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SOUZA SANTOS, Douglas Alessandro - Artigo Curto PDF
SOUZA SANTOS, Douglas Alessandro - Artigo Curto PDF
1 – Introdução
De início creio ser necessário apontar para as razões que me levaram à temática.
Enquanto expressões religiosas tradicionais perdem, dia a dia, espaço no campo religioso
brasileiro, novos segmentos têm ganhado cada vez mais força. Dentre as mais diversas e
significativas mudanças dos últimos anos, apontadas pelos mais recentes levantamentos,
destaca-se a desinstitucionalização cristã, sobretudo evangélica. Os desigrejados, termo que
usarei para os que se encontram dentro deste processo, estão inseridos numa variável crescente.
Definido por este projeto como um caso de reconfiguração religiosa de características próprias,
escolhi estuda-lo para entender um pouco mais os processos de reinvenção e rearticulação de
parte da esfera religiosa brasileira.
2 – Os desigrejados
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Mestrando em Ciências Sociais pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, campus Araraquara/SP. Orientadora: Carla Gandini Giani Martelli. E-mail:
douglas_b7v@hotmail.com.
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desigrejados. Certamente não é algo que se possa ignorar, tampouco classificar como um
fenômeno social isolado. Num primeiro momento, dada a possível confusão em torno do termo
por causa de sua recente utilização, deve-se deixar claro o significado de tal designação. Talvez
devêssemos começar por dizer que o termo desigrejado não diz respeito a um apóstata ou a um
desviado (nomenclatura interna usada para com quem se desvia da denominação e confissão
cristã evangélica)2. Em outras palavras, o desigrejado é aquele que deixa a igreja evangélica
institucional sem deixar de exercer a fé religiosa nela praticada, alguém que se aparta das
alternativas de congregação oferecidas, tradicionais ou não, mas ainda se identifica como
cristão e participa assiduamente dos rituais ligados à identidade em pequenas reuniões em lares,
espaços públicos etc. Não há dúvida de que, ultimamente, as discussões sobre este grupo
heterodoxo3 estão no centro de praticamente todos os redutos científicos que tratam sobre o
tema, além é claro, de ser uma das muitas preocupações contemporâneas encaradas pela própria
igreja cristã tradicional, institucional e organizada.
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Apesar da comum similaridade entre os termos “apóstata” e “desviado”, vale ressaltar uma diferença: O apóstata
se afasta da antiga confissão e doutrinação de forma definitiva e, na maioria das vezes, destaca-se por combatê-la.
O “desviado”, apesar de afastado da prática religiosa, continua a se identificar como pertencente a confissão,
mesmo que a não pratique.
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Sendo a heterodoxia carregada de características próprias, como o fazer de releituras, adaptações e reformas, o
grupo dos “desigrejados” pode certamente ser classificado como tal. A atitude do heterodoxo é geralmente eclética,
não-dogmática, não-sectária e, as vezes, sincrética e ecumênica.
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referente a toda configuração religiosa brasileira, como descreve Mariano se reportando aos
números do Censo do mesmo ano
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Sendo assim, no que diz respeito a este grupo em específico, algumas perguntas se
levantaram como problemas propostos a ser tratados por este trabalho: O que tem desencadeado
esse processo? Quais as razões que têm levado a desinstitucionalização do evangelicalismo4
brasileiro? O que de fato explica o crescimento dos desigrejados no país e qual é o seu perfil e
trajetória? Dentro do campo das hipóteses, as respostas tornaram-se nítidas quando
consideramos que dentro desta lógica de reconfiguração estão reverberadas diversas
características da modernidade, além da frustração com a teologia da prosperidade, marca das
igrejas ditas neo-pentecostais, na questão das características que marcam o perfil deste grupo.
Dentro disso, vale discorrer sobre o porquê de apontar a modernidade ocidental como
causa de reconfiguração religiosa e não de sua extinção. De fato, muitos cientistas sociais
acreditavam que com a modernidade e o avanço da ciência e da técnica, a dimensão religiosa
seria suprimida, superada e esquecida. O projeto da modernidade previa o fim do religioso, a
ser percebido posteriormente como uma sombra, um resquício de tempos antigos e longínquos.
