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A Criação da Mulher — Joel Beeke

Copyright © 2014, Os Puritanos

Sermão do Dr. Joel R. Beeke, presidente e professor de Teologia


Sistemática e Homilética no Seminário Teológico Reformado
Puritano, e pastor da Heritage Netherlands Reformed Congregation
of Grand Rapids, Michigan.

2ª Edição digital: Janeiro de 2015

É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem


autorização por escrito do editor, exceto citações em resenhas.

Editor: Manoel Canuto


Designer: Heraldo Almeida

www.os-puritanos.com
sumário

A Criação da Mulher............................................................................. 5

1. A mulher feita como uma auxiliadora idônea.............................. 6

2. A mulher feita por Deus como Seu especial trabalho ............... 13

3. A mulher feita para ser uma com o homem.............................. 17

Aplicações Conclusivas................................................................... 21
A Criação da Mulher

Q uerida congregação, Gênesis 2:18-25 descre-


ve de uma forma gráfica a criação da primeira
mulher realizada por Deus. Começa com uma de-
claração marcante do Criador: “Não é bom que o
homem esteja só”. A negativa “não é bom” é enfá-
tica. Até então Deus fizera tudo bom; Ele pronun-
ciou Sua bênção sobre toda Sua criação. Aqui, pela
primeira vez, encontramos que algo está faltando.
Sem companhia feminina e uma parceira para a re-
produção, o homem não podia realizar totalmente
sua humanidade. Dessa necessidade surge a cria-
ção da mulher que será companheira e esposa de
Adão.
A criação da mulher em Gênesis 2 tem consequên-
cias de longo alcance. Ela estabelece a fundamenta-
ção para três áreas importantes no relacionamento
de um esposo e uma esposa dentro do casamento:
1. A mulher como uma auxiliadora idônea para o
homem.
2. A mulher feita por Deus como Seu trabalho manual
especial.
3. A mulher feita para ser uma com o homem.
A Criação da Mulher

Nosso texto é Gênesis 2: 18-24:


“Disse mais o senhor Deus: Não é bom que o homem
esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja
idônea. Havendo, pois, o Senhor Deus formado da
terra todos os animais do campo e todas as aves dos
céus, trouxe-os ao homem, para ver como este lhes
chamaria; e o nome que o homem desse a todos os
seres viventes, esse seria o nome deles. Deu nome
o homem a todos os animais domésticos; para o
homem, todavia, não se achava uma auxiliadora
que lhe fosse idônea. Então, o Senhor Deus fez cair
pesado sono sobre o homem, e este adormeceu;
tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com
carne. E a costela que o senhor Deus tomara ao
homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe.
E disse o homem; Esta, afinal, é osso dos meus
ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa.
Porquanto do varão foi tomada. Por isso, deixa o
homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se
os dois uma só carne”.
 
Com a ajuda de Deus, desejamos considerar os te-
mas acima referidos:

1. A mulher feita como uma


auxiliadora idônea para o homem.
A criação de Eva por Deus está colocada dentro
do contexto da história da criação. A primeira parte
desta história é preparação do homem para a che-
gada da mulher. Adão foi feito à imagem de Deus.
Ele foi preenchido com a glória primitiva de Deus.
E, contudo, Deus mostrou para Adão que, em toda
a ordem criada, com toda sua variedade, nenhuma
criatura adequada havia para ser sua companheira.
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Joel Beeke

