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DO CASAMENTO À COABITAÇÃO

Na modernidade, as relações passaram a ser rompidas por uma força individualizadora. A ideia
de um interesse comum perdeu cada vez mais todo valor prático. Vários fatos recentes,
segundo Bourdieu, quebraram os fundamentos das solidariedades passadas.

A utilização do trabalho se tornou de curto prazo e precária. Funcionários hoje não têm mais o
mesmo vínculo com seus empregadores. Podendo entrar e sair a qualquer momento. Há um
desengajamento e enfraquecimento dos laços, inclusive os do casamento. Os casamentos
estão cada vez mais superficiais e propícios ao divórcio, haja vista tal desengajamento.

O mesmo ocorre no âmbito do capital. As empresas multinacionais possuem uma mobilidade


espacial que na maioria dos casos é suficiente para chantagear as agências políticas e fazê-las
submetê-las às suas demandas. Ameaçando deixar o país caso suas vontades não sejam
atendidas. E o Estado faz de tudo para mantê-las em seus territórios, sacrificando, assim vários
benefícios trabalhistas a favor de uma política mais favorável às grandes corporações. Tal
habilidade de desaparecer e a prontidão e capacidade de fugir se necessário são hoje sinais de
sucesso gerencial. Estar livre de laços complicados, compromissos e dependências limitadoras
da liberdade de manobra foram sempre as armas preferidas da dominação.

As principais fontes de lucro não são os objetos materiais, mas sim as ideias. Estas são
produzidas apenas uma vez, e dependem do número de pessoas atraídas (consumidores) e
não do número de pessoas empregadas. O objeto da competição são os consumidores, e não
os produtores.

Reich divide os envolvidos nas atividades econômicas em 4 categorias:

1- Manipuladores de símbolos - inventam as ideias e as maneiras de torná-las desejáveis

2- Os envolvidos na execução do trabalho

3- De serviços pessoais - interagem face a face com quem recebe o serviço

4 - Os vendedores de produtos e os produtores do desejo pelo produto.

Essa quarta categoria inclui o "substrato social'' do movimento operário. Os trabalhadores de


rotina, que são presos à linha de montagem ou redes computadorizadas. São as partes mais
dispensáveis, sem pré-requisitos para o emprego, tornando-os fáceis de substituir, visto que
não demandam nenhuma habilidade especial.

No topo da pirâmide de poder do capitalismo leve, circulam aqueles para os quais o espaço
tem pouca ou nenhuma importância. Não possuem fábricas, terras, nem posições
administrativas. Sua riqueza vem de seu conhecimento das leis do labirinto. Vivem em uma
sociedade de valores voláteis, despreocupada com o futuro. Dominam a are de viver no
labirinto.

As novas elites globais e exterritoriais ocupam-se com formas mais soltas de organização que
possam ser formadas, desmanteladas e repostas a curto prazo ou sem aviso prévio.

múltiplo, complexo e rápido, ambíguo, difuso e plástico.


A organização de negócios de hoje tem um elemento embutido:quanto menos sólida e mais
fluida, melhor. Recusa-se, também, o conhecimento estabelecido, pois o conhecimento deve
envelhecer rápido.

As pessoas são dominadas e controladas de uma maneira nova: a tecnologia. O acesso à


informação se tornou o direito humano mais defendido e propagado.

DIGRESSÃO: PROCRASTINAÇÃO

Pro-crastinar é pôr alguma coisa entre as coisas que pertencem ao amanhã. Para ser destinada
ao amanhã, essa coisa deve ser tirada do presente. Procrastinar é não tomar as coisas como
elas vêm, não agir segundo uma sucessão natural das coisas. Na modernidade, é uma
tentativa de assumir o controle da sequência de eventos e fazê-la diferente do que seria caso
se ficasse dócil e não se resistisse. Procrastinar é, assim, manipular as possibilidades da
presença de uma coisa, deixando, atrasando e adiando seu estar presente, mantendo-a à
distância e transferindo sua imediatez.

Ela deriva seu sentido atual do tempo vivido como peregrinação, ou seja, como um movimento
que se aproxima de um objetivo. Cada presente é avaliado por alguma coisa que vem depois.
O tempo carece de sentido e valor, e é assim falho, deficiente e incompleto. Seu sentido está
adiante.

Viver a vida assim obriga cada presente a servir a alguma coisa que ainda não é, diminuindo a
distância, trabalhando pela proximidade. Mas se a distância desaparecesse e o objetivo fosse
alcançado, o presente perderia tudo o que o fazia significativo e valioso. A racionalidade
instrumental favorecida e privilegiada pela vida do peregrino leva à busca dos meios que
podem realizar o estranho feito de manter o fim dos esforços sempre à vista sem nunca chegar
lá. Sua vida é uma viagem em direção à realização.

A procrastinação reflete essa ambivalência. Procrastina-se para estar mais bem preparado
para captar as coisas que verdadeiramente importam. Mas se captá-las, sua peregrinação
acabará, deixando a vida sem sentido. A procrastinação torna-se seu próprio objetivo.

Com isso, há o conceito de adiamento da satisfação. É nessa transformação que a


procrastinação entra na cena moderna. O desejo de melhorar deu ao esforço seu estímulo e
momento; mas o "ainda não" conduziu esse esforço a sua consequência não-prevista,que veio
a ser conhecida como crescimento, desenvolvimento da sociedade moderna. Na forma do
adiamento da satisfação a procrastinação retém toda sua ambivalência. Devido a ela, a
procrastinação alimenta duas tendências opostas. Uma leva à ética do trabalho (trabalho pelo
trabalho). Outra à estética do consumo, rebaixando o trabalho ao papel puramente
subordinado e instrumental de resolver a terra.

