. Paul Schweitzer SJ.
a solução das equações de Einstein, apresentada pelo próprio, continha
um erro, que ele corrigiu antes do eclipse em Sobral; a discrepância en­
tre os resultados, atribuída à nebulosidade nas ilhas africanas, se devia
ao erro mencionado; para “sorte” de Einstein, ele corrigiu o erro antes
das fotos em Sobral.
Nesse contexto vale referir que constava à época, no vulgo, que so­
mente três pessoas compreendiam bem a Teoria da Relatividade; quan­
do perguntado por um repórter que sugeriu isso, Eddington replicou
brincando “Oh, whos the third?” (Oh, quem é a terceira?).
Eddington deu curso sobre a Teoria da Relatividade em Cambridge e
escreveu um livro, Mathematical Theory of Relativity, sobre o qual Eins­
tein disse: “... thefinest presentation ofthe subject in any language”. Ele
era um expositor brilhante de física e astronomia, capaz de comunicar
os mais difíceis conceitos numa linguagem simples e fascinante.
Eddington também estudou o interior das estrelas e calculou a tem­
peratura, baseando-se na energia necessária para manter a pressão exer­
cida pelas camadas próximas da superfície, concluindo que deveria ser
de milhões de graus. Com isso, descobriu a relação massa-luminosidade
das estrelas.
Eddington calculou também a abundância do hidrogênio nas es­
trelas e elaborou uma teoria explicando a pulsação das estrelas Cefeidas.
O fruto dessas pesquisas está relatado em seu importante trabalho The
Internai Constitution ofStars (1926).
Em 1920, tomando como base as medidas precisas de átomos efe­
tuadas por Francis Aston, Eddington sugeriu que a fonte de energia
das estrelas provinha da fusão nuclear do hidrogênio em hélio. Mas ele
não foi o primeiro a fazer essa conjectura, e sim Jean Baptiste Perrin,
que recebería o prêmio Nobel. Essa teoria revelou-se correta, e, no
meio tempo, Eddington manteve um longo debate com James Jeans
(n), que acreditava que essa energia proviesse da contração da estrela
sobre si mesma.
O “limite Eddington”, batizado com seu nome, é o limite natu­
ral que a luminosidade pode ser irradiada por um objeto. Eddington
era fascinado pelas constantes fundamentais da natureza e descobriu
algumas coincidências surpreendentes, a maior parte das quais foi pu­
blicada em obra póstuma, Fundamental Theory (1946). Seu objetivo
era construir uma enorme síntese relativística do universo físico, seu
objetivo sendo nada menos que unificar a Teoria da Relatividade e a
Mecânica Quântica.
Eddington foi um intérprete hábil, para os filósofos, da importância
das últimas descobertas científicas, tendo ele mesmo escrito também
várias obras de caráter filosófico como The Nature of the Physical World
(1928), New Pathways of Science (1935) e The Philosophy of Physical
Science (1939).
Eddington tornou-se Sir em 1930 e recebeu a Ordem do Mérito
em 1938. Recebeu ainda diversas outras honrarias, entre elas a meda­
lha de ouro da Astronomical Society o f the Pacific (1923), a medalha
de ouro da Royal Astronomical Society (1924), da National Academy
o f Washington (1924), da Société astronomique de France (1928) e da
Royal Society (1928). Além de ser eleito para a Royal Society, foi tam ­
bém eleito para a Royal Society o f Edinburgh, a Royal Irish Academy, e
a National Academy of Sciences, bem como para diversas outras socie­
dades científicas.
Uma cratera lunar recebeu seu nome, assim como o asteroide nú­
mero 2.761. Eddington era um homem religioso. Em polêmica com
Bertrand Russell, escreveu: “O ponto de partida da fé na religião é a
convicção do sentido [das coisas]. [...] o apelo à convicção deste tipo
tem sido o fundamento da religião através dos tempos e eu não quero
passar a impressão de que agora achamos algo novo e mais científico
que lhe seja substituto. Eu repudio a ideia de provar a fé religiosa seja
através dos dados da física, seja pelo método dela” (A. Eddington, The
Nature of Physical World, p. 333, apud [189], p. 168).
Reforçando esta última frase, escreveu:

É certo, provavelmente, que as recentes mudanças no pensamento cien­


tífico removeram alguns obstáculos para a reconciliação da religião com
a ciência, mas isto deve ser claramente distinguido de qualquer proposta
de fundamentar a religião em descobertas científicas [...]. Nós aprende­
mos que a exploração [científica] do mundo pelos métodos da física não
nos conduz a uma realidade concreta, mas a um mundo de sombra [...].
Se você perguntar a um físico hoje em dia [sobre a natureza do] elétron,
a resposta não será em termos de bolas de bilhar [...] ou qualquer coisa
concreta; ele indicará, ao invés, um conjunto de símbolos e de equações
matemáticas [...]. O que estes símbolos significam? A resposta surpre­
endente é que a física é indiferente a isto, não tem sentido querer saber
o que está por trás dos símbolos (A. Eddington, Science and the Unseen
World, (“Ciência e o mundo que não é visto”) p.45, apud [189], p. 169).

Por outro lado,

...eu não sugiro que a nova física ‘prove a religião’, ou mesmo que dê
qualquer fundamento para a fé religiosa. Mas ela fornece sólidos funda­
mentos para uma filosofia idealista, a qual, eu sugiro, é hospedeira para
uma religião espiritual, entendendo que o ‘hóspede’ deve proporcionar
suas próprias credenciais. Em resumo, o novo conceito do universo físi­
co me coloca numa posição de defesa da religião contra [...] a acusação
de ser incompatível com a ciência física. [Mas] não é uma panaceia con­
tra o ateísmo (A. Eddington, artigo em The Freethinker (“O livre pensa­
dor”), apud [189], p. 169).

E argutamente: “É portanto uma certa anomalia que entre as muitas


experiências humanas fora do âmbito da física, se destaque apenas a
religião como tendo que se reconciliar com a física. [...]. Se é necessá­
ria uma defesa [da religião], então é necessária também uma defesa da
[sensibilidade] estética. [Há] um sentimento interior de crescimento e
realização no exercício [da percepção] estética, bem como no exercício
do [sentimento] religioso”, (id., apud [189], p. 175).
“Na nossa natureza, ou através do contato de nossa consciência
com uma natureza que nos transcende [...] um sentido de beleza, de
moralidade, e finalmente, na raiz de toda religião espiritual, uma ex­
periência que nós descrevemos como a presença de Deus. Ao sugerir
que estas coisas constituem um mundo espiritual, eu não estou tentando
substancializá-las ou objetivá-las e transformá-las em algo diferente da­
quilo que nós experimentamos” (Eddington, apud [189], p. 175).
E, novamente, de modo arguto: “Se Deus significa algo em nosso
dia-a-dia, eu creio que não seria falta de lealdade à verdade, ao falar
e pensar sobre ele de modo não científico, assim como não é falta de
lealdade à verdade falar e pensar de modo não científico sobre nossos
companheiros ao longo da vida” (id., ibid., p. 176).
Victor Hess [312], [314]
Victor Franz Hess (1883-1964), prêmio Nobel de física em 1936
pela descoberta dos raios cósmicos, juntamente com Carl D. Anderson,
do Caltech pela descoberta do pósitron, nasceu perto de Peggau, na
província de Steiermark, na Áustria. Seu pai, Yinzens Hess, trabalha­
va para um príncipe do Império Austro-Húngaro, e sua mãe era Edle
von Grossbauere-Waldstát. Sua inteira educação foi em Graz, na Áus­
tria: gymnasium (1893-1901) e a Universidade de Graz (1901-1905),
obtendo o grau de doutor em 1910. Durante pouco tempo trabalhou
no Instituto de Física de Viena, iniciando-se nas recentes pesquisas de
radioatividade. De 1910 a 1920 foi assistente no Instituto de Pesquisas
em Radioatividade na Academia Vienense de Ciências.
Em 1919 recebeu o prêmio Lieben pela descoberta dos raios cósmi­
cos, na época chamados de ultrarradiação, e no ano seguinte tornou-se
professor extraordinário (isto é, adjunto ou associado, na nossa nomen­
clatura) de física experimental na Universidade de Graz.
Casou-se em 1920 com Maria Bertha Warner Breisky, de ascen­
dência judaica. De 1921 a 1923 obteve uma licença para trabalhar nos
Estados Unidos, onde foi o diretor de um Laboratório de Pesquisa,
criado por ele, da U.S. Radium Corporation, em Orange, Nova Jérsei,
e trabalhou também como consultor em física para o Departamento de
Interior em Washington, D.C.
Retornando à Universidade de Graz em 1923, foi eleito professor
ordinarius (igual a catedrático ou titular, na nossa denominação atual)
de física experimental em 1925. Mas em 1931 foi escolhido para pro­
fessor da Universidade de Innsbruck, também na Áustria, e diretor
do à época recém-fundado Instituto de Radiologia. Ele montou uma
estação de observação no Hafalekar, uma montanha de 2.300 metros,
perto de Innsbruck, para medir e estudar os raios cósmicos. Victor
Hess, casado com uma judia, fugiu da perseguição nazista em 1938,
dois meses depois do “Anschluss” (a anexação da Áustria à Alema­
nha), indo para os Estados Unidos, escapando através da Suíça, pou­
cas semanas antes da ordem de prendê-lo e levá-lo para um campo de
concentração.
Em 1944 naturalizou-se cidadão norte-americano. Nos Estados
Unidos realizou uma série de pesquisas e medidas, todas ligadas a radia­
ções, inclusive a produzida pelos testes da bomba atômica. No mesmo
ano em que chegou aos Estados Unidos, em 1938, tornou-se professor
de física na Fordham University, uma universidade dirigida pelos jesuí­
tas, em Nova Iorque. Ele voltou à Europa por um ano, em 1948, como
professor visitante na Universidade de Innsbruck. Tornou-se professor
emérito de Fordham em 1958, passando a residir em Mount Vernon,
N.Y., onde permanecería até o fim da vida.
Além do prêmio Nobel, em 1936, conjuntamente com C. D. Ander-
son, e do prêmio Lieben, recebeu o prêmio e a medalha Ernst Abbe do
Instituto Carl Zeiss em Jena, em 1932. Foi um membro correspondente
da Academia de Ciências de Viena, recebeu as “insígnias honorárias”
para Arte e Ciência do governo da Áustria em 1959. Recebeu o título de
doutor honoris causa de várias universidades, entre as quais Loyola Uni-
versity em Nova Orleans, Loyola University em Chicago, Universidade
de Innsbruck, além da própria Fordham University. Foi fellow da Ame­
rican Physical Society, membro da Academia Pontifícia de Ciências em
Roma (aliás, no Vaticano), membro da Sociedade de Física da Suíça e da
Physical Society de Londres.
O trabalho de Hess que lhe valeu o prêmio Nobel foi feito durante
os anos 1911-1913 e publicado nos Anais da Academia de Ciências de
Viena. Foi um trabalho metódico, utilizando também balões. Hess pu­
blicou cerca de sessenta artigos {{numa época em que ainda não havia
o “publish orperish”, publique ou morra (academicamente), que se tor­
nou dominante nas universidades em tempos mais recentes}} e muitos
livros, dos quais os mais importantes foram Die Wãrmeproduktion des
Radiums (“A produção do calor pelo radium”) em 1912; Konvektionsers-
cheinungen in ionisierten Gasen-Ionenwind (“Fenômenos de convecção
em gases ionizados”) em 1919-1920; The measurement of gamma rays
(“A medida dos raios gama”) em 1916, com R.W. Lawson; The counting
ofalpha particles emitted from radium (“A contagem de partículas alfa
emitidas pelo radium”) em 1918 também com R. W. Lawson; e os livros
Elektrische Leitfãhigkeit der Atmosphàre und ihre Ursachen, em 1926,
traduzido para o inglês como The Electrical Conductivity of the Atmos-
phere and Its Causes, em 1928 (“A condutividade elétrica da atmosfera
e suas causas”); Ionenbilanz der Atmosphàre (“A contagem da ionização
na atmosfera”), em 1933; Luftelektrizitàt (“Eletricidade do ar”), 1928,
com H. Benndorf; Lebensdauer der Ionen in der Atmosphàre (“Duração
dos íons na atmosfera”), 1927-1928; Schwankungen der Intensitàt in den
kosmischen Strahlen (“Variações na intensidade dos raios cósmicos”),
1929-1936.
Ele enviuvou em 1955 e casou-se no mesmo ano com Elisabeth M.
Hoencke. Era católico e republicano.
Schrõdinger [17], [250], [330], [333], [403], [405]
Erwin Rudolf Josef Alexander Schrõdinger (1887-1961) foi prêmio
Nobel de física em 1933 pela sua importantíssima contribuição para a
mecânica quântica com a equação que leva o seu nome. Nasceu em Vie­
na, no então Império Austro-Húngaro. Foi filho de Rudolph Schrõdin­
ger e Georgine Emilia Brenda (ou Emily Bauer?). Seu pai tinha uma pe­
quena fábrica de óleo e sua mãe era filha de um professor de química na
Technische Hochschule (Escola Politécnica) de Viena. Sua mãe sendo
meio inglesa, Schrõdinger aprendeu alemão e inglês simultaneamente.
Seu pai era católico e sua mãe era luterana. Em 1898 ingressou no Aka-
demisches Gymnasium. Um dos seus colegas testemunharia mais tarde
que Schrõdinger tinha uma inteligência que lhe permitia aprender tudo
na sala de aula, sem necessidade de trabalho em casa. Era costume de al­
guns professores o chamarem ao quadro negro ao final da aula e lhe co­
locar problemas sobre a matéria dada, que ele resolvia com facilidade.
Entre 1906 e 1910 estudou na Universidade de Viena, aplicando-
se na física ao estudo da mecânica analítica, aplicações à dinâmica das
equações diferenciais de derivadas parciais, problemas dos autovalores,
equações de Maxwell e teoria eletromagnética, ótica, termodinâmica e
mecânica estatística. Na matemática ele estudou o cálculo diferencial e
integral, a álgebra, equações diferenciais, e estatística matemática, além
de geometria projetiva, curvas algébricas e grupos contínuos.
Em 1910 doutorou-se, apresentando uma tese sobre a condução da
eletricidade sobre a superfície de materiais isolantes com ar úmido. Em
1914 obteve a habilitation, ou seja, autorização para ensinar em Univer­
sidade, algo análogo à nossa antiga livre-docência. Não foi um trabalho
brilhante, inclusive a aprovação não foi unânime. De acordo com [333],
citado em [332], “o trabalho científico de Schrõdinger nos seus primei­
ros anos foi inibido pelo fato de não haver em Viena um grupo de físicos
teóricos de primeira classe com os quais ele pudesse trocar idéias”.
Em 1914 publicou seu primeiro trabalho importante, desenvolven­
do idéias de Boltzmann. Com o início da guerra, foi enviado à fronteira
com a Itália. Durante o tempo da guerra, entretanto, sua atividade de
pesquisa científica em física teórica não sofreu interrupção, submeten­
do um segundo artigo para publicação. Em 1915 foi transferido para a
Hungria, continuando a submeter artigos para publicação. Em 1917 foi
enviado de volta a Viena para dar um curso sobre meteorologia, e foi
nessa época que ele publicou seu primeiro trabalho sobre teoria quân­
tica. Com o fim da guerra, continuou a trabalhar em Viena, e de 1918
a 1920 fez contribuições substanciais à visão das cores. Ele trabalhou
tunibém em radioatividade, provando a natureza estatística do decai­
mento radioativo. Fez também importantes contribuições sobre a teoria
cinética dos sólidos, estudando a natureza das redes de cristais.
Casou-se em 1920 com Annemarie Bertel e no mesmo ano tornou-
se assistente de Max Wien, na Universidade de Jena, passando no mesmo
ano à posição de Ausserordentlicher Professor (literalmente, “professor ex­
traordinário”, mas equivalente ao nosso professor associado ou adjunto)
em Stuttgart. No ano seguinte era contratado como Ordentlicher Professor
(isto é, professor titular) em Breslau (atual Wroclav, na Polônia).
Depois de três mudanças de emprego em dezoito meses, se transfe­
riu de novo, para uma cátedra na Suíça. Durante esse período de várias
mudanças, dedicou-se bastante à ótica fisiológica, continuando suas pes­
quisas sobre a visão de cores. Em Zurique, se tornou amigo de Hermann
Weyl, grande matemático, graças a quem ele obteve um conhecimento
mais profundo de matemática, que se tornaria muito importante para o
seu trabalho posterior. A atmosfera intelectual de Zurique era apropria­
da para Schrõdinger e foi lá que ele fez as suas contribuições científicas
mais importantes. A partir de 1921 começou a estudar a estrutura do
átomo e a partir de 1924 começou a estudar estatística quântica.
A leitura da tese de De Broglie (um dos construtores da mecânica
quântica) foi um ponto de inflexão nas pesquisas de Schrõdinger. Pouco
depois deu uma palestra sobre a tese de De Broglie e uma das pessoas da
audiência, aluno de Sommerfeld, sugeriu que deveria haver uma equa­
ção de onda. Poucas semanas depois, Schrõdinger encontrou a equação
de onda da mecânica quântica, equação que recebeu o seu nome.
Em 1926 publicou esse resultado revolucionário nos Annalen der
Physik (Anais de Física) no artigo “Quantisierung ais Eigenwertproblem”
(“Quantização como um problema de valores próprios”). Esse artigo foi
universalmente reconhecido como uma das mais importantes conquis­
tas do século XX, produzindo uma revolução na mecânica quântica e,
consequentemente, na física e na química. Um segundo artigo foi sub­
metido, apenas quatro semanas depois, que resolvia o oscilador harmô­
nico quântico e dava uma nova prova da equação de Schrõdinger. Um
terceiro artigo, pouco depois, mostrava a equivalência do seu método ao
de Heisenberg (□) (mecânica matricial).
E um quarto artigo nesta série notável estudou o caso em que os
sistemas mudam com o tempo, como no “espalhamento”. (De acordo
com [332] foram seis os artigos no mesmo ano e nos quais ele relaciona­
va também a Teoria Geral da Relatividade com a mecânica quântica). A
formulação da mecânica quântica havia sido precedida pela de Heisen-
berg, a “mecânica matricial”. Como dito acima, Schrôdinger percebeu a
equivalência das duas formulações.
Esses artigos foram a realização central da sua carreira e foram logo
reconhecidos como de grande importância pela comunidade científi­
ca. Planck aclamou esse resultado como algo que marcou uma época,
enquanto Einstein escreveu: “...a ideia de seu trabalho provém de um
verdadeiro gênio.” No final do mesmo ano, aceitou convite para ensi­
nar na University of Wisconsin em Madison, tendo recebido proposta
de posição permanente, mas preferiu voltar para a Europa; com efeito,
nesse meio tempo, havia sido convidado para suceder Max Planck (o)na
Friedrich Wilhelm Universitât em Berlim, para onde foi em 1927. Em
1933 decidiu deixar a Alemanha, pois não concordava com o antissemi-
tismo nazista reinante.
Aqui cabe dizer que Schrôdinger teve muitas amantes, sua mulher
sabia disso e ela mesma tinha um amante, Hermann Weyl, que era ami­
go de Schrôdinger. Tendo sido lhe oferecida uma posição em Oxford,
ele pediu que seu colega, Arthur March, também fosse convidado, o que
foi aceito por Oxford. A razão do pedido de Schrôdinger é que a mulher
de March, Hilde, era sua amante, tendo inclusive engravidado dele. Eles
foram para Oxford e, a partir daí, Schrôdinger passou a viver com as
duas!!!
Pouco depois de ali chegar, recebeu o prêmio Nobel com Paul
Adrien Maurice Dirac. Entretanto, sua posição em Oxford tornou-se
difícil em função da sua vida pessoal, vivendo com duas mulheres. Em
1934 ensinou na Princeton University, NI, Estados Unidos. Foi-lhe ofe­
recida uma posição, mas provavelmente o fato de viver com uma esposa
e uma amante também foi um problema lá. Havia a possibilidade de
uma posição na Universidade de Edinburgh, na Escócia, mas problemas
burocráticos fizeram com que acabasse aceitando uma posição na Uni­
versidade de Graz, na sua Áustria natal, em 1936.
Em 1935 publicou um trabalho em três partes, “The present situa-
tion in quantum mechanics” (O estado atual da mecânica quântica), no
qual aparecia o paradoxo que foi denominado o “gato de Schrôdinger”.
Tratava-se de um thought experiment (experiência pensada) em que um
gato estaria vivo ou morto conforme um evento quântico ocorresse ou
não. O paradoxo era que o gato dentro da caixa estava vivo e morto até
a caixa ser aberta, quando ele passaria a ficar numa das duas situações.
Com essa experiência pensada, aplaudida por Einstein, Schrôdinger
pretendia refutar a chamada “interpretação de Copenhague” da mecâ­
nica quântica, segundo a qual a natureza é, em si mesma, indetermina­
da. Tanto Schrõdinger como Einstein julgavam que a mecânica quântica
ainda estava incompleta.
Em 1938, quando Hitler ocupou a Áustria, Schrõdinger teve pro­
blemas com os nazistas em virtude de sua posição conhecida. Ele então
divulgou um documento em que voltava atrás. (Ele depois lamentou
profundamente esta sua atitude e pediu desculpas a Einstein). Isto não
foi suficiente e a Universidade o demitiu por ser politicamente não con­
fiável. Em 1940 recebeu um convite do Institute for Advanced Studies
em Dublin, Irlanda, graças à intervenção de De Valera, então presidente
da Liga das Nações. Ele tornou-se diretor da Escola de Física Teórica do
Instituto e ali permaneceu por volta de quinze anos, inclusive tornando-
se cidadão irlandês. {{Não deixa de ser curioso o fato de a sua bigamia
não ter sido obstáculo decisivo para sua contratação na supercatólica
Irlanda, apesar de tê-lo sido em Oxford e em Princeton...}}.
Em Dublin se aplicou ao estudo da teoria eletromagnética e relati­
vidade e começou a publicar sobre uma teoria dos campos unificados,
seu primeiro artigo neste assunto tendo sido em 1943. Sua correspon­
dência com Einstein foi retomada em 1946 e em 1947 ele pensou que
tivesse conseguido um resultado extremamente importante naquilo que
era o objeto, havia muitos anos, de Einstein, a Teoria dos Campos Unifi­
cados. Ele chegou a dar entrevista à grande imprensa sobre essa suposta
descoberta sensacional, mas estava redondamente errado...
Em 1944 escreveu um texto, “What is Life?” (O que é a vida?), que
não era propriamente sobre física, mas sobre macromoléculas com o
código genético dos seres vivos. Tanto James D. Watson como Fran-
cis Crick, os descobridores da dupla hélice do DNA, reconhecem que o
texto de Schrõdinger teve influência sobre eles. Em Dublin ele perma­
neceu consistente na sua paixão, envolvendo-se em escândalos amoro­
sos, inclusive tendo gerado dois filhos de duas irlandesas. Schrõdinger
permaneceu em Dublin até se aposentar, por volta de 1955, voltando
para Viena onde publicou em 1961 Meine Weltansicht (“Minha visão do
inundo”), um livro que define a sua metafísica.
Durante os últimos anos de vida, Schrõdinger continuou interes­
sado em física-matemática, trabalhando em relatividade geral, teoria
unificada dos campos e física dos mesons. ’
Schrõdinger foi batizado católico e assim permaneceu ([332] e
1250]), apesar de sua atitude moral com relação ao matrimônio. A par '
disso, sempre teve um grande interesse pela filosofia Vedanta do hin-
duismo, conforme atestado no seu texto ([331], pp. 18-22, apud [17],
p.235), que influenciou suas idéias contidas no livro What is life?.
De acordo com Max Jammer ([17], p. 159), Erwin Schrõdinger con­
siderava que os conceitos relativistas de espaço e tempo podiam ter im­
plicações teológicas. Escrevia ele: “Eu suponho que foi isto, o destronar
do tempo como tirano na regra inquebrável do antes e depois’. Efetiva­
mente, o tempo é o nosso dono mais severo, limitando nossa existência
a limites estreitos - setenta ou oitenta anos [....]. Ser permitido brincar
com isto [....] ainda que em pequena escala, é um grande alívio, parece
encorajar o pensamento que [o tempo] não é provavelmente tão sério
como parecia. E este pensamento é religioso, eu diria que é o pensamen­
to religioso.”
No seu texto Mind and Matter ([403], p. 68, apud [404]) ele diz:
“Nós sabemos que a experiência de Deus [...] é algo tão real como
uma impressão direta dos sentidos, tão real como a própria persona­
lidade.” Em Nature and the Greeks ([405], pp. 95-96, apud [404]), diz:
“De onde vim e para onde vou? [...] A ciência não tem uma resposta
para isso.”
Walter Moore, professor emérito da Universidade de Sidney, re­
lata, segundo [404], que o texto preferido de Schrõdinger nos escritos
Vedas diz:

Quem vê o Senhor habitando em todas as coisas


Mas não perecendo como elas perecem
Este o vê na verdade. Porque quem vê o Senhor
Habitando em todas as coisas, não faz mal a si mesmo.
Este é o caminho mais elevado.

Schrõdinger faleceu de tuberculose em Viena aos 73 anos.

Compton [219], [251], [253], [404]