Deus escolheu um modo fascinante para ensinar


esta lição a Adão. Deus ficou lado a lado com Adão
enquanto uma grande variedade de animais passava
diante de Adão. Enquanto eles passavam – da anta
à zebra – Adão estudava cada animal e depois lhes
dava nomes. Não foi uma nomeação arbitrária. Adão
observou a natureza e o relacionamento de cada ani-
mal. No fundo da sua mente ele deve ter imaginado
se algum poderia ser apropriado para ser sua compa-
nheira. Contudo, nenhum havia. Como diz Gênesis
2.20: “Para o homem todavia, não se achava idô-
nea”.
Depois que pôs nomes em todos os animais, Adão
verificou que nenhum havia sido criado à imagem de
Deus. Todos tinham um corpo e mesmo, em certo
sentido, uma personalidade. Nenhum, porém, tinha
uma alma. Adão não poderia ter qualquer comunhão
com qualquer um deles a nível espiritual. Não im-
porta quão bom fosse o relacionamento de Adão com
um animal, algo ficava faltando. Deixe-me ilustrar.
Talvez você tenha um excelente relacionamento
com o seu cão. Tem com o animal um grande com-
panheirismo. Você compartilha com ele, mostra-lhe
afeição. Mas, todo seu companheirismo tem que ser
a nível de um cão porque um cão pode comunicar-se
apenas nesse nível. Sem dúvida Adão imaginava que
se fosse para ter uma companhia, o companheiro de-
veria ser especialmente criado por Deus à Sua ima-
gem, exatamente como ele próprio, Adão, havia sido.
Assim, Adão estava preparado para uma mulher
e a mulher devia agora ser preparada para ele. Ela

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A Criação da Mulher

deveria ser criada como sua réplica perfeita no mun-


do. Homem e mulher foram feitos de modo diferente
e, contudo, pelo ato criativo de Deus, eles deveriam
ser mais semelhantes do que qualquer outra coisa na
criação.
Eva foi criada como uma mulher perfeita. Que
mulher admirável ela deve ter sido! Ao comentar
sobre a criação do homem, Lutero disse que Adão
deve ter sido um espécime extraordinário. Pensava
ele que Adão deve ter superado os animais até mes-
mo nos detalhes em que eles eram insuperáveis; ele
devia ter uma força maior que a de um leão, uma
visão mais aguçada que a da águia. Se isso era ver-
dade para Adão, que podemos dizer de Eva? Lutero
pensava que Eva teria sido tão forte, ágil, perspicaz e
brilhante quanto Adão. E mais, disse Lutero, ela deve
tê-lo superado em beleza e graça. Isto podemos afir-
mar com certeza: Eva também foi criada com a glória
primeira de Deus.
A despeito da excelência física, mental e moral de
Eva, o verso 18 diz que ela foi feita “para” o homem,
“uma auxiliadora idônea [ou adequada] para ele”.
Nesta condição perfeita pré-queda, toda mulher tem
um indício para sua posição única, dada por Deus,
no casamento. Ela deve ser uma “ajudadora idônea”
para seu marido.
Gênesis 2:18 enfurece grandemente as feministas
radicais como também, algumas vezes, é motivo de
preocupação, senão de ansiedade, para outras mu-
lheres. Falar de mulher sendo feita para o homem,
ou da sua necessidade de ser obediente ao homem no

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casamento, é anátema. Muitas mulheres – e mesmo


homens – acham tais ideias ultrapassadas, injustas e
preconceituosas contra as mulheres.
Nossa natureza humana decaída nunca se agrada
de renunciar a sua desejada independência. O ho-
mem não quer ser sujeito a Deus e a mulher não quer
ser sujeita ao homem. O Rev. J. Fraanje escreveu
uma vez que “Independência – hoje talvez devêsse-
mos dizer ‘autonomia’ – é a palavra escrita do lado
de dentro do portão que leva para fora do Paraíso”.
Necessitamos de um pensamento claro nesta dis-
cussão hoje. Nós precisamos compreender, primeiro
que tudo, que a palavra ajudadora não é um termo
depreciativo. Deus nos criou para servi-lO e para aju-
dar o nosso próximo. É uma honra para uma mulher
ajudar seu esposo, pois ajuda é uma palavra usada
frequentemente, com referência ao próprio Deus nos
Salmos (10:14; 22:11; 28:7; 46:1; 54:4; 72:12; 86:17;
119:173, 175; 121:1-2 NIV). Se Deus não está enver-
gonhado de ser uma ajuda para pecadores decaídos,
porque deveríamos nós olhar com desdém para Eva
por ser a “ajudadora” do seu não-decaído esposo?
Ser uma ajudadora idônea não é uma posição degra-
dante. A forma verbal desta palavra significa basica-
mente auxiliar ou suprir aquilo de que um indivíduo
não pode prover-se por si só. A Septuaginta a traduz
com uma palavra que o Novo Testamento usa com o
sentido de “médico” (Mt 15:25). Ela transmite a ideia
de socorrer alguém aflito. Certamente uma esposa
piedosa se deleita em satisfazer as necessidades do
seu esposo.

