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Contextos Clínicos, 7(2):192-206, julho-dezembro 2014

© 2014 by Unisinos - doi: 10.4013/ctc.2014.72.07

Aconselhamento psicológico com casais: interlocuções


entre Psicologia Positiva e abordagem centrada na pessoa

Counseling psychology for couples: a dialogue between Positive Psychology


and the person-centered approach

Fabio Scorsolini-Comin
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Departamento de Psicologia, Avenida Getúlio Guaritá, 159,
Abadia, 38025-440, Uberaba, MG, Brasil. fabioscorsolini@gmail.com

Resumo. O aconselhamento psicológico oferece subsídios para o atendi-


mento de casais em programas de educação para a conjugalidade. O obje-
tivo deste estudo teórico é discutir sobre os elementos que podem compor
uma intervenção com casais na modalidade de aconselhamento psicológico,
tendo como marco teórico as interfaces entre Psicologia Positiva e Aborda-
gem Centrada na Pessoa. Na Abordagem Centrada na Pessoa, parte-se do
pressuposto de que o ser humano está envolto em uma autonomia crescente
ao longo de seu desenvolvimento. A Psicologia Positiva valoriza o ser hu-
mano em termos de suas capacidades e forças pessoais. Uma intervenção
possível a partir da interlocução entre aspectos dessas abordagens teóricas
consideraria o acesso às crenças e percepções acionadas pelo casal, a resiliên-
cia, o fortalecimento das capacidades e dos recursos pessoais, a construção
de estratégias para enfrentamento do problema, a responsabilização pelo
próprio processo de mudança e a reavaliação das expectativas quanto ao fu-
turo. Pode-se compreender o aconselhamento psicológico com casais como
uma proposta que visa a recuperar, em cada um e na díade, a tendência ao
crescimento e a abertura para o bem-estar. Sugere-se que pesquisas empíri-
cas sejam conduzidas para oferecer suporte a essas considerações.

Palavras-chaves: aconselhamento psicológico, psicoterapia, conjugalidade,


terapia de casal.

Abstract. Counseling Psychology offers support for Couples Therapy in


educational programs on conjugality. The aim of this theoretical study is
to discuss the elements that may compose an intervention among couples
in the psychological counseling modality, under the Positive Psychology
and Person-Centered Approach frameworks. For the Person-Centered Ap-
proach, the human being seeks increasing autonomy and Positive Psychol-
ogy valorizes humans’ own capacities and personal strength. Given this di-
alogue, a possible intervention would consider the access on the couple’s
beliefs, resilience, strengthening capacities and personal resources, building
strategies for dealing with problems, taking responsibility for their changing
process and reformulating expectations towards the future. It is possible to
comprehend Counseling Psychology for couples as a proposal that aims to
restore, in each one and on the dyad, the tendency for growth and openness
to well being. Empirical research must be conducted in order to offer sup-
port to these considerations.