Esse tipo de postura parecia tendência nas mais variadas correntes de pensamento, além das
Ciências Sociais. Em “A Gaia Ciência”, por exemplo, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche
apontava para o que chamava de libertação de Deus
De fato, nós filósofos, ‘espíritos livres’, sabendo que ‘o antigo Deus está morto’,
sentimo-nos iluminados como por uma nova aurora; o nosso coração transborda de
gratidão, de espanto, de pressentimento e de expectativa... eis que enfim, mesmo se
não está claro, o horizonte de novo parece livre (...) talvez jamais tenha existido tanto
‘mar aberto’ (NIETZSCHE, 2006, p.343).
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O termo “evangelicalismo” é usado, aqui, para se referir ao conjunto das igrejas chamadas evangélicas no Brasil,
e não precisamente ao movimento cristão surgido no século XVII marcado pelo aparecimento de metodistas,
puritanos e pietistas. Dentro dessa designação, incluo as vertentes do protestantismo histórico (também chamado
de “protestantismo de missão”), e pentecostal em suas três ondas (FRESTON, 1994).
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e atitudes e mesmo as instituições sociais serem pinceladas por normas seculares, a permanência
do religioso é incontestável.
Não se pode negar, é claro, que a relação da modernidade com o religioso é caracterizada
pelo conflito entre a percepção religiosa de mundo, carregada de símbolos e liturgias sacras,
com as múltiplas esferas sociais, regidas por normas e princípios seculares, também chamadas
de esferas profanas (WEBER, 2002). As instituições e as diversas áreas que conformam as
sociedades ditas modernas, aos poucos se autonomizam do religioso, caminhando à
secularização. Mas, ao mesmo tempo, é a partir de então, em uma espécie de movimento
contrário, que os grupos religiosos tradicionais com suas visões de mundo encantadas se
levantam contra determinados valores da modernidade, e, concebendo a sociedade moderna
como dessacralizadora e diabólica (na visão cristã evangélica), se reorganizam em torno de
uma nova forma de experiência religiosa. Certamente, o equilíbrio de tal tensão é o que não
leva à extinção da religião, assim, a constatação de que a mesma tenha se tornado irrelevante e
sem importância no mundo moderno é jogada por terra nos meandros desta balança.
É exatamente sobre esta questão que Hervieu-Leger (2008) discorre ao apontar que as
sociedades modernas são marcadas por um paradoxo no campo religioso. A modernidade, ao
mesmo tempo em que seculariza a religião, tirando seu prestígio e o status de controladora das
coisas mundanas - como era feito nos séculos anteriores -, cria determinadas vias de acesso para
que essa mesma religião recrie novas formas de religiosidade. Portanto, ao contrário do que
afirmava a teoria da secularização, até então muito creditada, a religião continua acalorada na
modernidade, porém, em novas formas de organização, em casos de reconfiguração. Seria um
erro apontar para a extinção do religioso, uma vez que o religioso tem a capacidade de se
transformar, se deslocar e se reconfigurar (SANCHIS, 2001).
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organização social. Ou seja, o processo de secularização confina a esfera de sua
atuação, a limites mais estreitos, mas não a apaga enquanto fenômeno social. [...] Na
verdade, a modernidade desloca, sem eliminá-lo, o lugar que ocupava nas sociedades
passadas (ORTIZ, 2001, p.62).
Mas ao passo em que a discussão avança, outra questão passar a existir: Como se dá,
então, tal reconfiguração? Como escreveu Flávio Antônio Pierucci (2004, p.19), sabe-se que na
mesma proporção em que este processo de reconfiguração caminha, aspectos da modernidade,
como a questão do individualismo, passam a marcar, nesse jogo de tensão, o modus operandi
religioso. Embora o referido autor seja defensor ferrenho da tese de secularização, defendida
em obras como “Secularização em Max Weber. Da contemporânea serventia de voltarmos a
acessar aquele velho sentido”, Pierucci ajuda-nos a compreender como tais características
modernas influenciam a experiência religiosa, com ecos na desinstitucionalização, como, por
exemplo, na exclusão do caráter igreja, objeto da presente pesquisa.
