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RESENHAS

DESIGN WITH NATURE inspirador de muitas tentativas de


Ian McHarg elaboração de projetos segundo as
características naturais da paisagem.
Ian L. McHarg (1920-2001) foi um Conforme suas palavras “pela primeira
dos pioneiros do movimento ambiental. vez, num único livro [...] argumenta-se
Nascido na cidade industrial de em favor do planejamento holístico do
Glasgow, desde cedo percebeu a uso do solo como uma alternativa ao
necessidade de a cidade preservar as desenvolvimento desordenado, o qual
qualidades do ambiente natural. Migrou [...] espalha-se sem discriminação,
para os Estados Unidos após a II obliterando a paisagem com
Guerra Mundial onde, mesmo sem congestionamento e poluição que,
concluir o ensino médio, recebeu o irrevogavelmente destroem tudo que
diploma pela Universidade de Havard seja belo e memorável...”. A sua prática
em arquitetura da paisagem e profissional também representa um
planejamento de cidade. Na marco no planejamento físico territorial
Universidade de Pensilvânia foi com enfoque ecológico, pois também foi
responsável pela criação do um profissional da prancheta,
departamento da arquitetura da elaborando vários planos para a região
paisagem. McHarg, entretanto, não se leste dos Estados Unidos apresentados
limitou aos salões da academia. Em no seu livro. Monteiro (1976), dentro de
1960, estreou o programa The House uma perspectiva geográfica da evolução
We Live In, na rede CBS de televisão, da abordagem do meio ambiente,
num esforço arrojado de tornar pública refere-se a este autor como um
a discussão sobre a interrelação dos pregador bem sucedido de novas
seres humanos e seu ecossistema. concepções teóricas do urbanismo na
Este programa, juntamente com um América do Norte.
documentário realizado posteriormente, Para McHarg é possível conciliar as
já havia tornado seu nome conhecido aspirações da sociedade tecnológica
quando publicou seu livro Design With com a preservação dos processos
Nature em 1969, considerado hoje um ecológicos existentes, peculiares de um
marco do movimento ecológico território. Essa preservação implica não
(CORBETT, 2006). Nessa época, só o só na obtenção de uma qualidade de
governo japonês adquiriu 20.000 vida, no mínimo satisfatória, como
exemplares do livro, os quais foram também valorização das próprias
distribuídos pelo Ministério da características do meio físico.
Construção. Em 1992 foi lançada a Demonstrou, no estudo empreendido nos
edição comemorativa do 25º aniversário vales de Worthington- - EUA, que ao
da publicação com 350.000 cópias se planejar considerando as
vendidas em menos de três anos. favorabilidades e restrições oferecidas
Odum (1986), outro legendário pelo ambiente físico e cultural, lucros e
pioneiro da ecologia, apresenta este livro vantagens sociais também são obtidos,
como um clássico e o considera superando as expectativas.

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A premissa básica de sua sociedade ocidental que insiste na crescimento metropolitano e dos
metodologia é que os fenômenos exclusiva onipotência do homem e no mecanismos do mercado imobiliário no
naturais são processos interativos seu papel de dominação, e a visão planejamento da região do Vale de
dinâmicos,que obedecem a princípios oriental onde o homem está imerso na Baltimore. O plano elaborado pelo autor,
físicos e oferecem oportunidades e natureza e sujeito aos seus desígnios; além de evitar a espoliação ambiental,
restrições ao ser humano. Podem, estes enfoques são ambos derivados e segundo estimativas iniciais, teria um
portanto, ser avaliados. Cada área de suas respectivas cosmologias ou lucro de US$7.000.000 sobre o modelo
terrestre ou aquática tem uma visões míticas, e ambos contêm de crescimento desorganizado.
