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TV Excelsior capa.

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Glória in Excelsior

Ascensão, Apogeu e Queda do


Maior Sucesso da Televisão Brasileira

2a edição revista e ampliada

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Glória in Excelsior

Ascensão, Apogeu e Queda do


Maior Sucesso da Televisão Brasileira

2ª edição revista e ampliada

Álvaro de Moya

São Paulo, 2010

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GOVERNO DO ESTADO
DE SÃO PAULO

Governador Alberto Goldman

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo


Diretor-presidente Hubert Alquéres

Coleção Aplauso
Coordenador geral Rubens Ewald Filho

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No Passado Está a História do Futuro

A Imprensa Oficial muito tem contribuído com a sociedade no papel


que lhe cabe: a democratização de conhecimento por meio da leitura.

A Coleção Aplauso, lançada em 2004, é um exemplo bem-sucedido


desse intento. Os temas nela abordados, como biografias de atores,
diretores e dramaturgos, são garantia de que um fragmento da me-
mória cultural do país será preservado. Por meio de conversas infor-
mais com jornalistas, a história dos artistas é transcrita em primeira
pessoa, o que confere grande fluidez ao texto, conquistando mais e
mais leitores.

Assim, muitas dessas figuras que tiveram importância fundamental


para as artes cênicas brasileiras têm sido resgatadas do esquecimento.
Mesmo o nome daqueles que já partiram são frequentemente evo-
cados pela voz de seus companheiros de palco ou de seus biógrafos.
Ou seja, nessas histórias que se cruzam, verdadeiros mitos são redes-
cobertos e imortalizados.

E não só o público tem reconhecido a importância e a qualidade da


Aplauso. Em 2008, a Coleção foi laureada com o mais importante
prêmio da área editorial do Brasil: o Jabuti. Concedido pela Câmara
Brasileira do Livro (CBL), a edição especial sobre Raul Cortez ganhou
na categoria biografia.

Mas o que começou modestamente tomou vulto e novos temas passa-


ram a integrar a Coleção ao longo desses anos. Hoje, a Aplauso inclui
inúmeros outros temas correlatos como a história das pioneiras TVs
brasileiras, companhias de dança, roteiros de filmes, peças de teatro
e uma parte dedicada à música, com biografias de compositores, can-
tores, maestros, etc.

Para o final deste ano de 2010, está previsto o lançamento de 80 títu-


los, que se juntarão aos 220 já lançados até aqui. Destes, a maioria foi
disponibilizada em acervo digital que pode ser acessado pela internet
gratuitamente. Sem dúvida, essa ação constitui grande passo para
difusão da nossa cultura entre estudantes, pesquisadores e leitores
simplesmente interessados nas histórias.

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Com tudo isso, a Coleção Aplauso passa a fazer parte ela própria de
uma história na qual personagens ficcionais se misturam à daqueles
que os criaram, e que por sua vez compõe algumas páginas de outra
muito maior: a história do Brasil.

Boa leitura.

Alberto Goldman
Governador do Estado de São Paulo

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Coleção Aplauso
O que lembro, tenho.
Guimarães Rosa

A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa a resgatar a


memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores
que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão.
Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural
para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem
sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros
sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos
de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se re-
constitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite
reconstruir sua trajetória.

A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém


o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como
se o biografado falasse diretamente ao leitor.

Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultra-


passam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que
também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se
colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual
e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira.

São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram


os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do
pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasa-
ram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância
para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema
e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as
com suas particularidades.

Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, re-


velando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse
em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens.

São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente


aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido
o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão.
Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a
importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados
o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e
as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema,
a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens.

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Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e
merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer
o percurso cultural de seu país.

À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalis-


tas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e con-
tar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos
e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade
consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, ce-
nas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e
todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam
e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram.

É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado


com os leitores de todo o Brasil.

Hubert Alquéres
Diretor-presidente
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

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Álvaro de Moya e Sidney Pike

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Introdução Introduction

Sendo um pioneiro da televisão, As a television pioneer who


que começou a atuar como pro- began as a producer-director in
dutor diretor em 1950 para uma 1950 for a local Boston televi-
estação de televisão local em sion station (WHDH-TV) I had
Boston (WHDH-TV), eu não tinha no interest in international
o menor interesse em televisão television or even national tele-
internacional ou mesmo em redes vision in the U.S. I produced
nacionais nos EUA. Eu produzi e and directed baseball and
dirigi baseball e outros esportes, other sports, wrote children
escrevi programas infantis, e vivia shows, and lived in a local black
num mundo de TV local em preto and white TV world. Before
e branco. Antes de começar minha my career in TV I left Clark
carreira na televisão, deixei a University after my second year
Clark University depois de meu se- when I was told I would have
gundo ano, quando descobri que to learn two languages in order 11

teria que aprender dois idiomas to graduate. As a 20 year old


para conseguir me graduar. Aos I was sure I would never leave
20 anos de idade, eu estava certo the U.S. in order to work; and
de que nunca teria que deixar as a veteran who served in
os EUA para trabalhar, e sendo World War II I saw no need to
veterano da II Guerra Mundial, waste time studying French or
não via nenhuma necessidade de German.
perder tempo estudando francês
ou alemão. As I began my television ca-
reer which spanned 48 years
Quando comecei minha carreira na I had no ties with the world
televisão, no decurso de 48 anos, outside the U.S. except one.
não tinha nenhum elo com o mun- As a child I remembered my
do além dos EUA, exceto um. Lem- father’s concern for his sister,
brava-me de que, quando criança, Flora who had immigrated to
meu pai se preocupava muito com Brazil in 1926 when he had im-
sua irmã Flora, que emigrara para migrated to the United States

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o Brasil em 1926, quando nós from Lithuania. I somehow
viemos para os EUA, da Lituânia. felt it was my responsibility
De alguma maneira, eu me senti to maintain contact with the
responsável por manter contato Brazil side of the family when
com o lado brasileiro da família he became incapacitated.
quando meu pai ficou impossibi- The “pin prick” came when
lizado de fazê-lo. A impaciência I learned that Flora’s oldest
da curiosidade começou quando daughter had married a Bra-
soube que a filha mais velha de zilian, Alvaro de Moya, with
Flora havia casado com um brasi- a similar television position to
leiro, Álvaro de Moya, que tinha mine at TV Excelsior.
uma posição similar à minha em
televisão, na TV Excelsior. By 1958 Alvaro and I started
communicating on ways to
Em 1958, Alvaro e eu começamos utilize our twin positions at the
a nos comunicar, de tal modo que 2 TV stations. By coincidence
utilizamos nossas posições simila- my TV station was fighting
12 res nas duas estações de TV. Por to retain its license because
coincidência, minha estação de of a lunch in which the pub-
TV estava lutando para manter lisher of the newspaper, the
sua licença, por causa de uma Boston Herald Traveler, that
pendência entre o editor do jornal owned WHDH-TV had with the
Boston Herald Traveler, que era o chairman of the FCC (Federal
dono da WHDH-TV, e o presidente Communications Commission)
da Comissão Federal de Comuni- just before it was awarded its
cações. Minha sugestão, muito license. My suggestion that
bem recebida pela diretoria da WHDH-TV start a television
estação, foi de que o intercâmbio dialogue with TV Excelsior as
entre a WHDH-TV e a TV Excelsior a way of demonstrating that a
poderia demonstrar que estações local TV station like WHDH-TV
locais de TV como a nossa tin ham could help the U.S. govern-
condições de ajudar o governo ment improve its relations with
americano a melhorar suas rela- Brazil was well received by its
ções com o Brasil. management.

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Em 1961 visitei o Brasil e progra- In 1961 I visited Brazil and
mei com Álvaro de Moya a troca made arrangements with Al-
de programas de TV e acertei uma varo to exchange TV programs
série de documentários (o Modo and committed to developing a
de Vida Americano), que mostras- documentary series (American
sem as atividades diárias de minha Way of Life) that included the
família. Em 1963, retornei ao Brasil daily activities of my family. In
e, junto com Alvaro, visitei 12 cida- 1963 I returned to Brazil and Al-
des para apresentar a série às TVs varo and I visited 12 (?) cities to
locais. Uma situação pitoresca de introduce the series on local TV.
que me lembro aconteceu quando One incident I remember was
nosso voo da Varig estava para when our Varig airplane was
pousar em Fortaleza: eu olhei pela preparing to land in Fortaleza.
janela e disse “Veja, veja Álvaro, “Look, look Alvaro at all the
a quantidade de pessoas que people that have come out to
veio nos receber no aeroporto”. welcome us.” There are crowds
Havia uma multidão de pessoas on the roof of the airport.” “It’s
na cobertura do aeroporto. “É Sunday afternoon and families 13
domingo à tarde, e as pessoas vêm visit the airport to watch the
ao aeroporto para ver os aviões planes land” Alvaro replied to
pousando”, respondeu Álvaro, burst my balloon.
baixando a minha bola.
This series of documentaries
Esta série de documentários foi for Brazil was converted into
traduzida para o japonês para a Japanese for USIA and for this
USIA e, por este projeto, eu recebi I received a personal letter of
uma carta pessoal de agradeci- thanks from Edward R. Mur-
mento de Edward R. Murrow, row, the most revered Ameri-
um dos maiores jornalistas ame- can broadcasting journalist,
ricanos, na época dirigindo o then head of USIA. This project
USIA. Este projeto brasileiro com with Brazil and TV Excelsior was
a TV Excelsior foi minha primeira my first foray into the Interna-
iniciativa na área de TV Inter- tional TV world. My second
nacional. O segundo aconteceu was in 1967 when I worked on a
em 1967, quando desenvolvi um project for the ABC network in

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projeto para a rede ABC em Nova New York that was attempting
York, que estava tentando repetir to duplicate the highly success-
o sucesso de O Mundo dos Espor- ful Wide World of Sports with a
tes (Wide World of Sports), num new concept called Wide World
novo conceito chamado O Mundo of Entertainment.
do Entretenimento.
The research on this project did
A pesquisa para este projeto not show that the same results
mostrou que não se alcançaria o as Wide World of Sports was
mesmo sucesso do Mundo dos Es- possible and the projects was
portes, e ele foi abandonado. De abando-ned. Nevertheless, I
qualquer forma, eu acredito, ainda believe, even now, that an
hoje, que uma organização de TV aggressive international televi-
de conduta mais agressiva, como sion organization like Turner
a Turner Broadcasting, poderia Broadcasting once was could
ter transformado este projeto em make this concept successful
sucesso usando uma rede de sa- using satellites to produce the
14 télites, para criar a primeira rede first live international enter-
internacional de entretenimento tainment project.
ao vivo.
Brazil’s TV Globo, once con-
A Rede Globo brasileira chegou a sidered its own international
considerar a criação de sua própria 24 hour news, as did NHK in
rede internacional de notícias 24 Japan and because of lan-
horas, assim como a NHK japone- guage difficulties both decid-
sa, mas a barreira da língua, em ed to terminate the project.
ambos os casos, determinou o fim Entertainment needs no lan-
dos projetos. Entretenimento, no guage and any introductions
entanto, não precisa de tradução could use sub-titles or other
e uma simples legenda, ou coisa means of description to the
parecida, na abertura dos progra- television audience. Certainly
mas, poderia cativar a audiência. TV Globo could develop this
Certamente, a TV Globo poderia project particularly with the
desenvolver este projeto, princi- preponderance of entertain-
palmente com a preponderância ment in Brazil. To bad Alvaro

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do entretimento brasileiro. Pena and I are retired—we could
que Álvaro e eu estamos aposenta- co-produce. But then, who
dos – nós poderíamos coproduzir. knows, even Pele came out of
Mas, afinal, até Pelé se aposentou. retirement.

Depois de 1963, com nosso projeto After 1963 and our TV EXCEL-
TV Excelsior – WHDH TV, voltei à SIOR -WHDH-TV project I went
TV local e, em seguida, me mudei back to local television and
para Atlanta, para dirigir a WQXI- moved to Atlanta to manage
TV, em 1968. Em 1971, associei-me WQXI-TV in 1968. In 1971 I
a Ted Turner como diretor de sua joined Ted Turner as Station
WTCG-TV, em UHF. Manager of his UHF WTCG-TV.

Acabei de escrever um livro cha- I have just finished writing


mado Nós Mudamos o Mundo (We a book WE CHANGED THE
Changed The World) descrevendo WORLD which describes my 25
meus 25 anos de trabalho para years working for this man but
este homem, mas para esclarecer for purposes of this introduc- 15
nesta introdução, devo dizer que tion I would tell you that my
meu próximo projeto em TV inter- next journey in international
nacional aconteceu quando a CNN television came about after
já existia há cerca de 4 anos. CNN had been on for 4 years.

A CNN iniciou em 1º de junho de It had begun June 1, 1980 with


1980, com a intenção de impulsio- the intent of helping cable
nar o crescimento dos sistemas de systems grow throughout the
cabo com o auxílio dos EUA. Suas U.S. It’s 24 hours of news was
24 horas de notícias eram popula- popular and its publicity was
res e conhecidas mundialmente, world renown, but financially
mas financeiramente apresentava it was struggling. Cable audi-
dificuldades. A audiência via cabo ences in those days were lim-
na época era restrita a apenas uma ited and only a fraction of the
parcela das redes. networks.

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Os custos de captação de notícias The cost finding news and de-
e envio a Atlanta numa escala de livering it to Atlanta on a 24
24 horas eram enormes, mesmo hour scale was enormous even
com a contratação de jornalistas though journalists were hired
recém-formados a baixos salários, right out of school at low sala-
para atuarem com profissionais ries to work with experienced
mais experientes. professionals.

Turner fez um esforço de distri- Turner made an effort in 1982


buição global da CNN em 1982, to deliver CNN globally and af-
mas depois de dois anos desistiu ter 2 years gave up the project
do projeto sem ter firmado um as impractical when no agree-
acordo concreto. Como a TBS se ments were made in that entire
tornara na época a Superstation, period. Since TBS was now a
cobrindo todos os EUA e o Hemis- Superstation covering the U.S.
fério Norte, o ex-presidente da and the Northern Hemisphere
CBS assumiu minha posição e me and no longer just an Atlanta
16 tornei responsável pela compra de TV station the former President
filmes e programas, assim como of CBS took over my position as
pela produção de programas da station manger and I was now
TBS a partir da Califórnia. purchasing film and programs
as well as producing programs
Turner convenceu-se de que não for TBS from California.
havia interesse na CNN fora dos
EUA, e talvez do Canadá, depois Turner was convinced that
de dois anos de esforços inúteis, e there was no interest in CNN
me pediu para ver o que era possí- outside of the U.S. and possibly
vel fazer para despertar o interesse Canada after the failed effort
na CNN fora dessa região. Viajei of 2 years and asked me to see
em janeiro de 1984 ao Pacífico what I could do with develop-
Sul e retornei com contratos para ing CNN interest outside of
o Japão e para a Austrália, num the U.S. I left in January 1984
total de US$ 2,5 milhões. for a tour of the Pacific Rim

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Como a CNN estava então US$ 1 and came back with contracts
milhão por mês, e havia até boa- from Japan and Australia that
tos de falência rondando a Turner totaled 2 1/2 million dollars.
Broadcasting, aquela soma não
era de todo insignificante, princi- Since CNN was then losing a
palmente porque indicava intersse million a month and there were
externo na CNN. even overtones of bankruptcy of
Turner Broadcasting this was not
Porque consegui despertar o in- an insignificant sum, particularly
teresse na CNN e meu antecessor, since it signaled and interest in
não? A resposta é porque eu não CNN outside of the U.S.
estava mergulhado na mentali-
dade de “cabo”, como estavam Why was I successful and my
aqueles que conceituaram a CNN. predecessor unable to generate
Eu era, na época, um profissional interest in CNN? The answer is
de TV com 35 anos de experiência, that I was not grounded in the
incluindo meu projeto desenvol- new cable mentality as were
vido com Alvaro de Moya e a TV those who built the CNN con- 17
Excelsior, no Brasil. Apresentei a cept. I was a TV broadcaster
CNN a todas as emissoras de TV with 35 years of experience at
do mundo, assim como às poucas that time, which included my
concessionárias de cabo existentes work in Brazil with Alvaro De
então. Trabalhei com os progra- Moya and TV Excelsior. I pre-
madores e com os responsáveis sented CNN to the television
por notícias das emissoras, mos- broadcasters of the world and
trando-lhes como a CNN poderia only to the few cable systems
ser utilizada para divulgar suas that existed. I worked with the
próprias notícias locais. Foi assim management and television
que criei a CNN Internacional, news staffs to show how CNN
atuando mundialmente. could be utilized in their own
local news. This is how I built
CNN INTERNATIONAL globally.

Sidney Pike Sidney Pike

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Gloria in Excelsis Deo (Glória a Deus no céu)

Portanto, nada mais justo que Glória in Excelsior

18

Este livro é dedicado a todos que


tiveram o privilégio de trabalhar
na Televisão Excelsior,
e a todos que tiveram o privilégio
de assistir à Televisão Excelsior.

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Jules Dassin

P.F.Gastal, crítico de cinema da Revista do Globo (quando era da Livraria


Bertaso, em Porto Alegre), citou o diretor de cinema norte-americano,
Jules Dassin, que tinha realizado dois importantes filmes no começo
de sua carreira: Brutalidade (Brute Force) e Cidade Nua (Naked City).
Este virou até série de TV.

A pergunta era por que ele se preocupava em colocar conteúdo social


em seus filmes – no macarthismo, Dassin foi exilado na Europa, perse-
guido por ser membro do Partido Comunista Americano – e a resposta
dele foi sobre um marcante episódio de sua infância.

No bairro judeu do Bronx, em New York, ele e um grupo de meninos


corriam pelas ruas, olhando para o céu, onde um avião escrevia com
fumaça. Correndo e olhando para cima, sem olhar onde pisava, tro-
peçou num velho judeu de barbas brancas, sentado numa cadeira na 21
calçada. Foi recolhido pelo velhinho, que lhe perguntou por que corria
tanto. O menino Jew-lees, esbaforido e ofegante, apontou para cima.
E o velho judeu de barbas brancas, sem olhar para o alto, respondeu:
“Que o homem tenha aprendido a escrever no céu é maravilhoso, meu
filho... mas, olhe o que ele está escrevendo: Coca-Cola!”

No outro extremo, H.G.Wells respondeu a Charles Chaplin – que tam-


bém foi banido dos States: “Não há filme ruim. Só as imagens que se
movem já é maravilhoso”.

Essas duas frases podem se aplicar à maravilha que é a televisão colo-


rida e sonora, transmitindo notícias, esportes, música, teatro, cinema,
balé, circo, cultura e arte, cobrindo instantaneamente todo o mundo,
esta aldeia. E continua escrevendo Coca-Cola...

Álvaro de Moya

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O Mundo em 1960

• Olimpíadas em Roma.Os soviéticos reafirmam supremacia de


1956, com 43 medalhas de ouro, ante 34 dos EUA.
• Em Cabo Canaveral, no dia 11 de março, é lançado o Pioneer
V, em perseguição aos russos que detinham a primazia da conquista
do espaço, desde o Sputnik. No ano seguinte, Gagarin seria o primeiro
homem no espaço, e não Flash Gordon.
• O norte-americano Ken Olsen constrói o primeiro computador
PDP. Também nos States, começam os jogos de computador, graças ao
joystick.
• Um espião norte-americano com seu avião U-2, cai no reduto
comunista da União Soviética. Kruschev não vai a Paris se encontrar com
o presidente americano Eisenhower. Este, boicota o açúcar de Cuba de
Fidel Castro. Francis Gary, piloto do U-2 é condenado em Moscou a 10
anos de prisão.
• No boxe, Floyd Patterson bate Ingemar Johansen e é campeão
mundial de pesos pesados. 23

• Frank Sinatra é solicitado por um ex-contrabandista de uísque


a conseguir apoio da Máfia para seu filho, senador candidato à Presi-
dência. É Joe Kennedy. Aos 9 de novembro, é confirmada a vitória de
John Fitzgerald Kennedy, para a Casa Branca, em Washington.
• Em 1960, diversos países da África negra conquistam a inde-
pendência.
• Os Estados Unidos mandam tropas militares ao Vietnã, onde
serão derrotados na guerra, nove anos depois, pela primeira vez em
sua história.
• A França explode sua primeira bomba atômica.
• And the winner is... Se Meu Apartamento Falasse (The Apart-
ment) de Billy Wilder que ganha o Oscar também como diretor e autor
da história. Burt Lancaster (Entre Deus e o Pecado) e Liz Taylor (Disque
Butterfield 8), ganham a estatueta de atores. A canção Never on Sun-
day, do filme grego do exilado político diretor americano Jules Dassin,
Nunca aos Domingos com Melina Mercouri ganha e invade o mundo.
O curta de animação antibélico Munro, de Jules Feiffer bate Disney.

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• E Ingmar Bergman leva o único Oscar internacional com A Fonte
da Donzela (Jung Frukallen).
• Outros filmes de Hollywood neste ano: O Álamo de John Way-
ne, Psicose de Alfred Hitchcock, O Vento Será Tua Herança de Stanley
Kramer, Êxodus de Otto Preminger, Spartacus de Stanley Kubrick, A
Máquina do Tempo de George Pal. John Cassavetes estreia na produção
nova-iorquina Shadows.
• Morrem Gary Cooper e Stan Laurel (O Magro).
• Federico Fellini (1920-1993), ganha Cannes com A Doce Vida.
Em Veneza, André Cayatte vence com A Passagem do Reno.
• Andy Warhol (1929-1987) pinta o detetive dos quadrinhos Dick
Tracy, na estreia da Pop Art. Em New York, claro.
• No mundo do cinema. Em Cuba, Tomás Gutierrez Alea inicia
sua carreira com Cantos da Revolução, codirigido por Garcia Ascott.
Na Espanha, surge o italiano Marco Ferreri com El Cochecito e Carlos
Saura com Los Golfos. Na França, temos o poeta Jean Cocteau com O
Testamento de Orfeu, Jean Rouch com o “cinéma vérité” em Eu Sou
24 Um Negro, François Truffaut dirige Não Atire no Pianista e Jean-Luc
Godard estabelece a Nouvelle Vague com Acossado. Na Índia, Satyajit
Ray dirige O Mundo de Apu. Na Itália, além de Fellini em La Dolce Vita,
Michelangelo Antonioni revoluciona com A Aventura, Gillo Pontecor-
vo faz Kapó, Roberto Rossellini com Era Noite em Roma. Florestano
Vancini em A Longa Noite de 1943 e Luchino Visconti com a belíssima
obra-prima Rocco e Seus Irmãos. No Japão, Masaki Kobayashi realiza o
épico Caminho da Eternidade e Mikio Naruse filma Uma Mulher Sobe
a Escada. Buñuel, exilado no México, lança A Adolescente (coinciden-
temente com A Fonte da Donzela de Bergman, um estupro de uma
menor). Na Polônia, Aleksander Ford na superprodução Os Cavaleiros
Teutônicos e Andrej Munk, com Jeito Para Vender. Na Checoslováquia,
Jiri Weiss dirige Romeu e Julieta nas Trevas. Na União Soviética, Kala-
tazov, A Carta Que Nunca Foi Enviada e Pyriev, As Noites Brancas do
romance de Fiodor Dostoievsky. Ufa!
• No Chile, 5.700 morrem num terremoto e no Marrocos, 12.000
mortos num terremoto que quase destrói a cidade de Agadir.
• O prêmio Nobel de literatura vai para o francês St. John Perse
(Alexis St.-Léger Léger). O Pulitzer de literatura para Allen Drury por

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Advise and Consent. O Pulitzer de teatro: Fiorello!; poesia, William
Snodgrass; música, Elliot Carter para seu Quarteto. Os críticos premia-
ram All the Way Home do escritor de TV Tad Mosel e A Taste of Honey
de Shelagh Delaney.
• O Nobel da Paz foi parar na África do Sul, Albert Luthal. O No-
bel de Física, Donald A. Glazer pela invenção da “câmara de bolha”,
para estudar partículas subatômicas. Em Química, Willard F. Libby,
pelo relógio atômico, a fim de medir a idade dos objetos, mesurando
sua radioatividade. Na Medicina, Sir Macfarlane Burnet e Peter Brian
Medawar pela descoberta da tolerância da imunidade adquirida.
• O desenho animado Os Flinstones inicia sua carreira vitoriosa
nas TVs do mundo, empobrecendo a animação. Hanna e Barbera lan-
çam, nos anos 1960, outros sucessos: O Manda-Chuva, Johnny Quest,
Magilla Gorilla, Road Runner, Scooby-Doo, Os Jetsons e a Pantera Cor
de Rosa, além de Tom & Jerry.
• Em 1960, o longa-metragem Scent of Mystery foi o primeiro
e único a exalar odores no cinema, num processo intitulado Smell-O-
Vision. 25

• Aldeia dos Amaldiçoados (Village of the Damned), filme inglês


de Wolf Rilla, virou cult em ficção científica no cinema. Um dos primei-
ros sobre crianças más, no gênero.
• Talvez a frase mais famosa da Sétima Arte, em 1960, tenha sido
proferida por Anthony Perkins em Psicose: “We all go a little mad, so-
metimes” (Todos nós ficamos um pouquinho loucos, às vezes). Minutos
antes de esfaquear Janet Leigh no chuveiro.
• Uma das trilhas de maior sucesso no cinema é de 1960: Sete
Homens e Um Destino (The Magnificent Seven), de Elmer Bernstein.
• O filme inglês Oscar Wilde, com Robert Morley não recebeu o
certificado de censura nos Estados Unidos, nesse ano.
• Pierre Boulez compõe Dobra Segundo Dobra, inspirado no
poeta Mallarmé.
• Surge o primeiro satélite meteorológico que acompanha gran-
des massas de ar, com 2 câmeras de televisão.
• Peyo lança Les Schtroumpfs (Os Smurfs), na revista de Paris,
Spirou; vai para TV e conquista o mundo.

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• Dentre os falsificadores de arte, como o húngaro Elmyr De Hory,
em 1960, Alfred Fioravanti declarou à direção do N.Y. Metropolitan
Museum, que ele era um dos 6 homens que tinham criado, cinquenta
anos atrás, uma estátua de dois metros, de um guerreiro etrusco, que
teria sido escavado em 1918, como uma raridade supostamente enter-
rada desde os tempos pré-romanos.
• Morre Albert Camus, autor de A Peste e O Estrangeiro, prêmio
Nobel de literatura em 1957.

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O Brasil em 1960

• Brasília é inaugurada pelo presidente Juscelino Kubitschek


(1902-1976) no dia 21 de abril. O Grupo Simonsen – futuro proprietá-
rio da rede Excelsior – representante da Marconi inglesa, transmite a
pioneira rede Brasília – Belo Horizonte – Rio – São Paulo, para o pool
de emissoras de TV existentes.
• Brasília, no dia de sua inauguração, lança o Canal 6 TV Brasília
das Associadas e o Canal 8 TV Alvorada da Record. Programação local,
ao vivo, preto e branco.
• A TV Cultura Canal 2, de São Paulo, ainda não cultural, da Rede
Associadas, é inaugurada. O Canal 3 TV Tupi passa para o Canal 4.
• No dia 16 de junho, TV Jornal do Commercio, de Recife, é a
primeira estação do país com estúdios especialmente construídos para
televisão.
• Chacrinha começa sua Discoteca no Canal 13 TV Rio.
• A TV Tupi de São Paulo grava o primeiro teleteatro com o novo
equipamento de vídeoteipe: Hamlet de Shakespeare, com Lima Duarte, 27

adaptado e dirigido por Dionísio Azevedo, em 48 horas de trabalho


ininterrupto.
• A Ibrape fabrica os primeiros receptores de TV transistorizados.
• Estima-se que, em 1960, existiam 600 mil aparelhos de TV no
Brasil. Eram os tempos dos televizinhos...
• São Paulo tinha 162 cinemas (36 no centro), 44.800 espectadores
na capital e 56.423 no interior.
• O censo deste ano revelou 70.191.370 habitantes no país.
• O Instituto Nacional do Cinema (INC) foi criado a fim de defen-
der o mercado para os produtores brasileiros.
• Os cinemas de arte começam em São Paulo com Apolo, Bijou
(1962) e Coral (1958). No Rio, o Alvorada (ainda era obrigatório o uso
de gravata na entrada).
• Jânio Quadros (1917-1993) é eleito Presidente da República,
toma posse 31 de janeiro de 1961 e renuncia, alegando forças ocultas,
aos 25 de agosto do mesmo ano, depois de muitos bilhetinhos, proibir
brigas de galo e biquínis.

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• Santos F.C. de Pelé & Cia. é campeão paulista, iniciando o tri
de 60/61/62. No mesmo ano, venceu o Torneio de Paris e o Troféu
Giallorosso, na Itália.
• Dois anos depois, no Chile o Brasil seria bicampeão mundial
de futebol. Com transmissão em pool das emissoras de TV, filmado
em 16 mm P&B, no dia seguinte.
• No dia 25 de fevereiro, no Rio, um avião da Marinha dos EUA
fazendo performance na visita do presidente Eisenhower (1890-1969),
colide com avião brasileiro, matando 61 passageiros.
• Trigueirinho Neto filma in loco, Bahia de Todos os Santos,
abrindo caminho para Anselmo Duarte ganhar a Palma de Ouro em
Cannes, sendo o único cineasta latino-americano a realizar esse feito
com O Pagador de Promessas. Segue-se a carreira de Glauber Rocha e
todo o ciclo do cinema baiano até o cinema novo.
• Carlos Coimbra dirige A Morte Comanda o Cangaço (Enrico
Simonetti grava a trilha sonora no auditório da TV Excelsior e é trans-
28 mitido ao vivo o making of do fundo musical da produção). No Rio,
Nelson Pereira dos Santos realiza Mandacaru Vermelho, de Jorge
Amado. Lima Barreto, depois do sucesso de O Cangaceiro, premiado
em Veneza, consegue realizar seu segundo – e menor – filme A Primei-
ra Missa. Carlos Manga dirige Cacareco Vem Aí (Duas Histórias), Dois
Ladrões e Quanto Mais Samba Melhor.
• Maurício de Sousa enriquece sua galeria de personagens com
o Cebolinha, antes da Mônica.
• Carlos Lacerda (1917-1997) é eleito governador do recém--
criado Estado da Guanabara, quando o Rio deixa de ser o Distrito
Federal.
• Nos anos 1960, surgem novos dramaturgos, Antonio Callado,
Osman Lins, Jorge de Andrade (este escreve em 1960 A Escada e Os
Ossos do Barão).
• A fusão da Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite
resulta na Folha de S. Paulo.
• A Editora Abril lança Quatro Rodas.
• Em 1960, São Paulo tinha 3.781.446 habitantes.

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• Em São Paulo aconteceu a I Convenção da Crítica Cinemato-
gráfica, com a presença, entre outros, de Paulo Emílio Salles Gomes,
Orlando Senna, Plínio Aguiar, Paulo Perdigão e Cacá Diegues.
• Rubens Gershman é artista plástico da vanguarda dos anos 1960.
• Em Paris Seghers publica, em tradução de Jean-George Rueff,
Reette de Femme et Autres Poèmes, de Vinicius de Morais (1913-1980).
• E a Editora do Livro Estrangeiro, em Moscou, lança Os Canga-
ceiros de José Lins do Rego (1901-12.09.1957).
• 3 de Dezembro, a TV Record organiza no Guarujá, o I Festival
da Música, trazido por Tito Fleury (casado com Cacilda Becker) do Fes-
tival de San Remo. Mas foi transmitido somente pelas rádios Record e
Panamericana.
• Em maio, João Gilberto canta no Club Paulistano.
• Em abril inaugura-se a Boite Cave de Jordão Magalhães e Álvaro
Meninão Assumpção.
• A indústria automobilística produz 133,078 veículos, sendo
37.843 automóveis. 29
• Fogo Frio de Benedito Ruy Barbosa, no Teatro de Arena, re-
sultado de seminário com Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieiri,
Walter George Dusrt, Álvaro de Moya, Roberto Santos, Flávio Migliaccio
e outros.
• João Sebastião Bar na Rua Major Sertório. Música brasileira de
alta qualidade e início dos torpedos.
• Outubro de 1960, a revista Pererê, de Ziraldo, na Editora O
Cruzeiro, das Associadas.
• No dia 14 de junho, o trem pagador é assaltado. Vai virar um
grande filme de Roberto Farias.
• Em 1960, surgem os “chemisiers”, na moda feminina.
• Em1959/60, Joaquim Pedro e Paulo Cesar Sarraceni realizariam
Couro de Gato e Arraial do Cabo e a seguir, embarcariam com Gustavo
Dahl para a Europa. Glauber Rocha retorna à Bahia e no Rio ficariam
Leon Hirzman, Miguel Borges e Marcos Farias.
• O Teatro de Arena encena o espetáculo musicado Revolução
na América do Sul.

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• Wallace Simonsen foi presidente do Santos F.C. Ele introduziu
o minuto de silêncio no futebol.
• Em 1960, ao completar 16 anos, já tendo participado do Clube
do Guri, da Rádio Farroupilha, Elis Regina (1945-1982), assina o primeiro
contrato profissional com a rádio Gaúcha.
• É inaugurado no dia 2 de outubro, com 75 mil pagantes, na
partida Sporting de Portugal x São Paulo F. C., o Estádio do Morumbi,
do São Paulo Futebol Clube, o maior do mundo, propriedade particular
de um clube. Nesta partida, o jogador Peixinho fez um gol de peixinho.
• Em 19 de novembro de 1960, pela Portaria Ministerial 756,
Viracopos foi elevado à categoria de Aeroporto Internacional e homo-
logado para aeronaves a jato puro.
• Havia, em 1960, quinze emissoras de TV no Brasil.

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No Princípio Era...

Tudo começou com Getúlio Vargas, ditador de 1930 até 1945, e que
em 1950, se elegeu pelas urnas, democraticamente, Presidente da
República. Iniciou um processo de tirar a primazia das oligarquias que
comandavam os jornais, revistas, rádios e TVs. Samuel Wainer iniciou a
rede de jornais Última Hora, em 1951. E Vitor Costa, em 1954, depois de
uma carreira vitoriosa na Rádio Nacional do Rio, onde começou como
contrarregra, adquiriu a Rádio Mayrink Veiga na então Capital Federal.
Começou a Organização Vitor Costa comprando a Rádio Nacional de
S.Paulo, a TV Paulista canal 5 e a Rádio Excelsior. Esta tinha a concessão
da futura TV Excelsior.

O exportador de café José Luís Moura queria ter uma televisão na sua
cidade, Santos. Associou-se a Vitor Costa. Adquiriu um material usado
DuMont, no México. Segundo os técnicos, sucata. Moura criou a Re-
bratel, uma firma fabricante de equipamentos para televisão, com es- 31

critório em São Paulo, na Rua Cardeal Arcoverde, entre dois cemitérios.

Quando o presidente Juscelino Kubitschek foi participar de um almoço


no então chiquérrimo Parque Balneário de Santos, Moura preparou
uma recepção e transmissão com as câmeras da TV Excelsior. Pouco
antes, iniciara uma precária transmissão experimental. Pediu a Vitor
Costa elementos da OVC para prepararem o terreno na Baixada San-
tista. Vitor ofereceu o grande radialista Rebelo Júnior, o homem do
goooooool inconfundível, que fazia parte da cúpula diretiva, com
Dario de Almeida, Raul Guastini e outros, e formou uma pequena equi-
pe. Entre os quais, escolheu Álvaro de Moya para ficar alguns dias no
Hotel Atlântico, com a família. Moura tinha como amigo e conselheiro,
um advogado jornalista que tinha uma coluna política n’A Tribuna de
Santos, Saulo Ramos.

Eu descia para Santos com o Rebelo, dirigindo um Chevrolet, apavo-


rado. Ele sofria de uma doença do sono que o fazia, por frações de

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segundos, adormentar. Estava falando, e eu de olho. De repente, o
charuto pendia de sua boca, eu esticava a mão e segurava o volante,
nas curvas da Via Anchieta. Rebelo acordava e continuava a falar a
mesma frase que interrompera. E me dava uma bronca, por tirar a
mão da direção. Não tinha a menor noção dos momentos de soneca.
Churchill era assim também.

José Luís Moura era um homem de negócios, um empresário bem-


-sucedido e achava que Vitor Costa tinha os mesmos defeitos dos
homens que vieram do rádio e dirigiam televisão. Pensava algo mais
profissional, menos amadorístico, mais empresarial. Pensava em filmes.
Enlatados, como nós, profissionais da época lutando contra a produção
hollywoodiana classe D, dublada em português.

Desde Rin-Tin-Tin e Papai Sabe Tudo, esses enlatados ocupavam espaço


nos dez programas mais vistos da televisão brasileira.

32 O jornalista João de Scantimburgo, proprietário do centenário peri-


ódico Correio Paulistano – que ficava como uma bela coincidência,
na Rua Líbero Badaró, homenagem ao jornalista assassinado por
sua luta pela liberdade de expressão – aproximou Moura de outro
empresário do café: Mario Wallace Simonsen. João de Scantimburgo
ficou como presidente.

Mário também era exportador de café, também tinha uma empresa fa-
bricante de equipamentos de TV, além de um aparelho receptor de TV,
All Aces. Era representante da Marconi inglesa e tinha feito a primeira
rede ao transmitir a inauguração da nova capital no dia 21 de abril de
1960 Brasília/Belo Horizonte/Rio/S. Paulo. Moura sabia que Mário era
um gigante na área. Tinha cerca de cinquenta empresas sediadas em
Zurique, na Suíça, a Wasim, Comal no Brasil. Era o homem que conhecia
o mercado internacional como a palma da mão. E socorria o governo
brasileiro, sempre inepto para cuidar do principal produto, até então,
de exportação do Brasil, o café. Simonsen comprou a parte de Vitor
Costa na TV Excelsior. Ele também pensava em rede.

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Queria ser a AT&T do Brasil, antevendo a Embratel, beneficiando todas
emissoras a formarem redes nacionais. A unificação do Brasil, ele era
um nacionalista convicto, querendo romper o nosso atraso.

Havia uma campanha contra ele em diversos setores. E havia muitas


lendas. Ou verdades. Comprou um quarteirão em Lisboa, uma partida
de azeitonas gregas num porto europeu, uma rede de mercados na
Alemanha, etc. Mas era verdade que, com seu senso de modernizar o
nosso país, lançou a rede Peg-Pag, o primeiro supermercado nacional,
com dois endereços: um na Consolação, esquina com a Paulista e outro
na Gabriel Monteiro da Silva. Hoje, esses mercados estão com o Pão
de Açúcar.

Coerente com sua conduta honesta em relação ao regime democrático,


Simonsen resolveu apoiar Juscelino, usando a TV Excelsior para eleger o
candidato da situação, marechal Teixeira Lott, um democrata convicto.
Lott, mesmo antes de ser ministro da Guerra de Juscelino, impedira as
tentativas de golpes, que pululavam nos tempos da UDN. 33

Mas José Luís Moura era janista fanático e queria a Excelsior apoiando
a candidatura de Jânio Quadros. Os dois não chegaram a um acordo
de manter a nova TV simplesmente num momento de escolha demo-
crática. Moura ofereceu uma quantia para Simonsen e deu prazo para
o dia seguinte até meio dia para uma decisão. Mário, antes do meio
dia, comprou a parte de Moura pelo preço acertado.

A equipe escolhida por Moura estava trabalhando firme. Era o Saulo


Ramos como diretor comercial (depois, ministro da Justiça), o enge-
nheiro Carlos Paiva Lopes como diretor técnico (depois, presidente da
Ericsson e da Embratel) e o Armando Piovesan como administrador (de-
pois diretor da Ceasa). Pedimos demissão coletiva. Moura nos garantiu
que Simonsen estava satisfeito com nossos planos e Saulo passou a ter
contato direto com Simonsen. Saulo Ramos, dada sua capacidade, foi
convidado por Jânio para ser seu oficial de gabinete, em Brasília. Eu
assumi, interinamente a direção comercial.

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E Saulo reatou Jânio e Simonsen. Nos planos da Excelsior, pela primeira
vez, as vendas eram do departamento comercial, a administração prepa-
rava as condições e o técnico armava a qualidade da transmissão. Mas
todos ficamos de acordo que, quando a TV estivesse no ar, a ligação
da programação com o público telespectador era da direção artística
e este diretor tinha total liberdade de ação quando da transmissão.
Saulo também foi pioneiro na ideia de dividir parte do percentual do
departamento comercial entre nós quatro diretores, cabendo a cada um
0,7% do faturamento bruto. Esse esquema inovador abriu caminho para
Roberto Montoro, Walter Clark, Boni e, posteriormente, Joe Wallach
fazer uma proposta vencedora para Roberto Marinho e estabelecer o
sucesso da Rede Globo.

Ainda sob a direção de Moura, este tinha concordado em deixar a ideia


de filmes e fazer uma televisão nacionalista, como Simonsen. Eu mudei
rapidamente os planos. Tinha convencido Moura, quando duma visita
34 sua ao governador de S. Paulo, Carvalho Pinto (janista, então), que
deveríamos inaugurar a Excelsior no dia 9 de julho, pois era preciso
marcar que um novo canal iria surgir no dial, o Nove. Ele voltou todo
entusiasmado, dizendo que o governador colocara a inauguração na
festividade oficial, com sua presença no show de estreia.

Assim, pude precipitar o início da nova TV. Dia 9 de julho, no Teatro


Paulo Eiró, uma inauguração tumultuada, exatamente como eu achava
que a televisão não deveria ser. O show, dirigido por Abelardo Figuei-
redo era ótimo; seu assistente, o Manoel Carlos era excelente; mas as
condições do teatro eram insuficientes para tal encenação ambiciosa.
O irmão de Mario, Luis, tinha uma loja espetacular, em frente ao tea-
tro, era representante da Ford, e ofereceu o local para os escritórios e
estúdios. Só que não tinha infraestrutura nenhuma. O Manoel Carlos e
o Jayme Barcelos, que eu tinha convencido a deixar seu talento de ator
por uns tempos, e trabalhar com Saulo no setor de vendas, foram ao
Teatro Cultura Artística e conseguiram o local, com alguns pequenos
problemas.

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Ruth Escobar encenava Mãe Coragem, de Bertolt Brecht no grande
auditório e oferecemos uma compensação exagerada para ela encer-
rar a temporada. Não ia faturar aquilo nem em um ano. Mas foi bom
para todas as partes.

Convenci Moura que este era o local ideal e esperamos Jardel Filho e
Maria Fernanda terminarem sua temporada no pequeno auditório,
para transformá-lo num estúdio, usando o de cima como auditório
da TV. Os concertos programados pela Sociedade de Cultura Artística
foram mantidos e salvamos a entidade de uma situação difícil, pré-
-falimentar, pois não conseguiam pagar a dívida com a Caixa Econômica,
pela despesa de construção do teatro na Rua Nestor Pestana.

Tornei a mudar os planos da programação, a fim de utilizar esse


belo auditório. O dia 9 tinha sido um fracasso, no meu gosto pessoal,
programei para o dia 31, o último domingo do mês, para confirmar
a iniciação da Excelsior no mês de julho. Então, deu-se à luz. Sempre 35
gostei de números e o título do show seria Brasil 60. Mal sabia que ia
caracterizar uma década. Seria um programa nacionalista: só música
brasileira. Abelardo objetou que não havia condições de, todos os do-
mingos, só música brasileira por uma hora. Nada disso, respondi. Uma
hora e meia, das 20h30 às 22h. Impossível. Mesmo misturando com
esses emergentes, a tal de bossa nova? Impossível.

Manoel Carlos sugeriu que ligássemos a música popular brasileira com


o cinema, o teatro, a literatura (sua eterna paixão) e até o futebol.
Entrevistas, humor, variedades, além da música. Maneco assumiu a
produção, eu sugeri alguém inteligente e culta para apresentar: Bibi
Ferreira, que estava no Rio num show, recém-chegada de Portugal.

Um emissário foi convidá-la e ela aceitou, pensando que era apenas


uma apresentação. O primeiro programa, bolado pelo Manoel Carlos,
com minha direção de TV (switcher), com Grande Otelo, Mazzaropi,
Roberto Freire, Caetano Zamma trouxe também Oscarito.

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Quando o astro das chanchadas da Atlântida entrou no palco, diante
do auditório lotado com um público mais de teatro (convidados pelo
Maneco), do que auditório de TV, ele fez sinais que estava afônico e
não poderia dar entrevista. Então, pediu um violino para um músico,
uma cadeira, sentou-se, segurou o arco com os dentes numa ponta,
a outra ponta entre os joelhos, pegou o violino nas mãos e tocou O
Tico-Tico no Fubá!

Brasil 60 ficou tão bom que eu saí correndo pelos corredores do tea-
tro e deveria estar com uma expressão tão feliz que Maria Fernanda,
que tinha terminado seu espetáculo no pequeno auditório, me viu e,
feliz também, embora não tivesse participado da TV, me beijou! Um
beijo de partilha de felicidade, como só os grandes artistas do teatro
vivenciam este momento magno de uma vida.

Decidimos, então, que Brasil 60 seria para sempre. Eu e o advogado do


grupo Simonsen, José Carlos Rao, sobrinho do famoso jurista Vicente
36 Rao, fomos ao Rio, no Teatro Serrador, contratar Bibi em pleno show.
Ela nos esperaria após o espetáculo para acertar o contrato. Nós che-
gamos atrasados e a eterna diva brilhava no pequeno palco. Terminou
sob aplausos e fomos para os bastidores. Ela soube tratar muito bem
de seus interesses e acertou um bom contrato.

Voltamos para a mesa e... Surpresa! Todo mundo se mandara. Nossa


mesa estava à nossa espera, todos os garçons perfilados, a orquestra
tocando música. Envergonhados, engolimos dois bocados e pedimos
a conta. Era cinematográfico. Era o Rio antigo.

Manoel Carlos passou a ser meu assistente, com o sonoplasta da TV


Paulista (quando fizemos diversos teledramas juntos) Vicente Dias
Vieira, que era meu primeiro auxiliar. O Brasil 60, que seria Brasil 61
no ano seguinte, 62... passou a ser a cara da TV Excelsior.

Walter George Durst continuava contratado pela TV Tupi e fazia o ex-


cepcional TV de Vanguarda, o melhor programa da televisão brasileira

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e ponto de partida da linguagem nacional, ou do jeitinho nosso de
fazer televisão. Eu tinha supervisionado, produzido (além de adaptar
e dirigir um por mês), o Teledrama 3 Leões na TV Paulista, canal 5,
criado pelo grande Dermival Costalima a fim de concorrer com o tea-
tro da Tupi. Mas eu e Durst, meu mestre, imitávamos a linguagem dos
grandes escritores e diretores de Hollywood. E buscávamos aproveitar
esses ensinamentos de Hitchcock, Billy Wilder, Orson Welles, Stanley
Kubrick, John Huston, William Wyler, para tentar uma teledramatur-
gia brasileira. Durst tinha feito, entre outros espetáculos, o excepcio-
nal Calunga, de Jorge de Lima e eu Clara dos Anjos, de Lima Barreto e
O Cortiço, de Aluizio de Azevedo.

Na Excelsior, imaginei então o Teatro Nove, às segundas-feiras só com


textos nacionais. Gianfrancesco Guarnieri, Roberto Freire, Jorge de
Andrade, Chico de Assis, Vianninha, Walter Negrão e outros autores
escreviam especialmente para o veículo dirigido por Flavio Rangel e
Adhemar Guerra, com Natalia Timberg, Cleyde Yáconis, Rosamaria
Murtinho como atores fixos, e Stênio Garcia, Fúlvio Stefanini, Armando 37
Bogus, Irina Grecco, Juca de Oliveira, Bentinho, Geraldo Del Rey, Elisio
de Albuquerque, Riva Nimitz, Henrique Cesar e outros, convidados.
A produção e direção de TV era eu que fazia e depois passei para
Roberto Palmari produzir e Reinaldo Boury no switcher. O sucesso foi
tão grande que Saulo Ramos vendeu outro programa do gênero, com
peças internacionais, o Teleteatro Brastemp, produzido por Bibi Ferreira
e dirigido por Antunes Filho, aos sábados.

Esse processo de teleteatro, antes da invasão das telenovelas, atingiria


seu auge com o Teatro 63, de Walter George Durst, Túlio de Lemos e
Roberto Palmari. Eu já não estava mais na Excelsior.

Quando a TV Excelsior completou um ano, o faturamento estava co-


brindo as despesas, graças ao sistema que eu tinha visto na TV norte-
-americana e a qualidade dos elementos do departamento comercial,
o ambiente interno de coleguismo. No dia seguinte, o homem forte
de Simonsen na TV, Paulo Uchoa de Oliveira nos chamou para uma
reunião. Pensamos que era para nos congratular.

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Tínhamos ganho três prêmios Roquete Pinto da TV Record, Bibi Fer-
reira, Manoel Carlos e Simonetti. Doce ilusão. Era para nos apresentar
mais um diretor. Outro que ficaria entre nós e a cúpula: Lair de Castro
Coti, ex-diretor da McCann-Erickson. Ficamos umas araras. O Armando
Piovesan era quem mais sofria nas mãos do Paulo Uchoa, pois precisava
despachar todo dia com ele. Me avisava: o Paulo mandou despedir,
de novo, a Liba Frydman, eu consertava. Depois, o Orpheu Paraventi
Gregori. Corri para a sala do diretor e expliquei que o trabalho dele era
com o Cinema em Casa, às 23 horas e ficava de madrugada preparando
os filmes do dia seguinte.

Se quisesse, passaria de madrugada e veria a luz da sala de cinema


acesa. Eu sabia que Paulo jamais viria. Ok. Nova chance. Avisava o
Orpheu do perigo e advertia para chegar mais cedo. Até hoje, com
seu jeito de nobre fracassado, Orpheu não acredita. E pensa que ele
vinha mais cedo? Só se fosse para pedir um cigarro, en passant, para
o porteiro. Este, estava certo que o Orpheu era o dono da TV, e não o
38 Wallinho, que era tímido.

Para exemplificar o ambiente interno da TV Excelsior, vamos à folia!


Todas as noites, uma turma saía pelos restaurantes do Bexiga, começan-
do pelo Giggeto, ali em frente. E quase morríamos de rir. Jô Soares,
Juca Chaves, Agostinho dos Santos, Roberto Palmari, Carlos Paiva Lopes,
Jaime Barcelos, mas o Manoel Carlos era o mais engraçado de todos.

Às vezes, estava na minha sala, numa reunião importante com gente


de fora e entrava um boy interno, visivelmente ensaiado cuidadosa-
mente pelo Maneco: “Seu Moya, Seu Manoel Carlos mandou avisar
que (caprichava) o Sr. Luigi Pirandello está na sala dele, esperando
pelo senhor.” Os presentes se levantavam, solícitos, alegando que eu
tinha outros compromissos. Era um amigo tipo Lelio Castro Andrade,
da Livraria Francisco Alves, que editara Eu Sou Pelé, escrito pelo Bene-
dito Ruy Barbosa. Íamos tomar sorvete na esquina, fazendo algazarra.
Um pedestre nos encontra e pergunta se somos aí da televisão. Queria
fazer uma sugestão para o Cinema em Casa. É comigo mesmo.

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O homem trabalhava todos os dias e assistia no seu dia de folga da
semana o filme do dia e notou que estávamos repetindo muito a na-
cionalidade naquele dia e que parecia ter terminado o estoque, por
enquanto. Por que não mudar a data? Passa filme italiano noutro dia
e norte-americano naquele. Ótima sugestão. Mudei a programação
do Cinema em Casa.

Dia de festa no Brasil 60, Edson Lopes, o cantor afro-brasileiro, vai


interpretar um número de ópera e trouxe um smoking. Depois do
ensaio no domingo, com o tuxedo no cabide, pergunta para Manoel
Carlos onde pode passar a roupa. Maneco indica minha sala, depois a
do setor de cinema e o insta a pedir para o nobre fracassado Orpheu
passar a roupa. O cantor recebe um sabão. Volta. Reclama com Manoel
Carlos que aquele é um dos diretores. Maneco, matreiro: “Mas você
ofereceu uma gorjeta?” O cantor volta com o smoking e uma nota de
dez na mão...

Como o Paulo Uchoa de Oliveira humilhava muito o Armando Piovesan, 39

entrei na sala, antes do diretor chegar e troquei as identificações do


intercomunicador. O diretor chega, aperta o botão correspondente e
chama o Armando Piovesan. Pausa. Uma voz inquire: “Dr. Paulo? Aqui
é o Arlindo Partiti no videotape.” Dr. Paulo olha o intercomunicador e
chama Armando pelo telefone. E manda consertar o intercomunicador...

Wallinho Simonsen chega da Europa, todo entusiasmado com Il Gatto-


pardo de Visconti, e nos reunimos na sala do Dr. Paulo. Pergunto se ele
quer comer algo, mando buscar no Clube Escandinavo, em frente, uns
sanduíches. Enquanto não chegam, montamos uma mesa de pingue-
pongue na mesa de reunião da diretoria.

Chegam os sandubas, comilança. Wallinho vai para o Banco Noroeste


eu não deixo limpar a sala. Paulo Uchoa de Oliveira chega e vê a mesa
montada com redes e raquetes, restos de sanduíches e migalhas. Cha-
ma o Armando e pergunta quem fez isso. O filho do dono. (E trate de
engolir seco).

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Tassilo Marischka, parente dos produtores austríacos da série de Sissi
com Romy Schneider, era o representante no Brasil da King Features
Syndicate Television, de William Randolph Hearst.

Recebeu desenhos novos do Popeye. Proponho para o José Alcântara


Machado o patrocínio da Ovomaltine, no lugar do espinafre. Ele acha
ótimo e manda a autorização. Dr. Paulo me chama e manda desfazer o
negócio, alegando que o Zé tinha prometido essa verba para os inter-
valos comerciais, com lucro líquido para a TV. Não adianta argumentar
que sábado, fim de tarde, meia hora assim vai alavancar a programação
noturna. Ligo para a Alcântara Machado Publicidade. “Zé, você sabe
como é o Paulo Xuca-Xuca. Manda a outra autorização, mesma verba
para intervalos.” Levo a nova autorizacão, Dr. Paulo aprova, eu a jogo
no lixo, compro o Popeye e ponho no ar. Sabia que ele nunca veria a
programação dos sábados.

Esse comportamento, legado dos grandes de Hollywood que, apesar dos


40 estúdios, conseguiam fazer obras-primas. Tanto que a Caça às Bruxas
chegou à Meca do Cinema e encanou dez, e fez uma lista negra para
escritores, diretores, atores, que marcou para sempre o cinema. Nós
achávamos que poderíamos agir da mesma forma. E eu quase entrei
bem. No caso do Sartre.

O Manoel Carlos tinha dois amigos o Bento Prado Jr. e Roberto Schwarcz,
ambos eram anfitriões e tinham convidado Jean Paul Sartre e Simone
de Beauvoir para virem ao Brasil e ofereceram uma entrevista na TV.
Eu era fã dos dois. OK. Sartre fala para Jorge Amado que vai dar uma
entrevista na televisão brasileira. O escritor brasileiro o dissuade, Sartre
exige as perguntas, acha que são boas e decide dar a entrevista. E eu
quase fui despedido.

Quando o Walter Avancini era líder sindical conseguiu, pela primeira


vez na história do rádio e TV, uma greve geral.Fiquei na corda bamba.
Era a favor da greve, mas era também diretor. Meus amigos comunistas
me pediam para tomar cuidado. Pouco antes da greve, a Excelsior tinha
dado aumento para os funcionários.

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Não havia clima, dentro da nossa TV para adesão. O ambiente aqui era
tão bom que a equipe se achava diferente da maneira como tinham
sido tratados noutras estações de TV e rádio.

Dr. Paulo reunia-se no Convênio – uma sigla ilegal e imoral em que os


donos das rádios e TVs bloqueavam aumentos e evitavam que artistas
saíssem de um canal para outro. Havia um teto que impedia o progresso
profissional e artístico do meio. Edson Leite dinamitou isso. Mas, na
época da greve geral, era um impasse. O que fazer? Aproveitei-me da
ingenuidade do Dr. Paulo e disse a ele que seria injusto para com os
donos das outras TVs, justo a Excelsior ficar no ar. Se ela ficasse sozinha,
todos os telespectadores sintonizariam a nossa emissora prejudicando
as deles. Pensei, como diretor, que seria uma boa dar uma lição nos
patrões roubando a audiência, pelo menos durante a greve. Mas mi-
nha convicção que a parede deveria vencer, conforme meus princípios,
falou mais alto.

Matreiramente, convenci o Dr. Paulo de que, em solidariedade aos 41


colegas, ele, num gesto nobre, tirasse a Excelsior do ar. Edmundo Mon-
teiro, Dario de Almeida, Paulo Machado de Carvalho tiraram o chapéu
para o nobre colega e agradeceram o beau geste.

Eu, aproveitei o convite de um anunciante e fui passar uns dias de férias


em Campos de Jordão, hóspede do prefeito.

Álvaro de Moya

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A Notícia na Hora Certa

A hora certa foi um parto. Tinha visto nos Estados Unidos, no network,
que os segundos eram decisivos para uma rede brasileira. Minha argu-
mentação era que um jornal ou uma revista não poderia deixar uma
página em branco. Pois as TVs daquela época não entendiam que atra-
sar a programação era jogar segundos fora, perdendo faturamento. Os
programas deveriam entrar no horário preciso e sair antes do programa
anterior (as exceções seriam o Brasil 60 e o Cinema em Casa, que não
tinham hora para terminar).

Mas, qual era a hora certa no nosso país de Macunaíma? Digo, os segun-
dos. Carlito Maia gozava: diga assim, são mais ou menos, isto é, hora
certa para tomar um traguinho! Procurei o mestre dos jingles Gilberto
Martins. Perguntei a ele como fazia na Rádio Relógio que dirigira no
Rio de Janeiro, que era a rádio da hora certa.

Ele tinha um acordo com a Marinha que dava todas as manhãs o ho-
43
rário exato. Um técnico da Excelsior recomendou que acessássemos
uma rádio de Washington e teríamos uma hora de diferença. Para
uma pretendida televisão nacionalista isso era impensável. Finalmen-
te, consegui um contato com o Departamento de Física da USP, que
tinha os ponteiros ligados ao relógio atômico na Inglaterra. Todo dia,
o Nardini “Boné”, ligava para a Universidade e acertava o início com
a precisão dos segundos. E foi introduzido o conceito de 5, 4, 3, 2, 1,
Zero, na televisão brasileira.

O Tele-Notícias balizava o horário certo. O título do telejornal foi dado


pelo meu assistente Vicente Dias Vieira que implicava com o termo papel
de jornal num noticiário televisivo. As imagens eram de Paulo Salomão.
Sempre numa emissora em primeiro lugar o telejornalismo também
aparece com índice Era assim na Tupi, é hoje na Rede Globo e foi assim
na Excelsior quando Edson Leite brindou o topo para a rede Excelsior,
tanto quando Calil Filho e Oliveira Neto apresentavam, quanto nos
belos tempos do Fernando Barbosa Sobrinho.

Álvaro de Moya

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Cinema em Casa

Em 1958, quando eu estagiei na CBS Television, de New York, à noite


assitia ao Late Show, que passava um filme de longa-metragem no final
da programação. Naqueles tempos, Hollywood temia a concorrência da
TV e permitiu a venda de sua produção apenas anterior a 1947. Dessa
forma, pude ver grandes filmes das décadas de trinta e quarenta até
o pós-guerra.

Quando planifiquei a TV Excelsior, em 1959, não esqueci meu amor pela


sétima arte. Cuidei de encerrar a programação também com um longa.
O diretor financeiro da Excelsior, Armando Piovesan (futuro diretor
do Ceasa), recomendou-me a distribuidora de 16 mm Polifilmes. Fui à
esquina da São João com a Ipiranga e a firma estava de mudança para
a Rua do Triunfo, e o dono, Helio Gonçalves Teixeira estava se associan-
do com Roberto Paulo Dimbério. Contatei a Art Filmes, França Filmes,
Paris Filmes e outras independentes. As companhias norte-americanas
se recusaram a fornecer filmes. Disse que o azar era deles, pois a nova 45

televisão iria divulgar os astros europeus que, desde o fim da guerra,


conquistavam mais público. Inclusive, eu assistira a E Deus Criou a Mu-
lher dublado em inglês em Times Square e com legendas, som original
num cinema menor. Brigitte Bardot era o grande sucesso sexual nos
States, igualando Marilyn Monroe, que conheci em Nova York.

No período experimental, colocava filmes documentários cedidos pelos


consulados mas o dono José Luís Moura achou chato e eu disse que
já tinha muitos longas comprados. Ele aceitou colocá-los no ar. Eram
filmes populares tipo Pão, Amor e Fantasia. E – surpresa! – a TV Excel-
sior, ainda não oficialmente no ar começou a dar índices de audiência,
por volta de 5%...

O Cinema em Casa entrou no ar, portanto, antes de sua fórmula de en-


cerrar o dia. Começou às 22h30 e depois foi para as 23h. O distribuidor
tradicional de 16 mm do Rio, Correa Souza, amigo do Hélio, autorizou
o uso do nome que tinha registrado.

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Cyro Del Nero fez o design do título, depois Chick Fowle, da Lynx Film
registrou as luzes da então gloriosa cinelândia paulista e abria com as
marquises sendo acesas e, no final do programa, as luzes se apagavam.

Depois de certo tempo, notei que estava sendo vítima da falsa concor-
rência entre as distribuidoras que me chantageavam e aumentavam
o preço do aluguel dos filmes. Tomei uma medida drástica, depois de
consultar o Armando Piovesan. Centralizei as entregas todas na Poli-
filmes com um preço fixo mensal, deixando a barganha entre eles na
esperta Rua do Triunfo.

Escolhia pessoalmente os filmes, dentro do meu gosto pessoa,l e era


uma espécie de cinema de arte, como posteriormente eu faria no cine
Marachá-Augusta, nos anos 70. Mandava para a imprensa – tal como o
Rubens Ewald Filho viria a fazer – o título do filme, o título original, o
diretor, o elenco, o tema, a nacionalidade, o valor histórico ou artístico
e mesmo curiosidades.
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Como destacar, num filme francês que prestassem atenção a dois figu-
rantes que vigiavam uma casa e eram antes do estrelato, Alain Delon
e Jean-Paul Belmondo. Ou que Rita Cansino nos letreiros era o nome
anterior de Rita Hayworth. Que a tal de Sofia Lazzaretto, figurante
de peitos grandes, nariz adunco e queixo pequeno seria Sophia Loren,
senhora Carlo Ponti, produtor do filme em cartaz.

As revistas especializadas em TV e os jornais ignoravam solenemente


minha divulgação, publicando tão somente o título do filme em por-
tuguês. E mais nada. Eu, porém, não desanimava e continuava meu
desejo de ser crítico de cinema aumentando minha carga horária de
trabalho na TV.

Então exibimos A Moça Com a Valise, de Valério Zurlini com Claudia


Cardinali, Divórcio à Italiana de Pietro Germi, com Marcello Mastroian-
ni, de Germi também A Cidade Se Defende e A Presidenta (curiosamente
a estrela deste filme, Silvana Pampanini viria a se casar com o presidente

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do México), O Fascista de Luciano Salce, com Ugo Tognazzi, As Amigas
de Michelangelo Antonioni, com Eleonora Rossi Drago, de Antonioni
também Os Vencidos e Crimes da Alma, O Assassino de Élio Petri com
Mastroianni, O Bandido Giuliano de Francesco Rosi, De Crápula a Herói
de Roberto Rosselini com Vittorio De Sica, de Rosselini, também Paisá,
Alemanha Ano Zero, Francisco, Arauto de Deus, Viagem á Italia (com
Ingrid Bergman). Com a atriz, Ingrid Bergman, seu filme realizado na
Suécia, A Mulher Que Vendeu a Alma de Gustav Mollander, antes da
ida vitoriosa para Hollywood. A Besta Humana de Jean Renoir, Entre
a Mulher e o Diabo de René Clair, Fan Fan la Tulipe, Orfeu de Jean
Cocteau. O primeiro filme codirigido por Federico Fellini (apoiado por
Alberto Lattuada), Mulheres e Luzes, com Giulietta Masina, Passado
Que Condena, de Lattuada, A Insatisfeita, de Mario Soldati, do romance
de Alberto Moravia, OK Nero, com a figurante Brigitte Bardot, Arroz
Amargo de Giuseppe De Sanctis com a exuberante Silvana Mangano
(posteriormente mulher de Dino De Laurentiis, produtor da fita),
Umberto D de Vittorio De Sica, dele também Recordações de Amor e 47
Siuscia / Vítimas da Tormenta, Filomena, Qual É o Meu? com o autor
Edoardo De Filippo.

Aos domingos, emendando com o musical nacionalista Brasil 60, pro-


duzido por Manoel Carlos e apresentado por Bibi Ferreira, passava
um longa brasileiro. O Grande Momento de Roberto Santos, com
Gianfrancesco Guarnieri, O Preço da Vitória, de Osvaldo Sampaio com
o selecionado brasileiro da Copa de 1958, na Suécia, Rio, Zona Norte,
de Nelson Perreira dos Santos com Grande Otelo, Uma Aventura aos
Quarenta, incursão única de Silveira Sampaio no cinema, Um Caçula do
Barulho com a dupla Grande Otelo-Oscarito e Anselmo Duarte, Cara
de Fogo de Galileu Garcia com Milton Ribeiro, baseado em conto de
Afonso Schmidt, a versão cinematográfica do sucesso do rádio e TV,
Balança Mas Não Cai com Paulo Gracindo, Brandão Filho e Marlene,
outro sucesso do rádio: Obrigado, Doutor de Moacir Fenelon com Ro-
dolfo Mayer, Mar Sem Fim de Jorge Amado, dirigido por Graça Mello
e Marcos Margulies, com Caetano Gherardi e outros.

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Filmes americanos, de companhias que tinham falido ou não exis-
tiam mais, como Eagle Lion e outras, permitiam a presença de Holly-
wood num dia fixo da semana. O primeiro filme estrelado por Marlon
Brando: Espíritos Indômitos de Fred Zinnemann, No Tempo das Dili-
gências western de John Ford com John Wayne. E Wayne em começo
de carreira em Trunfos na Mesa contracenando com Alan Ladd.

Scarface de Howard Hawks-Howard Hughes com Paul Muni, Pandora,


de Albert Lewin, com Ava Gardner, Procurado Vivo ou Morto de Alfred
E. Green com Joel Mac Crea, Espelho d’Alma de Robert Siodmak com
Olivia de Havilland em papel duplo, Brutalidade de Jules Dassin, com
Burt Lancaster, de Dassin, também o clássico que virou série de TV,
Cidade Nua, O Segredo da Porta Fechada de Fritz Lang com Michael
Redgrave, Homem da Floresta de Henry Hathaway com Buster Crabbe
e Randolph Scott, Cassidy Destrói o Truste de Lesley Selander, com
William Boyd como Hopalong Cassidy, Carícia Fatal do escritor John
48 Steinbeck dirigido por Lewis Milestone, com Burgess Meredith, Betty
Field, À Sombra da Guilhotina de Anthony Mann, O Máscara de Ferro
de James Whale (diretor do clássico Frankenstein).

Passamos a primeira versão de Infâmia, de Lilian Hellman dirigido


por William Wyler, dele também Fogo de Outono, baseado no livro
Dodsworth de Sinclair Lewis. E Porto de New York de Laslo Beneder,
com Yul Brynner ainda com cabelo... Nova Orleans de Arthur Lubin
com Louis Armstrong, Woody Herman e a única aparição no cinema de
Billie Holiday, e o musical clássico Carnegie Hall de Edgar G. Ulmer, cujo
produtor Boris Moros foi para a cadeia como espião soviético confesso.

Exibimos até um “burlesco”, Folias de Hollywood com strip-teases, e


nomes falsos como Lotus Wing, Arleene Dupre e, Patricia Dorsay e Hilary
Dan... A censura paulista assistia previamente aos filmes e proibia uma
grande parte deles, pois eram filmes europeus, mais liberais que os de
Hollywood. Quando Jânio Quadros assumiu a Presidência, em Brasília,
retirou a censura dos Estados, tornando-a nacional.

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Os censores locais ficaram furiosos, temendo perder o emprego. Apro-
veitei a deixa e convenci o nosso algoz a dar uma lição em Brasília,
mostrando que tudo ficou acéfalo. Ele achou ótimo. Tirei da gaveta, mo-
difiquei a programação, que era feita 45 dias antes e passei Desfolhando
a Margarida, em que Brigitte Bardot fazia um strip-tease humorístico e,
para os padrões atuais, muito colegial e Você o Veneno, em que Mari-
na Vlady aparecia nua da cintura para cima, num carro e ainda Milene
Demongeot saindo nua do mar... Logo, a censura reassumiu seu posto e
ninguém foi demitido, apenas os censores de São Paulo passaram para
a esfera federal. E eu desovando a liberdade de expressão.

O amigo Helios Alvarez, finalmente, me ofereceu um pacote de filmes


da Columbia que estava para ter seus certificados de censura por ter-
minar. Vinguei-me das companhias norte-americanas, mandando ele
entrar em contato com o Helio da Poli, que era quem acertava o preço
das fitas. De Hollywood para a Boca do Lixo! Graças a isso, pude exibir
Endereço Desconhecido e Ladies of the Chorus com Adele Jergens no 49
papel principal e como segunda estrela, Marilyn Monroe.

Naquele tempo, antes do presidente Castelo Branco obrigar os filmes


na TV serem dublados, os longas eram exibidos com som original e
legendas. Às sextas-feiras, das 17h30 até as 18h00, era o programa
Cinelândia que exibia os trailers dos filmes que estariam em cartaz
nos cinemas no fim de semana. E tinha uma hora da saudade: fita em
série, que passava os antigos seriados das matinês de domingo, sempre
estrelados por Larry Buster Crabbe: Flash Gordon, Buck Rogers, Red
Barry, normalmente doze capítulos, um por semana.

Como a linha da TV Excelsior era nacionalista, acertei com o diretor


comercial Saulo Ramos (depois ministro da Justiça), que corrigiria o
horário da televisão – quando um programa terminava antes da hora
– exibindo, gratuitamente, o trailer de um filme brasileiro em cartaz
nos cinemas. Certa feita, recebo um telefonema do Osvaldo Massaini
dizendo que tinha um trailer ótimo para eu usar na TV.

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Agradeço e desligo. Logo, toca o telefone de novo e o mesmo Massaini
agradece o que eu tenho feito pelo cinema brasileiro, que deveriam
colocar meu busto numa praça pública, etc. Estranhei. Dias depois,
meu amigo Anselmo Duarte me conta a versão dos bastidores. Estava
ao lado do grande produtor nacional quando este, com arrogância,
mandou um trailer para a TV.

Anselmo passou um sabão nele. Tinha mesmo é que agradecer. Des-


tacou que a minha posição de prestigiar o cinema nacional, sem co-
brar nada, como um ato corajoso, pois neste meio da Boca do Lixo,
poderiam pensar que o diretor da televisão estava levando dinheiro
por fora e não por idealismo. Daí o telefonema seguinte de Massaini,
todo salamaleques.

Tivemos a triste notícia que Gary Cooper estava com câncer terminal
num hospital nos States. Pedi ao Helio uma cópia de Adorável Vagabun-
50 do, e guardei no estoque. No que o telenotícias registrou o falecimento
desse astro popular, mostrou a famosa cena dele no alto do Empire
State e anunciou que, nessa noite, excepcionalmente, a programação
do Cinema em Casa seria alterada e, numa homenagem póstuma o
filme de Frank Capra estaria em cartaz.

Quando eu já não estava mais na TV Excelsior, e o Orpheu Paraventi


Gregori cuidava do Cinema em Casa como a menina dos seus olhos,
inclusive aparecendo como apresentador, dando importância ao filme,
o Helio da Poli sempre falava que eu tinha descoberto a grade horizon-
tal. Ele me provou isso quando o Edson Leite pelo telefone cancelou a
exibição domingueira do Cinema em Casa.

O Helio voou para a Rua Nestor Pestana e disse que retirava todo o
fornecimento dos filmes. Ou passava todos os dias ou em nenhum.
Edson atendia um pedido do Walter Stuart para ter um programa aos
domingos à noite. Ele tinha contratado tanta gente que não cabia
nos horários.

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Hélio foi firme: ou tudo ou nada. A força dos filmes estava na sua
presença diária. Edson comentou: “entendo, é como a Farmácia Ro-
mano?” Era a então única drogaria a ficar aberta 24 horas, domingos,
feriados, Natal e Ano Novo. E manteve a série. Mais tarde, Edson Leite
trouxe os bonequinhos da TV Argentina, mudando-os para pequenos
bandeirantes e estabelecendo a programação vertical. Essa grade é
usada até hoje pela Rede Globo.

Álvaro de Moya

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Cimento

O Teatro Nove nasceu do Teatro de Arena. Eu, acompanhado pelo Wal-


ter George Durst, tinha feito um seminário no Arena, com o Augusto
Boal, José Renato, Gianfrancesco Guarnieri, Chico de Assis, Benedito
Ruy Barbosa e outros. Argumentei que tinha apenas um roteiro inédito
de cinema, O Goleiro, mas responderam que o Roberto Santos, tam-
bém participava com um escrito para longa-metragem. O seminário
foi profícuo, resultando em diversos textos aprovados e encenados,
como Fogo Frio de Benedito Ruy Barbosa e outros.

Quando a Excelsior entrou no ar, surgiu a ideia de fazer um teatro só


com textos brasileiros. O Maneco avisou que o Teatro de Arena estava
em dificuldades financeiras e acertamos com o José Renato comprar-
mos quatro peças para exibir na TV. Tal como a Tupi tinha feito, dez
anos atrás, com as companhias teatrais que se apresentavam na cidade.
O Saulo Ramos vendeu os quatro programas, que seriam o ponto de 53

partida para o Teatro Nove.

Justamente no tempo entre a venda e a estreia, Saulo foi para Brasília,


como oficial de gabinete do recém-eleito Presidente da República, Jânio
Quadros, e eu acumulei o cargo de diretor comercial interinamente. No
dia da estreia, uma segunda-feira, com o elenco ensaiando no palco
do Cultura Artística a peça Eles Não Usam Black-Tie, de Guarnieri, um
marco na dramaturgia brasileira, aparece o censor e sou chamado,
deixando o ensaio correr, pedindo aos cameramen Ítalo Morelli, Eber
Barella e J. Milagres para fazerem as anotações para minha direção
de TV, à noite.

Eu tinha sido switchman do Teledrama 3 Leões, da TV Paulista, de


1955 a 1959, programa do qual era também supervisor geral, com uma
equipe de roteiristas e fazendo uma adaptação minha e produção por
mês, com os mesmos operadores de câmeras, que tinha trazido para
a TV Excelsior.

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O censor veio com a proibição de colocar no ar essa peça subversiva. A
vingança é um prato que se come frio. Vivia, desde a TV Paulista sendo
vítima dos censores. Agora, Saulo estava em Brasília e a censura era
federal e não mais estadual. Telefonei para ele, que tinha vendido a
série. Ele ligou para o chefe da censura, o gordo Scrozopi que, coitado!,
estava numa consulta com o cardiologista. Uma perua da polícia foi
buscá-lo e o trouxe para a Nestor Pestana. Antes dele chegar, mandei
os ensaios continuarem e anotarem no meu script, o que um diretor de
TV faria. Chamei a minha secretária favorita, Baby Gregori e lhe avisei
que, a partir daquele momento não deveria obedecer nenhuma ordem
minha. A armadilha estava preparada. Eu acreditava que o chefe de
censura tinha recebido ordem da capital federal que deveria revogar
a proibição.

Logo que ele entrou na minha sala, chamei a Baby e disse que a peça
estava cancelada, não ia ao ar e poderia dispensar o elenco. Scrozopi
tremeu. Reclamou que eu não queria diálogo, retruquei-o com uma
54 pergunta, o papel da proibição na mão. Ele titubeou. Chamei o eficiente
programador do nosso setor de cinema Orpheu Paraventi Gregori e
mandei-o entrar em contato urgente com o Hélio da Polifimes e pedir
um filme para cobrir o horário. O chefe da censura mexia-se na cadei-
ra. O censor, que tinha chegado antes, reparou e denunciou que os
ensaios continuavam no palco. Dei uma bronca na Baby que já tinha
mandado parar tudo no estúdio. Cara de pau. Scrozopi, então, disse
que poderíamos chegar a um acordo. Recusei.

O censor, com o texto na mão, iniciou sua tarefa predileta: começou a


cortar frases e cenas com uma caneta vermelha. Eu o impedi. Aleguei
que aquele elenco encenava a peça desde 1958 e seria impossível
para eles, lembrar numa tarde o que tinha sido cortado. É melhor não
passar por esse vexame, ao vivo, no ar. Scrozopi tirou a caneta da mão
do censor, que não desconfiava seu chefe estar pressionado de cima,
para autorizar a peça e poderia fazer o papel de magnânimo, não fora
minha encenação teatral que o impedia de fingir ser o bonzinho. Eu
tentava, diabolicamente, um enfarto.

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Já era noite. O teatro iria às 21h. Levantei-me. Teatro ou filme? Falta
uma hora. Scrozopi libera a peça e exige minha presença na manhã
seguinte na censura. Para manter o nível mentiroso e ardiloso, aleguei
que ia para Brasília no dia seguinte e mandaria no meu lugar o nosso
despachante com o departamento. Corri para o switch e combinei com
os câmeras que, desta feita eles fariam a direção de TV: um assopro no
interfone, câmera um; dois sopros, câmera dois; mudança de cenário
ou liberação de uma câmera para outra cena, etc. Lembrem-se de que
a TV era ao vivo, o vídeotape não tinha chegado à nossa emissora.

Depois dos quatro espetáculos do Arena, começou o Teatro Nove. Dois


diretores, Flavio Rangel e Adhemar Guerra, se revezavam. Cinco atores
escolhidos pelo Manoel Carlos eram fixos: Rosamaria Murtinho, Cley-
de Yáconis, Nathalia Timberg, Leonardo Villar e Mauro Mendonça.
Como estávamos proibidos de tirar atores da Tupi, Record e Paulista,
optamos por um elenco teatral: Fúlvio Stefanini, Stênio Garcia, Elísio
Albuquerque, Xandó Batista, Bentinho, Maurício Nabuco, Juca de Oli- 55
veira e outros. Textos de Jorge de Andrade, Gianfrancesco Guarnieri,
Roberto Freire, Walter Negrão, Benedito Ruy Barbosa e Walter George
Durst, usando um pseudônimo. E assim foram: O Telescópio e Colunas
do Templo, de Jorge de Andrade, Oceano, Guiomar e Quarto de Em-
pregada, do dramaturgo e psiquiatra Roberto Freire, A Jaula de Ouro,
de Benedito Ruy Barbosa. E Cimento, de Gianfrancesco Guarnieri. Este
merece destaque.

Quando cheguei ao Teatro Cultura Artística, pela manhã, o excepcional


cenógrafo Rodrigo Cid tinha retirado as pranchadas do chão do palco
e começara o cenário lá no porão: o edifício que iria ruir (em premo-
nição do futuro nas construções no Brasil), e levantara as gambiarras
do teto, fazendo com que o prédio tivesse uma altura considerável,
diante do fundo infinito azul. Na hora, tive um estalo, que viria a ser
confirmado pelo genial quadrinista Will Eisner na sua graphic novel,
A Grande Cidade, ao observar que nas urbes gigantescas não vemos
o horizonte.

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Estamos sob um viaduto, no topo de um prédio, sobre uma ponte, ja-
mais no plano horizontal. Decidi trabalhar sempre em plongé, câmera
de cima, ou câmera de baixo. Como as coincidências são coincidências,
como diria o Conselheiro Acácio, o Armando Piovesan me chamou na
sala dele onde encontrei um dos melhores câmeras do país: Reinaldo
Boury. Ele trabalhava no Rio, na TV Continental que, em crise, não
pagava o salário dos funcionários.

Tinha tomado um ônibus e veio pedir emprego. Perguntei se podia


começar imediatamente, hoje. Sugeri ao Piovesan que desse um vale,
uma passagem de volta de avião e permitisse um telefonema dele ao
Rio de Janeiro, para a esposa para ir imediatamente no supermercado
(anos depois, na porta da Vênus Platinada, acompanhado do Helio da
Poli, encontro o Reinaldo, que faz uma festa e me leva ao carro dele,
onde está sua esposa: esta declara que salvei a vida deles).

E o Reinaldo salvou minha vida ou pelo menos, a minha encenação


56 naquele dia, pois operou a quarta câmera, no porão. A câmera no pra-
ticável, no alto, pegava as cenas em plongé, que aconteciam no plano
do palco. A câmera no porão apontava para cima. As enquadrações
seriam como Eisenstein fazia, desenquadradas, como quadros de Mo-
net. Cheguei a desenhar, no verso dos scripts dos câmeras, o tipo de
colocação dos atores e a perspectiva em fundo.

Desculpem-me ser repetitivo, mas naqueles tempos, o mundo era em


preto e branco, o teatro ao vivo, na pancadaria, no vamu-nóis, no se-
jaoquedeusquiser. Foi um dos trabalhos na direção de TV que me deu
mais alegria. À medida que tudo dava certo, fomos ficando eufóricos
e improvisando cada vez mais, jovens audazes em trapézios volantes.
Chegou um ponto que consegui fazer contracampo vertical: um per-
sonagem aqui em primeiro plano no porão e lá em cima outro. Corte
para o personagem de cima, vendo-se, lá em baixo o outro.

E planos de som, quando um gritava aqui,o outro respondia em se-


gundo plano lá, e vice-versa.Nem o nosso cinema conseguia fazer isso,

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imagine no jeitinho brasileiro vapt-vupt de fazer televisão! Quando o
prédio desmorona, tudo ao vivo, com areia, madeira compensada de
aviãozinho despencando, figurantes ensanguentados, o público que
assistia ao espetáculo nas cadeiras do Teatro Cultura Artística começou
a aplaudir. O sonoplasta Laurino Salvador cortou o som do estúdio
alertado pelo contrarregra que fazia sinais desesperados para cessarem
os aplausos, encobertos pelo som do ruído das ruínas, felizmente.

Nesse dia, estreava como diretor de estúdio um jovem recém-vindo


de Portugal e que me foi recomendado pelo único cineasta latino-
-americano a ser premiado em Cannes, Anselmo Duarte. O português
veio me pedir desculpas. Confessou que não tinha trabalhado. Ficou
com o script na primeira página, boquiaberto, diante do receptor de
retorno, no estúdio, pois trabalhava em cinema e não sabia que tele-
visão poderia ser assim.

Chamei o José Bastos, boom-man e perguntei onde ele tinha enfiado a


girafa, pois com todas aquelas tomadas verticais, ele não tinha entrado 57

nenhuma vez sequer na frente das câmeras, como era comum na TV


daqueles tempos homéricos. Ele ficou feliz de ver que o diretor tinha
notado seu esforço em acompanhar um estilo de direção de TV que
ele dominava bem. Paguei uma cerveja.

O Boné (Luís Carlos Nardini), depois “peixinho” do Boni na TV Globo


me chamou do transmissor onde comandava com perfeição o ritmo
dos intervalos comerciais e a entrada dos programas destacando a TV
Excelsior das outras. Ele e outros no transmissor tinham discutido se o
programa tinha sido feito no estúdio, ou naquele prédio em constru-
ção em frente ao teatro, na Rua Nestor Pestana: chegaram a apostar
entre eles. Perguntei qual era a aposta dele, era o prédio em frente.
Perdeu. Não acreditou.

Tomaram um táxi na esquina da Consolação com a Paulista onde ficava


a torre e vieram constatar antes que Rodrigo Cid desmontasse tudo
para o próximo programa.

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Talvez o que os tivesse convencido era realmente a utilização de objetos
de verdade do prédio em frente, inclusive os carrinhos de mão sujos
e até o elevador que subia e descia, emprestados pelos construtores e
operários vizinhos. Eram tempos românticos.

Quando minhas obrigações como diretor artístico (é denominado hoje


superintendente de produção e programação) ficaram pesadas, tive
que abdicar do que mais gostava de fazer na TV, que era o corte im-
provisado e a emoção de transmitir a história em planos sequenciais,
cortes, fusões lentas ou rápidas, tomadas gerais ou closes funcionais,
travellings cinematográficos e tudo o mais.

O teleteatro do canal 9 era tão bom que o Saulo vendeu outro progra-
ma aos sábados: era o Teleteatro Brastemp, produzido por Bibi Ferreira
e dirigido por Antunes Filho, direção de TV de Vicente Dias Vieira. Le-
vavam peças internacionais como O Delator de Liam O’Flaherty, com
58 Armando Bogus, A Pérola, de John Steinbeck, adaptação de Dias Gomes,
cenografia de Rodrigo Cid, com Sérgio Cardoso, Elisio de Albuquerque
e Bibi Ferreira, Esses Maridos de George Axelrod.

Meu assistente Vicente Dias Vieira, que tinha sido um dos maiores so-
noplastas do País, tinha vindo como diretor de TV e revezava comigo,
fazendo Teleteatro Brastemp com Bibi Ferreira e Antunes Filho, sugeriu
que eu não contratasse novos diretores de TV e deu uma ideia genial.
Revezar os quatro câmeras no switch. O Italo Morelli faria o Brasil 60
e os outros, câmera. O Reinaldo Boury faria o Teatro Nove e os outros
operavam as câmeras. O Eber Barella faria o programa da Maria Bonomi
e Antunes Filho apoiado pelos seus companheiros. Dessa forma, quando
operando a câmera, o diretor de TV de amanhã caprichava para auxi-
liar seu amigo a fazer o melhor possível nos botões da técnica. Bingo!

Aí, aconteceu uma coisa chata. O Vicente Dias Vieira e o Italo Morelli
começaram a se desentender. Creio que o Italo não sabia que tinha
sido o Vicente a promovê-lo (Italo Morelli chegou a diretor de produ-

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ção da TV Cultura, antes de vir a falecer). O ambiente ficou pesado,
começaram a me pressionar.

Chamei os dois na minha sala, em particular. Lembrei-lhes que tínha-


mos trabalhado juntos na TV Paulista e, como em todas as emissoras,
todos querem puxar o tapete de outros, criando um clima paranoico.
Nós, pelo contrário, criamos na nossa TV Excelsior um ambiente de
companheirismo. Aí eu fui duro. Por mais que me doesse, pois os con-
siderava, acima de bons profissionais, meus grandes amigos, mas... Se
continuarem a criar este clima aqui, com dor no coração os dois estão
despedidos. Está terminada a reunião. E terminou o diz que diz. E a
paz voltou à Távola Redonda. Meu apelido na Excelsior era O Rei. Na
TV Paulista foi Mosquito Elétrico. Como veem, progredi na vida.

Álvaro de Moya

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Vigilante Rodoviário

Quando Alfredo Palácio e Cláudio Petraglia produziram o primeiro


seriado filmado brasileiro, Vigilante Rodoviário, Bibi Ferreira, no Brasil
61 entrevistou o ator Carlos Miranda no palco do Teatro Cultura Artís-
tica, com o cão Lobo. Era domingo e o programa estrearia na rival TV
Tupi na semana seguinte.

Bibi, autorizada pela direção da televisão, elogiou a Nestlé por ter


bancado a produção e distribuição desse feito pioneiro nacionalista e
conclamou os telespectadores a sintonizarem a TV Tupi, nesse impor-
tante momento da televisão do Brasil.

Recebemos uma carta pessoal do presidente da Nestlé no Brasil, nascido


na Suíça, ele mesmo um admirador da cultura brasileira, fã do Brasil
60 e apoiador convicto da série Vigilante Rodoviário, particularmente
impressionado com a ética da Excelsior, deixando de lado a concorrência 61

e colocando a temática nacionalista, base do programa, como ponto


de honra do progresso da televisão brasileira.

No ano seguinte, o patrocinador do Brasil 62, uma loja de


eletrodomésticos local da cidade de São Paulo, não poderia arcar com
o ônus de patrocinar um programa nacional como era o show domin-
gueiro. Propusemos a eles, o patrocínio do Circo do Chicharrão no
mesmo domingo, se conseguíssemos um anunciante nacional.

Sexta-feira á noite, Maneco, Jaime Barcelos, Roberto Palmari, o irmão


do Saulo Ramos e eu, fomos à casa do Carlito Maia. Não estava. Ficamos
no bar da esquina e quando o saudoso companheiro despontou na
esquina, oferecemos o programa para a Nestlé. Ele ligou para a casa
do presidente da multinacional, que imediatamente aceitou, incluindo
a exibição do tape do programa na rede TV Tupi, em rodízio de cópias
– como no cinema – um pool de emissoras que a Tupi tinha pelo país.
Lembrem-se que não existia rede.

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No mesmo domingo, com os comerciais que tínhamos nos intervalos,
Bibi anunciou o novo patrocínio nacional da Nestlé em Brasil 62 e sua
exibição nas emissoras da Tupi fora de São Paulo. Saulo Ramos, como
bom advogado, criou o direito de imagem, pagando o cachê do ar-
tista pela gravação e um percentual para autorizar a exibição de seu
número no país todo.

Como sempre, o pioneirismo repercute anos depois. Grande Otelo


veio para São Paulo, no lançamento de um livro ilustrado da Imprensa
Oficial do Estado, com um levantamento dos filmes do DIP, dos tem-
pos da ditadura de Getúlio Vargas. Quando foi autografar meu livro,
apresentei-me e ele respondeu: como iria esquecer do diretor de TV
que, pela primeira vez, pagou direitos de imagem? Pedi que ele regis-
trasse isso e autografou meu livro com essa frase.

