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O artigo “As abordagens sociológicas do currículo: orientações teóricas e

perspectivas de pesquisa” de Jean-Claude Forquin debate sobre como a reflexão


sociológica sobre a escola foi revitalizada pela atenção teórica dada à questão do
currículo a partir dos anos 60, principalmente com os trabalhos de sociólogos britânicos
e franceses.
Logo no início do texto o autor se indaga: “Quais podem ser hoje as abordagens
da sociologia apropriadas à reflexão sobre o currículo?”. Para Forquin o termo
“sociologia do currículo” apresenta uma complexidade em questão, tanto seu campo de
pesquisa quanto sua definição são multívocos, ou seja, o termo não se resume a um
rótulo ou a uma corrente de pensamento. O interesse pelo tema na França no período
recente a escrita do texto, rendeu um avanço que apresentou uma perspectiva
internacional, onde o currículo passou a ser tratado como um dispositivo escolar, isto é,
como um instrumento que aponta conteúdos e práticas de ensino.
Para entender a questão do currículo na sociologia é necessário, de acordo com
Forquin, que se revise o que se entende pelo termo “currículo”. Em seu sentido mais
corrente, o currículo é aquele que
“designa geralmente o conjunto daquilo que se ensina e daquilo que se aprende,
de acordo com uma ordem de progressão determinada, no quadro de um dado
ciclo de estudos. (...) é um programa de estudos ou um programa de formação,
mas considerado em sua globalidade, em sua coerência didática e em sua
continuidade temporal, isto é de acordo com a organização sequencial das
situações e das atividades de aprendizagem às quais ele dá lugar” (FORQUIN,
1996, pp. 188).