adequabilidade intrínseca para certos aspectos positivos e negativos. O A metodologia de McHarg está
usos, sejam únicos ou simultâneos. A primeiro caso resulta no determinismo apresentada, em detalhe, no décimo
estas áreas são atribuídos diferentes econômico, na espoliação da natureza capitulo Processes as Values, que trata
valores, hierarquizados dentro de cada e na visão singular do indivíduo, do plano físico para a Ilha de
categoria de uso (McHarg, 1971). enaltecendo os valores da justiça e Baltimore. A finalidade deste plano
Escrito em dezesseis capítulos, o compaixão. No segundo, a harmonia consistiu em indicar as áreas do
autor lança suas idéias principais, seu oriental do homem com a natureza tem território onde alguns usos, únicos ou
propósito e os meios para alcançá-lo por oposição a supressão da liberdade simultâneos, poderiam ocorrer, com
intercalando capítulos conceituais, individual. Mais uma vez a postura menor custo e maior benefício social.
extremamente poéticos e ao mesmo holística do autor propõe a síntese entre Design With Nature em linhas gerais,
tempo cientificamente circunstanciados, as duas concepções e advoga a consiste em: 1) identificar os processos
com capítulos onde são apresentados os valorização do homem não como atuantes no ecossistema que
trabalhos profissionais do autor, indivíduo, mas como espécie. O compreendem a área de estudo; 2)
contextualizados e avaliados. capítulo é encerrado com a introdução identificar os elementos integrantes dos
No primeiro capítulo é colocada a da visão ecológica, necessária ao processos e mapeá-los; 3) interpretar
questão que permeia todo o livro: a equacionamento da relação homem- e avaliar as informações, organizado-
cidade ou o campo? A cidade e o campo natureza, onde ficam evidenciadas as as em um sistema valorativo; 4)
é a resposta dada, pois ambos são fontes relações de interdependência entre cada investigar a favorabilidade de cada
de diferentes estímulos e emoções, ser vivo. Partindo disso, o autor começa área para um determinado uso com
ambos essenciais para o homem. O livro a destituir o homem de sua pseudo base no sistema de valor anteriormente
então se desenvolve a procura do lugar supremacia na natureza e a integrá-lo definido; 5) verificar as possibilidades
da natureza no mundo do homem, no seu próprio cosmo. Esse capítulo é de existir usos simultâneos e
gradualmente evoluindo para a procura aprofundado nos subseqüentes The Cast compatíveis. As vantagens desta
do lugar do homem na natureza. and the Capsule, On Values, The metodologia, segundo McHarg (1971),
O capítulo – Sea and Survival – World is a Capsule, The Naturalists provêm: 1) do método racional,
apresenta a catástrofe da praia de New e no capítulo The City: Process and derivado principalmente das ciências
Jersey que em 1962 sucumbiu a uma Form onde o autor conclui que a forma exatas; 2) de seu procedimento com
violenta tempestade. É discutido o conceito não é uma preocupação de diletantes, características de reprodutibilidade e
de adequação onde adequado é definido porém uma preocupação central e (3) do fato de a comunidade poder
como não prejudicial aos processos indissolúvel da vida. empregar o seu próprio sistema de
naturais, e sem conseqüências graves. A partir do quarto capítulo são valores. A metodologia de McHarg
Nature in the Metropolis é um apresentados os trabalhos desenvolvidos teve sua maior aplicação na bacia do
capítulo explanatório sobre a pelo autor. O primeiro trata da rio Potomac, cujo caso é apresentado
necessidade de se considerar os construção de duas autoestradas, onde no capítulo The River Basin. O capítulo
processos ambientais com seu caráter os critérios usuais são confrontados com The Metropolitan Region detalha a
integrado e interativo em todo e os critérios ecológicos, estéticos, aplicação dessa metodologia para o
qualquer processo de planejamento. paisagísticos e outros. O capítulo A caso de uma área urbanizada e o
Dois enfoques amplamente Response of Values apresenta uma capítulo The City: Process and Form
divergentes são apresentadas no aplicação dos princípios ecológicos em se concentra na urbanização ao tratar
terceiro capítulo: o antropocentrismo da contra argumentação às demandas do da parte histórica da cidade de

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Washington D.C., objetivando realçar REYNOLDS, J. Design with nature is still Com propriedade de quem domina
important.
a sua beleza. o assunto, analisa o clima como uma
h t t p : / / w w w. a h h e r a l d . c o m / o a k t r a i l /
O último capítulo The City: Health oot010301_design_nature.htm. Acesso em 09/10/
característica intrínseca da obra
and Pathology investiga, na cidade de 2006. arquitetônica ou de fenômenos naturais.
