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GENEALOGIA DA ESCOLA NOVA NO BRASIL1

Wojciech Andrzej Kulesza2

Resumo: A presença dos educadores responsáveis pelas reformas nos anos 20 do século passado
nas principais iniciativas educacionais do país nas décadas seguintes, acabou por marcar na
historiografia a origem da Escola Nova no Brasil naquele período. Neste trabalho, analisando as
propostas de reforma educacional feitas antes de 1920 no Brasil, a partir da reforma de 1879 feita
por Leôncio de Carvalho, procurou-se rastrear a introdução na educação brasileira das
“novidades” vindas do exterior. Acompanhando o ideário liberal, essas concepções influenciaram
as iniciativas educacionais na esfera pública e tiveram seu florescimento favorecido pelo advento
da República, na mesma época em que a historiografia situa a emergência de um movimento,
tanto na Europa, como nos Estados Unidos, de renovação educacional. Buscando apreender as
mudanças efetivas introduzidas no cotidiano da escola pública a partir das solicitações vindas do
contexto social, sobressaíram-se, nesta pesquisa, as Escolas Normais públicas, depois Institutos
de Educação, como locus privilegiado de produção de uma escola nova no Brasil.

Abstract: Genealogy of brazil´s escola nova movement

The origin of the Nova Escola (New School) movement in Brazil was marked in the 20th century
historiography by the presence of the reformers of Brazilian education in the most important
educational enterprises observed in the years after the 1920´s. This work describes how the
“educational novelties” produced abroad influenced the proposals of educational reform carried
out before 1920 in Brazil, starting from the 1879 reform, by Leôncio de Carvalho. Coming
essentially from the field of political liberalism, those conceptions were adopted by the
educational initiatives in the public sphere and were favored by the coming of the Republic in
1889. At the same time, the historiography recorded the emergency of a movement, so much in
Europe, as in United States, of educational renewal. Focusing on the effective changes introduced
in public schools’ daily activities related to the demands coming from the social context, this
analysis places special emphasis on the public Normal Schools, later on called “Institutes of
Education”, which emerge from this research as a privileged locus of production of the New
School in Brazil.

1
Trabalho parcialmente financiado pelo CNPq. Uma versão anterior foi apresentada no II Congresso Brasileiro de
História da Educação, realizado em Natal em 2002
2
Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPB.
No seu clássico estudo sobre a educação brasileira na Primeira República, Nagle (1974) distingue
duas fases nas quais teria se dado a “penetração do escolanovismo” no país. A primeira, do início
do ocaso do Império até a segunda década do século XX, seria a fase na qual as novas idéias
acerca da criança e de sua aprendizagem começaram a ser introduzidas no debate educacional
sem que elas fossem efetivamente realizadas sistematicamente no cotidiano da escola brasileira.
Seria uma “simples preparação do terreno” para a fase seguinte, os anos 20, quando o movimento
se difunde e se firma, concretizando-se nos projetos de reforma então empreendidos em várias
regiões do país. Assim, segundo Nagle, ao contrário do relatado pela história do escolanovismo
em outros países, no Brasil “o escolanovismo surgiu, primeiro, como processo de especulação ou
de teorização sobre a escolarização, para depois impregnar as instituições escolares” (p. 241).
Por não ter havido, até 1920, “condições sociais e pedagógicas que estimulassem o
desenvolvimento da nova forma de entender a escolarização”, só a partir daquela data o amplo
movimento social em prol de uma reforma educacional receberia o influxo do escolanovismo.
Segundo Nagle, é a partir daquele decênio que a “escola nova” irá polarizar o debate educacional
brasileiro colocando a “escola tradicional” no pólo oposto. Dessa maneira, no caso brasileiro,
teria havido, durante a década de 20, uma “sincronia entre a propagação das idéias e as mudanças
institucionais comprometidas com essa nova corrente”, com a particularidade, ressaltada por
Nagle, de que as iniciativas eivadas de escolanovismo tiveram um caráter público, enquanto que
nos outros países essas iniciativas se deram originalmente na órbita do ensino privado. De
passagem, note-se que a secular predominância da escola confessional no âmbito do ensino
privado, no Brasil (mormente na educação secundária), fará com que o professor paulista oponha,
desde o início, o movimento da escola nova à escola católica, vista como “tradicional”.

