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Autor: Maria de Lourdes Borges Ribeiro

Título: O jongo
Indicação bibliográfica: Cadernos de Folclore, nº 34, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1984.
Localização: Museu do Folclore
Informação sobre a edição: a edição se refere à publicação de um trabalho elaborado (ou
publicado) pela autora em 1960.
Informação sobre o autor:
Data da 1ª edição: 1960 (?)
Periódico

Jongo: Depois de fazer considerações genéricas sobre o aspecto formal dos instrumentos,
da dança e dos pontos a autora afirma que outras formas de jongo. “O jongo de corte ou
jongo carioca é mais movimentado, com mais requintes na coreografia. Formada a roda, um
jongueiro vai ao centro, dançando sozinho, fazendo torções, se requebrando, e escolhe uma
mulher para seu par, mas par solto, um defronte outro; aproximam-se, afastam-se numa
dança ginástica de numerosas figurações. É a forma usual do batuque, roda e dançadores ou
dançador ao centro. A substituição dos pares é que se faz diferente. Quando um dos
jongueiros quer entrar no folguedo, põe a mão nas costas do companheiro, cortando-o, o
que importa tomar-lhe a dama, com quem procura sempre superar em agilidade e
virtuosismo o par antecessor. Igualmente a mulher que quiser dançar corta a que está no
centro da roda e fica em seu lugar. Existe outra variante denominada jongo paulista. A roda
se forma com homens e mulheres. Um par sai dançando, logo seguido de outros, até que
todo mundo tem par e dança. Mas, mesmo sem par, sozinho, e são os negros, as pretas
velhas com suas saias rodadas, negrinhas espevitadas que já rebolam com malícia, mulheres
levando à lharga os filhos que não tem com quem deixar, moleques e molecas que ainda
não sabem tirar ponto,m mas enchem o terreiro com seus passos e saracoteios,
incorporando-se à angoma, para que o jongo continuasse nos pés, nas ancas, nas bocas e
nas almas dos filhos de africanos que vieram perpetuar-se nas terras do Brasil. Essas
variantes são apenas na formação e no desenvolvimento coreográfico; as saudações são
feitas, os desafios travados e os enigmas resolvidos (...)”, conforme as descrições já
conhecidas. A autora nomeia o jongo como “a arte operatória de magia”. (p. 12) “Quem
dança o jongo: o jongo antigamente dança de escravos, passou depois ter como figurantes,
não só pretos, mas brancos, mulatos, caboclos e bugres (esta última denominação abrange
os de ascendência indígena mais pronunciada). Tudo gente do povo, gente humilde, muito
pé no chão, lavradores, operários, biscateiros; de modo geral, todos têm profissão. Como
não se precisa, para dançar o jongo, de grupo organizado, dança quem quer e quem sabe.
Não há economia coletiva. Os instrumentos pertencem a seus donos. Há sempre um
jongueiro que convoca a turma, a quem os de fora devem pedir licença para dançar. Os que
gostam de bebida levam a sua. Em jongo não se deve aceitar nada de ninguém. (...) Quando
a dança é promovida em certas festas, os festeiros oferecem pinga e quentão. Não há
indumentária própria para o jongo, tampouco número determinado de figurantes, mas,
naturalmente, há jongueiros famosos, que sabem muitos pontos e muitos passos. E há muita
gente que vai lá para se divertir e sabe mal a dança. (...) o jongo se realiza nas grandes
festas, via de regra dos oragos religiosos, festas juninas, festa do Divino, festa de Santa
Cruz, no dia 13 de maio e, principalmente, para “pagamento de promessas” de determinada
pessoa ao seu santo de devoção. A área do jongo: Não está bem determinada a área do
jongo no Brasil. Sabe-se dele nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio
de Janeiro.” Baseada em estudos já publicados a autora lista os municípios nos quais já se
havia comprovado a existência do jongo:
São Paulo – Cunha, Caçapava, Ilhabela, Salesópolis, São José dos Campos, Votuporanga,
Caraguatuba, Lorena, Miracatu, Piraçununga, Redenção da Serra, Taubaté, Iguape,
Ubatuba, Pindamonhangaba, Areias, Lagoinha, São José do Barreiro, Bananal, Queluz,
Saveiras, Cachoeira Paulista, Piquete, Guaratinguetá, Aparecida, Jacareí e São Luis do
Paraitinga.

