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RIO DE JANEIRO
2015
Thaís Garcia de Oliveira Rocha
RIO DE JANEIRO
2015
AGRADECIMENTOS
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 6
2. MODERNIDADE, IDENTIDADE E RELAÇÕES INTERNACIONAIS. ................................ 8
2.1. As alternativas de análise internacional: respondendo ao desafio da (pós)
modernidade........................................................................................................................................ 9
2.2. Os desafios da modernidade ............................................................................................ 16
2.3. A influência dos fenômenos da modernidade no Irã: sobre os direitos humanos
e o feminismo .................................................................................................................................... 25
3. O FEMINISMO E O ISLÃ .......................................................................................................... 30
3.1. O Islã ........................................................................................................................................ 30
3.1.1. História do Islã: séculos iniciais .................................................................................. 30
3.1.2. Principais características do Islã ................................................................................. 36
3.1.3. Fontes do Direito Islâmico ............................................................................................. 39
3.1.4. Fundamentalismo Islâmico............................................................................................ 42
3.2. Quando o Islã e o feminismo se encontram ................................................................. 49
3.2.1. O Feminismo ..................................................................................................................... 50
3.2.2. O Islã e os Direitos das Mulheres ................................................................................ 54
3.2.3. O Feminismo Islâmico .................................................................................................... 60
4. A REVOLUÇÃO E AS MULHERES ....................................................................................... 64
4.1. Histórico da Revolução Iraniana ...................................................................................... 64
4.2. O direito das mulheres no Irã pós-revolucionário....................................................... 70
4.3. O movimento feminista no Irã: o que mudou? ............................................................. 73
5. CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 85
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 88
6
1. INTRODUÇÃO
dos neorrealistas ao “[...] tornar uma das entidades primitivas, neste caso a estrutura
do sistema mundo, e então tentar reduzir outras entidades, como os Estados e as
classes, aos seus efeitos” (WENDT, 1987, p.345) [tradução própria]. A consequência
desta estratégia, argumenta o autor, é a reificação da estrutura - uma espécie de
blindagem às influências dos atores que a produzem e transformam - o que os torna
incapazes de explicar suas propriedades essenciais, de explorar o porquê de o
sistema ter se desenvolvido em centro, periferia e semi-periferia ou garantir que esta
estrutura é imutável (WENDT, 1987).
Wendt (1987) rebate a lógica aplicada na Teoria do Sistema-Mundo. Afirma
que, ao compreender os Estados como efeitos da estrutura, uma distinção
ontológica deve ser feita entre relações internas e externas. As relações internas são
relações entre entidades onde a identidade destes agentes é determinada pela
relação existente entre eles, ou seja, não basta conhecer as propriedades de cada
uma para defini-las. Já as relações externas são relacionamentos contingentes,
onde os agentes existem independentemente desta interação, portanto não são
essenciais para sua identidade.
Considerando que a teoria do sistema-mundo identifica a estrutura como
sendo ente generativo, e esta estrutura generativa é um conjunto de relações
internas, compreende-se que os agentes são um efeito da relação que estes têm
com a estrutura, não como uma consequência da estrutura existente. Sendo assim,
não existe a necessidade de reificação da estrutura, como fazem os teóricos do
sistema-mundo ao utilizar a teoria reprodutiva. O estado não é um ator passivo com
relação à estrutura, da mesma forma que esta última não está imune às ações do
agente estatal. A estrutura deveria ser tratada em suas contingências históricas e
problematizada no processo de criação dos agentes.
A teoria estruturacionista apresentada por Wendt (1987) é uma alternativa às
principais correntes de análise internacional, diante da constatação de suas lacunas
teóricas. Reconhece a importância analítica de estruturas generativas não visíveis,
se opondo aos individualistas, e ressalta a relevância do desenvolvimento de uma
teoria competente ao tratar das intenções e motivações humanas, indo de encontro
ao estruturalismo. Uma teoria com ontologia social capaz de “reconceitualizar
radicalmente propriedades fundamentais de agentes e estruturas de uma maneira
que os tornem ontologicamente interdependentes [...]” (WENDT, 1987, p.361)
13
Em resumo, Wendt (1987) afirma que nos deparamos com dois problemas:
um ontológico e outro epistemológico. Na questão ontológica se trata de escolher
um – ou dois - personagem (ns) da relação agente-estrutura e decidir torná-lo(s)
ontologicamente primitivo(s) ou dar o mesmo status a eles. Esta escolha nos
apresenta três respostas: o individualismo, o estruturalismo e o estruturacionismo. A
resposta encontrada pelo neorrealismo está na redução da estrutura às
propriedades e interações entre os estados como unidades com racionalidade
individual (individualismo), enquanto a resposta da teoria do sistema-mundo reduz
os agentes aos efeitos da reprodução do sistema capitalista (estruturalismo). Já o
estruturacionismo procura dar o mesmo status ontológico para o agente e a
estrutura, entendendo quem ambos são co-determinados e mutuamente constituídos
(WENDT, 1987).