Aqui é necessário reafirmar que grupos como o dos desigrejados não possuem uma
hierarquia rígida e sacerdotes especializados responsáveis pela liderança dos cultos e rituais.
Muito se deve também, como a presente pesquisa pretende mostrar, a frustração de boa parte
dos indivíduos componentes dessas comunidades com a teologia da prosperidade, vivenciada
em momentos passados. A crença religiosa, neste caso cristã, agora, é exercida sem ligações
institucionais, em uma espécie de crença sem pertencimento religioso. As reuniões acontecem
nos lares, e em pequenos grupos (HERVIEU-LÉGER, 1999). Além disso, o evangelicalismo
tradicional, com forte caráter moralizante e rígidos códigos de conduta, passa a ser fortemente
contestado. Temas recorrentes, como o aborto, homossexualidade, uso de métodos
contraceptivos e divórcio; considerados práticas pecaminosas pela esfera tradicional, passam a
ser vistos com maior normalidade, um nítido exemplo de perda de influência da religião no
campo da moral privada e sexual (BAUBÉROT, 2007). O que ainda chama à atenção é que,
segundo levantamentos iniciais, tal grupo se destaca, do ponto de vista cognitivo de outras
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representações religiosas, como na questão de interpretação escriturística, por uma maior
aproximação com a postura tradicional protestante – matriz da fé evangélica5.
4 – O “Caminho da Graça”
Buscando entender de forma aprofundada tal processo aliado a tais características, o
projeto propõe-se a investigar, por fim, como universo de campo, o grupo cristão não
institucionalizado Caminho da Graça, formado majoritariamente por evangélicos
anteriormente vinculados a igrejas institucionais, para buscar sanar o outro tipo de inquietação
levantada pela pesquisa, a saber, o perfil e a trajetória de tais indivíduos. Algumas
particularidades definiram a escolha do grupo. Em primeiro lugar, a figura de seu representante
maior, Caio Fábio d’Araújo Filho. Há quem considere que, em meados dos anos 90, Caio Fábio
fosse a voz mais expressiva do evangelicalismo tradicional brasileiro, ao ponto de se tornar
presidente da AEVB – Associação Evangélica Brasileira. Ex-pastor da Igreja Presbiteriana do
Brasil, sua figura ganhou destaque após envolvimento em alguns escândalos públicos e
privados. Em segundo lugar, o alto destaque da comunidade entre os desigrejados, como sua
forte presença na internet e o número elevado de grupos formados em todas as regiões do país.
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Segundo pesquisa do “Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã”, o grupo se destaca como a camada cristã que mais
consome literatura evangélica: 45% a mais que a média dos evangélicos nacionais. Além de uma maior
participação em eventos como congressos e jornadas, o que revela um maior interesse pelo conhecimento
escriturístico, marca do protestantismo.
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Em entrevista concedida aos repórteres da revista “Cristianismo Hoje”, Caio declarara que mais
de três milhões de pessoas, desigrejadas em sua maioria, alimentam-se de tudo o que é
produzido em seu ministério, defendido como alternativa de comunhão cristã não institucional.
Pelo fato de, como já escrito anteriormente, a pesquisa estar em fase inicial, nenhum
contato direto com a comunidade foi estabelecido a fim de recolhimento de dados que sejam
pertinentes à pesquisa. Todavia, já há uma construção de arcabouço de caminhos que tal contato
deve seguir, além de levantamento sistemático nos trabalhos e pesquisas científicas, veículos
de comunicação etc. que tenham versado sobre o caso.
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
BAUBÉROT, Jean. Les laïcités dans le monde:«Que sais-je?» n° 3794. Paris: Presses
universitaires de France, 2014.
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_________________. Representam os surtos emocionais contemporâneos o fim da
secularização ou o fim da religião? Revista Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v.1, n. 18, p.
31-47, 1997.
PIERUCCI, Antônio Flávio. “Bye bye, Brasil” - o declínio das religiões tradicionais no Censo
2000. Revista de Estudos Avançados. São Paulo, v.18, n.52, p.17-28, dez. 2004.
SOUZA, André Ricardo. O pluralismo cristão brasileiro. Caminhos, Goiânia, v. 10, nº1, 2012,
pp. 129-14. 2012.