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Introdução Aos Estudos Clássicos PDF
Introdução Aos Estudos Clássicos PDF
Lira VII
1
GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. In: A poesia dos inconfidentes:
poesia completa de Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e
Alvarenga Peixoto; organização de Domício Proença Filho; artigos, ensaios e notas
de Melânia Silva de Aguiar et alii. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1966, p. 583-584.
Mas não se esmoreça logo;
Busquemos um pouco mais;
Nos mares talvez se encontrem
Cores, que sejam iguais.
Porém não, que em paralelo
Da minha ninfa adorada
Pérolas não valem nada,
Não valem nada os corais.
Ah! socorre, Amor, socorre
Ao mais grato empenho meu!
Voa sobre os Astros, voa,
Traze-me as tintas do Céu.
Soneto 122
TEXTOS DE APOIO
2
CAMÕES, Luís Vaz de. Sonetos de Camões (corpus dos sonetos camonianos);
edição e notas por Cleonice Serôa da Motta Berardinelli. Paris: Centre Culturel
Portugais Lisbonne; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980, p. 180.
águas pantanosas, quando os germes fecundos das coisas, nutridos por um
solo vivificante, se desenvolveram como no ventre de uma mãe e tomaram
com o tempo aspectos diferentes. Assim, quando o Nilo das sete
embocaduras deixou os campos inundados e levou de volta suas torrentes
para seu antigo leito, quando do alto dos ares o astro do dia fez sentir sua
chama no limo recente, os cultivadores, retornando à gleba, lá encontram um
grande número de animais; eles vêem alguns que estão apenas esboçados, no
momento mesmo de seu nascimento, outros imperfeitos e desprovidos de
alguns de seus órgãos; muitas vezes no mesmo corpo uma parte está viva, a
outra não é senão ainda terra informe. Com efeito, assim que a umidade e o
calor se combinaram um com ou outro, eles concebem; é destes dois
princípios que nascem todos os seres; ainda que o fogo seja inimigo da água,
uma claridade úmida engendra todas as coisas e a concórdia na discórdia
convém à reprodução. Portanto, tão logo a terra coberta de lama pelo dilúvio
recente3, recomeça a receber do alto dos ares o calor dos raios do sol, ela deu
à luz espécies inumeráveis; tanto ela devolveu aos animais sua figura
primitiva, quanto ela criou monstros novos. Foi contra sua vontade que ela
engendrou também nessa época a colossal Python; para os povos recém-
nascidos, serpente então desconhecida, tu era um objeto de terror, tanto tu
ocupavas o espaço ao longo da montanha. O arqueiro divino, que jamais
antes não havia se servido de suas armas senão contra os gamos e os cabritos
prontos para a fuga, a abateu com mil setas; quase esvaziando sua aljava, ele
a matou; por negras feridas se espalhou o veneno da fera. Para que o tempo
não pudesse apagar a memória deste feito, ele instituiu, sob a forma de
concursos solenes, os jogos sagrados que do nome da serpente vencida
tomaram o nome de Pythicos. Nestes jogos, os jovens, que por seus punhos,
suas pernas ou as rodas de seus carros tinham tido a vitória, recebiam como
recompensa uma coroa de carvalho; o loureiro ainda não existia e, para
cingir seus longos cabelos ao redor de sua bela fronte, Febo tomava
emprestado seu ramo a árvores de toda sorte.
3
O dilúvio enviado por Zeus, para punir os homens (Les métamorphoses, I, v. 253-
312).
extremidades de seu arco: “Que tens a fazer, louca criança, disse ele, destas
armas poderosas? Cabe-me a mim suspendê-las em minhas espáduas; com
elas eu posso desferir golpes inevitáveis em uma besta selvagem, em um
inimigo; ainda há pouco, quando Python cobria grande superfície com seu
ventre inchado de venenos, eu a abati sob minhas flechas inumeráveis. Para
ti, que te seja suficiente iluminar com tua tocha não sei que fogos de amor;
guarda-te de pretender meus sucessos”. O filho de Vênus lhe respondeu:
“Teu arco, Febo, pode tudo furar; o meu vai te furar a ti mesmo; tanto todos
os animais estão abaixo de ti, quanto tua glória é inferior à minha”. Ele disse,
fende o ar com o batimento de suas asas e, sem perder um instante, se posta
sobre o cimo umbroso do Parnaso; de sua aljava cheia de flechas, ele retira
duas setas que têm efeitos diferentes: uma expulsa o amor, a outra o faz
nascer. A que o faz nascer é dourada e armada com uma ponta aguda e
brilhante; aquela que o expulsa é arredondada e sob a haste contém chumbo.
O deus fere com a segunda a ninfa, filha de Peneu; com a primeira ele
traspassa através dos ossos o corpo de Apolo até a medula. Este ama logo; a
ninfa foge até ao nome do amante; os abrigos das florestas, os despojos dos
animais selvagens que ela capturou fazem toda a sua alegria; ela é a êmula
da casta Febe4; uma faixa retinha só seus cabelos caindo em desordem.
Muitos pretendentes a pediram, mas ela desdenhando todos os pedidos,
recusando-se ao jugo de um esposo, ela percorria a solidão dos bosques; o
que é o canto do himeneu, o amor, o casamento? Ela não se inquietava de
sabê-lo. Freqüentemente seu pai lhe disse: “Tu me deves um genro, minha
filha”. Mas ela, como se se tratasse de um crime, ela tem horror às tochas
conjugais; o rubor da vergonha se espalha sobre seu belo rosto e, com os
braços carinhosos suspensos no pescoço de seu pai, ela lhe responde:
“Permite-me, pai bem-amado, gozar eternamente minha virgindade; Diana
bem que o obteve do seu5”. Ele consente, mas tu tens encantos demasiados,
Daphne, para que seja como tu o desejas, e tua beleza faz obstáculos a teus
votos. Febo ama, ele viu Daphne, ele quer se unir a ela; o que ele deseja, ele
o espera e ele está enganado por seus próprios oráculos6. Como uma palha
leve se abrasa, depois que se colheram as espigas, como uma sebe se
consome ao fogo de uma tocha que um viajante por acaso dela aproximou
demasiado ou que ele ali deixou quando o dia já nascia; assim o deus
inflamou-se; assim ele queima até o fundo de seu coração e nutre de
esperança um amor estéril. Ele contempla os cabelos da ninfa flutuando
sobre seu pescoço sem ornamentos: “Que aconteceria, diz ele, se ela tomasse
4
A deusa Diana (Ártemis), a irmã de Apolo, de cujo séquito Daphne participava.
5
Referência a Júpiter (Zeus), pai de Diana (Ártemis).
6
Como deus da profecia, Apolo deveria saber que não teria sucesso no amor com
Daphne, mas o amor engana até os profetas...
cuidado com seu penteado?” Ele vê seus olhos brilhantes com os astros; ele
vê sua pequena boca, que não lhe é suficiente apenas ver; ele admira seus
dedos, suas mãos, seus punhos e seus braços mais que seminus; o que para
ele está escondido, ele o imagina mais perfeito ainda. Ela, ela foge, mais
rápido que a brisa ligeira; ele tenta lembrá-la, mas não pode retê-la por tais
propósitos:
“Ó ninfa, eu te imploro, filha de Peneu, pára; não é um inimigo quem te
persegue; ó ninfa, pára. Como tu, a ovelha foge do lobo; a corça, do leão; as
pombas com as asas trêmulas fogem da águia; cada uma tem seu inimigo;
eu, é o amor que me joga sobre tuas pegadas. Qual não é minha infelicidade!