A escolha entre uma destas respostas também vai determinar uma das – e
para o autor, a mais relevante - questões epistemológicas: estes agentes são
racionais e interpretativos ou reagem de acordo com estímulos? As opções
individualistas e estruturalistas limitam as possibilidades dos agentes em agir, seja
por uma determinação das suas próprias capacidades em uma dada estrutura ou
pelos limites impostos pela estrutura em si. Em ambos os casos, os atores
processam uma realidade exterior dada (WENDT, 1987). O estruturacionismo coloca
a ação como resultado da interação da estrutura existente e da capacidade do
agente.
As discussões postas por Wendt fortaleceram o debate entre positivistas e
pós-positivistas e lançaram bases para a teoria Construtivista que viria a ser
apresentada pelo autor. O Construtivismo se utiliza das ideias de que a realidade é
socialmente construída, que as ideias compartilhadas constituem as estruturas da
associação humana, as identidades e interesses dos atores (WENDT, 1999).
Wendt (1999) propõe três ações para reconceitualizar a estrutura e a teoria
estrutural: o primeiro é rever do que é feita a estrutura internacional. Esta é uma
discussão entre o idealismo e o materialismo, onde o primeiro tende a vencer. De
acordo com o autor:
2002, p.13).
– também a mais tradicional, que não considera esta diversidade de atores - tem se
mostrado pouco eficiente para a compreensão dos eventos da atualidade. Na última
década, o reaquecimento do debate entre positivistas e pós-positivistas - que havia
se iniciado na década de 80 – favoreceu as interpretações da política mundial, como
o construtivismo e o crescimento das abordagens feministas (TICKNER, 2001).
Neste contexto de luta e novos atores, o movimento feminista tem, ao mesmo
tempo, ganhado batalhas na busca pelo direito das mulheres, demonstrando a
importância do tema e de sua atuação na política internacional e desafiado o campo
de estudo, levantando questões de gênero e direitos na análise internacional.
É importante ressaltar o papel que a modernidade assume nestas
transformações sociais. Em síntese, a (pós) modernidade (o que Giddens chama de
alta modernidade) provocou transformações sociais, econômicas e espaciais que
modificaram a construção da identidade pessoal, gerando novos anseios e
expectativas. Na base destes novos anseios surgiram movimentos conservadores
ou transformadores – como no caso da Revolução Iraniana. A ação social, neste
contexto, ganhou nova dimensão, trazendo desafios na análise social e das relações
internacionais.
O retorno da importância dos movimentos sociais leva, ainda, à reflexão sobre
suas próprias conquistas, principalmente no pós-onze de setembro, em que o
mundo muçulmano voltou a ficar em evidência e, da mesma forma, o choque entre o
modelo de modernização ocidental e o oriente. Sob o espectro do Choque de
Civilizações, o conflito entre o Ocidente e o Mundo muçulmano pode ser polarizado
como um conflito entre os Estados Unidos e o Irã, onde, neste último, não existiria
democracia, respeito aos direitos humanos e às liberdades individuais (CLEMESHA,
2010).
As acusações auferidas ao Irã – e à religião muçulmana – têm sido
principalmente, voltadas à questão dos direitos humanos – com destaque nos
direitos das mulheres -, como forma de manchar a imagem do país perante a
sociedade internacional, levando ao seu isolamento (CLEMESHA, 2010).
Nos últimos anos, o assunto tem se tornado mais presente na mídia e alguns
casos tem ganhado ampla divulgação, demonstrando a existência tanto de atitudes
misóginas, quanto de mulheres despertas, conscientes e que lutam pelos seus
direitos. Dentre estes, destaca-se a sentença de morte por apedrejamento à iraniana
Sakineh Mohammadi Ashtiani, acusada de adultério e participação no homicídio de
27
1
O Chador é um traje persa antigo popularizado no Irã durante a Dinastia dos Qajars. Trata-se de
uma veste feminina, solta e sem mangas, que cobre todo o corpo, utilizada pelas iranianas em
conformidade com os regulamentos islâmicos sobre vestimentas. Durante a Dinastia dos Pahlavi, que
durou de 1925 a 1979, o uso do Chador foi proibido pelo Xá Reza Pahlavi em 1936, bem como, anos
mais tarde, em 1963, foi garantido pelo seu filho, o Xá Mohammad Reza Pahlavi, o sufrágio universal
(ALGAR, GHEIBY e RUSSELL, 1990; CURTIS e HOOGLUND, 2008).
30
3. O FEMINISMO E O ISLÃ
3.1. O Islã
2
Construção cúbica com uma pedra negra incrustada localizada em Meca. De acordo com a crença
islâmica, Maomé expurgou o local de ídolos e o fez centro de devoção muçulmana. O local é sagrado
para os muçulmanos e é centro de peregrinações (HOURANI, 2006).
33
tribo, que dominava Meca, e judeus, que passaram a discordar das decisões do
Profeta em Medina. Contudo, com o passar dos anos, o domínio do Islã e de Maomé
se confirmou e houve uma “reconciliação de interesses” entre Meca e Medina:
3
Sucessor do profeta, título para o líder político da comunidade muçulmana, a ummah (HOURANI,
2006).
34
Como não era possível reconhecer um mundo sem um Imame, acreditava-se que
ele não havia morrido, mas sim vivia em ocultamento, seria o “Imame escondido”. A
adoração ao Imã por parte dos xiitas é mau vista pelos Sunitas, uma de tantas
diferenças entre estes dois ramos do Islã (HOURANI, 2006).