- A passagem para a sociedade de consumidores do presente significou uma mudança de


ênfase mais que de valores. E levou o princípio de procrastinação ao ponto de ruptura. O
adiamento da satisfação não é mais um sinal de virtude moral.
A Estética do consumo pressiona pela abolição do adiamento. George Steiner, em uma cultura
de cassino coloca o limite à procrastinação: se um ato merece recompensa, ela deve ser
instantânea. Nessa cultura, a espera é tirada do querer. No entanto, a satisfação também
deve ser breve. A distância entre o desejo e sua satisfação se reduz a um momento de êxtase.
"IMEDIATO, CONSTANTE, DIVERTIDO, AGRADÁVEL, EM QUANTIDADE CADA VEZ MAIOR, EM
FORMAS CADA VEZ MAIS DIVERSIFICADAS, EM OCASIÕES CADA VEZ MAIS FREQUENTES".

Uma satisfação instantânea, constante e irrefletida. Sendo instantânea, a satisfação não pode
ser constante, a menos que de curta duração.

Na sociedade dos produtores, o princípio ético do adiamento da satisfação costumava


assegurar a durabilidade do esforço do trabalho. Na sociedade dos consumidores, por outro
lado, o mesmo princípio pode ainda ser necessário na prática para assegurar a durabilidade do
desejo. Para se manter vivo e fresco, o desejo deve ser frequentemente satisfeito, ainda que
isso signifique o fim do desejo. A sociedade da estética do consumo precisa de um tipo muito
especial de satisfação, uma que não é realmente satisfatória, nunca bebida até o fim, sempre
abandonada pela metade.

OS LAÇOS HUMANOS NO MUNDO FLUIDO

Precariedade, instabilidade, vulnerabilidade são as características mais difundidas das


condições de vida contemporâneas. Falta de garantias (de posição, títulos e sobrevivência),
incerteza (em relação à continuação e estabilidade futura), e insegurança (do corpo, do eu e de
suas extensões: posses, vizinhança, comunidade).

A precariedade é a marca da condição preliminar de todo o resto: a sobrevivência.

Quão frágeis e incertas se tornaram as vidas daqueles já dispensáveis como resultado de sua
dispensabilidade não é muito difícil de imaginar. Ninguém se sente verdadeiramente seguro,
ninguém pode supor que está garantido contra a nova rodada de redução de tamanho.
Flexibilidade é a palavra do dia. Empregos sem segurança, compromissos ou direitos, demissão
sem aviso prévio e nenhum direito à compensação. Ninguém pode se sentir insubstituível.

Na falta de segurança de longo prazo, a satisfação instantânea parece uma estratégia razoável.
O adiamento da satisfação perdeu seu fascínio.

As modas vêm e vão o tempo todo. Os objetos de desejo se tornam obsoletos antes que
possamos aproveitá-los. Condições econômicas e sociais treinam as pessoas a perceber o
mundo como um container cheio de objetos descartáveis. Por que gastar tempo com
consertos que requerem trabalho se é mais fácil substituir?

Num mundo cujo futuro é cheio de riscos e perigos, colocar-se objetivos distantes, abandonar
o interesse privado para aumentar o poder do grupo e sacrificar o presente em nome de uma
felicidade futura não parecem ideias atraentes e razoáveis. Não se pode perder as
oportunidades. Pessoas assim raramente diferenciam peças de automóveis de laços humanos.
Assim, a precarização produzida pelos operadores dos mercados de trabalho acaba sendo
apoiada e reforçada pelas políticas de vida. Há uma decomposição dos laços humanos. Esses
são vistos como algo a ser consumido, e não produzido. No mercado, as mercadorias vêm com
um período de teste. O mesmo se dá nos casamentos. É uma questão de se obter satisfação de
um produto para o consumo. Se não for como desejado, substitui-se, divorcia-se.

A suposta transitoriedade das parcerias tende a se tornar uma profecia autocumprida. Se o


laço humano não é algo que mereça sacrifício, mas algo que busca a satisfação imediata,
então não faz sentido sofrer com o desconforto e o embaraço para salvar a parceria. Mesmo
um pequeno problema pode causar a ruptura da parceria.

Pessoas inseguras tendem a ser irritáveis e são intolerantes com o que funcione como
obstáculo a seus desejos. Se a satisfação instantânea é a única maneira de sufocar o
sentimento de insegurança, não há razão evidente para ser tolerante em relação a alguma
coisa ou pessoa que não tenha óbvia relevância para a busca da satisfação.

A AUTOPERPETUAÇÃO DA FALTA DE CONFIANÇA

Segundo Alain Peyrefitte, a característica mais importante, e mesmo constitutiva dessa


sociedade era a confiança: Confiança em si, nos outros, e nas instituições. Os três constituintes
são indispensáveis. A moderna construção da ordem é um esforço contínuo de implantar as
fundações institucionais de confiança.

Peyrefitte indica a empresa que gera empregos como o lugar por excelência para a
disseminação e cultivo da confiança. No entanto, não há enfrentamento sem confiança. Se o
empregado luta pelos seus direitos, é porque confia no poder do quadro em que seus direitos
se inseriam. Esse, porém, não é mais o caso. Ninguém espera passar o resto da vida na mesma
empresa. É difícil construir a confiança em organizações que estão sendo desmontadas,
reduzidas e reengenheirizadas.

Presos como estão a seus lugares, impedidos de se mover e detidos no primeiro posto de
fronteira seo fizerem, estão numa posição inferior à do capital, o qual se move livre. O capital é
global, e os trabalhadores, locais. O que quer que ganhem hoje lhes pode ser tirado amanhã
sem aviso prévio. E não estão dispostos a arriscar a luta.

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