Lembrei-me do primeiro aniversário do Brasil 60, então 61, quando o


Grande Otelo apareceu de surpresa e o Manoel Carlos mandou-o entrar
62 no palco e de improviso, falar com a Bibi. Explicou que soube no Rio
que era um programa especial e como tinha estado no primeiro pro-
grama inaugural no dia 31 de julho de 1960, imaginou que o Maneco
o tivesse procurado, sem sucesso. Tomou a iniciativa de ensaiar um
número com o maestro Jean D’Arco, tomar um avião e chegar a tempo.
Infelizmente, não sabia que o programa era de gala, as mulheres de
longo, os homens de smoking.

Na hora do programa – ou talvez nunca – seria possível um smoking


para o tamanhinho do genial intérprete, escolhido por Orson Welles
para seu famoso e inédito documentário sobre o Brasil, It’s All True. Ele
fez o número no aniversário do programa, com o sucesso de sempre,
e os telespectadores, que sabiam ser o programa cuidadosamente
ensaiado, julgando que se tratava de parte do show.

Nesse mesmo programa de aniversário, notou-se que uma cantora


estava completamente embriagada. O Maneco instruiu a Bibi a mudar
o que tinha sido ensaiado, anunciava a presença dela e escapulia pelo

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outro lado do palco, o regional atacava a música para, quando a be-
bum chegasse ao microfone, já estaria na deixa para ela cantar. Que
nada! Aracy de Almeida quase rola com o pedestal no palco, enquanto
reclama que Bibi conversa com todo mundo, menos com ela. Naquela
voz de cachaça...

Bem antes disso, já tínhamos dado uma indireta à TV Tupi. O Teatro


de Arena foi convidado para fazer uma promoção da peça em cartaz,
escrita por Chico de Assis, O Testamento do Cangaceiro. Uma cena que
um cangaceiro contracenava com outro, escondido dentro do saco.

Quando inquirido do elenco, o nome do Lima Duarte era citado. Bibi,


surpresa, perguntava se aquele ator que estava dentro do saco era
Lima. Resposta positiva. O auditório aplaude. O entrevistado esclarece
que ele não pode aparecer numa emissora concorrente e arrasta o saco
pra fora do palco...

Álvaro de Moya
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Esportes

A falta de equipamento impossibilitava a Excelsior, em sua primeira


fase, de cobrir futebol. No entanto, quando da Copa de 62 no Chile,
as emissoras organizaram um pool – lembrem-se sempre, não existia
satélite, nem rede – para exibir filmes 16 mm em preto e branco que
eram filmados no Chile trazidos de avião pela Panair do Brasil e exibidos
em todas emissoras ao mesmo tempo.

Era a primeira vez que uma Copa do Mundo aparecia na telinha. Antes,
era apenas o som do rádio. E o Brasil foi campeão.

Eu, então, contratei o Pelé para apresentar um programa na Excelsior.


Ele comprou um terno preto e ficava diante do espelho de corpo in-
teiro, ensaiando. Como ele não tinha experiência, colocamos o locutor
esportivo de rádio, Pedro Luiz para conduzir o show com o atleta.
Virou uma festa. O Santos F.C. não tinha torcida. O Pacaembu ficava
vazio, nos jogos na capital. Apenas estrangeiros que estavam no país 65

compravam.ingresso para ver o maior atleta do mundo.

Nós, da direção da Excelsior íamos ver as partidas. Levamos uma vez,


o diretor teatral Flávio Rangel que jamais tinha visto uma partida. Ele
fez uma observação ao nível de seus espetáculos teatrais:. “Parece Le
Balon Rouge.” Referia-se à obra-prima curta do cinema francês de
Albert Lamourisse, vencedor de todos os prêmios do mundo, em que
um balão vermelho segue o seu menino dono como se fosse um ani-
malzinho de estimação.

Pelé e Pedro Luiz fizeram uma série de programas patrocinados pela


Ultragaz, de Pery Igel. Uma entrevista com o marechal da vitória, Paulo
Machado de Carvalho foi antológica. Anos depois, a Excelsior desco-
briu que ainda tinha contrato com o camisa 10, e Walter Avancini o
utilizou na novela Os Estranhos de Ivani Ribeiro. Ele fazia um escritor
que tem contato com seres extraterrestres aproveitando o tempo que
a Apolo chegava à Lua.

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No elenco, estavam Regina Duarte, Rosamaria Murtinho, Stênio Garcia,
Gianfrancesco Guarnieri, Vida Alves, Sílvio de Abreu, Roberto Maya e
Lucy Meireles. Foi apresentada de março a julho de 1969. Segundo o
especialista Ismael Fernandes, “Pelé participou sem se comprometer
muito: pouco texto e seu personagem não se apaixonou por ninguém.”
Em 1962, recebemos uma carta da África cujo envelope continha apenas
“Pelé-Brasil”. O Correio sabia do programa e entregou na Nestor Pes-
tana. Chegou um aviso da Wasim, na Suiça que a Nestlé internacional
queria lançar um chocolate Pelé. Mostrei a ele o telegrama e respondeu:
Fala com o Pepe Gordo. Dançou, pensei eu. Seu agente na época não
tinha nível para negociar internacionalmente. Ele não quís um contrato
de direitos, preferindo dolares à vista, desconfiando da honestidade
dos suíços em prestar contas! Receberam e a Nestlé jamais utilizou o
título. Muitos anos se passaram, a Lacta, tentando repetir o sucesso do
Diamante Negro, que utilizava o apelido de Leônidas da Silva, lançou
o chocolate Pelé. Este, interpelou a fabricante de chocolates e recebeu
a resposta que tinham comprado os direitos à Nestlé. Durante muito
66 tempo, sempre que Pelé me encontrava, com sua modéstia característica
e humildade, parecia um figurante perguntando quando eu ia voltar
para TV e contratá-lo de novo. Como se eu fosse importante diante do
atleta do século... A General Motors tinha um estádio na esquina da
Consolação, onde prestigiava o boxe, e o Newton Mendonça, eterno
batalhador do esporte nacional, conseguiu que transmitíssemos de lá, as
partidas semanais. Pedro Luiz, sob protestos dos fanáticos apreciadores
da luta no ringue, que achavam ser ele apenas um locutor de futebol.
Mas Pedro era um gentleman. O Manoel Carlos brincava, dizendo que
ele era o único homem no mundo que dava gorjetas para ascensoristas.
Pedro se defendia dizendo que era Natal. Evidentemente, quando o
Edson Leite assumiu a TV Excelsior, ele que era um dos mais brilhantes
locutores esportivos, passou a transmitir ao vivo as partidas de futebol,
contratando o lendário Mário de Morais para comentarista e Geraldo
José de Almeida como narrador. Era o Galvão Bueno da época.

Álvaro de Moya

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Infantis

O Manoel Carlos tirava sarro de mim, ao dizer que eu tinha uma fi-
xação infantil no Nhô Totico. Talvez fosse verdade. Tinha admiração,
quando criança, pela criatividade desse homem de rádio quando eu
assistia aos seus programas inventados na hora, improvisados. Mandei
um emissário na primeira casa do Morumbi, na Francisco Morato e o
convidei para comandar um programa infantil de auditório.

Depois, como tínhamos comprado as maravilhosas silhuetas de Lotte


Reiniger (que depois, conheci pessoalmente com mais de noventa anos,
em Lucca), e Nhô Totico fazia a narração. A fixação infantil deixou
uma mágoa. Os programas dele eram lindos, ingênuos e casavam com
o tipo de programa que deveriam ser feitos para crianças. O Jayme
Barcelos tinha vendido a hora certa, antes da estação entrar no ar.
O patrocinador, muito feliz, deu cinco relógios de ouro de presente 67
para os diretores. Estes decidiram dar os relógios para agradar seus
recém-contratados: Dercy Gonçalves, Mazzaropi, Procópio Ferreira e
outros, inclusive Nhô Totico. E não é que muitos anos depois, num
zap, vi uma entrevista de meu ídolo infantil na TV Cultura renegando
a televisão e com orgulho mostrou aquele relógio no pulso e disse
que a TV tentou corrompê-lo com este relógio de ouro e não conse-
guiu. E eu, pasmo diante da TV, com relógio japonês de plástico no
meu pulso...

Outra fixação infantil era o palhaço Piolim. Foi contratado para o


espetáculo circense que antecipava o Brasil 60 dos domingos, que era
às 20h30 e o palco era usado às 18 horas pelo circo. Infelizmente, o
patrocinador hesitou e Piolim lá se foi para o canal 2, TV Cultura, que
ainda era das Associadas e não cultural. A Bibi Ferreira me socorreu e
na mesma semana trouxe seu tio-avô, o Chicharrão. Este, me comovia
nos ensaios, preparando cuidadosamente os tombos que tomaria numa
cerquinha, ele nos oitenta anos, a caminho dos noventa...

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Uma professora de vanguarda, Arlete Pacheco, dona de uma escolinha
infantil, comandava outro programa com ninguém menos que o genial
humorista Dom José Cavaca. Em pleno Natal, fizeram um programa
em que explicavam para as crianças que Papai Noel não existia e eles
deveriam ser gratos aos seus pais que se esforçavam para dar presentes
e manter uma tradição. Não é preciso dizer que choveram protestos
contra o programa infantil. Mas a direção apoiou a dupla dinâmica.

Roberto Miller nos assessorou na exibição de desenhos do maior inova-


dor do gênero no mundo, superpremiado internacionalmente, o cana-
dense Norman MacLaren. Verdadeiras obras-primas de vanguarda, com
mensagens que ultrapassavam fronteiras da linguagem, defendendo
a paz, a boa vizinhança, o respeito às escolas, etc. Deveria soar estra-
nho quando alguns dos seus desenhos abstratos passavam no vídeo e
alguém deveria pensar que a imagem transmitida estava distorcendo
o horizontal ou o vertical da telinha...

68 O convênio dos patrões tinha dado um basta à TV Excelsior, que ne-


cessitava de profissionais e tinha, no princípio, avançado em alguns
das emissoras Tupi, Paulista e Record. O início da Cultura das Associa-
das, porém, que também precisava de equipe nos salvou. Mas depois,
proibição total. Muitos dos profissionais amigos e competentes que eu
gostaria de ter trazido não estavam acessíveis. Um deles, que jamais me
perdoou, foi Walter Avancini. Mas eu sempre lhe lembrava que tinha
comprado uma ideia (e ele ganhava mais com o royalty do programa
no canal 9 do que seu salário no 5), que era um telejornalzinho para
crianças, patrocinado pela Antarctica.Só que o nome dele não poderia
ser divulgado.

Álvaro de Moya

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Entrevista de Arlindo Partiti

A TV Excelsior tinha o engenheiro Carlos Paiva Lopes (depois, presi-


dente do tronco sul da Embratel) como diretor técnico e uma equipe
que incluía entre outros, Juan Fominaya e Arlindo Partiti. Este, depois
assumiu o primeiro equipamento de VT da emissora.
Entrevista pela agência Magnetoscópio, Estação História: historia@mandic.com.br

A Excelsior começou muito modesta, com pouco equipamento, sem


grandes recursos. O nosso transmissor, na Av. Paulista esquina com
Consolação, era de 500 watts, usado, fabricado em 1948 e usado por
nós em 1960. Três câmeras também de 1948 e um amplificador de 5
quilowatts feito em São Paulo. Depois, esse equipamento foi progre-
dindo. Houve investimento. Mudou a direção, mudaram o controle da
programação.

A nova linha começou a arrebanhar equipes no meio artístico, inclusi- 69


ve do Rio. Formou um elenco muito grande, com grandes programas,
como Times Square, Bibi aos Domingos. E as novelas. A Excelsior foi a
primeira a começar a novela diária, graças ao videoteipe. Foi em julho
de 1963, com 2-5499 Ocupado, com a Glória Menezes e o Tarcísio Meira.
A Excelsior, pode-se dizer que era naquele tempo o que é a Globo hoje.

Com o videoteipe foi possível fazer novelas diárias, antes eram dois,
ou três capítulos por semana. Os VTs apareceram por aqui naqueles
famosos quadrúplex, uns monstros do tamanho de uma sala. Para ter
uma ideia, a edição era na base da gilete, a fita era cortada, sem que
se visse a imagem, a olho, e emendada. Eu fui o primeiro operador
de videoteipe da Excelsior, graças ao meu conhecimento de inglês,
recebendo os técnicos americanos da Ampex. Quando o americano
viu nossa máquina exclamou: “Baby!” Mas, para nós, o apelido era
“Chocolateira”, um modelo fora de linha. Era um trabalho maluco.

Um capítulo de novela e uma noite inteira, emendando, às cegas. Evi-


tando que a imagem pulasse. Era coisa de louco. Mas o vídeo mudou

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muito, os erros iam ao ar ao vivo, principalmente nos comerciais com
garotas–propaganda. Com a chegada do VT, isso acabou. Era gravado
antecipadamente.

Quando chegou a segunda máquina de VT foi uma festa! Agora, uma


podia pifar, que tinha a outra. Na Excelsior, minha atividade era no
Departamento Técnico e naquele tempo não havia muitos profissionais
especializados. Era uma escola, formando equipes. Depois fui trabalhar,
quando a Excelsior fechou, na área de vendas de equipamentos para
emissoras.

A cor foi uma briga. Entre o NTSC norte-americano e o Pal europeu.


Ficamos isolados com o Pal-M, diferente do Pal-N da Europa, e o Se-
cam da França. Só depois, tudo foi unificado. Hoje não existem mais
problemas. Trabalham em NT internamente e só mudam para PAL-M
na hora de transmitir. Mas agora virá a alta definição.

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Nabor Merchioratu, Álvaro de Moya e Arlindo Partiti, que faleceu sem ter
chance de ver a HDTV implantada no Brasil

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Sidney Pike

Quando estive nos Estados Unidos, em 1958, com uma bolsa de TV, con-
cedida pelo Consulado Americano na CBS-TV em Nova York, entrei em
contato com os tios de minha mulher que, vindos da Lituânia, tinham
se radicado no norte e não no Brasil, como meus sogros.

Tive conhecimento que um dos meus primos abraçara a mesma pro-


fissão que eu, como produtor da WHDH Television de Boston, Mass.,
Sidney Pike. Eu girei pelos States todo e fiquei na CBS de New York,
mas ia frequentemente a Boston. A emissora local também era afiliada
da rede Columbia Broadcasting System.

Quando voltei para o Brasil ele propôs um intercâmbio cultural entre


a estação dele e a TV Excelsior, que acabara de assumir. Ele mandava
programas de lá e eu enviava daqui. Como ainda não tínhamos nada
em São Paulo, a TV Rio me cedeu um musical produzido pelo Antoni- 71

no Seabra, gravado no Copa e na praia de Copacabana, com a música


brasileira. Um leitor de Boston escreveu para o jornal que aquele pro-
grama tinha sido o melhor presente do Dia dos Pais, provavelmente
surdo para a música, mas deleitado com a beleza das cariocas sensuais
em seus minúsculos biquínis.

A TV Guide, em 1964 – a maior tiragem do mundo entre as revistas


– chegou a fazer uma matéria nacional de duas páginas sobre nosso
intercâmbio, incluindo uma foto de Sidney, a câmera da WHDH e o
então exilado ex-Presidente da República, Juscelino Kubitschek.

Sidney propôs fazermos uma viagem pelo Brasil, gravando já em cores


naquela época, um documentário sobre as TVs brasileiras. Tivemos o
apoio da Embaixada Americana, das emissoras da Tupi nos Estados e
da Varig. Veio para São Paulo, em 1962, fomos ao Rio e começamos
o tour. Em cada local tínhamos a Varig, alguém do Consulado e carro
da Tupi local. Era escolher.

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Fizemos Belo Horizonte, filmamos o estádio do Mineirão em construção,
Vitória, Brasília, Recife, Belém, Curitiba, Londrina e Porto Alegre, locais
em que a Tupi tinha emissoras. O programa foi exibido nos Estados
Unidos mas no Brasil não houve interesse. A WHDH foi cassada pelo
FCC, a única nos States a sofrer essa penalidade, por não cumprir a
legislação. Ted Turner, nessa época, recebe como herança da família,
uma firma de outdoor e uma concessão de TV local em Atlanta na Ge-
orgia, a qual colocou à venda. Sidney Pike propôs-lhe a ele ficar com
a TV, usando o mesmo plano da WHDH, que tinha comprado o time
local dos Boston Socks. Se Ted comprasse o time local teria a base de
apoio da população da Georgia. Tudo deu certo e, como acontece com
os ricos, os golpes de sorte se sucederam: Jimmy Carter, governador
do Estado foi eleito presidente, surgiram os satélites e a TNT adquiriu
a MGM, com todo o arquivo da Warner e RKO incluído e tornou a
vender a Metro para o Kerkorian, adquiriu os direitos de colorização
dos filmes preto e branco e, acima de tudo, apesar de negar gostar de
72 noticiário, criou sob ceticismo total a CNN, 24 horas de notícias. Então,
a rede internacional se impôs, quando da Guerra do Golfo. Haja sorte...

Quando não estava mais dirigindo a televisão, e sim com o Wallinho,


preparando o longa inédito Os Playboys, chegou na TV Excelsior um
telegrama da ABC-TV dos Estados Unidos, solicitando meu recruta-
mento para assessorar a cobertura aos Jogos Pan-americanos de 1962,
em S. Paulo. Finalizei as tratativas com Primo Carbonari, que detinha
os direitos exclusivos dos jogos e autorização da ABC cobrir os Estados
Unidos e Canadá. Fiquei como intérprete e produtor brasileiro da rea-
lização norte-americana. Foi divertido. No final das contas, recebi um
telefonema dos States, de Sidney Pike, entusiasmado de ver meu nome
nos créditos de uma programação de televisão nos Estados Unidos.

Um fato interessante aconteceu quando voltamos da viagem pelo


Brasil com o material filmado. Eu tinha recém-saído da Excelsior e um
funcionário da Embaixada Americana disse que queria um encontro
comigo sobre a telenovela latino-americana. Mostrou seu interesse em

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difundir a novela nos moldes da América Latina no Brasil. Era sucesso
em toda a parte, menos no nosso país. Era para eu pensar nisso .

Sabe-se que, nos States, o folhetim – eu o vira – durava anos nas tardes
em melodramas ridículos, com música de órgão em fundo. Os patroci-
nadores eram de sabão em pó, objetivando as donas de casa, por isso
apelidados de “soap opera” (ópera de sabão). Já conhecia o dramalhão
porque lia a revista Mad norte-americana, antes de ir ao país do norte. E
eles ridicularizavam esse programa. Já a telenovela latina era diferente.

Não demorou, as firmas norte-americanas Colgate-Palmolive, Kolynos/


Anakol e Lever, principalmente a primeira, dirigida po Helior Alvarez,
começam a contratar especialistas latino-americanos, compram direitos
de novelas e recrutam redatores brasileiros como Walter George Durst
e Benedito Ruy Barbosa para adaptá-las. Ofereceram os textos para
Cassiano Gabus Mendes, diretor artístico da TV Tupi de São Paulo e
ele não se interessou. Edson Leite. que era chegado na TV Argentina,
graças a uma de suas companheiras e tinha trazido profissionais e pa- 73

rentes dela para a Excelsior, topou. A primeira novela diária foi, como
é sabido, um original de Alberto Migré vertido por Dulce Santucci
com Tarcisio Meira e Glória Menezes, às 19h do mês de julho de 1963,
intitulada 2-5499. O diretor era argentino, Tito De Miglio.

Como as novelas eram compradas pelo patrocinador, os adaptadores


podiam trabalhar para duas emissoras rivais, como Ivani Ribeiro que
fizera Gerações em Conflito e Ambição para a Excelsior, pôde fazer a
primeira novela na Tupi, em 2 de março de 1964, Alma Cigana. A no-
vela diária, sob o ponto de vista de produção interna no estúdio da
TV, resolvia-se com o advento do videoteipe: montava-se um cenário
ou dois e gravava-se tudo na segunda e terça, possibilitando a linha
de montagem industrial interna. Era simples, como se fazia nos te-
leteatros, que seriam descartados no futuro da programação da TV.
Em vez de se gastar toda a gravação num dia de teleteatro, agora a fita
de vídeo, em doses homeopáticas, durava a semana inteira, marcando
a horizontalidade da grade.

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Até então, as novelas ao vivo eram exibidas duas ou três vezes por se-
mana, confundindo a cabeça das donas de casa. Que dia é hoje? Para
a escrava do lar, todo dia é dia de fazer comida, lavar roupa, preparar
os filhos para a escola e o maridão para o trabalho, lavar louça, etc.
De repente, tem novidade novela todo dia: fácil, não? De segunda a
sexta. Com o sucesso, o sábado também, pois a mamãe e a vovó eram
capazes de não se lembrar do gancho da sexta para segurar o interesse
até segunda...

Então o primeiro estouro, provando que a novela viera para ficar. No


triste ano de 1964, ano em que o país virou uma republiqueta latino-
-americana com generais de fancaria se revezando na caserna, uma
moça vem de longe. Rosamaria Murtinho, a empregada doméstica tem
um amor correspondido pelo filho do patrão, Hélio Souto, já estabele-
cendo a base da catarse coletiva do folhetim que é a ascensão social,
a negação do choque de classes sociais.

74 A Moça Que Veio de Longe era uma novela de Abel Santa Cruz, vertida
por Ivani Ribeiro, dirigida por Dionízio Azevedo. Justo ele, que come-
çara o mítico TV de Vanguarda, inaugurando a linguagem da televisão
brasileira. Era 19h na TV Excelsior, do mês de maio de 64. A alienação
ao momento político brasileiro tinha começado.

A Record e a Paulista também, timidamente, aderem ao folhetim diário.


Os patrocinadores inserem seus nomes nos horários das novelas: na
Excelsior, às 19h Grande Novela Lever e às 19h30, Telenovela Kolynos.
Então, os fenômenos que solidificaram a telenovela como a linguagem
brasileira: O Direito de Nascer e Beto Rockfeller, ambas da Tupi. E o
nível máximo pelo gênero aconteceria com o domínio absoluto da
Rede Globo de Televisão, apurando o nível de produção de novelas,
inclusive exportando para o mundo todo e sendo reconhecida como um
produto de qualidade internacional. Graças a esse progresso, a televi-
são passa a ser o veículo com maior identidade com o povo brasileiro,
deslocando o circo, as histórias em quadrinhos, o teatro, a literatura,
a música popular, o futebol, o cinema (que adota a linguagem tele-

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visiva, descuidando da gramática da sétima arte), conseguindo uma
identificação sem precedentes com sua nação.

Minhoca. Por que será que a Embaixada Americana tinha interesse em


difundir a telenovela latino-americana no Brasil? Por que as empresas
norte-americanas do soap opera investiram tanto? Por que justo em
1964?

Talvez a resposta esteja no mesmo momento, na vida real, em que


o líder Chico Mendes foi assassinado, o Brasil inteiro estava mais in-
teressado em saber quem matou Odete Roittman! Olha lá, Lênin, a
telenovela também é o ópio do povo...

Álvaro de Moya

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Carlos Lacerda

A Vigorelli do Brasil S.A. tinha um programa de debates políticos de-


mocrático, na Tupi e Excelsior. Foi anunciada em 23/08/1961, a presença
do agitador golpista, governador de Guanabara, Carlos Lacerda no
auditório da Rua Nestor Pestana. Lacerda vinha a convite do Centro
Acadêmico 22 de Agosto, da Faculdade de Direito da PUC-SP, presidi-
do por Mario Garnero, que promovia a Semana da Unidade Nacional,
da qual participaram diversos governadores. Agito total. O auditório
regurgitava, repleto de admiradores do grande orador e jovens estu-
dantes que vieram para tumultuar. A cortina se abre para anunciar o
programa no palco, o auditório se levanta em vaias e aplausos, gritos
e a cortina é fechada e o programa atrasado. Lacerda está na direto-
ria, com o patrocinador e os diretores Paulo Uchôa de Oliveira, João
de Scantimburgo e Lahyr de Castro Coti. Evidentemente, não pode
atravessar o auditório ululante. Impasse.
77

Da minha sala, neófito em política, telefono para Saulo Ramos, no


gabinete de Jânio Quadros, em Brasília e ele confirma que o Lacerda
deve ter liberdade de falar. Explico que a situação parece grave. Saulo
insiste. Vou à diretoria e digo que conheço os meandros e posso levar
Lacerda ao palco, porém sozinho; que os outros entrem normalmente
pela platéia. Concordam, pois o programa já está demorando para ir
ao ar. Entro pelos porões, guiando o político. Olho para ele, e imagi-
no que se ele tivesse morrido ali, vítima de um tiro, tal como na Rua
Toneleiros, a história do Brasil seria diferente.

Quando a cortina se abre e Carlos Lacerda está lá, acontece algo indes-
critível. Começa uma algazarra digna de um faroeste. O irmão de Carlos
Zara ameaça Lacerda, este o chama para a briga no palco, Ricardo Za-
rattini pula em direção ao homem, é agarrado pela segurança e preso.

As câmeras começam a registrar a briga generalizada ao vivo, no


ar. O debate não consegue começar. Ninguém na mesa consegue

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falar e ser ouvido. As câmeras dão as costas para as tentativas dos pa-
lestrantes de abrirem a boca e focalizam o tumulto, jornalisticamente.

Sou alertado para o que acontece na rua. Subo para minha sala e sal-
to para o parapeito. A rua Nestor Pestana está interditada, cheia de
carros da polícia (ou do Exército?), camburões, luzes piscando, sirenes,
policiais afastando a multidão na porta, nos bares. Torno a ligar para
Saulo. É impossível transmitir o descontrole. Saulo confia em Abreu
Sodré, que preside a mesa. Ele confirma que o homem tem que falar.
Quem sou eu?

Desço para o auditório. Os jovens estão todos esportivos, de camisetas.


Visivelmente, os que estão a favor de Lacerda usam gravatas ou unifor-
me da TFP. Todos de pé, em litígio entre eles. A solução é simples. Grito
para os que forem a favor de ouvir, que se calem, fiquem sentados.
Eles entendem a estratégia. Sentam-se, depois dos gritos e ficam em
silêncio. A polícia entra em cena e – puxa! O que eu fui fazer? – começa
78 a espancar e prender os que protestam. Um policial mostra para nós,
da TV, que um manifestante tinha um canivete. Desta feita eu grito.
Mentira, você colocou no bolso dele!

Carlos Lacerda com sua admirável verve e carisma, orador privilegiado,


com tiques de tirar e colocar os óculos (imitado por Flávio Cavalcan-
ti), consegue dominar a plateia e, creio eu, os espectadores, com um
libelo violento contra o Presidente Jânio Quadros. Dois dias depois,
ele fala na TV do Rio. Trata-se de um golpista emérito, derrubador
de presidentes.

Na sexta feira, estou no barbeiro na 24 de Maio e o rádio anuncia que


Jânio renunciou. Largo o cabelo pelo meio e corro para a Nestor. O país
entra em violência noutra crise institucional, com a direita negando ao
vice-presidente João Goulart assumir, o qual volta da China fazendo
escala na Europa, via Panair, aguardando as coisas acalmarem. O par-
lamentarismo é adotado a toque de caixa e o presidente pode voltar,
sem força diante da direita vitoriosa.

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No sábado, desço para Santos numa viagem já previamente programada
e, com minha família no carro, emparelho com o ex-presidente no seu
auto rumo ao mar, acenando a mão e ignorando ser o incendiário, que
jogou o país numa de suas maiores crises, culpando as “forças ocultas”...

Jânio Quadros tinha, porém, afastado Teixeira Lott, Estillac Leal e os


militares democráticos deixando no poder toda a direita golpista: Sílvio
Heck, Grun Moss, Castelo Branco, Costa e Silva, Odílio Denys, Amaury
Kruel, os milicos, que se preparavam, como abutres, para o golpe final
em 31 de março de 1964!

No dia primeiro de abril, aqueles que viviam em plena democracia


desde 1945, quando da destituição do ditador Getúlio Vargas, ficaram
desnorteados, sem saber o que fazer, com notícias contraditórias, de-
pois transformadas em lendas ou mitos e tudo desmoronou. Na frente
da TV Excelsior, Luis Carlos Paraná e outros boquiabertos esperavam
algo, sem saber o quê. Roberto Palmari, Túlio de Lemos e Walter Ge-
orge Durst, do departamento de jornalismo dirigido por João Batista 79

Lemos mandam uma mensagem de solidariedade ao telejornalismo da


Excelsior do Rio, dirigida por Fernando Barbosa Lima Sobrinho, pois o
golpista Lacerda estava cercado no Palácio da Guanabara pelo Exército
fiel à Constituição.

Começaram as demissões dos esquerdistas.Os radialistas se organizam


numa reunião clandestina, tentando organizar uma passeata, em
plena Praça da Sé. Ninguém tem noção da extensão e gravidade dos
acontecimentos, neófitos e desinformados dos planos que a direita de
há muito organizava.

No folclore, o repórter Nelson Gatto, da Última Hora, pega seu do-


cumento oficial e, em nome da Aeronáutica, confisca a TV Excelsior
para lutar pela legalidade democrática. Dizem que Edson Leite ficou
ganhando tempo com ele e chamou o Dops pelo telefone. Fazendo
juz ao nome, Nelson fugiu pelo telhado do Teatro Cultura Artística,
como um gato. Se non é vero...

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Seja como for, o ademarista Edson Leite abriu a TV Excelsior de São
Paulo ao vivo com o governador do Estado, Adhemar de Barros, cer-
cado de militares de aspecto sinistro fazendo a arenga do golpe como
sendo uma revolução para banir os comunistas e sindicalistas do poder
e restaurar a honestidade.

Os militares olhavam de soslaio para este arrivista, conhecido como


“rouba mas faz”, visivelmente contrariados de ter este político do
passado sujo ao seu lado. É verdade, que, diante dos assaltos políticos
de milhões de dólares de hoje, Adhemar pode ser considerado um
simplório, mas... Nas cassações que se seguiram, não demorou para
esses golpistas todos entrarem na lista negra: Adhemar de Barros,
Carlos Lacerda, Jânio Quadros e todos os outros com os verdadeiros
democratas que tinham sido alijados da vida política e desaparecendo
um por um da cena em situações suspeitas.

A censura se instalou nas emissoras de TV, nas rádios, nas redações dos
80 jornais, profissionais foram despedidos, perseguidos, desempregados,
exilados, fugitivos, em clima de terror e perseguição, como jamais na
história do nosso país. É verdade que os donos de jornais, rádios e TVs
sempre protegeram seus comandados, dando lições de compreensão
democrática, protegendo seus funcionários perseguidos, como Roberto
Marinho, João Jorge Saad, Júlio Mesquita Filho, Octavio Frias e todos
outros empresários dignos de encômios.

Até entrarmos na luta armada de resistência e os assassinatos e cri-


mes cometidos pelos que assaltaram o poder o largaram por absoluta
incompetência, devolvendo o país à democracia, arranhada e irreme-
diavelmente danificada.

Semanas depois da queda de Jânio, o mesmo Lacerda iniciou uma


campanha contra o grupo Simonsen. Logo na segunda apresentação,
o homem da Rua Lavradio desistiu e Herbert Levy assumiu a luta con-
tra Mario Wallace. Edson Leite respondia aos ataques do empresário
político e jornalista frisando o sotaque no nome dele, insinuando que
ele era judeu. Caiu mal. Nos anos 1990, estava na fazenda do Herbert

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Levy, em Campinas, e um dos filhos dele me disse: Que pena que papai
fechou a Excelsior. Ela era tão boa...

Eu era muito chegado ao João Saad, dono da Bandeirantes. Desde o


IV Centenário de São Paulo, quando era muito jovem e atrevido, e fui
contratado pela Rádio Bandeirantes para trabalhar com o José Carlos
de Morais, O Tico-Tico, como intérprete no Festival de Cinema. Os filmes
eram exibidos no cine Marrocos, que era só luxo, com bar e tudo, à
exceção de Napoleão, tríptico de Abel Gance que precisou ser exibido
na enorme tela Cinemascope do Cine República. Todos ficavam hos-
pedados no hotel ao lado onde hoje é a sede da Votorantim, de José
Ermírio de Morais. Na esquina o Clube Rio-grandense (acho), no qual
aconteciam as festas. Artistas do mundo todo, inclusive Errol Flynn,
que desceu do avião direto para uma ambulância e passou o tempo
todo em estado etílico.

No Hotel Jaraguá, fomos entrevistar o mestre Erich Von Stroheim, de


quem exibiram Greed, uma cópia rara. A porta do apartamento dele 81
estava aberta e o Tico-Tico, atrevido como sempre, entrou e, no chu-
veiro, quando o gordo astro se banhava, passou a palavra para mim:
“Pergunta pra ele...” “- Out! Out!” no tom dos personagens nazistas
que interpretava tão bem. Eu, que o admirava fiquei envergonhado,
mas o Tico-Tico era único.

”Seu” João me preveniu, no seu escritório na rádio Bandeirantes,


já nos tempos da Excelsior. Você é amigo do Walllinho, avisa que
essa campanha contra o pai dele é coisa do Rockefeller. Fui ao
Banco Noroeste, pois a Excelsior estava sob o comando do Edson
e Alberto.

No centrão, o único diretor era Rubens Barbalho, os outros estavam na


Europa. Avisei ao Rubens, que era uma pessoa doce. Voltou o recado do
Wallinho que o prestígio do pai dele aumentara na Europa por causa
da campanha contra. Quando voltou me disse que eu via imperialismo
por toda parte.

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Insisti em que não poderia revelar o nome que me alertara, mas não
era um esquerdista e sim um empresário do próprio setor de comu-
nicações. Muitos anos depois com a família arruinada, em uma tese
de doutoramento, ele se lembrou que, realmente, seu pai tivera um
choque com Rockfeller.

O trabalho de Mario com o café era tão bem sucedido que pensava
fazer o mesmo com o trigo, tirando a dependência em relação com
os Estados Unidos. Foi desaconselhado pelo próprio Rockefeller. Além
disso, lembro-me, as operações de café poderiam ser feitas apenas
através de bancos norte-americanos. Mario Wallace escolheu um ban-
quinho nos States que era representante de um grande banco inglês
e continuou a operar em libras.

Foi-me relatado que ele comprou a Panair do Brasil, porquanto o nos-


so país, por acordos internacionais que nos eram lesivos, não poderia
trabalhar com o café solúvel, somente in natura. No entanto, o nosso
82 homem imaginava utilizar o direito que a Panair tinha de chegar a
Moscou, pelo acordo com a Aeroflot, invadir a então União Soviética
com café solúvel e chegar á China de Mao Tse Tung através de seus
aliados russos, substituindo o chá pelo café. Megalomaníaco.

Certa feita, o Wallinho entra na minha sala de diretor – ele não tinha
sala – com um rolinho de 16 mm e quer ver o filme que chegara da
Europa. Vamos à sala de projeção, na qual Orpheu Paraventi Grego-
ri, Jayme Barcelos e Jô Soares interrompem uma exibição e parte do
filme. Lembram de Giant (Assim Caminha a Humanidade), do George
Stevens, com Liz Taylor e James Dean? Aquele casarão no deserto?
Pois bem, uma câmera no Rolls-Royce filma um gramado típico de 500
anos na Inglaterra e um enorme castelo. Jayme: Pô, que bruta castelo!
O Wallinho que era tímido, fica vermelho e diz: esse é dos caseiros, o
nosso castelo é mais adiante.

Quando deixei a TV e acertei trabalhar em cinema com ele, fazendo o


roteiro de um longa sobre Os Playboys, continuei a receber o mesmo

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salário da TV. Recusei a oferta do José Carlos Rao de continuar rece-
bendo 0,7% que ele achava eu ter direito, por ter sido quem implantou
a televisão. Tomo um táxi da TV para o banco e Wallinho apalpa os
bolsos. Tem dinheiro? Pago o táxi e lembro que venceu um mês e ele
deve me pagar; ele hesita. Tem conta no Noroeste? Sim. Pega meu
talão e não sabe se coloca US$ ou o sinal de libra esterlina no cheque.
Decide-se. Bom, você preenche. E assina o nome dele no lugar da minha
assinatura no cheque. O gerente do Noroeste na Sete de Abril pula:
Esse menino! Da próxima vez, faça-o simplesmente endossar o seu
cheque. Quanto é? Falei a quantia acertada, mas poderia ter proferido
um número qualquer que seria pago...

O grupo Simonsen era rico, como jamais tinha visto no Brasil. Eles
eram ricos não como brasileiros, mas como um grupo internacional. A
Wasim, em Zurique, na Suíça, tinha 51 empresas. A Comal, no Brasil,
comandava o nosso café. O Banco Noroeste era deles como a Panair.
Parece que eles eram descendentes de ingleses que tinham a ver com
o almirante que participou da vitória contra Napoleão em Waterloo. 83
Os negócios deles eram feitos sempre em libras esterlinas, quando a
moeda inglesa valia mais que o dólar.

Álvaro de Moya

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Caminhos da Medicina

Um cliente do contato Jayme Barcelos era o Instituto Pinheiros,


através do publicitário João Elek. Foi proposta uma série sobre os
grandes nomes da Medicina. Tivemos a verba para executar um pi-
loto. Barcelos se precipitou e tinha encomendado para o psiquiatra
e dramaturgo Roberto Freire o script e o Egidio Eccio dirigir. O autor
fez um texto muito fraco, copiando a pesquisa sobre Hipócrates, sem
nenhuma criatividade.

Vetei o piloto e chamei o Walter George Durst, contratado pela TV


Tupi, prisioneiro do convênio dos patrões, para escrever com pseudô-
nimo, como fazia para o Teatro Nove. E Ziembinski para dirigir. Saiu
excelente, com Sérgio Cardoso no papel do criador da Medicina e de
85
seu famoso juramento.

No TBC, porém, marcou-se uma reunião da classe contra o comporta-


mento antiético da direção da Excelsior. Ou seja, eu. Fui com o Durst
e sua mulher, a atriz Barbara Fazio (a Meryl Streep daquele tempo).
Minha presença surpreendeu os presentes. Fiquei em silêncio ouvindo
as críticas. Finalmente, Flávio Rangel, Antunes Filho e outros defen-
deram a nova TV, argumentando que tinha uma linha teleteatral,
muitos atores do teatro, escritores, dramaturgos, cenógrafos, etc. E
que um dos maiores do teatro brasileiro, Ziembinski, faria a direção.
Tudo terminou bem.

O piloto foi realizado com excelência e mostramos aos diretores do


Instituto Pinheiros. Quando terminou, um deles, inadvertidamente,
colocou a bola na marca do pênalti: Por que não se fazem programas
assim na nossa TV? Eu chutei no canto oposto do goleiro: porque não
tem patrocinadores. (Pausa. Silêncio). Depois dessa, observou Saulo, só
podiam assinar o contrato.

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O Jayme Barcelos, muito criativo, fez uma proposta que semearia fru-
tos, depois que eu deixei a Excelsior. Propôs que mandássemos para
Hollywood a fita de vídeo quadrúplex para feitura de um kinescope
16 mm, cujos custos seriam pagos pelo cliente e que teria direitos para
exibir essas versões para faculdades, estudantes, médicos, congressos e
outras TVs. Deu certo. As cópias chegaram com qualidade. Então, Jayme
revelou seu plano. Vamos encomendar uma cópia 35 mm e descobrir
uma maneira de fazer filmes para serem exibidos nas telas grandes do
cinema. Genial. Não haverá gasto de negativo, todo o longa-metragem
seria feito em fita de vídeo com som direto e, depois, esse grupo de
Hollywood, a Vídeo View, que já tinha ganho um Oscar por progresso
técnico, processaria o trabalho. Eles nos mandaram uma versão 35 mm
do primeiro programa. E funcionava. Sugeriram que fizéssemos um
especial com observações técnicas que nos passaram pelo telefone.
Nós, exibindo o vídeo aqui no Brasil e eles monitorando a cópia deles,
nos States.

86 É bom lembrar que a TV era em preto e branco. Má qualidade de defi-


nição. O tape era quadrúplex, a emenda com gilette, a olho. As nossas
câmeras eram velhas. Mas a ideia era válida. Apenas a Franscope, na
França, estava desenvolvendo um sistema vídeo view que o diretor não
precisava mais levantar de sua cadeira de director e enfiar o olho no
visor da câmera para saber da enquadração. E, na Inglaterra, Douglas
Fairbanks com a Pye, ensaiava o mesmo que nós… O futuro do cinema
via vídeo. Imaginem, então, quando tivermos, em breve, a TV em cores,
pensávamos! Mas, não tínhamos tempo, era uma equipe muito peque-
na para dar conta de um projeto ambicioso, que ficaria para depois.

Muitos anos mais tarde, em visita à então TV Morada do Sol, de Ro-


berto Montoro, em Araraquara, vi uma cópia 16 mm do Caminhos da
Medicina, uma série digna da televisão brasileira. Mas o teste defini-
tivo, pioneiro, da feitura de cinema pelo vídeo ainda viria num dos
próximos capítulos.

Álvaro de Moya

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Criatividade

O ambiente festivo nos bastidores da TV Excelsior incentivava a cria-


tividade. Quando contratamos Leon Eliachar para fechar a linha ho-
rizontal de humor, que tinha Mazzaropi, Amandio Silva Filho, Dercy
Gonçalves, Zé Trindade, Jô Soares, bolamos uma chamada original. O
maestro Enrico Simonetti empunha a batuta, todo sério, e a orquestra
começa. Um violino desafina, ele começa da capo. De novo, um violino
desafina. Nota Leon Eliachar com um violino na mão. Ei, você não é
da minha orquestra. O que está fazendo aqui? Estou estreando meu
programa. Seu programa? Este é o meu programa, Simonetti Show.
Mas agora é o meu. Como é seu nome? Leon Eliachar meu programa,
toda quarta-feira às 20h30. Quarta-feira? vocifera Enrico, hoje é sexta.
Leon Eliachar se desculpa e sai de fininho. Simonetti o chama: Como
é seu nome, mesmo? Leon Eliachar. OK. Vou ver seu programa na
próxima quarta-feira às 20h30. Foi a chamada de um novo programa
humorístico, dentro de um musical humorístico de sucesso.
87

Uma das criações que jamais conseguimos realizar – hoje sem graça,
devido ao computador, era a utilização do Romi Isetta do Simonetti
(depois do Jô Soares). A ideia era o Romi Isetta, ao vivo, entrar no
palco do Teatro Cultura Artística, o motorista era o pianista que saía
do minúsculo carro e atacaria a abertura do programa. O contrabaixo
sairia do carro e atacava o ritmo, o baterista era o seguinte e assim por
diante, até a entrada triunfal do maestro Simonetti. Uma orquestra
inteirinha saindo de um auto em que mal cabiam dois passageiros! Era
fácil abrir uma pranchada no chão do palco. Mas, infelizmente, o motor
do miniauto ficava no chão do carro. Essa, nós perdemos.

No programa do José Vasconcelos, fizemos uma abertura filmada com


as iniciais JK, JQ, JG, JFK e finalmente JV, ligando as diversas aberturas
das produtoras de cinema, devidamente gozadas pelo Zé. Ele era quem
segurava a tocha que queimava sua mão, na paródia da Columbia. Evi-
dentemente, rugia como o leão da Metro. Dava a volta no planeta na
abertura da Universal e descia de esqui a montanha da Paramount. Na

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abertura da J.Arthur Rank, de tanga, batia no gongo que caía no chão
com estrondo. Um dos comerciais, sempre dentro do humor do show,
sem interrupção, Vasconcelos fazia um vendedor atrapalhado que ao
oferecer a caneta-tinteiro para assinatura da compra, espirrava tinta na
camisa do Zeloni que fazia aquela cara de Gordo para o Magro. Ime-
diatamente, uma máquina de lavar roupa Westinhouse entrava puxada
por um fio invisível e Zé tirava uma camisa novinha ainda embalada
como de fábrica e dava para Zeloni. O público, no auditório aplaudia.

No Teatro Nove, na encenação de Quarto de Empregada, tivemos a


coragem de iniciar a peça antes do intervalo comercial. O teatro co-
meçava na sala dos patrões, a empregada servindo um cafezinho. Os
donos, no living, estavam assistindo à TV. A câmera entra na TV e vem
o intervalo da Excelsior que deveria ter entrado antes da abertura.
Correm os comerciais na própria TV na sala e os letreiros da peça de
Roberto Freire. A câmera afasta-se e segue os patrões, enquadra a
empregada que deixa o enorme living e dirige-se para seu minúsculo
88 quarto, onde se desenvolverá toda a peça. Os espectadores e os patro-
cinadores devem ter estranhado...

O Jô Soares não conseguia patrocínio, mas achávamos que era um


programa inovador na TV e o televisor All Aces do grupo Simonsen
aparecia como patrocinador. Jô não teve dúvidas em adular o recep-
tor do dono da emissora, nada mais nada menos que dinamitando o
aparelho do concorrente.

Na planificação do programa do Jô Soares, como o show era ao vivo e


ele em espetáculo solo, havia a necessidade algo entre os quadros do
dedinho, dele tocando piano, dançando, etc. Eu, que detestava dubla-
gem, sugeri que, ao vivo, o Jô dublasse cenas dos filmes do Cinema em
Casa com toque de humor. Tal como as revistas faziam à época, com
as fotopotocas. Virou uma atração. Ele e o Orpheu Paraventi Gregori
ficavam na cabine dias inteiros escolhendo trechos que davam inter-
pretações hilariantes. Randolph Scott vinha do deserto. Amarrava o
cavalo na porta do saloon e encontrava o barman limpando copos (já

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notaram que são os copos mais limpos do mundo? Todos barmen de
todos os western estão lustrando copos). Na versão original, Randolph
perguntava algo como “Where’s Doc?’ E o barman apontava com a
cabeça para o lado. Na dublagem de Jô, a pergunta era óbvia: “Onde é
o toalete?” E o barman apontava com a cabeça. Depois de um enorme
deserto...

No mesmo programa do Simonetti, quando era escrito pelo Jô Soares


(e também pelo Boni e pelo Walter Silva, o Pica-Pau), foi encenada
pelo Edgar e Capacete, excelentes músicos e humoristas amadores,
uma paródia do comercial do Ah! Kolynos. Aqui, um ah? de um deles
derrubava um urubu que caia lá de cima no palco. Isso nos valeu uma
carta da agência de publicidade MacCann Erickson diretamente para
a presidência sobre o mau gosto da paródia.

Álvaro de Moya

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Televisão Excelsior
por Lauro César Muniz

Início da década de 1960. Brasil vibrando de sonhos: o desenvol-vimen-


tismo juscelinista havia legado ao país uma autoestima que se refletia
fortemente nas artes: bossa nova na música, cinema novo, teatro de
Arena e Oficina renovando a estética no palco. E a Televisão Excelsior,
canal 9 em São Paulo, inserindo-se nessa euforia, propunha uma re-
novação na teledramaturgia nacional, concorrendo com a tradição da
TV Tupi.
A raiz que gerou a telenovela nacional, conscientemente ou não,
foi o Teatro Nove, com obras brasileiras, muitas inéditas, que ia ao
ar semanalmente, ao vivo, transmitido diretamente do auditório da
Rua Nestor Pestana. Se a televisão Tupi dava ênfase aos clássicos da
dramaturgia universal, no TV de Vanguarda ou no TV de Comédia,
vez ou outra visitando os temas brasileiros, o Teatro Nove se propu-
nha, de forma radical, a discutir a nossa realidade, com uma temática
91
absolutamente nacional.
Era o momento de colocar na televisão o homem brasileiro, rural ou
urbano, suas contradições diante de um país em fase de afirmação,
em forte ebulição social. Não foi por acaso que os diretores foram
selecionados entre os mais dinâmicos do teatro e do cinema local, e o
projeto comandado por Álvaro de Moya, de nítida ideologia progres-
sista, engajada até, se propunha a colocar a televisão no centro da
discussão de um novo país. No elenco, vários nomes oriundos do teatro,
como Cleyde Yáconis, Leonardo Villar, Nathália Thimberg, Rosamaria
Murtinho, Mauro Mendonça, Juca de Oliveira, Stênio Garcia, Fúlvio
Stefanini, entre outros.
Convidado pelo Flávio Rangel a escrever para o Teatro Nove, coube a
mim que, em 1961, era aluno de dramaturgia da Escola de Arte Dra-
mática de São Paulo, contribuir com três peças: A Bruxa, A Estátua e
Bar de Esquina.
Exponho os plots e temas desses trabalhos, para que se avaliem o
grau de arrojo desses teleteatros e nossa firme determinação de
fugir às amenidades.

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A Bruxa, dirigida por Adhemar Guerra, contava a história de um mé-
dico recém-formado, que voltava à sua cidade natal e cuja iniciação
sexual, no passado, fora carinhosamente conduzida por uma prostitu-
ta da cidade. O médico, noivo da filha do chefe político da cidade, é
procurado por essa prostituta, grávida, implorando que ele a ajude a
livrar-se da gravidez. Inicialmente, ele se nega a fazer o aborto, mas
depois, diante da tentativa malograda de um aborto feito pela própria
prostituta, socorre a moça, salvando-lhe vida. Assume o ato, corajo-
samente, diante da sociedade reacionária e ultraconservadora, clero
incluído. Combatido pelo futuro sogro, é obrigado a deixar a cidade
por ter sujado as mãos numa bruxa.
A Estátua, também dirigida por Adhemar Guerra, era uma comédia
que contrapunha a irreverência de um escultor ao poder de um político
do interior, os dois apaixonados pela mesma mulher, bela, escultural...
Quando jovem, o artista envolve a moça e esculpe, com realismo e
paixão, a nudez e sensualidade da vênus interiorana. Ambicionando
tornar-se um grande nome das artes plásticas, tenta convencê-la a
92 partir com ele para São Paulo. Ela não tem coragem de segui-lo, pois
sua família o considera um boêmio, um pobretão sem futuro e ela
acaba se casando com o político. Anos depois, vítima de um enfarte,
o escultor decide voltar à terra natal para rever sua paixão eterna. O
político, que pretende se eleger deputado, decide usar a morte do
grande artista para se projetar, usando-o como trampolim para sua
campanha eleitoral. Hospeda o irreverente moribundo que traz consigo
a estátua, obra que ninguém da cidadezinha vira. O escultor faz seu
último pedido, antes de morrer: que sua obra seja colocada em praça
pública. Durante a cerimônia, ao descerrar o manto que escondia a
vênus, revela-se a toda a cidade o grande amor do passado, a nudez e
sensualidade da mulher do candidato. O corno público leva a pior em
seu embate com o artista morto.
A Estátua foi o ponto de partida de uma peça de teatro, encenada
em 1966, A Morte do Imortal, que por sua vez, foi a base da novela O
Casarão, em 1976, na Rede Globo.
Bar de Esquina, um drama social dirigido por Roberto Palmari, discutia
um tema polêmico, que gerou problemas com a censura. O velho dono

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de um barzinho, em um bairro de classe média de São Paulo, luta va-
lentemente para dar condições de vida melhor a seus filhos. Com sua
bicicleta, sempre saía cedo para entregar leite e outras encomendas a
seus fregueses. Certo dia, é pego com uma quantidade pequena de
maconha, servindo de pombo-correio entre o pequeno traficante e um
cliente. O escândalo destrói sua vida, seus filhos são banidos de um
colégio religioso e não conseguem cumprir o sonho do pai. O filho mais
velho substitui o pai na bicicleta e continua sua peregrinação difícil. O
tema tóxico era, obviamente, um tabu, mas passou pela censura oficial
sem a menção à palavra maconha. Como o programa era ao vivo, um
“caco”, habilmente colocado por um ator, escapou ao controle e o
assunto ficou claro.
A TV Excelsior lançou a primeira novela diária brasileira, em 1963, já
gravada em videotape. O modelo original argentino serviu para que a
emissora assimilasse a técnica, que vinha de Cuba e do México, naciona-
lizando e logo superando em qualidade os produtos de los hermanos.
Três anos depois, já em plena ditadura, sem a liberdade dos temas do
Teatro Nove, lancei-me à aventura de fazer minha primeira telenovela: 93

Ninguém Crê em Mim, dirigida e produzida pelo Dionísio Azevedo,


que inaugurava um novo horário na emissora, o das 20h, logo depois
da novela mais importante da casa, escrita sempre pela Ivani Ribeiro,
a novelista mais ativa da época, que trazia experiência significativa da
radionovela.
Naquele momento, as telenovelas eram selecionadas e produzidas sob
responsabilidade das agências de publicidade, ao contrário dos tempos
atuais em que as emissoras têm o controle absoluto do produto e os
anunciantes se restringem aos intervalos comerciais.
Mas Ninguém Crê em Mim fugia à regra. A TV Excelsior queria lançar
um novo horário para atrair possíveis patrocinadores e agências. Dio-
nísio Azevedo havia sido o ator do filme O Santo Milagroso, baseado
em minha peça teatral. O filme, produzido por Oswaldo Massaini e
dirigido por Carlos Coimbra, foi um enorme sucesso popular. Dionísio
entendeu que o autor do roteiro sabia contar uma história com começo,
meio e fim, plena de peripécias e expectativas, condimentos básicos
para um autor de telenovela.

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Convidado por ele, inicialmente, assustei-me com a empreitada. Eu
não tinha a menor noção do que era uma telenovela. Via esporadica-
mente um ou outro capítulo das novelas no ar, mas sem entusiasmo
ou interesse. Como me adequar ao novo gênero? Dionísio me animou:
“Escreva como você quiser, use a mesma linguagem do seu teatro e
do cinema, fuja dos estereótipos”. Foi o que fiz. Escolhi um tema
bastante ambicioso: abordar, a partir das tragédias gregas, o mito de
Eletra, em linguagem, psicologia e roupagens atuais. Eletra mudou
de nome, virou brasileira, e era uma jovem (Flora Geny) que voltava
ao Brasil para investigar a morte de seu pai, poderoso empresário, e
o estranho e precipitado casamento de sua mãe com outro industrial.
A novela não obteve os índices de audiência esperados, uma vez que
eu não me preocupava com o maniqueísmo habitual para cativar os
telespectadores. No entanto, apesar da performance pouco alentado-
ra, os críticos de televisão da época reconheceram que eu trazia uma
contribuição à linguagem do gênero, fugindo dos clichês e dos diálogos
grandiloquentes, usando uma forma de expressão bastante realista
94 com frases coloquiais, como fizera até então no teatro. Deram-me o
Troféu Imprensa de melhor autor de 1966, o prêmio de maior prestígio
naquele momento. Ainda assim, jurei a mim mesmo que minha carreira
começara e terminara com aquela novela.
O historiador Ismael Fernandes escreveu anos depois sobre minha
novela: “Foi a semente que iria frutificar só dois anos mais tarde, com
Beto Rockfeller. Em 1966, era cedo ainda para renovação...”
Na verdade, eu poderia ter alcançado o público se tivesse sido menos
autossuficiente e prestasse alguma atenção à estrutura perfeita das
cativantes novelas da Ivani Ribeiro.
Meu “não” à telenovela durou apenas um ano. Em 1967, o Benedito
Ruy Barbosa, responsável pelas produções da Denison, agência de pu-
blicidade incumbida de colocar no ar um novo horário na TV Excelsior,
me convocou, argumentando que, fazendo uma novela baseada em
uma grande obra literária, eu teria um trilho seguro para narrar uma
história. Quando ele me disse que a obra escolhida era O Morro dos
Ventos Uivantes, clássico da literatura inglesa, de Emily Bronté, minha
resistência desmoronou. Eu adorava aquela história, tinha lido o ro-

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mance e visto o maravilhoso filme de William Wyler. E o diretor era,
uma vez mais, o meu querido Dionísio Azevedo. Era a minha revanche!
O Morro... inaugurava os estúdios de Vila Guilherme e tinha no elenco
Altair Lima, Irina Greco e Egídio Eccio. A novela estava prevista para ter
100 capítulos e, naturalmente, era preciso criar ações novas e paralelas
para cumprir a extensão. Além disso, meu nacionalismo ferrenho me
impunha uma obrigação: criar uma ponte entre a realidade inglesa
e a brasileira. Fui fiel à essência do romance, os personagens eram
ingleses, mas consegui, por meio da ascensão do herói Heathcliff e
seu enfrentamento com Edgar, de família nobre, fazer um retrato das
contradições de classes sociais, que surgiram anos depois em nosso país,
entre os aristocratas rurais e a nova classe sem raízes nobres.
Mas, naturalmente, o sucesso foi o imortal amor entre Heathcliff e
Catherine, que se casara com Edgar. A retomada deste tema me pro-
piciou, anos mais tarde, novelas como Os Deuses Estão Mortos na TV
Record, Escalada e O Casarão na TV Globo.
O Morro dos Ventos Uivantes foi um sucesso. Fiz muitos capítulos além
dos previstos e a novela ficou seis meses no ar, abrindo para mim um 95
longo caminho.
Descobri a força de comunicação da telenovela, aprendi a dominar
sua técnica, me joguei muitas vezes em temas arrojados, desafiando
a lei de gravidade do Ibope. Sou um dos autores que mais escreveram
telenovelas neste país.
Fiz trabalhos que me apaixonaram, fiz trabalhos que odiei. Colecionei
uma quantidade incrível de títulos, um baú cheio de vidas... páginas e
páginas, hoje amareladas, quase desbotadas, que nasceram no palco
e nos estúdios da TV Excelsior...

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96

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Bibi Ferreira na TV Excelsior
Entrevista a Álvaro de Moya

Como você começou na TV Excelsior?


Eu estava fazendo um show no Carlos Machado, aqui no Rio de Janeiro,
no Hotel Serrador, na boate Night and Day quando você, Álvaro (risos)
e Manoel Carlos foram falar comigo de uma televisão que estava es-
treando e queria fazer um programa assim, assim... que seria o Brasil,
o nome Brasil 60 apenas com... enfim, com atrações nacionais, com
atrações... com entrevistas internacionais e atrações todas artísticas
brasileiras, fizeram a proposta. Eu digo: mas eu estou trabalhando aqui.
Naquele tempo existia o Corujão, que era um avião que saía... de uma
em uma hora tanto Rio quanto São Paulo, cruzava no ar e despejava
os artistas vice-versa, do Rio em São Paulo e de São Paulo no Rio. Bom,
assim eu posso! Então fazia o programa em São Paulo, depois pegava
o avião e ainda pegava o show aqui no Rio de Janeiro.
97

Nossa! Todo domingo à noite?


Todo domingo à noite! O tempo que durou o show, chamado Festival
no Night and Day. Daí foi aquela maravilha mesmo, que eu vinha no
avião, olhava pra baixo e via aquela cidade toda iluminada, enorme.
Eu dizia: gente... – Não se dizia gente, né?! A gente dizia assim: Meu
Deus! (risos) – Meu Deus! Tão dando quarenta e dois de audiência!
(risos) E foi essa a primeira vez que eu tive contato. Depois o grande
sucesso que foi o programa e foi indo, Brasil sessenta, sessenta e
um, sessenta e dois até começaram, enfim... Quando os comandan-
tes começam... A jogar a culpa um para o outro, a gente não sabia
o que estava acontecendo lá embaixo, na parte artística, é que a...
televisão começou a ficar um pouco à deriva. A gente sentia a coisa
muito instável, quando a direção que era Edson Leite e... Saad, não!
Alberto Saad! Falaram comigo, papai também era contratado da Ex-
celsior, se nós podíamos ir falar com o chefe da nação – não se pode
dizer que fosse presidente porque não foi eleito – seria... que seria
o Castelo Branco?

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E nós, mesmo sem audiência marcada, o Edson Leite nos colocou
dentro de um avião, fomos, chegamos ao Rio, direto para o... Palá-
cio das Laranjeiras, aqui no Rio de Janeiro, e sem horário marcado,
fomos recebidos, por sinal gentilmente, pelo Castelo Branco. Ali nós
falamos, expusemos a situação da Excelsior que... seria fechada no
dia seguinte, com centenas de funcionários na rua, de uma hora para
outra! Explicamos tudo. Ele compreendeu, disse que iria fazer uma
sindicância a respeito e que amanhã ele não fecharia a Excelsior! Aí
então continuou por meses, mas como eu falei há pouco, à deriva!

E você ficou até o fim da Excelsior?


Não! Creio que fiquei... quase até o fim da Excelsior!
E não esquecer que eu não tinha só o programa Brasil 60, eu tive os
Teleteatros Telefunken, Teleteatro Renner, Teleteatro Brastemp, foram
teatros muito interessantes, da maior qualidade...

98 Era o Antunes Filho que dirigia...


Antunes, Adhemar Guerra, gente da maior capacidade artística...

Flávio Rangel...
Nosso querido Flávio, gente maravilhosa que tanto dirigia, como pro-
duzia dava as ideias para adaptar tal peça ou tal peça, como você com
a adaptação de Cartas de Madeleine e A Mãe, de Paddy Chayevsky,
esse era o nível das coisas que fazíamos... assim levamos para a televi-
são artistas de teatro, como d. Conchita de Morais, mãe de Dulcina de
Morais, que foi uma das maiores atrizes do Brasil, foi em As Árvores
Morrem de Pé, de Alejandro Casona, que ela fez na Excelsior ao vivo.

Não tinha videoteipe o teleteatro era feito ao vivo...


Não, não! Esse foi gravado! Eu me lembro que a própria Excelsior, que
já estava sem uma noção verdadeira das coisas, desmanchou esse tape,
apagou esse tape da d. Conchita, e infelizmente, como muitos e muitos
artistas famosos e primeiros artistas que trabalharam nesse teleteatro
e enfim.. na TV Excelsior... oram perdidos...

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A TV Excelsior teve três fases: aquela primeira fase minha, a segunda
do Edson Leite e depois a fase de decadência, de crise, em razão de
qual o governo já estava ameaçando tirá-la do ar.
A fase de ninguém! Exato! E é por isso que nós fomos... viemos ao Rio,
falar com o Castelo Branco.

E por que de repente o Brasil 60 virou Bibi Sempre aos Domingos?


Não sei bem, acho que foi um pedido... Não! Foi uma realização da
parte artística que queria fazer uma novidade, seria o programa de
maior duração que já teria existido no Brasil, eram oito horas.

Oito horas?
Oito horas! Começava às duas da tarde e ia até às dez da noite!

Era o Walter Avancini que dirigia?


Exato! Que produzia também! Então isto foi... Era um programa in-
teressante, eu não entrava, é claro, todas essas horas, mas entravam
vários programas... 99

Você ganhou do Silvio Santos naquela época... (risos)


Ganhava... Ganhava do Silvio Santos.(risos) Por isso o Silvio Santos,
a última vez que eu o vi, me disse: a hora que você quiser a minha
emissora tá aberta! (risos). Nós tínhamos uma audiência fantástica, e
foi um programa que teve uma popularidade muito grande, começou
com gincanas, por aquelas cidades de São Paulo e era uma coisa des-
lumbrante...

Três coisas que você fez na Excelsior: Brasil 60, Bibi Sempre aos Do-
mingos...
Bibi Sempre aos Domingos, que eram oito horas de duração e o
Teleteatro...

E o teleteatro que, às vezes mudava o nome do patrocinador mas era


sempre o mesmo teleteatro.
Exato! Foi Teleteatro Telefunken, Teleteatro Brastemp e Renner!

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Você era amiga do Peri Igel, que era dono da Ultralar e era amigo do
dono da Brastemp também, né? O Pessoal...
Da Brastemp não, mas era do Peri Igel...

Peri Igel da Ultragás, né?!


É.

Naquele tempo, os patrocinadores tinham uma participação muito


grande na televisão, mas num nível cri... participativo, quer dizer, num
nível criativo, né?!
Eles assistiam, hoje não tem muito o que assistir (risos). Mas enfim, tá lá,
as coisas mudaram, algumas para pior, outras para melhor é claro! Mas
a Televisão Excelsior na minha opinião foi assim, única! Ela deu um...
um grande exemplo do que é que pode se fazer de bom, simples, não
precisa grandes aparatos, grandes cenários, grandes efeitos especiais,
nada disso, era apenas entrar, dizer a verdade e apresentar o talento.

100 É aquilo que eu falei, você tinha pela sua experiência de show-woman
e de atriz de teatro, tinha o senso de timing, então tinha uma... uma
relação muito grande com o auditório do Teatro Cultura Artística, que
era um público quase que de teatro e esse público reagia com frisson
e transmitia isso para o telespectador, graças a essa noção de tempo,
de saber comandar uma plateia, né?
Não sei se... é por aí, por causa da prática do teatro! O teatro me dava
esse ritmo, essa...comunicação... Afinal de contas quando estreei no
Brasil 60, em sessenta, já vinha com uma bagagem de vinte anos de
teatro. Estreei em quarenta e um, com o meu pai.

Por isso que nós escolhemos você. Queríamos uma apresentadora dife-
rente do comum da televisão, e... uma coisa de que eu gostava muito
também do Brasil 60 é que ele não tinha adjetivo.
Não, não! Ele era direto no respeito que tínhamos pela pessoa, pois
quando começamos a adjetivar, os adjetivos terminam! Não é?! Sensa-
cional, fantástico, maravilhoso, chega um dia que não tem mais, para
própria pessoa, pode ser tudo isso, a pessoa que vai entrar a seguir

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não vai sobrar nenhum adjetivo, então adjetivar é muito... preocu-
pante. E nós cortamos! Eu tinha até... nós tínhamos reuniões sobre
isso, conversávamos sobre isso e eu não sou uma pessoa realmente de
adjetivar. Outro dia eu assinei uma fotografia que vai sair num álbum
de teatro, é uma fotografia de que eu gosto muito, é uma fotografia
minha sem rir, ninguém pediu, e eu tava quieta, simples e disse assim:
Esta fotografia minha é sem maquiagem e sem adjetivos!

Também o pessoal que aparecia lá dispensava adjetivos, era Jorge


Amado, Pelé, era...Orlando Silva...
Dorival Caymmi, Dalva de Oliveira, Herivelto Martins, Silvio Caldas...

O próprio nome deles já era um adjetivo, né?!


Já era o adjetivo, você não vai...

Quer dizer, você não precisava acrescentar mais nada...


Puxa vida! 101

Mas isso era moderno pra televisão daquela época...


Muito! Muito! E... enfim foi aquele... quarenta e dois de audiência!(risos)
É muita coisa!

E gozado que você tomava o avião, vinha pro Rio e não tinha noção
do que acontecia na segunda-feira em São Paulo.
Do que acontecia na segunda-feira em São Paulo... Eu sei que... nós lan-
çávamos muitas coisas pela televisão, lembro-me de uma casa, quando
apareceram estas plantas... como é que chamam? Essas plantas... De
água... ela tem um nome... Uma loja cheia de plantinhas desse gêne-
ro... Eu sei que a loja abriu no dia que nós dissemos na televisão e ela
fechou no dia seguinte porque não tinha mais nada pra vender!(risos)

Curioso...
Isso aconteceu!

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Você lembra de um dia em que a Elza Soares estava ensaiando no palco
com você e o Manoel Carlos, e o Garrincha estava no auditório, eu sen-
tei ao lado do Garrincha e ele falou: Eu e a Elza vamos casar! Eu falei:
Mas é verdade? Pode?! Aí eu chamei a Elza e falei assim: Elza? Ela: é, é
verdade! E eu: ela pode falar no ar? Pode falar no ar! Você falou! Meu
Deus! O Walter Silva publicou na primeira página da Folha do dia se-
guinte, eles foram processados pelo advogado... deu um rolo! Também
os dois eram dois... irresponsáveis, né?! Aconteciam coisas assim lá nos
bastidores da Excelsior... Você lembra aquele também? Era o primeiro
aniversário do Brasil 60, todo mundo de smoking, de repente aparece
o Grande Otelo dizendo assim: quando eu soube que era aniversário
do programa, pensei: Decerto o Manoel Carlos queria falar comigo, e
não conseguiu, então peguei o Maestro Jean D’Arco, ensaiei o número
e vim correndo, só que eu chego aqui e vejo todo mundo de smoking,
como é que eu vou conseguir um smoking agora?! Deste tamanhinho!
Tem razão, tem razão...

102 Essas histórias que aconteciam, como o programa era muito bem en-
saiado, era o estilo da televisão americana, o público pensava que...
Não sabia se era improviso ou se as coisas eram ensaiadas...
Mas era improviso! Era improviso! Porque mesmo as coisas que se
ensaiam em... em teatro, nesse tipo de televisão, chega na hora são
diferentes... Não é esta coisa tão... mentirosa, parece um... um vidro
imenso que antepara toda a emoção, hoje não existe mais emoção
porque não existe a comunicação que eu digo da intempérie.
É, se você está na sua casa e está chovendo, eu digo: meu Deus como
está chovendo aqui dentro! Vocês também estão sentindo a mes-
ma coisa, e isso era primordial, de sentirmos todos a mesma coisa!
Quando se perdia uma grande figura nacional, ou quando acontecia
um Grande Prêmio, quando era a Copa do Mundo, quando era tudo
isso, era na hora, era no dia, com as pessoas ali! Na hora! Isso era
muito importante.

Era ao vivo, como no rádio... Você lembra aquele programa que vo-
cês de repente começaram a cantar As Pastorinhas: era você, Silvio

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Caldas, Aurora Miranda, Carlos Galhardo, Dalva de Oliveira, Orlando
Silva, Lamartine Babo, todos assim no palco, cantando As Pastorinhas
o auditório levanta e canta em coro...
Era a estreia. Foi a inauguração. Levanta e canta! Todo mundo cantando!

Essa emoção que a televisão não tem hoje, que terminou praticamen-
te com os festivais de música popular, que começaram na Excelsior e
depois foram pra Record, aquele foi o grande momento da emoção
brasileira, né?! Na identificação com a música popular brasileira.
Tem razão! Foi uma fase muito bonita, e eu fico muito feliz daquela
noite, em que eu estava lá no Night and Day, no Rio de Janeiro, e
você e o Manoel Carlos apareceram lá e me convidaram pra televisão
Excelsior, Canal 9 de São Paulo.

Era gostoso... Agora fala do bastidor, como é que era? Era uma festa?
Era muita paz! Muita paz! Tudo mundo bom, era guarda-roupa,
maquiagem, contrarregra, maquinista... tudo era muito gostoso, os 103
maestros, o Simonetti, outro tão simpático...

Silvio Mazzuca...
Silvio Mazzuca! E grandes orquestras! Quem que tinha grandes orquestras
na televisão? Ninguém! Só nós! Talvez nós tivéssemos assim... nós éramos...
(risos) éramos também um pouquinho de tudo o que imaginávamos...,
os patrocinadores adoravam a gente porque dávamos audiência, essas
coisas, mas de qualquer maneira, para os outros nós éramos um pouqui-
nho, assim, feito a realeza da televisão. Isso que eu acho que nós éramos.

Mas o bastidor era muito divertido...o Manoel Carlos...


Muito! Essa parte toda de produção...

Jô Soares...
Meu Deus do céu! Isso era maravilhoso! O que é que vamos cantar
hoje? A semana que vem quem vamos chamar? Isso e aquilo... Bibi,
veio fulano, vai vir beltrano, era muito bom!

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E o programa às vezes extrapolava, passava do horário, e às vezes
terminava vinte minutos antes, o Manoel Carlos dizia assim: Bibi, faz
alguma coisa!
E agora Bibi? Fala! Fala!

Aí se começava a chamar gente, improvisar...


Você sabia, teve um Natal... teve um Natal muito engraçado! Um do-
mingo que calhou de ser dia de Natal! Era vinte e cinco de dezembro.
Tava todo mundo escalado e me lembro que uma das pessoas escala-
das era a Aurora Miranda, tava dando já sete horas, sete e meia e não
chegava ninguém! Não chegava ninguém! Aqui do Rio. Não estava
chegando ninguém pra ensaiar, ninguém pra ver roupa, pra ver... en-
fim, quando é que entrava, enfim pra ver... o script do horário, se eu
fecho o programa ou se eu abro o programa, não veio ninguém! Aí o
Manoel Carlos: Bibi, pega o violão e começa a fazer alguma coisa! Eu
fui, cantei de tudo, toquei de tudo, e cantava...se aparecia um artista,
104 entrava rápido e se desculpava: eu tenho que ir me embora! Vai cantar
um número só porque tem que pegar um avião pra ir pro Rio, pra ver
a mãe, que não sei o que, que é dia de Natal... Foi uma confusão nesse
Natal! E no vídeo, lá pro público, saiu uma maravilha! Disseram: Que
espetáculo com calor natalino!(risos) Foi esse Natal...

Eu lembro um dia que o Oscarito apareceu lá e você ia entrevistá-lo


e ele fez sinal que estava afônico, que não conseguia falar! Então...
e o que que ele faz? Pegou uma cadeira, um violino, segurou o
arco entre o joelho e os dentes, pegou o violino e ficou deslizando
o violino em cima do arco, tocando Tico-Tico no Fubá: O público
veio abaixo!
Delírio, né?!

Nunca imaginei que o Oscarito fosse um... artista, esqueceram que ele
era de circo. Aliás falando de circo, quando o Piolim saiu da TV Excel-
sior, você recomendou o seu tio-avô...
O Chicharrão (risos)...

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O Chicharrão... que fez o circo...e eu ficava boquiaberto...naquele
tempo acho que ele tinha quase noventa anos, né?!
É... por aí! Oitenta, oitenta e quatro...

E eu ficava olhando ele dando cambalhota no palco, aquele número da


gradinha que fazia, abria e fechava a gradinha, e tropeçava e passava
por cima, ensaiando com aquela idade... eu ficava impressionado, né?!
E eu me lembro de ter visto uma história em quadrinhos de um palhaço
uruguaio chamado Chicharron, era ele mesmo ou não?
Era ele! Ele era uruguaio.

Ele era uruguaio? Então ele era o Chicharrão, fizeram uma história
em quadrinhos por causa do personagem dele e depois ele veio para
o Brasil?
Exato!

E ele era seu tio-avô? 105


Não, ele não veio pro Brasil como o palhaço Chicharrão, porque os
palhaços sempre começam, quando são de circo, como acrobatas,
como ícaros, trapezistas, malabaristas, mas nunca propriamente como
palhaço! É quando eles perdem o vigor de atletas é que eles passam
para esse segundo plano! Na minha família existiu o Chic-chic, existiu
o Chicharrão e... eram três. Não é decadência, eles passam para outra
função artística...

Ah, sei! Isso é meio Fellini, essa coisa...


Todos faziam, por exemplo, um número muito bonito que era o número
das estátuas, eles se pintavam todos de branco, malha branca, tudo
branco, tudo leitoso e faziam os seis, que eram os seis Queirolo, eles
faziam as estátuas, um em cima do outro, se movimentavam e ficavam
estáticos e as luzes mudavam, era uma coisa muito bela, e daí a gente
via, e a tristeza deles quando diziam: agora vamos nos despedir. Que o
atleta pra entrar na comicidade de que era considerado baixo, cômico,
quando realmente palhaço fazer palhaçada era muito difícil!

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Piolim era... gênio, né?! ... Infelizmente no começo apoiavam o circo e
hoje em dia a televisão acabou com o circo, né?! Principalmente esses
programas que plagiavam os quadros do circo e pareciam que o circo
estava copiando a televisão quando era o contrário, a televisão é que
estava plagiando aqueles quadros famosos do circo antigo, né?!
Foi uma pena... Mas a Televisão Excelsior foi pioneira e foi amiga... se
sentia muito bem lá dentro, tanto na parte artística quanto na parte de
produção técnica, éramos muito bem tratados... homens inteligentes
como vocês da produção. Era muito bom...

Gozado! Um dia o Manoel Carlos fez uma brincadeira, a gente sempre


fazia brincadeiras de mau-gosto, né?! Mas a Lolita Rodrigues que era
contratada da Tupi, foi trazida pelo Simonetti para fazer uma secretária
burra no programa dele, e um dia nós estávamos no auditório, todos
sentados conversando e a Lolita virou pra mim e falou assim: Moya, você
não gosta de mim, né?! E antes que eu pudesse responder o Manoel
Carlos falou assim: Ele prefere a Lolita do Nabokov! Anos depois eu
106 falei pra Lolita: Olha, era uma brincadeira do Maneco, ele se referia ao
lolitismo, pelo qual todos os homens de certa idade se apaixonam, se
interessam sexualmente por moças... e ela disse: Ah, eu sabia!, vocês
eram sempre brincalhões! Mas o ambiente nos bastidores era muito
engraçado!
Isso eu não me lembro porque na maioria do tempo eu estava realmente
ensaiando, eu comandava o espetáculo inteirinho e depois a pressa de
me arrumar pra entrar no meu programa e logo em seguida ir para o
aeroporto, com destino ao Rio de Janeiro.

O Maneco tinha uma capacidade inacreditável de juntar duas, três


pessoas e conseguir um resultado que ninguém conseguia! Ele botou,
por exemplo, um quarteto de cordas do Teatro Municipal, tocando
Villa-Lobos, e de repente entra o Juca Chaves e começa a cantar as
modinhas dele naquele mesmo tom, então é... culturalmente as pes-
soas entendiam que havia uma relação entre Villa-Lobos e a música
moderna popular brasileira. Essa... se não me engano acho que foi Zuzu
Angel que escreveu no jornal O Globo dizendo que o programa era...

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Hildegard!
Hildegard?
Hildegard! Que era filha da Zuzu.

Ela disse que o programa era sub-repticiamente cultural. Quer dizer,


ele era um espetáculo, era agradável só que tinha conteúdo.
Que o desagradável na cultura é quando botam o dedinho! O dedinho
assim na frente do rosto e dizem: agora quietinhos que vem um pouco
de cultura. É o seguinte, dois pontos, e lá vai. Isso não é assim! Isso,
superficialmente é maravilhoso, mas era...toda a televisão era assim,
fazia isso sem estar dizendo dois pontos agora vai.

Também, quem estava fazendo a televisão, você vê: Magdalena Ta-


gliaferro, o Ziembinski, o Sérgio Cardoso, quer dizer, todo o pessoal
na TV Excelsior, os escritores eram o Roberto Freire, o Jorge de An-
drade, o Gianfrancesco Guarnieri, o Vianninha, o Lauro César Muniz,
o Walter Negrão, o Walter George Durst, o Túlio de Lemos... todos
eles estavam lá na TV Excelsior, escrevendo, então tinha conteúdo! 107

O Manoel Carlos, quando a gente chegava à TV Excelsior, uma vez


por outra mandava imprimir no mimeógrafo uma poesia do Carlos
Drummond de Andrade e depois inundava a televisão de cópias,
afixava no quadro, mandava para o transmissor, colocava na mesa
do superintendente, não sei o que lá... chegava de manhã, como ele
tinha passado a noite em claro escrevendo, de repente, presenciava
todo mundo lendo poesia... como uma pré-internet de nível cultural!
Eu achava gozado, admirável até o bastidor da TV Excelsior, como
a gente se divertia e isso aparecia no ar. Quer dizer, esse amor que
um tinha pelo outro...
Respeito... Cada um na sua! A parte musical do programa, do
Brasil 60, é que era primordial, nunca existiu nem vai existir coisa
semelhante.

Foi o fim de uma geração e o começo de outra na música popular


brasileira, e a Excelsior teve a sorte de pegar essa transição. A maioria
deles já não existe mais e...

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Pessoas assim de uma importância hoje, como Edu Lobo, como o João
Gilberto, o João Gilberto esteve muitas e muitas vezes se apresentando
no programa...

Estava sempre lá!


Sempre lá! Tem fotografia aí! João Gilberto, Vinícius...

Eu lembro quando você entrevistou o Lamartine Babo e ele começou


a dizer assim: Tal música: O teu cabelo... ganhou o prêmio de trinta e
dois, agora em trinta e três... E você diz assim: Essa também era sua?
Todas as músicas da década de trinta eram do Lamartine Babo, e aí
acabou virando um show aqui no Rio de Janeiro. Essa entrevista ficou
anos em cartaz aqui no Rio de Janeiro partindo da ideia que de repente
se descobriu que ele tinha feito tudo...
Porque nós inspirávamos mesmo...

108 E o Juca Chaves cantava com ele, o Juca Chaves então cantou uma músi-
ca do Lamartine e o Lamartine cantou uma música do Juca. Esse tipo de
coisa, né?! O João Gilberto confessou que imitava o Orlando Silva, o João
Gilberto conversando com o Orlando Silva diz: Eu imitava você, só que eu
não tinha a sua voz. Mas eu queria cantar que nem você! Isso no Brasil 60,
quer dizer, eram coisas inacreditáveis que aconteciam.
O Jorge Amado... que você falou... O Jorge Amado sendo entrevistado
e entra... o Dorival! O Dorival! Jorge Amado falando e entra o Dorival
Caymmi com o violão e cantando e aí o Jorge pega, Dorival pega o Jor-
ge, fica tudo misturado, ficam duas pessoas que são gêmeas no talento!

É verdade... a baianice daquele tempo...


Coisa linda! Coisa belíssima... e que fica! Isso é que é importante. Em-
bora a televisão seja um veículo que se perde no ar, estas coisas não
se perderam!

Fala a última frase sobre... fala a última frase sobre a TV Excelsior para
terminar a entrevista. Tô cansando muito você hoje...

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Não, não! Não está me cansando não, é um prazer estar aqui falando
com você sobre a Excelsior... A Excelsior com toda essa parte artística...
tinha uma coisa muito boa, eu que vinha de teatro, teatro é muito difícil,
é uma profissão... a Excelsior deu pra todos nós que viemos de outras
emissoras ou que viemos de teatro, ou que viemos de cinema, ou do
rádio, nos deu uma estabilidade para, durante um tempo da vida... essa
estabilidade cresceu a tal ponto que hoje em dia os grandes salários
da televisão brasileira em geral são todos baseados nesses atores que
saíram da televisão Excelsior, como Tarcísio, como Glória, toda esta gen-
te, e esta segurança o funcionário mais humilde da televisão Excelsior
sentia, ele se sentia como um rei porque era respeitado, todo mundo
de carteira assinada, uma coisa que era muito séria, eles tinham seu
décimo terceiro, tinham suas férias, tinham isso, tinham seu ordenado
no dia combinado, e lutavam como uma coisa primordial... eu acho
que nós todos tínhamos um orgulho... da Excelsior... Moya, te adoro!

109

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Cyro Del Nero, Álvaro de Moya, Manoel Carlos e Jô Soares

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TV Excelsior – Canal 9
por Manoel Carlos

A TV Excelsior canal 9, de São Paulo, foi um sonho só possível nos anos


1960, uma década de grande significado histórico. Do seu heroico e
belo nascimento, precisamente em 1960, à sua insultuosa morte, tudo
aconteceu nesse período de dez anos. Aos historiadores, algum dia,
caberá analisar como tudo se deu. A mim, neste momento, cabe ape-
nas lembrar a minha passagem por lá, do dia da inauguração até um
outro dia qualquer, em 1963.

Em 1960, éramos jovens. Eu tinha 27 anos e o mais velho entre nós não
teria mais que 40. Hoje, olhando para trás, fico admirado com o nosso
destemor, capacidade de trabalho, idealismo e – modéstia à parte –
com o nosso talento. Ah, como éramos talentosos e criativos! Como
sabíamos fazer coisas incríveis com um mínimo de recursos! E com o
mínimo de pessoas também. Paulo Uchoa, na superintendência, repre- 111
sentando diretamente os interesse de Mário Simonsen. Saulo Ramos
(ele mesmo, nosso depois ministro da Justiça), na direção comercial;
Carlos Paiva Lopes, um doce engenheiro, na direção técnica; e Álvaro
Moya na direção artística. No mais, eram salas de reunião, tesouraria,
etc. , além de uma área técnica. Eu tinha um cargo criado pelo Moya,
de nome pomposo: coordenador geral da programação ao vivo, que
significava, na prática, um vice-diretor artístico. Quando o Moya deixou
a emissora e me convidaram para ocupar o seu lugar, recusei. Ele foi
uma das poucas pessoas insubstituíveis na televisão brasileira.

Muitos profissionais trabalharam na Excelsior, num ou noutro período


de sua curta existência, mas o grupo inicial, na criação e realização de
programas, era composto de Roberto Palmari, Túlio de Lemos, o ator
Jayme Barcelos, Cyro del Nero, Walter George Durst, Orpheu Paraventi
Gregory, eu e o próprio Moya. Certamente estarei me esquecendo de
muitos, mas nós é que formávamos o núcleo gerador, porque estivemos
lá desde o primeiro dia.

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Simonetti Show, Teatro Nove, Mazzaro...piadas e Brasil 60 foram alguns
dos primeiros programas da Excelsior. Todos inovadores, para dizer o
mínimo. Eu fui o responsável pelo Brasil 60 e seus sucessores: Brasil 61,
62 e parte do 63. Quando saí da emissora, o programa continuou por
mais um ou dois anos, dirigido por Waldemar de Morais.

O Brasil 60 era apresentado por Bibi Ferreira. Quem se lembrou dela


para essa tarefa foi o Jayme Barcelos, num segundo momento de
divina inspiração. O primeiro foi lembrar-se do Teatro Cultura Artís-
tica para ser o estúdio da Excelsior. Ocupamos o grande e o pequeno
auditório. Na verdade, acabamos com os dois, que mais tarde tiveram
que ser reconstruídos.

De início, sem patrocínio, com as despesas bancadas pela própria


emissora, o Brasil 60 logo foi prestigiado pela Nestlé e, em 1962, pela
Renner. Era um programa muito caro para os padrões da época. Trazí-
amos artistas de todo o Brasil, inclusive grupos folclóricos com 20, 25
112 pessoas, o que representava um custo alto com passagens e hospeda-
gens, além dos cachês. Pagávamos bem. Me lembro que o cachê mais
alto era o de Orlando Silva, mas com tantas mudanças da moeda, já
não saberia dizer em quanto importava. Orlando foi também o artista
mais assíduo do programa durante os 3 anos em que esteve sob minha
responsabilidade, seguido de perto pelo Dick Farney.

O Brasil 60 era muito simples: câmeras fixas nas laterais do teatro,


que aos domingos abrigava mais de mil espectadores. Bibi Ferreira,
no centro do palco, anunciava as atrações, fazia entrevistas, cantava,
representava, com muito talento para todas essas tarefas. Não tínha-
mos contratados. Eram todos free-lancers. Mais tarde, acho que a partir
de 1963, com a entrada de Edson Leite e Alberto Saad na direção da
emissora, um festival de dinheiro comprou o passe dos artistas mais
populares do Brasil. Esvaziou as outras emissoras e estabeleceu um
padrão rígido de qualidade.

Mas aí já não era a nossa TV Excelsior, aquela que abriu suas câ-
meras para 4 horas de entrevista com Jean-Paul Sartre e Simone de

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Beauvoir, e outras tantas horas com Eugène Ionesco, quando eles
estiveram no Brasil. Já não era a TV Excelsior dos nossos sonhos,
voltada para o Brasil. Não. Aí já era a Excelsior do dinheiro do Má-
rio Simonsen.

A Excelsior formou muitos profissionais, assim como influenciou os que


já estavam formados, como eu mesmo, que estava na estrada desde
1951. Foi lá que eu conheci o prazer e a alegria de fazer televisão. E
vem de lá também o embrião de tudo que eu realizei na TV Record, a
partir de 1965, como O Fino da Bossa, Bossaudade, Corte-Rayol Show,
Família Trapo, Esta Noite se Improvisa, etc. Foi na Excelsior desse tempo
heroico que nasceram o Zimbo Trio, Jair Rodrigues, Elis Regina, para
citar apenas três exemplos.

Foi na nossa Excelsior que juntamos no palco Orlando Silva, Silvio Caldas,
Carlos Galhardo, Dorival Caymmi, Nelson Gonçalves, Gilberto Aves e
Cyro Monteiro. Foi lá também que formamos duplas como Juca Chaves 113
e Lamartine Babo, João Gilberto e Orlando Silva, Aracy de Almeida
e Silvinha Teles, Elizete Cardoso e Alaíde Costa, Marlene e Emilinha
Borba, Dalva de Oliveira e Ataulfo Alves, Dick Farney e Lúcio Alves.
Numa outra ocasião formamos um trio simplesmente genial: Pixingui-
nha, Jacó do Bandolin e Luperce Miranda.

Em 1962, décimo aniversário da morte de Francisco Alves, fizemos


um Brasil 62 homenageando o grande cantor. E no saguão do teatro
montamos uma exposição de objetos, documentos, partituras, fotos,
pertencentes a ele.

E toda essa riqueza musical era ensaiada durante a tarde de domingo,


algumas horas antes de abrir o pano, em arranjos e direção musical
do pianista Pedrinho Mattar (com seu trio) e do flautista Mauro Sil-
va, com seu regional. O refinamento não estava em nenhum arranjo
elaborado, que não havia tempo para isso, mas no talento desses
músicos brasileiros.

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Abríamos espaço para apresentações longas, como a de um domingo
em que Vinícius de Moraes ficou mais de meia hora no palco, cantan-
do e dizendo poemas. Abríamos espaço para tudo que era bom. E os
artistas que compareciam ao programa, recebendo cachês generosos,
certamente teriam pago para participar da festa que era cada progra-
ma dominical.

A Excelsior era um luxo de simplicidade e simpatia. E o público gosta-


va, aprovava, incentivava. Lutávamos contra empresas poderosas, em
termos de audiência, como a Tupi e a Record, mas não fazíamos feio.
Tínhamos uma parcela qualitativa de audiência bastante expressiva.

Essa era a TV Excelsior da qual eu participei e da qual tenho profunda


saudade. Depois dela veio a Excelsior das novelas, dos shows milio-
nários em palcos giratórios, dos contratos milionários, da opulência.
Esta também tem muito valor, já que foi o embrião da TV Globo de
hoje, campeã de audiência também. Mas essa última, tendo bastan-
114 te dinheiro, é mais fácil de fazer do que aquela que precisava contar
apenas com o idealismo de todos nós. Essa era a nossa fortuna. E essa
não abre falência e nem é fechada pelo governo.

Já não há mais espaço para esses sonhos na televisão, mas lembrar-se


desse que sonhamos juntos já é bastante gratificante.