De outro, temos os sunitas, que privilegiavam a vida da comunidade em paz.
Para eles, os muçulmanos deveriam aceitar os quatro califas que haviam sido
escolhidos pelo consenso da comunidade. Eles haviam sido os legítimos, virtuosos e
corretamente guiados. Os governantes atuais também poderiam ser aceitos desde
que respeitassem a prática do profeta (sunna), a tradição e o Alcorão. Sendo assim,
eles não seriam profetas ou intérpretes da fé, mas chefes com conhecimento e
virtude que lhe davam capacidade de manter a paz e a justiça na comunidade. As
doutrinas sobre a interpretação corânica entre os sunitas eram variadas, indo desde
a utilização da razão até a interpretação literal do Alcorão e da sunna (HOURANI,
2006).
Outra divisão, decorrente do processo de expansão desta civilização, foi entre
o Alto Islã e o Baixo Islã. Certos territórios que foram atingidos pela religião
muçulmana eram de fato governados pelo centro político de poder, outros, contudo,
tinham forte presença de seus líderes locais. Estas tribos e comunidades rurais
adaptaram o islamismo para a sua realidade. Portanto, o baixo Islã pode ser
caracterizado pela ênfase na magia e simbolismo mais que na educação religiosa, o
êxtase mais que a observância às regras, culto a santos, uso de amuletos e
mediação do contato com Deus através de uma figura. A expressão da religião
através destes artifícios é mais capacitada a tingir as massas e angariar a
identificação dos menos letrados (GELLNER, 1992).
Por outro lado, o Alto Islã é composto pelos mais letrados e habitantes dos
centros urbanos, e é reflexo das preferências das classes médias e mais abastadas.
Preza pela ordem, pela observância às regras, sobriedade e aprendizado. Possuem
ojeriza ao excesso e ao simbolismo na religião, pois é orientado ao puritanismo e
escrituralismo. Apesar de ser o extremo oposto do baixo Islã, ambos tendem a
conviver sem grandes tensões, através da dominação do alto Islã. Todavia, existem
momentos em que estas diferenças tornam-se relevantes e, são nestes episódios
que o alto Islã se movimenta para reafirmar sua predominância através de um novo
ciclo de reformas. O grande receio do alto Islã é de que as lideranças tribais, com
sua enorme capacidade de mover as massas rurais através da religião, no desejo de
36
Sob esta lógica, seria possível que novas interpretações dos textos sagrados
do Islã dessem espaço a preceitos até o momento incompatíveis com o Islã? Nos
próximos pontos serão discutidas as características do Islã e as fontes do Direito
Islâmico, que tem o papel de realizar esta ligação entre religião e a vida concreta, e
a sua flexibilidade para se adaptar aos conceitos modernos.
Por fim, nele também são estabelecidos para a Charia, através do esforço de
interpretação dos estudiosos da religião, os princípios éticos de moderação e bom
senso, que se estendem para além do âmbito jurídico (ZELESCO, 2011). Havia a
consciência de que “existiam preceitos éticos subjacentes aos conselhos e
prescrições práticas, e à primeira vista temporal e espacialmente delimitadas, do
Livro Sagrado” (ZELESCO, 2011, p.186).
A segunda fonte da Charia em ordem de importância é a Sunna, a prática do
Profeta. Ela é composta principalmente por hadiths, pequenas narrações do que o
Profeta fez, falou ou como agiu em determinada situação. Provisões gerais sobre
preceitos do Alcorão poderiam ser inferidos dos atos e ditos do Profeta, bem como
respostas para situações em que o Alcorão não abordava (HOURANI, 2006).
As numerosas listas de hadiths podem variar sua validade de acordo com a
tradição islâmica. O que é válido para os sunitas na Arábia Saudita, pode não ser
válido para xiitas no Irã. A confiabilidade e a aplicabilidade dos hadiths, quando
confrontados com alguma interpretação de Alcorão, da Sunna ou de outro hadith
podem gerar confusão e grande discussão entre juristas islâmicos, responsáveis
pela coordenação das fontes da Charia para aplicação em casos concretos
(ZELESCO, 2011).
O Corão e a Sunna são duas fontes consideradas reveladas por Deus para
o direito islâmico. Tal atributo lhes confere legitimidade incontestável, porém
seu texto tem dificuldades, (...), em abarcar todas as possibilidades de
relacionamentos humanos, e em fornecer critérios atemporais para soluções
específicas (ZELESCO, 2011, p. 192).
Gellner (1992) discute o motivo pelo qual o Islã teria escapado do dilema
secularista. De acordo com o autor, o fato de a religião ter como doutrina central a
premissa de que a mensagem recebida pelo Profeta Maomé é divina e, portanto,
atemporal e imutável, e é capaz de cobrir assuntos sobre a fé e a moral – ou seja, lei
e doutrina – tem grande influência na vida do muçulmano. O fato de a norma ter
origem divina não somente indica a dificuldade de fundamentalistas em aceitar as
leis e práticas modernas, mas também implica que existe uma divisão de poderes
previamente estabelecida, a qual subordina o executivo ao legislativo (divino),
concede aos teólogos/advogados a capacidade de julgar a retidão do executivo.