Arthur Holly Compton (1892-1962), prêmio Nobel de física em
1927, nasceu em Wooster, Ohio, EUA, filho de Elias Compton, que era
professor de filosofia e decano do College (Universidade) de Woorster.
Seu pai era um ministro presbiteriano e sua mãe foi secretária da Socie­
dade Missionária da Igreja Presbiteriana. Teve dois irmãos e uma irmã,
sendo que o mais velho, Karl, também seria físico e president (reitor) do
MIT. Tendo estudado no Woorster College, Compton graduou-se em
1913. Nessa época, considerou a possibilidade de se dedicar a uma car­
reira eclesiástica, mas seu pai o dissuadiu disso, dizendo que ele devia se
dedicar às ciências, pois, “seu trabalho neste campo pode ser um serviço
ao cristianismo maior do que se você se dedicar ao ministério clerical
ou se tornar um missionário” [253]. Essas idéias foram decisivas para
t reconciliação nele das duas grandes influências de sua vida, a saber,
um religioso devoto e o trabalho intelectual. Ingressou então na Uni­
versidade de Princeton, recebendo o M.A. em 1914 e o Ph.D. em 1916.
Neste mesmo ano, casou-se com Betty Charity McCloskey, tendo dois
filhos, o segundo tendo-se tornado professor de filosofia na Vanderbilt
University em Nashville, Tennessee.
Tendo passado pela Universidade de Minesotta, como instrutor
de física, trabalhou como pesquisador de engenharia na Westinghou-
se (sempre teve fascínio pela Engenharia), pesquisou como research
council fellow na Universidade de Cambridge, em 1920 foi escolhido
para Wayman Crow professor de física da Washington University em
St. Louis. {{Nos Estados Unidos, como em outros países, as universi­
dades têm cátedras fundadas, que são mantidas com um fundo doado
por um benfeitor e que dão o nome à cátedra}}.
Três anos depois ele seria feito professor de física na Universidade
de Chicago. Ele retornaria a essa universidade como chanceler em 1945,
seria ainda distinguished professor de “filosofia natural”, aposentando-
se em 1961. Nos seus primeiros anos de estudo de pós-graduação em
Princeton, dedicou-se ao estudo dos raios-X, desenvolvendo uma teoria
sobre a intensidade da reflexão dos mesmos em cristais, como meio de
estudar a organização dos elétrons e átomos. Em 1918 começou a estu­
dar o espalhamento dos raios-X, o que levou à descoberta, em 1922, do
aumento do comprimento de onda dos raios-X devido ao espalhamento
de incidência de elétrons livres, implicando que os quanta espalhados
têm menor energia do que os do feixe original. Este ficou denominado o
“efeito Compton”, que demonstrava a teoria corpuscular para a irradia­
ção eletromagnética. A experiência seria confirmada por outro método,
através da Câmara de C. T. R.Wilson.
Por essa descoberta, Compton recebeu o prêmio Nobel de física em
1927. Além disso, ele descobriu (com C. F. Hagenow) o fenômeno da
reflexão total dos raios-X e sua completa polarização, o que conduziu
a uma determinação mais acurada dos elétrons no átomo. Além de ou­
tras descobertas relativas aos raios-X, Compton liderou nos anos 1930
e 1940 um estudo mundial a respeito da variação da intensidade dos
raios cósmicos. Foi determinado então que a intensidade deles estava
relacionada ao magnetismo terrestre e não, diretamente, à latitude. Isto
deu origem a um estudo intensivo a respeito da interação do campo
magnético terrestre com as partículas carregadas eletricamente que en­
tram na órbita terrestre.
Compton recebeu diversos títulos de doutor honoris causa, a Ru-
mford Gold Medal da American Academy of Arts and Sciences, a Hu­
ghes Medal da Royal Society e a Franklin Medal do Franklin Institute.
Foi presidente da American Physical Society, da American Association
of Scientific Workers e da American Association for the Advancement
of Sciences. Em 1941 foi escolhido pela National Academy of Sciences
para presidir uma Comissão para avaliar o uso de energia atômica na
guerra. Da mesma comissão fizeram parte Enrico Fermi, L. Szilard,
E. P. Wigner e outros. Essas pesquisas conduziram à realização dos
primeiros reatores de fissão controlada de urânio e, eventualmente,
aos grandes reatores em Hanford, Washington, que produziram o plu­
tônio para a bomba de Nagasaki. Ele participou também na decisão de
usar a bomba atômica.
Durante toda sua vida, Compton foi ativo na Igreja, tendo ensinado
na escola dominical em Princeton, ajudando na segunda Igreja Presbi­
teriana de St. Louis e tornando-se membro do Conselho Nacional de
Educação da Igreja Presbiteriana. Foi sempre ecumênico na sua atuação
eclesial, tendo sido presidente do Movimento Leigo Missionário, vice-
presidente (protestante) da Conferência Nacional de Cristãos e Judeus,
presidente da Irmandade Mundial, entre outras atividades. Ele deu aulas
de teologia no Seminário Judaico, do qual recebeu um título honorário
de Litt. D.
Sendo um advogado ardoroso da defesa nacional, Compton teve
que enfrentar um problema pessoal, como cristão, a propósito da guer­
ra. Ele pensava que ciência e tecnologia são, por si, moralmente neutras,
mas a guerra é sempre justa. Sim, dizia, se ela garantir uma paz dura­
doura. Ele estava disposto a pôr em risco a própria vida e dos outros
para a sobrevivência dos valores humanos.
Compton sempre se ocupou do problema da relação entre ciência
e religião, que também havia ocupado a mente de seu pai. De modo
particular, ficou satisfeito com a liberdade permitida pelo Princípio
de Incerteza [Heisenberg (□)] da Mecânica Quântica. Ele afirmava: “A
grande importância da ciência para o ser humano é que ela encoraja
seu crescimento como homem livre.” Para Compton, citando o Salmis-
ta, a ordem do universo “proclama a glória de Deus”. “Não pode haver
conflito entre a Ciência e a Religião”, dizia ele. Compton observava
que São Paulo havia caracterizado um homem religioso como aquele
que está “aberto para todos os valores”. “Possibilitando ao ser humano
perceber mais claramente [os valores humanos], a ciência se tornou
uma aliada da religião”. Para ele, “o sobrenatural é tão real como o
rmindo real da ciência”. Deus, dizia ele, é “a força criadora que controla
o mundo para todos aqueles que querem encontrá-Lo”. “O espírito de
Jesus, vivendo de modo tão vital no homem contemporâneo, me faz
esperar que, seguindo seus passos no meu pequeno caminho, eu tam ­
bém possa viver para sempre.”
“O Deus cristão é o Deus de amor.” “Agora permanecem estas três,
Fé, Esperança e Amor, mas a maior delas é o Amor”, citando São Pau­
lo (1 Cor.13,13). “Isto não é ciência ou natureza, é o sobrenatural.”
“Que ambição mais nobre pode um ser humano ter do que cooperar
com o Criador para fazer o mundo melhor? Meu pai trabalhou nisto
e eu também trabalho.” Num artigo, “Science and the Supernatural”
(1946), ele escreveu: “Desde a minha tenra infância eu aprendi a ver
em Jesus o exemplo supremo de alguém que ama seu próximo e ex­
pressa este amor por atos...” ([404], p.23). “O Deus dos cristãos é o
Deus de amor. ‘Deus é amor’[...] Talvez se deveria explicar que por
amor cristão não se entende uma paixão física nem um sentimento de
adoração e admiração, mas uma amizade que se exprime em fazer o
bem a seu próximo” (id.).
Em artigo no Chicago Daily News (12/04/1936), escreveu: “Para
mim, a fé começa na realização que uma inteligência suprema deu ser
ao universo e criou o homem. Não é difícil para mim ter tal fé, por­
que não há dúvida que onde há um plano, há uma inteligência” (id.).
“Como filhos de Deus, todos os homens são dotados pelo seu Criador
com direito inalienáveis. Esta base cristã para a dignidade do homem é
participada por todos aqueles que reconhecem a paternidade de Deus,
sejam ou não cristãos. Trata-se de uma base para uma fraternidade
que inclui todos os homens, visto que todos são objetos dos cuidados
divinos” (id.).
“Que ambição mais nobre alguém pode ter que cooperar com seu
Criador para fazer um mundo melhor [...] ?” (id.). “[...] não pode haver
conflito entre ciência e religião. A Ciência é um método confiável para
se chegar à verdade. A Religião é a procura para uma base satisfatória
para a vida” (id.).
“A Ciência criou um mundo no qual o cristianismo é uma necessi­
dade” (id.).
“Eu creio que pela sua insistência no valor inerente dos homens e
mulheres individuais, o Cristianismo tem a chave para a sobrevivência
[da humanidade] no mundo moderno” (id.).
Compton faleceu em Berkeley, na Califórnia.
Morse [420], [421], [423]
Marston Morse, como era conhecido e gostava de ser chamado Ha-
rold Calvin Marston Morse (1892-1977), grande matemático, nasceu no
Maine (EUA), vindo a falecer em Princeton. Seu pai foi Harold Calvin
Morse, um fazendeiro e corretor de imóveis, e sua mãe, Ella Phoebe
Marston. Frequentou a Escola elementar e média na sua cidade natal,
Waterville, ingressando no Colby College, na mesma cidade, quando
tinha dezoito anos, ali recebendo o B.A. Ingressou no programa de pós-
graduação em Harvard, obtendo o mestrado em 1915 e o doutorado em
1917, orientado por G. D. Birkhoff, com a tese Certain Types ofGeodesic
Motion of a Surface ofNegative Curvature (“Certos tipos de movimento
geodésico de uma superfície de curvatura negativa”). Ensinou breve­
mente em Harvard antes de ingressar no serviço militar, em função da
Primeira Guerra Mundial. Lutou na França e recebeu a Grand Croix
com cinco estrelas. A guerra não lhe permitiu publicar logo a tese, o
que ocorreria somente em 1921. Voltou para Harvard em 1919, ali per­
manecendo até 1935, tendo sido feito professor titular em 1929. Esteve
como professor também em Cornell e Brown University e, finalmente,
foi para o Institute for Advanced Study, em Princeton, em 1935, onde
permaneceu até sua aposentadoria em 1962. Ele seria o quinto a ser con-
tratatado pelo IAS na área de Matemática e Matemática-Física, depois
de expoentes como Einstein (d ) e Von Neumann (o). Sua aposentadoria
não trouxe modificação no seu trabalho.
Durante sua estada em Cornell, casou-se com Céleste Phelps, com
a qual teve um filho e uma filha, mas o casamento terminou em divórcio
oito anos depois, em 1930. Em 1932 Céleste casou-se com um colega
dele, Osgood, também professor em Harvard, 28 anos mais velho que
ela. Esse casamento produziu um choque em Morse. Foi um escândalo,
que, inclusive, levou Osgood a sair de Harvard. Convertido ao catolicis­
mo, Morse se casou de novo, na Igreja Católica, com Louise JefFerys, em
1940, com a qual teve dois filhos e três filhas.
Morse desenvolveu o Cálculo de Variações Global, um assunto no
qual ele introduziu a Topologia Diferencial; assunto que tem aplicações
a problemas de equilíbrio e de matemática física, como a Teoria de Cor­
das, alternativa atual à Teoria Padrão para as subpartículas. A teoria por
ele desenvolvida tem atualmente o seu nome, a Teoria de Morse, um
ramo da Topologia Diferencial. Ela foi um desdobramento do seu im­
portante artigo de 1925, Relations between the criticai points o f a real
function of n independent variables (“Relações entre os pontos críticos
de uma função real de n variáveis independentes”). No seu obituário,
escrito por um matemático, foi dito: “Ele permanecerá com uma fama
duradoura como o criador desse assunto.”
O que distingue Morse de muitos outros matemáticos famosos foi
a sua persistência ao atacar esse mesmo tema de pesquisa durante toda
a sua vida. E ela é, talvez, segundo [420], a contribuição isolada mais
importante da matemática praticada nos Estados Unidos. Mas essa não
foi a sua única contribuição, porque ele escreveu um total de 180 artigos
e oito livros, cobrindo uma grande variedade de tópicos, incluindo as
superfícies mínimas, teoria de funções de uma variável complexa, geo­
metria diferencial aplicada a problemas de dinâmica. Seu interesse pas­
sava também pelo problema dos três corpos, estudado por Poincaré. E
quis, também, produzir uma versão topológica da teoria quântica, mas
isto permaneceu um sonho não realizado.
Depois de 1935, já no IAS, ocupou várias posições de relevô, in­
cluindo o National Research Council (Conselho Nacional de Pesquisa)
em 1940-1942 e a National Comission on Mathematics, em 1959 a 1963.
Foi vice-presidente da International Mathematical Union, tendo apre­
sentado importantes trabalhos nos congressos por ela organizados de
quatro em quatro anos, especialmente em 1932 em Zurique e em 1950
em Cambridge (EUA). Foi também vice-presidente da American Ma­
thematical Society em 1933 e 1934 e depois em 1941 e 1942.
Morse recebeu várias comendas por seu trabalho científico, en­
tre as quais a medalha Nacional para a Ciência, o prêmio Bôcher da
American Mathematical Society em 1933 pelo seu trabalho Thefoun-
dations o f a theory of the calculus of variations in the large in m-space
(“Fundamentos de uma teoria global do cálculo de variações num es­
paço de m dimensões”), publicado nos Transactions of the American
Mathematical Society em 1929; o prêmio foi dividido com Norbert
Wiener. A American Mathematical Society o fez colloquium lecturer
em 1932 e Gibbs lecturer em 1952; além disso, recebeu vinte doutora­
dos honoris causa.
Morse precisava de audiência para desenvolver seus trabalhos, daí
que estava sempre procurando colaboradores e assistentes, uma parte
principal do trabalho desses sendo o de ouvi-lo. Ele teve mais de doze
colaboradores, a maioria dos quais pós-doutores. Morse foi também um
músico de primeira qualidade. Ele foi o organista da capela, enquanto
esteve no College na sua terra natal, mas seu principal instrumento foi o
piano. Ele tocava principalmente música clássica.
São dele as frases: “A Matemática é o resultado de poderes miste­
riosos que ninguém entende [...]. De uma infinidade de possiblidades,
o matemático escolhe uma configuração pela sua beleza e a traz à terra.”
“Matemática é a irmã, bem como a serva, das artes, e é tocada pela mes­
ma loucura e gênio” [422].
De acordo com o Pe. Paul Schweitzer SJ, que o conheceu bem em
Princeton, Morse era católico praticante.

Lemaítre [57], [87], [88], [167]


George Henri Joseph Éduard Lemaítre (1894-1966) foi um padre
católico belga, professor de física e astrônomo. Depois de estudar huma­
nidades num colégio dirigido pelos jesuítas (Collège du Sacré-Coeur,
em Charleroi), iniciou o estudo de engenharia civil na Universidade de
Louvain, curso interrompido pela guerra, tendo se alistado no exército
belga, recebendo a Cruz Militar ao final da guerra.
Ao final da guerra, voltou à Universidade, mas dedicando-se à física
e à matemática, obtendo o doutorado em matemática em 1920, entrando
então no Seminário, sendo ordenado sacerdote em 1923. Ingressou na
Fraternité Sacerdotale des Amis de Jésus durante os estudos teológicos,
conciliando suas vocações científica e religiosa, jamais sacrificando uma
em favor da outra. Dali ele foi para Cambridge, na Inglaterra, trabalhando
com Eddington, que o iniciou em cosmologia, astronomia estelar e análi­
se numérica. No ano seguinte, esteve em Harvard, passando também pelo
MIT. Depois, voltou para a Universidade Católica de Louvain.
Alexander Friedmann havia demonstrado em 1922 que a equa­
ção de Einstein (□) podia descrever um universo que evoluiría com
o tempo, partindo de uma mínima partícula. Einstein não gostou
nada dessa hipótese, pois essa evolução no tempo não lhe satisfazia
esteticamente. Mas, apesar das objeções de Einstein, Lemaítre conti­
nuou ao longo dessa linha; em 1931 publicou um artigo em que argu­
mentava que se o universo está se expandindo, ele teve o início num
“átomo” inicial. Num primeiro momento quis, com esse fato, mostrar
a congruência entre física e religião, incluindo uma frase a respeito
no artigo que seria publicado em Nature, mas que ele riscou antes de
submeter, caindo na conta de que não havia que se misturar as coisas
e mais adiante ele se tornaria um forte advogado contra a mistura de
cosmologia e teologia.
A respeito do livro do Gênesis, ele admite uma interpretação ale­
górica, e não literal {{numa tradição que vem desde Orígenes no século
III de nossa era}}. Assim, ele distingue “começo” de “criação”, o primeiro
sendo um conceito físico e o outro um conceito filosófico. (Lemaítre
havia estudado filosofia tomista).
Einstein (□) concordou com o desenvolvimento matemático de Le-
maitre, mas recusou a tese da expansão do Universo, escrevendo numa
carta: “Vos calculs sont corrects, mais votre physique est abominable”
(“Seus cálculos são corretos, mas a sua física é abominável”). Lemaítre
voltou ao MIT, obtendo novo doutorado e sendo logo promovido a Pro­
fessor Titular de Louvain. Independentemente dos trabalhos de Ale-
xander Friedmann, Lemaitre afirma que o Universo está em expansão,
baseando-se nos trabalhos de Vesto Slipher, fato que em 1929 foi confir­
mado por Edwin Hubble.
Ele foi o primeiro a afirmar a lei da proporcionalidade entre dis­
tância e velocidade de afastamento das galáxias; isto foi afirmado numa
publicação em francês, não traduzida para o inglês, fato que foi confir­
mado empiricamente por Hubble alguns anos mais tarde. Pouco anos
depois, Lemaitre propôs o que foi denominado o “Big Bang” no início
do Universo, por ele chamado de “átomo primeiro”. Lemaitre propôs a
teoria de expansão do Universo, antecipando-se a Edwin Hubble, que
demonstrou a coisa através do “red shift”, desvio do espectro luminoso
para o vermelho, tal como a sirene de um carro do corpo de bombeiros
fica mais grave quando ele se afasta: é o efeito Dõppler-Fizeau.
Hubble propôs a relação entre distância e velocidade, que apoiava
fortemente a expansão do Universo, mas na realidade Lemaitre já havia
proposto a mesma coisa dois anos antes. Pode-se dizer que Hubble e
Lemaítre propuseram independentemente a teoria de um universo em
expansão, mas Lemaítre foi mais longe ao propor o “Big Bang” como
corolário. A proposta do “Big Bang” foi recebida com ceticismo pelos
cientistas de então, Einstein julgando-a suspeita de influência religiosa
(criação do universo). Poucos anos depois, em 1933, Lemaitre publicou
um artigo em que detalhava melhor seus cálculos.
Lemaitre recebeu vários prêmios por seus trabalhos científicos, sendo
eleito para a Academia Pontifícia de Ciências em 1936. Em 1951 manifes­
tou seu desacordo com relação a um discurso do Papa Pio XII, em que este
pretendia demonstrar a existência de Deus a partir de dados recentes da
ciência. Sua crítica foi respeitosa, sugerindo que o texto teria sido escrito
por outrem. Já cônego, foi nomeado, em 1960, presidente da Academia
Pontifícia de Ciências, ali acolhendo cientistas de renome como Paul Dirac
(notoriamente ateu). Tornou-se professor emérito de Louvain em 1964.

Milne (361], [365]


Edward Arthur Milne (1896-1950), fellow da Royal Society (FRS),
mais conhecido como Arthur Milne, foi um matemático e astrofísico
inglês. Nasceu em Hull, Yorkshire, Inglaterra. Seu pai, Sidney Milne,
era diretor de uma Escola da Igreja da Inglaterra. Sua mãe, Edith Co-
ckroft, também era professora de Escola. Ele frequentou o Hymers Col-
lege (curso secundário) em Hull e conseguiu uma bolsa para estudar
matemática e ciências naturais no Trinity College, na Universidade de
Cambridge, em 1914, obtendo o mais alto grau em toda a história do
exame a que foi submetido. Ali permaneceu durante dezoito meses, ten­
do recebido a influência do grande matemático Hardy.
Tendo um problema na vista, foi dispensado do serviço militar na
Primeira Grande Guerra, mas em 1916 abandonou seus estudos para
se juntar a um grupo de pesquisa inovadora em balística, aviões etc.
Durante esse período, até 1919, teve um ótimo treinamento em como
fazer pesquisa. Esses três anos foram provavelmente tão importantes
como os dezoito meses que passou em Cambridge, para onde retor­
nou, mas não com a intenção de completar seu curso de graduação ou
fazer doutoramento.
Foi eleito fellow do Trinity College, em Cambridge, logo depois de
voltar para lá, permanecendo nessa posição de 1919 a 1925. Foi assis­
tente do diretor do Observatório Solar em Cambridge de 1920 a 1924.
Durante esse tempo, ocupou-se das estrelas e demonstrou uma equa­
ção integral de grande interesse matemático que recebeu seu nome. Em
1922 recebeu o prêmio Smith, de Cambridge, por suas pesquisas sobre
estrelas. Em 1923 esteve envolvido na pesquisa das linhas dos espectros
das estrelas. Em 1924 aceitou a posição de professor titular em Man-
chester, assumindo o novo cargo no ano seguinte. Foi eleito FRS em
1926 e professor titular de matemática aplicada na Victoria University,
em Manchester, de 1924 a 1928.
Casou-se com Margaret Campbell em 1928. No mesmo ano, foi
eleito professor titular de matemática no Wadham College, na Univer­
sidade de Oxford, assumindo a posição no início do ano seguinte. Pro­
feriu a bakerian lecture na Royal Society em 1929. A partir de 1932 fez
pesquisa a respeito do universo em expansão, propondo uma alternativa
à Teoria da Relatividade Geral de Einstein (□) no artigo “Relativity, Gra-
vitation, and World-Structure” (Relatividade, Gravitação e Estrutura do
Universo), em 1935. Ele chamou sua teoria de relatividade cinemática,
publicando um livro com esse nome em 1948.
A principal diferença entre o modelo de Milne e o de Einstein é
que Milne não supunha a priori que o universo tem uma distribuição
homogênea de massa. Para ele, se o universo está se expandindo, e, por­
tanto, sua densidade está decrescendo com o tempo, ele não pode ter,
a priori, uma distribuição homogênea de massa. Sua teoria, entretanto,
encontrou muita resistência na comunidade científica.
Em 1941 recebeu a medalha real da Royal Society, “por suas pes­
quisas da atmosfera da Terra e do sol, da combustão interna das estrelas
e a teoria da relatividade”. Foi presidente da Royal Astronomical Socie­
ty, de 1943 a 1945, tendo recebido a medalha de ouro dessa sociedade
em 1935. De acordo com [364], citado em [363], “ele era notavelmente
dotado pela palavra lúcida tanto no falar como no escrever; era extre­
mamente interessante vê-lo e ouvi-lo desenvolver seu argumento com
segurança em assuntos complexos. Mas, complementar a essa visão am­
pla, havia um interesse intenso pelo detalhe, o que, para alguns, obscu-
recia a linha principal do seu argumento”.
De acordo com [365] também citado em [363], “... Milne tinha a
humildade e simplicidade de caráter, que frequentemente é própria dos
gênios científicos e suportava os revezes da vida com coragem, dignida­
de e convicção religiosa”.
Sintomas da doença de Parkinson apareceram no final de sua vida,
por volta de 1945, ano especialmente trágico para ele, por ter perdido sua
segunda esposa, Beatrice. Milne morreu de um ataque cardíaco, em Du­
blin, quando assistia a uma conferência da Royal Astronomical Society.
De acordo com [362], ele era afiliado à Christ Church em Oxford.

Isidor Isaac Rabi [250], [334], [404], [425], [426]


Isidor Isaac Rabi (1898-1988) - prêmio Nobel de física em 1944
“pelo seu método de ressonância para registrar as propriedades dos nú­
cleos atômicos” - nasceu em Raymanov, cidade que atualmente está na
Polônia, no antigo império austro-húngaro, filho de David Rabi e Janet
Teig. A família emigrou para os Estados Unidos no ano seguinte ao seu
nascimento. Viviam num gueto judaico em Nova Iorque.
Sua infância foi dominada pela pobreza e por um judaísmo conser­
vador. No apartamento de dois quartos ocupados pelos quatro membros
da família mais duas pessoas que pagavam aluguel, raramente alguma
frase era dita que não se referisse de algum modo a Deus. O jovem Rabi
se desencantou com a própria religião quando soube que o sistema de
Copérnico contrariava a Bíblia.
Como adulto, ele nunca praticou a religião, mas as primeiras in­
fluências ficaram. “Minha primeira educação, tão fortemente marcada
por Deus, ficou em mim”, disse ele.
Sua educação fundamental e média foi na cidade de Nova Iorque,
em Manhattan e no Brooklin. Em 1919 obteve sua graduação em Quí­
mica na Cornell University, no estado de Nova Iorque. Depois de ocu­
pações não científicas, “sem fazer nada”, mas frequentando longamente
a Biblioteca Pública de Nova Iorque, ele iniciou, em 1921, seus estudos
de pós-graduação em Química em Cornell, mas caindo logo na conta
de que a Química não o cativava, transferindo-se em 1923 para a física
na Columbia University, na cidade de Nova Iorque, obtendo o Ph.D.
em 1927 com tese doutorai sobre propriedades magnéticas de cristais,
utilizando um método criado por ele próprio.
Casou-se com Helen Newmark em 1926, com a qual teve duas fi­
lhas. Obtendo bolsas de estudo para pós-doutoramento, passou dois
anos na Europa, fascinado pela mecânica quântica, trabalhando sob fi­
guras exponenciais da física como Sommerfeld, Bohr, Pauli (□), Stern e
Heisenberg (□). Retornando aos Estados Unidos, foi contratado como
lecturer de física teórica na Columbia University, sendo promovido a
professor titular em 1937.
Em 1930 ele começara a estudar as propriedades magnéticas de nú­
cleos atômicos. Com uma engenhosa aplicação do princípio de ressonân­
cia, conseguiu detectar e medir os estados de rotação de átomos e molé­
culas, bem como medir os momentos mecânico e magnético dos núcleos.
Em 1940 Rabi obteve uma licença de Columbia para trabalhar como dire­
tor associado do Radiation Laboratory do MIT (Massachusetts Institute
of Technology) em Boston, a fim de trabalhar no desenvolvimento do
radar e da bomba atômica.
Ao fim da guerra, os físicos nos Estados Unidos eram tratados
como ídolos populares, tendo em vista que foram eles que desenvolve­
ram, junto com os engenheiros, os radares e a bomba atômica, decisivos
na vitória dos aliados. E Rabi, tendo obtido o prêmio Nobel em 1944,
era um dos mais visados pela popularidade. Tanto mais que mostrou
que sabia como tratar com políticos.
Em 1945 voltou a Columbia como diretor executivo do Depar­
tamento de Física, e, como consequência desse cargo, se envolveu no
trabalho de fundação do Brookhaven National Laboratory for Atomic
Research (Laboratório Nacional de Pesquisa Atômica) em Long Island,
N.Y., uma organização que tinha como objetivo a pesquisa do uso pa­
cífico da energia atômica. A fundação de Brookhaven foi o objeto da
cooperação de nove das principais universidades da costa leste america­
na, que tinham perdido alguns gênios, como Enrico Fermi, para outras
instituições no próprio país.
Foi também um dos fundadores do CERN (Centre Européen de
Recherches Nucleaires) em Genebra, na Suíça, que se tornaria um dos
dois centros de pesquisas experimentais de energia nuclear mais impor­
tantes do mundo, rivalizando com o “Fermi Lab”, em Illinois, EUA.
Rabi publicou seus trabalhos mais importantes em The Physical
Review, da qual foi editor associado em dois períodos. Em 1939 rece­
beu o prêmio da Academia Americana para o Progresso da Ciência,
e em 1942 recebeu a medalha Elliott Cresson do Franklin Institute.
Foi diretor do Deparamento de Física de Columbia de 1945 a 1949,
período em que dois dos professores receberam o prêmio Nobel, ele
próprio e Enrico Fermi, e onze o receberiam mais tarde, dos quais sete
eram professores, incluindo-se Charles Townes (□), um era professor
visitante, um era pesquisador, um era aluno de pós-graduação e outro
de graduação.
Rabi foi também assessor científico do presidente Truman. Quando
os russos construíram sua primeira bomba atômica de fissão, a chamada
“guerra fria” tornou-se uma realidade muito mais ameaçadora. Os ame­
ricanos começaram a trabalhar na bomba de fusão, muito mais destru­
tiva. Rabi, Fermi e outros, liderados por Oppenheimer, tentaram per­
suadir as autoridades a não ir adiante com o projeto, com proposta que
incluía uma intimidação à Rússia: “Agora que vocês têm uma bomba
atômica, nós temos várias delas. Paremos a corrida. Ambos deixaremos
nossas bombas sob controle internacional. Se vocês não concordarem
com isto, nós forçaremos vocês a aceitarem.” Esta proposta foi, entretan­
to, ignorada pelas autoridades.
Oppenheimer, uma mente brilhante, que tinha sido líder do projeto
Manhattan (que produziu a bomba atômica de fissão), caiu em desgraça
na opinião pública, sendo inclusive acusado de “comunista”: era a época
do “macartismo”. Quando Columbia criou o título de university profes­
sor, Rabi foi o primeiro a receber essa honra. Aposentou-se oficialmente
em 1967, mas permaneceu ativo no Departamento, recebendo o título
de university professor emeritus até o fim da vida. Pacifista, observou
certa vez que “o mundo seria melhor sem Edward Teller”, que foi um dos
construtores das primeiras bombas atômicas.
Ele recebeu a medalha do Mérito, a mais alta comenda da Segunda
Guerra Mundial em 1948 e, no mesmo ano, a medalha Real pelo Serviço
à Causa da Liberdade (inglesa) e tornou-se também um oficial da Legião
de Flonra (francesa). Rabi recebeu o D.Sc. honorário das universidades de
Princeton, Harvard e Birmingham. Foi fellow da American Physical So-
ciety, tendo sido seu presidente em 1950, membro da National Academy
of Sciences, da American Philosophical Society e da American Academy
of Arts and Sciences. Em 1959 foi nomeado membro do Board of Gover-
nors do Weizmann Institute of Science em Rehovot, Israel. Rabi foi mem­
bro estrangeiro das Academias de Ciências do Brasil e do Japão.
Segundo Brian VanDeMark, “a educação ortodoxa de Rabi lhe deu
um sentido do mistério da física, um gosto pela generalização e uma
crença na profundidade e unidade de fundo da natureza. A física le­
vou Rabi para mais perto de Deus porque “este mundo foi criação Sua”
([404], p.28). Em seu artigo sobre Rabi, John Ridge escreveu: “Para Rabi,
a física, assim como a religião, nasce das aspirações humanas, da pro­
fundidade da alma, do pensamento e sentimento profundos” (id.).
Algumas das frases de Rabi sobre fé e Deus:
“A física encheu-me de admiração, me colocou em contato com o
sentido das causas originais. A física me trouxe para mais perto de Deus.
Este sentimento permaneceu em mim durante meus anos na ciência.
Sempre que algum dos meus estudantes vinha a mim com um proje­
to científico, eu lhe fazia só uma pergunta: ‘Isto vai aproximar você de
Deus’?” (id.).
“Não há dúvida que basicamente, lá no fundo, eu sou um judeu
ortodoxo. Minha infância, tão impactada por Deus, o Criador do Uni­
verso, isto permaneceu comigo” (id.).
“Quando você está fazendo física, você está brigando com um cam­
peão. Você está tentando saber como Deus fez o mundo, tal como Jacó
lutando contra o anjo” (id.).