De modo secundário, o termo currículo pode designar não só aquilo que é


prescrito, isto é, aquilo que é escrito no programa, mas também aquilo que é ensinado
no contato real entre aluno e professor nas salas de aula. Entrando mais a fundo na
questão sociológica do termo, este pode expressar também o “conteúdo latente do
ensino” ou da “socialização escolar”, quer dizer, um agrupamento de competências e
disposições que se adquire na escola através da experiência e absorção, é o que os
anglófonos vão chamar de “currículo oculto”. Já em seu sentido mais abstrato e geral,
este termo pode se referir a tudo aquilo que faz parte da dimensão cognitiva ou cultural
do ensino, para ilustrar, o currículo é aquilo que a escola, enquanto transmissora de
conteúdos, símbolos, valores, competências e saberes, fixa de maneira selecionada e
distribuída em diferentes segmentos da “cadeia didática” que condiciona o aluno à uma
organização própria.
CURRÍCULO, CULTURA E SOCIEDADE: AS CONTRIBUIÇÕES ORIGINAIS DA
REFLEXÃO SOCIOLÓGICA BRITÂNICA A PARTIR DOS ANOS SESSENTA.
De acordo com Forquin, é na Grã-Bretanha onde surge a partir do anos 60, os
primeiros subsídios teóricos para uma sociologia do currículo. O livro The Long
Revolution (1961) de Raymond Williams se tornou um marco para o estudo do
currículo, já que foi um dos primeiros a refletir sobre a cultura enquanto “tradição
seletiva”, quer dizer, enquanto um processo contínuo de “decantação” e de
“reinterpretação” do espólio das gerações passadas. Sem dúvida, a escola parece exercer
atualmente esse papel de “fabricadora” da memória coletiva, já que os programas
escolares são fruto de “contextos políticos e ideológicos, de conflitos simbólicos e das
relações de força” (pp. 189) que estão a todo instante em jogo pelos grupos que se
interessam pelo controle dos programas educacionais. Além disso, Forquin deixa claro
que não é apenas o passado que é filtrado e selecionado, mas também o presente. Essas
seleções se fazem necessárias, pois não é possível ensinar tudo. Entretanto estas
seleções evidenciam certas variáveis que são instáveis e contestáveis, por isso o autor
sustenta que é preciso refletir e analisar criticamente os mecanismos e as estratégias da
“seleção cultural escolar”, trabalho que constituiu uma das primeiras tarefas dos
sociólogos britânicos do currículo como Lawton (1985), Williams (1958) e Johnson
(1979).
Outra questão importante para a sociologia do currículo é se perguntar sobre
como os mecanismos de transformação dos programas, sobre os métodos pedagógicos e
sobre o entrave diante das propostas inovadoras, esta contribuição pode ser encontrada
em Eggleston (1977) que escreve uma das primeiras obras sobre este tema. Já em
Musgrove (1968) marca sua contribuição teórica para o campo da sociologia do
currículo no seu estudo original sobre a natureza eminentemente social das construções
“curriculares”, onde a disciplinas escolares operam como “comunidades fechadas”,
que proporcionam a seus membros uma marca muito forte de identidade. Essa questão
do “fechamento” e do “desenvolvimento disciplinares” iria se estabelecer mais tarde
como um dos temas elementares para o campo da reflexão sociológica sobre o currículo
entre os ingleses.
Esta “nova sociologia da educação” da Grã-Bretanha na década de 70 revelou-se
atrelada a um programa crítico-político-cultural radical muito influenciado pelo
interacionismo simbólico americano, pela fenomenologia social, pela antropologia
cultural e pela sociologia do conhecimento. Exemplo disso é o manifesto Knowlegde
and Control escrito por M.F.D. Young em 1971, onde a análise do currículo se
constitui como a primeira tarefa da sociologia da educação. Quando Forquin se refere ao
ato de análise do currículo, ele quer dizer sobre prática de analisar “os modos de
seleção, de legitimação, de organização e distribuição dos saberes escolares” (pp.
190), isto se faz essencial para entender como os currículos refletem a distribuição do
poder em seu interior e como a escola assegura o controle dos comportamentos
individuais.
Este tal programa se vê fundamentalmente crítico, pois ele se trata de
“desconstruir as evidências”, de revelar um sistema complexo de relações que estrutura
saberes, os modos de transmissão do conteúdo escolar e sobre as modelos dominantes
de controle social que se aplicam internamente nas instituições escolares ao nível
global. A questão dada à estratificação social dos saberes é certamente um dos motivos
que marcaram teoricamente o campo da sociologia da educação britânica, apesar desta
corrente de pensamento ter sido curta, seus estudos renderam grandes frutos para a
disciplina.

CURRÍCULO FORMAL, CURRÍCULO REAL, CURRÍCULO OCULTO: AS NOVAS


ABORDAGENS DOS ANOS OITENTA.
Na França e em outros países francófonos, a questão do currículo só aparece
mais tarde de maneira indireta nos estudos sobre sociologia da educação. Este fato pode
ser explicado pela situação dos programas terem sempre sido tratados de forma
separada, o que explica por que os saberes escolares foram por um longo tempo como
“não-problematizáveis”. É a partir dos anos 80 que a sociologia da educação vai passar
por uma grande renovação pelas transformação no ensino secundário, pela atenção dada
ao “fracasso escolar”, à gestão do sistema, bem como os temas que podem e que não
podem ser ensinados. A questão do currículo agora abrange uma esfera global, onde se
torna mais reconhecida no campo da sociologia da educação.
Dando sequência a apresentação das principais contribuições teóricas da língua
francófona, Forquin faz referências aos trabalhos de Phillippe Perrenoud (1984) e
Viviane Isambert-Jamati (1990) que apresentam os conceitos de “currículo real” e
“currículo formal”. O primeiro termo se refere ao conteúdo que é literalmente ensinado
nas salas de aula, que pode ser reconhecer pela observação ou pesquisa direta, já o
segundo termo se refere ao currículo oficial, tal qual aqueles encontrados na análises
dos programas e disciplinas. Forquin chama atenção para as formulações de Viviane
Isambert-Jamati, onde demonstra outro marco para a sociologia da educação. A autora
se destaca por que traça por completo um programa de sociologia empírica do currículo,
onde se fez influente em uma série de trabalhos significativos pelo mundo.
De acordo com Forquin nos países anglófonos utiliza-se mais frequentemente o
termo “currículo oculto” do que “currículo real”, porém os dois não têm exatamente o
mesmo sentido. A noção de currículo oculto pressupõe a ideia de algo implícito ou
invisível, enquanto que o currículo real requer apenas prescrito ou registrado. Nas
teorias do “currículo oculto” há também diferentes perspectivas do implícito ou
invisível. O primeiro se chama “implícito natural” como aquilo que “não precisa ser
dito”, que não é necessário que se exponha já que fundado na lógica da conjuntura. O
segundo se chama “implícito perverso” como resultado daquilo que está em permanente
ocultação, dissimulação ou de mistificação. O papel do sociólogo “crítico” neste caso é
de desvelar todo o conteúdo, pois ele acredita que está dinamitando certas formas de
alienação cultural ou de dominação social.
Para finalizar, Forquin destaca outras três contribuições na lógica desta
sociologia “crítica” da educação: a) análise do conteúdo ideológico; b) estudos sobre as
práticas e conteúdos do ensino, levando em consideração a composição social dos
alunos; c) análise da questão dos meios e materiais de ensino e do novo mercado
constituído pela tecnologia educacional; d) contra a difusão de “pacotes” de “conjuntos
didáticos integrados” que preconizam os processos de ensino e aprendizagem,
desqualificam os docentes e empobrecem as atividades orais e sociais no interior da sala
de aula.