Outro ponto relevante é a ideia de que a vida em comunidade ideal já foi alcançada
nos anos iniciais do Islã, quando sob a liderança de Maomé. Não houve a
necessidade de enfrentamento a um Estado que lhe era alheio e sempre resistiu
mesmo com as mudanças das formas de governo. O Islã era o próprio Estado desde
o início, e por isso, não havia dualismo entre Igreja e Estado. Tais ideias intrínsecas
ao Islã e ao modo de vida dos muçulmanos permitiram que a sociedade não se
entregasse a secularização (GELLNER, 1992).
46
4
Corpo de estudiosos sobre a religião islâmica e suas leis, guardiões do sistema de crenças, que
ensinam, interpretam e administram a charia (HOURANI, 2006)
48
mal do regime do Xá. Fazia isto porque considerava que a reforma espiritual era
essencial para empreender uma reforma social, portanto política e religião, o mythos
e o logos, não podiam ser matérias desassociadas (ARMSTRONG, 2001).
Em 1971, Khomeini publicou o livro “Governo Islâmico”, onde desenvolve uma
teoria xiita para um governo clerical. A tese é revolucionária, pois vai além da
aproximação entre religião e política, ela quebra o paradigma xiita de que a ausência
do Imame5 significaria um impedimento para um governo religioso. De acordo com
Khomeini, os tempos mudaram e um governo de ulemás era necessário para
salvaguardar a soberania divina e o cumprimento da Charia, e possível, devido ao
seu grande conhecimento dos escritos sagrados. Era o momento dos iranianos
agirem, pois o Islã não era uma crença pessoal, mas voltada para a ummah, que
vinha sofrendo injustiças de um governo secular e opressor e de estrangeiros
imperialistas que transfiguraram sua identidade. A tese de Khomeini também
cumpria um segundo papel, dava face à revolução purificadora do Islã, e aproximava
cada vez mais o xiismo do alto Islã (ARMSTRONG, 2001; GELLNER, 1992).
Com seu discurso moderno, simples, direto e utilizando da história do Islã
para realizar críticas ao governo, Khomeini conquistou as camadas populares.
Perseguido pelo Xá, se tornou mártir e símbolo da revolução ao lado de Ali Shariati.
Shariati, sociólogo e revolucionário, criou a ideologia da revolução voltada para as
classes mais altas e intelectuais (ARMSTRONG, 2001).
Bem como Khomeini e Qutb, acreditava que o islamismo deveria se expressar
em ações concretas. Para ele, a fé ativa do Islã havia se tornado em algo provado e
passivo. A ausência do Imame dava a responsabilidade ao povo com relação à
conduta religiosa, pois não era necessário sujeitar-se aos mujtahids (intérpretes da
lei) como o xiismo safávida determinava. Cada um era responsável por sua própria
vida e submetia-se unicamente a Deus, outras formas de culto eram prática da
idolatria, o que tornava o Islã no cumprimento mecânico de um conjunto de normas
(ARMSTRONG, 2001).
De fato, o xiismo safávida expressava a religiosidade de um mundo pré-
moderno, onde não havia espaço para liberdade individual, o que evidenciava ainda
mais a necessidade de transformação. Os escritos de Shariati conferiam significados
aos simbolismos e cultos islâmicos, associando-os à razão, como fez com os ritos da
5
Líderes religiosos que sucederam o Profeta Maomé ou puxadores de reza no culto
islâmico(HOURANI, 2006).
49
homens. Este novo estilo de vida, conforme comentado anteriormente, gerou novas
necessidades para formação de suas identidades.
Durante o século XX e o processo de secularização dos estados islâmicos, as
demandas das muçulmanas por direitos que lhes eram usurpados se intensificaram
e os governos, na tentativa de se assemelharem ao modelo moderno de sociedade,
conduziram algumas mudanças. Os direitos das mulheres, então, passam a ser
realidade em suas vidas, contudo, sua participação nas atividades sociais estão sob
forte controle estatal e extremamente marcadas pelos papéis associados aos
gêneros na sociedade patriarcal. O discurso de modernização era maquiagem para
a realidade em que os países muçulmanos viviam.
Considerando este momento conturbado e de transformação social para o
Islã, discutir este encontro entre a religião islâmica e o feminismo, a princípio
formado por atores aparentemente antagônicos, é importante para compreender
como as muçulmanas foram apresentadas ao movimento feminista e como o mesmo
foi interpretado e absorvido por elas.
3.2.1. O Feminismo
[...] o trabalho fora de casa abriu-lhes portas para o mundo e ampliou suas
redes sociais e experiência, frequentemente marcada pela solidariedade
entre as mulheres contra as agruras do dia-a-dia, elas começaram a se fazer
perguntas e passar as respostas às filhas. O solo estava preparado para
receber as sementes das ideias feministas que germinavam
simultaneamente nos campos dos movimentos culturais e sociais
(CASTELLS, 1997, p.210).
onda feminista.