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A Criação da Mulher

Idônea vem da palavra que em hebraico signifi-


ca “oposto”. Literalmente é “de acordo com o oposto
dele”, significando que uma mulher complementará
e corresponderá ao seu marido. Ela deve ser igual ao
homem e ser adequada para ele.
De que maneira ela deve ser igual? Devemos pegar
esta palavra igualdade que tanto ouvimos hoje em
dia. Homens e mulheres são realmente iguais? Sim e
não. Há pontos importantes nos quais homens e mu-
lheres são iguais. (1) Ambos foram criados igualmen-
te à imagem de Deus. Isto é que os fez companheiros
idôneos um para o outro. Isto explica porque os ani-
mais não são companheiros adequados para nós. (2)
Eles foram ambos, colocados sob o comando moral
de Deus e, dessa maneira, lhes foram dadas respon-
sabilidades morais. (3) Ambos foram culpados de
desobedecer ao comando de Deus e foram, por isso,
julgados por Deus por sua desobediência. (4) Pau-
lo nos diz em Gl 3:28 que ambos, homens e mulhe-
res, são igualmente objeto da redenção graciosa de
Deus em Cristo Jesus. (5) Como esposo e esposa, um
homem e uma mulher são igualmente conclamados
a deixar pai e mãe para unir-se um ao outro e para
amar um ao outro como uma só carne.
Contudo, em outro sentido, homem e mulher não
foram criados iguais. Porque a mulher foi criada para
o homem, eles não foram criados iguais em autori-
dade. Deus traçou uma estrutura de autoridade para
os homens, diferente das mulheres. No entanto, a
desigualdade desta estrutura de autoridade não quer
dizer que um marido tem vantagem sobre sua esposa
ou que uma posição é melhor que outra. Nem signi-
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fica que uma posição é mais alta do que a outra. Nós


temos que expurgar nossas mentes desse modo de
pensar que é muito comum no mundo dos negócios
dos nossos dias. Quanto mais alto estivermos na es-
cada dos negócios da coletividade, muitos pensam,
em melhores condições estaremos.
Não é isto que Deus tem em mente para o homem
e a mulher. Na estrutura de autoridade dada por
Deus, o marido e sua esposa submetem-se mutua-
mente a Cristo (Ef 5:21), então, sob Cristo, um ao
outro, preenchendo as necessidades um do outro. Já
no paraíso há glória e humildade tanto no homem
quanto na mulher. A glória do homem é que ele é o
cabeça; sua humildade é que ele não está completo
sem a mulher. A glória da mulher é que só ela pode
completar o homem; sua humildade é que ela é feita
do homem.
Após a queda estes papéis complementares sur-
gem até mais fortes, especialmente para esposos e es-
posas que desejam modelar seu casamento em Cristo
de acordo com as diretrizes de Deus. Paulo nos elu-
cida sobre estes papéis em Efésios 5. O esposo deve
amar sua esposa como Cristo ama a igreja – de modo
absoluto (Ele deu-se a Si mesmo, v. 25b), de modo
real (Cristo concebeu que a igreja em si mesma, ne-
cessitava de purificação, v. 26), de modo intencional
(i.e., para fazer a igreja santa e sem mácula (v. 27) e
de modo sacrificial (i.e., para cuidar da noiva como
quem cuida do seu próprio corpo, vs. 28-29).