Rio de Janeiro – Resende, Barra Mansa, Volta Redonda, Barra do Piraí, Pinheiral, Arrozal
do Piraí, Piraí, Parati e Angra dos Reis.

Minas Gerais – na região compreendida entre o Carmo da Cachoeira e Passa Quatro.

Espírito Santo – no Litoral Sul. (p. 13)

A partir dessa geografia a autora sugere que a presença do jongo está identificada
com os “primitivos focos de entrada de negros bantos em nosso país, na região centro-sul.”
(p. 14)
“Os terreiros de jongo: o jongo se dança em terreiro e note-se essa denominação,
que serve também para os locais onde se praticam macumba, candomblé e etc. Essa é uma
das indicações do sentido religioso da dança. Faz-se o terreiro nos bairros de periferia e na
zona rural das cidades maiores; nas menores, se bate o jongo dentro do perímetro urbano
também, e, quando programado em festas populares, localiza-se mesmo na praça principal.
Junto ao terreiro do jongo arde uma grande fogueira. Destina-se, de modo especial, à
conservação da sonoridade dos tambores. (...) Com a noite extingue-se o jongo. A claridade
da manhã dissolve a roda. Cessa a magia. A vida recomeça. Como nasceu o jongo: Há
várias estórias de como nasceu o jongo. Vou contar uma que um jongueiro de Cunha em
ensinou e outra que Tavares Rossini de Lima (1954:90) ouviu em Taubaté.
1. Quando Deus feiz o mundo arrestituiu os pessoar. Os santo pra Ele era os pessoar. Pra
vê quar é que queria o divertimento. Aí converso com São Gonçalo o que ele queria, de
cateretê a jongo. Então ele foi e arrequereu a puíta, ingualar e tambor. Ele já tinha dado a
viola que foi co cateretê e depois o jongo, e então Nosso Senhor deu o poder pra ele, pra
tecer o mundo e fazer o que ele pudesse. (p. 14)

2. O Senhor e o Deus Menino andavam perseguidos pelo Diabo. Fugiam apavorados


quando encontraram um grupo de negros dançando o jongo. A convite dos negros eles se
esconderam no meio da roda e por arte dos feiticeiros a roda se fechou de tal modo que o
Diabo passou e não viu os fugitivos. O Senhor e Deus Menino puderam assim prosseguir a
viagem. Antes, porém, abençoaram o jongo, dizendo quem essa dança daí pra frente seria
uma dança sagrada. (p. 14)