Pauli [145], [195], [197]


Wolfgang Ernst Pauli (1900-1958) nasceu em Viena na Áustria, fa­
lecendo em Zurique. Foi prêmio Nobel de física em 1945 por sua “con­
tribuição decisiva na descoberta em 1925 de uma nova lei da Natureza, o
‘Princípio de Exclusão de Pauli’”. Seus pais foram Wolfgang Joseph Pauli
e Berta Camilla Schütz. O pai provinha de família de judeus proeminen­
tes em Praga, na atual República Tcheca, e se converteu ao catolicismo
imediatamente antes de se casar. Educado como católico, tanto Wofgang
como seus pais acabaram deixando a Igreja. Pauli estudou no Dõblinger
Gymnasium em Viena, graduando-se com honra em 1918. Na realida­
de, enquanto estava no gymnasium, achava pouco interessante o que lhe
era apresentado e estudava “escondido” os artigos de Einstein.
Frequentou a Universidade Ludwig-Maximilian, de Munich, traba­
lhando com Arnold Sommerfeld. Lá, recebeu seu doutorado em julho
de 1921 por sua tese sobre a teoria quântica da molécula de hidrogê­
nio ionizada. Apenas dois meses após a conclusão do doutoramento,
Pauli publicou, a instâncias de Sommerfeld, seu primeiro artigo cientí­
fico, sobre a Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein (□), para
a Encyklopaedie der mathematischen Wissenschaften (“Enciclopédia das
ciências matemáticas”), com 237 páginas. Este trabalho continua, até
hoje, uma referência sobre o tema. A respeito do artigo, disse Einstein
([198], apud [197]): “Quem estuda este trabalho grandioso e maduro
não consegue acreditar que seu autor é um homem de 21 anos. A gen­
te não sabe o que admirar mais, se a psicológica compreeensão para o
desenvolvimento de idéias, a segurança nas deduções matemáticas, a
profundidade da intuição física, a capacidade de apresentação lúcida e
sistemática, o conhecimento dos trabalhos já feitos [a “literatura” sobre
o tema], o tratamento completo do assunto...”
Pauli esteve um ano na Universidade de Gõttingen como assis­
tente de Max Born, e no ano seguinte trabalhou com Niels Bohr em
Copenhague. Em 1926, logo depois que Werner Heisenberg (□) pu­
blicou a teoria matricial da moderna mecânica quântica, Pauli a usou
para derivar o espectro do átomo de hidrogênio. Esse resultado foi
importante para credibilizar a teoria de Heisenberg. Seu trabalho in ­
fluenciou Dirac na descoberta da equação, que tomou seu nome, para
o elétron relativístico.
Entre 1923 e 1928 Pauli foi privat dozent na Universidade de Ham­
burgo. Durante esse período, teve à disposição material para o desen­
volvimento da mecânica quântica moderna. A formulação do princípio
de exclusão e a teoria do “spin” não relativístico são suas contribuições
dessa época. Efetivamente, em 1924 propôs um número quântico para
o “spin” dos elétrons e no ano seguinte propôs o “princípio de exclu­
são”, que afirma que dois elétrons num átomo não podem ter os mesmos
quatro números quânticos. Equivalentemente, esse princípio afirma que
dois férmions idênticos não podem ocupar o mesmo estado quântico. E
uma forma mais rigorosa desse princípio é dizer que a função de onda
total de um sistema composto por dois férmions idênticos deve ser an-
tissimétrica. O princípio de exclusão de Pauli é um dos mais importan­
tes princípios da física, basicamente porque os três tipos de partículas
que formam a matéria ordinária - elétrons, prótons e nêutrons - têm
que satisfazê-lo. O princípio de exclusão de Pauli é a razão fundamental
para muitas das propriedades características da matéria, desde sua esta­
bilidade até a existência das regularidades expressas pela tabela periódi­
ca dos elementos [199],
Em 1927 a mãe de Pauli, à qual ele era muito afeiçoado, se sui­
cidou. E para piorar as coisas, seu pai se casaria de novo com uma
mulher à qual Pauli se referia como “a má madrasta”. Em 1928 foi es­
colhido para professor de física teórica no ETH em Zurique, na Suíça.
Em maio de 1929, Pauli deixou de ser católico, mas as razões para isto
não são claras [197]; em dezembro daquele ano casou-se com Kàthe
Margarethe Deppner. O casamento não deu certo e eles se divorciaram
em 1930, menos de um ano depois.
Pauli fez muitas contribuições importantes em sua carreira como
físico, principalmente na mecânica quântica. Ele publicou artigos, mas
preferia longas cartas a seus colegas, como Niels Bohr e Heisenberg,
com quem mantinha grande amizade. Muitas de suas idéias e resultados
nunca foram publicados, e aparecem apenas nessas cartas que foram
copiadas e distribuídas. Pauli não parecia preocupado que seu trabalho
fosse desacreditado pelo fato de não publicá-lo.
Em 1931, ele propôs a existência de uma partícula neutra, não-ob-
servada e sem massa, para explicar o espectro contínuo no decaimento
beta, que seria chamada de neutrino. Em 1934, Fermi introduziu a par­
tícula em sua teoria de decaimento radioativo, dando-lhe o nome. O
neutrino foi observado diretamente em 1959. No começo de 1931, logo
após seu divórcio e a proposição do neutrino, Pauli teve um grave co­
lapso psicológico. Ele consultou o psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung,
que vivia, como ele, próximo de Zurique.
Pauli foi professor visitante da Universidade de Michigan em 1931
e do Instituto de Estudos Avançados em Princeton em 1935. Em 1934,
casou-se com Franciska Bertram. Esse casamento durou até o fim de
sua vida. Não tiveram filhos. A ocupação nazista da Áustria em 1938
tornou-o cidadão alemão. Pauli foi para os Estados Unidos em 1940,
ensinando na Universidade de Princeton; provou, naquele ano, o teo­
rema estatístico de spin, um resultado crítico da mecânica quântica
que estabelece quais partículas com spin 1/2 são férmions, e partículas
com spin 1 são bósons.
Em 1941 foi novamente professor visitante na Universidade de Mi­
chigan. Após o término da guerra em 1945, retornou para Zurique, onde
permaneceu a maior parte do tempo até sua morte. Pauli era um reconhe­
cido perfeccionista. E isto não se limitava ao seu trabalho, mas ao trabalho
de seus colegas. Como resultado, tornou-se conhecido como “a consciên­
cia da física”, dadas as críticas aos seus colegas. Era “cruel” se encontrasse
qualquer falha nas outras teorias, chamando-as ganzfalsch (completa­
mente errado). Famosíssima foi uma de suas declarações: “Isto não está
certo. Isto não está nem mesmo errado!”
De acordo com Ken Wilber ([145], p.156), “Em termos de puro
brilho intelectual, Wolfgang Pauli é o número um entre os físicos.
Max Born considerava que sua genialidade ultrapassava a de Einstein”.
Quanto à sua religiosidade, ver o diálogo com Bohr e Heisenberg (□)
no verbete desse último. Ken Wilber ([145], p.157) diz: “Se quisermos
construir uma atitude básica em termos filosóficos [de Pauli], seríamos
inclinados inicialmente a concluir por um extremo racionalismo e por
um ponto de vista fundamentalmente cético. Na realidade, entretanto,
atrás das suas manifestações exteriores de criticismo e ceticismo, havia
um interesse filosófico profundo, mesmo naquelas áreas obscuras da
alma humana que escapam à razão.”
Pauli comenta como, a partir de Kepler, teve origem a ciência mo­
derna: “A partir de um núcleo central, a mente parece se mover para o
exterior, uma extroversão para o mundo físico [....] de tal modo que o
espírito abarca o mundo físico com suas Idéias. Assim, comenta Wilber,
a ciência natural da era moderna envolve uma elaboração cristã do ‘mis­
ticismo lúcido’ de Platão [...] no qual a compreensão encontrou seu lu­
gar [...] até mesmo na compreensão da palavra de Deus” ([145], p.159).
Na sua “luta” a respeito do Um, Pauli foi continuamente obriga­
do a se defrontar com o conceito de Deus. Numa carta, ele se refere
aos “teólogos, com os quais eu mantenho uma relação arquétipica de
irmão hostil”. Sua posição nem concordava simplesmente com as reli­
giões tradicionais, nem era a de um ateísmo fundado no racionalismo.
Numa conferência sobre ciência e pensamento ocidental, ele dizia: “Eu
ambiciono a superação dos opostos, incluindo também uma síntese que
una a compreensão racional e a experiência mística da unidade”, (op.
cit., pp.162 e ss).
Pauli foi membro da Royal Society, da Sociedade Física da Suíça e
da American Physical Society. Em 1958, foi condecorado com as meda­
lhas Lotentz e Max Planck. No mesmo ano, foi acometido de câncer no
pâncreas, falecendo em dezembro.

Heisenberg [187], [189], [404], [408]


Werner Karl Heisenberg (1901-1976), prêmio Nobel de física em
1932, nasceu em Würzburg, na Baviera, Alemanha, e faleceu em Muni­
que, no mesmo país. Ele foi um dos fundadores da mecânica quântica.
Seus pais, August e Anna, se casaram em 1899, depois que Anna se con­
verteu do catolicismo para o luteranismo, que era a fé do pai. No tempo
de seu nascimento a Alemanha estava nas décadas finais da monarquia;
os Heisenbergs eram uma família de acadêmicos e estavam bem do
ponto de vista financeiro. Werner entrou na escola primária com cinco
anos e era incentivado pelo pai a competir com o irmão mais velho.
Um dos professores disse a respeito dele que era mais inclinado para a
racionalidade do que para a fantasia e imaginação; outro disse que ele ti­
nha uma extraordinária autoconfiança e queria sempre ser excelente no
que fazia. Quando tinha oito anos, seu pai foi escolhido como professor
de estudos modernos de grego na Universidade de Munique. A família
mudou-se então para a capital da Baviera.
Werner entrou no gymnasium em 1911, que naquela época era uma
escola com duração de nove anos, que preparava os alunos para ingressa­
rem na universidade. Ele revelaria mais tarde que desde cedo seu interesse
se orientou de modo especial para matemática e línguas. Ainda no gym­
nasium, estudou privadamente a Teoria da Relatividade, de Einstein (□),
apesar de ter menos interesse pela física do que pela matemática.
Os cálculos diferencial e integral não era ensinados no gymnasium,
mas ele estudou e bem, privadamente. Fascinou-se especialmente pela
Teoria dos Números. Seu pai, precoupado que ele negligenciasse o
estudo do latim, adquiriu para ele a tese doutorai de Kronecker so­
bre a Teoria de Números, escrita em latim. Tal como Kronecker (□),
Heisenberg, ainda no gymnasium, tentou provar o Último Teorema de
Fermat (enunciado no século XVII e que só seria provado na última
década do século XX). Além da matemática, ele gostava também muito
de música, tendo estudado piano com um dos melhores professores de
Munique. Com o início da Primeira Guerra Mundial, o pai de Werner
foi convocado para servir no front, enquanto na Baviera faltava comida
e carvão (para aquecimento). O jovem Werner passou fome.
Terminada a guerra, a Alemanha passou por uma revolução inter­
na, que aboliu a monarquia e instituiu uma república social-democrata.
Heisenberg juntou-se a um grupo de jovens que rejeitavam a social-
democracia, um grupo de “direita”, romântico e nacionalista. Ele desen­
volveu nesse período uma grande afeição por sua pátria. Terminou o
gymnasium como primeiro aluno e ingressou imediatamente na Uni­
versidade de Munique, onde pretendia estudar matemática pura, mas
um desentendimento na entrevista com um professor o levou a estudar
física teórica. Seu orientador foi o famoso Arnold Sommerfeld, que logo
reconheceu o talento do jovem e o convidou para um seminário avança­
do, doutorando-se no tempo recorde de três anos, em 1923.
De 1920 a 1927 esteve sob a influência de três grandes cientistas:
Sommerfeld na própria Universidade de Munich, Max Born em Gõttin-
gen e Niels Bohr em Copenhague. Ele diria mais tarde: “De Sommerfeld,
eu aprendi o otimismo, do pessoal de Gõttingen eu aprendi matemática e
de Niels Bohr eu aprendi física”. Em Munique iniciou uma longa amizade
com Wolfgang Pauli (□), do mesmo calibre em termos de genialidade.
Em 1924 Heisenberg tornou-se assistente de Max Born em Gõttin-
gen e transferiu-se por um ano para Copenhague, onde trabalhou com
Niels Bohr, todos eles gigantes da mecânica quântica.
Em 1925 desenvolveu a “mecânica matricial”, que se constituiu no
primeiro desenvolvimento da mecânica quântica. Seu trabalho intenso
com Bohr e outros, em Copenhague, o levou à formulação do famoso
“princípio da incerteza” da mecânica quântica, segundo o qual não é
possível determinar com total precisão, simultaneamente, a posição e
a velocidade (mais rigorosamente, o “momentum”, que é o produto da
massa pela velocidade) de uma partícula.
Esse princípio da incerteza foi um dos elementos fundamentais na
chamada “interpretação de Copenhague” da mecânica quântica, que
acabou se estabelecendo quase unanimamente entre os físicos, apesar
das objeções de talentos como Einstein (□), Schrõdinger (□) e Planck
(□). Nessa interpretação, os elementos essenciais eram a complementa-
riedade partícula/onda, o princípio de incerteza e a interpretação esta­
tística da equação de Schrõdinger. (Segundo o Pe. Paul Schweitzer, Von
Neumann (□) demonstraria um pouco depois a equivalência da mecâ­
nica matricial de Heisenberg e a equação de Schrõdinger).
A “interpretação de Copenhague” foi apresentada na famosa Con­
ferência Solvay de 1927, em Bruxelas, e declarada por Bohr e Heisen­
berg como completa e irrevogável.
Em 1927, com apenas 25 anos, Heisenberg foi escolhido para pro­
fessor de física teórica na Universidade de Leipzig, ali permanecendo
até 1942, dirigindo o Instituto de Física Teórica. Hitler chegou ao poder
na Alemanha em janeiro de 1933 e em dezembro do mesmo ano Hei­
senberg recebeu o prêmio Nobel, relativo ao ano anterior. Com o pres­
tígio do prêmio Nobel, ainda muito jovem, Heisenberg tornou-se um
dos grandes nomes da física moderna na Alemanha, ali permanecendo
apesar do regime de Hitler.
As razões da sua permanência na Alemanha nazista são objeto de
muito debate. Ele próprio não era nazista, mas um patriota, entusiasta
da cultura alemã, e aparentemente julgou que era seu dever permanecer,
para ajudar a salvar o que havia de decente na ciência alemã. Heisen­
berg atraiu para Leipzig um grande número de estudantes e visitantes
de primeira categoria da Alemanha e de todas as partes do mundo. Du­
rante os anos seguintes, ele e seus colaboradores produziram desenvol­
vimentos na mecânica quântica aplicada a cristais (dando origem ao
que se chamou depois “física do estado sólido” e atualmente, “física da
matéria condensada”), estrutura das moléculas, espalhamento de radia­
ções pelos núcleos, o primeiro modelo próton/nêutron para o núcleo,
que também foi proposto pelo russo Dimitri Ivanenko. Juntamente com
Wolfgang Pauli (□), em Zurique, ele e seus colaboradores fizeram enor­
mes progressos na direção de unir a mecânica quântica com a teoria da
relatividade, uma teoria quântica relativista de campos.
Com Dirac e outros, estabeleceu os fundamentos para a pesquisa de
física de altas energias, quando os aceleradores ainda não haviam atingi­
do esses níveis, tendo o trabalho deles focalizado os raios cósmicos.
Além disso, Heisenberg viajou com frequência nesse período, visi­
tando os principais centros de física: além das frequentes visitas a Bohr
em Copenhague, a Pauli (□) em Zurique e visitas a Chicago para dar
uma série de palestras, deu cursos em Cambridge várias vezes e foi tam­
bém um visitante frequente em Ann Arbor, Michigan.
Na última dessas visitas a Ann Arbor, em 1939, seus colegas ten­
taram convencê-lo a ficar nos Estados Unidos, mas ele recusou. Pouco
depois de Heisenberg voltar à Alemanha, Hitler invadiu a Polônia, num
prelúdio da Segunda Guerra.
Desde que Hitler assumiu o poder, os judeus foram perseguidos
sem piedade, e um físico famoso, Johannes Stark, que recebeu o prêmio
Nobel de física, começou a atacar a nova física teórica, incluídas a rela­
tividade e a mecânica quântica, denominando-as de “física judaica”. E o
próprio Heisenberg começou a ser insultado como traidor, ameaçado
inclusive de campo de concentração.
Depois de um ano de investigação, a SS retirou as acusações contra
Heisenberg, mas não permitiram que ele ocupasse a cátedra de física,
em Munique, na vaga aberta por Sommerfeld, que se aposentara. Vários
meses antes da investida nazista, Heisenberg conheceu e casou-se com
Elisabeth Schumacher, filha de um conhecido professor de Economia
em Berlim, com a qual teve sete filhos.
Com a invasão da Polônia, Heisenberg foi convocado para uma
unidade da infantaria, mas quando a guerra de fato começou, ele e ou­
tros físicos foram convocados, não para o front, mas para o Bureau de
Armas do Exército em Berlim. Ali eles receberam a missão de estudar
a utilização da fissão nuclear, recentemente descoberta, para fins mili­
tares, ou seja, o que se denominaria mais adiante de bomba atômica.
Naquele mesmo ano (1939) ele disse que acreditava que a guerra termi­
naria muito antes de a bomba ser feita.
Heisenberg se dividiu, nesse tempo, entre dois grupos de pesquisa,
um em Leipzig e outro em Berlim, enquanto a família permanecia, por
motivos de segurança, na sua casa de campo, na Baviera. A liderança de
Heisenberg no projeto suscitou um debate caloroso posteriormente por
duas razões: por um lado, a crítica a Heisenberg por se envolver num
projeto tão perigoso para a humanidade e, por outro, a lentidão do pro­
gresso, pois os alemães iniciaram a pesquisa antes dos Estados Unidos e,
quando estes conseguiram fazer a primeira bomba atômica, os alemães
estavam longe de realizar esse intento.
Houve quem afirmasse que Heisenberg participou do projeto com o
objetivo de sabotá-lo, enquanto outros afirmam que ele era um teórico,
sem muito interesse e habilidade para problemas práticos. Ele cometeu
uma série de erros ao início do projeto, erros que ele nunca reconheceu.
Outra versão é que o governo nazista deu pouca prioridade ao projeto,
preferindo investir em foguetes e aviões a jato. E existe também a ver­
são, não incompatível com as anteriores, de que ele nunca se empenhou
no projeto, exercendo apenas seus deveres de administração do mesmo,
enquanto concentrava seu tempo de pesquisa na física de partículas de
alta energia; efetivamente, ele publicou uma série de artigos importantes
neste assunto a partir de 1942. Terminada a guerra, foi liberado pelas
tropas inglesas em janeiro de 1946. Ele e outros se estabeleceram em
Gõttingen, onde se tornou o diretor do Instituto de Física Kaiser Wi-
lhelm, que a partir de 1948 se chamaria Instituto Max Planck, e que em
1958 seria transferido para Munique.
Heisenberg dedicou-se à restauração da pesquisa científica na en­
tão Alemanha Ocidental, sob a liderança do primeiro ministro Konrad
Adenauer. Foi criado o Conselho de Pesquisa Científica da Alemanha,
do qual Heisenberg foi o primeiro presidente. Em 1955 a Alemanha já
exportava material fissel para reatores atômicos. Durante esse tempo, o
cientista continuou suas pesquisas, concentrando-se na teoria das par­
tículas elementares e na pesquisa de uma teoria unificada dos campos,
com seu amigo de longa data, Wolfgang Pauli (□).
Heisenberg morreu de câncer em sua casa em Munique, em feve­
reiro de 1976. Ele tinha uma excelente cabeça filosófica, do tipo pitagó-
rico-platônico. Capaz de ser rigorosamente analítico e empírico, ele, en­
tretanto, desprezava o mero positivismo ([189], p.32). Em diálogo com
Wolfgang Pauli e Niels Bohr em Copenhague em 1952, dizia:

Em princípio, eu não tenho objeções em reexaminar velhas questões,


como não tenho objeção em usar a linguagem das velhas religiões. Nós sa­
bemos que as religiões falam em imagens e parábolas e estas nunca podem
corresponder plenamente aos conteúdos que elas querem exprimir. [...].
Os positivistas podem estar certos ao afirmarem que atualmente é difícil
determinar o sentido de tais parábolas. Entretanto, nós devemos fazer todo
esforço para determinar seu sentido, visto que se referem a um aspecto
crucial da realidade; ou talvez nós deveriamos tentar colocá-los em língua
moderna caso não possa ser contida na língua antiga ([189], p. 36).

E continuava:

Os positivistas têm uma solução simples: o mundo tem que ser dividido
entre aquilo sobre o que nós podemos falar claramente e o resto e sobre
[este resto] nós devemos nos manter em silêncio. Mas pode-se conceber
uma filosofia mais sem sentido [...]? Se nós omitirmos tudo o que não
é claro, nós ficaremos provavelmente com tautologias triviais e desinte­
ressantes (id., p. 37).

E então Wolfgang Pauli lhe perguntou inesperadamente: “Você


acredita em um Deus pessoal?” Heisenberg respondeu:

Posso colocar sua pergunta em outros termos? Eu preferiría a seguinte


formulação: você, ou qualquer outra pessoa, pode atingir a ordem central
das coisas e acontecimentos [...] tão diretamente como você pode atingir
a alma de outro ser humano? [...]. Se você puser a pergunta nestes termos,
eu respondería que sim. E porque as minhas experiências não contam
muito, eu relembraria o famoso texto de Pascal, aquele que ele costurou
na própria roupa. O título era “Fogo” e começava com as palavras “Deus
de Abraão, de Isaac e de Jacob - não o dos filósofos e sábios.

E Pauli perguntou: “Em outras palavras, você pensa que pode ter
a consciência da ordem central com a mesma intensidade que tem da
alma de outra pessoa? Ao que Heisenberg respondeu: “Talvez.” [E Pauli
continuou:] “Por que você usou a palavra ‘alma’ e não falou simplesmen­
te de uma outra pessoa?” Heisenberg respondeu: “Precisamente porque
a palavra alma se refere à ordem central, ao centro de um ser humano,
cujas manifestações externas podem ser muito diferentes e ultrapassar
nossa compreensão”, (id., p. 38). E continuando:

Na história da ciência, desde o famoso julgamento de Galileo (□), tem


sido repetido que a verdade científica não pode se conciliar com a in­
terpretação religiosa do mundo. [...] [Kepler (D)nos diz que] as leis ma­
temáticas são a expressão visível da vontade divina e se entusiasmava
com o fato de ter sido o primeiro a reconhecer esta beleza da obra de
Deus. Assim, o novo modo de pensar [da idade moderna] nada tem a
ver com um afastar-se da religião. [...]. Mas o Deus aqui referido é um
Deus ordenador das coisas e nós não sabemos se Ele é idêntico com o
Deus ao qual recorremos nas nossas dificuldades. [...] A religião autên­
tica fala não de normas, mas de ideais que nos guiam, pelos quais nós
deveriamos pautar nossa conduta e dos quais nós podemos, no máximo,
nos aproximar. Estes ideais não provêm da inspeção do mundo imedia­
tamente visível, mas das estruturas que estão atrás [ou no fundo] dele,
sobre o qual Platão falou, o mundo das idéias e sobre o qual a Bíblia
nos diz que ‘Deus é espírito’. [...]. O cuidado a ser tomado em manter as
duas linguagens apartadas, a científica e a religiosa [deveria ser tal que]
a exatidão de resultados científicos não pode ser posta em dúvida pelo
pensamento religioso, assim como os preceitos éticos que provêm do
coração do pensamento religioso não deveríam ser enfraquecidos pelos
argumentos muito racionais da ciência.

Ele costumava dizer: “O primeiro copo do vaso das Ciências natu­


rais fará de você um ateu; mas ao final do vaso, Deus espera por você”
([406], p.10, apud [404]). Esta frase nos faz lembrar a do grande Pasteur,
já mencionada neste texto: “A pouca ciência afasta de Deus, mas a gran­
de ciência nos aproxima de Deus.” Margenau (□) relata que teve uma
coversa íntima com Heisenberg, pouco depois do término da Segunda
Grande Guerra e escreveu: “... ele me impressionou pela sua convicção
religiosa profunda. Ele era um verdadeiro cristão no sentido pleno da
palavra” ([407], apud [404], p. 13).

Eu nunca achei possível desprezar o conteúdo do pensamento religioso,


como algo de uma fase ultrapassada da consciência da humanidade [...]
Assim, durante o curso da minha vida, senti-me frequentemente com­
pelido a ponderar sobre a relação entre estas duas regiões do pensamen­
to [Ciência e Religião], porque eu nunca fui capaz de duvidar sobre a
realidade para a qual elas apontam (Heisenberg, Scientific and Religious
Truth (1973), apud [404], p.13).

“Quando não existem mais ideais para apontar o caminho, a escala


de valores desaparece e, com ela, o sentido de nossas ações e sofrimen­
tos, ao final só negação e desespero. A religião é portanto o fundamento
da ética, e esta é o pressuposta da vida”. ([404], p.13). Escrevendo a Eins-
tein, que não aceitava que o mundo fosse indeterminado, de acordo com
a mecânica quântica, na interpretação da Escola de Copenhagen: “Nós
podemos nos consolar que o bom Deus sabe a posição das partículas,
de tal modo que o princípio de causalidade continua tendo validade”
(citado em [408], apud [404], p. 13).

Margenau [202], [204]


Henry Margenau (1901-1997), americano-alemão, foi um físico e
filósofo da ciência. Nascido em Bielefeld, na Alemanha, emigrou aos
21 anos para os Estados Unidos, trabalhando ao início num armazém,
lá conhecendo o reitor do Midland Lutheran College em Nebraska, que
o encorajou a se matricular no dito College, onde obteve seu B.Sc. O
M.Sc. foi obtido na Universidade de Nebraska em 1926, e o Ph.D. na
Yale University em 1929. Casou-se com Liesel Noe, tendo com ela dois
filhos e uma filha.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Margenau trabalhou em mi­
croondas e no desenvolvimento de um sistema “duplex” que permitia
a uma antena de radar receber e enviar sinais. Também pesquisou no
“alargamento da linha espectral”, uma técnica que permitiu analisar e
revisar a dinâmica da bomba atômica de Hiroshima.
Depois da guerra, ele atuou como consultor da Força Aérea Ame­
ricana, do U.S. National Bureau of Standards, no Argonne National La-
boratory, na General Electric, na Rand Corporation e na Lockheed. Seu
trabalho de pesquisa incluía forças intermoleculares, espectroscopia, físi­
ca nuclear e eletrônica. Ele pertenceu ao corpo docente da Universidade
de Yale em Connecticut, EUA, durante 41 anos, tornando-se Eugene Hi-
ggins professor de física e filosofia natural em 1950, posição que ocupou
até se aposentar formalmente da vida acadêmica em 1969, continuando,
entretanto, ativo, dando palestras e conduzindo pesquisas. Ele também foi
membro do corpo de pesquisadores do Institute for Advanced Study em
Princeton e do MIT Radiation Laboratory, Massachusetts, USA.
Ele obteve, entre outros prêmios, a Fullbright Fellowship, a Gug-
genheim Fellowship, a William Clyde DeVane Medal do Capítulo de Phi
Beta Kappa de Yale pela excelência no ensino e scholarship. Recebeu o
título de doutor honoris causa de várias instituições. Escreveu muito so­
bre ciência e filosofia da ciência, autor ou coautor de nove livros, como,
por exemplo, The Nature ofPhysical Reality (McGraw Hill, 1950), Phy-
sics and Philosophy: Selected Essays (D. Reidel, 1978), Open Vistas: Phi-
losophical Perspectives on Modem Science (Yale University Press, 1961),
Thomas and the Physics of 1958: A Confrontation (Marquette University
Press, 1958), com R. B. Lindsay, o “clássico” Foundations of Physics (J.
Wiley & Sons, 1936) e com L. LeShan, Einsteirís Space and Van Goghs
Sky: Physical Reality and Beyond (MacMillan).
Um conjunto de artigos em sua homenagem foram publicados em
Laszlo & Sellon (eds.) (1976). Ele costumava dizer que os cientistas “es­
tão se tornando cada vez mais familiares com relação à verdade absoluta”
e que a religião parece estar emergindo do dogmatismo que “considera
que verdades básicas estão estabelecidas de uma vez por todas” [204],
Margenau revelou grande interesse religioso, manifestado, por exemplo,
no fato de ter servido ao Conselho Ecumênico das Igrejas no desenvol­
vimento de uma posição ecumênica a respeito das armas nucleares.
Cristão, ele se interessou não somente pelo cristianismo, mas tam­
bém pelas religiões orientais, mostrando-se fascinado com as conexões
entre as diferentes religiões e tradições filosóficas.

Von Neumann [126], [127], [171], [174]


John Louis Von Neumann (1903-1957) foi um brilhantíssimo ma­
temático húngaro (Neumann János era seu nome original), nascido em
uma rica família judaica, no Império Austro-Húngaro. Naturalizar-se-ia
americano. Com apenas três anos de idade já conseguia decorar a maior
parte dos números de telefones de quase todos membros da sua família
e, com seis anos, contava piadas em grego ao pai e era capaz de dividir
mentalmente números com oito dígitos. “Só um húngaro poderia entrar
por uma porta giratória atrás de você e depois surgir à sua frente”, disse
John Von Neumann, referindo-se ao espírito de competitividade de seus
compatriotas [172].
Publicou seu primeiro trabalho científico aos dezoito anos. Com
apenas vinte anos, publicou uma definição de números ordinais, que é
usada até hoje. Seus estudos universitários, inicialmente em química,
foram feitos nas Universidade de Budapest e no ETH (Instituto Politéc­
nico Federal da Suíça), onde obteve o grau de engenheiro químico. Vol­
tando à Universidade de Budapeste, obteve o doutorado em matemática
em 1926. A propósito, Pólya disse que “John era o único aluno que eu
temia. Se durante alguma aula eu apresentava algum problema ainda
não resolvido, o mais provável era que ele me apresentasse a solução
logo ao final da aula” [173].
Obteve uma bolsa de pós-doutorado para estudar em Gõttingen
sob a orientação do grande Hilbert. A essa altura, von Neumann já era
uma celebridade entre os matemáticos. Privatdozent (livre-docente) na
Universidade de Berlim de 1927 a 1930, professor visitante da Princeton
University em Nova Jérsei, de 1930 a 1953, e quase durante o mesmo
tempo, 1933 a 1957, foi professor titular de matemática (um dos seis
primeiros, juntamente com Einstein (□)) no Institute for Advanced Stu-
dies, também em Princeton.
Como professor de matemática, ele era difícil de ser seguido pe­
los alunos, pois costumava escrever as equações numa pequena parte
do quadro negro, para pouco depois apagá-las para escrever outras,
não dando tempo aos alunos para copiarem. Na física, pelo contrário,
tinha a habilidade de explicar assuntos complicados com incrível luci­
dez, dado seu domínio da matemática [174]. Tinha um estilo de vida
pessoal muito raro entre matemáticos de primeira linha, a saber, gos­
tava muito de festas noturnas; antes de se casar, num famoso cabaré
de Berlim e depois, em Princeton, promovia com frequência festas na
própria casa [174],
Von Neumann fez inúmeras e importantes contribuições em vá­
rios campos da ciência. Na matemática pura, produziu trabalhos em
teoria dos conjuntos e álgebra: reabilitou a teoria dos conjuntos, que
Bertrand Russell havia abalado com seus paradoxos lógicos, estudou
o que atualmente é chamado de Álgebras de Von Neumann, fez con­
tribuições para a Teoria de Medidas e criou o método Monte Cario,
que utilizava números aleatórios para resolver equações matemáticas,
entre outras contribuições.
Além disso, fez contribuições importantíssimas na matemática
aplicada: ciência da computação, teoria dos jogos, mecânica quântica,
teoria econômica etc., inclusive contribuindo no projeto Manhattan,
que deu origem à primeira bomba atômica.
Era fascinado pela mecânica quântica, para a qual construiu sólidos
fundamentos matemáticos, e também pela teoria dos jogos. A respeito
da sua contribuição para a mecânica quântica, Van Hove escreveu: “A
mecânica quântica teve muita sorte em atrair, nos primeiros anos após
a sua descoberta em 1925, o interesse de um gênio matemático com a
estatura de Von Neumann. Efetivamente, o arcabouço matemático da
teoria foi desenvolvido por ele.”
Segundo o Pe. Paul Schweitzer SJ, foi ele quem demonstrou a equi­
valência entre a teoria matricial, proposta por Heisenberg (□), e a equa­
ção de onda, proposta por Schrõdinger. Von Neumann era atento à po­
lítica, de modo que, quando a Segunda Guerra começou, já tinha rela­
ções fortes nos Estados Unidos. Foi Von Neumann quem formalizou o
projeto lógico de um computador. Em sua proposta, ele sugeriu que as
instruções fossem armazenadas na memória do computador. Armaze­
ná-las na memória, para então executá-las, tornaria o computador mais
rápido, já que, no momento da execução, as instruções seriam obtidas
com muito maior rapidez. A quase totalidade dos computadores de hoje
em dia segue o modelo proposto por Von Neumann, chamado de “ar­
quitetura de Von Neumann”.
Mas sua contribuição à Teoria e Aplicações de Computação não se
limitou a isto, pois obteve resultados importantes nas áreas de princípios
de programação, análise de algoritmos, análise numérica, computação
científica, teoria dos autômatos, redes neurais, tolerância a falhas, sendo
o verdadeiro fundador de algumas delas.
A principal motivação para o trabalho de Von Neumann foi a
tentativa de unificar as várias idéias existentes na época relativas ao
processamento de informação por organismos vivos e por dispositivos
artificiais: modelos lógicos como as redes neurais de McCulloch e Pitts
e a teoria de computabilidade de Alan Turing, modelos estatísticos
como a teoria de comunicação de Claude Shannon e a cibernética de
Norbert Wiener.
Outro papel importante de Von Neumann foi o de legitimar as ati­
vidades desta área nascente (computadores). Ele foi o único entre os
pioneiros que tinha estatura científica internacional suficiente para con­
vencer os órgãos do governo a investir pesadamente num desenvolvi­
mento cujo sucesso não estava garantido e cuja aplicabilidade não era
ainda muito clara. O interesse de Von Neumann pelos computadores era
diferente daquele dos seus pares, pois ele logo percebeu a importância
deles para a matemática aplicada e, não somente, como uma máquina
de calcular tabelas (usadas em engenharia, física etc.).
Durante a guerra, a inteligência de Von Neumann foi convocada
para inúmeros projetos de hidrodinâmica, balística, meteorologia, teo­
ria dos jogos e estatística, entre outros. Ao final da guerra permaneceu
como consultor para inúmeros problemas, dada a sua capacidade in­
crível de perceber de maneira rápida a solução dos problemas que en­
volvessem matemática. Desenvolveu um computador no IAS (Institute
for Advanced Studies em Princeton, onde era professor), que serviu de
modelo para muitos computadores de Laboratórios Nacionais.
Von Neumman casou-se com Mariette Kõvesi em 1930. Ele con­
cordou então em converter-se ao catolicismo para se casar e perma­
neceu católico até a morte [129]. Foi-me dito pelo Pe. Paul Schweitzer
SJ, que ouviu de Larry Conlon, professor emérito de matemática da
Washinton University, St. Louis, que Von Neumann chamou um sa­
cerdote católico antes de morrer. O casal teve uma filha, Marina, mas
se divorciaram em 1937 e Von Newmann se casou no ano seguinte
com Klara Dan, com a qual não teve filho.
É quase impossível, de acordo com [174], mencionar todos os prê­
mios e títulos por ele recebidos. Foi membro da National Academy of
Sciences (EUA), Royal Netherlands Academy of Sciences, American
Academy of Arts and Sciences (EUA). Recebeu a medalha de mérito da
presidência dos Estados Unidos e a medalha da Liberdade também da
presidência, os prêmios Albert Einstein e Enrico Fermi, entre muitos
outros. Vitimado pelo câncer, ele não se conformou. Seus últimos dias
foram terrivelmente sofridos. Sua mente, tão poderosa, começou a fra­
quejar e, com essa consciência, teve um breakdown psicológico: pânico,
gritos e terror incontroláveis toda noite. Edward Teller, seu amigo, diria
que Von Neumann sofreu mais que qualquer outra pessoa que conhe­
ceu, quando caiu na conta de que sua mente já não funcionava e que iria
terminar a vida.