Filadélfia a relação entre as áreas Além do sentido convencional térmico
saudáveis e as patológicas com os (quente, frio, seco e úmido), objetivo,
respectivos fatores do meio físico e social. mensurável e físico, o clima de Rafael
Design With Nature ainda é Serra ganha abstração, magia e
importante, como afirma Reynolds sensibilidade. Numa das passagens
(2001), no jornal eletrônico Atlantic ARQUITECTURA Y CLIMAS mais brilhantes do texto, o autor afirma
Highlands Herald. A visão e a Rafael Serra que os espaços arquitetônicos são
metodologia de McHarg ainda não ímpares por possuírem “...climas
foram suficientemente incorporadas “Acostumados a definir arquitetura sonoros, psicológicos, mágicos...”,
pelos planejadores, e particularmente como forma geométrica, o espaço resultando destas características a sua
no Brasil a situação ainda é mais grave. como proporção e a edificação como infinita variedade.
Os planos diretores das cidades de função e uso com um valor estético A afirmação é marcante por
mais de 10.000 habitantes estão sendo associado, esquecemos com qualificar, de forma ampla, a obra
feitos por determinação legal, e freqüência a possibilidade de valorizá- arquitetônica, de acordo com
certamente ainda são elaborados la também em termos de energia, parâmetros relacionados ao bem estar
através de critérios gráficos, formais, como soma total de luz e cor, som, do homem que a utiliza. Num contexto
casuais, pessoais e políticos. temperatura e qualidade do ar” onde a arquitetura frequentemente
Como diria o Professor Eduardo (SERRA, 1999). privilegia a estética ou a funcionalidade,
Neira, para que possamos mudar as Baseado na idéia central de que a em detrimento do conforto climático e
metodologias e os critérios, precisamos análise sobre a arquitetura e o clima do bem estar físico e mental do homem,
mudar nossos paradigmas, e isto é não pode ser feita de forma dissociada, e o mercado a aceita assim, é
exatamente o que esse livro propõe. que a influência recíproca torna a fundamental exaltar que existem
arquitetura parte do clima e vice-versa, alternativas ao projeto “arte” ou “de
Jussana Maria Fahel Guimarães Nery a abordagem de Rafael Serra1 sobre revista”, que permitem bonitas
Professora da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia a questão climática ganha amplitude. fotografias, porém, vivências de
jmfgn@terra.com.br Considerando, além dos parâmetros qualidade duvidosa.
tradicionais de análise (temperatura do O texto chama a atenção para a
MCHARG, Ian. Design with nature. New York: ar, radiação, umidade e movimento do multiplicidade de variáveis existentes
Jonh Wiley & Sons, 1992. 198 p. ar), outros fatores que influenciam no nas edificações, que interferem direta
conforto dos ocupantes de uma e indiretamente no clima dos ambientes.
Referências edificação, como as sensações Conclui que tais variáveis geram
térmicas, táteis, auditivas e visuais, o microclimas cujos efeitos podem ser
CORBETT, J. Ian McHarg: Overlay Maps and the conceito de clima se expande e se
Evaluation of Social and Environmental Costs of
potencializados ou minimizados através
Land Use Change. Disponível em: <http:// humaniza. de soluções arquitetônicas, conside-
www.csiss.org/classics/content/23>. Acesso em: 22 Apresentando sua visão inovadora, rando as peculiaridades de cada local
out. 2006. ao analisar a relação entre clima e e principalmente de seus usuários.
