Você está na página 1de 2

Poeta, cantô da rua, Sua rima, inda que seja Mas porém, eu não invejo

Que na cidade nasceu, Bordada de prata e de ouro, O grande tesouro seu,


Cante a cidade que é sua, Para a gente sertaneja Os livros do seu colégio,
Que eu canto o sertão que é meu. É perdido este tesouro. Onde você aprendeu.
Se aí você teve estudo, Com o seu verso bem feito, Pra gente aqui sê poeta
Aqui, Deus me ensinou tudo, Não canta o sertão direito E fazê rima completa,
Sem de livro precisá Porque você não conhece Não precisa professô;
Por favô, não mêxa aqui, Nossa vida aperreada. Basta vê no mês de maio,
Que eu também não mexo aí, E a dô só é bem cantada, Um poema em cada galho
Cante lá, que eu canto cá. Cantada por quem padece. E um verso em cada fulô.

Você teve educação, Só canta o sertão direito, Seu verso é uma mistura
Aprendeu muita ciência, Com tudo quanto ele tem, É um tal sarapaté,
Mas das coisa do sertão Quem sempre correu estreito, Que quem tem pouca leitura,
Não tem boa experiência. Sem proteção de ninguém, Lê, mas não sabe o que é.
Nunca fez uma boa palhoça, Coberto de precisão Tem tanta coisa encantada,
Nunca trabalhou na roça, Suportando a privação Tanta deusa, tanta fada,
Não pode conhecê bem, Com paciência de Jó, Tanto mistério e condão
Pois nesta penosa vida, Puxando o cabo da enxada, E outros negócio impossive.
Só quem provou da comida Na quebrada e na chapada, Eu canto as coisa visive
Sabe o gosto que ela tem. Molhadinho de suó. Do meu querido sertão.

Pra gente cantá o sertão, Amigo, não tenha queixa, Canto as fulô e os abróio
Precisa nele morá, Veja que eu tenho razão Com todas coisas daqui:
Tê almoço de feijão Em lhe dizê que não mêxa Pra toda parte que eu óio
E a janta de mugunzá, Nas coisa do meu sertão. Vejo um verso se bulí.
Vivê pobre, sem dinheiro, Pois, se não sabe o colega Se às vez andando no vale
Trabalhando o dia inteiro, De qual maneira se pega Atrás de curá meus males
Socado dentro do mato, Num ferro pra trabalhá, Quero repará pra serra,
De aprecata currelepe, Por favô, não mêxa aqui, Assim que eu óio pra cima,
Pisando em riba do estrepe, Que eu também não mexo aí, Vejo um dilúvio de rima
Brocando a unha-de-gato. Cante lá que eu canto cá. Caindo em riba da terra.

Você é muito ditoso, Repare que a minha vida Mas tudo é rima rasteira
Sabe lê, sabe escrevê, É diferente da sua. De fruta de jatobá,
Pois vá cantando o seu gôzo, A sua rima polida De folha de gameleira
Que eu canto meu padecê. Nasceu no salão da rua. E fulô de trapiá,
Enquanto a felicidade Já eu sou bem diferente, De canto de passarinho
Você canta na cidade, Meu verso é como a semente E da poeira do caminho,
Cá no sertão eu enfrento Que nasce em riba do chão; Quando a ventania vem,
A fome, a dô e a miséria. Não tenho estudo nem arte, Pois você já tá ciente:
Pra sê poeta deveras, A minha rima faz parte Nossa vida é diferente
Precisa tê sofrimento. Das obras da criação. E nosso verso também.
Repare que diferença Tem ela o que a sua tem.
Existe na vida nossa: Aqui findo esta verdade.
Enquanto eu tô na sentença, Toda cheia de razão:
Trabalhando em minha roça, Fique na sua cidade
Você lá no seu descanso,
Que eu fico no meu sertão.
Fuma o seu cigarro manso,
Já lhe mostrei um espêio,
Bem perfumado e sadio;
Já lhe dei grande consêio
Já eu, aqui tive a sorte
De fumá cigarro forte Que você deve tomá.
Feito de palha de milho. Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Você, vaidoso e faceiro, Cante lá que eu canto cá.
Toda vez que quer fumá,
Tira do bolso um isqueiro
Do mais bonito metá.
Eu que não posso com isso,
Puxo por meu artifício
Arranjado por aqui,
Feito de chifre de gado,
Cheio de algodão queimado,
Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divertida


E a minha é grande pena.
Só numa parte de vida
Nós dois samo bem iguá:
É no direito sagrado,
Por Jesus abençoado
Pra consolá nosso pranto,
Conheço e não me confundo
Da coisa melhó do mundo
Nós goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá


Nem você invejá eu
O que Deus lhe deu por lá,
Aqui Deus também me deu.
Pois minha boa mulhé,
Me estima com muita fé,
Me abraça, beija e quer bem
E ninguém pode negá
Que das coisa naturá

Você também pode gostar