Embora Nagle não faça referência explícita a Lorenzo Luzuriaga, é deste autor que ele
retira “as principais etapas do desenvolvimento histórico da Escola Nova, na sua dimensão
universal”, como se pode ver cotejando a sua exposição na página 240 da obra citada com o
esquema que se encontra em obra bem conhecida entre nós do pedagogista espanhol (Luzuriaga,
1984, p. 228-9). Além da problemática classificação em “fases universais” a serem
inelutavelmente percorridas pela educação dos vários países através da história, que Nagle toma
de Luzuriaga, na sua obra ele abraça a concepção, dominante na primeira metade do século
passado, de uma história que situa a origem das idéias na Europa (e/ou nos Estados Unidos) para,
só depois, elas começarem a “penetrar” e se disseminar pelo resto do mundo. A abordagem de
Nagle nada mais é do que uma faceta da interpretação positivista, corrente em sua época, segundo
a qual a diferença de desenvolvimento do Brasil em relação aos outros países não seria de
natureza, mas de fase, uma vez que todas as sociedades humanas estariam sujeitas às mesmas leis
universais de evolução.
Na sua ânsia de destacar o reformismo dos anos 20, recorte temporal, aliás, originalmente
delimitado para a sua pesquisa, Nagle introduz uma descontinuidade na história do
escolanovismo que, ele mesmo, não consegue dar conta. Assim, ao identificar corretamente
escolanovismo com liberalismo (“o escolanovismo representou, ortodoxamente, o liberalismo no
setor da escolarização”, p. 242), Nagle se emaranha: aqui ele cita os famosos pareceres de Rui
Barbosa, acolá ele situa o liberalismo como emergente na década de 20. De fato, se quisermos ser
conseqüentes, remeter o escolanovismo para os anos 20 significa também desconsiderar as idéias
liberais que remontam às duas últimas décadas do Império. Preferimos considerar que o equívoco
de Nagle foi tentar incorporar, na sua investigação das relações entre educação e sociedade na
Primeira República, a análise puramente esquemática do desenvolvimento da escola nova no
mundo feita por Luzuriaga e outros autores.
Na verdade, Nagle privilegia em seu estudo as relações entre educação e Estado – a
política educacional -, deixando na sombra a complexidade das relações da escola com outras
instâncias sociais, da fábrica à cultura letrada, passando pelos hospitais e pelas prisões. Desta
forma, a demarcação feita por ele, situando a origem da escola nova nas reformas educacionais da
década de 20, foi incorporada sem maiores críticas pela historiografia da educação brasileira,
mesmo quando procurava contemplar outras dimensões da escolarização, como se pode ver, por
exemplo, nos trabalhos de Monarcha (1990) e de Cunha (1995). Em trabalho posterior, Monarcha
(1999) registra a atuação na Escola Normal da Praça dos “normalistas dissidentes”, trazendo
indicações sobre o papel deles na formação dessa visão histórica do escolanovismo que acabou se
refletindo no trabalho de Nagle. Ao remeter para o lixo da história o trabalho das gerações
anteriores, os futuros “pioneiros” procuravam demarcar a novidade de seu pensamento
educacional. Assim, escrevia Lourenço Filho em 1926: “Depois da renovação do ensino em S.
Paulo, nos primeiros anos da República, os nossos professores têm dormido sobre os louros de
então”, e complementava Fernando de Azevedo: “Os homens que insistem em plasmar a
educação nos moldes de 1892 assemelham-se aos calvos que, depois de terem experimentado
todos os processos para fazer crescer os cabelos, acabam, certos de deixar a impressão que os
têm, por usar uma cabeleira postiça...” (apud Monarcha, 1999, p. 294). Na análise de Carvalho,
os auto-denominados pioneiros
Assenhorando-se do título de “renovadores da educação”, eles
conseguiram expelir para o limbo da “velha educação” ou da
“pedagogia tradicional” não somente os seus opositores, mas também
muitos dos seus precursores e aliados. (2001, p. 156).

1. UM OUTRO OLHAR

Em nosso entender, a compreensão do escolanovismo prescinde da investigação de seu


relacionamento com o vasto movimento de modernização da sociedade brasileira deslanchado
por volta de 1870 em direção à “formação e desenvolvimento da ordem social competitiva” no
país, para usar a terminologia de Florestan Fernandes (1981). As “novas idéias” não se limitaram
à escola. Tendo como substrato a ideologia liberal, as transformações propostas tiveram em mira
todas as instituições sociais, a começar do escravismo e da forma de governo. Como Anísio
Teixeira, escrevendo em 1934, iria enfatizar muito bem: “A escola não pode ficar no seu
estagnado destino de perpetuadora da vida social presente. Precisa transformar-se no
instrumento consciente, inteligente do aperfeiçoamento social” (2000, p.113). O timing para a
efetiva realização dessa transformação na história seria dado pela interação de um número
indeterminado de variáveis sociais, internas e externas.
Na realidade, para alguns – como demonstrado recentemente pela “Nova República” - a
república brasileira ainda estaria por se constituir, não passando, até hoje, de um vir a ser.3
Digamos, a propósito, ser sintomático na atualidade, em plena voga do neoliberalismo, o resgate
do discurso oficial de características da Escola Nova – como, por exemplo, a função
socializadora da escola ou a centralidade do indivíduo e do processo de aprendizagem - para
legitimar sua política educacional. Entretanto, devemos observar que a ideologia neoliberal,
prescindindo do caráter público do projeto educacional republicano, acentua vias de
aprendizagem que desfiguram completamente o ideário escolanovista original. Educar para a