Eu agradeço a oportunidade e dedico essas lembranças ao querido


amigo Roberto Palmari, morto tão cedo mas, mesmo assim, ainda com
tempo de realizar esse sonho em nossa companhia, de fazer três belos
filmes e ocupar um lugar cativo no meu coração e na minha memória.

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A TV Excelsior da Rua Nestor Pestana: Anos 60
por Cyro Del Nero

Cheguei da Europa depois de três anos de peregrinação e trabalho


nos teatros e expondo pintura em galerias de arte. Encontrei em São
Paulo a minha geração colocada e andando: Manoel Carlos escrevia
programas de televisão, Flávio Rangel tornava-se diretor do Teatro
Brasileiro de Comédia, Bento Prado Jr. e Roberto Schwartz filosofavam
e Roberto Palmari dava uma mão ao pai na camisaria do Brás durante
o mês do Natal. Saíamos das iniciações e aprendíamos a viver.

Imediatamente eu estava fazendo uma maquete para um programa de


Nilton Travesso (Viagem à Lua) escrito por Manoel Carlos. Em quatro
meses comprei meu primeiro carro e a grande virada veio através do
Manoel Carlos. Ele tinha uma ideia para um programa que poderia
– como foi – patrocinado pelos Calçados Clark. Era uma espécie de
Aventura de um Sherlock Holmes, e o desfecho seria sempre descobrir
que “O Segredo está nos Pés”. 115

O que eu deveria fazer para a ideia do Maneco poderia ser um “es-


pelho” do programa. Uma apresentação gráfica de como ficaria visu-
almente o programa que ainda não existia. Maneco foi oferecê-lo ao
Álvaro Moya que então preparava a inauguração da Televisão Excelsior
que logo mais significaria um divisor de águas entre as televisões an-
teriores e o futuro brilhante da televisão brasileira.

O Álvaro Moya examinou o espelho do programa e perguntou ao Mane-


co quem tinha feito aquilo. O Maneco deu meu nome e me referendou
como amigo de juventude recém-chegado da Grécia e Alemanha, onde
tinha feito teatro e na França, havia exposto pintura.

Moya disse ao Maneco que eu seria o diretor de arte da emissora que


em poucos dias estaria no ar. E foi assim.

Álvaro Moya foi o antecedente mais próximo daquilo que seria o Boni.
Tinha um entusiasmo e uma alegria revolucionária, uma atitude dire-

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ta a respeito do que queria e um gosto moderno do espetáculo. Sua
formação vinha das artes gráficas e sua capacidade de julgamento das
artes visuais facilitou muito nossa imediata empatia.

Trabalhei durante alguns anos com a Excelsior, cercado de amigos


brilhantes como o Maneco, o Álvaro, o Roberto Palmari, o Orfeu
Gregori e outros.

Criei um departamento de comunicação visual para a emissora. Minha


primeira decisão foi: aqui ninguém desenha. Surgiu meu primeiro
assistente, o Tide. E a ordem foi essa: você está proibido de desenhar.
Você tem aqui cartões pretos e brancos, uma tesoura, uma régua e um
estilete. Corte e cole, faça montagens. Tide é o Tide Hellmeister que –
obedecendo à minha ordem – tornou-se um brilhante artista gráfico,
fazendo até hoje, exclusivamente... colagens.

Tal estilo criou o primeiro programa de identificação visual de uma


116 emissora no Brasil: passar pela imagem da Excelsior era reconhecê-la
e reconhecer também a qualidade e a modernidade inexistente nas
outras emissoras. Quem criou a marca da Excelsior foi o Ruy Perotti,
da Lynxfilme, vindo de encontro a uma linguagem exigente que nós
instalamos no ar.

A partir de doze meses depois, eu assumi o departamento de cenografia


criando os cenários do programa produzido e dirigido pelo Maneco,
apresentado pela Bibi Ferreira, que foi o Brasil 60 e os subsequentes.
Foi neste programa que pudemos exercitar uma nova cenografia te-
levisiva. Tive por norma tornar visualmente informativo o design da
cenografia da Excelsior. Domingo à noite, no programa apresentado
pela Bibi, tivemos uma favela no palco montada graficamente com
velhas esquadrias de madeira, venezianas, portas, janelas patinadas
como as de uma própria favela.

Mas, no domingo seguinte, o cenário era dedicado à obra de Joan Miró.


Mais uma semana, e teríamos um grande candelabro do qual desciam

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grandes cortinas. Este cenário mais sete dias e se transformaria numa
jaula de tigres verdadeiros.

A Excelsior nos dava visibilidade. Geraldo Ferraz, crítico de arte de sau-


dosa memória, me convidou para expor na Galeria São Luiz, na avenida
São Luiz. A Excelsior veio à abertura da exposição como também a nata
dos artistas plásticos paulistanos. Durante a exposição, Geraldo Ferraz
me deu um conselho: volte, não fique aqui. Volte para a Europa.

Mas não voltei. O trabalho de equipe – televisão e teatro - me fasci-


nou. Correr toda a semana para colocar no ar um novo programa ou
trabalhar para uma estreia teatral – em equipe, são aventuras que dão
uma nova vestimenta ao ato de viver. Fiquei: na Excelsior e no TBC.

A Excelsior foi um respiradouro para que uma televisão fizesse mais do


que se fazia. Profissionais afluíam com ânimo e ideias novas. A Excelsior
estava conectada com o mundo do jornalismo alternativo (tivemos uma
noite louca com os jovens do Pasquim) e com a cultura trazida pelas 117
mãos do Bento Prado Jr. Literalmente pelas suas mãos tivemos Jean-
- Paul Sartre no palco da Nestor Pestana.

Nosso teatro para os shows ao vivo era o Teatro de Cultura Artística


e nele produzíamos toda a programação. Transformamos aquela rua,
na rua da nova televisão. Não seria raro encontrarmos nas mesas do
bar da esquina Lamartine Babo, Heitor dos Prazeres, Ataulfo Alves,
Cyro Monteiro, Dalva de Oliveira, Silvio Caldas e Orlando Silva. Foi o
programa do Maneco e da Bibi, que tirou do oblívio as clássicas figuras
da música popular brasileira, dando-lhes um renascimento.

Tive o privilégio de encontrar na Excelsior Ziembinski e trabalhar com


ele na criação de Caminhos da Medicina. Vi nascer Jô Soares para a
televisão. Fui o cenógrafo do primeiro Festival da Música Popular Bra-
sileira – e muitos outros depois.

Vi chegar um jovem maestro que estava partindo para Freiburg, para


voltar depois de alguns anos como o maestro jovem de maior visão da

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música e do que esta poderia significar com um pouco de coragem –
Júlio Medaglia.

A sala do Álvaro Moya tinha na parede uma grande tela minha e


entrando na sala, Lívio Rangan, da Rhodia, perguntou de quem era
a tela. Moya deu meu nome e ajuntou que o cenógrafo da minissérie
que Lívio comprara seria eu. Dias depois, Lívio veio ver o cenário e
decretou que eu deveria ir procurá-lo. No seu escritório, na Standard
Propaganda, ali na esquina – Praça Roosevelt – sua primeira pergunta
foi: Você tem uma firma? Não - respondi. Abra uma.
Esta sugestão de Lívio mudou minha vida. Fui o cenógrafo para a moda
nos anos 1960, durante 8 anos.

Enquanto trabalhava na Excelsior,com esses colegas de entusiasmo pela


televisão, Flavio Rangel dirigindo e eu criando cenários, produzíamos
teatro no TBC de Franco Zampari. Em 1962, ganhei, na Bienal de Artes
Plásticas, o Prêmio “Melhor Cenógrafo Nacional”.
118
Foram anos cheios de entusiasmo, e ainda creio que a TV Excelsior do
Álvaro Moya gerou a televisão moderna brasileira e foi o fulcro de
atividade e energia que gerou o que a partir dali eu viveria.

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TV Excelsior: O Salto Qualitativo
pelo Maestro Júlio Medaglia

O mais popular e endemoninhado veículo de comunicação de massa


da segunda metade do século XX, a televisão, foi buscar seus primei-
ros mecanismos de atuação em outras áreas e formas de expressão. A
milenar e consistente tradição cultural europeia fez com que aqueles
países, conscientes dos recursos e do poder do novo meio, criassem uma
TV paraestatal, conteudística e repleta de valores do passado, os quais,
ao serem “reutilizados”, emprestavam também maneirismos de suas
linguagens ao novo canal de expressão. Nos seus primórdios, portan-
to, a TV europeia era mais literatura, concerto, cabaré, teatro que um
novo código de comunicação. Ou seja, um veículo de outros veículos.
Nos Estados Unidos, onde havia uma forte indústria de comunicação
de massa moderna, operando e comercializando em grande escala a
imagem em movimento e som simultâneos, o cinema hollywoodiano,
que os primeiros experimentos televisivos foram buscar suas ferramen-
119
tas básicas.

A televisão brasileira, fundada em 1950 e uma das primeiras do


mundo, optou por outro caminho. Como não tínhamos uma tradição
cultural de alto repertório tão grande como a europeia e arraigada na
população, e nem uma indústria cinematográfica consistente, foi em
outro veículo, extremamente popular e criativo, igualmente eletrônico
e original em sua linguagem, e o mais recente, à época, o rádio, que
o brasileiro foi buscar as bases e os profissionais para a implantação
de sua TV. Jogando com a ousadia de linguagem do rádio, com a ca-
pacidade do som de atuar diretamente na imaginação, com a falta de
compromissos de nossos autores iniciais com linguagens anteriores ou
preconceitos culturais, brincando com os recursos do próprio veículo,
nossa TV já nasceu original e feiticeira. E foi em consequência desse
início “correto” que ela, ao desenvolver-se e industrializar-se, tornou-
se a mais apreciada, em termos de linguagem, em todo o mundo.
Os primeiros dez anos da TV brasileira, liderados em todos os sentidos
pela TV Tupi de Chateaubriand, foram efetivamente de festa. Todo

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o brilho mágico do nosso rádio acrescido da imagem em movimento,
ganhava dimensão ainda maior. No início dos anos 1960, porém, um
novo fenômeno aconteceu em nossa TV que a todos surpreendeu. Todo
aquele know-how adquirido na primeira década, fora assimilado por
uma nova emissora que surgia, só que de seu mecanismo fazia parte
um novo repertório de ideias e profissionais que deram um sentido
inteiramente diferente ao veículo: a TV Excelsior.

E o grande responsável por essa guinada foi Álvaro Moya. Com-


petente profissional nas áreas de comunicação, mas também um
intelectual de mão cheia, Moya soube entender a criatividade dos
intuitivos do início da TV e mesclá-la com a inteligentzia paulista.
Sob sua condução, artistas brasileiros que fariam parte de uma “cul-
tura de elite”, passaram a dialogar com os geniais artesãos do novo
veículo, fazendo assim surgir uma nova televisão, ao mesmo tempo
inteligente e popular, culta e ágil, descontraída e informativa, cria-
tiva e acessível, prestadora de serviço e não chata, conteudística e
120 dinâmica, superficial e profunda, ousada e responsável, renovadora
e lucrativa.

Nela era possível ver-se de Guarnieri a Fellini, de Pagano Sobrinho


a Ionesco, de Dick Farney a Magda Tagliaferro, de Oswaldo Moles a
Sartre, de Brigitte Bardot a Bibi Ferreira, do maestro Ernrico Simonetti
com seu show bem-humorado ao barroco mineiro (dirigido por mim),
de Orlando Silva a João Gilberto (fazendo duetos antológicos) e assim
por diante. Ou seja, uma cultura popular infiltrada de valores da cultura
universal ao simples toque de um botão doméstico.

Nos dias que correm, neste início de era/século, que tempos uma TV
cheia de brilho e competência artesanal, nada melhor se poderia desejar
que o reaparecimento de uma nova TV Excelsior, para mostrar que um
veículo, para ser de massa, não tem que ser imbecil.
P.S.: O Julio modestamente esqueceu de um programa que ele e o Ro-
gério Duprat fizeram no horário de um grande sucesso humorístico da
TV Record. O contraponto era uma produção voltada à música clássica

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numa interpretação contemporânea, que apresentava de Bela Bartok
a Mayuzumi. A colaboração de Júlio Medaglia com Rogério Duprat
já era uma antecipação do que viria a ser o movimento da Tropicália.

Graças ao concerto sobre barroco mineiro que o Júlio cita, ele ga-
nhou uma passagem aérea P.P.S., para ir à Alemanha, a convite do
governo alemão, para um curso de regência no qual foi colega de
classe de Frank Zappa.

121

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Bom-dia, São Paulo
São Paulo do meu coração
Que tenhas um dia de amor e alegria
No teu crescimento e na tua energia...

122 Bom-dia, São Paulo


São Paulo do meu coração
Canal 9 está entrando em seu lar
TV Excelsior está no ar...

(Tema de abertura da programação da TV Excelsior)

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O Panorama Musical dos Anos 60 e a TV Excelsior

por Fátima Feliciano


Panorama internacional

Há quem garanta que os anos 1960 não começariam, realmente, em


termos musicais, até o lançamento, em 1963, na Inglaterra, do primeiro
álbum dos Beatles – Please Please Me, e logo em seguida, com o segun-
do álbum – With the Beatles. A rigor, os Beatles já vinham fazendo
sucesso desde o ano anterior com Love Me Do – o primeiro compacto
simples do grupo. Mas, o fenômeno cultural conhecido internacional-
mente como Invasão Britânica não teve foco somente nos Beatles. Mais
de 300 grupos musicais gravitavam em Liverpool, Manchester e Lon-
dres, em torno de uma música que nada mais era que a revitalização
atualizada do rock’n’roll da primeira hora.

Na verdade, The Beatles, Gerry and the Pacemakers, Brian Poole and
123
The Tremeloes, Herman’s Hermits, The Hollies, The Rolling Stones, The
Kinks e todos os grupos que vinham ganhando espaço nas paradas de
sucesso internacionais, naquele início de anos 1960, não escondiam
suas origens: o blues ou o rock americano original de Bo Didley, Buddy
Holly, Chuck Berry, Little Richard e, claro, Elvis Presley. Apenas, esse
rock havia se misturado a influências locais, tais como o skiffle, ritmo
de origem também americana dos anos 1920/30, e que era tocado e
dançado por grupos de jovens nas ruas, desde a década de 1950.

Mas, em oposição a isso, há os que garantem que a afirmação de não


existir música de boa qualidade para jovens desde a decadência do
rock de primeira geração até o estouro dos Beatles seria um exagero.
O jornalista Ayrton Mugnaini Jr., no seu livro História do Rock, das
Raízes ao Hard, garante que isso não é verdade, e aponta para a ex-
plosão dos Beach Boys – que misturavam doo-wop, boogie-woogie,
folk, gospel e o chamado Surf Rock, que também envolveu Ventures
e os ingleses Shadows, que inicialmente foram a banda de apoio do
cantor inglês Cliff Richard.

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Os nova-iorquinos The Four Seasons, que também estouraram na mes-
ma época, também tiveram seu forte nos vocais ao estilo doo-wop,
acrescentando uma pitada de pop, por influência de seu líder e vocalista
Frankie Valli, que mais tarde voltaria ao topo das paradas de sucesso
com o tema de abertura do musical Grease, em 1978.

Esse período de entressafra também marcou o surgimento dos artistas


da Motown – a lendária gravadora dedicada ao som negro – com Diana
Ross & The Supremes, Smokey Robinson, Steve Wonder (ainda criança),
Martha Reeves & Vandellas, Four Tops e, já no final da década, Michael
Jackson e os Jackson Five.

Enquanto isto, ainda em 1962, um jovem compositor havia encantado


Nova York. Seu nome? Bob Dylan. O jovem cantava canções folk, e
mais tarde abalaria as estruturas musicais tocando folk com guitarra
elétrica, por influência do recém-amigo John Lennon.
124

Os estudiosos do som dos anos 1960 consideram, a rigor, então, que


houve, pelo menos oito grandes blocos musicais no campo da música
internacional cantada em inglês na década: o rock/twist americano do
início da década (Beach Boys, Four Seasons, Paul Anka, Neil Sedaka,
Ventures, Chubby Checker), a folk music de Bob Dylan, Joan Baez e
outros, O Som da Motown (Supremes, Four Tops, Smokey Robinson,
Stevie Wonder, Michael Jackson & Jackson Five), a Invasão Britânica
(Beatles e grupos já citados), o Som da Califórnia (Mamas and Papas,
The Byrds), o Som de San Francisco (Greatful Dead, Santana, Van Morri-
son), a country music de Credence Clearwater Revival e America (pouco
depois), o som dos cantores/orquestras hispânico(a)s tais como Chris
Montez, Trini Lopez, Santana e Tijuana Brass, do maestro Herb Alpert.

Devemos considerar, ainda, e sem demérito, o grande sucesso inter-


nacional dos cantores e grupos italianos e franceses, que, no caso do
Brasil, se constituíram, também, numa segunda invasão européia.

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Música e Cinema

Mas, na verdade, musicalmente, o início dos anos 1960 havia sido


morno. O sucesso de alguns filmes traria para o grande público, te-
mas de trilhas de sucesso. Era o caso do tema de Ben-Hur, filme que
conquistara 11 Oscars, em 5 de abril de 1960, muito embora tenha ce-
dido o prêmio de melhor trilha para Exodus e o de melhor música para
Nunca aos Domingos (Never on Sunday), estrelado por Melina Mercury.

Em 1961, a atriz Audrey Hepburn estrelaria Bonequinha de Luxo (Bre-


akfast at Tiffany’s), cujo grande sucesso seria Moon River, de Henry
Mancini e Johnny Mercer, que levaria o Oscar. No ano seguinte, 1962, a
mesma dupla repetiria o feito com a belíssima Days of Wine and Roses,
de Vício Maldito (Days of Wine and Roses). Tender is the night (Suave
é a Noite) também seria um grande sucesso daquele ano apesar de ter
perdido o Oscar para Mancini.
125

Em 1963, Call Me Irresponsible, de O Estado Delicado de Papai (Papa


Delicate’s Condition) levaria o Oscar, mas o tema de Charada (Charade),
e It’s A Mad, Mad, Mad, Mad World (Deu a Louca no Mundo), e More
do filme Mundo Cão (Mondo Cane) se destacariam.

Em 1964, ganha o Oscar o tema de Mary Poppins, Chim Chim Cher-ee,


de Richard M. Sherman e Robert B. Sherman.

No ano de 1965, The Ballad of Cat Ballou, do filme Dívida de Sangue


(Cat Ballou), I Will Wait For You, de Os Guarda-chuvas do Amor (The
Umbrellas of Cherbourg), de Michel Legrand, e What’s New Pussy-
cat, (O Que é Que Há, Gatinha?), cantada por Tom Jones, do filme
homônimo, da dupla Burt Bacharach/Hal David fariam sucesso, mas
o Oscar iria mesmo para The Shadow of Your Smile, do filme Adeus
às Ilusões (The Sandpiper), com música de Johnny Mandel e letra de
Paul Francis Webster.

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Em 1966, temos Alfie de Como Conquistar as Mulheres, de novo da
dupla Bacharach/David e Georgy Girl (Georgy – A Feiticeira), cantada
pelo grupo inglês The Seekers, mas a grande vencedora seria Born Free,
de A História de Elza, de John Barry e Don Black, que foi popularizada
por Nancy Wilson.

Em 1967, embora a grande vencedora do Oscar tenha sido Talk to the


Animals do filme O Fabuloso Dr. Dolittle (Doctor Dolittle), letra e mú-
sica de Leslie Bricusse, o grande sucesso foi The Look of Love, de novo
da dupla Bacharach/David, do filme Cassino Royale (Casino Royale).

Em 1968, o grande sucesso de Chitty, Chitty, Bang, Bang, de O Calham-


beque Mágico, de Richard M. Sherman/Robert B. Sherman, e outras
canções como For Love of Ivy (Quincy Jones/Bob Russell) e Funny Girl
(Jule Styne/Bob Merrill), não empanaram o brilho da magnífica The
Windmills of Your Mind, do filme Crown o Magnífico (The Thomas
126 Crown Affair), de Michel Legrand, Alan e Marilyn Bergman, ganhadora
do Oscar daquele ano.

Em 1969, o inglês Oliver cantando Jean do filme Primavera de uma


Solteirona (The Prime of Miss Jean Brodie), de Rod McKuen e What
Are You Doing the Rest of Your Life?, do filme Tempo Para Amar,
Tempo Para Esquecer (The Happy Ending) de Michel Legrand / Alan
e Marilyn Bergman, tiveram dificuldades de ganhar da bonita e fun-
cional Raindrops Keep Fallin’ On My Head, de Butch Cassidy and the
Sundance Kid, da imbatível dupla Bacharach/David, cantada por B.
J. Thomas.

Naquele ano (1969), muito embora o filme só fosse realizado dez anos
depois (1979), por Milos Forman, é preciso lembrar o enorme sucesso
das músicas ligadas ao musical da Broadway Hair: Aquarius/Let the
Sunshine in, com The Fifth Dimension, Easy to be hard, com Three Dog
Night, Where do I go, com Julio de los Rios e Good Morning Starshine,
com o cantor inglês Oliver.

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Em 1970, For All We Know do filme As Mil Faces do Amor (Lovers and
Other Strangers) de Fred Karlin/Robb Royer/James Griffin, cantada
pelos Carpenters, levaria o Oscar.

Ainda no cinema, vale lembrar que, em 1962, se iniciava a saga do


charmoso agente britânico 007, com 007 Contra o Satânico Dr. No (Dr.
No), com Sean Connery e de suas trilhas famosas, entre as quais Shirley
Bassey com Goldfinger, Tom Jones com Thunderball, do filme 007 Con-
tra a Chantagem Atômica, Nancy Sinatra com You Only Live Twice de
Com 007 Só Se Vive Duas Vezes, e o magnífico Louis Armstrong com a
belíssima e inesquecível We Have All The Time In The World, de 007 A
Serviço de Sua Majestade.

Os seriados, a TV e suas trilhas sonoras famosas

Os seriados já haviam se constituído num grande sucesso no cinema.


Levar o público de volta às salas de cinema, semana após semana, era 127
um grande desafio para os estúdios. E os seriados eram uma parte
importante deste esquema.

Quando a indústria televisiva se estabeleceu nos Estados Unidos, em


1947, Hollywood encarou a televisão como um perigoso concorrente,
permitindo a exibição somente de filmes antigos na telinha. Depois,
descobriu que poderia levar toda sua produção classes B e C para a
TV. Surgiram, então, os filmes seriados. Foi inevitável, e não casual,
que o cinema e sua experiência vitoriosa fosse levada para a TV. E a
melhor experiência do cinema foi levada para a TV com os seriados.
Clássicos como I Love Lucy ou Twilight Zone (Além da Imaginação) são
vistos e causam impacto até hoje. Outros perderam um pouco o apelo
ou ficaram anacrônicos.

A TV brasileira também acabou por ocupar-se dos seriados, por aqui


maldosamente chamados de enlatados. Em princípio, a ideia era com-
pletar a programação, ainda defasada.

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Mas, embora se reconhecesse, à época, a necessidade de certa reserva
de mercado para a produção genuinamente nacional, por parte de
alguns críticos da invasão cultural americana, há que se reconhecer a
boa ou excelente qualidade de alguns títulos.

A TV Excelsior, por exemplo, teve grandes sucessos de audiência com


vários seriados. Alguns eram excelentes – como por exemplo Cidade
Nua (Naked City). Alguns eram bem interessantes, como 77 Sunset
Strip, ou Pânico. A saga dos médicos famosos, que teria o auge nos
recentes Plantão Médico (ER) e Chicago Hope, começaria com Richard
Chamberlain, no papel do Dr. Kildare, e com Ben Casey, estrelado por
Vince Edwards, e que a Excelsior, para evitar concorrência, resolveu
comprar também.

Um seriado considerado clássico e que foi exibido pela Excelsior foi Ou-
ter Limits, por aqui chamado de Quinta Dimensão. Uma das melhores
coisas já vistas em todos os tempos em TV e que, infelizmente, pouco
128 vistas em reprises.

Outro grande sucesso da Excelsior foi Big Valley, com Barbara Stanwi-
ck, no papel da matriarca que comanda uma propriedade rural. Mas,
talvez, o grande sucesso de crítica e público tenha sido mesmo o super-
inovador seriado The Monkees, que mudaria o ritmo das produções
realizadas até então. Sob a criação/direção/produção dos talentosos
jovens Robert Rafelson e Bert Schneider (e da colaboração preciosa
de Paul Mazursky e Larry Tucker) fizeram toda a diferença. Isto, sem
contar com o talento dos quatro cantores músicos, evidentemente.

O seriado estreou em março de 1967, na Excelsior, apenas alguns me-


ses depois da estreia na TV americana (setembro de 1966), e já no ano
seguinte levava dois Emmy, o prêmio máximo da TV americana.

Os Monkees, em princípio, seriam apenas uma reação americana à in-


vasão britânica. Mas a estória dos Monkees, nestes quase 40 anos (eles
ainda estão vivos e na ativa), revelou muito mais que isto.

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A música foi muito mais que do que os ingleses esperavam e o seriado
tornou-se cult e inspiração para muitos outros que viriam e contariam
a saga de 4 amigos em movimento. Certamente, acabou por inspirar
a Família Do-Ré-Mi (The Partridge Family) e o desenho animado The
Archie Show. E mais recentemente Friends e, até quem sabe, Sex and
the City. Na TV brasileira, logo de início, inspirou a formação de quatro
morando numa mesma casa dos Trapalhões, também na TV Excelsior
(naquela época Adoráveis Trapalhões) e mais recentemente os quatro
amigos de Sexo Frágil (embora estes não morem numa mesma casa).
Como diria Chacrinha: “Em TV, nada se cria, tudo se copia.”

O panorama musical e televisivo nacionais

Enquanto isto, por aqui, no início da década de 1960, o que se ouvia


nos bailes dos anos dourados eram estes temas musicados de filmes,
tocados por orquestras. Ouvia-se, também, Moonlight Serenade de
Glenn Miller, que foi o grand-finale da novela de Lauro César Muniz,
Escalada. Ray Conniff já impunha seu novo som, e os grandes nomes 129

internacionais eram Nat King Cole e Johnny Mathis.

Nos bailinhos mais descolados estava se ouvindo rock’n’roll. Naquele


momento, cantores da depois chamada Velha Guarda, como Vicente
Celestino (1895-1968), Francisco Alves (1898-1952), Jorge Veiga (1910--
1979) ainda faziam sucesso junto ao seu público e Francisco Alves ainda
tinha sua morte prematura e violenta chorada pelos fãs. Miltinho (Pa-
lhaçada), Elza Soares (Mulata Assanhada), Giane (Dominique), Joelma
(Não Diga Nada), Morgana (Não Sei Explicar) com programa exclusivo
na Excelsior, Altemar Dutra (Brigas) e sua mulher, a cantora Marta
Mendonça, já lideravam as paradas de sucesso nacionais.

O Moacyr Franco Show, comandado pelo mais popular cantor romântico


daquele momento (Suave é a Noite/Que Será de Ti) e o Times Square,
programa musical humorístico, eram os grandes sucessos da programa-
ção da TV Excelsior, que já produzia novelas famosas, dentre as quais
As Minas de Prata e A Grande Viagem.

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Nos parques de diversão, meio muito popular de entretenimento à
época, tocavam-se, sem cessar nos alto-falantes boleros nativos, as
músicas populares românticas e a famosa Cu Cu Ru Cu Cu Paloma, mais
tarde regravada por Caetano Veloso. Tocavam-se, também, Quem é,
de Silvinho (pseudônimo de Silvio Lima, popularíssimo cantor deste
início de década), ou Sonhar Contigo (Adilson Ramos) ou Luar de Vila
Sônia (Mário Martins).

No rádio, entre os programas de maior audiência em São Paulo, estavam


O Picape do Pica-Pau, de Walter Silva, o Pica Pau, e o Telefone Pedin-
do Bis, de Enzo de Almeida Passos, ambos pela Rádio Bandeirantes.
Programas de música jovem também surgiam nas rádios Bandeirantes
e Nacional (SP) e em outras emissoras do Rio de Janeiro e do País. O
principal foi Os Brotos Comandam, com Sergio Galvão, em São Paulo
e Carlos Imperial no Rio.

130 Em 21 de novembro de 1962, cerca de 3 mil pessoas lotaram o Car-


negie Hall, para assistir a uma apresentação dos músicos, compositores
e cantores da Bossa Nova: João Gilberto, Carlos Lira, Oscar Castro Ne-
ves, Luiz Bonfá, Sérgio Mendes, Bola Sete, Carmem Costa, José Paulo,
Agostinho dos Santos, Sérgio Ricardo, Roberto Menescau, entre outros.
Não por acaso, a Bossa Nova era uma febre por aqui. Mas, entre a classe
média. O rádio tocava uma música muito mais popular.

Em 1965, duas grandes marcas musicais: a estreia do programa Jovem


Guarda, na TV Record e o I Festival de Música Popular Brasileira, vencido
por Elis Regina, com Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, na TV
Excelsior. A primeira mudaria o panorama tanto da música quanto da
cultura jovem. A segunda transformaria a MPB, daí em diante.

A Excelsior ainda faria o II Festival da Música Brasileira, que seria ganho


por Geraldo Vandré e Fernando Lona, com Porta-Estandarte, defendida
pela cantora Tuca e por Airto Moreira.

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Mas a TV Record também faria o I Festival de MPB, em 1966, que daria
o empate a Chico Buarque de Holanda e Geraldo Vandré/Teo de Barros,
respectivamente com A Banda e Disparada.

Em 1967, ganha Edu Lobo cantando com Marília Medalha, com Pon-
teio. Mas o grande destaque fica por conta dos baianos Gilberto Gil e
Caetano Veloso, respectivamente com Domingo no Parque e Alegria,
Alegria, transformada em tema de abertura da minissérie Anos Re-
beldes, pela Rede Globo em 1992.

Em 1968, ganharia São, São Paulo, Meu Amor, de Tom Zé. E, já decante,
em 1969, o Festival premiaria a antológica Sinal Fechado, de Paulinho
da Viola.

Em 1968, também, se inicia o movimento chamado de Tropicália ou


Tropicalismo, com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Júlio Medaglia,
Rogério Duprat, entre outros.
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O Tropicalismo permitiria a mistura de estilos: e a partir dessa mescla
a MPB jamais seria a mesma, jamais poderia ser colocada em caixinhas,
como até então. O movimento, a rigor, incorporava as novidades in-
ternacionais vindas da Europa e as misturava com tudo que havia de
mais autêntico no país.

A partir da TV Excelsior, da Jovem Guarda e do Tropicalismo, o Brasil


nunca mais seria o mesmo.

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A Excelsior e o Moya, em Quadrinhos

por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho

Quadrinho 1: Forma e Conteúdo


Eu já conhecia o importante trabalho de Álvaro de Moya nas histórias
em quadrinhos na imprensa brasileira do gênero, sem no entanto,
conhecê-lo pessoalmente. Estávamos em 1955. A Organização Victor
Costa acabava de comprar o Canal 5 de São Paulo, a então TV Paulista,
e eu estava entrando para a Lintas Publicidade. A OVC me convidou
para ver e ouvir os planos que tinham para entrar na televisão e fui
até a minúscula emissora da Rua da Consolação, na qual eu havia tra-
balhado com Roberto Corte Real. O encarregado da apresentação era
Álvaro de Moya, recém-nomeado assistente de Dermival Costa Lima.
Éramos um grupo de profissionais de agências de propaganda. O Álvaro
que, mesmo no início de nossa televisão, explanava suas ideias sobre
o novo veículo, com calma e segurança, propriedade e conhecimento. 133
Com um lápis, como se desenhasse sobre a tela do televisor, ele corri-
gia enquadramentos, cenário e luz, enquanto dava pinceladas sobre o
que pretendiam fazer como conteúdo. Ele falava coisa com coisa como
falava o Cassiano Gabus Mendes, o Túlio de Lemos, o Walter George
Durst, o Fanucchi, o Péricles Leal, o Luiz Gallon e outros pioneiros
apaixonados pela televisão. Gostei do jeito do Álvaro desde aquele
primeiro momento.

Quadrinho 2: Brasilidade e Qualidade


Cinco anos depois, eu estava saindo da Lintas para montar com o Sca-
tena e o César Memolo Jr. a produtora de comerciais “RGE-LYNX FILM”
ao mesmo tempo que participava da RGE Discos. Numa segunda-feira,
Roberto Corte Real me perguntou: “Você tem visto a Excelsior?”

Eu estava enrolado com meus novos afazeres e não tinha visto a Ex-
celsior, uma pequena emissora de televisão que começava ocupando
o Canal 9, em São Paulo.

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O Roberto acrescentou alguns comentários que despertaram a minha
atenção. Fui conferir e vi que a Excelsior era uma televisão mais brasi-
leira que as outras, a partir do Brasil 60, com Bibi Ferreira, produzido e
dirigido pelo Manoel Carlos, e também outros programas com cara nova
que apareciam em alguns horários. A linha nacionalista era acentuada
pelo Teatro Nove apresentado às segundas-feiras. Havia alguma coisa
de diferente na emissora. A Excelsior não exibia as séries americanas
que infestaram o mercado na época. As exceções eram os desenhos
canadenses de Norman Mclaren e alguns outros produtos cult do de-
senho animado americano. Tinha um belíssimo Cinema em Casa que o
Álvaro de Moya defendia com clareza: “As séries são estereotipadas.
Não têm as grandes histórias do cinema os grandes atores e diretores.
Enquanto puder fico com o cinema de verdade”.

A tese poderia não atender o sempre discutido gosto popular, mas,


culturalmente, era absolutamente verdadeira. As preocupações nacio-
nalistas e de qualidade do Álvaro de Moya viriam a influenciar bastante
134 o meu futuro trabalho na Rede Globo.

Quadrinho 3: O Simonetti Show


A Excelsior conquistou magnificativos índices de audiência, chegando
a liderar em vários horários e conquistando a simpatia de um público
mais qualificado. É nesse clima que recebi um telefonema do Álvaro
pedindo que eu fosse até o Teatro de Cultura Artística, onde funcio-
nava a Excelsior. Fui e o Álvaro me convidou para escrever e dirigir um
programa com a orquestra do Maestro Simonetti, então contratada da
RGE. Trocamos ideias sobre o formato e, rapidamente, fechamos que o
projeto seria o de um musical humorístico em que os componentes da
orquestra seriam ao mesmo tempo músicos e comediantes. O progra-
ma foi recheado com ideias do próprio Simonetti, do Scatena, Jaques
Netter e Walter Silva, que também escreveu vários episódios.

O Simonetti Show era ao vivo, o que impedia grandes voos de produ-


ção, mas acentuava a necessidade de criatividade. Fizemos ali várias
experiências, com erros e acertos e, com algum saudosismo, lembro-

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me de momentos antológicos do programa. Era divertido preparar o
programa tanto quanto colocá-lo no ar. Primeiro,definíamos o roteiro
musical. No Simonetti Show, nenhuma música poderia ser repetida
com o mesmo arranjo. Um Lady is a Tramp, cantado pelo convidado,
Dick Farney, só poderia voltar com um quarteto de trombones, por
exemplo. E não bastava que eles tocassem a música. Era necessário
montar uma coreografia, na qual as varas dos trombones se entrela-
çassem e terminassem ao final da música, em um tremendo nó. Uma
vez emendamos vários arcos de violoncelo para que um músico só
tocasse, ao mesmo tempo, quatro instrumentos com o arco gigante,
enquanto cada violoncelista fazia apenas as posições de mão. Não
raro, eu aparecia de jagunço armado de faca e carabina para dirigir o
programa e ameaçar os que cometessem erros. Algum tempo depois,
fui trabalhar na Multi-Propaganda, com o Jorge Adib, com a obrigação
de criar comerciais para um grupo enorme de clientes. O volume de
trabalho era tão grande que não sobrava tempo para mais nada. Para
completar o quadro, peguei uma gripe violentíssima e pedi socorro
ao Álvaro, solicitando minha liberação do programa. Ele entendeu, 135

conversou com o Simonetti e mandou o novo responsável na minha


casa, para que eu passasse a ele o espírito do programa e avaliasse se
ele poderia prosseguir com o projeto.

No meu quarto, tremendo de febre, lábios rachados e garganta infla-


mada, recebi o meu sucessor. Nada mais, nada menos que o Jô Soares.
Sempre digo e repito que conheci o Jô na cama. Foi uma excelente
conversa e, de tanto rir com o Jô, o meu ânimo voltou. Jô assumiu o
programa e o tornou ainda melhor. O Simonetti Show foi um goal
da Excelsior. Foi premiado com o Roquete Pinto, o maior prêmio da
televisão na época.

Quadrinho 4: Bons Tempos


A Excelsior foi a porta-voz da Bossa Nova em São Paulo. Quando a bossa
começava a se consolidar, Álvaro de Moya e Manoel Carlos abriram
todos os espaços possíveis para Tom, Vinícius, João Gilberto, Baden, e
outros. Os programas eram despojados, simples, e sem cenário.

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A luz, quase penumbra. A roupa, cinza e preta, com a indefectível
gola rulê introduzida pelo Aloysio de Oliveira. A Excelsior foi a pri-
meira emissora de televisão a assumir a conduta minimalista vinda
dos pocket-shows cariocas. E em São Paulo influenciou os bares de
bossa como o Bar Sem Nome e o João Sebastião Bar. Álvaro e Maneco
identificaram com precisão essa oportunidade que viria a ser mais uma
marca da Excelsior. Moya levou também para frente das câmeras da
Excelsior Eugene Ionesco, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. E
não eram entrevistas editadas. Eram longas, profundas e completas.
Que tempos, hein!

Quadrinho 5: Unidade de Comando


Eu tinha um compromisso com o Edson Leite para ir trabalhar na futura
TV Bandeirantes. Em 1963, eu estava na Alcântara Machado quando,
em uma manhã, o Edson entrou na minha sala e anunciou: “Saí da
Bandeirantes. Estou indo para a Excelsior. Já falei com o Zé Alcântara
Machado e você vem comigo. Vai ser meu assistente direto”.
136

Eu não tive nem tempo de responder e estava almoçando com o Edson


no Gigetto fazendo planos. Doce ilusão. O Edson – o mosquito elétrico
– saltitava entre Rio, São Paulo e às vezes, Buenos Aires. Recebia cen-
tenas de pessoas, de funcionários a diretores, sem, no entanto, sentar
por mais de 15 minutos com alguém. Inteligente e rápido ele pegava
ideias no ar, mas sentar para planejar, nem pensar! Procurei o Álvaro
de Moya, mas ele também não tinha informações precisas sobre o que
iria acontecer. Havia um entusiasmo, mas não havia rumo.

Como sempre fui de trabalhar e evitar fazer política, consegui des-


vendar alguns dos desejos do Edson. Ele queria uma linha de bonecos
animados e jingles para personalizar os intervalos. Havia uns modelos
argentinos, fraquíssimos. Convidei o Laerte Agnelli e o Erlon Chaves
e produzimos os bonequinhos da Excelsior – São Paulo. Mais tarde o
Manga produziu com o Miguel Gustavo uma versão carioca diferente.
Edson pediu-me também que examinasse algumas sugestões que o
Moya havia preparado.

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Encantei-me com o Teatro 63 desenvolvido pelo Túlio de Lemos, Walter
George Durst e Roberto Palmari. A partir de entrevistas com pessoas
reais montava-se uma peça de ficção. Era um reality-show pioneiro e
de melhor qualidade que os atuais. Precisávamos de elenco e, em uma
das mais importantes decisões da moderna televisão brasileira, o Edson
Ferreira Leite autorizou que contratássemos o que fosse necessário,
mesmo rompendo com o famigerado convênio, que impedia que ar-
tistas de uma emissora pudessem receber propostas de outra. O Edson
acabou com isso. É uma dívida que a classe artística tem para com ele.

Contratamos gente de teatro e muita gente das outras emissoras. O


Edson não se importava com o volume, pois outro de seus desejos era a
novela diária. Para isso alguns argentinos já haviam sido contratados.
Entre eles o magnífico cenógrafo Frederico Padilha que até hoje está
na Globo. Havia um chato e pretensioso Borda e um sensível Tito de
Miglio que acabou fazendo 2-5499 Ocupado com a ajuda da experiente
Colgate-Palmolive. Montamos também o jornal Telenotícias e manti-
vemos a linha de filmes programada pelo Orpheu Gregori, enquanto 137

nos organizávamos para ampliar a produção nacional.

Um dia fui surpreendido com a chamada Noite de São Bartholomeu. No


Rio, sem que eu soubesse de nada, a Excelsior contratou todo o elenco
de humoristas da TV-Rio, liderado pelo Chico Anysio, tendo o Edson
entregado para a Excelsior do Rio a responsabilidade de produção da
linha de shows. Quem é que não gostaria de ter um Chico Anysio em
sua programação? Nenhum diretor de juízo abriria mão disso. Mas o
problema não residia nos talentos que haviam sido contratados mas
na quebra da filosofia que já havia sido delineada desde o início. E
mais: além de um duplo comando, estabeleceu-se disparidade entre
os salários do elenco de humor, pago a peso de ouro, e o elenco de
dramaturgia, contrato em bases normais de mercado. Conversei com
o Edson que me disse não ter tido tempo de discutir o assunto comigo
porquanto ele teve que assumir a divisão de polos de teledramaturgia
em São Paulo e shows no Rio para viabilizar as contratações, no entanto
a programação seria unificada.

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Não gostei e quis saber se eu poderia discutir com o Rio quais os pro-
gramas que seriam produzidos e quais seriam seus conteúdos e custos.
O Edson me disse que o Rio teria independência e que eu seria respon-
sável pela compatibilização dos diferentes interesses e pela convivência
entre as duas fontes de produção.

Para mim o sonho terminava ali. Tentei argumentar também com o


Alberto Saad e outros diretores. Mas a decisão estava tomada. Peguei
meu boné e fui embora. Reinaldo Boury ensaiou um movimento de
greve para me apoiar. Pedi que ele desistisse disso. Solano Ribeiro,
que faria o primeiro festival de MPB da Excelsior e depois os festivais
da Record, amigo que eu levara comigo para Excelsior, informou-me
que sairia comigo. Não aceitei, como não aceitei que Túlio e Durst
voltassem a discutir o assunto com o Edson. O problema não era com
ele. Era de conceito.

A Excelsior virou uma emissora híbrida, sem personalidade, muito


138 diferente da emissora que Álvaro de Moya havia idealizado em 1960.
Mesmo assim subiu. Foi uma meia-sola que deu para caminhar bastante,
mas não para chegar ao destino planejado. Com a morte de Wallace
Simonsen e decorrentes problemas políticos, além da passagem da
Excelsior por sucessivos proprietários, veio a decadência.

Eu já estava na Globo, com Walter Clark e Joe Wallach construindo,


finalmente, a rede nacional que havia sido tentada, sem êxito, na Tupi,
Record e Rio e também na Excelsior. É evidente que essas experiências
anteriores foram de grande utilidade. Mas, a principal lição foi que a
unidade de comando é indispensável. Esse é um comportamento que
a Globo soube manter.

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Edson, Alberto

É muito difícil, anos depois, com a cabeça fria, explicar com lógica
por que pedi demissão da TV Excelsior. Briguei com o Paulo Uchoa
de Oliveira e, teimoso, sangue espanhol, pedi demissão em caráter
irrevogável, redigi um texto e assinei. Saulo, que saíra de Brasília com
Jânio, lamentou minha saída, dizendo-se vítima das renúncias, como
se eu fosse importante assim.

Há pouco tempo, num almoço no Massimo, pedi desculpas ao Boni.


Quando deixei a Excelsior, fui até a Praça da República, onde ficava a
Alcântara Machado Publicidade e militavam José Carlos Magaldi, Otto
Scherb, Carlito Maia e uma excelente equipe, que viria a ser acrescida
de Alex Periscinotto que nesses tempos era desenhista e publicitário
na loja Mappin. Conversei com José Alcântara Machado, que era muito
gentil apoiando a nossa TV, e avisei que tinha deixado a direção. Nisso,
entra na sala o Boni – que era admirador do Cassiano Gabus Mendes,
diretor da Tupi. Eu estava fora de mim, p... da vida e falei: você, Boni, 139

quer dirigir uma TV, vai lá na Excelsior. Ele levou a sério e perguntou:
Com quem eu falo? Aí eu exagerei: vai lá, eles pegam você no corredor.
A história da TV poderia ser diferente se eu não estivesse tão agastado
e lhe recomendasse certo. Bebendo o vinho branco que ele escolhera
no Massimo, Boni me desculpou dizendo que tinha notado meu estado
naquele dia. Foi gentil, também.

Quando, porém, o Wallinho me consultou sobre a possibilidade de


trazer Edson Leite, Alberto Saad e o Murilo Leite para a Excelsior, eu
os apoiei firmemente, sabendo que eles não estavam mais na Bandei-
rantes, mas tinham um plano formidável para televisão, sendo homens
de rádio. Logo depois, os três marcaram um encontro comigo no bar
do Dick Farney, na Praça Roosevelt e pediram minha opinião se era
uma boa eles virem para a Nestor Pestana.

Disse que Wallinho era ótimo e eles precisavam ter apoio financeiro,
coisa que eu não tive, por culpa do Paulo Uchoa.

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Murilo desistiu e ficou na Bandeirantes à espera da TV, e Edson e Alber-
to vieram e botaram para fora o Paulo Uchoa de Oliveira. O Wallinho
abriu os cofres para eles e fizeram história.

O grande mérito, entre outros, de Edson Leite, foi de desligar a Excel-


sior do odioso convênio que mantinha tetos salariais irrisórios para
os artistas. Ele entrou de sola e contratou mais gente que cabia no
horário de televisão pagando salários astronômicos. Eu tinha contra-
tado técnicos e impedido de contratar artistas, recorrendo a gente de
teatro, cinema e não de artistas consagrados no vídeo. Edson teve essa
chance e, se conseguiu muitas loucuras, era porque a infraestrutura da
Excelsior tinha sido calcada na televisão norte-americana. Saulo tinha
até calculado o minuto industrial da Excelsior.

A Excelsior já tinha adquirido o Canal 2 TV Mayrink Veiga do Rio, per-


tencente às Associadas, e a ideia do grupo Simonsen de fazer o primeiro
network brasileiro estava plantada. Edmundo Monteiro comandava
140 as Associadas, de São Paulo para o Sul e João Calmon cuidava do Rio
para o norte. Digladiavam-se para ver quem mandava mais. Impossível
então uma rede Associada. Os Machado de Carvalho não chegavam
a um acordo com o primo deles, o Pipa Amaral, da TV Rio. Este ficou
histérico quando Ricardo Amaral, José Carlos Rao, Edson Leite e ou-
tros alugaram um escritório em frente à TV Rio, ao lado do Forte de
Copacabana e: Psiu!Psiu! Chamavam Chico Anysio, Carlos Manga, e
assinavam ali mesmo o contrato milionário, esvaziando a TV carioca.

Eu cheguei a levar Lima Duarte, Walter George Durst e Túlio de Lemos à


sala do Edson para tirá-los da TV Tupi. Edson teceu loas a Lima Duarte e
ofereceu 250 mil. Descemos, Túlio e Durst disseram: Bom, ele contratou
o Lima. Eu: Não, os três. Eles: Mas o Edson não falou nada. Pera aí. Subi
as escadas do Teatro Cultura Artística e perguntei sobre Túlio e Durst.
Também estão contratados. E os salários? O mesmo. Desci e falei: Os três,
o mesmo salário. Túlio e Durst deveriam ganhar 21 mil cada...

Ao escrever este livro perguntei ao Lima por que ele não veio com Túlio
e Durst. Ele me disse que o Cassiano não deixou. Roberto Palmari, um

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dos maiores diretores que já vi trabalhar, juntou-se aos dois e o Durst
planejou o Teatro 63. Eu estava mais com o Wallinho, porém ainda tinha
acesso à TV. Eles gravaram o piloto e decidi mostrar para o Wallinho,
pois achava que aquele não era um programa que o Edson Leite iria
gostar. Era popular, mas não popularesco.

Agendei escondido, na hora almoço, com o Arlindo Partiti uma exibi-


ção do tape para o Wallinho, que ficou entusiasmado com o projeto.
Achou que parecia a TV BBC, tipo de televisão que ele queria fazer.
Convidou-nos para jantar na casa dele, à noite, no Morumbi, mas achei
prudente mandar os três e não aparecer como promotor do programa,
que foi considerado um dos melhores teatros já feitos na televisão bra-
sileira. Boni assumiu a direção artística trazido pelo Edson e colocou o
programa no ar, pois sua visão de qualidade na TV era superior à de
Edson, como provou na Rede Globo.

Edson era um furacão. Grande vendedor. Punha o pé na mesa de


reunião da McCann Erickson e ameaçava não deixá-la entrar no futu- 141
ro, quando a Excelsior estaria no primeiro lugar. A audácia dele era
tão grande que os patrocinadores tinham certeza, como realmente
aconteceu, do sucesso da empreitada, com o primeiro lugar no Ibope,
consagrando o modelo preconizado por Alberto Saad e Edson Leite,
e a equipe que ele trouxe para a frente e bastidores da emissora.
Infelizmente, a crise interna e a pressão externa acabaram melancoli-
camente com o sonho da TV Excelsior.

Álvaro de Moya

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Regina Duarte, Tarcísio Meira, Edson França e Glória Menezes em A Deusa Vencida

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Telenovela Brasileira: A Grande Viagem de Ivani Ribeiro

por Fátima Feliciano

A fórmula da telenovela
Foi Ivani Ribeiro, pseudônimo de Cleyde de Freitas Alves Teixeira, quem
descortinou os mistérios que fazem o sucesso das telenovelas. Ivani
começou seu trabalho dramatúrgico adaptando, para o português,
as radionovelas argentinas, cubanas, mexicanas, no período áureo do
gênero no rádio brasileiro (década de 1940), mas com a chegada da
TV, foi contratada pela TV Excelsior, passando a dirigir o departamento
de telenovelas da emissora.

Nessa época, escreveu Onde Nasce a Ilusão, A Indomável, A Deusa


Vencida (que marca a estreia de Regina Duarte na TV), Os Fantoches,
Vidas Cruzadas entre outras. Ivani liderava uma espécie de laboratório
de teledramaturgia e foi então que estabeleceu os plots de romance
143
folhetim e melodrama intercalados. Se prestarmos atenção em sua
fórmula de sucesso, chegaremos à conclusão de que ela permanece bas-
tante atual no folhetim eletrônico desse milênio. Vejamos por exemplo,
a primeira fórmula: encontramos na telenovela, com frequência, um
personagem que esconde a identidade (vide Um Anjo Caiu do Céu). A
falsa identidade, portanto, é receita de sucesso. Os novelistas também
não abrem mão da dupla personalidade. Ivani já profetizava: existem
pessoas que durante o dia posam de santas e à noite viram um de-
mônio (vide Sétimo Sentido, de Janete Clair, com Regina Duarte como
a protagonista de duas caras). Outro esquema que funciona até hoje,
em quase todas as novelas é o mistério do nascimento (vide O Direito
de Nascer) quando um personagem passa uma trama inteira sem saber
de quem é filho de verdade. Se ele sabe, existe sempre alguém que está
sendo enganado e apenas no final da novela vai descobrir a verdade.

Pelos enredos das telenovelas trafegam ainda uma série de papéis


incriminadores, ou seja, cartas anônimas, testamentos, bilhetes, etc.
Tudo isso contribui para o suspense que se mantém. O mistério pode

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ser ainda maior quando há um crime e não se sabe quem será apon-
tado como assassino.

Outra fórmula que dá certo: a perseguição da inocência (vide quase


todas as novelas de Regina Duarte. Ela sempre é vítima, boazinha e
injustiçada, sendo perseguida por um vilão).

Vamos para mais uma das fórmulas infalíveis de Ivani Ribeiro, para in-
crementar uma trama novelesca: as falsas mortes, a ressurreição (vide
Selva de Pedra, a mais famosa). E, ainda, os triângulos amorosos. Existem
dois homens disputando o amor de uma mulher ou, ao contrário, duas
mulheres que cobiçam o mesmo homem (vide todas as novelas). Quem
não opta por esse recurso, provavelmente vai preferir a vingança, outro
plot que frequentemente está no ar. Personagens passam a trama in-
teira cometendo loucuras em prol de uma vingança que no desenrolar
dos capítulos acaba, muitas vezes, perdendo o sentido, esvaziando-se.
144
Um erro do teledramaturgo: vejam o personagem de Malu Mader em
O Dono do Mundo: a personagem de Malu perde a virgindade(!), por
conta de uma aposta(!) para o antagonista, nos primeiros capítulos(!).
E o antagonista era Antônio Fagundes(!)

Finalmente, a polarização entre riqueza e pobreza – pobres que se


tornam ricos ou ricos que se envolvem amorosamente com os pobres.
Muitos diriam: “Só em novelas!” O fato é que a receita de Ivani Ri-
beiro, embora esboçada nos anos 1960, permanece inalterada e até
hoje é utilizada pelos autores nos enredos das nossas tão populares
telenovelas e, por isso, mantém atentos os milhões de telespectadores.
E, em um momento em que a perda de audiência das novelas está em
discussão, avaliar a tal fórmula da telenovela parece conveniente, já que
a dramaturgia sempre se faz de fórmulas, arquétipos e estereótipos,
desde as 1001 Noites. Ou não?! – principalmente a teledramaturgia.
No entanto, engana-se quem pensar que Ivani Ribeiro só sabia fazer
fórmulas prontas. Ela soube, como ninguém, discutir, por exemplo, a

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condição feminina em todos os níveis, e em todas as suas novelas, por
mais que isso passasse despercebido para o espectador menos atento.

Todas as suas personagens femininas, as protagonistas ou não, ou são


extremamente fortes ou vão se transformar em mulheres fortes, ao
longo ou ao final da novela. Lembremo-nos de Aracy Cardoso – perfeita
como A Indomável (TV Excelsior/1965).

Em O Profeta (TV Tupi/1978), tínhamos Débora Duarte como Carola,


presa em um casulo, até se transformar em uma borboleta e conquistar
o protagonista, Carlos Augusto Strazzer.

Em Mulheres de Areia, Maria Isabel de Lizandra (1974) e Viviane


Pasmanter (1993) puderam colocar em prática todo o seu talento em
função da tresloucada Malu.

Em As Minas de Prata (TV Excelsior/1969), tivemos desempenhos esplên-


didos de um elenco exponencial conduzido por personagens femininos 145

fortes, liderados por Nathália Thimberg e Fernanda Montenegro, apesar


de todas as dificuldades enfrentadas pela emissora, que culminariam
com sua falência.

Contudo, a primeira heroína de Ivani, na TV, foi Flora Geny, em Cora-


ções em Conflito (TV Excelsior, 19 horas, de 10 de dezembro de 1963 a
5 de fevereiro de 1964), estrelada por Carlos Zara e pela própria Flora
Geny (mulher do ótimo diretor e ator Dionísio Azevedo).

Em Ambição (TV Excelsior, 19 horas/março e abril de 1964), estrelaram


Arlete Montenegro, Tarcísio Meira e Lolita Rodrigues. Lolita estrelaria
esta novela substituindo Glória Menezes, grávida à época.

A Moça Que Veio de Longe (TV Excelsior, 19h, de maio a julho de


1964), protagonizada por Rosamaria Murtinho e Hélio Souto, foi outro
incrível sucesso de Ivani, embora só tenha ficado no ar cerca de dois
meses – o que era absolutamente normal para os padrões da época, e

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seria o tempo suficiente para levar ao estrelato os dois atores. Rosama-
ria Murtinho seria idolatrada e Hélio Souto se tornaria, a partir desse
papel, o primeiro galã de novelas brasileiras. Hélio, disputou este lugar
com Tarcísio Meira, até que Francisco Cuoco estreasse na Excelsior em
Redenção, em 1965.

Em A Outra Face de Anita, (TV Excelsior, de 28 de julho a 25 de se-


tembro de 1964), Flora Geny quase enlouqueceria os telespectadores
com suas maldades (outro tema recorrente de dupla personalidade!),
sendo, por esta razão, capa da Intervalo, a mais popular revista de TV
dos anos 1960 e 1970.

Em Onde Nasce a Ilusão (TV Excelsior, janeiro e fevereiro de 1965), Ivani


já fazia de Carlos Zara (então marido da garota-propaganda e depois
apresentadora Meire Nogueira), um de seus favoritos – algo que seria
confirmado mais tarde em muitas outras novelas, incluindo Mulheres
de Areia e A Barba Azul – em que seria protagonista. Compunham
146 também o elenco principal a atriz Maria Helena Dias e o ator Renato
Master, uma das vozes mais bonitas da TV.

Em A Indomável (TV Excelsior, março e abril de 1965), sua novela se-


guinte, Aracy Cardoso, Edson França e Nívea Maria segurariam a alta
audiência por dois meses. Vimos, à época, uma Aracy Cardoso brilhante,
no papel título, e o ator Edson França (então marido, na vida real, da
atriz Nívea Maria), ótimo no papel do autoritário marido de uma mu-
lher rebelde... Claro que a inspiração era shakespeariana. Ivani nunca
negou ter recorrido à Megera Domada.

Em seguida, viria Vidas Cruzadas (TV Excelsior, 19h30, maio e junho de


1965), estrelando, novamente, Carlos Zara e Irina Greco – então mulher,
na vida real, de outro galã de Ivani – Altair Lima.

Em A Deusa Vencida (TV Excelsior, de 1º de julho a 31 de outubro de


1965), incrível sucesso de público, estrelaram Glória Menezes, Edson
França, Tarcísio Meira e Altair Lima. A novela marcaria ainda a estreia

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em TV de Regina Duarte, pelas mãos da própria Ivani e do diretor Walter
Avancini, com quem Ivani formou uma dupla imbatível.

Em A Grande Viagem (TV Excelsior, 19h30, de 1º de novembro de 1965


a meados de fevereiro de 1966), Daniel Filho faria um comandante de
navio bonitão, que se envolve amorosamente com a personagem de
Regina Duarte, apesar de Flora Geny.

Em Almas de Pedra (TV Excelsior, de março a junho de 1966), teríamos


um elenco estelar: Glória Menezes, Tarcísio Meira, Francisco Cuoco e
Suzana Vieira, elenco este que mais tarde, com a falência da Excelsior
em 1969, se transferiria em peso para a TV Globo.

Anjo Marcado (TV Excelsior, 19h30, de julho a novembro de 1966),


traria a beleza quase ingênua de Karin Rodrigues, que ficaria famosa,
anos depois, na Última Sessão de Cinema, da Globo no final de noite,
em que sempre anunciava o filme com um gato no colo – coisas dos
anos 1960. Ao seu lado, no elenco, o talentoso Geraldo Del Rey, de O 147
Pagador de Promessas (Palma de Ouro em Cannes, em 1962).

As Minas de Prata (TV Excelsior, 19h30, de novembro de 1966 a julho


de 1967) foi um marco na TV. Voltávamos, de certa forma à grandi-
loquência do TV de Vanguarda. Esta superprodução, para os padrões
da época, tinha no seu elenco central, Fúlvio Stefanini, Regina Duarte,
Armando Bogus, Arlete Montenegro e Carlos Zara.

Em Os Fantoches (TV Excelsior, 19h30, de julho de 1967 a janeiro de


1968), o ator Átila Iório comandaria os destinos de uma série de pes-
soas, os seus fantoches. Ligados de alguma forma ao seu passado, os
recebe em um hotel de luxo, para um acerto de contas. Também no
elenco estavam Flora Geny, Ivan de Albuquerque, Paulo Goulart, Ni-
cette Bruno, Dina Sfat e Regina Duarte (esta parece ter sido a estreia
de Dina Sfat em TV e em novelas).

Em O Terceiro Pecado (TV Excelsior, 19h30, de janeiro a julho de 1968),


tínhamos desempenhos maravilhosos de Nathália Thimberg, Gianfran-

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cesco Guarnieri, Regina Duarte e Maria Isabel de Lizandra, entre outros.
Seu remake na Globo chamou-se O Sexo dos Anjos (1989/1990).

A Muralha (TV Excelsior, de julho de 1968 a março de 1969), estrelando


Mauro Mendonça, Fernanda Montenegro, Nathália Thimberg, Gianfran-
cesco Guarnieri, Edgard Franco, Maria Isabel de Lizandra, Nicette Bruno,
Rosamaria Murtinho, Arlete Montenegro, Stênio Garcia e Paulo Goulart,
foi um dos maiores sucessos de Ivani, e seria reprisada pela Globo em
2000, como minissérie, em um remake de Maria Adelaide Amaral.

Os Estranhos (TV Excelsior, de março a julho de 1969), estrelando Regina


Duarte, Rosamaria Murtinho, Cláudio Correa e Castro, Stênio Garcia e
Gianfrancesco Guarnieri, foi outro sucesso de Ivani.

A Menina do Veleiro Azul (TV Excelsior, 18h30, depois 19horas, de maio


de 1969 a janeiro de 1970), era estrelada por Maria Isabel de Lizandra,
Patricia Aires, Edson França, Newton Prado, Henrique Martins, Cacilda
148
Lanuza, Lilian Lemmertz e Arlete Montenegro.

Dez Vidas (TV Excelsior, 19h30 depois 20h30, de 4 de agosto de 1969


a meados de janeiro de 1970) repetiu um elenco composto de alguns
de seus atores favoritos: Carlos Zara, Cláudio Correa e Castro, Nathália
Thimberg, Arlete Montenegro, Gianfrancesco Guarnieri, Stênio Garcia,
Maria Isabel de Lizandra, Leila Diniz, Osmano Cardoso, Grancindo Jr.
e Fernando Torres.

Aliás, Carlos Zara, Cláudio Correa e Castro, Maria Isabel de Lizandra e


Regina Duarte, entre outros, foram alguns dos recordistas em atuações
em novelas de Ivani, o que comprova, mais uma vez, a tese de total
fidelidade aos seus atores/atrizes.
Talvez mais um dos motivos de seu sucesso: trabalhava sempre com
pessoas talentosas e em quem confiava plenamente.

Com a inevitável falência da TV Excelsior, por motivos econômicos e


políticos, em 1969, Ivani reestreia na TV Tupi com As Bruxas (20ho-

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ras, depois 21h30, de 18 de maio a meados de novembro de 1970) e,
como podemos verificar, leva com ela quase todo o elenco do falido
canal 9, de São Paulo. Os que não foram estreariam na Globo nos
anos subseqeentes.

149

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150

Tarcísio Meira e Glória Menezes em 2-5499 Ocupado

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Novelas da TV Excelsior

Pesquisa: Mauro Alencar

1963
2-5499 OCUPADO
AQUELES QUE DIZEM AMAR-SE
CORAÇÕES EM CONFLITO
1964
AS SOLTEIRAS
AMBIÇÃO
A MOÇA QUE VEIO DE LONGE
MÃE
A OUTRA FACE DE ANITA
FOLHAS AO VENTO
É PROIBIDO AMAR
UMA SOMBRA EM MINHA VIDA
151
ILSA
MELODIA FATAL
O PINTOR E A FLORISTA
1965
A MENINA DAS FLORES
ONDE NASCE A ILUSÃO
EU QUERO VOCÊ
O CÉU É DE TODOS
A ILHA DOS SONHOS PERDIDOS
A INDOMÁVEL
AINDA RESTA UMA ESPERANÇA
ONTEM, HOJE E SEMPRE
VIDAS CRUZADAS
PEDRA REDONDA 39
OS QUATRO FILHOS
AQUELE QUE DEVE VOLTAR
A DEUSA VENCIDA
O CAMINHO DAS ESTRELAS

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1965
EM BUSCA DA FELICIDADE
A GRANDE VIAGEM
1966
A PEQUENA KAREN
ALMAS DE PEDRA
REDENÇÃO
ANJO MARCADO
NINGUÉM CRÊ EM MIM
ABNEGAÇÃO
AS MINAS DE PRATA
1967
O MORRO DOS VENTOS UIVANTES
O GRANDE SEGREDO
OS FANTOCHES
O TEMPO E O VENTO
SUBLIME AMOR
152 1968
O TERCEIRO PECADO
O DIREITO DOS FILHOS
OS TIGRES
LEGIÃO DOS ESQUECIDOS
A PEQUENA ÓRFÃ
A MURALHA
OS DIABÓLICOS
SANGUE DO MEU SANGUE
VIDAS EM CONFLITO
OS ESTRANHOS
A MENINA DO VELEIRO AZUL
DEZ VIDAS
1970
MAIS FORTE QUE O ÓDIO

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TV Excelsior - Aspectos Históricos

por Edgard Ribeiro de Amorim

Inaugurada em 9 de julho de 1960, a TV Excelsior Canal 9 tornou-se a


quarta opção do público telespectador paulista. Essa data, escolhida
para salientar o número do novo canal, homenageava uma das mais
importantes datas cívicas paulistas: o dia em que se deflagrou a revo-
lução de 1932, que lutava pelo respeito à Constituição Brasileira.

Pertencente à Organização Victor Costa, que já era proprietária da TV


Paulista Canal 5, a concessão do Canal 9 foi vendida para um grupo
empresarial constituído pelos srs. Mário Wallace Simonsen, presidente
de um grande conjunto de empresas que atuava no mercado nacional
e no mercado internacional, Sr. Ortiz Monteiro, deputado federal; Sr.
José Luiz Moura, sócio de uma firma exportadora de café, na cidade de
153
Santos (SP); e pelo Sr. João de Scantimburgo, dono do jornal Correio
Paulistano, de São Paulo. Conforme depoimento de João de Scautim-
burgo, o valor pago à Organização Victor Costa foi de Cr$ 80 milhões,
em 1959. Junto à concessão do canal veio também o material eletrônico
RCA, com equipamentos para a instalação da nova emissora: trans-
missores, câmeras, torre, etc.,importado por Victor Costa e que estava
preso nas docas de Santos, com uma pesada taxa de armazenagem.
Na ocasião, o Sr. João de Scantimburgo conseguiu do dr. Guilherme
Guinle, presidente da Cia. Docas de Santos, a liberação gratuita dos
equipamentos e os transportou para São Paulo.

Para a instalação da emissora foram alugados os últimos dois andares


de um edifício na Rua da Consolação, esquina com a Av. Paulista onde,
no topo, se instalou a torre transmissora. Esse local foi escolhido porque
a Av. Paulista é o ponto mais alto de São Paulo, compreendendo 900
metros acima do nível do mar. Somada à altura do edifício e à da torre,
o transmissor situava-se a mil metros acima do nível do mar, permitindo
um bom alcance de imagem.

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Nos dois andares, foram instalados os equipamentos de controle--
mestre, de telecine e um pequeno estúdio. Na Rua Frei Caneca, insta-
laram o restante do equipamento e a parte administrativa: diretoria
e expediente. Como um dos sócios, Sr. Mário Simonsen, era dono de
terrenos em Santo Amaro, pretendeu-se montar ali, na av. Adolfo
Pinheiro, em frente ao Teatro Paulo Eiró, um grande estúdio. A ideia
não se realizou.

A instalação inicial da TV Excelsior foi bastante precária, com equipa-


mentos básicos, pequenas condições de espaço, começo, aliás, muito
comum às televisões brasileiras da época. Foram trazidos técnicos de
outras emissoras como a TV Tupi, então Canal 3; e a TV Paulista, Canal
5. A Organização Victor Costa amparou a nova emissora fornecendo
técnicos, equipamentos e até cenários. E apesar de João de Scautimbur-
go nos ter declarado que o material era novo, importado dos Estados
Unidos, o diretor Álvaro Moya, em seu depoimento, declarou que o
equipamento teve que ser completado com material velho, inclusive
154 câmeras Dumont, quase enferrujadas.

Na parte administrativa, o Sr. Mário Simonsen, que não podia dedicar-se


pessoalmente à emissora, colocou como seu representante o Sr. Paulo
Uchoa de Oliveira. A primeira diretoria do Canal 9 ficou assim cons-
tituída: João de Scantimburgo: presidente; Paulo Uchoa de Oliveira:
vice-presidente; José Luiz Moura: superintendente; Saulo Ramos: diretor
comercial; Álvaro Moya: diretor artístico; Carlos Paiva Lopes: diretor
técnico; Paulo Salomão: chefe do Departamento Cinematográfico; e
Armando Piovesan: diretor administrativo.

Instalada pela Rebratel, indústria eletrônica brasileira, a TV Excelsior


iniciou sua fase experimental de transmissão até o dia de sua inaugu-
ração. Às vésperas desse dia, a imprensa paulista deu pouco destaque
a mais um veículo de comunicação que iria surgir.

As revistas especializadas trouxeram pequenas notas e comentários


sobre intenções e contratações da emissora, mas com muita especula-

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ção própria e fatos diferentes dos acontecidos (programas que não se
realizaram e contratações não ocorridas).

Em 6 de julho de 1960, o jornal Folha de S. Paulo, na página 5 do seu


2º caderno, divulgou, além do que seria o show inaugural, as inten-
ções da TV Excelsior que “ao contrário das demais emissoras, não terá
cast permanente, trabalhando com produtores independentes como
Manoel Carlos, Abelardo Figueiredo, Líbero Miguel e outros. Os pro-
gramas terão a duração de 27 ou 57 minutos, com apenas 3 minutos
de intervalos comerciais. O horário nobre será ocupado por um tele-
jornal, por entrevistas e musicais e às 22h30 será exibido, diariamente,
um cinema de longa-metragem, com filmes norte-americanos ou eu-
ropeus e legendas em português. Com o tempo, a emissora pretende
nacionalizar a programação de filmes. Novas fórmulas de trabalhos
serão utilizadas, procurando obter o máximo das modernas técnicas
de televisão pelo uso do videoteipe e de séries filmadas com artistas e
argumentos brasileiros. Às segundas-feiras será realizado um teleteatro, 155

às 21h, sob direção de Adhemar Guerra e Flávio Rangel, somente com


peças de autores nacionais”.

O jornal Correio Paulistano, em 6 de julho de 1960, comenta as inten-


ções jornalísticas da TV Excelsior: “...Rodrigo Rodrigues de Morais, o
conhecido locutor da BBC de Londres, é um dos elementos ativos na
nova transmissora. Trabalhando com quantidade enorme de slides, o
telejornal do Canal 9 será um tipo diferente e agradável ao telespec-
tador. A equipe de cinema se encarregará de dar cobertura aos atos
sociais, políticos, internacionais, esportivos e de polícia, próprios de
uma cidade que tem o slogan de ser a que mais cresce no mundo”.

O jornal A Gazeta, de 6 de julho de 1960, na página 21, trouxe um


curioso anúncio de lançamento da emissora em que procurou fixar o
número de seu canal associado ao dia da inauguração, ambos núme-
ros 9, que somados resultava o número 18, horário da inauguração.

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O jornal O Estado de S.Paulo, do mesmo dia 6 de julho, na coluna de
horários de televisão anunciou, após a programação do Canal 7 TV
Record, TV 9: 19 às 21h00 - testes finais de transmissores.

Independentemente das notícias da imprensa, a emissora se articulava,


para poder apresentar uma programação básica constante. Seu primeiro
diretor artístico Álvaro Moya, que também foi produtor e diretor de
TV da emissora, contratou profissionais como Manoel Carlos para a
realização de musicais e shows, os cenógrafos Cyro del Nero e Rodri-
go Cid, o cômico Nhô Totico, os locutores Rodrigo de Morais e Paulo
Mário Mansur, para a apresentação do telejornal e muitos outros. O
grande Show de Inauguração, que segundo o jornal Correio Paulistano
chamou-se Bossa Nove (trocadilho do gênero musical Bossa Nova, no
auge do sucesso, na ocasião), foi encomendado ao produtor musical
Abelardo Figueiredo. Para as transmissões das festividades foi alugado
o Teatro Paulo Eiró.
156
Conforme depoimento de Cyro del Nero, a produção do show inau-
gural foi bastante difícil e trabalhosa, com elementos humanos dando
tudo de si para o sucesso da realização, mas sem a necessária expe-
riência profissional para solucionar rapidamente as dificuldades que
surgiam. Na parte cenográfica ele pôde utilizar os seus conhecimen-
tos, apreendidos na Europa, auxiliando a montagem dos diferentes
cenários. No dia 9 de julho, dia da inauguração, assim se manifestou
a imprensa paulistana:

Jornal Correio Paulistano: “Será lançada hoje, oficialmente, a TV Excel-


sior, canal 9. A Transmissora “caçula” foi aparelhada pela REBRATEL e
conta com elementos técnicos que garantirão o seu êxito. Até agora
o canal 9 esteve em fase de testes. Hoje, passará à etapa final, ou seja,
transmissões em caráter experimental. No dia 30 de julho próximo,
passará a ser definida a sua programação. Ontem a reportagem do
Correio visitou as instalações da rua Frei Caneca, onde se localizam a
diretoria e o departamento cinematográfico, os transmissores na Av.

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Paulista e os estúdios na Av. Adolfo Pinheiro. O canal 9, a princípio, se
especializará em filmes documentários, desenhos inéditos, narrados
pelo conhecido cômico Nhô Totico e telejornais. Além disso, consta
da programação shows montados por conhecidos produtores. Hoje,
Abelardo Figueiredo cuidou da montagem de um portentoso show,
com a participação dos mais afamados artistas, que abrirão com cha-
ve de ouro a nova emissora. Durante toda a tarde de ontem, foram
ultimados os preparativos para a grande estreia de “Bossa Nove”. A
equipe de cinegrafistas, comandada por Paulo Salomão, dará cobertura
completa ao ato inaugural.

O presidente da Republica, Sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, enviou


à nova transmissora uma mensagem na qual tece considerações elo-
giosas ao empreendimento... O chefe da Nação estará no vídeo num
filme especialmente produzido no Palácio da Alvorada, quando o mais
alto magistrado da Nação enviava a mensagem congratulatória. O go-
vernador Carvalho Pinto, o presidente da Assembleia deputado Abreu
Sodré, o presidente da Câmara Municipal, vereador Marcos Mélega, 157

secretários de estado, autoridades federais, ministros de JK e outras


altas autoridades estarão presentes no Teatro Paulo Eiró, às 18h. Co-
memorando o 9 de julho, data das mais expressivas para o paulista, São
Paulo terá mais uma emissora de televisão, mostrando assim o seu pro-
gresso e crescimento. O Teatro Paulo Eiró, na Av. Adolfo Pinheiro 915,
defronte aos estúdios da TV-9, viverá uma noite de gala abrilhantada
pela Banda Marcial da Força Pública, enquanto holofotes do Corpo de
Bombeiros iluminarão a noite. A equipe de cinegrafistas, montadores,
laboratoristas organizaram um dos maiores documentários sobre “9 de
Julho”, jamais apresentado pela televisão paulista. Sob a orientação
de Paulo Salomão, os cinegrafistas José Pinto, José Domingues, Walde-
mar Rocha e Roberto Souza Veloso, assim como o chefe de montagem
Weiner Grizante e os laboratoristas de slides Arnaldo Silva e Walter
Dionízio trabalharam intensamente para o êxito dessa produção, que
será apresentada durante as festividades. Abelardo Figueiredo progra-
mou o seguinte show para a festa de hoje à noite: Bahia com Dorival
Caymmi e filha; Norte, com as Irmãs Marinho, Jonas Moura e Haroldo

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de Almeida; Show Ary Barroso, com o grupo Ernani Filho, passistas,
cantoras e orquestra; Omar Izar; Lana Bittencourt; João Gilberto e
Silvinha Teles apresentados por Aloisio de Oliveira; Luiz Bordon e sua
harpa paraguaia; Grande Otelo e Vera Regina com orquestra; Ballet
de Ismael Guiser; Concerto Brasileiro de Hackel Tavares; Tito Madi e
Ribamar ao piano; Madalena de Paula; Cauby Peixoto; Show Carioca
com Trio Irakitã, Lucio Alves, Agildo Ribeiro e Elisabeth Gasper; Elizete
Cardoso e violão; Estrelas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com
Berta Rosanova e Aldo Lottufo em Cisne Negro de Tchaikovsky; os
Jograis de São Paulo.

Às 22 horas: Concerto Sinfônico Brasileiro, orquestra com 60 professo-


res sob a regência do maestro Mario Rinaldi apresentando Sinfonia de
São Paulo: Episódio Sinfônico de Francisco Braga, Baque de Lorenzo
Fernandes, Intermedio de Alberto Nepomuceno, Congada de Francis-
co Mignone, Descobrimento do Brasil de Villa-Lobos e Protofonia do
Guarani de Carlos Gomes.
158

Além desses, os seguintes artistas participarão do show: Orquestra


do Zezinho na TV, Liris Castelani, Agostinho dos Santos e outros. O
professor Carvalho Pinto participará hoje das solenidades comemo-
rativas da passagem de 9 de julho, às 9h00 comparecerá a missa na
Catedral Metropolitana.

À noite, o chefe do Executivo comparecerá aos estúdios da TV 9 a fim


de participar do lançamento dessa emissora de televisão, que será
realizada com início às 18h00. Solenidades: às 18h, introdução com a
Banda da Força Pública de São Paulo; às 18h30, cerimônia oficial de
lançamento do novo prefixo; às 19h, Show artístico com os maiores
cartazes nacionais; às 21h, Ballet do Teatro Municipal do Rio de Ja-
neiro; às 21h30, Concerto Sinfônico com 60 professores interpretando
compositores brasileiros.”

Jornal O Estado de S. Paulo, página 9: “...na programação do 28º aniver-


sário da Revolução Constitucionalista, o governador Carvalho Pinto

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comparecerá aos estúdios do Canal 9, a fim de assistir à inauguração
dessa emissora de televisão. Nessa ocasião, o professor Carvalho Pinto
dirigirá saudação ao povo paulista pelo transcurso da data de hoje.”

Jornal A Gazeta, página 37, coluna de música, teatro, televisão, rádio,


filmes, discos: “Finalmente, irá para o ar logo às 18h a TV Excelsior
Canal 9, que já há algumas semanas vem transmitindo em caráter
experimental. É mais uma emissora que poderá ser sintonizada pelos
telespectadores paulistas e conforme a divulgação feita pela sua ad-
ministração, muita coisa nova está em vias de ser executada.”

Jornal Folha de S.Paulo, 2º Caderno, página 4: “Hoje às 18h deverá


realizar-se a festa de lançamento da TV Excelsior Canal 9, com grande
show e a presença do governador do Estado e outras autoridades. A
festa iniciar-se-á com concerto da Banda da Força Pública do Estado de
São Paulo. Após a solenidade de inauguração será exibido um docu-
mentário sobre 9 de Julho e sua significação constitucional. Às 19h30
será iniciado um show artístico”. 159

À exceção do jornal Correio Paulistano, com interesse na divulgação e


propaganda do canal, visto que o seu diretor era também presidente
dessa nova emissora, a imprensa paulista deu pequena cobertura à
inauguração da Televisão Excelsior, comentando o fato apenas como
mais uma das muitas festividades do dia 9 de Julho. A empresa eletrô-
nica Rebratel divulgou nos principais jornais da capital, propaganda
de página inteira saudando a nova emissora aparelhada por ela, o que
não deixou de ser também uma propaganda própria. No dia seguinte,
domingo 10 de Julho, os jornais publicaram poucas linhas comentando
a inauguração do Canal 9. O comentário do jornal O Estado de S.Paulo,
entre outras considerações, dizia que: “Nosso objetivo não é apenas
o de informar os leitores sobre a realização de programas, mas prin-
cipalmente o de procurar analisar os espetáculos do ponto de vista
qualitativo. Esperamos que o Canal 9 possa oferecer novos programas,
aproveitando os elementos experientes que já sabem quais as principais
falhas da televisão em S.Paulo”.

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Poucas notas sobre a Excelsior apareceram na imprensa paulistana
nas semanas seguintes. Após a fase inicial, em 2 de agosto de 1960
(terça-feira) surgiu no jornal Correio Paulistano, pela primeira vez, a
programação da emissora:
17h30 Teste Padrão
19h Filmes
19h30 Entrevistas
20h30 Telejornal
21h Entrevistas

A programação inicial da TV Excelsior foi praticamente baseada em


filmes documentários ou seriados e suas apresentações jornalísticas,
esportivas ou de entrevistas não se diferenciavam do que era feito por
outras emissoras do vídeo paulista.

Como a ideia da construção de um estúdio em Santo Amaro não se tor-


160 nou viável, Álvaro Moya, Jaime Barcellos e o produtor Manoel Carlos
iniciaram a busca de um espaço em que a emissora pudesse montar seus
espetáculos e partir para a conquista da audiência. Conforme declarou
Moya: “...e então, numa noite, o Manoel Carlos, o Jaime Barcellos e eu
armamos pegar o Teatro de Cultura Artística. Nós não sabíamos que a
Sociedade de Cultura Artística estava com problemas de dinheiro, ela
não podia pagar a dívida que tinha com a Caixa Econômica... Então nós
propusemos alugar o teatro e instalar a TV Excelsior lá... No dia 31 de
julho, nós já estávamos instalados e ali fizemos o primeiro programa
Brasil 60, com a Bibi Ferreira (...) e foi praticamente o segundo show de
inauguração da emissora e que determinou o tipo de programação da TV
Excelsior. Na hora em que nós entramos com a TV Excelsior no Teatro de
Cultura Artística, nós não tínhamos nada. Nós tínhamos um transmissor
e um teatro. A nossa programação foi feita em função do teatro...Nós
colocamos o Brasil 60, o Simonetti Show, espetáculos que nós fazíamos
no palco do teatro e que constituíam a programação da televisão, feita
com três câmeras e um palco... No auditório de baixo, nós rebaixamos
o assoalho e fizemos um estúdio com duas câmeras Vidicon”.

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A partir do Teatro de Cultura Artística, a TV Excelsior definiu sua li-
nha de programação em shows humorísticos, musicais e programas
de auditório. Até então, a emissora exibia filmes através do telecine
instalado no transmissor do edifício da Consolação. A parte adminis-
trativa transferiu-se também para o teatro, desocupando as salas da
Rua Frei Caneca.

O começo da Excelsior foi bastante tumultuado, mas seus organiza-


dores tinham uma linha definida de como fazer televisão, ainda que
no papel. A meta primeira era estabelecer faixas de programação
horizontal, de segunda a sábado, com horários fixos para shows, en-
trevistas, telejornalismo, etc. Ao mesmo tempo, a programação tinha
que ser vertical, ou seja, conseguir prender o telespectador para que
depois que tivesse visto o programa que desejava ficasse atraído pelo
programa do horário seguinte e assim se manter preso à programação
da emissora em todos os seus horários.

Outra ideia inovadora para a época, que nos anos seguintes pôde ser 161

realizada, foi a de rede nacional de televisão, ou seja, adquirir canais


de TV em outros estados do país e estender a programação do Canal 9.
A emissora pensava inclusive em fazer uma ligação via satélite de toda
a televisão brasileira, o que só mais tarde se realizaria com a Embratel.
Como Álvaro Moya tinha vindo dos Estados Unidos com a ideia do ne-
twork americano (rede de emissoras) ficou encarregado de instalar na
TV Excelsior o sistema americano, que se concretizou em 1963, com a
compra da concessão do canal de TV que pertencia ao grupo Mayrink
Veiga, no Rio de Janeiro. A nova emissora carioca passou a chamar-se
TV Excelsior Canal 2.

A TV Excelsior de São Paulo passaria a ser um módulo de produção


de programas e a do Rio de Janeiro outro módulo com produção
diferente. Cada módulo enviaria ao outro sua produção e os dois
locais assistiriam à mesma programação, ainda que através do en-
vio de fitas de vídeoteipe, não por satélite de comunicação como
é feito atualmente.

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A ideia de rede não existia no sistema de televisão do Brasil. Mesmo
as emissoras pertencentes a um único grupo empresarial mantinham
programação independente. As Emissoras Associadas, por exemplo,
tinham uma enorme cadeia de televisão por todo o País e não cogitava
a ideia de formação de rede porque o grupo Associado de São Paulo
não se dava com o do Rio de Janeiro e assim por diante. A família Ma-
chado de Carvalho sempre pensou na TV Record como um feudo local
de São Paulo. A TV Rio, no Rio de Janeiro, que pertencia a um primo
da mesma família nessa época, era vista como uma emissora rival.

Mas, nesse primeiro ano de existência, a preocupação maior da TV


Excelsior Canal 9 era completar o quadro total de sua produção e dar
uniformidade à linha de programação. Alguns programas eram de
nível muito alto e outros, de nível bastante principiante, o que con-
fundia o telespectador quanto às intenções e projetos da emissora. O
objetivo,entretanto, era se tornar um canal de televisão abrangente,
destinado aos mais diferentes tipos de público. Para isso foi sendo uti-
162 lizada a tática de conquista de espaço. Por exemplo, no momento em
que outra televisão tivesse uma programação de humor que dominava
a audiência, a Excelsior, sabendo que não adiantava concorrer com
ela naquele horário, colocava no ar um programa de música erudita
tentando atrair outro tipo de público. Foi muito usada, também, nessa
fase inicial, a estratégia de filmes de 30 ou de 60 minutos de duração.
Isso porque a emissora possuía praticamente apenas um estúdio e para
utilizá-lo em diferentes programas ao vivo, necessitava de um intervalo
maior de preparação da iluminação, troca de cenários, marcação de
cenas, etc. Assim, esses filmes, utilizando o equipamento de telecine,
alternavam-se com os programas ao vivo e davam tempo para que o
estúdio fosse preparado para a atração seguinte.

Desde sua inauguração, independentemente do tipo de programa-


ção, a televisão Excelsior teve a preocupação da boa qualidade de sua
imagem e de uma utilização racional do horário comercial. Quanto à
imagem, declarou Cyro del Nero, seu primeir o diretor
de arte: “... eu fui contratado pelo Álvaro Moya para dar a imagem

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gráfica da televisão ... e organizei um departamento de desenho... A
Excelsior foi a primeira TV brasileira a ter uma imagem própria, um
design ... Pela primeira vez, o telespectador teve a experiência de ligar
uma televisão num intervalo e saber que ela era a Excelsior pelo seu
design, pela qualidade gráfica no ar. ... Todo o trabalho era feito à
base de colagem. Isso resultava um desenho duro, ultra-contrastado,
sem meio tom.Tinha um força terrível no ar ... a imagem ... toda limpa
e dura, branca e preta, ... você ligava e já sabia que era a Excelsior”.

Esses cartões usados pela emissora tinham o tamanho padrão de 50


x35cm e eram brancos ou pretos, recortados, conforme a figura que
se necessitasse. Eram cortados em silhueta, montados um em cima
do outro a sugerir filigranas, num desenho geometrizado. Os cartões
eram levados para o laboratório fotográfico, retratados e revelados,
até chegarem à tonalidade que se pretendia, e depois transformados
em slides para serem utilizados pelo projetor do telecine da emissora.
Eles representavam todo o desenho de intervalo entre um programa
e outro ou entre um ato e outro. Quando era de interesse da emissora 163

associar uma empresa comercial a algum programa seu, os cartões de


propaganda do produto dessa empresa eram feitos com o mesmo tipo
de design.

Em relação ao intervalo comercial, a televisão Excelsior foi a primeira


a estabelecer uma duração máxima de cinco minutos para a veiculação
de publicidade. Isto numa época em que o intervalo em outras emisso-
ras chegava a durar até 20 minutos. Conforme o depoimento da atriz
Arlete Montenegro, pela primeira vez respeitou-se o telespectador,
fazendo-o encontrar um programa no horário prometido. Nessa época
já havia a lei federal promulgada no governo Jânio Quadros, que re-
gulamentava o horário comercial ao máximo de 5 minutos de duração
em cada meia hora de programa.

Mas esta lei foi bastante ignorada em quase toda a década de 60. É
importante salientar, nesta questão de horário de programas, que, até
então, qualquer problema imprevisto que retardasse a entrada de uma

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atração, na época feita ao vivo, a imagem no vídeo era preenchida por
um slide com o prefixo do canal, que ali ficava imóvel, com música de
fundo, até que a dificuldade fosse solucionada. Às vezes, esse slide
ficava 20 ou 30 minutos no ar.

A partir da TV Excelsior, valorizou-se a ideia empresarial de que o


tempo, em televisão, é também um espaço comercial e não pode ficar
em branco. Sobre isso comentou Álvaro Moya: ”... quando eu vi na
televisão norte-americana o bip de contagem regressiva de tempo
para o programa entrar no ar, eu disse que isso tinha que acontecer
no Brasil... E quando eu vim para a Excelsior, foi colocado o bip
para a entrada do programa no horário. A Excelsior entrou com esse
estilo empresarial, sabendo que o tempo era um espaço como o de
um jornal. Você não pode publicar um jornal ou uma revista com
alguns espaços em branco. Quer dizer, a televisão não podia atrasar
até 30 minutos uma programação. Ela tinha que entrar no horário e
a Excelsior é que começou “.
164

No primeiro mês de sua existência, a programação da Excelsior iniciava-


se às 19h, após o teste padrão. A partir do mês de setembro passou a
iniciar-se às 18h e de outubro em diante às 14h. Entre seus programas
principais encontravam-se: Nhô Totico, Circo do Piolim e desenhos,
destinados ao público infantil; Mazzaropiadas com o famoso cômico
Mazzaropi, concertos e música popular, entrevistas, filmes documen-
tários e seriados, destinados ao público em geral, além do noticiário
Telenotícias.

Uma importante programação criada para preencher o último horário


noturno da estação foi o filme de longa-metragem, com legendas em
português, levado ao ar diariamente, às 22h30. Denominado algum
tempo depois como Cinema em Casa, essa programação era uma es-
tratégia do Late Show da televisão norte-americana, ou seja, encerrar
a programação com uma atração longa e de boa qualidade. Havia
como introdução uma apresentação feita pela atriz Flora Geny, que
comentava o gênero do filme, seu diretor e seus atores.