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A Criação da Mulher

Por seu lado, a esposa deve mostrar ao seu esposo


reverência e submissão, Paulo diz (vs. 22, 33). Em
outro lugar Paulo nos dá quatro razões por que:
1) porque a mulher é feita do homem (I Co 11: 3, 8),
2) porque a mulher é feita para o homem (I Co 11: 9),
3) porque o homem foi criado primeiro (I Tm 2:12-13) e
4) porque o pecado entrou no mundo pela mulher (I
Tm 2: 14).
 
Assim como o homem deve mostrar liderança
amorosa, também a mulher deve mostrar submissão
amorosa.
A submissão não é degradação. Ela é encontrada
mesmo entre pessoas da Divindade; de fato, o casa-
mento é um paralelo da Trindade divina, a este res-
peito. Os teólogos falam da Trindade essencial, a
qual a Confissão de Westminster define como “três
pessoas na Divindade, o mesmo em substância, iguais
em poder e glória”. Eles também falam da Trindade
econômica, na qual os vários membros da Divin-
dade deliberada e voluntariamente submetem-se um
ao outro na obra da redenção. O Filho se submete
ao Pai como Mediador e Servo. O Espírito Santo se
submete ao Pai e ao Filho em Sua obra salvífica. Pau-
lo aponta para o paralelismo entre tais submissões e
a submissão marital quando diz: “O cabeça de todo
homem é Cristo, e o cabeça da mulher é o homem e
o cabeça de Cristo é Deus” (I Co 11:3; ver também Ef
5:22-24).
Algumas feministas respondem a tais textos ar-
gumentando que a submissão faz parte da maldição
agora anulada pela expiação de Cristo. Seus argu-
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Joel Beeke

mentos contudo, não consideram a submissão entre


as pessoas divinas nem o fato de que a relação subor-
dinada da esposa para o esposo é baseada primeiro
em Gênesis 2, antes da queda e da maldição.
A submissão dentro do casamento tem paralelo
também com a igreja que é a família de Deus. Embo-
ra as mulheres possam e devam exercer numerosos
papéis nos ministérios da igreja, Paulo deixa claro
que o princípio da autoridade impede-as de serem
oficiais na igreja. Além disso, esta submissão no ca-
samento e na igreja deve ser voluntária. Resumindo,
se uma mulher não pode ser uma ajudadora submis-
sa amorosa para o homem que a pede em casamento,
não deveria desposá-lo e muito menos um homem
deveria propor casamento a uma mulher a quem ele
não pretende mostrar uma autoridade sacrificial,
amorosa.

2. A mulher feita por Deus como Seu


especial trabalho manual
A mulher não é somente feita para o homem; ela
é também feita por Deus como um ato especial da
criação. Tanto o homem como a mulher foram cria-
ções especiais de Deus. Eles foram criados em igual
dignidade. Gênesis 2:21-22 diz: “E o Senhor Deus fez
cair pesado sono sobre o homem e este adormeceu;
tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com
carne”.
Deus causou um profundo sono em Adão como
um passo inicial na criação da mulher. Este “sono
profundo” deve ter sido algo como uma anestesia

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A Criação da Mulher

hoje, e a operação que Deus realizou, semelhante à


cirurgia médica. Deus extraiu uma das costelas do
homem e preencheu o lugar vazio com carne, fechan-
do a ferida.
Da costela, Deus então “fez” – literalmente, em he-
braico, “edificou” ou “construiu” uma mulher. Deus
miraculosamente, meticulosamente, belamente, la-
boriosamente, formou a mulher com Suas próprias
mãos, fazendo-a cada pedacinho, tão especial quanto
o homem que Ele havia criado antes.
Existe algo particularmente belo, até mesmo poé-
tico, sobre esta criação. A mulher é feita para o ho-
mem e, por isso, poder-se-ia pensar nela como uma
serva do homem. Gênesis porém, não diz isto. Ao
contrário, como coloca Matthew Henry: “A mulher
não foi feita da cabeça do homem para governar so-
bre ele nem dos seus pés para ser oprimida por ele,
mas do seu lado para ser igual a ele, sob o seu braço
para ser protegida e perto do seu coração para ser
amada”.
Então, o Pai amoroso apresentou ao homem a noi-
va que Suas próprias mãos tinham cuidadosamente
formado. Ele “a trouxe para o homem” (v. 22b), o
que é uma frase especial em Hebraico que significa
“apresentou-a ou conduziu-a ao homem”. A palavra
também implica na entrega solene, formal da mulher
dentro dos vínculos do pacto matrimonial, que Pro-
vérbios 2:17 chama “o pacto de Deus”. Deus, como
Criador e Pai da mulher, trouxe-a ao homem, como
os puritanos costumavam dizer: “como o seu segun-
do eu, para lhe ser uma auxiliadora idônea”.