Keywords: Counseling Psychology, psychotherapy, conjugality, Couples


Therapy.
Fabio Scorsolini-Comin

O casamento no contexto brasileiro tem entre 1999 e 2002, mas tem crescido nos últi-
passado por um profundo processo de revi- mos anos, especialmente desde 2003. O IBGE
são. Torna-se fundamental acompanhar as destacou que, em 2011, houve um aumento
mudanças que incidem sobre a família consi- de 5% em relação ao número de casamentos
derada tradicional, burguesa e orientada pelo registrados em 2010. Também aumentou o
casal heterossexual com filhos. Abre-se, assim, número de recasamentos, que representavam
espaço para novos arranjos e possibilidades 20,3% do total das uniões em 2011, contra
de constituição da noção de família. No bojo 12,3% em 2001. Assim, conclui-se que, embora
dessas alterações, também o casamento passa as taxas de divórcios estejam aumentando no
a ser questionado em aspectos como a indisso- Brasil, também o número de casamentos está
lubilidade, idade com que as pessoas se unem, em expansão, constituindo um cenário impor-
características que conferem ao par o status tante para investigação com maiores detalhes.
de casal, bem como outros processos relacio- Embora estejam aumentando os casamentos
nados, como a necessidade de existência de formais, o tempo médio das uniões tem dimi-
filhos e mesmo de coabitação (Campos, 2012; nuído, de 17 anos em 2007 para 15 anos em
Scorsolini-Comin e Santos, 2011). 2012 (IBGE, 2012).
As estatísticas nos ajudam a compreen- Isso é indicativo, portanto, de que mais
der a dimensão dessas mudanças, de início, pessoas têm buscado o casamento, ao passo
pela análise das taxas de nupcialidade e de que essas uniões têm resistido menos ao tem-
divórcios registrados. De acordo com dados po. Essa consideração passa a ser um dos pi-
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís- lares das intervenções psicológicas realizadas
tica (IBGE, 2012), em 2011, o Brasil registrou com casais, com destaque para aquelas que
a maior taxa de divórcios desde 1984, quan- incidem sobre os cônjuges em processos de
do foi iniciada a série histórica das Estatísti- transição para a conjugalidade e também para
cas do Registro Civil. O número de divórcios a parentalidade. A partir desse panorama, o
cresceu 45,6% em relação a 2010. Segundo o objetivo deste estudo teórico é discutir sobre
levantamento, são 2,6 divórcios para cada mil os elementos que podem compor uma inter-
habitantes de 15 anos ou mais de idade, con- venção com casais na modalidade de aconse-
tra 1,8 separações em 2010. Em 2011, a maior lhamento psicológico, tendo como marco teó-
proporção de dissoluções ocorreu em casa- rico as interfaces entre a Psicologia Positiva e
mentos que tinham entre cinco e nove anos a Abordagem Centrada na Pessoa. As concep-
de duração (20,8%), seguida de uniões de um ções teóricas envolvendo essas abordagens se-
e quatro anos de duração, o que nos coloca rão apresentadas em um primeiro momento a
diante de um cenário que confere atenção es- partir das principais referências disponíveis e,
pecial à transição para a conjugalidade, com- posteriormente, serão articuladas com as pos-
preendida como um processo que atravessa a sibilidades de estruturação do aconselhamen-
constituição do casal desde a decisão por se to psicológico com casais.
casar até os primeiros anos de casamento, nos
quais há maior necessidade de negociação e Interfaces entre Psicologia Positiva
de adaptação de cada um à nova rotina e ao e abordagem centrada na pessoa
novo status.
Apoiando a estatística de que a maioria A Psicologia Positiva compartilha e resgata
dos divórcios ocorre nos chamados casais em conceitos e objetivos propostos na abordagem
transição para a conjugalidade, dados do IBGE humanista, sendo que as aproximações e os
(2012) ainda revelam que a proporção do di- distanciamentos entre essas duas correntes são
vórcio por via administrativa, possível aos destacadas em algumas publicações (Hernan-
casais sem filhos, passou de 26,8%, em 2001, dez, 2003; Paludo e Koller, 2007; Sollod, 2000;
para 37,2%, em 2011. A idade média ao divor- Taylor, 2001). Mais do que comparar essas
ciar diminuiu para homens e mulheres entre abordagens, este estudo compreende o acon-
2006 e 2011. De 43 anos para 42 anos no sexo selhamento psicológico de casais como campo
masculino, e de 40 para 39 anos no feminino. de intersecção entre os pressupostos da Abor-
Em 2012, houve um pequeno decréscimo da dagem Centrada na Pessoa e da Psicologia
taxa de divórcios (2,5 a cada mil) em relação Positiva, haja vista que ambas possuem como
ao ano de 2011. finalidade a busca e a promoção do bem-estar.
Em contrapartida, segundo pesquisa do O aconselhamento psicológico teve sua
IBGE de 2010, o total de casamentos diminuiu origem nas primeiras décadas do século XX,