McHARG, I. Design with Nature. New York: arquitetura, Rafael Serra prende o Continuando a sua maneira
Doubleday & Company, 1971.
leitor utilizando linguagem técnica de particular de tratar o tema, Rafael Serra
MONTEIRO, C. A. F. Teoria e Clima Urbano. São
Paulo: IGEOG-USP, 1976.
forma acessível aliada a metáforas utiliza expressões como “... climas da
NERY, J. Enfoque ecológico ao planejamento físi-
inusitadas, carregadas de conceitos luz e do sol, clima do vento e da brisa,
co territorial. Salvador: Editora Universitária Ame- subjetivos resultantes de ensejos clima das paredes...” com o intuito de
ricana/ FACCEBA, 1992. Dissertação de Mestrado. sensoriais, tornando compreensível e transmitir uma idéia de influência tão
ODUM, E. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, prazeroso o estudo da variedade e decisiva no clima, que os fenômenos
1986.
complexidade das situações climáticas. naturais e interferências arquitetônicas

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possuem “clima” como característica conseqüências acústicas que Para ele o controle dos climas da
intrínseca. Com poesia, ele alcança o determinadas técnicas indicadas para arquitetura dependeu e sempre
seu objetivo, de ser enfático em elevar solucionar problemas térmicos e de dependerá mais das formas básicas que
ao máximo a importância do clima iluminação podem causar. Assim das tecnologias instaladas.
como condicionante da arquitetura. destaca-se a importância do assunto No último capítulo, confirmando a
Elementos fundamentais da que no primeiro momento parece sua característica e surpreendendo
arquitetura, como as paredes, desconectado do tema central da obra. mais uma vez o leitor ortodoxo, o autor
responsáveis pela noção de interior e O capítulo “controlando los climas” trata dos aspectos imensuráveis do
exterior das edificações, mereceram aborda uma questão importante e atual: “clima” da arquitetura. Aqueles que
destaque no capitulo intitulado “El clima a utilização das novas tecnologias na apesar de não se poder medir, podem-
de las paredes” onde são analisados arquitetura. Se for verdade que o se perceber e qualificar, sendo
os efeitos causados interna e aparecimento de sistemas de controle freqüentemente considerados pelos
externamente pela sua presença. e automação predial pode tornar mais arquitetos.
O texto deixa claro que uma parede confortável e prática a vida do homem, Para nós do ocidente, a estética é
projetada para atender determinada também é verdade que alguns um bom exemplo de característica
função pode criar um problema a se arquitetos têm lançado mão destes imensurável, que interfere no bem estar
resolver, quando as trocas com o meio recursos para melhorar a condição do usuário e historicamente é
externo alteram qualitativamente o climática de suas obras, corrigindo os considerada pelos arquitetos. Mas o
espaço interior influenciando nas defeitos de projetos pouco preocupados autor mostra-se sensível, principal-
condições de habitabilidade do edifício. com as necessidades do usuário e mente, aos aspectos que, na nossa
Partindo dessa lógica o autor inicia sustentabilidade ambiental. cultura, podem ser considerados como
minuciosa análise das ações do “clima A evolução na tecnologia, nas esotéricos, mágicos ou misteriosos.
da parede” sobre os espaços internos instalações elétricas e na eletrônica é Energias que regem o universo e
considerando a radiação, o calor, o som, apontada como condicionante para que interferem na harmonia do lugar; não
os ciclos diário, noturno e anual e sistemas de controle passassem a podem ser vistas ou medidas, mas são
tratando da possibilidade de projetos de desempenhar papel predominante na constantemente percebidas. Quem
uma arquitetura sem paredes. arquitetura, possibilitando o surgimento nunca vivenciou uma experiência de
Vale advertir ao leitor ávido por dos chamados “edifícios inteligentes”. não se sentir bem em determinado
soluções aplicáveis aos trópicos: a obra Considera, porém, pouco inteligentes ambiente? Quem nunca percebeu o
se aprofunda e se estende em soluções (aqui não no sentido que se refere à “clima pesado” ou “carregado” de um
para climas temperados. Esse fato, automação, mas sim à racionalidade), determinado lugar? Porém, nós não
porém não diminui o seu valor que, edifícios que ignoram os agentes associamos estas trocas energéticas à
embora não adentre, por exemplo, na climáticos naturais e utilizam arquitetura, como fazem os orientais,
problemática do clima quente-úmido, sofisticados sistemas para manter o e por isso não consideramos esta
oferece um panorama dos climas ambiente artificial, mesmo que estes variável ao projetarmos nossas
globais e aponta a direção para o gozem do status de “inteligentes” edificações.