Cuidado para não cair à frente! Que tuas pernas não sofram indignamente
feridas, a marca das sarças, e que eu não seja para ti uma causa de dor! O
terreno sobre o qual te lanças é rude; modera tua corrida, eu te suplico,
diminui a tua fuga; eu mesmo, eu moderarei minha perseguição. Sabe, no
entanto, que tu me encantaste; eu não sou um montanhês, nem um pastor, ou
um desses homens incultos que vigiam os bois e os carneiros. Tu não sabes,
imprudente, tu não sabes de quem tu foges e porque tu foges. É a mim que
obedecem o país de Delfos7 e Claros8 e Tênedos9 e a residência real de
Patara10; eu tenho por pai Júpiter; foi a mim que ele revelou o futuro, o
passado e o presente; sou eu que caso o canto aos sons das cordas. Minha
flecha acerta golpes certeiros; um outro, no entanto, acerta mas seguramente
ainda, foi ele que feriu meu coração, até então isento deste mal. A medicina
é uma das minhas invenções; em todo o universo me chamam o que socorre
e o poder das plantas me é submisso. Ai de mim! não existem plantas
capazes de curar o amor e minha arte, útil a todos, é inútil a seu mestre.”
Ele ia dizer ainda mais, porém a filha de Peneu continuava sua corrida
louca, fugiu e o deixou lá, ele e seu discurso inacabado, sempre tão bela a
seus olhos; os ventos desvelavam sua nudez; seu sopro, vindo sobre ela em
sentindo contrário, agitava suas vestes e a brisa ligeira jogava para trás seus
cabelos levantados; sua fuga realça ainda mais sua beleza. Mas o jovem deus
renuncia a lhe endereçar em vão ternos propósitos e, levado pelo próprio
amor, ele segue os passos da ninfa redobrando a sua velocidade. Quando um
cão gaulês percebia uma lebre na planície descoberta, ambos disparavam,
um para pegar a presa, outro para salvar sua vida; um parece sobre o ponto
de pegar o fugitivo, ele espera segurá-lo em um instante e, o focinho tenso,
estreita de perto suas pegadas; o outro, incerto se ele o pegou, se livra das
7
Cidade na Grécia, onde Apolo tem seu templo mais famoso.
8
Cidade na Jônia, onde existe um templo de Apolo.
9
Ilha no mar Egeu, em frente a Tróia, onde existe o célebre templo de Apolo
Esmintheu, o dos ratos.
10
Residência dos soberanos da Lícia, na Ásia Menor. Apolo é chamado também de
Apolo Lício.
mordidas e esquiva-se da boca que o tocava; assim o deus e a virgem são
levados um pela esperança, outro pelo medo. Mas o perseguidor, levado
pelas asas de Amor, é mais rápido e não tem necessidade de repouso; já ele
se inclina sobre as espáduas da fugitiva, ele roça com o hálito os cabelos
esparsos sobre seu pescoço. Ela, no fim das forças, empalideceu; quebrada
pelo cansaço de uma fuga tão rápida, os olhares voltados para as águas do
Peneu: “Vem, meu pai, diz ela, vem em meu socorro, se os rios como tu têm
um poder divino, livra-me por uma metamorfose desta beleza demasiado
sedutora”.
Mal acabara sua prece e um pesado torpor se apossa de seus membros;
uma fina casca cobre seu seio delicado; seus cabelos que se alongam se
mudam em folhagem; seus braços, em ramos; seus pés, logo tão ágeis,
aderem ao solo por raízes incapazes de se mover; o cimo de uma árvore
coroa sua cabeça; de seus encantos não resta senão o brilho. Febo, no
entanto, sempre a ama; sua mão posta sobre o tronco, ele sente ainda o
coração palpitar sobre a casca recente; cercando com seus braços os ramos
que substituem os membros da ninfa, ele cobre a madeira com seus beijos;
mas a árvore recusa seus beijos. Então o deus: “Bem, diz ele, visto que não
podes ser minha esposa, ao menos serás minha árvore; para todo o sempre tu
ornarás, ó loureiro, minha cabeleira, minhas cítaras, minhas aljavas; tu
acompanharás os condutores do Lácio, quando vozes alegres farão escutar
cantos de triunfo e o Capitólio11 verá vir até ele longos cortejos. Tu
crescerás, guardião fiel, diante da porta de Augusto12 e tu protegerás a coroa
de carvalho suspensa no meio; igualmente, que minha cabeça, cuja cabeleira
jamais conheceu tesoura, conserve sua juventude, igualmente a tua será
sempre ornada com uma folhagem inalterável13”. Peã14 havia falado; o
loureiro inclina seus galhos novos e o deus o viu agitar seu cimo como uma
cabeça.15
11
Principal sítio de Roma.
12
Dois loureiros davam sombra ao palácio do imperador Augusto, no Palatino.
13
O loureiro não perde as folhas no inverno.
14
Um dos epítetos de Apolo e nome do hino em sua honra.
15
OVIDE. Les métamorphoses; texte traduit par Georges Lafaye. Paris: Les Belles
Lettres, 1928. Tradução operacional de Milton Marques Júnior.
2. O MITO DAS RAÇAS HUMANAS16
16
HÉSIODE. Les travaux et les jours. In: Thégonie, Les travaux et les jours, Le
bouclier; texte établie et traduit par Paul Mazon. Paris: Les Belles Lettres, 1996,
versos 90-201. Tradução operacional nossa, a partir do texto francês de Paul Mazon.
deixar nome sobre a terra. A negra morte os pegou, por apavorantes que
fossem, e eles deixaram a resplandecente luz do sol.
E, quando o solo tinha novamente recoberto esta raça, Zeus, filho de
Cronos, dele criou ainda uma quarta sobre a gleba nutriz, mais justa e mais
brava, raça divina dos heróis que se nomeiam semi-deuses e cuja geração
nos precedeu sobre a terra sem limites. Estes aqui pereceram na dura guerra
e na batalha dolorosa, uns contra os muros de Tebas das Sete Portas, outros
sob o solo cádmio, combatendo pelos filhos de Édipo; outros além do
abismo marinho, em Tróia, aonde a guerra os conduzira em belonaves, por
Helena dos belos cabelos, e onde a morte, que tudo acaba os sepultou. A
outros, enfim, Zeus, filho de Cronos e pai dos deuses, deu uma existência e
uma morada distante dos homens, estabelecendo-os nos confins da terra. É lá
que habitam, o coração livre de inquietações, nas Ilhas dos Bem-
Aventurados, à borda dos turbilhões profundos do Oceano, heróis
afortunados, para quem o solo fecundo produz três vezes por ano uma
florescente e doce colheita.
E prouvesse ao céu que eu não tivesse, por meu lado, de viver no meio
dos da quinta raça, e que eu tivesse morrido mais cedo ou nascido mais
tarde. Pois esta é agora a raça de ferro. Eles jamais cessarão de sofrer,
durante o dia, cansaços e misérias; durante a noite, de ser consumidos pelas
duras angústias que lhes enviarão os deuses. Ao menos, acharão eles ainda
alguns poucos bens, misturados aos seus males. Mas chegará a hora em que
Zeus aniquilará, por sua vez, toda esta raça de homens perecíveis: este será o
momento em que eles nascerão com as têmporas brancas. O pai, então, não
parecerá com o filho, nem o filho com o pai; o hóspede não será mais
querido de seu anfitrião, o amigo pelo seu amigo, o irmão pelo seu irmão,
assim como os dias passados. A seus pais, assim que eles envelhecerem, eles
não mostrarão senão desprezo; para se queixarem deles, eles se exprimirão
com palavras rudes, os malvados! e não conhecerão nem mesmo o temor ao
Céu. Aos velhos que os nutriram, eles recusarão o alimento. Não haverá
prêmio para a manutenção do juramento, para os justos ou os bons: para os
artesãos do crime, para o homem só descomedimento é que irão os seus
respeitos; o único direito será a força, a consciência não mais existirá. O
covarde atacará o bravo com palavras tortuosas, que apoiará com um falso
juramento. Ao passo de todos os miseráveis humanos atar-se-á o ciúme, à
linguagem amarga, à fronte odiosa, que se compraz com o mal. Então,
deixando pelo Olimpo a terra dos largos caminhos, escondendo seus belos
corpos sob véus brancos, Honra (Aidós) e Justiça (Némésis), abandonarão os
homens, subirão para os Eternos. Restarão aos mortais apenas tristes
sofrimentos: contra o mal não mais existirão recursos.