Nevill Mott [340], [343], [250], [404]


Sir Nevill Francis Mott (1905-1996) foi prêmio Nobel de física em
1977 com Philip W. Anderson e John H. Van Vleck, “por suas investi­
gações teóricas fundamentais sobre a estrutura eletrônica de sistemas
magnéticos desordenados”. Nasceu em Leeds, na Inglaterra, filho de
Charles Francis Mott e Lílian Mary Reynods, que se conheceram quan­
do trabalhavam no Cavendish Laboratory da Universidade de Cam-
bridge sob a liderança de J. J. Thomson (□). Um dos seus bisavôs foi Sir
John Richardson, explorador do oceano Ártico.
Nevill Mott teve sua educação superior no Clifton College em Bristol
e no St. Johrís College da Universidade de Cambridge, onde estudou ma­
temática e física teórica. Ele iniciou sua pesquisa orientado primeiramen­
te por R. H. Fowler em Cambridge, depois por Niels Bohr em Copenha-
gue e Max Born em Gõttingen. Passou um ano em Manchester com W.
Lawrence Bragg, filho de W. H. Bragg (□), e depois aceitou uma posição
de lecturer em Cambridge. Nesta universidade fez pesquisa sobre colisões
e problemas nucleares no Laboratório de Rutherford. Em 1929 colocou
a questão se os efeitos do “spin” do elétron e sua polarização podiam ser
observados diretamente. Propôs que o spin poderia ser detectado num
experimento de duplo espalhamento. Sua predição foi verificada experi­
mentalmente treze anos depois por Schull et al.
Em 1930 casou-se com Ruth Eleanor Horder, que lhe deu duas
filhas. Em 1933 assumiu a cátedra de Física Teórica em Bristol e, sob a
influência de H. W. Skinner e H. Jones, voltou a atenção de suas pes­
quisas para propriedades de metais e semicondutores (primórdios da
“Física do Estado Sólido”, hoje em dia chamada de “Física da matéria
condensada”).
No período anterior à Segunda Guerra, seu trabalho incluía uma
teoria sobre metais de transição bem como retificação e dureza de ligas.
Depois de um período de pesquisa militar durante a guerra, tornou-se
diretor do Departamento de Física em Bristol, publicando artigos sobre
oxidação em baixas temperaturas e sobre a transição em metais e isolan-
tes. Em 1954 voltou para Cambridge, agora como Cavendish Professor,
uma posição ocupada sempre por físicos de primeira qualidade. Per­
maneceu nessa posição até 1971, atuando em numerosas comissões da
Universidade e do governo.
Alguns dos seus livros são: The Theory of Atomic Collisions (com
H.S.W. Massey), Electronic Processes in Ionic Crystals (com R.W. Gurney)
e Electronic Processes in Non-Crystalline Materials (com E.A. Davis).
Além de suas pesquisas em física, desempenhou papel importante
na reforma da educação em ciências no Reino Unido. Ele foi também
presidente da Taylor & Francis, uma editora científica tradicional, e pre­
sidente da International Union of Physics, de 1951 a 1957. Em 1949 foi
o primeiro a estudar o que depois passaria a ter o nome de “transição
de Mott”, uma propriedade eletrônica dos sólidos. Esta pesquisa que lhe
daria o prêmio Nobel começou em 1965.
Ele obteve mais de vinte títulos honorários. Foi eleito fellow da
Royal Society e feito Sir. Existe uma medalha e um prêmio com seu
nome instituído pelo Council of the Institute of Physics, com patri­
mônio doado por sua família para premiar pesquisadores em física de
matéria condensada. Trata-se de uma medalha de prata e um prêmio
de mil libras esterlinas.
Ele viveu os últimos catorze anos de vida em uma pequena cida­
de, Aspley Guise, escrevendo sua autobiografia, A Life in Science (“Uma
vida na ciência”), publicada por Taylor & Francis, e editou um livro com
muitos autores sobre a interface entre ciência e religião, Can Scientists
Believe? (“Os Cientistas podem crer?”), editado por James & James,
Londres. E, além disso, escreveu nesse período muitos artigos científi­
cos, principalmente sobre semicondutores em altas temperaturas.
De acordo com [250], ele era anglicano. Algumas de suas frases
sobre fé:
“Eu creio em Deus, que pode responder a orações, em quem nós po­
demos confiar e sem o qual a vida nesta terra não teria sentido. Eu creio
que Deus se revelou a nós de muitos modos e através de muitos homens e
mulheres, e para nós no Ocidente a revelação mais clara é através de Jesus
e daqueles que o seguiram” (Nevill Mott. Reminiscences and Appreciations.
Londres: Taylor & Francis, 1998, 329, apud [404], p. 27).
“Os milagres da história humana são aqueles em que Deus falou aos
homens. O supremo milagre para os cristãos é a ressurreição. Alguma
coisa aconteceu àqueles poucos homens que conheciam Jesus que os
levou a acreditar que Jesus ainda vivia, com tal intensidade e convic­
ção que esta fé permanece a base da Igreja cristã dois mil anos depois”
([404], p. 27).
"A ciência pode ter um efeito purificador na religião, livrando-a de
crenças de uma era pré-científica e ajudando-nos num conceito mais ver­
dadeiro de Deus. Ao mesmo tempo eu estou longe de acreditar que a ciên­
cia algum dia nos dará as respostas para todas nossas indagações” (id.).
“Na minha compreensão de Deus eu começo com crenças firmes.
Uma é que as leis da natureza não são violadas. Deus opera, assim eu
acredito, [...] de acordo com as leis naturais” (id.).
“Eu acredito também que nem a ciência física nem a psicologia
jamais poderão explicar a consciência humana. Para mim, portanto, a
consciência humana permanece fora da ciência e é aqui que eu procuro
a relação entre Deus e o homem” (Nevill Mott. Can Scientists Believe?
Londres: James & James Science Publishers, 1991, 8, apud [404], p. 27).

Gõdel [4], [58], [61], [63] - [66], [74], [169], [211]


Kurt Gõdel (1906-1978) nasceu em Brno, atualmente na República
Tcheca, na minoria austríaco-germânica da cidade, que foi o lugar onde
Mendel estabeleceu os fundamentos da genética, na época no Império
Austro-Húngaro. Era filho de um gerente de fábrica têxtil. Faleceu nos
Estados Unidos, já naturalizado americano, em Princeton. Gõdel foi ba­
tizado na Igreja Luterana ([211], p. 12).
Em 1923 concluiu, com louvor, o curso fundamental na escola ale­
mã de Brno e, embora tivesse excelente talento para línguas, se aprofun­
dou em história e matemática. Seu interesse pela matemática aumentou
em 1920, quando acompanhou Rudolf, seu irmão mais velho, que fora
para Viena cursar a Escola de Medicina da Universidade de Viena, a
qual permaneceu, mesmo depois da Primeira Guerra Mundial, um dos
principais centros intelectuais do mundo, com Sigmund Freud, o funda­
dor da psicanálise, os compositores Gustav Mahler e Arnold Schõnberg,
os físicos-filósofos Ludwig Boltzmann e Ernst Mach e os filósofos Karl
Popper e Ludwig Wittgenstein ([74], p. 21).
Durante a adolescência, estudou Goethe, o Manual de Gabelsberger,
a teoria das cores de Isaac Newton (□) e as críticas de Kant. Embora ini­
cialmente pretendesse estudar física teórica, aos dezoito anos frequen­
tou cursos de matemática e filosofia, conseguindo logo o mestrado em
matemática. Nessa época ele adotou as idéias do realismo matemático.
Leu a “Metaphysische Anfangsgrunde der Naturwissenschaft”
(“Fundamentos metafísicos das Ciências da Natureza”), de Kant, e
participou do Círculo de Viena juntamente com Moritz Schlick, Hans
Hahn, e Rudolf Carnapp. A verdadeira “guerra” de Wittgenstein e do
Círculo de Viena era contra a metafísica. Gõdel não concordava com a
tese positivista (do Círculo de Viena) segundo a qual a filosofia começa
e termina com a análise da linguagem ([74], p. 28).
Seu amigo [em Viena] Karl Menger escreveu que Gõdel

sempre compreendia coisas difíceis rapidamente e suas respostas fre­


quentemente abriam novas perspectivas a quem lhe perguntava. Ele
exprimia seus ‘insights’ [...] com uma certa timidez e um charme que
induzia sentimentos de simpatia em muitos dos que o ouviam. Mas
esta timidez não deveria ser confundida com temor. Quando o já fa­
moso Carnapp sugeriu ao seu jovem estudante que escrevesse alguns
verbetes para a enciclopédia para se tornar conhecido, ele respondeu
que não precisava de tais recursos para ser reconhecido. Nem era tím i­
do com mulheres. Preferia em geral a companhia de mulheres menos
jovens que ele. Aos 21 anos apaixonou-se por Adele Porkert, uma dan­
çarina de night clubs’, seis anos mais velha. Ela já era casada e católica,
religião pela qual Gõdel não tinha simpatia. O casamento dela tinha
sido breve e infeliz. A relação de Gõdel com Adele foi seriamente con­
testada pela família e só depois da morte do pai é que eles se casaram
([74], pp. 26 e ss).

Gõdel estudava a teoria dos números quando participou de um


seminário com Moritz Schlick sobre a “Introduction to Mathemati-
cal Philosophy” de Bertrand Russell, e interessou-se imediatamen­
te pela lógica matemática. Nessa época de grande atividade, ele co­
meçou a publicar escritos sobre lógica e frequentou aulas de David
Hilbert, em Bolonha, sobre a completude e consistência de sistemas
matemáticos.
Em 1929 Gõdel tornou-se cidadão austríaco e completou sua
dissertação para doutoramento sob a supervisão de Hans Hahn, na
qual estabeleceu a completude do cálculo de predicados de primeira
ordem, também conhecido como Teorema da Completude de Gõdel.
Matemático e lógico dos mais geniais de todos os tempos, tornou-se
famosíssimo ao demonstrar o Teorema da Incompletude, em 1931, que
foi o seu mais famoso teorema, que estabelece que qualquer sistema
axiomático, que inclua a aritmética dos números naturais, não pode
ser simultaneamente completo e consistente. Isto significa que se o
sistema é autoconsistente, então existirão proposições que não pode­
rão ser nem comprovadas nem negadas por este sistema axiomático. E
se o sistema for completo, então ele não poderá validar a si mesmo. O
fato foi demonstrado na realidade em dois, e não em um teorema, no
artigo “Über formal unentscheidbare Sátze der Principia Mathemati-
ca und verwandter Systeme” (“Sobre sentenças formais não-decidíveis
dos ‘Principia Mathematica’ e sistemas aparentados”), publicado pela
Academia de Ciências de Viena.
Esses dois teoremas representaram uma revolução na matemática,
liquidando com as tentativas, multi-centenárias, de estabelecer um con­
junto completo de axiomas que possibilitassem deduzir toda a matemá­
tica, como tentaram os Principia Mathematica, publicado em 1910-1913
por A. N. Whitehead (□) (1861-1947) e Bertrand Russell (1872-1970)
[60], sendo este também o objetivo de Hilbert [61]. Na opinião de [64],
“o teorema de Gõdel é talvez o mais surpreendente e o mais comentado
resultado matemático do século XX”.
Hofstadter, autor do best-seller Gõdel, Escher, Bach [169], afirma: “o
Teorema de Gõdel sugere que, em última análise, nós não podemos en­
tender nossa inteligência [...]; assim como nós não podemos ver nossas
próprias faces com nossos olhos, não é absurdo esperar que não possa­
mos espelhar nossa estrutura mental completa nos símbolos que a ex­
primem” (citado em [65]).
Palie Yourgrau comenta em [211, p. 56]:

Consistência, e não a verdade, tornou-se cada vez mais a meta do sis­


tema científico formal, assim como a autenticidade tornou-se o grito
de guerra dos sistemas de Ética. [....]. Se, portanto, o formalismo é o
leitmotiv do século XX, e o formalismo matemático de Hilbert captura a
essência de todos os outros formalismos, então o teorema da incomple­
tude de Gõdel, o qual refuta de forma dramática e inescapável o progra­
ma de Hilbert, pode bem ser considerado o mais significativo resultado
intelectual do século XX.
Diz mais o excelente livro [211] às pp. 56 e ss:

... no final do século XIX Frege, Dedekind e Peano [....] construíram um


conjunto de axiomas, ou postulados, conhecidos hoje em dia [....] como
os cinco postulados de Peano, a partir dos quais se acreditou que todas
as verdades a respeito dos números naturais poderíam ser derivadas. O
que Gõdel descobriu, entretanto, foi que não somente os postulados de
Peano são incompletos, mas que qualquer sistema de postulados (mes­
mo que infinitamente grande) a partir do qual a aritmética pode ser
derivada [...] é necessariamente incompleto. (Uma mente infinita, como
a de Deus, que pode apreender de uma vez todos os números, presumi­
velmente não tem necessidade de axiomas). Assim, o mais simples e o
mais básico domínio da matemática, a aritmética dos números naturais,
a rocha sobre a qual repousa todo o edifício da matemática é [...] incom­
pleta e, pior, incompletável.

E ainda o mesmo autor às pp. 57 e ss:

O que Gõdel provou é que a verdade matemática não é redutível à prova


(formal ou mecânica [i.e., através de computador]). A sintaxe não pode
suplantar a semântica [...], regras mecânicas não podem dispensar a ne­
cessidade de significados, e o que nos dá acesso a significados, a saber, a
intuição, não pode ser dispensada mesmo na matemática, nem mesmo
na aritmética.

E ainda, para explicar melhor, à p. 58: “... o segundo teorema de


incompletude [de Gõdel] demonstrou, com maior ironia, que se um
dado sistema de axiomas da aritmética fosse de fato consistente, então
esta consistência não poderia ser provada pelo próprio sistema. Dito de
outro modo, somente um sistema formal inconsistente pode provar sua
consistência!”

E comenta àp. 71:

Frequentemente um resultado matemático - como o ultimo teorema


de Fermat’ (que só foi demonstrado depois de mais de trezentos anos
a partir da sua formulação pelo matemático francês, no século XVII)
- é considerado certo (e por isso denominado conjectura’), mesmo
que não se espere que sua prova seja encontrada. Mas no caso do teo­
rema de Gõdel, o próprio resultado era inesperado, e, portanto, o apa­
recimento de uma prova - uma prova diferente de todas as conhecidas
até então - foi ‘explosiva’. Mas a fama não traz consigo a compreensão
e assim o método usado por Gõdel bem como o resultado obtido fo­
ram tão revolucionários, que levaria anos para que as comunidades de
matemáticos e filósofos pudessem ‘digeri-los’.

E finalmente, sobre o “choque” para a comunidade de matemáticos,


às pp. 58 e ss.: “Os teoremas de incompletude de Gõdel enviaram uma
onda de choque através do mundo da matemática. [...] Arman Weyl fa­
lava sobre a [...] catástrofe’ de Gõdel. A ideia de axiomatização, de dois
mil anos, inaugurada por Euclides - o paradigma da racionalidade - ti­
nha explodido e o estouro foi [...] frustrante...”
A ascensão de Hitler ao poder não afetou diretamente a vida de Gò-
del em Viena, pois ele não tinha interesse em política. Entretanto, após
o assassinato de Schlick por um estudante nazista, Gõdel ficou mui­
to chocado e teve sua primeira crise depressiva. Nesse mesmo ano de
1933, viajou para os Estados Unidos. Lá, encontrou Albert Einstein (□),
do qual se tornaria grande amigo. Durante este ano ele desenvolveu as
idéias de computabilidade e das funções recursivas com o propósito de
lecionar sobre as funções recursivas gerais e o conceito de verdade ma­
temática. Este trabalho foi desenvolvido na área da teoria dos números,
usando a construção dos números de Gõdel. Em 1934 Gõdel deu uma
série de aulas no Institute for Advanced Study - (IAS) - de Princeton
intituladas “Sobre as proposições indecidíveis dos sistemas matemáticos
formais”. Von Neumann (□), que assistia à conferência, sendo “o mais
rápido dentre os mais rápidos”, chegou à conclusão da demonstração
antes de Gõdel terminá-la e ficou irritado consigo mesmo pelo fato de
não ter demonstrado o resultado antes.
E ainda de acordo com [211, p. 58], “foi Von Neumann quem ar­
gumentou, contra o próprio Gõdel, que a impossibilidade de provar
a consistência [...] não deixava espaço para o programa de Hilbert”. E
na página 59, a este propósito: “Gõdel tinha levado adiante, além de
Hilbert, a ideia de tratar sistemas formais de matemática como objetos
matemáticos, levando a conclusões exatamente opostas às que Hilbert
pretendia”.
Gõdel visitou o IAS novamente no outono de 1935. A viagem foi
difícil e exaustiva, resultando em uma recaída depressiva. Voltou a le­
cionar em 1937 e durante esse ano trabalhou arduamente na prova da
consistência da “Hipótese do Continuum”. Em 1938 casou-se com Ade-
le. Logo após visitou novamente o IAS e em 1939, a University of Notre
Dame. Em 1940, ele e sua esposa saíram da Europa através da ferrovia
trans-siberiana e viajaram pela Rússia e Japão, até chegarem à Améri­
ca do Norte. Estabeleceram-se em Princeton, N.J., nos Estados Unidos,
quando Gõdel passou a integrar o IAS.
Nessa época, voltou-se para a filosofia e física, estudando detalha­
damente os trabalhos de Gottfried Leibniz (□), Kant e Edmund Hus-
serl. No final de 1940 demonstrou a existência de solução paradoxal das
equações de campo da teoria geral da relatividade de Albert Einstein
(□); de acordo com essa solução, quando o espaço-tempo é muito “do­
brado”, seria possível voltar ao passado. Continuando seus trabalhos em
lógica, no mesmo ano, publicou o estudo sobre a “consistência do axio­
ma da escolha e da hipótese do continuum generalizada com os axiomas
da teoria dos conjuntos”, o qual se tornou um dos assuntos clássicos da
Matemática.
Einstein e Gõdel se tornaram grandes amigos a partir de 1942, co­
legas no IAS, uma amizade que durou até a morte de Einstein, em 1955,
morte da qual Gõdel nunca conseguiu se recuperar. De acordo com
Freeman Dyson, “Gõdel era ... o único de nossos colegas que andava e
conversava com Einstein (□) em pé de igualdade” ([211], p. 1). O que
podia unir personalidades tão diferentes? Gõdel opinava que uma das
razões de Einstein gostar da sua companhia era precisamente o fato de
ele nunca tentar esconder suas opiniões muito diferentes, não somente
em política e filosofia, mas também em física. Assim, por exemplo, a
tentativa sem sucesso de Einstein de encontrar uma teoria que unifi­
casse a mecânica quântica e a teoria geral da relatividade, que ocupava
muito de suas discussões, era um dos principais alvos do ceticismo de
Gõdel. Efetivamente, ele era cético com relação ao sentido último das
ciências naturais.
Em [74], p. 17, lemos:

Cada um tinha encontrado no outro um raro companheiro que resistia


ao charme da ‘nova física’ de Bohr e Heisenberg (□) [a mecânica quân­
tica], segundo a qual a matemática não é mais capaz de prover uma
imagem do mundo como ele é em si mesmo, mas serve apenas como um
instrumento de cálculo, um meio de prever os resultados de experimen­
tos. Eis uma prescrição impossível de ser seguida por “Herr Warum”
{{“Senhor por quê?” este era o apelido de Gõdel}}. Prescrição não me­
nos impossível para Einstein, pois a característica da ciência de Einstein
é a procura socrática por definições, por aquilo que a coisa realmente é,
em si mesma (uma expressão favorita de Platão). Afinal de contas, foi
Einstein (□ ) quem ensinou a Kant o que é o tempo (a quarta dimensão
do espaço-tempo relativístico), quem ensinou a Newton (□ ) o que é a
gravidade (a curvatura do espaço-temjjo de quatro dimensões) e ensi­
nou a todos o que é a energia ( e = YYXC ).

O princípio da incerteza é, afinal de contas, um exemplo da [...] tendên­


cia de tirar conclusões ontológicas a partir de premissas epistemológicas,
neste caso, a partir da nossa incapacidade de conhecer simultaneamente
a posição e velocidade de uma partícula subatômica [se infere] a inexis­
tência de tal estado. Einstein não somente rejeitou este raciocínio, mas
resistiu à convicção mais fundamental de Heisenberg (□), que se deve­
ria abandonar a mesma ideia de ‘realidade quântica”’([211], p.107).

“Para Einstein, como para Gõdel, filosofia sem ontologia é uma ilu­
são e física sem filosofia se reduz à engenharia”, (id.).
De acordo com Gõdel, a física tinha tomado o rumo errado [...]
quando escolheu o caminho do empiricista britânico Newton (n) ao in­
vés do idealista alemão Leibniz (□). A fascinação de Gõdel por Leibniz era
ilimitada, levando o seu ilustre colega matemático, Paul Erdõs, a dizer:
“Você se tornou matemático a fim de as pessoas estudarem a sua mate­
mática e não para que estudem Leibniz.”
Um outro ponto que separava intelectualmente Gõdel de Einstein
era o fato de este nunca ter superado sua suspeita inata com relação à
matemática, favorecendo sua intuição física. Mas ao lado dessas dife­
renças, as duas mentes tinham em comum o fato de que ambos haviam
amadurecido nas antigas capitais da Europa e eram herdeiros da grande
tradição filosófica austríaco-germânica. Ambos eram grandes admira­
dores de Kant. Gõdel costumava dizer para Einstein, o que lhe deixava
triste, que a Teoria da Relatividade Geral tinha confirmado o idealismo
de Kant. Gerald Holton diz que “no Instituto de Princeton, o tópico fa­
vorito [de Einstein] de discussão com seu amigo Gõdel era [...] Kant”
(ver [211], pp. 14-16).
“No âmago da oposição de Gõdel e Einstein ao positivismo estava
a sua relutância de tornar a ontologia (= metafísica), a teoria daquilo
que é, subserviente à epistemologia, a teoria do que pode ser sabido.
No fundo, a mentalidade positivista consiste em derivar a ontologia da
epistemologia” ([211], p. 106).
“Você pode avaliar qualquer posição em filosofia pela relação que
ela propõe entre ser e conhecer. Algumas tradições, como a grega de
Platão e Aristóteles, colocam a ontologia no centro, enquanto outras,
como a moderna, inaugurada por Descartes, colocam a ênfase na epis-
temologia. É claro, porém, que uma filosofia completa terá que fazer
justiça a ambas” (id, p. 112).
“Embora Kant [....] reconhecesse a existência da realidade além da­
quilo que aparece, ele tornou claro que os objetos da ciência não são as
coisas em si mesmas5, que estão além das aparências, mas as aparências
em si mesmas. Esta doutrina foi rejeitada tanto por Gõdel como por
Einstein...” (id.).

[De acordo com] Hilbert [...] os significados dos conceitos primiti­


vos em um sistema axiomático são exauridos pelas suas relações com
os outros conceitos [primitivos]. Na geometria, por exemplo, não há
mais ser numa linha do que sua relação para o ponto ou para o plano.
Gõdel, porém, rejeitou explicitamente esta doutrina, tal como seu pre-
decessor Frege. Eis porque ele insistia que para entender os conceitos
primitivos, deve-se não somente entender suas relações com os outros
conceitos primitivos, mas é preciso também apreendê-los em si mes­
mos através de uma forma de ‘intuição5([211], p. 169).

Um problema que Gõdel tratou com notável profundidade, além dos


outros, foi a questão do tempo. “O tempo [dizia Gõdel] permanece, mes­
mo depois de Einstein, o problema filosófico [...]. Para Gõdel o tempo
é ‘aquele misterioso e autocontraditório ser, que, por outro lado, parece
formar a base do mundo e da nossa própria existência” ([211], p. 111).

Pode-se manter consistentemente a existência do tempo, entendido in­


tuitivamente e a verdade da teoria da relatividade? [...] a teoria da relati­
vidade foi inspirada epistemologicamente, [tendo nascido] de premissas
a priori como a de que o tempo é determinado pela medida da simul-
taneidade através de relógios sincronizados [...]. O próprio Einstein já
havia tirado conclusões ontológicas a partir das suas premissas epis-
temológicas. Gõdel continuou a tirar conclusões além do ponto onde
Einstein parou [...] e ele faria isto respondendo à questão que Einstein,
plenamente consciente dela, queria evitar: a componente temporal do
espaço-tempo relativístico é t? (ou seja, o tempo da teoria da relativida­
de é realmente o tempo no sentido intuitivo?). Na sua resposta ao artigo
de Gõdel [...], Einstein reconheceu que ‘[este] problema me perturbou
durante a elaboração da teoria da relatividade geral5([211, p. 112).

A situação lembrava muito a que Gõdel encontrou quando ele


construiu seu teorema da incompletude em resposta ao programa de
Hilbert, quando a questão era a relação entre a demonstrabilidade for­
mal e a verdade matemática intuitiva. Gõdel comentou:

os formalistas consideravam que a demonstrabilidade formal consiste


numa análise da verdade em matemática, e portanto não tinham con­
dição de distinguir as duas. Da mesma forma ele poderia ter dito que
os físicos relativistas e os filósofos analíticos da ciência não estavam em
condições de distinguir a componente temporal do espaço-tempo rela-
tivístico quadri-dimensional do conceito intuitivo de tempo. Portanto,
o ensaio de Gõdel sobre Einstein... [foi] uma continuação do “programa
de Gõdel” de testar os limites dos métodos formais para capturar con­
ceitos intuitivos (id., p. 114). [...] Gõdel construiu um modelo para as
equações da Relatividade Geral, cuja geometria era tão extrema que a
componente temporal do espaço-tempo não podia ser vista, razoavel­
mente, como representando o tempo intuitivo [...]. Gõdel demonstraria
matematicamente que, no universo que ele construiu, havia a possibi­
lidade de caminhar com uma espaçonave muito veloz no sentido in­
verso do tempo [...]. Daí Gõdel concluiría que a componente temporal
do espaço-tempo no tal universo era, de fato, uma dimensão espacial e
não o tempo que nós conhecemos na nossa experiência ordinária [...].
Gõdel demonstrou assim que a viagem no tempo, entendida no seu sen­
tido estrito, é consistente com a Teoria da Relatividade [...]. Gõdel havia
demonstrado matematicamente um resultado sobre [...] a não-realida-
de do tempo (entendido no seu sentido intuitivo), cuja natureza havia
mantido em suspenso todos os filósofos idealistas, desde Platão até Kant
[...]. Einstein ficou impressionado e diría [...] ‘será interessante verificar
se estas soluções cosmológicas não são excluídas a partir de [outros]
fatos estabelecidos pela física’. A maioria dos pensadores, depois de se
recuperar do choque produzido pela descoberta de Gõdel, [pergunta­
riam] se o Universo de Gõdel seria suficientemente realista do ponto de
vista físico para ser levado a sério (id., pp. 115 e ss.).