Na parte referente aos estudos sobre o jongo há autora afirma serem escassos,
referindo, porém, o estudo de Luciano Gallet como referência indispensável. Gallet colheu
impressões em um jongo realizado em 1927 na Fazenda São José da Boa Vista a no Estado
do Rio de Janeiro. (p. 15) A autora menciona também uma crônica de J Fagundes publicada
em 1906 por ocasião dos cinqüenta anos do Seminário de São Paulo. Na verdade, a autora
comenta esta crônica através da menção que fez a ela Tavares Rossini de Lima (1956) no
que diz respeito ao jongo:
“Na viagem de ida e volta durante a estadia na fazenda da serra, os alunos do Seminário se
divertiam a entoar canções tradicionais e também a dançar o jongo, que na opinião de J
Fagundes, pouco avisado das coisas do nosso folclore afro-brasileiro, era uma expressão
seminarista. Mas, ao descrever a dança, ele não faz outra coisa senão pintar o jongo,
expressão folclórica dos nossos negros, como ainda hoje pode ser visto em sua região
cultural. Escreve um cronista que eles formavam um círculo, ficando um estudante ao
centro. A seguir, cantavam e batiam palmas, enquanto o do centro tinha o direito de se fazer
substituir por um dos da roda e assim sucessivamente. Para se identificar a mencionada
dança ao jongo dos negros, faltariam apenas o tambu e o candongueiro, instrumentos que,
como era natural e compreensível, não possuíam os moços do Seminário. E ignorando tal
significação, J Fagundes faz um elogio ao jongo, dizendo: “Parece duvidoso que a higiene
deva ao fidalgo esporte moderno alguma invenção de exercício que resulta dos superiores
ao desta dança. Pelo menos nessa não se deslocam juntas, nem se requebram pernas ou
cabeças.”
Além dessa descrição, a autora menciona uma outra elaborada pelo viajante Pohl,
em 1817, no roteiro Rio-Juiz de Fora, que ela julga poder ser identificada ao jongo pela
forma do canto e do instrumental:
“Farinha é uma aldeia de negro, de 15 cabanas sem janelas, que só recebem luz pelas
portas. Depois dos esforços deste dia, necessitávamos de repouso completo e de
restaurarmo-nos pelo sono. Disso nos privaram os negros, que vieram, cerca de meia-noite,
com o luar, para se divertirem bebendo. Ademais, era o canto singularíssimo. Constava de
duas palavras que eram repetidas por todo o grupo com a voz cada vez mais forte. O uivo
monótono era interrompido de tempos a tempos pelo não menos dissonante bater de uma
noma (espécie de tambor trazido pelos negros de Angola para o Brasil). É um tronco de
árvore escavado, que se afina para baixo, sobre o qual há uma pele esticada. Esta espécie de
tambor é colocada entre os pés e estes segurada. Bate-se com os punhos sobre essa pele,
que produz um som abafado.” (Pohl, 1951, 1:187.) (p. 16-17)
Embora reconheça que depois de Luciano Gallet foram produzidos alguns registros
e estudos, a autora afirma que nenhum deles enfocou a dança em todos os seus aspectos,
sobretudo em relação ao lirismo dos seus versos, dos seus pontos e a sua relação com as
práticas mágicas. A autora organizou, então, sistematicamente, as obras em que o jongo foi
mencionado: (p.17)
 Rubem Braga (1940:77) registrou a dança assistida por ele no litoral sul do Espírito
Santo, notando que o jongo era somente para os negros;
 Renato Almeida em “História da Música Brasileira” (1942:164) mencionou o jongo
como uma variedade de samba;
 Rossini Tavares de Lima (1946:11) mencionou o jongo ou o bate-caixa de São
Bento do Sapucaí (SP), como uma dança com os mais idosos ao centro tocando os
tambores cantando em diálogo com os instrumentistas;
 Emílio Willems (1947:144) observou o jongo em Cunha (SP) no qual os jongueiros
cantavam pontos em desafio, ouvindo palavras “aparentemente africanas”;
 Alceu Maynard Araújo (1948:26) registrou um jongo em Taubaté (SP), apresentado
pontos, melodias, coreografia e gráficos coreográficos. “Observou melodias mais
agrestes para os mais velhos e mais adocicadas para os mais novos”;
 Angélica de Rezende (1949:20) descreveu a dança em Minas Gerais: o cantador de
pontos era acompanhado por 3 tambores e os jongueiros se dispunham em círculo.
Descreveu a coreografia, citou pontos e suas melodias. Mencionou ainda o jongo de