2. Contextualização do Clássico: os períodos históricos das
Literaturas grega e latina
2.1. Introdução à Literatura Grega
A literatura grega compreende basicamente três momentos: o
período Arcaico (século VIII – V a.C.), o período Clássico (século V –
IV a. C.) e o período Alexandrino (século IV – III a. C.). A partir do
século III a. C., com a dominação da Grécia por Roma, a literatura que
se sobressai é a latina, iniciada pelas mãos de gregos tomados como
cativos pelos romanos nas guerras de conquistas.
O período Arcaico (VIII – V a. C.) marca o do princípio do fato
literário, quando a escrita retorna à Grécia, depois de seu
desaparecimento por quatrocentos anos, entre os séculos XII e VIII a.
C. Ainda se trata de uma cultura oralizada, apesar da escrita, em que a
literatura aparece cantada pelos aedos e rapsodos, os poetas e cantores
da época. É nesse momento que são produzidos os poemas homéricos
– Ilíada e Odisséia – e os poemas de Hesíodo – Teogonia e Os
trabalhos e os dias –, iniciando-se, assim a literatura ocidental. É por
isto que se chama a esse período de arcaico. Diferentemente do
sentido que a palavra tem hoje, arcaico significa para o mundo grego
algo que está no princípio, na origem dos fatos. Os poemas homéricos
e hesiódicos são o princípio, a origem de toda a literatura que se faz
no Ocidente greco-latino. Além do mais, esse período marca a
reintrodução da escrita no mundo ocidental. Nesse momento, a
literatura procura retratar o mundo mítico dos deuses e heróis, mundo
mais próximo da natureza e tendo no mito a sua explicação. Se
Homero trata de heróis em guerra ou retornando para casa após a
guerra, Hesíodo trata da ordem do universo, de como os deuses
nasceram e da necessidade da justiça entre os homens.
O período Clássico (século V – IV a. C.) nos mostra o mundo da
pólis, da cidade, que substitui o mundo anterior mais ligado à
natureza. É um momento complexo em que a filosofia cria uma
explicação lógica para o mundo, a partir de um discurso racional.
Nesse mundo nasce o teatro trágico grego, procurando refletir sobre a
condição e a fragilidade humana. Mesmo apoiado nos mitos antigos, o
teatro revela o conflito do homem entre o passado e o presente da
pólis com suas leis escritas, diferentes das leis divinas do mundo
mítico do passado. Ésquilo, Sófocles e Eurípides serão os grandes
autores desse período, legando-nos obras-primas como Orestéia,
Édipo Rei e Hécuba, respectivamente.
O período Alexandrino (século IV – III a. C.) é caracterizado pela
expansão do mundo helênico com o império de Alexandre, o Grande
(335-323 a. C.) e a criação da Biblioteca de Alexandria, por volta do
século III a. C., reunindo um sem-número de obras importantes. O
último grande poema do mundo grego, pertencente a esse período e
que chegou até nós foi Argonáuticas de Apolônio de Rhodes, cerca de
295 a. C. Após esse momento, se dá a dominação romana sobre a
Grécia e começa a surgir a literatura latina.
GLOSSÁRIO
17
Nada menos do que sete cidades da atual Turquia, a antiga Ásia Menor, dentre
elas Chios e Esmirna, disputam a primazia de ser o local de seu nascimento. O que
suscita a disputa é o fato de que, na essência, o dialeto dos poemas homéricos é o
jônio, com alguns empréstimos do eólio, língua da mesma região.
Visto consensualmente como o poema da fúria de Aquiles ou uma
Teomaquia, a Ilíada é a maior expressão da poesia épica em todos os
tempos, enfocando um mundo das origens, em que heróis são
comandados por um grande senhor, investido de um poder divino.
Poema de estrutura oral, próprio para ser cantado pelo aedo ou
rapsodo, ao ritmo dos versos hexâmetros dactílicos, fazendo a
exaltação dessa aristocracia da civilização arcaica, que tinha em
Micenas o seu apogeu e em Agamêmnon o seu grande senhor.
Os limites da Ilíada, normalmente conhecido como tratando da
guerra de Tróia, estão restritos, na realidade, a um momento
específico no início do décimo ano do cerco dos Argivos (nome
genérico para designar os gregos) a Tróia. A narração desse momento
parte da querela entre Aquiles e Agamêmnon (Canto I) aos funerais de
Heitor (Canto XXIV). Os gregos são comumente chamados de
Aqueus ou Acaios, Argivos, Dânaos e Helenos; já os troianos são
chamados de Teucros, Dardânios e Troádes. Como se trata de um
tema presente na tradição oral há séculos antes de sua formulação
como poema, no século VIII a. C., é normal que Homero e os aedos de
forma geral não precisem explicar muita coisa que já é do
conhecimento do público. Costumamos dizer que o poema épico não é
poema para iniciantes, mas para iniciados, visto que supõe um
conhecimento anterior. Assim é que muitos heróis ou são apresentados
pelo seu epíteto ou pela sua genealogia, mesmo antes de se dizer o seu
nome. Aquiles é o Pelida (filho de Peleu) ou o Eacida (neto de Éaco),
mas pode ser “o de pés velozes”; Odisseus é o Laertida (filho de
Laertes) e o “muito astucioso”; Zeus é o Cronida (filho de Cronos) e o
“ajuntador de nuvens” ou “o que se compraz com o relâmpago”;
Agamêmnon e Menelau são os Atridas (filhos de Atreu); aquele é o
“Senhor dos Heróis” e este o “Pastor do Povo”; a geração de Príamo
são os Priamidas, enquanto Heitor é “o do capacete ondulante”...
Entre os principais heróis gregos, podemos encontrar: Ájax Oileu
(o pequeno), comandante dos Lócridas; Ájax Telamida (o maior),
comandante dos Salaminos; Diomedes, comandante dos argivos e dos
tiríntios, ao lado de Estênelos e Euríalo; Agamêmnon, comandante de
Micenas e Corinto, e comandante supremo dos gregos; Menelau,
irmão de Agamêmnon, comandante da Lacedemônia, Esparta e
Auriclas; Nestor, comandante de Pilos e Dorion; Odisseus,
comandante de Ítaca, Jacinto e Samos; Idomeneu e Mérion,
comandantes de Creta; Tlepôlemo, filho de Hércules, comandante de
Rhodes; Aquiles, comandante dos Mirmidões, Helenos e Aqueus;
Pátrocles, amigo dileto de Aquiles; Macâon e Podalírio, irmãos
médicos, filhos de Asclépios, comandantes da Oicália.
Entre os Troianos se destacam Heitor, comandante dos Troianos;
Páris, irmão de Heitor, raptor de Helena e causador da guerra; Enéias,
filho de Anquises e Afrodite, comandante dos Dardânios; Pândoro do
arco de Apolo, filho de Licaon, comandante dos Zeleus; Sárpedon e
Glaucos, comandantes dos Lícios.