“O platonismo matemático de Gõdel o levava à afirmação de um


conjunto de objetos que são necessários, e não contingentes como você
ou eu, que existimos, mas poderiamos não existir. Ora, se aquele Uni­
verso no qual não existe o tempo intuitivo (porque se volta para trás) é
uma realidade matemática, então ele existe e, portanto, o tempo intuiti­
vo não existe” (id., p. 116).
Em 1946 Gõdel tornou-se membro permanente do IAS e em 1947
naturalizou-se cidadão estadunidense. A propósito do seu processo de
naturalização, [211. p.99], conta o seguinte episódio pitoresco: Einstein e
Morgenstern (um grande economista alemão, judeu, que havia também
emigrado para os EUA) foram em 1947 como testemunhas e, durante
o trajeto, Gõdel disse aos dois que havia descoberto uma inconsistên­
cia na Constituição dos EUA. Einstein, preocupado, porque sabia que
sua correspondência para a mãe na Áustria tinha sido interceptada pelo
FBI, tratou de divertir Gõdel com piadas, algumas já bem requentadas.
Quando lá chegaram, o Juiz, que era o mesmo que recebera anos antes
Einstein como cidadão americano, perguntou a Gõdel: “O Sr. julga que
uma ditadura, tal como a que tivera a Alemanha, poderia jamais aconte­
cer nos EUA?” Gõdel respondeu que sim, mostrando como a Constitui­
ção americana poderia permitir acontecer tal coisa. O Juiz cortou logo a
argumentação do grande lógico, chegando-se a uma conclusão pacífica,
Gõdel passando a ter uma nova pátria. Anos mais tarde, diz o mesmo
livro, perguntado sobre uma analogia em termos de legislação do seu
teorema de incompletude, ele comentaria que um país que dependesse
inteiramente da letra formal de suas leis poderia muito bem ficar sem
defesa diante de uma crise que não teria sido prevista, nem poderia ter
sido prevista na sua legislação. E o autor comenta que o análogo do seu
teorema da incompletude em termos legais seria que para qualquer có­
digo legal, mesmo que totalmente explícito e completo, haveria senten­
ças não decidíveis pela letra da lei.
Gõdel passou a professor titular do Instituto em 1953 e professor
emérito em 1976. Ele se considerava um teísta, “seguidor de Leibniz (□)”
[211], “O Deus de Spinoza, dizia ele, é menos que uma pessoa. O meu é
mais do que uma pessoa.... Ele pode agir como uma pessoa” [211]. Ele
observava o fato, pouco mencionado, de que os fundadores da ciência
moderna não são ateus. Mais radicalmente do que Einstein ele pertencia
a um grupo raro entre os pensadores: um verdadeiro crente. Ele dizia que
enquanto “noventa por cento dos filósofos nos dias atuais consideram que
é missão da filosofia desalojar a religião da cabeça das pessoas, ele usaria
as ferramentas da moderna lógica para reconstruir o famoso argumento
ontológico de Leibniz para provar a existência de Deus” ([211], p.13).
“Muito da filosofia de Gõdel estava contida na sua matemática, mas
ele teve dificuldade de torná-la explícita [...] assim como o Deus de seu
herói, Leibniz, era um ser à parte” ([211], p.104). Para Gõdel, o mundo é
racional, o que o punha em contato com o teísmo, de acordo com o qual
a ordem do universo reflete a ordem da mente suprema que o governa.
Platão, um filósofo que Gõdel admirava muito, mantinha de modo se­
melhante que toda ordem é um reflexo da racionalidade.
No que diz respeito à religião, Gõdel afirmava: “As religiões são, na
sua maioria, ruins, mas a religião [isto é, fé em Deus?], não”. “[...] ele acre­
ditava que a filosofia deveria capturar axiomaticamente, ainda que não de
modo puramente formal, os conceitos fundamentais que abarcam a rea­
lidade [...], o que incluía razão, causa, substância, acidente, necessidade,
valor, Deus, conhecimento, força, tempo, forma, conteúdo, matéria, vida,
verdade, ideia, realidade, possibilidade’” ([211], pp. 104 e ss).
Com efeito, no início da década de 1970, Gõdel distribuiu aos ami­
gos um estudo da prova ontológica da existência de Deus elaborada por
Gottfried Leibniz (□), que acabou sendo conhecido como “prova onto­
lógica de Gõdel” [66].
{{ Quem primeiro apresentou uma prova ontológica da existência
de Deus foi Santo Anselmo (1033-1109). O argumento tem muitas for­
mulações, mas pode ser enunciado simplesmente do seguinte modo: A
ideia de Deus é de que é um ser perfeito; ora, a perfeição inclui a exis­
tência, logo, Deus existe.
Santo Anselmo apresentou o argumento de modo mais elaborado
(ver [59]). Leibniz o formulou de modo mais formal. Aparentemente, o
argumento pode parecer uma falácia, mas examinando-o com cuidado,
é bastante sutil. São Tomás de Aquino (1225-1274), provalvelmente o
maior teólogo-filósofo na história do cristianismo, o rejeitou. E isto por­
que, na filosofia tomista, o ato de existir é a perfeição das perfeições, não
tendo, portanto, sentido dizer que a “perfeição inclui a existência”.
São Tomás era, portanto, um “existencialista” (não no sentido que
tomou este termo na filosofia do século XX) e não um “essencialista”.
Para ele, todo ser finito é composto ontologicamente de dois co-prin-
cípios, existência e essência, esta sendo a limitação daquela e, conse­
quentemente, a existência precede ontologicamente a essência. Para os
‘essencialistas”, a existência é um “acidente”, a essência sendo o princípio
ontológico “principal”.
Mas parece-me que aqui há um equívoco sutil e frequente na com­
preensão das coisas. Muitos entendem uma ideia como uma essência:
assim, por exemplo, tornou-se clássica a afirmação que para Platão as
idéias estão num mundo próprio, enquanto para Aristóteles estas idéias
estão no mundo que conhecemos, são as “formas substanciais” dos se­
res limitados, suas essências. Mas as idéias não têm também existência
“real”? (Esta é a convicção usual dos grandes matemáticos, mas na filo­
sofia escolástica, da idade média, que teve enorme influência no cato­
licismo, e não pequena em certos ramos do protestantismo, diz-se que
as idéias são “seres de razão”, por oposição aos “seres reais”). Se este for
o caso, Platão deve ser considerado um “existencialista” tal como São
Tomás. Ora, a quarta via das provas da existência de Deus de São Tomás
[4] diz o seguinte: “Encontram-se nas coisas o mais e o menos bom,
verdadeiro, nobre [...]. Ora, o mais e o menos são ditos daquilo que se
aproxima, de diversos modos, do que o é em grau máximo [...]. Existe
portanto algo que é sumamente verdadeiro, bom e nobre,... e, por con­
sequência, é ser em grau máximo [...]”.
Se ao invés de bom, verdadeiro, nobre, belo, usarmos os conceitos
de bondade, verdade, nobreza, beleza, a quarta via de São Tomás se tor­
na equivalente ao argumento ontológico, salvo meliori judicio. Penso,
portanto, que a quarta via das provas da existência de Deus de São To­
más é equivalente ao “argumento ontológico”, que ele próprio rejeitou,
se aceitarmos que as idéias têm existência “real”}}.
Nas palavras de [211, p. 130]: “de acordo com este argumento [on­
tológico], Deus não pode ser considerado um ser acidental, mas tem
que ser necessário. Donde se segue que se Deus é possível, então Ele é
atual, isto é, existe. Isto significa que não é possível ser somente ateísta, a
não ser que se seja também ‘super-ateísta’, ou seja, não somente se negue
que ele exista, mas também se negue que ele possa existir [...]. Seguindo
os passos de Leibniz, Gõdel construiu também uma prova ontológica
de Deus. Mas preocupado que pudesse ser considerado um teísta numa
época ateísta, ele nunca permitiu que a prova fosse publicada.”

Gõdel [desenvolveu] sua própria versão do argumento ontológico de


Anselmo - Descartes - Lebnitz para [provar] a existência de Deus, um
ser, por hipótese, tão perfeito que, se sua existência é possível, Ele deve
existir não somente no atual, mas em qualquer outro mundo possível.
O passo [da demonstração] da possibilidade para a sua [existência] foi
relativamente fácil, dado um conjunto de axiomas da ‘lógica modal’ (i.e.,
a lógica dos modos de possibilidade e atualidade).
A parte difícil [...] foi provar que um ser divino fosse possível. Gõdel
tentou provar isso através de um argumento formal extremamente com­
pacto, que ele não quis publicar. Ele temia, disse a amigos, que isto po­
dería sugerir a seus colegas filósofos céticos que ele de fato acreditava
em Deus, quando na realidade se tratava (assim dizia ele) de um exercí­
cio meramente formal [...].
Sua avaliação das inclinações religiosas da comunidade filosófica era
provavelmente exata: ‘Noventa por cento dos filósofos contemporâne­
os consideram que sua principal tarefa é destruir a religião na mente
das pessoas) escrevia ele à sua mãe em 1961[...]. Gõdel não foi bem-
sucedido em convencer as pessoas que ele próprio não acreditava em
Deus. Sua prova [da existência de Deus] vazou, e ninguém, nem então
nem atualmente, acredita que ela tenha sido um mero ‘exercício for­
mal’ [...].
Quando a prova se tornou conhecida, postumamente, foram encontra­
das dificuldades em alguns detalhes. Se é possível, ou não, corrigir estas
falhas, permanece uma questão aberta. Também é aberta a questão se,
para corrigir estas falhas, seria necessário modificar premissas e, neste
caso, se a prova seria convincente ([211], pp. 155 e ss).

“Sua recusa em publicar o seu argumento ontológico para a existên­


cia de Deus não enganou ninguém. Ele não podia esconder que ele era,
de certo modo, um crente e que seu argumento, como o de Leibniz antes
dele, era tudo, menos um exercício intelectual.” (id., p.161). “Embora [a
maioria] dos filósofos considerasse Gõdel um lógico tentando se passar
por filósofo, ele é descrito de forma mais acurada como um filósofo po­
sando como lógico. Mais do que a maioria dos filósofos [profissionais]
ele se engajou na filosofia de uma maneira da qual se orgulhariam Par-
mênides e Platão: formulando questões fundamentais sobre a natureza
do tempo, do ser, da morte, Deus e o mundo das formas transcendentes,
as idéias” (id., p.165).
“A matemática [...] era para ele uma fonte de admiração. ‘Ela nos
é dada em sua totalidade e não muda’ [....] Além disso, ele reconhe­
cia que essas simetrias [da matemática] não são exclusivas do mundo
das formas separadas e transcendentes. ‘A matemática é aplicada ao
mundo real e provou que o é com eficiência. Isto sugere que as partes
matemática e empírica [do mundo] estão em harmonia e que o mundo
real também é maravilhoso’. Como Platão no Timaeus, ele acreditava
que o mundo real [...] é baseado num modelo divino” (id., p,184).
Muito cedo na vida Gõdel chegou à conclusão de que quanto me­
nos se comer, melhor. Ele levou ao longo da vida esta intuição de for­
ma ferozmente consistente prescindindo do senso comum dominante,
uma qualidade que ele nunca teve. Seus preconceitos, alimentados
por uma hipocondria, resultante de uma febre reumática na infân­
cia e uma paranóia a respeito das intenções dos médicos, o levaram a
uma neurose que acabaria por lhe tirar a vida. Quando faleceu, pesava
apenas 29 quilos e meio, sua altura sendo l,67m. No final de sua vida,
Gõdel acreditava estar sendo envenenado e recusava-se a comer, fale­
cendo em 1978.
Charles Townes [17], [42] - [44], [166], [183], [404]
Charles Townes (1915-) foi prêmio Nobel de física em 1964, com
N.G. Basov e Aleksandr Prokhorov, por trabalhos fundamentais no
campo da eletrônica quântica conduzindo à construção de osciladores e
amplificadores que levaram ao desenvolvimento do maser e do laser. Ele
nasceu na Carolina do Sul, EUA, graduou-se em física e línguas moder­
nas, simultaneamente, com apenas dezenove anos, doutorando-se em
física no Califórnia Institute of Technology em 1939.
Pesquisador no Bell Labs, depois professor na Columbia Universi-
ty, onde iniciou seu trabalho de pesquisa que daria origem ao “maser”,
um precursor do “laser”. A seguir, durante seis anos, foi professor e pro-
vost no MIT, transferindo-se depois para a University of Califórnia em
Berkeley, onde seu trabalho pioneiro em astronomia usando radiofre­
quência e infravermelho levou à descoberta de amônia e moléculas de
água no meio interestelar. Além disso, foi o primeiro a medir a massa
de um “buraco negro” no centro de nossa galáxia. Townes tornou-se
membro titular da National Academy of Sciences em 1956 e recebeu
inúmeros prêmios, além do Nobel; entre eles o John Carty Award da
própria National Academy of Science, a National Medal of Science e
o prêmio Templeton, por suas “contribuições para a compreensão das
realidades espirituais”.
Com efeito, durante décadas, Townes tem sido um advogado da
convergência da ciência e da religião e este foi o título de um artigo
seu, “The Convergence of Science and Religion”, publicado no IBM
Think Magazine. Townes previa neste artigo que ciência e religião es­
tavam num caminho de inevitável reconciliação, depois de séculos de
separação forçada.
Perguntado certa vez sobre o que pensava da existência de Deus,
respondeu: “Eu acredito firmemente na existência de Deus, baseado
na intuição, nas observações, na lógica e no conhecimento científico”
([404], p.16). “A ciência, com seus experimentos e lógica, procura en­
tender a ordem e estrutura do universo. A religião, com sua inspiração
e reflexão teológica, procura entender o objetivo e sentido do uiverso.
Estas duas coisas são inter-relacionadas. Objetivo implica estrutura e a
estrutura deveria ser interpretada em termos de objetivo” (id).
“Para mim, Deus é pessoal e onipresente. Uma grande fonte de for­
ça. Ele tem feito uma enorme diferença para mim” (id).
“Há uma tremenda experiência emocional na descoberta científica,
que eu acho que é semelhante àquela que algumas pessoas descreveríam
normalmente como uma experiência religiosa, uma revelação. Efetiva­
mente, assim me parece, a revelação pode ser vista como uma súbita
descoberta da compreensão do homem e da sua relação com o universo,
com Deus e com os outros homens” ([404], p.17).
Ele diz que alguns acham que religião e ciência operam em campos
tão diferentes, utilizando métodos tão díspares de modo que não há diá­
logo/ confrontação possível. Outros estão tão unilateralmente ligados a
um dos campos, que acham que o outro tem pouca importância e / ou
é prejudicial.
Em [44] ele escreve:

Para mim, ciência e religião são ambas universais e, basicamente, muito


semelhantes [...] eu adotaria o ponto de vista extremo que suas dife­
renças são em grande parte superficiais; as duas tornam-se quase in­
distinguíveis quando se contempla a verdadeira natureza de cada uma.
O progresso científico durante os séculos XVIII e XIX produziu uma
enorme confiança no sucesso e generalidade da ciência [...] e era fácil ser
convencido de que, com o tempo, ela explicaria todas as coisas...
Ao final do século XIX, muitos físicos consideravam seus trabalhos
como quase completos, necessitando somente alguns refinamentos e
extensões. Logo porém problemas sérios começaram a aparecer, dificul­
dades profundas que, em últimas análise, revolucionaram a base cien­
tífica da ciência. Por exemplo, a questão se a luz consiste de pequenas
partículas ou se consiste de ondas [...] foi debatida por algum tempo
pelos grande nomes da ciência.
No início do século XIX a questão foi resolvida, por experiências m os­
trando que a luz era inequivocamente onda e não partículas. Mas cerca
do ano 1900, outras experiências mostraram tão inequivocamente que a
luz é um feixe de partículas. Assim, os físicos ficaram em um paradoxo
profundamente perturbador. Sua solução veio somente em meados dos
anos 1920 com o desenvolvimento de um novo conjunto de idéias co­
nhecido como mecânica quântica.
Os físicos hoje em dia acreditam que [...] estamos equivocados se per­
guntarmos se a luz é onda ou partículas, pois ela apresenta ambas as
propriedades.[...] Outro aspecto estranho da mecânica quântica é o
princípio da incerteza [...]: se tentarmos dizer onde está exatamente
uma partícula, nada podemos saber sobre sua velocidade, e vice-versa,
se tentarmos calcular exatamente sua velocidade, não podemos saber
qual a sua posição [...] Consequentemente, as modernas teorias da ciência
afastaram-nos do determinismo para um mundo onde a “chance” tem a
importância maior [...]. Os cientistas tornaram-se então bem mais cau-
telosos e modestos ao estender idéias científicas a áreas onde elas não
foram testadas de forma completa.
Nós sabemos hoje em dia que as teorias mais sofisticadas, incluindo a
moderna mecânica quântica, ainda estão incompletas. Nós as usamos,
porque elas aparecem surpreendentemente certas em algumas áreas
[....] e, no entanto, elas nos levam a algumas inconsistências que nós não
entendemos [...]. Aceitamos simplesmente os paradoxos e esperamos
que no futuro eles sejam resolvidos por uma compreensão mais com­
pleta. Com este [resumido] “background”, nós chegamos à questão da
semelhança entre ciência e religião. O objetivo da ciência é descobrir a
ordem no universo e entender as coisas que nos cercam. Esta ordem é
formulada em princípios científicos, ou leis, que são expressas da ma­
neira mais simples e mais inclusiva possível.
O objetivo da religião, creio eu, é uma compreensão (e, portanto, aceita­
ção) do objetivo e sentido do nosso universo e como nós nos colocamos
nele. A maior parte das religiões aceita um princípio unificador em ter­
mos de sentido e origem e esta força suprema nós chamamos de Deus.
Entender a ordem do universo e entender o seu sentido [finalidade] não
são coisas idênticas, mas não estão muito longe uma da outra. Os para­
doxos na ciência não destroem usualmente nossa fé nela. Eles simples­
mente nos lembram que nosso conhecimento é limitado e permitem, às
vezes, a oportunidade para compreender melhor [...].
Se é impossível conhecer com precisão e simultaneamente posição e ve­
locidade de uma partícula, não deveriamos nos surpreender se ocorrem
limitações semelhantes em outros aspectos da nossa experiência [...].
Esta impossibilidade de conhecer com precisão duas quantidades é re­
ferida também como “complementaridade”: posição e velocidade repre­
sentam aspectos complementares de uma partícula [...].
Niels Bohr já havia sugerido que a percepção do ser humano [...] como
um todo e [a percepção] de sua constituição física representam um tipo
de complementaridade, isto é, a “focalização” da constituição atômica
do ser humano pode necessariamente tornar pouco nítida nossa visão
dele [ser humano] como um ser vivo e espiritual.
De qualquer forma, não parece haver justificativa para a posição dog­
mática de alguns, segundo os quais as notáveis características da perso­
nalidade humana possam ser completamente expressas em termos de
leis que governam os átomos e moléculas. Justiça e amor podem ser
outro exemplo de complementaridade [...].
Finalmente, se ciência e religião são tão semelhantes em termos gerais e
não limitadas arbitrariamente em seus domínios, elas devem convergir.
Eu creio que esta confluência é inevitável, pois ambas representam o
esforço do ser humano para entender o universo [...]. À medida que en­
tendemos melhor cada um dos domínios, as duas devem crescer juntas.
Possivelmente quando esta convergência ocorrer, a ciência terá passado
por uma série de revoluções tão surpreendentes como as que tiveram
lugar, na física, no século passado
Talvez nossa compreensão da religião também passará por progressos
e desafios. Mas elas devem convergir e, através disso, virá novo vigor
para ambas.

Townes escreveu também: “Os físicos estão construindo um muro


de tijolos [que os força] a reconhecerem uma inteligência em ação na lei
natural”. ([183], apud [17], p. 158). Charles Townes foi educado na Igre­
ja Batista e frequenta a “Igreja unida de Cristo” de acordo com [250],

Arthur Schawlow [39], [119], [120], [125], [404]


Arthur Leonard Schawlow (1921-1999) foi prêmio Nobel de física
em 1981. De acordo com [120] e sua autobiografia em [119], nasceu em
Mount Vernon, estado de Nova Iorque. Seu pai era de Riga, na Letônia, e
sua mãe era canadense, tendo ele próprio feito seus estudos no Canadá,
estudando matemática e física, com bolsa de estudos, na Universidade
de Toronto e doutorando-se em física.
Por convite, ingressou na Universidade de Columbia (Nova Iorque),
para trabalhar em pesquisa com Charles Townes (□), uma liderança que
ele considerava altamente estimulante, conseguindo o melhor de seus
alunos e colaboradores. Melhor de tudo, dizia ele, Townes o apresentou
à sua irmã, Aurélia, com quem Schawlow se casou em 1951, tendo um
filho e duas filhas com ela. Sua esposa se tornaria mezzo soprano e re­
gente de corais. Seu filho, Arthur Jr., era autista. O pai lutou muito para
que o filho melhorasse e fundou um centro para cuidar de pessoas com
autismo em Paradise, Califórnia; este centro recebeu em 1999 o nome
de Arthur Schwalow Center, pouco antes de ele falecer.
Até 1951 Schawlow tinha trabalhado primariamente em espectros-
copia na faixa de microondas. De 1951 a 1961 trabalhou no famoso Bell
Labs, onde passou a fazer pesquisa principalmente na área de semicon­
dutores. Nos fins de semana, encontrava-se com Charles Townes (□),
escrevendo o livro Microwave Spectroscopy.
Em 1957 e 1958 trabalhou com Townes no desenvolvimento do
“maser”, um precursor do “laser”, e em 1958 publicou com ele um
artigo em que se mostram os princípios de funcionamento do laser,
o qual seria desenvolvido experimentalmente por outro pesquisador
em 1960.
A partir de então, dedica-se especialmente ao estudo das proprie­
dades óticas e espectroscopia de sólidos. Mas, além disso, pesquisou
também nas áreas de supercondutividade e ressonância magnética. Pro­
fessor de física em Stanford, na Califórnia, a partir de 1961, onde teve
um grande número de alunos, colaboradores e colegas brilhantes. Em
boa parte do seu tempo, seu pensamento era estimulado pelos sons do
jazz tradicional, a partir de uma grande coleção de discos que tinha.
Permaneceu em Stanford até 1996, quando se tornou professor emérito.
Em 1991 a NEC Corporation e a American Physical Society criaram o
“Arthur L. Schawlow Prize in Laser Science”, concedido anualmente a
pesquisadores que contribuem de maneira insigne para o desenvolvi­
mento do laser. Faleceu de leucemia em 1999.
Além do prêmio Nobel, pelo seu trabalho de pesquisa sobre o laser,
recebeu várias outras distinções: entre outras, era membro da National
Academy of Sciences, da American Physical Society, da qual foi Pre­
sidente, da Optical Society of América, da qual também foi Presiden­
te, recebeu o Thomas Young Medal and Prize (1962), concedido pelo
Institute of Physics, o Morris Liebmann Memorial Prize (1964), foi o
Califórnia Scientist of the Year (1973), integrou o Marconi Internatio­
nal Fellowship (1977), recebeu a U.S. National Medal os Science (1991).
Doutor “honoris causa” por várias Universidades, inclusive pela sua
“alma mater”, a University of Toronto.
Era cristão e disse: “Somos afortunados por ter a Bíblia, especial­
mente o Novo Testamento, que nos diz tanto a respeito de Deus em
termos humanos, tão acessíveis” [39], Frequentava a igreja e sua esposa
cantava no coral da mesma [125].

A religião é baseada na fé. Parece-me que quando confrontados com a


maravilha da vida e do universo, devemos perguntar-nos não somente
sobre o como’, mas também sobre o ‘por quê’. As únicas respostas pos­
síveis são religiosas ([404], p. 18). ...o contexto religioso é um grande
background para fazer ciência. Nas palavras do Salmo 19, ‘Os céus pro­
clamam a glória de Deus e o firmamento mostra suas obras’. Assim, a
pesquisa científica é um ato de culto no sentido que ela revela mais das
maravilhas da criação de Deus (id.).

“Há cultos e seitas religiosas enormemente diferentes entre si e eu


acho que isto não é pouco razoável porque eu penso que Deus - se Ele é
tão maravilho como cremos - é também muito complexo e, portanto, as
diferentes pessoas têm que vê-lo de modos diferentes” (id.).
“Você não pode esperar que um camponês e um filósofo tenham a
mesma imagem de Deus. Eu creio que Deus é suficientemente grande
para satisfazer a todos, inclusive os cientistas” (id.).
“A imitação de Cristo é o caminho para salvar a sua vida...” (id.).
“O mundo é tão maravilhoso que eu não posso acreditar que ele
tenha aparecido por mero acaso”(id.).
“Eu encontro uma necessidade de Deus no universo e na minha
própria vida” (id.).
Tinha um excelente senso de humor. Certa vez deu uma conferên­
cia em Stanford com o título “A espectroscopia está morta?” Começou
com uma longa introdução sobre o sentido de “espectroscopia”. Depois
da longa introdução, um dos seus colegas perguntou: “E o que significa
‘morta’?”. Depois de uma pausa, respondeu: “Um assunto está morto
quando os químicos o assumem.” Os químicos podiam ouvir este tipo
de comentários sem se irritar [125],
“Ele era não somente admirado, mas amado por todos os que o
conheceram. Foi um grande cientista, mas extremamente modesto, um
professor que ajudava os alunos, um grande líder e uma pessoa que se
preocupava com os outros” [125],

Freeman Dyson [219], [266], [273]


Freeman J. Dyson (1923-), nascido na Inglaterra, naturalizou-se
americano. Ele é um físico teórico e matemático, tornando-se famoso
pelos seus trabalhos em mecânica quântica, física do estado sólido e en­
genharia nuclear, além da matemática. Trabalhou também seriamente
na procura de inteligência extraterrestre.
Ele se opõe ao nacionalismo e apoia o desarmamento e a coopera­
ção internacional. Casado com Imme, tem seis filhos. Dyson trabalhou
como consultor na Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, de­
pois do que obteve um B.A. em matemática em Cambridge e se tornou
fellow do Trinity College de 1946 a 1949. Mas em 1947 aceitou uma bol­
sa na Universidade de Cornell, N.Y., EUA, tornando-se seu professor,
apesar de não ter um doutorado.
Tornou-se fellow da Royal Society em 1952. Em 1953 aceitou
uma posição no Institute for Advanced Study em Princeton, N.J.,
EUA, como professor de física, ali permanecendo até 1994, quando
se tornou professor emérito. Tornou-se cidadão americano em 1957.
Membro da National Academy of Sciences em 1964, recebeu o prêmio
Danny Heineman do American Institute of Physics em 1965. Recebeu
21 títulos de doutor honoris causa. Recebeu o prêmio Enrico Fermi do
U.S. Department of Energy. Dyson tornou-se especialmente conheci­
do pela demonstração da equivalência das formulações da eletrodinâ-
mica quântica de então, uma de Richard Feynman e a outra de Julian
Schwinger e Sin-Itiro Tomonaga.
Um outro trabalho considerado muito importante de Dyson, junto
com A. Leonard, foi a demonstração da importância que o princípio de
exclusão (Pauli (□)) tem na estabilidade da matéria. Na física da matéria
condensada, Dyson fez pesquisas em transição de fase e “ondas de spin”.
Dyson produziu trabalhos em uma grande variedade de tópicos de ma­
temática, como Topologia, Análise, Teoria de Números e Probabilidade.
Seu conceito de Transformada de Dyson levou ao teorema que estabele­
ceu que todo inteiro é a soma de, no máximo, seis números primos.
De 1957 a 1961 ele trabalhou no projeto Orion, que se propunha
a desenvolver foguetes com propulsão nuclear. Entretanto, um tratado
banindo o uso de armas nucleares no espaço encerrou o projeto.
Já em 1976, preocupado com o aquecimento global, ele propôs
o chamado “sequestro do carbono”, com a plantação de árvores em
grandes áreas.
Ultimamente ele tem questionado o valor dos modelos computacio­
nais que preveem as mudanças climáticas, advogando um trabalho mais
intensivo de observações locais. “A boa notícia, diz ele em artigo de 1999
([268], citado em [267]), é que finalmente estamos colocando dinheiro
nas observações locais. As observações locais são trabalhosas e lentas,
mas elas são essenciais se quisermos ter uma visão acurada do clima”.
Dyson tem publicado uma série de trabalhos com especulações e
observações a respeito de tecnologia, ciência e o futuro.
Ele recebeu a Medalha Lorentz em 1966 e a Medallha Planck em
1969.
Em 1984-1985 ele deu as “Gifford Lectures” em Aberdeen, que re­
sultaram no livro “Infinite in all Directions” (“Infinito em todas as dire­
ções”), que recebeu o Prêmio da Sociedade Phi Betta Kappa.
Em 1989 ele ensinou na Duke University, USA, como o “Fritz Lon-
don Memorial Lecturer”.
Seus “Selected Papers of Freeman Dyson with Commentary” (“Ar­
tigos selecionados de Freeman Dyson com comentários”) foram publi­
cados pela American Mathematical Society em 1996.
No ano 2000 ele recebeu o Prêmio “Templeton”.
Desde 2003 é Presidente do “Space Studies Institute”.
Dyson tem um repertório enorme de frases inteligentes, que fi­
caram famosas. Assim, por exemplo: “Você não pode obter uma boa
tecnologia sem passar por um número enorme de fracassos [...] Se
você considera as bicicletas, houve milhares de modelos desajeitados
[...]. Você nunca poderia projetar uma bicicleta teoricamente. Mesmo
agora, depois de terem sido produzidas bicicletas por [mais de] cem
anos, é muito difícil endender por que uma bicicleta funciona, sendo
difícil formulá-la como um problema matemático. Através da tentati­
va e erro, aprendemos como fazê-las, e o erro foi essencial.”
Dyson pensava em colônias espaciais e chegou a calcular quan­
to custaria em 1978 colocar uma pessoa no espaço, concluindo que
custaria quarenta mil dólares. Ele argumentava que este foi o custo
da colonização da América, mas reconhecia que era muito caro, só os
governos seriam capazes de fazê-lo ([270], citado em [267]).
Dyson se opõe fortemente ao reducionismo. Considera-se um
cristão sem uma filiação definida, tendo frequentado, entre outras,
as Igrejas Presbiteriana e Católica. Ele disse na sua Conferência do
Prêmio Templeton, de acordo com [267]: “Eu não sou nem um santo
nem um teólogo. Para mim, as boas obras são mais importantes que
a teologia”.
“Nós [seres humanos] estamos, por assim dizer, entre a imprevi-
sibilidade dos átomos {{princípio da incerteza de Heisenberg (□)}} e a
de Deus” (citado em [273]).
Dyson tem ainda um texto, “Progress in Religion: A Talk by Freeman
Dyson” (“Progresso em Religião: uma palestra por Freeman Dyson”).
A relação completa dos livros de Freeman Dyson é a seguinte,
segundo [272]:
The Sun, the Genome, & the Internet: Tools o f Scientific Revolu-
tions (1999); Imagined Worlds (1997); Selected Papers of Freeman Dy­
son with Commentary (1996), mencionado acima; Infinite in All Di-
rections: Gifford Lectures Given at Aberdeen, Cotland, April-November
1985 (1988), mencionado acima; Origins ofLife (1985) Weapons and
Hope (1984) Values at War: Selected Tanner Lectures on the Nuclear
Crisis (1983) Disturbing the Universe (1979) The World, the Flesh and
the Devil: The Third J.D. Bernal Lecture Delivered at Birkbeck College,
London, 16th May 1972 (1972).
Ele mora em Princeton com sua esposa Imme. O casal tem cinco
filhas e um filho, além de uma enteada. Todos vivem em diferentes
lugares nos Estados Unidos, a não ser a enteada, que vive no Canadá.
Anthony Hewish [250], [404], [427], [429]
Anthony Hewish (1924-) foi prêmio Nobel de física em 1974 com
Sir Martin Ryle “pelo trabalho pioneiro em rádio astrofísica [...] e o papel
decisivo dele na descoberta do pulsar”. Nasceu em Fowey, no sudoeste da
Inglaterra. Era o caçula de três irmãos; seu pai era banqueiro. Passou a
infância em Newquay, desenvolvendo uma paixão pelo mar e por botes.
Educado no King’s College, em Taunton, indo para a University of Cam-
bridge em 1942.
De 1943 a 1946 ele serviu na guerra no Royal Aircraft Establish-
ment e também na pesquisa em telecomunicações, trabalhando em con-
tramedidas de radares. Voltou para Cambridge em 1946, graduando-
se em 1948, passando a integrar o Cavendish Laboratory e obtendo o
Ph.D. em 1952. Iniciou seu trabalho na própria Universidade, passando
por diversos colleges, sendo lecturer de 1961 a 1969, reader de 1969 a
1971 e professor titular de radioastronomia a partir de 1971 até a apo­
sentadoria em 1989.
Ele assumiu a liderança do grupo de radioastronomia em Cambrid­
ge em 1977, sendo diretor do Mullard Radio Astronomy Observatory,
de 1982 a 1988. Sua decisão de se dedicar à pesquisa em radioastrono­
mia se deveu à sua experiência com eletrônica e antenas durante a guer­
ra e também devido à influência de um excelente professor de teoria
eletromagnética no seu curso de graduação, Jack Ratcliífe.
Sua primeira pesquisa foi sobre a propagação de radiação através de
meios transparentes e não homogêneos. E este permaneceu seu interesse
por toda a vida. As primeiras “estrelas de rádio” (isto é, estrelas que emi­
tiam ondas eletromagnéticas com a frequência do rádio, e não da luz)
haviam sido descobertas recentemente e ele caiu na conta que suas “cinti-
lações” poderíam ser usadas para estudar as condições da ionosfera.
Desenvolveu então uma teoria de difração através de telas que mo­
dulavam a “fase” da onda eletromagnética e usou um rádio-interferô-
metro para testar a ideia, comprovando-a. Através disso foi capaz de
fazer medições pioneiras das nuvens de plasma na ionosfera e estimar a
velocidade dos ventos nesta região.
Após a descoberta de cintilações interplanetárias em 1964, usou o
mesmo método para medida dos assim chamados “ventos” solares. E
demonstrou também como a cintilação interplanetária podia ser usada
para obter altíssima resolução em radioastronomia.
E daí a ideia de uso de antena, com “diferença de fases”, para obter
um melhor “mapa” do céu. Ele buscou fundos, a partir de 1965, para a
construção de tal antena, que ficou pronta em 1967.
Por sorte, com o trabalho intenso de sua aluna de doutorado, Jocelyn
Bell, o equipamento serviu para detectar os “pulsars”. Foi bastante discuti­
do na época se Bell deveria também ter recebido o Prêmio Nobel.
Hewish patenteou um sistema de navegação espacial como resulta­
do de seus trabalhos em pulsares. Ele usou três pulsares como pontos de
referência para prover pontos “fixos”, permitindo medidas de distâncias
com precisão de poucas centenas de milhas no espaço sideral.
Olhando para trás nos seus quarenta anos dedicados à radioastro-
nomia, ele se sente um afortunado de ter participado dos inícios dos
trabalhos no Cavendish Laboratory.
Ensinar física na Universidade e dar conferências a um público
mais amplo têm sido ocupações à quais ele se dedica com esmero.
Desenvolveu também uma parceria com a Royal Institution em
Londres, dirigida por Sir Lawrence Bragg (filho de William Bragg (□)),
dando uma das bem conhecidas “Conferências de Natal” e, subsequen­
temente, muitas “Discussões Vespertinas” às sextas feiras.
Casou-se em 1950, um casamento feliz, com um filho, que também
é físico e uma filha, que é professora de línguas.
Ele recebeu, além do Prêmio Nobel de Física, o Prêmio Hamilton
(1952), a Medalha Eddington da Royal Astronomical Society (1969), o
Prêmio Charles Vernon Boys (1970), a Medalha Dellinger (1972), a Me­
dalha Michelson (1973), o Prêmio Hopkins (1973), a Medalha e Prêmio
Hovech da Societé Française de Physique (1974) e a Medalha Hughes
da Royal Society.
Ele é “Fellow” da Royal Society desde 1968 e Membro Honorário de
Academias de quatro países. Ele recebeu o doutorado honoris causa das
Universidades de Leicester, Exeter, Manchester e Santa Maria (no Brasil).
Algumas de suas frases sobre fé e religião:
“Eu creio em Deus. Não faz o menor sentido para mim supor que
o Universo e nossa existência é apenas um acidente cósmico, que a vida
emergiu por processos aleatórios em um ambiente que apenas por acaso
tinha as propriedades [físico-químicas] certas” [404].
“Como um cristão eu começo a compreender o que é a vida através
da fé num Criador [...] revelado por um homem nascido há cerca de
2.000 anos” (id.).
“Eu penso que tanto a ciência como a religião são necessárias para
entender nossa relação com o Universo. Em princípio a Ciência nos diz
como as coisas funcionam, embora haja muitos problemas não resolvidos
e eu acho que sempre haverá. Mas a Ciência levanta perguntas que ela
mesma nunca poderá responder. Por que o big bang levou à existência de
seres com consciência que questionam o objetivo da vida e a existência do
Universo? Nesse ponto a Religião se torna necessária” [404],
“Deus parece ser um Criador racional. Que todo o mundo seja feito
de elétrons, prótons e nêutrons e que o vácuo é cheio de partículas vir­
tuais exige uma incrível racionalidade” [404].
“A Religião tem uma função extremamente importante [no nosso
mundo] ao apontar para o fato que há mais na vida que materialismo
egoísta” [404].