A terceira onda, que teve início na metade da década de 90, no contexto da
nova ordem mundial do pós-colonialismo e pós-socialismo. Busca superar o
questionamento teórico sobre equidade e diferença e político sobre evolução e
revolução, abraçando a ambiguidade e diversidade e multiplicidade. As mulheres
feministas da terceira onda já nasceram com os direitos conquistados anos antes
pelas companheiras durante o século XX, portanto se consideram capazes, ativas e
agentes da transformação e marcadas pelo uso da internet e redes sociais. “As
feministas da terceira onda são motivadas pela necessidade de desenvolver
políticas e teorias feministas que honrem experiências contraditórias e desconstruam
o pensamento categórico” (KROLØKKE e SØRENSEN, 2006, p.16) [tradução
nossa]. Questionam, então, paradigmas da segunda onda, sobre o que é ou não é
bom para as mulheres e sobre o que é ser do sexo feminino, em sua multiplicidade
de representações.
Sendo assim, trata-se de uma questão identitária. Elas possuem dificuldade
em se encaixar numa identidade única ou particular ao abraçar a diversidade, o que
as permite refletir sobre suas contradições pessoais e tomar posições variadas em
assuntos complexos do feminismo que envolvem gênero, sexualidade, raça, classe,
etc. O feminismo vai abraçar, então, questões de liberação sexual e fim da opressão
de transgêneros, contestar a própria identidade e divisão entre sexo e gênero e a
feminilidade em si (KROLØKKE e SØRENSEN, 2006).
O período também é marcado pelo fim da Guerra Fria e novos desafios do
mundo (pós)moderno, como o fundamentalismo, a globalização, a redistribuição de
poder e os riscos e promessas da biotecnologia e da tecnologia informacional. Seu
ativismo, por conseguinte, é capaz de atravessar o espectro do local ao
transnacional (KROLØKKE e SØRENSEN, 2006).
A expansão dos ideais feministas através da modernidade gerou
desdobramentos, conforme abordado na segunda onda do movimento. Os
feminismos podiam tratar das demandas das mulheres por cor, classe social,
civilização e religião. No caso do feminismo islâmico, o tema levanta debates e
dúvidas. É possível que duas identidades aparentemente tão distintas convivam em
um mesmo sujeito? Ao mesmo tempo, esta nova influência angariou inimigos, que a
viam como desconstrutora de suas tradicionais bases sociais e produto de uma
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cultura ocidental. Aos olhos destes, não seria possível uma mulher do hemisfério
oriental ser feminista, pois não fazia parte de sua cultura.
30. Dize aos fiéis que recatem os seus olhares e conservem seus pudores,
porque isso é mais benéfico para eles; Deus está bem inteirado de tudo
quanto fazem (Alcorão, 24:30).
31. Dize às fiéis que recatem os seus olhares, conservem os seus pudores
e não mostrem os seus atrativos, além dos que (normalmente) aparecem;
que cubram o colo com seus véus e não mostrem os seus atrativos, a não
ser aos seus esposos, seus pais, seus sogros, seus filhos, seus enteados,
seus irmãos, seus sobrinhos, às mulheres suas servas, seus criados isentos
das necessidades sexuais, ou às crianças que não discernem a nudez das
mulheres; que não agitem os seus pés, para que não chamem à atenção
sobre seus atrativos ocultos. Ó fiéis, voltai-vos todos, arrependidos, a Deus,
a fim de que vos salveis! (Alcorão apud ZELESCO, 2011, p. 218).
(...) uma norma, justamente por ter de regular a existência humana em sua
dimensão concreta e nos aspectos mutáveis dos casos da vida, não pode
desempenhar essa função, caso seja considerada uma gaiola de aço que
não admite via de saída. Na verdade, pelo menos até o século X os juristas
muçulmanos continuaram interpretando as normas e os fundamentos das
normas. O que aparece com bastante evidência, quando se faz uma leitura
atenta do Alcorão, é a tensão entre ordem e espírito, entre regra que se
deve aplicar e a superior finalidade ética que explica o motivo pelo qual
essa regra foi imposta e se deve cumprir. (PACE, 2005, p. 337)
A norma ética superior extraída deste trecho estabelece que, não sendo possível
mantê-las com justiça, não se deve desposar de mais de uma mulher. Portanto, é
melhor ser justo que parcial com suas esposas. A norma religiosa resultante e
aplicada em diversos países estabelece que a monogamia é superior à poligamia e
deve haver justiça na relação entre homem e mulher. Contudo, a regra admitida por
diversos países é que a poligamia, de acordo com o Alcorão, é uma prática admitida
(PACE, 2005).