Dividida em vinte e quatro cantos, que correspondem às letras do
18
alfabeto grego , distribuídos ao longo de 14. 412 versos, a Ilíada tem
como argumento a fúria funesta de Aquiles, que se explicará a partir
dos muitos episódios do poema. Cada canto, no entanto, apresenta o
seu argumento, os quais podem ser assim sintetizados:
18
A Ilíada se representa com o alfabeto maiúsculo e a Odisséia com o alfabeto
minúsculo.
Canto XVI (Pi) – A Patroclia (867 versos).
Canto XVII (Rhô) – Heroísmo de Menelau/ Batalha Apolo
contra Atena (761 versos).
Canto XVIII (Sigma) – Fabricação das armas de Aquiles (617
versos).
Canto XIX (Tau) – Aquiles renuncia à cólera contra Agamêmnon
(424 versos).
Canto XX (Úpsilon) – O Combate dos Deuses/A fúria de Aquiles
(503 versos).
Canto XXI (Phi) – A Verdadeira Teomaquia/ Combate perto do
rio (611).
Canto XXII (Khi) – Morte de Heitor (515 versos).
Canto XXIII (Psi) – Jogos fúnebres em honra a Pátrocles (897
versos).
Canto XXIV (Omega) – O resgate do corpo de Heitor (804
versos).
2. O Canto I da Ilíada
O proêmio da Ilíada está circunscrito aos sete primeiros versos do
Canto I. Ali, numa mescla de proposição e invocação, o poeta
apresenta o argumento do poema – a fúria funesta de Aquiles que
tantos heróis mandou para o Hades cumprindo o que havia
estabelecido Zeus. A narração propriamente dita inicia-se a partir do
verso 8, estendendo-se até o final do Canto XXIV, após os funerais de
Heitor. O argumento do Canto I é o desentendimento entre Aquiles e
Agamêmnon. Preocupado com a peste que grassa no acampamento
grego, matando homens e animais, Aquiles convoca a ágora – a
assembléia dos Aqueus –, para saber qual a origem de tantos males.
Ele descobre, através do sacerdote Calcas que a culpa de tal desgraça
cabe a Agamêmnon, autor de uma grave ofensa ao sacerdote de Apolo
Crises. É para desagravar Crises que Apolo desencadeou a peste no
acampamento Aqueu.
Querendo resgatar a filha, Criseida, que havia sido feita
prisioneira na tomada de Lyrnessos por Aquiles, Crises vai até
Agamêmnon, a quem coube a presa de guerra, e oferece-lhe um alto
resgate, em troca da liberdade da filha. Agamêmnon não só não aceita,
mas também ofende e ameaça de morte o sacerdote de Apolo. A
descoberta da causa da peste leva Aquiles ao confronto com
Agamêmnon, sobretudo quando este ameaça tomar o quinhão de
qualquer outro, mesmo o de Aquiles, caso entregue Criseida de volta
ao pai, Crises. A discussão se instaura entre eles, com Aquiles se
sentindo desonrado e Agamêmnon se sentindo privado do seu prêmio.
Aquiles só cede ao ímpeto de matar Agamêmnon diante da
intervenção de Palas, que, aparecendo só a ele, o detém, puxando-lhe
a cabeleira loura e o aconselhando a ofender com palavras o quanto
puder a Agamêmnon, mas evitando matá-lo. Privado de sua Briseida,
tomada por Agamêmnon, Aquiles se retira da guerra, lamenta a sua
desonra à mãe, queixa-se de Zeus que não está cumprindo a sua parte
no acordo do destino breve, mas glorioso. Thétis, sua mãe, resolve
interceder por ele junto a Zeus e obtém do pai dos deuses e dos
homens a certeza de Aquiles voltar a ser honrado pelos Aqueus, após
derrotas para os Troianos. O canto se fecha com o banquete dos
deuses no Olimpo.
O que norteia o Canto I da Ilíada é a discussão travada sobre a
honra do herói. Como obter a glória que se busca sem a honra? Este é
o drama de Aquiles. De um lado se põe o senhor dos heróis,
Agamêmnon, comandante supremo do exército de coalizão dos
Aqueus, que conta, aproximadamente, com cem mil homens. Do outro
lado está o maior dos heróis, o melhor dos Aqueus, o mirmidão
Aquiles, temido por todos os guerreiros Troianos, por ser, nas palavras
de Nestor, “a grande muralha dos Aqueus contra a guerra cruel”
(Canto I, versos 288-289). É a prepotência de um contra a força do
outro. Ofendido na sua honra, Aquiles sente tomar-lhe o ímpeto
desafiador que o leva ser irônico e mordaz com Agamêmnon, e a
sentir ganas de matá-lo. Agamêmnon por sua vez, não abre mão de
seu direito como chefe supremo, poder que emana de Zeus,
concentrado no cetro que empunha, com uma honra, portanto superior
à de Aquiles. É isto o que diz também Nestor (Canto I, versos 278-
279)
Em favor de Aquiles, no entanto, registre-se que o herói deseja a
contemporização, procurando compensar Agamêmnon de outras
formas, uma vez entregue Criseida ao pai – caberia ao Atrida três ou
quatro vezes mais que aos outros o butim partilhado, depois da ruína
de Tróia (Canto I, versos 122-129). Agamêmnon é que parte para o
confronto (Canto I, versos 130-147), o que desencadeia as ofensas de
Aquiles (Canto I, versos 148-171; 225-245; 292-303). Dentre elas,
destaca-se a alusão à cara de cão de Agamêmnon (Canto I, verso 159),
numa referência a seu caráter impudente, cujo espírito só pensa no
ganho (Canto I, verso 149). Em outro momento, a avidez do cão, se
associa ao medo do gamo e ao prazer do vinho a que se entregaria
Agamêmnon, vez que o grande senhor não participa dos combates na
visão de Aquiles (Canto I, verso 225). Tal é cupidez de Agamêmnon
que Aquiles o chama de devorador do povo, que precisa para exercer
seu mando reinar sobre gente nula (Canto I, verso 231). Aquiles
finaliza suas ofensas, não antes de jogar por terra o cetro do Atrida
(Canto I, verso 245), dizendo que se aceitasse sem contestação a força
de mando de Agamêmnon, não seria mais do que desprezível e
nulidade (Canto I, verso 293).
As réplicas de Agamêmnon (Canto I, versos 177-187; 285-291)
não ficam atrás. Mandando Aquiles reinar sobre os Mirmidões (Canto
I, verso 180), numa ironia cortante, cujo trocadilho se perde na
tradução, Aquiles é para Agamêmnon nada mais do que o povo que
ele comanda – formiga. Agamêmnon replica diante da ponderação que
faz Nestor, na tentativa de sanar os ânimos: Aquiles pretende ser o
mais poderoso e reinar sobre todos, o que é uma afronta a seu
comando e a investidura divina de seu poder de senhor supremo
(Canto I, versos 287-288).
Com fortes ironias despachadas de ambos os lados, nem a
contemporização de Nestor é capaz de apaziguar os dois que se
ofendem mutuamente. Nestor e Palas Atena são a racionalidade em
contraponto à fúria e ao descomedimento de ambos os heróis. Nessa
arena está em jogo a honra ferida – Agamêmnon de vasto poder não
só não honrou o melhor dos Aqueus como também não honrou a
sacerdote de Apolo, Crises (Canto I, versos 10-11) –, o que
desencadeia toda a querela. Aquiles se retira da guerra, pois desonrado
não pode alcançar a glória. Será necessária a intervenção de Zeus, a
pedido de Thétis, para que o herói volte à guerra. Se Zeus lhe deu uma
vida breve, que pelo menos em troca lhe conceda a honra (Canto I,
verso 353). Prêmio de guerra e honra/desonra com as variantes das
formas e tempos verbais correspondentes são as palavras centrais
desse capítulo.