Abdus Saiam [325], [329], [404]


Abdus Saiam (1926-1996) recebeu o prêmio Nobel de física em
1979. Paquistanês, nasceu na pequena cidade de Jhang, Sahiwal Punjab.
Seu pai era funcionário no Departamento de Educação em uma região
pobre. Sua família tinha uma longa tradição de estudos e piedade.
Aos catorze anos ele obteve a mais alta nota na história no vestibu­
lar para a Universidade de Punjab, em Lahore, Paquistão, ingressando no
Government College da mesma Universidade, com uma bolsa de estudos.
Saiam recebeu o grau de B.A. pelo “Government College” em 1946.
Obteve uma bolsa para o St. Johrís College, na Universidade de
Cambridge, na Inglaterra, obtendo o grau de B.A. em 1949, com um
“double first class honors” em matemática e física (ou seja, o primeiro
colocado nos dois cursos).
No ana seguinte ele ganhou o prêmio Smith da Universidade e em
1951 foi-lhe outorgado o Ph.D. em Física Teórica, com uma tese que
continha um trabalho fundamental em Eletrodinâmica Quântica.
Ele recebería o Prêmio Nobel em 1979 pelos seus trabalhos sobre
as chamadas interações fracas e eletromagnéticas, na física de partículas.
O Prêmio foi compartilhado com Sheldon Glashow e Stephen Weinberg.
Ele foi o primeiro paquistanês a receber este prêmio e também o primei­
ro muçulmano a receber um Prêmio Nobel em Ciências.
Sua teoria foi confirmada pelas experiências conduzidas pelo Super
Próton Synchroton do CERN (Centro Europeu de Pesquisas Nucleares)
em Genebra, Suíça. Foi a descoberta dos Bósons W e Z que validou a
teoria de Saiam, Glashow e Weinberg. Este resultado lhe deu reputação
internacional, ganhando o Prêmio Adams.
Em 1951 ele regressou ao Government College em Lahore, onde
ficou até 1954; tendo em vista a absoluta falta de ambiente para pesquisa
científica no seu país natal, regressou a Cambridge como “Lecturer” (que
correspondería ao nosso atual Professor Assistente) de Matemática.
Em 1956 ele foi convidado para Professor Titular no Imperial College,
em Londres, e com Paul Matthews, criou um grupo muito ativo em Fí­
sica Teórica. Ali permanecería até sua aposentadoria.
Em 1959 tornou-se o mais jovem “Fellow” da Royal Society, com
apenas 33 anos.
Durante os anos 1960 Saiam teve atuação importante no estabele­
cimento da Comissão de Energia Atômica do Paquistão e também na
Comissão Espacial de seu país, da qual foi o diretor fundador.
Ele foi também o fundador (1964) e primeiro diretor (até 1993) do
famoso Centro Internacional de Física Teórica em Trieste, Itália, ao qual
dedicou o melhor de sua energia.
Saiam era um advogado vigoroso de que os países em desenvol­
vimento se aplicassem fortemente e se ajudassem uns aos outros no
progresso científico e que isto preenchería o fosso entre o Norte de­
senvolvido e o Sul, pobre, contribuindo assim para um mundo mais
pacífico.
Saiam fundou também a “Academia de Ciências do Terceiro Mun­
do” e teve forte participação na criação de vários centros para o desen­
volvimento da Ciência e da Tecnologia.
Ele foi um pesquisador prolífico por mais de quarenta anos, o prin­
cipal foco de sua pesquisa tendo sido o das partículas elementares.
Suas contribuições foram, entre outras:
- a teoria das duas componentes do neutrino e a predição da violação da
paridade nas interações fracas;
- a unificação da medida das interações fraca e eletromagnética; a força
unificada foi chamada “eletro-fraca” que predizia a existência de corren­
tes neutras fracas e as partículas W e Z, antes da sua descoberta expe­
rimental;
- propriedades de simetria das partículas elementares;
- renormalização das teorias dos mesons;
- a função da gravitação na teoria de partículas;
- interações fortes.

Propôs ainda uma unificação das interações eletro-fracas e fortes, o


chamado “Modelo Pati-Saiam”.
Com uma atividade espantosa, ele trabalhava em feriados e evitava
festas e divertimentos.
Abdus Saiam foi um devoto Qadani, pertencente à Comunidade
Muçulmana “Ahmadiyya”, que via com bons olhos uma integração entre
a religião e o trabalho científico.
Ele escreveu: “The Holy Quran enjoins us to reflect on the verities
of Allahs created laws ofnature; however, that our generation has been
privilegeâ to glimpse a part ofHis design is a bounty and a gracefor which
I render thanks with a humble heart (“O Santo Corão nos leva a refletir
sobre as verdades das leis da natureza criadas por Allah; que a nossa
geração tem tido o privilégio de vislumbrar parte de Seu projeto é uma
graça pela qual eu agradeço com um coração humilde”) [326].
Quando recebeu o Prêmio Nobel de Física, Saiam citou os seguintes
versos do Corão:
“Thou seest not, in the creation of the All-merciful any imperfec-
tion; Return thy gaze, seest thou any fissure? Then Return thy gaze,
again and again. Thy gaze comes back to thee dazzled, aweary.” (Tu não
vês imperfeição na criação do Todo-misericordioso; Olha em volta, vês
alguma falha? Olha em volta de novo e mais uma vez; O teu olhar volta-
se para ti mesmo, maravilhado).
E acrescentou: “This, in effect, is the faith of all physicists; the dee-
per we seek, the more is our wonder excited, the more is the dazzlement
for our gaze.” (Esta é, com efeito, a fé de todos os físicos: quanto mais
profundamente nós pesquisamos, mais nos maravilhamos) [327].
Numa entrevista ao New Scientist (26/08/1976), ele disse: “Todo ser
humano precisa de religião, como Jung afirmou firmemente; este senti­
mento religioso profundo é uma das principais necessidades da huma­
nidade” ([404], p. 29).
“Nós estamos tentando descobrir o que o Senhor pensou; natu­
ralmente, nós fracassamos na maioria das vezes, mas algumas vezes há
uma grande satisfação ao ver um pequeno pedaço da verdade” (id.).
Em 1974, quando a Assembléia Nacional do Paquistão declarou que
os “Almadiyya” não eram muçulmanos, ele, protestando, deixou o país.
Faleceu em Oxford, aos setenta anos, depois de uma longa enfermi­
dade. Seu corpo foi levado para o Paquistão e recebido pela Comunida­
de Ahmadiyya de Muçulmanos.
Saiam foi sepultado perto do túmulo de seus pais. Cerca de trinta
mil pessoas estiveram presentes nos funerais. Escreveram como epi­
táfio de seu túmulo “Primeiro Muçulmano que recebeu o Prêmio No­
bel”, mas como a comunidade Almadiyya não era aceita como muçul­
mana, a palavra “muçulmano” do seu túmulo foi apagada, por ordem
de um Juiz local. Dois anos depois de sua morte, em 1998, o governo
do Paquistão criou um selo com sua foto, como parte de uma série,
“Cientistas do Paquistão”.
John Polkinghorne [72], [76], [112], [217]
John Polkinghorne (1930-), inglês, físico teórico, estudou em Cam-
bridge, tendo sido orientado por Paul Dirac. Durante 25 anos trabalhou
na área de partículas elementares e teve atuação significativa na desco­
berta do “quark”. Eleito fellow da Royal Society, com apenas 44 anos.
Com cerca de 51 anos resignou à cátedra em Cambridge para estu­
dar teologia na Igreja Anglicana, tornando-se padre em 1982. Depois de
cinco anos como pároco, retornou a Cambridge como Deão da Capela
do Trinity Hall. Tornou-se presidente do Queens College em Cambrid­
ge, posição da qual se aposentou em 1996.
Em 1972 recebeu o Prêmio Templeton por suas contribuições ao
diálogo entre Fé e Ciência. Foi membro fundador da Sociedade de Cien­
tistas Ordenados e da Sociedade Internacional para a Ciência e Religião,
da qual foi o primeiro Presidente. Polkinghorne foi escolhido para dar
as prestigiosas Gifford lectures em 1993-1994, a partir das quais publicou
o livro Thefaith ofaphysicist [74].
Polkinghorne afirma fortemente que Ciência e Religião se referem
a aspectos distintos de uma mesma realidade: “...a teologia pode convi­
ver com qualquer das teorias físicas [início ou não da criação], porque
a afirmação de que Deus é Criador não significa que Ele fez algo a par­
tir de um certo instante de tempo, mas que ele mantém sempre o ser
das coisas” (J. Polkinghorne, Science and Creation (Shambhala, Boston,
1998), p.54, apud [17], p. 257).
Em [76], p. 97, ele diz: “Quando eu deixei minha dedicação integral
à ciência [...] para me tornar um clérigo, minha vida mudou em todos
os aspectos. Mas uma coisa importante não mudou [...] em ambas as
carreiras eu tenho me ocupado da procura da verdade [....]. A pergunta
central da religião é a da verdade.”
Ele elabora suas idéias de maneira bastante original: “existe somen­
te uma coisa no mundo (e não duas, a material e a mental), mas ela pode
ocorrer em dois estados (na linguagem dos físicos, a fase material e a
fase mental), o que explica a nossa percepção da diferença entre mente
e matéria” ([74], apud [72]).
Quanto a Deus, ele diz que “a existência de Deus é a mais importan­
te das questões que o ser humano enfrenta acerca da realidade natural”
(id.), e citando outro autor, Anthony Kenny, diz: “Afinal de contas, se
não existe Deus, então Deus é a absolutamente maior criação da imagi­
nação humana” [72], Deus é a resposta definitiva dada por Leibniz (□)
à seguinte pergunta: “Por que existe algo ao invés do nada?” [72], “O
teísmo, diz ele, explica mais do que um ateísmo reducionista” (id).
Ele tem sérias dúvidas a respeito da “prova ontológica” da existên­
cia de Deus de Sto. Anselmo (ver Gõdel (□)), argumentando: “Se não se
pode provar a consistência da aritmética, é muito problemático esperar
que a existência de Deus seja algo mais fácil de tratar” [72].
{{Aqui se poderia comentar que o paralelismo é indevido. Seria
apropriado se comparássemos essência versus essência: não conhece­
mos plenamente a essência da aritmética, pois não somos capazes de
provar a sua inconsistência e, a fortiori, estamos longe de conhecer a
essência de Deus. Conhecer e provar sua existência é outra coisa, a qual,
como diz São Tomás [4], se faz a partir dos efeitos, ou talvez, melhor,
pelo princípio de razão suficiente, usado largamente por Leibniz (□): a
existência do Universo tem que ter uma razão suficiente, ou “condição
suficiente”, como se diz em matemática e lógica formal. Permanecendo
no âmbito da matemática e da lógica formal, a título de exemplo, pode-
se provar que existe solução de um problema, ainda que não seja possí­
vel encontrar esta solução}}.
Mas Polkinghorne conclui que “Deus é ontologicamente necessá­
rio, mas não logicamente necessário” [72]. Mas na realidade ele “não
afirma que a existência de Deus possa ser demonstrada de uma maneira
logicamente coercitiva - nem tão pouco a não-existência de Deus -,
mas sim que o teísmo faz mais sentido do que o ateísmo, tanto em ter­
mos do Universo, como da experiência humana” ([75] apud [72]).
Polkinghorne afirma que o teísmo é mais convincente em termos
das percepções ética e estética. Ele diz que é difícil acomodar a ideia de
que temos um conhecimento moral, distinguindo o certo de errado em
termos éticos, com uma visão ateia ([75] apud [72]).
Polkinghorne considera, como seria de se esperar, o problema da
existência do mal como a mais séria objeção contra a existência de Deus,
mas reconhece que a existência do mal (moral) é um corolário da liberda­
de humana. Ele considera que um universo com a possibilidade do mal é
melhor que um universo de máquinas perfeitamente programáveis.
Em ([76], pp. 97 e ss.) diz: “A religião não é apenas [...] para man­
ter nosso moral elevado, um piedoso analgésico para os males da vida.
A questão central da religião é a da verdade [...]. Algumas das pessoas
que eu conheço e que me parecem as mais esclarecidas e engajadas na
realidade são os religiosos e freiras [...]. Na investigação dos diferentes
aspectos que lhes concernem, parece-me que ciência e religião partici­
pam do mesmo desejo de conhecer o que é verdadeiro. Nenhuma das
duas atingirá certeza absoluta neste esforço, ambas apelarão para uma fé
motivada, mas não inquestionável.”
{{A propósito da certeza da fé, vale citar São Tomás de Aquino
[78]: “A certeza da fé provém da luz infusa por Deus, a certeza da ciência
provém da luz natural [isto é, da razão]”}}.
Continua John Polkinghorne no texto citado: “Ninguém jamais viu
um ‘quark’, e eu creio que ele jamais será visto [...]. Por que acreditamos
na sua existência? [...]. Em resumo, é porque os “quarks” explicam de
modo plenamente satisfatório um grande número de experiências físi­
cas [...]. De modo semelhante, eu acredito no big bang [...] porque ele faz
sentido para o universo tal qual nós o conhecemos hoje, com as galáxias
se afastando umas das outras [...]. A estratégia intelectual da ciência não
é nem de uma credulidade indevida, nem um ceticismo perpétuo. Não
haveria progresso se tudo fosse questionado todo o tempo. Efetivamen­
te, os cientistas acham difícil, como todo cidadão comum, rever convic­
ções firmemente estabelecidas [...]. O novo conhecimento que se ganha
é, de certo modo, uma aventura e, frequentemente, há aspectos [na nova
teoria] que são paradoxais ou mesmo totalmente inexplicáveis. Faz-se
o melhor que se pode, uma teoria científica geral sendo amplamente
persuasiva, porque provê a melhor explicação para um grande número
de experimentos físicos.
Eu gostaria de me engajar em uma estratégia semelhante com rela­
ção à invisível realidade de Deus. Sua existência faz sentido para mui­
tos aspectos do nosso conhecimento e experiência: a ordem e eficiência
do mundo físico, os vários aspectos de uma mesma realidade, a quase
universal experiência humana de adoração e esperança, o fenômeno de
Jesus Cristo (incluindo sua ressurreição)”.
Em [112] ele diz: “A ordem racional que a ciência descobre é tão es-
plendorosamente bela, que é natural perguntar por que deve ser assim.
Ela pode encontrar uma explicação somente em uma causa que seja ela
mesma essencialmente racional, ou seja, a inteligência de um Criador...
[que], nós sabemos, também contém o belo, a obrigação moral e a ex­
periência religiosa. Essas últimas coisas também encontram seu funda­
mento no Criador, na sua alegria, sua vontade e sua presença”.
Em ([217], 2o. Capítulo), Polkinghorne faz uma comparação muito
interessante entre a evolução no conhecimento da física com o da teolo­
gia. Assim procede ele:
Na evolução da explicação dos fenômenos físicos distinguem-se os
seguintes tempos:
- Momentos de revisão radical, como, por exemplo, na transição da ex­
plicação de Maxwell (□) (onda eletromagnética) para a de Einstein (□)
(fótons), chegando-se à dualidade onda / partícula.
- Períodos de confusão, em que a velha e a nova teoria estão lado a lado
em estado de tensão diante de problemas não resolvidos por ambas,
como aconteceu com a física quântica de 1900 a 1925.
- Momento de nova síntese e compreensão, em que a nova teoria se
revela capaz de explicar os fenômenos, mostrando que a velha teoria é
um caso particular dela. Isto aconteceu em meados dos anos 1920 gra­
ças aos trabalhos de Heisenberg, Schrõdinger, Dirac e Max Born, que
estabeleceram a assim chamada mecânica quântica.
- Alguns problemas continuam não resolvidos e a luta para resolvê-los
prossegue. Exemplo, o problema da mensuração dos objetos na mecâ­
nica quântica.
- Percebe-se que a nova teoria tem implicações antes insuspeitadas.
Exemplo disto na mecânica quântica: a antimatéria.
E a seguir o autor mostra como os cinco momentos indicados acima
também aparecem na evolução do dogma. Para isto, considera os se­
guintes três textos:
- “Este Evangelho, que Deus prometera (...) concerne ao seu Filho,
oriundo, segundo a carne, da estirpe de Davi, estabelecido, segundo o
Espírito Santo, Filho de Deus com poder, pela sua Ressurreição dentre
os mortos, Jesus Cristo nosso Senhor” (Rom 1, 2-4).
- “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era
Deus (...). E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,1-14).
- “Um e o mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito na Divinda­
de e perfeito na humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente
homem (...) um e mesmo Cristo Filho Senhor Unigênito em duas natu­
rezas sem confusão, mudança, divisão, separação”. [Cone. de Calcedô-
nia, Dz-Sch ns. 301 e 302],

As três afirmações acima se referem à mesma realidade, mas sem


dúvida há grandes diferenças entre elas. Na primeira, da Carta aos
Romanos, São Paulo estaria citando, de acordo com os especialistas,
uma fórmula cristã primitiva de poucos anos após a morte de Cristo.
Fala em “Filho de Deus”, um título de grande honra no pensamento
hebreu, mas que não conota necessariamente a divindade. O segun­
do texto, do Prólogo do Evangelho de São João, afirma claramente o
status preexistente e divino do Verbo e sua encarnação em Jesus. O
terceiro texto, do ano 451, usa uma linguagem (como a de duas natu­
rezas) que é filosófica e, portanto, diferente da do Novo Testamento.
O objetivo foi manter com força e clareza as características divina e
humana de Cristo.
É evidente que existe uma gradação nesses três textos e uma ques­
tão central em cristologia é saber se há aqui um desenvolvimento [apro­
fundamento] contínuo da doutrina ou se, pelo contrário, há aqui uma
distorção doutrinária sob a pressão do questionamento grego dos pri­
meiros séculos. O autor adota a primeira postura (que é também a po­
sição dos cristãos em geral) e mostra, no restante do capítulo, como
este desenvolvimento da doutrina segue os passos, analogamente, aos
registrados na evolução da física. Com efeito, temos primeiramente:

- Momentos de revisão radical em que novos fenômenos conduzem a


nova compreensão (new insights). A revisão radical, na consciência dos
discípulos ocorre quando eles veem Jesus crucificado. O Messias não
podia ser crucificado, Pedro foi categórico neste ponto. E, no entanto, lá
estava ele, dependurado na cruz. Um Messias crucificado, algo parado­
xal, nota Polkinghorne, como “onda e partícula”. E depois, com a ressur­
reição, então insuspeitada, estamos diante de novo fato que impõe nova
revisão radical de conceitos. Os dois fatos, morte e ressurreição, pouco
distantes no tempo um do outro, impõem a revisão radical. Em Peten-
costes os discípulos já não são os mesmos, mas pessoas transformadas
pela revisão radical dos próprios conceitos.
- Um período de confusão, em que velhas e novas idéias estão lado a
lado, em estado de tensão. Os discípulos eram decididamente mono-
teístas, como bons e piedosos judeus. Fatos e experiências relativas ao
Senhor ressuscitado haveríam de colocar a nascente Igreja no caminho
da descoberta de realidade mais profunda do que a atestada nas pri­
meiras fórmulas. O autor faz aqui analogia com o período 1920-1925
na física, em que o átomo de Bohr, uma imagem de física clássica, já
é dotado de propriedades quânticas. Assim também, há nos primeiros
anos da Igreja afirmações sobre Cristo, como o “Senhor”, que já são um
engajamento, tateante, na direção de uma compreensão mais plena do
mistério de Cristo.
- Momentos de nova síntese e compreensão em que uma teoria aparece.
O autor observa que a teologia não tem sido tão bem sucedida como
a ciência na elaboração de novas sínteses. E a razão é clara: enquan­
to a ciência trata do mundo físico, aberto a manipulação investigativa,
a teologia procura falar sobre Deus, o qual é encontrado em reverên­
cia e obediência. Mas estas sínteses ocorreram certamente em Niceia
e Constantinopla em 325 e 381, respectivamente, a respeito do dogma
trinitário, e Calcedônia em 451, a respeito do dogma cristológico. O
autor observa que a teologia patrística deve ser considerada como uma
reflexão sobre a experiência da Igreja na fé em Cristo e não como uma
especulação metafísica desenraizada.
- Uma luta contínua a propósito de problemas não resolvidos. O autor
focaliza, a propósito, o dogma cristológico, mostrando algumas das di­
versas tentativas, ao longo dos séculos, a partir do Concilio de Calce-
dônia, no sentido de encontrar um melhor entendimento da união das
duas naturezas de Cristo. A negação de uma delas tem sido tentação
recorrente. O autor remete para seu texto “Christian Belief / Faith of a
Physicist” [74], no qual procura uma via média entre uma cristologia,
sem dúvida inspiradora, que acaba excluindo a divindade de Cristo, e
aquela clássica, em que ocorre sempre o perigo de se excluir de Cristo a
verdadeira humanidade.
- Tomada de consciência que a teoria tem implicações profundas. Os
séculos de reflexão cristã sobre as presenças divina e humana em Cristo
trouxeram à luz implicações profundas que nos encorajam a pensar que
estamos no caminho certo. A resposta cristã ao problema do mal e do
. sofrimento é cristológica: Cristo, cravado na cruz, exposto à mais cruel
forma de morte que o engenho romano pôde conceber, abandonado por
seus amigos, experimentando no seu íntimo até o abandono de Deus,
seu Pai (exclamando “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”
(Mt. 27,46)). O Deus cristão não é um mero espectador que se com­
padece ao contemplar o sofrimento, Ele é o Deus crucificado. “Só uma
cristologia ontológica é uma defesa adequada de Deus em face do sofri­
mento humano”, diz ele.

{{Um resumo, com comentários pessoais dos quatro primeiros capítulos


de [217], pode ser encontrado no meu texto “Fé em Deus num mundo
científico” [229]}}.

