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Título: A Internet como Expressão da Indústria Cultural
Todos os direitos reservados.
Autor: Marcimedes Martins da Silva
Nenhuma parte desta publicação poderá ser
Editora: CopyMarket.com, 2000
reproduzida sem a autorização da Editora.

A Internet como Expressão da Indústria Cultural


Marcimedes Martins da Silva

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial
para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social sob a
orientação do Prof. Doutor José Leon Crochik.

Comissão Julgadora:

Prof. Dr. José Leon Crochik


Prof. Dr. Salvador Antonio Meirelles Sandoval
Profa. Dra. Maria Luíza Sandoval Schmidt
Prof. Dr. Paulo Albertini
Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa

“Eu tô em casa mas tô viajando...”


(Fragmento da composição Trem sentimental de Magno Martins, 1996)

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Resumo

A Internet é um fenômeno recente no processo de comunicação entre as pessoas e sua crescente


importância na história da humanidade justifica um estudo mais detalhado das influências que exerce
sobre as pessoas para ampliar a compreensão do desenvolvimento humano.
Considerando a Internet como expressão da indústria cultural e enfatizando a relação indivíduo e
tecnologia, são analisados os conteúdos das conversas nas salas de bate-papo, utilizando-se os conceitos
de estandardização, pseudo-individuação e glamour elaborados por Adorno e Simpson e as
considerações de Mcluhan dos meios de comunicação como extensões humanas.
O trabalho evidencia que as padronizações estruturais do meio, aliadas à velocidade e à diversidade,
impedem a expressão do indivíduo, o qual só obtém sucesso como mercadoria cultural.
A Internet está, cada vez mais, transformando pseudo-indivíduos em mercadorias culturais e não
proporcionando a autonomia e a auto-reflexão crítica necessárias para o combate contra a barbárie.

Agradecimentos

Ao Professor Doutor José Leon Crochik, orientador da tese.


Ao Professor Doutor Odair Sass, que contribuiu na orientação.
À Professora Marinélia Martins Matos, revisora da redação.
Ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico – CNPq, que deu apoio financeiro.

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Sumário

Introdução ................................................................................................................................................. 4

1. A maior revolução do milênio ............................................................................................................ 12

2. O bate-papo industrializado .............................................................................................................. 14


2.1 - A maquinalidade humana ............................................................................................................. 16

3. Estandardização, pseudo-individuação e glamour ........................................................................... 18


3.1. Estandardização ............................................................................................................................... 18
3.2. Pseudo-individuação ....................................................................................................................... 19
3.3. Glamour ............................................................................................................................................ 21

4. Definição do problema, objetivos, hipóteses e método .................................................................. 22


4.1. Definição do problema ................................................................................................................... 22
4.2. Objetivos ........................................................................................................................................... 22
4.3. Hipóteses ......................................................................................................................................... 22
4.4. Método ............................................................................................................................................. 23

5. Análise e discussão dos dados ............................................................................................................ 25


5.1. As salas de bate-papo ...................................................................................................................... 25
5.2. As mercadorias culturais ................................................................................................................. 27
5.3. O anonimato e a pseudo-individuação ......................................................................................... 29
5.4. O ganhador é o... glamour .............................................................................................................. 32

Conclusão ................................................................................................................................................. 35

Referências bibliográficas ....................................................................................................................... 37

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Título: A Internet como Expressão da Indústria Cultural
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Autor: Marcimedes Martins da Silva
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Introdução
Marcimedes Martins da Silva

A Internet - Interconnected Networks ou Redes Interconectadas - ainda não é um meio de comunicação popular
como o rádio e a televisão, mas já começa a atingir até as pessoas com baixo poder aquisitivo através de algumas
instituições. Não podem as ciências sociais ignorar as influências que esta rede de computadores exerce hoje e
deve exercer no futuro. Precisam procurar entender essas influências porque os meios de comunicação sofreram
mudanças no decorrer da história e cada uma dessas transformações trouxe suas implicações para o
desenvolvimento das pessoas.
Entre muitos autores que se preocuparam em estudar os meios de comunicação encontram-se Horkheimer e
Adorno, os quais cunharam a expressão indústria cultural. Adorno(1977a) informa que ele e Hokheimer
empregaram o termo indústria cultural, pela primeira vez, no livro Dialética do Esclarecimento publicado em 1947,
após abandonarem a expressão cultura de massa que utilizavam em seus esboços. O abandono da expressão se
justifica porque “cultura de massa” se impregna de significado de que o povo produz cultura (popular), quando
os autores queriam denunciar a cultura imposta ao povo e, assim, tem-se que indústria cultural é radicalmente
definida como expressão distinta daquela:

“Em nossos esboços tratava-se do problema da cultura de massa. Abandonamos essa última
expressão para substituí-la por ‘indústria cultural’, a fim de excluir de antemão a interpretação que
agrada aos advogados da coisa; estes pretendem, com efeito, que se trata de algo como uma cultura
surgindo espontaneamente das próprias massas, em suma, da forma contemporânea da arte
popular. Ora, dessa arte a indústria cultural se distingue radicalmente. Ao juntar elementos de há
muito correntes, ela atribui-lhes uma nova qualidade. Em todos os seus ramos fazem-se, mais ou
menos segundo um plano, produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida
determinam esse consumo. Os diversos ramos assemelham-se por sua estrutura, ou pelo menos
ajustam-se uns aos outros. Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema. Isso, graças
tanto aos meios atuais da técnica, quanto à concentração econômica e administrativa. A indústria
cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. (Adorno, 1977a, p. 287).

O ênfase dado pelo autor às diferenças entre os termos cultura de massa e indústria cultural está explícito nos dizeres
“distingue radicalmente”, ou seja, a cultura de massa se origina do povo e é arte enquanto que a indústria cultural
fabrica produtos que atendem às necessidades de consumo das massas; a espontaneidade está presente na cultura
de massa e ausente da indústria cultural e a cultura de massa não visa ao consumo deliberado, apresentando
originalidade e identidade própria, enquanto que a indústria cultural obedece a um plano de atendimento ao
consumo, dificultando até mesmo o reconhecimento das diferenças entre seus diversos ramos que são
assemelhados, ajustados e constituintes de um só sistema.
Dado à importância que ele passa a dar ao termo indústria cultural, em 1962, Adorno volta ao tema em
conferências radiofônicas na Alemanha, as quais são publicadas, em 1963, na França, sob o título “Resumé uber
Kulturindustrie”(Indústria Cultural) e, neste mesmo ano, retoma o termo em “Prolog zum Fernsehen”(Televisão,

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consciência e indústria cultural). Novamente, em “Capitalismo tardio ou sociedade industrial”, conferência
proferida em 1968, ele se utiliza da expressão.
No texto de 1947, Adorno e Horkheimer iniciam a discussão a respeito da indústria cultural: é o tratamento dado
à arte popular e à arte erudita e burguesa, geralmente misturando ambas, de forma que sejam transformadas e
apresentadas sempre como produtos industrializados para serem reproduzidos e consumidos em grande escala.
Seus consumidores tornam-se meros objetos e perdem a condição de sujeito. O que é oferecido ao consumidor é
mercadoria; o que importa é o que é vendável e o que tem mercado para ser consumido e o consumidor como
objeto de lucro. Estas considerações servem para a sociedade hodierna, mas o que é indústria cultural pode ser
melhor entendido retrocedendo na história da humanidade, no século anterior à Revolução Industrial. A esse
respeito, Horkheimer e Adorno escrevem:

“Para a história dos esquemas da atual indústria cultural, é possível remontar, em particular, à
literatura inglesa de vulgarização dos primeiros tempos, por volta de 1700. Já aí se encontram
presentes, em sua maioria, os estereótipos que hoje nos agridem nas telas do cinema e da televisão.”
(1973, p. 201).

A referência dos autores a 1700 aponta para o período que se denomina em geral como a Idade da Razão
caracterizada, principalmente, por creditar à razão humana a capacidade de explicar os fenômenos naturais e
sociais e a própria crença religiosa. Aí situam a literatura inglesa de vulgarização, ou seja, ela começa a se
propagar a ponto de popularizar-se. Na obra Grandes Impérios e Civilizações(1997) consta que, como marco
cultural, na época, são criadas instituições como a Associação para o Fomento da Ciência Cristã em Londres,
surgida em 1698, com a finalidade de fomentar os estudos sobre literatura e a Bíblia entre as crianças e, em 1702,
cria-se, em Cambridge, uma série de cátedras de ciências, entre as quais a de Filosofia Experimental. É lançada
também a “Lexicon technicum”, em 1704, primeira enciclopédia alfabética de John Harris. As instituições e a
literatura estão começando a ganhar força como formadoras de opinião e demonstrando o potencial que irá, mais
tarde, atingir a massa populacional. De fato, como consta no Almanaque Abril de 1995, no Século das
Luzes(XVIII), o esclarecimento é difundido nos clubes, nos salões literários e nas lojas maçônicas e Caldas
(1991b) afirma que é quando aparece a literatura popular do cordel. Ele explica, ainda, que no século XIX, a
literatura de folhetim (romances publicados nos rodapés dos jornais) já está industrializada e aí, sim, no século
XX, a vulgarização da cultura contamina outras áreas abrangendo produtos variados como o cinema, a música,
os espetáculos públicos, a imprensa, entre outros. Reporta-se à Revolução Industrial, que teve início na segunda
metade do século XVIII, transformando a economia, a sociedade e o próprio comportamento humano para
dizer que a atividade industrial passou a dominar todos os setores de forma a produzir uniformidade e
padronização na cultura e os meios de comunicação e informação, ainda que mantendo características próprias,
passaram a integrar um só sistema.
A esse propósito, Adorno e Horkheimer escrevem: “O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é
coerente em si mesmo e todos o são em conjunto.” (1985, p.113) e argumentam que a cultura da época confere a tudo um
ar de semelhança. Esta unidade da indústria cultural mostra-se nos seus produtos que são sempre os mesmos e
até aquele que parece novidade e contrário aos interesses dos produtores culturais é, ou absorvido pela indústria,
ou expurgado pelo sistema. A novidade serve para aumentar aquilo que é considerado tradicional porque é
incorporada no poder da tradição ao qual justamente parecia resistir. A tensão é sempre quebrada para produzir a
unidade da indústria cultural e, ao mesmo tempo, criar a ilusão de que a vida quotidiana é prolongamento do
mundo deslumbrante apresentado pelos meios de divertimento. Mobilizam-se os mecanismos psicológicos dos
que assistem o “mundo maravilhoso de Walt Disney” e de Holywood porque não se dá tempo para o espectador
refletir. Esta reflexão é impossibilitada pela técnica que facilita a ilusão de que o mundo do filme se prolonga no
mundo exterior e que quebra a tensão entre a obra produzida e a vida quotidiana porque faz o supérfluo se
mostrar como natural a ponto, até mesmo, de silenciar as manifestações da natureza; é impossibilitada pela
diversão porque enquanto a pessoa se diverte não há tempo para pensar no sofrimento que lhe é mostrado e,

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também, é impedida pela dissimulação pois finge-se tratar as pessoas como “...sujeitos pensantes quando sua missão
específica é desacostumá-los da subjetividade.” (ibid., p. 135)
A indústria cultural perpetua a alienação propiciada pela educação que não está dirigida a uma auto-reflexão
crítica. No texto “Educação após Auschwitz”, Adorno (1995) procura esclarecer como o mal-estar na cultura é
abrangente de maneira que a educação precisa se concentrar na infância de forma a evitar a repetição. Esta
somente poderia ceder à criatividade se, além de mudanças na educação infantil, também o clima intelectual,
cultural e social não permitissem tal repetição. A tarefa difícil requer, primordialmente, que todo trabalho
educacional na primeira infância objetive preparar as pessoas para a autodeterminação sem descuidar das
influências dos meios de comunicação que pressionam para acabar com toda resistência individual. A educação
tem de se direcionar contra a barbárie, ou seja, tem de combater o impulso de destruição e fazer com que as
pessoas desfrutem, junto ao desenvolvimento tecnológico, também o próprio desenvolvimento condizente com
a civilização. A educação é o caminho possível pois através dela pode-se eliminar “...o princípio da barbárie, em vez de
permitir seu curso em direção à desgraça.” (Adorno, 1995, p. 158).
Portanto, pensar a existência do indivíduo, a “globalização” do eu na Internet, é refletir como esta atua no
íntimo daquele quando ele é invadido por dados mediados e midiáticos, vendidos ao consumidor como
imediatos, recebidos de vários países e que o obriga a se ajustar à racionalidade da dominação. Cabe retomar a
seguinte afirmativa de Adorno e Horkheimer:

“Liberal, o telefone permitia que os participantes ainda desempenhassem o papel do sujeito.


Democrático, o rádio transforma-os a todos igualmente em ouvintes, para entregá-los
autoritariamente aos programas iguais uns aos outros, das diferentes estações.” (1985, p. 114).

Na sociedade hodierna, cerca de cinqüenta anos depois, a afirmativa acima estimula o debate a respeito da
Internet como expressão da indústria cultural porque telefone, rádio, cinema, revistas, jornais e televisão, através
do microcomputador, são partes de um mesmo sistema, estabelecendo uma nova maneira de se adquirir cultura e
se divertir e, consequentemente, questionando o que significa o encontro do liberal com o democrático e do
participante com o ouvinte-espectador-leitor. O telefone integrado às outras partes serve pouco ao sujeito e o
entrega à dominação e leva a pensar que há algo mais a ser investigado do que simplesmente apontar a Internet
como síntese da indústria cultural. Digo que o liberal e o democrático se encontram e se misturam, se fundem,
iludindo o usuário da Internet que se imagina com algum poder de transformar o social quando está sendo
massacrado pelo mundo de informações reprodutoras da ideologia. O massacre tende a se ampliar porque os
meios físicos estão cada vez mais aptos a processarem informações e conexões a ponto de cabos e ondas de
rádios substituírem o telefone e aparelhos de televisão substituírem os monitores de vídeo, facilitando o acesso.
O poder nas Redes Interconectadas, que parece diluído e estar nas mãos de todos que as acessam, está
concentrado, cada dia mais, em grandes corporações que determinam os seus códigos e o seu funcionamento. As
multinacionais têm se concentrado em competições pelos negócios na rede, pelos controles dos programas,
mercados de provedores e de notícias, porém são as supervalorizações das ações das empresas que aderiram à
Internet o que, realmente, demonstram os interesses capitalistas.1 O democrático e o liberal que deveriam se
apresentar na inconstância e na flexibilidade dos conteúdos que são veiculados no ciberespaço - espaço
tecnológico, limitam-se ao que é forjado como, por exemplo, às tribos de hackers, pessoas que dominam a
tecnologia a ponto de invadirem até sistemas considerados de segurança máxima, ou se encontram em uma ou
outra página pessoal que consegue fugir à mesmice ideológica. Os hackers, justamente por causa da capacidade
de invadirem sistemas em busca de informações, são requisitados como especialistas para reforçarem as barreiras
de segurança das organizações e tendem a ser incorporados por elas. Quanto às páginas pessoais, basta comparar
a freqüência diária delas com o acesso aos sites das grandes corporações para perceber como há, sobretudo, uma
tecnologia de linguagem poderosa controlando a rede e que torna indistinta as produções individuais inseridas