Assim é que as prolepses desse capítulo são importantes para o
desencadeamento da narrativa: os versos 212-214 antecipam a
embaixada a Aquiles, que ocorrerá no Canto IX, e os esplêndidos
presentes (Canto I, verso 212) que o Pelida aceitará no Canto XIX,
como pagamento da desmedida de Agamêmnon, pondo fim ao
desentendimento entre ambos. É o que lhe promete Atena. Os versos
240-244, proferidos pelo próprio Aquiles, antecipam as vitórias dos
Troianos liderados por Heitor sobre os Aqueus; os versos 337-342
revelam a necessidade que os Aqueus terão de ter Aquiles consigo
para poderem combater perto das naus sem perigo. Isto se dará com o
retorno efetivo de Aquiles à guerra, no Canto XX. Por fim, o destino
de Aquiles, aludido tantas vezes neste Canto I (versos 352-356; 413-
428; 517-527), será retomado ao longo da Ilíada, principalmente no
canto XVIII.
GLOSSÁRIO
EXERCÍCIOS
1. O Teatro Grego
Nesta terceira unidade, procuraremos fazer o estudo do teatro
grego na sua origem, mais especificamente, da tragédia grega como
fenômeno do período clássico, numa reflexão sobre o mundo da Pólis.
É consenso entre os estudiosos do teatro grego que a sua origem
está ligada ao coro que anima o culto ao deus Dionisos. Deus da
vegetação e da fecundidade, Dionisos era o centro de um culto à
fecundação – a faloforia, condução do falo como representação do
deus Príapo, seu filho com Afrodite – em que se sacrificavam bodes e
touros. A essência do culto consistia no abandono dos limites entre o
humano e o divino, quando grupo de seguidores de Dionisos desejava
o êxtase (deslocamento, espírito sem destino) e o entusiasmo
(possessão divina, animação por um transporte divino), para
transformar-se em bacante.
As Grandes Dionisíacas ou Dionisias da Cidade eram a festa mais
importante do mundo grego, contando com a afluência de toda a
Grécia e do exterior. Elas se davam entre os meses de março e abril,
princípio da primavera, quando o tempo abria para as navegações. A
partir do século VI a. C. (534), foram instituídos os concursos
dramáticos pelo tirano Pisístratos, que contavam tanto com o concurso
de ditirambo (hino a Dionisos), quanto com um concurso dramático.
Os concursos duravam três dias para as tragédias e um para as
comédias, e tinham como espaço o teatro de Dionisos, ao pé da
Acrópole, em Atenas, onde cabiam 17000 pessoas. Um espaço tão
grande numa época tão remota, explica-se diante da função que o
teatro tinha na Grécia: uma função coletiva. As entradas eram
subvencionadas pelo estado e o financiamento do coro e de um dos
atores era feito por um cidadão rico. No século V a. C., apogeu do
período Clássico, esses concursos se tornaram freqüentes e estima-se,
por exemplo, que foram apresentados cerca 5000 ditirambos e mais de
1000 tragédias.
No início, as peças eram apresentadas na praça pública, a ágora,
depois, por conta do afluxo de espectadores e para dar uma
visualização melhor da encenação foi construído o teatro de Dionisos,
ao pé da Acrópole. O espaço físico do teatro era constituído dos
seguintes ambientes (veja a planta baixa de um anfiteatro grego, em
seguida):
19
Aristóteles (Poética, 18, 1456a) considera o Coro como um ator nos moldes de
Sófocles, não nos de Eurípides, que já não tem influência sobre a ação. No teatro de
Sófocles, o Coro pode, sob o comando do Corifeu, intervir na ação, dialogando com
os personagens. Coro significa dança, em grego.
20
O termo deriva em grego de cabeça, cimo, capacete.
estrofes, ou para a esquerda, chamadas de antístrofes. O epodo
consistia em um canto adicional, terceira estrofe, em que o coro ficava
imóvel. Para a encenação dos autores ou do coro se utilizavam metros
variados para os versos.
No capítulo IX (1451b) da Poética, primeira obra a sistematizar
um estudo sobre a tragédia grega, Aristóteles diz que “o poeta deve
ser fabricante de intrigas mais do que de metros”. Como o teatro grego
era estruturado em versos de metros variados, Aristóteles ensina que
não basta criar o verso, mais importante é a intriga (o que em grego se
diz mito). Tratando a tragédia como uma poesia que imita os homens
nobres e melhores do que nós, entenda-se aí a definição do herói, o
filósofo aponta para a origem da tragédia na improvisação de uma
declamação, por ocasião da faloforia.
Com a evolução do gênero, a tragédia passa a ser a imitação de uma
ação nobre e acabada, com limite de extensão, em linguagem agradável
(condimentada), executada por personagens que agem, sem utilizar a
narração, sendo através do binômio piedade e terror que a tragédia opera a
purificação das emoções, o que Aristóteles denominou de catarse. A
linguagem agradável (condimentada, no termo grego utilizado) diz respeito
ao ritmo, melodia e canto. A ação se imita pela intriga, como reunião dos
acontecimentos – finalidade, princípio e alma da tragédia –, cujas partes se
constituem de peripécias, reconhecimentos e patético.
Para Aristóteles, a peripécia é quando a ação resulta no contrário
do esperado, segundo a verossimilhança e a necessidade. Já o
reconhecimento é a passagem da ignorância ao conhecimento. O
reconhecimento com peripécia faz a intriga mais bela, porque mais
elaborada, resultando na piedade e no terror, emoções de que a
tragédia supõe ser a imitação. O patético é a ação destrutiva ou
dolorosa, como os assassinatos, as grandes dores, os ferimentos e
todas as coisas visíveis do mesmo gênero. A essência da tragédia
consiste em passar da felicidade à infelicidade, não por causa dos
vícios ou da maldade, mas por grande erro do herói.
2. Autores Trágicos
O primeiro dos autores trágicos foi Téspis de Lesbos que ganhou
o prêmio de melhor tragédia, instituído pela primeira vez em 534 a.
C., quando da organização das Grandes Dionisíacas por Pisístratos,
em Atenas. A ele se atribui o costume de mascarar os atores
(GRIMAL, 1986: 31). No entanto, apenas três autores da tragédia
grega nos chegaram: Ésquilo, Sófocles e Eurípides. Vejamos o que
cada um produziu e o que foi poupado pelo tempo.
Ésquilo (525-456/5 a. C.) coloca um segundo autor em cena
(deutoragonista), depois um terceiro, imitando Sófocles. Era
considerado grande músico. Das 90 peças que lhe são atribuídas,
apenas sete tragédias nos chegaram: Os Persas (472), peça isolada.
Sem fazer parte de uma trilogia, o que era habitual, Os Persas é a
única peça do teatro trágico grego que abordava um tema
contemporâneo, a guerra dos gregos contra os persas, de que Ésquilo
foi um dos combatentes; Os Sete contra Tebas (467), peça premiada;
As Suplicantes (463), fim de uma trilogia; Orestéia (458); trilogia
completa, composta de Agamêmnon, Coéforas e Eumênides;
Prometeu Acorrentado (?), início de uma trilogia.
Sófocles (497-406 a. C.) é o mais premiado dos teatrólogos, tendo
ganhado o prêmio das Grandes Dionisíacas 26 vezes, o que dá um
total de 78 peças premiadas. Atribuem-se-lhe 123 peças, embora só
tenhamos conhecimento efetivo de sete. Sófocles inova com a
inclusão de um terceiro ator em cena (tritagonista). As sete tragédias
conservadas pela tradição são Ajax (445), Electra (421? 413?)
Filoctetes (409, ciclo troiano); Antígona (442), Édipo Rei (421), Édipo
em Colona (401, ciclo Tebano) e As Traquinianas (444, ciclo de
Héracles).