Arno Penzias [337], [339], [250], [404]


Arno Allan Penzias (1933-) recebeu o prêmio Nobel de física em
1978 com Pyotr L. Kapitsa (metade do Prêmio) e Robert Woodrow Wil­
son, pela descoberta da irradiação cósmica de microondas, que foi tam­
bém a contribuição de Robert Wilson, enquanto o trabalho de Pyotr
Kaptisa foi sobre propriedades físicas em baixas temperaturas
Nascido em 1933 em Munique, na Alemanha, de família judaica de
classe média. Seus seis primeiros anos foram muito agradáveis; era uma
criança adorada por seus pais. Mesmo quando eles foram deportados
para a Polônia, tinha a sensação de que nada de mal lhes poderia acon­
tecer. Depois de viagem extremamente desconfortável, foram levados
de volta a Munique, quando caiu na conta, ainda menino, de que havia
coisas que seus pais não podiam controlar perfeitamente, algo tendo a
ver com o fato de serem judeus. E aprendeu que tudo ficaria bem se eles
conseguissem ir para a “América”.
No final da primavera de 1939 os pais puseram os dois filhos em um
trem para Londres. Ele tinha apenas completado seis anos. Os pais lhe
disseram que ele tomasse conta do irmão mais moço. Cada qual tinha
uma pequena mala com as iniciais dos nomes e uma caixa de doces. Ele
se lembra de ter dito ao irmão, “jetzt sind wir allein” (agora nós estamos
sós), imediatamente antes de o trem partir.
Sua mãe conseguiu a permissão para partir um mês depois, poucas
semanas antes de estourar a guerra, juntando-se aos filhos na Inglaterra.
Seu pai havia chegado lá junto com os filhos, mas em viagem diferen­
te. Permaneceram cerca de seis meses antes de partir para a América e
durante esse tempo Penzias foi capaz de aprender a ler em inglês. (De
acordo com [339], seus pais saíram da Alemanha diretamente para os
Estados Unidos seis meses depois de os filhos irem para a Inglaterra).
Chegaram a Nova Iorque em janeiro de 1940. Ele e o irmão foram
logo para a escola e seus pais trataram de procurar trabalho. E con­
seguiram o emprego de superintendentes de prédios de apartamen­
tos. Pouco tempo depois, os pais conseguiram empregos mais bem
remunerados: o pai numa loja do Metropolitan Museum o f Arts e a
mãe como costureira numa fábrica de paletós. O pai conseguiu adi­
cionalmente um trabalho numa companhia de seguros e tornou-se o
presidente do Sindicato local de sua classe.
Arno Penzias tornou-se cidadão americano em 1946. Ele terminou
o ensino médio na Brooklin Technical High School em 1951. Estava pre­
visto na família que ele faria curso superior. Ingressou no City College of
New York, uma instituição de ensino superior mantida pelo município,
com o objetivo de estudar ciências, provavelmente química. Mas no seu
primeiro ano, ele “descobriu” a física e assim trocou o seu “major” de
engenharia química para física.
Tendo-se graduado, casou-se e serviu ao exército durante dois
anos, entrando na Columbia University, também em Nova Iorque, em
1956, para o curso de pós-graduação. Sua experiência no Exército o
ajudou a obter uma posição de auxiliar de pesquisa no famoso Columbia
Radiation Laboratory, fortemente envolvido em física de microondas,
sob a liderança de nomes como I. I. Rabi (□), que havia recebido o
prêmio Nobel, Charles Townes (□), que também recebera o prêmio
Nobel, e P. Kusch.
Depois de uma penosa, mas bem-sucedida, luta com cursos e exa­
mes de qualificação, ele começou a trabalhar na sua tese doutorai orien­
tado por Charles Townes. Sua missão era construir um amplificador a
maser (um precursor do laser) e aplicá-lo num experimento de radio-
astronomia de sua livre escolha. Em 1961, com sua tese completa, ele
procurou um trabalho temporário no importantíssimo Bell Laborato­
ries, em Holmdel, Nova Jérsei.
Ele havia recebido o M. Sc. em 1958 e recebeu o Ph.D. em 1962.
As instalações e equipamentos do Bell Laboratories eram formidáveis
e assim ele aceitou uma posição permanente, onde permanecería por
37 anos. O primeiro projeto foi a busca da então ainda não detectada
molécula de OH no espaço interestelar. Apesar de esta molécula ter sido
encontrada antes dele, diz que aprendeu muito nesta pesquisa.
Depois de algum tempo, Robert Wilson, do “Caltech” (Califórnia
Institute of Technology), também foi contratado pelo “Bell Labs”, jun­
tando-se ao grupo de pesquisa de Arno Penzias em 1963. Conforme
mencionado ao início, ele foi um dos três que ganharam o Prêmio No-
bel. Ele descreve minuciosamente o desenvolvimento da sua pesquisa
na autobiografia [337], que seria tedioso e difícil de compreender.
Como resultado do trabalho, chegaram a um resultado inespera­
do, a saber, que existe no universo uma radiação de microondas (com­
primento de onda de ordem milimétrica), uniforme em todas as dire­
ções, correspondentes aos primórdios da existência do nosso universo,
apoiando a existência do big bang no início do universo.
De acordo com [337], a descoberta de Penzias e Wilson foi um
caso de pura sorte. Eles estavam usando uma antena pequena, mas
muito poderosa, em experiências de radioastronomia, quando nota­
ram um “ruído” constante e de baixa intensidade que prejudicava a
recepção dos sinais. Apesar dos esforços, os dois não conseguiam ne­
nhum indício de que havia algum problema de mau funcionamento
do equipamento que estavam usando. E observaram que a “estática”
persistia, qualquer que fosse a direção para onde apontassem a antena.
Continuando sua investigação, acabaram concluindo que eles estavam
diante da mais forte evidência, até então, da Teoria do Big Bang, pro­
posta inicialmente por George Lemaitre (□) e corroborada por Edwin
Hubble.
Em 1976 ele se tornou diretor do Laboratório de Pesquisas de ondas
de rádio (dentro do Bell Labs), um grupo de cerca de sessenta cientistas
e engenheiros. Em 1979, já tendo recebido o prêmio Nobel, suas res­
ponsabilidades dentro do Bell Labs aumentaram, assumindo a Divisão
de Pesquisa em Ciências de Comunicação. Em todo esse tempo ele se
manteve ativo em pesquisa.
Ao final de 1981 um acontecimento inesperado impôs um ponto
final na sua carreira de pesquisador: a quebra, pela lei antitrust, do Bell
System. Ele foi feito vice-presidente de pesquisa da nova empresa que sur­
gia, que se demonstrou com muita vitalidade, mas dirigindo-se a traba­
lhos distintos daqueles em que ele estava envolvido antes. Excetuando-se
dois ou três artigos que ainda escreveu sobre isótropos interestelares,
seu cargo de vice-presidente pôs um ponto final na sua pesquisa em
astrofísica.
Seu interesse se voltou então para os princípios que são subjacentes
na criação e uso efetivo da tecnologia, escrevendo um livro, Ideas and
Information (“Idéias e Informação”), publicado por W. W. Norton em
1989, traduzido em várias línguas. Em essência, segundo suas próprias
palavras [337], o livro descreve os computadores como um instrumento
admirável para os seres humanos, mas um modelo terrível para nossas
inteligências. Uma frase por ele citada e que resume um ponto central
do livro é: “If you don’t want to be replaced by a machine, dorít try to
act like one!” (“Se você não quer ser substituído por uma máquina, não
tente agir como ela!”).
Nos primeiros anos da década de 1990 sua vida mudou de novo in­
teiramente: deixando a Bell, ele foi para o Silicon Valley, sendo o primei­
ro Incubador de pequenas empresas. Com outros empreendimentos, ele
diz na sua autobiografia [337], escrita em 2005, que não tem plano de
se aposentar.
Sobre religião, assim se exprimiu: “...olhando a ordem no universo,
podemos inferir um propósito, [um objetivo] e disto começamos a ter
algum conhecimento do Criador, aquele que planejou tudo isso. Este é,
portanto, o modo como olho para Deus. Eu olho para Deus através das
obras de suas mãos e suas obras implicam uma intenção. Desta intenção
eu recebo uma impressão do Todo-Poderoso” ([404], p.25).
“Se Deus criou o mundo, Ele deve tê-lo feito de modo elegante.
A ausência de qualquer intervenção na criação é o que nós esperaría­
mos para que ele tivesse [feito o mundo] de forma elegante. [...] é o que
nós esperaríamos de um Criador todo-poderoso. Não precisamos de
alguém perto, como no Mágico de Oz, para fazer o Universo avançar.
Pelo contrário, tudo o que você precisa é meia página de matemática
que descreve tudo. Num certo sentido, o poder da criação consiste na
sua simplicidade subjacente” (id.).
Donald Knuth [351], [354]
Donald Ervin Knuth (1938-) é um renomado cientista de computa­
dores e professor emérito da Stanford University. Nasceu em Milwaukee,
Wisconsin, EUA. Seu pai tinha uma pequena gráfica e ensinava na high
school Luterana de Milwakee, que o filho frequentou. Foi excelente estu­
dante e teve dificuldade de escolher entre a física e a música para estu­
dar no então Case Institute of Technology (atualmente, a Case Western
Reserve University). E uma vez lá, mudou da física para a matemática,
concluindo seu bacharelado em 1960, mas recebendo simultaneamente
o título de Mestre, tendo em vista seu desempenho excepcional.
Enquanto fazia seus estudos de pós-graduação, trabalhou como
consultor, escrevendo compiladores para diferentes computadores. Em
1963 obteve o doutorado em matemática pelo Califórnia Institute of Te­
chnology, o famoso CALTECH, onde se tornou professor e começou a
escrever o The Art of Computer Programming, inicialmente planejado
para ser um livro em um volume, mas que acabou sendo de seis (sete?).
O primeiro foi editado em 1968.
No mesmo ano, ele se transferiu para a Stanford University, onde
permanecería até se tornar Professor Emérito. Ele é considerado o “pai”
da análise de algoritmos, sendo o autor do texto básico. Contribuiu para
o desenvolvimento e sistematização das técnicas de matemática formal,
para a análise rigorosa dos algoritmos de complexidade computacional.
Além das suas várias contribuições fundamentais em muitos ramos
da teoria da ciência de computação, foi ele também quem criou a famosa e
popular TeX para editar textos matemáticos. Escritor prolífico, ele é tam­
bém o criador do WEB/CWEB, um sistema de programação de computa­
dores, destinado a encorajar e facilitar o aprendizado de programação.
Em 1971 foi o primeiro a receber o prêmio ACM Grace Murray
Hopper (ACM é a Association of Computing Machinery). Knuth rece­
beu vários outros prêmios e distinções, como o Turing (1974), a Natio­
nal Medal o f Science (l979),fellow da British Computer Society (1980),
membro honorário do IEEE (Institute of Electrical and Electronics En-
gineers, 1982), membro da Academia de Ciência de São Petersburgo na
Rússia (1994), a medalha John von Neumann (1995), o prêmio Harvey
do Technion Institute em Israel (1995) e o prêmio Kyoto (1996). Além
disso, o IEEE e a ACM criaram um prêmio Donald E. Knuth, concedido
a cada ano e meio, para contribuições excepcionais aos fundamentos da
ciência de computação
Em 1992 ele se tornou um membro associado à Academia Fran­
cesa de Ciências. No mesmo ano ele se aposentou em Stanford, a fim
de concluir seu The Art of Computer Programming. Em 2003 foi eleito
membro estrangeiro da Royal Society. Em 2004 reeditou os três pri­
meiros volumes do seu texto e está atualmente [351] reeditando o
quarto volume, cujos excertos vão sendo colocados na sua página da
web [352].
Atualmente tem dado conferências informais em Stanford, abertas
ao público, em média uma conferência a cada três meses, procurando
atingir os não especialistas. Ele é também professor visitante do Oxford
University Computing Laboratory.
Knuth é um luterano devoto [351], inclusive autor do livro 3:16 Bi-
ble Texts Illuminated. (1991), no qual examina a Bíblia por um processo
de amostragem, isto é, examina o terceiro capítulo, versículo dezesseis,
de cada um dos livros da Bíblia. Ele é também autor de Surreal Numbers
(1974), uma novela matemática sobre a Teoria de Conjuntos de John
Conway, o qual constrói um sistema alternativo de números. O livro
procura mostrar o desenvolvimento de matemática a fim de preparar
seus estudantes para fazer pesquisa original e criativa.
Em 1990 ele anunciou a seus colegas que não mais teria um ende­
reço de e-mail, para poder se concentrar no seu trabalho. Knuth é um fã
da Wikipedia. Com muito bom humor, ele tem várias frases antológicas,
como essa [353]: “A ciência é o que nós compreendemos suficientemen­
te bem para explicar a um computador. A arte é tudo o mais.” E esta ou­
tra [354]: “A programação em computadores é uma forma de arte como
a criação de poesia ou música”.
Em certa ocasião, ele, Richard Stallman e Linus Torvalds (o cria­
dor do Linux) estavam discutindo qual dentre eles teria tido mais im­
pacto no mundo computadorizado em que vivemos. Stallman disse:
“Deus me disse que que eu programei o melhor editor de texto do
mundo”. Linus Torvalds disse: “Deus me disse que eu programei o me­
lhor sistema operacional do mundo.” Knuth disse: “Calma, calma, eu
nunca disse isto” [354],
Em 2006 foi submetido a uma cirurgia na próstata por causa de um
câncer e tem se submetido à radio-terapia, e as perspectivas de cura são
boas, segundo ele próprio diz.
Ele se considera enormemente abençoado por ter uma esposa e fa­
mília adoráveis, além dos muitos amigos pelo mundo afora. Sua esposa,
Jill Knuth, tem um livro com desenhos de mais de setenta banners para
os diversos tempos litúrgicos.
Ele e a esposa têm e tocam em um órgão de tubos em casa, este é
seu hobby preferido.
Ele é considerado, por muitos, o “Leonhard Euler (□) da Ciência de
Computação”. (Lembre-se que Euler foi até agora o mais prolífico dos
matemáticos.)

Joseph H.Taylor, Jr. [404], [411], [430], [432]


Joseph Hooton Taylor, Jr. (1941-) foi prêmio Nobel de física em
1993, com Russell A. Hulst, “pela descoberta de um novo tipo de pul­
sar, uma descoberta que abriu novas possibilidades para o estudo da
gravitação”. Nascido em Philadelphia, EUA, segundo filho, de seis, de
Joseph Hooton Taylor e Sylvia Evans Taylor. Quando tinha sete anos,
a família se mudou para sua fazenda no estado de Nova Jérsei, que era
dirigida por seu avô paterno. Além dos seis filhos, moravam com eles
dois primos pelo lado materno. Os oito cresceram em ambiente saudá­
vel, à margem esquerda do rio Delaware. As famílias Taylor e Evans têm
raízes profundas nos “quakers”, desde os tempos de Wílliam Penn e sua
experiência em Philadelphia.
Seus pais eram exemplos de simplicidade e frugalidade no melhor
estilo “Quaker” do século XX. Eles foram exemplos também de tolerân­
cia para as diversidades humanas e alegria em ajudar os outros. A casa
era grande, aberta e amiga. Pelo que se recorda, nunca estava fecha­
da. Na infância, ele e seu irmão Hal (Harold) gostavam de brincar com
rádios transmissores e receptores. (Harold faria uma carreira científica
destacada em astronomia, meteorologia, astronomia, eletrônica e física
em geral; ver [342]).
Educado principalmente em instituições quakers. Na escola, seu
gosto principal ia para a matemática, em que foi aluno excelente. Além
disso, boa parte de sua energia era dirigida para diversos esportes: soccer
(o nosso futebol), basquete, baseball, golfe e tênis.
Mas começou também a descobrir o gosto pelas ciências. Um projeto
fascinante de física no último ano da “high school” (nosso curso médio)
permitiu combinar seus conhecimentos práticos de eletrônica de rádio
frequência com um despertar do gosto pela pesquisa científica, resultando
na construção de um radiotelescópio. O que ele fez não pode ser classifi­
cado como “pesquisa científica”, porque tudo já tinha sido feito por outros
vários anos antes, mas lhe trouxe muitas lições excelentes para solução de
problemas de vários tipos. E também lhe permitiu a escolha da parte da
física em que ele desejava fazer estudos de pós-graduação.
Obteve o B.A. em Física no Haverford College em 1963. Aceito em
Harvard para a pós-graduação, seus estudos nos Departamentos de As­
tronomia, Física e Matemática Aplicada foram os mais difíceis de que
tem lembrança, ao menos no primeiro ano. Sua pesquisa de tese em
radioastronomia foi prazerosa. Seu orientador, Alan Maxwell, conhecia
bem o assunto e seus alunos. Ele lhe deu plena liberdade de ação, lhe
proporcionou conhecimento em momentos decisivos e lhe ensinou, en­
tre muitas outras coisas, a importância de se escrever artigos científicos
de uma maneira clara e bem organizada.
O livro The Fourier Transform and its Applications (“A transformada
de Fourier e suas aplicações”), de Ron Bracewell, professor dele, publi­
cado em 1965, chegou no tempo certo para ele, para fazê-lo entender as
técnicas de processamento de sinais, que se tornariam depois impor­
tantes no estudo dos pulsares, um sistema de duas estrelas, que perdem
energia pela emissão de energia gravitacional. A taxa de emissão de
energia é predita precisamente pela teoria de Einstein (□). As observa­
ções feitas por Taylor e colegas dos pulsares por um período de mais de
trinta anos confirmariam as previsões com erro inferior a 1%.
Obteve seu Ph.D. em Astronomia em 1968. Depois de uma breve
estada em Harvard após o doutoramento, Taylor foi para a Universi-
ty of Massachusetts, onde se tornaria professor titular. Em 1980 ele se
transferiu para Princeton, onde foi o James S. McDonnell distinguished
university professor de Física, sendo que durante seis anos foi o decano
(“Dean”) da Faculdade.
Taylor aposentou-se em 2006. Ele observa que atualmente muitos
cientistas que estão começando ficam muito preocupados em como
ingressar na melhor universidade, trabalhar com os pesquisadores
mais famosos, encontrar as melhores posições para pós-doutoramen-
to. Este não tem sido seu caso, que ao longo da vida, tem procurado,
no trabalho, a alegria de viver, sem olhar muito à frente. Acredita que
esta sua atitude esteja relacionada com a sua formação de “Quaker”.
Ele gosta de desafios, de reexaminar um problema a partir de perspec­
tivas novas.
Ele trabalhou em duas instituições muito estimulantes do ponto de
vista intelectual, primeiramente na Universidade de Massachusetts, e
mais recentemente em Princeton. Ele se sente feliz por ter trabalhado
ao longo dos anos com vários pesquisadores e alunos muitos talentosos,
mencionando entre eles sua “querida esposa”, Marietta Byson Taylor.
Além do prêmio Nobel, Taylor recebeu muitos outros, como, por
exemplo, o primeiro prêmio Heineman da American Astronomical
Society, a medalha Henry Draper da National Academy of Sciences, o
prêmio da Tomalla Foundation, o prêmio Magellanic, a medalha Albert
Einstein, o prêmio Wolf em Física.
Ele participou de muitos Conselhos, Comitês e Painéis, sendo co-
coordenador do Painel que produziu o relatório Astronomy and Astro-
physics in the New Millennium, que estabeleceu as prioridades em astro­
nomia e astrofísica dos Estados Unidos para a década 2000-2010.
Algumas de suas frases sobre fé e religião:
“Uma descoberta científica é também uma descoberta religiosa.
Não há conflito entre ciência e religião. Nosso conhecimento de Deus
se alarga com cada descoberta que é feita sobre o mundo” ([411], apud
[404]).
“Nós [i.e., nossa família] somos ativos na “Sociedade Religiosa de
Amigos”, isto é, os Quakers, e isto tem sido uma parte importante nas
nossas vidas [...]. Minha mulher e eu despendemos tempo com nosso
grupo de fé; é uma maneira de estabelecer conexões com nossa visão
filosófica sobre a vida, porque nós estamos na Terra e o que podemos
fazer pelos outros. Os Quakers são um grupo de cristãos que acredi­
tam que é possível uma comunicação direta entre uma pessoa e o Es­
pírito, que pode ser chamado de Deus. Pela contemplação e profunda
introspecção interior podemos efetivamente comungar com o Espírito
e aprender coisas acerca de nós mesmos e acerca do modo com que de­
vemos nos conduzir na Terra” (id.).
“Nós [os Quakers] acreditamos que há algo de Deus em cada pes­
soa e, portanto, a vida humana é sacrossanta e cada um tem que olhar
para a profundidade da presnça espiritual nos outros, mesmo naqueles
dos quais discordamos” (id.).

Stephen Hawking [212], [215]


Stephen William Hawking (1942-) nasceu em Oxford. Doutor em
Cosmologia, é um dos mais consagrados físicos teóricos do mundo.
Hawking é professor lucasiano de matemática na Universidade de Cam-
bridge (posto que foi ocupado por Isaac Newton (□), Stokes (□) e Paul
A. M. Dirac, entre outros grandes).
Seus pais eram Frank e Isabel Hawking. Tem (teve?) duas irmãs
mais novas, Philippa e Mary, e um irmão adotivo, Edward. Entrou no
University College, Oxford, onde pretendia estudar matemática. Como
não pôde estudar matemática, optou então por física, formando-se três
anos depois, em 1962. Depois de obter o doutorado passou a ser pes­
quisador. Depois de abandonar o Instituto de Astronomia em 1973,
Stephen entrou para o Departamento de Matemática Aplicada e Física
Teórica, e desde 1979 ocupa o posto de professor lucasiano de Matemá­
tica. Casou-se pela primeira vez em julho de 1965 com Jane Wilde. Seu
segundo casamento realizou-se com sua enfermeira - Elaine Mason -
em 16 de Setembro de 1995. Hawking continua combinando a vida em
família (seus três filhos e um neto) e sua investigação em física teórica
junto com um extenso programa de viagens e conferências.
Hawking é portador de esclerose lateral amiotrófica, uma rara doen­
ça degenerativa que paralisa os músculos do corpo, sem, no entanto, atin­
gir as funções cerebrais. A doença foi detectada quando tinha 21 anos.
Em 1985 teve que submeter-se a uma traqueostomia em decorrência do
agravamento da doença após ter contraído pneumonia, e desde então
utiliza um sintetizador de voz para se comunicar. Gradualmente foi per­
dendo o movimento dos seus braços e pernas, assim como do resto da
musculatura voluntária, incluindo a força para manter a cabeça erguida,
de modo que sua mobilidade é praticamente nula.
Hawking tem trabalhado nas leis básicas que governam o universo.
Com Roger Penrose ele demonstrou que a Teoria da Relatividade Geral
de Einstein implica que o espaço e o tempo tiveram um início com o Big
Bang e terão um fim com os buracos negros. Estes resultados indicaram
que era necessário unificar a Relatividade Geral e a Mecânica Quânti-
ca. Uma das consequências desta unificação que ele descobriu foi que
os buracos negros não são completamente negros, mas deveríam emi­
tir radiação, chamada “radiação Hawking”, terminando por “evaporar”
completamente, desaparecendo.
Também demonstrou a possível existência de mini-buracos negros.
Hawking, juntamente com Brandon Carter, Werner Israel e D. Robin-
son demonstrou um teorema, proposto por John Wheeler, que qualquer
buraco negro é completamente descrito por três propriedades: massa,
momento angular e carga elétrica.
Uma conjectura, com Jim Hartle, é que o universo não tem fronteiras
no espaço-tempo. Isto implicaria que o modo como o universo começou
foi completamente determinado pelas leis da ciência. Hawking também
participou dos primeiros desenvolvimentos da teoria da inflação cósmica
no início da década 1980 com outros físicos como Alan Guth, Andrei
Linde e Paul J. Steinhardt, teoria que tinha como proposta a solução dos
principais problemas do modelo padrão do big bang. Hawking tem doze
doutorados honoris causa, é “Fellow” da Royal Society e membro da US
Academy of Sciences.
O asteroide 7672 Hawking é assim chamado em sua homenagem.
Em 1988, Hawking publicou um livro que se tornaria um “best seller”:
A BriefHistory ofTime\ From the Big Bang to Black Holes, Bantam Books
[215], Os comentários que se seguem, e outros, estão no meu artigo em
[216]. Carl Sagan, um físico ilustre, e ateu, prefaciou o livro, dizendo:
“Este é um livro sobre Deus... ou talvez sobre a ausência de Deus. A pa­
lavra Deus enche estas páginas”. {{Ao ler o livro, fica claro que a primeira
afirmação (“este é um livro sobre Deus”) é exagerada. Quanto à segunda
afirmação (“ou talvez sobre a ausência de Deus”), é simplesmente falsa,
ou então Stephen Hawking seria muito debochado com relação a tantas
pessoas crentes. E a terceira afirmação (“A palavra Deus enche estas pá­
ginas”) é absolutamente correta}}.
No primeiro capítulo, Hawking comenta que Santo Agostinho com­
preendeu de forma genial que o tempo não existia antes de Deus criar o
universo, pois o tempo é uma propriedade do universo. Foi o astrônomo
americano Edwin Hubble quem, em 1929, observou que as galáxias distan­
tes estão se afastando de nós com velocidades assustadoras. Isto significa
que o universo está se expandindo. A descoberta de Hubble trouxe então,
finalmente, o problema de início do universo para o âmago da ciência. A
concentração do universo num “quase ponto” de densidade “quase infini­
ta”, a partir do qual, por meio do big bang, o universo começou a se expan­
dir, constitui uma “singularidade”, ou seja, há uma descontinuidade entre
o que teria havido antes do big bang e o que aconteceu depois. Assim,
nem é possível saber o que houve antes a partir do conhecimento do que
houve depois, nem seria possível antecipar a partir do conhecimento do
antes, o que aconteceria depois do big bang. Hawking diz então: “Pode-
se imaginar que Deus criou o universo em qualquer momento, pode-se
imaginar que Deus criou o universo no momento do big bang ou mesmo
depois e de tal modo a nos fazer imaginar que houve um big bang, mas
seria sem sentido supor que o universo foi criado antes do big bang. Um
universo em expansão não inclui um Criador, mas coloca limites quanto
ao momento em que ele teria feito a coisa”.
É interessante notar que, ainda neste capítulo, Hawking apela para
um argumento “teológico” para se decidir a respeito do estado inicial do
universo. Hawking diz que “parece que Deus criou um universo que evo­
lui de forma regular, de acordo com certas leis. Portanto parece razoável
supor que haja leis governando o estado inicial do universo”.
No terceiro capítulo, “O universo em expansão”, observa: “Muitas
pessoas não gostam da ideia de que o universo teve um início, provavel­
mente porque ela faz referência a uma intervenção divina.” E acrescenta,
para confirmar, que a Igreja Católica declarou em 1951 que o modelo do
big bang está de acordo com a Bíblia.
{{Como foi observado, George Lemaítre (□), um dos primeiros
proponentes da hipótese do big bang, hoje uma teoria bem estabelecida,
preferiu que não se inferissem conclusões teológicas a partir de resulta­
dos científicos. Afinal de contas, as teorias científicas mudam, ao passo
que a fé, apesar de sujeita, nas suas formulações, à evolução dogmática,
tem por objeto o próprio Deus. Como ensina São Tomás de Aquino,
“actus fidei non terminatur ad enuntiabile, sed ad rem”: o ato de fé não
termina no enunciado, mas na coisa, isto é, em Deus}}.
E, a propósito, em 1970 publicou um artigo com Roger Penrose que
prova que ocorreu um big bang com a condição que a Teoria da Relati­
vidade Geral seja correta e que o universo tenha pelo menos tanta ma­
téria quanto a que é observada. Tal resultado encontrou muita oposição,
principalmente por parte de russos, imbuídos de determinismo mar­
xista, mas também por parte daqueles que achavam que singularidades
enfeiam a Teoria da Relatividade. Mas com o tempo o resultado acabou
sendo aceito por todos porque, afinal de contas, não se pode contestar
um teorema matemático.
No nono capítulo, ele diz à p.122: “Estas leis [do universo] podem
ter sido originalmente decretadas por Deus, mas parece que ele deixou,
desde então, que o universo evoluísse de acordo com elas, sem intervir
nele. Mas como ele escolheu o estado (configuração) inicial do univer­
so? Quais foram as condições de contorno’ no início do tempo? Uma
resposta possível é dizer que Deus escolheu a configuração inicial do uni­
verso por razões que nós não podemos ter a esperança de compreender.
Isto certamente seria possível a um ser todo-poderoso, mas se ele tives­
se iniciado o universo de modo tão incompreensível, por que ele terá
decidido que o universo haveria de evoluir de acordo com leis que nós
podemos entender?”
O décimo capítulo, “A Unificação da Física”, é também bastante es­
peculativo, uma vez que esta unificação não está feita. À página 166 ele
examina três possibilidades, a saber:
1. Existe uma teoria unificada completa, que os homens descobrirão al­
gum dia, se forem suficientemente inteligentes.
2. Não existe uma teoria do universo, o que há é uma sequência infinita
de teorias.
3. Não existe teoria do universo; os acontecimentos não podem ser pre­
ditos, além de certos limites, pois ocorrem de forma aleatória.

Hawking comenta: “Alguns iriam argumentar a favor da terceira


possibilidade, dizendo que se houvesse um conjunto completo de leis,
isto iria infringir a liberdade de Deus para mudar sua intenção e intervir
no mundo. É um pouco como o velho paradoxo: Deus pode criar uma
pedra tão pesada que ele não possa levantá-la? Mas a possibilidade de
Deus querer mudar a sua intenção é um exemplo da falácia, já apontada
por Santo Agostinho, de se imaginar Deus existindo no tempo: o tempo
é uma propriedade somente do universo que Deus criou. Presumivel­
mente Deus sabia o que queria quando criou o universo.”
E continua: “Com o advento da mecânica quântica, nós reconhe­
cemos que os eventos não podem ser preditos de forma completamente
exata, existe sempre um grau de incerteza. Se assim se deseja, poder-se-
ia atribuir esta aleatoriedade à intervenção de Deus, mas seria uma for­
ma de intervenção muito estranha: não há nenhuma evidência de que
ela tenha algum propósito. Aliás, se houvesse algum propósito, ela não
seria aleatória. Na realidade, a terceira possibilidade foi excluída nos
tempos atuais, redefinindo-se o objetivo da ciência, que é o de formular
um conjunto de leis que nos permitam prever os acontecimentos dentro
dos limites estabelecidos pelo princípio de incerteza.”
O último capítulo do livro, “Conclusão”, é o menor e o mais teo­
lógico de todos. Em apenas quatro páginas, a palavra “Deus” aparece
oito vezes e é, aliás, a última palavra do livro. É assim que o livro
termina:

No século XVIII os filósofos estudavam todos os aspectos do conheci­


mento humano, incluindo as ciências, e discutiam questões tais como:
O universo teve um início? Entretanto, nos séculos XIX e XX a ciência
tornou-se muito técnica e matemática para os filósofos, sendo o domí­
nio de uns poucos especialistas. Os filósofos reduziram de tal modo o
escopo de suas investigações, que Wittgenstein, o mais famoso filósofo
deste século, disse: “A única tarefa que sobrou para a filosofia é a análise
da linguagem.” Que queda da grande tradição filosófica desde Aristóte­
les até Kant! Entretanto, se nós descobrirmos uma teoria completa, ela
seria, com o tempo, inteligível nos seus grandes princípios, por qualquer
um, não apenas por uns poucos cientistas. Então, todos nós, filósofos,
cientistas e as pessoas comuns seremos capazes de participar na dis­
cussão do por que nós e o universo existimos. Se nós encontrarmos a
resposta para esta pergunta, isto seria o triunfo final da razão humana,
porque então nós conheceriamos a mente de Deus.

Na conferência de 1981 no Vaticano, Hawking apresentou um ar­


tigo em que propunha que o espaço-tempo não teria fronteira, tal fato
sendo também previsto mais tarde pela teoria da gravitação quântica.
[Os efeitos quânticos surgem quando as distâncias são pequenas e, usu­
almente, os efeitos gravitacionais tornam-se importantes em distâncias
várias ordens de grandeza maiores. Mas quando ocorre o colapso gravi-
tacional, os 2 efeitos se combinam devido à alta densidade da matéria].
Na p.136 do livro dois ele diz: “O meu artigo [apresentado no Vaticano]
era muito matemático e assim suas implicações com relação ao papel de
Deus na criação do universo não foram reconhecidas naquele tempo.”
Depois de enfatizar que a ideia de um espaço-tempo finito e sem fron­
teiras é apenas uma proposta, não podendo ser deduzida a partir de
outro princípio, ele diz ao final do capítulo oito do livro supracitado: “A
ideia que o espaço e o tempo formam uma superfície fechada sem fron­
teiras tem profundas implicações no papel de Deus no universo [...]. Se
o universo teve um princípio, podemos supor que ele teve um criador.
Mas se o universo é completamente autocontido, não tendo fronteira ou
beira, ele não tem princípio ou fim: ele seria, simplesmente. Que lugar
existe então para um criador?”
{{Quer me parecer que Hawking suspende o juízo a respeito de
Deus, caso o universo fosse autocontido em termos de tempo e espaço.
Mas mesmo que o universo fosse autocontido e autoexplicável pelas leis
que o regem, sempre se pode instar: a explicação é completa, no sentido
que as leis têm que ser estas, e não poderíam ser outras? Ou por outras
palavras, em terminologia clássica, estas leis são contingentes ou são
necessárias? Se necessárias, o universo seria o ser que tem em si a expli­
cação de si mesmo, e esta é a “definição” de Deus. Se não, a explicação do
universo deveria ser procurada alhures, um outro ser teria a explicação
porque as leis são essas e não outras. Este outro ser, por sua vez, ou teria
ou não teria a explicação de si mesmo. Se tivesse, seria Deus, se não,
seria necessário recorrer a um terceiro ser, que explicasse o segundo, e
assim sucessivamente... Mas esta série deve ser finita, não creio que faça
sentido admitir uma série infinita, porque a pergunta “Que é que ex­
plica que as leis do universo sejam estas e não outras?” ficaria sem uma
resposta concreta. O último ser da série (finita) acima é Deus, que tem a
explicação de si mesmo e de todos os outros.
Fica ainda a pergunta: e se as leis do universo forem necessárias
(e neste caso o próprio universo seria Deus)? Ora, a mente humana é
certamente capaz de criar modelos matemáticos de universos inteira­
mente diversos do que existe. Na realidade, bastaria mudar, um pouco,
por exemplo, a constante de Planck e a velocidade da luz para que o
universo fosse completamente diferente. Portanto, a afirmação (se é que
alguém afirma isto) que o universo tem que ter estas leis, e não poderia
ter outras, parece arbitrária.
De qualquer forma, permanece aqui uma penumbra de obscurida­
de, de mistério. E poderia ser de outra forma? Segundo São Tomás e a
melhor tradição cristã, a Essência Divina se identifica com a sua Exis­
tência, sua Essência é Existir, Ele existe necessariamente. Se a sua Essên­
cia é para nós um mistério, a sua Existência também tem que sê-lo}}.