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Aconselhamento psicológico com casais: interlocuções entre Psicologia Positiva e abordagem centrada na pessoa

sendo fortemente influenciado pela necessida- ambas as modalidades (Scorsolini-Comin,


de de compreender o ser humano a partir de 2014). Tanto o psicoterapeuta como o profis-
uma visão mais tecnicista e objetiva segundo a sional do aconselhamento teriam como tare-
qual este poderia ser mensurado e aconselha- fa primordial a de facilitar esse processo por
do segundo um plano linear e focado nos re- meio da oferta de um espaço de cuidado, de
sultados e na adaptação a algum “desajuste”. compreensão, no qual a pessoa pudesse ser
Ao longo dos anos e com o desenvolvimento autêntica e no qual o profissional pudesse ser
de diferentes técnicas, metodologias e abor- empático, ou seja, não apenas colocar-se no lu-
dagens baseadas em diferentes concepções do gar daquela que busca ajuda, mas partilhar um
ser humano e do que vem a ser uma relação de modo de ser, de se organizar e de experienciar:
ajuda, o aconselhamento tornou-se um campo “Se eu posso proporcionar um certo tipo de re-
de estudo e de prática que leva em conside- lação, a outra pessoa descobrirá dentro de si
ração a complexidade do humano, sua capa- mesma a capacidade de usar esta relação para
cidade de escolha, bem como seus processos crescimento e mudança, e o desenvolvimento
desenvolvimentais (Pupo e Ayres, 2013). pessoal ocorrerá” (Rogers, 1977, p. 33).
Assim, o aconselhamento pode ser compre- Na Abordagem Centrada na Pessoa, a
endido como uma tecnologia de ajuda e cui- visão de ser humano é positiva, possuindo
dado utilizada em situações diversas que en- inclinação a atingir um funcionamento ple-
volvem o manejo de crises e em que se busca no. Nesse referencial de aconselhamento, a
a adaptação, a autonomia, a maior capacidade pessoa “atualiza o seu potencial e mobiliza-
de se tomar decisões e também o crescimento se no sentido de uma ampliação de consci-
pessoal (Patterson, 1959; Santos, 1982; Scorso- ência, da espontaneidade, da confiança em si
lini-Comin e Santos, 2013; Scheeffer, 1980). O mesmo e de uma orientação interna” (Corey,
crescimento pessoal é um dos objetivos assu- 1983, p. 235). Essa atualização ocorreria por
midos pela abordagem humanista como dis- intermédio da relação terapêutica, a partir do
paradores do processo de mudança, além de espaço de aceitação e do clima de confiança
ser uma tendência em nosso desenvolvimento. construído pela díade psicólogo e cliente. Ao
É a partir desse pressuposto que a Abordagem aproximar-se da experiência do outro, o pro-
Centrada na Pessoa, que tem como principal fissional teria condições de ajudar a pessoa
expoente o norte-americano Carl Rogers, com- em sofrimento a absorver essa experiência e
preende que o ser humano tem como uma de amadurecer a partir dela, criando possibilida-
suas principais metas na vida a autorrealiza- des de resolução de conflitos e de potencia-
ção. Neste estudo, destacamos a aproximação lização de novas escolhas, tornando-se autô-
da Psicologia Positiva com os pressupostos nomo e independente para escolher, decidir
humanistas a partir das considerações espe- e assumir suas experiências como constituti-
cíficas da Abordagem Centrada na Pessoa, vas de si mesmo. Nesse sentido, é importante
tomada como ponto de referência da tradição destacar a definição de aconselhamento psi-
humanista na Psicologia. cológico trazida por Rogers, de uma “relação
permissiva, estruturada de uma forma defi-
A vida é força positiva que constrói o indivíduo. nida que permite ao paciente alcançar uma
Todos os recursos de que alguém precisa para o seu
compreensão de si mesmo num grau que o
desenvolvimento encontram-se nas experiências
que ela oferece. Saber reconhecer estas experiên-
capacita a progredir à luz da sua nova orien-
cias e aproveitá-las convenientemente é o mais tação” (1974, p. 29).
fundamental que cada um dispõe para alcançar Rogers destaca a necessidade de desenvol-
sua própria realização (Rudio, 1986, p. 12). ver no profissional que se dispõe a realizar o
aconselhamento e a psicoterapia três atitudes
A partir dessa assertiva, o ser humano esta- consideradas básicas e que, se bem condu-
ria constantemente buscando o seu crescimen- zidas, por si só seriam capazes de promover
to pessoal e a autorrealização. A relação de mudanças no cliente. A primeira atitude seria
ajuda, materializada, por exemplo, no aconse- a autenticidade/congruência, que significa que
lhamento psicológico, seria uma oportunidade o profissional tem que ser, no encontro com o
de a pessoa buscar e atingir esse crescimento cliente, o mais próximo possível do que é em
(Rosenberg, 1987; Santos, 1982). Rogers com- todas as suas relações, ou seja, uma posição
preendia o aconselhamento psicológico como por meio da qual deve permitir-se “ser o que
algo muito próximo da psicoterapia, sendo se é” (Rogers, 1977), estando integralmente a
que o processo de escuta seria o mesmo em serviço daquele processo de ajuda e sendo co-

