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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO PIAUÍ


PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL
EXCELENTÍSSIMO SENHOR RELATOR DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL
DO ESTADO DE PIAUÍ

Unaquæque res, quantum in se est, in suo esse perseverare conatur.

(Spinoza. Ethica, III, prop. VI).

- Cada coisa se esforça, tanto quanto está em si, por perseverar em seu ser

(Espinosa, Ética, III, prop. 6).

“Was sagt dein Gewissen? – Du sollst der werden, der du bist.”

(Nietzsche. Die fröhlich Wissenchaft. § 270).

Que diz tua consciência? – Torna-te aquilo que tu és.

(Nietzsche. A gaia ciência. § 270).

Referente ao Registro de Candidatura nº: 0600690-43.2018.6.18.0000

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, pelo Procurador Regional Eleitoral


que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais, vem à presença de Vossa Excelência, no
prazo legal, manifestar-se nos seguintes termos.

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Trata-se de pedido de registro de candidatura da cidadã SAFIRA BRINGEL DE
SOUSA, devidamente qualificada no epigrafado processo, para o mandato de Deputada Estadual
pela Coligação PIAUÍ DE VERDADE III (PSDB / DEM / PSB).

De início, verifica-se claramente a perfeita regularidade do requerimento, com


a presença de todas as condições de elegibilidade, ao mesmo tempo em que não se constata a
mácula de quaisquer das causas de inelegibilidade constitucional e legalmente estatuídas.

Há, no entanto, uma importante questão que não se pode olvidar no deslinde da
presente questão, eis que diz afeto à regularidade do cadastro eleitoral da ora Postulante.

Com efeito, os dados constantes no cadastro eleitoral (Sistema Elo) revelam que a
Requerente possui domicílio eleitoral nesta urbe desde 2005. Lá consta seu nome civil, que
corresponde ao nome social feminino que decidiu adotar, por se autoreconhecer mulher
transexual, pertencendo, portanto, ao gênero feminino.

De outra banda, todos documentos de identificação civil da Requerente,


devidamente acostados aos fólios eletrônicos, registram e atestam seu nome feminino, servindo de
prova que, civilmente, trata-se de pessoa do gênero feminino, como tal sendo reconhecida e
identificada no meio social.

Não obstante, decerto devido a algum erro material ou qualquer outra desventura
possivelmente ocorrida no ato do recadastramento eleitoral, foi lançado no Sistema Elo, isto é, nos
registros do cadastro eleitoral, que o gênero da Requerente era MASCULINO, o que destoa, de
forma gritante, do registro civil e de todo o resto de sua documentação pessoal.

Senão veja-se a a imagem extraída de uma captura de tela do Sistema Elo:

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Além disso, o Sistema Elo indica que a última revisão eleitoral participou ocorreu
no ano de 2014. À época, sem margem alguma para dúvida, a Postulante já assumira a identidade
própria ao gênero feminino, alterando o nome do registro civil (vide ID 36836). Segue a captura
de tela do aludido sistema do cadastro eleitoral:

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Nesse desiderato, a PRE não desconhece do posicionamento do TSE quanto ao


tema na consulta nº 060405458, senão vejamos:

"CONSULTA. REQUISITOS. LEGITIMIDADE. SENADORA. EXAME. EXPRESSÃO


"CADA SEXO". REFERÊNCIA. TRANSGÊNEROS. OMISSÃO LEGISLATIVA.
NOME SOCIAL. CADASTRO ELEITORAL. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. IGUALDADE. NÃO DISCRIMINAÇÃO. INTIMIDADE.
DIREITO À FELICIDADE. BEM-ESTAR OBJETIVO. VALORES DE JUSTIÇA. FINS
SOCIAIS. EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM. COTAS FEMININA E MASCULINA.
CONTABILIZAÇÃO. PERCENTUAIS. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. PEDIDO
DE REGISTRO DE CANDIDATURA. NOME COMPLETO. ART. 12, "CAPUT", DA
LEI DAS ELEIÇÕES. NOME CIVIL. DETERMINAÇÃO. NOME SOCIAL. URNAS
ELETRÔNICAS. POSSIBILIDADE. EXPRESSÃO "NÃO ESTABELEÇA DÚVIDA
QUANTO A SUA IDENTIDADE". CANDIDATURAS PROPORCIONAIS E
MAJORITÁRIAS. IDÊNTICOS REQUISITOS. ART. 11 DA LEI DAS ELEIÇÕES. 1. É
cabível consulta formulada em tese, sobre matéria eleitoral (pertinência temática), por
Senadora da República (autoridade com jurisdição federal), estando preenchidos,
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portanto, os requisitos exigidos pelo art. 23, XII, do CE. (...) 6. Acolhe-se a manifestação
da Assessoria Consultiva no sentido de que a autodeclaração de gênero deve ser
manifestada por ocasião do alistamento eleitoral ou da atualização dos dados do
cadastro eleitoral, ou seja, até cento e cinquenta e um dias antes da data das eleições,
nos termos do art. 91, "caput", da Lei nº 9.504/97, razão pela qual se propõe a edição
de regras específicas sobre o tema. 7. Consulta conhecida". (TSE - Consulta nº
060405458, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação:
DJE Diário de justiça eletrônico, Tomo 63, Data 03/04/2018).