3
Nessa mesma linha, é importante notar que o Ministro da Educação do governo Lula, Cristovam Buarque, em
artigo publicado no jornal Folha de São Paulo (09/03/2003), com o significativo título “A revolução republicana”,
sintetizou assim a missão do novo governo: “o legado de Lula é completar a República e a abolição”.
vida, mesmo com seu caráter disciplinador apontado por Carvalho (1997), nunca significou
naqueles tempos educar para o mercado. Um trabalho recente que procura comparar esses dois
momentos da escolarização brasileira aponta essa diferença essencial: “Se o movimento
renovador de 30 ocorreu numa conjuntura de construção e consolidação do Estado capitalista
burguês, o movimento atual integra o bloco de reformas que ocorrem num momento de retração
do caráter público do Estado brasileiro, notadamente perceptível na gestão das políticas públicas
e, em especial, da educação” (Campos e Shiroma, 1999, p. 491).
Como mostrou Kuhlmann Junior em livro recente, desde a exposição internacional de
Londres, em 1862, pode-se assistir ao ensaio do Brasil com vistas a acompanhar pari passu o
desenvolvimento das outras nações do mundo ocidental. Durante essas exposições eram
veiculadas diferentes maneiras de produzir, de comandar as instituições, de conceber enfim o
futuro da organização social, abrangendo todas as esferas da atividade humana: “os adjetivos
‘novo’ e ‘científico’ eram adicionados às propostas, como condição necessária, imprescindível
mesmo, para o seu reconhecimento e validação como elementos constitutivos da sociedade
moderna, adequadas aos padrões ditados pela crença no progresso” (p. 240). A ciência
desembarcava na área educacional, mas não somente através da psicologia. A antropologia, a
sociologia, o próprio direito, a medicina através da higiene e da educação física, a arquitetura,
procuravam conformar a “nova escola”, adequando-a aos tempos modernos. Como mostrou
Hilsdorf (1998), não foi por acaso que um escolanovista típico como Lourenço Filho conviveu
intelectualmente com a mesma geração que produziu a Semana de Arte Moderna em São Paulo
(o que nos faz aproximar a “Semana de 22” da “Reforma de 22” no Ceará, que contou com a
participação decisiva do educador paulista).
Mesmo os “antecedentes” do escolanovismo citados por Nagle (1974, p. 239), já
continham realizações que seriam mais tarde associadas indelevelmente à “escola nova”. Para
tomar somente alguns exemplos citados por ele, temos a reforma Leôncio de Carvalho, de 1879,
com sua introdução, entre outros aspectos, das “Lições de Coisas” na Escola Normal; o parecer
de Rui Barbosa de 1882 sobre o ensino primário com sua crítica ao verbalismo da educação
brasileira; a reforma Caetano de Campos de 1890 da Escola Normal de São Paulo, que
desembocou na organização do ensino primário em grupos escolares... Outras características
importantes da escola moderna, não citadas por ele, como as disciplinas de educação física e
higiene escolar, também foram introduzidas antes da década de 20. Assim, nos parece que houve
nessa década simplesmente um espaço maior de reforma educacional, realizada em grande parte
por pessoas que na década de 30 seriam identificadas com o movimento da “escola nova” e que,
desta maneira, levaram Nagle a escrever a história a partir do presente dos “pioneiros”.
Não é o caso aqui de discutir as razões dessa persistência; entretanto, nos limites da
análise sociológica de Nagle, é importante assinalar a sobrevivência de uma característica
inegável do escolanovismo no Brasil, a saber, sua forte dependência a iniciativas educacionais a
cargo do poder público. Mais ainda, essas iniciativas, quase que totalmente, estavam vinculadas à
formação do professor primário e, portanto, deram-se no âmbito da Escola Normal. A lógica é
irrepreensível: o escolanovismo centrava a aprendizagem na criança, a qual, notadamente após a
República, deveria ser educada na escola pública por professores formados pelo Estado em
Escolas Normais tendo em vista a sociedade moderna. Como, pela tradição legislativa brasileira,
o ensino primário (e também a formação de professores primários) estava a cargo dos diversos
estados, a introdução de inovações educacionais esteve sempre sujeita às peculiaridades locais.
Se nos abstrairmos do alcance, da profundidade, da extensão, da continuidade, em suma, da
efetiva realização das novas idéias nessas escolas, podemos dizer que as Escolas Normais foram,
desde 1870 até meados da década de 30, o campo de experimentação e difusão por excelência da
renovação educacional no Brasil.