1
Tem gente poderosa de olho na Internet. Internet.br, Rio de Janeiro, Ediouro, ano 3, n. 34, março 1999, p. 16.
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dentro dos sites das grandes organizações. O domínio é de quem entende as linguagens padronizadas ou de
quem decifra as que estão criptografadas, ou seja, é domínio da tecnologia da linguagem. A cibercultura, que se
apresenta como algo inovador e que faz pessoas de todo mundo se conectarem e trocarem culturas diferentes, é
a consolidação da indústria cultural de forma global.
Neste trabalho, escolheu-se a Internet por considerá-la potencialmente sintetizadora dos vários setores culturais.
De fato, é como um sintetizador cultural que ela se produz e se mantém. Os diversos setores da indústria
cultural são todos acionados igualmente por um conjunto de teclas ou, no rumo em que caminha a tecnologia,
por um comando vocal monótono para que a máquina reconheça, pelo timbre da voz, o próprio dono.
Acionada, ela é capaz de produzir, através de um só protocolo, diferentes idiomas, diversas letras, sons, ruídos,
timbres de voz, imagens, deixando pouco ou nenhum espaço para manifestação de algo que seja original. A
capacidade de veicular tantas produções diferentes é, aliás, desmascarada pela falta de originalidade e coloca
todos os setores na Internet como, usando uma expressão popular, “farinha do mesmo saco”. A padronização
avançou a ponto de que redes corporativas – intranets2 - tenham a mesma aparência e as mesmas regras de
operação, em ambientes fechados, iguais à Internet. O preço de aumentar a quantidade de informações e
comunicações é a mesmice dos padrões e formatos pré-estabelecidos. A riqueza da técnica disponibiliza os
indivíduos para ter mais tempo para o lazer e lhes dá mais espaço para a intervenção, porém a alienação já vem,
há tempos, tomando conta de tudo sendo que só não derrota toda a esperança porque a tecnologia está
colocando em xeque conceitos como o do tempo e espaço, dando margem a alterações que, aproveitadas, podem
favorecer a educação contra a barbárie. Para melhor esclarecer o assunto, é preciso contar um pouco da história
da Internet.
A Folha de S. Paulo3 informa que em 1957, o Departamento de Defesa dos EUA forma a ARPA (Advanced
Research Projects Agency ou Agência de Projetos de Pesquisa Avançados) para liderar a tecnologia no campo
militar em resposta ao satélite Sputnik soviético. O objetivo era conseguir que o comando militar mantivesse
contato com suas unidades em caso de ataque nuclear. Glossbrenner e Glossbrenner(1994) informam que, em
1969, a rede passa a ser chamada ARPAnet. Altman (1997) acrescenta que a Agência de Pesquisa do Pentágono
procurou, dessa maneira, criar uma rede de dados unindo quatro grandes universidades dos Estados Unidos. O
conceito de rede visava a descentralização que

“...além de facilitar assuntos de defesa interligando o Pentágono, contratadores de defesa e


universidades de pesquisa, o ARPAnet oferecia a esperança de que pelo menos alguma parte da
rede sobreviveria a um ataque nuclear.” (Glossbrenner e Glossbrenner, 1994, p. 2),

que os norte-americanos acreditavam, poderia vir da União Soviética. Eles informam também que a rede, mais
tarde, recebeu o nome de DARPAnet (D = Defesa). Vinton Cerf, considerado “o pai da Internet”, e Robert
Kahn usam, pela primeira vez, em 1974, o termo Internet. Em 1980, a DARPA, ao decidir não tratar os
protocolos TCP/IP (Transmission Control Protocol e o Internet Protocol) como segredos militares, permite a
expansão da rede para a Europa e o Japão. Torna-se possível que as diferentes redes regionais, os diversos
sistemas operacionais e as múltiplas plataformas de computadores se interconectem através dos protocolos
constituindo um só padrão de comunicação de maneira que, nos anos 90, a Internet é aberta para empresas e
pessoas. Torna-se difícil controlá-la. O Estado de S. Paulo4 noticia que a Internet Assigned Numbers Authority
(IANA) em Marinha Del Rei, Califórnia, supervisiona a infra-estrutura vital da rede e estabelece as políticas que
permitem que os endereços da Web sejam traduzidos em números do Protocolo Internet usados para organizar
o tráfego digital. Luna (1996) complementa que a Internet Society (ISOC), organização voluntária, atua como
uma agência central que patrocina atividades de várias agências que procuram colocar um pouco de ordem no
caos de informações pois as redes regionais estão em localizações geográficas diversas. Não é objetivo deste

2
Intranet: rede de computadores que se limita a atender uma organização.
3
A saga da Internet. Folha de S. Paulo, World Media, 19 fev. 1998, pp. 6-7.
4
Controle da rede continua polêmico. O Estado de S. Paulo, 23 out. 1998, p. A11.
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estudo aprofundar o histórico a respeito da Internet, mas é importante enfatizar sua origem no auge da guerra
fria pois essa sucessora da segunda guerra mundial, que durou por mais de 40 anos, tinha como eixo a disputa
entre Estados Unidos e União Soviética pela hegemonia mundial, mantendo o mundo sob ameaça constante de
uma guerra nuclear. O general Kenneth A. Minihan, diretor da Agência de Segurança dos EUA(NSA) em 1998,
considera a guerra fria como a 3ª. Guerra Mundial, na qual ocorreu uma luta por informações e acredita que a 4ª.
Guerra Mundial será travada no ciberespaço. (DEVLIN, 1998, p. A16). Ao meu ver, não deve ser mera
casualidade a Internet crescer após a guerra fria, mas tal fato parece indicar uma nova estratégia de dominação
norte-americana: em lugar do domínio se manifestar somente pelo poder nuclear, ele deve se impor em outros
campos tecnológicos e, principalmente, no campo da comunicação, no império totalizante da indústria cultural.
Desta maneira, a rede vem prometendo a globalização e, nessa busca, quer sintetizar - e representar a
globalização - reunindo em um só veículo de comunicação vários setores da indústria cultural, possibilitando a
escuta de emissoras de rádios, a assistência de eventos televisivos e vídeos, a leitura de jornais e revistas, bem
como a realização de videoconferências, jogos interativos, salas de bate-papo e debates, pesquisas, aulas, vendas
de produtos e de serviços, correio eletrônico, enfim, uma variedade de atividades de comunicação humana.
Dois termos importantes precisam ficar claros: internauta e navegar. Internauta é um termo que não se encontra
definido em dicionários. Parece-me ser a junção de inter de Internet e de nauta de astronauta. Define o usuário de
microcomputador que está conectado com outros usuários e que pode, como o astronauta, viajar pela imensidão
de um universo desconhecido. Ainda que este universo desconhecido seja freqüentemente chamado de
ciberespaço, passou a ser comparado a um mar de informações e o termo navegar passou a ser utilizado para
definir a forma como o usuário se movimenta nele, virtualmente, em busca de informações.
Observa-se que o diferente na Internet em relação aos setores tradicionais da indústria cultural é que ela permite,
além da comunicação entre usuários, receber em casa uma diversidade maior de informações do que aquelas
disponíveis por meio de rádio, telefone, televisão e livros, e isto durante 24 horas por dia. Outra diferença básica
é que ela oferece em termos de interação usuário-rede muito mais do que a escolha de um programa, de uma
informação, de uma música,... Tais diferenças permitem que o usuário deixe sua opinião registrada a respeito de
diversos assuntos nos fóruns de discussão; que ouça ou veja a imagem de outras pessoas, reproduções de
gravações ou vídeos de entrevistas, jogos, shows; que troque idéias, por escrito, em uma velocidade assustadora
através dos bate-papos on-line, que ele mesmo pode criar, ou que se utilize de um espaço - as páginas pessoais -
para colocar suas próprias idéias, reproduções de obras de arte, artigos para vendas, fotos, entre outros. Assim, a
realização individual é colocada como possível. É como se o público alcançado pelas grandes corporações fosse
o mesmo para a produção individual o que é uma grande farsa e que só é desmascarada quando se observa que
apenas um site de uma grande corporação recebe milhões de consultas por dia contrastando com poucas ou
nenhuma visita a uma página pessoal. Na realidade, sabe-se que há muitos computadores conectados à Internet,
mas que a quantidade é difícil de ser avaliada porque dados fornecidos por diferentes empresas apresentam
números divergentes quanto ao total de conexões com a rede. Brito (1997) informa que enquanto uma empresa,
a Forrester, afirma que no mundo deve-se ter entre 19 e 23 milhões e meio de pessoas acessando a Internet,
outra empresa, o Instituto Harris, diz que só nos Estados Unidos há 29 milhões de usuários da rede. No Brasil,
segundo ele, os dados também são contraditórios: a Embratel conta 800 mil enquanto a Associação de
Provedores de Acesso baixa este número para 450 mil usuários. A questão é que a contagem de usuários é
extremamente difícil, sendo mais fácil contabilizar o número de servidores que, no Brasil, de acordo com a
Network Wizards (Brito, 1997) é de 77.148 máquinas, as quais tanto podem servir a um como a mais de mil
usuários. Estes números contraditórios denunciam a volatilidade da rede: provedores, usuários e páginas
aparecem e desaparecem e conexões vão se alterando e se alternando, podendo-se afirmar que, neste
emaranhado, muitas informações acabam perdidas. Entre estas, há informações de grupos de discussões de
assuntos científicos tanto quanto de grupos de bate-papo.
Do ângulo da comunicação, a Internet possibilita a existência de:

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a) grupos de interesse(Usenet ou Newsgroups): nos quais o usuário pode participar de debates, fóruns e
obter artigos variados;
b) salas de bate-papo ou Internet Relay Chat-IRC: conversas escritas, ao vivo e sem censuras, a respeito
de qualquer assunto, entre centenas de pessoas, simultaneamente;
c) correio eletrônico(E-mail): serviço através do qual pode-se enviar uma mensagem para qualquer
usuário dos países interligados na rede;
d) banco de dados: milhares de dados estão disponíveis (artigos de jornais e revistas, pesquisas, etc) em
computadores interligados em todo mundo. Existem processos de busca simultânea de informações,
ferramentas de pesquisas em arquivos de texto - como o Gopher - no qual a procura por um
determinado assunto é realizada ao mesmo tempo em computadores do mundo todo. Há também
“Mailing List” no qual o usuário pode encontrar serviços de assinaturas por área de interesse. Os
provedores de informações são as BBS-Bulletin Board System, que através de tela de alcance mundial
(World Wide Web - WWW), facilitam a escolha do que o usuário quer ler ou ver;
e) Telnet: sistema que permite a um usuário manipular outro computador localizado a milhares de
quilômetros de distância como se fosse seu computador pessoal;
f) aulas a distância e videoconferências: com câmeras embutidas em microcomputadores ou
simplesmente acessando determinados sites, é possível estudar, pesquisar e assistir conferências;
g) vendas de produtos e de serviços: utilizando o correio eletrônico ou home page, os mais variados
produtos e serviços podem ser oferecidos e negociados;
h) jogos interativos: programas especialmente desenvolvidos permitem o jogo on-line com diversos
participantes que podem estar até em países diferentes;
i) transferência de arquivos entre computadores através do processo de cópias(download) ou FTP (File
Transfer Protocol).
É importante ressaltar que os itens descritos não são os únicos serviços oferecidos pela Internet e que ela não é a
única rede mundial de computadores, mas é a que mais cresce por causa do seu baixo custo e as outras redes
como, por exemplo, a Bitnet, criada em 1981 pela IBM, acabam por desenvolver programas que permitem a
transferência de seus dados para ela.
Esta pesquisa faz uma reflexão a respeito da Internet como expressão da indústria cultural, enfatizando a relação
indivíduo e tecnologia, uma vez que, na história da humanidade, ela é fenômeno recente e a Psicologia Social não
deve ficar alheia à influência desse fenômeno nas relações humanas. Busca a compreensão de como está sendo a
relação entre o indivíduo e essa rede e, ao mesmo tempo, com outros usuários que a acessam, procurando
contribuir para o entendimento do padrão mental e comportamental de usuários massacrados e massificados por
estímulos sensoriais - informações visuais e sonoras - e sem condições de realização da individualidade. Esta
denúncia é importante para provocar o despertar dos usuários da rede o que só é possível de ser realizado
incluindo uma reflexão a respeito do indivíduo. A idéia orientadora é a de que a Internet impõe condições
objetivas impeditivas que dificultam a manifestação da individualidade. As condições objetivas devem ser
entendidas como sendo a falta de opções para as pessoas se comunicarem usando os recursos disponíveis na
rede pois ela, aparentemente, oferece muitas escolhas que não passam de opções de submissão ideológica de
forma que, de fato, são determinações objetivas - culturais, sociais, históricas, econômicas, políticas, entre outras
- que só fazem aumentar a separação entre indivíduo e sociedade. Estas determinações devem-se à padronização
que é a constante na rede. São padrões de hardware e software que se desdobram em outras padronizações de
ícones e janelas. Estes, por sua vez, reproduzem as mesmas propagandas, notícias, índices econômicos e valores
socioculturais presentes em outros meios de informação. O mundo oferecido, para frustração de quem o
procura, é o mesmo piorado pela virtualidade e que continua dominado por grandes corporações, as quais
tornam-se as portas de entrada da rede como provedoras. Esta denominação é a própria definição do poder -
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tudo que está na rede provém destas grandes corporações que são suportes para as páginas pessoais e comerciais
- porque é delas que deflui a ideologia enganadora. O cidadão do mundo, globalizado, está mais separado da
sociedade do que antes. Conectado, afasta-se das pessoas que estão fisicamente ao seu redor, para dedicar-se a
relações mediadas. No bate-papo, estabelece relações com pseudônimos, ou melhor, pseudo-indivíduos, os quais
não passam de personagens e de fantasias, verdadeiras produções do espírito. A busca por amizades tende a
exacerbar os desejos em vez de saciá-los. Pode-se escrever, falar e, até mesmo, ver e ser visto através de câmeras
acopladas ao computador, trocando idéias ou praticando o cibersexo, maneira glamourosa de dizer que está se
masturbando, no entanto, o resultado das ações on-line é o aumento da carência pelo toque corporal. O
relacionamento humano está empobrecido. A propósito dos efeitos dos meios de comunicação sobre o
indivíduo, Mcluhan afirma:

“Todos os sentidos se alteram com a aceleração, porque todos os padrões da interdependência


pessoal e política se alteram com a aceleração da informação. Alguns sentem agudamente que a
aceleração empobreceu o mundo que conheciam, alterando suas formas de interassociação
humana.” (1998, p. 226)

e, mais adiante:

“Nem podemos chegar a nos acomodar para observar um acontecimento e este, logo se vê
superado por outro - assim como a nossa vida ocidental não aparece senão uma longa série de
preparações para viver, aos olhos das culturas pré-letradas.” (ibid., pp. 226-227)

Vende-se a ilusão de que quem entra na rede vai ter a autonomia de ser e de pensar, tal qual pregou a filosofia
pós-Descartes. No entanto, o fato é que até os momentos de prazer ou desprazer das relações on-line, tal como
um comportamento infantil que é manifestado por “crianças de todas as idades” - o onanismo, impedem a
reflexão. Na obra Dialética do esclarecimento, Adorno e Horkheimer expõem a gênese da subjetividade que tem
como ponto de partida o reconhecimento do poder sobre a natureza e o outro. Preferem utilizar a palavra
indivíduo. Apontam para a possibilidade da existência do indivíduo na sociedade que estimulou seu
desenvolvimento mas que, em um momento posterior, se afasta dele e o destrona para ela própria desenvolver-
se. Na “sociedade” Internet, na qual os usuários estão isolados corporalmente uns dos outros, empresto uma
frase deles para resumir a reflexão possível, neste estudo, a respeito do indivíduo:

“O meio ideal da individuação, a Arte, a Religião, a Ciência, retrai-se e depaupera-se como posse
privada de alguns indivíduos, cuja subsistência só ocasionalmente é garantida pela sociedade.”(1973,
p. 55)

O embate entre a inclusão na sociedade e a exclusão através da individuação deve ser questionado para entender
a autonomia e autodeterminação possíveis. E, lembrando Mcluhan (l998), fica difícil imaginar autonomia e
autodeterminação quando o usuário sofre influência de seu microcomputador uma vez que os meios de
comunicação tornam-se extensões de quem os utiliza e assumem o controle. Ele escreve:

“...‘o meio é a mensagem’, porque é o meio que configura e controla a proporção e a forma das
ações e associações humanas. O conteúdo ou usos desses meios são tão diversos quão ineficazes na
estruturação da forma das associações humanas. Na verdade não deixa de ser bastante típico que o
‘conteúdo’ de qualquer meio nos cegue para a natureza desse mesmo meio.” (1998, p. 23).