Louvando-se no Sistema Elo, a Secretaria Judiciária informou nos autos eletrônicos


do presente RCand a divergência de gênero (vide ID 41004). Tal inconsistência, como já apontado
acima, é apenas aparente e se deve provavelmente a erro material havido no ensejo da revisão
eleitoral de 2014; ou, atentando para o estado da legislação e da jurisprudência predominante à
época, também seria razoável atribuir o desencontro de dados referentes ao gênero ao vácuo
regulatório que grassava no âmbito desta Justiça Especializada.

A regra específica sobre o tema, com efeito, somente foi editada pelo Tribunal
Superior Eleitoral após o julgamento da Consulta nº 0604054-58.2017.6.00.000, de relatoria do
Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, em 1º de Março de 2018. Daí adveio a Resolução TSE nº
23.562 de 22 de março de 2018, que, acrescentando e alterando dispositivos da Resolução TSE
nº 21.538, de 14 de outubro de 2003, dispôs sobre a inclusão do nome social no cadastro e
atualização do modelo de título eleitoral. E, para arrematar a regulamentação da matéria, foi
editada também a Portaria Conjunta TSE nº 1/2018.

Tais normas apontam que a pessoa travesti ou transexual poderá, por ocasião
do alistamento ou de atualização de seus dados no Cadastro Eleitoral, se registrar com seu
nome social e respectiva identidade de gênero.

In casu, observa-se que no RRC de SAFIRA BENGELL consta a


autodeclaração de gênero como do sexo feminino (petição inicial ID 28116), e, a fortiori, na
cédula de identidade apresentada tanto quanto no título de eleitor já consta o novo nome
civil, equivalente ao nome e gênero socialmente reconhecido (ID 36837).

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Oportuno observar que o prazo concedido para a alteração do título eleitoral para
os transgêneros e travestis que desejassem utilizar o nome social nas correntes eleições foi
extremamente curto, já que a Portaria que regulamentou a inclusão do nome social no cadastro
eleitoral foi publicada em 01º de abril e o prazo último do pedido de inclusão do nome social no
cadastro eleitoral expirou em 09 de maio de 2018 (151 dias antes do pleito, nos termos do art. 91
da Lei nº 9.504/97).

Noutro giro, recorde-se que os direitos políticos de transgêneros e travestis são


compreendidos como a possibilidade de intervenção no processo decisório e, em decorrência, do
exercício de efetivas atribuições inerentes à soberania (direito de voto, igual acesso aos cargos
públicos etc), ou seja, figuram tais direitos como o complemento indispensável às demais
liberdades.
Na esteira do entendimento do TSE sobre o tema, tem-se que, para os fins do art.
10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, devem compor a cota feminina quem se identifica como mulher,
transgênera (incluída a travesti nessa categoria) ou cisgênera, ou como homem, transgênero ou
cisgênero, independentemente de sua orientação sexual, conforme seu autorreconhecimento.

Assim, tratando-se de avanço que efetiva direitos fundamentais de minoria, é caso


de admissão do uso do nome social da candidata, sob pena de impor violência psíquica e vexatória
quanto ao uso de nome pelo qual ela não mais se reconhece e nem é reconhecida em seu meio
social.

Por fim, e valendo-se das palavras do Relator Min. Tarcisio, é "premente a adoção
de políticas públicas e ações afirmativas específicas destinadas a assegurar os direitos
fundamentais dos transgêneros, com o fim de combater a discriminação, bem como reconhecer e
resguardar a identidade de gênero manifestada por esses indivíduos."

Por todos os fundamentos expostos, a PROCURADORIA REGIONAL


ELEITORAL manifesta pelo DEFERIMENTO do presente requerimento de registro de

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candidatura, inclusive exatamente na forma como pleiteada (SAFIRA BRINGEL DE SOUSA /
SAFIRA BENGELL - SEXO FEMININO).

No azo, requer também a Vossa Excelência que determine a retificação ex officio


do cadastro eleitoral da Requerente, para que a indicação do gênero se adeque ao nome
civil.
É o parecer.

Teresina, 02 de setembro de 2018.

PATRÍCIO NOÉ DA FONSECA


Procurador Regional Eleitoral

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