2. A ESCOLA NORMAL COMO BALIZA

Vistas as coisas desta maneira, podemos recuperar a continuidade, quebrada por Nagle, da
“penetração” do escolanovismo na educação brasileira. A concepção moderna de Escola Normal,
com suas escolas primárias anexas, introduzida no Município da Corte pelo decreto de Leôncio
de Carvalho, e que, rapidamente, iria servir de modelo para as escolas normais organizadas nas
Províncias (Kulesza, 1998), exemplifica no plano educacional a “ilustração brasileira” que Roque
Spencer Maciel de Barros identificou no período. Nada mais condizente com esse ambiente
intelectual, do que a entrega, em 1881, da direção da recém fundada Escola Normal do Rio de
Janeiro ao positivista Benjamin Constant, o qual, como ministro da República nascente, iria criar,
em 1890, o “Pedagogium”, misto de museu escolar (exposição permanente) e laboratório de
ensino destinado ao aperfeiçoamento de professores.
Pode-se continuar esta retrospectiva neste mesmo tom pontuando, aqui e ali, inovações
que são introduzidas na educação brasileira através das Escolas Normais, mesmo que elas tenham
sua origem em outras experiências educacionais, como as protestantes Escolas Americanas. E
não são somente os professores a proporem mudanças na ordem escolar. Médicos e engenheiros
começam a abalar a hegemonia dos bacharéis, que, até então, juntamente com o clero, haviam
conformado a educação brasileira. Munidos da “ciência”, os novos intelectuais procuram adaptar
a escola aos novos tempos anunciados pela moderna civilização industrial. Assim, por exemplo,
Lourenço Baeta Neves, reconhecido como engenheiro sanitarista na cidade planejada de Belo
Horizonte, criticava os professores tradicionais no Congresso de Instrução mineiro de 1912,
apontando os seus limites: “Sem o ensino fundado na observação direta dos fenômenos e dos
fatos da vida real, simplesmente pelo ‘sistema literário de educação’, jamais conseguirão espíritos
completamente orientados, capazes de considerar sob todos os aspectos o grande problema
social” (citado por Herschmann, 1994, p. 45).
O chamado “ensino intuitivo”, antecedente imediato do “ensino ativo”, era a contrapartida
educacional do naturalismo e realismo que agitavam a cultura intelectual da época. E a Escola
Normal seria a grande artífice desta verdadeira revolução cultural em solo brasileiro. Como
exortava aos concluintes da Escola Normal de São Carlos o paraninfo da turma de 1916,
professor Juvenal de Azevedo Penteado, no final de seu discurso: “vinte milhões de brasileiros,
anteriores a Descartes, parados no geo-centrismo, esperam a vossa palavra” (citado por Buffa e
Nosella, 1996, p. 92). A vanguarda econômica de São Paulo, que passa na virada do século XIX a
liderar a industrialização brasileira, não tarda a se manifestar também na área educacional. O
sistema escolar paulista, centrado nas Escolas Normais Primárias e Secundárias, rapidamente
passa a servir de modelo para os outros estados da Federação. Em artigo publicado em 1946,
Almeida Junior chegou a afirmar que “A Escola Normal constituiu, nestes últimos cinqüenta
anos, a réplica pedagógica do bandeirismo” (p. 223).
De fato, a influência de São Paulo, partindo inicialmente da Capital para o interior do
estado, atinge rapidamente outros sistemas de ensino seja através das visitas, mais ou menos
prolongadas, feitas pelas autoridades educacionais, seja através da própria ida de educadores
paulistas a outras regiões, como seria o caso, por exemplo, de Gomes Cardim, que foi, em 1908,
reformar o ensino do Espírito Santo, ou de Orestes Guimarães, que, em 1911, iria liderar o
processo que levou a uma “decisiva reorganização do ensino catarinense” (Fiori, 1991, p. 82).
Neste intercâmbio, os paulistas iriam entrar em contato com outras realidades educacionais e
também com educadores de formação variada, feita muitas vezes no exterior, devido à
precariedade do ensino superior da época. Tal foi o caso emblemático de Lourenço Filho, que
encontrou em sua chegada a Fortaleza, em 1922, a João Hippolyto de Azevedo e Sá, médico
formado no Rio de Janeiro em 1904 com especialização na Alemanha e diretor da Escola Normal
do Ceará desde 1914. Anos após ter saído de Fortaleza, em carta de abril de 1930 enviada ao
Diretor de Instrução Pública do Ceará, Lourenço Filho assim apreciou a participação de Azevedo
e Sá na chamada “reforma de 22”: “A Escola Normal do Ceará, que é um instituto que honra essa
terra, deve a seriedade de seu ensino a ele, exclusivamente. Posso dizer-lhe, sem favor, porque
isso verifiquei, dia a dia, na campanha da reforma” (reproduzido em Cavalcante, 2000, p. 149).