encontro de soluções mais sustentáveis. conferido pela utilização de sistemas Num fechamento bem ao seu estilo
A ação do comportamento acústico automatizados de controle. o autor afirma que o exercício da
da arquitetura na percepção do usuário Ponderado, Rafael Serra propõe arquitetura nunca será totalmente
do espaço também merece destaque que a arquitetura atual deve buscar o parametrizado e neste atributo está o
no livro. O capítulo “El clima del equilíbrio entre os agentes naturais do motivo da sua transcendência que
silencio” analisa os efeitos que as ambiente e os sistemas de controle de supera o passo do tempo. A
soluções de acústica causam, direta e maneira que possam ser reguladas e contribuição de Rafael Serra com esta
indiretamente, nas sensações térmicas garantidas as condições de conforto do obra é grande no que se refere aos
e lumínicas, além de outras usuário. Ressaltando a necessidade de aspectos tradicionais do estudo do clima
interferências no clima do ambiente. evitar as condições artificiais estáticas, na arquitetura, mas, é particularmente
Em contrapartida, o desenho visa obter baixo consumo energético importante na forma inovadora e
arquitetônico deve considerar as com sábia utilização do clima natural. enfática como trata o tema e insere

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novos componentes na discussão. gerações no planeta e nossas atitudes perda de continuidade (LYNCH, 1990,
Pode-se dizer que o “clima desta obra” ante a questão. p. 55). A partir dessa óptica o autor
é de satisfação, produzindo sensações O livro, organizado e publicado após analisa diversos aspectos como a
prazerosas ao leitor, fazendo-o pensar a sua morte (1984), reúne material contaminação do ar, do solo, a coleta de
e transformando-o num “usuário escrito por ele durante cerca de 25 lixo, os aterros sanitários, a função social
inteligente”, porém não automatizado, anos 2, e mostra a atualidade e a dos resíduos, a reciclagem (inclusive de
do seu livro “mágico”. amplitude das idéias desse autor. A parte do corpo através de transplantes
abordagem da questão ambiental nesse e outras técnicas), entre outros.
Ana Christina Neves Alves livro extrapola o âmbito do desenho Há uma deterioração de objetos
Mestranda do Curso de Engenharia
Ambiental Urbana da Escola Politécnica da
urbano ou da planificação urbana, que cotidianamente e de lugares em longo
Universidade Federal da Bahia Lynch domina tão bem, e abrange um prazo. São grandes e pequenas
acneves@gmail.com espectro disciplinar mais amplo da destruições que se repetem nos
filosofia, da ética, do comportamento, assentamentos humanos: desde as
SERRA, Rafael. Arquitectura y climas.
Barcelona: Gustavo Gili, 1994. 94 p. numa abordagem inquietante e demolições de edifícios ao abandono de
profunda de um tema que ele próprio bairros e ao vandalismo. A despeito de
via como crucial. ser um processo generalizado e de fazer
Notas
O autor analisa a influencia da parte da permanente temporalidade das
1
Autor de diversas obras de arquitetura, Rafael Serra religião, da cultura, da ideologia política, coisas a deterioração é, em geral,
é arquiteto e catedrático pela Escola Técnica da estrutura do pensamento ocidental ignorada na sociedade. Nesse sentido o
Superior de Arquitetura de Barcelona-Espanha. O (que tende à polarização ao invés da autor questiona a validade de se buscar
livro Arquitetura e Clima é resultado da dedicação
em pesquisas direcionadas ao tema de controle
idéia de totalidade como no pensamento a permanência ao invés de buscarmos a
ambiental na arquitetura (clima, acústica e luz) oriental) na formação, amplitude e continuidade das coisas, pois só assim a
tanto por meios naturais (bioclimática, energias relatividade de significados do termo deterioração poderia ser levada em
renováveis, luz natural) como por meios artificiais
(ar-condicionado, calefação, eletroacústica,
deterioração. Constrói um panorama conta e novas atitudes mentais poderiam
iluminação).