Eurípides (480-406 a. C.) reduz o tamanho e a significação do
coro, aumenta as peripécias e os efeitos de surpresa. Com o aumento
da intriga, acresce o número de personagens. Atribuem-se-lhe 92
peças, mas apenas dezoito tragédias e um drama satírico nos
chegaram: O Ciclope (drama satírico com base no Canto IX da
Odisséia de Homero), Alceste (438), Medéia (431), Hipólito (428), Os
Heráclidas (428), Andrômaca (428), Hécuba (424), A Loucura de
Hércules (415), As Suplicantes (415), Íon (~421 e 413), As Troianas
(?), Ifigênia em Táuris (?), Electra (413), Helena (412), As Fenícias
(410), Orestes (408), As Bacantes (peça póstuma), Ifigênia em Áulis
(peça póstuma) e Rhésos (tragédia atribuída). Grande é o número de
peças pertencentes ao ciclo troiano.
Numa visão didática dos ciclos da tragédia grega, podemos falar
dos Primórdios, com Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, abordando a
prepotência; do Ciclo Tebano com Édipo Rei e Antígona, ambas de
Sófocles, tratando, respectivamente da impotência e da intolerância, e
do Ciclo Troiano, com Ajax, de Sófocles, em que se aborda a
dignidade do herói; a Orestéia, de Ésquilo, em que a maldição dos
atridas é finalmente redimida, e três peças de Eurípides, especialmente
escolhidas: Ifigênia em Áulis, sobre a ambição; Hécuba, que trata da
dor individual, e As Troianas, abordando a dor coletiva.
Dada a impossibilidade de se estudarem todas estas peças,
recomendamos-lhes a leitura de Édipo Rei, por se tratar de peça muito
conhecida e amplamente editada. Lembramos que muitos dos assuntos
das tragédias estão na poesia épica, sobretudo aquelas peças que
enfocam o ciclo troiano. Para o momento, fiquemos com uma visão
rápida de Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, como peça importante
para a compreensão dos primórdios do mito.
3. Prometeu Acorrentado
Ésquilo traz para a tragédia a idéia de Justiça, mais ou menos
estranha a Homero, mas que aparece com nitidez em Hesíodo (v.
Trabalhos e dias). Afirma Paul Mazon na introdução geral à obra de
Ésquilo21:
21
ESCHYLE. Tragédies: Les suppliantes, Les perses, Les sept contre Thèbes,
Prométhée enchaîné; texte établi et traduit par Paul Mazon. 2. éd. Paris: Les Belles
Lettres, 2002.
e Prometeu porta-fogo –, em que personagens divinos são mostrados
numa teomaquia, a exemplo de Homero e de Hesíodo, com a
diferença de que nos dois poetas épicos as teomaquias não constituem
tragédias, pois não comportam uma idéia moral.
Tendo roubado o fogo sagrado de Zeus para dá-lo aos humanos,
Prometeu é punido com o acorrentamento ao Cáucaso, com o
sepultamento vivo pela montanha e, posteriormente, com o martírio de
uma águia, a águia de Zeus, que vem comer-lhe o fígado diariamente.
Na peça, que ora estudamos, única que nos sobrou, só vemos as duas
primeiras partes da punição: o aprisionamento e o sepultamento vivo
de Prometeu, embora Hermes anuncie ao Titã a terceira parte da
punição.
O conflito Zeus x Prometeu, no entanto, vai além do roubo do
fogo ou do ludíbrio de Prometeu a Zeus. Não há dúvida de que o Titã
se rebelou e quebrou a lei divina ao levar o fogo aos homens, mas
Prometeu é detentor de um segredo importante para Zeus, o oráculo de
Thêmis, que lhe foi anunciado e cujos desdobramentos ele conhece
por ser ele sabedor do que vai acontecer, vez que seu nome significa o
que conhece antes. No conflito da peça fica clara a desmedida de Zeus
em relação a Prometeu, sendo a Força e o Poder, deuses que
acompanham Hefestos na missão de acorrentar Prometeu, o símbolo
desta desmedida. Ao que parece, o endurecimento da punição é menos
pelo roubo do fogo e mais por ser o Titã detentor de um segredo
danoso a Zeus, cuja revelação depende de sua libertação.
Na trilogia, se estabelece que é da desmedida que se reconhece,
dolorosamente, a moderação e o domínio de si, como virtudes
importantes e necessárias, mesmo no Olimpo. Zeus como um deus
cósmico, que ordena o universo, deverá se moderar e permitir a
libertação de Prometeu – primeiro com Hércules matando a águia,
depois com a troca de Prometeu pelo Centauro Quíron, que, ferido por
Hércules, aceitará descer ao Hades em lugar do Titã – para não pôr em
risco a ordem que ele mesmo criou. Desse modo, é importante o
episódio de Io, antepassada de Hércules, que toma boa parte da peça.
A peça se inicia com Hefestos, acompanhado do Poder e da Força,
levando Prometeu, que segue e se mantém calado, para o
aprisionamento. Hefestos é quem tem a obrigação de prender
Prometeu ao rochedo do Cáucaso. O erro de Prometeu foi roubar o
fogo brilhante de onde nascem todas as artes para levá-lo aos homens:
Prometeu está sendo punido por ser benfeitor dos homens. Zeus como
novo mestre, que impõe uma nova ordem, tem coração inflexível,
duro como um rochedo.
O Poder demonstra sua força sem concessões, enquanto Hefestos
mostra-se constrangido em aprisionar Prometeu, revelando o conflito
da técnica obrigada a servir ao poder constituído. Daí dizer-se que a
peça trata da prepotência, palavra que não deve ser entendida como
arrogância, mas com o sentido de alguém ter o poder sobre todas as
coisas.
Prometeu só se pronuncia a partir do verso 88, para lamentar-se de
sua condição, iniciando com a invocação das forças da natureza:
GENEALOGIA DE HÉRCULES
Zeus ~ Io
Epafos ~ Mênfis
Líbia ~ Posídon
Hipermnestra ~ Lynceu
Abas ~ Aglaia
Eurídice ~ Acrísio
Zeus ~ Dânae
Andrômeda ~ Perseu
Hércules
GLOSSÁRIO
1. Estudo de Virgílio
Publius Vergilius Maro (Mântua, 70 a. C. – Brundísio ou
Bríndise, 19 a. C.), considerado um dos maiores poetas da língua
latina, viveu no período Clássico da literatura latina – a chamada
Idade de Ouro do imperador Otávio Augusto –, momento em que a
literatura atinge seu apogeu, contando para isto com o concurso da
figura de Mecenas, amigo de Otávio. Estudante de gramática e
retórica na juventude, Virgílio prefere a companhia de filósofos e
poetas, por reconhecer na timidez uma barreira para enfrentar os
debates retóricos. A partir da vitória de Otávio sobre Marco Antônio
(31 a. C.), na batalha de Actium, e de sua aclamação como princeps
(29 a. C.), Virgílio cai nas graças do futuro imperador, que lhe
encomenda uma epopéia sobre a glória romana.
De suas obras mais importantes, temos notícia das Bucólicas (39
a. C.), poema do campo, em que pastores na natureza ideal desfrutam
da felicidade fazendo poesia, cuja base são os Idílios de Teócrito
(poeta grego do século III a. C.); as Geórgicas (29 a. C.), poema
didático, dedicado a Mecenas, sobre a agricultura e a criação dos
animais, inspirado em Os trabalhos e os dias de Hesíodo (poeta grego
do século VIII a. C.) e em De rerum natura de Lucrécio (poeta latino
99/94-55/50 a. C.)22. Por fim, aquela que é considerada a sua obra-
prima a Eneida (17 a. C.), epopéia inspirada na Ilíada e na Odisséia de
Homero (VIII a. C.), narrando a fundação das bases da futura Roma, o
que virá a ser feito pelos descendentes de Enéias, personagem central
do poema.