É importante inferir certas conclusões da discussão deste ponto sobre o Islã e
os direitos humanos e das mulheres. A primeira é que, no debate sobre a
universalidade dos direitos humanos, o relativismo, apesar de apresentar críticas
importantes para a construção dos Direitos Humanos, não é solução final para a
manutenção e preservação da dignidade humana, da mesma forma que não é
solução negar que os mesmos foram construídos com forte base ocidental. Os
extremos não apresentam soluções construtivas para garantir o respeito aos direitos
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4. A REVOLUÇÃO E AS MULHERES
O governo de Reza Shah Pahlavi deu início a uma série de ações que
pretendiam centralizar o poder, fortalecer o exército e a burocracia e aumentar a
eficiência do Irã para introduzi-lo na modernidade. Reuniu forças militares
heterogêneas em um exército de quarenta mil soldados e, em 1926, persuadiu a
Majlis a autorizar o recrutamento militar universal. O objetivo era, além de aumentar
seu poder, pacificar e trazer sob seu controle as tribos pelo país. Além disso, o Xá
reformulou o maquinário administrativo, criou um o ensino fundamental, médio e
superior secular, que foram as bases da burocracia e, junto com a expansão
econômica, criaram a classe média iraniana. O legislativo e o judiciário também
foram secularizados e afastados do domínio dos clérigos, com a criação de três
novos códigos legais: civil, criminal e comercial. Ainda, a fim de unificar a
heterogeneidade iraniana, acabar com a influência estrangeira e emancipar as
mulheres, o Xá impôs o vestuário europeu à população, abriu as escolas à
população feminina e inseriu as mulheres no mercado de trabalho. Em 1936, aboliu
o uso do véu no país. Estas, além de outras medidas do Xá, visavam enfraquecer o
poder da hierarquia religiosa. (CURTIS e HOOGLUND, 2008).
Contudo, ao passo que angariava apoio para suas reformas, respondia com a
crescente repressão e autocracia, que massacrava a população com a
modernização acelerada e com a sobreposição superficial de instituições modernas
às velhas estruturas agrárias. Um Irã conservador era escondido por uma fachada
moderna de papel criada pelo Xá. O controle das tribos foi conquistado com
massacre e violência, não havia liberdade de expressão - os opositores do governo
eram assassinados e as manifestações reprimidas –, os véus das mulheres eram
retirados à força, com violência, pelo exército nas ruas, os salários baixos e o
desinteresse em levar a modernidade para as áreas mais pobres reprimia o
desenvolvimento do Irã, que se manteve dependente de empréstimos e
investimentos estrangeiros. Enquanto uma pequena parcela da população gozava
das oportunidades de estudo e dos confortos da modernidade, a grande parte que
vivia nos campos, encontrava-se esquecida, ainda utilizando métodos tradicionais e
improdutivos, atordoados com o nacionalismo secular do regime, sem orientação de
seus ulemás, acuados pela violência contra os opositores (ARMSTRONG, 2001).
66
6
Hadiths envolvendo Fatima Zahra, filha de Maomé e esposa de Ali, ressaltam sempre suas
qualidades como mãe e esposa. Zaynab Kobra era filha de Fátima e Ali, e teve importante papel
durante a batalha de Karbala, confronto para garantir que a descendência de Ali retornasse a
liderança da comunidade muçulmana. A Batalha de Karbala terminou com a morte do neto de Ali e
seus familiares, que se tornaram mártires adorados pelos Xiitas. Tais hadiths foram utilizados por
Khomeini a fim de ressaltar o papel da mulher e retratar a imagem ideal feminina no Islã. Para os
Xiitas, devido ao forte caráter simbólico de sua fé, tais figuras tem grande importância, e viver a sua
semelhança pode garantir ao fiel sua entrada no paraíso (AGHAIE, 2005; SHIRAZI, 2005).
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outro lado, tinham esperança de que o governo manipulado pelo ocidente fosse
substituído por um estado socialista. Contudo, a maioria das mulheres, que não
tinha nenhuma posição ideológica ou política, se juntou ao movimento ansiando ver
o Irã livre da ditadura, da dominação estrangeira, que infligia sob a população suas
atitudes culturais através do Xá (MAHDI, 2004).
As expectativas das mulheres não foram de perto atendidas com a chegada
da República Islâmica. A fim de estabelecer o governo e ter aprovada sua proposta
constitucional que muitos, inclusive o Primeiro Ministro, consideravam extremamente
conservadora e opressora, Khomeini utilizou-se da rivalidade com os Estados
Unidos para incentivar a paranoia, retirar dos cargos inimigos políticos - como o
Primeiro Ministro - e agir com repressão e violência contra os opositores. O Aiatolá
se colocou como o líder no Irã na luta contra o ocidente, mas, ao fim do período
revolucionário, Khomeini era tão autocrático quanto o seu antecessor. Esperando,
como outros reformadores muçulmanos do passado, o retorno do Islã baseado nos
princípios de igualdade e justiça social, as mulheres se depararam com um
movimento fundamentalista que aplicava a ultrapassada fiqh para definir normas
sociais e relações interpessoais, e que utilizava o Islã como justificativa para o
patriarcalismo (MIR-HOSSEINI, 2006). A liderança dos religiosos, capaz de reunir os
mais diversos segmentos da sociedade contra o Xá, foi determinante para os rumos
do governo do período pós-revolucionário (MAHDI, 2004). Eliminando a oposição,
fechando partidos e assumindo a maioria na Majlis, Khomeini concretizava a
“unidade de expressão iraniana” (ARMSTRONG, 2001, p. 356), o que para ele não
significava uma ditadura, mas sim a conformidade da prática religiosa que levaria
aos iranianos a fé perfeita. Em realidade a unidade de expressão distorcia o Islã e o
transformava em uma ideologia. Traduzia o mythos em logos para combater o
racionalismo da modernidade (ARMSTRONG, 2001).