Os estímulos visuais predominam na Internet mas, quero enfatizar que, entre outros suportes, quem a sustenta,
sobretudo, é a eletricidade e a padronização da linguagem. Ainda que não analise esta rede de computadores,
Mcluhan (1998) lembra que não se percebe a luz elétrica como meio de comunicação porque ela não possui
conteúdo e quando há compreensão de que a luz elétrica é um meio de comunicação, não é a luz que está sendo

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notada, porém o conteúdo. Ele nos conduz a pensar que é a energia elétrica que elimina os fatores tempo e
espaço na Internet e liquida a seqüência para tornar as coisas simultâneas porque o meio proporciona a
comunicação na velocidade da luz. A televisão já era um misto de rádio e cinema, mas a Internet se apresenta,
potencialmente, mesclada dos mais diversos meios de comunicação. O ser humano e a máquina, figura e fundo,
estão envolvidos, estruturados, configurados e a atenção está deslocada para o total sem, no entanto, a tecnologia
somar-se ao indivíduo. O meio é a mensagem e a mensagem não é o conteúdo porque o conteúdo é sempre um
outro meio ou veículo. O poder do meio enquanto mensagem pode ser explicado com o exemplo de um mesmo
filme assistido no cinema e na tv. A mudança do meio muda a mensagem porque o conteúdo do cinema é a
fotografia e o conteúdo da tv é o cinema. A percepção é diferente porque, apesar dos mesmos fatos serem
transmitidos, os meios são diferentes. Experimentos relatados por Mcluhan demonstram tais diferenças nos
participantes de maneira a apontar o poder dos meios:

“Pois os meios têm o poder de impor seus pressupostos e sua própria adoção aos incautos. A
predição e o controle consistem em evitar este estado subliminar de transe narcísico. Mas o melhor
adjutório para este fim consiste simplesmente em saber que o feitiço pode ocorrer imediatamente,
por contato, como os primeiros compassos de uma melodia.” (ibid., p. 30).

O transe narcísico é o perigo quando se enfatiza as assimilações de diferentes culturas em rápida velocidade
como a proporcionada pela Internet. O acesso rápido a tantas informações diversificadas nos mais diferentes
idiomas não é a possibilidade de ser bem informado e, sim, de ser massacrado, pouco ou nada assimilando.

“Pois a ‘mensagem’ de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que
esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas.” (ibid., p. 22).

A novidade na Internet não é a música nem o filme, nem o bate-papo nem a visita ao museu, biblioteca ou
shopping. O que mudou é o modo como se busca a informação ou como se faz a visita ou a compra sem sair de
casa. As novidades não passam de variações de possibilidades que já existiam anteriormente como a de bate-papo
ou compras através do telefone ou a visita ao museu assistindo um filme. Novidade mesmo é a velocidade com
que, na rede, se muda de uma informação para outra, não importando em que local do planeta ela foi produzida,
o que, baseado em Mcluhan, pode-se afirmar é prejudicial ao ser humano. Ele escreve:

“A velocidade elétrica mistura as culturas da pré-história com os detritos dos mercadologistas


industriais, os analfabetos com os semiletrados e os pós-letrados. Crises de esgotamento nervoso e
mental, nos mais variados graus, constituem o resultado, bastante comum, do desarraigamento e da
inundação provocada pelas novas informações e pelas novas e infindáveis estruturas
informacionais.” (ibid., p. 31).

A ação da indústria cultural é, pois, implacável e o questionamento deste trabalho é a Internet como expressão
dela. Esta questão parece até estar respondida por um texto que sequer mencionava a existência da rede :

“... a atual sociedade é, de acordo com o estádio de suas forças produtivas, plenamente, uma
sociedade industrial. Por toda parte e para além de todas as fronteiras dos sistemas políticos, o
trabalho industrial tornou-se o modelo de sociedade. Evolui para uma totalidade, porque modos de
procedimentos que se assemelham ao modo industrial necessariamente se expandem, por exigência
econômica, também para setores da produção material, para a administração, para a esfera da
distribuição e para aquela que se denomina cultura.” (Adorno, 1986, pp. 67-68)

Os livros, as revistas, o cinema, o teatro são mercadorias culturais que reduzem quem os consome, e que
deveriam ser sujeitos, a objetos. Sua comunicação e, principalmente, sua linguagem está instrumentalizada a

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serviço da dominação, o que o massifica, dando-lhe, ao mesmo tempo, impressão de que sua individualidade está
sendo respeitada. Por isto, Adorno alerta:

“...não se deve tomar literalmente o termo indústria. Ele diz respeito à estandardização da própria
coisa - ... - e à racionalização das técnicas de distribuição, mas não se refere estritamente ao
processo de produção. Enquanto o processo de produção no setor central da indústria cultural - o
filme - se aproxima de procedimentos técnicos através da avançada divisão do trabalho, da
introdução de máquinas, e da separação dos trabalhadores dos meios de produção (...) conservam-
se, também formas de produção individual. Cada produto apresenta-se como individual; a
individualidade mesma contribui para o fortalecimento da ideologia, na medida em que se desperta
a ilusão de que o que é coisificado e mediatizado é um refúgio de imediatismo e vida.” (ibid., p. 94).

De fato, a produção pessoal já está massacrada e massificada ou estandardizada pela indústria cultural e, mesmo
que seja uma produção rebelde, é apropriada e fortalece a ideologia. “Quem resiste só pode sobreviver integrando-se.”
(Adorno e Horkheimer, 1985, p. 123). A lógica do capitalismo é a integração como objeto ou da exclusão para
ser sujeito o que, na Internet, coloca em xeque a “globalização” do eu. Impõe-se a globalização como o caminho
para a qualidade total do eu e como única maneira de se integrar à humanidade. Ocorre que o mundo sem
contato direto entre as pessoas não é exatamente aquele que define o ser humano pela participação e pela
comunicação. Fica faltando a esta relação o contato físico, o afeto, o olhar, a exposição ao outro, o que estaria
longe de uma correlação vital como Horkheimer e Adorno afirmam como sendo o caráter social da pessoa:

“Inclusivamente, a pessoa é, como entidade biográfica, uma categoria social. Ela só se define em
sua correlação vital com outras pessoas, o que constitui, precisamente, o seu caráter social.” (1973,
p. 48).

Além da relação entre pessoa e sociedade, uma outra condição define o ser humano: a relação com a natureza.
Ora, a natureza humana só pode ser plenamente realizada na comunidade: “Por conseguinte, a polis constitui, no tocante
à natureza do homem, um a priori, o dado fundamental que possibilita a própria existência do ser humano.” (ibid., p. 49). Esta
citação remete à discussão, então, para se pensar o indivíduo na Internet colocando-se a rede como uma “pólis”,
uma convivência organizada, o que já é, por si mesmo, uma ilusão. É uma rede mundial de computadores que
reúne um conjunto de centenas de redes de computadores, servindo milhões de usuários no mundo, de idiomas
e culturas diferentes. É organizada, porém sua diversificação leva a refletir que os internautas navegam por um
mesmo mar, mas tal qual esta analogia pode indicar, muitos podem estar à deriva na rede porque mesmo as mais
variadas informações estando disponíveis e a comunicação podendo se dar entre um número incontável de
usuários, isto não significa que o simples estar na rede garanta a tão sonhada comunicação global. A conexão não
significa a entrada em uma comunidade porque a comunicação é extremamente padronizada e simplificada: de
um lado o usuário e, de outro, o computador do servidor em uma relação que não é de convivência humana, mas
de um ser humano com a sua própria extensão. Tal situação acaba por questionar a pessoa tanto quanto a relação
entre ela e a sociedade como entre ela e a natureza.

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1. A Maior Revolução do Milênio


Marcimedes Martins da Silva

O bate-papo ou troca de idéias estaria condenado a permanecer como tradição oral caso não fosse inventada a
escrita e, posteriormente, a Internet. A escrita ampliou a permanência das idéias através do tempo e das gerações,
tornando-se elemento fundamental de propagação da cultura. Realmente, ela revolucionou a cultura em
diferentes épocas e espaços geográficos desde que foi inventada há 5.000 anos atrás na Mesopotâmia e, segundo
a revista Veja Especial do Milênio, publicada em dezembro de 1998, sem ela não teria ocorrido a revolução de
maior alcance deste milênio, a qual destaca como sendo o fato n.º. 1 entre os 100 que mudaram o mundo do
ano 1001 até hoje: a invenção da prensa de Gutenberg. A impressão, no século XV, por Johannes Gutenberg, de
200 Bíblias privilegiou outro público além das pequenas elites de nobres sacerdotes e escribas. Os duzentos
exemplares publicados em 1455 foram tão bem recebidos que, em 1500, já circulava meio milhão de livros e, na
atualidade, apenas a tiragem de um determinado jornal ou revista supera em várias vezes tal quantidade. Porém,
na Internet, é que se pode melhor vislumbrar a revolução do milênio. Na rede, o que mantém o bate-papo é
justamente a palavra escrita, a qual sustenta e é apoiada pela produção das máquinas em série e pela divulgação
dos programas que possibilitam a digitação das palavras. Ainda que a tecnologia já permita a comunicação oral, o
que tem dominado é a palavra escrita e a transmissão de imagens acionadas pela digitação on-line(aquela que se
dá enquanto se está participando de um bate-papo) e off-line(aquela que ocorre quando não se está conectado).
Para ilustrar com números, segundo a Revista Internet.br, de novembro de 1998, apenas um provedor brasileiro
chega a ter 12.000 usuários simultaneamente no bate-papo.
A tecnologia elétrica, extensão humana, que sempre tem favorecido a palavra falada, ainda não conseguiu fazer
esta reinar no bate-papo, via rede, o que leva a repensar o que Mcluhan escreve:

“Graças à sua ação de prolongar o nosso sistema nervoso central, a tecnologia elétrica parece
favorecer a palavra falada, inclusiva e participacional, e não a palavra escrita especializada. Nossos
valores ocidentais, baseados na palavra escrita, têm sido consideravelmente afetados pelos meios
elétricos, tais como o telefone, o rádio e a televisão.” (1998, pp. 100-10l).

{©Ocorre que os desenvolveres de programas estão procurando incorporar o telefone, o rádio e a televisão,
querendo transmitir as imagens e a voz com alta qualidade, mas não obtiveram sucesso até agora no bate-papo.
Interessante observar essa ansiedade pela palavra falada. A ansiedade pode estar denunciando a frustração do
mesmo porque apenas parte de seu sistema nervoso central se sente prolongado pela palavra escrita. A liberdade
de escrever o que se quer propicia a tensão sexual adequada ao prazer que, no entanto, culmina no onanismo e
não na relação sexual. É certo que o telefone permite o anonimato, o que facilmente se comprova pelos trotes e
pelos contatos de seqüestradores. Porém, a voz pode denunciar quem está falando e, mesmo, os sentimentos de
quem se expressa além de que transmite sensações de proximidade e, mesmo, intimidade entre as pessoas uma
vez que é uma voz próxima ao ouvido como quando se conta um segredo. Conseqüentemente, esta sensação de
privacidade, quando é quebrada, através de escuta por terceiros, é motivo de insegurança, medo ou, até mesmo,
dependendo do teor da conversa, motivo para pânico como, por exemplo, um seqüestrador ou um amante que
se percebem descobertos.
No bate-papo por escrito, esta sensação de intimidade é alterada pois no lugar da voz está a escrita e em vez dos
ouvidos estão os olhos. Ainda que a possibilidade de escrever reservadamente exista, é justamente a manutenção
do próprio anonimato entre tantos outros anônimos que é excitante e que possibilita a total liberdade de
expressão. Cada um é apenas um conjunto de frases visuais, as quais nem sempre parecem ter sentido ou
conseguem transmitir o que se deseja. Por isto mesmo, os “smileys” (figuras simbólicas indicando sorrisos e
outras expressões) ou os “emoticons” (ícones para expressar emoções) tornou-se forma usual de expressão dos
internautas. Eles substituem as expressões sentimentais e são também linguagens. Serve para explicá-los o que
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escreve Mcluhan: “A palavra fonética escrita sacrificou mundos de significado e percepção, antes assegurados por formas como o
hieróglifo e o ideograma chinês.” (ibid., p. 102)
A busca de outras formas de expressão justifica também que salas de bate-papo sejam integralmente dedicadas a
imagens eróticas ou outras imagens. De qualquer maneira, o que impera, é mesmo o alfabeto e a padronização
dando razão a Mcluhan :

“À medida que saímos da era Gutenberg em nossa própria cultura, mais facilmente podemos
discernir os seus traços fundamentais: homogeneidade, uniformidade e continuidade. Estas foram
as características que deram aos gregos e romanos seu poder de ascendência sobre os bárbaros não-
letrados. O bárbaro ou ser humano tribal, ontem como hoje, sentia-se embaraçado pelo
pluralismos, pela singularidade e pela descontinuidade de sua própria cultura.” (ibid., pp. 106 -107).

Na sociedade hodierna se apresenta uma revolução de informação impensável nos primórdios da imprensa e cuja
homogeneidade tem por base o microcomputador. As extensões apontadas por Mcluhan estão cada vez mais
aperfeiçoadas para reforçar a alienação e a reificação. A cada prolongamento ou a cada sofisticação de uma
extensão humana, a tecnologia afasta o criador da natureza. A cada alteração desta, é a própria natureza humana
que passa por um processo tecnológico e obriga cada um de nós a participar em profundidade:

“Mas na era da eletricidade, quando o nosso sistema nervoso central é tecnologicamente projetado
para envolver-nos na Humanidade inteira, incorporando-a em nós, temos necessariamente de
envolver-nos, em profundidade, em cada uma de nossas ações.” (ibid., p. 18)

e continua, mais adiante:

“Embora desligada de seus usos, tanto a luz como a energia elétrica eliminam os fatores de tempo e
espaço da associação humana, exatamente como o fazem o rádio, o telégrafo, o telefone e a
televisão, criando a participação em profundidade.” (ibid., p. 23)

O autor ao falar desse envolvimento em profundidade situa o fenômeno na era da eletricidade e indica que a
energia elétrica, como a luz, elimina os fatores de tempo e o espaço da associação humana. Em outras palavras,
são inevitáveis os efeitos sociais e psicológicos de cada nova tecnologia incorporada à humanidade. Diante de um
mundo de configuração e não mais de sucessão linear, o ser humano tende a entrar em crise porque as diferenças
têm de ser vencidas com muita rapidez.
Para não deixar dúvidas de que a tecnologia é mesmo devastadora quando age sobre a humanidade, Mcluhan
afirma:

“Os efeitos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles se manifestam
nas relações entre os sentidos e nas estruturas da percepção, num passo firme e sem qualquer
resistência.” (ibid., p. 34)

A revolução em andamento requer e exige uma reorganização da vida de cada um porque a extensão humana que
está sendo alterada mexe com a percepção de tempo e de espaço tradicionais, colocando em xeque os sentidos
humanos. O tempo, além de longo, agora é largo como diz Nicolaci-da-Costa: “... a largura do tempo está para se
tornar uma pedra fundamental do raciocínio humano!” (1998, p. 111). Quanto ao espaço, melhor dizendo, ciberespaço,
nele as rotas elétricas substituem as rotas de papel descritas por Mcluhan, o qual também escreve:

“As extensões elétricas de nós mesmos, simplesmente contornam o espaço e o tempo, criando
problemas sem precedentes de organização e envolvimento humanos.” (1998, p. 125).

A revolução do milênio não deixa margens a dúvidas de que sacrifica o ser humano porque, paradoxalmente,
exige seu envolvimento em profundidade enquanto o fragmenta em múltiplas extensões, não o perdoando nem
mesmo nas horas de lazer, quando o espaço-tempo longo e largo permite o bate-papo, no entanto sem se
descontrair e relaxar em companhia dos amigos.