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Alguns meses depois, antes da apresentação do Cinema em Casa, a
Excelsior introduziu a exibição de pequenos videoteipes, com uns
cincominutos de duração, em que a atriz Nathália Thimberg recitava
importantes poesias brasileiras ou trechos da nossa dramaturgia.

Outra realização da emissora nesse período foi o Teatro Nove levado


ao ar às segundas-feiras às 21h. Sobre ele comentou Álvaro Moya: “... o
público e os patrocinadores não gostavam muito quando a gente fazia
peça brasileira na televisão. Eles preferiam que a gente fizesse aqueles
teleteatros mais copiados dos cinemas de Hollywood. Quando eu fui
para a TV Excelsior... Pensei fazer uma linha só de peças brasileiras...
E quando nós estávamos planificando... O teatro de Arena entrou em
crise, eles estavam precisando de dinheiro, então eu consegui que a
Rino Publicidade comprasse quatro espetáculos do Teatro de Arena e
nós encenamos Eles Não Usam Black-Tie de Gianfrancesco Guarnieri,
Gente Como a Gente de Roberto Freire, Chapetuba Futebol Clube de
Oduvaldo Vianna Filho e Fogo Frio de Benedito Rui Barbosa. Essas
quatro peças abriram o caminho para se fazer um teatro só de peças 165

brasileiras... Assim, tínhamos... o Vianninha (Oduvaldo Vianna Filho),


o Adhemar Guerra, o Flávio Rangel, Antunes Filho, Gianfrancesco
Guarnieri, Jorge Andrade, todos escrevendo peças para a televisão ou
adaptando peças de teatro deles mesmos para a televisão”.

Sobre o Teatro Nove, esclareceu Gianfrancesco Guarnieri: ”... Foi o gran-


de momento da Excelsior, eu acho, porque a gente fazia teleteatro do
repertório nacional, peças integrais na televisão... Foi realmente uma
mostra do teatro brasileiro na televisão e era peça mesmo, quer dizer...
Televisionada ao vivo... Inclusive... O mais próximo possível do mesmo
cenário usado no teatro. Foi nessa época que eu comecei a escrever os
meus primeiros textos para a televisão, como O Cimento, peça ao vivo,
com um prédio demolindo, de 3 andares, construído lá na televisão,
com elevadorzinho, ele subia, via-se a cidade, eram negócios que eles
(os cenógrafos e técnicos da TV) faziam ao vivo. A direção de O Cimen-
to foi do Álvaro Moya que cortava(colocava as tomadas de cenas no
ar) e depois de um espetáculo desses ao vivo, eu me lembro que ele

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saía como um jogador de futebol depois da partida... Mais magro...
E suando... Era uma loucura porque não podia parar, era... Ao vivo...
Tinham textos de diversos autores. Fizeram As Colunas do Templo, de
Jorge Andrade, um espetáculo de TV incrível. E as encenações eram
muito boas. Eu garanto que melhor que algumas agora com o VT. Ti-
nham ótimos cenógrafos, um cuidado muito grande... Um pessoal que
trabalhava, se esforçava na maior boa vontade”.

Quanto à produção de shows e musicais, o Canal 9 realizava programas


de música popular brasileira com Morgana, Agostinho dos Santos, João
Gilberto, Dorival Caymmi, Juca Chaves, Ataulfo Alves e outros cartazes.
Realizava ainda o Show Mantovani, Ritmos de Silvio Mazzuca, com o
maestro e sua orquestra, e o Simonetti Show, programa humorístico
musical, com o maestro Enrico Simonetti e orquestra, que teve longa
duração. Segundo a atriz e apresentadora Lolita Rodrigues, o Simonetti
Show (que era escrito por Walter Silva, Jô Soares e José Bonifácio de
166 Oliveira Sobrinho) era um programa muito divertido, em que ela fazia,
a partir de 1963, o papel de uma secretária do maestro que desejava
cantar no programa. Toda vez que o maestro ia permitir, depois de
muita insistência da secretária, o programa terminava e a audição
ficava para uma outra vez.

O Canal 9 teve ainda nessa fase o programa Variedades, o programa


Grande Circo e o humorístico Vivaldino Mulherengo com Amândio Silva
Filho e Rosamaria Murtinho. Mas a sua principal atração, que absor-
veu toda a capacidade de produção dessa época da emissora, sendo
o carro chefe da programação, foi o programa Brasil 60. Levado ao
ar aos domingos à noite e apresentado por Bibi Ferreira, o programa
trazia entrevistas, musicais, humorismo e reportagens especiais, dando
início à longa fase de programas do gênero que dominariam as noites
de domingo da televisão brasileira, com outros comunicadores como
Flavio Cavalcanti, Hebe Camargo e Silvio Santos, e culminando na con-
densação de todas as ideias dessas apresentações no atual programa
Fantástico, veiculado pela Rede Globo.

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Sobre Brasil 60, explica Álvaro Moya: ”... Brasil 60 foi uma ideia que eu
trouxe dos Estados Unidos, baseada no programa Ed Sullivan Show, no
qual apareciam todas as pessoas ou fatos de sucesso daquele momento.
Eu pensei que se fizesse um programa brasileiro que tivesse todas as
coisas brasileiras juntas, funcionava... A ideia da Bibi foi minha e o título
Brasil 60 também foi meu... O Manoel Carlos produziu o programa com
um brilhantismo incrível... Eu fazia a direção de TV”.

Sobre o mesmo assunto declarou Cyro del Nero, cenógrafo de Bra-


sil-60: ”... Os cenários eram de informação cultural, a Bibi entrava, por
exemplo, e tinha grandes telas do pintor Miró, reproduzidas o mais
verdadeiramente possível, em escala gigantesca... Em compensados
de 2 metros e meio por 1 metro e sessenta. Num outro cenário, nós
tínhamos a presença da Carolina Maria de Jesus que escreveu, junto o
Audálio Dantas, o livro Quarto de Despejo... Então eu montava uma
favela dentro do palco... Tinha Brasil 60 em que a Ada Rogato (aviado-
ra) era entrevistada, em que o cenário era um avião no palco. O que é
um partido moderníssimo, só que hoje você tem externa. Você vai ao 167

avião. O nosso problema para desmontarmos um avião para passar pelas


portas do palco que não estavam preparadas para passar avião, era um
negócio. E a produção chegava a absurdos, a coisas realmente perigosas.
Nós tínhamos um programa sobre circo e o Manoel Carlos cismava que
tinha que ter tigre e leão no palco. E o circo veio e entelou-se a boca
de cena, subimos uma caixa de rede, vieram os carros, os animais foram
soltos na entrada lateral daquele corredor do Teatro Cultura Artística,
foi feito um túnel para irem até o palco... Eram tigres de Bengala, uns
monstros e no meio do programa havia momentos de pavor... Quando
havia ruído a mais ou coisa assim, os tigres pulavam contra as grades
na boca de cena e o público chegava a se levantar para sair correndo.
Era uma coisa incrível... E isso, é claro, não eram apenas alguns takes
(cenas), era o programa inteiro. Senão seria uma loucura, não é? En-
tão no caso do Miró era só o Miró, no caso da favela era só favela e o
Manoel Carlos estudava comigo o design do programa. O programa
tinha um assunto e tinha o ápice desse assunto, que era o momento da
entrevista ou do número musical, ao qual se referia a cenografia... Tudo

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vinha costurando até esse momento... O Manoel Carlos estudava tudo
em função do programa... O tema do programa conduzia a cenografia
e a cenografia conduzia o tema, de comum acordo”.

Brasil 60 foi um programa que teve vários anos de duração, até 1967,
com diferentes orientações de linha de atrações, mas sempre com muito
bem cuidada produção e todos apresentados por Bibi Ferreira que, com
seu carisma, foi um dos principais motivos do sucesso do espetáculo.

Essas melhores exibições da televisão Excelsior foram não só o susten-


táculo de sua audiência mas também o princípio de sua sustentação
econômica. Tanto João de Scantimburgo como Álvaro Moya declararam
que, depois dos seis meses iniciais, a emissora já tinha saído do débito
(em função dos gastos de instalação, manutenção e contratações) e
começava a dar lucros. Nesse período, grande força para o Canal 9
foi o apoio das agências de publicidade. Como, na época, as agências
168 situavam-se no centro da cidade, próximo ao Cultura Artística, profis-
sionais como José Alcântara Machado, Carlito Maia, J. Carlos Magaldi,
Roberto Duailibi, Lívio Bruni, Otto Scherb, Alex Perissinotto e outros,
frequentavam muito a TV Excelsior, como um ponto de encontro dos
publicitários. Esses profissionais entendiam bem a proposta da emissora
de ser uma televisão estruturada industrialmente e a apoiavam.

Assim, se por exemplo, o programa Simonetti Show estava sem patro-


cínio, a agência Alcântara Machado conseguia que a Cia. Sheaffer’s
patrocinasse o programa, inclusive distribuindo canetas Sheaffer’s ao
público do auditório. O publicitário Carlito Maia conseguiu o patrocí-
nio da Cia. Nestlé para o programa Brasil 60, que por isso passou a ser
gravado em videoteipe e vendido para diferentes emissoras, tendo sido
a primeira colocação de um programa do canal 9 em outros estados
brasileiros. Mas isso foi em 1961 e curiosamente Brasil 61 foi vendido
para as Emissoras Associadas dos estados do norte e para o Rio de Ja-
neiro, em virtude da velha briga entre as Associadas de São Paulo (rival
da Excelsior) e as outras emissoras da cadeia Associadas.

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Fato inédito até então, quando esses vídeos eram vendidos para outras
emissoras a Excelsior pagava a porcentagem devida aos atores, pelo
uso de suas imagens. Nesses primeiros tempos, o patrocinador cobria
o custo da produção do programa, sem maiores investimentos da Ex-
celsior. Ainda no seu primeiro ano de existência, a emissora passou por
modificações administrativas que viriam, dois anos mais tarde, mudar
consideravelmente sua linha de atuação.

Em 1960, havia a campanha para a Presidência da República. José Luiz


Moura, um dos sócios, apoiava o candidato Jânio Quadros e Mário
Wallace Simonsen, outro sócio, apoiava a candidatura do marechal
Lott, por se achar politicamente ligado ao então presidente Juscelino
Kubitschek. No impasse da linha política a ser mantida pelo Canal 9,
Mário Simonsen propôs comprar as ações que o Sr. Moura e o depu-
tado Ortiz Monteiro tinham na Excelsior, no que foi atendido. Alguns
meses mais tarde, o grupo Simonsen comprou também a parte de João
de Scantimburgo, tornando-se dono único da emissora que passou a
ter como presidente Paulo Uchoa de Oliveira, pertencente ao grupo. 169

Apesar dessa mudança de proprietário, os diretores administrativo e


artístico foram mantidos.

Mesmo com a vitória de Jânio Quadros para a Presidência do país, o


grupo Simonsen não encontrou dificuldades políticas por sua opção
pela candidatura Lott, porque Saulo Ramos, da diretoria administrativa
do Canal 9, foi convidado pelo novo presidente para fazer parte do seu
Gabinete Civil. Esse fato propiciou a aproximação do grupo empresarial
ao novo presidente.

Quando em agosto de 1961 Jânio Quadros renunciou à Presidência


do Brasil, o grupo Simonsen, que havia apoiado o marechal Lott, não
encontrou nenhuma dificuldade em compor-se com o presidente João
Goulart, apoiando-o intensivamente até o golpe militar de 1964. Se-
gundo Álvaro Moya, Mario Wallace Simonsen era dono de 51 empresas,
com sede internacional em Zurique, na Suíça. Uma de suas principais
atividades como empresário era comercializar a exportação do café

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brasileiro para os mercados europeu e norte-americano. Dessa maneira,
ele necessitava compor-se com quem estivesse no poder, independen-
temente de sua política partidária pessoal.

Ainda no governo Jânio Quadros, ao completar um ano de existência,a


TV Excelsior teve sua atividade analisada pelo jornal O Estado de
S.Paulo, que assim se manifestou na coluna de Rádio e Televisão:
“Parece que foi há dias a inauguração do Canal 9 de televisão e na
realidade esta estação está completando agora um ano. É tempo,
portanto, para fazermos um juízo tanto quanto possível exato sobre
a referida emissora e concluir se, artisticamente, ela contribuiu para
o progresso da televisão nesta capital...“ Afirmando que a Excelsior
contribuiu mais do que era lícito esperar, em virtude do seu curto
período de existência,continuou o artigo “... Não foi fácil para essa
estação, e nisso reside um dos seus méritos, concorrer com as outras
já existentes em termos de grandes iniciativas e assim conseguir um
bom índice de audiência. Sem recursos para concorrer, por exemplo,
170 com o Canal 7 na contratação dos chamados grandes cartazes inter-
nacionais, a nova estação teria que lançar as vistas para os artistas
nacionais de maior prestígio. Todavia, tal solução também não lhe foi
possível, salvo em uma oportunidade ou outra. Isso porque os artistas
nacionais de maior popularidade já estavam presos por contrato a
outras emissoras e a rescisão de um contrato de qualquer deles an-
tes do seu termo, ainda que amigavelmente, exigiria o pagamento
de indenização de vulto. E o mesmo aconteceria para conseguir a
colaboração dos principais produtores, redatores, atores e atrizes,
locutores, animadores de programa e garotas-propaganda já con-
sagradas. Essas dificuldades foram contornadas uma a uma e quase
sempre com felicidade incomum. Álvaro Moya, na diretoria artística,
valendo-se de sua experiência, decidiu chamar a atenção do público,
inicialmente, dando-lhe uma boa imagem. A iluminação e o som dos
programas são hoje quase sempre muito bons e em espetáculos de
maior ambição eles atingem, às vezes, o virtuosismo. Os cenários
simples também são habitualmente de bom gosto e se o elenco de
teleteatro da estação não tem artistas de grande fama, verdade é que

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os atores e atrizes evidenciam um louvável desejo de acertar, devendo
ainda ser salientada a preferência dada ao autor nacional... Atual-
mente o Canal 9 dá-nos o melhor programa de variedades: Brasil 61
e com ele se revelou a melhor coordenadora e mestre de cerimônias
de espetáculos congêneres, Bibi Ferreira. O conhecimento exato dos
recursos que dispõe, tirando deles o máximo partido e evitando en-
trar em concorrência com outras estações em setores em que o êxito
seria duvidoso, foi o fator principal do sucesso do Canal 9 neste seu
primeiro ano de existência...”

Na sua política de conquista de um público abrangente, de diferentes


níveis socioculturais, a Excelsior produziu diversos tipos de programas.
Assim, ao lado de Circo do Piolim ou Circo do Chicharrão, havia Arte na
TV,com apresentação da artista plástica Maria Bonomi; Literatura Bra-
sileira, com Dulce Salles Cunha Braga e Helio Silveira; Arquitetos na TV,
produção de Laureano Fernandes Jr., que trazia convidados como Oscar
Niemeyer, Lucio Costa e outros; Música Erudita Moderna, com o maestro
e compositor Rogério Duprat; Ator na Arena, aulas de interpretação 171
teatral com orientação do diretor Ziembinski e ainda um programa de
aulas de piano com a concertista Magdalena Tagliaferro.No jornalismo,
além dos noticiários normais da casa: o Telenotícias, às 20h30, diaria-
mente (que em 1961 passou a ser apresentado às 22h, com o nome
de Telejornal de São Paulo) e o Ultra Notícias, veiculado a partir das
18h(de meia em meia hora, com 1 ou 2 minutos de duração), havia a
apresentação de programas de debates e entrevistas.Nessa época, foi
notório o fato de a emissora ter realizado programas com o filósofo
francês Jean-Paul Sartre (acompanhado de sua mulher, a escritora
Simone de Beauvoir) e com o dramaturgo Eugene Ionesco, todos de
fama internacional.

Algumas notas obtidas na Revista do Rádio, publicação mensal das dé-


cadas de 1950 e 1960, editada no Rio de Janeiro, dão a ideia de outras
atividades do Canal 9 entre 1960 e 61:
• Tito Fleury comanda a série Entrevistas, programa do Canal 9.
• O cantor George Ulmer foi a primeira atração internacional apresen-
tada pela Excelsior.

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• Procópio Ferreira está narrando as suas memórias na Excelsior, no
programa Procópio Conta a Sua Vida.
• César de Alencar lançou na TV Excelsior o programa Telespetáculos.
• Contratada pela Excelsior a atriz Vera Nunes apresenta-se diariamente
na audição Vesperal Feminino.
• O Livro da Sorte é uma audição cultural do produtor Manoel Carlos,
transmitido pelo Canal 9, às terças-feiras, 20h.
• Vivaldino, o Mulherengo é um dos personagens mais engraçados
apresentados pela TV Excelsior, aos sábados, 20h.
• A TV Excelsior tem aos domingos, às 20h, um programa especializado
sob o título de Esporte 9.
• Lucia Lambertini é responsável pela telenovela Ó Titio, que o ca-
nal 9 apresenta às segundas e às sextas-feiras às 20h30, dedicada ao
público juvenil.
• Passatempo é o novo programa infantil da TV Excelsior, realizado
por Beatriz Segall.
• Pelé é a figura central na audição esportiva Sport Show, lançada
172 pelo Canal 9.
• Bia Coutinho e o cronista social Marcelino de Carvalho participam
do noticiário Telejornal de São Paulo da TV Excelsior, comentando
acontecimentos da sociedade paulistana.
• Silvio Caldas cumpre temporada na TV Excelsior às quartas-feiras, 21h.
• Jô Soares divide sua atividade teatral com a televisão, escrevendo a
parte humorística do programa Simonetti Show, no C’anal 9.
• Apresentando filmes de longa metragem a TV Excelsior realizou a
Quinzena do Cinema Brasileiro.

1962

Para realizar a proposta de uma televisão de boa qualidade em ima-


gem e texto, a direção artística da Excelsior tinha conscientização da
necessidade de maior informação cultural dos seus técnicos e artistas.

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A esse respeito, comentou Cyro del Nero: “... A equipe toda tinha um
eu único, sabe? E o Moya fez isso muito bem porque ele entendia de
televisão... E deu ao material humano técnico um interesse artístico.
Então o diretor de TV, os câmeras e outros técnicos tinham um interesse
em cinema, em corte, em enquadração, iluminação, como verdadeiros
artistas. Todos nós dividíamos o interesse pelo programa com um zelo
que você não imagina... Eu me lembro das seções de cinema apresen-
tadas pelo Paulo Emílio Salles Gomes (professor, ensaísta e crítico de
cinema) que o Moya trazia... O Paulo Emílio explicava o que era o Dr.
Caligari (filme expressionista alemão). O auditório éramos nós, uns 50
profissionais da emissora... E depois todo mundo discutia enquadração,
expressionismo, etc. O nível era realmente esse. Eu não sei onde o Moya
foi arranjar aqueles técnicos todos, mas ele pegou a nata. E isso passava
para o ar. Você via a Excelsior e ela tinha uma qualidade, uma classe,
você sentia... E a preocupação era constante em tudo. Por exemplo, na
cor (do branco e do preto) nós medíamos a luminância de determinadas
cores para ver o tipo de cinza que daria no ar. Então, um azul seria
diversos cinzas, ia depender da luminância que é decidida pela ilumi- 173

nação e pela possibilidade da lente da câmera. Então era infinito. Por


exemplo, eu tinha um cenário todo vermelho, que... No branco e preto
é maravilhoso, dá um cinza delicioso e havia discussão do que devia
ser o resto, que intensidade devia haver de branco, como iluminar esse
branco... Também no caso dos figurinos, que cores usar... E os técnicos
de vídeo, iluminação, câmeras, diretor de TV, todos participavam das
reuniões do departamento de Arte, todos tinham consciência do que
acontecia no ar, por convívio direto... “

Para manter o padrão aprimorado de sua imagem, o Canal 9 introdu-


ziu outra inovação que foi a criação de um departamento de roupas e
figurinos. Até então, nas outras emissoras, os artistas apresentavam-se
com roupas próprias e quando a apresentação era de época, os próprios
artistas alugavam roupas na Casa Teatral, que fornecia os figurinos
necessários. O Canal 9 criou um departamento de figurinos, no qual
as roupas eram desenhadas, e um departamento de costura e guarda-
roupas aonde elas eram confeccionadas e conservadas.

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A necessidade e acerto dessa inovação salientou-se principalmente a
partir de 1962, quando a emissora produziu novos programas de tele-
teatros e seriados, tais como:
• Teleteatro Brastemp, que ia ao ar aos sábados, com encenação de
peças do repertório universal e quase sempre com direção de Antunes
Filho, atuação de Bibi Ferreira e cenários e figurinos de Rodrigo Cid;
• Caminhos da Medicina, seriado que mostrava a vida e as ideias dos
principais cientistas do campo médico e que seria escrito e adaptado
para TV pelo psiquiatra Roberto Freire mas acabou sendo realizado
pelo diretor e produtor Walter Durst. A direção do programa foi de
Ziembinski e participavam atores como Sérgio Cardoso, Stênio Garcia,
Juca de Oliveira e outros. As histórias eram dramatizadas, enfocando
desde a Grécia antiga até a atualidade. Os cenários e figurinos foram
criações de Cyro del Nero;
• Olindo Topa Tudo, seriado cômico,com o ator Walter Stuart, que
apresentava as mais diversas situações em encenações de estúdio e
174 em encenações de rua, em frente ao canal 9. O programa teve muito
sucesso popular e ia ao ar às segundas-feiras, às 20h30.

Além das encenações dramáticas, a Excelsior apresentava programas


infantojuvenis como Repórter Caçula, com a participação de Walter
Avancini, Cachorrinho Xerife, Sessão de Desenho, Sessão Tic-Tac, O
Mundo da Criança, Contos Mágicos, O Gato Félix, etc. Apresentava tam-
bém programas variados como: Charada Show, musical e curiosidades,
com a apresentação do cantor Ivon Curi, documentários como A Voz
do Parlamento e Imagens do Japão, e filmes seriados norte-americanos
como Missão Impossível e Flash Gordon.

Por essa época, observavam-se na programação dominical as atrações


Noites Cariocas e Noite de Gala, programas humorístico-musicais, de
encenação parecida às grandes revistas musicais produzidas por Walter
Pinto nas décadas de 1940 e 1950. Esses programas eram realizados na
TV Rio, do Rio de Janeiro, com produção de Walter Clark e comprados
em videoteipe pelo Canal 9, que os veiculavam aqui em São Paulo.

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Havia também o novo programa de Procópio Ferreira chamado Procó-
pio Fala dos Outros, no qual o famoso ator comentava fatos e figuras
de várias épocas e de diferentes setores artísticos brasileiros.
Uma produção nova que, em poucas semanas, alcançou expressivo
índice de audiência, foi o lançamento do seriado Show para Dois, com
texto de Jô Soares, cenografia de Cyro del Nero e a atuação de Cleyde
Yáconis e Leonardo Villar como par romântico. O programa tinha uma
encenação bastante rica e foi patrocinado pela Cia. Rhodia. Ainda so-
bre a programação da TV Excelsior em 1962, destacamos as seguintes
notas veiculadas pela Revista do Rádio:
• Pátio do Colégio, produção de Arlete Pacheco (e D. Rossé Cavaca)
dedicada ao público infantil, transmitido pela TV Excelsior, aos sába-
dos, às 18h.
• Antologia do Cinema é como se intitula a audição humorística de Jô
Soares no vídeo do Canal 9. O programa é cheio de efeitos e trucagens,
exigindo grande talento técnico.
• A TV Excelsior entrou no páreo humorístico com Humor 62, produção 175
de Barbosa Lessa, com Procópio Ferreira como mestre de cerimônias. O
programa apresenta artistas cômicos do Rio de Janeiro e de São Paulo.
• Apresentaram-se, com êxito, na TV Excelsior: Tônia Carrero e Paulo
Autran, interpretando no Teleteatro Brastemp, numa produção de Bibi
Ferreira, a comédia Esses Maridos. Adolfo Celi e Carlos Kröeber foram
os diretores desse bom espetáculo.
• Dulcina de Moraes e Odilon Azevedo apresentaram-se na TV
Excelsior,com a peça Delírio.
• Irene de Bojano, cronista social, tem a seu cargo o programa A Mulher,
Essa Desconhecida, às quintas-feiras pela TV Excelsior.
• O programa do Canal 9 Drago Diverte, com Vadeco, Odilon e Con-
junto, é escrito pelo humorista Arapuã (Sergio de Andrade).
• A cantora Alaíde Costa protagonizou o papel título da peça Clara
dos Anjos, de Lima Barreto, apresentada pelo Canal 9 no programa
Teatro Nove.
• Amigos de Nhô Totico é uma audição que continua no Canal 9, apre-
sentada pelo próprio cômico do rádio e da TV Vital Fernandes da Silva.

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• Firmado entre a TV Excelsior e a WHDH de Boston (EUA) um acordo
para troca de videoteipes. Para lá o Canal 9 já mandou Brasil 62, Simo-
netti Show e outros.
• Em substituição ao programa Brasil 62, a TV Excelsior lançou o pro-
grama Canta Brasil, com a boa participação da cantora Inesita Barroso.
Bibi Ferreira, apresentadora do Brasil 62, por questões financeiras, ainda
não acertou sua volta para o Canal 9.
• Modas, Manequins e Melodias é um programa da TV Excelsior trans-
mitido às segundas-feiras, às 21h e apresentado por Claudio de Luna,
Neide Alexandre e Belinda.

O Apogeu – 1963

176 No início de 1963, a Excelsior não apresentou grandes variações na


programação. Apresentou alterações na parte administrativa, com o
desligamento de alguns profissionais como o cenógrafo Cyro del Nero
e o diretor artístico Álvaro Moya. Antes, porém, de sua saída Álvaro
Moya foi um dos responsáveis pela criação do programa Teatro 63,
nova atração dramática da emissora. Os idealizadores do projeto foram
Walter George Durst, Túlio de Lemos e o produtor Roberto Palmari.
Este último, desde o início do Canal 9, era o responsável pela produção
de programas variados e teleteatros. Álvaro Moya introduziu os três
profissionais junto ao Sr. Wallace Simonsen (um dos filhos do Sr. Mario
Simonsen) que havia se tornado diretor geral. A ideia foi aprovada e
o teleteatro, como proposta, se tornaria um dos acontecimentos im-
portantes na programação da emissora, no ano.

Teatro 63 selecionava histórias verdadeiras acontecidas com qualquer


tipo de pessoa. A história era dramatizada por Túlio de Lemos e Walter
Durst e encenada com a direção de Roberto Palmari. Segundo Walter
Durst, assim surgiu o Teatro 63:“... Eu já estava meio incógnito na Ex-

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celsior, fazendo a adaptação de Caminhos de Medicina... De repente,
me aparece uma proposta para sair da TV Tupi e passar definitivamente
para o Canal 9, ganhando cinco vezes mais do que eu ganhava... Na
verdade, se constituiu ali na Excelsior um grupo muito heterogêneo...
De propostas diferentes de se fazer uma televisão... Que fosse ao mesmo
tempo inteligente e popular... Eu pensei comigo mesmo: ...Em matéria
de forma de televisão tudo o que eu podia tentar fazer, já fiz... Agora
eu posso fazer um trabalho melhor, mais pensado,... Um teleteatro
novo... Chega de sentar atrás de uma mesa, pegar uma máquina e
recorrer... Às páginas da literatura mundial... Eu estava enfarado dis-
so. Nós ainda estávamos fazendo a velha história policial passada em
Londres. O nosso cenógrafo nunca tinha estado em Londres, a estrela
nem sabia falar o nome do personagem em inglês... Era o momento de
pensar no Brasil, naquilo que a gente podia fazer com conhecimento de
causa. E imaginei o seguinte programa: procurar diferentes pessoas na
coletividade e compor, aos poucos, um painel capaz de retratar toda a
sociedade. Na prática, escolhíamos quatro dessas pessoas por mês para 177
cobrir quatro semanas. Num primeiro programa, apresentávamos, por
exemplo, um profissional do jogo do bicho que estava saindo da cadeia,
uma moça balconista das Lojas Americanas, o faquir Silk que se propu-
nha bater o recorde da fome e uma figurante do cinema nacional que se
julgava parecida com a atriz francesa Brigitte Bardot. E nós queríamos...
No caso dessa figurante do cinema, por exemplo, mostrar como era o
cinema nacional, a sua estrutura ou falta de estrutura, partindo de um
personagem real. No lançamento do programa, fizemos uma grande
apresentação de uns quarenta temas... Depois escolhemos quatro e
fizemos uma síntese dos seus depoimentos diante das câmeras. Era
uma espécie de trailer do que viria nas outras semanas... A pesquisa
com cada um era a mais completa possível, nós passávamos semanas
ouvindo essa gente. Depois, na entrevista diante das câmeras, no trailer,
contávamos com a presença do ator ou atores que representariam os
papéis e que, fazendo perguntas, mergulhavam como nós no mundo
particular de cada entrevistado... Nas três semanas restantes de cada
mês, escrevíamos e montávamos as telepeças anunciadas ao público...

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Ficou um teatro completamente diferente... Nós nos preocupávamos
em captar o mundo daquelas pessoas e interpretá-lo de modo que elas
próprias e os telespectadores pudessem fazer uma reflexão a respeito.
E surgiram temas fascinantes: uma mulher que vivia só de concorrer a
prêmios de auditório, um batedor de carteiras, um pai de santo... Nós
descobrimos a tremenda originalidade do real... Eu escrevi uns dois
terços dos scripts, o Túlio de Lemos escreveu o terço restante com um
empenho maravilhoso e o Roberto Palmari nos ajudou na montagem
de todos eles. Nessa ocasião, também compreendi que os atores tinham
que ser de outro tipo. A interpretação precisava ser criativa mesmo...
Fomos ao Teatro Oficina e contratamos o Raul Cortez, Mauro Mendon-
ça, Rosamaria Murtinho, Armando Bogus e muitos outros... Acredito
que esse tenha sido o melhor programa que eu consegui fazer em toda
a minha vida profissional...”

Planejado em fins de 1962, o Teatro 63 ia ao ar aos sábados, com


patrocínio das lojas Gabriel Gonçalves. Teve boa audiência e durou
178 exatamente um ano, o de 1963.

Apesar da implantação de ideias inovadoras a televisão Excelsior conse-


guia pouco índice de audiência, na sua programação geral. Apenas um
ou outro programa, como Brasil 62 e Show a Dois, obtinham melhores
pontos no Ibope, mas sem chegar a ameaçar a audiência dos canais 4
(TV Tupi) e 7 (TV Record), líderes da época.

Coincidindo com a contratação, em dezembro de 1962, dos radialis-


tas Edson Ferreira Leite para a direção artística e Alberto Saad para
a direção administrativa (ambos vindos da Rádio Bandeirantes-SP), o
dono da TV Excelsior, Sr.Mario Cockrane Simonsen, resolveu investir
financeiramente no Canal 9, para melhorar o seu equipamento e re-
formular a programação, na busca de melhores índices de audiência.

Conforme se expressou Edson Ferreira Leite em seu depoimento: ”... A


estação era absolutamente fraca em popularidade, com apenas 1,5% de
índice... Em cinco emissoras existentes, ocupava o quinto lugar... O Sr.

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Mario Simonsen pediu-nos, a mim e ao Alberto Saad uma emissora com
audiência e ele assumiria os riscos econômicos com o equipamento e
com as contratações necessárias... Porque o 9 não tinha nada, tinha
um teatro e pouco equipamento... Eu disse que se ele me desse em
120 dias o equipamento, eu, em 180 dias, daria a estação em primeiro
lugar de audiência... Aconteceu uma coisa imprevisível... em 120 dias
o 9 estava em primeiro lugar e o equipamento só chegou 240 dias de-
pois. Então o 9 talvez tenha sido a única estação do mundo que tinha
um tipo de funcionário... Chamava-se ventilador-man, que era um
rapaz com um ventilador na mão, para ventilar a câmera velha... Para
não esquentar e explodir... Nessas condições e com a falta de espaço
eu era obrigado a fazer o show do Simonetti ali na entrada do teatro
(de Cultura Artística), enquanto se gravava um teleteatro no subsolo e
enquanto o Moacyr Franco estava fazendo um show no palco... Tudo
isso nós fazíamos lá naquele teatrinho.”

A primeira medida de Edson Ferreira Leite para chamar a atenção do 179


público sobre o Canal 9 foi contratar artistas e profissionais famosos de
outras emissoras, quebrando um costume estabelecido desde o início da
televisão brasileira no qual nenhum dono de uma emissora tirava um
profissional de outra sem comum acordo. A TV Excelsior contratou, por
altos salários, o profissional que lhe interessava, sem nenhum acordo,
tendo pelo contrário, sofrido alguns processos judiciais movidos pela
Televisão Tupi, dos quais saiu ilesa.

Conforme o depoimento do Sr. Wallace Simonsen: ”... Eu me lembro


que o primeiro caso desses ocorreu comigo já na direção da estação...
Foi com o Silvio Caldas. Na época o cantor tinha um programa de muito
sucesso na TV Record, mas ele brigou e saiu do 7 e eu o contratei”. O Sr.
Wallace diz que o fato incomodou a todas as emissoras. E continuou:
”O Edmundo Monteiro, que era diretor geral da TV Tupi em São Paulo,
pediu ao meu pai... Uma reunião, na qual ele chegou, inclusive, a nos
ameaçar... Mas ele não conseguiu nos convencer... Esse foi o primeiro
passo para a quebra do chamado convênio.”

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O motivo da existência desse “acordo de cavalheiros” entre os diri-
gentes das emissoras de televisão era a desvalorização do salário do
profissional, que aceitava o que lhe ofereciam, independentemente
do sucesso e do lucro que ele auferia para a emissora, porque sabia
que se reclamasse, era despedido e ficava sem emprego, visto que os
outros canais não o empregariam. Baseado nessa insatisfação geral do
meio artístico televisivo, Edson Leite atraiu os mais famosos profissio-
nais, oferecendo-lhes um salário várias vezes maior do que recebiam
normalmente. Foi este o primeiro grande passo para a valorização
econômica do artista brasileiro de televisão.

A atriz Glória Menezes, por exemplo, contratada com seu marido, o


ator Tarcísio Meira, foi para a Excelsior ganhando 5 vezes mais do que
lhe pagava a TV Tupi. Seu contrato havia terminado, mas mesmo assim
a Tupi não quis cedê-la e impetrou contra ela, um mandado de segu-
rança, que perdeu por falta de motivos justos. Segundo Edson Leite:
”...E aí foi firmado na Justiça do Trabalho que os artistas poderiam
180 sair... E saíram vários, não só pelo dinheiro, mas pela oportunidade
de melhores papéis... Houve, inclusive, casos tristes como o da Maria
Vidal (humorista) que queria ir também (para o 9)... E acertou tudo
comigo. Mas o Sr. Rui Aranha, então diretor da TV Tupi (SP)..., negou
a liberação do contrato... Faltavam dois meses para terminar e ela...
Foi para casa e se suicidou e deixou uma carta para mim... Que o jornal
Última Hora chegou a publicar trechos.”

Ainda sobre esse assunto, conta a atriz Marcia Real: ”...Eu fui para o
9 naquela época da debandada. Todo mundo saiu e tinha que sair
mesmo... Eu estava magoada com a Tupi... Então eu saí do 4 e fui
para o 9... Eu sai ganhando 25 contos e fui ganhar 250 no 9... Porque
o 4, realmente, em termos de pagar, era duro. Tinha, inclusive, um
dos diretores, Sr.Rui Aranha, que dizia que artista ele achava na fila
do ônibus... Essa era a mentalidade deles... Alguns diretores da Tupi
chegaram a dizer: Nós queremos ver o que o Edson Leite vai fazer com
o rebotalho da televisão... Comigo foi uma turma – Glória Menezes,
Tarcísio Meira, David Neto, Walter Stuart, Lolita Rodrigues e queiram

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ou não queiram, doa a quem doer, os atores ganham o que ganham
hoje na televisão, por causa do Canal 9”.

A TV Excelsior fez uma inteligente e intensiva campanha publicitária


na imprensa e pela cidade, com ajuda de outdoors, colocando enormes
fotografias de seus contratados mais famosos, usando o slogan: “Eu
também estou no 9”.

Em relação ao grande número de contratações famosas a proposta


da TV Excelsior era atender à exigência do público não só quanto a
qualidade, mas também quanto a imagem, para que o telespectador
encontrasse no vídeo a presença de seus ídolos. Segundo Alberto Saad
: ”...A valorização econômica do profissional foi uma preocupação
nossa porque nós não éramos capitalistas nem tínhamos recebido esse
trabalho por herança. Quer dizer, éramos profissionais que também
vivíamos e sofríamos com o problema. Sendo assim, se tornava mais
fácil compreender a situação dos demais elementos que compunham
o mundo que fazia televisão. E uma das grandes preocupações nossas 181

era fazer com que esses elementos... Tivessem uma certa paz de espí-
rito... Para que eles pudessem se dedicar totalmente ao trabalho... a
Excelsior implantou no Brasil um salário adequado... Para que o artista
pudesse sobreviver tranquilamente”.

Tendo dado certo a campanha publicitária para chamar a atenção


sobre o Canal 9, a direção voltou-se para a modificação da progra-
mação. Apesar de todos os esforços de produção e do alto nível das
peças encenadas, o teleteatro do Canal 9 conseguia pouca audiência,
como já foi comentado. Na época, a emissora produzia também te-
lenovelas, como as demais emissoras, mas sem grande repercussão.
As telenovelas iam ao ar duas ou no máximo três vezes por semana
e eram veiculadas principalmente fora do chamado horário nobre da
televisão (das 20h às 22h).

Percebendo o gosto do público por dramalhões folhetinescos, visto


que essas emissões de telenovela conseguiam melhores índices de

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audiência, Edson Ferreira Leite e Alberto Saad resolveram incentivar
sua produção. Casado com uma senhora argentina, Edson ia constan-
temente a Buenos Aires, de onde trouxe alguns técnicos e cenógrafos
para trabalharem na Excelsior. A importação mais significativa, entre-
tanto, foi a ideia da implantação da telenovela diária, como era feita
na capital portenha. O Canal 9 lançou a telenovela 2-5499 Ocupado,
de autoria de Alberto Migré, em agosto de 1963, com direção de
Tito de Miglio e tendo nos principais papéis Tarcísio Meira e Glória
Menezes. A telenovela ia ao ar às 19h30 e foi a primeira a ser exibida
diariamente na televisão brasileira.

Assim se expressou Edson Leite: ”... Eu importei 12 argentinos de uma


vez só. Como nós tínhamos só um teatro... Nós fizemos a primeira novela
na rua e na Casa de Detenção (em São Paulo)... Era 2-5499 Ocupado,
a história de uma presidiária cuja estrela era a Glória Menezes. A Col-
gate Palmolive era a grande patrocinadora de novelas na Argentina e
182 entrou na aventura comigo... De se fazer diária... E um grande sujei-
to, que hoje (1977) está em Costa Rica, Sr. Peña Aranda, me cassifou
moralmente em tudo. Feita a primeira... O Peña Aranda comprou os
direitos de tudo quanto havia tido de novela de sucesso na Argentina
e a Ivani (Ribeiro) começou a adaptar...”

A Excelsior não descuidou, entretanto, dos outros gêneros de progra-


mação. No musical estreou Cancioníssima 63, com produção de Roberto
Palmari e apresentação de Humberto Marçal. Mais tarde, o programa
teve a produção de Waldemar de Moraes com apresentação da atriz
Cleyde Yáconis. A orquestra de Silvio Mazzuca era responsável pela
parte musical. O programa ia ao ar aos domingos, às 20h, no lugar de
Brasil 63, que tinha sido transferido para as noites de segunda-feira.

Cancioníssima 63 era uma espécie de Festival de San Remo do vídeo,


pois em cada programa eram apresentadas seis músicas inéditas, que
passavam a concorrer ao título do programa. De três em três meses eram
selecionadas as dez músicas mais votadas que concorriam às finalíssimas.

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Segundo o produtor Waldemar de Moraes, Cancioníssima 63 foi uma
espécie de festival da música brasileira, que daria a idéia do primeiro
festival de música popular que a própria Excelsior realizaria, dois anos
mais tarde. Também o programa Musical Luiz Vieira estreou, no qual
o famoso cantor da música Menino Passarinho (de sua autoria e que
tanto sucesso lhe trouxe) além de cantar, apresentava novos cartazes
e realizava entrevistas.

Outro programa importante, iniciado em 1963, foi Moacir Franco


Show. Moacir Franco, apesar de excelente cantor era aproveitado pela
Televisão Record Canal 7, apenas em pequenos papéis humorísticos.
Edson Leite conseguiu transferi-lo para a TV Excelsior, em que ele teria
oportunidade de melhor exibir o seu potencial artístico. O programa
tinha humor e quadros musicais nos quais o cantor,quase sempre, in-
terpretava um papel tragicômico, cantando músicas de grande apelo
emocional. Moacyr Franco Show, na fase áurea de sua popularidade,
chegou a espantosos índices de audiência, como 97% na cidade de
Santos (SP) e 77% na cidade de São Paulo. 183

Sobre o programa, assim se referiu a revista 7 Dias na TV, de 10.06.63:


“... Cotação: Ótimo – Moacyr Franco Show, quinta-feira, às 20h30 –
Canal 9: Exatamente no horário anunciado, aliás como é de costume
nesse canal, teve início mais um espetáculo da série desse extraordinário
moço que é Moacyr Franco e que com pouco tempo de lançamento já
figura como o programa mais assistido... no horário. Nota-se na sua
produção um cuidado todo especial. Tudo é simples, propositalmente
informal, transmitindo uma sensação de espontaneidade, de intimida-
de, tão do agrado dos telespectadores e do imenso público que lota
todas as dependências daquele enorme auditório. Propositadamente
ele erra, as dançarinas erram, falta um móvel ou utensílio e nesse clima
despreocupado, desfilam os vários quadros. É um programa limpo. Na
noite de 30/05, dentro do espírito mencionado, homenagearam os bi-
campeões do mundo de bola ao cesto, tendo a maioria dos quadros
alguma ligação com o assunto. De todos, os que mais gostamos foram
os contracenados com Lolita Rodrigues e com Célia Coutinho. Contudo,

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o forte mesmo é quando canta acompanhado ao som da orquestra de
Silvio Mazzuca...”

O programa de Bibi Ferreira continuava, apesar de desentendimentos


da atriz com a direção do Canal 9, por questões financeiras. Brasil 63
chegou a sair do ar algumas semanas. Resolvido o problema econômico,
a atração voltou à franca atividade, mudando de patrocinador e de
diretor, pois Manoel Carlos saiu da emissora em meados de 1963. Com
o nome de Renner – Brasil 63, o programa passou a ter produção do
argentino Tito de Miglio e direção de Waldemar de Moraes, que até
então, atuava profissionalmente no Rio Grande do Sul.

Em seu depoimento, Waldemar de Moraes declarou: ”...Eu resolvi


mudar o esquema do programa... para o seguinte: Uma opereta com
princípio, meio e fim, cuja estrela principal era Bibi Ferreira. Em cada
programa ela personificava uma celebridade... Uma história musical...
184 por exemplo, um Grande Hotel, onde, no saguão, o ascensorista era o
cantor Jamelão, a roupeira era a cantora Elza Soares, os Demônios da
Garoa faziam os caras da pesada que carregavam o piano, o cara da
portaria era outro cantor... então aconteciam os musicais, a história...
e durante muito tempo teve esse programa”.

No primeiro semestre de 1963, a TV Excelsior realizou inúmeras estreias,


tais como:
• Seu Pepino, seriado cômico, com produção de Fernando Baleroni,
direção de David Neto e atuação de Walter Stuart, como o Seu Pepino.
Atuavam também Fernando Baleroni, Homem de Mello, David Neto,
Gariba, Bentinho e Francis Bono.
• Réplica, com produção de Antonino Seabra. O esquema do programa
era trazer personalidades criticadas pela imprensa, durante a semana
e oferecer-lhes quatro minutos para que elas se defendessem dessas
críticas. Cada programa contava com a participação de sete convidados
dos mais diferentes setores da sociedade como políticos, esportistas,
artistas de cinema, teatro e TV, artistas plásticos, etc.

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• Tribunal dos Esportes (também encontrado na imprensa com o nome
de Tribunal do Futebol) com produção e apresentação de Mario Mora-
es. O programa julgava pessoas ligadas ao esporte, tais como juízes de
partidas, presidentes de clubes, jogadores, comentaristas esportivos e
outros. Mario Moraes atuava como orientador-promotor e havia um
corpo de três jurados. Se o réu não comparecesse seria julgado à revelia,
com a mesma imparcialidade que haveria na sua presença. Tribunal dos
Esportes ia ao ar às segundas-feiras, 20h com 25 minutos de duração.
• Bola Nove, outra produção esportiva de Mario Moraes, fazia comen-
tários sobre os jogos futebolísticos realizados ou em via de realização.
A emissão era diária, de segunda a domingo, às 22h.
• Tele-Baile foi outra novidade e era um programa conduzido pela
orquestra de Silvio Mazzuca. A seu respeito assim se expressou a
revista 7 Dias na TV, de 10/06/63: “Bastante original a ideia do Tele-
Baile que o Canal 9 apresenta todos os sábados, às 24h, prosseguindo
até às 2h da madrugada de domingo. Contando com a orquestra de
Silvio Mazzuca e a participação de vários cantores, o espetáculo se
desenvolve de maneira suave, somente interrompido pelas mensa- 185

gens do patrocinador (Drury’s) que, por estarem bem entrosadas no


ambiente, não irritam. Caso esse espetáculo permaneça no mesmo
dia e horário por mais algum tempo, pode-se assegurar que, dentro
em breve, boa parte de nossa população promoverá em seus lares
seus bailinhos particulares.”

Continuavam na emissora programas como Simonetti Show, agora com


o patrocínio da Cia. de Eletrodomésticos Arno; São Paulo se Diverte,
programa de humor que, tendo contratado humoristas cariocas para
tentar sua penetração em VT no Rio de Janeiro, passou a chamar A
Cidade se Diverte; e os musicais especiais com Silvio Caldas, Juca Chaves,
Elizeth Cardoso e Agostinho dos Santos.

Prosseguiam também os teleteatros: Grande Teatro, Teatro ao Entar-


decer, Teleteatro Gabriel Gonçalves (antigo Brastemp) e Eu e Você,
seriado romântico com Glória Menezes e Tarcísio Meira. O Teatro Nove
já havia terminado suas apresentações.

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Permaneceu na programação por mais alguns meses ainda, o Teatro
63 que, segundo Walter Durst, foi encerrado porque ”...o Edson Leite
passou a dirigir tudo sozinho... Ele importou da Argentina a telenovela
diária... estimulado pelo Peña Aranda, um dos chefes da Colgate Pal-
molive do Brasil, que considerou a telenovela a forma ideal de divulgar
seus produtos pela TV... Deu grande resultado e eles começaram a atrair
os atores do nosso teleteatro para interpretar as novelas seguintes... O
nosso Teatro 63 acabou... a novela não acabou mais... Evidentemente
a novela custava muito mais dinheiro, mas o preço, diluído pelo nú-
mero de horas que cobria, pelos contratos longos com os atores, pela
audiência que alcançava, era um investimento tão mais compensador
que acabou com todos os outros gêneros teatrais...”

Prosseguiam e aumentavam na programação os seriados importados.


Além das séries Flash Gordon, Interpol Chamando, Os 4 Homens Justos,
Pânico, Mr.Lucky e Roy Rogers, o Sr. Wallace Simonsen adquiriu nos
Estados Unidos novas séries, inclusive os seriados médicos que tanto
186 sucesso alcançariam junto ao público: Dr. Kildare, estrelado pelo ator
Richard Chamberlain e Ben Casey, estrelado pelo ator Vince Edwards.
As revistas especializadas em rádio e televisão tais como Intervalo, 7
Dias na TV e Revista do Rádio passaram o ano de 1963 noticiando e
especulando as contratações e intenções da Televisão Excelsior tanto
em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Espalharam-se por todo o meio
televisivo das duas cidades as contratações fabulosas que estavam sen-
do feitas, e todo artista tentou dar um jeito de trabalhar na emissora.
Viveu-se um clima de grande euforia, com a imprensa dando crédito
aos fatos mais extravagantes, que não se realizaram e que até podem
ter sido divulgados pela própria emissora, para manter a imagem de
sucesso de suas novas realizações.

Assim é que os excelentes equipamentos técnicos adquiridos pela


Excelsior tanto para São Paulo como para a nova estação no Rio de
Janeiro nunca passaram do material essencial e sempre com o maior
aproveitamento possível do equipamento velho. As grandes atrações
internacionais, como os cantores norte-americanos Frank Sinatra e

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Elvis Presley ou a atriz de cinema Kim Novak, que a estação prometia
trazer, nunca se verificaram. Apenas o cantor francês Gilbert Bécaud
apareceu no vídeo da emissora ao fazer uma pequena temporada em
São Paulo. A notícia publicada pela Revista do Rádio em junho de 63
informando que Edson Ferreira Leite tinha embarcado para a Europa
com toneladas de dinheiro para trazer a atriz italiana Sophia Loren
ou a atriz francesa Brigitte Bardot para a inauguração da Excelsior do
Rio não passou de notícia. Realmente Edson Leite tentou na Europa
contra-tações fabulosas, mas nada conseguiu.

De qualquer maneira, o Sr. Mario Simonsen tinha prometido financia-


mento para o sucesso da emissora e o Sr. Edson Leite conseguiu melho-
rar sensivelmente a audiência, que chegou, em diversos horários, ao
primeiro lugar.Um fato, no entanto, era inquestionável: se a Excelsior
não estava ainda em absoluto primeiro lugar de audiência, estava em
total primeiro lugar em relação a boatos e comentários, por parte da
imprensa e do público. A estratégia de popularidade e de chamar a
atenção sobre a emissora tinha conseguido amplo sucesso. 187

E continuava a política de contratação de inúmeros profissionais, por


salários elevados, mesmo sem se saber exatamente o que fazer com
todos eles. A esse respeito, na Revista do Rádio de 7/9/63, comentou
o crítico Borelli Filho: ”Não pensem que é exagero, mas ficou demo-
dé ganhar menos de 1 milhão por mês na TV. Quem recebe menos é
olhado com comiseração. Quem está causando isso é a TV Excelsior...
Se alguém somar a folha de pagamentos da emissora vai gastar muita
tinta só na colocação de zeros após algarismos fortes... A TV criou uma
casta de milionários como se estivesse na Califórnia ao tempo das mi-
nas de ouro. A TV encontrará mercado publicitário para suportar esses
investimentos fabulosos? Isso vai durar?“

Como parte da estratégia de impacto, a Excelsior prometia televisão


em cores, com a imprensa anunciando a compra de equipamentos para
transmissão colorida. Em meados de 1963, foram feitas experiências
em São Paulo, tendo a TV Tupi sido a primeira a apresentar filmes
coloridos no vídeo.

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A TV Excelsior, nessa fase eufórica, importou um equipamento básico
para produção de programa colorido e não apenas exibição de filmes,
como tinha feito a TV Tupi. Assim, realizou em 28/6/63, pela primeira
vez na América do Sul, um grande show em cores, televisionado ao vivo,
com várias horas de duração, diretamente do Parque do Ibirapuera,
em São Paulo.

Apesar de prometer que a programação da futura Excelsior-Rio seria


em cores, bem como muitas das produções de São Paulo, a Excelsior
abandonou a ideia, assim como a TV Tupi, por ser inviável, na ocasião,
o alto custo da instalação de novos equipamentos e principalmente
pelo alto custo da fabricação de aparelhos de televisão em cores para
o público consumidor. Também a indústria eletrônica da época fez
forte pressão para a ideia não ir adiante em razão do grande aumen-
to da produção de aparelhos em preto e branco, que estavam sendo
vendidos por todo o país.

188 Entre notícias verdadeiras e especulativas, a emissora prosseguia na sua


arrancada decisiva em busca do sucesso, não só melhorando a qualida-
de das suas atrações, mas constituindo-se numa empresa nacional de
televisão. O grupo Simonsen havia adquirido em Porto Alegre a Rádio e
TV Gaúcha e pretendia comprar emissoras em Recife e Belo Horizonte.
Diversas emissoras exibiam programas da Excelsior, em videoteipe, pelo
Brasil. Cada vez mais, consolidava-se a ideia de uma rede nacional de
televisão. E o passo mais importante para o sucesso dessa ideia iria se
concretizar na inauguração da TV Excelsior Canal 2, do Rio de Janeiro.

Em 6/7/63, a Revista do Rádio publicou ampla matéria sobre a Excel-


sior-Rio, salientando que: ”...O ambiente da televisão carioca andava
tranquilo e o advento do Canal 2 sacudiu tudo, modificando a maneira
de encarar fatos e dando novas dimensões aos que militam no cená-
rio artístico... Já a televisão Excelsior de São Paulo havia começado a
movimentar o meio artístico da capital paulista, trazendo, para seus
programas inúmeros artistas do Rio e de outras capitais... Isto... pro-
vocou a valorização dos artistas, quebrando o convênio existente que

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procurava padronizar o teto dos salários... As outras emissoras paulistas
tiveram que reagir... estabeleceu-se a lei da oferta e da procura... Co-
meçaram então o trabalho de preparação da TV Excelsior carioca e o
início das contratações dos artistas... A primeira a reagir foi a TV Tupi
de São Paulo que, notando que ficaria sem cantores para atuar em
seus musicais... contratou artistas do Rio, dos quais faziam parte Emi-
linha, Marlene, Ângela Maria, Jorge Goulart, Jamelão, Dóris Monteiro
e outros... A TV Record também deu sua investida... A situação estava
nesse pé quando Wallinho Simonsen, jovem líder do grupo Simonsen...
resolveu dar bases definitivas ao Canal 2. Foram então contratados
Felício Maluhy e Miguel Gustavo como diretores administrativos. Estes
por sua vez contrataram... Geraldo Casé para dirigir a programação
artística, tendo como assistentes Adonis Karam e Wilson Luís e para a
direção comercial veio Marcelo Arruda... Mas a verdadeira revolução
começou quando foram contratados Carlos Manga e Chico Anysio.
Carlos Manga, que cuidará da produção e direção de programas cômi-
cos e musicais, levou consigo todo o cast de comediantes da TV Rio...
Segundo fomos informados por Geraldo Casé, na inauguração da TV 189

Excelsior-Rio deverão ser lançados os programas: Chico Anysio Show,


Simonetti Show e uma série de grandes lançamentos cinematográfi-
cos. A programação começará diariamente às 12h exceto aos sábados
e domingos, quando terá início às 9h30 da manhã... Inicialmente, a
TV Excelsior trabalhará com 2 estúdios, cabines de locutores, camarins
de artistas, sala de maquiagem e demais locais de trabalho. O Canal 2
trabalhará com sete câmeras, já tem duas unidades de videoteipe ins-
taladas e a antena ficará provisoriamente no morro do Pão de Açúcar,
sendo mais tarde transferida para o morro do Sumaré. Sobre a questão
de ordenados, os elementos da direção da Excelsior não quiseram entrar
em maiores detalhes. Geraldo Casé, sem dar números, disse-nos que
quando se quer ganhar dinheiro é preciso primeiro gastar. E mais, que
se pretende fazer televisão a sério, procurando dar ao espectador o
melhor espetáculo para que valha a pena ter um aparelho de televisão
em casa... Enquanto a TV Excelsior-Rio não está em funcionamento, os
seus artistas (que já estão recebendo o salário) têm sido aproveitados
na TV Excelsior de São Paulo e na TV Gaúcha de Porto Alegre.”

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Antiga concessão da Rádio Mayrink Veiga, a nova TV Excelsior-Rio,
mesmo antes de inaugurada, causou enorme impacto no ambiente
artístico carioca, contratando, a peso de ouro, como a imprensa far-
tamente divulgou, quase todos os profissionais famosos do vídeo do
Rio de Janeiro. A transferência mais sensacional foi a verificada em
relação à TV-Rio, Canal 13. Os Srs. Wallace Simonsen e Edson Leite
contrataram, com salários até seis vezes maiores do que recebiam,
todos os elementos que davam prestígio à TV Rio. Os artistas, que
não podiam sair por força de contrato, preferiam pagar as multas de
rescisão com o dinheiro que a Excelsior lhes adiantara. O êxodo foi tão
grande que o Canal 13 teve dificuldade em manter sua programação
no ar, na primeira semana. A Excelsior-Rio contratou esses artistas
porque queria apresentar-se, na sua inauguração, não só com uma
programação definida, mas também com elementos de sucesso que
lhe garantissem a audiência. O fato provocou verdadeira briga entre
as duas emissoras. A TV Rio, para não perder totalmente seus artistas,
resolveu reagir contra a Excelsior, pagando salários ainda mais altos.
190 A disputa não foi apenas referente a profissionais, mas também a
programas, ou seja, as séries cinematográficas norte-americanas. Os
Intocáveis, por exemplo, inabalável sucesso de audiência da TV Rio,
teve suas novas séries compradas pela TV Excelsior diretamente nos
Estados Unidos, causando mais um prejuízo à programação e à po-
pularidade do Canal 13.

A imprensa em geral divulgou diversos nomes de profissionais que


deixaram a TV Rio para atuarem no Canal 2:
• Atores-comediantes: Walter e Ema D’Ávila, Jorge Loredo, Ari Leite,
Castrinho, Geraldo Barbosa, Zélia Hoffman, Dorinha Duval, Daniel Filho,
Paulette Silva, Colé, Lilian Fernandes e outros;
• Diretores de programas e técnicos: Paulo Celestino, Wilton Franco,
Macedo Neto, Ivan Duarte e outros;
• No setor de produção foram contratados: Haroldo Barbosa, Nestor
de Holanda, J. Ruy, Mário Meira Guimarães e David Cohen;
• Nos musicais, foram contratados profissionais não apenas da TV
Rio mas também de outras emissoras, destacando-se os seguintes

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nomes: Carlos José, Carlos Lyra, Ciro Monteiro, Miltinho, Moreira
da Silva, João Roberto Kelly, Zezé Gonzaga, o pianista Luis Reis, e
outros. Todas as contratações obedeciam à duração de seis meses
(salvo algumas exceções) e eram renováveis ou não conforme os
interesses da emissora.

Sem presenças internacionais, apesar das promessas, mas com todo o


elenco de fama da televisão do Rio de Janeiro, a Excelsior inaugurou
sua filial em 1º/9/63, com um show em cores de três horas de dura-
ção, apresentando muitos números musicais, quadros humorísticos,
entrevistas com diversas personalidades e reportagens em videoteipe,
entrevistando e mostrando como moravam os mais famosos de seus
contratados. Apesar de todos os esforços, entretanto, o show teve
defeitos técnicos que chegaram a prejudicá-lo bastante, irritando o
público telespectador.

Na Revista do Rádio de 5/10/63, um mês após a inauguração, o Sr. Borelli 191

Filho assim comentou: ”...Estreia é sempre estreia. E não há mortal que


enfrente o público... com tranquilidade ou displicência. ... Isso vem a
propósito do que houve com a TV Excelsior na estreia. Verdade é que
embora o aspecto empolgante da contagem decrescente para que a TV
entrasse nos receptores, o começo foi terrivelmente catastrófico. Pois
anunciou-se Excelsior... e a imagem, depois de tanto aparato, negou
fogo. Viram-se em seguida artistas traquejados, tremendo diante das
câmeras. Jota Silvestre confessou que esquecera tudo que alinhavara
para dizer ao público. Jaci Campos balbuciou palavras ininteligíveis.
Outros quase foram às lágrimas. Assim, num clima de emoção intensa, a
estreia da Excelsior rodopiou quase em monotonia... deixou decepções.
O reencontro do público com artistas famosos não se procedeu com
aquele calor humano que se esperava. No tempero faltou o toque do
cozinheiro que sabe fazer ... E olhem que a Excelsior tem condimentos
preciosos. Seus pratos para o público vão adquirir aquela majestade
que se espera“.

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A programação inicial da nova emissora veio basear-se principalmente
nos grandes shows de música e humorismo, em séries norte-americanas
e no jornalismo. A exemplo de São Paulo, também no Rio, com grande
sucesso, passou-se a exibir o Cinema em Casa, ideia até então, inédita
na televisão carioca.

A programação de shows musicais produzida no Rio se exibia, em VT,


em São Paulo. Da capital paulista, sempre em VT, seguiam programas
como Moacir Franco Show, Brasil-63, teleteatros e outros. Pelo final
de 1963 e, principalmente por todo o ano de 1964, a Excelsior-Rio pro-
duziu os grandes shows (de música e humor) que marcaram época na
história da televisão, como Times Square, Vovô Deville, My Fair Show
e Dercy Beaucoup.

Especificamente no humor, a principal atração era o Chico Anysio Show,


no qual o humorista exibia seus diversos personagens, conquistando ago-
ra o público de São Paulo e o de outros estados cujas emissoras compra-
192 vam videoteipes de sucesso da rede Excelsior. Chico Anysio, no entanto,
ficou pouco tempo na Excelsior, voltando para a TV Rio, alegando que
a transmissão ruim da imagem do Canal 2, não chegando a vários locais
da cidade, estava estragando a popularidade de seu programa.

A má qualidade de imagem, nos primeiros tempos da programação


da Excelsior carioca, deu-se porque a emissora, para acomodação de
seus equipamentos, comprou velhas instalações da Rádio Tupi, na Av.
Venezuela, incluindo a antena transmissora, ultrapassada. Segundo
divulgação à imprensa, toda essa situação era provisória, pois o grupo
Simonsen iria construir um enorme prédio para sua instalação definitiva
na Lagoa Rodrigo de Freitas.

A construção nunca se realizou. Meses mais tarde após a inauguração,


a Excelsior-Rio conseguiu mudar sua antena para o alto do morro do
Sumaré, o chamado Teto da TV, melhorando sua imagem e conse-
quentemente sua audiência. Até essa transferência, contudo, o canal
2 iria ouvir muito protesto dos telespectadores, da imprensa e até dos

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profissionais comprometidos com a emissora. A compra do cinema
Astória permitiu ao canal 2 realizar seus grandes shows e programas
de humor. Muitos programas, antes produzidos em São Paulo, podiam,
agora, realizar-se no amplo palco do cinema. Um deles foi A Cidade Se
Diverte que, utilizando grande parte do elenco de humor do Rio, não
tinha mais sentido ser gravado na capital paulista. Com muito alarde
através da imprensa, o programa divulgou sua reestruturação e nova
estreia. A seu respeito, assim comentou o colunista Borelli Filho, na
Revista do Rádio em 7/12/63: “Mesmo com as deficiências de imagem
com que nos chega a TV Excelsior, pudemos ver do princípio ao fim
este A Cidade Se Diverte, que o Canal 2 anunciou com prodigalidade
de páginas inteiras nos jornais. Bom, a coisa não é nova... a história
compõe-se de quadros com alguma graça e valorizados pelo trabalho
de um Walter D’Ávila, colorido pela beleza de Zélia Hoffman, salvo pelo
esforço de Colé... etc. No conjunto, porém, foi apenas um programa
tipo Sequência G-3, que o Gilberto Martins lançou na Rádio Tupi, há
coisa de 20 anos... Ema D’Ávila deu barrigada num figurante, apelando 193
para que seu quadro tivesse graça... Paulo Celestino fez o cronista social
duvidoso... Moças bonitas entraram em cena, duplo sentido funcio-
nou quase sempre com sentido único... Achamos paupérrimos alguns
quadros sem um bom texto que os amparassem... Afinal, a cidade se
diverte mesmo? ...Condescendentemente pode, quando muito, apenas
sorrir, em homenagem àquele mundo de gente famosa que aparece
aos seus olhos. Só“.

Na programação jornalística teve grande êxito a exibição do telejornal


Show de Notícias, inovador na forma de apresentação. Abandonou-se
a ideia da apresentação feita por um só profissional e introduziu-se
nova dinâmica com a participação de vários profissionais como Luis
Jatobá, Jorge Sampaio, Geraldo Borges, Odete Lara, Anik Malvil, Betty
Faria e Sergio Porto (o famoso Stanislaw Ponte Preta) que ironizava as
notícias políticas e econômicas em seus comentários. Também a notícia
passou a ser narrada e comentada de forma sucinta e clara, com boa
ilustração e maior variedade de informação.

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Em São Paulo, Show de Notícias iniciou-se em outubro de 1963, com
produção de João Batista Lemos, copiando o esquema carioca. O
jornalista Fernando Pacheco Jordão foi um dos seus apresentadores
e assim o comentou: ”...A Excelsior estava se desenvolvendo muito,
contratando muita gente e eles planejaram um novo departamen-
to de jornalismo... e levaram o João Batista Lemos para chefiá-lo...
Ele me convidou para trabalhar lá... A proposta política do jornal
era nacionalista, muito afinada com o governo João Goulart... Essa
orientação não partia da direção artística, que era o Edson Leite, mas
da direção da emissora que era o Simonsen, muito ligado ao Jango...
Como televisão, a proposta era fazer um programa mais solto, mais
informal... Ele inovou na apresentação, com uns 4 ou 5 apresentado-
res... O programa tinha seções que não entravam todo dia, entravam
se houvesse notícia... Mas era um jornal inovador no sentido de ser
mais vivo que os outros, com mais comentários, mais editorializado...
a própria notícia já era lida com sua carga de opinião... Nós tínhamos
uma boa cobertura de rua, com um bom departamento de cinema
194 (para filmar a notícia)... Trabalhávamos muito com fundo projeta-
do... Uma tela atrás da gente projetava as notícias filmadas, com um
projetor de 16 mm... O locutor dava a notícia, o filme referente era
projetado no fundo e a câmera saía do locutor e ia aproximando no
filme... Em entrevista usava-se o recurso de você dialogar com a tela...
Você usava microfone só para o entrevistado na hora da entrevista,
assim não entrava a voz do repórter de campo. Aí, no estúdio, você
tinha que calcular o tempo da pergunta do repórter para calcular o
seu tempo para fazer a mesma pergunta no estúdio e isso dava ideia
de diálogo com o entrevistado.”

Show de Notícias foi um telejornal mais ilustrado que o comum da


época, apresentando diversos filmes e imagens e não calcando a
imagem principalmente no rosto do apresentador, como se fazia.
No início o programa foi apresentado às 23h, por causa do horário
político eleitoral gratuito. Passada a campanha política de 1963, o
telejornal entrou no horário para o qual havia sido programado, às
22h, com 30 minutos de duração.

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Também em São Paulo, outra apresentação jornalística de sucesso da
emissora foi o telejornal A Marcha do Mundo, com 15 minutos de du-
ração, veiculado diariamente às 19h40. O jornal tinha a apresentação
de Kalil Filho, famoso ex-apresentador do telejornal Repórter Esso, da
TV Tupi. O apresentador foi levado para o Canal 9 por Edson Leite em
represália ao fato de a TV Tupi ter tirado do Canal 9 o comentarista
esportivo Mario Moraes, uma das maiores forças da apresentação do
esporte na Excelsior.

O telejornal também obedecia ao posicionamento político de união


ao presidente Jango. Kalil Filho o apresentava sozinho, em pé, junto
a quatro telas cinematográficas, que continham o primeiro fotograma
das primeiras quatro notícias que teriam ilustração cinematográfica. O
apresentador introduzia a notícia e virava para a tela que ia exibi-la.
O filme se movimentava e a notícia era ilustrada. A Marcha do Mun-
do foi um telejornal mais convencional que o Show de Notícias, sem
comentários e com informação bastante imediata. Seu patrocinador 195
era a Mercedes-Benz. O horário do telejornal, após duas telenovelas,
garantia a audiência dos que já estavam ligados no 9, além é claro da
audiência dos interessados apenas no noticiário propriamente dito.
Esta estratégia foi uma inovação da Excelsior que, quando passou a
ocupar o primeiro lugar de audiência em São Paulo em telenovela,
conseguiu também o primeiro lugar de audiência para o telejornal
veiculado entre elas.

Com prós e contras, os profissionais de televisão e a imprensa comen-


tavam a agressiva política da TV Excelsior. Todos concordavam que
pela primeira vez se valorizava o artista brasileiro e que Edson Leite
estava plenamente situado entre os profissionais que sabiam desen-
volver as melhores ideias de como se fazer televisão. Mas se por um
lado a Excelsior beneficiou o artista, obrigando as outras emissoras a
seguirem o exemplo, por outro inflacionou de tal maneira o mercado
econômico da televisão, que sérias consequências vieram a se verificar,
principalmente com a própria Excelsior.

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A Revista do Rádio de 9/11/63 comentou: “...Segundo informa o per-
sonagem Mister Eco, Sr. Fonte Fidedigna, o montante da folha de pa-
gamento mensal da TV Excelsior-Rio é nada menos que 100 milhões de
cruzeiros, distribuídos entre quinze nomes importantes e mais algumas
dezenas de pretendentes a essa categoria... E com o mercado publici-
tário retraído, não é sem razão que os vendedores de programas do
Canal 2... suem a camisa para conseguir verba superior a essa despesa
respeitável”.

Compreendendo que para conseguir e manter audiência a Excelsior


precisava se tornar uma emissora popular, Edson Leite, ao assumir a
direção artística em São Paulo, não só continuou com as ideias cria-
tivas da gestão anterior, mas também incentivou esquemas de maior
aproximação com o público. Para isso, seu assistente José Bonifácio de
Oliveira Sobrinho, o desenhista Laerte Agnelli e Rui Perotti elaboraram
a famosa dupla de bonequinhos, um menino e uma menina, que se
tornaram o símbolo da emissora. Esses bonequinhos representavam
196 crianças de 6 ou 7 anos e eram veiculados (em filmes de animação ou
slides) para informar a hora certa, a temperatura, as próximas atrações
e pedir desculpas quando algum defeito técnico tirava a emissora
do ar. Com o tempo, essa comunicação aumentou para saudar datas
festivas e cívicas, campanhas beneficentes e serviços de utilidade pú-
blica. Tornando-se o principal logotipo da emissora, os bonequinhos
apareciam na programação da imprensa, nos comunicados oficiais,
nas propagandas e nos equipamentos e viaturas. Outra de suas fun-
ções era chamar a atenção do público para as principais atrações que
seriam apresentadas em outros horários (ou dias), com o objetivo de
mantê-lo na Excelsior.

O telespectador já estava acostumado com as faixas da programação


horizontal, ou seja, às 19h telenovela, às 20h show, às 21h seriados
cinematográficos e assim por diante, todos os dias. Agora seria preci-
so acostumá-lo com a programação vertical, isto é, o que viria depois
do horário que ele tinha escolhido. Assim, quem estivesse interessado
apenas em telenovela às 19h, deveria ser cativado para as atrações se-

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guintes, sem desligar o aparelho ou mudar de canal. Os bonequinhos
tinham também a função de mostrar como era interessante o próximo
programa. Essa tática foi iniciada em 1961 (sem os bonecos), mas só
em 1963 começou a obter bons resultados em razão das atrações de
sucesso que a emissora estava exibindo.

Ideias desse tipo, na época, foram muito inovadoras e até hoje são
seguidas por todas as emissoras de televisão. Segundo Álvaro Moya,
um dos motivos de, na Excelsior, ao terminar uma apresentação não
se dizer – boa-noite, nem mesmo ao término do telejornal, era exa-
tamente para não interromper a ligação com o público da emissora.
Todos esses filmes de animação (com os bonequinhos ou não) cha-
mados vinhetas de intervalo, prendiam a atenção do telespectador
por sua novidade. Também no Rio de Janeiro, meses mais tarde, eles
foram utilizados pela Excelsior e logo copiados pela TV-Rio, Canal 13,
a grande rival da Excelsior, que havia entrado na briga pela audiência,
com toda a sua capacidade.
197

A esse respeito publicou a Revista do Rádio de 5/10/63: “Guerra das Vi-


nhetas – As emissoras de televisão fizeram uma grande descoberta: que
são, realmente, importantes veículos de publicidade e que promovendo
vendas, podem promover-se também... Pelo menos duas tevês do Rio
estão sapecando vinhetas publicitárias de seus programas e dizendo-se,
cada qual, a melhor... A TV Rio manda que os telespectadores fiquem
no seu canal, porque tem filmes, shows e bom humor. A TV Excelsior
não deixa por menos. A guerrinha está ficando ótima. Lembra aquela
história dos três salões de barbeiro numa mesma rua. O primeiro botou
um cartaz na porta: O melhor do Brasil. O outro sapecou uma tabuleta:
O melhor barbeiro do mundo. O terceiro foi mais objetivo: o melhor
barbeiro desta rua. Será que a TV Tupi-Rio, como terceira parte nessa
luta, vai criar uma vinheta desse gênero?”
Outra inovação da direção artística anterior, que Edson Leite tentou
manter sempre que possível, foi a observância da entrada dos pro-
gramas no horário prometido e a de um tempo fixo de veiculação da
propaganda comercial em cada intervalo. Entre as várias propagandas

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Vinhetas de apresentação dos programas

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Entrega dos prêmios Roquette Pinto

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Festa de inauguração
com Odete Lara, Alceu
Teixeira, Rute Prado, Iri-
na Grecco e Hélio Souto

Recebendo Jean-Paul
Sartre e Simone de
Bouvoir

Álvaro de Moya em
almoço com Sérgio Car-
doso e Procópio Ferreira

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Moacyr Franco Show

Glória Menezes em cam-


panha de vacinação

Programa J. Silvestre

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Álvaro de Moya
e Walter Stuart

Visita de
Cesar Romero

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ya
t

Revista TV Guide com re-


portagem sobre a visita
do ex-presidente
Juscelino Kubitschek a
Sidney Pike nos EUA

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Ál

Visita de
Juscelino Kubits-
chek
a Sidney
Pike, EUA

Te

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Álvaro de Moya
e Sidney Pike
apresentam
projeto de
documentário
brasileiro

ts-

Sidney Pike e
Ted Turner assi-
nam a
distribuição
da CNN
International
para a China

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Capa do disco contendo
as músicas da novela A
Deusa Vencida

Glória Menezes e Tarcísio


Meira, o casal da primei-
ra novela diária
2-5499 Ocupado

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Mírian Mehler e Francisco Cuoco, par
central de Redenção, a mais longa nove-
la brasileira

Aparecida Baxter,
a d. Marocas de
Redenção

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Regina Duarte, de mode-
lo fotográfico a sucesso
nas novelas da Excelsior

208

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209
Arlete Montenegro, em A Muralha (abaixo com Carlos Zara) Edmundo Lopes, em A Muralha

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Cenas da abertura de As Minas de Prata, com Arlete Montenegro,
Armando Bogus e Sonia Oiticica

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Pelé, lançado como ator na novela Os Estranhos

Teleteatro (ao centro, Edson França e Rogério Mércio)

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Teleteatro
A Noite Tudo Encobre, com Arlete Montenegro,
Gianfrancesco Guarnieri, Ruthnea de Moraes,
Serafim Gonzales e Carminha Brandão

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213

Teleteatro Brastemp, A Canção de Bernadete

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214

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Teleteatro, As Cartas de Madeleine
Com Bibi Ferreira, direção Antunes
Filho, adaptação Álvaro de Moya.

215

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216

Equ

Bibi Ferreira em Brasil 60, 61, 62...

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Agostinho dos Santos e
Lupiscínio Rodrigues Lúcio Alves Alaíde Costa

217

Dick Farney Daisy Paiva Sérgio Ricardo

Equipe da TV Excelsior

Pelé

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Caio Alcântara Machado

218

Vinícius de Moraes, Alaíde Costa e


D. Rossé Cavaca João Gilberto

Lamartine Babo

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219

Dorival Caymmi

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Carlos Galhardo

Silvio Caldas
David Nasser
Leo

220

Mae

Aracy de Almeida, Silvio


Caldas e João Dias

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Silvio Mazzuca Amândio Silva Filho,
Leon Eliachar Vera Nunes e Caçulinha

221

Peri Ribeiro e
Maestro Simonetti Dalva de Oliveira
Pedro Luiz

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222

Trio Mocotó

Daisy Paiva e Blecaute

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Entrega do Troféu Saci

Júlio de Mesquita Filho

223

Roberto de Almeida Rodrigues

Vanda Lacerda e Wilton Franco

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224

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Orlando Silva

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Roberto de Almeida Rodrigues

Pedrinho Mattar, Chu e


Rubinho (Zimbo Trio)

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226

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227

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228

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Álvaro de Moya e Álvaro de Moya e
Tony Ramos John Herbert

Álvaro de Moya e Álvaro de Moya e


Eva Wilma Juca de Oliveira

Álvaro de Moya com


Cyro Del Nero, Paiva e Júlio Medaglia

Álvaro de Moya e
Raul Cortez

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que a Excelsior fazia de si mesma, pela imprensa e cartazes de rua,
uma tinha o slogan: 2 Minutos, Um Sucesso. No jornal paulistano
A Gazeta Esportiva, o colunista Denis Brian, em 21/2/63, comenta-
va: ”...Verdadeira inovação será realizada pela TV Excelsior de São
Paulo em seus intervalos comerciais. A partir de março, o intervalo
passará a ter apenas 2 minutos, com um total de 4 anúncios de 30
segundos cada, que tanto podem ser filmes, jingles, tabletops, etc.,
o que quer dizer que mal termina um programa começa outro re-
presentando, na prática, total dinamização de todo os horários do
Canal 9. Verdadeira revalorização do horário comercial, o intervalo
de 2 minutos dará mais força aos argumentos dos clientes... pois é
evidente que os anúncios competirão entre si também em matéria
de qualidade. Além desse intervalo, a TV Excelsior terá um interpro-
grama, dividido da seguinte forma: prefixo da emissora com aviso
da próxima atração, hora certa, tempo e temperatura, telejornal
Últimas Notícias (noticiário local e internacional com 2 minutos de
duração)... Os intervalos do Canal 9 serão assistidos como qualquer
230 programa, dado seu alto gabarito”.

Esse interprograma também passou a ser apresentado pelo casal de bo-


nequinhos. Com o tempo, entretanto, já estando assegurado o sucesso
de muitas atrações, a Excelsior passou a exceder o limite que tinha se
imposto de intervalo comercial, principalmente nos horários de maior
audiência, nos quais conseguia maior lucro comercial.
Nova medida de aproximação com o público foi a referente à campa-
nhas beneméritas, como a verificada em novembro de 1963, em São
Paulo, a favor da Cruzada Pró-Infância. Realizou-se a Noite de Vigília,
no Teatro de Cultura Artística, onde todos os artistas da emissora, noite
adentro, estavam a postos para receber donativos do público. A ideia
teve amplo sucesso, não só pela boa vontade popular em colaborar, mas
também para poder se ver de perto tantos ídolos, acessíveis só através
do vídeo. Em frente ao teatro formou-se o pedágio da boa vontade
que cobrava taxas voluntárias de todos os veículos que passavam. As
câmeras do Canal 9 transmitiam os acontecimentos dentro e fora da
emissora. No dia seguinte a imprensa em geral elogiava a iniciativa da

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Excelsior, que mostrou que a televisão também podia ser um veículo
a serviço de boas causas.

Ante o sucesso público e moral obtido, também, no Rio de Janeiro


a Excelsior realizou campanha para angariar fundos para as crianças
pobres. Na Revista do Rádio, o colunista Borelli Filho comentou: ”...
Foi uma campanha bonita a da TV Excelsior ficando 30 horas no ar sem
interrupção, promovendo a coleta de fundos para o Natal das crianças
pobres. O Canal 2 está fazendo de tudo para conquistar o carinho do
público... Só não conseguiu vencer, por enquanto, a precariedade de
sua imagem... com ruídos terríveis... chegando a ser insuportável.” Até
a transferência da torre transmissora do Pão de Açúcar para o morro do
Sumaré, o Sr. Borelli Filho, impossibilitado de ver as atrações da emis-
sora, assim como boa parte do público carioca, desenvolveu intensa
campanha a favor de imagem de melhor qualidade na Excelsior-Rio,
em toda oportunidade.

Outras notícias divulgadas pela imprensa especializada no ano de 1963: 231

• A direção da Excelsior firmou um acordo com a ABC International


Television para a troca de programas. A iniciativa é importante... pois
tornará conhecido no exterior o trabalho da televisão brasileira.
• Fato inédito no meio artístico, pela primeira vez, um radialista recebe
“luvas” para assinar contrato com um canal de televisão. Geraldo José
de Almeida, após 25 anos de Emissoras Unidas, passa para o cCanal 9,
ganhando 500 mil cruzeiros por mês e mais 7 milhões de cruzeiros de
luvas. O locutor atuará também na rádio Excelsior.
• Concorrentes fizeram um levantamento e chegaram à conclusão
que a TV Excelsior possui o maior elenco teatral (duas vezes maior
que o da TV Tupi), o maior elenco de humor (três vezes maior que
o da TV Paulista) e o maior número de séries filmadas... E são esses
mesmos concorrentes que perguntam em quais horários serão co-
locados tantos artistas e tantos filmes. Ou a TV Excelsior pretende
transmitir 24 horas por dia?
• Somente em setembro o Canal 9 apresentará Chico Anysio Show. O
humorista, além de luvas, irá ganhar 4 milhões por mês.

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• Quanto mais se dizia que a Excelsior estava abarrotada, mais gen-
te foi contratada: Miriam Mehler, Clarice Amaral, Borges de Barros,
Maria Cecília, em São Paulo. E Colé, Marivalda, Sergio Porto, Sergio
Brito, Íris Bruzzi, Anilza Leone, no Rio. O que a Excelsior vai fazer com
tanta gente?

1964

Tendo instalado dois centros de produção de programas, em franca


atividade, a Rede Excelsior de Televisão estabeleceu, para o ano de
1964 que a produção de São Paulo se dedicaria mais às atividades de
representação teatral, e a produção do Rio de Janeiro se dedicaria
às atividades de show e humorismo. Os dois centros teriam emissões
232 jornalísticas próprias, podendo ser trocada alguma notícia em video-
-teipe, cuja matéria valesse a pena ser exibida e que principalmente
resistisse, como informação, até o dia seguinte, quando passaria na
outra emissora. Programas de sucesso como o de Bibi Ferreira ou de
Moacyr Franco continuariam a ser produzidos em São Paulo. Os dois
centros manteriam suas pequenas produções de interesse apenas local.

Estabelecia-se, assim, a linha de programação da Excelsior em escala


nacional, com alguns horários fixos, como o de novelas, a partir das
l9h, o horário de shows às 20h e os seriados importados às 21h. Como
não havia ainda transmissão via satélite, como é feito atualmente, a
Excelsior mantinha sua rede de programação através do vídeotape.
Um show exibido no Rio de Janeiro na segunda-feira, por exemplo,
podia ter sua exibição em São Paulo na terça-feira, em Porto Alegre
na quarta-feira e assim por diante em outras capitais.

Como os proprietários da Excelsior eram também proprietários da


Panair, empresa nacional de viação aérea, as fitas de vídeo chegavam

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com regularidade aos locais destinados. Essa sistemática era observada
também em relação às telenovelas que eram exibidas, primeiro, em São
Paulo, seu centro produtor, e depois, nos outros estados.

A telenovela foi a principal produção da Excelsior a consolidá-la como


rede de televisão.Após a exagerada aceitação por parte do público,
iniciada neste ano de 1964 e continuada nos anos seguintes, e o declí-
nio, a partir de 1967, dos grandes shows produzidos no Rio de Janeiro,
a telenovela foi o grande sucesso popular da Excelsior, nas principais
cidades brasileiras.

A telenovela Ambição foi a primeira novela da Excelsior a fazer


grande sucesso de audiência. Foi adaptada por Ivani Ribeiro, teve a
direção de Dionísio Azevedo e a participação, entre outros, de Lolita
Rodrigues,Tarcísio Meira, Arlete Montenegro, Flora Geny, Mauro Men-
donça, Rogério Márcico e Turíbio Ruiz. Os telespectadores envolveram-
-se tanto pela trama da novela que os atores recebiam dezenas de
cartas, aplaudindo, criticando ou dando sugestões. A atriz Arlete 233

Montenegro, que na história desempenhava o papel de uma moça


má, declarou que só não apanhou na rua porque seu noivo a protegeu
diversas vezes dos espectadores mais agressivos. Quando o personagem
do ator Turíbio Ruiz ficou desempregado, o próprio ator recebeu três
ofertas de emprego, além de roupas e mantimentos. Iniciava-se assim
o grande processo de identificação do telespectador com o veículo
televisão, no qual já não havia grande separação entre a ficção e a
realidade. Era também o início do grande fascínio da telenovela que
perduraria pelas décadas seguintes.

Ambição foi uma das primeiras telenovelas a utilizar um ambiente real


para gravação.O fato se deu porque com o sucesso de audiência, os
produtores resolveram que o próprio público participaria do capítulo
final, na cena de casamento entre os principais personagens.

A encenação foi realizada na Igreja da Consolação, em São Paulo. A


multidão que compareceu interrompeu o tráfego, atrapalhou a gra-

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vação e danificou diversos objetos da igreja, no fascínio histérico de
chegar perto de seus ídolos.

O sucesso de Ambição definiu o tipo de produção que se deveria re-


alizar na Excelsior de São Paulo: o das telenovelas. As condições de
gravação de telenovelas na Excelsior eram muito precárias. Utilizava-se
o palco do teatro de Cultura Artística, em São Paulo, após o encer-
ramento da programação de shows. Segundo declarações da atriz
Arlete Montenegro, as gravações iniciavam-se depois da meia noite
e duravam a noite inteira, encerrando-se por volta de 9 ou 10 horas.
As diferentes novelas alternavam seus horários, gravando, cada uma,
duas noites por semana.

Parte dos equipamentos novos prometidos pelo dono da emissora já


havia chegado e com o antigo, desdobravam-se pelas diversas gra-
vações. Pela falta de bons estúdios o Canal 9 começou a intensificar
a gravação de cenas externas, em suas telenovelas, mas ainda com
234 bastante dificuldade técnica. A esse respeito comentou o Sr. Wallace
Simonsen: ”...Fazer ...novela era uma coisa de louco ...os carros de ex-
terna eram ônibus Mercedes-Benz, cheios de coisas dentro. Para fazer
novela nós tivemos que instalar videoteipe dentro desses ônibus. Não
tinha dublagem ...o som saía todo atrapalhado, o pessoal amarrando
as coisas ...com arame ...era tudo nessa base ...”.

Aumentada a produção de telenovelas, em proporção ao sucesso de


audiência que vinha sendo obtido, a TV Excelsior não podia mais conti-
nuar a dispor de um espaço tão pequeno para as suas produções, como
era o espaço do Teatro de Cultura Artística. Apesar do esforço de todos,
principalmente atores e técnicos, tornou-se urgente a necessidade de
espaços maiores para as gravações. Desde o início de 1963 a emissora
vinha tentando utilizar os estúdios da Cia. Cinematográfica Vera Cruz,
em São Bernardo do Campo, pertencente ao governo do Estado de São
Paulo e quase em estado de abandono.
Apesar de o assunto não ter sido suficientemente esclarecido, o mais
provável é que a Excelsior tenha desistido da compra da Vera Cruz pelo

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alto preço do investimento e também pelas implicações políticas que
o caso estava tomando, com discussões entre a Assembléia Legislativa
do Estado de São Paulo, o gabinete do governador Carvalho Pinto,
que estava se retirando do governo, e o gabinete do novo governador
eleito, Adhemar de Barros, que ia tomar posse.

A TV Excelsior jamais se retiraria do negócio apenas em favor da in-


dústria cinematográfica nacional.Dentro das hipóteses, é possível que,
como Edson Leite e Alberto Saad eram amigos de Adhemar de Barros,
a Excelsior tenha preferido esperar a posse do novo governador para
solucionar o problema de forma “amigável”.

Em 1964, a emissora arrendou, temporariamente, a enorme área e realizou,


tranquilamente, suas produções. E conforme o depoimento da atriz Már-
cia Real: ”...a gente enveredou para novela e aquilo virou uma indústria.
Chegou ao ponto de, no tempo da Vera Cruz, haver quatro estúdios funcio-
nando, gravando quatro novelas ao mesmo tempo, com quatro elencos...
a gente até disputava para ver que elenco gravava mais capítulos por dia... 235

Nós chegávamos a gravar cinco capítulos num dia...”.

Após a telenovela Ambição, o Canal 9 encenou, entre outras, as tele-


novelas Mãe e A Moça Que Veio de Longe. Exibidas também no Rio
de Janeiro, em videoteipe, a Revista do Rádio de 5/9/1964 salientou:
”Indiscutivelmente as novelas voltaram à ordem do dia... Todas as emis-
soras de TV do Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e de
outras capitais passaram a interessar-se, com entusiasmo, pelo gênero,
que tem multidões de aficionados... Como não poderia deixar de ser a
Excelsior aderiu francamente às novelas. Antiga história que o rádio já
apresentou... é hoje grande êxito na Excelsior, todos os dias, às 19h55,
inclusive aos sábados, a novela Mãe, de Ghiaroni.

As telenovelas transformaram-se, inesperadamente, na programação


preferida do telespectador.
Em consequência, alteraram o comportamento social da época, atrasan-
do ou adiantando o horário do jantar, fazendo com que os telefones

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emudecessem, que o consumo de água e gás diminuíssem, que as pes-
soas saíssem às pressas do serviço (sem mais os pequenos bate-papos
de confraternização), que algumas lojas e armazéns fechassem mais
cedo, para que não se perdesse a emoção tão ansiosamente aguardada
da continuidade da história exibida pelo folhetim eletrônico.

1964 foi um ano muito significativo na história da Televisão Excelsior.


Depois do início de sua ascensão em 1963, o ano de 1964 confirmou
a boa qualidade de sua programação e o sucesso junto ao público,
através da descoberta da grande fonte de audiência constituída pela
telenovela e através da excelente qualidade de produção dos seus
shows humorísticos e musicais.