amplo e complexo desse universo surgir, quem sabe construindo novas
temático carregado de simbolismo, que metáforas para a destruição e para morte
tem como principal mérito expor o grau baseados em nossa própria biologia, que
de ambigüidade e de subjetividade que implica um fluxo contínuo que envolve
existe no que se refere a esse tema. crescimento, envelhecimento e morte
.A compreensão da destruição e da (LYNCH, 1990, p. 51).
WASTING AWAY eliminação como parte integrante dos Se o deterioro é um componente
Kevin Lynch processos vitais em todos os essencial da vida e do desenvolvimento,
organismos e sistemas é um conceito então se pode julga-lo pelo grau em que
essencial para Lynch. A contaminação sustenta esse crescimento de comple-
Com um sugestivo e intrigante título é produzida quando se introduzem xidade organizada. O “degradante”
Echar a perder- Un análises del produtos, que por seu tipo ou por sua acontece quando gera uma descontinui-
deterioro a tradução espanhola do livro taxa de produção, não podem ser dade no desenvolvimento biológico ou
de Kevin Lynch1 nos traz o pensamento utilizados pelos organismos presentes.3 cultural, com a extinção de uma espécie
desse autor sobre o tema da Em geral, todos os animais produzem ou de uma cultura ou sempre que a
decadência, deterioro, desperdício e resíduos que podem ser venenosos matéria e a energia se transformam sem
outros aspectos do processo de para eles ou para outros, o homem é o utilizar-se para a manutenção da vida, em
desenvolvimento e do crescimento da único que pode produzir substancias especial quando se perde material
vida, enfocando, sobretudo os venenosas para todos os seres vivos. orgânico-chave.
problemas ambientais causados pelo O lixo humano é insólito pela sua Se caminho proposto por Lynch
lixo - sua quantidade numa sociedade dificuldade de eliminação, pela enorme não é novo, ainda está longe de ter sido
pós-industrial, tecnológica e de quantidade de concentrações de explorado pela sociedade como um
consumo, seu grau de toxidade que materiais residuais, pela rápida todo, ou pela comunidade técnica e
ameaça a nossa vida e a das futuras degradação de energia e pela freqüente acadêmica. A mensagem clara e

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inequívoca do livro é um alerta EM BUSCA DE UMA conhecimento científico para serem
principalmente para aqueles que ARQUITETURA aplicados desde os primeiros esboços dos
trabalham com o entorno construído: é SUSTENTÁVEL PARA OS projetos de arquitetura. Estruturado em
preciso inventar não só tecnologias, TRÓPICOS seis capítulos, relata análises de
mas também novos rituais de modo que Oscar Corbella e Simos Yannas edificações para determinar seus atributos
a ação racional e os sentimentos de conforto, por uma equipe de
íntimos em relação à deterioração e à A proposta deste livro é muito clara e professores e alunos da FAU/UFRJ e da
eliminação se apóiem mutuamente, bastante atual embora não seja novidade. AASA de Londres. Descreve e analisa
diminuindo a ambigüidade e a No passado, a arquitetura estruturada também outros exemplos e mostra como
incompatibilidade presente na através da experiência de sucessivas usar os conceitos naturais na arquitetura
sociedade contemporânea quanto ao gerações, buscava as condições ideais de e porque se devem empregar
tema. Esta é a base necessária ao construir e morar. Tais experimentos eram determinadas estratégias para conseguir
enfrentamento do problema. Mas, igualmente disponíveis a todas as camadas um projeto arquitetônico com conforto
como o próprio autor pretende, talvez da sociedade. Hoje, nas grandes cidades, ambiental em clima tropical. Estudam-se
possamos ir além entendendo a gestão as coisas mudaram. Oscar Daniel Corbella as conseqüências da energia solar sobre
do lixo como um prazer, uma (corbella@gbl.com.br) graduou-se em o edifício e como praticar seu controle, os
realização, um enriquecimento da Física porém dedica-se em particular ao efeitos da inércia térmica e os benefícios
pessoa e até, esperar, como ele próprio estudo da energia solar na arquitetura. É da ventilação sobre os usuários, quais os
diz que: “Limpar, reparar e transmitir professor do Departamento de Tecnologia cuidados para obter uma boa iluminação
o mundo possa chegar a ser tão da Construção da Faculdade de natural e amortecer o ruído excessivo.