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2. O Bate-Papo Industrializado
Marcimedes Martins da Silva

Uma das características da sociedade industrial é o excesso de ofertas de produtos. A Internet, mais do que
qualquer outro meio de comunicação, oferece informação e a possibilidade de comunicação 24 horas por dia em
quantidade nunca oferecida por qualquer outro meio. Nicolaci-da-Costa afirma:

“O excesso de informação que caracteriza a Rede se deve á facilidade e à liberdade que nela se tem
de divulgar e acessar idéias, no mais das vezes de forma a propiciar a interatividade e a discussão.”
(1998, p. 136)

Tais palavras não devem nos confundir. O mundo da rede está completamente determinado pela técnica e
oferece facilidade e liberdade de divulgar e acessar idéias desde que os usuários tenham domínio das máquinas e
das padronizações de linguagens exigidas por elas.
O acesso a maior parte das informações na rede tem sido facilitado porque as ofertas para os usuários são
colocadas ao custo mensal de um provedor e de pulsos telefônicos. A divulgação pode se dar através de correio
eletrônico, grupos de discussão, home pages (páginas pessoais/comerciais) e salas de bate-papo. Sustentando a
técnica, está o capital que oferece espaço gratuito para a colocação das páginas na rede, serviço grátis de correio
eletrônico, organização e acesso aos grupos de discussão ou salas de bate-papo sem cobrança de taxas. A maneira
como o capital tem procurado sustentar todos esses serviços “gratuitos” são diversificados. Há grandes
corporações que mantêm as próprias páginas empresariais nas quais vendem seus produtos como também novos
investidores que vendem espaços publicitários nos seus sites (conjunto de home pages). O capitalismo tem se
defrontado com problemas na rede pois os modelos tradicionais de propagandas televisivas, cinematográficas,
radiofônicas ou impressas não se ajustam ao mundo cibernético; de qualquer forma, todos os monopólios e
oligopólios estão tentando garantir o lucro. À medida que o público aumenta, os próprios serviços gratuitos vão
sendo, gradativamente, substituídos pelos que exigem pagamento e senha para serem usados de maneira que, no
mundo novo, o velho capitalismo avança seguro de que dar-se-á bem. A liberdade de acesso e divulgação é, pois,
mera estratégia capitalista para incentivar o uso, o hábito e, até mesmo, o vício. Quando algo não vai bem,
fecham-se as portas e deixa-se o usuário falando sozinho. Quando vai bem, abre-se as portas para quem puder
pagar e deixa quem não pode falando sozinho. A liberdade de acesso e divulgação tem seus limites nos donos de
provedores, os quais podem eliminar páginas pessoais caso não concordem com seus conteúdos ou podem
expulsar participantes das salas de bate-papo porque são visitantes e não seus assinantes. O gratuito é fase do
processo econômico até depurar a elite que dominará a rede como indústria cultural. Melhor ainda, o gratuito é
oferecido pelos monopólios, oligopólios e investidores porque mesmo os mandantes estão sendo obrigados a
passar por esta fase do processo econômico porque também são objetos da dominação capitalista haja vista a
distribuição gratuita de programas, inclusive dos navegadores Internet Explorer e Netscape Communicator,
fabricados por grupos poderosos como a Microsoft e a AOL - American On-Line. É como Adorno escreve:

“A dominação sobre seres humanos continua a ser exercida através do processo econômico.
Objeto disso já não são mais apenas as massas, mas também os mandantes e seus apêndices. De
acordo com a antiga teoria, eles se tornaram, de modo acentuado, funções de seu próprio aparelho
de produção.” (1986, p. 67)

Não se deve esquecer que há uma cultura de resistência ao capitalismo que, há décadas, vem tentando quebrar as
amarras poderosas do sistema e, na qual, são depositadas as esperanças de um momento de revolta contra a

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barbárie. Lemos lembra a contracultura dos anos 70 para argumentar que, na cibercultura, ocorrerá uma espécie
de transformação da apropriação técnica do social para uma apropriação social da técnica. Ele escreve:

“A contracultura dos anos 70, por exemplo, foi um movimento contra a cultura déliante (Bolle de
Bal) da modernidade. Esta contracultura refutava a tecnologia pois essa encarnava o símbolo maior
do totalitarismo da razão científica, a causa principal da racionalização dos modos de vida e da
dominação da natureza através da urbanização e industrialização das cidades ocidentais. As diversas
expressões da cibercultura tomam por herança esta contracultura e atualizam-na. A cultura digital
herda o ativismo dessa contracultura mas não recusa a tecnologia.

Fruto da geração X, a sociedade contemporânea aceita a tecnologia a partir de uma perspectiva


crítica, lúdica, erótica, violenta e comunitária. Nesse sentido, as comunidades virtuais, os zippies, e
os ravers mostram bem esse vetor de comunhão e de partilha de sentimentos, hedonista e tribal,
enquanto os hackers, os tecno-anarquistas e os cypherpunks mostram a contestação do sistema
tecnocrático, o desvio e a apropriação tecnológica.” (1998, p. 11).

Os combatentes são os zippies (Zen Inspired Pagan Professional) - neo-hippies que utilizam o ciberespaço para a
busca da espiritualidade e agrupamento comunitários, os ravers - participantes de festas tribais (raves parties)
animadas pela música tecno-eletrônica, os hackers - invasores de sistemas de informações e de segurança, os
crackers ou tecno-anarquistas - perturbadores que bagunçam os sistemas, e os cyberpunks - os que seguem suas
próprias regras e jeito de pensar. A história já se encarregou de provar a capitulação dos hippies dos anos 70 e,
com o crescimento dos negócios na Internet, os atuais combatentes começam a perder terreno na rede. No
artigo “Hackers derrubam barreira chinesa contra a Internet”1 lê-se que um editor chinês da revista eletrônica
VIP Reference, sediada em Washington, julga-se “hacktivista”, ou seja, guerrilheiro eletrônico sendo que seu
combate é o de fornecer informações a respeito da evolução democrática e econômica na China através de
correio eletrônico aos chineses, um auxílio e tanto aos EUA na invasão e no avanço sobre o comércio oriental.
Mais recentemente, as organizações não-governamentais (ONGs) vêm se aliando a ativistas individuais buscando
alterar as estruturas do poder mundial2 e a mídia divulga que elas, através do uso de telefones celulares, correio
eletrônico, máquinas de fax e, é claro, páginas na Internet, estão conseguindo influenciar Estados e corporações,
travando verdadeiras guerras no ciberespaço. A surpresa fica por conta dos apoios que são dados às ONGs pelas
mesmas estruturas que “alteram”, ou seja, grande parte delas senão todas deixariam de existir caso ficassem sem
receber auxílio financeiro dos Estados e corporações. A liberdade dos usuários é a grande farsa apregoada
porque a falta dela impera sobre todos independente do poder que julgam possuir e sua aparente apresentação
camufla uma situação predeterminada economicamente e que restringe as escolhas dentro de alternativas pré-
fabricadas e coercitivas. Essa situação aliada ao excesso de informação não deixa o espírito livre para a reflexão.
O conteúdo do que é divulgado na rede dificilmente consegue fugir aos parâmetros da indústria cultural e nos faz
refletir a respeito do bate-papo industrializado. O que está ausente é a relação da pessoa com a natureza uma vez
que o contato humano está mediado pelas máquinas e pelos programas. A escrita que começou em pedras e
tijolos, que evoluiu para as penas, papiros e papéis transformou-se em escrita eletrônica. A extensão humana não
é mais visível na seqüência mão, caneta e papel ou mão, teclado, tipos móveis e papel como nas impressões por
linotipos ou através da máquina de datilografia. A extensão humana é mão, circuito eletrônico combinado com
um programa redator de textos e a aparição das letras em uma tela como se entre a mão e o escrito houvesse um
passe de mágica. Os computadores, antropomorfizados, dotados de memória e inteligência simuladas,
mediatizam a escrita de maneira que a relação entre eles e os humanos se dá, por muitas vezes, carregada de
sentimentos. Nicolaci-da-Costa escreve:

“Os computadores dos dias de hoje, se não têm capacidade humana de sentir, têm, ao menos, a
capacidade também muito humana de gerar uma ampla gama de sentimentos em seus usuários;
sentimentos negativos - como os de raiva, desespero e impotência perante a máquina -, e
sentimentos positivos - como os de confiança, cumplicidade e companheirismo em relação à
máquina.” (1998, p. 58)

1
FARLEY, Maggie. Hackers derrubam barreira chinesa contra a Internet. O Estado de S.Paulo, 10 jan. 1999, p. A16.
2
Internet altera estruturas antigas do poder mundial. O Estado de S.Paulo, 20 dez. 1997, p. A16.
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A vida humana no ciberespaço é vivida na relação de dependência ao desempenho da máquina, estando
diretamente ligada aos suportes técnicos oferecidos por pessoas especializadas. No entanto, o desenvolvimento
das linguagens de programação gerando a facilidade de comunicação nas salas de bate-papo, faz com que
qualquer usuário esqueça das mediações. A função visual é que predomina como extensão alfabética e são telas
que unem os olhares de quem bate papo. A falta de contato direto é que torna difícil o envolvimento. O olhar,
forma característica do flerte, está prejudicado. A fala, característica que o papo não pode prescindir, está
ausente. Os sentimentos e as emoções não são os mesmos da tradição oral, não há papo. O bate-papo está
industrializado. A ação não remete à reação porque o outro pode permanecer indiferente e não se manifestar.
Lembremos Mcluhan:

“A civilização se baseia na alfabetização porque esta é um processamento uniforme de uma cultura


pelo sentido da visão, projetado no espaço e no tempo pelo alfabeto. Nas culturas tribais, a
experiência se organiza segundo o sentido vital auditivo, que reprime os valores visuais. A audição,
à diferença do olho frio e neutro, é hiperestética, sutil e todo inclusiva. As culturas orais agem e
reagem ao mesmo tempo. A cultura fonética fornece aos homens os meios de reprimir sentimentos
e emoções quando envolvidos na ação. Agir sem reagir e sem se envolver é uma das vantagens
peculiares ao homem ocidental letrado.” (1998, p.105)

Incapacitado de reagir ao outro, a relação acaba se dando com a máquina. Basta algo dar errado para que a
pessoa acuse a máquina, esquecendo-se dos humanos que a construíram e dos que projetaram os programas. A
relação impessoal estabelecida contamina as relações pessoais que se dão através do uso do microcomputador.
Pode-se agir, sem reagir e sem se envolver, de uma forma mais fria do que através do telefone. A intimidade e a
proximidade das relações humanas só podem ser vivenciadas como ilusão. A intimidade possível é a do ser
humano com a máquina e, contrapondo-se a antropomorfização das máquinas, desencadeia-se um processo de
maquinalidade do ser humano.

2.1. A maquinalidade humana

A tecnologia tem afastado o ser humano da natureza. O caráter social do indivíduo tem sido prejudicado porque
a correlação vital entre as pessoas está mediada pelas máquinas e pelos programas. O indivíduo, que só pode ser
plenamente realizado na comunidade, tem se deparado com a ilusão de conviver com outras pessoas na Internet
enquanto tem convivido consigo mesmo ou com suas extensões tecnológicas. E, lembrando Mcluhan (1998), a
tecnologia elétrica tornou-se a extensão do sistema nervoso central humano, o qual constitui um campo único e
unificado da experiência.
Com tais considerações, dá para perceber as implicações da interação humano e máquina quando já não se
distingue onde termina um e começa o outro.
A automação, com sua instantaneidade elétrica fez o ser humano estabelecer uma relação simbiótica entre
produtor e consumidor de maneira que tem sido difícil estabelecer quem dirige e quem é dirigido. Ao usar uma
das opções de menus das salas de bate-papo ou uma das imagens, o usuário obedece a uma das escolhas que lhe
é oferecida mais do que escolhe de livre e espontânea vontade e nem sempre é o mais apropriado para sua
manifestação e, bem provavelmente, isto ocorre por falta de alternativas. Os estímulos oferecidos são repetitivos
e os movimentos também a ponto de poderem até causar doenças como a conhecida LER - lesões por esforço
repetitivo, epilepsia e o Transtorno Dissociático de Identidade. Borges relata que é possível uma pessoa
apresentar como queixa principal em uma consulta psicológica a dependência aos bate-papos porque “... se vêem
com uma ferramenta tecnológica que os proporcionam a multi-identidade” (1998, p. 1) uma vez que “As relações são virtuais
mas as emoções são reais.” (ibid., p. 1) e “A cada instante do encontro, descobre-se no outro um outro eu-mesmo.” (ibid., pp. 1-
2). Segundo a autora, depois, a pessoa ficaria exposta a outras facetas da personalidade e, por fim, ou se
enriquece e pratica suas várias formas de ser ou passa a viver, cada vez mais freqüentemente, uma identidade
virtual. Fica descontrolada, compulsiva, apresentando a necessidade de entrar no bate-papo e viver um outro
papel. São casos extremos que levam a identificar o que se passa com os usuários de maneira mais genérica e
acredito que para isto, é necessário refletir a respeito da tecnologia que apoia o bate-papo on-line. Os comandos
necessários são poucos. O raciocínio que acompanha o uso do computador é análogo ao matemático, de causa e
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efeito, ou seja, é lógico e determinista. Há uma “intimidade” entre os processos de informação do sistema
nervoso humano e aqueles que se processam na máquina, extensão dele. Basta o resultado esperado de colocar
uma imagem, no vídeo não ser alcançado e já advém a frustração. Setzer escreve:

“Esse raciocínio abstrato-matemático é a fonte dos maiores problemas causados pelo computador.
Ele é alienado da realidade (daí a "abstração") e extremamente "quadrado". De fato, há
relativamente poucos comandos diferentes numa linguagem de programação ou em um software
qualquer. Se uma pessoa faz musculação 8 horas por dia, ficará musculosa. E um programador ou
usuário usando um computador, pensando bitoladamente durante 8 horas diárias?

Lógico que não desenvolverá os músculos da cabeça, mas esse pensamento bitolado imposto pelo
computador certamente vai influenciar sua maneira geral de pensar. Além disso, a frustração que ele
sente ao não conseguir um resultado esperado (lembremo-nos que tudo é exato) leva-o a esquecer
da vida, só sossegando na exaustão, ou se conseguir descobrir o erro de seu programa ou o maldito
comando ou parâmetro que estava faltando no uso de um software qualquer.” (1998, p. 1)

Para o adulto, tais desafios podem até ser vivenciados ludicamente e a brincadeira pode estar presente na
freqüência às salas de bate-papo, o que alerta apenas para o cuidado de não se infantilizar, porém é pior para as
crianças: ao fazer contas, corrigir erros de português, permitir as construções de palavras truncadas e deixar livre
as criações de múltiplas identidades, o computador interfere no desenvolvimento. A preocupação maior é que, a
exemplo das LER já diagnosticadas, os movimentos repetitivos levem a se fazer as mesmas ligações neuroniais
que tornem as crianças capazes de simbolizar, codificar e decodificar sem se ater às reflexões, especialmente a de
buscas de diferentes significados para um mesmo estímulo. Uma lesão cerebral localizada ou difusa é certamente
um diagnóstico muito mais difícil, porém, através de estudos neurológicos, pode-se pesquisar a existência ou não
de LER cerebrais que sustentariam momentos de automatismo humano com prevalência de ausências de
sentimentos. A maquinalidade humana tornou-se possível porque a velocidade instantânea da informação elétrica
encontrou receptividade nas fábricas, nos escritórios, nos meios de transportes, nas casas e nas próprias pessoas -
walkman, discman, telefone celular, calculadoras, agendas eletrônicas, laptop - colocando-as, sozinhas, diante das
máquinas computadorizadas capazes de controlar desde linhas de produções até orçamentos domésticos através
de acionamento de teclas cuja base, não se deve esquecer, é a da tecnologia de uma linguagem totalmente precisa.
A ordem do dia é teclar. Cercado pelas máquinas, a tendência é ser invadido por elas e a insensibilidade vai
tomando conta das relações sociais. O trabalho vai se deslocando dos escritórios para as casas, no entanto o que
pode parecer uma volta à família pode ser até mais desastroso do que o labor nas empresas, pois a presença física
no lar não é, necessariamente, a união uma vez que os vários aparelhos eletrônicos tendem a isolar as pessoas,
tornando mais visível a solidão de cada um como estado interior de abandono.
Mcluhan parece-me otimista:

“A era eletrônica, literalmente, é uma era de iluminação e esclarecimento.” (1998, p. 393)


“O próprio esforço do homem agora se torna uma espécie de esclarecimento.” (ibid., p. 394)
“De repente, os homens passaram a ser nômades à cata de conhecimentos - nômades como nunca,
informados como nunca, livres como nunca do especialismo fragmentário, mas envolvidos como
nunca no processo social total; com a eletricidade efetuamos a extensão do nosso sistema nervoso
central, globalmente, inter-relacionando instantaneamente toda a experiência humana.” (ibid., pp.
401-402).