A estação, entretanto, viveu, nesse ano, um fato político que quase


ameaçou sua continuidade. Como já foi dito anteriormente, o Sr. Ma-
rio Wallace Simonsen, dono da emissora e de várias outras empresas,
tinha se composto politicamente com o Sr. João Goulart, Presidente da
236 República desde a renúncia do Sr. Jânio Quadros em 1961. Com o golpe
militar de 31 de março de 1964, que depôs o presidente Goulart, todas
as pessoas a ele ligadas, direta ou indiretamente,viram-se perseguidas
pelos militares e políticos do novo poder. O Sr. Simonsen, como quase
todos os empresários de grande poder econômico, realizava inúmeros
negócios dentro e fora do País, dispondo de empréstimos vultosos junto
ao governo federal e que deveriam ser pagos no futuro.

Antes da queda do presidente Jango, o proprietário da Excelsior já


vinha sendo acusado de grande desvio de verbas do erário, através
dos negócios que fazia com o IBC-Instituto Brasileiro do Café. A
acusação era feita pelo deputado federal Herbert Levy, relator da
Comissão Parlamentar de Inquérito, instituída para investigar as ir-
regularidades da comercialização do café brasileiro no exterior, que
era realizada principalmente pela COMAL, empresa pertencente ao
Grupo Simonsen.
O Sr. Herbert Levy também era empresário com interesses econômicos
no café e pertencia a um grupo investidor rival da Comal. A discussão

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sobre o assunto ocorria há meses no Congresso Nacional e na Imprensa
e envolvia políticos contra e a favor da COMAL. O Sr. Wallace Simon-
sen, filho do Sr. Mario Simonsen, declarou, em seu depoimento, que
a causa da dívida era devido a: “... o Brasil tinha uma cota de café a
ser exportada todo ano e se essa cota não fosse preenchida, na re-
novação de cotas do ano seguinte, o que tinha faltado seria abatido
da nova cota brasileira. (Essa regulamentação pertencia ao mercado
internacional do café)... Em 1962 ou 63, a cota do Brasil não foi pre-
enchida, pois faltava uma quantidade enorme de café... Foi feita uma
concorrência... e a Comal ganhou. Então começamos a colocar café no
mercado internacional... Nesse momento houve uma geada e o preço
do café disparou, mas acontece que ele (a safra estimada) já estava
vendido. Aí quiseram debitar a ele (Sr.Mario Simonsen) a diferença do
preço... Processaram a Comal e aí começou essa história toda... A CPI do
café se iniciou no governo do Jango... o pedido partiu... do Sr. Herbert
Levy... tinha também gente do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e de
outros partidos... e a coisa foi feita de caso montado e eles escreveram
até um livro: o Livro Negro do Café... No que tange à televisão em si, 237

o problema começou a aparecer com essa CPI. Era uma época em que
meu pai estava em grande expansão... financeiramente aplicado... e
começou a haver problemas de alocação de recursos... Naquela época...
ele estava procurando recompor o grupo econômico... em contato com
banqueiros ingleses, no sentido de entrar em composição acionária com
eles... Não no que se refere, obviamente, à televisão... que... só pode
ser de brasileiros. Ele conseguiu isso, mas quando estava montada a
operação, o Banco do Brasil protestou, indevidamente, um título da
Comal... e ele teve de desfazer a operação toda...”

Com a deposição do presidente Goulart a televisão Excelsior viveu dias


difíceis. No dia seguinte ao golpe militar, a direção do Rio de Janeiro
já estava sendo inquirida por não ter feito a cobertura dos aconteci-
mentos. A direção da emissora defendeu-se dizendo que a sede da
Excelsior era muito próxima ao cais do porto e que toda essa área
estava ocupada por partidários do Jango e do Brizola, armados com
metralhadoras. Apenas quando o Exército chegou e dominou a região

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é que a Excelsior-Rio pôde fazer a cobertura dos acontecimentos. No
dia do golpe militar a Rede Excelsior não transmitiu os acontecimentos
nem em São Paulo nem no Rio de Janeiro por ordem da direção geral
da emissora.

Segundo declarou o jornalista Fernando Pacheco Jordão: ”... já no dia


primeiro de abril a gente tirou o jornal do ar, por ordem da direção,
do Wallinho Simonsen, que achou melhor não colocar o jornal no ar
do que dar a informação do golpe. O Adhemar de Barros... dominava
a situação em São Paulo e ele havia requisitado todas as rádios e tele-
visões, e o Wallace resolveu tirar o jornal do ar. Isso foi ter repercussão
depois, em maio, porque aí nós fomos todos presos (os jornalistas)...
com a acusação de termos feito greve no dia primeiro de abril para
não transmitirmos a informação do golpe...”.

A verdade é que a emissora, alinhada ao presidente deposto, não queria


aceitar, tão cedo, a vitória dos militares e ver-se alijada das vantagens
238 que usufruía junto ao poder político-econômico brasileiro.

Antevendo perseguições econômicas e políticas, o Sr. Mario Simonsen


já havia partido para a Europa antes do golpe militar de 31 de março,
passando grande parte de seus bens para o nome dos filhos e irmãos.
Desde sua partida, a rede Excelsior viu-se comprometida com os mais
diferentes tipos de especulações, quanto ao seu destino. A progra-
mação continuava por força dos vários compromissos assumidos, mas
viviam-se momentos de grande intranquilidade. A expectativa era de
que as emissoras fossem fechadas ou, no mínimo, sofressem algum tipo
de intervenção. Com o Sr. Mario Simonsen fora do País por questões
econômicas, muitos profissionais acreditavam que não haveria mais
o respaldo econômico para se realizarem as grandes produções da
Excelsior. Mesmo porque sobravam, ainda, dívidas referentes à fase
da grande arrancada artística de 1963, com as inúmeras contratações,
compra de seriados, equipamentos, instalações, etc.
A maior parte dessas dívidas era em moeda estrangeira e assim deveria
ser paga. Nesses meses conturbados, todos os profissionais da Excel-

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sior entrevistados foram unânimes em declarar que o que segurou a
estação no ar, nessa crise e em outras futuras, foi o espírito de união
que existia entre os funcionários. Em todo depoimento foi constante
a citação “a Excelsior era um estado de espírito”. Os profissionais se
esforçaram ao máximo para que o trabalho continuasse e o esforço
deu resultado. A emissora manteve sua boa audiência, manteve seu
faturamento econômico através da publicidade e chegou a aumentar
a colocação de programas, enviando-os para 36 estações de televisão,
pelo País. Além da consagração do gênero telenovela, com produção
em São Paulo, 1964 propiciou a consagração dos humorístico-musicais,
com produção no Rio de Janeiro.

Na opinião de muitos críticos e profissionais de Televisão, o musical


Times Square foi, talvez, o melhor show já realizado pela televisão
brasileira. Carro-chefe da linha de espetáculos da Excelsior carioca, o
programa, gravado no palco do ex-cine Astória do Rio de Janeiro, tinha
a direção artística de Paulo Celestino, textos de Haroldo Barbosa e Max 239
Nunes e a direção musical do compositor João Roberto Kelly, que só
tinha entrado para a Televisão, em decorrência da enorme divulgação
que o veículo daria às suas composições.

Times Square introduzia uma inovação no espetáculo de televisão que


era fazer da música coreografada o seu suporte básico. O programa
simbolizava a famosa esquina Times Square, na Broadway, na cidade de
Nova York, onde ocorriam as mais diversas situações com os mais dife-
rentes personagens, em quadros cômicos e quadros musicais, exibindo o
melhor elenco de humor da emissora, suas vedetes mais bonitas e seus
artistas mais afamados. A esquina representava um ponto de partida
para situações que se desenvolviam em outros cenários. Com muito luxo
de realização, apresentavam-se quadros, dos quais salientamos: Sallon,
em que os humoristas faziam suas apresentações assim como cantores
convidados e o corpo de baile da emissora; Caixinha de Música, cena
com Dorinha Duval e Daniel Filho, exibindo grande perfeição mímica
e vocal, apresentavam um casal de bonequinhos cantores articulados

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por mola de dar cordas; Samba de Branco no qual Zélia Hoffman, Paulo
Celestino, Lilian Fernandes, Dorinha Duval, Grande Otelo, Aizita Nasci-
mento, Daniel Filho e outros faziam ironias musicadas sobre o samba
dançado pelos negros e o samba movimentado pelos brancos; a mímica
triste do ator José Damião, imitador de personagens do cinema mudo,
principalmente Charles Chaplin, em excelentes coreografias.

A Grande Revista, outro show da Excelsior-Rio, foi um programa de


muito efeito visual, usando habilmente os amplos recursos do palco
do auditório da emissora, o citado ex-Cine Astória. A direção era de
Maurício Sherman e os textos, de Max Nunes. O programa mostrava
quadros cômicos com Walter D’Ávila, Costinha, Ari Leite e outros. Apre-
sentava também quadros musicais variados, inclusive de músicas líricas,
na interpretação de tenores e sopranos do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro. Havia ainda a participação do Corpo de Baile da emissora e os
cenários e figurinos, como toda apresentação da Excelsior, nessa fase,
eram de muito luxo e bom gosto.
240

Meu Querido Show era outro dos grandes programas da emissora. No


formato de revista musical, exibia vários quadros com música de Luiz
Reis e a presença de artistas famosos.

O programa que ameaçava mais de perto a liderança de Times Squa-


re, na preferência popular, entretanto, foi Vovô Deville, show escrito
por Sergio Porto com a participação, entre outros, de Grande Otelo,
Dercy Gonçalves, Marivalda, Ari Leite, Zélia Hoffman, Jaime Filho e
Costinha. O programa teve destaque principalmente pela atuação de
Dercy Gonçalves, mantendo o auditório presente e o público em casa
em constante gargalhada.

Famosa atriz do teatro de revista e do cinema de humor brasileiro (as


gostosas chanchadas da Atlântida), Dercy Gonçalves transformou-se
na maior revelação cômica da televisão, em 1964.
A atriz começou no programa com um pequeno papel, sendo bastante
aumentado em razão de seu sucesso pessoal. O seu quadro A Perereca

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da Vizinha passou a ser uma das atrações mais comentadas da televisão,
fazendo, até, que muita gente no Rio de Janeiro pusesse antena nova
nos aparelhos de TV, para poder vê-lo melhor. Um mês depois, Dercy
ganhou um programa só seu chamado A Fabulosa Dercy, com direção
de Wilton Franco. Acostumada com os reveses da fama, Dercy não se
impressionou com o repentino sucesso e declarou à imprensa que só con-
tinuava na televisão por causa dos bons salários que recebia e a ajudavam
a recuperar o dinheiro que perdia nas produções teatrais que montava.

Transformada no ídolo cômico feminino da televisão da época, a atriz


foi assediada pela TV Rio-Canal 13, que lhe ofereceu milhões para
que ingressasse no seu elenco de humor. Formou-se um verdadeiro
leilão de ofertas pelo seu trabalho entre a TV Rio e a TV Excelsior. A
exemplo do humorista Chico Anysio, também Dercy ficou ora numa,
ora em outra emissora, ganhando cada vez mais e sem se preocupar
com as altas multas de rescisão de contrato que, aliás, eram pagas pela
emissora vitoriosa na disputa. Essa atitude dispendiosa teve, mais tarde,
consequências financeiras difíceis para as duas emissoras. 241

A oportunidade de tanto Chico Anysio quanto Dercy ficarem pulando


de uma emissora para outra, em conformidade com a melhor oferta
de salário, trouxe prejuízo de mais de 500 milhões de cruzeiros às duas
emissoras em rompimento de contratos com anunciantes, despesas
de pessoal e cenários não usados, horas-cruzeiro perdidas, além das
pesadas multas de rescisão de contrato. Em 3/10/1964, o crítico Borelli
Filho escrevia: ”... as duas novelas vividas por Dercy Gonçalves e Chico
Anysio chegam ao seu término... Dercy voltou para a Excelsior... sem
ligar para a... multa de 20 milhões no caso do não cumprimento de
seu contrato com a TV Rio. E Chico Anysio também estará de novo no
Canal 2 (Excelsior), lá pelo mês de novembro, já que a TV Rio não quis
lhe dar os 10 milhões de salário que a Excelsior lhe oferecera. Os dois
voltaram ao 2. Mas tem gente dizendo que logo voltarão à TV Rio...
Vamos aguardar.”
A programação geral da rede Excelsior continuava introduzindo no-
vidades. O programa de Bibi Ferreira trocou de nome e de esquema.

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Brasil 64 passou a chamar-se Bibi Sempre aos Domingos, com direção
de Edson França e produção geral de Walter Avancini. O programa
continuava a ser de auditório, com 2 horas de duração. Apresentava
várias seções como música, humorismo, entrevistas, pequenas ence-
nações teatrais, e exigiu para sua realização uma grande equipe de
profissionais. A redação geral era de Marcos Rey, a direção musical
de Rogério Duprat e entre seus produtores encontravam-se Roberto
Monteiro, Renato Master, Barbosa Lessa e outros.

Outra novidade da estação, o programa Musical Em Bossa Nove, in-


tercalava jornalismo e publicidade com o melhor da música popular
brasileira, principalmente do gênero bossa-nova, com artistas como
João Gilberto, Tom Jobim, Silvinha Teles, Carlos Lyra e outros. O pro-
grama tinha o comando da dupla Luiz Carlos Miele e Ronaldo Boscoli,
que também o apresentavam.

Em relação ao esporte, a Excelsior teve grandes planos, visto que seus


242 diretores eram radialistas ligados ao futebol. A emissora transmitiu
partidas ao vivo e videoteipes dos acontecimentos mais importantes
e pretendia inaugurar a transmissão em cores, em ritmo constante,
através de um grande encontro futebolístico com jogadores como Pelé
e Garrincha, no gramado. A imprensa anunciava que a Excelsior de São
Paulo tinha equipamento completo para colocar no vídeo imagens
coloridas. O grande problema era a falta de aparelhos de televisão
receptores de imagens coloridas, sem os quais o público não poderia
vê-las. Esses grandes planos, contudo, nunca se concretizaram e como
as transmissões esportivas, na época, não tinham audiência nem pa-
trocínio iguais aos outros programas, as transmissões continuaram
comuns, sem maiores elaborações.

Um programa esportivo de inesperado sucesso de audiência foi o


boxe, transmitido aos domingos às 22h. Com apresentação de Edson
Bolinha Cury e comentários de Odilon Cesar Bras, o programa Boxe
no 9 influenciou a Excelsior carioca que passou a transmitir o esporte,
suscitando nova rivalidade com a TV Rio, que, na continuada guerra

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pela audiência, também iniciou a transmissão desse esporte. Em São
Paulo o programa chegou a alcançar o inesperado índice de audiência
de 38%, conforme dados do Ibope, divulgados na revista paulistana
Sete Dias na TV, número 626. Uma tática de Edson Leite que contribuiu
bastante para aumentar o sucesso junto ao público foi colocar artistas
famosos da Excelsior, na plateia, assistindo às lutas.

No jornalismo continuava a programação de grandes entrevistas e de-


bates, mas os telejornais da emissora, por causa da perseguição política
pós-Abril de 1964, perderam sua força, em razão da forte pressão que
vinham sofrendo por parte da Censura Federal como, aliás, todos os
outros telejornais e programas das outras emissoras. Ante a ditadura
militar nascente, a Excelsior preferiu se compor rapidamente com o
governo e continuar no ar. Já na posse do presidente militar, Marechal
Castelo Branco, em 15 de abril, a emissora fez um bom trabalho jornalís-
tico, enviando para Brasília dois caminhões de reportagem e um grande
equipamento que possibilitaram uma cobertura perfeita. A reportagem
da Excelsior acompanhou o novo presidente desde a saída de sua casa 243

em Ipanema, no Rio de Janeiro, até Brasília, no Distrito Federal.

Nesse problemático ano de 1964, o maior êxito jornalístico da emissora,


no entanto, foi o Telejornal Cassio Muniz (logo chamado de Jornal de
Vanguarda), que conseguia driblar as imposições da censura. Emitido
pela Excelsior-Rio e de responsabilidade do jornalista Fernando Bar-
bosa Lima Sobrinho, o programa, pela qualidade de sua apresentação
e pela vanguarda de suas ideias sobre telejornalismo, foi premiado no
Festival Internacional de Televisão de Barcelona, na Espanha, como
o melhor informativo do ano. Pela primeira vez, um programa da
televisão brasileira recebia consagração internacional. Sobre ele, seu
idealizador Fernando Barbosa Lima Sobrinho declarou: “... Na Excelsior
eu recebi convite para fazer um telejornal... diário. Aí surgiu o Jornal
de Vanguarda (patrocinado pelas Lojas Cassio Muniz) cuja ideia partiu
do seguinte ponto: todos os jornais em televisão eram apresentados
de maneira formal, com uma mesa e o locutor sentado atrás, o nome
do patrocinador em evidência e, como fundo, uma cortina. O locutor

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lia notícias recortadas de jornais, sem a preocupação de atualidade,
era apenas um informativo, com alguns filmes ou pedaços de filmes
de arquivo... Eu resolvi modificar tudo isso e levar o próprio jornalista
para dentro do estúdio, em frente às câmeras. Eu trouxe gente de
jornal como o Newton Carlos, especializado em crítica internacional, o
Sérgio Porto, que fazia comentários, o Millôr Fernandes e uma série de
jornalistas como Villas-Boas Correa, Tarcísio Holanda... O Cid Moreira
era utilizado para fazer as passagens do jornal, visto que as notícias
eram dadas pelos próprios jornalistas. O Jornal de Vanguarda foi
crescendo e adquirindo certa notoriedade. Ganhou diversos prêmios
aqui no Brasil e, para surpresa nossa, ele foi eleito na Europa, pelos
diretores da Eurovisão, como o melhor jornal de televisão, ganhando
inclusive do informativo da BBC. Esse prêmio foi dado com a justifi-
cativa de que era um jornal de poucos recursos mas muito criativo...
Eu li na Tribuna da Imprensa que um jornalista brasileiro, que fez um
curso de telejornalismo na Califórnia, nos EUA, assistiu uma aula do
Marshall McLuhan, em que ele exibiu um vídeocassete do Jornal de
244 Vanguarda, como exemplo de criatividade em telejornalismo. Acho que
é a única cópia existente no mundo, porque a nossa televisão era tão
pobre que não podia se dar ao luxo de guardar videoteipes. O Jornal
de Vanguarda fez uma reformulação básica dentro do telejornalismo.
Até então a televisão... não se preocupava muito com o aspecto do
comentário da notícia, da informação mais profunda... Com o próprio
jornalista diante das câmeras isso se modificou. O Jornal de Vanguarda
iniciou também um sistema de rede ou uma espécie de rede para a
época. Os comentários internacionais sobre política não morriam no
dia seguinte. Assim, as partes do Sergio Porto, Newton Carlos e outros
comentaristas políticos eram despachadas, em videoteipe, à noite,
para os outros estados que tinham acordo com a Excelsior. Isso foi
feito pela primeira vez na TV e a Excelsior foi a pioneira, formando
uma rede nacional de telejornalismo através da exibição nacional do
Jornal de Vanguarda, fazendo um processo de integração, de união,
muito importante para a televisão“.
Apesar do seu merecido sucesso, o Jornal de Vanguarda não foi o
primeiro a veicular notícias para os outros estados. Como já foi dito,

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esse mérito coube ao Show de Notícias. O Jornal de Vanguarda foi o
primeiro a fazer essa veiculação em escala nacional de maneira mais
sistemática e industrializada.

A partir do golpe militar, a proposta nacionalista dos telejornais da


Excelsior tinham acabado. Os informativos nem passaram a ser perse-
guidos politicamente porque se tornaram inócuos, perdendo suas prin-
cipais características que eram engajamento político e combatividade.
Com a forte censura que passou a existir sobre os meios de comunica-
ção de massa e com o Sr. Edson Ferreira Leite composto com governo
militar, por necessidade de sobrevivência da emissora, os telejornais
da emissora eram veiculados autocensurados, no intuito de não acres-
centar mais problemas políticos aos que havia. Entretanto, não foram
só os programas de informação noticiosa a serem fortemente vigiados
pela censura federal.

Os programas humorísticos e os shows musicais da Excelsior recebe-


ram diversas intimações, por piadas consideradas impróprias ou trajes 245

femininos considerados ousados. Os programas de Moacir Franco e


de Dercy Gonçalves sofreram advertências e o humorista Costinha foi
suspenso por oito dias, por ordem da censura. Também as telenovelas,
em todas as emissoras, sofreram com a nova ordem imposta. Diversos
textos passaram a ser considerados inadequados para os horários das
19h ou 20h e foram obrigados a se transferir para depois do horário
nobre. As emissoras, para salvar o investimento, improvisaram horários
às 22h e 22h30 e precisaram reestruturar toda a programação noturna.
Tal medida trouxe grandes prejuízos financeiros a todas, em termos
de audiência e de patrocínio.

À exceção das telenovelas, na Excelsior, os programas com cortes da


censura não eram editados (montados) novamente. Nos momentos
censurados eles apresentavam os bonequinhos animados, com a boca
e o ouvido tapados e a palavra: CENSURADO.
Outras informações sobre a Excelsior, nesse ano, veiculadas pelas re-
vistas especializadas:

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Revista do Rádio
• Recebidos pela Excelsior-Rio, três aparelhos de VT e 8 câmeras Mar-
coni.
• Um dos programas Moacyr Franco Show, do 9, realizou admirável
trabalho técnico ensejando a verificação do aprimoramento que atingiu
a emissora, apresentando, no final, um bombardeio aéreo que destruiu
casas e arrasa o que existia na cidade em ruínas. O cenário foi o grande
e eficiente colaborador.
• J. Silvestre está animando no Canal 9, a partir das 21h00 das terças.
feiras, no programa A Pergunta dos Dez Milhões.
• Revela-se que há um déficit mensal na TV Excelsior-Rio da ordem de
100 milhões de cruzeiros.
• Em videoteipe é apresentado o programa Encontro com Luiz Vieira,
do Canal 9, em uma emissora de televisão de Buenos Aires, Argentina.
De acordo com o IBOPE, as emissoras de TV de maiores audiências em
São Paulo são: primeiro lugar, Excelsior; segundo lugar, Record; terceiro
246 lugar, Tupi. No Rio de Janeiro são: primeiro lugar, Excelsior; segundo
lugar, TV Rio; terceiro lugar, TV Tupi.
Revista Fatos e Fotos
• O Sr. Mario Simonsen reuniu-se com todo o seu estafe, tomando
medidas relacionadas às atividades de seu poderoso grupo de em-
presas. As mais importantes foram: o fechamento do jornal A Nação
e a reformulação da TV Excelsior. Ambas as organizações vêm dando
fabulosos prejuízos ao grupo Simonsen.

1965

Este foi o ano de consolidação do sucesso da telenovela em todas as


emissoras de televisão que se preocupavam com a sua produção.
A TV Excelsior não só lançou um terceiro horário de transmissão, como
passou a cuidar da parte visual e técnica das encenações, com o maior
apuro artístico.

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O aumento da produção de telenovelas deu-se, principalmente, porque,
além do sucesso de audiência, descobria-se, pela primeira vez, uma ma-
neira econômica de fazer televisão. Conforme declarou o diretor Walter
Avancini: “... Num país que não existia mão de obra especializada no
nível artístico... a novela se transformou no elemento fundamental... de
todo um exercício de dramaturgia, de formação de atores, de autores
e num custo viável por se tratar de uma programação horizontal, ou
seja, o cenário, a participação artística, a estrutura contínua, minimi-
zando o custo. Porque, se fosse pensar em termos de produção vertical,
significaria um programa diferente a cada dia, portanto o custo seria
exageradíssimo. Como isso seria inviável, a programação de novelas é
(até hoje) constante... não se prescinde de novelas... A novela tem esse
aspecto econômico no processo da televisão. E no processo brasileiro
não tinha como errar porque ela sobrevive muito bem nas classes em
que o povo tem baixo poder aquisitivo e em que não tinha as tradições
culturais dos outros veículos... O brasileiro não tem uma tradição de
cinema estruturado realmente, nós não temos uma tradição de teatro
estruturado. Nós tínhamos uma tradição de rádio e de circo que veio dar 247

essa síntese que é a programação de hoje. Tanto que a gente percebe


muito de rádio e de circo na nossa televisão. E também uma sociedade
de baixo poder aquisitivo, na sua maioria, como é o povo brasileiro,
se transforma num público disponível para fazer a programação hori-
zontal que é a novela... O brasileiro não sai de casa, fica com a família
e vê um capítulo e o seguinte, o seguinte”.

Nas produções da Excelsior, o fator principal para a obtenção do sucesso


eram o espírito de criatividade e a disposição dos profissionais para se
conseguir o melhor. A cenografia, figurinos, objetos de contrarregra,
sempre em ordem, foram fundamentais para o êxito das produções.

Segundo declarações de Walter Avancini:“... Se você tiver posição de


que esses elementos ambientais são uma extensão do conteúdo do
que você tem para contar, sem eles a coisa estará pela metade, em
falta... Um figurino, um conceito visual, vamos dizer assim, está dentro
do teu... conhecimento do espetáculo... Então, um bom figurino, um

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bom cenário... é a adequação precisa... indispensável.” Também a atriz
Arlete Montenegro elogiou a infraestrutura da emissora enumerando
suas vantagens, ainda inéditas na televisão da época: “... Nós tínhamos
script-girl, ou seja, continuísta, gente para cuidar do guarda-roupa, do
castelo, do desenho das roupas. Nós nunca tínhamos visto isso. Porque
(antes) a gente fazia tudo, ia nos livros, ia na casa teatral alugar roupas.
Ou, muitas vezes, até usávamos roupas da gente ou emprestadas de
amigos. De repente, não. De repente, tinha uma pessoa especializada
em cada setor... Isso nos deixou imensamente felizes. E havia toda
uma coordenação. Você não tinha problemas. Eles te eliminavam os
problemas. Você só tinha que representar. Realmente, é inesquecível
essa fase”.

Arlete Montenegro, fazendo a mesma comparação sobre a criativi-


dade atual e a da década de 1960, disse que: “... Hoje, o que importa
é a imagem, os efeitos eletrônicos, não o ator... Eu fiz novelas sob a
248 direção do Avancini que, pelo fato de não haver mais uma câmera, ela
criava enquadrações incríveis... eu cheguei a fazer uma tomada... em
que eu dancei com uma câmera, agarrada na câmera e todos ficavam
rodando comigo, o câmera, o iluminador, o microfone e aquilo, no
ar, ficava lindo e era uma câmera só. E o outro ator dançava com a
mesma câmera de novo e depois se montava... Havia uma criatividade
surpreendente em todos os setores...”

Em seu depoimento, Edson Ferreira Leite disse que todo o luxo e riqueza
que apareciam nas imagens das telenovelas eram resultado da criativi-
dade dos profissionais, do reaproveitamento do material e das tomadas
de cena inteligentes e muito valorizadas, com efeitos de contraponto,
iluminação, etc., pois o capital financeiro para o sustento das novelas
era pequeno. Tal afirmativa, em parte, parece ter sido verdadeira, visto,
em todos os anos, a emissora estar às voltas com problemas econômicos.
Boa parte do lucro das emissoras era investido nas próprias telenove-
las, para que continuassem a render cada vez mais. Apesar disso, no
entanto, a Excelsior vinha sofrendo crises, que obrigavam a redução do

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elenco artístico e a contenção de gastos, tanto em São Paulo quanto no
Rio de Janeiro. Por gastos acima das posses ou por má administração
do capital que entrava e que não era pouco, a verdade é que, muitas
vezes, os profissionais ficavam um ou dois meses sem receber salário,
recebendo mais tarde, quando a direção administrativa fazia algum
empréstimo bancário ou quando se recebesse uma grande verba de
publicidade ou venda de programas.

A Revista do Rádio em 10/7/1965 escreveu: “... As televisões se articula-


ram com o objetivo único e urgente: diminuição dos tetos dos cachês
pagos a artistas considerados atrações e contenção dos gastos. Houve
reunião na TV Excelsior (até Dercy Gonçalves esteve presente) com
diretores de programas, decidindo-se refrear os gastos considerados
excessivos. Artista que for convidado terá que aceitar cachê menor
que antes. Se não concordar, a emissora partirá para outra atração...
A ideia, gerada pelas circunstâncias obviamente econômicas, já está
sendo adotada por outras emissoras, nas quais os salários não chegam
às culminâncias do Canal 2, que foi a que começou esta história de 249

pagar fortunas ao pessoal...”

Capitalizando suas forças na produção das novelas, a Excelsior apresen-


tou poucas novidades significativas nas suas outras realizações. Uma
delas foi a contratação milionária de Abelardo Barbosa, o conhecido
animador Chacrinha. Após grande sucesso na TV Rio, garantindo-lhe
o primeiro lugar de audiência do vídeo carioca, no horário de sua exi-
bição, o animador foi contratado pela Excelsior por vários milhões de
cruzeiros mensais, para apresentar Discoteca do Chacrinha e A Hora
da Buzina, que vinham transformando-o no maior comunicador da
televisão brasileira. Chacrinha mudou apenas de prefixo continuando
a exibir o estilo de programação que produzia e apresentava na TV Rio.
Preocupado, porém, com a audiência e qualidade dos seus programas
tomou uma precaução, que foi comentada pelo Sr. Borelli Filho, em
12/6/1965: “O Conde Abelardo Barbosa, sangue azul do reino do non-
-sense, de louco é que não tem centavos... Sob aquele manto diáfano
da fantasia, esconde um sentido prático e uma visão de TV não muito

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comuns nos próprios homens que têm o milagre eletrônico nas mãos.
Chacrinha sabe como o público vai reagir diante desta ou daquela
novidade. E, não obstante isso, decidiu manter um “olheiro” para
analisar seus programas, fornecendo-lhe um relatório dos pontos altos
e baixos de cada audição das séries que comanda no Canal 2. Assim,
tranquilamente, dias depois de cada programa, ele pode corrigir o que
não sair bom naquilo que oferece ao público. Criou uma espécie de
comissão técnica para ajudá-lo a ganhar os campeonatos de populari-
dade. Coisa que em breve estará sendo imitada pelas TVs inteligentes,
que não restringem ao julgamento dos próprios interessados o êxito
desse ou daquele programa.”

Outra novidade foi a realização do 1o Festival de Música Popular Bra-


sileira, pela televisão. Desde o programa Cancioníssima-63, a estação
vinha se preocupando com a divulgação, em maior escala de produção,
da música nacional. Assim, encarregou seu profissional Solano Ribeiro
de coordenar a ideia de um certame nacional. Alguns anos depois, em
250 28/5/1969, a revista Veja, num artigo, escreveu: “... Em 1965, Solano
Ribeiro importou da Itália e lançou em São Paulo a moda dos festivais
de música popular... Nesse tempo, com o cargo de coordenador de
programação da TV Excelsior, encomendou a um amigo que ia à Eu-
ropa, toda a documentação possível sobre o Festival de San Remo...”
Adaptando as ideias italianas às condições brasileiras, o festival foi
realizado pela TV Excelsior, com a direção de Roberto Palmari. A Cia.
Rhodia do Brasil assumiu o patrocínio, mas exigiu que o festival fosse
itinerante, ou seja, apresentado em diversas cidades brasileiras e que
as finalíssimas fossem realizadas em São Paulo, Petrópolis, Rio de Ja-
neiro e Guarujá. Essa descentralização dificultou bastante a produção
do festival, que acabou não tendo a repercussão popular esperada.
Apenas a finalíssima realizada na cidade do Guarujá, em São Paulo,
conseguiu salvar o evento de um grande fracasso.
Isso porque Elis Regina, a grande cantora brasileira (que tinha des-
pontado para o sucesso com a música Menino das Laranjas do com-
positor Teófilo de Barros Neto), com a sua maneira personalíssima
de cantar, apresentou a música Arrastão, dos compositores Edu Lobo

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e Vinícius de Moraes. A beleza da composição e o impacto artístico
da interpretação da cantora, além de obterem o primeiro prêmio
do festival, conquistaram a atenção do público. No dia 6 de abril
de 1965, os vencedores receberam seus prêmios no palco do Teatro
Astória, pertencente à TV Excelsior, no Rio de Janeiro. A partir daí, a
música popular brasileira encontrou um de seus maiores períodos de
criatividade e de divulgação através dos festivais de música realizados
pela Televisão Record e pela TV Globo, nos próximos anos. Assim, o
Festival da Excelsior, embora não conseguindo o sucesso desejado,
conquista a importância histórica ao alcançar o marco inicial que
viria ter tanta significação artística na história da música popular e
na história da televisão brasileira.

Em meados de 1965, os humorísticos foram perdendo a privilegiada


posição de audiência. É também verdade que nesse ano a rede Excelsior
sofreu mudanças administrativas e econômicas obrigando-a a diminuir
os gastos que estes programas acarretavam.
251

O faturamento econômico da Excelsior, além do patrocínio, provinha


da venda de espaço publicitário e da venda de programas. Não havia
mais a cobertura financeira do grupo Simonsen. Era necessário so-
breviver das próprias rendas, continuando a manter o bom nível das
apresentações e os altos salários dos profissionais. Segundo o diretor
Alberto Saad: “... o Dr. Mário (Simonsen) estava... habituado a fazer
negócios em moeda estrangeira... como, por exemplo, na aquisição da
(TV) Gaúcha. E depois da máxidesvalorização (do cruzeiro) foi um es-
touro desgrenhado, porque ele queria fazer esse pagamento e acabou
não fazendo, terminou indo embora e nós tivemos que cumprir esse
pagamento. De modo que esse trabalho (pagar as despesas) dependia
exclusivamente do nosso faturamento...”

Em virtude dessa situação, a emissora passou a investir nos programas


de sucesso garantido como as telenovelas, abandonando as caríssimas
produções da Excelsior-Rio, como Times Square, Vovô Deville, My Fair
Show e outros superespetáculos, que custavam mais dinheiro do que

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rendiam. Esses programas, além de figurinos e cenários luxuosos e
caros, exibiam um elenco de 20 a 30 artistas importantes, com cachês
extremamente altos. Tal despesa não conseguia nunca ser coberta
pela verba do patrocinador e acarretava grande ônus para a emissora.

Em julho de 1965, a revista Propaganda, ao fazer uma análise de todas


as emissoras de televisão do centro produtor São Paulo - Rio, escreveu o
seguinte sobre a Televisão Excelsior do Rio de Janeiro: “Atribuiu-se à TV
Excelsior... a queda da TV Rio no segundo semestre de 1964 e primeiros
meses de 1965. Inaugurada com um arrojo impressionante, somando
valores e mais valores, com o cofre esbanjando dinheiro, contratou todo
o primeiro time de artistas cariocas, enxertando alguma coisa de São
Paulo. Passou a ser o centro de exportação dos programas montados
para outras praças, onde repetiam o sucesso de Chico Anysio, Times
Square, My Fair Show, Vovô Deville, A Cidade se Diverte, Show de No-
tícias. Enfim, tudo o que havia de bom estava nas mãos da Excelsior...
Seus intervalos, inicialmente fixados em 2 minutos, deram um show de
252 novidades, com a implantação dos bonequinhos, que já eram sucesso
em São Paulo. As novelas funcionavam bem. Tudo o que se colocava
no ar dava certo. Até os filmes. Dr. Kildare e Ben Casey formaram a
competição dos médicos bonitos na TV. De repente, a organização to-
dinha passou a enfrentar problemas alheios à sua vida interna, que se
refletiam diretamente na sua maneira de viver. Os gastos tiveram que
ser restringidos. As contratações mais moderadas. As superproduções...
passaram a se enfraquecer. O próprio elenco foi permeável às cantadas
da concorrente... O esforço da TV Rio afetou diretamente esta fase
de descontrole da Excelsior, e a concorrente assumiu a liderança. Em
condições normais a Excelsior poderia enfrentar a parada, mas estava
tolhida em seus movimentos, pois até o governo federal interveio na
emissora. Assim que caiu, afetou a sua coirmã de São Paulo e a luta
se desenfrearia até hoje para recuperar o terreno perdido. Isso é bom
para os telespectadores, que recebem, da competição, melhor qualida-
de de programa... A direção da TV Excelsior está pronta para reagir...
mas ainda dentro de uma fase difícil em que tem muita coisa a pagar,
pois a emissora também cuidou de instalar seus novos transmissores,

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mais poderosos, que garantem imagem mais nítida e alcance mais
efetivo. Comercialmente, está com os intervalos tomados e programas
vendidos. Precisa apenas reconquistar o primeiro lugar, pois esse é o
seu grande objetivo deste ano. Se vai conseguir, depende unicamente
de seu esforço e das esperanças de uma degringolada da TV Rio, o que
está meio difícil de se prever.”

A condição anormal por que passava a rede Excelsior de Televisão


referia-se ao resultado dos processos econômicos sofridos pela famí-
lia Simonsen. Comprovado o desvio de quantia equivalente a U$ 10
milhões de dólares em prejuízo do IBC – Instituto Brasileiro do Café –,
efetuado pela Comal, o grupo empresarial teve seus bens sequestrados
pelo governo federal, entre os quais se incluíam a Panair, companhia
de aviação aérea internacional e a rede Excelsior de Televisão, com
canais em São Paulo, Rio de Janeiro , Porto Alegre e Belo Horizonte.
O sequestro das ações da Excelsior, entretanto, não alterou em nada
sua programação. A emissora lançou um comunicado assegurando
aos clientes e público que nenhuma modificação sofreriam as partes 253

artística e comercial da rede. A única mudança verificada aconteceu


na direção administrativa do Rio de Janeiro, com o Sr.Carlos Manga
sendo nomeado interventor federal, por imposição do governo militar.
Os demais diretores continuaram em suas funções.

Novamente mergulhada em confusões, a rede Excelsior, para não


ter o mesmo fim Panair, que simplesmente foi fechada, articulou-se,
iniciando campanhas evitando que centenas dos seus profissionais
ficassem desempregados. Diversas alternativas foram propostas. A
mais significativa, para os funcionários da rede, foi a tentar transfor-
mar a Excelsior em fundação. Assim, profissionais como Chico Anysio,
Moacir Franco, Dercy Gonçalves, o Mudinho Damião apareceram no
vídeo dizendo: “Vocês leram as notícias nos jornais, mas não se preo-
cupem, vocês e nós continuaremos na Excelsior, preparem-se para nos
ajudar. Nós estamos desenvolvendo uma campanha para transformar
as emissoras da rede Excelsior em fundação”. Bibi Ferreira, escolhida
para representar os funcionários da Excelsior nos entendimentos com

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o governo federal, apresentou ao presidente Castelo Branco um pla-
no para criar a fundação, mediante compra das ações sequestradas
pelos empregados da rede, que teriam um prazo de cinco anos para
pagá-las. O presidente prometeu estudar o assunto. No entanto, de
acordo com a legislação que regia as empresas de telecomunicações,
não existia a possibilidade da criação da fundação. Segundo o Contel
– Conselho Nacional de Telecomunicações –, devia prevalecer sempre
nas emissoras de radiodifusão, um regime de sociedade anônima. O
que poderia acontecer seria a transferência das 80 mil ações, parte
pertencente ao grupo Simonsen na TV Excelsior, aos funcionários, que
passariam a integrar uma grande sociedade anônima. Mas para isso
acontecer seria necessária a autorização do presidente da República,
depois de ouvido o Contel.

Enquanto tudo isso acontecia no Brasil, o principal acionista da TV


Excelsior, Sr. Mário Simonsen, aguardava o desfecho da crise em Paris.
A sua defesa estava sendo providenciada pelos seus advogados que
254 tinham apresentado nos autos do processo judicial, como garantia das
dívidas reclamadas pela União, bens avaliados em U$ 10 milhões de
dólares... Como a justiça ia demorar a se pronunciar definitivamente
sobre a questão, os funcionários e diretores da emissora, movimen-
taram-se para conseguir apoio popular para pressionar o governo a
atender seus objetivos. Formou-se uma caravana de profissionais da
Excelsior que partiu para Brasília (DF), para falar com o presidente
da República. Em seu depoimento, o Sr. Edson Leite esclareceu: “...
Nós vivíamos sob um regime de intervenção branca... Todo dia cedo,
quando eu abria a porta da emissora, eu esperava que o presidente
Castelo Branco mandasse um coronel para tomar conta... Mas como
nunca veio o coronel, um dia eu provoquei... eu fui até ele”. Edson
Ferreira Leite conta que conseguiu através do senador Auro Soares
de Moura Andrade, na época, presidente do Congresso Nacional,
uma entrevista de 5 minutos com o general presidente. E continua:
“... como ele (o presidente) era fã da Excelsior, da Bibi Ferreira... ele
começou a me ouvir, dialogar e me deu 45 minutos... Terminada a
conversa que girou sobre teatro, novela, Chico Anysio, futebol... eu

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disse: – Bom, presidente..., eu vim lhe entregar a chave (da emisso-
ra)... vou voltando para São Paulo. O senhor me deu cinco minutos
e eu tomei tanto tempo... Desculpe, mas como é que eu volto?... Ele
botou a mão no meu ombro e disse: – Eu peguei o meu abacaxi e o
senhor pegou o seu. Enquanto eu estiver com o meu, ninguém mexe
no seu. Aguente o seu, eu aguento o meu... Parece incrível, mas foi
esse o tipo de diálogo com um cara fechadíssimo como era o Castelo
Branco. A partir dessa época, o ministro do Planejamento, Roberto
Campos, e também o Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil, e
o coronel Geisel, chefe da Casa Militar, receberam ordens de auxilia-
rem a Excelsior em tudo. Então, nós... tivemos abertura de crédito no
Banco do Brasil... e caminhamos e aguentamos... em primeiro lugar...”

Nessa fase de indecisões, e afastada a ideia de fundação, a rede Excel-


sior foi muito cobiçada pelos governadores de São Paulo, Sr. Adhemar
de Barros, e do Rio de Janeiro, Sr. Carlos Lacerda, que compreendiam
a importância de os respectivos estados terem a propriedade de uma 255
rede de televisão. O grupo da diretoria de São Paulo, tendo à frente os
Srs. Edson Leite e Alberto Saad, ligados ao governador paulista, dava
ênfase às propostas e interesses do Sr. Adhemar de Barros. O grupo
da diretoria do Rio de Janeiro, comandado pelo Sr. Carlos Manga,
tentava fazer com que a rede passasse a ser propriedade do Estado
da Guanabara, já que era ligado ao governador Lacerda que, com a
ajuda do Banco do Estado, havia feito empréstimos à Excelsior carioca,
regularizando suas dívidas e os salários atrasados dos seus funcionários.

O governo federal não desejava que nenhum dos governadores ficasse


com o controle da rede. Para tanto reservou um grande lote de ações
da empresa em nome da União.

Por força dos acontecimentos políticos e econômicos, a Televisão


Excelsior estava fora do controle da família Simonsen. Mas um fato
inesperado veio mudar a situação: a morte do Sr. Mário Simonsen,
em Paris. Existem muitas controvérsias sobre essa morte. O filho do Sr.

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Simonsen, Sr. Wallace, diz que o pai morreu de morte natural. Outros
profissionais e os jornais da época dizem que o Sr. Mário e sua mulher
se suicidaram, numa grande crise emocional, provocada pelos aconte-
cimentos contra eles.

Com o desaparecimento do principal acusado pelo governo federal e já


tendo sido apresentado ao Banco do Brasil, em garantia, bens avaliados
pelo montante da dívida, o controle da rede voltou para as mãos do
Sr. Wallace Simonsen Neto, como bem hereditário.

Dessa maneira, a situação da Excelsior voltou ao que era antes. Os


diretores continuaram os mesmos. Apenas no Rio de Janeiro, o Sr. Car-
los Manga perdeu o cargo de interventor, continuando como diretor
artístico. Pelo final do ano, contudo, o Sr. Wallace Simonsen, num mo-
mento emocional difícil e pressionado politicamente, acabou vendendo
os direitos sucessórios que tinha sobre as ações da rede Excelsior para
os Srs. Edson Ferreira Leite e Alberto Saad, diretores da Excelsior de
256 São Paulo e para os Srs. Otávio Frias e Carlos Caldeira, sócios da em-
presa jornalística Folha de S. Paulo. (O Sr. Wallace vendeu os direitos
hereditários das ações por elas estarem ainda sob o controle do Banco
do Brasil). Cada um dos quatro novos sócios ficou dono de 25% dos
direitos sobre as ações. Apesar de o grupo Folha ter entrado para a
rede, o comando artístico continuou com Edson Leite e Alberto Saad.
Sobre essa época, principalmente no que se referia à situação do Rio
de Janeiro, assim declarou o Sr. Wallace Simonsen, no seu depoimento:
”...estes sequestros... houve uma coisa curiosa, porque alguns diziam
que isso era uma jogada do Lacerda (Carlos Lacerda) e o pessoal do
Lacerda dizia que era uma jogada do governo federal... Eu me afastei
porque havia salários atrasados e outras coisas... e o Banco do Estado
da Guanabara colocou tudo em dia, pagou o pessoal, de maneira que
eu achei essa a melhor solução... Na medida que o foco de pressão era
eu, eu recuei. Estava vendo que o próximo passo seria cassar a televisão
e a gerência da televisão passou a sofrer uma influência direta do poder
político da época. Ela continuava sendo dirigida pelas mesmas pessoas,
eu é que estava fora. Nessa situação, o juiz nomeou um depositário...

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que era o Braguinha, presidente do Banco do Estado da Guanabara,
na época do Lacerda. Então, quem tinha a gerência maior... era o go-
verno do Rio, ou seja , o Lacerda. Mas aí o governo federal começou a
implicar com o Lacerda... e começou a bagunçar tudo. Em termos ad-
ministrativos, pode-se imaginar a bagunça que virou aquilo... Começou
a ficar cada vez mais inviável para nós, detentores das ações, herdeiros
da perseguição também, a condução, a gestão da televisão, porque
havia, inclusive, dissidência dentro da própria diretoria e obviamente,
muito medo da ditadura militar... Quando ficou inviável a condução
da Excelsior, nós vendemos os direitos sucessórios da televisão para o
grupo do Frias e Caldeira. Ela estava ficando inviável economicamente,
não havia mais capital próprio para investir, ficava-se dependendo do
sistema governamental e na medida que esse sistema estava contra
você, não havia nada a fazer...”

Antes da venda das emissoras, o Sr. Wallace Simonsen Neto adquiriu,


na Inglaterra, equipamentos para a instalação definitiva e pronto fun-
cionamento da TV Vila Rica, em Belo Horizonte, que estava em fase 257

de montagem. A rede prosseguia na sua contraditória administração:


em plena crise política e financeira aumentava sua cadeia de estações
fazendo enormes gastos.

Em São Paulo, continuavam as produções de telenovelas, de Bibi Sempre


aos Domingos, das produções de jornalismo, programas femininos e de
serviços e retornou ao ar o programa Moacyr Franco Show. No Rio de
Janeiro, com a diminuição dos shows, a emissora ativou o departamento
de jornalismo, aprimorando os noticiários, os programas de debates e
entrevistas. Como também a TV Rio ativou seu departamento de jorna-
lismo, mais uma vez acirrou-se a concorrência entre as duas emissoras,
que passaram a apresentar telejornais de boa qualidade, com a notícia
quase instantânea, muitas reportagens, entrevistas e comentários,
para alegria do telespectador, que é quem lucrava com essa disputa.
Mesmo com o êxito do telejornalismo da Excelsior-Rio, seu responsável,
o jornalista Fernando Barbosa Lima Sobrinho, deixou a emissora, por
desentendimentos com Carlos Manga, indo para a TV Tupi carioca.

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Apesar de nunca ter dado muita atenção ao esporte, a direção da
Excelsior resolveu investir no gênero, para garantir maior audiência.
Assim, contratou os melhores comentaristas esportivos da TV Rio, como
João Saldanha e Armando Nogueira, deixando, mais uma vez, a sua
rival desfalcada de uma boa atração. Entretanto, por interferência do
patrocinador, a Excelsior, mais tarde, dispensou parte da equipe trazida
da TV Rio. O fato desgostou João Saldanha, que desprezou os milhões
oferecidos pela Excelsior, voltou para a TV Rio.

A audiência da Excelsior começou a sofrer um processo contraditório,


a partir de 1965. À medida que suas novelas prendiam cada vez mais
a atenção do telespectador, os programas de humorismo e show iam
perdendo pontos no IBOPE e começaram a ser encerrados. Além do
desgaste político-econômico sofrido pela emissora, a concorrência de
outras estações de televisão propiciou a queda da audiência. No Rio
de Janeiro, nesse mesmo ano, foi inaugurada a TV Globo, Canal 4, que
usando a tática inaugurada pela própria Excelsior, começou a roubar-
258 -lhe diversos profissionais e tornou-se mais uma concorrente a disputar
o público carioca.

Boatos não confirmados diziam, na época, que a TV Globo, aliada ao


governo militar, teria procurado prejudicar a Excelsior politicamente,
para quebrar a hegemonia de sua audiência no Rio de Janeiro.

Em São Paulo, a TV Record Canal 7, começou a investir em programas


musicais lançando O Fino da Bossa, com o comando de Elis Regina,
Bossaudade, sob o comando de Elizeth Cardoso e Jovem Guarda, co-
mandado por Roberto Carlos. Os três programas logo conquistaram o
público. Mas o fato mais importante, contudo, foi a política de união
da TV Record e da TV Rio que, para fazer frente à Excelsior, esque-
ceram velhas diferenças e iniciaram um intercâmbio, entre as duas
cidades, de suas melhores atrações. Essa medida prejudicou bastante
a audiência da programação de variedades da Excelsior-Rio, que ain-
da assim, lançou os programas O Show é de Graça, com Walter e Ema
D’Ávila, Moacyr Franco, Costinha, Ari Leite, Geraldo Alves e outros, e

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o Chico Anysio Show, que voltava à Excelsior, pelo final do ano, com
personagens novos, além dos atores consagrados e um elenco bastante
variado. Apesar do esforço da emissora, esses programas, no entanto,
não conseguiram obter o sucesso desejado.

Outro fato desagradável enfrentado pela emissora em 1965 foi a perda


da ação judicial que lhe foi movida pela TV Rio, em 1964, quando a
Excelsior lhe tirou os maiores cartazes. Os profissionais não podiam ter
saído da TV Rio sem autorização. Iniciada a ação judicial ninguém deu
muita importância ao caso, por causa da morosidade da Justiça. Mas
em 25 de novembro de 1965, o apresentador Heron Domingues, do
telejornal da TV Rio, anunciava, no ar, que a Excelsior havia perdido
a ação e deveria pagar ao Canal 13 a importância de 190 milhões de
cruzeiros, em indenização pelos prejuízos causados à programação da
emissora rival. Entre reveses e conquistas, pela imprensa, especializada
ou não, selecionamos as seguintes notícias sobre outras atividades da
rede Excelsior em 1965:
Revista Sete Dias na TV – março, número 706 259

• Prêmio Sete Dias Na TV para:


Equipe Noticiosa: TV Excelsior
Show Man: Moacyr Franco – TV Excelsior
Show Woman: Bibi Ferreira – TV Excelsior
Melhor Telenovela: A Deusa Vencida – TV Excelsior
Melhor Autor: Ivani Ribeiro – TV Excelsior
• O Canal 9 furou todo mundo ao transmitir de dentro de casa a ceri-
mônia de casamento de Pelé.
Revista São Paulo na TV:
• A Excelsior, depois da queda, desrespeita os telespectadores, pois
bruscamente, sem o menor aviso, termina com um programa.
Cortaram o fim do programa My Fair Show em plena exibição. Onde
está o tão falado respeito pelo público?
Revista da Rádio:
• Chacrinha esteve para sair da Excelsior... Mas Carlos Manga ofereceu
um salário que ele nem pensava. Resultado: Chacrinha fica na Excelsior
até novembro de 1966, pelo menos.

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• Jacinto Figueira Junior causa impacto com assuntos reais nas suas
reportagens pelo Canal 9.
• Desligaram-se da TV Excelsior os escritores Haroldo Barbosa e Max
Nunes, responsáveis por vários programas de sucesso.
• O programa Bibi Sempre aos Domingos, do Canal 9, continua man-
tendo uma audiência invejável.
• O Canal 9 entregou a Oscar Fuentes a direção geral do Departamento
de Teleteatros e dos estúdios da Vera Cruz.
• Dercy Gonçalves não renovou contrato com a Excelsior por não con-
cordar com 6 milhões de cruzeiros mensais. Anteriormente Dercy estava
recebendo 8 milhões por mês.

260 1966

Em 1966 (numa ascensão musical iniciada no ano anterior), a TV Record


Canal 7 contratou todos os grandes valores da música brasileira, lan-
çando programas para todos os gostos. Com a audiência conquistada
nessa explosão musical, a emissora lançou também nova programação
humorística e de variedades, com os grandes cartazes do gênero. Esse
tipo de programação, que era tão bem realizado pela Excelsior do Rio
de Janeiro, passou a ser uma das principais atrações do Canal 7, que se
manteve líder de 1966 a 1969. Quanto mais se consolidava o sucesso
da Record, mais fracas se tornavam as atrações, do mesmo gênero, nas
outras emissoras de televisão.
Além de enfrentar essa concorrência, a Excelsior, que já havia perdido
a atriz Dercy Gonçalves, perdeu mais dois importantes catalisadores de
sua audiência: Bibi Ferreira, que deixou a televisão, e o comediante
Chico Anysio, que voltou para a TV Rio. Em termos de grandes per-
sonalidades do vídeo, apenas Chacrinha continuava na emissora. Era
preciso racionalizar a produção das telenovelas, ou seja, diminuir a

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quantidade, melhorar ainda mais a qualidade e aumentar sua duração
para 8 meses ou mais.

Por essa época, a Excelsior inovou em outra atitude comercial, muito


usada na televisão atual. Como por meio da telenovela a emissora
conseguiu construir uma “rede” (mandando esse produto para diversas
outras emissoras em todo o País), ela conseguiu também implantar um
sistema de faturamento nacional com a ajuda do intervalo comercial.
No contrato de exibição, as outras emissoras comprometiam-se a exibir
também alguns comerciais que os patrocinadores das novelas tinham
interesse nacional de divulgação. A Excelsior os enviava, já gravados
em um ou dois dos intervalos da novela e recebia a sua comissão. Nes-
sa época era feito em videoteipe o que hoje se faz via satélite, com
emissão direta para cada emissora retransmissora.

A intensa linha de produção de telenovelas do Canal 9, nessa época,


obedecia a um esquema que facilitava o trabalho: na segunda e na 261
terça-feira era gravada uma das novelas, na quarta e quinta-feira era
gravada outra e na sexta-feira e no sábado era gravada a terceira.
Começava-se às 8h e seguia-se até às 20h ou mais. Cada capítulo da
novela tinha a duração de 20 a 25 minutos, o que permitia que, em
dois dias, fossem gravados os 6 capítulos semanais. Como a gravação
era feita na sequência da história, gravava-se quase direto, o que faci-
litava a montagem. A sonoplastia musical também era feita na hora da
gravação. Isso influía na interpretação do ator, que podia sentir melhor
a emoção do personagem. Conforme declarou o diretor Waldemar de
Moraes: “...Uma vez o ator Rodolfo Mayer foi fazer uma cena de Os
Quatro Filhos, na qual ele discutia com a mulher e os filhos e acabava
triste e solitário. Nós fizemos o ensaio e o sonoplasta, que era o Laurino
Salvador, sonorizou. Íamos gravar quando o Rodolfo Mayer entrou na
cabine de sonoplastia e perguntou ao Laurino se podia ouvir outra vez
a música que ia ser colocada no final da cena... A música terminava com
quatro acordes, três agudos e um grave, assim: plim,plim,plim,blom...
Eu pensei: ele vai inventar alguma coisa. No final da cena, ele ficava

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arrasado... a câmera entrou em close no rosto dele e a música fez
plim,plim,plim e quando ia fazer blom, ele explodiu as lágrimas dos
olhos. Ele segurou e explodiu no blom... Foi um negócio... tinha dessas
coisas... Então o ator sentia mais a emoção...”

As novelas eram patrocinadas pela Colgate, representada pela agência


de publicidade Lintas e pela Kolynos, representada pela McCann Erik-
son. Essas agências mantinham sempre uma pessoa para acompanhar
as gravações e verificar o que estava sendo gravado. Atualmente, a
emissora é dona do horário e vende só o espaço comercial. Em geral
o patrocinador pagava o horário e a emissora pagava os artistas. Mas,
algumas vezes, ele chegava a pagar ao artista, quando tinha interesse
que esse profissional trabalhasse só no horário dele. Na realidade,
as agências pressionavam as emissoras para ter sempre a melhor
qualidade do programa que patrocinavam. Contudo,como sempre
eram feitas reuniões antes e durante o processo de criação da novela,
estabeleceu-se, na Excelsior, que o patrocinador fizesse, apenas, uma
262 avaliação final do produto semanal gravado, antes de colocá-lo no ar.
As novelas realizadas pela emissora foram:
• Abnegação, de Dulce Santucci. Apresentada de outubro de 1966 a
abril de 1967, teve a atração de trazer no elenco a atriz Laura Cardoso,
um dos principais ícones da TV Tupi. Ainda no elenco: Fernando Bale-
roni, Edgar Franco, Lídia Costa, Carmen Marinho e outros.
• Almas de Pedra, adaptação de Ivani Ribeiro do romance Mulheres de
Bronze, de Xavier de Montepin. Transposta para a realidade brasileira,
apresentou conflitos sobre a Abolição da Escravatura, a Proclamação
da República e a opressão da mulher na sociedade do século XIX. Com
direção de Walter Avancini, teve no elenco, Tarcísio Meira, Armando
Bogus, Suzana Vieira e Glória Menezes. Essa interpretação valeu à atriz
os melhores prêmios da crítica de televisão no ano.
• A Pequena Karen, outra novela de Dulce Santucci. A novela ficou seis
meses no ar e teve nos principais papéis: Suzana Vieira, Tereza Raquel,
Edgar Franco, Rogério Márcico e Maria Estela.
• Ninguém Crê Em Mim, primeira novela de Lauro Cesar Muniz. Tendo
no elenco Flora Geni, Altair Lima, Raul Cortez, Débora Duarte, Paulo

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Figueiredo e Renato Borghi, foi a primeira novela da TV a tentar uma
temática diferente.
• O Anjo Marcado, novela de Ivani Ribeiro,com Regina Duarte, Lolita
Rodrigues, Paulo Goulart, Geraldo Del Rey e outros. Sucesso de público,
principalmente pela presença de Regina Duarte.
• O Caminho das Estrelas, de Laura Luisi, com Arlete Montenegro, Pro-
cópio Ferreira, Fernando Baleroni, Geni Prado e outros. A novidade da
novela foi a atuação do cantor Agnaldo Rayol.
• A Grande Viagem, de Ivani Ribeiro, com Regina Duarte, Flora Geni,
Altair Lima, Daniel Filho, Fúlvio Stefanini, Marcia Real. Como os jor-
nais da época revelaram o final da trama, a autora escreveu outro, e
o suspense foi mantido até o último capítulo.
• As Minas de Prata, de José de Alencar, adaptação de Ivani Ribeiro.
No elenco: Carlos Zara, Arlete Montenegro, Regina Duarte, Armando
Bogus, Stênio Garcia, Fúlvio Stefanini, Suzana Vieira, Milton Ribeiro,
Ivan Mesquita e outros. Superprodução da Excelsior que exigiu a cons-
trução de cidade cenográfica representando Salvador. Assim, comentou
o diretor Walter Avancini: ”... nós montamos uma cidade cenográfica... 263

eu, a Isabel Pancada, o Jean Lafon e o Mario Roquette... Chegamos


a ter na praça de cenografia... 300 figurantes... com roupa de época.
Cheguei a fazer a famosa Cavalhada, fiz um torneio medieval com
dezoito cavaleiros...”

A mais famosa iniciada nesse ano foi Redenção, de Raimundo Lopes, que
com 596 capítulos, é a telenovela mais longa da história da televisão,
sendo exibida de maio de 1966 a maio de 1968. Redenção utilizou o
recurso de, em três ou quatro meses, introduzir um novo personagem,
representado por um artista famoso, tais como: Flora Geny, Rodolfo
Mayer, Fernando Baleroni, Georgia Gomide, Edson França, Marcia
Real, Vicente Leporace, Miriam Mehler, Lourdes Rocha, Lélia Abramo,
Edmundo Lopes, Lourdinha Félix, Procópio Ferreira e outros. Dois per-
sonagens participaram de toda a novela: o jovem médico, interpretado
pelo ator Francisco Cuoco e a mexeriqueira da cidade, D. Marocas, in-
terpretada pela atriz Aparecida Baxter. A novela teve a direção inicial
de Dionísio Azevedo e depois, de Waldemar de Moraes.

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Sobre Redenção, comentou a atriz Flora Geny: ”... Eu lembro que eu
e o Fernando Baleroni fizemos toda a primeira parte da história, até
a chegada do novo médico da cidade, que era o papel do Francisco
Cuoco... e nós morríamos, o Baleroni e eu... Na nossa fase, não existia
ainda a cidadezinha, depois é que a montaram para a gravação...”

A atriz se refere à maior e mais famosa cidade cenográfica construída


pela Excelsior, que foi a cidade de Redenção, onde se ambientaram
todas as demais fases da trama e que veio, mais tarde, se transformar
na, hoje, conhecida Cidade da Criança, em São Bernardo do Campo.

Conforme explicou o diretor Waldemar de Moraes: “... Redenção...


era uma cidadezinha. Então tinha que ter... estação de trem e tal...
Arranjamos um local atrás da Vera Cruz e montamos a cidadezinha...
Conseguimos junto ao governo do Estado de São Paulo um trenzinho da
Sorocabana... que atuava numa linha de uns 30 metros porque chegava,
264 parava e só. Mas toda vez que tinha gravação vinham os maquinistas
da Sorocabana, porque tudo funcionava... A novela começou a ficar tão
famosa e a cidade, também, que o público começou a aparecer por lá,
a ponto de atrapalhar a gente, ter que chamar guarda e tal... A cidade
de São Bernardo do Campo começou a ficar cheia de forasteiros que
iam assistir às gravações e depois iam para os restaurantes, almoçar ou
jantar (dando lucro ao comércio local)... tanto que quando terminou
a novela, eles deixaram a cidadezinha... como era... e criou-se depois
a Cidade da Criança...”

A novela Redenção foi criada para ter 100 capítulos. Mas seu índice de
audiência estava tão bom que quase no final se resolveu criar mais 50
capítulos. Daí por diante, a história foi sempre sendo esticada, tendo
como parâmetro os dados do Ibope, o que fez com que tivesse 596 ca-
pítulos. Contudo, além da cenografia, a grande importância da novela
foi ter um tema essencialmente nacional, que retratava uma pequena
cidade de interior do Brasil, com todas as suas figuras típicas, fazendo
o telespectador identificar-se com uma realidade conhecida.

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Redenção conseguiu eliminar a insegurança que os realizadores de tele-
novela tinham em transportar a realidade imediata para o vídeo. O seu
sucesso foi um dos fatores decisivos para que terminasse a importação (e
adaptação) de textos de novelas estrangeiras na nossa televisão. No res-
tante de sua programação a Excelsior introduziu poucas modificações.
Procurou-se dar uma grande divulgação à música popular brasileira,
que tanto sucesso vinha obtendo nos programas da TV Record. Foram
lançados os programas: Elza, Miltinho, Samba e Cia. tendo a produção
de Flávio Cavalcanti e Sentimental Demais, com Altemar Dutra, que
fazia grande sucesso com a música de mesmo nome.

Em maio e junho, a emissora realizou o II Festival Nacional de Música


Popular, com a finalíssima em São Paulo, que premiou, com o troféu
Berimbau de Ouro, os compositores: Geraldo Vandré e Fernando Lona,
pela música Porta-Estandarte. O festival, porém, não teve o sucesso do
festival realizado pela TV Record, em setembro, em que fizeram enor-
me sucesso as músicas Disparada, de Teófilo de Barros Neto e Geraldo 265
Vandré e A Banda, de Chico Buarque de Holanda.

Em agosto, a cantora Elis Regina iniciou um programa musical na


Excelsior-Rio, semelhante ao programa O Fino da Bossa, que havia
feito na TV Record. Elis apresentava-se, no Teatro Astória, às quintas-
-feiras, 20h, muitas vezes ao lado do cantor Jair Rodrigues, repetindo
o sucesso que a dupla alcançava na capital paulista.

Ainda em agosto, foi lançado o programa Academia Brasileira de Música


Popular com apresentação de Kalil Filho e Oliveira Neto e produção de
Alfredo Borba. Outro programa lançado por Alfredo Borba foi Esta é
a Nossa Música, que tinha a apresentação de Branca Ribeiro.
Pelo final do ano, a Excelsior fez uma grande investida nos ídolos da
música popular da época, criando o programa Ensaio Geral, que contava
com a participação de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia,
Sergio Ricardo, Nana Caymmi, Francis Hime, Ciro Monteiro, Tamba Trio,
Luizinho Eça e outros. O programa ia ao ar às terças-feiras, às 21h30.

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Em relação aos programas de humor, mantinha-se a produção de O
Show É de Graça e a de A Cidade Se Diverte (realizados no Rio) por-
que alcançavam índices satisfatórios de audiência. Os programas de
auditório Discoteca do Chacrinha e A Buzina do Chacrinha faziam do
comunicador Chacrinha, o líder de audiência do vídeo carioca, em seus
horários. Também a presença de Flávio Cavalcanti, como comunicador,
vinha crescendo, na Excelsior-Rio, através do programa Um Instante,
Maestro. É interessante destacar aqui o caráter regional da audiência
de televisão da época, antes da globalização nacional, via satélite.
Apesar de líder no Rio de Janeiro, Chacrinha obtinha em São Paulo
uma audiência menor. O mesmo acontecia com a comunicadora Hebe
Camargo, que líder de audiência em São Paulo, não conseguia o mesmo
sucesso no Rio. Também muitas das novelas famosas produzidas em
São Paulo tinham menor êxito no Rio de Janeiro e vice-versa. A exibi-
ção de séries cinematográficas norte-americanas continuava nas duas
cidades, mas a Excelsior já não apresentava as mais famosas e utilizava
exageradamente o recurso de exibir reprises.
266

O programa que mantinha um público fiel no eixo Rio-São Paulo e em


algumas outras cidades com emissoras filiadas à Excelsior era o de luta
livre, apresentado no final de semana. No início pretendeu-se dar um
ar de autenticidade às lutas programadas. Mas, com o passar dos me-
ses, ficou tão visível ao telespectador que os “violentos combates” não
passavam de encenação combinada entre os participantes que a atração
acabou se transformando mais num programa de humor do que de
esporte. Todas as emissoras de televisão, nesse ano, enfrentaram difícil
situação financeira e a principal culpada era a TV Excelsior, pela tática
que havia implantado dois anos atrás. No afã de tornar-se a emissora
de melhor programação e audiência, a Excelsior não mediu gastos e
produziu programas mais caros que o lucro que proporcionavam, como
já foi salientado.Também contratou atores com salários mais elevados
do que poderia pagar. As outras emissoras, para não perderem sua
audiência e seus cartazes, entraram no mesmo tipo de esquema, até
perceberem que nem o patrocinador, nem a venda de espaço comer-
cial estavam cobrindo as despesas. A TV Excelsior, vivendo mais um

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ano problemático, não pensava sequer em fazer frente à TV Globo
(que estava lhe tirando os artistas mais famosos) ou ao sucesso da TV
Record. A única emissora de televisão que aparentava não apresentar
problemas financeiros era a TV Record, que vivia sua melhor fase. Mas
a partir de 1968, também a Record enfrentaria grande crise e declínio
causados por acidentes (incêndios) e má administração.

Outros comentários sobre a Excelsior no ano de 1966, registrados pela


imprensa em geral:
Revista do Rádio
• O Canal 9 lançou a série Teatro como no Teatro, produção de Tarcísio
Meira. A peça de estreia foi Morte e Vida Severina.
• Charles Aznavour, o conhecido cantor francês, atuou no Canal 9,
Excelsior de São Paulo, em curta temporada.
• O produtor Carlos Manga, tendo deixado a TV Excelsior-Rio, afirmou
que vai exigir na Justiça do Trabalho, 140 milhões de cruzeiros em in-
denização, no seu processo contra a emissora. 267
• A Televisão Tupi do Rio de Janeiro vai pedir à Excelsior que deixe seus
estúdios na Av. Venezuela. Um problema muito sério para o Canal 2,
que terá que conseguir logo enormes instalações para o seu equipa-
mento, já que o contrato entre as duas emissoras acabou.
• Excelsior das 9 às 9 é o título da nova programação de domingo do
Canal 9-Excelsior, com 12 horas de audições apresentadas no auditório,
além de uma gincana de prêmios.
• O Canal 9 tem novo programa cômico Adoráveis Trapalhões, apre-
sentado às quintas-feiras, 20h30, sob o comando de Renato Aragão.
• A atriz Georgia Gomide finalmente assinou contrato com o Canal
9-Excelsior de São Paulo, que há muito cortejava a atriz. Georgia Go-
mide vai fazer participação especial na telenovela Redenção.
Revista Fatos e Fotos
• Relação dos programas de maior audiência no Rio de Janeiro, na
semana de 12 a 18 de agosto, segundo dados do Ibope:
Discoteca do Chacrinha: musical – TV Excelsior
Moacyr Franco Show: musical – TV Excelsior

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O Sheik de Agadir: telenovela – TV Globo
Dercy Espetacular: música e humorismo – TV Globo
Hora da Buzina: calouros – TV Excelsior
Repórter Esso: telejornalismo – TV Tupi
Chico Anysio Show: humorismo – TV Rio
A Cidade se Diverte: humorismo – TV Excelsior
Revista Intervalo
• Walter Stuart, o famoso comediante da Excelsior de São Paulo, relança
o seu tipo Olindo Topa Tudo (conhecido desde o começo da década)
num novo seriado da emissora.

1967

268 A TV Excelsior iniciou o ano de 1967 enfrentando várias questões tra-


balhistas. Os produtores do programa Ensaio Geral: Franco Paulino,
Luís Vergueiro, Roberto Palmari e Francisco de Assis ameaçaram entrar
na Justiça do Trabalho para receber os salários atrasados. A emissora
preferiu fazer um acordo pagando a quantia de 3 milhões de cruzei-
ros a cada um e encerrar a questão. Como a Excelsior não cumpriu o
prometido a imprensa paulistana especulava se os funcionários fariam
greve ou não.

Bem ou mal, a Excelsior ia contornando a situação e prosseguia com a


programação. Dentre as emissoras em más condições financeiras, a Ex-
celsior era a de maior instabilidade. A empresa rolava parte das dívidas,
fazia acertos, pagava compromissos imediatos com verbas destinadas
a outros fins, fazia grandes empréstimos, adiava outras dívidas e assim
ia caminhando, enfrentando os problemas prementes, mas criando
outros maiores que se revelariam insustentáveis ao longo do tempo.
Contudo, apoiada no carisma de popularidade que havia conseguido
junto ao público, a emissora continuava a produção de telenovelas

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dispendiosas, sustentadas apenas em parte pelo patrocinador. Pros-
seguindo a estranha política administrativa de dever milhões e gastar
milhões, a Excelsior, em agosto de 1967, inaugurou novos estúdios no
bairro de Vila Guilherme, em São Paulo, sua última grande façanha
em termos empresariais. Divulgando pela imprensa que o novo espaço
contaria com 12 estúdios (os maiores do mundo), área para montagem
de cidades cenográficas, mais de 500 salas de escritórios para todos os
profissionais (entre artistas, produtores e técnicos), dois restaurantes
próprios, ambulatórios, oficinas mecânicas, marcenaria, depósitos,
rouparias e outros, a emissora realizou um grande banquete para
autoridades, personalidades e mais 200 convidados.

Euforias à parte, a Excelsior construiu quatro grandes estúdios, com


pouco equipamento e grandes dificuldades iniciais de produção. A
área de 22 mil metros quadrados adquirida situava-se numa região de
difícil acesso, isolada e insalubre, pois exatamente nos fundos situava-se
um dos depósitos de lixo da prefeitura da cidade. Conforme contou a 269
atriz Flora Geny: ”... no início a Vila Guilherme era um galpão, depois é
que foram construindo, fechando... era difícil, desconfortável, a gente
não tinha nem onde comer... Mais tarde, equiparam-se os estúdios e
armaram a infraestrutura necessária...”

Também o produtor Waldemar de Moraes, em depoimento prestado


nos próprios prédios da Vila Guilherme, de propriedade agora do Siste-
ma Brasileiro de Televisão, comentou: ”...Você olhava aqui no final da
rua onde tem esse prédio hoje e via um cenário preto de urubu, porque
aí era o depósito de lixo municipal. Então havia urubu e mendigo ca-
tando lixo. O sol em cima daquilo, quando chegava a noite, era aquele
negócio de dor de cabeça em todo mundo, por causa do cheiro terrível
o dia inteiro... O início aqui foi terrível. Claro que depois melhorou...”
Já a atriz Arlete Montenegro foi bem mais entusiasta: ”... eram vários
estúdios, quatro desses imensos, ou seja, um para cada novela (das 19h
– 19h30 – 20h e 21h30) e dois menores para os telejornais, programas
femininos... Os estúdios das novelas eram enormes e os cenários não

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eram desmontados... Nós não gravávamos por cenário, como atualmen-
te, nós gravávamos em sequência de capítulo porque os cenários não
eram mexidos, o espaço era enorme... Tudo era feito direito e por isso
é que havia uma riqueza de interpretação muito maior... Cada estúdio
tinha os seus camarins, sala para os atores, banheiros, além da parte
técnica, é claro, cabines de direção de TV, som, etc. Numa novela, Os
Fantoches, houve até piscina dentro do estúdio...”

No melhor aproveitamento possível de tão grandes espaços de trabalho


(Vera Cruz e Vila Guilherme) a TV Excelsior de São Paulo produziu as
seguintes telenovelas em 1967:
• O Morro dos Ventos Uivantes, uma adaptação de Lauro César Muniz
da famosa obra de Emily Bronté para a problemática brasileira do final
do século 19, época da ascensão da burguesia do café. Nos principais
papéis participaram: Altair Lima, Irina Grecco, Maria Estela, Geni Prado,
Egidio Eccio, Carminha Brandão e Iris Bruzzi. A novela foi apresentada
de fevereiro a julho.
270 • O Grande Segredo, novela de autoria de Marcos Rey, com trama
de mistério policial. Participação de Tarcísio Meira, Iris Bruzzi, Glória
Menezes (que representava duas personagens), Débora Duarte, Ivan
Mesquita e ponta de Irene Ravache. A novela ficou no ar de abril a
outubro.
• Os Fantoches, novela de Ivani Ribeiro, baseada no livro O Caso dos 10
Negrinhos, de Agatha Christie. Grande sucesso de audiência, Os Fanto-
ches teve sua parte final gravada nos estúdios novos da Vila Guilherme.
No elenco, entre outros, Paulo Goulart, Nicette Bruno, Dina Sfat, Flora
Geny, Mauro Mendonça, Stênio Garcia, Márcia de Windsor, Regina Du-
arte, Elisabeth Gasper e Vera Nunes. Sua apresentação durou 7 meses,
de julho a janeiro de 1968 e, segundo a propaganda pela imprensa, foi
a telenovela de mais caros cenários até então construídos.
• O Tempo e o Vento foi a grande realização épica da emissora em
1967. A obra de Érico Veríssimo, adaptada por Teixeira Filho e dirigida
por Dionísio Azevedo, foi apresentada de julho a março de 1968 e foi
a última novela da emissora a ser veiculada no horário das 21h30. A
adaptação compôs uma trilogia de novelas exibindo os episódios: A

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Fonte, com Gianfrancesco Guarnieri, que declarou em seu depoimento:
”... eu fui para a Excelsior convidado por Walter Avancini para fazer
o primeiro episódio de O Tempo e o Vento, que era A Fonte. Até esse
momento eu não fazia novela porque era a época do grande precon-
ceito contra a telenovela... mas não adiantava negar que ela estava se
tornando o melhor mercado de trabalho para o ator conseguir fazer
o que pretendia no teatro... assim eu entrei na Excelsior...”

Logo após os 30 capítulos do primeiro episódio, iniciou-se a exibição


de mais 30 capítulos do episódio Ana Terra, no qual a atriz Geórgia
Gomide conseguiu realizar o seu melhor trabalho na emissora. O epi-
sódio seguinte, Um Certo Capitão Rodrigo foi o mais longo da tele-
novela, contendo 150 capítulos, em que atuou no papel-título o ator
Carlos Zara, que também tinha no Canal 9 a função de supervisor de
Telenovelas. Com todo o período de permanência no ar, O Tempo e o
Vento teve 210 capítulos, sendo uma das mais longas novelas produ-
zidas pela televisão. 271
• Sublime Amor foi uma adaptação de Gianfrancesco Guarnieri de um
original argentino. Apesar do elenco contar com artistas de sucesso
como Arlete Montenegro, Helio Souto, Araci Balabanian, John Herbert,
Cacilda Lanuza e outros, não teve sucesso de audiência. Foi apresentada
de novembro de 1967 a fevereiro de 1968.

Em 1967, a Excelsior contratou um dos maiores profissionais da TV Tupi


na área de dramaturgia, o diretor e autor Cassiano Gabus Mendes, que
escreveu a série Os Galãs Atacam de Madrugada. Contudo, o sucesso
da série foi menor que o esperado e o autor diretor não chegou a
completar um ano na emissora.

Nesse ano, a TV Globo, mais bem estruturada, começou a praticar a


política iniciada pela Excelsior em 1963, ou seja, retirar das emissoras
seus melhores cartazes. Assim, contratou, os artistas Tarcísio Meira e
Glória Menezes, para integrarem o elenco de novelas da emissora, no
Rio de Janeiro. Em São Paulo, a Excelsior aumentou bastante a emissão

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de telejornal. A Marcha do Mundo passou a ter uma 2a edição às 21h30.
Às 22h30 passou a ser apresentado o Jornal de Vanguarda, de Fernan-
do Barbosa Lima Sobrinho, e às 23h30 continuava o Show de Notícias.
Mais uma vez o Jornal de Vanguarda teve curta duração porque seu
diretor se desentendeu com a Excelsior-Rio e deixou a emissora, defi-
nitivamente. O Jornal foi apresentado em outras televisões, mas com a
instituição do AI-5 cerceando a liberdade de expressão, Barbosa Lima
resolveu encerrar o Jornal de Vanguarda.

Continuando a incentivar o Departamento de Jornalismo, a Excelsior


contratou em São Paulo o jornalista Ferreira Neto, que havia saído
da TV Tupi ao ser abandonado por essa emissora no Egito (após a
cobertura da Guerra dos Seis Dias entre Egito e Israel), sem nenhuma
proteção das Associadas e tendo que voltar por conta própria. Ferreira
Neto conta que nesse ano o jornalismo da Excelsior era muito bom, com
recursos e equipamentos para coberturas locais e nacionais. E fazendo
comparação com o repórter daquela época e os atuais, declarou: ”...
272
os repórteres eram polivalentes... na rua você comandava uma equipe
e fazia inúmeras reportagens ao vivo, narrando os acontecimentos...
o repórter tinha que ter muita experiência em tudo... saber o que
dizer, mesmo porque, naquele momento você estava com a estação
nas mãos... no momento em que a transmissão é direta, a estação é
sua, a responsabilidade é sua... então o repórter tinha que ser muito
mais qualificado”.

Ferreira Neto ficou um ano na Excelsior e voltaria em 1969 como um


dos articuladores da tentativa de salvar a emissora da falência. Tam-
bém as produções esportivas aumentaram, principalmente futebol.
Os jogos eram passados em videoteipe, à noite, geralmente às 23h00.
Em São Paulo, havia diariamente, de segunda a sexta-feira, às 22h45,
o programa Os Melhores do Futebol.
No Rio de Janeiro, havia atração semelhante, com os comentaristas
esportivos locais. A Excelsior, entretanto, perdeu a sua maior atração
no gênero de programas de auditório. Abelardo Barbosa, o Chacrinha,
descontente com a emissora, assinou contrato para apresentar-se na TV

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Rio. Chacrinha quase chegou a ir para a TV Globo, mas como a oferta
de salário foi melhor, o velho guerreiro acabou voltando para a TV
Rio. Os programas de humor continuavam suas emissões. Show Riso e
A Cidade se Diverte permaneciam no ar, com certo sucesso, bem como
Adoráveis Trapalhões, com os depois consagrados Renato Aragão, Dedé
Santana e equipe. Em abril de 1967 o comediante José Vasconcelos foi
contratado pelo canal 9 para programa semanal de 3 horas de duração.
Mas dois meses depois o programa era encerrado. Pelo final do ano,
apesar dos esforços de seus participantes e da relativa audiência que
obtinha, o programa A Cidade se Diverte foi encerrado em razão dos
gastos que acarretava.

Pelas revistas especializadas e imprensa em geral, algumas notícias


sobre a Rede Excelsior em 1967:
Revista do Rádio
• Miguel Gustavo e Felício Maluhy demitiram-se das altas funções que
exerciam na Excelsior-Rio.
• A comediante Ema D’Ávila desligou-se da TV Excelsior, anunciando 273

que vai descansar algum tempo da televisão.


• A TV Excelsior anunciou que ofereceu 200 mil cruzeiros novos ao
cantor norte-americano Frank Sinatra para duas apresentações.
Revista São Paulo na TV
• O cantor Eduardo Araújo, com seu programa O Bom, está alcançando
27% de audiência na TV Excelsior, Canal 9, o que o coloca na liderança
dos programas de música jovem da TV.
Revista Fatos e Fotos
• Durante quatro dias sem parar, a equipe do Canal 2 Excelsior-Rio,
penetrou em todos os lugares onde havia folia para realizar a maior
reportagem carnavalesca do ano.
• Entre as estreias da Excelsior-Rio está o musical Eu Sou o Samba, com
o compositor Zé Keti.
• Elogios para os programas jornalísticos da Excelsior-Rio: Alta Política,
nos quais os problemas da atualidade política são discutidos e Advogado
do Diabo, em que= uma personalidade em foco é julgada por vários
elementos de vários setores de atividade.

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1968

Até meados da década de 1960, as empresas patrocinadoras decidiam


que novelas iriam para o ar. Álvaro Mazzi, supervisor de média e
propaganda da Colgate, em entrevista à revista Propaganda (1968)
explicou: “... primeiro, era o êxito no rádio... depois, levamos para a
TV... que, por causa da imagem, para nós é o melhor divulgador do
produto, atingindo audiência de 40 a 42%... Nós escolhíamos 10 temas
e testávamos junto ao público (na rua, em fábricas) para ver se ia ser
bem-aceita... O canal de TV só entrava em cena quando chegava a hora
de escolher os artistas. Antes, nós tínhamos nossos próprios artistas,
mas desistimos desse sistema. O atual é melhor para eles (a TV) e mais
barato para nós...”.

É interessante salientar que os patrocinadores da telenovela no Brasil


(em geral as empresas norte-americanas Colgate-Palmolive ou Gessy-
-Lever) eram os mesmos patrocinadores de telenovelas em Cuba, no
274 México ou na Argentina. Na época, cada capítulo de uma novela ficava
em nove mil cruzeiros novos, mais ou menos, variando conforme as
características de encenação. As ambientações de época sempre eram
mais caras. Cada fita de videoteipe custava por volta de cinco mil cruzei-
ros novos, sendo necessárias 100 a 200 fitas para gravar toda a novela,
fazendo com que o custo total ficasse por volta de alguns milhões de
cruzeiros novos.

Também o horário de veiculação das telenovelas era um fato impor-


tante. Sempre depois das 18h, quando as donas de casa já teriam ter-
minado seus afazeres, os filhos estariam em casa e os maridos teriam
voltado do trabalho. Pela audiência e principalmente pelo carisma de
uma emissora inovadora, as telenovelas da Excelsior eram ainda extre-
mamente consideradas. As crises econômicas, no entanto, também já se
refletiam sobre seu mais seguro produto. Apesar do luxo que exibiam
no ar, os profissionais que as realizavam recebiam seus salários com
grande atraso e ameaçavam deixar a emissora. Para garantir a conti-
nuidade do sucesso fácil que tinham alcançado nos anos anteriores,

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as agências de publicidade dispuseram-se a ajudar financeiramente a
Excelsior, pagando artistas famosos, para que continuassem a trabalhar
nos horários que patrocinavam.

Segundo o depoimento do Sr. Carlito Adesi, do departamento comercial


da emissora, a novela Redenção foi tão longa, sempre sendo esticada,
porque a própria Cia. Gessy-Lever, dona do horário, sentia que quando
acabasse esse sucesso, seria muito difícil colocar outro no ar, nas con-
dições que a Excelsior atravessava. Apesar disso, continuavam sendo
produzidas novelas para preencher os três horários de emissão: 19h,
19h30 e 20h. Nesse ano foram exibidas:
• O Terceiro Pecado, de Ivani Ribeiro e veiculada de janeiro a julho.
Com direção de Walter Avancini, teve no elenco Nathália Thimberg,
Gianfrancesco Guarnieri, Regina Duarte, Paulo Goulart, Stênio Garcia,
Rogério Márcico, Maria Isabel de Lizandra e outros. Sobre o tema,
comentou Gianfrancesco Guarnieri, principal protagonista masculino:
“... Eu fiz um personagem que era o emissário da morte, um espírito e 275
a Nathália Timberg era a morte e a Regina Duarte era a mocinha que
devia ser tentada a... cumprir o terceiro pecado para ser levada pela
morte. No início o meu personagem era um bandidão que devia induzir
a angelical Regina a cometer os pecados... Só que o personagem que
era o noivo da mocinha não teve empatia com o público e a solução
encontrada era ele fazer uma viagem e não voltar mais... e o emissário
da morte, muito humanamente, se apaixonava por essa moça e... ele
passava de bandido a mocinho... e o público adorava esse personagem
que tinha poderes sobrenaturais... no final ele resolve optar pela con-
dição humana e casa-se com a mocinha...”.
• O Direito dos Filhos, apresentada de fevereiro a setembro, de Teixeira
Filho. Bom sucesso de audiência, a novela trazia nos principais papéis:
Flora Geny, Henrique Martins, Araci Cardoso, Carlos Zara, Leila Diniz,
David José e outros.
• Os Tigres, novela de Marcos Rey, pretendeu contar uma história dife-
rente por mês, numa linguagem inovadora, dinâmica, mais de externa
que de estúdio. O primeiro episódio, O Rapto das Bonecas, mesmo

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tendo os atores Flora Geny, Sebastião Campos, Célia Helena, Miriam
Mehler, Wanda Kosmo, não teve sucesso de audiência e a novela durou
apenas o mês de abril.
• A Legião dos Esquecidos, história de Raimundo Lopes, enfocava a
vida dos garimpeiros e seu difícil enriquecimento. Com Francisco Cuoco,
Márcia Real, Rodolfo Mayer, Sonia Oiticica, Carlos Zara, Irina Greco e
outros. A novela estava fazendo pouco sucesso junto ao público até a
entrada de Regina Duarte que, após uma reformulação do texto ori-
ginal, passou a fazer par romântico com Francisco Cuoco. Apresentada
de maio a fevereiro de 1969 substituiu a novela Redenção, que após
dois anos, chegara ao fim.
• A Pequena Órfã, de Teixeira Filho, contava a história de uma menina
abandonada, criada por um senhor idoso. Os principais papéis foram
representados por Dionísio Azevedo, pela menina Patrícia Ayres e por
Riva Nimtz, que fazia o papel de má. Grande sucesso da emissora, vei-
culado no horário das 18h30, próprio para crianças, sua apresentação
276 durou de julho a maio de l969.
• Os Diabólicos, também de autoria de Teixeira Filho, abordou um tema
de ficção científica. A novela teve no elenco, entre outros, Cleyde Yá-
conis, Carlos Zara, Henrique Martins, Edson França, Iara Lins, Fernando
Baleroni e Castro Gonzaga. Foi exibida de outubro a fevereiro de 1969.
• O mais significativo sucesso desse ano foi a telenovela A Muralha,
adaptação de Ivani Ribeiro do romance da escritora Dinah Silveira de
Queiroz. Com orçamento alto, a novela teve um apurado trabalho de
reprodução de época. A novela chegou a utilizar quase 500 figurantes.
Para Gianfrancesco Guarnieri: “A Muralha foi uma novela realista, com
cuidados muito grandes de reconstituição... de levantamento histórico,
inclusive de figurinos... A história colocava a façanha dos bandeirantes
e o problema do índio... Ela foi muito bem dirigida pelo Sérgio Brito
que valorizava tudo o que tinha... ele conseguia dar a ideia de espa-
ço... você via a tropa lá no morro, contra a luz, mostrando a silhueta,
depois outra câmera, lá em cima, mostrava de perto... a televisão não
estava habituada a isso... A Muralha deu uma nova valorização ao uso
da externa na TV... “.

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Segundo Arlete Montenegro: “... A Muralha tinha cenários de dois an-
dares, foi um trabalho de ator, de cenários, uma produção inesquecível...
Imagine que o ator norte-americano Larry Hagman, que fez o papel
principal no seriado Dallas... veio passar umas férias no Brasil. Visitando
São Paulo e a TV Excelsior ele viu o cenário de A Muralha e não entendia
que aquilo pudesse ser só televisão. Ele perguntava: mas é filme o que
vocês estão fazendo? É para vender? A Nathália (Thimberg), que falava
inglês... respondeu que era uma novela e ele não sabia o que era novela
e dizia que aquele cenário, aquela multidão era só para fazer filmes,
pois devia ser muito caro... Ele não se conformava com uma produção
tão cara, ser local e novela, coisa que não dava retorno financeiro...”.

Apresentada em 216 capítulos, de julho de 1968 a março de 1969, al-


cançou enorme êxito de audiência. Seus principais atores foram: Paulo
Goulart, Fernanda Montenegro, Gianfrancesco Guarnieri, Nathália
Thimberg, Arlete Montenegro, Mauro Mendonça, Rosamaria Murtinho,
Stênio Garcia, Maria Isabel de Lizandra, Nicette Bruno, Edgard Franco e
as participações especiais de Cleyde Yáconis, Carlos Zara, Edson França, 277

Cláudio Correa e Castro e outros.