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Fabio Scorsolini-Comin

erente com o seu modo de ser, pensar, agir e se em que todo ser humano teria uma tendência
relacionar. Esse processo também se relaciona a se autorrealizar a partir da satisfação de suas
com a necessidade de que o cliente conheça a necessidades, sendo que somente as pessoas
si mesmo para experimentar maior autonomia que atingiam esse objetivo poderiam ser con-
em relação ao seu crescimento pessoal, moti- sideradas saudáveis.
vo pelo qual se afirma que essa abordagem se Assim, a Psicologia Positiva possui sua
baseia “na responsabilidade e na capacidade origem na Psicologia Humanista, principal-
do cliente para descobrir os meios de entrar mente a partir de estudos de autores como
num contato mais pleno com a realidade. Sen- Maslow e Rogers. Feist e Feist (2008) afirmam
do quem se conhece melhor, o cliente é quem que as três condições necessárias e suficien-
pode descobrir o comportamento mais apro- tes para o crescimento psicológico postuladas
priado para si mesmo” (Corey, 1983, p. 77). por Rogers (autenticidade, consideração po-
A segunda atitude seria a consideração po- sitiva incondicional e empatia) seriam pre-
sitiva incondicional, que se refere ao fato de cursoras da Psicologia Positiva. Além disso,
o profissional acreditar profundamente que Rogers (1977) já havia mencionado acreditar,
aquela pessoa em busca de ajuda tem condi- a partir de sua experiência, que “[...] as pes-
ções de amadurecer e resolver seus conflitos a soas têm fundamentalmente uma orientação
partir desse crescimento e da potencialização positiva” (p. 37) e propunha a hipótese de
das suas capacidades. Consiste na aceitação do
que “[...] o fundo da natureza humana é es-
cliente sem reservas, julgamentos ou questio-
sencialmente positivo” (p. 75). Há algumas
namentos sobre o seu modo de ser e das esco-
críticas que afirmam que Martin Seligman,
lhas que têm tomado em sua vida. Essa atitude
em 1990, nada mais teria feito do que atuali-
requer do profissional um exercício grande no
zar concepções teóricas já trazidas por Mas-
sentido de aceitar o cliente com as suas possí-
low e Rogers (Hernandez, 2003), o que traria
veis incongruências e paradoxos como condi-
como consequência que a Psicologia Positiva
ção para que ele possa se sentir seguro, acolhi-
do e respeitado no espaço do aconselhamento seria, na verdade, uma abordagem que teria
ou da psicoterapia. emergido a partir da Psicologia Humanista já
Por fim, a terceira e mais complexa atitude vigente há bastante tempo.
se refere à empatia, que seria a capacidade de Seligman (2002) destaca que a diferença
o profissional abrir-se à possibilidade de ex- fundamental entre as correntes é que a Psi-
perienciar, juntamente com o cliente, as suas cologia Positiva assumiu a necessidade de
dores, angústias e apreensões, conservando a comprovar científica e empiricamente os seus
capacidade de afetar-se e de conseguir refle- achados, avançando em relação às proposições
tir claramente sobre essa experiência a partir de sua antecessora. Essa consideração também
do ponto de vista dessa pessoa em sofrimento. tem sido criticada, pois a Psicologia Huma-
Essa atitude é considerada a mais difícil de ser nista não se opunha à experimentação ou aos
desenvolvida pelo profissional (Santos, 1982), estudos empíricos para verificar a eficácia de
haja vista que há um risco de que o profissio- suas técnicas (Hernandez, 2003). Ao estudar
nal aja de acordo com os próprios conceitos e a obra de Rogers e Maslow, Paludo e Koller
valores, devendo este manter o foco no ponto (2007) compreendem que a Psicologia Positiva
de vista do cliente. claramente resgata conceitos e objetivos pro-
Essas atitudes, consideradas basilares na postos pela terceira força em Psicologia:
Abordagem Centrada na Pessoa e bastante
recorrentes em estudos atuais que empregam É importante reconhecer que a Psicologia Hu-
esse referencial como suporte para interven- manista enfatizou aspectos positivos do de-
ções em diferentes contextos (Moreno e Reis, senvolvimento humano, no entanto, suas con-
2013; Pupo e Ayres, 2013), possuem uma re- tribuições científicas receberam pouca atenção no
passado. Inúmeros motivos podem ser apontados
verberação nos pressupostos da Psicologia Po-
para justificar a preferência pelos aspectos nega-
sitiva. A expressão Psicologia Positiva foi uti-
tivos em detrimento aos positivos. Primeiro, ex-
lizada pela primeira vez por Maslow, um dos iste uma tendência para o estudo dos fatores que
principais expoentes do movimento humanis- afligem a humanidade, e a expressão e experiência
ta, em 1954, em seus estudos sobre motivação de emoções negativas são responsáveis pela maio-
e personalidade (Snyder e Lopez, 2009). Se- ria desses conflitos. Em contraste, experiências
gundo Hernandez (2003), Maslow queria de- que promovem felicidade, muitas vezes, passam
senvolver uma Psicologia Humanista Positiva, desapercebidas (Paludo e Koller, 2007, p. 11).