São Benedito que se dança parado;
 Alceu Amoroso Lima (1949:112) registrou o jongo em São Lourenço (Minas
Gerais), no qual velhos e velhas, principalmente, dançam ao som dos tambores.
Descreve a formação e cita pontos;
 Oneyda Alvarenga (1950:141) reporta-se à descrição de Luciano Gallet. “Considera
o bendenguê, dança do Estado do Rio, e corimá, dança de São Paulo, semelhantes
ao jongo e presume que o caxambu, dança de Minas Gerais, seja mesmo o jongo;
 Renato José Costa Pacheco (1950:15) afirma ser o jongo uma “dança pastoril, com
incidência na zona rural de Guaçuí (ES) afro-brasileira, e semelhante a dos congos.
Nessa região o tambor tem o nome de caxambu e faz parelha com as cuícas. (...)”;
 Alceu Maynard Araújo (1952:31) descreveu o jongo em Cunha (SP), citando o
instrumental, mostrando a coreografia e relacionando o jongo às práticas de magia;
 Renato Almeida (1953:5) menciona o jongo em várias cidades do norte de São
Paulo, citando pontos e melodias;
 Rossini Tavares de Lima (1954:89) ao tirar conclusões do trabalho de campo feito
em vários municípios do norte de São Paulo, considerou que o jongo tem origem em
Angola. Registrou o instrumental, a melodia e os pontos, verificando ainda, que
havia duas formas coreográficas: par solista e vários pares;
 Lavínia Costa Raymond (1954:87) ao registrar o jongo de São Luis do Paraitinga,
anotou pontos e descreveu a coreografia.
A autora, baseada na bibliografia citada, compara a denominação dada à dança em
diferentes regiões, concluindo com base em entrevistas com jongueiros que caxambu, jongo
e catambé são denominações diferentes para uma mesma manifestação cultural. Quanto ao
instrumental, a autora menciona que os instrumentos imprescindíveis ao jongo são:
tambores, puíta e guaiá. Os tambores são dois: um grande (tambu, com o comprimento
variando de 80 cm até 1,5 m e afinando-se na ponta) e um pequeno (candongueiro, com no
máximo 60 cm). Os tambores podem ser, contudo, batizados como outros nomes. Esse
instrumental é tocado por homens, não se tendo conhecimento de alguma mulher que os
tenha tocado. “O tocador bate a noite inteira, acavalado sobre o instrumento e tem o prazer
de não se levantar (...) A puíta é um instrumento membranofone que percute por fricção. È
uma barriquinha pequena, sem fundo, encourada na boca. No seu interior, preso ao centro
do couro, há um pequeno cilindro de madeira ou bambu, que é encerado; friccionado com
um pedaço de pano úmido ou com a própria mão molhada, produz um ronco surdo, motivo
pelo qual é conhecido com o nome de boi ou onça. É a mesma cuíca. Perto do tocador de
puíta, sempre há uma cuida de água para umedecer o pano ou a mão. Guaía, inguaiá ou
angoiá, é um chocalho que pode ser feito de diferentes modos.” (p. 20) “Durante o jongo,
tambu, candongueiro e puíta sempre juntos, na cabeceira da roda, enquanto o guaiá pode
percorrer todo o círculo se assim desejar o tocador.” (p. 21)
A partir também da bibliografia disponível sobre o tema a autora comparou os
diferentes nomes dados em cada localidade aos instrumentos utilizados no jongo,
verificando que eles variam bastante. Quando ao ponto, Maria de Lourdes Borges afirma
que é “tudo quanto o jongueiro diz ou canta no decorrer da dança”, havendo um ponto para
casa situação ou etapa da dança: (há exemplos de cada um desses pontos, a maior parte
deles, contudo, coletados em SP e MG , p.32-48)
Ponto de louvação – no início, para louvação;
Ponto de saudação – para saudar ou “sarava” alguém;
Ponto de visaria ou de bizarria – para alegrar a dança;
Ponto de despedida – para o final do jongo;
Ponto de demanda ou porfia – para desafio;
Ponto de gurumenta ou gromenta – para briga;
Ponto encante – para magia. (p. 23)
“O ponto nem sempre é improvisado, há os que correm mundo e são empregados
em zonas diversas (...)”. A autora também discorre sobre o processo que envolve a
decifração dos pontos e o próprio simbolismo que eles trazem. Assim, menciona que suas
curiosidade acerca do tempo vinha desde menina quando sua avó lhe contava dessa dança
dos escravos. (p.28) Curiosidade que se materializou em pesquisa a partir das informações
de um ex-escravo de 112 anos: “Quando arguem via o ninhô vindo, começava a cantá:

Ei, campo quimô


Ei, campo quimo
Piquira tá curiando,
Piquira tá curiando, ê

A autora esclarece que piquira era um peixe pequeno e que os escravos eram os
“piquira” em atividade. E quando os escravos não avistavam o senhor a tempo de avisar os
companheiros, cantavam:
O cumbí virô, ei, ei, ei
O cumbí virô, ei, ei, ei
Cumbí a, a, a, a, a, a

Cumbi simbolizada a autoridade. Assim, a autora concluiu que os escravos usavam


uma linguagem simbólica que lhes servia como meio de comunicação “completamente
indecifrável”. O que a leva a questionar se a linguagem do jongo não se assemelha a essa
forma de comunicação simbólica e cifrada, mencionando ainda as possíveis relações entre
tal comunicação cifrada e a rica tradição oral angolana, na qual enigmas e adivinhações são
usuais. A autora ressalta, porém, que não é possível afirmar se o jongo já existia em Angola.
(p. 29-30)
No que diz respeito à relação entre macumba, magia e jongo afirma que nele “(...)
intervém um sem número de elementos fetichistas, não só perceptíveis nos textos, como
ainda nos trabalhos que fazem, nas orações fortes ou nos amuletos que carregam, quer com
intuito propiciatório ou defensivo. Não há invocações visíveis a orixás, não há movimentos
frenéticos nem possessões. É uma dança de divertimento, que pode degenerar em briga e
luta se nos pontos de demanda (...) houver coisas que motivem revides e estes provoquem
desordens. O jongueiro dança bebendo, de sorte que é natural que a certas horas da noite a
excitação etílica o domine. Mas não é peleja física como (...) o nosso brinquedo de
capoeira, que também tem preceito, como eles dizem. O jongo é dança primitiva, portanto
processo de magia, por ser um meio de súplica sobrenatural. A terminologia e a estrutura do
jongo têm analogia com processos e práticas fetichistas africanas, às quais se liga
indiscutivelmente. (...)” (p. 49) Enveredando-se por uma análise psicanalítica dos pontos, a
autora conclui que o “jongo vive impregnado de magia, embora hoje já se sintam
fenômenos claros de aculturação e assimilação, como por exemplo no canto, onde as
formas popularescas estão penetrando. Acredito que a função religiosa, exatamente porque
não tem formas rituais, se vá tornando superstição apenas, e, aos poucos, se diluindo para
perdurar como sobrevivência. Que era o jongueiro cumba do passado senão o que dispunha
de poderes sobrenaturais? Para ele, as mais respeitosas homenagens, deferências e saravás
da roda. Se no terreiro aparecem vários cumbas (feiticeiro, era a acepção usual), então, a
“coisa” ficava feia mesmo. Um negro ex-escravo me disse que cumba era o poderoso,
macumba era o terreiro onde os cumbas se reuniam, que macumba era um grupo de
cumbas, Mascumba e jongo...” A autora reproduz várias histórias de magia que
aconteceram em jongos, em São Paulo. (p. 55) e distingue o jongo de roda, o jongo paulista
e o jongo carioca a partir da coreografia (p. 58). Assim, Maria de Lourdes Borges conclui:
“O jongo é uma dança afro-brasileira, de intenção religiosa fetichista. Coreografia de roda,
se de par ao centro, seja de pares em movimento circular. Homens e mulheres
indistintamente. Tipo geral de batuque angolês. Dança-se ao som de dois tambores (...) de
uma puíta ou cuíca. Usam também guaiás. O canto é repetido sobre um texto, em verso
tirado por um dançador e repetido, seja o dístico ou o verso final, pelo coro, em forma
antífona. Esse texto , que se chama ponto, é cantado muitas vezes. Se contém um enigma , é
repetido até quando alguém o desamarre, isto é, decifre o enigma proposto. O ponto
também pode ser uma frase, caso em que é pronunciado em tom discursivo. Os pontos
encerram um sentido simbólico, que dá às palavras uma semântica peculiar aos jongueiros,
de sorte que nela se entendem. Linguagem corrente, raramente termos africanos. Não há
invocações a divindades, nem movimentos contorsivos ou convulsos, mas práticas
fetichistas, feitas porém em segredo, misteriosamente. Estas são comuns, não essenciais,
nem a dança se faz para esse fim. O jongo é uma diversão, porém aproveitada para esses
contatos com a magia, que podem resultar da essência da dança, como acredito, ou serem –
que sabe? –uma assimilação posterior. A tendência do jongo será perder o caráter esotérico
e tornar-se uma dança de simples divertimento.” (p.69)
Fotografias: p. 72-73: 1) “jongueiras”, com uma senhora negra ao centro dançando; 2) “um
jongueiro vai tirar o ponto”; 3) “Jongo do Morro da Serrinha, em Madureira, Rio de
Janeiro.
Região descrita: Lagoinha, Cunha, Aparecida, Guaratinguetá, São José do Barreiro e
Taubaté (SP); Vale do Paraíba (RJ); Minas Gerais. (as observações e entrevistas feitas
nesses lugares basearam o trabalho da autora)
Período da descrição: década de 1970
Informante: fontes: bibliografia
Partituras: p. 60-68
Comentários: a autora faz uma história dos estudos existentes até então sobre o jongo,
sistematizando o argumento de cada um deles; pensa o jongo como misto de diversão e
ocasionalmente lugar para contatos com a magia, sem invocações a orixás, contudo. Há
duas histórias interessantes sobre a origem do jongo, ambas associadas a uma espécie de
escolha divina pelo jongo. Ótimo texto.

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