Nesse ano, aconteceram alguns fatos curiosos quanto às outras produ-


ções da emissora. Bibi Ferreira voltou a trabalhar na rede, apresentando,
às segundas-feiras, o programa Bibi Sempre Bibi, baseado principal-
mente em entrevistas. Logo depois, o programa passou para o horário
nobre dos domingos, utilizando o título Bibi Sempre aos Domingos.

A atriz apresentava-se às 20h, mesmo horário em que a TV Record


exibia o programa de Hebe Camargo, que já não era mais o campeão
de audiência. A Excelsior tentou fazer de Bibi Sempre aos Domingos
uma volta aos programas de luxo e de atrações variadas. Pelo alto custo
da produção, no entanto, o programa ficou poucos meses no ar e Bibi
Ferreira deixou definitivamente a emissora.

Outro retorno importante foi o do comediante Chico Anysio, contra-


tado por um alto salário, numa época em que a Excelsior-Rio estava

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despedindo profissionais por falta de verba para pagar-lhes. Apresen-
tando seu esquema tradicional de humor, também o comediante ficou
poucos meses na emissora.

Outra curiosidade foi a tentativa da Excelsior de São Paulo em fazer


um seriado com o jogador Pelé, que foi contratado, em novembro de
1968, por 22 milhões de cruzeiros mensais, uma fortuna para a época.
Pelé seria um superagente que, num estilo James Bond, defenderia a
pátria contra espiões e outros inimigos. A cada semana seria apresen-
tado um episódio diferente, com um convidado famoso. O script exigia
apartamento de cobertura, com pouso para helicópteros, de onde o
agente se lançaria para salvar o país. A produção de um seriado desses
só poderia ser extremamente cara e a emissora teve que recuar, pois
nenhum patrocinador se interessou pelo assunto. Além do agente S-10,
Pelé faria na emissora, um show mensal com entrevistas e músicas, e
uma novela de 60 capítulos, de autoria de Ivani Ribeiro. Contratado
desde novembro, o jogador só atuaria numa telenovela 5 meses de-
278 pois, recebendo, nesse período, o mais alto salário da emissora, para
não fazer nada.

Na continuidade de seus esforços em favor da música popular brasi-


leira e tentando, mais uma vez, obter sucesso junto ao gênero, a Ex-
celsior lançou em maio de 1968 o festival O Brasil Canta no Rio, com a
participação de grandes compositores. Competições regionais foram
realizadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul,
Pernambuco e Minas Gerais.
Com o patrocínio da Secretaria de Turismo do Estado da Guanabara,
o festival ofereceu muito dinheiro em prêmios, com o final sendo re-
alizado no estádio do Maracanãzinho, em grande show transmitido
para todo o país. O festival rendeu lucros artísticos para a Excelsior,
mas nenhum lucro econômico. Pelo futuro desesperador que já se
previa, tanto o Canal 9 de São Paulo como o Canal 2 do Rio de Janeiro
continuaram perdendo diversos profissionais. Em São Paulo, além da
saída de Walter Avancini (um dos principais elementos na produção de
telenovelas) a estação perdeu a dupla de diretores formada pelos Srs.

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Edson Ferreira Leite e Alberto Saad, responsável por toda a inovação
que a emissora propiciou ao veículo televisão, na década de 1960.

As versões são bastante contraditórias e muitos dizem que os dois


diretores saíram antes que a emissora afundasse de vez. Em seu depoi-
mento, Edson Leite declarou que sofreu pressões dos Srs. Otávio Frias
e Carlos Caldeira para que ele aumentasse o seu capital na empresa.
Como ele não dispunha de dinheiro para isso, os Srs. Frias e Caldeira
compraram a parte dele e Edson Leite deixou a emissora.

O Sr.Alberto Saad declarou que saiu da emissora por motivos particu-


lares, desgostoso com as intrigas de tentarem envolvê-lo em graves
problemas financeiros que não eram da competência de seu setor. Os
fatos não foram tão simples assim. Conforme diversos depoimentos, os
dois diretores eram artisticamente intocáveis, mas administrativamente
foram responsáveis por boa parte do caos financeiro que a emissora
enfrentou, ao fazerem dispendiosas contratações e exibirem luxuosas
produções, sem ter a verba de patrocínio garantida para custear. 279

Apesar da situação econômica tão crítica, a imprensa especializada


nada deixava, ainda, transparecer, pois sobre a programação da rede
Excelsior, nesse ano, encontramos as seguintes informações:
Revista Fatos e Fotos
• Os bons programas da TV: O Agente da UNCLE e Bibi Sempre Bibi,
na TV Excelsior.
• O Canal 2 do Rio de Janeiro pulou na frente em matéria de cobertura
esportiva. Toda vez que há um jogo de futebol importante no eixo Rio-
São Paulo-Belo Horizonte, o Canal 2-Excelsior exibe o mais depressa
possível aos seus espectadores, em videoteipe.
• Pesquisa feita em São Paulo revela que o filme de maior audiência
da televisão continua sendo Missão Impossível, que o Canal 9 exibe às
segundas-feiras, 22h.
• O Canal 9 de São Paulo apresenta mais um espetáculo do seu grande
teatro que vai ao ar uma vez por mês: Bocaccio – São Paulo, peça de
autoria de Marcos Rey.

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• O seriado Agente da UNCLE precisou aparecer dois anos no ví-
deo brasileiro para conseguir o sucesso que alcançou nos Estados
Unidos em apenas um mês de exibição. Semanalmente, 2,5 milhões
de telespectadores assistem ao seriado exibido pela Excelsior em
toda a sua rede.

A Falência – 1969

É bastante difícil apurar os verdadeiros fatos ocorridos na administração


da rede Excelsior, de 1969 em diante. Toda a empresa foi comprome-
tida numa confusão tão grande de diretoria, de dívidas acumuladas,
de saques ao dinheiro que recebia, que tornaram impossível qualquer
conclusão definitiva. Apenas por meio dos depoimentos se poderá ter
280 uma ideia dos fatos desse período.

Após a saída dos Srs. Edson Leite e Alberto Saad, a rede ficou sob a res-
ponsabilidade exclusiva dos Srs. Otavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira
Filho, proprietários também de jornais, rádios e da estação rodoviária de
São Paulo. Sob um grupo econômico poderoso, que parecia decidido a
regularizar as finanças da emissora, os funcionários sentiam-se esperan-
çosos na perspectiva da recuperação. Os novos proprietários pediram aos
credores dilatação do prazo de pagamento das dívidas, argumentando
que, com o aval de um grupo empresarial como o deles, todos poderiam
confiar na Excelsior. Também as companhias distribuidoras dos seriados
cinematográficos norte-americanos deveriam continuar fornecendo os
filmes (apesar das enormes dívidas). Essas dívidas iam-se acumulando e
a programação tornava-se cada vez mais cheia de falhas.

Veiculavam-se ainda as telenovelas e os seriados enlatados. Os progra-


mas jornalísticos emitiam poucos debates ou entrevistas e desde o final
de 1968 a emissora não apresentava mais nenhum noticiário diário.

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Apenas os programas esportivos continuavam em emissão normal,
com comentários e exibição do videoteipe de partidas de futebol. O
programa Reis do Ringue manteve-se, aos sábados à noite, até o final
do ano, quando terminou.

No gênero variedades o Canal 9 prosseguia com a apresentação de A


Hora do Bolinha e Noverama. Havia ainda produções musicais como
Campeões de Popularidade e outras, mas todas com pouco tempo de
permanência no ar. Conjuntos ou cantores de sucesso exibiam-se, es-
poradicamente, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. No hu-
morismo eram apresentados programas como Condomínio da Alegria e
Vamos Saraivá. Os seriados cinematográficos, nos mais diferentes tipos:
policiais, de aventuras, de humor, infantis e até educativos, constituíam
a maior parte das atrações da rede, que em São Paulo, em doze horas
de programação, eram emitidos em dez horários diferentes.

O grande sustentáculo da continuidade de realizações, continuidade


dos empregos e, sobretudo, continuidade da audiência eram as tele- 281

novelas que, mesmo sofrendo as consequências da crise, conseguiram


apresentar boa qualidade. Tanto a emissora quanto as empresas pa-
trocinadoras desenvolviam os maiores esforços pelo gênero, pois todos
sabiam que, quando as telenovelas terminassem, a estação perderia
sua última atração. Por esse motivo, das cinco histórias produzidas em
1969, três estenderam-se até os primeiros meses de 1970, num grande
esforço de realização.
• A primeira telenovela produzida foi Vidas Em Conflito, emitida de
fevereiro a junho de 1969. De Teixeira Filho, trazia no elenco: Nathá-
lia Thimberg, Cleyde Yáconis, Paulo Goulart, Leila Diniz e Fernando
Baleroni, nos principais papéis.
• De fevereiro de 1969 a janeiro de1970, a Excelsior apresentou seu últi-
mo grande sucesso de audiência, a telenovela Sangue do Meu Sangue,
de autoria de Vicente Sesso. Com direção de Sergio Brito, ela trazia no
elenco: Francisco Cuoco, Fernanda Montenegro, Tônia Carrero, Nicette
Bruno, Nívea Maria, Henrique Martins, Rosamaria Murtinho, Arman-
do Bogus, Sadi Cabral, Rodolfo Mayer, Mauro Mendonça. A trama

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apresentava as mais conhecidas fórmulas de emoção. Por conter cenas
consideradas fortes para o horário das 19h, a censura federal obrigou
a emissora a exibir a novela às 20h, mas o fato não chegou a abalar
sua audiência. Num heroico trabalho do cenógrafo Rubens Barra e da
figurinista Isabel Pancada, a novela deu grande impressão de luxo em
ambientes e figurinos. Apesar de ter sofrido cortes de cenários e de
personagens secundários Sangue do Meu Sangue em momento algum
deixou transparecer ao telespectador os problemas econômicos em que
se debatia a emissora.
• Os Estranhos, exibida de março a junho de 1969, foi uma novela de
Ivani Ribeiro e um dos poucos fracassos de audiência da autora. História
de ficção científica apresentava seres extraterrestres que vinham ajudar
os seres humanos. No elenco, além de Regina Duarte, Gianfrancesco
Guarnieri, Rosamaria Murtinho, Stênio Garcia, a novela apresentava o
jogador Pelé, atuando como ator.
Sobre Os Estranhos, comentou Gianfrancesco Guarnieri: ”... a novela
queria ser de ficção científica e não conseguia e era muito engraçado
282 porque o Cláudio Correa e Castro, a Rosamaria Murtinho, a Regina
Duarte eram amarelos, com uns brilhos no rosto, porque eram de outro
planeta... tinha um disco voador... e o Pelé... era um escritor que vivia
dos seus direitos autorais e tinha uma ilha, comprada com a renda dos
livros... Total absurdo... Para ter uma ilha ele deveria ter no mínimo
20 empregos e nem teria tempo para escrever... mas tecnicamente era
benfeita...”.
• A Menina do Veleiro Azul foi outro êxito da Excelsior. Escrita por Ivani
Ribeiro logo após Os Estranhos, contava a história de uma menina até
a sua mocidade. No elenco: Maria Isabel de Lizandra, Cacilda Lanuza,
Arlete Montenegro, Edson França, Newton Prado, Lilian Lemmertz.
Exibida de maio de 1969 a fevereiro de 1970.
• A última telenovela produzida em 1969 foi Dez Vidas, também de
Ivani Ribeiro, que retratou a Inconfidência Mineira e o herói Tiradentes.
Com numeroso elenco, como Nathália Thimberg, Carlos Zara, Stênio
Garcia, Regina Duarte, Arlete Montenegro, Gianfrancesco Guarnieri,
Cláudio Correa e Castro, Fabio Cardoso, a novela, mesmo no ar, come-
çou a deixar transparecer a situação difícil da emissora, com os atores

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saindo da trama e a encenação tornando-se cada vez mais pobre. A
atriz Regina Duarte, descontente com os salários atrasados, abandonou
a Excelsior e foi contratada pela TV Globo. Sua personagem passou a
ser representada por Leila Diniz.
Sobre Dez Vidas, esclareceu Gianfrancesco Guarnieri: ”... a gente já
estava em crise absoluta, não tinha dinheiro para nada... Nós fizemos
uma parada militar com 10 pessoas, focando os pés. Os atores corriam
por trás da câmera e entravam de novo na fila e a câmera continuava
apenas mostrando os pés. Depois fazia alguns closes de rostos, evitando
planos gerais e dando a ideia de muitos soldados...”.

Além da falta de dinheiro, a novela sofreu grandes intervenções da censu-


ra, que mudou seu horário das 19h30 para as 20h30 e fez vários cortes de
texto por considerá-los subversivos. Num jantar oferecido a um político, o
diretor Waldemar de Moraes sentou-se ao lado de um coronel da censura
federal e tentou convencer o militar de que a censura não devia interferir
tanto no texto da novela, atrapalhando a produção. O coronel respondeu:
”Meu filho, não adianta. Tiradentes foi um subversivo e ponto final.” 283

Referindo-se à mesma novela o ator Peirão de Castro informou que os


atores, por não receberem o pagamento, foram abandonando a emis-
sora e no final só havia cinco atores: Carlos Zara, que era o Tiradentes,
Fábio Cardoso (o Padre Rolim), Gianfrancesco Guarnieri, Oswaldo
Mesquita e ele, Peirão de Castro, que era um carcereiro.
Apesar do esforço, eles não conseguiram levar a história adiante, que
acabou sendo encerrada. Dez Vidas foi exibida de agosto de 1969
a fevereiro de 1970. Além das telenovelas, outros programas eram
criados, alguns pelos próprios artistas e funcionários, que usavam de
criatividade para preencher os horários da programação.

A atriz e produtora Vida Alves escrevia e apresentava um programa


de entrevistas e debates, à meia-noite, no qual eram focalizados
assuntos como prostituição, homossexualismo e outros, com perso-
nagens reais discutindo seus problemas com psicólogos, sociólogos
e demais convidados.

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Também o jornalista Ferreira Neto, que tinha retornado para a emis-
sora, criou o programa A Hora e a Vez da Resposta. Conforme ele
explicou: ”... era um programa em que eu ficava em pé, no meio do
estúdio, cercado por vários convidados. Eu tinha um fone de ouvido,
um microfone na boca, um outro fio enfiado no bolso, dando a ideia
de muita tecnologia e produção. Então, os convidados e o próprio
telespectador tinham a impressão de que eu estava ligado a uma
tremenda equipe de informação... mas era só eu...”.

No Rio de Janeiro, a situação da Excelsior era semelhante à de São


Paulo. O Canal 2 continuava exibindo as novelas paulistas e produzia,
como maiores atrações: Condomínio da Alegria (comandado por Paulo
Celestino), humorístico que resistia à crise e Programa César de Alen-
car, de auditório e variedades, exibido nas tardes de sábado. As duas
produções tinham bom índice de audiência. A exemplo de São Paulo,
o restante da programação era preenchido com atrações esportivas,
284 jornalísticas e seriados cinematográficos.

A emissora demitiu, em agosto, 43 profissionais, agravando muito


a programação e piorando a crise financeira, pois foi obrigada pela
Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro a pagar 500 milhões de cruzei-
ros velhos em indenizações. Segundo matéria do jornal O Estado de
S.Paulo (24/08/1969), foram demitidos, entre outros, o superintendente
carioca, Marco Aurélio Rodrigues da Costa e o diretor financeiro Car-
valho Barros, acusados pelos funcionários da Excelsior-Rio de principais
responsáveis pelas irregularidades da emissora.

Ainda em agosto, a Excelsior-Rio teve a sua torre transmissora, locali-


zada no alto do morro do Sumaré, devastada por um vendaval, caindo
por terra e interrompendo as transmissões. A direção geral da rede,
sediada em São Paulo, exigiu o seguro integral pela perda, recebendo
a quantia de 180 milhões de cruzeiros velhos. Dessa maneira, pôde
pagar alguns salários atrasados dos funcionários cariocas e pequenas
dívidas mais prementes.

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De acordo com vários depoimentos, a situação da rede Excelsior de-
gringolou de vez, a partir de meados de 1969, porque a direção geral
da emissora, preocupada com outros empreendimentos empresariais,
colocava na direção administrativa pessoas que nada entendiam de
televisão. Tanto Edson Leite como Alberto Saad acusaram que o desinte-
resse dos novos donos é que propiciou a falência da estação. Nesse ano
final de existência, a rede passou por diversas diretorias administrativas
e artísticas. O fato mais curioso, no entanto, foi a venda das ações da
empresa para o seu antigo dono, Wallace Simonsen Neto, que voltou
a ser o proprietário da Excelsior.

Em seu depoimento, Simonsen explicou: “... um advogado do grupo me


propôs a compra da televisão novamente... Eu não tive discernimento
e comprei... Jogaram a coisa para estourar em cima de mim... Aí foi
terrível porque havia interesses lá dentro os mais diversos... Eu acabei
formando um grupo da televisão mesmo para geri-la... Na ocasião, eles
(os donos anteriores) foram muito malandros por que eles transferiram
para mim... as concessões (de São Paulo e do Rio), os equipamentos... 285

mas os imóveis não...”

Sobre o mesmo assunto, Gianfrancesco Guarnieri comentou que: ”...


quando o filho do Simonsen voltou, não houve quem não achasse
que aquilo era um grande golpe em cima dele, quer dizer, iam sair
com a parte do leão e deixar o rapaz ali se azarar, com todas as difi-
culdades, todos os problemas, sem conseguir segurar. E foi realmente
o que aconteceu...”

Simonsen ficou dono apenas das concessões dos canais e os imóveis


da rede, inclusive o grande espaço da Vila Guilherme, continuaram de
propriedade de Frias e Caldeira. Nesse inexplicável negócio, a estação
perdeu o seu maior patrimônio.

Em setembro desse ano, Simonsen Neto colocou na direção geral da


Excelsior, o general Menna Barreto, um militar que nada entendia de
televisão. A diretoria da emissora parecia acreditar que por estar o Brasil

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num ostensivo regime militar, a presença de militares em altos postos da
rede, tanto em São Paulo quanto no Rio, poderia livrá-la dos processos
e problemas que se acumulavam. Se essa suposição for verdadeira, os
responsáveis pela Excelsior foram muito ingênuos e inexperientes, pois
o governo militar não fez nenhum esforço em favor da empresa e não
hesitou em cassá-la, meses depois.

Sendo responsável pelas ações da Excelsior, Simonsen Neto viu-se res-


ponsável também por tudo o que veio a acontecer a partir de janeiro
de 1970: questões trabalhistas, especulações imobiliárias, furto de
patrimônio, burla à receita federal, dívidas generalizadas, incêndio
culposo e muitos outros problemas.

Pela imprensa em geral, salientamos outras informações a respeito das


atividades da rede Excelsior em 1969:
Revista Fatos e Fotos
• A censura federal interfere rigorosamente nas programações de tele-
286 novela e humorismo prejudicando muitas apresentações de televisão,
principalmente da rede Excelsior.
Revista Veja
• A Muralha, telenovela exibida pelo Canal 9 – Excelsior, faz vender o
livro de Dinah Silveira de Queiroz. A telenovela registra uma média de
audiência de 35%, a maior do horário, segundo o Ibope.
• O produtor Zaé Jr. criou na Excelsior de São Paulo o programa Troféu
9, que permitirá ao público conhecer de perto as personalidades que
mais se destacaram em diversos setores. O programa inclui um júri que
entrevistará o homenageado.
Jornal Folha de S. Paulo
• Prestígio para a TV Excelsior e arte para os telespectadores foram os
resultados da noite de domingo, na despedida de São Paulo, do Oscar
Peterson Trio e do Earl Hines Quartet. O Canal 9 lavrou um tento pro-
fissional e o público conheceu duas lendas do Jazz.
• Sessenta por cento do público telespectador de São Paulo acha que
as melhores novelas são produzidas pelo Canal 9-TV Excelsior. A con-
clusão foi obtida pelo Ibope, em pesquisa realizada no mês passado.

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Revista do Rádio
• No aniversário do programa Condomínio da Alegria, a TV Excelsior
mostrou que continua com um dos melhores quadros de humoristas da
TV guanabarina, mesmo perdendo Rony Cócegas e Lilico, contratados
pela TV Globo.
• Com esquema preparado por João Batista Lemos, os telejornais vol-
tarão ao ar na TV Excelsior-Canal 9.

1970

Em plena decadência artística, a rede Excelsior, em 1970, prosseguiu


na programação de novelas e filmes. Em relação aos outros gêneros,
exibia-se ainda o programa A Hora do Bolinha, Troféu Nove, video-
teipes esportivos e um telejornal de 10 minutos de duração, veiculado
à meia-noite. Em São Paulo, até meados de fevereiro, a programação 287

iniciava-se às 11h30, apresentando, em todo o horário vespertino, filmes


antigos e desenhos infantis. A partir de 20 de fevereiro, a imprensa
mostrava a programação começando às 19h, com a novela A Menina
do Veleiro Azul e logo após, às 19h30, a novela Dez Vidas.
As duas produções eram esticadas ao máximo para aproveitar cená-
rios e figurinos e os atores que ainda restavam. Já não havia mais
à tarde a exibição de uma programação contínua que pudesse ser
anunciada pela imprensa. Apresentava-se o que fosse possível, até o
horário das novelas.

Em março, a emissora colocou no ar a telenovela Mais Forte que o


Ódio, com a cooperação de todos os seus profissionais, que conduziam
a programação com esforço próprio, sem receber salários há muitos
meses, numa tentativa que o Canal 9 não ficasse fora do ar, para não
ser fechado. Escrita por Marcos Rey, Mais Forte que o Ódio contava
a história da decadência social e moral de uma família aristocrática e
trazia no elenco: Cleyde Yáconis, Armando Bogus, Arlete Montenegro,

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Íris Bruzzi, Sebastião Campos, Rodolfo Mayer, João José Pompeu, Ed-
mundo Lopes, Aparecida Baxter, Silvio Rocha e Jovelthy Archangelo. A
novela conseguiu ficar no ar até junho de 1970, quando, sem nenhuma
condição de continuidade, foi encerrada de vez.

A rede Excelsior ia viver, daí por diante, uma novela administrativa


com lances judiciais e policiais ao vivo, tendo como protagonistas os
acionistas e funcionários da emissora. A partir de maio, a imprensa já
não divulgava mais a programação da Excelsior, pois a própria emissora
não sabia o que colocaria no ar. Sabia-se que seriam filmes em reprise,
alguma transmissão externa que não causasse gastos de cenários e
participantes e programas de entrevista em estúdio.

O período vespertino foi entregue aos funcionários para que tentassem


vender os horários a companhias publicitárias e o faturamento obtido
seria dividido entre os próprios funcionários, como compensação dos
salários atrasados. A ideia, contudo, trouxe pouco rendimento econô-
288 mico, pois os anunciantes já não tinham mais interesse de divulgação
através da rede Excelsior, ante a situação desorganizada e o baixo índice
de audiência. Mesmo sabendo que dois terços das ações da Excelsior
estavam penhorados ao Banco do Brasil, Wallace Simonsen Neto ten-
tava, desde o começo do ano, desfazer-se da emissora e procurava um
comprador. Chegou a oferecer as ações para João de Scantimburgo, o
primeiro diretor-presidente da Excelsior (1960), que cogitou adquiri-las.
Mas, Wallace, aconselhado por seu advogado, desistiu da transação
com Scantimburgo.

Em 31 de março, Wallace Simonsen vendeu as ações das emissoras para


Dorival Masci de Abreu, dono da rádio Marconi. Sobre o início dessa
nova gestão comentou o jornalista Ferreira Neto: ”... eu fazia um pro-
grama de entrevistas às sextas-feiras e como era sexta-feira da Paixão,
convidei o Cardeal de São Paulo, D. Agnelo Rossi, para participar. Antes
de ele chegar, fui verificar a sala da presidência, que era o melhor local
para recepcioná-lo... estava ocupada por um grupo de funcionários e
na mesa da presidência estava sentado o ex-deputado federal, cassado

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na época, Dorival Masci de Abreu. Quando entrei, disseram que não
podia ficar ali porque estava sendo realizada uma reunião de diretores
de departamentos. Disse que como era diretor do departamento de
Jornalismo, poderia participar. Mas a minha presença causou incômodo
e a reunião foi suspensa... Fiz o programa com o Cardeal e depois fui
apurar o que estavam escondendo. Um rapaz me contou que os funcio-
nários estavam pressionando o Sr. Dorival para devolver a emissora ao
Wallace Simonsen e os funcionários fariam um colegiado para dirigir
a Excelsior... Nisso, o Dorival vinha descendo... e, como nós já nos co-
nhecíamos, perguntei e ele confirmou a história. Quis saber com que
dinheiro eles iam fazer isso e o Dorival respondeu que eles alegavam
que tinham a credibilidade da corporação. Argumentei que o proble-
ma não era de credibilidade, mas de falta de dinheiro e perguntei ao
Dorival se ele estava entrando com dinheiro ou era mais uma aventura.
Ele disse que era dinheiro vivo, mas o pessoal não desocupava a área
e não o deixava trabalhar até ele devolver o canal. Resolvi apoiá-lo,
já que ia entrar com o dinheiro, pois isso ia socorrer muita gente que
até estava passando fome... Convidou-me para assumir a direção ar- 289

tística, mas os funcionários fizeram tal bloqueio que disse ao Dorival


que não ia dar para trabalhar. Ele resolveu aumentar meus poderes e
me fez superintende da Excelsior. Daí era diferente. Cheguei à estação
e disse aos funcionários que era o novo superintendente e que quem
não quisesse aceitar, que fosse procurar seus direitos... Quem quisesse
trabalhar, ia trabalhar e quem quisesse agitar que fosse agitar longe,
sem impedir o trabalho. Muitos funcionários ficaram do meu lado e
nós tentamos fazer a emissora continuar...”

O que ninguém sabia, e só veio a saber uma semana depois, é que


Dorival Masci de Abreu, não podendo realizar negócios, por sofrer
processos de dívidas e protestos em cartórios, tinha comprado 90%
das ações da Excelsior em nome de sua esposa, Terezinha Masci de
Abreu, dando como garantia da transação enorme área de terreno, cuja
escritura estava completamente irregular, inclusive com outro nome.
Tal situação iniciou violentos protestos dos advogados curadores do
espólio Simonsen, bem como dos meios políticos do governo e da Polícia

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Federal, visto que o Sr. Dorival era perseguido pelo regime militar não
só por questões políticas, mas também por corrupção.

Sobre essa venda, comentou Wallace Simonsen Neto: ”... Apareceu um


sujeito, eu não lembro mais o nome... oferecendo-se para comprar e eu
vendi a estação para ele... Daí uns dias a Polícia Federal me prendeu.
Fiquei preso 24 horas, depondo, com um montão de caras me inter-
rogando. Parece que esse comprador era cassado, sofria processos, a
rádio dele estava com problemas e eu não podia ter vendido para ele...
Taxativamente me disseram: volte lá e assuma...”

Ao envolver-se enganosamente com a rede Excelsior, Dorival Masci de


Abreu acabou sendo preso pela Subcomissão Geral de Investigações,
do governo federal, e as ações foram devolvidas para Wallace. Por
decisão de um colegiado de funcionários foram colocados na chefia
operacional da rede Ferreira Neto e Gonzaga Blota. Na direção admi-
nistrativa estava o coronel Geraldo Martins e na direção financeira,
290 Raul Joviano de Almeida. Os grupos econômicos mais envolvidos na
crise da Excelsior eram: o grupo Simonsen, o grupo Frical (Frias de
Oliveira e Caldeira Filho), o grupo da rádio Marconi, além de entida-
des comprometidas pelas circunstâncias, como a Sociedade de Cultura
Artística, que por não receber o aluguel do teatro há quase um ano,
havia entrado com ação de despejo contra a Excelsior. Também a
Casa Teatral de São Paulo que emprestava roupas de época para a
emissora, ameaçava entrar com ação judicial, para receber o que lhe
era devido.

Em 15 de abril de 1970, a revista Veja, sob o título Novela Policial, fez


amplo comentário sobre os problemas que a emissora enfrentava: “A
novela de enredo imprevisível que mais emociona parte do público de
São Paulo estes dias não é nem Véu de Noiva, nem Nino,o Italianinho,
é a Campanha da Esperança. Vinte e quatro horas por dia os capítulos
e os personagens apelam para a sensibilidade e para a generosidade
dos espectadores e dos credores, principalmente. Nós, funcionários do
Canal 9, TV Excelsior, assumimos a direção desta casa. É a você, credor,

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que fazemos este apelo. Nos dê condições de trabalho para que você
possa receber. Nós também somos credores. Estamos trabalhando para
que tudo seja solucionado”.

A dívida que envolvia a rede Excelsior (São Paulo e Rio de Janeiro) era
de quase 40 milhões de cruzeiros novos, equivalente a dez milhões de
dólares. A empresa tinha cerca de 400 funcionários, que além de não
receberem salários há vários meses, estavam ameaçados de desem-
prego. O jornalista Ferreira Neto fazia apelos para que as empresas
credoras não entrassem com ações contra a emissora, pelo menos
nesse momento de desespero, para que ela conseguisse sair da crise.
Artistas de diferentes emissoras como Hebe Camargo, Agnaldo Rayol,
Roberto Carlos e outros participavam de shows beneficentes em favor
dos funcionários da Excelsior que, pela imprensa faziam apelos para
que não se pedisse a falência da rede, pois quatrocentas famílias es-
tariam desamparadas.

Como muitos profissionais da Excelsior não tinham dinheiro para se 291

alimentar, o Sr. Antonio, dono do bar em frente à emissora de São Pau-


lo, na Rua D. Santa Veloso, num ato extremamente generoso, passou
a alimentá-los, confiante de que tudo se resolveria. Na tentativa de
arrecadação de fundos, mais um grande show foi realizado: A Cam-
panha da Esperança, que teve a participação de artistas da televisão
paulista em geral e pedágios em ruas centrais de São Paulo. O dinheiro
arrecadado conseguiu socorrer os funcionários mais necessitados, mas
por pouco tempo.

Dorival de Abreu, quando em liberdade, voltou a lutar pela posse


da rede Excelsior, provando por contrato assinado pelo Wallace
Simonsen Neto que a emissora pertencia à sua esposa. Forçando a
entrada no Canal 9, em São Paulo, no dia l7 de julho de 1970, com
seus advogados, o ex-deputado enfrentou violenta discussão com
Gonzaga Blota, Saulo Ramos (advogado do espólio Simonsen) e dois
delegados da Polícia Federal. A discussão prolongar-se-ia por vários
dias sem nada resolver. O advogado Saulo Ramos argumentava que

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enquanto Dorival não apresentasse um documento do governo fe-
deral autorizando a venda do canal, o contrato de venda não tinha
efeito legal, pois uma rede de televisão, pertencendo à área de se-
gurança nacional, não podia ser negociada nem transferida sem o
consentimento do Ministério das Comunicações. Como Dorival era
perseguido politicamente pelo governo militar, dificilmente essa
autorização seria concedida.

Paralelamente às discussões sobre a posse da rede, os funcionários da


Excelsior prosseguiam na luta pela sobrevivência própria e da emisso-
ra, que no final de julho sofreu um incêndio, considerado proposital,
inutilizando três dos quatro estúdios da Vila Guilherme, em São Pau-
lo. A maior parte dos equipamentos foi salva pelos funcionários, que
achavam estar defendendo um patrimônio deles para compensação de
salários atrasados, caso se declarasse a falência da emissora.

292 Ante o montante da dívida, o desânimo estava tomando conta de todos,


pois além dos salários atrasados, dos aluguéis vencidos, das dívidas com
as companhias distribuidoras de filmes e com inúmeros outros credores,
a Excelsior devia somas enormes ao governo federal: principalmente
com o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social da época) e com
o imposto de renda.

Devia ainda impostos à Prefeitura de São Paulo, empréstimos não


pagos aos Bancos do Estado de São Paulo e do Estado da Guanabara
e perdia cada vez maior número de processos na Justiça do Trabalho,
devendo pagá-los.

Os advogados do espólio Simonsen e do Sindicato dos Radialistas


achavam que só o pedido de falência, por parte dos funcionários da
Excelsior, iria pôr um fim em toda essa complicada situação. Entretanto,
os funcionários resistiam à ideia, pois além de ficarem sem emprego,
não iam receber o que lhes era devido em curto prazo de tempo, pois
essa questão poderia durar anos para ser resolvida na Justiça.

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O Ministério das Comunicações, com o auxílio do Dentel, já havia pro-
posto à presidência da República a cassação das emissoras pertencentes
à rede Excelsior, por falta de condições básicas de funcionamento. O
jornalista Ferreira Neto pediu ao governador Abreu Sodré que lhe con-
seguisse uma oportunidade de conversar com o Presidente da República,
general Médici, na inauguração da usina elétrica de Xavantes, que iria
ocorrer no interior paulista. Junto ao presidente, o jornalista explicou que
a diretoria da Excelsior pretendia negociar uma extensa área de terra,
em Campos de Jordão (SP). A ideia era vender 50% da área, realizar ali
a produção de uma telenovela e vender os 50% restantes, supervalori-
zados pela divulgação que a novela teria feito do local. Através dessa
venda final pretendia-se chegar à recuperação financeira da rede. O
presidente prometeu que estudaria o assunto, mas dois meses depois,
em 28 de setembro, cassou a concessão de funcionamento das emissoras
da Excelsior, proibindo a continuidade de sua programação.

Tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, a programação continuou


no ar mais dois dias. No Rio de Janeiro, por determinação do superin- 293

tendente, coronel Nilton Leitão, a programação continuaria até que


os funcionários do Ministério das Comunicações fossem retirar o cristal
responsável pelas transmissões, o que aconteceu no dia primeiro de
outubro. Em São Paulo, também no dia primeiro, o jornalista Ferreira
Neto interrompeu as transmissões do seriado cômico Adélia e suas Tra-
palhadas, às 18h30, e comunicou ao público que, por ordem do governo
federal, as transmissões do Canal 9 eram encerradas definitivamente.
O funcionário do governo retirou o cristal de transmissão e o entregou
ao jornalista. Em 15 de outubro de 1970, era decretada a falência frau-
dulenta da Televisão Excelsior S.A. Sobre as possíveis causas da falência
comentaram alguns profissionais comprometidos com a rede:

Cacilda Lanuza (atriz): ”... olha é muito difícil explicar... porque a


diretoria mudou inúmeras vezes. Cada vez, era um dono diferente...
Ninguém sabia o que acontecia. O teto era de um dono, o chão, de
outro, o equipamento, de outro... o que a gente via era apenas uma
confusão terrível. Falava-se de falência fraudulenta, falou-se que o

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incêndio da Excelsior foi proposital... Vendiam para uma determinada
pessoa, depois não era mais... o Canal 9 não podia ser vendido porque
estava penhorado na Justiça... Era uma confusão... era cômico... Eu
entrei com uma ação na Justiça do Trabalho... mas nem a intimação
relativa ao meu processo conseguiu chegar... porque não tinha com
quem brigar. Não se sabia quem era o responsável...”.

Waldemar de Moraes (diretor) acha que: ”... o custo das novelas era
muito alto... o anunciante não cobria tudo... o gasto era muito maior
que a renda... O Edson Ferreira Leite... não procurava meios para gastar
qualquer coisa... e o grupo Folha andou fazendo... empréstimo que
depois a Excelsior não pôde pagar... O grupo Folha assumiu... quando
o Edson saiu... e eles se deram mal porque... de repente aparecia uma
promissória para pagar...e tinha que pagar... Aí apareciam papagaios
aos mil, sem comprovação, sem documentação... e tinham que pagar...
ao ponto de a própria Folha desistir... era gasto demais...”.

294 Para Walter Avancini: ”... A Excelsior viveu muitos problemas, a par
da disposição do Edson Ferreira Leite e do Alberto Saad. Eles não
conseguiam se estruturar administrativamente. Foi falta de estrutura
administrativa, realmente, porque a emissora era um grande sucesso...
a empresa tinha uma mentalidade muito criativa, mas nenhuma men-
talidade administrativa...”.
Para o ator e produtor Fernando Baleroni: ”...o Canal 9... só podia ter
o fim que teve porque era muita gente. Era muito gênio lá dentro... E
numa casa onde muitos mandam... o fim é desmoronar... O Edson Leite
e o Alberto Saad são duas criaturas espetaculares... mas o Edson era
muito crente... um ingênuo... e foi assessorado por muitos malandros...
Ele não estava percebendo que os cupins estavam tomando conta do
tronco... E o negócio desandou...”.

A atriz Arlete Montenegro conta que já em 1969: “... começou uma


certa confusão, começou a não aparecer a roupa certa... a produção
começou a diminuir os gastos, cortarem coisas e os nossos pagamentos
começaram a atrasar de uma forma brutal, a ponto de nós ficarmos 8

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meses sem receber um tostão... a ponto de as pessoas perderem casas...
no meu caso, carro, apartamento... E continuando ali até o fim... eu
achava que ia acontecer algum milagre... Era tão Ionesco... a diretoria
mudava semanalmente... o teu colega que estava brigando, ao teu
lado, tão indignado quanto você, era chamado lá em cima, porque ele
estava agitando mais... e no dia seguinte ele era o novo diretor... estava
igual aos lá de cima e a gente passava a brigar com ele... o dinheiro
que entrava dos patrocinadores sumia na mão deles... o Fábio Cardo-
so foi um dos últimos diretores e me contou que o Wallinho (Wallace
Simonsen) era de chegar e arrombar o cofre para pegar o dinheiro
que estava guardado para as despesas. Uma vez ele (Fábio Cardoso)
chamou a polícia para prender o Wallinho e a polícia disse: mas nós
não podemos prender, ele é o dono...”.

Para o Sr. Carlito Adesi, do departamento comercial da Excelsior: ”...


a emissora teve falhas administrativas como: contratação de elenco
artístico maior que as necessidades da casa... e implosão, através de
conflitos internos, com grupos se envenenando e provocando o não 295

rendimento do custo operacional...”.

E Gianfrancesco Guarnieri: ”... eu fiquei sem receber 8 meses. Mas


continuar... era uma questão de desafio e de notar que aquilo estava
sendo destruído e que não era legal... Houve perseguição política, não
há dúvida... Depois a coisa caiu, eu acho, ao nível de se atirar à carniça
e ver quem conseguia mais dali... Foi uma ação quase de gângster em
cima daquele patrimônio... porque quando veio a massa falida, onde
estava aquele material, onde estava o equipamento?“

Apesar do encerramento, o drama de 368 funcionários da Excelsior iria


continuar, bem como o de todas as pessoas físicas e jurídicas envolvidas
com a rede.

Os equipamentos que haviam sobrado em São Paulo, nos prédios da


Vila Guilherme, de propriedade de Frias e Caldeira, embora embargados
pela Justiça, foram retirados e aproveitados para utilização na nova

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emissora de televisão que se inaugurava em São Paulo, a TV Gazeta
Canal 11 (pertencente à Fundação Cásper Líbero) em que Frias e Cal-
deira tinham interesses. Esses equipamentos de estúdio e caminhões
de externa foram camuflados com nova pintura, mas ao procederem
à raspagem (por ordem da Justiça Federal) foram encontrados os lo-
gotipos da Excelsior.

Essa lesão ao resto de um patrimônio que deveria ser vendido para


ressarcir parte das dívidas, provocou grandes protestos dos sindicatos
e dos jornais e foi mais uma questão para constar do enorme processo
judicial que se instaurou, após a falência da rede. Apesar de vários
indiciados, esse processo de mais de 2 mil páginas responsabilizava,
como maior culpado, Wallace Simonsen Neto.

Durante todo o ano de 1971, o dono da Excelsior foi intimado a


comparecer em juízo para prestar declarações. Como não compare-
296 ceu, foi expedida ordem de prisão contra o empresário, que havia
se refugiado na França. Em março de 1972, a ordem de prisão foi
revogada e Simonsen pôde voltar ao País, com a condição de prestar
à Justiça as informações necessárias para esclarecimentos da falência.
Em todas as vezes que compareceu perante a Justiça, Simonsen portou-
se de maneira evasiva e estranha. Terminado o inquérito entre todos
os indiciados, o processo, na página 2.170, indicava que as causas de-
terminantes da falência da Televisão Excelsior S/A consistiam em: caos
administrativo, inexistência de controle contábil (ou seja, nos últimos
meses, a empresa não tinha sequer um contador), descaso pela situação
econômico-financeira da empresa, queda vertical do faturamento por
inabilidade e desatenção para com as coisas sociais, negócios ruinosos
para a firma, inadimplência patológica crônica, tudo redundando em
consequente aumento do passivo.

Na página 2.171 do processo, no capítulo Procedimento do Devedor


Depois da Quebra, encontrou-se a justificativa do comportamento
estranho de Wallace Simonsen nos seus depoimentos à Comissão de

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Justiça: o empresário desejava ser declarado interdito mentalmente
para escapar das responsabilidades civis e criminais.

Em abril de 1974, o Ministério Público de São Paulo denunciou, por


crime falimentar, cinco ex-diretores da Televisão Excelsior S.A: Wallace
Cochrane Simonsen Neto, Raul Joviano do Amaral, Luiz Gonzaga Blotta,
Antonio Caio Chaves Franco e Silvio Probst Torres.

Depois de tantos anos e tantos prejuízos causados, o caso continua


não so-lucionado. Os funcionários da Excelsior nunca receberam um
centavo do que lhes era devido. A maior parte dos outros credores
também nada recebeu. Os grandes empresários implicados com a rede
continuaram seus empreendimentos no mesmo ou em outros setores
de atividade. Para a história da televisão brasileira resta o amplo saldo
positivo que a emissora proporcionou ao veículo tanto em realizações
artísticas quanto em inovações.

Segundo Gianfrancesco Guarnieri: ”... A Excelsior foi de importância 297


fundamental... a partir dela começou-se a perceber as possibilidades da
televisão como indústria cultural... Ela valorizou o profissional... investiu
na industrialização da telenovela... abriu espaço para o autor brasileiro
e serviu de enorme know-how para o que a Globo realiza hoje”.
Para Walter Avancini: ”... Na história da televisão eu acho que a TV
Excelsior tem o papel de autêntica protagonista da transformação da
televisão brasileira. Não podemos esquecer o papel que a TV Tupi teve
como pioneira. Mas o primeiro momento de síntese e transformação
foi a TV Excelsior, que foi o elo para a televisão moderna atual. Ela
foi a transição e teve em si todas as propostas viáveis que se verificam
hoje na Televisão Brasileira.”

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Carlos Manga

(do livro 50/50, de Boni)

O convite para um outro trabalho veio pelo Sr. Wallinho Simonsen,


filho do dono da TV Excelsior, uma televisão que ia estrear no Rio de
Janeiro. Fui contratado por Miguel Gustavo dentro de um mictório. O
salário era altíssimo. Três mil, não sei bem em que moeda. Mas repre-
sentava aproximadamente trezentas vezes mais do que eu ganhava na
TV Rio. Esse foi meu grande contrato na televisão.
299
Dentro de um banheiro e um cara pegando no pinto para fazer xixi na
minha frente. Nessa emissora, fizemos muitos programas. Lembro-me
de Times Square, My Fair Show, Dois no Balanço, Chico Anysio Show,
A Volta ao Mundo em 80 Shows, o Vovô Deville, Agnaldo Rayol Show,
J. Silvestre e Chacrinha.

E, em muito pouco tempo depois, a Excelsior era líder de audiência.

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Daniel Filho

(do livro O Circo Eletrônico, de Daniel Filho)

Houve então uma novidade no panorama da televisão brasileira: o


surgimento da TV Excelsior, que tirou quase todos os melhores profis-
sionais da TV Rio e da TV Tupi, numa grande debandada comandada
por Carlos Manga e Chico Anysio.

As estações de televisão funcionavam de maneira autônoma, em cada


estado do País. Cada uma tinha sua própria programação. A ideia da
Excelsior era fazer uma network, uma rede, produzindo programas 301
para todas elas. Consequentemente poderia pagar salários incompa-
ravelmente mais altos. Então foi todo mundo.

Fui, também, acompanhando a Dorinha, que ia fazer os Bonequinhos


Cantores no Times Square, um programa de imenso sucesso, que tornou
o quadro famoso em todo o País. Eu, que faturava cerca de 60 mil, 70
mil cruzeiros por mês, passei a receber um salário de 1 milhão e du-
zentos em 1963! E Dorinha ganhava até mais do que eu! Na Excelsior,
passei a dirigir vários programas.

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O Comercial Segundo Carlito Adese

Entrevista a Marcelo Pires Camargo

Antes, a Excelsior era o tempo do Scantimburgo, do Álvaro Moya,


Cyro Del Nero. A segunda Excelsior, com Edson Ferreira Leite, Alberto
Saad, e vieram os vândalos, todos nós – graças a Deus, os vândalos que
somos os pais aí da TV Globo – bom, então a primeira fase era uma
fase maravilhosa uma harmonia, era uma irmandade. Agora aquilo foi
decaindo, foi degradando. Também foi um dos motivos da queda da 303
Excelsior. Aí começaram, depois de uns dois ou três anos que a Excelsior
tava funcionando, aí começou guerra de ciúmes, de vaidades. O próprio
Edson Leite e o Alberto Saad já não se entendiam perfeitamente, en-
tão tinha a turma do Edson, a turma do Alberto que se matavam aqui
atrás, que a Excelsior, ela foi morrida dentro, ela foi esfacelada dentro.

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Vida e Morte da TV que Criou o Conceito de Rede

Entrevista de José Dias a Gonçalo Júnior

Mais de três décadas se passaram desde que a TV Excelsior foi ao ar


pela última vez. Era 1969, ano de seu décimo aniversário de fundação.
Mesmo tanto tempo depois, sua gloriosa e trágica trajetória permanece
como um capítulo obscuro na história da televisão brasileira. Teria sido
a emissora uma vítima das arbitrariedades do regime militar, como se
tem afirmado? O processo de falência aberto pela Promotoria de São
Paulo – e que soma nada menos que dezoito caixas com alguns milhares
de documentos – desmistifica essa versão. A papelada reúne desde as
notas fiscais da aquisição das primeiras máquinas e câmeras aos contra-
tos de exclusividade com grandes estrelas da TV. E não deixa dúvidas:
a Excelsior acabou por desmandos administrativos e financeiros.

Desde os primeiros estudos que se fizeram sobre a emissora no começo 305


da década de 1980, ganhou força a ideia de que a primeira televisão
moderna e profissional do País – que estabeleceu uma grade de pro-
gramação vertical e horizontal e uma forma de gerenciamento, copia-
das depois pela Rede Globo – teria tido sua licença de funcionamento
cassada como vingança dos militares por não ter apoiado o golpe de
1964. Essa versão é contestada pelo advogado paulistano José Dias. Por
sete anos, entre 1959 e 1966, ele foi o consultor jurídico e advogado da
emissora. Coube-lhe as funções de fazer os contratos, comprar equipa-
mentos e até negociar com a censura. Anos depois, por coincidência,
uma sócia sua foi nomeada síndica da massa falida da Excelsior, função
que ela exerce até hoje.

Assim, como um karma, a Excelsior permanece ligada à vida de Dias


há quase 45 anos. Nesta entrevista exclusiva, feita em 2001 para a Ga-
zeta Mercantil e nunca publicada – por motivos que serão mostrados
no decorrer da conversa – ele conta em detalhes o que realmente pôs
fim à rede.

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Declarado admirador do regime militar e crítico implacável da esquerda
– se diz um assumido “elemento de direita” – o respeitado advogado
mostra que tem boa memória e faz revelações sobre o destino da Ex-
celsior. Cauteloso ao falar de alguns nomes, Dias deixa a impressão de
que há muito ainda a revelar.

Em que contexto surgiu a TV Excelsior, de São Paulo?


Quando se vai falar da Excelsior, é preciso fazer um preâmbulo. Na-
quela época, não havia no Brasil o que hoje se conhece como redes de
televisão. As televisões eram, digamos, esparsas. Embora tivessem o
mesmo nome em alguns estados, como foi o caso da Tupi, não atuavam
com o conceito de rede, de transmissão uniforme e simultânea para
todo País. Havia no Rio três ou quatro emissoras e cinco em São Paulo.
Elas eram independentes dentro do mesmo grupo, com programação
local própria. Transmitir do Rio para São Paulo e vice-versa era uma
coisa muito difícil. Só era possível à base de links, que eram instalados
de tantos em tantos quilômetros – o que era muito complicado e caro
306 de fazer. E a primeira TV que realmente fez uma rede de televisão no
sentido de transmitir conjuntamente entre os dois mais importantes
estados foi a Excelsior, embora muita gente pense que foi a Tupi ou
a Record. Desde o começo, ela foi pensada para esse fim. Ao mesmo
tempo, tornou-se a primeira estação de televisão regularizada no
Brasil, uma vez que as outras não eram oficializadas junto ao Dentel
e ao Contel. A história da Excelsior, desde o começo, é interessante e
bonita e precisa ser contada.

Explique-se melhor essa história de regularização.


Acontecia o seguinte: as emissoras de televisão eram concessões, como
ocorre até hoje. Essas permissões eram dadas com uma série de exi-
gência de documentos. Para complementar o registro junto à entidade
governamental – que na época era o Contel (Conselho de Telecomu-
nicações) e depois passou para Dentel – era preciso se submeter a um
processo muito primitivo. O que isso queria dizer? Era necessário pegar
a documentação de todos os diretores e acionistas e registrá-la, com
a planta de funcionamento, da parte elétrica e estrutural. Aconteceu

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que todas as emissoras anteriores – Tupi, Record, Paulista – não tinham
feito seus registros. A concessão era dada e o negócio ia para o ar sem
nenhuma preocupação em legalizá-la. Como não havia uma cobran-
ça do governo, ninguém se via obrigado a fazê-lo. A Excelsior veio e
cumpriu a lei, fez como deveria ser.

Por que vocês tiveram essa preocupação?


Eu era o advogado da emissora e levei aquilo a ferro e fogo, fiz a parte
legal como estabelecia a lei. Queria que tudo funcionasse corretamente.
Então, peguei a documentação toda e mandei-a para o Contel. Enviei
inclusive uma espécie de planta básica que informava como a emissora
funcionava – tanto na parte eletrônica quanto na comercial e artística.
Regularizamos tudo. Desse modo, a televisão recebeu um atestado de
regularização.

Como surgiu a Excelsior?


A concessão da TV Excelsior pertencia a Victor Costa. Ele era o dono
da TV Paulista que tinha também a permissão para colocar no ar um 307

outro canal. Como a legislação não permitia que se fosse dono de duas
emissoras de TV na mesma cidade – o grupo econômico ou os acionistas
não podiam ter duas estações – ele foi obrigado a vender um. Funcio-
na assim até hoje. Tanto que Sílvio Santos teve de se livrar da Record
para ficar com o SBT. Em 1953, Costa colocou a Paulista no ar e ficou
com outra sem operar. Foi então que teve de dar um jeito de vendê-la.
Quem a comprou foi Mário Wallace Simonsen, um dos herdeiros do
grupo Simonsen. Os outros eram Roberto e Wallace, irmãos e donos
do Banco Noroeste, da Cerâmica São Caetano, da Companhia Comer-
cial da Borda do Campo e de uma série de empresas. Quando o velho
Wallace faleceu, esse império foi dividido entre os três irmãos. E eles
se separaram. Cada um ficou com determinado número de empresas.
Mário Simonsen passou a comandar a holding, formada pela Vazim,
com a Comal e a Panair do Brasil.

Por que Mário Simonsen entrou no negócio de televisão?


Por causa de um dos filhos dele, Wallinho, que gostava de televisão.

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Para montar a estação, ele precisava de duas pessoas que entendessem
de televisão ou de rádio. E encontrou-as perfeitamente. Contratou
Alberto Saad e Edson Ferreira Leite para, com Walinho, montarem a
televisão Excelsior. Isso aconteceu em 1959.

O canal do Rio veio muito tempo depois?


A Excelsior do Rio foi montada posteriormente, mas com pouca dife-
rença de tempo em relação a São Paulo. Depois, os sócios adquiriram
canais em Porto Alegre e Minas Gerais, já com o propósito de formar
uma rede de TV, como são as empresas do ramo hoje. Era uma novi-
dade na época. Ou seja, o que a Globo estabeleceu na virada para a
década de 1970 e que permanece como padrão até hoje nós fizemos
a partir de 1959.

De onde veio esse conceito de rede de televisão que a Excelsior intro-


duziu no Brasil?
Foi um formato importado da TV americana. Naquela época, os EUA já
308 funcionavam com três redes de televisão que cobriam todo país: ABC,
NBC e CBS. Esses canais levavam uma programação unificada para a
maioria dos estados americanos ao mesmo tempo. A ideia de fazer
algo parecido veio para cá por intermédio de Alberto Saad – que muito
tempo depois fundaria a TV Bandeirantes – que havia viajado com o
propósito de ver os equipamentos que deveriam ser comprados para
montar a estação de televisão de Simonsen. Ele teve a sensibilidade para
perceber o funcionamento desse sistema e sondou com os americanos
para ver como poderia fazê-lo no Brasil. Lembro-me que ele entrou
em contato com o pessoal da ABC, que lhe deu todas as informações
necessárias e o deixou ainda mais entusiasmado.

Havia algum propósito político na montagem da Excelsior, no sentido


de apoiar algum partido ou político?
Não, nenhum, nunca. Absolutamente nenhum. A TV Excelsior foi mon-
tada por um capricho do filho de Mário Simonsen. Wallinho adorava
televisão, era um sujeito viajado, conhecia o mundo inteiro. Enquanto
estávamos aqui engatinhando na busca de uma linguagem para a TV,

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ele já tinha visto como funcionavam emissoras de televisão de vários
países e queria fazer algo novo, moderno e profissional. Portanto,
repito, não houve finalidade política alguma. Eu participei do ato de
compra da TV Excelsior.

Como assim?
Presenciei o momento em que Victor Costa estava morrendo e mesmo
assim assinou os papéis transferindo para Mário uma das concessões
de TV que tinha. Ele estava com câncer, muito mal de saúde. Fomos
pegar as assinaturas dele e a documentação toda pouco antes de sua
morte. A Excelsior era realmente uma emissora de pessoas que gosta-
vam de televisão. E eram todos empreendedores. Posso até dizer que
eram lunáticos por aquilo. Eles faziam tevê 24 horas por dia. Por isso
a emissora se tornou logo um grande sucesso.

A ligação do então presidente Juscelino Kubitschek com a família


Simonsen não fez com que houvesse apoio político a seu mandato?
Nada, nada. Eu participei ativamente desse período inicial posso dizer 309

categoricamente que não aconteceu isso em relação a JK. No período


de sua fundação, tudo passava por mim relacionado a documentos,
contratos e dinheiro. A Excelsior contou mesmo foi com uma grande
ajuda do governador Adhemar de Barros, de São Paulo. Se houve al-
guém que deu um apoio para a consolidação da emissora foi ele.

De que forma?
Prestigiando, abrindo crédito para a emissora através do Banco do
Estado de São Paulo (Banespa). A tevê tinha um crédito muito bom
dentro do banco, encaminhado pelo próprio governador, que fez uma
abertura muito grande, ofereceu condições ótimas para descontar títu-
los e duplicatas. Não quer dizer que a Excelsior se tornou uma tribuna
para ele fazer política. Em contraste, recebíamos lá qualquer político
porque todos queriam falar na tevê. A Excelsior estava sempre aberta
para quem quisesse manifestar suas ideias. O próprio deputado Herbert
Levy, dono da Gazeta Mercantil, tinha o canal aberto para falar. E olha
que havia uma guerra aberta entre ele e Mário Simonsen.

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O que aconteceu?
Logo nos primeiros anos da Excelsior, houve um problema político
serissimo contra Simonsen, cujo principal adversário em São Paulo foi
Herbert Levy. Não me aprofundei nisso, mas posso dizer que, naquela
época, a fortuna do senhor Simonsen era muito grande porque ele
tinha nas mãos um dos grandes negócios do Brasil que era o comércio
de exportação do café. Ele atuava como um dos chamados “interven-
tores” nacionais na exportação de café. Havia três intervenções esta-
duais, localizadas em São Paulo, Paraná e Minas Gerais. A do Paraná
pertencia a Simonsen.

O que eram essas intervenções?


Funcionava assim: toda a produção de café só podia sair do País por
intermédio de um interventor. Cabia-lhe definir o destino do produto,
para que país iria. Enfim, cuidar das exportações. O interventor era
uma pessoa que regulava e comandava as operações de vendas – que
incluía estocar o produto lá fora, de onde era vendido pelo Instituto
310 Brasileiro do Café (IBC) – que depois foi extinto. Em São Paulo, eram
os Almeida Prado os responsáveis por isso. Eles conheciam o negó-
cio profundamente. Não me lembro quem fazia o mesmo em Minas
Gerais. No fundo, o governo sempre interveio de alguma forma na
exportação de café, como faz até hoje. Atualmente, para exportar
é preciso deixar determinado volume da safra no País. São as cha-
madas cotas de café. Na década de 1950, essas cotas foram dadas
para três empresas.

Qual foi o problema político que envolveu Simonsen e Levy?


Como sabemos, todas as vezes que algum grupo político sobressai, você
logo descobre que tem amigos e inimigos. Não participei diretamente
do que aconteceu, pois minha área era muito mais do gerenciamento
da televisão. Portanto, segundo soube, naquele período, o café saía do
Brasil e era depositado em Milão, nas companhias de armazéns gerais.
Para poder pagar esse café no Brasil, o que faziam os interventores?
Eles negociavam os famosos warrants, emitidos pelas companhias de
armazéns. Eram títulos de crédito representativos de commodities depo-

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sitados nessas empresas. Esses títulos eram descontados em Milão com
facilidade porque valiam café. Certa vez, porém, no meio do caminho
de uma operação, descobriram que esses warrants de Simonsen tinham
sido duplicados ou falsificados. E isso gerou um grande escândalo e se
tornou o meio político que se descobriu para tentar acabar com ele. Co-
meçaram a dizer que seu grupo tinha descontado duas vezes o mesmo
título de crédito. Aquilo se espalhou pelo mundo inteiro e o governo
brasileiro foi forçado a tomar providências, evidentemente, e tirou a
representação do café no Paraná dos Simonsen.

Isso ocorreu por volta de que ano?


Em 1960, bem na fase inicial da Excelsior. Olha, aconteceu na época
uma briga judicial que dura até hoje, mais de quatro décadas depois.
Ainda não se tem a solução deste problema. Ou seja, não existe a
certeza se os títulos eram ou não falsificados ou se tudo não passou
de uma armação para derrubar Mário Simonsen. Mas nesse meio
tempo, os créditos que ele tinha no mercado desapareceram pela
perda de credibilidade, por causa das acusações – digo Mário porque 311

os outros dois irmãos continuaram com seus negócios normalmente.


Todos os bancos lhe fecharam as portas e não houve possibilidade
de continuar descontando os títulos e nem de vender o café. Aquilo
tudo parou de funcionar. Ninguém mais quis comercializar com a
Companhia Exportadora de Café, o que trouxe um prejuízo muito
grande para o grupo.

Inclusive para a emissora?


Não que o problema afetasse a TV Excelsior num primeiro momento
porque a emissora já tinha vida própria, estava em primeiro lugar
na audiência e faturava muitíssimo bem. Enquanto administrada
por Alberto Saad e Edson Leite, a Excelsior nunca teve problemas
financeiros.
Explique melhor qual era o propósito da pressão liderada por Her-
bert Levy contra Simonsen no caso dos bônus falsificados?
Creio que o propósito final daquele escândalo era sim desmoralizar
o grupo. Pelo que eu soube na época, havia interesses de deter-

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minada ala política, principalmente da UDN (União Democrática
Nacional), não só de desmoralizar Simonsen como também, de uma
forma ou de outra, tirar essa intervenção do café dele, porque era
um altíssimo negócio ter nas mãos toda a exportação do Paraná,
que era tão grande produtor quanto o Estado de São Paulo. Enfim,
havia um volume muito grande dinheiro para se manejar.

Como começou o tiroteio. Tinha algum econômico de destaque


por trás disso?
Se tinha eu não sei. Eles começaram primeiramente atingindo uma
das empresas de maior prestígio dos Simonsen, que era a compa-
nhia Panair do Brasil, que atuava no ramo de transporte aéreo de
passageiros. Houve um interferência muito grande do brigadeiro
Eduardo Gomes, e ele praticamente exigiu a cassação da licença da
operação da companhia. Ele lutou bravamente para que se tirasse
a empresa dos seus verdadeiros donos. E isso foi feito. Houve uma
intervenção e liquidaram a Panair. Essa briga da empresa de aviação
312 com o governo brasileiro na Justiça existe até hoje. E o grupo Simon-
sen inclusive ganhou uma parte dessa ação – não sei se totalmente.

A Panair era de origem americana, certo?


Sim, a companhia foi comprada por Simonsen da Panamerica
Oneway. Metade ficou com Mario Simonsen e metade com Rocha
Miranda, um grupo do Rio de Janeiro. Quando deu esse problema
todo em relação ao café e à Panair, Rocha Miranda foi de certa
forma seriamente atingido em seus 50%. Cassaram a Panair e
quem ficou à frente para se defender foi Miranda. Simonsen
saiu da história. Quando ocorreu esse problema, com receio de
prejudicar a Excelsior, Simonsen a vendeu para Alberto Saad e
Edson Leite, com a condição de que um terço ficasse com seu
filho, Wallinho. Desse modo, cada um passou a ser dono de um
terço do negócio. Com essa operação, a emissora ficou totalmente
desvinculada do grupo Simonsen e, portanto, longe do tiroteio
que saía na imprensa. A Panair ficou com Rocha Miranda. E as
demais empresas foram aos poucos sendo liquidadas.

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O problema da Panair estava vinculado ao escândalo do café?
Sim, a investida contra a Panair foi uma consequência da história dos
títulos. Aconteceu no momento em que houve toda aquela campanha
contra Simonsen – uma mobilização jornalística terrível, praticamente
movida pela UDN que estava contra o governo.

Carlos Lacerda liderou a campanha no Rio?


Não. Embora fosse a grande liderança da UDN ao lado de Jânio Qua-
dros, Lacerda não atuou muito acintosamente nesse episódio. Ele
sempre se manteve numa posição mais distante. Creio que, por sua
vontade, não teria ocorrido a campanha para destruir Simonsen. Mas
ele tinha sim algo contra o empresário. Foram realizadas campanhas
de desmoralização tanto no Rio quanto em São Paulo. Na capital pau-
lista era comandada pelo então deputado Herbert Levy. Não que Levy
estivesse errado. Ele parecia estar convicto da duplicidade dos títulos
e denunciou na Câmara dos Deputados e na imprensa uma situação
que lhe pareceu irregular. Ele era deputado federal e diariamente ia à
tribuna para massacrar Simonsen. Dizia, “vamos liquidá-los”. Creio que 313

tinha suas razões, sempre foi uma pessoa muito correta, muito direita.

Que conclusão o senhor tira hoje desse episódio?


Na minha opinião, houve um movimento político contra Simonsen,
liderado pela UDN. Dizer que algum político estava na liderança disso
é muito difícil porque era um partido muito coeso. De um pensamento
só. A UDN era uma inimiga ferrenha do getulismo, representado pelo
PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). E contra Juscelino, do PSD (Partido
Social Democrata). Esses eram os dois partidos que defrontavam com
os udenistas. Então, tudo que havia do lado dos dois e, portanto, do
governo, a UDN estava contra. Isso era um princípio partidário em
âmbito federal. E aqui em São Paulo tudo que fosse a favor de Adhe-
mar de Barros, a UDN torpedeava. Era a norma dos tradicionalistas,
geralmente comandados pelos Mesquitas, de O Estado de S. Paulo,
que sempre se mantiveram nessa linha e continuam assim até hoje.
Se alguém escorrega dessa linha eles caem em cima. Inclusive, eu era
amigo de Julinho Mesquita. Morávamos no mesmo prédio, tínhamos

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apartamentos vizinhos. Na Câmara Federal, quem cuidava dessa ques-
tão dos Simonsen era Herbert Levy, então o deputado mais votado da
UDN no estado. Sempre foi um parlamentar muito ativo e tinha uma
linha de conduta que não mudava de jeito nenhum.

No que a Excelsior se diferenciava das outras estações? Modelo de


gerenciamento? Programação?
A Excelsior era dirigida na parte artística por Edson Leite. E na parte
comercial, por Alberto Saad. Eles formavam dois grupos dentro da
televisão. Leite fez uma programação ultramoderna. Era um homem
que saía daqui para os Estados Unidos e Europa em busca de novidades.
Trouxe desses lugares a televisão moderna e implantou-a no Brasil. Com
isso, formou grandes produtores e diretores dentro da TV Excelsior que
até hoje ocupam funções importantes na Globo. Chegou a fazer com
que esse pessoal saísse do Brasil para ver como era a TV lá fora. Desse
modo, começamos a nos aperfeiçoar e a nos profissionalizar porque
muita coisa era feita no improviso. Enquanto nos EUA se tinha a faci-
314 lidade da técnica, aqui era preciso improvisar. Mas nossa improvisação
sempre foi muito boa em matéria de televisão. O que a Globo tem hoje
não é nada além do que a Excelsior implantou em 1960. o formato
de programação é o mesmo, sem tirar nem pôr. Inclusive os horários:
telejornal, novela das 8 – naquela época, fazíamos duas novelas, uma
das oito e outra das 9 horas. Antes disso era o jornal. E antes, a novela
das seis, que era mais leve.

São as chamadas grades de programação vertical (diária) e horizontal


(semanal)?
Exato. Em parte, a Globo hoje ocupa o primeiro lugar porque pratica-
mente deu continuidade ao modelo estabelecido pela Excelsior.

Inclusive com profissionais que foram da Excelsior...


Sim, sim. Da própria Excelsior. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o
Boni, foi um filho da Excelsior. Mas ele também foi responsável por
introduzir muita coisa nova dentro da Excelsior. Principalmente na
programação. Só saiu porque teve uma desavença com Edson Leite.

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Um queria seguir determinado caminho e outro não. Edson continuou
e fez o lado dele. Os dois tinham mais ou menos a mesma linha. Eram
duas cabeças sensacionais para a programação. Conheciam muito de
televisão. Ou melhor, ficaram conhecendo por causa dessa época, di-
gamos assim, gloriosa para a televisão.

É verdade que a Excelsior começou com equipamento deficitário, ad-


quirido em Santos?
Não foi bem deficitário. Começou com o que era possível adquirir.
Porque naquela época havia facilidade de trazer máquinas de fora
graças à isenção, como existe até hoje. Em 1959, isso era muito maior.
Poderia comprar equipamentos usados no exterior, com preços mais
convenientes. O primeiro maquinário da Excelsior veio dos EUA, da
Ampex. E não era de segunda mão. O primeiro com tecnologia mais
moderna foi adquirido da companhia Marconi e veio diretamente da
Inglaterra carregado por aviões da Panair. Muita gente diz até hoje
que essas máquinas vieram contrabandeadas. Isso não é verdade, não 315
pode ser verdade. Naquela época, o governo permitia a importação
com isenção porque não havia similar nacional. Pedia-se apenas uma
formalização ao governo e este autorizava imediatamente. Ou vinha
de navio ou por avião. A Excelsior optou pela segunda. Quando o ma-
quinário chegou, espalhou-se essa história de contrabando que não
tem sentido. Ocorre contrabando quando não se pagam impostos. Mas
havia, repito, isenção fiscal. Portanto, não é verdade.

Bom, nesse contexto, de alguma forma a briga política e econômica


contra Simonsen respingava de todas as formas contra a Excelsior?
Ah, respingava e muito. Tanto que houve um momento em que Saad
e Leite disseram: ou ficamos com a estação ou saímos porque o escân-
dalo começou a prejudicar a continuidade da emissora. Por isso, eles
compraram por um preço barato. Nesse momento, a emissora ainda
não estava totalmente montada. E o equipamento americano e inglês
fora todo financiado em longo prazo e, portanto, era preciso pagá-lo.
A própria televisão pagou suas máquinas. Simonsen não tirou dinheiro

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do bolso para quitar as parcelas. Por isso a Excelsior se apertava muito
em dinheiro – parte foi adquirida em libras esterlinas.

A venda da Excelsior para os dois funcionários foi a forma encontrada


para salvar a emissora, para tirá-la do foco de seus adversários durante
o escândalo do café?
Foi, foi. Das duas, uma: ou Simonsen fechava uma emissora que estava
em primeiro lugar na audiência ou abria mão de seu comando. Escolheu
a segunda. Ele disse para Leite e Saad: vocês assumem o comando, mas
um terço fica com meu filho.

A presença de Wallinho fez com que o grupo continuasse colocando


dinheiro na TV?
Não, por causa do escândalo do café, acabou o dinheiro de Mario Si-
monsen. O grupo acabou nesse momento.

A emissora do Rio foi montada ainda na fase dos Simonsen?


316 Sim, porque aquilo foi feito imediatamente depois de São Paulo. Não
houve um espaço grande de tempo para comprar a estação do Rio. Ela
foi adquirida num período de meses. Na ocasião, também fizemos uma
associação com o grupo Sirotski, dono da TV Gaúcha, e ficamos com
50%. Compramos a TV Vila Rica, que era também uma concessão que
pertencia ao dono do Banco Real, e montamos uma estação em Belo
Horizonte. Fizemos uma associação no Paraná. E assim formamos uma
rede de cinco emissoras, além de fecharmos acordos de retransmissão
com outros estados, como a TV Jornal do Commércio, de Recife. Em
Curitiba, nossa parceria foi com o grupo Martinez. Uberlândia, Cuiabá.
Participávamos acionariamente mesmo com 50% na Gaúcha; um terço
na Vila Rica e 100% no Rio e em São Paulo. Toda a programação da rede
saía de São Paulo. Para o Rio, ia via link. O resto seguia diariamente
por avião para que fosse colocada no ar à noite. Assim, a programação
entrava no mesmo instante, em sincronia, embora fosse em tape.

Como o senhor descreveria a Excelsior em sua estrutura de gerencia-


mento e programação?

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A Excelsior tinha um departamento comercial que era sensacional, que
vendia todo o horário de programação. O que é a mercadoria de uma
emissora? É o segundo. Se você não vende, o reloginho mexeu, você
perdeu. Então, tínhamos uma estrutura para o horário nobre com um
preço mais caro do Brasil. Ia das 19h30 às 22h30. Nesse espaço, não se
mexia na tabela de preços dos comerciais. Mesmo porque as agências de
publicidade compravam toda faixa com bastante antecedência. Depois
desse horário, a Excelsior estabeleceu que o tempo não podia ficar na
prateleira. Para isso, vendia-se pelo preço de oferta, não deixava cair.

Deu certo?
Sim, praticamente todo nosso horário comercial era vendido, o que
não acontecia com as outras emissoras. Seguimos uma política de não
fugir da tabela no horário nobre, mas ser flexível em outros. Vendí-
amos os intervalos das duas ou três da madrugada pelo preço que
dessem, enquanto as outras emissoras preferiam sair do ar a partir
da meia-noite. Botávamos filme de madrugada para desovar toda a
publicidade que conseguíamos. Não importava se vendíamos por 50 317

centavos o minuto. Aquilo era faturamento, era dinheiro. E foi graças


a isso que construímos o primeiro estúdio moderno de televisão na
América Latina, na Vila Guilherme, e que depois pertenceu a Silvio
Santos. Eram seis estúdios. Gravamos novelas ambientadas no Rio que
eram, na verdade, feitas dentro dos estúdios de São Paulo. Os ameri-
canos ficaram bobos quando viram o que fazíamos. A novela As Minas
de Prata foi construída e gravada dentro do estúdio. Montamos um
cenário igualzinho ao americano, com cabeação e fiação idênticas. Um
negócio ultramoderno. A Excelsior foi por isso aplaudida fora do Brasil.

Que outra inovação a Excelsior fez?


Na parte artística, não precisa nem dizer. Até hoje se comenta a res-
peito da capacidade de fazer três ou quatro novelas ao mesmo tempo.
A Excelsior fazia, mostrou que isso era possível. Inovou também com a
novela diária. Toda noite havia ainda episódios completos, tipo Brava
Gente, que a Globo exibiu depois das 22 horas. E as transmissões de
futebol? Nós fomos a primeira emissora brasileira a fazer transmissão

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de uma partida com cinco câmeras. As outras usavam, no máximo, duas.
Geralmente faziam tudo com uma. Colocamos câmeras atrás dos gols
e na beira do gramado. Os caminhões vinham do Rio para São Paulo
só para fazerem isso. Foi uma forma de fazer TV que mudou muito
pouco e perdura até hoje.

Mesmo sem Simonsen, a Excelsior teve problemas políticos em 1964,


não foi?
Problema político em 1964 só não teve quem não quis. Foi o ano da
revolução, quando o comunismo estava querendo se infiltrar no Brasil
e as forças armadas, acertadamente, não permitiram. Foi um período
em que se vivia de sobressaltos. Nós da Excelsior, que ficávamos ali,
na Nestor Pestana (centro de São Paulo), alugávamos o teatro Cultura
Artística para programas ao vivo, chegamos a apagar quatro incêndios
claramente criminosos. E não se sabia quem havia posto fogo. A Tupi
e a Record também passaram pelo mesmo problema. Foi uma época
de terrorismo bastante difícil.
318

Por que o senhor diz que eram incêndios criminosos?


Digo criminosos porque eram feitos pelo pessoal da esquerda. Nunca
se pegou nenhum deles, mas tínhamos certeza disso. Essa turma real-
mente se infiltrou e causou problemas terríveis. Não só na televisão
como em outras grandes empresas. A área de TV era mais visada
porque a publicidade obtida pela repercussão com os atentados era
maior. Lembro-me que alguns anos depois, quando a Bandeirantes
fazia um espetáculo na Av. Brigadeiro Luiz Antonio, botaram fogo
duas vezes no teatro.

Quais eram os propósitos desses atentados?


Terrorismo. Terrorismo. Por que houve a revolução de 1964?

Mas que ligação esses terroristas faziam entre as emissoras e o chamado


movimento de comunização do país?
Com os atentados, a publicidade para os propósitos deles era muito
maior. Uma coisa era dizer: botaram fogo numa fábrica de Joãozinho

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em Pirituba. Outra era dizer: incendiaram a TV Excelsior, Record ou
Bandeirantes.

P – Dá realmente para se ter uma ideia da origem desses grupos?


Eram de grupos esquerdistas.

Ligados a quem?
Veja bem. Pode-se dizer que eram grupos ligados a João Goulart,
embora quisessem derrubá-lo para implantar o comunismo. Eram
baderneiros da esquerda que existem até hoje. Alguns foram pre-
sos, banidos e hoje estão aí. Alguns até participam do governo de
Fernando Henrique Cardoso. Não é necessário fazer a lista. Todos
sabem quem são.

Na época, eram pessoas ligadas aos sindicatos?


Ao Partido Comunista Brasileiro. A forma de eles tentarem derrubar o
governo Goulart e instalar uma ditadura de esquerda no país era essa. 319
Era por meio do terrorismo.

Os incêndios tinham características semelhantes?


Veja bem, aquilo que nós sabíamos era porque acontecia sempre a
mesma coisa: colocavam chumaço de algodão embebido em álcool em
determinados locais. Depois, botavam fogo e corriam.

Esses incêndios tinham horários determinados, quando a emissora


estava vazia? Ou pretendiam machucar as pessoas?
Os horários eram os mais diversos. Chegamos a encontrar incêndio
preparado que não houve tempo de ser deflagrado. Isso aconteceu
embaixo do palco do estúdio 2. Descobrimos pedaços de algodão mo-
lhados com querosene, prontos para serem ateados com fogo. Como
tínhamos um serviço de segurança bom justamente por causa disso, foi
descoberto a tempo. Vigiava-se constantemente para descobrir quem
estava por trás, pois eram pessoas lá de dentro. Nunca se descobriu
nada sobre quem fazia isso.

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Entre 1960, quando aconteceu a venda, e 1964, como foi a sobrevi-
vência da emissora?
Foi muito bem. Como disse, a gente tinha um apoio muito bom do
governo de São Paulo, Adhemar de Barros. Ele dava cobertura não
só para a Excelsior como para todas as emissoras. Principalmente
para a Tupi, de Assis Chateaubriand e Edmundo Monteiro. Porque
isso interessava politicamente a ele, lógico. Que governo quer brigar
com um jornal ou emissora de televisão? Não é que havia um apoio
exclusivo à Excelsior, mas a todas as TVs. E eram todas emissoras
que se não fossem de direita não eram de esquerda. Tinham uma
postura de centro, digamos assim. Até 1964, tivemos um governo
bastante tumultuado porque a esquerda começou a tomar conta
do país. Houve vários movimentos terríveis que o exército acabou
sufocando. Quando aconteceu o golpe militar, para muitos foi um
alívio porque pôs o país em ordem. A esquerda praticamente foi
banida na época.

320 Onde havia infiltração da esquerda na Excelsior?


Principalmente no setor artístico. Era uma coisa perceptível, a gente
sabia. Também tínhamos uma ideia sobre quais eram os elementos de
esquerda que faziam sabotagem. Havia uma coisa muito interessante:
o artista, pelo menos naquele época, era um apaixonado pelo que
fazia. Em primeiro lugar, vinha seu trabalho. Então, ele chegava a ser
um poeta, um romântico no trabalho, só depois pensava no dinheiro.
Normalmente o artista é assim. Se você diz para ele que vai trabalhar
e ficar sem receber seis meses ele trabalha. Gosta do que faz. Na
Excelsior, davam-se o sangue e a alma. Tanto lá quanto nas demais
emissoras. Portanto, era difícil conturbar essa área. Mesmo havendo
interesses políticos, era difícil para eles conseguirem seus objetivos.

Vocês tentaram controlar, minimizar essa presença de subversivos


dentro da Excelsior?
Toda emissora, seja no setor artístico, comercial ou artístico, tem uma
liderança. Esse líder que comanda numa empresa geralmente é alguém
de confiança, ligado à diretoria. Então, o comando é dele dessa forma.

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Tínhamos pessoas assim, que colocavam panos quentes em tudo e
não deixavam essa infiltração acontecer. Na parte artística, o pessoal
obedecia a esse comando. Tente tirar o comando da parte artística de
um grande produtor como Nilton Travesso, avalista de quase todos os
programas de humor da Globo e diretor da Record durante muitos anos.
Não dá. Travesso faz o que quer, como quer, com qualquer equipe,
não há quem lhe desobedeça. Sabe por quê? Porque ele é aceito, é
respeitado, é um líder nato. E assim existiram muitos na época.

Quando se vendeu a parte da Excelsior para Leite e Saad, a imprensa


que combatia Simonsen deu uma trégua para a Excelsior?
Deu. E houve um apoio muito grande aos dois por parte das empresas
de publicidade de prestígio. Elas sabiam que os novos donos eram do
ramo, conheciam televisão e rádio, haviam dirigido a Rádio Bandei-
rantes durante anos. Chamava-se “Cadeia Verde-Amarela Norte-Sul”,
criada por eles, que fez da emissora a líder em transmissão esportiva
para todo o Pais. Por isso, sempre foram muito respeitados pelo
setor publicitário porque, quando eles se comprometiam a fazer, 321

cumpriam. E também faziam benfeito. Conheciam profundamente


rádio, televisão e cinema. Então, quando Mario Simonsen lhes pas-
sou o grupo, Leite e Saad acharam que foi um alívio muito grande
porque a Excelsior estava numa situação financeira muito difícil.

A recuperação foi rápida?


Sim. A Excelsior passou a funcionar muito bem com suas próprias per-
nas. Manteve-se um aperto financeiro porque tudo aquilo que havia
sido comprometido por Simonsen para montar a emissora de uma
hora para outra ficou só nas mãos dos novos donos que só tinham
como receita a publicidade. Nós havíamos comprado 1,5 milhão em
libras esterlinas em equipamentos da Marconi que eram para ser
pagos pelo grupo Simonsen. Uma fortuna. Trouxemos da Inglaterra
praticamente uma emissora inteira: carros de reportagem, câmeras.
A Marconi era e é ainda o melhor equipamento que existe. Se um
japonês custa 10 mil dólares, um inglês similar dessa marca sai por
50 mil libras (7x mais).

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O que havia de moderno nesse material?
O equipamento que compramos tinha inclusive tecnologia para trans-
missão colorida que não chegamos a instalar porque acabou o dinheiro.
Não tínhamos os aparelhos, mas meio caminho andado. Só faltava o
retransmissor colorido. Na época, a cor era um negócio que já existia.
Havia um projeto da Excelsior de comprar o retransmissor e ser a pri-
meira TV em cores do País. Estávamos em 1966, quando Alberto saiu.
Ele se desiludiu por causa dos problemas internos com Edson Leite.
Quando Alberto Saad deixou a emissora, eu fui junto – foi ele quem
me contratou. Foi quando o grupo Folha comprou 50% da televisão.
Edson continuou. A Excelsior ia ser uma pioneira na cor. Mas incomo-
dava muita gente.

A concorrência?
Sim, os outros grupos de televisão. A diferença dos custos para se mon-
tar uma rede em cores e uma em preto e branco era na proporção de 3
por 1. Quer dizer, saía pelo triplo e seria preciso um investimento muito
322 grande. Por que a Globo foi a primeira a colocar no ar o sinal em cores?
Porque tinha por trás dela um grupo econômico, o americano Time-Life
– que nunca se provou, mas a gente sabia que existia.Vou até mais longe,
existe ainda até hoje. Na época, fomos investigados pelo SNI (Serviço
Nacional de Informações) porque houve uma denúncia de que havia
capital estrangeiro nas emissoras brasileiras. Nunca aconteceu isso na
Excelsior, na Tupi, nem na Record e nem na Bandeirantes. Eu participei
da parte jurídica de todas essas emissoras e posso garantir isso. Se alguém
afirmar o contrário, na minha opinião, está mentindo. Agora, na Globo,
sabíamos que o Time-Life deu o dinheiro. Os americanos chegaram a
mandar um representante deles para atuar dentro da emissora, que foi
Joe Wallach. Coube-lhe dirigir a parte financeira. Ficou lá durante muito
tempo. Era o homem do Time-Life.

Muito tempo depois, a Globo alegou que durou pouco tempo o acordo.
Ou o próprio Time-Life realmente continuou por trás?
O próprio Time-Life continuou no negócio. Apenas foi o seguinte: tudo
se faz no Brasil por meio de laranja, não é verdade? Então, o grupo

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americano tirou seu nome e colocou no lugar o de outras pessoas. Todo
mundo sabia disso. O difícil era provar. Mas esse capital americano
existe lá até hoje não tenha a menor dúvida.

O governo militar foi condescendente com essa operação, não foi?


Não. O governo militar de forma alguma se meteu naquela confusão.
Até tentou apurar. Mas não deu para provar.

O presidente Castelo Branco chegou a abafar a CPI para proteger Ro-


berto Marinho, que depois retribuiu muito bem...
Eu mesmo fui intimado a depor no SNI. Falei mais de quatro horas para
provar que não havia dinheiro estrangeiro na Excelsior. Levei a docu-
mentação toda. A mesma coisa fizeram a Tupi, Record e Bandeirantes.
Isso aconteceu depois do golpe, claro. A primeira investigação feita
pelo governo Castelo foi contra as emissoras de TV, rádios e jornais. As
TVs foram muito pressionadas por causa das denúncias relacionadas ao
escândalo Time-Life. Em relação à principal envolvida na época, a Globo,
não conseguiram provar. Mas nós do setor sabíamos por que, apesar de 323

toda a fortuna do senhor Roberto Marinho, ele não tinha condições de


montar uma emissora como a que ele fez com recursos próprios.

Durante todos os anos 1970 o Time-Life interferiu muito na Globo?


Como já disse antes, sim. Quer uma opinião minha? Até hoje essa
presença permanece. A questão não é quem está por trás. Seus inte-
resses estão em nome de terceiros. Na época, o negócio chegou a ser
acintoso. O volume que entrava de dinheiro na Globo era um negócio
fantástico. A emissora entrou para derrubar a concorrência mesmo.
Para atropelar. E fez isso com dinheiro americano.

De que forma isso se evidenciava?


Ah, por uma série de coisas. Pela chegada de equipamentos e de
pessoas, de americanos que vinham para cá. O próprio Wallach nada
mais era do que um representante da emissora. Ele dirigia a parte
financeira inteirinha da emissora. Está vivo até hoje, virou artista de
cinema. Hoje é da Time-Warner.

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Diz-se que a Globo se beneficiou do regime militar e vice-versa. O se-
nhor acha isso também?
É lógico. Você deduz dessa forma, mas encontrar algo assim de prova
muito evidente nesse sentido é muito difícil de se conseguir.

O senhor trabalhou na Excelsior de 1959 a 1966. Depois, foi para qual


emissora?
Desde o tempo da Excelsior, eu sempre mantive meu escritório de
advocacia. Eu trabalhava lá porque dava assistência jurídica à emisso-
ra. Mas havia pessoas que trabalhavam comigo no escritório e outros
clientes. Da Excelsior eu fui para a Record, num período em que a
situação financeira da TV estava muito difícil. Eu fui lá para tentar dar
uma ajuda, digamos assim. Mas isso aconteceu muito tempo depois
da Excelsior, por volta de 1972. Fiquei durante oito meses para fazer
uma adequação, inclusive havia uma grande disputa porque metade da
empresa pertencia a Silvio Santos e outra metade à família Machado
de Carvalho. Um dia, Paulinho (de Carvalho) me perguntou se eu que-
324 ria ir para lá. Aceitei e demos uma acertada nas contas. Praticamente
a emissora se equilibrou. Pelo menos um pouco. E saiu do vermelho,
voltou a respirar.

Seu escritório prestou assessoria a algum outro canal nos anos 60?
Não, só à Excelsior. Porque dá uma mão de obra muito grande. É como
aqui no escritório hoje. Temos uma parte que presta assistência a em-
presas em situação financeira não muito boa que a gente toca na frente
jurídica e procura colocar as coisas no lugar. O que fizemos na Record
foi dar uma mão. A situação era muito feia, estava próxima de quebrar.
Conseguimos fazer com que Silvio voltasse a participar da empresa. Eles
acabaram por vendê-la para os evangélicos. Silvio tinha de vender porque
tinha metade da Record e do SBT. Ele deu uma ajuda muito grande à
Record. Hoje, a Record está muito bem.
O que o senhor sabe sobre a invasão da Excelsior do Rio pelas tropas
militares no dia do golpe de 1964?
Eu não participei diretamente dessa história. Se bem que no Rio na-
quela época se fazia qualquer coisa porque o tumulto lá era uma coisa

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horrorosa. O que não acontecia em São Paulo. O Rio estava totalmente
desgovernado. Pela própria atuação de Jango, aquele pessoal mais miúdo
do Exército e da Marinha – tenentes, cabos e sargentos – andou fazendo
umas barbaridades por lá. Lacerda sempre foi um sujeito que fazia o que
bem entendia, forjou algumas coisas que aconteceram e que não foram
verdade, como aquele tiro no pé no atentado da Rua Toneleros, em 1954.
Aquilo foi tudo inventado. Era muito fácil – como ainda é hoje – invadir
uma emissora de televisão, tomar o microfone e falar. Não tem segredo.
Se o programa é ao vivo, você entra, toma o microfone e começa a falar.
É muito fácil. Não dá para ter controle. Naquela época, muito menos.
Tentaram fazer isso aqui em São Paulo antes do golpe. Assim que os
militares assumiram o poder, tudo se normalizou.

E como foi a tentativa de tomar os microfones da Excelsior em São


Paulo para falar em nome dos golpistas?
Eu apenas ouvi essa história. Mas foi coisa de 15 a 20 minutos e tudo
foi controlado.
325

O que mudou na Excelsior depois do golpe? Houve alguma interferência


ou ingerência na emissora?
Veja bem. O golpe de 1964 foi uma coisa benéfica para o Brasil. Havia
um tumulto geral no país. O golpe foi absolutamente necessário. Ou
se fazia aquilo ou o país caía de vez na baderna. Não havia outra es-
colha. E a baderna era feita pela esquerda. E era uma coisa assim... É
que nossa memória é uma coisa muito curta.

Houve uma adesão total da imprensa...


...Do povo. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade que houve
foi necessária.
Mas os fatos mostram que a ditadura fez muito mal ao País. Como o
Ato Institucional número 5...
Não, eu particularmente não esperava que a coisa tomasse esse rumo.

O senhor estava entre os que apoiaram o golpe e se decepcionaram


depois com a repressão?

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Veja bem. Eu sou um elemento de direita. Eu fui a favor do golpe de
1964 e fui a favor da continuidade do golpe de 1964, com o governo
Castelo. Não concordei com o Ato Institucional número 5 (AI-5), achei
que não havia necessidade. Poderia ter continuado da mesma forma
como o general Castelo prenunciou. O AI-5, na minha opinião, foi uma
deturpação do golpe de 1964. Não precisava chegar àquele ponto. Os
militares poderiam muito bem ter convocado eleições diretas depois
de Castelo e ter posto no poder quem eles quisessem. Qualquer pes-
soa que apoiassem seria eleita porque eles moralizaram o país. É que
todo mundo se esquece das barbaridades que foram cometidas pela
esquerda aqui em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outros estados.
Matou-se muita gente antes de 1964. O que se fez depois da saída de
Jânio e a derrubada de Jango foi uma barbaridade.

O senhor poderia citar algum exemplo disso?