Isham [345], [346]


Christopher John Isham (1944-) é um físico teórico, professor ti­
tular no Imperial College em Londres, tendo se doutorado em 1969.
Suas áreas de pesquisa são gravidade quântica e estudos sobre os fun­
damentos da teoria quântica. Ele inventou o formalismo HPO, uma
abordagem da lógica quântica. Isham é um dos mais importantes pro­
ponentes (junto com John Baez) da utilidade da teoria de categorias
(matemática) em física teórica.
Ele tem falado e escrito também com frequência para o grande
público, tendo aparecido diversas vezes no programa de TV chamado
“Nova”, que tem muitos espectadores no mundo de língua inglesa. Na
entrevista [345], feita ao final de 2005, é dito que ele é o Decano da Fa­
culdade de Ciências Naturais. A gravidade quântica, objeto de suas pes­
quisas, é uma parte altamente especulativa da física, provendo trabalho
para os físicos desde o tempo de Einstein (□), quando os físicos caíram
na conta de que a teoria da gravidade e a teoria quântica apresentavam
visões de mundo completamente diferentes. Com efeito, a teoria da gra­
vidade é baseada em idéias geométricas, o espaço-tempo que é encurva-
do pela presença de massas. Por outro lado, a física quântica explica os
fenômenos na escala atômica e nuclear. A mecânica quântica “não tem
lógica”, no sentido que partículas aparecem e desaparecem a partir do
nada, as posições e as velocidades das partículas são regidas pelo prin­
cípio de incerteza (Heisenberg (□)). Niels Bohr disse certa vez: “quem
acha que pode falar sobre teoria quântica sem se sentir ‘tonto’, não en­
tendeu nada a respeito dela.” Isham está tentando mudar esta situação
paradoxal, raciocinando que em última análise deveria haver uma única
teoria para explicar o que acontece no universo.
Tem havido tantas idéias para resolver esse “conundrum” (gravida­
de versus física quântica) quantos são os graus de imaginação, diz Isham,
mas o progresso tem sido lento. Por que é tão difícil unir teoria quântica
e relatividade geral? De acordo com o autor de [346], “o maior problema
é que, de acordo com a Relatividade Geral, o espaço-tempo é contínuo,
enquanto na Mecânica Quântica tudo é discreto e quantizado”.
Alguns pensam que as partículas fundamentais são feitas de “cor­
das” (“molas”) de tamanho mínimo, outros lançam a hipótese que vive­
mos em espaço de duas dimensões, tal como os hologramas. Os físicos
têm idéias e fazem cálculos na esperança de que uma nova perspectiva
ponha a gravidade e a teoria quântica juntas.
Isham tem abordado o problema de uma maneira nada convencio­
nal. Ele tem aplicado uma teoria matemática chamada “topos” à mecâ­
nica quântica. “Na lógica ‘topos’, diz ele, você pode ter afirmações que
podem ser parcialmente verdadeiras, que na lógica normal não fazem
sentido [...] e assim as coisas podem existir parcialmente. E isto é o que
parece dizer a física quântica. Nem sim, nem não? Eu fico estarrecido.
Sim, pode ser, digo eu.” A lógica “topos” foi introduzida pelo matemá­
tico alemão Alexader Grothendiek, que trabalha com conceitos que são
parcialmente verdadeiros, parcialmente falsos. {{Não simplifiquemos as
coisas, confundindo com sentenças comuns que são parcialmente ver­
dadeiras e parcialmente falsas. Por outro lado, a lógica chamada “fuzzy”,
introduzida por Lofti Zadeh, professor em Berkeley, há várias décadas,
trabalha também com conceitos parcialmente verdadeiros e parcial­
mente falsos, atribuindo um “grau de verdade” entre zero (falso) e um
(verdadeiro)}}. “Uma das minhas frustrações, diz ele, é que dificilmente
algum dos meus colegas entende o que eu estou fazendo.”
João Medeiros, que o entrevistou, e também é físico, de alta qua­
lidade, comenta a respeito: “Nós [físicos] somos muito ruins de ler os
artigos escritos pelos outros; quando envolve nova matemática, toma
muito tempo para aprender.” Efetivamente, um dos principais físicos
contemporâneos, Gerard’t Hooft, da Universidade de Utrecht, na Ho­
landa, Prêmio Nobel de Física (1999), diz que não espera muita coisa da
nova abordagem de Isham.
A respeito da teoria matemática “topos”, Isham diz que se trata de
“uma teoria de grande profundidade e beleza, uma nova lógica, que nós
poderiamos tentar aplicar ao mundo físico”. Isham diz também: “A teoria
das cordas e a ‘loop quantum gravity’ são atualmente os dois principais
programas de pesquisa abordando o problema, mas eu acho que as duas
estão erradas. Na minha opinião, a teoria quântica tem que ser muda­
da.” {{Lembremo-nos de que Einstein (□), Schrõdinger (□) e vários ou­
tros consideravam, e alguns contemporâneos consideram, a mecânica
quântica “incompleta”}}.
Ele diz ainda: “A maioria dos cientistas é arrogante. Eles tendem a
pensar que partículas e forças incluem tudo o que pode ser dito a respei­
to da realidade. Mas eu acho que há mistérios profundos no mundo.”
Hooft, mencionado acima, diz: “Nosso maior problema é formular
as questões [...] O que é que queremos saber e a que questões podemos
responder? Isham acha que uma outra linguagem matemática poderia
ajudar, mas eu discordo. É como se a descrição do mundo em alemão
fosse melhor que em chinês.”
Isham sofre de uma doença neurológica, que lhe inibe os movi­
mentos. Ele atualmente só anda com bengalas e trabalha principal­
mente em casa. Além de físico, Isham tem grande interesse em filo­
sofia e teologia. Ele diz que este interesse nunca entrou em conflito
com seu trabalho científico. “Eu tento conservar uma mente aberta e
isto me permite tomar parte em discussões interessantes sobre a ‘zona
cinzenta entre ciência e religião.” Ele publicou vários artigos sobre es­
tes assuntos, como: Isham, C. J., “Physics, Philosophy and Theology”,
1988. Christopher Isham, “Quantum Theories of the Creation of the
Universe”, in: R. Russell, N. Murphy and C. J. Isham (eds.), Quantum
Cosmology and the Laws of Nature (Vatican City: Vatican Press, 1993),
p. 74. Christopher Isham, “Creation of the Universe as a Quantum
Tunneling Process”, in: (eds. R. J. Russell et al.), Physics, Philosophy
and Theology (Vatican City: Vatican Press, 1988), pp. 375-408.
Publicou, além disso, pelo menos cinco livros sobre problemas de
gravidade quântica e o problema do tempo e do espaço. De acordo com
[219], Isham é um cientista de fé cristã.

William D. Phillips [334], [336], [366], [404]


William D. Phillips (1948 -), prêmio Nobel de física em 1997 com
Steven Chu e Claude Cohen-Tannoudji pelo desenvolvimento de méto­
dos para resfriar e imobilizar átomos pelo laser, nasceu em uma peque­
na cidade da Pennsylvania, Estados Unidos. Sua mãe, Mary Catherine
Savine, nasceu na Itália, emigrando para o país aos sete anos de idade.
Seu pai, William (Bill) Cornelius Phillips, nascido nos EUA, mas de
ascendência gaélica, foi carpinteiro; sua mãe também trabalhava para
melhorar a renda familiar. Ele teve uma irmã, mais velha, e um irmão,
relativamente temporão.
Seus pais foram os primeiros, das respectivas famílias, a ingres­
sarem num pequeno “college” (curso superior), o Juniata College, em
Huntington, Pennsylvania, que foi fundado e fortemente influenciado
pela “Igreja dos irmãos”, que era pacifista. O pai, metodista, formou-se
seis anos antes da mãe, que era católica. Todos esses fatos, e muito mais,
estão na autobiografia [334] de William Phillips, revelando uma perso­
nalidade agradecida e de bem com a vida.
Seus pais davam muita importância aos estudos e leituras dos filhos.
Desde quando se lembra, se interessou por ciências. Na sua infância, além
das ciências, gostava de pescar, jogar baseball, andar de bicicleta e subir
em árvores. Mas à medida que avançava na idade, o interesse pelas ciên­
cias foi suplantando amplamente as outras atividades. Quando tinha oito
anos decidiu que seria cientista e ao final da década de 1950 ele já aprecia­
va (de um modo ingênuo, segundo suas próprias palavras) a simplicidade
e beleza da física. Seu irmão caçula nasceu em 1957, o que fez confirmar,
para ele e a irmã, o poder da oração, pois os dois vinham rezando para
isso, apesar de que seus pais já haviam decidido que dois bastavam. E diz
que o resultado das preces deles foi uma bênção para todos.
Uma outra bênção, diz, é que ele foi colocado numa classe expe­
rimental “acelerada” na escola. Nesta classe, os professores ensinavam
coisas que iam além do currículo das escolas primárias (“ensino funda­
mental” na nossa terminologia atual), como francês e matemática mais
avançada. Seus pais se mudaram e de novo ele entrou em programas
acelerados. Por volta de 1960 tinha um laboratório no porão da sua casa,
sem consciência dos perigos do asbesto, eletricidade e luz ultravioleta.
Fazia experiências com arcos voltaicos, foguetes etc.
Seus pais permitiam essas experiências, mesmo quando eram quei­
mados fusíveis. E eles o encorajavam. À mesa, as conversas e discussões
incluíam política, história, sociologia e os acontecimentos do dia-a-dia.
Os filhos eram ouvidos à mesa com atenção. Nessas conversas, seus pais
transmitiam valores importantes como o respeito pelas pessoas, suas
culturas, etnias, fé e crenças, mesmo quando eram diferentes das deles.
Os filhos aprenderam a preocupação pelas pessoas que não tinham a
mesma sorte. Todos estes valores eram apoiados e reforçados por uma
fé religiosa forte e madura.
Na high school (equivalente ao nosso curso médio, na terminologia
atual), ele aproveitou bem as aulas de ciência e matemática e considera
que as aulas que enfatizavam a língua e habilidade de escrever foram tão
importantes para o desenvolvimento de sua carreira científica como o fo­
ram ciência e matemática, julgando que a boa apresentação de suas idéias
em conferências e o estilo de escrever trabalhos científicos provêm daí.
Além disso, o estudo do francês foi muito importante na colaboração que
ele teve mais tarde com o grupo de pesquisa de Claude Cohen-Tannoudji,
que seria um dos recipientes do Prêmio Nobel junto com ele.
Ao final de 1965 apaixonou-se por Jane Van Wynen, que não cor­
respondeu inicialmente, mas acabou aceitando, graças à tenacidade dele.
No ano seguinte iniciou seus estudos superiores no Juniata College, tal
como seus pais, precedido pela sua irmã e seguido pelo irmão. Ele es­
tudou forte no College, física e matemática sendo um desafio, mas uma
verdadeira alegria para ele. Seu professor revelou a beleza e unidade da
física e da matemática, usando para isso filmes de aulas públicas minis­
tradas pelo famoso e genial Richard Feynman. Estes filmes das aulas de
Feynman foram o combustível da sua paixão pela Física.
Nesse meio tempo sua paixão por Jane continuava a crescer, apesar
da separação, pois ela tinha ingressado na Penn State University. Uma
paixão, diz ele, que amadureceu e se aprofundou e permaneceu durante
os anos. A separação da amada durante o ano escolar implicou que ele
tivesse pouca vida social, deixando-lhe tempo abundante para o estudo
da Física. Quando ainda no primeiro ano do seu curso superior, foi con­
vidado pelo Diretor do Departamento de Física a trabalhar no laborató­
rio que era normalmente usado pelos alunos do terceiro ano. Depois de
algum tempo, começou a fazer experiências com um espectrômetro de
ressonância, ESR, tentando resolver discrepâncias na literatura especia­
lizada acerca da espessura das linhas do espectro.
No último ano de sua graduação, passou um semestre no famoso
Argonne National Laboratories, tendo acompanhado a pesquisa de um
grupo de profissionais que discutiam quais eram os problemas impor­
tantes, o que fazer a respeito deles e então iam para o laboratório e fa­
ziam a coisa. Ele se apaixonou por esta atividade e modo de agir.
No último semestre de sua graduação ele fez aplicações para cur­
sos de pós-graduação em diversas instituições. A primeira de sua lista
era Princeton, porque tinha ouvido dizer da altíssima qualidade de seus
cursos de pós-graduação e porque um visitante disse que nunca um alu­
no de Juniata tinha sido aceito lá. Ele foi aceito! Ele foi visitar Princeton,
mas não se entusiasmou. Foi visitar o MIT e Harvard, que também o
tinham aceito, e acabou se decidindo pelo MIT, graças em boa parte
pelo ambiente de camaradagem no grupo liderado por Dan Kleppner.
A decisão também foi tomada tendo em vista que Jane pretendia voltar à
Nova Inglaterra (os Estados mais ao nordeste dos EUA), sendo a família
dela do Maine, no extremo nordeste.
Ele observa que nunca se arrependeu desta decisão, como de ne­
nhuma outra feita por considerações do coração. Jane e ele tendo con­
cluído a graduação em 1970, os dois se casaram, fizeram sua lua de
mel e se transferiram para Boston. No MIT ele começou a trabalhar no
“maser” de hidrogênio de campo forte. No processo, aprendeu como
fazer eletrônica, maquinarias e vácuo, habilidades que constataria se­
rem essenciais para a pesquisa experimental. Ele aprendeu também
com Dan e com outros do grupo uma maneira de pensar intuitiva­
mente sobre os fenômenos físicos, um modo de encarar os problemas
que ele usa até hoje.
As discussões do grupo eram vivas e abertas, uma característica
que procura imitar no seu atual trabalho. E também procura seguir o
exemplo de Dan: pode-se trabalhar em física na fronteira da pesquisa,
competindo com os melhores do mundo, de modo aberto, com sentido
de cooperação e humanidade.
Sua tese doutorai, defendida em 1976, foi sobre medidas de mo­
mento magnético e colisão de átomos excitados por laser. Permaneceu
por mais dois anos no MIT com uma bolsa Chaim Weizmann, traba­
lhando em projetos de sua escolha: continuou com o estudo de colisão
de átomos e iniciou trabalho sobre os condensados Bose-Einstein (□).
Em 1978 ele aceitou uma posição no National Bureau ofStandards
(NBS), atualmente chamado National Institute ofStandards and Technolo­
gy (NIST), em Gaithersburg, Maryland, EUA. Em 1979, pouco depois de
lá chegar, ele e Jane passaram a frequentar a Fairhaven United Methodist
Church. (Durante sua estada no MIT ele e Jane não foram frequentadores
regulares da Igreja). Esta Igreja oferecia uma diversidade étnica e cultural,
que a tornava “irresistível”, segundo suas próprias palavras.
Naquele mesmo ano tiveram uma filha, Catherine, e dois anos de­
pois, uma outra, Christine. Suas filhas, diz ele, têm sido uma fonte inter­
minável de bênçãos, aventuras e mudanças. A vinda à luz delas requeria
da parte do casal um novo equilíbrio, na distribuição do tempo, de tra­
balho, lar e vida na Igreja. A fé religiosa e a energia própria da juventude
permitiram ao casal atravessar o período.
No então NBS ele começou a trabalhar no resfriamento do laser,
com colaboração de um pesquisador do MIT, trabalho que lhe daria
o prêmio Nobel, em 1997. No ano anterior ele havia sido promovido a
“fellow” do NIST. No mesmo ano em que recebeu o Prêmio Nobel, foi
eleito membro da National Academy o f Sciences. Entre suas publicações
posteriores ao Prêmio Nobel ele destaca [335]: “Laser cooling and tra-
pping of neutral atoms”, Review of Modem Physics, 70, 721-741 (1998);
“Strongly inhibited transport of a degenerate 1D Bose gas in a lattice”,
com C. Fertig et al., Physics Review Letters 94, 120403 (2005).
Em [366] ele tem um texto que responde à pergunta: “A Ciência
torna a crença em Deus obsoleta?” “De forma alguma”, diz ele. E conti­
nua: “Agora que a ciência explica tantas coisas que mistificavam nossos
ancestrais, muitos cientistas e não cientistas creem que não mais preci­
samos de um Deus sobrenatural para explicar qualquer coisa. Por outro
lado, há pessoas de fé que acreditam que o universo é obra do Deus de
amor, daí concluindo que a ciência está errada”.
E, a título de exemplo, ele apresenta, com modéstia, o seu caso: “um
físico que faz pesquisa ‘de ponta’, que orienta alunos de doutorado, de
pós-doutorado, etc. A par disso, uma pessoa de fé religiosa, que frequen­
ta a igreja, canta no coro da mesma, vai à Escola dominical da igreja,
uma pessoa que reza com regularidade e procura ‘fazer justiça, amar, ser
misericordioso e caminhar humildemente com meu Deus’. Para muitos,
isto é uma contradição: um cientista sério que acredita seriamente em
Deus. Mas para muito mais pessoas, ele é como os outros”. Enquanto,
diz ele, a atenção maior da mídia é atraída pelos ateístas estridentes que
afirmam que a religião é uma superstição tola e também para os ‘cre-
acionistas’ que negam a evidência da evolução cósmica e biológica, a
maioria das pessoas que conhece não têm dificuldade em aceitar conhe­
cimento científico junto com fé religiosa.
Sendo um físico experimental, ele exige evidência indiscutível,
reprodução de experimentos feitos por outros e lógica rigorosa para
sustentar qualquer hipótese científica. Consequentemente, colocam-se
para ele duas perguntas: “Como eu posso acreditar em Deus?” e “Por que
eu acredito em Deus?”.
A respeito da primeira pergunta, responde que um cientista pode
acreditar em Deus porque tal crença não é um assunto científico. Com
efeito, toda afirmação dita científica pode ser “falsificada”, isto é, pode-se
demonstrar, em princípio, que ela está errada {{de acordo com a Teoria
das Ciências de Karl Popper}}. E, pelo contrário, as afirmações religiosas
não são necessariamente falsificáveis, dando um exemplo: “Deus nos ama
e quer que nos amemos uns aos outros.” Ele não vê maneira de provar
que tal afirmação seja falsa. Alguém poderia argumentar, diz ele, que se
ele fosse mais explícito a respeito do que entende por Deus e pelos ou­
tros conceitos da frase, ela poderia ser “falsificada”. Mas tal argumento
erra o ponto principal, ao querer transformar uma afirmação religiosa
em afirmação científica. Argumentos não-científicos não são necessaria­
mente sem valor ou irracionais pelo fato de não serem científicos, como
por exemplo: “Ela canta magnificamente”, “Ele é um bom homem”, “Eu te
amo”, etc. A ciência não é a única maneira de olhar a vida e a realidade.
Quanto à segunda pergunta, “Por que eu acredito em Deus?”: como
físico ele olha a natureza a partir de uma perspectiva particular.

Eu vejo um universo ordenado e belo no qual quase todos os fenôme­


nos físicos podem ser entendidos a partir de algumas poucas equações
matemáticas simples. Eu vejo um Universo que se tivesse sido feito de
modo ligeiramente diferente, não poderia ter estrelas e planetas, sem
falar em bactérias e seres humanos. E não há razão científica para de­
monstrar que o Universo não poderia ser diferente. Muitos bons cien­
tistas concluíram, a partir destas observações, que um Deus inteligente
deve ter querido criar um Universo com propriedades tão belas, sim­
ples e permitindo a existência da vida. Muitos outros bons cientistas
são ateus. As duas atitudes são atitudes de crença. [...]. Eu acho que os
argumentos a favor da existência de Deus são sugestivos, mas não são
conclusivos. Eu acredito em Deus porque posso sentir a presença de
Deus na minha vida, porque posso ver a evidência da bondade de Deus
no mundo, porque acredito no Amor e acredito que Deus é Amor. Esta
fé me faz um cientista melhor? Dificilmente. Eu conheço muitos ateus
que são melhores cientistas e melhores pessoas do que eu. Eu não acho
que esta fé me faz melhor do que eu seria se não tivesse fé. Estou livre de
dúvidas com relação à fé? Dificilmente. Perguntas a respeito do mal no
mundo, do sofrimento de crianças inocentes, a variedade de pensamen­
tos religiosos [...]. Apesar disso, eu creio, mais por causa da ciência do
que apesar dela, mas em última análise [eu creio] simplesmente porque
creio. Como diz o autor da carta aos Hebreus [11,1], “a fé é a substância
daquilo que esperamos, a prova das coisas que não vemos”.
Referências

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[ 14] http://en.wikipedia.org/wiki/Nicolaus_Copernicus.
[15] http://www.newadvent.org/cathen/04352b.htm.
[16] Thomas Terence, apud: http://www.ctinquiry.org/publications/
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[17] Max Jammer, Einstein und Die Religion (Princeton University Press, 1999).
[18] Friedrich Dürrenmatt, AlbertEinstein, Zurique, 1979, p.12, apud [17], p. 54.
[19] Abraham Pais, Subtle is the Lord..., Oxford, 1982, p. 319. Cf. também
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[20] Denis Brian, Einstein, A Life, Nova Iorque, 1996, p. 234.
[21] http://www.einsteinandreligion.com/einsteinonjesus.html.
[22] Einstein. The World as I See It. Nova Iorque: Philosophical Library, 1949.
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[23] http://www.einsteinandreligion.com/prayer.html.
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[25] http://www.einsteinandreligion.com/personal.html.
[26] Science, Philosophy, and Religion, A Symposium, published by the
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[27] W. Hermanns, Einstein and the Poet - In Search of the Cosmic Man
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[28] http://www.einsteinandreligion.eom/spinoza2.html#god.
[29] From a letter to Murray W. Gross, Apr. 26,1947, Einstein Archive, reel
33-324, apud [17].
[30] http://www.einsteinandreligion.com/godcomments.html.
[31] E. Salaman, “A Talk With Einstein,” The Listener 54 (1955), pp. 370-371)
apud [17], p. 123.
[32] C. Seelig, Helle Zeit - Dunkle Zeit. Zurique: Verlag, 1956), p.72, apud [17],
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[33] Lincoln Barnett, The Universe and Dr. Einstein, Nova Iorque, 1948,
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[34] ThomasTerrence em:
http://www.ctinquiry.org/publications/reflections_volume_l/torrance.htm.
[35] http://www.ime.unicamp.br/~euler300.
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[38] http://www.mundodosfilosofos.com.br/descartes2.htm.
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[44] Excertos de Making Waves (Masters of Modem Physics), 1995 American
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[45] http://pt.wikipedia.org/wiki/Galileu_Galilei#column-one#column-one.
[46] http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Galileu_
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[47] http://inventors.about.com/library/inventors/blgalileo.htm.
[48] http://www.dubedeastronomia.com.br/galileu.php.
[49] http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/Quotations/Galileo.html.
[50] MacHale, “Wisdom”, London 2002. Citado em [49].
[51] http://www.newadvent.org/cathen/06342b.htm.
[52] http://pt.wikipedia.org/wiki/Carl_Friedrich_Gauss.
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[54] http://forum.cifraclub.terra.com.br/forum/11/95668/.
[55] http://br.geocities.com/pensabr/johanncarl/todasuahistoria.htm.
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[60] http://www.math.uwaterloo.ca/~snburris/htdocs/WWW/PDF/principia.pdf.
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[433] http://en.wikipedia.org/wiki/David_Brewster.
[434] Cozy Baker in: http://www.brewstersociety.com/brewster_bio.html.
índice dos cientistas em ordem alfabética

Abdus Saiam.............................................................................................................................261
A bel............................................................................................................................................114
Ampère....................................................................................................................................... 87
Anthony Hewish......................................................................................................................259
Arno Penzias............................................................................................................................269
Arthur Schawlow....................................................................................................................254
Barrow......................................................................................................................................... 47
Babbage..................................................................................................................................... 105
B ernoulli.................................................................................................................................... 63
B iot.............................................................................................................................................. 86
Bolzano....................................................................................................................................... 93
B oole......................................................................................................................................... 123
Boyle............................................................................................................................................ 41
Bragg..........................................................................................................................................178
Brewster..........................................................................
Cantor....................................................................................................................................... 153
Cauchy........................................................................................................................................ 99
Charles Townes........................................................................................................................251
Clavius......................................................................................................................................... 20
Compton...................................................................................................................................210
Copérnico................................................................................................................................... 19
Coulomb..................................................................................................................................... 73
D alton......................................................................................................................................... 80
De Moivre................................................................................................................................... 60
De Morgan................................................................................................................................ 119
Descartes..................................................................................................................................... 33
Donald Knuth..........................................................................................................................273
Eddington................................................................................................................................. 199
Einstein..................................................................................................................................... 188
Euler............................................................................................................................................ 70
Faraday...................................................................................................................................... 101
Fizeau........................................................................................................................................ 129
Foucault.................................................................................................................................... 130
Fourier........................................................................................................................................ 84
Freeman Dyson........................................................................................................................256
Fresnel......................................................................................................................................... 96
Galileo......................................................................................................................................... 24
Gauss........................................................................................................................................... 88
Gibbs.........................................................................................................................................149
Girard.......................................................................................................................................... 32
Gõdel......................................................................................................................................... 238
Grimaldi..................................................................................................................................... 36
Halley.......................................................................................................................................... 58
Heisenberg................................................................................................................................ 225
H enry.........................................................................................................................................112
Hermite......................................................................................................................................137
Herschel.....................................................................................................................................108
Hertz...........................................................................................................................................156
Hooke.......................................................................................................................................... 49
Huygens...................................................................................................................................... 44
Isham......................................................................................................................................... 283
Isidor Isaac Rabi...................................................................................................................... 219
Jacobi..........................................................................................................................................117
James Jeans................................................................................................................................186
J. J. Thom son............................................................................................................................ 155
John Couch A dam s................................................................................................................. 135
John Polkinghorne..................................................................................................................264
Joseph H. Taylor, Jr..................................................................................................................275
Joule............................................................................................................................................126
Kelvin.........................................................................................................................................140
Kepler...........................................................................................................................................29
Kronecker................................................................................................................................. 139
Laplace.........................................................................................................................................76
Leibniz..........................................................................................................................................55
Lemaitre.................................................................................................................................... 216
Le Verrier...................................................................................................................................121
Marconi......................................................................................................................................183
Margenau.................................................................................................................................. 232
Marin Mersenne........................................................................................................................ 28
Maupertuis................................................................................................................................. 66
Maxwell......................................................................................................................................147
Millikan......................................................................................................................................180
M ilne......................................................................................................................................... 217
M orse........................................................................................................................................ 214
Napier...........................................................................................................................................21
Nevill M ott............................................................................................................................... 236
Newton.........................................................................................................................................51
Pascal............................................................................................................................................37
Pauli........................................................................................................................................... 222
Pierre Duhem........................................................................................................................... 162
Planck........................................................................................................................................ 158
Rayleigh.................................................................................................................................... 151
Riccati.......................................................................................................................................... 66
Riemann.................................................................................................................................... 143
Roberto Landell de Moura.....................................................................................................165
Roberval...................................................................................................................................... 35
Saccheri....................................................................................................................................... 63
Schrõdinger..............................................................................................................................206
Stephen Hawking.....................................................................................................................277
Stokes........................................................................................................................................ 132
Sturm......................................................................................................................................... 116
Victor H ess...............................................................................................................................204
Vincenzo Riccati........................................................................................................................69
Von Neumann..........................................................................................................................233
W hitehead................................................................................................................................ 170
William D. Phillips................................................................................................................. 285
A b d u s S a ia m F o u c a u lt L e m a ít re
A bel F o u rle r Le V e rrie r
A m p è re Fre e m an D yso n M a rco n i
A n t h o n y H e w ish F re s n e l M a rg e n a u
A rn o P e n z ia s G a lile o M a rin M e rs e n n e
A rth u r S c h a w lo w G au ss M a u p e r tu is
B a rro w G ib b s M a x w e ll
Babbage * G ira rd M illik a n
B e rn o u lli G õdel M iln e
B io t G rim a ld i M o rse
B o lz a n o H a lle y N a p ie r
B o o le H e is e n b e rg N evill M o tt
B o y le H e n ry N e w to n
B ra g g H e rm ite P a sc a l
B re w s te r H e rs c h e l P a u li
C a n to r H e rtz P ie rre D u h e m
Cauchy H ooke P la n c k
C h a r le s T o w n e s H uygens R a y le ig h
C la v iu s Ish a m R icca ti
C o m p to n Isid o r Isa a c R a b i R ie m a n n
C o p é r n ic o Jaco b i R o b e rto L a n d e ll d e M oura
C o u lo m b Jam es Jean s R o b e rv a l
D a lto n J. J. T h o m s o n S a cch e ri
D e M o iv re Jo h n C o u ch A dam s S c h r o d in g e r
D e M o rg a n J o h n P o lk in g h o r n e S te p h e n H a w k ir ín
D e sca rte s J o s e p h H .T a y lo r, Jr. S to k e s
D o n a ld K n u th J o u le S tu rm
E d d in g to n K e lv in V ic to r H e ss
E in ste in K e p le r V in c e n z o R ic c a ti
E u le r K ro n e c k e r Von N eum ann
Fa rad a y L a p la c e W h ite h e a d
F iz e a u L e ib n iz W illia m D. P h illip s

w w w .p u c-rio. b r/fí d ito ra p u crio

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