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Joel Beeke

Ao trazer a mulher para o homem, Deus estabele-


ceu o casamento como a primeira, a mais fundamen-
tal das instituições humanas. Antes que houvessem
governos ou igrejas ou escolas ou quaisquer outras
estruturas sociais, Deus estabeleceu uma família ba-
seada no respeito e no amor mútuos de um esposo
e uma esposa. Todas as outras instituições humanas
derivam-se desta. Da autoridade do pai vieram os sis-
temas patriarcais de governo humano os quais even-
tualmente dariam origem às monarquias e democra-
cias. Da responsabilidade dos pais para educar seus
filhos vieram os sistemas de educação mais formais
que chamamos escolas e colégios. Da necessidade de
cuidar da saúde da família vieram os médicos e os
hospitais. Da obrigação dos pais de treinarem seus
filhos no conhecimento de Deus vieram templos, si-
nagogas e igrejas. Todas as organizações humanas
podem ser retro acompanhadas até o lar, a família e,
finalmente, até o casamento.
Adão, a quem Deus despertou, reconheceu Eva
imediatamente como sua companheira – o comple-
mento perfeito para a necessidade que havia sido
despertada nele. Em resposta ele explodiu numa es-
pécie de canção nupcial, celebrando sua similaridade
e união com a mulher, ao dar-lhe um nome.
Adão diz: “Esta, afinal” (v. 23a) – i.e., “desta vez”
– agora, finalmente, Adão encontra aquela que lhe
corresponde. A íntima associação é enfatizada pe-
los seus nomes, desde que ela é chamada “varoa”
[ishah] porque foi tirada do varão [ish]. A palavra
hebraica para “varoa” é formada pelo acréscimo da
terminação feminina “– ah” à palavra “varão”. Uma
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A Criação da Mulher

diferença paralela seria entre leão e leoa, ou tigre e


tigreza. Assim Adão, por revelação divina, percebeu
que a mulher havia sido tirada dele. Seu ato de dar o
nome à sua esposa reforçou sua liderança e autori-
dade sobre ela, mas seu nome indicou também que
ele compreendeu a igualdade dela com ele, como sua
parceira.
O milagre divino testemunhado por Adão encheu-
-o de alegria inexprimível, inspirando-lhe o lindo
brado poético: “Esta, afinal, é osso dos meus ossos
e carne da minha carne; chamar-se –á varoa, por-
quanto do varão foi tomada” (v. 23).
Adão e Eva entraram, então, num casamento sem
pecado. “O matrimônio é honroso”, escreveu Ma-
thew Henry, “mas este foi certamente o mais honro-
so matrimônio que jamais houve, no qual o próprio
Deus teve desde o começo uma participação direta”.
À canção nupcial de Adão, Deus acrescenta no
verso 24 um projeto sagrado para o casamento que
envolve um deixar, um juntar, e uma unidade: “Por
isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher,
tornando-se os dois uma só carne”. Estas são pro-
vavelmente as palavras de Moisés, o inspirado autor
do Gênesis, que nos provê com este preceito sagrado
que Jesus repete em Mateus 18 e Paulo repete em
Efésios 5:31-32, dizendo: “Eis porque deixará o ho-
mem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher,
e se tornarão os dois uma só carne. Grande é este
mistério,, mas me eu refiro a Cristo e à Igreja”. Es-
tes três traços essenciais – deixar, unir [ou juntar] e

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Joel Beeke

unidade – ainda existem depois da queda, num bom


casamento, em Cristo.