A epopéia mais antiga entre os latinos é a tradução/adaptação da
Odisséia de Homero por Livius Andronicus – Odissia (cerca de 250 a.
C.) –, em cuja composição o poeta utilizou versos saturnianos. Só com
Ennius e os Anais (século II a. C.) é que os romanos terão uma
epopéia com o hexâmetro dactílico ou espondaico, dando a Roma a
sua primeira obra de porte. Segundo Pierre Grimal (1997: 174), para
22
O poema foi lido por Virgílio, que alternava a leitura com Mecenas quando este
cansava, a Otávio, em 29 a. C., na Campânia, em seu retorno vitorioso do Oriente
(GRIMAL, 1997: 128)
escrever a sua epopéia, a Eneida, Virgílio aglutina a tradição homérica
à nova tradição de Ennius, este considerado o pai da literatura latina.
Tendo começado a composição da Eneida por volta de 29-28 a.
C., dez anos depois Virgílio ainda não se dava por satisfeito com o
que escrevera, por isto teria determinado a destruição de sua obra,
quando estava próximo a sua morte, em 19 a. C. Por interferência de
Otávio é que o poema foi editado. O já imperador incumbiu dois
amigos de Virgílio, também poetas, L. Varius e Plotius Tucca, de
cuidarem da edição da Eneida, publicada dois anos depois da morte do
poeta, em 17 a. C. (GRIMAL, 1997: 237).
A lenda da fundação de Roma reserva o ano de 753 a. C. para a
sua construção. Com a queda de Tróia, Enéias e um grupo de troianos
são impelidos pelo destino a deixar a cidade de Príamo e ir em busca
de fundar uma nova Tróia, tão gloriosa quanto aquela que acabava de
ser tomada pelos gregos, após dez anos de cerco. A chegada dos
Troianos à Península Itálica põe em confronto Enéias e Turno, rei dos
Rútulos, pela posse da terra. Vitorioso, Enéias funda o reino de
Lavínio, cujo nome é originário da filha do rei Latino, Lavínia, que ele
recebe como esposa. Seu filho Iulo, em seguida, funda a cidade de
Alba Longa, onde reinará por trinta anos, e seus descendentes por
trezentos anos. Passado esse tempo, a sacerdotisa vestal Rhéia Sílvia
dá à luz os gêmeos Rômulo e Remo, netos de Numitor, rei de Alba
longa, proporcionando assim as condições para a futura fundação de
Roma. Em linhas gerais, este é o argumento da Eneida, com a ressalva
de que o poema encerra com a morte de Turno por Enéias. Mesmo que
não vejamos o desenrolar dos acontecimentos, eles são anunciados ao
longo da narrativa, desde o Livro Primeiro, numa antecipação do
destino de Enéias e da glória romana.
A história de Enéias, como ancestral de Roma, está na tradição
latina23, mas é na Ilíada que Virgílio encontra a deixa literária para
escrever a Eneida. A glória de Enéias como mito fundador e o destino
de seus descendentes são anunciados no Canto XX do maior poema
homérico, nos versos 292-30824:
23
Veja-se, por exemplo, Tito Lívio, na bibliografia.
24
Tradução nossa do original grego.
Imediatamente, [Posídon] diz aos deuses imortais:
Ai de mim! sinto uma grande dor por Enéias do grande coração,
Que depressa baixará ao Hades, sob o braço do Pelida,
Por ter sido persuadido pelas palavras de Apolo, o que fere de longe.
Tolo! Não é ele [Apolo] que vai socorrê-lo contra a morte ruinosa.
Mas qual a necessidade de que ele sofra estas dores,
Inutilmente, pelos males dos outros, ele que sempre ofereceu
Presentes aos deuses que habitam o vasto céu?
Eia, vamos subtraí-lo da morte e levá-lo conosco,
Se por um lado, o Cronida se indignaria de ver Aquiles
Matá-lo, por outro lado, o destino deseja vê-lo salvo,
Para que não pereça, sem posteridade e aniquilada,
A raça de Dárdanos, que, dentre todos os seus filhos,
Nascidos dele e de uma mortal, o Cronida mais amou.
Já a raça de Príamo, o Cronida odeia.
É o poderoso Enéias que reinará, doravante, sobre os troianos,
Ele e os filhos de seus filhos, que nascerão em seguida.
25
Todas as citações da Eneida são da edição da Les Belles Lettres, de Paris,
constante da bibliografia. As traduções do latim e do grego são nossas, salvo quando
forem devidamente referenciadas. Esclarecemos também que as traduções são
operacionais, com o sentido de entender o texto no seu original, sem pretensões
poéticas.
26
Hoje Tunísia.
missão de Enéias como mito fundador, que dará aos homens leis e
muralhas; e a glória da futura Roma. Os destinos dos troianos,
portanto, permanecem imutáveis, nada fará com que o Deus mude
suas decisões: Enéias reinará no Lácio por três anos, após submeter os
rútulos, fundando o Reino de Lavínio; Iulo reinará trinta anos após
Enéias, fundando o reino de Alba Longa; por trezentos anos reinarão
os troianos até o nascimento de Rômulo e Remo, que irão fundar
Roma. Ciente do seu destino e dos trabalhos que irá enfrentar, Enéias
exclama ao deparar-se com o formigamento da construção de Cartago:
27
Analisaremos este trecho, mais minuciosamente, em seguida.
templo de Juno e no banquete a Enéias, oferecido por Dido. Nas
paredes do templo, que está sendo construído em homenagem a Juno,
Enéias vê cenas da guerra de Tróia, que o levam às lágrimas. A Fama
já havia difundido o infortúnio dos troianos em todos os recantos do
mundo:
28
Ver DUMÉZIL, Georges (1995: 365): “A longa noite de Tróia, os anos de incerta
navegação, os oráculos e os milagres, a tentação púnica evitada, tudo teve um
sentido: reconduzida a sua origem ausoniana, a realeza de Príamo vai reflorescer
sobre esta terra prometida enfim tocada, a Itália.”
29
O Livro I tem 756 versos.
É daí, sem dúvida, que, no curso dos anos, outrora prometeste,
(nasceriam) os Romanos; do sangue reanimado de Teucro
deverão surgir os senhores que manterão com toda soberania
o oceano e as terras: que pensamento, pai, te mudou?30
(I, 234-237)
30
A tradução, apenas operacional, é nossa.
retomada do cetro e a reconstituição da realeza troiana, a partir de
Enéias (I, verso 253).
É neste pequeno fragmento que se revela, de modo inequívoco, o
conflito entre Vênus e Juno. Esta persegue, aquela protege Enéias.
Este embate será vencido temporariamente, de modo ardiloso por
Vênus, no Livro IV, quando do acordo entre as duas deusas para unir
Enéias a Dido. Vênus acha lamentável, terrível mesmo (infandum!,
verso 251) que os troianos tenham que padecer, sendo abandonados
com seus navios pela cólera de uma única divindade.