CONSTRANGIMENTOS DIDÁTICOS E CULTURA ESCOLAR: O DIÁLOGO


NECESSÁRIO ENTRE HISTORIADORES, DIDATICISTAS E SOCIÓLOGOS DO
CURRÍCULO.
Os estudos sobre currículo na França também avançaram na questão sobre a
didática, conduzindo a reflexão teórica em torno da noção de “transposição didática”.
Este conceito foi apresentado pelo Michel Verret em 1975, na qual a partir da teoria
sobre os conteúdos de ensino e da cultura escolar, buscou compreender os caminhos da
aprendizagem. A concepção de Verret está ligada a ideia de que os professores nunca
ensinam os saberes diretamente ao aluno, mas sempre seus substitutos didáticos. Isto
quer dizer que a escola apresenta a partir da mediação didática uma cultura derivada em
relação ao pesquisador. Essa “substituição didática” introduziu ao campo um novo olhar
sobre os “saberes eruditos” e os “saberes escolares”, abrindo o horizonte teórico sobre
como a natureza dos saberes se transforma no processo de “preparação didática” e se
constitui em uma “epistemologia escolar”.
Entretanto, os saberes escolares não estão apenas subordinados as referências
dos saberes eruditos, teóricos e científicos, eles estão também em contato com uma
multiplicidade de práticas sociais, como as práticas técnicas, políticas, civis,
profissionais, de comunicação e de sociabilidade. Esta noção de “práticas sociais de
referência” constitui outra contribuição para o campo que dialoga sobre didática e
sociologia do currículo, pois indica que a escola não se contenta apenas com os saberes
formais, ela quer estabelecer configurações cognitivas originais a fim de formar uma
cultura escolar sui generis.
Por fim, Forquin afirma que a escola é a uma espécie de “matriz de saberes
típicos com formas típicas de atividades intelectuais” que não se fecha no interior do
mundo escolar, ela reproduz através do poder de modelagem do habitus sua influência
nas práticas culturais e nos modos de pensamento que se firmam no país. Como o
próprio Bourdieu (1967) deixa claro, a cultura escolar atribui aos indivíduos de um
corpo comum de categorias de pensamento uma interação lógica, moral e social. Após
de apresentar as principais contribuições para a “sociologia do currículo” e para a
“sociologia da educação”, Forquin finaliza o texto chamando atenção para os
pesquisadores que refletem sobre o curriculo: é preciso questionar a força da
“influência” integradora da escola, levando em consideração a “autonomia relativa” e
a “eficácia social” inerentes à dinâmica escolar.

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