3. A mulher feita para ser uma com o


homem.
As três partes do projeto de Deus para o casamen-
to são marcas importantes de um bom casamento:
1) Deixar. Deixar pai e mãe é um tremendo rea-
justamento. A intimidade da unidade familiar deve
ceder lugar para uma nova unidade familiar com
uma nova cabeça. Esta nova unidade tem prioridade
sobre a relação pai-filho. Há uma corrente de pensa-
mento racional aqui: Um deve deixar a fim de juntar
e dois devem juntar para se tornarem um só (“uma
só carne”).
2) Juntar. Um par recém-casado deve unir-se
concomitantemente. A palavra grega original pode
ser traduzida como “cimentado ao mesmo tempo”.
O recém-casado e a recém-casada formam um novo
relacionamento inseparável, um do outro. A mulher
torna-se parte do homem e vice-versa. Eles se tor-
nam mais do que companheiro íntimo, melhor ami-
go e parceiro fiel, um do outro.
3) Unidade. A expressão “uma só carne” é a
construção hebraica mais forte para indicar uma
mudança de estado. Isto já está subentendido no
fato de ter Eva sido formada de Adão. O objetivo do
casamento, contudo, não é apenas tornar-se um fisi-
camente, não importando o quanto isso seja impor-
tante e realizador, mas em cada aspecto do relacio-
namento: um só no coração, um só no amor, um só
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A Criação da Mulher

em confiança, um só em propósito, em pensamento


e, acima de tudo, um só em Cristo. Uma unidade que
não seja mais profunda do que física, cedo dissipar-
-se-á e mais provavelmente terminará em um casa-
mento infeliz ou num processo de divórcio. Porém
um casamento que tenha uma unidade global de co-
ração, de mente e atitude terá igualmente uma uni-
dade física especial! A unidade física não produz um
grande casamento, mas um grande casamento, em
Cristo, produz grande unidade física tanto quanto
grande unidade intelectual, emocional e espiritual.
Unidade é o grande objetivo do casamento – ser
um com Deus através de Cristo, depois, por causa
desta unidade, ser um, um com o outro. Mas, como
pode um pecador que se separou de Deus tornar-se
um com Deus? Unicamente através do Salvador, Je-
sus Cristo, que se comprometeu no deixar, no juntar
e na unidade em atrair e ganhar Sua noiva. Paulo co-
loca isto dessa maneira: “Grande é o mistério, mas
eu me refiro a Cristo e à Igreja” (Ef 5:32). Aqui está
como Ele fez isto:
(1) Cristo deixou Seu Pai voluntariamente. Ele dei-
xou a coroa, o trono, a corte de glória para vir a este
mundo buscar Sua noiva. Ele suportou uma dilace-
rante separação do Seu Pai, na cruz. Ele pagou assim
o preço do dote por Sua noiva a fim de que ela se
tornasse parte do Seu corpo, Sua carne e Seus ossos.
(2) Na cruz do Calvário, Cristo juntou-se à Sua
noiva. Enquanto Ele estava morrendo, ela foi misti-
camente formada dEle, como o Segundo Adão, exa-
tamente como Eva foi formada do primeiro Adão,