Atentados terroristas. Nós víamos o que acontecia. Eu, naquela época,
326 era estudante, fazia pós-graduação na faculdade. Quantas bombas
vimos explodir em bares, restaurantes, cinemas e teatros? Muita gente
morreu nas mãos dos esquerdistas que hoje estão aí fazendo discursos.
Eles mataram muitas pessoas. Acontece que só lembramos depois do
que aconteceu com o Exército. A baderna era total. Só quem viveu
aquela época pode se lembrar. Acabaram com o País. Quando veio
a revolução, foi a coisa mais benéfica que poderia ter acontecido,
colocou-se o País nos eixos. Fala-se muito no general (e presidente
Emilio Garrastazu) Médici, não é? Pois ele foi o melhor presidente que
o Brasil já teve.
Muita gente esquece que durante cinco anos de sua ditadura nós não
tivemos ditadura. Você sabia disso? Nunca te contaram isso, não é?

Foi o período do milagre brasileiro, que depois se revelou um estado


artificial das coisas, além de muita tortura...
Agora, foi um governo duro? Foi. Tinha de ser um governo duro? Tinha.
Demorou-se muito para acabar com o que se começou antes do golpe
por parte da esquerda.

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Bom, de volta à Excelsior, quando a emissora começou a morrer?
No dia em que o grupo Folha – do jornal Folha de S. Paulo – comprou a
Excelsior, em 1965. Quem tem um jornal e pretende ter uma emissora
de televisão é bom que arranje rapidinho alguém para cuidar da TV.
Porque quem cuida de jornal não pode tomar conta de televisão. São
dois flancos completamente distintos. O grupo Folha resolveu comprar a
parte da Excelsior que pertencia a Alberto Saad e passou a querer dirigir
a empresa como se faz com um jornal. Aí, deu problema. Rádio e TV
são coisas muito peculiares. Dirige-se muito mais pelo lado sentimental
do que pelo lado frio das contas. E tentaram comandar a Excelsior por
meio de uma ditadura empresarial. E acabaram com a televisão.

O senhor não estava mais lá, havia saído com Saad?


Eu deveria sair com ele, mas fiquei alguns meses a mais para fazer a
transferência da parte jurídica para a Folha. Saí porque não me batia
muito bem com Otavio Frias de Oliveira. Não o filho, mas o pai.

Quais os erros fatais para a sobrevivência da Excelsior cometidos pelo 327

grupo Folha?
Foi um só: o fato de seu Frias querer dirigir a Excelsior.

Quando o senhor percebeu que não daria certo?


Eu mesmo lhe disse que não daria certo o que pretendia fazer. Como
não adiantou, fui para meu escritório, bati uma carta de demissão e
fui embora. Aí, o Carlos Caldeira Filho, que era outro sócio de Frias,
chamou-me e pediu que eu ficasse mais seis meses, tempo que achava
necessário para arrumar a parte jurídica da empresa depois da compra.
Fiquei mais seis meses por causa dele. E Frias resolveu dirigir a emissora
no mesmo sistema que comandava o jornal. Resultado: arrumou en-
crenca em tudo quanto era lado e a TV começou a cair na audiência.
Do primeiro, foi para o segundo. Depois, terceiro; por último, acabou
em quarto e último lugar.

Só para se ter uma ideia, explique melhor esse sistema de gerencia-


mento que ele tentou implantar na Excelsior...

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Eu diria que era algo tipo “empresarial frio”, entende? Sabe aquilo que
falei do segundo na TV como mercadoria, que era preciso vender? Com
ele não se podia mais negociar a qualquer preço, mas dentro de uma
tabela. Não se podia negociar os intervalos da programação. Estava
estipulado que das 18 às 22 horas valia seis mil reais o segundo – num
exemplo de hoje. Se viesse uma empresa de publicidade e propusesse:
“eu quero comprar um pacote, mas não pago seis mil, só 4,5 mil, mas
adquiro outros horários”. Isso não podia. Frias estabeleceu um sistema
rígido dentro de uma emissora de TV. Não funciona e nem vai funcionar
nunca. É preciso amoldar a programação, ser mais flexível. Funciona
assim. Apesar de a Globo ter uma tabela, acredito que ela também
amolda, cede um pouco. É preciso fazer concessão. Não é porque está
em primeiro lugar que vai impor regras.

Quanto tempo a Folha de S. Paulo ficou à frente da Excelsior?


Dois anos. Nesse período, Frias quebrou a Excelsior. Em vez de ele ad-
mitir que não entendia nada de televisão e dizer assim: vou contratar
328 o senhor Boni e mais uns três ou quatro para dirigirem a Excelsior,
preferiu se sentar na direção e achou que era um iluminado. Dessa
forma, quebrou a emissora.

O senhor discorda da afirmação de que a Excelsior foi uma vítima da


ditadura militar, quando teve sua licença cassada?
Discordo totalmente. Não teve nada a ver. Absolutamente. Pelo con-
trário, na época dos militares, a Excelsior teve maior liberdade possível.
Havia, durante o governo Castelo, alguma censura, mas isso era feito
contra todos os meios de comunicação. Dentro do regime de força, a
censura é natural, costuma a ser uma das primeiras medidas tomadas
quando se assume um governo dessa forma. Havia uma censura dentro
da TV principalmente na parte de jornalismo. Evidentemente, como
alguns elementos da censura eram despreparados, às vezes implicavam
com pequenas coisas, que não importavam em nada quanto à manuten-
ção do regime. Implicavam também em não deixar tocar determinadas
músicas porque cismavam com uma palavra, um verso, que não tinha
absolutamente nada a ver com subversão.

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Cabia ao senhor cuidar da relação da empresa com a censura?
Sim, eu cuidava disso. Muitas vezes tive de negociar com eles. Funcio-
nava normalmente assim: a gente mandava o programa para a censura
e ela dava o OK ou dizia o que não concordava. Quem fazia isso era
a Polícia Federal. A gente não tinha muitos problemas quanto a isso.
Diziam que não podia, a gente substituía e ia em frente. Porque não
adiantava nesse momento ficar se chocando com o poder público.

Mas, certamente, em algum momento, o senhor se irritou com o des-


preparo ou a paranoia de algum censor, não?
Sem dúvida, porque eles cismavam com coisas que visivelmente não
conheciam, não dominavam e que, de forma alguma, podiam preju-
dicar o que na época se chamou de Revolução de 1964. implicavam
com bobagens. Às vezes, um verso de uma música era interpretado
como subversivo. Mas não tinha nada disso. E mesmo que fosse, não
ia causar nenhum prejuízo ao movimento. Colocar uma frase que eles
imaginavam que seria subversiva no que poderia afetar a Revolução?
Nada. A Revolução era muito forte, tinha tranquilamente o País nas 329
mãos. Porque quando quer o Exército o tem. É só querer. Não há quem
consiga derrubá-lo.

Enfim, o senhor tinha um trabalho de advogar contra a censura...


Argumentávamos e algumas vezes eles aceitavam. Não eram tão rígidos
assim. Ocorreram vários casos em que eles aceitaram nossos argumen-
tos. Houve fatos interessantes que não tinham nada a ver com censura.
Eram muito mais por causa do temperamento dos artistas. Uma vez, a
apresentadora brigou com o namorado e se recusou a entrar no ar. Para
resolver o impasse, mandamos buscar o namorado para fazerem as pazes.
Ou acontecia de termos de ameaçar de demissão para resolvermos algum
problema desse tipo. Coisas da vida de uma televisão, da vida dos artistas.
Dionísio de Azevedo, um dos grandes produtores de novela deste país,
por exemplo, era um elucubrado. Você dava-lhe a direção de uma novela
e ele inventava de fazer uma cena no Piauí porque durante as férias ele
tinha visto uma cachoeira que era ideal. Sabe qual o custo de transportar
uma equipe para o Piauí? Mas fazia coisas sensacionais, verdadeiras obras
de arte. Faziam-se muitas intrigas entre Edson Leite e ele.

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Nos tempos da crise vocês enfrentaram paralisação na Excelsior?
Sim, por falta de pagamento de salários. Mas isso aconteceu na fase
crítica, quando Alberto Saad e eu tínhamos saído. Os funcionários
pararam depois de seis meses sem receber. Na ocasião, a Excelsior não
tinha mais a liderança da audiência. Chegou um momento em que
Frias viu que não poderia mais levar a emissora adiante. Então, ele
resolveu vendê-la. Mas não se arranjou comprador. Quem iria comprar
uma empresa que estava em quarto lugar eu audiência? E bolou uma
forma de se livrar da Excelsior.

O que ele fez?


Devolveu a televisão para Wallinho Simonsen, com papel passado e
tudo. Ele simplesmente devolveu a estação. E Wallinho, que nunca
trabalhou na vida, sem saber o que fazer, não ia ter condição de di-
rigir a emissora. E esta praticamente acabou na mão do sindicato dos
empregados. Quem sentou lá para tentar dirigir e salvá-la foi Ferreira
Neto. Carlos Zara, que também era do sindicato, tentou encontrar uma
330 saída. Mas não conseguiram. O dinheiro tinha acabado. E sem dinheiro
não se faz nada.

Aí veio a cassação da licença?


Não, antes de ser cassada, a Excelsior quebrou. Saiu do ar antes de ser
cassada. Depois, o governo colocou em concorrência pública a licença
de seus canais e deu para a Manchete, de Adolfo Bloch.

Não foi mesmo uma cassação por motivação política?


Não, não foi retaliação política.
Que processo é esse da Excelsior de dezoito volumes que o senhor tem
aqui no escritório?
É da falência da emissora. Os credores se habilitaram a receber o que
tinham direito e por uma dessas coincidências da vida, uma colega mi-
nha de escritório, Maria Elvira Calazans, acabou sendo nomeada sindica
da massa falida. Ela teve um trabalho danado, mas conseguimos levar
o processo da falência até o fim. Pagamos a quem podíamos pagar.
Conseguimos vender parte do equipamento. Nesse sentido, acabou
bem, sem maiores problemas.

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O que poderíamos encontrar de interesse nesse calhamaço de papel?
A história da Excelsior?
Não, a história você não vai encontrar. O importante aí são os docu-
mentos sobre a briga na época muito grande que ocorreu durante o
processo de falência entre minha colega e a Folha de S. Paulo sobre
quem foram os causadores da quebradeira da Excelsior. Nós pedimos o
depoimento de todo mundo para provar a participação da Folha de S.
Paulo na história. Porque é uma medida judicial que precisa ser feita.
De acordo com o artigo 34 da lei de falência, o juiz quer saber quais
os motivos que levaram à falência da empresa.

O senhor participou do processo na fase inicial?


Não, porque eu não podia participar do processo, pois tinha sido advo-
gado da Excelsior. Ainda que ele tenha começado quatro anos depois.

O senhor deu alguma consultoria ao processo?


Não é que dei consultoria. Mas algumas dúvidas apareceram e eu contri-
buí com várias explicações. Na parte documental, deu problema muito 331

grande com a Folha de S. Paulo. Como disse, o juiz queria saber quem
estava na direção quando a emissora quebrou. Nós achávamos que era
a Folha de S. Paulo porque não sabíamos desse documento pelo qual
Frias havia transferido o comando da Excelsior para Wallinho Simon-
sen. Isso apareceu depois. A briga saía todo dia no jornal e o pessoal
do Estado de S. Paulo se colocou à nossa disposição porque a Folha de
S. Paulo atacava e o Estado de S. Paulo, do lado de cá, mandava dizer
que qualquer retaguarda que precisássemos para responder podería-
mos contar com eles. E realmente contamos com uma boa cobertura.
A Folha de S. Paulo informava uma coisa e o Estado de S. Paulo, outra.

Qual era a argumentação da Folha de S. Paulo?


Dizia que não tinha mais nada a ver com a Excelsior. Aliás, que nunca teve
nada a ver com a emissora. Mas é só ir aos autos do processo que está lá
toda a documentação provando tudinho, com a transferência da parte
de Saad para o grupo. Portanto, se for analisar, profundamente, quem
realmente quebrou a Excelsior foi o grupo Folha de S. Paulo. Se tivesse

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continuado sem a intervenção de Otávio Frias de Oliveira, a emissora teria
continuado tropegando mas poderia ter se recuperado. Só que com a Fo-
lha, o passivo aumentou muito. Praticamente foi dobrado em dois anos,
com a compra de filmes e contratação de artistas. Foram duas medidas sem
retorno porque a audiência não melhorou. E sem audiência não se tem
receita publicitária. Dobraram o passivo com compras inúteis. Acharam
que iriam estourar no mercado. Pelo contrário, nesse período a Excelsior
foi muito mal dirigida. E quando isso acontece, a tendência é quebrar.

Quanto tempo durou essa briga na Justiça?


Uns três anos. Isso foi um negócio muito interessante porque não se
pôde aprofundar a um ponto de culpar alguém pela quebra da Excel-
sior. Você pega qualquer empresa de televisão. Por que a Manchete
quebrou? Quem foi dirigir a emissora? O sobrinho de Adolfo Bloch,
Jaquito, que não entende absolutamente nada de televisão. A primeira
coisa que tem de fazer quando se compra uma emissora é colocar no
comando quem entende do assunto. Senão, vai quebrar. Não tenha
332 dúvida disso. É um negócio muito peculiar. É como colocar na direção
da Gazeta Mercantil um sujeito que tem uma quitanda. Quando entrar
lá, ele vai se perder por que se trata de uma publicação muito especí-
fica, dirigida a empresários e a homens de negócios. Acredito que se
você colocar lá o Boni, que mais entende de TV no Brasil, ele quebrará
a Gazeta Mercantil em dois meses.
Essa disputa judicial da Excelsior ainda persiste?
Até hoje temos gente que vem ao escritório – funcionários e artistas
– para buscar informações e documentos com o propósito de se apo-
sentar. Na qualidade de síndico da falência, até hoje damos declarações
para essas pessoas. A função do síndico é essa: enquanto as pessoas
precisarem de assistência teremos de dar.

A justiça reconheceu que a responsabilidade foi do grupo Folha?


Não, não reconheceu. Isso seria responsabilidade da promotoria para
se chegar lá. Mas concluiu-se que não havia elementos que comprovas-
sem a culpa da Folha. Se a empresa não teve uma culpa direta, pecou
por omissão. Se tivesse dirigido bem, não teria quebrado a Excelsior. E

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encerrou-se o inquérito e nada se comprovou. A parte boa da falência
foi que não houve grandes prejudicados. Todos praticamente conse-
guiram receber alguma coisa. Foi uma falência na qual sobrou alguma
coisa para se pagar. E se pagou o que foi possível. A grande prejudi-
cada, a meu modo de ver, foi a Marconi que não conseguiu receber
o que tinha direito por causa de um problema comercial. A empresa
deveria ter exportado o equipamento direitinho, mas o entregou lá
fora e a Excelsior trouxe por avião. Na hora de executar os créditos,
a Marconi ficou sem meios para fazê-lo. Se bem que ela não perdeu
porque tudo estava no seguro. Quando viu que o que sobrou foi pagar
aos funcionários, a seguradora desistiu da ação e perdeu mais de um
milhão e cem mil de libras esterlinas.

Seu período em emissoras de TV durou de 1959 a mais ou menos 1972?


Sim, mas eu nunca deixei de acompanhar o negócio da televisão. Aquilo
acaba entrando no seu sangue. O documento das aquisições das ações
da Excelsior, fui eu quem fez. Os primeiros contratos de compras de
equipamentos e de artistas passaram por meu escritório. Fui contrata- 333

do por Alberto Saad. Ele chegou, explicou as minhas funções e disse:


a partir de agora, todos os problemas jurídicos da emissora passam a
ser seus. Eu não quero nem ouvir falar nisso. Só tem uma condição: se
um dia eu souber que você se envolveu com alguma artista, você nem
precisa comparecer no dia seguinte.
E o senhor se envolveu?
Não, não.

Jura?
(Risos) Juro.

Como a Excelsior é lembrada hoje?


Muita gente sabe hoje e reconhece seu pioneirismo. A Globo é uma
cópia aperfeiçoada do que criamos. Manda no mercado como a Excel-
sior fazia em sua época. Ela ditava normas da programação. Teve até
um fato muito curioso que mostrou bem a ousadia da emissora. Num
determinado dia, a Record saiu do ar porque a Excelsior havia contra-

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tado todas duas equipes técnica e artística da Record e a emissora não
tinha como ir ao ar. Isso foi por volta de 1961.

É sério mesmo? Não há certo exagero nessa afirmação?


É sério. Todo mundo conhece esse fato. Não havia como a Record ir
ao ar. Doutor Paulo Machado nunca se esqueceu disso. Eu participei
dessa operação. Tiramos a equipe inteira em pouquíssimo tempo. Eu
cuidava da parte jurídica, dos contratos trabalhistas. E depois a Record
se precaveu para que isso não mais acontecesse. Foram criadas deter-
minadas regras de ética entre as emissoras que, quando um artista
saísse de uma emissora, ele teria de ficar determinado tempo fora do
ar. E isso prevalece até hoje, embora nem sempre seja respeitado. A
não ser que se faça um acordo e a empresa libere, sob pena de multas
pesadas. A Excelsior chegou a ter repercussão internacional, era tida
como uma emissora de primeira linha. Muito do que a Televisa do
México aprendeu foi conosco. O dono do canal vinha sempre ao Brasil.
Como o senhor se recorda da Excelsior? Com nostalgia?
334 Ah, foi um período sensacional. Foi o melhor momento da televisão
brasileira. Maior até que hoje porque foi quando surgiram os grandes
artistas que até hoje estão aí: Roberto Carlos, Jô Soares etc. Os anos
de 1960 foram os mais brilhantes da cultura brasileira. Assim que se
instalou a Revolução de 1964, tudo isso acabou, desapareceu a parte
cultural brasileira que não voltou até hoje. No momento, começam
surgir alguns expoentes na parte literária e musical. Mas tivemos um
período de buraco negro por causa da revolução.

Bom, embora o senhor tenha defendido os governos militares, pelo


menos na parte cultural, os 21 anos do regime militar foram ruins para
o país, não?
Sim, foram ruins. Interrompeu-se um processo cultural muito rico
que estava surgindo. Os grandes pensadores, os grandes músicos, os
grandes autores nacionais, uma boa parte desse pessoal saiu do Brasil
por causa da ditadura. Essa que é a verdade. As pessoas vão surgindo
numa espécie de sucessão, vão sucedendo umas às outras. Quando
você chega num precipício como aconteceu na época, até começar

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tudo novamente, há um espaço muito grande. Todo esse pessoal que
teve de sair do país com a revolução – e saíram muitos, em diversas
áreas como cultural ou de ciências – foi trabalhar em outros países
e ficou muitos anos lá fora. E não surgiu nada de novo. Não houve
quem o sucedesse. Acho que esse tempo está começando a ressurgir
agora. Tem um espaço de obscuridade muito grande entre os anos de
1970 e de 1990 que só começa a ser preenchido agora. O estranho foi
que esses artistas que deixaram o país e tiveram seu processo criativo
interrompido, quando voltaram, pouco produziram.

Por que aconteceu isso?


Não sei. Mas basta observamos e notaremos que algo foi interrompido.
Até aonde eles poderiam chegar naquela efervescência criativa?

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O Saque ao Aeroporto de Barreiras

Por Gonçalo Junior

A história da Panair do Brasil tem um elo perdido nos confins do cerrado


baiano. Mais precisamente em Barreiras, a cerca de 800 quilômetros
de Salvador e próxima à divisa com Goiás. Distante da posição onde já
esteve um dia, de maior polo agroindustrial em desenvolvimento que
se transformou na década de 1990, o município com alguns milhares
de moradores não entendeu direito quando, em 1940, começou a
chegar um “pessoal estranho” que falava uma língua que ninguém
entendia e se comportava com hábitos desconhecidos. Eram militares
americanos que desembarcavam para construir um aeroporto de porte
internacional que serviria de ponto de apoio para prováveis incursões
bélicas no norte da África naqueles tempos em que o mundo estava
implicado numa grande guerra.

337
Os nativos logo perceberam duas curiosidades nos visitantes: ao invés
de copos de vidro, eles preferiam tomar água em vasilhames plásticos
descartáveis, que eram amassados e destruídos depois do uso. O mais
esquisito, porém, era o hábito de muitos que ficavam mascando durante
horas sem nada engolir, exatamente como “ruminavam” os bois e as
vacas no pasto. Em suas bocas se podia ver uma pequena massa seme-
lhante a uma borracha que exalava um sabor adocicado. Tratava-se da
goma de mascar que depois seria popularizada como “chiclete” – numa
referência à marca da Adams – uma novidade que os moradores de
Barreiras tiveram o privilégio de ser os primeiros a descobrir.

Embora tivesse sido fundada no começo do século anterior, Barreiras


tinha, então, apenas pouco mais de dois mil habitantes no final da dé-
cada de 1930. Localizado no chamado Polígono das Secas, o município
está a 435 m de altitude, numa região de relevo montanhoso, com
extensas serras de 700 m de altitude, em média. A cidade começou a
se desenvolver às margens do Rio Grande, no ponto de confluência
com o Rio das Ondas.

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Mas foi graças à sua localização no mapa do Brasil que as forças arma-
das americanas se interessaram pela região e na construção de uma
base militar.

A história, porém, remonta a três anos antes, quando a guerra não tinha
começado e as empresas americanas Pan-American Arways System e
Panair do Brasil decidiram construir um ponto de abastecimento e de
pernoite para suas linhas comerciais. Na verdade, as duas companhias
eram uma só. Fundada em 1929 como subsidiária da norte-americana
New York-Rio & Buenos Aires Line Inc, a Panair foi comprada em outu-
bro do ano seguinte pela Pan American, mas continuou a operar com
o acréscimo “do Brasil” em seu nome.

O interesse da companhia em montar um ponto de apoio surgiu da


necessidade de expandir seus serviços para capitais do Nordeste e para
os Estados Unidos. Com um sistema de orientação de navegação, Bar-
reiras seria o epicentro da rota Rio-Belém. Como os aviões DC usados
338
pelas companhias eram menores e não tinham autonomia de voo,
precisavam parar depois de determinada distância para abastecer.
A Pan American, nesse momento, fazia o voo diário internacional
Miami-Rio de Janeiro-Buenos Aires. As escalas eram feitas em Montes
Claros (MG) e Carolina (MA), além de Barreiras, que ficava no meio do
caminho. Alguns anos depois, todas as linhas interioranas do País que
ligavam Norte, Nordeste e Sudeste obrigatoriamente passariam por lá.

Arquivos

A historiadora e pedagoga Ignês Pita, autora de vários livros sobre


a história de Barreiras, guarda em seus arquivos um tesouro sobre a
experiência da Panair na cidade que lhe foi doado pela família de Sa-
brino Dourado, três vezes prefeito local e um entusiasta que ajudou
na construção do aeroporto. Ela também recolheu depoimentos por
escrito de ex-funcionários, recortes de jornais que contam a chegada

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de uma comitiva das duas empresas para pedir ao prefeito Abílio Wol-
ney um terreno com o propósito de construir a pista. O acervo inclui
até a coleção das revistas publicadas pela Panair nas décadas de 1940
e 1950. A historiadora guardou folhinhas e calendários distribuídos
pela companhia e uma série de fotografias do começo das obras e de
funcionários em operação com os radiotransmissores.

Os registros revelam que existiram não um, mas dois aeroportos em


Barreiras. O primeiro foi construído em menos de um ano e inaugu-
rado em 1938. A pista tinha capacidade apenas para voos domésticos.
José Matos Areias, que participou da construção do aeroporto, não
se esqueceu dos nomes dos primeiros desbravadores encarregados da
obra. Segundo ele, o grupo foi chefiado pelo engenheiro russo Geor-
ge Ruchim. Participaram também da obra, entre outros, o mecânico
Anderson, o radiotelegrafista Geraldo Gomes e o mestre de campo
Henrique Arduino.

O local escolhido por eles foi à direita de um córrego que margeava a 339

cidade – e onde seria erguido depois o hospital municipal Eurico Gaspar


Dutra. Os primeiros aviões que desceram na pista de terra batida eram
da marca Beechcraft, que trouxeram diretores da Pan-American para
fazerem a vistoria da região. Os executivos, no entanto, não aprovaram
a escolha e decidiram que a pista definitiva ficaria na Serra do Mimo.
Mudaram de ideia quando um deles sofreu um acidente grave na re-
gião. E a primeira pista foi mantida e finalizada.

Guerra

Com o início da Segunda Guerra Mundial em 1939, o aeroporto


despertou o interesse dos americanos por causa de sua localização
estratégica, numa eventual entrada do país no conflito. A escolha
contou, claro, com a imprescindível assessoria da Pan-American, que
dominava o transporte aéreo no país – tinha, então escritórios e aten-

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dia as 66 cidades em todo o País. Nos primeiros meses de 1940, auto-
rizado pelo governo brasileiro, chegou à cidade um avião cargueiro
com militares e técnicos americanos com a finalidade de avaliarem a
possibilidade de transformar a pista de pouso numa base militar da
força aérea americana.

O Pentágono argumentou que usaria Barreiras como suporte para voos


militares que vinham de Miami e supostamente para guarnecer a re-
gião. Dali, reabastecidos, os aviões seguiriam para Natal e, em seguida,
para Dacar, na África. A ideia de construir uma base no centro-oeste
brasileiro – então razoavelmente desabitado e desguarnecido – surgiu
de uma série de acordos oficializados entre os governos americano e
brasileiro em maio de 1941 e ampliados em março do ano seguinte. Os
contratos estabeleceram a aquisição exclusiva, pelos Estados Unidos, de
algumas matérias-primas estratégicas – bauxita, berilo, cromita, ferro-
-níquel, diamantes industriais, manganês, borracha etc. “O objetivo
era principalmente preventivo, isto é, impedir que fossem vendidos a
340 potências hostis”, recordou Roberto Campos em sua autobiografia A
Lanterna na Popa.

No livro, aliás, Campos citou a longa viagem que fez com sua mulher
em dezembro de 1941 para Washington num DC3 com quatro para-
das de pernoite – uma delas em Barreiras. Então funcionário do Ita-
maraty, o economista contou que a grande barganha do presidente
Getúlio Vargas com o governo americano se centrava principalmente
em dois pontos: a implantação da siderúrgica de Volta Redonda e
o reequipamento das forças armadas brasileiras. No segundo caso,
o propósito foi alcançado com a participação do Brasil no “Lend
Lease”, em acordo assinado em 3 de março de 1942, até um valor
de US$ 200 milhões, do qual o País pagaria apenas 35% do total
num prazo de cinco anos. Muito provavelmente, a base militar de
Barreiras continuaria a ser importante para a cobertura militar no
centro oeste quando o local fosse desocupado pelos americanos.
Não deixa de ser curioso que, apesar de Vargas só ter declarado guerra
aos países do Eixo em 31 de agosto de 1942, a implantação da base

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americana tenha sido iniciada dois anos antes. Isso se explica porque
no decorrer de 1940 eram intensas as negociações entre os dois gover-
nos. Tanto que, em agosto, foi assinado o acordo financeiro no qual os
americanos asseguravam um crédito de US$ 20 milhões do Eximbank
para a instalação da siderúrgica em Volta Redonda.

Mudança

Os engenheiros americanos também não gostaram da localização da


pista dos voos comerciais da Pan-American e sugeriram que um novo
aeroporto fosse construído a 16 km do centro de Barreiras, no alto
do Planalto da Serra da Bandeira. Alegaram que ali os pousos seriam
mais fáceis e a transmissão de sinais de rádio, melhores. Em junho de
1940, teve início a construção, a mil metros de atitude em relação ao
nível do mar. Mais de mil homens trabalharam em sua construção, sem
máquinas, apenas com a força física. Boa parte do material necessário 341

foi transportada no lombo de burros.

Não foi fácil para os americanos localizar uma fonte de água que pu-
desse abastecer a base. Encontraram um pequeno riacho. Sem alter-
nativa, fizeram uma pequena represa e instalaram uma bomba para
levar água até o alto. Também construíram uma escada de pedra com
nada menos que 400 degraus. Ao lado da pista foi erguida uma vila
com casas conjugadas e quatro unidades cada, que serviram de mora-
dia para os militares americanos – entre oficiais e soldados – depois, o
local abrigaria famílias de funcionários da Panair.

Foram projetadas oito pistas em forma de rosa dos ventos ou de


guarda-chuva, como preferiam chamar os brasileiros, de modo que até
oito aviões pudessem pousar ao mesmo tempo e sem necessidade de
manobras. A pista principal tinha uma extensão de 2.400 metros e foi
equipada com balizamento apropriado para pousos noturnos. O próprio
equipamento de rádio fora montado com esse propósito. A unidade

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militar de Barreiras foi pensada para ser algo grandioso, de acordo com
as necessidades da guerra. Quando foi inaugurado em outubro de 1941,
o aeroporto dispunha de pista de taxiamento, plataforma de embarque
e desembarque, almoxarifado, garagem, casa de força, escritório com
serviço de meteorologia e “quipar”. Os americanos usavam em seus
voos aviões B-17 e B-25, ambos de quatro motores.

Mesmo com a ocupação e o controle dos americanos, os aviões co-


merciais da Panair e da Pan American continuaram a se abastecer no
aeroporto e a permitir pernoite dos passageiros, como se nota nos
calendários distribuídos na cidade pela Panair em 1941 e 1942. Na ver-
dade, a companhia foi contratada pelo Airport Development Program
– ADP, com a missão de cuidar da infraestrutura portuária brasileira
utilizada pelos aliados, como mostra Theofilo de Abreu Jr. no livro Nas
Asas da Panair. Cabia à empresa ainda abastecer os aviões em trân-
sito no território brasileiro com destino à Europa e à África, serviços
de radiocomunicação e o envio de borracha para os Estados Unidos.
342 Durante a guerra, diariamente, a Panair mandou para os americanos
dois C-47 carregados de cristais de rocha.

Um editorial da Panair em Revista número 3, de março de 1944, mos-


tra que, por causa da guerra, a Pan-American e a Panair, claro, se de-
senvolveram de forma surpreendente no Brasil nos dois últimos anos
como parte do esforço americano para manter o país como aliado. E
não deixa dúvidas que recursos foram investidos e seu papel se tornou
fundamental para interligar a América Latina com a Europa e a Ásia.
“O esforço dinâmico para acelerar a vitória se opera também, de modo
notável, no campo de batalha da retaguarda. E é nesse dinamismo
realizado em silêncio que as nossas comunicações aéreas estão tomando
um impulso verdadeiramente notável.”

O editorial chamou a atenção para os primeiros aviões cargueiros que


a empresa acabara de adquirir e para a criação da primeira linha re-
gular noturna. “Apesar de serem tão novas essas iniciativas, de poucos
meses apenas, já são consideradas coisas do passado porque a guerra

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exige novos esforços, e a Panair, sobrepujando dificuldades, procura
realizá-los do melhor e mais eficiente modo possível”.

Mais adiante, a companhia não deixa dúvidas sobre a importância de


seu papel diante do esforço americano no País. “Seus aviões alçam
voos levando, além de seus habituais passageiros, missões militares,
diplomáticas, embaixadas comerciais, e carregando peças, medicamen-
tos, correspondências, mantimentos e mil e uma utilidades. Quando se
torna necessário, viagens especiais são realizadas em várias direções,
tudo com a mesma segurança e presteza de seus serviços normais”.

Mistérios

Embora a Panair gerenciasse o aeroporto no período da presença ame-


ricana na cidade, desenvolveu-se ao redor da bem vigiada base militar
um mundo de mistério no qual os moradores de Barreiras estavam 343
terminantemente proibidos de se aproximar. Durante a construção,
por exemplo, o presidente Getúlio Vargas desceu no local para fazer
uma inspeção, a pedido do presidente americano Franklin Roosevelt,
mas frustrou os moradores porque, inexplicavelmente, não visitou a
cidade. Depois de uma breve vistoria, seu avião decolou.

Tantos segredos não impediram que circulassem entre os moradores


boatos dos mais curiosos. Especulou-se que a base militar americana
na Bahia teria sido escolhida pelo governo do país aliado para aco-
lher filhos de ricas famílias que, em idade militar, foram obrigados a
se apresentar para lutar na guerra. Enquanto muitos pensavam que
estavam no front na Europa e na África, eles teriam sido protegidos na
base baiana. Os mais antigos contam que um dos filhos do magnata
David Rockefeller teria servido no local.
No esforço de guerra, a vila militar teria servido também de abrigo
para filhos homossexuais de oficiais americanos, preocupados que isso
fosse usado contra eles como difamação.

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Em quase três décadas de atividades, o aeroporto seria cenário de
três graves acidentes aéreos. No tempestuoso 31 de março de 1945,
após sobrevoar a cidade e se preparar para um pouso cego, o avião
da FAB C-47-20/25 se chocou contra um morro. O acidente matou
todos os 25 ocupantes. Quinze dias depois, num sábado de aleluia,
outro avião da FAB caiu a algumas centenas de metros das pistas. Não
houve vítimas entre os ocupantes da aeronave, mas cinco papagaios
que viajavam de carona na cauda morreram. O terceiro acidente
aconteceu com um avião da USAF. A aeronave havia sido comprada
pela FAB e, depois de vistoriada, tentou levantar voo e caiu. Todos
os tripulantes morreram carbonizados

Os voos de linha só foram intensificados depois da guerra, quando o


local foi desmilitarizado e se tornou propriedade da companhia Panair
do Brasil. Até o final dos anos de 1940, a Pan-American começou a ad-
quirir aeronaves mais modernas, com mais combustível, que permitiam
escalas mais distantes e dispensavam paradas em Barreiras. O mesmo
344 faria a Panair na década seguinte. Mesmo assim, o local continuou de
sua propriedade e as companhias Varig, Nacional e Cruzeiro do Sul,
entre outras, mantiveram voos domésticos para o Nordeste e o uso de
suas instalações. A ameaça de esvaziamento se acentuou a partir da
inauguração de Brasília, em 1960.

Progresso

Uma nota publicada na revista da empresa em 1944 sobre o sucesso


do time de futebol de seus empregados em Barreiras – o Panair Es-
porte Clube – destacou a integração de seu aeroporto com os outros
escritórios. “Podíamos dizer que havia vida própria no aeroporto, com
escola e serviço médico dos melhores”, recordou Daniel Lopes, um dos
primeiros a trabalhar no aeroporto. Segundo ele, o chefe de operações
se chamava Edmundo. Cabia-lhe controlar o abastecimento dos aviões
e toda a estrutura local.

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Enquanto isso, o aeroporto transformava Barreiras rapidamente num
próspero centro econômico da região. Doze anos depois do início de
sua operação, a população passara de dois mil para 35 mil habitantes.
A economia, que antes se limitava à agricultura, pecuária e silvicultura,
mudara radicalmente. A cidade ganhou indústrias têxteis (Baylon &
Filhos e Mariano Gonçalves & Cia.), de charque (Empresa Agropastoril
Antonio Balbino Ltda.) e de couros (Baylon & Filhos).

A exportação de carne de charque, iniciada em 1926, ganhou novo im-


pulso e passou a atender ao Rio de Janeiro por causa dos voos de carga
que a Panair realizava todas as sextas-feiras. A principal fornecedora
era a Charqueada Santo Antonio, também do então coronel Antonio
Balbino, que se tornaria governador da Bahia na década de 1950. A
partir de 1941, o número de animais abatidos anualmente passou das
1,2 mil cabeças, bastante expressivo para a época. Parte da carne seguia
de trem ou de vapor pelas águas do São Francisco e Rio Grande para
outros estados do Nordeste.
345

Nesse período, intensificou-se também a exploração da mangaba, fruta


nativa da região exportada principalmente para Salvador. “Mandá-
vamos carne fresca e beneficiada para o Rio e Belo Horizonte e em
contrapartida recebíamos mercadorias. Por isso, nosso contato com
a capital baiana era quase nulo”, observou Aníbal Barbosa Filho, ex-
funcionário da Panair. A relação com o governo baiano continuaria
quase exclusivamente política e só seria estreitada a partir da década
de 1980, com a conclusão da BR 242.

Doze aviões pousavam diariamente quando a Aeronáutica resolveu


desativar o aeroporto. A princípio, disse que, por causa de Brasília, não
havia necessidade de manter o local em operação.
Ignês Pita recorda que, pouco depois da inauguração do museu de
Barreiras, na década de 1990, ela recebeu a visita de um soldado raso
da Aeronáutica que estava de passagem pela cidade. O aposentado
não quis se identificar, mas deu um depoimento em que revelou
que coube a ele dirigir a perua kombi que levou os oficiais encarre-

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gados de desativar o aeroporto pouco depois da decretação do fim
da Panair em 1965.

Ele teria ouvido dos colegas durante a viagem que o aeroporto preci-
sava ser destruído por uma questão de segurança nacional: pelo seu
grande porte e devido à pista que permitia o pouso de oito aviões ao
mesmo tempo e o sistema de rádio, poderia ser usado para invasão de
algum país inimigo – essencialmente do bloco comunista, como Cuba,
que comandava o movimento revolucionário na América Latina. E não
só isso. Por ficar muito perto de Brasília, representava um risco ainda
maior de algum plano para tomar a capital do país por esses invasores.

Em algumas horas, o grupo desmontou todos os equipamentos de radio-


transmissão para pouso e decolagem e os reuniu em duas caçambas. Em
seguida, levou tudo para Brasília. Todo o arquivo que contava quase
30 anos de história foi destruído – inclusive documentos relacionados
à base americana. Com a ordem da Aeronáutica para que toda a vila
346 fosse desocupada, nos anos seguintes saqueadores e vândalos da região
começaram a saquear as casas. “Durante muito tempo, os moradores
se perguntavam porque o governo mandou destruir uma coisa pronta
numa região tão pobre e levamos muito tempo para obter a resposta”,
observa Ignês.

Na década de 1980, durante o governo baiano de Waldir Pires (1987-


1989), foi construído um novo terminal aeroviário no local, só que com
uma única pista, inapropriada para pouso de aviões de grande porte.
Assim, Barreiras perdeu seu status de aeroporto internacional.

Dos tempos áureos da Panair restaram apenas duas torres de comando


e a velha escadaria de pedras feita pelos americanos – e incorporada à
paisagem local como uma relíquia histórica sem nenhuma identificação.
Com o desaparecimento dos últimos funcionários remanescentes, o
pequeno capítulo da história da Panair em Barreiras dificilmente será
contado com a precisão e a grandiosidade que merece. Principalmente
pelo seu papel durante a Segunda Guerra Mundial.

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Simonsen: Um Império Que Foi Pelos Ares

Carlos Henrique Novis/Caíque

“Pode-se pensar numa história dos desejos não consumados, dos pos-
síveis não realizados, das ideias não consumidas”.
Michael Foucault

Atenção para o Top

Oito
Figurinha fácil de uma época tumultuada da recente história do Bra-
sil, o casal de bonequinhos era a marca da TV Excelsior, estação que
revolucionou a televisão brasileira. O sorrisinho cândido do desenho
não denunciava a agitação político-institucional que o Brasil vivia no
início dos anos 1960. Rico e poderoso como os Mattarazzo, os Moreira 347

Salles, os Gastão Vidigal e os Pignatari, o empresário Mário Wallace


Simonsen, dono da TV Excelsior, era um ícone do capitalismo da épo-
ca. Desde o século passado, o dinheiro dessa ala da família Simonsen
vinha dos negócios com café, quando fundaram e comandaram a
maior exportadora de café já existente no país, a Companhia Paulista
Comercial de Café (Comal).

Sete
Quando a imagem da TV Excelsior entrou no ar, o Brasil andava agitado.
Jânio Quadros, Miguel Arraes, João Goulart, Leonel Brizola, Carlos La-
cerda e Juscelino Kubitschek esquentavam a cena política. O populismo
era posto em xeque-mate por setores que acabaram por vincular de
vez o Brasil à esfera econômica dos Estados Unidos. O berço esplêndido
da terra roxa do café passava a produzir automóveis, navios, construía
rodovias e erguia no interior uma moderna e arrojada capital. A música
ganhava um tipo diferente de bossa e no escurinho projetava-se um
país injusto, através dos filmes do cinema novo.

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Um país que saiu das urnas com a vitória estonteante de Jânio Quadros,
eleito pela coligação PDC/UDN, que levou para o recém-inaugurado
Palácio do Planalto o vice João Goulart, o Jango, da adversária coligação
PTB/PSB. Era o prenúncio de um final infeliz.

Seis
Depois do otimista e sorridente Juscelino Kubitschek, o surpreendente
Jânio decreta o fim das brigas de galo, dos desfiles de miss com maiô
de duas peças, condecora o líder cubano Che Guevara, restabelece
relações diplomáticas com as repúblicas comunistas da Bulgária e da
Hungria, nomeia um ministério militar reacionário e tudo isso em seis
meses de governo. Depois disso, a maior surpresa: alegando a ingerên-
cia de “forças ocultas”, Jânio renuncia à Presidência e deixa Brasília.
Os militares se pronunciam contra a posse do vice-presidente João
Goulart, em visita à República Popular da China. O governador Leonel
Brizola, cunhado de Jango, lidera, do Sul, a resistência civil e armada,
com o apoio do comandante das tropas do III Exército. Em São Paulo,
348 no escritório de Mário Wallace Simonsen, a Campanha da Legalidade
ganha força e apoio logístico quando o empresário decide mandar
o diretor de suas empresas no exterior, Max Reshulski, resgatar João
Goulart em Pequim, num voo especial e extraordinário da sua Panair
do Brasil. Pequim – Cingapura – Zurique – Paris – Barcelona – Paris –
Nova York – Lima – Buenos Aires – Montevidéu – Porto Alegre. A rota
foi longa, propositalmente cheia de escalas para que Tancredo Neves
tivesse tempo de negociar uma solução para o impasse nos gabinetes
do Congresso, resolvido com a votação às pressas de uma emenda
parlamentarista. Enquanto isso, Jango voltava para o Brasil nas asas
da Panair. Uma conspiração que pretendia derrubar o avião, batizada
como Operação Mosquito, fracassa.

Cinco
O golpe contra a constitucionalidade foi adiado para 1964. Durante a
radicalização, dias antes da derrubada de Jango, o deputado Herbert
Levy, banqueiro e também ligado aos negócios do café, acusava a Comal
e o seu proprietário de manterem relações ilícitas e vantajosas com o

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governo federal, numa CPI nitidamente tendenciosa. Vinte e cinco dias
depois da ditadura instalada, a Comal foi proibida de comercializar
e teve cassada pelo IBC (Instituto Brasileiro do Café) sua autorização
para exportar.

Quatro
Acusações e mandados de prisão sem base legal, ataques pelos jornais.
Mário Wallace Simonsen torna-se alvo da devassa “revolucionária”. Em
10 de fevereiro do ano seguinte, outro duro revés. Um breve despacho
do Ministério da Aeronáutica chegava ao escritório da Panair do Bra-
sil no aeroporto do Galeão, comunicando a cassação de suas linhas e
cedendo-as às concorrentes Varig e Cruzeiro do Sul. Exilado, Simonsen
achava que a ditadura acabaria em três ou quatro anos. O empresário
ainda demonstrava muita coragem e disposição para continuar lutando,
mas a morte de sua mulher, Baby, deixou-o profundamente abalado.
Poucas semanas depois da asfixia da Panair morria, na Europa, Mário
Wallace Simonsen.
349

Três
Raros são os testemunhos que não vinculam o fracasso do projeto da Ex-
celsior, a cassação da Panair e o fim da Comal ao envolvimento político
do empresário com a constitucionalidade abortada. O ex-diretor da TV
Rio, João Batista do Amaral Filho, dizia, por exemplo, que a Excelsior
nunca tinha sido uma televisão, mas uma jogada política malsucedida
e achava muito natural que tivesse sido perseguida, “já que trabalhava
para uma ditadura de esquerda e não há quem resista a uma devassa”.
O filho do empresário, Wallace Cochrane Simonsen Netto, o Wallinho,
tem certeza de que o pai “desagradou muito às forças conservadoras”
na posse de Jango. “Mas se não houvesse a TV Excelsior, a perseguição
não seria tão arrasadora.”

Dois
Por que não aderiu aos golpistas? Por que não foi cooptado pelo novo
regime, como tantos outros que acabaram mudando de lado? “Só quem
não conhecesse o doutor Mário poderia supor isso.

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Ele era um legalista, educado na Inglaterra, acreditava no poder
constitucional”, advertiu Saulo Ramos, um dos advogados do grupo
na época.

Um
O Visconde de Mauá e Delmiro Gouveia são exemplos de empreende-
dores tragados por acontecimentos históricos adversos. Também no
caso do paulista Mário Wallace Simonsen a política foi o mote para a
sua queda. E pior, pela primeira vez na República ela estava nas mãos
de uma casta de ditadores militares que permaneceria no poder por
mais de 20 anos.

No ar
O amargo fim da maior exportadora de café do país, o corte das asas
da Panair do Brasil e as interferências políticas que tiraram do ar uma
televisão revolucionária, criadora de um formato de programação com
verticalidade e horizontalidade, mais tarde aperfeiçoado e copiado pela
350 Rede Globo. De certo modo, a TV Excelsior foi a Globo dos derrotados,
cujo brilho se apagou à sombra da opção política do megaempresário
Mário Wallace Simonsen.

Vale a Pena Ver de Novo


1946 e 1964. Apesar do milhar invertido, o Brasil não teve muita sorte
entre a avançada Constituição pós-estado novo e o golpe militar que
derrubou João Goulart. Foram apenas 18 anos de experiência quando
o país sofreu transformações na economia, na política e na vida cultu-
ral. Foi um tempo em que se acreditava que o gigante adormecido da
América do Sul acordaria.

Depois de 15 anos, o retrato de Getúlio Vargas foi retirado da pare-


de da repartição, depois do expediente de 29 de outubro de 1945. O
presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, organizara
novas eleições, nas quais surgiram os primeiros grandes partidos de
abrangência nacional. A UDN (União Democrática Nacional) defendia
um programa liberal burguês.

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O sindicalismo oficial foi herdado pelo PTB (Partido Trabalhista Brasi-
leiro), fortalecido pela manipulação dos sindicatos. Para contrapor-se
ao figurino patronal do PSD (Partido Social Democrático), o PTB de
Vargas fazia restrições à propriedade privada, sem chegar a qualquer
proposta socializante.

Nas eleições, o candidato vitorioso foi o general Eurico Gaspar Dutra.


No governo, proibiu os cassinos a pedido da esposa, a carola Dona
Santinha, e pôs o Partido Comunista na ilegalidade. Com os recursos
acumulados durante a Segunda Guerra Mundial, Dutra pôs em práti-
ca um mecanismo de controle das importações e o Brasil ingressava
definitivamente num processo de industrialização. O Brasil começava
a importar indústrias, construía a rodovia Rio-Bahia, modernizava
a Rio-São Paulo, inaugurava a Companhia Siderúrgica Nacional, em
Volta Redonda, e a Hidrelétrica de Paulo Afonso, no Nordeste.

E o velho Gegê voltou, dessa vez pelo voto livre e direto, ao Palácio 351
do Catete. Mas o segundo período não seria tão tranquilo para o
presidente Getúlio Vargas. A redução de seu espaço político, devida à
Constituição de 1946, correspondia também a um endurecimento da
política mundial, consequência direta da guerra fria entre os Estados
Unidos e a União Soviética.

Getúlio colocou o estado na ponta de lança do desenvolvimento in-


dustrial. Petrobrás, BNDE e Banco do Nordeste do Brasil são alguns
frutos dessa política.

Sucessivos aumentos salariais, sendo um deles de 100%, foram vistos


como ameaça. O medo da implantação de um regime com base sindical,
como o de Perón na Argentina, apressou o Manifesto dos Coronéis.
Esse manifesto teve a assinatura de Golbery do Couto e Silva, Amaury
Kruel e Sizeno Sarmento. O presidente tentou conciliar, afastando o
ministro do Trabalho João Goulart e assinando novo acordo militar
com os Estados Unidos.

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O isolamento de Vargas começou com a hostilidade da burguesia que
se apoiava no capital estrangeiro e levou Getúlio a um ponto de es-
trangulamento. A batalha chegou aos jornais: Carlos Lacerda, atacando
da Tribuna da Imprensa, contra Samuel Wainer da Última Hora, que
defendia o presidente. O atentado da Rua Toneleros contra Lacerda,
que vitimou o major da Aeronáutica Rubens Vaz detonou a crise. O in-
quérito foi conduzido pela Força Aérea e deu início a uma dualidade de
poderes, chamada de República do Galeão. Getúlio acabou por se matar
em 24 de agosto de 1954. Como investimento político a longo prazo,
Getúlio Vargas deixou uma carta testamento, escrita por Maciel Filho,
na qual acusa frontalmente as empresas estrangeiras e os defensores
dos seus interesses no Brasil como os principais responsáveis pelo seu
gesto. Para o cientista político René Dreifuss, Vargas formulou diretrizes
políticas capazes de apoiar a industrialização nacional e de limitar os
interesses e influências das classes dominantes. Mas Dreifuss observa
que os empresários temiam a forma de desenvolvimento nacionalis-
ta liderado pelo estado e torciam pelo processo de concentração de
352 capital, que iria se desenvolver lado a lado com a internacionalização
da economia.

O suicídio de Getúlio fez com que a conspiração hibernasse por dez


anos. Enterrado Vargas, assume o vice-presidente Café Filho. A política
econômica deu um giro de 180 graus. Orientado pelo ministro da Fa-
zenda Eugênio Gudin, Café Filho assinou em 1955 a famosa “Instrução
113” que permitia que as multinacionais importassem equipamentos
por um preço 45% abaixo das taxas e isentando-as de cobertura cam-
bial necessária à importação de maquinário, um benefício que não era
desfrutado por empresas brasileiras. Filiado ao PSP, Café Filho gover-
nou apoiado pela UDN que lhe forneceu os ministros da Aeronáutica,
Eduardo Gomes, e das Relações Exteriores, Raul Fernandes. O novo
governo procurou desarticular as forças sindicais, favoreceu a iniciativa
privada e o investimento estrangeiro e, na questão externa, aliou-se,
incondicionalmente, aos norte-americanos e distanciou-se da luta an-
ticolonialista africana, a ponto de o presidente Café Filho ser recebido
em Portugal pelo ditador Antônio de Oliveira Salazar.

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João Goulart, ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, derrubado pelo
Manifesto dos Coronéis, volta à cena como vice-presidente de Juscelino
Kubitschek em 1955. Café Filho, que exercia a Presidência, afastou-se
em novembro de 1955 por motivos de saúde. Foi substituído pelo pre-
sidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz. Um dos obstáculos ao
golpe udenista contra JK era o setor legalista do Exército, comandado
pelo marechal Henrique Lott, ministro da Guerra. A morte de um dos
militares que participou do movimento pelo afastamento de Vargas, o
general Canrobert Pereira da Costa (1895-1955), precipitou os aconte-
cimentos. Durante o enterro, o coronel Jurandir Bizarria Mamede, um
dos signatários do Manifesto dos Coronéis, fez um pronunciamento
contra o presidente eleito e o seu vice. O ministro Lott considerou o
ato uma indisciplina e exigiu punição. Carlos Luz não quis punir o co-
ronel e tentou substituir o general Lott. Lott resistiu e obrigou Carlos
Luz, Carlos Lacerda e o almirante Pena Botto da Cruzada Brasileira
Anticomunista a se refugiarem no cruzador Tamandaré. Enquanto
isso, o Congresso Nacional declarava depostos Café Filho e Carlos Luz
e, sob estado de sítio, o presidente do Senado, Nereu Ramos, assumia 353

a chefia do governo até a posse de JK, em 1956. O historiador norte-


americano Thomas Skidmore acredita que o movimento golpista de 11
de novembro de 1955 tinha a intenção de dividir a hierarquia militar,
como um balão de ensaio para o golpe de abril de 1964.

Finalmente, JK assume. Enfrenta os levantes militares de Jacareacanga,


em 1956, e de Aragarças, em 1959. JK realiza um programa econômico
dominado pela ideologia do desenvolvimentismo. Investe em rodovias,
em energia e na nova capital, Brasília. Com a mudança do Distrito
Federal para o Planalto, o Rio de Janeiro transforma-se em Estado da
Guanabara e seu primeiro governador é Carlos Lacerda, udenista e
opositor da política trabalhista de Vargas e do comunismo.

O plano de Juscelino deu certo. O Brasil desenvolveu-se e os investi-


mentos estrangeiros vieram numa demanda nunca vista. A política
desenvolvimentista de JK aumentou a dependência da economia bra-
sileira do capital estrangeiro.

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Mas era chegada a hora de uma nova sucessão. A de JK teve uma ca-
racterística especial. Tendo sido o único presidente depois de 1930 a
transmitir a faixa presidencial a um sucessor legitimamente eleito, JK
desceu a rampa do Palácio do Planalto, já candidato à sucessão de seu
sucessor. A sua capital, Brasília, estava toda enfeitada com faixas que
anunciavam sua volta em 1966.

Só que Lacerda queria ser presidente em 1966. Para o historiador Hé-


lio Silva, o jogo do governador carioca estava claro. Não lhe convinha
que o novo presidente fosse udenista como ele e por isso fechou com
a candidatura de Jânio Quadros, ex-governador paulista. O marechal
Lott, candidato de JK, foi derrotado. Jânio, um messiânico, assume o
Planalto em 1961. Como de hábito, Lacerda não tardaria a combater
o novo presidente.

Mesmo com um período presidencial curto, Jânio fez mudanças im-


portantes na área militar para os futuros golpistas de 1964. Longe das
354 piadas sobre seus atos inusitados, ele montou um ministério militar
nitidamente anticomunista, afastando os legalistas de 1955. Para a
chefia da pasta da Guerra foi nomeado o marechal Odílio Denys. Seus
chefes da Marinha e da Aeronáutica haviam conspirado para impedir
a posse de JK. O almirante Sílvio Heck era comandante do Tamandaré
e o brigadeiro Grünn Moss estimulara os levantes de Jacareacanga e
de Aragarças. Diante dessas indicações militares, enfim, de supetão
e culpando “forças ocultas”, Jânio assinou sua renúncia no dia 25 de
agosto. Ato contínuo voou para São Paulo. O poder ficou acéfalo. O
vice-presidente João Goulart estava no exterior, visitando a capital da
República Popular da China, Pequim.

Os ministros militares lançaram um manifesto, logo após a rejeição pelo


Congresso do impedimento de Jango, no qual reiteravam a “absoluta
inconveniência do regresso ao país do vice-presidente Goulart”. Vee-
mentemente anticomunista, o manifesto aponta os erros do vice: sua
política sindical, seu envolvimento com greves, seu apoio ao Partido
Comunista e sua viagem à China vermelha.

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Mas houve forte resistência civil e democrática. Sindicatos, organizações
estudantis e o governador de Goiás, Mauro Borges, pronunciaram-se
a favor da posse de Jango. Leonel Brizola, cunhado do vice-presidente
e governador do Rio Grande do Sul, conclamava o povo a resistir “até
com armas” através de várias emissoras de rádio. Era a Cadeia da Le-
galidade. Um dos principais motivos do fracasso do golpe foi a adesão
do comandante do III Exército, baseado em Porto Alegre. O general
Machado Lopes, contagiado pela reação popular, respondeu ao minis-
tro da Guerra Odílio Denys que só obedeceria às ordens do presidente
constitucional João Goulart, o legítimo comandante das Forças Armadas.

A ordem constitucional foi mantida, mas o Congresso Nacional sob pressão


militar votou uma emenda parlamentarista. O novo gabinete foi formado
pelo primeiro-ministro Tancredo Neves. A experiência parlamentarista
durou até 1963, quando o retorno ao presidencialismo foi decidido num
plebiscito. Jango herdou muitos problemas: a questão do relacionamento
com os Estados Unidos, a renegociação da dívida externa, a discussão da
lei de remessa de lucros, a questão cubana, a reforma agrária e urbana e 355

o problema das concessionárias estrangeiras de serviços públicos. Agora


presidente, João Goulart jogou tudo num amplo programa de mudança
constitucional, as Reformas de Base. E seus inimigos se organizavam no
Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES), criado em 1961, e no
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), fundado em 1959, e em
outros organismos vinculados ao capital internacional, além do empre-
sariado nacional, da Igreja e dos latifundiários.

Para quebrar a hierarquia militar e motivar a oficialidade a aderir ao


golpe, foram armados três incidentes: uma revolta de sargentos em
Brasília, sob o pretexto de protestar contra a cassação do mandato
de um graduado ilegalmente eleito para um cargo parlamentar; uma
revolta de marinheiros insuflados pelo cabo Anselmo, e uma manifes-
tação de sargentos a favor de Jango na sede do Automóvel Clube, já
no final de março. Depois do comício do dia 13 de março, na Central
do Brasil, no Rio, os militares consideraram a manifestação dos sargen-
tos um atentado à disciplina e, com isso, foi dada a senha para que o

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general Mourão Filho descesse com suas tropas de Juiz de Fora para
o Rio de Janeiro.

O movimento golpista contou com o apoio dos governadores de


Minas Gerais, Magalhães Pinto; da Guanabara, Carlos Lacerda; e de
São Paulo, Ademar de Barros. Militares que se tornariam presidentes,
durante a ditadura, como Castelo Branco, Costa e Silva e Emílio Mé-
dici também aderiram. Um manifesto lançado pelo marechal Castelo
Branco e por Costa e Silva foi lido em emissoras de rádio mineiras e
paulistas: “...as Forças Armadas com tal atitude querem efetivamen-
te evitar a luta fratricida que, na verdade, vem sendo preparada
irresponsável e criminosamente pelo presidente da República e seus
aliados comunistas. Camaradas do Exército unamo-nos na defesa do
Brasil. Essa é a hora decisiva”.

Jango, acuado, foi do Rio para Brasília, de lá para Porto Alegre e final-
mente desembarcou em Montevidéu para um exílio que só terminaria
356 com sua morte. Retornou ao país morto para ser enterrado em São
Borja, junto a Getúlio Vargas. Meses depois do golpe, também morria,
na Europa, um dos maiores empresários brasileiros da época, Mário
Wallace Simonsen, exportador de café, dono da companhia aérea Pa-
nair do Brasil e criador da TV Excelsior.

Simonsen: Esta é a Sua Vida

Esse sobrenome já faz parte da história econômica e política do Brasil


há muito tempo. Aos 25 anos, o inglês Sydney Martin Simonsen decidiu
se mudar para o Rio de Janeiro, capital do único império das Américas.
Aqui, se casou com Robertina Gama Cochrane. O primeiro filho foi
Wallace Cochrane Simonsen, em maio de 1884. Cinco anos mais tarde,
quando a monarquia vivia seus últimos momentos, nascia em 18 de
fevereiro de 1889 Roberto Cochrane Simonsen.

A tradição da família sempre esteve ligada ao comércio de café. O avô


materno e padrinho do bebê, Inácio Wallace da Gama Cochrane, ne-

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gociava no porto de Santos desde 1870. Já adulto, Roberto Simonsen,
em 1916, fundou e tornou-se o primeiro presidente do Centro de Cons-
trutores Industriais de Santos, que teve como objetivo a organização
de um cadastro do operariado e a criação de um serviço de assistência
social e seguro para os trabalhadores. Na mesma época, fundou uma
escola de aprendizagem profissional. Organizou também uma Câmara
de Trabalho que se constituiu na primeira Justiça do Trabalho no país,
porque a que conhecemos hoje só apareceria na década de 1930, du-
rante o governo Vargas.

Roberto Simonsen entrou nos ramos da construção civil, bancos e


outros tantos negócios que via pela frente. Em 1926, criava a Comal
(Companhia Paulista de Comércio do Café), sediada em Santos. Uma
série de divergências com a Associação Comercial de São Paulo o levou
a fundar, em 3 de junho de 1929, o Centro das Indústrias do Estado de
São Paulo (Ciesp), do qual foi o primeiro vice-presidente, na chapa do
conde Francisco Matarazzo.
357

A Revolução de Outubro de 1930 provocaria radicalização política em


São Paulo, dois anos mais tarde. Com a deflagração da luta armada
em 9 de julho de 1932, Roberto Simonsen tornou-se responsável pela
adaptação do parque industrial paulista à economia de guerra. Graças
à sua liderança, os empresários contribuíram efetivamente para regu-
larizar o abastecimento da capital, assediada pelas tropas federais de
Getúlio Vargas.

Depois da vitória da União, Roberto Simonsen é eleito deputado


constituinte por São Paulo em 1933. Pregava que a legislação social
era um dever do estado e um direito dos trabalhadores que deve-
ria ser regulamentado. Sem isso, segundo Roberto Simonsen, não
haveria desenvolvimento econômico. Com a implantação do Estado
Novo, em 1937, Roberto Simonsen perde sua cadeira de deputado
federal. O ditador chegou a nomeá-lo para o Conselho de Mobili-
zação Econômica que organizava o país para suportar a Segunda
Guerra Mundial.

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Com a democratização, depois do fim da ditadura Vargas, Roberto
Simonsen passou a integrar a comissão executiva do Partido Social
Democrata (PSD) e, em 1946, tornou-se o primeiro economista a entrar
para a Academia Brasileira de Letras. Um ano mais tarde, derrotou o
candidato comunista Cândido Portinari e conquistou uma cadeira no
Senado por São Paulo. Morreu em plena Academia, no Rio, quando
discursava em homenagem ao primeiro-ministro belga, no dia 25 de
maio de 1948. Em sua homenagem, a Federação das Indústrias do Es-
tado de São Paulo (Fiesp) criou Instituto Roberto Simonsen.

Seu sobrinho Mário Wallace Simonsen continuou os negócios da família


e consolidou durante os anos 1950 e 1960 um dos maiores conglome-
rados econômicos do país. Ao contrário de seu tio, Roberto Simonsen,
que ocupa cinco páginas no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro
do Centro de Pesquisas e Documentação de História Contemporânea
da Fundação Getúlio Vargas, Mário Wallace Simonsen não é sequer
citado. Parece ter sido esquecido da história econômica do Brasil. “A
358 história é dos vencedores e além do mais ele era um homem de atuar
nos bastidores”, avalia o jurista Saulo Ramos. O empresário negociou
o café brasileiro com 53 países, era o maior acionista da principal com-
panhia aérea do país, além de possuir parte do porto de Paranaguá,
no Paraná. Seus interesses tinham ramificações em vários negócios e,
sempre de olho em mercados do futuro, chegou a abrir o primeiro
supermercado brasileiro, o Sirva-se, em São Paulo.

Logo que assumiu os negócios dos Simonsen, Mário Wallace expandiu


com agressividade suas empresas para fora do país. Seu pai havia co-
meçado a conquistar o mercado europeu de café com uma pequena
empresa na Suíça, a Wasin, assinatura telegráfica de Wallace Simonsen.
Mas foi sob o comando de Mário Wallace que a posição internacional
da Wasin se consolidou. Ele abriu escritórios nas principais capitais
europeias e dominou, por completo, a exportação de café brasileiro.

Mário Wallace Simonsen sempre foi um empresário ousado. Prevendo


a importância social e política que a televisão teria no futuro, insta-

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lou com o sócio José Luís de Moura o canal 9 paulista, em 1960. Já às
vésperas da eleição de Jânio Quadros, Simonsen comprou a parte de
Moura e assumiu sozinho o controle absoluto da TV Excelsior.
Para o filho Wallinho, Mário Wallace sempre foi destinado a assumir os
negócios da família e define a figura pública do pai como um patriota
extremado, que colocava os interesses do país acima de seus próprios
interesses. O ex-ministro Saulo Ramos, advogado do escritório de Vi-
cente Rao, que centralizava a parte jurídica dos negócios de Simonsen,
também ressalta o patriotismo do empresário. Para ele, Simonsen “de-
via usar até cueca verde-amarela”. E vai além, afirmando que em seus
40 anos de advocacia só encontrou um empresário que nunca forjou
nada, que nunca sonegou imposto. “Só o Simonsen”.

TV Excelsior: As Imagens da Inovação

São Paulo, capital financeira do País. Na maior cidade brasileira, o di-


nheiro acumulado com a exportação do café acabou com a monotonia
da televisão que partia para seu décimo ano no Brasil. Entre 1960 e 359

1970, as imagens da Excelsior eram sinônimas de inovação, mudança,


livre debate de ideias, programação em rede nacional. O Brasil, que
se agitava com as transformações econômicas e políticas da primeira
metade dos anos 1960, viu surgir uma nova maneira de se programar
televisão, que conquistou a liderança de audiência em pouquíssimo
tempo. Uma estação diferente da desorganizada Tupi e da provinciana
Record. Organizada em rede, a TV Excelsior chegava para paulistas,
cariocas, mineiros e gaúchos.

O empresário de comunicação Victor Costa procurou o exportador de


café José Luís de Moura, em Santos, para juntos abrirem uma estação
de televisão em São Paulo, em 1958. Moura já havia comprado alguns
equipamentos para inaugurar um canal em Santos, mas Victor Costa
o convenceu a esperar pela concessão de um canal na capital. Desses
primeiros tempos, o primeiro diretor da Excelsior, Álvaro Moya, lembra
que Moura hesitava em ter Victor Costa como sócio. Mas finalmente
conseguem a concessão. Apesar das diferenças com Mário Wallace Si-

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monsen por causa da exportação de café, José Luís de Moura preferiu
se associar ao concorrente.

Mário Wallace Simonsen não tinha interesse em possuir uma cadeia de


televisão e, para Wallinho, entrou no negócio provavelmente porque
Victor Costa não tinha dinheiro suficiente, Wallinho soube da aqui-
sição quando estava na Europa e como o pai queria que ele achasse
“um lugar nas empresas”, acabou se decidindo pela televisão. Mas
Saulo Ramos, advogado do grupo, acha que o empresário acreditava
que com a Excelsior poderia se defender dos ataques. Não contava
que com isso perderia apoio da imprensa paulista, que passa a ver em
Simonsen um concorrente agressivo. “O Edmundo Monteiro (diretor
da TV Tupi), muito prático, me disse que o Simonsen deveria pagar
para a Tupi defendê-lo e não abrir um canal para disputar parcelas dos
anunciantes com as Associadas”, recorda Saulo Ramos.

Álvaro Moya acabava de voltar dos Estados Unidos, onde havia tra-
360 balhado na rede CBS e entrado em contato com todo o esquema de
programação e de organização em emissoras afiliadas. Na América,
conheceu uma verdadeira rede, uma cadeia, e não apenas uma estação
isolada de televisão. José Luís de Moura não perdeu tempo e contratou
Moya para compor a equipe que colocaria o canal 9 no ar. “Eu poderia
ter ficado com os norte-americanos na CBS, mas resolvi voltar porque
aqueles eram tempos em que o Brasil causava entusiasmo. Estávamos
vivendo nossa fase áurea”. Moya se demitiu da TV Paulista e ficou
trabalhando num galpão improvisado, organizando a TV Excelsior.

Moya lembra-se que José Luís de Moura queria uma televisão bem ao
estilo norte-americano, com muitos filmes, bem mais em conta do que
investir em programação própria nacional. Simonsen, ousado, pensava
exatamente o oposto.

A inauguração da Excelsior não foi diferente do amadorismo e do


improviso que grassava na televisão brasileira da época. Em maio de
1960, todo o equipamento já havia sido importado e estava pronto para

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ser instalado nos estúdios. Mas ninguém sabia ainda quando a estação
entraria no ar. Álvaro Moya se recorda que a solução veio num estalo,
numa ideia maluca que acabou sendo posta em prática.
“O José Luís de Moura estava de saída para encontrar o então gover-
nador paulista Carvalho Pinto. Como o canal que a TV Excelsior ocu-
paria seria o 9, sugeri que ele insistisse junto ao governador para que
colocasse a inauguração da tevê nas comemorações do 9 de Julho”. O
governador gostou da ideia e aceitou a sugestão e “todo mundo teve
que correr para cumprir o compromisso de colocar a estação no ar na
festa do 9 de Julho”.

A primeira marca da Excelsior não foi o casal de bonequinhos. O lança-


mento do Sputnik fazia parte de todas as conversas, estava em todas
esquinas. Álvaro Moya então desenhou a Terra com um foguete que
contornava o planeta e depois saía da órbita, formando um nove. A
Excelsior já tinha uma logomarca. E só. Nada mais estava pronto para
a inauguração.
361

O sinal da Excelsior entrou no ar pela primeira vez no dia 6 de junho


de 1960. O transmissor já estava pronto, instalado, e as imagens eram
aquelas tradicionais barras em preto e branco. “Me telefonaram e eu
corri para lá com um slide do programa Play House 90, um teleteatro
de noventa minutos apresentado pela CBS, que eu havia trazido dos
Estados Unidos. Projetamos na parede branca e o câmera enquadrou
o número nove do slide com um relógio no centro do número”.

Nos dias seguintes, uma câmera posicionada na torre fazia takes


panorâmicos da Av. Paulista e do centro de São Paulo. José Luís de
Moura achou essa solução muito chata e passaram a mostrar filmes
cedidos pelos consulados. Moura pressionava Álvaro Moya para que
exibissem, antes mesmo da inauguração oficial, os filmes comprados
para a programação. A vontade dos donos foi atendida e foram ao ar
sem cortes, sem publicidade, clássicos como Pão, Amor e Fantasia. E
São Paulo se ligou. “Antes mesmo de entrar no ar, no dia 9 de julho,
a Excelsior dava de 5% a 7% na tabela de audiência”.

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Enfim, a estreia. Direto do Teatro Paulo Eiró, contou com a colaboração
de Manoel Carlos e Abelardo Figueiredo, dois nomes que se destacariam
bastante a partir daí. Seis meses no ar com ótima performance. Tinha
sido inaugurada em julho, quatro meses antes das eleições presidenciais.
Simonsen tendia para o marechal Lott, militar legalista que impediu
um golpe contra JK em 1955, mas Luís de Moura estava fechado com
a candidatura janista. Moya lembra que num determinado momento a
TV Excelsior estava apoiando Lott e Jânio em pé de igualdade. “A situ-
ação da tevê, recém-inaugurada, chegava a um ponto incontrolável”.
Moura disse a Simonsen que compraria todas as ações dele e queria
tocar a televisão sozinho. Moura não acreditava que Mário Wallace
Simonsen tivesse interesse em ficar com a Excelsior. “Só que, no dia
seguinte, era o Simonsen quem comprava todas as cotas de Moura e
colocava a Excelsior inteirinha na campanha do marechal Lott”.

Saulo Ramos, que deixou a estação para ser oficial de gabinete de


Jânio em Brasília, não concorda com Moya. Para ele, o empresário se
362 manteve equidistante entre as duas candidaturas. “O doutor Mário não
apoiava o marechal”. O diretor de TV Maurício Sherman afirma que
Jânio Quadros pedira a Simonsen para montar uma grande rede de
televisão, mas isso é contestado por Álvaro Moya. Wallinho se recorda
muito bem que enquanto São Paulo inteira entrava na campanha ja-
nista, o pai dava jantares de adesão ao marechal Lott em sua mansão
na Rua Argentina.

Na opinião de Álvaro Moya, Saulo Ramos era o homem-chave de José


Luís de Moura na Excelsior. Mas Saulo afirma que foi levado para a
televisão e foi o seu primeiro diretor comercial porque era um dos ad-
vogados da conceituada banca de Vicente Rao, ministro das Relações
Exteriores no segundo governo de Getúlio Vargas.

Saulo Ramos só saiu da Excelsior quando Jânio o chamou para ser chefe
de gabinete no Planalto e trabalhou para aproximar Mário Wallace
Simonsen do novo governo. Para Moya, “Saulo Ramos fez um bom
trabalho porque senão a Excelsior seria vista como uma emissora que

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apoiou um candidato derrotado”. Arestas aparadas com o novo inqui-
lino do Palácio do Planalto, a TV Excelsior partiu para voos mais altos.
Wallinho deu conta de que ter só uma estação, em São Paulo, era eco-
nomicamente inviável. Conversou com o pai e compraram a concessão
do Canal 2 do Rio de Janeiro, que pertencia às Associadas. Com canais
em São Paulo e no Rio de Janeiro, a Excelsior formava sua rede com a
TV Vila Rica de Belo Horizonte e a TV Gaúcha de Porto Alegre.

A rede Excelsior espelhava o nacionalismo presente nos anos 1960. A


Excelsior era uma televisão que não tinha trilha sonora estrangeira, o
Brasil 60 tinha teatro brasileiro, literatura, cinema e até música clássica
brasileira. Moya recorda que até na programação dos filmes a emissora
tinha a marca da brasilidade. O Cinema em Casa, sessão de longas-
-metragens às 22 horas, toda semana apresentava um filme nacional.
No programa de teleteatro, o Teatro Nove, as peças eram de Walter
George Durst, Oduvaldo Vianna Filho, Jorge Andrade, Gianfrancesco
Guarnieri. A Excelsior foi a primeira estação de tevê do Brasil com a
determinação de ser uma televisão que refletisse a cultura do seu país. 363

A Excelsior era a única empresa dos Simonsen na área de comunicações


e estava longe do poder das Associadas, com seus rádios, tevês, jornais
e revistas, e da Record, que tinha uma rádio poderosa em São Paulo.
Mas isso não impediu o êxito da emissora, que foi administrada com
razoável visão empresarial e gerida sem o romantismo que a maioria
dos empresários de tevê enxergava no veículo, segundo a opinião da
revista Briefing. Para se impor, a rede Excelsior usava métodos inédi-
tos e agressivos. Num estudo sobre a Tupi, Inimá Simões, acusa o duro
golpe que a Excelsior aplicou nos métodos paternalistas que moviam
a televisão nos primeiros dez anos. Na formação do corpo técnico e
artístico, a TV Excelsior abalou a mesmice do mercado, oferecendo
salários elevados para atrair os melhores dos outros canais, como o
caso de Tarcísio Meira e Glória Menezes, por exemplo. E quebrou um
“acordo de cavalheiros”: funcionário demitido ou demissionário de
um canal não era contratado por outro. A Excelsior desrespeitou essa
regra e fez inimigos.

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“A Excelsior acabou com a ‘escravidão’ dos artistas”. Para Wallinho, a
abolição começou com a contratação do cantor Sílvio Caldas, que fazia
muito sucesso na TV Record. Wallinho assistiu a uma discussão entre
seu pai e o diretor da TV Tupi de São Paulo, Edmundo Monteiro. Não
seria um bom exemplo, na opinião de Edmundo Monteiro, que fez
algumas ameaças veladas. Uma Wallinho nunca se esqueceria: a de
que seu pai, por ter muitos interesses, deveria se afastar de televisão
porque poderia ter os negócios prejudicados.

Como um trator, Mário Wallace Simonsen passou por cima, inco-


modando todos os figurões da televisão daquela época. Em 1963,
a Excelsior desfrutava muito prestígio, principalmente a simpatia
da população, mas a Tupi continuava na liderança da audiência.
A contratação de Edson Leite e Alberto Saad mudaria tudo. Da
noite para o dia, tiveram que abandonar os planos de abertura da
TV Bandeirantes e aplicaram tudo o que sonharam na Excelsior. O
molde adotado pela dupla foi o da tevê argentina. Menos de seis
364 meses depois, lançando mão de campanhas publicitárias de grande
impacto, e excelentes filmes, a TV Excelsior chegou ao primeiro lugar
na audiência. Alberto Saad lembra que o índice médio equivalia
ao da TV Globo hoje, com programas de Ibope até maior, como o
Moacyr Franco Show, que chegava a dar 80-90%, “o que hoje na
Globo provocaria escândalos”.

Quando a Excelsior carioca foi inaugurada, a liderança estava com a TV


Rio, que fazia intercâmbio de programação com a Record. Num só dia
contratou dezenas de artistas e funcionários da TV Rio, oferecendo o
dobro e até mesmo o triplo dos salários. Antes, já haviam assinado com
Moacyr Franco, J. Silvestre e Chico Anysio. O ex-diretor da TV Rio, João
Batista do Amaral Filho, nunca se esqueceu do baque. “Eles levaram
quatrocentos funcionários nossos em um só dia, inclusive a telefonista
e o barbeiro”. Para quem já havia sido advertido por Edmundo Mon-
teiro, o grupo Simonsen, agora também no Rio, botava abaixo todo
um procedimento de cartel patronal que geria a televisão brasileira
nos anos 1950 e 1960.

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Com tanta gente nova nos bastidores da emissora, a Excelsior começou
a fazer propaganda de si mesma. Uma brincadeira do jornalista Má-
rio Régis Vitta pegou. Era um slogan que se tornou muito conhecido:
“Eu também estou no 9”. Essa frase era repetida no ar por todos os
novos contratados tirados da Tupi, Record e da TV Rio. Deu certo. A
TV Excelsior passou a liderar a audiência nas duas principais cidades
brasileiras, São Paulo e Rio.

“Eles queriam ser uma espécie de ATT (American Telegraph and Tele-
phone) do Brasil, grande truste norte-americano de telecomunicações,
porque tinham a ideia da Embratel muito antes da ditadura militar.
Queriam transmitir em rede como as cadeias americanas e sabiam que
as Associadas não tinham condições de fazer esse tipo de transmissão,
porque só a TV Excelsior investia em tecnologia e tinha aporte de ca-
pital suficiente”, lembra Álvaro Moya.

A primeira experiência em transmissão em rede tinha acontecido na


inauguração da nova capital, Brasília. O grupo Simonsen representava 365

os interesses da Marconi inglesa, que preparou os links e transmitiu a


cerimônia de Brasília para Belo Horizonte, de lá para o Rio e finalmente
do Rio para São Paulo. Pela primeira vez, um acontecimento era visto
simultaneamente em Minas, Rio, São Paulo e em Brasília.

A Excelsior se firmava como a única cadeia de televisão que pudesse


ser chamada de rede. A Record e a TV Rio se uniam esporadicamente.
Nas Associadas, a TV Tupi de São Paulo brigava com a TV Tupi do Rio e
essa divergência gerou um fato curioso. A novela O Direito de Nascer
era produzida pela Tupi paulista, e como o diretor da Tupi carioca não
queria prestigiar programas realizados por São Paulo, a TV Tupi carioca
não transmitia a novela.

O Direito de Nascer passava na TV Rio, que conquistou o maior sucesso


e levou os índices de audiência da estação às alturas. Dali em diante,
os sintomas de desagregação das Associadas se tornariam evidentes e
a TV Tupi nunca conseguiria ter uma rede forte.

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Isso nunca aconteceria na TV Excelsior, que já surgiu com a estratégia
de se unir em torno de uma programação básica, comum a todas as
emissoras da rede.

A emissora de Simonsen inovou. Armou um esquema de programação


horizontal que acostumava o telespectador a uma ordem determinada
de atrações: um programa infantil, uma novela, o telejornal, outra
novela e um show. A noite terminava sempre com um filme. O lança-
mento da novela diária pela Excelsior foi a maior e a mais importante
modificação já feita pela tevê brasileira. Edson Leite, em 1963, colocou
no ar 25499 Ocupado com o casal Tarcísio Meira e Glória Menezes.
Dirigida por Titio de Migglio, a novela da Excelsior seguia a mesma
estratégia das telenovelas argentinas que sempre eram exibidas no
mesmo horário, todos os dias.

Depois da programação horizontal, da novela diária, a Excelsior tam-


bém inovou no padrão visual da tevê do Brasil. Álvaro Moya descobriu
366 Cyro del Nero, programador visual que trabalhou também para a Tupi,
a Globo e a Bandeirantes. Manoel Carlos apresentou para o Moya um
projeto chamado Histórias Policiais, encadernado com o tecido do boné
de Sherlock Holmes. Moya desfolhou e ficou deslumbrado pelo apelo
visual das letras e dos desenhos. Manoel Carlos revelou que o artista
era um amigo seu, recém-chegado da Grécia. Já tinha emprego. Come-
çou a trabalhar na TV Excelsior no dia seguinte e, como também era
cenógrafo, deu à Excelsior um padrão visual que podia ser reconhecido
quando se passava por ela rodando o seletor de canais.

A inovação e o pioneirismo eram a marca da Excelsior. A novela A


Deusa Vencida, de Ivani Ribeiro, usou pela primeira vez letreiro padrão
e teve trilha sonora especialmente composta, além de ter lançado a
atriz Regina Duarte. Também colocou no ar uma sessão de cinema que
ficou na lembrança de muitos cinéfilos. O Cinema em Casa, que ainda
hoje vai ao ar pelo SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), fazia parte da
programação horizontal da Excelsior, de domingo a domingo, sempre
às 22 horas.

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Com legendas, o Cinema em Casa se transformou numa das primeiras
experiências com cinema de arte na televisão. Diferentemente do que
o SBT exibe hoje, a sessão da Excelsior apresentava Fellini, Antonioni,
Godard, Bergman, Resnais, Pasolini. Eram esses diretores europeus que o
Cinema em Casa programava, até porque a rede estava sofrendo o boi-
cote dos distribuidores norte-americanos, e levava para dentro da casa
dos telespectadores atores como Marcello Mastroianni, Brigite Bardot,
Sophia Loren, entre outros. “A Excelsior passou os melhores, os mais
importantes filmes do cinema europeu daquele momento”, relembra
com saudades Álvaro Moya, auxiliado por Orpheu Paraventi Gregori.

Vanguarda: O Jeito Excelsior de Fazer Jornalismo

“Dia primeiro de abril de 1964. Cinelândia, Rio de Janeiro. Em frente


ao Clube Militar, um garoto de 12 anos começa a gritar: ‘Jaaangoo...
Jaaangoo...’ Um homem alto e magro, cabelo cortado rente, bigodes
finos, aponta sua automática e explode a cabeça do menino. Nesse dia
eu era diretor de jornalismo da rede Excelsior, na época, líder absoluta 367

de audiência. Nessa mesma noite de primeiro de abril, no Jornal de


Vanguarda, a cena do assassinato foi para o ar”. Assim o jornalista
Fernando Barbosa Lima Sobrinho descreve a mais importante edição
do principal telejornal da rede Excelsior, no depoimento do criador e
responsável pelo Jornal de Vanguarda. A Excelsior soube, como nenhu-
ma outra emissora até então, aproveitar a efervescência, a mudança
e o período de transformação que o Brasil atravessava nos primeiros
anos da década de 1960.

Apesar da disputa com a TV Rio sobre as inovações no jornalismo, a


presença de profissionais, como Wladimir Herzog, Fernando Barbosa
Lima Sobrinho, Fernando Pacheco Jordão, João Batista Lemos, Nemércio
Nogueira, deram à Excelsior um jornalismo mais afinado com o res-
tante da programação. O grande trunfo da Excelsior eram as novelas.
Antecedendo e sucedendo o jornal, elas aumentavam a audiência do
telejornal. Esse esquema de programação que a rede Globo utiliza até
hoje, foi criado pela Excelsior.

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Moya lembra que “os telejornais naquela época não tinham muito ibo-
pe, mas quando introduziram o jornal no meio das novelas, o público
começou a assistir ao telejornal, valorizando o jornalismo na televisão”.

Em 1962, quando o presidente era João Goulart, entrava no ar um te-


lejornal que prometia ricos desdobramentos. O Jornal de Vanguarda
não se parecia em nada com o Repórter Esso, transmitido há dez anos
pela TV Tupi. A maneira absolutamente nova de informar e comentar
foi, para Artur da Távola, a maior característica do jornal que “quebrou
a linguagem tradicional e trouxe o tom informal e coloquial, contrário
ao formalismo excessivo da época”.

O jornal da Excelsior era narrado por várias pessoas em vez de um só lo-


cutor e tinha comentaristas especializados, uma novidade para a época.
Inovou também no humor com os bonecos animados de Borjalo, comentá-
rios de Sérgio Porto e Sargentelli. O colunismo de televisão praticamente
surgiu com o Jornal de Vanguarda, nas intervenções de Gilda Müller,
368 Millôr Fernandes e Ibrahim Sued. Fernando Barbosa Lima Sobrinho soube
aproveitar a oportunidade aberta pela Excelsior, o momento histórico, e
criou um jornal que rompeu com as tradições do telejornalismo brasileiro,
que até 1962 só conhecia o monocórdio Repórter Esso.

O dono da Excelsior não vinha do ramo de comunicações como Assis


Chateaubriand, da Tupi; ou Paulo Machado de Carvalho, da Record.
Negociante de café e empresário de aviação, ele era diferente e deu
liberdade aos repórteres. Wallinho recorda que nunca viu seu pai opinar
no jornalismo. No entanto, por várias vezes, Mário Wallace Simonsen
pediu espaço para algumas pessoas falarem. Tanto figuras da direita,
como Carlos Lacerda, quanto da esquerda, como Miguel Arraes.

Naqueles turbulentos anos, não havia melhor canal do que o de Simon-


sen para que o Jornal de Vanguarda estreasse. Surgido no mesmo ano
da inauguração da emissora carioca da rede, buscando ideias novas
para a televisão brasileira precocemente envelhecida, Fernando Bar-
bosa Lima Sobrinho conseguiu tirar nomes das redações dos jornais e

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colocá-los nos estúdios da Excelsior. Profissionais como Newton Carlos,
Villas-Boas Correa, Millôr Fernandes, João Saldanha, Borjalo, Tarcísio
Holanda, Sérgio Porto. Esses profissionais modificaram um velho esque-
ma de fazer telejornal que empregava de cinco a seis pessoas e, no ar,
dava um resultado sempre muito parecido: uma cortina no fundo, uma
mesa e uma cartela do patrocinador. Era assim o maior concorrente do
Jornal de Vanguarda, o Repórter Esso.

No ar, dos estúdios do Jornal de Vanguarda, os comentaristas davam


sua opinião “ao vivo” e sem cortes, enquanto as notícias rápidas eram
lidas por Luís Jatobá e pelos irmãos Célio e Cid Moreira. Tudo com um
visual extremamente gráfico e dinâmico. Para o seu criador, o jornal
era um show de notícias com liberdade e dignidade profissional. Mas
liberdade de expressão, a grande força do Jornal de Vanguarda, não
seria a mesma depois daquela edição de primeiro de abril de 1964.
Premiado pela Eurovisão (cadeia europeia de televisões públicas) como
o “melhor telejornal do mundo”, o Jornal de Vanguarda chegou à fi-
nalíssima disputando com o noticiário da BBC de Londres. Para um dos 369

diretores da Eurovisão, o telejornal brasileiro levou a melhor porque era


uma produção de um país pobre, mas de surpreendente criatividade.

Fernando Barbosa Lima Sobrinho acreditava que o telejornalismo entra-


va numa fase de grande expansão intelectual, mas o tiro no garoto da
Cinelândia também acertou o seu jornal. Depois daquela edição, milita-
res armados até os dentes e depois os censores invadiram a redação do
Jornal de Vanguarda, que ficaria no ar pela TV Excelsior pouquíssimo
tempo. Como o controle da emissora passou para as mãos do Estado
da Guanabara, governado por Carlos Lacerda, o jornal começou sua
diáspora. Migrou para a TV Tupi, depois para a iniciante TV Globo,
voltou para a Excelsior, passou pela TV Continental e, em dezembro
de 1968, com a decretação do AI-5 entrou de vez em hibernação. Fer-
nando Barbosa Lima Sobrinho soube que o jornal morreria pouco a
pouco numa torturante agonia. “Um cavalo de raça a gente mata com
um tiro na cabeça”. Desse jornal criativo, vibrante, que fez parte das
aulas de comunicação do professor Mashall MacLuhan, não restou uma

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só cópia no Brasil. Segundo seu criador, talvez haja uma delas perdida
no acervo do professor em alguma universidade canadense.

Dezembro de 1968. Pela TV Rio, entrava no ar a última edição do


Jornal de Vanguarda. A principal notícia: mais um ato institucional,
de número cinco, restringia por completo todas as liberdades públicas
como nunca havia acontecido na história republicana. Para Artur da
Távola, a fórmula do telejornal não poderia vigorar numa fase tão
restritiva e censurada. Mas a TV Excelsior, na qual o jornal estreou e
passou o maior tempo, já sentia há quatro anos o peso do coturno da
ditadura. Dias depois do golpe, ainda em abril de 1964, a TV Excelsior
e seu proprietário começaram a ser minados. No Congresso Nacional,
em Brasília, uma CPI para analisar a política cafeeira tinha só uma fi-
nalidade: destruir a maior exportadora de café do país.

Café COMAL: A Receita Amarga da Perseguição

370 1926. O tio de Mário Wallace Simonsen, Roberto, criava a Comal (Com-
panhia Paulista Comercial de Café), que quase quarenta anos depois, se
tornaria a maior exportadora de café do mundo, com representações
em várias capitais europeias. Na opinião de Saulo Ramos, a Comal e
seu braço internacional, a Wasin, formavam a primeira e única grande
empresa de commoditie brasileira. Essa agressividade nos negócios
não agradava em nada aos norte-americanos. A Comal era, por assim
dizer, a empresa-mãe, de onde saía capital para todas as iniciativas do
empresário.

O imponderável fez a sua parte na conspiração. Uma forte geada acon-


teceu em 1963 e a Comal não pôde cumprir os compromissos assumidos
com os compradores internacionais. “Quiseram jogar a culpa da geada
no meu pai”, ironiza Wallinho, sem esconder uma ponta de revolta. Se
o clima para o cultivo do café estava ruim, para o golpe estava ficando
ideal. No início de 1964, o Congresso abre uma CPI para investigar a
quebra de contrato com os importadores do grão. O deputado Herbert
Levy, cafeicultor ligado aos banqueiros internacionais, antecipou no

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discurso o que ocorreria na prática: “Essa CPI terá a oportunidade de
conhecer em toda a sua essência a interferência de uma firma [a Co-
mal] na administração da autarquia cafeeira [IBC] e como esta passou
quase cegamente a servir seus interesses, ainda que contrariando os
da economia cafeeira do Brasil, interesses esses que se estenderam até
ao Banco do Brasil.”