Não compartilho de tal otimismo. O capital no comando do avanço tecnológico continua a inviabilizar a
individuação. A repetição se espalha na Internet incentivada pelas multinacionais que vão impondo a
padronização dos programas, das imagens e das formas de comunicação. O relacionamento com as máquinas
estão incentivando o narcisismo e avança o isolamento das relações pessoais. Teclar e teclar estão levando à
maquinalidade humana.

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3. Estandardização, Pseudo-Individuação e Glamour


Marcimedes Martins da Silva

3.1. Estandardização

A Internet é uma complexa rede de comunicações. Nela, grandes empresas se debatem tentando alcançar e
manter o domínio sobre os seus usuários. Máquinas, protocolos de comunicações e aplicativos que se
apresentam como distintos, de marcas diferentes, e que eram mesmo um tanto quanto originais, estão cada vez
mais padronizados. Para produzir um programa diferente seria necessário um esforço do usuário em entender,
por exemplo, uma linguagem de programação mais complexa, porém este é iludido pelas máscaras das linguagens
simples colocadas em substituição às linguagens complexas.
Os sistemas operacionais, básicos para acessar os dados disponíveis na rede, foram os primeiros a se transformar
e, com claro objetivo de facilitar a manipulação dos dados, avançaram do sistema DOS - Sistema Operacional de
Disco - para os sistemas de ícones, popularizando-os de vez com a invenção do sistema Windows, uma interface
gráfica do DOS. Este programa, como qualquer outro criado para computador, vai sendo constantemente
revisto para ser lançado no mercado consumidor em novas versões para as quais são indispensáveis os
conhecimentos a respeito de como funcionam a visão, a audição, a aprendizagem e a memória humanas para se
atingir o objetivo de obter o máximo de interação entre o usuário e a máquina. Entre as empresas, sabe-se que
ganha a batalha quem conseguir criar programas que exijam o mínimo esforço de raciocínio de quem os acessa
sendo importante a padronização dos próprios meios de criação e reprodução de sons, de vídeos, de transmissão
de dados e de informações. A tecnologia considera o usuário como mero consumidor que deve ter facilidade ao
acesso dos dados para que busque informações ou lazer por este meio no seu cotidiano como hábito ou, até
mesmo, como vício. Lembrando Adorno, posso dizer que o usuário é sujeito tratado como objeto: “O consumidor
não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto.”(1977a, p. 288). Os
sentidos, a aprendizagem e a memória humanas são considerados apenas para permitir que mais facilmente as
pessoas sejam manipuladas como objetos até mesmo em processos que, aparentemente, são criativos como o de
produzir páginas na Internet, jogos ou histórias em quadrinhos. A questão, como se vê, é o que se está fazendo
com a cultura humana, facilitando e impondo sua estandardização.
Adorno e Simpson, argumentando a respeito das diferenças entre música clássica e popular, escrevem:

“Padronização e não-padronização são os termos contrastantes fundamentais para estabelecer a


diferença.
A estandardização estrutural busca reações estandardizadas.” (1986, p. 120).

Para Adorno, já não é permitido criar no sentido belo e poético, ou seja, inspirado por algo ou por uma situação
sem que esta criação tenha por motivação o lucro. Tal motivação despe a criação de seu próprio conteúdo para
atender basicamente ao princípio de sua comercialização mesmo porque

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“A partir do momento em que essas mercadorias asseguram a vida de seus produtores no mercado,
elas já estão contaminadas por essa motivação.” (1977a, p. 288).

O lucro toma conta de qualquer mercadoria a ponto de não se distinguir a mercadoria que é resultante da
industrialização das produções do espírito. Ele afirma:

“As produções do espírito no estilo da indústria cultural não são mais também mercadorias, mas o
são integralmente. Esse deslocamento é tão grande que suscita fenômenos inteiramente novos.
Afinal, a indústria cultural não é mais obrigada a visar por toda parte aos interesses de lucro dos
quais partiu.” (ibid., p. 289).

Este “deslocamento” da mercadoria para as produções do espírito - nomeadas como mercadorias culturais por
Adorno - contamina estas com o lucro para logo despi-las. A motivação do lucro encobre a cultura, mas é a
própria cultura que acaba por ascender sobre si mesma na indústria cultural, ou seja, nas novas produções do
espírito não há novidades. A escolha é determinada pelas alternativas impostas de maneira que a livre escolha é
meramente um jogo do capital para atrair a participação do consumidor. A indústria cultural já pesquisou, antes
do lançamento do produto, a preferência de consumo. O autor, muitas vezes, produz sob encomenda da
indústria que lhe antecipa os ingredientes, aos quais ele deve adicionar o molho. Está tudo determinado,
padronizado e estandardizado.
Inegável é a padronização dos programas utilizados na Internet, no entanto a preocupação é descobrir como a
estandardização estrutural leva a reações estandardizadas. Adorno enfatiza, no caso da música, a imitação. E, nas
salas de bate-papo, além de atentar para as imitações, é preciso observar que a estandardização estrutural
cristaliza as formas de expressões, impondo-lhes limites através de menus construídos, ou seja, mesmo ausente a
imitação, está presente a estandardização.

3.2. Pseudo-individuação

O conceito de indivíduo só tem sentido quando refletido em conjunto com o de sociedade. Questioná-lo implica
em se pensar na formação ou na deformação do indivíduo que se opera socialmente. Assim, é no conjunto
humanidade - na imbricação de história e cultura - que o conceito de indivíduo adquire seu significado.
Horkheimer e Adorno escrevem:

“O indivíduo, num sentido amplo, é o contrário do ser natural, um ser que, certamente, se
emancipa e afasta das simples relações naturais, que está desde o princípio referido à sociedade, de
um modo específico, que, por isso mesmo, recolhe-se em seu próprio ser.” (1973, p. 53)

Reconhecida a importância da interação entre indivíduo e sociedade, não fica difícil compreender que o meio
ideal de individuação não é, certamente, aquele que se apresenta na atualidade. Aliás, hoje, a deformação supera a
formação a ponto da sociedade servir à reificação. Horkheimer e Adorno afirmam: “A sociedade que estimulou o
desenvolvimento do indivíduo, desenvolve-se agora, ela própria, afastando de si o indivíduo, a quem destronou.” (ibid.).
É claro que ainda permanecem condições de formação sem, contudo, conseguirem prevalecer uma vez que se
limitam a iniciativas restritas contrárias aos interesses capitalistas, os quais dominam as instituições e os meios de
comunicação, de maneira que só resta a ilusão do ser e não o ser, o indivíduo.
Adorno e Simpson alertam que “...precisa ser mantida a ilusão e, em certa medida, até a realidade de uma realização
individual.” (1986, p. 123) uma vez que estão camuflados, sob a forma de categorias ideológicas como gosto e
livre-escolha, os controles sobre as pessoas para que elas não resistam. Indivíduo combina com livre-escolha, no

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entanto a estandardização interfere entre eles, estabelecendo-se uma relação entre estandardização e pseudo-
individuação:

“Por pseudo-individuação entendemos o envolvimento da produção cultural de massa com a


auréola da livre-escolha ou do mercado aberto, na base da própria estandardização.” (ibid.).

Para esclarecer melhor o que é pseudo-individuação, é preciso reportar aos escritos de Adorno e Horkheimer
nos quais questionam o conceito de indivíduo e enfatizam a necessidade de compreendê-lo no jogo de força das
relações sociais:

“Foi sublinhado em numerosas oportunidades que a Sociologia, a ciência da sociedade, não pode
isolar-se das outras disciplinas, como a Psicologia, a História e a Economia, se quiser enunciar
proposições que se refiram, efetivamente, à totalidade das relações e forças sociais. Talvez seja
desnecessário acrescentar que não se pretende com isto meter a própria sociologia no confuso
conglomerado de todas as ciências possíveis e imagináveis. O que há de específico na sociologia
não são os seus objetos, que também estão presentes nessas outras ciências, mas a ênfase que dá
sobre o objeto, isto é, a relação entre todos esses objetos e as leis da socialização. Nessa ênfase está
incluído um conceito que, para a consciência ingênua e, se podemos dizê-lo, pré-sociológica,
apresenta-se como a antítese da socialização: o conceito de Indivíduo.” (1973, p. 45).

Eles não aceitam a definição de Boécio para quem o indivíduo é indivisível e unidade social fundamental e, sim,
o definem na participação e comunicação necessárias com os outros:

“Mesmo antes de ser indivíduo o homem é um dos semelhantes, relaciona-se com os outros antes
de se referir explicitamente ao eu; é um momento das relações em que vive, antes de poder chegar,
finalmente, à autodeterminação.” (ibid., p. 47).

Dois argumentos dos frankfurtianos provocam uma discussão e servem para analisar a Internet. Primeiro,
considerando suas críticas, de modo geral, à sociedade industrial e, em particular, à indústria cultural a questão é
que a estandardização combate a individuação a ponto de torná-la inviável no capitalismo: “Assim, a
estandardização da norma acresce, de um modo puramente técnico, a estandardização de seus próprios desvios: pseudo-
individuação.”(Adorno e Simpson, 1986, p. 124) O segundo é a afirmação a respeito da importância da precedência
da comunicação humana para a formação do indivíduo em um mundo de relacionamento. Diria que, certamente,
se deve revestir de nova conotação esta afirmativa porque, a cada dia, aumenta o questionamento a respeito de
que indivíduo há nesta sociedade de relações reconhecidamente classificadas de virtuais na rede de
computadores. Aprofundar o debate a respeito de pseudo-individuação parece ser possível a partir de estudos do
comportamento dos usuários da rede.
Adorno e Horkheimer escrevem: “Quanto menos são os indivíduos, tanto maior é o individualismo.” (1973, p. 53). Eles
situam seus argumentos na relação possível entre cidadão e Estado: “Só como cidadão de um bom Estado o indivíduo
consegue o seu direito.” (Hegel apud Adorno e Horkheimer, 1973, p.54). Os internautas não são apresentados pelos
próprios meios de comunicação como cidadãos de um Estado e a ilusão predominante é que são cidadãos do
mundo. Esta colocação abre um leque de indagações a respeito da pseudo-individuação na rede mundial de
computadores.

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3.3. Glamour

Estar na Internet é estar no mundo. Tal possibilidade parece prometer promoção à glória para o mais anônimo
entre os seres humanos. A publicidade dos produtos na indústria cultural já não se distingue da publicidade dos
próprios pseudo-indivíduos, os quais triunfam sem nada conquistar: da inter-relação entre estandardização e
pseudo-individuação surge o glamour. O glamour manifesta-se na forma com que pessoas e organizações tentam
chamar a atenção e quebrar a monotonia da estandardização. Adorno e Simpson afirmam: “O triunfo é, de fato, o
triunfo auto-estilizado do homem de negócios que anuncia que pretende oferecer o mesmo produto por um preço menor.” (1986, p.
127) e, no mesmo texto mais adiante, dizem: “Com certeza, o mundo do glamour é um show, semelhante às barracas de
tiro ao alvo nos parques de diversão...” (ibid.). Está no excesso de cores e movimentos que tenta impor uma
determinada produção pela onipotência, mas que culmina na vulgaridade da qual se queria fugir. O que era
criativo, estandardizou-se, vulgarizando-se, e passou a fomentar o glamour. As imagens coloridas e
estandardizadas aliaram-se a programas de animações para facilitar e favorecer o excesso de espetáculos na
Internet. Com certa freqüência, o espetáculo é a imagem do indivíduo fotografado, mostrado nas páginas
pessoais. O “agora vamos apresentar” pode ser promovido por qualquer usuário e mais de uma vez. Nunca a
ilusão de conquistar o mundo tornou-se tão próxima do ser humano comum como na promessa da globalização
através das Redes Interconectadas. No entanto, enquanto o espetáculo não exige um esforço maior, o sucesso
dele exige esforços de atualização, de conteúdo e de divulgação, ou seja, uma intensa atividade pessoal e técnica
ou o auxílio de um bom especialista: o webdesigner. Este é encarregado de quebrar a monotonia da
estandardização, porém como o que glamouriza é passível de ser copiado e se apresentar como novo, depois de
passar por algumas modificações, o glamour fomenta a estandardização e se vulgariza. Adorno afirma:

“Glamorizando, chamam a atenção. Mas os meios que são usados para superar o tédio da realidade
são ainda mais vulgares o que a própria realidade. Glamorizar torna-se uma atividade ainda mais
uniforme do que aquilo que se procura glamorizar.” (ibid.).

E o glamour, diz ele, busca também enganar porque está sempre ligado a alguma espécie de truque: onde se
manifesta, aplaude a si mesmo para obter aplausos dos outros. Sugere dependência e leva a um comportamento
infantil de estilizações e estereotipias. O termo aplicado às aparentes diferenças irradiadas na Internet nos
permitirá, no bate-papo, refletir sobre a mesmice com jeito de improvisação presente nas conversações.

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4. Definição do Problema, Objetivos, Hipóteses e


Método
Marcimedes Martins da Silva

4.1. Definição do problema

A Internet é um fenômeno do presente e, dada sua complexidade, tem atraído diferentes investigações das
mais diversas áreas do conhecimento. Impossível seria dar conta em um só estudo de toda complexidade que
apresenta e, sendo assim, esta pesquisa optou por privilegiar a reflexão a respeito da Internet como expressão da
indústria cultural com ênfase na relação indivíduo e tecnologia. As denúncias do mal proporcionado pela
indústria cultural têm que ser exaustivas pois a barbárie está por toda parte. A luta contra ela tem de ser travada
de forma a denunciá-la onde quer que se apresente na cultura, incluindo a educação, e de maneira a produzir um
momento de revolta, buscando formar alguém capaz de auto-reflexão. A resistência às padronizações e às
mesmices poderá aumentar caso as denúncias apontem caminhos viáveis para alimentar as produções originais e
criativas onde quer que possam ser realizadas.

4.2. Objetivo:
Analisar o conteúdo das conversas das salas de bate-papo para discutir a estandardização, a pseudo-individuação
e o glamour a fim de contribuir para a compreensão do desenvolvimento humano na relação indivíduo e
tecnologia.

4.3. Hipóteses:
Considerando a Internet como expressão da Indústria Cultural, pressupõe-se que:
4.3.1 - A estandardização, o glamour e a pseudo-individuação devem caracterizar as manifestações dos
freqüentadores das conversas das salas de bate-papo.
4.3.2 - Através dos programas de bate-papo, as Redes Interconectadas podem estar contribuindo para fomentar
a pseudo-individuação.
4.3.3 - As limitações do meio estandardizado e a reificação que vem caracterizando a sociedade hodierna criam
uma expectativa de que há predominância da imitação e que, dificilmente, ocorrem manifestações nas salas de
bate-papo que possam ser consideradas originais.