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Joel Beeke

enquanto esteve em profundo sono. Assim como a


mulher veio do lado de Adão para simbolizar o seu
estar unido concomitantemente, assim também do
lado ferido, sangrando, agonizante do nosso Salva-
dor, foi tirada a Igreja, por assim dizer, para nascer,
viver e ser unida com seu Salvador. Este é, realmen-
te, um grande mistério!
(3) A maior parte deste mistério, no entanto, é: “Se
tornarão os dois uma só carne”. A igreja de Deus,
diz Paulo, constitui a plenitude total de Cristo como
Mediador. Ele é a cabeça; a igreja é o corpo. “E, para
ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à Igreja, a
qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo
enche em todas as coisas” (Ef 1:22-23). Esta união
mística será aperfeiçoada um dia no céu, numa união
ideal, indestrutível.
Quando nascemos de novo através do poder re-
generador do Espírito Santo, nós nos tornamos pes-
soalmente unidos com Jesus Cristo. Nos tornamos
um “em Cristo”. Por isso é que Paulo jamais se can-
sou de descrever um cristão desse modo. Em suas
epístolas Paulo usa esta frase ou uma similar – em
Cristo, em Cristo Jesus ou nEle – pelo menos
164 vezes. Esta é a maneira favorita de Paulo para
descrever um cristão.
Por exemplo, Paulo escreve: “Se alguém está em
Cristo, é nova criatura”, ou como está no original
“uma nova criação” (2 Co 5:17). Por estar unida com
Cristo, uma pessoa se torna uma nova criação. Ela é
uma em Cristo; ela está unida com Cristo. Igualmen-
te, Paulo diz em Efésios 1:3 “Bendito o Deus e Pai de

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A Criação da Mulher

Nosso Senhor Jesus Cristo que nos tem abençoado


com toda sorte de bênção espiritual nas regiões ce-
lestiais em Cristo”.
A união do crente com Cristo é profundamente
íntima. Quando Paulo fala de união com Cristo, ele
usa um prefixo especial, em Grego, melhor traduzido
como “co-“, significando que o laço é indissolúvel. Li-
teralmente, ele diz em Gálatas 2:19: “Estou co-cruci-
ficado com Cristo”. Isto é, quando Ele morreu, num
sentido eu também morri. Em Romanos 6:4, quando
Paulo fala de ser glorificado juntamente com Cristo,
ele está dizendo que a intimidade da união do crente
com Cristo é tão grande que há um sentido no qual,
quando Ele crucificado, o crente foi também crucifi-
cado; quando Ele morreu, o crente também morreu;
quando Ele foi sepultado, o crente também foi sepul-
tado; quando Ele foi levantado de entre os mortos, o
crente também foi levantado; quando Ele ascendeu,
o crente também ascendeu. Quem pode compreen-
der esta união mística? Um poeta disse:
Um na tumba, um quando Ele se levantou,
Um quando Ele triunfou sobre Seus inimigos,
Um quando no céu Ele se sentou
Enquanto serafins cantavam que o inferno derrotou.
Com Ele, o nosso cabeça, prevalecemos ou caímos
Nossa vida, certeza, nosso tudo.

Oh, que dignidade existe em tudo isto – dignidade


na criação de Eva, como uma mulher, uma com seu
marido, partilhando esta dignidade com ele! E ago-
ra, através da fé, dignidade na recriação da noiva de
Cristo, para ser feita uma com o esposo – para parti-
lhar Sua dignidade e glória, ser amada por Deus com
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Joel Beeke

uma parte daquele mesmo amor com que Deus ama


Seu próprio Filho! Verdadeiramente, não há digni-
dade como a dignidade da recriação – de ser feito a
verdadeira noiva de Jesus Cristo.

Aplicações Conclusivas
E o seu casamento – ele reflete unidade em Cristo?
Quando ele não está como você esperava que estives-
se, você pergunta: Como posso eu (não meu cônjuge)
fazer uma unidade mais profunda? Você trabalha no
sentido de cultivar uma intimidade maior no seu ca-
samento?
Nos dias de hoje, o casamento está sob ataque.
O Hedonismo está exuberante. O adultério está ga-
nhando uma aceitação que se espalha. Divórcios an-
tibíblicos se concretizam via internet.
A estrutura básica da sociedade está se rompen-
do. Com certa frequência os crentes estão em situa-
ção pouco melhor. Necessitamos desesperadamente
compreender o valor do casamento e fazer um gran-
de esforço para atingir a excelência no casamento
através do Senhor Jesus. Devemos nos empenhar
por unidade de modo que nossos casamentos pos-
sam ser epístolas abertas da graça de Deus em um
mundo impiedoso.
Não devemos nos render ao amor a nós mesmo
que é fomentado pela nossa cultura. O único cami-
nho para ter um casamento realmente bem sucedido
é colocar Cristo como primeiro, seu cônjuge como
segundo e você como terceiro. O amor de si próprio
deve ser quebrado ao pé da cruz de Cristo. Apenas