É importante observar que deste pequeno fragmento de trinta
versos, pelo menos três idéias fundamentais para a compreensão da
Eneida surgem. A primeira é a noção de que os deuses, mesmo
interferindo na trajetória do herói, podendo até retardar o
cumprimento do destino, não podem mudar o determinado pelo
destino. Enéias sofreu todas as provações possíveis e imagináveis,
mas seu destino será cumprido. A segunda é a idéia de que o herói tem
uma contrapartida a apresentar pelo destino bom que o aguarda. Não é
porque o destino será cumprido que o herói não deva mostrar-se
merecedor dele. As provações de Enéias são a sua preparação, seu rito
de passagem para a condição do herói civilizador. É isto o que
representa o recebimento das armas fabricadas por Hefestos, no Livro
VIII da Eneida. A terceira idéia está ligada a um conceito religioso
caro aos romanos: a piedade (pietas). A piedade de Enéias já se
encontra na Invocação do poema (v. 10); o epíteto por que Enéias
deverá ser conhecido, pius Aeneas, o piedoso Enéias, incansavelmente
repetido ao longo da narrativa, já se encontra no verso 220 deste Livro
I31.
De acordo com Pierre Grimal (1981: 73), a pietas era uma atitude
que consistia em observar escrupulosamente não somente os ritos, mas
também as relações existentes entre os seres no universo.
Inicialmente, tratava-se de uma espécie de justiça do mundo material,
capaz de manter as coisas do mundo espiritual no seu lugar ou de
remetê-las para lá, cada vez que algo de natureza acidental pudesse
provocar a desarmonia, portanto a injustiça. Grimal faz ainda uma
leitura etimológica do termo pietas, apontado uma relação estreita
com o verbo piare, que designa uma ação de apagar uma mancha, um
mau presságio, um crime (1981: 73).
31
Neste Livro I, ainda há outras duas ocorrências do epíteto nos versos 305 e 378.
Ora, Enéias é piedoso, pois a sua atitude é de temente e obediente
aos deuses, e de cumpridor dos rituais sagrados, atitude devidamente
comprovada no curso da narrativa – veja-se o ritualístico Livro V, por
exemplo –, mas já testada no Livro II (versos 717-720), quando o
herói se recusa a levar em suas mãos os Penates de Tróia, pois se
encontrava sujo de poeira e sangue da guerra travada contra os
invasores argivos. Impuro, ele se encontrava proibido de tocá-los
(me.../ attrectare nefas, versos 718-719). É, pois, na condição de
piedoso, que Enéias deveria fundar uma nova Tróia, limpando a
anterior de sua mancha, do seu erro, assunto a que voltaremos mais
adiante.
Constatamos, portanto, que este pequeno trecho das queixas de
Vênus nos apresenta duas das três partes estruturais da Eneida: as
provações e os rituais advindos da piedade. A terceira parte – as
guerras – será apresentada no trecho seguinte, o da resposta de Júpiter.
A segunda parte do trecho, a confirmação do destino de Enéias (I,
versos 254-296), nos revela uma complexidade muito maior, pois
Virgílio na composição do seu poema utiliza-se substancialmente da
história de Roma. Logo de início, vemos o resultado da missão de
Enéias, como uma forma de Júpiter tranqüilizar a angústia da filha,
para depois nos ser mostrado o roteiro que levará ao fim dessa missão.
Tranqüilidade expressa num rosto que serena o céu e as tempestades
(uoltu, quae caelum tempestatesque serenat, verso 255), prometendo
que os destinos dos descendentes de Vênus permanecem imutáveis
(manent immota fata, versos 257-258) e que a deusa verá surgirem os
muros da cidade e ela mesma elevará Enéias aos astros do céu (feres
ad sidera caeli/ magnanimum Aeneam, versos 259-260). Aqui se
confirma o Enéias empreendedor, fundador de cidades. Mais abaixo,
veremos, na revelação dos arcanos do Destino, o Enéias guerreiro que
fará grande guerra na Itália, domando povos ferozes, além do Enéias
empreendedor e sacerdote, pois dará leis e cidades aos homens. Não é
suficiente que o herói seja apenas um mito fundador, ele deve ser um
mito civilizador, cabe-lhe, portanto introduzir a civilização, o que se
fará através das leis, na Península Itálica:
PROCA
NUMITOR AMÚLIO33
RÔMULO REMO
32
A condição de Vestal exigia da sacerdotisa a castidade. Este foi um expediente de
Amúlio, após matar os filhos homens do irmão Numitor. Impondo o sacerdócio à
sobrinha, ele não teria que se preocupar com uma linhagem masculina que pudesse
tirá-lo do poder. Vesta era uma deusa romana, identificada com a grega Héstia, é a
personificação da Lareira (sempre no centro, seja do altar, da casa ou da cidade).
Protetora do fogo sagrado, Vesta teria sido introduzida no Lácio por Enéias (v. Livro
II da Eneida, versos 296-297). Numa também lhe erigiu um templo, com fogo
perene e inextinguível (v. Ovídio, Fastos, 6, 255-298). Tito Lívio nos mostra Numa
Pompílio como rei virtuoso que escolhe jovens donzelas obrigadas à castidade para
o serviço de Vesta e lhes dá um tratamento pago pelo estado (I, XX: 1-3).
33
Destrona o irmão, mata os sobrinhos homens e obriga a sobrinha a ser vestal (Tito
Lívio, I, III: 10-11).
34
Rhea Silvia engravida de Marte e dá à luz gêmeos, expostos no leito do Tibre,
aleitados por uma loba e criados pelo pastor Faustulus (Tito Lívio, I, IV:1-9)
Mapa das colinas de Roma (Tito-Lívio, História de Roma)
Mapa da Roma dos primórdios (Tito-Lívio, História de Roma)
Dárdanos
Erictônio
Tros
Laomedonte Cápis
Iulo (Ascânio)
Rômulo
Júlio César
36
Veja-se Grimal, falando de Virgílio: “C’est parce que la race romaine avait été
fondé par um héros juste et pieux que Rome avait reçu l’empire du monde” (1981:
167) – Porque a raça romana foi fundada por um herói justo e piedoso, Roma
recebeu o império do mundo.
Com os olhos voltados para a sua época, Virgílio não poderia
deixar de mostrar a importância da Gens Iulia, a família Júlia,
inicialmente, vinculando Júlio César a Iulo, filho de Enéias. A
extensão do império romano, apenas limitado pelo oceano, mas com a
fama chegando até os astros, dever-se-á a Júlio César, divinizado após
a morte e recebido nos céus pela própria Vênus37. Depois, mostrando
o tempo de Augusto e a paz estabelecida pelo seu governo:
Glossário
EXERCÍCIOS
TEXTOS
Depois de você ter assistido às aulas, lido os textos, participado
das explicações e dos debates, tente fazer a leitura dos dois textos
abaixo, com base na experiência adquirida da leitura do Clássico.
Lendo a Ilíada
Olavo Bilac
CONCLUSÕES
Esperamos que durante o processo, possamos acompanhar sua
evolução, caro aluno, com relação à assimilação dos valores do mundo
clássico. É fundamental para uma discussão de uma aprendizagem
efetiva que os que estão integrados a este estudo possam reconhecer a
permanência dos elementos clássicos na nossa cultura. Consideramos
que o conhecimento que foi posto à sua disposição é um caminho que
lhe permitirá, caro Aluno, aprofundar seus conhecimentos sobre o
assunto. Estamos conscientes, no entanto, de que são necessárias mais
leituras, por isto mesmo, estendemos a nossa bibliografia com autores
que consideramos básicos e incontornáveis. Acreditamos que os
primeiros passos foram dados, os demais dependem agora da vontade,
da necessidade e, claro, das condições oferecidas daqui por diante,
para que se possa avançar nesse caminho. Por outro lado, temos a
plena convicção de que os estudos do Clássico, mesmo que de forma
introdutória, contribuirão sobremaneira para a formação do professor
da área de Humanidades e, por conseguinte, para o aperfeiçoamento
do processo ensino-aprendizagem nesta área do conhecimento
humano.
BIBLIOGRAFIA
FILMOGRAFIA
Biblioteca Augustana
www.fh-augsburg.de/~harsch/augusta.html
Perseus
www.perseus.tufts.edu/