Quando foi criada a CPI, a resolução número 24 de 1964 tinha como


propósito investigar a política cafeeira, mas acabou devassando apenas
uma entre todas as firmas exportadoras de café. O deputado Cantídio
Sampaio, que integrou a comissão pela bancada do PSP, alertou para o
fato de a CPI ter-se voltado exclusivamente para averiguar os negócios
da Comal, esquecendo-se de outros problemas da cafeicultura. “Essa
CPI foi instalada para apurar quaisquer irregularidades existentes nas
compras e vendas de café pelo IBC, mas é indisfarçável que os trabalhos
foram desviados desde o início para a investigação quase que exclusiva
de uma só firma exportadora de café, a Comal”.
371

A CPI avançava na direção de Mário Wallace Simonsen. Álvaro Moya


soube por um amigo, informado da amizade dele com Wallinho, que
um militar dissera que “tudo aquilo era uma trama do Rockefeller”.
Saulo Ramos conta que os dois, Mário e David, eram “concorrentes
cordiais”. Mas Simonsen não acreditava nisso. Achava que Herbert Levy
e os barões quatrocentões do café estavam por trás de todo o complô.

Tudo se desenvolveu muito depressa. O empresário não esperava por


toda essa sucessão de acontecimentos e foi apanhado completamente
desprevenido. Wallinho recorda-se das divergências entre o pai e David
Rockefeller. “Eles brigaram por causa de negócios de trigo, que na
época era monopólio dos Rockefeller e meu pai também queria entrar
nessa área”. Saulo Ramos sabia que o empresário era muito agressivo
nos negócios.

“Os americanos não gostavam de um empresário da parte pobre do


mundo que colocava café nas prateleiras deles e que queria vender

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produtos estrangeiros para os brasileiros. Ele estava entrando num
meio onde os americanos dominavam. Ele queria a parte dele”.

Com o café, Simonsen fazia de tudo. Era dono de fazendas, comprava


café de outros produtores, torrava, beneficiava os grãos, exportava e
revendia no varejo de várias cidades europeias, eliminando justamente
a intermediação de terceiros, que dava mais lucros aos grandes capi-
talistas estrangeiros. O maior volume dos lucros vinha depois da saída
do café dos portos brasileiros e ficava com o pessoal que intermediava
a exportação. Simonsen eliminou o intermediário e fazia, ele mesmo,
todo o processo. Da compra da colheita até colocar o café, torrado e
moído, nas gôndolas dos mercados da Europa. Wallinho tinha certeza
de que o exemplo do pai não poderia ser seguido pelo plantador de
bananas do Haiti porque os grandes capitalistas estrangeiros não deixa-
riam a iniciativa do empresário brasileiro ir mais longe, dar mais frutos.

De volta à CPI, Herbert Levy ressaltava que a Comal fora escolhida pelo
372 IBC para ser interventora no Estado do Paraná, no dia 5 de setembro de
1960, “já no final da campanha sucessória da Presidência”. Bateu firme
nas “ligações do principal titular da firma, Mário Wallace Simonsen,
com Jânio Quadros e a natureza política evidente da escolha da firma
interventora no Paraná”. E Herbert Levy continuava no ataque. “O
governo federal escolheu para lidar com os assuntos do café o senhor
Saulo Ramos, notoriamente ligado à firma, atualmente diretor de uma
das empresas do senhor Mário Wallace Simonsen [TV Excelsior]”. E
arrematou. “A influência de Saulo Ramos era tanta que chegou a ser
chamado de ‘ministro do Café’”.

Herbert Levy, inimigo de Simonsen, pautava a acusação num emprés-


timo que a Comal solicitou no valor de US$ 6 milhões para cobrir suas
obrigações internacionais decorrentes da quebra da safra com a geada
de 1963. Levy dizia que, como não foi atendida, a Comal pressionava
todos os que se opunham, inclusive o ministro da Fazenda do gabinete
Tancredo Neves, o banqueiro Walther Moreira Salles. “E é para cobrir
tais eventualidades que os dirigentes da Comal cuidam em primeiro

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lugar, e acima de tudo, em obter a proteção de cima, proteção que
naturalmente se deve apenas a razões de simpatia que inspiraram os
anteriores presidentes da República”.

A CPI avançava e o grupo Simonsen se tornava cada vez mais vulnerável,


quando o golpe atropelou os debates da comissão. O depoimento de
Wallinho ilustra como estava o ambiente na época. “Meu pai não per-
cebia o que estava acontecendo no Brasil, mas ele tinha feito uma coisa
que gerou um grande desagrado às forças conservadoras. Ele apoiou
a posse de Jango”. E prossegue afirmando: “apoiou Jango porque ele
[o pai] era um democrata. Apoiou a legalidade. Eu até estive conver-
sando com o Jango algumas vezes, mas ele não reagiu da maneira que
deveria ter reagido. Ele não apoiou meu pai como deveria ter apoiado,
em troca do que tinha recebido do meu pai. Porque ele articulou sua
volta ao Brasil, e para a Presidência da República, praticamente dos
escritórios que meu pai tinha no exterior”.

Saulo Ramos concorda com Wallinho. Segundo o jurista, o empresário 373

ordenou que o diretor da Wasin no exterior, Max Reshulski, amigo de


Jango desde os tempos em que era tesoureiro do Partido Comunista,
se encontrasse com o vice-presidente para colocar todo o aparato da
Wasin e da Panair do Brasil à disposição de João Goulart. “Mas depois
de empossado, na viagem de Goulart aos Estados Unidos, quem estava
bem ao lado do presidente?”, pergunta Saulo Ramos, ironicamente.
Era ele mesmo, o acusador de Simonsen e Jango na CPI do Café, o
deputado Herbert Levy. “Jango queria o poder a qualquer custo, es-
quecia dos amigos, de tudo, só para estar presidente. Eu mesmo falei
com o doutor Mário, o senhor manda buscar o homem e ele logo se
junta com o Levy?”.

Durante a Campanha da Legalidade, Wallinho estava na Inglaterra se


recuperando de um acidente de automóvel e não acompanhou a luta
para empossar o vice-presidente constitucional. Quase três anos mais
tarde, no plenário da CPI, Herbert Levy lembrava: “Na renúncia de
Jânio Quadros, o senhor Mário Wallace Simonsen agiu com presteza e

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forneceu o avião para buscar o vice-presidente João Goulart na China
e trazê-lo ao Brasil. Já aí o grupo havia adquirido o controle acionário
da Panair do Brasil”.

Mas há quem suspeite dos “ideais democráticos e constitucionais” do


empresário. O ex-diretor da TV Rio, João Batista do Amaral Filho, por
exemplo. Para ele, a perseguição a Mário Wallace Simonsen se justifica-
va perfeitamente. “Ele era de uma das melhores famílias de São Paulo,
família tradicional, bem-nascido, rico. Quando resolveu fazer televisão,
o fez por motivos políticos. Tinha ambições políticas, mas foi impaciente
para esperar o pós-Jango para se realizar politicamente. Embora fosse
de uma família tradicional, ele entrou na televisão para ter força po-
lítica ainda com Jango, embora ele fosse antiJango. Simonsen seria o
último a apoiar, digamos, um governo de esquerda. Um governo que
um radical poderia dizer que pretendia entregar o país para a União
Soviética, para os comunistas, o que não deixa de ser verdade. Então,
é muito natural que a Revolução olhasse com desconfiança um conces-
374 sionário de serviço público ligado ao regime derrubado.”

O debate na CPI do Café esquentava. Herbert Levy acusou o presidente


João Goulart de tráfico de influência em favor da Comal. Enquanto isso,
Jango garantia a Wallinho que iria conversar com a bancada do PTB.
Não deu tempo. O golpe atropelou o presidente, o regime, a CPI. Vinte
e dois dias depois, em 23 de abril de 1964, terminavam os trabalhos
da comissão parlamentar de inquérito que determinou à Presidência o
sequestro dos bens no país e no exterior da Comal e da Wasin, inclusi-
ve dos sócios minoritários. Deliberou também que se abrisse processo
penal contra as firmas e todos os diretores.

Herbert Levy achava pouco. Faltava alguma coisa que acabasse de vez
com um empresário agressivo e petulante. Saulo Ramos assegura que
Levy sempre esteve do mesmo lado, a não ser quando posou de pa-
pagaio de pirata de Jango durante a visita oficial ao presidente John
Kennedy. “Herbert Levy sempre defendeu os interesses das grandes cor-
porações norte-americanas, como o Bank of America”. Como defensor

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de privilégios contrariados, em seu discurso final, pediu e conseguiu a
aprovação de um parecer que considerava “inidôneas as firmas Comal
e Wasin para manterem qualquer transação com autarquia e entidade
em que seja responsável ou majoritário o governo da União”, segundo
o Diário do Congresso Nacional.

O que Mário Wallace Simonsen sempre soube fazer, negociar, agora


não lhe era mais permitido. Como vender café sem autorização da
autarquia cafeeira, o IBC? O deputado Cantídio Sampaio, aquele que
protestou no início da CPI contra a investigação quase que exclusiva
da Comal, sabia agora que o regime tinha novo dono e mudava de
discurso. “O Executivo deve esclarecer estes fatos, pela melhor forma
e com todo rigor, o vultuoso montante dessa operação”.

O motivo da abertura da CPI foi o não pagamento de 500 mil sacas de


café do IBC exportadas pela Comal. Documentos foram falsificados,
como declarou um dos advogados do grupo, José Carlos Rao, na Revista
dos Tribunais, em 1965. Mas pouco ou quase nada poderia ser feito. 375

“Vivíamos uma época de patologia institucional”, diagnostica Saulo


Ramos. A CPI responsabilizou “setores do governo no período entre
julho de 1963 e 30 de março de 1964, pela concessão de facilidades que
tornaram possível o prejuízo ocorrido contra a receita cambial do país”.

Mário Wallace Simonsen não queria ser derrotado. Saulo Ramos


lembra-se de uma carta que o empresário escreveu ao novo governo,
oferecendo como garantia do débito todo o seu patrimônio, no Bra-
sil e no exterior, inclusive as ações de todas as suas empresas, avais e
solidariedade de terceiros. “Ele ofereceu tudo o que tinha, até sua re-
sidência particular e quadros”. O Banco do Brasil, principal credor, até
quis aceitar a proposta, como provam os pareceres jurídicos do banco,
mas “pressões de ordem superior, eminentemente políticas, fizeram
o banco recuar, revogando os pareceres sob um pretexto qualquer”.
Causou surpresa para todos, inclusive para Saulo Ramos, o impedimen-
to que o Banco do Brasil sofreu para não receber um patrimônio tão
grande, num valor muitas vezes superior ao débito da Wasin. Depois

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de ter sido impedido de negociar com café e de ter seus bens recusados
pelo banco oficial, o novo governo ainda exigia que Mário Wallace
Simonsen pagasse US$ 23 milhões.

A CPI foi uma tragédia para Simonsen. Sua desmoralização no mer-


cado internacional era evidente. Saulo Ramos classifica a investigação
como uma luta sem quartel. “Uma perseguição de ordem política e
de baixa concorrência comercial, sempre associadas para as obras de
destruição. Era preciso, no entender de certos políticos, que o Banco
do Brasil ficasse a descoberto e a dívida por saldar-se, sem garantias, a
fim de transformar-se o fato na bandeira de destruição das empresas
do senhor Simonsen e, afinal, de sua própria vida”, diz Saulo Ramos.

Para Álvaro Moya, Simonsen comprou a Panair do Brasil para usar a


empresa como ponta de lança do café brasileiro na Europa, na URSS e
na China. Havia certa divisão no mercado do café: os americanos ven-
diam café solúvel e os brasileiros, os grãos. Mas Simonsen acabou com
376 isso e fez inimigos. Moya comenta o espírito empreendedor de Mário
Wallace Simonsen: “Ele era um crânio para os negócios. No governo
Jânio fizeram uma lei que exigia que o comércio do café brasileiro no
mercado internacional só poderia ser feito através de bancos norte-
-americanos. Ele e toda a família eram ligados aos ingleses. Contor-
naram a situação usando um pequeno banco norte-americano, que
por sua vez era representante na América de um dos maiores bancos
britânicos”.

Interesses econômicos internacionais? Picuinhas domésticas? “Acabar


com ele, acabar com a Comal, foi uma burrice que o Brasil cometeu”.
Na opinião de Saulo Ramos “ele era um empresário à frente do seu
tempo, que pensava na globalização dos mercados em plena década
de 1960”. Mas como era comum naqueles anos, havia muita inocência
e algum romantismo. Álvaro Moya não se conforma com o despreparo
do diretor da TV Excelsior, Edson Leite, ao debater com Herbert Levy.
“Edson Leite não tinha nível para discutir com um homem com a cul-
tura de Herbert Levy. O deputado arrasava com Mário Simonsen nos
estúdios da televisão, tudo no ar, e o Edson não tinha jogo de cintura

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para responder aos ataques”.
A TV Excelsior inovou até nisso. Colocou no ar o caso Comal, Herbert
Levy bombardeando o dono da casa, pedindo que fosse processado,
impedido de negociar com café. Participou, assim, do início de sua
própria destruição, porque depois de terem afastado definitivamente
Mário Wallace Simonsen do comércio do café, ainda restava ao grupo
a maior companhia de aviação e rede de televisão de maior audiên-
cia. Mas por pouco tempo. A Panair do Brasil e a TV Excelsior estavam
marcadas. Seriam as próximas vítimas.

Nas Asas da Panair (v. Tom Jobim)

Paris, 1964. Nos cinemas, estreava a mais nova produção do diretor


François Truffaut: La Peau Doce, que no Brasil se chamou Um Só Peca-
do. Um homem casado, sempre em viagens de negócios, apaixona-se
por uma bela aeromoça que acaba por destruir seu casamento. Jean
Dessailly, no papel do negociante, e Françoise Dorléac, a comissária
de bordo, viajavam e trabalhavam na Panair do Brasil. O avião e o 377

símbolo da companhia brasileira são partes importantes do filme, que


lhe dedica belos takes e alguns minutos.

Nos ares, a Panair não conquistou só o cinema francês. Naquela época,


ela era a única companhia aérea brasileira a voar para a Europa. À
Varig restava a América. Tudo ia bem, como nas histórias de cinema.

Tarde de 11 de fevereiro de 1965. Na pista do aeroporto do Galeão, no


Rio, um DC-8 da Panair do Brasil estava pronto para decolar e cumprir
a rota Rio – Lisboa – Roma – Frankfurt. Mas ele não voaria aquela vez,
nem cruzaria jamais o Atlântico pela Panair do Brasil.
Quando o avião já começava a taxiar, chegava ao Galeão o despacho do
presidente Castelo Branco, num curto e seco telex assinado pelo ministro
da Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes. Determinava a imediata
suspensão de todos os voos e atividades da Panair do Brasil. Enquanto
escritórios e hangares da companhia eram ocupados por militares, um
Boeing 707 da Varig embarcava os passageiros que desciam do DC-8

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da Panair, impedido de voar. Dois dias depois, veio a falência. No mês
seguinte, o Guia Aeronáutico retirava para sempre da publicação as
páginas referentes aos voos e rotas da Panair e acrescentava mais uma
folha à Varig, herdeira de todas as linhas da Europa tomadas da Panair.

A ditadura aplicava um golpe fatal na empresa que facilitara o regresso


e a posse do derrubado presidente João Goulart. Interrompia uma his-
tória de pioneirismo e de sucesso iniciada em 1929, às vésperas de uma
verdadeira revolução, a de 1930. Tudo começou com a concorrência
entre a Pan American e a Nyrba, sigla da New York – Rio – Buenos Aires
Lines, pelas linhas da costa leste da América do Sul. A Pan Am ganhou
a disputa, absorveu a Nyrba e a companhia aérea no País mudou o
nome para Panair do Brasil. Cresceu e com o fim da Segunda Guerra
Mundial oferecia o serviço mais rápido para a Europa. A Panair estabe-
leceu ligações pioneiras para todo o território brasileiro e manteve-as
durante 35 anos, até sua cassação. Um desses voos pioneiros foi o do
Rio para Manaus num Catalina, em 1933. Chegou primeiro a Santos,
378 Belém, Marabá, Buenos Aires, Santarém, Rio Branco, Porto Velho e a
muitas cidades da Amazônia.

Mário Wallace Simonsen entrou na Panair não como passageiro, mas


como dono, em 1961. Ele e o empresário Celso da Rocha Miranda, da
Companhia Internacional de Seguros, adquiriram o controle acionário
da empresa, tirando-a do controle da Pan American. A empresa cresceu
muito sob a administração dos dois empresários, tanto que, quando foi
cassada, a Panair do Brasil era considerada a segunda maior empresa
privada nacional. Seu sócio, Celso da Rocha Miranda, representava no
Brasil a indústria aeronáutica europeia, que ameaçava a hegemonia
norte-americana. A Panair trazia para o promissor mercado brasileiro
aviões modernos e revolucionários, como o Sud-Aviation Caravelle, or-
gulho da indústria aeronáutica francesa. Nessa época, a Varig já havia
rompido laços cordiais com a Panair, com o grupo que a controlava e que
vendia os Caravelles, e aliava-se definitivamente à indústria aeronáutica
norte-americana. Mário Wallace Simonsen e suas empresas tinham todo
interesse em facilitar a conquista do mercado brasileiro pelos fabricantes

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europeus de equipamento aeronáutico. A Wasin, por exemplo, era ex-
clusiva representante do grupo Sud-Aviation, fabricante dos Caravelles.

Céu de brigadeiro para a Panair do Brasil, apesar da forte concorrência:


Alitália, Lufthansa, Air France, Tap, disputavam os mesmos passageiros.
Só em novembro de 1963, o Brasil assinou com governos estrangeiros
acordos de reciprocidade de linhas, o que tranquilizou a Panair. Por
pouco tempo.

Veio a cassação e a concorrente, a Varig, em questão de minutos colocou


suas aeronaves nas rotas da Panair. “Tamanha façanha, sem sombra de
dúvida, foi fruto de cuidadosa preparação, que não poderia ser feita
em algumas horas.” Essa é a opinião de Aldo Pereira, autor da Breve
História da Aviação Comercial Brasileira. Para o especialista, já eram
notórias as divergências entre Mário Wallace Simonsen e o banqueiro
Walter Moreira Salles, ponta de lança do banco Chase Manhattan no
Brasil. Wallinho lembra-se de que o relacionamento do pai com o ban- 379
queiro era frio e distante. Anos depois, com o concorrente quebrado
e morto, Walter Moreira Salles encontrou-se com Wallinho e afirmou
que nunca havia prejudicado seu pai e que respeitava muito a sua
capacidade empresarial.

Fechou por quê? Um relatório do presidente da Panair, Paulo Sampaio,


assegurava que a companhia estava em plena vitalidade operacional
e financeira mas “foi atingida pelas fagulhas da tempestade política”.
O principal executivo da Panair culpou “as manobras insidiosas, esti-
muladas por uma luta empresarial em busca de melhor acomodação e
suspeitos privilégios do novo regime, formam o pano de fundo dessa
trama contra a Panair”. Sem uma explicação técnica plausível, os bo-
atos multiplicavam-se. Falavam nas estreitas ligações entre o ministro
da Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes, e o maior acionista da
Varig, Rubem Berta. Alguns especulavam que o ministro da Guerra,
Costa e Silva, era parente do presidente da companhia rio-grandense,
Adroaldo Mesquita Costa, e por isso teriam cortado as asas da Panair.

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Uma investigação na contabilidade da empresa e nos centros de
manutenção, dirigida pelo brigadeiro Oswaldo Baloussier, nunca foi
revelada. Oficialmente, a Panair do Brasil não pôde voar mais porque
se encontrava numa situação econômica difícil e que não poderia ofe-
recer segurança necessária em seus voos. Mesmo sem ter tido acesso
a documentos oficiais, o colunista de aviação Mário José Sampaio,
do Jornal do Brasil, não tem dúvidas de que o fechamento da Panair
teve implicações políticas, “mas ninguém pode negar a fragilidade
econômico-financeira da companhia na época”.

Quando o jornalista Millôr Fernandes escreveu sobre a morte de


Mário Wallace Simonsen, pouco depois do fechamento da Panair,
destacou que o caminho de pedras do empresário começara em
outubro de 1963. “Rompido com o banqueiro Walther Moreira
Salles, Simonsen teve cortados os créditos externos junto ao Chase
Manhattan e a outros bancos internacionais pelo seu inimigo”. A
380 Varig havia solicitado um empréstimo ao Chase Manhattan, com o
aval do governo, no valor de US$ 5 milhões, com carência de cinco
anos e juros de 6% ao ano. O dinheiro serviria para a empresa gaúcha
pagar as dívidas da Real, uma empresa aérea incorporada pela Varig,
e somaria juros de US$ 758 mil. Segundo Aldo Pereira, essa versão
nunca foi contestada e pode ser justificada pela apropriação que
companhias aéreas brasileiras fazem da receita gerada em dólares
nas linhas internacionais.

O faturamento das empresas de aviação em moeda estrangeira não


passa pelo governo, não sofre conversão imediata. Desse privilégio ne-
nhum outro exportador goza. Por isso a Varig, com as linhas europeias
da Panair do Brasil, poderia pagar suas dívidas com os desafetos de
Simonsen. Antes do fechamento da Panair do Brasil, o presidente do
Chase Manhattan, David Rockefeller, almoçou com Walther Moreira
Salles e Rubem Berta, no restaurante da revista O Cruzeiro. A imprensa
noticiou o encontro, mas o assunto foi tão sigiloso que Mário Wallace
Simonsen não tomou conhecimento do que os três conversaram.

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A Panair do Brasil é lembrada pelo seu pioneirismo, simpatia e tam-
bém pelo primeiro sequestro aéreo do País: o de Aragarças. Durante
a disputa presidencial entre Lott e Jânio, em 1959, um Constellation
foi desviado da rota. Aterrissou em Aragarças. O inusitado foi que o
mentor do plano e o piloto, que sabia de tudo previamente, eram
funcionários da própria companhia. A partir daí, a inteligência da
Aeronáutica ficou com a Panair do Brasil na alça de mira. Dois anos
depois, a companhia deu assento a Jango para que tomasse posse de
sua cadeira no Planalto. A desconfiança só aumentava.

A Panair do Brasil briga na Justiça pelas antigas linhas, pelos aeropor-


tos de Recife, Salvador e Belém. Também quer de volta a Tasa (Tele-
comunicações da Aeronáutica), que instalou toda a infra-estrutura de
tráfego aéreo do país, incorporada pelos militares. Na extensa lista de
imóveis perdidos, há o valiosíssimo aeroporto de Ezeiza, em Buenos
Aires. O principal interessado na Panair e sócio de Simonsen, Celso da
Rocha Miranda, morreu em 1986, aguardando o desfecho dessa histó-
ria rumorosa. Nunca mais veria sua competente companhia aérea nos 381

ares. “A soberana do Atlântico”, como se chamava nas campanhas


publicitárias, foi destronada pelos novos poderosos.

A Excelsior Fora do Ar

Pelo menos em São Paulo, a programação de tevê do dia 31 de março


de 1964 não estava nada má. Naquela terça-feira chuvosa, o sucesso
eram as novelas diárias, lançadas pela TV Excelsior em julho do ano
anterior. A TV Tupi copiou a fórmula e, no início do mês, lançou Alma
Cigana, uma trama do mexicano Manuel Muñoz Rico, adaptada por
Ivani Ribeiro. A Excelsior não ficava atrás e exibia outro primor latino,
As Solteiras de Alberto Migré. E os seriados norte-americanos já esta-
vam no ar, como fruto da crescente internacionalização da economia
brasileira. Alguns deles da melhor safra que Hollywood já produzira.
Os Intocáveis era um desses. A noite era de Jota Silvestre, na TV Cultura
antes da estatização. Eva Wilma e John Herbert divertiam-se na Tupi
com Alô Doçura. Dia tenso, a terça-feira foi do humor. O Mundo Alegre

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de José Vasconcellos na Record, Horário No...brega na TV Paulista e O
Show é Colé na TV Excelsior.

Um dia péssimo para risadas. As informações sobre a movimentação


militar chegavam, desde as primeiras horas da manhã, elevando a ten-
são e fazendo com que os telespectadores procurassem ansiosamente
pelos noticiários. Mas em se tratando de notícia e emoções, a progra-
mação do dia seguinte, primeiro de abril, seria melhor ainda para os
telespectadores cariocas. Ao vivo, o Rio viu os rapazes do Comando de
Caça aos Comunistas (CCC) tocarem fogo na sede da União Nacional
dos Estudantes (UNE), na praia do Flamengo. Pena que as câmeras não
testemunharam outro show: a frustrada tentativa do apresentador
Flávio Cavalcanti em invadir a redação e oficinas do jornal janguista
Última Hora.

A cuidadosa campanha ideológica para assustar a classe média com o


fantasma da comunização do País chegou ao auge depois do Comício
382 da Central do Brasil, no dia 13 de março. Nele, diante de uma mas-
sa popular e das câmeras de televisão, o presidente João Goulart se
comprometeu com as temidas Reformas de Base, uma revolucionária
mudança constitucional. Apesar da serenidade que procurava mostrar
ao lado da bela mulher Maria Tereza, nem Jango, nem a aterrorizada
classe média que assistia pela televisão ao comício tinham dúvida de
que a situação do Brasil era gravíssima. Alguma coisa iria acontecer e
não tardaria muito: 18 dias.

Nada de lágrimas de novelas, nem socos dos seriados norte-america-


nos. A atenção dos telespectadores estava voltada para os telejornais,
que cobriram o movimento golpista desde as primeiras horas da
manhã. Nessa época, Wallinho estava na Excelsior do Rio e nunca se
esqueceu daquele dia. Ele havia se encontrado com Fernando Bar-
bosa Lima Sobrinho, diretor do Jornal de Vanguarda, e depois saiu
para dar uma volta nas ruas. Até hoje recorda, surpreso, a alegria
da classe média e a apatia dos pobres. Hoje, forçando a memória,
acha que o povo gostou daquela mudança. Uma fase de inocência

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democrática iniciada com a Constituinte de 1946 se acabava ali na
sua frente. Como tudo, o golpe também viria mudar profundamente
a televisão, reordená-la para uma era de modernização tecnológica,
planejada e centralizada, feita à custa de muita intolerância e auto-
ritarismo. Espelho róseo do regime militar, a televisão brasileira que
conhecemos hoje não nasceu, nem morreu sob o signo do arbítrio.

Que função teria a TV nesses novos tempos? Para o professor Muniz


Sodré, no jogo das classes sociais a televisão produz hegemonia ideoló-
gica e dominação cultural. No livro Monopólio da Fala, ele aponta esse
efeito no Brasil: a televisão “no interior de nosso modelo econômico-
-financeiro, representa um valor real no processo de acumulação do
capital, um trabalho socialmente necessário para a reprodução das
condições produtivas dominantes”. Para o professor, a tevê está iden-
tificada com a concentração econômica, com o poder político e com o
“neomonolitismo das formas de pensamento.”

Com a ditadura, a TV Excelsior foi levada à exaustão, à falência e, por 383

fim, ao total desaparecimento. “Foi um dia terrível”. Maurício Sher-


man, funcionário da Excelsior na época, nunca se esqueceu. “Uma
turma de sujeitos invadiu a TV Excelsior com o general Gustavo Borges,
chefe da polícia do Lacerda, à frente com uma metralhadora na mão.
Invadiu a emissora, cujos únicos revólveres eram os da contrarregra.
Revólveres Estrela e os únicos tiros que a gente dava eram de pólvora
seca. Invadiram com essa violência e tomaram os estúdios, mandaram
lacrar, mandaram tirar, mandaram não-sei-o-quê e o Lacerda babando
no meio daquilo tudo.”
Aliado aos golpistas, o governador da Guanabara nunca escondeu
sua atração pela televisão. O primeiro político brasileiro a usar e se
dar conta do poder do veículo, Carlos Lacerda, sempre teve vez e
sempre falou na TV Excelsior, mesmo sendo opositor e hostil ao seu
proprietário. Durante a CPI do Café, Herbert Levy sofria críticas por
sua atuação parcial, mas Lacerda escreveu uma carta aberta defen-
dendo o deputado. Para Lacerda, Levy “estava no dever de defender o
patrimônio público e punir os que o assaltaram” e o governo Goulart

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“estava dando margem a que ladrões (no caso, o grupo Simonsen)
impunes usassem instrumentos poderosos de comunicação com o
público, como são os da televisão, para injuriá-lo e difamá-lo (Levy)”.
Lacerda, mais agressivo do que de costume, escreveu: “me causa
repugnância ver impunes ladrões usando a televisão que montaram
com o dinheiro roubado à Nação e beneficiados pela inexplicável
impunidade, tentarem mantê-la (TV Excelsior) negociando o seu ape-
lo aos promotores da impunidade (governo Goulart)”. Na resposta
ao governador carioca, Herbert Levy parecia estar bem informado.
“Muito em breve as falcatruas que pusemos a descoberto terão a
punição merecida.”

Depois do golpe, a situação de Mário Wallace Simonsen ficou insus-


tentável. Naquele tempo, não havia duplicatas de publicidade, como
acontece em todo departamento comercial de qualquer televisão. Era
tudo na base da promissória, e Wallinho viu os bancos fecharem as
portas à emissora indesejável ao novo regime. Além da asfixia finan-
384 ceira, animado com os abusos jurídicos dos primeiros dias do golpe,
Lacerda denunciou o empresário, Wallinho, e outras pessoas da família.
Um juiz da Guanabara determinou o sequestro de todos os bens e o
presidente do Banco do Estado da Guanabara na época, Antonio Carlos
de Almeida Braga, o Braguinha, foi nomeado fiel depositário de tudo,
inclusive das ações da Excelsior.

Assim, Lacerda ganhou uma tevê, o palanque eletrônico que tanto


queria. José Carlos Rao pergunta num artigo da Revista dos Tribunais,
em 1965, “por que a Justiça da Guanabara, totalmente ausente de
qualquer das raízes desse processo (Comal), de fundamentos nitida-
mente federais, avocou a si o pretenso direito de processar criminal-
mente um determinado número de pessoas?” O próprio advogado
apressou a resposta. “Não terá sido a possibilidade, através de um
processo judicial decretado arbitrária e violentamente, de entregar-
se o controle acionário de uma rede de estações de televisão a um
determinado governador de estado do qual esta estranha Justiça é
um dos poderes?”

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Com o sequestro dos bens de Simonsen, Carlos Lacerda ocupou a TV
Excelsior, colocando-a para trabalhar pela eleição de seu candidato à
sua sucessão, o professor Edgar Flexa Ribeiro. Os cariocas, espectadores
ou não do Canal 2, derrotaram Lacerda nas urnas. Deu Negrão de Lima
para o governo da Guanabara. Mas com Lacerda, Wallinho teve que se
afastar da estação e começou a sofrer pressões para vendê-la. Passou
tudo para os Frias, donos do jornal Folha de S.Paulo. Wallinho foi preso
e depois solto. Tinha que suportar os próprios funcionários falando
que se ele não estivesse à frente da Excelsior e se ela não pertencesse
aos Simonsen, estaria crescendo e não sofreria qualquer perseguição.
Exausto, farto de tudo e à beira de uma séria crise nervosa, decidiu
morar na Europa.

No final da década de 1960, Wallinho estava em Paris, casado com


Adelita Scarpa e foi apresentado pelo sogro a um advogado que
propôs que ele comprasse a Excelsior de volta. A emissora já estava
economicamente inviável, mas Wallinho não teve discernimento para
saber o que estava fazendo, fazia tratamento psiquiátrico. “Eu estava 385

pirado”, confessa. “Comprei a televisão de volta e jogaram a bomba


para estourar em cima de mim”. Era um contrato leonino: transferia
para ele a concessão e os equipamentos, mas os imóveis ficaram de fora.

Wallinho voltou para o Brasil para reassumir a TV Excelsior. A que já


tinha sido um dia a mais inovadora, poderosa e criativa emissora de
televisão, agora definhava. Atrasos de pagamentos, distribuidoras de
filmes com contas milionárias a serem pagas e os funcionários, que em
plena ditadura receberam autorização do Ministério do Trabalho para
fazer uma greve, de braços cruzados. Wallinho aponta os culpados.
“Os militares queriam arrasar o que restava do grupo Simonsen e era
preciso eliminar esse nome da história do Brasil.”

A crise aumentava, a audiência desabava e Wallinho passou a Excelsior


para Terezinha de Oliveira Abreu, esposa do ex-deputado cassado Dori-
val Masci de Abreu, por um valor que não correspondia ao patrimônio
das emissoras, segundo o jornal O Estado de S. Paulo. Enquanto isso,

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a rede Excelsior tinha 16 pedidos de falência, devia à Previdência, à
Receita Federal, além de centenas de outros credores.

Uma novela emocionava São Paulo. Não era Véu de Noiva e nem Nino,
O Italianinho. Eram os funcionários, que, durante 24 horas por dia,
apelaram para a generosidade dos telespectadores e dos credores,
especialmente. “Nós, funcionários do Canal 9, TV Excelsior, assumimos
a direção dessa casa. E é a você, credor, que fazemos esse apelo. Nos
dê condições de trabalho para que você possa receber. Nós também
somos credores e estamos trabalhando para que tudo seja solucio-
nado.” Eles estavam sem receber há vários meses. Artistas de outros
canais prestam solidariedade aos empregados da Excelsior, como Hebe
Camargo, Roberto Carlos e Blota Júnior. Os supermercados entram na
campanha e fazem vendas beneficentes do casal de bonequinhos do
Canal 9 paulista.

As dificuldades eram enormes. Com as novelas fora do ar por causa da


386 greve e sem dinheiro para manter qualquer programação, a situação
da TV Excelsior não ficaria muito tempo sem solução. Caberia ao pre-
sidente mais linha dura de todos os governos militares o golpe final
contra a televisão do grupo Simonsen. No dia 28 de setembro de 1970,
Médici assinou o decreto que cassava os canais do Rio e de São Paulo
da rede Excelsior.

Segundo o Jornal do Brasil, o decreto da cassação teve origem numa am-


pla investigação sobre a Excelsior e a Rádio Mayrink Veiga, iniciada em
1964. Só o relatório da TV Excelsior tinha 120 páginas e estaria nas mãos
do presidente Emílio Médici. Mas esse relatório não consta, até hoje,
de nenhum arquivo do governo ou do Ministério das Comunicações.

Com a tevê fora do ar, começou o saque aos despojos da TV Excelsior.


Os equipamentos foram desviados para a TV Gazeta que, segundo a
revista Veja, “era um mero tentáculo do grupo Folha de S.Paulo”. No
dia seguinte à cassação, o jornal O Estado de S. Paulo denunciava que
“às vésperas do fechamento, Otávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira

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Filho conseguiram a posse de dois edifícios da empresa, um no Rio e
outro em São Paulo”. Os desvios eram tantos que a TV Gazeta, que
ocupa o Canal 11 em São Paulo, recebeu da Veja o apelido de “Canal
20”, porque estava somando com o butim da Excelsior. E a revista ques-
tionava sobre a herança pobre da Excelsior. “Como é que possuindo
um dos melhores equipamentos entre as tevês de São Paulo, deixou
pouco mais que móveis e instalações de escritório, insuficientes até
mesmo para cobrir os débitos trabalhistas da empresa?”.

Sem o sinal da TV Excelsior no ar, terminava o império de Mário Wallace


Simonsen. Seis anos depois do golpe militar, não havia mais o menor
resquício do poderio econômico e empreendedor que esse homem teve,
um dia, no Brasil. Acabávamos de conquistar o tricampeonato mundial
de futebol no México, a guerrilha atormentava os militares que respon-
diam com prisões, torturas e desaparecimentos políticos. A imprensa
estava amordaçada desde o final de 1968, com o AI-5. Mas a classe
média chegava ao paraíso, com os índices da economia crescendo como
nunca se vira antes. O Brasil Grande rasgava entradas na selva, erguia 387

usinas hidrelétricas, ligava-se com o mundo via Embratel. A Revolução,


como os militares obrigaram a história a chamar o golpe de estado de
1964, estava dando certo. Até na televisão, o Brasil progredia. Uma
nova estação tecnicamente moderna, politicamente asséptica, assumia
a liderança de audiência e a defesa do regime. Se a TV Excelsior não se
prestava aos ditadores, a TV Globo cabia como uma luva. Usando todos
os trunfos da emissora de Mário Wallace Simonsen, como programação
horizontal e vertical, telejornal entre novelas diárias e audaciosas cam-
panhas publicitárias, a TV Globo se consolidou. Categórico, Álvaro de
Moya sentencia: “A TV Globo é mero plágio da Excelsior”.

Conclusão

Perseguição política. Esse foi o provável motivo para o total desapare-


cimento do que um dia fora o império empresarial de Mário Wallace
Simonsen. Tudo aconteceu pouquíssimo tempo depois da brusca mudan-
ça político-institucional, ocorrida no Brasil com o golpe militar de 1964.

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O golpe militar de 1964 estava sendo articulado há muito tempo. Hi-
bernava desde o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954, foi
abortado com a conduta legalista do marechal Lott, e quase deu certo
durante a crise da renúncia de Jânio Quadros. Mas o golpe final teve
que esperar por um primeiro de abril.

Um avião da Panair do Brasil, colocado pelo empresário à disposição


do vice-presidente João Goulart marcou definitivamente a quebra de
confiança dos militares em Mário Wallace Simonsen. A TV Excelsior
nunca atacou o governo Jango e, mais grave ainda, Simonsen nun-
ca contribuiu para os institutos que se tornariam a intelligentzia do
movimento golpista, como o IPES e o IBAD. Mário Wallace Simonsen
estava ao lado de Brasília, solidário, quando quase todo o empresaria-
do nacional tremia com as Reformas de Base, que Jango quis mas não
chegou a implementar.

O filho do empresário, Wallinho, enalteceu a figura do pai. Para com-


388 provar o seu patriotismo, contou que na época da CPI do Café, Simonsen
havia sido procurado por exportadores africanos para que assumisse
o controle das exportações e que colocasse o café deles no mercado
internacional. Simonsen disse não. Achava que a ditadura seria uma
coisa passageira e que, depois, não poderia honrar o acordo com os
africanos. Wallinho também se lembra dos conselhos que o pai recebeu
para que se afastasse da televisão.

“Eram recomendações de ordem política, tanto que quando precisou


ser defendido, ele não teve o apoio da imprensa, que via nele um
concorrente agressivo.”

Não restam dúvidas de que, ideologicamente ou não, o empresário


esteve ao lado dos interesses do governo João Goulart. Simonsen ja-
mais poderia ser taxado de esquerdista, mas era liberal numa época
em que o mundo se dividia apenas em dois lados, esquerda e direita.
“Os interesses do meu pai se confundiam com os interesses do País.
Não que ele fosse bondoso, mas havia uma coincidência, porque ele

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lidava com uma das únicas fontes de divisa que o Brasil possuía. E
meu pai dependia do governo central, fosse ele quem fosse”, cons-
tata Wallinho.

As conexões do empresário com o poder também fazem parte das


argumentações de Álvaro Moya. “O negócio dele era tão grande que
quem quer que fosse o governo estaria ligado a ele. Mário Wallace
Simonsen esteve junto a Juscelino e quando Lott perdeu ele se ligou ao
Jânio. Com Jango aconteceu a mesma coisa. Ele continuou apoiando
o presidente porque suas empresas dependiam do governo. Só assim,
tendo esses laços, ele poderia dominar o café brasileiro, o IBC e tudo
mais”. Mas Moya também credita aos capitalistas estrangeiros uma
parcela de culpa. “Rockefeller sempre quis derrubar a penetração do
café brasileiro no mercado europeu. Mário Wallace Simonsen repre-
sentava o início de um capitalismo brasileiro de nível internacional.”
Saulo Ramos também vê no grande capital externo motivos para que
Simonsen fosse destruído. “Ele quis competir com quem monopolizava
os produtos primários no mundo.” Ainda hoje, Álvaro Moya não reco- 389
nhece em nenhum empresário brasileiro a estatura política, cultural e
econômica que encontrou na figura de Simonsen.

Numa CPI tendenciosa, destruíram a maior exportadora de café do país.


“Uma besteira que deixou muita gente séria, politicamente indepen-
dente, chocada”, lembra Saulo Ramos. Cassaram as linhas da Panair do
Brasil, o que fez com que cinco empregados se matassem. Uma injustiça
relembrada em almoços anuais com antigos empregados de bordo e de
terra. Além de ter sido injusto, o fim da Panair do Brasil foi benéfico
para dois conhecidos desafetos de Simonsen. David Rockefeller e Walter
Moreira Salles recuperaram o dinheiro emprestado à Varig que, com
novas linhas internacionais, pôde pagar cada centavo da dívida. Até
o Ministério da Aeronáutica saiu lucrando, incorporando a subsidiária
da Panair responsável pelo controle de tráfego aéreo, a Tasa, e alo-
jando algumas repartições em vários aeroportos, antes pertencentes
à companhia. Depois de tanto tempo, ainda se pode ver o nome e o
símbolo da Panair na sede do III Comando Aéreo Regional (Comar), na
Praça XV de Novembro, no Rio.

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E, por fim, fecharam a TV Excelsior, emissora que revolucionou a ma-
neira de se fazer televisão e que teve um final melancólico. Fruto de
má gestão aliada à má vontade do governo federal em salvá-la, a Ex-
celsior conseguiu superar-se na história. Único ponto visível do outrora
poderoso império, a televisão estava com os seus dias contados. Devia
a todo mundo e foi substituída na preferência nacional pela TV Globo,
imagem asséptica e acomodada do Brasil Grande.

Wallinho acredita que teria sido muito mais fácil apoiar os golpistas ao
invés de lutar pela democracia. Alguns meses antes de abril de 1964,
Simonsen foi procurado e não respondeu aos chamados do então go-
vernador mineiro e líder civil da Revolução, o banqueiro Magalhães
Pinto. “Tudo caiu em cima dele, foi uma coisa planejada”, sentencia
Saulo Ramos.

Álvaro Moya tem como certa a sua definição para a destruição do


390 império Simonsen. “A ditadura militar derrubou Jango e depois o
Mário Wallace Simonsen. Foi uma perseguição política, acabaram com
a família dele e ele não era ligado ideologicamente a João Goulart.
Ele era a favor do dinheiro, do negócio. Ele dependia do governo e
estava querendo progredir e, como todo capitalista, queria ter lucro”.

Com o desaparecimento desse conglomerado econômico, outros sur-


giram. O tipo de televisão que a Excelsior sonhava transformou-se em
realidade pela tela da TV Globo. E o café há muito tempo deixou de
ser o maior produto de nossas exportações, superado pela produção
colombiana. O curioso é que as grandes herdeiras do desaparecimento
do grupo, a Varig e a TV Globo, passaram imunes à fúria estatizante do
regime militar, mesmo ocupando setores que em muitos países estão
ou estiveram nas mãos do estado.

Wallinho conta uma história inusitada. Durante os primeiros dias


da ditadura, ele ouviu de um amigo, lotado no famigerado quartel
da Rua Tutóia, em São Paulo, que havia uma cadela chamada pelos

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oficiais de Comal. Para o filho, essa é a maior prova da raiva e do
ressentimento que os militares tinham por seu pai. Com a vitória
dos golpistas em 1964, o País perdeu democracia, liberdade, justiça,
vidas humanas. Mário Wallace Simonsen perdeu tudo isso e mais
um império.

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Joe Wallach

Revista Trip:
Pergunta: — A saída da Excelsior do mercado, com a licença cassada
pelos militares, em 1970, ajudou a Globo em São Paulo?

Joe Wallach:
Resposta: — ajudou, sim. Era um concorrente a menos. Em São Paulo,
a Record fazia musicais e a Excelsior, novelas. Mas, quando o Mário
Simonsen morreu [em 1965], a Excelsior começou a ruir. No Rio, entrou
o Edson Leite, que era um maluco e fazia tudo sem sucesso. Não foram
os militares, foi o fracasso administrativo da Excelsior que a matou.¨

Guilherme Werneck in Revista Trip n. 169, agosto de 2008

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Cinema in VT

Hoje isso não é novidade, mas em 1962, a TV Excelsior foi pioneira


mundial em feitura de filmes, usando equipamento de TV. Anos depois,
Francis Ford Coppola realizou O Fundo do Coração e Michelangelo
Antonioni, com apoio da RAI-TV dirigiu O Mistério de Oberwald, em
cores, gravando em VT e vertendo tudo em negativo de 35 mm, para
exibição nos cinemas.

Na década de 1960, entretanto, somente na França, a Franscope en-


saiava o vídeo assist e na Inglaterra, Douglas Fairbanks Jr., com a Pye
Electronics tentava fazer filmes para cinema, usando o vídeotape. A
vantagem, talvez a principal, além do ritmo de gravação, seria eco-
nômica, pois evitaria o desperdício de negativo com as cenas erradas.
No VT, simplesmente se apagam e usamos a boa. O som direto seria
outra vantagem.
395

Desde quando fizeramos uma cópia 35 mm de Hipócrates, no progra-


ma Caminhos da Medicina, a Vídeo View, de Hollywood insistia em
realizarmos uma experiência especial. Eu já não estava mais na TV,
quando Lelio Castro Andrade convenceu Wallinho a investir doze mil
em dinheiro da época, para fazer um curta. OK. Mas, nosso equipa-
mento era em P&B, de má qualidade. Era preciso encontrar um tema
que parecesse próximo do cinema mudo, ou seja, que a parca definição
parecesse um efeito e não um defeito. Bingo!

O Manoel Carlos tinha uma adaptação do conto clássico de Ernest


Hemingway, Assassinos. A Lynxfilm entrou no projeto com o labora-
tório e com o mestre Chick Fowle assessorando a iluminação de Dante
Leccioli. O visor da câmera tinha sido adaptado para a tela panorâmica
de cinema. A Polifilmes ficaria com a distribuição. Os dois matadores
profissionais usavam chapéus coco, tipo O Gordo e o Magro. Eram
para ser Lima Duarte e Jô Soares. O gordo não pôde e escalamos o
Armando Bogus.

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No meio da programação normal, no estúdio da Nestor Pestana, tí-
nhamos duas noites para gravar, das 24h às 7h da manhã. Decidimos
gravar a segunda parte, a mais difícil e, no dia seguinte, o bloco ini-
cial. No primeiro dia de filmagem, o desfecho, quando os matadores
assassinam o sueco, Carlos Zara, e na segunda noite, a chegada dos
sicários no bar, à procura de seu alvo. Se não conseguíssemos filmar a
primeira parte já teríamos uma mini-história com final. E um começo
elíptico: um jovem, Walter Avancini, chega à pensão para avisar ao
fugitivo que dois matadores profissionais chegaram ao bar da cidade
para eliminá-lo, e o sueco, inexplicavelmente, cansado de fugir, resolve
aceitar sua morte e jamais saberemos o motivo de seu fim.

O problema principal era que o corte eletrônico ainda não tinha chega-
do e o trabalho era feito com uma gilette. Gravávamos uma cena com
cortes no switch, usando duas câmeras e emendávamos com a ante-
rior, mais uma cena e nova emenda, como os degraus de uma escada.
Acontece que, se houvesse um erro, tinha que gravar tudo de novo,
396 do princípio. E o técnico de gravação, Arlindo Partiti nos avisou que às
7 da manhã, precisamente, uma fábrica ou indústria clandestina nas
cercanias não localizada, começava a trabalhar e como a técnica não
era blindada, desarmava toda a gravação feita. Era preciso terminar
antes das sete horas da manhã.

A sequência final da primeira noite era a mais difícil: a fuzilaria dos dois
assassinos contra o sueco deitado na cama da pensão. Um especialista
trabalhava com tiros de festim. Zara usava um preservativo cheio de
sangue, com fita durex no peito sob a camisa T-shirt branca. Quando
Lima e Bogus disparavam, ele levava a mão ao peito, estourando a cami-
sinha, encharcando de sangue seu tórax, enquanto soltava sangue pela
boca. Perfeito. Faltava o último take. Uma câmera por baixo da cama
captava, em primeiro plano, o braço do homem que morria, soltando
a harmônica de boca, que tocara, ficando com a mão hirta, enquanto,
ao fundo, os pés dos criminosos se afastavam. A mão de Carlos Zara
não acertava. Partiti gritava pelo interfone que estava quase batendo
sete horas e tudo iria se perder. Pânico no estúdio.

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Tudo tinha corrido tão bem, em harmonia. Pela primeira vez, sem a
histeria do teleteatro ao vivo, se via uma equipe organizada, traba-
lhando em silêncio, com um incrível sentido de autocrítica, em que
cada profissional revia, em retorno no estúdio, no monitor, a cena
gravada em primeira mão e um simples lembrete do diretor pelo
alto--falante, todos corriam para corrigir para a próxima tentativa
que saia perfeita. Eram contribuições de cada um, sequiosos de cor-
rigir o detalhe invisível aos olhos do público, mas indispensável para
uma experiência perfeccionista e inédita. O ator se via e corrigia sua
interpretação. O iluminador tirava uma pequena sombra no olho do
ator. O contrarregra removia uma garrafa em fundo que ligava com a
cabeça do ator em primeiro plano. O câmera melhorava a enquadração
ou movimento. Parecia cinema.

Diferentemente de hoje, quando o cinema nacional usa a linguagem


televisiva, quando um longa-metragem brasileiro não tem sequer uma
tomada cinematográfica na telona feito por gente de TV, naqueles
tempos os profissionais vindos do rádio, que amavam e idolatravam 397

o cinema, tentavam fazer da televisão a sétima arte nos inícios da TV.


Tivemos, naquele momento mágico, no estúdio, a doce ilusão de que a
gravação em VT iria levar a TV ao mesmo nível do nosso amado cinema.
Infelizmente, esse tipo de trabalho jamais se repetiu na nossa televisão
e o videoteipe virou um motivo de relaxo total na gravação. Aquele
clima de TV ao vivo que parecia uma noite de estreia teatral, com pique,
desapareceu no ritmo industrial, na fábrica de salsicha enlatada, na
esteira rolante da produção em massa da televisão atual, que, inclusive
contamina o nosso cinema.

Mas esse não é o nosso assunto.

Voltemos ao suspense hitchcockiano. A primeira badalada das sete da


matina vai soar e nada de James Bond. O técnico grita pelo interfone.
A direção tenta manter tudo sob controle. Eis que o jovem mensageiro,
Walter Avancini, pula na cama e dubla a mão do Zara, com perfeição.
A cena é emendada na anterior e todos rolam no chão.

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Pausa, a equipe assiste, contrita, ao trabalho duma noite. Com a gra-
vação de amanhã teremos 19 minutos. Quanto tempo para filmar um
longa? Oito ou nove noites! Com negativo, som direto, trilha sonora
e tudo. Oitenta ou noventa minutos de produto bruto num só negati-
vo. Uma revolução na realização cinematográfica. O futuro integrará
cinema e vídeo.

Na noite seguinte, o trabalho rende melhor ainda, pois já temos domí-


nio da realização feita na noite anterior, que fora muito mais difícil.
Emendamos a primeira parte gravada na segunda noite com o final,
gravado na véspera.

O original vai para Hollywood. O telefone toca, os gringos estão eu-


fóricos. Volta o negativo e uma cópia 35 mm. Corremos para o cine
Coral, na Sete de Abril, emprestado pelo Dante Ancona Lopes. Jorge
Ileli, Jean Manzon, Carlos Manga, Rubem Biáfora, Durst, jornalistas,
críticos de cinema, atores, publicitários, todos ficam boquiabertos.
398 Manzon: “Eu pensei que fosse esperto...” Uma exibição no Rio, no
cine Paissandu e os presentes pensam que é um filme inglês, muito
bem dublado em São Paulo. Aí reconhecem Jayme Barcelos como o
dono do bar. Manga pergunta quem é aquele loiro bonito. Carlos
Zara. Acham que o defeito é efeito de época. Imaginem quando
chegar a TV em cores!

A TV Excelsior entra em crise. Paulinho Machado de Carvalho entra


no circuito e gravamos Tio Samba, no Teatro Record, uma experiência
frustrada. Vamos para os Estados Unidos, a Vídeo View está interessada
em entrar na sociedade. Mas, não há mais ambiente propício no nosso
país. Poderíamos enviar uma cópia para Cannes, Veneza, algum lugar
para registrar que o Brasil foi pioneiro no mundo em fazer cinema
via vídeotape. Como, se não temos os direitos de exibição da obra de
Ernest Hemingway, que pertencem à Universal Pictures? Maldição!
Por que não gravamos um conto brasileiro? Para piorar as coisas, a
Embrafilme perdeu nossa cópia única. Pelo menos, o Brasil marcou seu
pioneirismo. E ninguém viu.

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Assassinos, de Ernest Hemingway
equipe técnica: um filme de Álvaro de Moya
realização da TV Excelsior, SP, Brasil, 1962
produção: Wallinho Simonsen e Lelio Castro Andrade
produção executiva: Roberto Palmari
assistentes de produção: Jayme Barcelos e Bentinho
script: Manoel Carlos
iluminação: Dante Leciolli
câmeras: Italo Morelli e Eber Barella
som: Laurino Salvador e José Bastos
maquiagem: Pisani
edição de VT e gravação: Arlindo Partiti
engenheiro: Carlos Paiva Lopes
cenografia: Cyro Del Nero
assessoria de cinema: Chick Fowle/Lynxfilm
laboratório: Bandeirantes
distribuição: Polifilmes
direção geral e direção de TV: Álvaro de Moya 399
elenco: Carlos Zara, Lima Duarte, Armando Bogus, Walter Avancini,
Milton Gonçalves, Henrique Cesar, Riva Nimitz, Amandio Filho, Jayme
Barcelos e Carmen Silva
trasncrição para 35 mm: Vídeo View, Hollywood, California, USA
tempo:19 minutos
redução para 7 minutos: v. Embrafilme.

Álvaro de Moya

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Sartre

No dia 2 de setembro de 1960... “Às 21 horas, a TV Excelsior anunciava


a interrupção de sua programação para exibir, ao vivo, do estúdio lo-
calizado no Teatro de Cultura Artística, uma mesa-redonda com Sartre
e Simone e os entrevistadores Bento Prado Jr., Fernando Henrique Car-
doso e Roberto Schwarcz. Uma plateia de 1.200 pessoas acompanhou,
por mais de quatro horas, a entrevista que avançou pela madrugada.
Tudo em francês. Fui a Cuba e olhei fundo nos olhos de Fidel Castro.
Ele não está mentindo, disse Sartre. A plateia veio abaixo. Dei um
close no olho torto dele, conta Álvaro de Moya, diretor artístico da
emissora. No dia seguinte, Moya foi chamado pelo dono da Excelsior.
Senti que seria demitido. Não tinha pedido permissão para modificar
a programação, conta Moya. De fato, foi repreendido por dar espaço
a um notório comunista. Moya se defendeu exibindo as duas páginas
que o jornal O Estado de S.Paulo dedicara ao filósofo. O chefe recon-
siderou e deu carta branca ao diretor”. cf. Graziela Beting, in Gazeta 401
Mercantil de 11 de outubro de 2001.

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O Goleiro

Quando eu trabalhava na CBS em Nova York, em 1958, o Brasil jogou a


final na Suécia e nos States não havia o menor interesse pelo soccer. Um
brasileiro com rádio avisou para ficarmos no hotel, que nos telefonaria.
E avisou que o Brasil era campeão mundial de futebol pela primeira
vez. Naquela noite não dormi. Há anos tinha na cabeça a ideia de um
script sobre futebol.

Voltei para o nosso país, escrevi O Goleiro e inscrevi no prêmio Fabio 403
Prado, da União Brasileira de Escritores e ganhei, com o roteiro A Ilha
de Walter Hugo Khoury. Ele filmou e eu, não. Durante o período da
TV Excelsior, saiu o resultado do júri e foi uma festa. Eu não gostava
de aparecer no vídeo, então, os técnicos me pregaram uma. Fingiram,
durante o Brasil 60, de consertar uma câmera, e, de repente, a Bibi está
falando do prêmio e minha imagem está no ar! Me pegaram...

Álvaro de Moya

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Final

É muito difícil justificar, tantos anos depois, porque pedi demissão. Ou


entender, ou ainda me arrepender. Fui chamado à atenção por Pau-
lo Uchoa de Oliveira, achei um absurdo, ele, que nada fazia, vir me
censurar. O sangue espanhol me subiu à cabeça e escrevi a carta de
demissão; ele me pediu para reconsiderar, abri mão, com a teimosia
ibérica, deixando o pedido irrevogável por escrito na mão dele. Fim.

Arrependimentos tenho alguns na vida. Esse seria um deles? Como, se


foi bom para a Excelsior contratar Edson Leite e assumir a liderança
no Ibope? Como, se foi bom para a história da televisão? Como me
arrepender, se graças a Edson acabou a era do detestado Convênio no
rádio e na TV, no Brasil? E tudo isso serviu de degrau para o sucesso
nacional da Rede Globo de Televisão.
405
Acho que esse foi o grande feito do Edson Leite na televisão brasileira:
acabar com o Convênio. Os patrões das emissoras tinham um acordo
entre eles, que achávamos um absurdo, de não tirar ninguém de outra
emissora, a não ser que houvesse acordo entre as partes. Isso era escra-
vidão, desrespeito humano e profissional. Eles se reuniam e decidiam
o futuro de um profissional.

Corriam casos absurdos. O galã Fábio Cardoso ia ser contratado pelo


Teatro Brasileiro de Comédia. (Ah, sacanear o teatro podia, TV não). Um
dirigente da TV Tupi convenceu-o a ir ao TBC e abrir mão do contrato
teatral. Quando voltou, o patrão deixou-o gelado, dizendo: agora você
é um homem desempregado! E ofereceu o que quis.

O ministro do Trabalho de Jânio Quadros procurou alguns profissionais,


marcou uma reunião secreta na casa do radialista e publicitário Aurélio
Campos e buscou um testemunho de alguém que tivesse participado
duma reunião do Convênio, pois ele julgava que poderia, a partir do

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governo, considerar criminosa essa atitude dos patrões. Eu, como dire-
tor da Excelsior, não fazia parte e sim Paulo Uchoa de Oliveira, assim
como Cassiano Gabus Mendes não o era, e sim Edmundo Monteiro.
Mas, eu tinha participado de um encontro em que tinham me acusado
de usar o trabalho de Walter George Durst, que era contratado da TV
Tupi. Seria arriscar meu emprego. Eu poderia testemunhar que existia
o tal Convênio. Mas saiu o Jânio, tudo deu em nada.

Já o Edson Leite, tendo afastado Paulo Uchoa de Oliveira e, consciente-


mente, recusado a participar do grupo patronal, com o aval do Walli-
nho, rompeu a Excelsior com o Convênio. Isso deixou irados os donos
de TV, especialmente o Pipa Amaral, da TV Rio, em que a Excelsior já
tinha adquirido o canal 2, TV Mayrinck Veiga das Associadas, e não
tinha equipe para pôr a emissora no ar.

O advogado José Carlos Rao, Edson Leite, Ricardo Amaral (amigo


pessoal de anos do Wallinho) e outros, de um apartamento alugado
406 na entrada do Forte de Copacabana assobiavam e chamavam Chico
Anísio, Carlos Manga e outros que iam entrar na TV Rio, canal 13 e os
contratavam na hora com salários milionários. A experiência do Edson
na rádio Bandeirantes, com a implantação da Rede Verde-Amarela,
conseguiu montar uma rede brasileira de TV, sendo a primeira e ter
uma programação nacional, desbancando as emissoras locais: Tupi,
Record, Paulista, Rio e outras, antes dos satélites.

Foi um ataque em todos os frontes. O divulgador da Excelsior, o jorna-


lista Mário Régis Vita teve a ideia de colocar cartazes nas ruas com os
dizeres “Eu também estou na Excelsior”. Os maiores artistas do vídeo
nacional apareceram nos outdoors. Tinha mais artistas do que caberiam
na programação de uma estação, pois naqueles tempos era inviável
uma emissora ficar 24 horas no ar.

É verdade que isso foi uma faca de dois gumes, pois no futuro, quando
a direita acusou Mário Wallace Simonsen de fazer negócios de café
brasileiro no mercado internacional, beneficiando-se da crise cafeeira

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nacional nas geadas, deu a impressão ao povaréu que era graças a um
dinheiro apropriado do Brasil que era possível contratar tantos astros
a peso de ouro. Ouro negro.

Soube-se depois, que a visão de Simonsen era a favor do café brasilei-


ro e que tudo não passou de utilização de choques entre capitalistas
nossos e a direita, que assumiu o poder no Brasil no golpe militar
de 1964. Isso provocou a destruição de um grupo que poderia ter
colocado a nossa pátria no cenário mundial sem depender do OK dos
grupos norte-americanos de Wall Street. Este livro procura provar
isso. Não só em relação à televisão, ou rede nacional de comunica-
ção, mas principalmente com o café, trigo, aviação, supermercados,
exportação e todas as possibilidades de iniciativas que de Zurique
pudesse comandar a busca por um espaço brasileiro no mundo dos
negócios internacionais.

Certa feita, estava eu na piscina do Herbert Levy, na fazenda de Cam-


pinas e um dos filhos dele comentou: Que pena que papai acabou com 407

a Excelsior. Ela era tão boa...

No caso da TV, a livre concorrência, o mercado de trabalho aberto


aos melhores profissionais, o progresso da comunicação, a integração
do país, o noticiário nacional e local, a exportação de nosso talento
artístico via televisão, a divulgação de nosso esporte, da música, dos
filmes nacionais, em suma, da atitude em assumir nossa brasilidade.

Tudo isso começou com a TV Excelsior e sua posição empresarial, que


foi um marco em transcender a mesquinha posição de empresários (que
tiveram sua importância, implantando o progresso da comunicação,
mas se comportavam como cartolas de futebol), para uma empresa
com visão internacional que usava a rede de televisão para unir o país
em sua nacionalidade.

E o Edson Leite, tal como outros grandes profissionais da comunicação,


apoiados por homens corajosos, colocou a televisão como um dos meios

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de grande empatia do povo brasileiro, tal como a música popular e o
futebol, com nosso jeitinho.

E Boni, Walter Clark, Roberto Montoro, Joe Wallach, e uma grande


equipe de profissionais, bancados por Roberto Marinho, continuaram
esse progresso no sucesso nacional da Rede Globo de Televisão, con-
quistando o povo de todo o país com um comportamento empresarial.
A Globo sintetizou o sonho dos que sempre tentaram fazer da música
popular, do futebol, dos esportes, do noticiário, do cinema, do entre-
tenimento, da arte, da cultura, um encontro do povo brasileiro consigo
mesmo. Com todas as qualidades e defeitos de nossa gente.

Eu não consegui o resultado que Edson Leite conseguiu na Excelsior,


muito menos o resultado fantástico que Boni alcançou na Globo, nem
o pioneirismo de Cassiano Gabus Mendes na Tupi, como trabalhamos
na mesma posição profissional – embora o termo diretor artístico tenha
cambiado para superintendente de produção e programação – todos
408
batalhamos, amparados por trabalhadores excepcionais, diante ou
atrás das câmeras e apoiados por empresários modernos.

E fizemos história.

Álvaro de Moya

Regrets, I have a few. But I did my way.

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“O homem sensato se adapta ao mundo; o homem insensato 409
insiste em tentar adaptar o mundo a si próprio, portanto, todo
o progresso depende das pessoas insensatas.”

George Bernard Shaw

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Índice
No Passado Está a História do Futuro – Alberto Goldman 5
Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7
Introdução-Introduction – Sidney Pike 11
Jules Dassin – Álvaro de Moya 21
O Mundo em 1960 (AM) 23
O Brasil em 1960 (AM) 27
No princípio era... (AM) 31
A Notícia na Hora Certa (AM) 43
Cinema em Casa (AM) 45
Cimento (AM) 53
Vigilante Rodoviário (AM) 61
Esportes (AM) 65
Infantis (AM) 67
Entrevista – Arlindo Partiti 69
Sidney Pike (AM) 71
Carlos Lacerda (AM) 77
Caminhos da Medicina (AM) 85
Criatividade (AM) 87
Televisão Excelsior – Lauro César Muniz 91
Bibi Ferreira – Entrevista a Álvaro de Moya 97
TV Excelsior, canal 9 – pelo Manoel Carlos 111
A TV Excelsior da Rua Nestor Pestana: Anos 60 – por Cyro Del Nero 115
TV Excelsior: O Salto Qualitativo – Maestro Júlio Medaglia 119
O Panorama Musical dos Anos 60 e a TV Excelsior –
por Fátima Feliciano 123
A Excelsior e o Moya, em Quadrinhos – J.B.Oliveira Sobrinho 133
Edson, Alberto – (AM) 139
Telenovela Brasileira: A Grande Viagem de Ivani Ribeiro –
por Fátima Feliciano 143
Novelas da Excelsior – Pesquisa: Mauro de Alencar 151
TV Excelsior – Aspectos Históricos. Edgard Ribeiro de Amorim 153
Carlos Manga (do livro 50/50 de Boni) 299

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Daniel Filho (do livro O Circo Eletrônico de Daniel Filho) 301
O Comercial segundo Carlito Adese –
entrevista a Marcelo Pires Camargo 303
Vida e Morte da TV que Criou o Conceito de Rede –
Entrevista de José Dias a Gonçalo Jr. 305
O Saque ao Aeroporto de Barreiras – por Gonçalo Jr. 337
Simonsen: Um Império Que Foi Pelos Ares.
Carlos Henrique Novis (Caíque) 347
Joe Wallach – Guilherme Werneck in Revista Trip no 169,
agosto de 2008 393
Cinema in VT. Álvaro de Moya 395
Sartre ( A.M.) 401
O Goleiro (A.M.) 403
Final (A.M.) 405

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Álvaro de Moya

Jornalista, professor aposentado da USP.


Autor dos livros Shazam, História da História em Quadrinhos, O Mundo
de Disney, Anos 50/50 Anos e Vapt-Vupt.
Roteirista, produtor e diretor de cinema e TV.
Desenhou os letreiros de apresentação da TV Tupi no dia de sua inau-
guração em 18 de setembro de 1950.
Diretor da TV Paulista Canal 5 de SP, Diretor da TV Excelsior, Canal
9, SP. E codiretor da TV Bandeirantes, onde produziu a telenovela Os
Imigrantes. Diretor de Criação da Rede Tupi de Televisão.
Corroteirista de Conceição e cenógrafo de Arara Vermelha, filmes em
longa-metragem.
Prêmio Fábio Prado da UBE com o roteiro O Goleiro, de cinema.
Chargista e ilustrador do Jornal O Tempo. Colaborador do Jornal da
Tarde, do Caderno 2 de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo.
Pioneiro do estudo das histórias em quadrinhos, organizou o 1o evento
no mundo em 18 de junho de 1951, a Primeira Exposição Internacional
de Histórias em Quadrinhos, reconhecido pelos europeus e norte-
americanos como o evento pioneiro nas modernas concepções dos
estudos internacionais da comunicação de massa.
Desenhista das versões A Marcha de Afonso Schmidt para Edições Mara-
vilhosas, Zumbi e Macbeth de Shakespeare para Clássicos de Terror.
Conferencista em Buenos Aires, New York, Roma, Lucca e Paris (no
Museu do Louvre).
Chefe das delegações brasileiras aos congressos de Comics em Lucca
na Itália, desde 1966 até 1998, em Roma.
Correspondente da revista WittyWorld, publicação internacional de
charges editada nos EUA
Criou o Cinema em Casa, na TV Excelsior.
Programador do Cine Marachá Augusta de 1970 a 1977, com as famosas
sessões malditas.
Assessor da diretoria da Empresa Cinematográfica Haway.
Ex-diretor internacional da Maurício de Sousa Produções.

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Criou e apresentou o Cinemúsica na Rádio Cultura FM em 1993.
Colaborador da Revista Abigraf.
Colaborador de enciclopédias editadas na Espanha, Estados Unidos,
França e Itália.
Correspondente da Latin American Studies editada pela Universidade
New Mexico, nos EUA
Organizador do evento Quadrinhos Quadro a Quadro, realizado pelo
SESC-Consolação, em 1999.
Escolhido pela Universidade La Sapienza, de Roma para, com repre-
sentantes do mundo todo, ser um dos dez especialistas no estudo dos
Comics e determinar a data do centenário dos Quadrinhos, na Itália,
com ‘sábios’ dos Estados Unidos, Inglaterra, Portugal, Espanha, Itália,
França. O único representante da América Latina.
Planejou e implantou a Gibiteca Henfil, para a Secretaria Municipal de
Cultura, da Prefeitura do Município de São Paulo.
Organizador da Gibiteca da FIESP/SESI, em São Paulo.
2002/2003/2004. Professor da UniFIAM, núcleos Quadrinhologia,
414 Teatro, Rádio e TV
2004: Vice-presidente da Pró-TV (Asscociação dos Pioneiros da Televisão)

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Créditos das fotografias

Todas as fotos incluídas neste volume fazem parte do acervo pes-


soal de Álvaro de Moya (fotos da página 208 de Paulo Salomão),
exceto as fotos das páginas 209 e 210, gentilmente cedidas por
417
Arlete Montenegro, as fotos da página 84, gentilmente cedidas
por Nydia Licia e as fotos referentes ao programa Brasil 60 e seu
sucessores, gentilmente cedidas por Bibi Ferreira, parte de seu
inestimável acervo.

A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria das
fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores.
Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outros
dados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados.

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Bibliografia Álvaro de Moya

• AMORIM, E.R - TV Ano 40, CCSP, SP, 1990


• BONI - 50/50, Ed. Globo, SP, 2000
• CARDOSO, R. - No Princípio era o som, Madras. SP, 2000
• COSTA, A.H. - Um País no Ar, Brasiliense, SP, 1986
• DANIEL Fº - O Circo Eletrônico
• FERNANDES, I. - Telenovela Brasileira, Brasiliense, SP, 1987
• GONÇALO Jr. - País da TV, Conrad, SP, 2001.
• LESSA MATTOS, D.J., O Espetáculo da Cultura Paulista, Códex, SP, 2002
• LESSA MATTOS, D.J., Pioneiros da TV no Brasil, SP, 2004
• MEDAGLIA, J. Música Impopular, Global, SP, 1988
• MELLO, Z.H. - A Era dos Festivais, Ed. 34, SP, 2003
• MORA, Renzo - Sinatra, Lemos Editorial, SP, 2001
• MOYA, Álvaro - Anos 50/50 Anos, Opera Graphica, SP, 2001
• PORTO E SILVA, F.L. - O Teleteatro Paulista, SMC, SP, 1981
• VIVEIROS, R. - O Filho de Dona Anna, SP, Cultrix, 2008
• WHITEMORE, H. - CNN, Litlle, Brown and Co., Boston, 1990

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420

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Bibliografia - Caíque Novis

• ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de. Pequena História da Formação


Social Brasileira. Rio de Janeiro, Graal, 1979.
• ALVES, Albérico Barroso. O romance da revolução: como e por que
aconteceu a revolução de março. Rio de Janeiro, Artenova, 1974.
• ARAÚJO, Inácio & outros. Rede Imaginária: Televisão e Democracia.
São Paulo, Cia das Letras / Secretaria Municipal de Cultura, 1991.
• BANDEIRA, Moniz. O 24 de agosto de Jânio Quadros. Rio de Janeiro,
Nelson, 1961.
• Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1973.
• BASBAUM, Leôncio. História sincera da república: de Jânio Quadros
a Costa e Silva (1961-1967). São Paulo, Fulgor, 1968.
• BENEVIDES, M. V. de Mesquita. O governo Kubitschek: desenvolvi-
mento econômico e estabilidade política: 1956-1961. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1976.
• BORGES, Mauro. O golpe em Goiás: história de uma grande traição.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965.
• CALAINHO, Luiz & SILVA, Orlando Marques da. História Cronológica
da Panair do Brasil. Rio de Janeiro, s/n, 1989.
• CALLADO, Antônio. “Jango ou suicídio sem sangue”. In: Os idos de
março e a queda em abril. Rio de Janeiro, J. Álvaro, 1964.
• CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de Massa sem Massa. São Paulo,
Summus, 1986.
• Televisão e Capitalização no Brasil. Porto Alegre, LP&M, 1982.
• CARVALHO, Elizabeth; KEHL, Maria Rita & RIBEIRO, Santuza. Anos
70. Televisão. Rio de Janeiro, Europa, 1980.
• COSTA, Alcir Henriques da; SIMÕES, Inimá Ferreira & KEHL, Maria
Rita. Um País no Ar: A História da TV Brasileira em 3 canais. São Paulo,
Brasiliense / Funarte, 1986.
• CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação em História Contem-
porânea. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Rio de Janeiro,
Fundação Getúlio Vargas, s/d.
• DORIA, Francisco Antonio. Os Herdeiros do Poder. Rio de Janeiro,
Revan, 1995.

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• No Tempo de Vargas. Rio de Janeiro, Revan, 1994.
• DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado. Petrópolis,
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• ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo, Perspectiva,
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• FEDERICO, Maria Elvira Bonavita. História da Comunicação: Rádio e
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• FERNANDEZ, Ismael. Memória da Televisão Brasileira. São Paulo,
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• HERZ, Daniel. A História Secreta da Rede Globo. Porto Alegre, Tchê,
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Goulart. Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1964.
• LEAL, Ondina Fachel. A Leitura Social da Novela das Oito. Petrópolis,
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• LEVY, Herbert. O Livro Negro do Café. São Paulo, Limonardi, 1964.
• LIMA, Fernando Barbosa; PRIOLLI, Gabriel & MACHADO, Arlindo.
Televisão & Vídeo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985.
• MACIEL, Luiz Carlos. Anos 60. Porto Alegre, LP&M, 1987.
• MATOS, Sérgio. Um Perfil da TV Brasileira (40 anos de história 1950-
1990). Salvador, Abap / A Tarde, 1990.
• MELO, José Marques de. Para uma leitura crítica da Comunicação.
São Paulo, Paulinas, 1985.
• MILANESI, Luiz Augusto. O Paraíso Via Embratel. Rio de Janeiro, Paz
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• MONIZ, Edmundo. O golpe de abril. Rio de Janeiro, Civilização
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• MOREL, Edmar. O golpe começou em Washington. Rio de Janeiro,
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• ORTIZ, Renato. Telenovela: História e Produção. São Paulo, Brasil-
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• PEREIRA, Aldo. Breve História da Aviação Comercial Brasileira. Rio de
Janeiro, Europa, 1987.

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• PEREIRA, Carlos Alberto M. & MIRANDA, Ricardo. Televisão: O Na-
cional e o Popular na Cultura Brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1983.
• PIGNATARI, Décio. Signagem da Televisão. São Paulo, Brasiliense, 1984.
• PRADO, João Rodolpho do. TV: Quem Vê Quem. Rio de Janeiro, El-
dorado, 1973.
• RAO, José Carlos & outros. O Caso Comal. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1965.
• RITO, Lúcia; ARAÚJO, Maria Elisa de & ALMEIDA, Cândido José Mendes
de. Imprensa Ao Vivo. Rio de Janeiro, Rocco, 1989,
• RYFF, Raul. O Fazendeiro Jango no Governo. Rio de Janeiro, Ave-
nir, 1984.
• SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Muito Além do Jardim Botânico. São
Paulo, Summus, 1985.
• SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1975.
• Primeiro Século de República. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987.
• SODRÉ, Muniz. O Brasil Simulado e o Real. Rio de Janeiro, Rio
Fundo, 1991.
• A Máquina de Narciso. Rio de Janeiro, Achiamé, 1984.
• Televisão, Tecnologia e Poder, Rio de Janeiro, s/n, 1986.
• A Comunicação do Grotesco. Petrópolis, Vozes, 1983.
• O Monopólio da Fala. Petrópolis, Vozes, 1981.
• STARLING, Heloisa Maria Murgel. Os Senhores das Gerais. Petrópolis,
Vozes, 1986.

Periódicos
Correio Braziliense, Brasília, 8/5/1986.
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1/4/1964.
Diário do Congresso Nacional, Suplemento 78 da CPI do Café, Brasília,
5/5/1964.
O Estado de Minas, Belo Horizonte, 3/3/1985.
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26/3/1970, 31/3/1970, 27/5/1971,
28/5/1971, 16/6/1971, 1/11/1971, 29/9/1972, 23/9/1979, 13/3/1986.
Folha de S. Paulo, São Paulo, 25/10/1986.
Gazeta Mercantil, São Paulo, 5/3/1985, 6/3/1985, 9/3/1985.

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O Globo, Rio de Janeiro, 4/8/1977, 28/10/1979, 19/11/1986.
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29/9/1970, 30/9/1970, 19/12/1984,
4/2/1985, 3/3/1985, 13/3/1985, 14/3/1985, 24/10/1987.
Jornal do País, Rio de Janeiro, 21/3/1985.
Revista Briefing, São Paulo, setembro de 1980.
Revista dos Tribunais, São Paulo, 1965.
Senhor, São Paulo, 21/1/1985, 13/3/1985.
Veja, São Paulo, 4/2/1970, 15/4/1970, 2/6/1971, 9/6/1971, 21/1/1985

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Coleção Aplauso
Série Cinema Brasil
Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma
Alain Fresnot
Agostinho Martins Pereira – Um Idealista
Máximo Barro
Alfredo Sternheim – Um Insólito Destino
Alfredo Sternheim
O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias
Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger
Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro
Luiz Carlos Merten
Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma
Rodrigo Murat
Ary Fernandes – Sua Fascinante História
Antônio Leão da Silva Neto
O Bandido da Luz Vermelha
Roteiro de Rogério Sganzerla
Batismo de Sangue
Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton
Bens Confiscados
Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach
Braz Chediak – Fragmentos de uma Vida
Sérgio Rodrigo Reis
Cabra-Cega
Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman
O Caçador de Diamantes
Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro
Carlos Coimbra – Um Homem Raro
Luiz Carlos Merten
Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver
Marcelo Lyra
A Cartomante
Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis
Casa de Meninas
Romance original e roteiro de Inácio Araújo
O Caso dos Irmãos Naves
Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person
O Céu de Suely
Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias
Chega de Saudade
Roteiro de Luiz Bolognesi

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Cidade dos Homens
Roteiro de Elena Soárez
Como Fazer um Filme de Amor
Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José
Roberto Torero
O Contador de Histórias
Roteiro de Luiz Villaça, Mariana Veríssimo, Maurício Arruda e José Roberto Torero
Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade
Luiz Antonio Souza Lima de Macedo
Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade
Org. Luiz Carlos Merten
Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção:
Os Anos do São Paulo Shimbun
Org. Alessandro Gamo
Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG
Org. Aurora Miranda Leão
Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser
Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak
De Passagem
Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias
Desmundo
Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui
Djalma Limongi Batista – Livre-Pensador
Marcel Nadale
Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro
Jeferson De
Dois Córregos
Roteiro de Carlos Reichenbach
A Dona da História
Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho
Os 12 Trabalhos
Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias
Estômago
Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade
Feliz Natal
Roteiro de Selton Mello e Marcelo Vindicatto
Fernando Meirelles – Biografia Prematura
Maria do Rosário Caetano
Fim da Linha
Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá
Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil
Luiz Zanin Oricchio

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Francisco Ramalho Jr. – Éramos Apenas Paulistas
Celso Sabadin
Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior
Klecius Henrique
Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo
Luiz Zanin Oricchio
Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas
Pablo Villaça
O Homem que Virou Suco
Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito
Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir
Remier
João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias
Maria do Rosário Caetano
Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera
Carlos Alberto Mattos
José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina
Marcel Nadale
José Carlos Burle – Drama na Chanchada
Máximo Barro
Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção
Renata Fortes e João Batista de Andrade
Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema
Alfredo Sternheim
Maurice Capovilla – A Imagem Crítica
Carlos Alberto Mattos
Mauro Alice – Um Operário do Filme
Sheila Schvarzman
Máximo Barro – Talento e Altruísmo
Alfredo Sternheim
Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra
Antônio Leão da Silva Neto
Não por Acaso
Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski
e Eugênio Puppo
Narradores de Javé
Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu
Olhos Azuis
Argumento de José Joffily e Jorge Duran
Roteiro de Jorge Duran e Melanie Dimantas
Onde Andará Dulce Veiga
Roteiro de Guilherme de Almeida Prado
Orlando Senna – O Homem da Montanha
Hermes Leal

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Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela
Rogério Menezes
Quanto Vale ou É por Quilo
Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi
Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar
Rodrigo Capella
Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente
Neusa Barbosa
Salve Geral
Roteiro de Sergio Rezende e Patrícia Andrade
O Signo da Cidade
Roteiro de Bruna Lombardi
Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto
Rosane Pavam
Viva-Voz
Roteiro de Márcio Alemão
Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto
Carlos Alberto Mattos
Vlado – 30 Anos Depois
Roteiro de João Batista de Andrade
Zuzu Angel
Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende

Série Cinema
Bastidores – Um Outro Lado do Cinema
Elaine Guerini

Série Ciência & Tecnologia


Cinema Digital – Um Novo Começo?
Luiz Gonzaga Assis de Luca
A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual
Luiz Gonzaga Assis De Luca

Série Crônicas
Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças
Maria Lúcia Dahl

Série Dança
Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal
Sérgio Rodrigo Reis

Série Música
Maestro Diogo Pacheco – Um Maestro para Todos
Alfredo Sternheim

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Rogério Duprat – Ecletismo Musical
Máximo Barro
Sérgio Ricardo – Canto Vadio
Eliana Pace
Wagner Tiso – Som, Imagem, Ação
Beatriz Coelho Silva

Série Teatro Brasil


Alcides Nogueira – Alma de Cetim
Tuna Dwek
Antenor Pimenta – Circo e Poesia
Danielle Pimenta
Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral
Alberto Guzik
Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio
Org. Carmelinda Guimarães
Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão
Org. José Simões de Almeida Júnior
Federico Garcia Lorca – Pequeno Poema Infinito
Antonio Gilberto e José Mauro Brant
Ilo Krugli – Poesia Rasgada
Ieda de Abreu
João Bethencourt – O Locatário da Comédia
Rodrigo Murat
José Renato – Energia Eterna
Hersch Basbaum
Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher
Eliana Pace
Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba
Adélia Nicolete
Maurice Vaneau – Artista Múltiplo
Leila Correa
Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem
Rita Ribeiro Guimarães
Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC
Nydia Licia
O Teatro de Abílio Pereira de Almeida
Abílio Pereira de Almeida
O Teatro de Aimar Labaki
Aimar Labaki
O Teatro de Alberto Guzik
Alberto Guzik
O Teatro de Antonio Rocco
Antonio Rocco

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O Teatro de Cordel de Chico de Assis
Chico de Assis
O Teatro de Emílio Boechat
Emílio Boechat
O Teatro de Germano Pereira – Reescrevendo Clássicos
Germano Pereira
O Teatro de José Saffioti Filho
José Saffioti Filho
O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice
Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia
Alcides Nogueira
O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que
tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro
Ivam Cabral
O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de
Chá, Plantonista Vilma
Noemi Marinho
Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar
Neyde Veneziano
O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida
Samir Yazbek
O Teatro de Sérgio Roveri
Sérgio Roveri
Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena
Ariane Porto

Série Perfil
Analy Alvarez – De Corpo e Alma
Nicolau Radamés Creti
Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo
Tania Carvalho
Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção
Alfredo Sternheim
Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros
Rogério Menezes
Berta Zemel – A Alma das Pedras
Rodrigo Antunes Corre a
Bete Mendes – O Cão e a Rosa
Rogério Menezes
Betty Faria – Rebelde por Natureza
Tania Carvalho
Carla Camurati – Luz Natural
Carlos Alberto Mattos
Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício
Tania Carvalho

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Celso Nunes – Sem Amarras
Eliana Rocha
Cleyde Yáconis – Dama Discreta
Vilmar Ledesma
David Cardoso – Persistência e Paixão
Alfredo Sternheim
Débora Duarte – Filha da Televisão
Laura Malin
Denise Del Vecchio – Memórias da Lua
Tuna Dwek
Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas
Reinaldo Braga
Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida
Maria Leticia
Emilio Di Biasi – O Tempo e a Vida de um Aprendiz
Erika Riedel
Etty Fraser – Virada Pra Lua
Vilmar Ledesma
Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética
Reni Cardoso
Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério
Neusa Barbosa
Fernando Peixoto – Em Cena Aberta
Marília Balbi
Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira
Eliana Pace
Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar
Sérgio Roveri
Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema
Maria Angela de Jesus
Ilka Soares – A Bela da Tela
Wagner de Assis
Irene Ravache – Caçadora de Emoções
Tania Carvalho
Irene Stefania – Arte e Psicoterapia
Germano Pereira
Isabel Ribeiro – Iluminada
Luis Sergio Lima e Silva
Isolda Cresta – Zozô Vulcão
Luis Sérgio Lima e Silva
Joana Fomm – Momento de Decisão
Vilmar Ledesma
John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida
Neusa Barbosa

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Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão
Nilu Lebert
Jorge Loredo – O Perigote do Brasil
Cláudio Fragata
José Dumont – Do Cordel às Telas
Klecius Henrique
Leonardo Villar – Garra e Paixão
Nydia Licia
Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral
Analu Ribeiro
Lolita Rodrigues – De Carne e Osso
Eliana Castro
Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa
Vilmar Ledesma
Marcos Caruso – Um Obstinado
Eliana Rocha
Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária
Tuna Dwek
Marisa Prado – A Estrela, O Mistério
Luiz Carlos Lisboa
Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição
Renato Sérgio
Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão
Vilmar Ledesma
Naum Alves de Souza: Imagem, Cena, Palavra
Alberto Guzik
Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família
Elaine Guerrini
Nívea Maria – Uma Atriz Real
Mauro Alencar e Eliana Pace
Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras
Sara Lopes
Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador
Teté Ribeiro
Paulo José – Memórias Substantivas
Tania Carvalho
Paulo Hesse – A Vida Fez de Mim um Livro e Eu Não Sei Ler
Eliana Pace
Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado
Tania Carvalho
Regina Braga – Talento é um Aprendizado
Marta Goes
Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto
Wagner de Assis

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Renata Fronzi – Chorar de Rir
Wagner de Assis
Renato Borghi – Borghi em Revista
Élcio Nogueira Seixas
Renato Consorte – Contestador por Índole
Eliana Pace
Rolando Boldrin – Palco Brasil
Ieda de Abreu
Rosamaria Murtinho – Simples Magia
Tania Carvalho
Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro
Nydia Licia
Ruth de Souza – Estrela Negra
Maria Ângela de Jesus
Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema
Máximo Barro
Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes
Nilu Lebert
Silnei Siqueira – A Palavra em Cena
Ieda de Abreu
Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte
Vilmar Ledesma
Sônia Guedes – Chá das Cinco
Adélia Nicolete
Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro
Sonia Maria Dorce Armonia
Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodriguiana?
Maria Thereza Vargas
Stênio Garcia – Força da Natureza
Wagner Assis
Suely Franco – A Alegria de Representar
Alfredo Sternheim
Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra
Sérgio Roveri
Theresa Amayo – Ficção e Realidade
Theresa Amayo
Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza
Tania Carvalho
Umberto Magnani – Um Rio de Memórias
Adélia Nicolete
Vera Holtz – O Gosto da Vera
Analu Ribeiro
Vera Nunes – Raro Talento
Eliana Pace

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Walderez de Barros – Voz e Silêncios
Rogério Menezes
Walter George Durst – Doce Guerreiro
Nilu Lebert
Zezé Motta – Muito Prazer
Rodrigo Murat

Especial
Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso
Wagner de Assis
Av. Paulista, 900 – a História da TV Gazeta
Elmo Francfort
Beatriz Segall – Além das Aparências
Nilu Lebert
Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos
Tania Carvalho
Célia Helena – Uma Atriz Visceral
Nydia Licia
Charles Möeller e Claudio Botelho – Os Reis dos Musicais
Tania Carvalho
Cinema da Boca – Dicionário de Diretores
Alfredo Sternheim
Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira
Antonio Gilberto
Eva Todor – O Teatro de Minha Vida
Maria Angela de Jesus
Eva Wilma – Arte e Vida
Edla van Steen
Lembranças de Hollywood
Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim
Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida
Warde Marx
Mazzaropi – Uma Antologia de Risos
Paulo Duarte
Ney Latorraca – Uma Celebração
Tania Carvalho
Odorico Paraguaçu: O Bem-amado de Dias Gomes – História de um
Personagem Larapista e Maquiavelento
José Dias
Raul Cortez – Sem Medo de se Expor
Nydia Licia
Rede Manchete – Aconteceu, Virou História
Elmo Francfort

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Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte
Nydia Licia
Tônia Carrero – Movida pela Paixão
Tania Carvalho
TV Tupi – Uma Linda História de Amor
Vida Alves
Victor Berbara – O Homem das Mil Faces
Tania Carvalho
Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado
Djalma Limongi Batista

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© 2010

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Moya, Álvaro
Glória in excelsior : ascensão, apogeu e queda do maior
sucesso da televisão brasileira Álvaro de Moya. – 2a ed. revista
e ampliada – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2010.
440p. : il. – (Coleção aplauso. Série especial / Coordenador
geral Rubens Ewald Filho)

ISBN 978-85-7060-922-9

1. Televisão – História – Brasil 2. Televisão – Aspectos


econômicos 3. TV Escelsior I. Ewald Filho, Rubens, II Título. II.
Série.

CCD 791.450 981

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil: Televisão: História 791.450.981

Proibida reprodução total ou parcial sem autorização pré-


via do autor ou dos editores
Lei nº 9.610 de 19/02/1998

Foi feito o depósito legal


Lei nº 10.994, de 14/12/2004

Impresso no Brasil / 2010

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Coleção Aplauso Série Especial
Coordenador Geral Rubens Ewald Filho
Coordenador Operacional
e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana
Projeto Gráfico e Editoração Carlos Cirne
Editor Assistente Claudio Erlichman
Assistente Karina Vernizzi
Tratamento de Imagens José Carlos da Silva
Revisão e Preparação de texto Sárvio Nogueira Holanda

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Formato: 18 x 25,5 cm
Tipologia: Frutiger
Papel miolo: Offset LD 90g/m2
Papel capa: Triplex 250 g/m2
Número de páginas: 440
Editoração, CTP, impressão e acabamento:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Nesta edição, respeitou-se o novo


Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

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