4.4. Método
4.4.1. Sujeitos
Os sujeitos, de ambos os sexos e de idades variadas, foram todos aqueles que entraram nas salas de bate-papo
pesquisadas durante o tempo de permanência, nelas, do pesquisador. O acesso à rede é indício de que a maior
parte dos sujeitos pertence a famílias com boa renda familiar.

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4.4.2. Material
O material utilizado foi um microcomputador com processador 486, multimídia, conectado a uma linha
telefônica, através de um modem, para acessar a Internet, e a uma impressora com cartuchos de jato de tinta. O
papel tamanho A4 foi usado para a impressão dos conteúdos dos bate-papos totalizando 140 páginas.

4.4.3. Procedimento
O método de investigação privilegiou o conteúdo dos bate-papos para entender a relação entre os usuários e a
Internet como expressão da indústria cultural.
A troca de frases, falas ou imagens entre usuários, dentro de programas que permitem transmiti-las no que se
convencionou chamar de tempo real, é o chamado bate-papo na Internet. Há diferentes programas: uns
permitem que as pessoas se falem, ouçam, sejam vistos e vejam outras pessoas. Outros que leiam o que está se
escrevendo no momento em que digita e outros que vão permitir a leitura após o texto ser digitado e, na
seqüência, ser dado um comando que o coloque na tela do vídeo. Estes últimos são os que forneceram o
conteúdo para essa análise.
Realizando uma pesquisa piloto, em 19 de fevereiro de 1998, foram visitados três dos principais servidores
brasileiros e em um deles havia uma divisão de páginas(adultos)/pagininhas(crianças), fórum por idade e sala de
bate-papo por idade. Observando uma das salas reservadas para a faixa etária até 10 anos, o conteúdo da
conversa não me pareceu, em um primeiro momento adequado à idade. De fato, não há garantia de que apenas
crianças até a idade de 10 anos participem da conversa uma vez que não há como se verificar a idade delas. Em
28 pagininhas, encontrei dados de crianças de 5 a 13 anos e não as escolhi para pesquisa porque parte delas já
indicava faixa etária acima daquela pretendida e outras já indicavam que foram elaboradas por outras pessoas,
uma delas até trazendo agradecimentos a uma colaboradora.
No dia 24 de fevereiro de 1998, novamente visitando um provedor, acessei fórum, sala de bate-papo e
pagininhas. Verifiquei que o fórum era um espaço que servia para a criança registrar sua opinião e aguardar uma
resposta futura através de correio eletrônico. Optei pelo estudo dos conteúdos de salas de bate-papo, sem
restrição de idade ou sexo, porque o uso de pseudônimos não permite a identificação dos usuários, porém,
diferente das páginas pessoais e do fórum, há uma conversa ocorrendo e que pode ser acompanhada no
momento em que aparece no vídeo, permitindo a este estudo em Psicologia Social mais questionamentos a
respeito das relações humanas na rede, do anonimato, das diferenças entre espaço físico e virtual, entre outros.
Não pretendia entrar na sala de bate-papo, porém a observação das conversações nas salas ficou limitada a um
trecho, o que não atendia aos objetivos da pesquisa. Assim, verifiquei a necessidade de entrar na sala, mas não
participei das conversas.
No dia 12 de outubro de 1998, às 15:10 horas, no momento em que 5.689 pessoas estavam nas salas, fiz novo
acesso. Os dados levantados nesta data foram que este servidor colocou à disposição dos usuários 20.275 lugares,
680 salas e cada sala de bate-papo para até 30 pessoas, sendo 10 assinantes e 20 visitantes. A escolha teve que ser
por um dos seguintes grupos de salas: idade, cidades e regiões, variados, encontros, tema livre, sexo, imagens
eróticas ou outras imagens. Depois de escolhido o grupo por idade, foi solicitado pelo programa que se fizesse a
opção por um dos subgrupos: até 10 anos, 10-15, 15-20, 20-30, 30-40, 40-50 ou mais de 50 anos. Neste dia, fiz a
opção pelo grupo até 10 anos e, novamente, uma outra escolha foi solicitada, desta vez entre 7 salas indicando o
número de pessoas que lá conversavam: piadas com 2, tema livre(1) com 5, tema livre(2) com 2, tema livre(3)
com 12, tema livre(4) com 20, tema livre(5) com 7 e Abril Jovem com 2 pessoas. A sala tema livre(4) para
crianças até 10 anos foi escolhida entre as cinco por uma criança de 12 anos que me acompanhava durante a
conexão. Estando lotada para não assinantes (condição do pesquisador), então ela escolheu a sala tema livre(3).
Indagada a respeito do motivo das escolhas, a criança respondeu que eram as salas com mais pessoas
conversando. Permaneci na sala por apenas 15 minutos, acompanhando as conversas que foram impressas. Esta
experiência somou-se a outras realizadas anteriormente e, a partir delas, imprimi o conteúdo de seis horas de
bate-papo no dia 20 de dezembro de 1998, sendo duas horas de conversa em sala com tema livre para crianças
até 10 anos, duas horas em uma sala com o tema Bíblia e uma sala tema livre onde não havia indicação de idade.
No dia 26 de dezembro de 1998, pretendia imprimir o conteúdo de mais duas horas na sala “No escurinho II,
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suíte virtual(3) mas, depois de 35 minutos, encerraram minha conexão. É todo o material imprimido, acrescido
das experiências de acesso à rede, que está servindo para as reflexões das páginas seguintes. O objetivo de ter
todo material impresso foi garantir uma análise mais detalhada.
O local onde a pesquisa se realizou foi na sala da minha casa porém, mais precisamente, ela se desenvolveu no
ciberespaço ou espaço cibernético. Para o leitor entender o que é ciberespaço, um mundo eletrônico virtual,
tomamos por base o texto de Radfahrer (1997) para escrever o que se segue, ao qual se deve acrescentar
imaginação:

Pessoa A
Observador

Pessoa B
Figura I

Observador
B
Figura II

B
Observador

Figura III

Um observador está conversando com duas outras pessoas que estão um pouco afastadas dele. Neste momento,
ele tem facilidade para calcular a distância entre elas e qual a sua distância para cada uma. (Figura I). Mas como
permanece parado enquanto as outras duas pessoas se afastam, logo observa que a distância entre elas parece
diminuir e se torna difícil calcular a diferença entre a sua distância para uma e para outra pessoa. (Figura II). Os
cálculos vão ficando cada vez mais difíceis em conseqüência de não se conseguir diferenciar as duas pessoas ou a
distância entre o observador e cada uma delas. A situação limite é de que a distância entre o observador e cada
uma das pessoas parece ser a mesma de forma que fica a impressão que elas ocupam o mesmo lugar no espaço
ao mesmo tempo (Figura III) como se ignorassem a lei de Newton. O ciberespaço é assim: apertado um botão se
navega para o mesmo espaço só que em um local diferente porque as dimensões físicas não importam mais. O
esforço é o mesmo para conversar com alguém dentro de casa ou em qualquer outro lugar do mundo. É
evidente que não se trata de transportar pessoas, mas de se criar uma convivência entre elas através da
comunicação. O ciberespaço é este espaço proporcionado por meios tecnológicos.
Neste ciberespaço, o tempo não conta porque ao ir de um endereço para outro, as fronteiras entre cidades,
estados e países são rompidas em segundos e o dia e a noite deixam de existir para dar lugar a um tempo único
que é o do conhecimento, da informação, do jogo interativo, do debate, ou seja, o tempo da navegação.
As considerações de Adorno conduziram a análise da Internet como expressão da indústria cultural e, assim,
foram privilegiados os aspectos ligados à estandardização, à pseudo-individuação e ao glamour. Também foram
enfatizados os aspectos apontados por Mcluhan a respeito dos meios de comunicação como extensões humanas.

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5. Análise e Discussão dos Dados


Marcimedes Martins da Silva

5.1. As salas de bate-papo

Em uma das salas observadas, destacou-se o pseudônimo ZEN MACHINE. Mesmo assim, em 120 minutos,
nela circularam 62 alcunhas enquanto nas outras os números foram 109 e 115, números que podem até ser um
pouco maiores porque, caso mais de uma pessoa tenha usado o mesmo apelido durante o tempo de observação,
este foi contado apenas uma vez. Tais números precisam ser associados a outros dados para se ter uma idéia da
dificuldade de comunicação nas salas. Em uma das salas, das 1.530 manifestações durante as duas horas, 568
eram perguntas, 294 delas se referindo a início de contato com pequenas variações da frase mais típica “quer
tc?”. Ocorreram 261 eventos “entra/sai da sala” e mais algumas publicidades, de maneira que sobrou pouca
“conversa”. Em outra sala, com circulação menor - 66 “entra/sai da sala ”, em duas horas, ZEN MACHINE
dominou 1/3 das conversações, trocando idéias com 14 interlocutores diferentes e foi, entre as três salas, a única
onde a conversa predominou, ainda que monopolizada. Algumas manifestações foram feitas na forma de apelos
publicitários e outras se limitaram a frases repetidas. Na terceira sala, a frase “O DON JUAN É GAY!
ASSUMIDO!!!” foi repetida 21 vezes, outras frases também foram repetidas, 18 apelos publicitários foram
digitados, ocorreram 43 convites para iniciar conversa e foram contados 193 “entra/sai da sala”, totalizando 504
manifestações, em duas horas.

Os números, aliados a outras observações, mostram que a metade do tempo nas salas de bate-papo pouco tem a
ver com “papo” ou, então, impera um papo monopolizado e, pode ser, que tais fatos estimularam a criação de
salas para troca de imagens. De qualquer maneira, o conteúdo das conversas, conforme os exemplos a seguir que
mantêm os erros de português, manifestam algumas preocupações básicas:

a) convite e vontade para conversar:

(13:40:30) Lipe fala para t@ti: VAMOS CONVERSAR COMO LIPE OK?

(14:01:36) .Don huan grita com TODOS: pocha !!! ninguem quer tc

(14:41:35) dandan sorri para TODOS: ONDE ESTAO AS =^..^= DESTA SALA?

b) preocupação em localizar a si mesmo ou o outro no espaço geográfico, com intenção, às vezes,


explícita de que o outro se localize em local próximo de quem pergunta:

(20:14:03) Bassa’: Tem alguém de Suzano ou perto?

(20:23:48) keila/SP: Poxa, alguém tc das proximidades de santana?

(20:52:16) PRETTY WOMAN fala para NEGUTA: d sp,evc?

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(2l:04:28) renatinha pergunta para TODOS: Ana Maria, vc é da penha em SP?

(21:15:15) RICARDO fala para Ana Maria: onde voce mora

(21:24:28) PADRE MARCELO: MARCELO, DE ONDE TC???????

(21:40:46) João fala para Ana Maria: Sou de SC, gostaria de conversar comigo,
qualquer tema...

c) descoberta da idade, que apareceu mais freqüentemente na sala que tinha como pré-escolha a
divisão por idade:

(21:11:18) PETER PAN fala para Dany/Jú: QUAL A IDADE DE VOCÊS?

(13:29:59) Bocafedendo grita com yju: Não me chame de pirralha eu tenho + de


10.+ não é 11 é + ainda, QTOS ANOS VC TEM??????

(13:40:31) yju grita com Bocafedendo: e outra coisa, eu duvido que vc tenha 13
anos...

(14:15:05) B@tm@m flerta com Mary: 12 anos

d) determinação do sexo:

(21:09:12) RICARDO fala para Judy: VOCE E MULHER OU HOMEM

(13:41:57) g@t@/99 fala para zap girl: zap girl voce é do sexo f ou m?

(13:44:53) Melanie fala para #Lipe#: VC SABE QUE EU SOU MENINA

e) descrição da aparência física:

(13:46:08) t@ti fala para Lipe: sou loira, olhos castanhos, bronzeada

(13:47:14) Lipe fala para t@ti: sou morearo, olhos castanhos escuros adoro
esportes, e vc?

(13:59:20) yju grita com Bocafedendo: tenho 1,72, sou loiro e olhos castanhos
(sou musculoso)

(14:07:35) g@t@/99 fala para Boy: eu sou loira baixa magra tenho olhos castanhos
e cabelos castanhos. e voce??

f) ofensas:

(14:22:56) NICK fala para *patricinha* : Ve se não enche e vai tomar

(13:46:35) g@t@/99 fala para Camila: camila voce é muito idiota

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(14:26:50) links grita com NICK: vc é um gay seu idiota

g) gostos pessoais:

(13:47:51) yju grita com Bocafedendo: não, eu curto nirvana

(14:11:11) ALINE - Sp- sorri para Pink Floyd: QUE VC GOSTA DE FAZER?

(14:25:03) ALINE - Sp- fala para Pink Floyd: VC TEM ANIMAL DE ISTEMAÇÃO

(14:26:09) Pink Floyd fala para ALINE - Sp- : vários...duas gatas um papagaio
duas tartarugase vc?

h) vontade de conversar em outra sala ou através de outro programa:

(14:09:30) JULLY fala para yju: vAMOS P/ A SALA DE 10 A 15?

(14:20:55) Pink Floyd fala para ALINE: -Sp- : Tem ICQ???

ALINE - Sp- fala para Pink Floyd: VAMOS IR P/ A ULTÍMA SALA DO TEMA
LIVRE??????

(14:11:00) limdenberg fala para Nar@: primeiro, vc sai desta sala, depois
naquele quadro que vc entrou e clicou por idade, clique em encontro,
depois entre em qualquer suite vazia ou me procure pelo nome
entendeu. ate já.

i) gentilezas:

(20:47:29) Lara Croft fala reservadamente com TODOS:

_______oo________________________oo____________________
_______oo~~^~^~^~^^^~~^^^~^~^~^~~oo____________________
________oo______________________oo_____________________
_________oo____________________oo______________________
__________oo______.___________oo_______________________
___________oo______.___._____oo________________________
____________oo___.______._._oo____________UM___________
_______________oo__.__._._oo___________________________
__________________ooo ooo________________BRINDE________
____________________ooo________________________________
____________________ooo____________________A___________
____________________ooo________________________________
____________________ooo___________________VOCÊ_________
____________________ooo________________________________
__________________ooooooo______________________________

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5.2. As mercadorias culturais

As observações realizadas indicaram que a estandardização se apresenta anterior ao conteúdo das conversas.

A estandardização antecipa-se a elas, estando presente no menu da sala de bate-papo que restringe a forma de
um participante se dirigir a outro. Em um servidor da rede, o usuário é obrigado a escolher uma das doze
expressões seguintes: “fala para”, “surpreende-se com”, “murmura para”, “sorri para”, “suspira por”, “flerta com”,
“entusiasma-se com”, “ri de”, “dá um fora em”, “briga com”, “grita com” e “xinga.” Duas delas são acrescidas de imagens: “sorri
para” e “flerta com” . A estandardização também se apresenta nas fontes e tamanhos das letras e na
colocação do horário antes dos apelidos.

Observando o conteúdo dos bate-papos, a estandardização parece ser incentivada pelas convenções que
fragmentam as palavras e tempos verbais. Você é vc, cadê é kd, homem ou mulher é H OU M e “tecla, teclar”
precisam ser entendidos apenas utilizando-se duas consoantes que os compõem: tc ou, mesmo, abreviações de
letras que não os compõem: tç. Há momentos em que a produção em série das mesmas frases por pessoas
diferentes ou por uma só pessoa lembra exatamente a produção industrial, de maneira que os conteúdos dos
bate-papos assemelham-se à leitura de sucessão de um mesmo rótulo como nas fábricas:

(20:25:19) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:20) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:21) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:21) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:22) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:22) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:23) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:23) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:24) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:25) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:25) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:26) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:26) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:27) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:28) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:28) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:29) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:30) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

(20:25:30) VIVÍ grita com TODOS: O DON JUAN É GAY! ASSUMIDO!!!!