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A Criação da Mulher

quando nos vemos como pecadores em rebelião con-


tra Deus e nos prostramos diante dEle por perdão e
ajuda para buscar a santidade, o amor encherá nos-
sos casamentos e transbordará sobre todos os nossos
outros relacionamentos. Então nós entenderemos
que um casamento não existe para o “eu” mas para
o “nós” – para os filhos e a sociedade e, finalmente,
para a glória de Deus.
Estamos buscando diariamente a glória de Deus
em nosso casamento? Esposos, estão se empenhan-
do para ser o cabeça que ama, em seu casamento?
Esposas, estão se empenhando para mostrar submis-
são amorosa ao seu esposo? Num casamento bíblico
não há lugar para patrões – apenas para liderança
amorosa e submissão amorosa quando um homem e
uma mulher buscam vivenciar, pela graça de Deus, o
relacionamento Cristo-Igreja na terra.
Finalizando, uma palavra para os jovens: A uni-
dade que Deus tenciona que o casamento seja, em
Cristo, significa que você não pode casar com um
descrente. Se você casa com alguém que tem uma
agenda pessoal para o casamento diferente da agen-
da de Deus, você estará certamente preparando para
si mesmo anos de dor e coração partido. Em 2 Co
6:14 lemos: “Não vos ponhais em jugo desigual com
os incrédulos; porquanto que sociedade pode haver
entre a justiça e a iniquidade? Ou que comunhão, da
luz com as trevas?”. Procure um cônjuge que lhe seja
dado pelo favor de Deus e das Suas mãos. E se você
deseja ser você mesmo, um bom cônjuge, escreveu
Thomas Manton, “liquide seu direito e seu título por

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Joel Beeke

meio de Cristo” (Works 2:164). Esteja convicto do


seu chamado e eleição.
Se você e seu cônjuge são tementes a Deus, seu
casamento se beneficiará grandemente porque você
terá alguém para ajudá-lo a se esforçar por viver para
a glória de Deus, para viver uma vida santa, a supor-
tar as cruzes que Deus enviará ao seu caminho e a
se aproximar de Deus confiantemente, pela interme-
diação de Cristo, em oração e adoração.
Ore por direção, conselho e bênção de Deus en-
quanto você espera nEle para levá-lo a um cônjuge
temente a Deus, apropriado para você. Peça a Ele um
que seja ajudador idôneo para você.
Caros amigos, vocês estão casados com Jesus
Cristo? Adão e Eva não se envergonharam porque
estavam vestidos com a retidão original, dada por
Deus. Vocês também não estão envergonhados por
estarem vestidos com a retidão de Jesus Cristo, dada
por Deus? Lembrem-se, este Salvador bendito re-
quer sua fidelidade. Ele tem ciúmes do seu amor de
casado. Vocês não devem extraviar-se dEle.
O que acha deste Noivo perfeito? Você está casado
com um outro senhor – com o príncipe deste mun-
do? As promessas de Satanás são mentiras. Seu dote
é angústia. Seu abraço é morte. Seu quarto é escuri-
dão. Sua cama está nas chamas do fogo.
Qualquer que possa ser o seu caso, vamos abando-
nar todas as nossas negligências em nossa vida ma-
trimonial natural e em nosso casamento espiritual
com o Noivo perfeito, Jesus Cristo. Vamos deixar a

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A Criação da Mulher

impiedade deste mundo e nos juntar com Cristo para


sermos um com Ele – agora e para sempre.
Amém.

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