importante como utilizar-lo e construí- Arquitetura e Urbanismo /Universidade Após o estudo da teoria e dos exemplos
lo” (LYNCH, 1990, p. 52) Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ), de caso, nos apêndices, o livro relata de
ministrando as disciplinas de Conforto forma clara e concisa os conceitos da
Aruane Garzedin Ambiental e Conforto Térmico. No física aplicada necessários à edificações
Professor da Faufba Programa de Pós-Graduação em ecologicamente corretas. Poucos os
aruane@ufba.br
Arquitetura (PROARQ), ministra as prédios contemporâneos nas regiões
LYNCH, Kevin. Wasting away. An exploration disciplinas de “Energia Solar para tropicais são capazes de prover conforto
of waste: what it is, how it happens, why we Arquitetura” e “Materiais e Métodos ambiental a seus ocupantes, sem uma
fear it, how to do it well. San Francisco: Alternativos” e no Programa de Pós- forte dependência da energia
Sierra Club Books, 1990.
Graduação em Urbanismo (PROURB) convencional. O desenvolvimento de uma
ministra “Cidade, Sustentabilidade e arquitetura fundamentalmente
Clima”. Está qualificado como independente do convencional é um dos
Notas Pesquisador Categoria I-A pelo CNPq. desafios que enfrenta a presente geração
1
Título original: Wasting Away. An Exploration
Simos Yannas é arquiteto. Professor da de arquitetos brasileiros que encontra em
of Waste: What It Is, How It Happens, Why We Architectural Association School of publicações como essa, a importância da
Fear It, How to Do It Well, publicado em 1990 Architecture (AASA) de Londres, uma valorização da relação entre o prédio e o
por Sierra Club Books, San Francisco. Versão das mais antigas e reconhecidas escolas
castellana de Joaquín Rodríguez Feo. Barcelona:
clima local, aprendendo a projetar e
Editorial Gustavo Gili, S.A, 2005. de arquitetura do Reino Unido, diretor da construir com consciência ecológica e
2
O livro foi organizado, estruturado por Michael área de estudos sobre a arquitetura e meio respeitando o meio ambiente em benefício
Southworth, ex- aluno de Lynch no MIT, a partir ambiente da escola de Pós-Graduação da de todos.
de manuscrito original, ainda incompleto para AASA. Os dois possuem inúmeros
publicação, deixado pelo autor. Coube ao editor,
por meio de material de investigação cedido pela
trabalhos de pesquisa sobre o tema desta Carla Simões
Professora da Faculdade de Arquitetura da
família de Lynch, realizar as tarefas necessárias obra e vários prêmios por projetos de Universidade Federal da Bahia
para isso, que incluiu algumas atualizações no texto, arquitetura bioclimática. Esse livro foi feito simoescarla13@hotmail.com
preparo da bibliografia e notas bibliográficas, seleção
de boa parte das ilustrações, entre outras coisas.
com a colaboração de estudantes e é
Michael Southworth é também responsável pelo dedicado a eles, diretamente aos que se CORBELLA, Oscar; YANNAS, Simos. Em busca
capítulo IV - Examen del deterioro - que constitui interessam por intervenções nos países de uma arquitetura sustentável para os
um ensaio fotográfico sobre formas de deterioro. trópicos. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.
tropicais. Discute conceitos provindos do

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