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E, mais explicitamente, a estandardização está presente na publicidade que se veicula como papo:

(20:04:49) Kybord grita com TODOS: Você quer baixar o LINUX e mais um Monte de
PROGRAMAS para ele??? Quer Mailbombers, Nukadores, X-ploits para
ICQ?? Temos mais de 1000 MP3!!!Netbus, Back Orifice, Bodetc, Anti-
Netbus, Source Codes in C, TxT Zone, ViRii, e muito mais!!!!Site
atualizado NESTE DOMINGO!!! http://members.xoom.com/cyberlair

As letras variam entre minúsculas e maiúsculas, em negrito ou não, enquanto que o conteúdo se repete ao
simples toque de uma tecla, similar a uma linha de produção industrial. A propaganda invadiu o bate-papo e os
interesses capitalistas estão tão diretamente envolvidos que o deslocamento das produções do espírito para as
mercadorias chegou ao ponto de que o lucro foi dispensado. O sujeito, ao se colocar como extensão = frase
publicitária, é ele mesmo mercadoria cultural estandardizada e rotulada pelo seu cognome. Ele não percebe, ainda
que se denuncie abertamente quando se coloca como uma publicidade, que está reduzido a forma padronizada
do seu papo ou da sua página pessoal que, aliás, muitas vezes, de pessoal não tem nada pois a organização pode
ter sido realizada por um webdesigner sendo o restante desenhos e programas de outras pessoas quando não são
conexões para outras páginas. Está reificado.

Um dos recursos do bate-papo é permitir o envio de imagens, mas com uma condição: elas têm que ser buscadas
em endereços da rede. Assim, ocorre que imagens estandardizadas se repetem como e procurando
representar uma expressão corporal individual e provocar ou aumentar a atração pessoal. O que está
industrializado é repetido como sendo expressão original. O corpo biológico é representado pela imagem de um
dos órgãos dos sentidos, fragmento publicitário que deve servir à simpatia ou ao flerte.

A espontaneidade é impedida ou, pelo menos, dificultada pelos menus das salas de bate-papo e pelas alternativas
que se restringem às imagens veiculadas na rede, as quais, ainda que sejam milhões, também são reproduzidas em
grandes quantidades. As mercadorias culturais são escritos e imagens voláteis, produções do espírito a que foi
reduzido o indivíduo. A reflexão continua impossibilitada pela técnica que faz os papéis superficiais de
personagens tomarem conta do papel do indivíduo, e a alienação deixa pouca ou nenhuma margem para a
percepção de que não se está sendo tratado como pessoa.

A tentativa de fazer a conversa escapar à mesmice imposta pela padronização apareceu nas manifestações de ZEN
MACHINE. Ele se colocou como cético em relação ao cristianismo e procurou despertar a crítica em outros
participantes:

(22:43:16) ZEN MACHINE fala para Raissa: e vc acredita em tudo que vê na


televisão? não tem senso crítico? já pensou com sua própria cabeça?
não existe uma única evidência de q cristo tenha existido... por que
acreditar nessa estória fantasiosa?

A estandardização estrutural que é qualidade inerente às opções do menu e que chega a contaminar expressões
individuais não serve para explicar as opiniões de ZEN MACHINE. O fio condutor para explicá-las à luz da
indústria cultural tem de ser outro, o qual é o sucesso garantido de se adotar um padrão, um tipo “original” em
uma situação na qual este é garantia de sucesso: quando se trata de discutir a Bíblia, o discurso de ceticismo em
Cristo é a garantia de receber a atenção dos demais. ZEN MACHINE, aproveita-se de uma estandardização – as
salas temáticas – para mostrar-se como um “desvio” em relação aos demais que seguem as normas. No entanto,
ele mesmo pode ser compreendido dentro de uma norma - quem se manifesta em campo inimigo, é combatido -
além de que assume seus argumentos sob pseudônimo o que, por si só, já o distancia dos outros.

As salas de bate-papo mostram como as pessoas continuam a disseminar o impulso de destruição, estando
despreparadas para a autodeterminação.

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5.3. O anonimato e a pseudo-individuação

A pseudo-individuação é anterior ao “entrar” na sala uma vez que as teclas apenas possibilitam a entrada de
palavras ou imagens que representam alguém. O corpo biológico não entra e o que vai para a tela são as
extensões dos dedos e dos olhos, o que de qualquer maneira são extensões fragmentárias do corpo e, pior ainda,
são fragmentos anônimos. Ao permitir o anonimato, a Internet fez com que cada usuário pudesse permanecer
incógnito e também inviolável. É importante lembrar que o anonimato consolidou-se na sociedade como forma
auxiliar de tratamento de viciados em álcool e em drogas ou como tratamento de neuróticos e introspectivos. O
anonimato parece ter sido a forma de evitar que o viciado tenha que assumir seu vício diante de toda a sociedade
ao mesmo tempo que facilita o tratamento porque permite a identificação e a solidariedade entre aqueles que têm
o mesmo problema. A Internet, mal havia se iniciado, e já fora acusada de levar ao vício, não demorando para
surgir os Netaholics Anonymous. Não consegui descobrir porque não se optou pela identificação das pessoas no
bate-papo, no entanto, provavelmente em nome da liberdade para os internautas ou por causa das dificuldades
que um controle de identificação acarretaria, consolidou-se o anonimato. Ele pode ter facilitado a liberdade de
manifestação dos impulsos e desejos incontidos, os quais tendem a servir para o autoconhecimento de quem os
manifesta, porém, sem levar à intimidade, a qual só é possível através do conhecimento, da revelação, do
desvelamento e da possibilidade de permitir, além da troca de idéias, também toques físicos e, por fim, a
penetração ou violação. Ocorre que o anonimato é encoberto com cognomes, máscaras que, ao serem
descobertas, podem ser abandonadas e trocadas, deixando o outro diante do desconhecido. São produções do
espírito e, portanto, estão orientados pelo princípio da comercialização tal como as mercadorias culturais o que
influencia na escolha dos pseudônimos com significado de hardware – ZEN MACHINE, Kybord – ou de
software – ICQ99a. Sob um cognome podem se esconder até mesmo mais de uma pessoa tanto quanto esta
pode se passar por mais de uma utilizando pseudônimos sugestivos como:

(20:26:17) lalau e caca: sai da sala...

Costa (1999) informa que, sob um cognome pode estar um programa que simula um usuário, o qual é usado
principalmente para tomar conta do bate-papo ou, ainda, Balieiro (1999) convida o leitor para um papo
com um robô, o qual está programado para insinuar, nas conversas, propagandas subliminares de aparelhos
eletroeletrônicos. O anonimato no bate-papo, quando muito, é o ponto de partida para uma relação que, até
chegar à intimidade, requer maior conhecimento possível através do próprio ciberespaço com a troca de fotos,
mensagens, imagens e conversas em aparelhos multimídias e que, dificilmente, prescinde o encontro corpo a
corpo.

A dificuldade para um papo íntimo evidenciou-se pela circulação intensa na tela dos apelidos seguidos das frases
“entra na sala” e “sai da sala”. Basta citar que no dia 26 de dezembro de 1998, durante 35 minutos, uma sala de
nome “No escurinho II, suíte virtual(3)” teve entradas e saídas seqüenciais com apenas duas manifestações
pedindo alguém para tc, as quais não obtiveram respostas. Uma das limitações dos programas de bate-papo é que
atualiza a lista com os pseudônimos somente depois que o interessado em teclar envia sua mensagem. Desta
forma, é comum não constar na lista todos os que estão presentes enquanto que constam os pseudônimos de
quem já saiu. Por isto, muitos convites para teclar não são respondidos. A intensa circulação, o anonimato e o
distanciamento físico configuraram, porém, que as salas de bate-papo podem ser apropriadas ao exercício da
liberdade e, consequentemente, ser promotoras da realização individual. No entanto, a maior parte das conversas
não passam de perguntas sobre idades, aparências físicas, localizações geográficas e que, quando muito,
aprofundam-se em falas reservadas, raramente levando à intimidade. Há exceções como a de ZEN MACHINE
que foi capaz de expressar todo seu ceticismo em Deus em uma sala que se propunha a discutir a Bíblia e o que
conseguiu, com suas manifestações, foi ser massacrado:

(22:54:48) k@leb fala para ZEN MACHINE: Acho que você esta na sala errada. Já
que não acredita em nada do que é falado aqui não acha que esta
perdendo seu tempo ou esta querendo polemica??????

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(23:18:34) ZEN MACHINE fala para Raissa: estou lendo e respondendo a todos...
desculpe o atraso... mas falo com uns 10 ao mesmo tempo...

Fato é que o distanciamento físico entre ZEN MACHINE e os outros impediu um desfecho, no qual um dos
lados, ao capitular, mostrasse tal condição ao outro. A estandardização das máquinas e dos programas, a distância
e o anonimato restringem as escolhas através dos menus pré-fabricados, deixando margem a alguma realização
individual através das falas reservadas ou das manifestações como a de ZEN MACHINE para, assim, incentivar o
consumo.

ZEN MACHINE pôde se sair melhor do que os outros porque se opôs a eles. Ao assumir uma manifestação
diferente e, muitas vezes, de transgressão, quem o faz está presumindo que obterá, pelo menos, o sucesso de ser
notado. Foi assim com ZEN MACHINE e, em outra sala até 10 anos, com EU@ escrevendo:

(14:53:25) EU@ grita com TODOS: OLA CRIANÇAS SOU UMA MENINA DE 20 ANOS

(14:53:45) EU@ grita com TODOS: QUERO INVANDIR A SALA DOS PIVETES

EU@ não conseguiu monopolizar as atenções como ZEN MACHINE, mas incomodou, pelo menos, a G@T@
MI$TERIOS@:

(15:00:22) G@T@ MI$TERIOS@ grita com EU@: VC É RIDÍCULA!!!! ESTÁ GASTANDO SEU
DINHEIRO E SEU TEMPO NUMA SALA DE CRIANÇAS ATÉ 10 ANOS.

Confinados dentro de um programa estandardizado, tanto ZEN MACHINE, EU@, G@T@ MI$TERIOSA ou
qualquer outro pseudônimo que se escolher não passam de pseudo-indivíduos impotentes diante dos outros que
estão escondidos na distância, no anonimato e nas palavras duvidosas. Adorno e Simpson(1986) alertam: “Essa
pseudo-individuação é prescrita pela estandardização da estrutura.”(p. 123) Tudo contribui para ela. A estrutura que divide
as salas em temas visa reunir em comunidades um público com interesses comuns a fim de atrair a publicidade
certa para determinado grupo e, conseqüentemente, vender mercadorias e serviços. Trata-se o próprio grupo
como mercadoria a fim de reuni-lo e fazer dele um consumidor em potencial. Substituídos por imagens, por
pseudônimos, estão todos coisificados, estando ausentes, de fato, as relações pessoais. A relação unilateral não é
sequer relação no sentido de que o desejo conhecido é o de quem se apresenta e não o do outro que, por
permanecer encoberto, também esconde seu desejo. No entanto, há algo que atrai para o bate-papo que tanto
pode ser a ilusão do encontro como a fuga da realidade. Há milhares de “voluntários” para satisfazer quem quer
teclar e que podem ser chamados ou desligados através das teclas, no entanto eles também podem já não estar
mais disponíveis quando são convidados ou podem não responder e tornar a solidão diante da máquina ainda
mais dolorosa. Haja vista que, independente da vontade de quem está teclando, alguns provedores expulsam das
salas quem estiver falando mal da sua prestação de serviços.1

O que resta como realização individual é buscar o sucesso, promovendo-se de alguma maneira pelo pseudônimo,
pela transgressão, pela repetição ou pela publicidade, fazendo-se a si mesmo mercadoria cultural.

Nas salas de bate-papo, a mercadoria cultural é o próprio sujeito que busca a autopromoção sem que se perceba
usado pelas grandes corporações que estão obtendo o lucro pela comercialização do tempo em que ele
permanece no papo. A freqüência cotidiana é contada como produção industrial com a diferença de que, agora,
os números não refletem a passividade dos espectadores da TV e, sim, mostram o número de alcunhas que se
envolvem todas ao mesmo tempo em uma dinâmica de grupo e que contribuem com a indústria cultural
redigindo escritos descartáveis e, pior ainda, com erros de grafias e fragmentos de linguagem. As pessoas foram
reduzidas a pseudônimos, estes se movimentando a velocidades-luzes, todos querendo brilhar sem perceber que
o sistema capitalista investiu neles e incentivou as suas produções de espírito, utilizando-se destas para
transformá-los também em suas próprias produções, meras mercadorias culturais que podem bater um papo

1
Censura nos chats. Internet.br, Rio de Janeiro, Ediouro, ano 3, n. 34, março 1999, p. 20.
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controlado por programas computadorizados, matematicamente precisos a ponto de poderem expulsar qualquer
um da conversa desde que sejam programados.

As padronizações e as repetições aliadas ao anonimato incentivam as múltiplas facetas. Pode-se nascer a cada
momento, virtualmente, sem ter uma história, o que é ser sem ter localização no tempo e no espaço e, portanto,
jamais ser indivíduo. Com os programas de computador, pode-se ir criando as diferentes versões de si mesmo
através de diversos pseudônimos, vários endereços eletrônicos e variadas páginas pessoais. Não deixa de ser um
exercício criativo, porém perigoso, tendendo a reforçar a esquizofrenia e o ser humano como descartável. O
sentimento de estar junto com outras pessoas dilui-se diante de uma pergunta não respondida que pode fazer a
mudança de pseudônimo ou de sala ocorrer; diante de uma saída inesperada do outro que pode ser entendida
como desprezo; diante de uma conexão encerrada por uma queda de energia que pode dar margem a outra
interpretação ou diante da alteração do outro, que mais poderoso do que camaleão, pode ir mudando não só de
raça e de cor como também de idade, de sexo e outros atributos de identidade e de personalidade, podendo até
passar, em minutos, de carinhoso a grosseiro. De repente, mais do que a identidade são os fatos, os quais
pareciam tão reais, que se mostram adulterados. No ciberespaço, fatos e pessoas tornaram-se espetáculos
descartáveis em alta velocidade tais como as máquinas que parecem tão rápidas e, não demoram muito, são
consideradas obsoletas. Há várias maneiras de se deixar levar pelo espetáculo de si mesmo. Uma delas é usar
vários pseudônimos e simular diferentes entradas na sala até perceber qual dos apelidos fez sucesso para, então,
assumi-lo. Pode-se até mesmo permanecer na sala com mais de um apelido e fazer os outros assistirem um
diálogo que é, na realidade, um monólogo. Entre os vários espetáculos, um ficou destacado tipicamente como
sendo o de si mesmo:

(23:15:49) ELDER/SP grita com TODOS: TEM ALGUMA QUERENDO TECLAR? SOU BOBÃO E USO
ÓCULOS FUNDOS DE GARRAFA, NINGUEM GOSTA DE MIM!!!!!!

(23:16:33) ELDER/SP grita com TODOS: VCS NÃO TEM DÓ DE MIM?

ELDER/SP, manifestando suas inseguranças - bobo, míope, coitado - consegue receber a atenção da Gr@ç@:

(23:16:51) Gr@ç@ fala para ELDER/SP: Oi

E eles trocarão algumas frases até Gr@ç@ sair da sala às 23:37:15, ou seja, ELDER/SP conseguiu um pouco de
atenção por cerca de 20 minutos, a qual não foi exclusiva pois Gr@ç@ também teclou com ZEN MACHINE.

Depois de ofender a si mesmo, foi pouco o que ELDER/SP conseguiu. No entanto, pode ter obtido mais do que
conseguiria em uma relação face a face e, mais ainda, depois do “Oi” da Gr@ç@, ele conseguiu trocar frases com
mais dois usuários. Tais observações indicam que o bate-papo serviu para facilitar novos relacionamentos e
realizar mais desejos. Mas, ao desligar a máquina, não aumentaram também as frustrações? É que faltou muito do
outro: o aspecto físico, os gestos, o tom de voz, o verdadeiro nome, a incerteza de encontrá-lo novamente, etc.
O mundo que ampliou os desejos é o mesmo que ampliou as frustrações.