3. VEROSSIMILHANÇA DO PROCEDIMENTO

Na história do escolanovismo no Brasil sobressai o papel fundamental desempenhado


pelas iniciativas tomadas no âmbito das escolas normais públicas. Se focarmos a atenção sobre os
protagonistas principais dessa história, ainda que os selecionemos pelos critérios dos “pioneiros”,
esta relação aparece de modo nítido. Numa ligeira análise das biografias dos signatários do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, pode-se constatar a presença das escolas
normais públicas em sua formação e/ou campo de atuação. Lourenço Filho começou sua longa
convivência com a Escola Normal em 1912 como normalista em Pirassununga. Cecília Meireles
diplomou-se pela Escola Normal “Estácio de Sá” em 1917 e Paschoal Lemme também seria
normalista na década de 20 no Rio de Janeiro, enquanto Noemy Marques Silveira concluía a
Escola Normal em São Paulo. Fernando de Azevedo, Sampaio Dória e Almeida Junior foram
professores de Escola Normal em São Paulo antes da década de 20, o mesmo acontecendo com
Roquette-Pinto, Venâncio Filho, Edgar Sussekind de Mendonça e Afrânio Peixoto no Distrito
Federal, onde atuaria também, mais tarde, Carlos Delgado de Carvalho.
Já Anísio Teixeira começaria sua carreira de professor na Escola Normal da Bahia em
1928, como professor de história e filosofia da educação, enquanto Mário Casasanta, em Minas
Gerais, e Attílio Vivacqua, no Espírito Santo, lideraram reformas educacionais em seus estados
centradas em reformulações da formação de professores segundo os princípios escolanovistas.
Apesar do evidente viés da amostra constituída pelos nomes apensos ao Manifesto, inclinado a
favorecer determinada facção da Associação Brasileira de Educação, e das limitações na coleta
de assinaturas, tudo contribuindo para comprometer sua representatividade, sobressai da análise o
estreito envolvimento dos signatários com o ensino normal a cargo do Estado. Assim, metade dos
“pioneiros” – na verdade os que mais contribuíram, por suas idéias e atuação, para erigir o
Manifesto em documento histórico fundamental do escolanovismo e da educação brasileira –
estavam visceralmente ligados às Escolas Normais.
Esperamos ter contribuído, neste breve ensaio, para apontar a centralidade da Escola
Normal pública para a história da “escola nova” no Brasil no período 1880-1930. Após esse
período temos, na década de 30, o auge do escolanovismo nos Institutos de Educação, criados
exatamente para adequar a formação das normalistas ao desenvolvimento das ciências da
educação, os quais deram origem às nossas atuais Faculdades e Centros de Educação. Se bem que
podemos considerar os Institutos de Educação como o locus de formação do educador
profissional capaz de praticar o escolanovismo em seu magistério, a definição de “competências
específicas, instâncias, hierarquias, prioridades e uma linguagem comum” para esses(as)
professores(as) foi um longo desdobrar de um saber jurídico acumulado em função das reformas
educacionais centradas nas escolas normais (conforme Nunes, 1998, p. 110). Procedendo desta
maneira, acreditamos ser possível traçar uma continuidade entre os diversos momentos de
definição das relações entre “escola” e “ciência” através da história da educação brasileira, dentre
os quais destaca-se o escolanovismo. Ainda segundo nosso ponto de vista, nesta maneira de
analisar a questão, transparece claramente a importância do “novo” como um momento na
educação brasileira no qual se procuravam abarcar contingentes populacionais significativos até
então excluídos da escolarização, e não, simplesmente, como um ponto de inflexão no qual a
escola procurou se voltar para seu próprio umbigo.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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