Considerando as premissas acima mencionadas, a condição feminina foi
radicalmente afetada pela República Islâmica e pelo retorno da Charia. Em 1980,
criou-se um código de vestimenta e o uso do véu se tornou obrigatório. A justificativa
de se cobrir dos pés a cabeça em ambientes públicos era a de que cabelos e outras
partes do corpo despertariam o desejo masculino. O código não atingiu somente as
mulheres como também os homens da sociedade iraniana, de maneira mais branda.
Eles estariam proibidos de utilizar gravatas, consideradas símbolo ocidental, deviam
cobrir os braços e, os mais fundamentalistas, usavam barba. Também era
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Kaanoon-e Baanovaan, O centro das senhoras, em 1934, comandado pela sua filha,
a fim de manter a aparência da modernidade da sociedade iraniana (MAHDI, 2004).
O Xá continuou a criar cenários políticos que diminuíssem a força do
movimento e do clero. Em 1936, ao decretar a proibição o uso do véu, angariou o
apoio do movimento feminino – colocando-o sob sua tutela – que acreditava que tais
medidas progressistas eram necessárias para enfrentar o clero misógino. Ao mesmo
tempo, afastou os religiosos de seu governo e de seu programa de modernização
(MAHDI, 2004).
Em 1941, a situação política no Irã se modificou, o país foi invadido pelas
forças aliadas e a condição das mulheres foi afetada por este novo contexto. O
enfraquecimento do governo pela abdicação do Xá para que seu filho assumisse
permitiu que a oposição e associações políticas se desenvolvessem de forma
independente. Uma vez mais, as mulheres pediam por liberdade, educação,
abolição da poligamia e do véu e também se engajavam em causas políticas,
todavia, ainda levando em consideração as “sociabilidades” da sociedade patriarcal.
Mahdi (2004) ressalta a participação feminina, principalmente através da Liga das
Mulheres em associação com o Partido Comunista Tudeh, nos eventos políticos do
Azerbaijão e nas organizações universitárias estudantis durante protestos.
Uma nova reviravolta na situação das mulheres ocorre em 1953 com a
tentativa de golpe da CIA. O Xá, antes considerado fraco, tornou-se mais agressivo
e passou a exercer seu poder de maneira ditatorial. Eliminou os partidos políticos
independentes de oposição, e, portanto, as organizações femininas associadas a
eles, e fortificou domínio do Estado sob as Organizações femininas, onde
permaneceram pelas próximas três décadas. Novamente, o movimento das
mulheres se encontrava centralizado nas mãos do Estado, através da Organização
das Mulheres do Irã (Women’s Organization of Iran), com suas demandas
despolitizadas. Em 1959, quatorze organizações já estavam sob o controle do
governo, com suas atividades voltadas para saúde, educação e caridade. A única
solicitação política feminina feita por estas organizações foi a de emancipação,
atendida pelo governo em 1962 através das reformas da Revolução Branca, por
intermédio da sua irmã, presidente da organização. Com exceção a este evento, as
mulheres foram banidas do meio político, sujeitas à perseguições, prisões e
execuções. (MAHDI, 2004)
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Declaração dos Direitos do Homem no Islã, em 1990, e da Carta árabe dos Direitos
do Homem, em 1994, são eventos simbólicos, pois demonstram que a cultura
muçulmana não está indiferente aos Direitos Humanos e representam uma resposta
do governo após sucessivas violações.
Neste contexto de maior permissibilidade e também de contestação, o
movimento reformista ganhou força e um maior espaço para ação sobre a condição
feminina foi concedido com a eleição de Mohammad Khatami, em 1997. A nova
presidência trouxe consigo um movimento reformista popular que buscava a retirada
gradual da religião do escopo estatal em prol de um Estado Islâmico com base
democrática. Portanto, a eleição de Khatami resultou na reabertura da política
constitucional e na revisão dos princípios fundamentais da república. Este evento
gerou uma disputa de poder que durou 8 anos entre a elite conservadora dominante
e os reformistas, que buscavam reconciliar o Islã com as noções de democracia e
direitos humanos (MIR-HOSSEINI, 2006; SADEGHI, 2010).
As mulheres lançavam campanhas para sensibilizar a população com relação
à situação de desigualdade de gênero - conquistaram espaço para 13 revistas
femininas publicando em nível nacional sobre a situação da mulher (MAHDI, 2004) -,
utilizavam e provocavam o conflito entre as variadas interpretações tradicionais dos
textos sagrados em seu benefício, a fim de questionar as visões patriarcais e
exploradoras que eram base da família islâmica e conquistavam junto à presidência
a atenção e movimentação em prol da questão de gênero. Contudo, a oposição
tradicionalista vetava, através do Conselho dos Guardiões, projetos modernizadores
governamentais (MAHDI, 2004; CURTIS e HOOGLUND, 2008; SADEGHI, 2010).