Uma outra maneira de analisar os dados, é imaginar a sala de bate-papo como um grande tabuleiro de jogos.
Nele, estão personagens: Peter Pan, Brother, filhinho do Rei, Dorminhoco, Vampirinh@,
entre outros. Neste jogo, cada um faz a jogada que quer sem se importar com o outro pois está intocável e
invisível. Como é uma produção do espírito - um personagem - que participa do jogo, não há problema em
entrar, escrever o que quiser e sair. Esta liberdade de poder revelar tudo ao outro, sob o anonimato, pode ser
entendida como a de dispor mais da própria intimidade. Porém, máscara e intimidade são incompatíveis.
Quisesse, de fato, estabelecer uma relação pessoal e íntima, as pessoas não se esconderiam sob o anonimato. E,
na rede, já se consolidou tanto o pseudônimo que mesmo quem usa o nome verdadeiro acaba por fazer os
outros duvidarem de que está agindo assim, além de que é possível brincar de ser si mesmo. Ao adotar um
apelido, elas estão assumindo que querem divertir-se, ou seja, querem fazer o duplo papel: o do usuário que se
diverte e o do objeto que serve à diversão dos outros, sem perceber que, de qualquer maneira são, o tempo todo,
objetos de uma indústria implacável. Estão, ao mesmo tempo, distraindo-se, porque estão na hora do lazer, e
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sendo objetos de distração dos outros, porque não conseguem escapar das relações de produção que
contaminaram as atividades humanas.

Os diferentes pseudônimos são os produtos renováveis e é da novidade que a indústria cultural se alimenta. Na
realidade, como muitos pseudônimos se repetem e muitos deles são reproduções da mídia, raramente é novidade
o que se apresenta. Entre os apelidos, facilmente distinguem-se os sucessos de 1998/1999: Tiazinha, estrela do
programa H da Rede Bandeirantes; Padre Marcelo, sucesso da mídia com milhões de discos vendidos; I. U. do
Reino de Deus, igreja que teve um crescimento recorde do número de fiéis nos últimos anos; Lara Croft, a
heroína do jogo Tomb Raider; entre outros. No entanto, é justamente este jogo entre o que é conhecido e o que
aparenta ser novidade que mantém a tensão e a atenção necessárias para o sucesso do bate-papo.

5.4. O ganhador é ... o glamour

Quando alguém escolhe um pseudônimo e “entra” na sala de bate-papo, aparece no seu e nos monitores de
todos que “estão” na mesma sala uma frase como a do exemplo abaixo:

(22:36:36) Carlos : entra na sala....

O que significa que, após os parênteses, onde consta o horário , segue-se o apelido escolhido pelo usuário e,
depois, a frase padronizada “entra na sala...”, sendo que na saída a situação altera-se para a frase “sai da sala ...”
Acusando a entrada, o programa possibilita que quem chega convide outro para o bate-papo ou seja
incentivado pelos outros a participar através de um convite para teclar :

(14:13:02) m@r: algum gato quer tc ?

O uso de apelidos, preservando o anonimato, permite que qualquer usuário faça entrar e sair da sala quantos
pseudônimos quiser como se fosse, a cada vez, uma pessoa diferente. Por outro lado, um mesmo usuário pode
manipular seu pseudônimo digitando “entra na sala ...” ou “ sai da sala...”, nela permanecendo, dissimulando sua
saída para ficar observando ou confundindo e chamando a atenção de quem está na sala. No monitor aparece:

(15:06:57) NATY : sai da sala.....

(15:06:58) NATY : sai da sala......

(15:06:59) NATY : sai da sala.....

A saída ou entrada repetidas vezes não deixa de ser uma estratégia que chama a atenção e glamouriza quem a faz
pelo excesso de movimento. A própria escolha da alcunha não deixa de ser oportuna para o glamour. Vejamos
alguns exemplos: MAN IN BLACK, 100sacional, GOSTOSO, sunguinha, PINK FLOYD, BOY DA
MANCHA, UNISEXO, um=^¨^=nasala, *patricinha* , DEUSA, SEXY GIRL. O glamour se
apresenta nas letras maiúsculas, nos símbolos e excesso destes e, é claro, está ligado ao truque de se esconder sob
pseudônimos que por si só já anunciam a falsa identidade. No entanto, como todo este show, chamando a
atenção para si, pode ser insuficiente diante dos muitos participantes - os programas admitem de 25 a 30 por sala
- então podem ser necessárias outras estratégias:

(20:14:26) Beto sorri para todos

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(20:16:09) Beto sorri para todos

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(20:47:29) Lara Croft fala reservadamente com TODOS:

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e ela repete mais seis vezes o mesmo desenho.

(21:21:10) Eusoueu!!! flerta com todos:

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As gentilezas do brinde e dos sorrisos, ou mesmo um desenho impróprio para iniciar um relacionamento
amigável como no caso do revólver do Eusoueu!!!, são maneiras de aparecer diante dos outros e tentar o
sucesso, representados por imagens que denunciam a reificação glamourosa dos usuários.

É também o glamour que se manifesta através dos apelos publicitários para que se visite as páginas pessoais:

(20:04:49) Kybord grita com TODOS: Você quer baixar o LINUX e mais um Monte de
PROGRAMAS para ele??? Quer Mailbombers, Nukadores, X-ploits para
ICQ?? Temos mais de 1000 MP3!!!Netbus, Back Orifice, Bodetc, Anti-
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(20:08:19) ICQ99a e mais! grita com TODOS: Download do PhotoShop5, Internet


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As propagandas denunciam a impessoalidade do bate-papo e, ao mesmo tempo, como os interesses capitalistas


não se ausentam das relações estabelecidas na rede. Destaca-se, ainda, que tanto ICQ99A quanto Kybord
escolheram “grita com TODOS” para seus anúncios e a opção negrito, ou seja, querem mesmo aparecer. Em

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casos extremos, a publicidade da página é repetida exaustivamente. Mas não são só propagandas que se repetem.
Sexy boy chegou a repetir 65 vezes, em negrito, o seguinte:

(15:27:21) Sexy boy grita com TODOS: alguma garota quer bater um papo com um
gato de 9 anos?

O glamour precisa de público e ZEN MACHINE manifesta isso:

(22:58:40) ZEN MACHINE fala para Courtney Love: já li o bastante sobre religiões
para saber que todas são furadas... baseiam-se no medo, na
ignorância e na pressão social... pode sair do reservado, por favor?
é falta de educação ficar falando escondido dos outros...

(23:03:39) ZEN MACHINE fala para Courtney Love: desculpe, mas não vou mais
responder aos seus comentários... não gosto de falar no reservado e
já lhe pedi várias vezes para sair dele.

N@v@o/SP é outro exemplo de como é preciso fazer de tudo para aparecer. Ele quis mostrar a paródia de
uma composição musical e ficou o tempo todo (24 minutos) escrevendo em maiúsculas até se retirar:

(22:38:15) N@v@o/SP grita com TODOS: AÍ, PESSOAL! ALGUÉM AÍ CONHECE AQUELA
MÚSICA QUE DIZ: “QDO CRISTO SUA TROMBETA LÁ DO CÉU MANDAR TOCAR...
QDO SE FIZER CHAMADA, QDO SE FIZER CHAMADA, QUANDO SE FIZER CHAMADA
LÁ ESTAREI”?

(22:39:54) N@v@o/SP grita com TODOS: AÍ, PESSOAL! ALGUÉM AÍ CONHECE AQUELA
MÚSICA QUE DIZ: “QDO CRISTO SUA TROMBETA LÁ DO CÉU MANDAR TOCAR...
QDO SE FIZER CHAMADA, QDO SE FIZER CHAMADA, QUANDO SE FIZER CHAMADA
LÁ ESTAREI”?

(22:40:46) N@v@o/SP grita com TODOS: DESCULPEM INSISTIR... É MUITO IMPORTANTE


PRA MIM SABER.

(22:42:05) N@v@o/SP grita com TODOS: NINGUÉM CONHECE? NÃO ACREDITO...

(22:44:27) N@v@o/SP grita com TODOS: É QUE EU FIZ UMA NOVA VERSÃO PRA ESSA
MÚSICA, E QUERO SAVER SE ALGUÉM TÁ A FIM DE OUVIR...

(22:46:03) N@v@o/SP grita com TODOS: LÁ VAI: “QDO CRISTO SUA LAMBRETA NA
AVENIDA EMPINAR, O DIABO COM CERTEZA ATROPELAR, OS DESTROCOS DESTE
VERME NA AVENIDA SE ESPALHAR, O ANJO COM SUA PÁ PRA ENTERRAR...
JESUS CRISTO NA LAMBRETA, ATROPELA O CAPETA, JESUS CRISTO NA
LAMBRETA COM CERTEZA VAI MATAR O SAFURETA!!!”

E N@v@o/SP continuou, ignorando THOTHÔ e ZEN MACHINE que lhe teclaram algumas palavras, sempre
utilizando “grita com TODOS’. Ele deixa a impressão de que entrou em transe narcísico. Brilhou o tanto que
pôde até se autoconsumir ou se sentir consumido pelos outros. Pode também ter-se cansado de tanto “gritar”.
De qualquer maneira, serve para refletir a respeito das relações que se buscam na rede e o quanto elas podem
resultar em frustração. Digita-se, enche-se a tela de frases e outras tantas palavras ou imagens de origens
desconhecidas aparecem aos olhos. No entanto, está em jogo somente a relação narcísica consigo mesmo e
pouco importa quem são os outros personagens ou, então, pode a desconfiança em relação aos outros motivar
que não se estabeleça uma comunicação. O transe narcísico atende mais ao fortalecimento da auto-estima do que
a busca de relacionamento. O brilho que era dirigido aos outros, volta para si mesmo, quem sabe fortalecendo a
cegueira da alienação, e a busca que poderia atender à frustração, gera nova necessidade. Basta, então, trocar a
fantasia - o pseudônimo, e recomeçar...

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Título: A Internet como Expressão da Indústria Cultural
Todos os direitos reservados.
Autor: Marcimedes Martins da Silva
Nenhuma parte desta publicação poderá ser
Editora: CopyMarket.com, 2000
reproduzida sem a autorização da Editora.

Conclusão
Marcimedes Martins da Silva

Adorno, quando analisa a tecnologia, entre vários aspectos, enfatiza o duplo significado da formação cultural
quando se reporta à televisão; o duplo caráter da cultura que tanto remete à sociedade quanto intermedia esta e a
semiformação; a ausência da busca do lucro em partes da indústria cultural, a qual só tem sentido quando
pensada como geradora de capital; a apropriação pela massa da produção individual de maneira que cada
indivíduo manifeste comportamentos comuns como se fossem criativos e o impedimento da individualidade pela
própria indústria cultural que dela usa como matéria prima para transformar indivíduos em massa.

{©Ainda que minha análise tenha se utilizado dos referenciais de Adorno e de outros autores que se aproximam
de sua abordagem, ela se afastou da dialética e se firmou mais como uma crítica pessimista da utilização das
Redes Interconectadas e, em particular, das salas de bate-papo. Tentei me aproximar de uma abordagem dialética
ou de apontar o que a Internet tem a oferecer de contribuição à sociedade: o ensino à distância, os canais de
pesquisa e de informação, a troca de correspondências, o bate-papo contribuindo para a formação cultural, etc.
No entanto, toda vez que me ocorria elogiar algum aspecto da rede, logo me deparava com uma angústia que
somente se resolvia quando eliminava o elogio. A velocidade da rede parece que torna tudo incerto. Até a troca
de correspondência, em geral considerada um aspecto positivo, causa um incômodo enorme ao usuário. A
incerteza de seu envio e do seu recebimento, por mais que o sistema confirme, persiste. A velocidade de
transmissão também induz a uma resposta rápida, a qual nem sempre é adequada. A facilidade e a velocidade
servem mais ao capitalismo que de tudo se apropria, que despeja diariamente a publicidade nos correios
eletrônicos e amplia as ofertas e as vendas através da rede.

Adorno, certamente, destacaria o duplo papel da rede servindo à formação e à deformação individual. No estágio
atual, porém, a rede me pareceu pouco propícia para servir à formação.

A estandardização é uma barreira intransponível. As variações oferecidas pela indústria cultural vão além das
aparências. Unix, Linux, OS2, Macintosh são sistemas operacionais, que tal como o popular Windows, escondem
uma estrutura que foge ao domínio do usuário comum, o qual estabelece contato apenas com a interface de
janelas e ícones. Não importa, portanto, qual o sistema que virá a ter o domínio do mercado, a estandardização
predominará. Os dados analisados mostraram que ela reforça e é reforçada pelo anonimato que predomina nas
relações estabelecidas via rede. Reforça na medida que limita as expressões individuais pelo uso de menus e

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imagens pré-armazenadas e é reforçada pelos personagens e fantasias repetidos por milhões de usuários. O
anonimato, por sua vez, mostrou-se como contribuinte para as pseudo-relações uma vez que, ao permitir a
mentira, deixa estabelecer as relações entre personagens e não entre as pessoas e, ao permitir as manifestações
dos desejos autênticos, deixa margem ao mistério daquele que se reserva o direito de revelar-se ou não. O fato de
cada um contar a sua história como lhe convém e de dar a si mesmo a identidade que quiser é um incentivo à
pseudo-individuação.

Nas relações comerciais, as vendas estão se dando no contato do comprador-empresa, no qual o nome do
atendente não mais aparece, diferente do que ocorria nas compras em lojas ou por telefone. Nunca a empresa foi
tão bem representada por uma máquina como agora, quando eliminou-se a figura do vendedor. Mais do que
transformar todos em pseudo-indivíduos, a indústria atingiu o estágio da eliminação total das pessoas,
eliminando-as das relações, outrora, humanas: vende-se sem sequer ter uma pessoa vendendo tal como já vem
acontecendo nos terminais eletrônicos com os pagamentos de contas, depósitos, transferências de numerários,
sem recebimento e conferência do dinheiro pelo caixa do banco. No bate-papo também já se atingiu o estágio de
falar com o computador. Como prêmio de consolação, deixou-se os usuários bincarem de ser várias pessoas no
bate-papo o que é exatamente ser ninguém. Diante do quadro exposto, no qual cada vez mais o indivíduo é
menos ou nada, fica fácil entender o mundo do glamour que vai ampliando seu império no cotidiano. Os dados
demonstraram a glamourização dos pseudo-indivíduos que não medem esforços para aparecer pelo menos por
um segundo na mídia como se uma aparição tão rápida e, não raro, equivalente ao tempo de um comercial,
pudesse servir à realização.

Pseudo-indivíduos estão cada vez mais transformados em produções de espírito e, portanto, reificados sob o
império totalizante de uma cultura que os contaminou com a ideologia da virtualidade. Aprisionados em uma
indústria que se dá ao luxo de dispensar o lucro ostensivo e de permitir o anonimato com brilho de seus
consumidores, estes poderiam ter aproveitado a grande oportunidade para dar um arranque para a autoformação.
No entanto, quando muito, as produções de espírito, tal como foram observadas, sugeriram a possibilidade de
uma ou outra pessoa despertar da letargia da reificação principalmente quando confrontadas as diferentes
versões de si mesmo. Viver a liberdade no meio tecnológico - extensão do indivíduo - é o tempo todo prometida
como realização individual quando a liberdade, feita matéria prima da cibercultura, não passa de vã promessa. A
massa - ideologia da indústria cultural - é levada pelo engodo de palavras que sugerem a liberdade tais como
navegar, surfar, internauta, ciberespaço, quando a liberdade possível, se é que pode ser chamada assim, é somente
aquela que atende ao capital e à reificação, estando longe de proporcionar a autonomia e a auto-reflexão crítica
necessárias ao confronto e à resistência á barbárie.

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Marcimedes Martins da Silva

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indústria cultural - leituras de análise dos meios de comunicação na sociedade contemporânea e das manifestações da opinião
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