Em muitos sentidos o governo reformista foi positivo para a luta feminina. Foi
capaz de “(...) desmitificar tanto o jogo de poder conduzido em linguagem religiosa
como o uso instrumental da religião para justificar regras autocráticas e a cultura
patriarcal” (MIR-HOSSEINI, 2006, p. 637), propor planos que enfatizassem a
igualdade de gênero – interessante exemplo é a criação do Centro de Participação
da Mulher, uma organização com o objetivo de empoderar organizações não
governamentais e aumentar sua participação nos processos civis, culturais e
políticos da sociedade - e colocar mulheres no poder, em desafio ao clero, como, por
exemplo, a eleição por Khatami de uma mulher para o Ministério do Meio Ambiente,
a primeira no Irã pós-revolucionário. Contudo, falhou na tentativa de trazer reais
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mudanças à estrutura de poder como identidade de projeto, o que foi uma grande
decepção para as mulheres e reformistas (MIR-HOSSEINI, 2006; SADEGHI, 2010).
Pode-se observar, então, que o movimento das mulheres passou por diversas
etapas desde seu princípio no Irã. Ao serem apresentadas as oportunidades da
modernização, as mulheres iranianas transformaram suas novas demandas de
construção de identidade em movimento social, passaram a repensar e reconstruir
sua auto-identidade. Conforme mencionado anteriormente e apontado por Giddens
(2002), este fenômeno é chamado de “política de emancipação”, que trata do
desprendimento do conservadorismo e da opressão a fim de realizar suas
capacidades plenas. A busca pela realização desta identidade de projeto
(CASTELLS, 1991) das iranianas passou por distintas fases, como vimos acima.
Durante o período pré-revolucionário, na Dinastia Pahlavi, com atenção especial ao
governo de Mohammad Reza Shah, o movimento feminino existia, mas organizado
de maneira frágil e sob o controle do Estado. Foi capaz de movimentar diversas
conquistas para as mulheres, mas sempre de acordo com as vontades da
monarquia e limitado às restrições das sensibilidades da sociedade patriarcal.
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5. CONCLUSÃO
uma argumentação com base no Islã. Isto seria possível através da reinterpretação
das escrituras sagradas, com ênfase em seus princípios éticos. Na prática, a
aplicação se demonstrou pouco efetiva, pois encontrou barreiras na própria estrutura
patriarcal da sociedade e na aplicação política do movimento em si, que não buscou
modificações estruturais para superar tais entraves. Da mesma maneira, os desafios
enfrentados pelo movimento ainda estão focados nas demandas de gênero do
feminismo de segunda onda, não sendo possível garantir que ele abarcará as
reflexões mais recentes feministas. Ainda assim, o feminismo islâmico conseguiu
demonstrar que é possível para o Islã dar o primeiro passo em direção à
modernidade e à uma sociedade mais justa e igualitária, mantendo a perspectiva
feminista, ainda quando integrada a religião. Mesmo não se tratando da versão
última do movimento, ou não sendo completo o suficiente para abarcar as
necessidades femininas, abriu caminho para o diálogo entre o Islã e os Direitos
Humanos.
A segunda reflexão está diretamente ligada à primeira, pois trata da
coexistência entre o Islã e os Direitos Humanos, como criação do ocidente. A
reinterpretação das escrituras proposta pelo Novo Pensamento Religioso é o
princípio para o sucesso da adesão completa dos países islâmicos ao sistema dos
Direitos Humanos. Contudo, é importante refletir sobre a própria construção da
noção de Direitos Humanos, não se deixando levar completamente pelos
argumentos extremistas universalistas e relativistas, priorizando pela argumentação
da capacidade intercultural dos Direitos Humanos, prezando sempre pela garantia
da proteção da pessoa humana.
Desta forma, demonstra-se importante aprofundar os estudos sobre o mundo
árabe-muçulmano a fim de evitar visões orientalistas propagadas pela mídia, parte
do jogo político de poder do sistema internacional e reconhecer os processos
políticos e especificidades socioculturais que levaram a construção da sociedade
iraniana como ela de fato é.
Hoje, como já mencionado, o Irã e o Islã estão no topo das agendas política,
econômica, social e de segurança, e suas debilidades têm sido manipuladas para
criação de estereótipos com relação ao mundo muçulmano. Dentro dos limites
impostos pela lei religiosa, as iranianas são das que mais gozam de direitos
fundamentais e, ainda assim, somos informados de casos de tratamento misógino e
violento com relação às mulheres. A mulher iraniana vive uma crise de
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Para maiores informações sobre o movimento, também conhecido como My stealthy freedom, ver
página 30 deste trabalho.
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REFERÊNCIAS
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Campus, 2004
BARNETT, M.; SIKKINK, K. From international relations to global society. In: REUS-
SMIT, C.; SNIDAL, D. (eds). The Oxford handbook of international relations.
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BRAUDEL, F. Gramática das Civilizações. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
HOURANI, A. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia de Bolso,
90
MIR-HOSSEINI, Z. Muslim women quest for equality: Between Islamic Law and
feminism. Critical inquiry, 32, 2006. Disponível em:
<http://www.zibamirhosseini.com/documents/mir-hosseini-article-quest-for-equality-
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MOSTAFAVI, R. Irã nega ter confiscado Nobel entregue a ativista Shirin Ebadi.
Estadão, 2009. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/oriente-
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em: 13 set. 2014.
91
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XFiI_6Y5u3hGMw&sig2=L61yYXuP_skkvjx1t0_X4g&bvm=bv.91071109,d.eXY>
Acesso em 18 Abr. 2015