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Aconselhamento psicológico com casais: interlocuções entre Psicologia Positiva e abordagem centrada na pessoa

Em que pesem esses embates sobre a vincu- necessidade de que o ser humano desenvol-
lação entre as abordagens, a Psicologia Positi- va a sua autonomia e recupere experiências
va considera que as pessoas que assumem um ligadas ao bem-estar e à felicidade. Um dos
interesse ativo pela vida são psicologicamente elementos diretamente associados à promo-
mais saudáveis e que variáveis de saúde men- ção desse bem-estar é o estabelecimento de
tal como otimismo, motivação intrínseca e relacionamentos amorosos considerados sa-
autoeficácia podem não apenas estar relacio- tisfatórios, entre os quais incluímos a con-
nadas a uma maior satisfação de vida e rendi- jugalidade, como comprovado em diversas
mento, como também podem prevê-los. Parte- pesquisas nacionais e internacionais (Scor-
se, assim, de um pressuposto que em muito se solini-Comin e Santos, 2011, 2012; Seligman,
aproxima da concepção de ser humano defen- 2002; Snyder e Lopez, 2009), como será apre-
dida pela Abordagem Centrada na Pessoa: a sentado a seguir.
de um ser humano que não está pronto e aca-
bado, que tende ao crescimento pessoal e que Conjugalidade como campo
possui em si condições suficientes para uma de interface entre abordagens
maior autonomia e capacidade de escolher e
resolver seus problemas. A crença nessa ca- Com a maior divulgação da Psicologia
pacidade humana de buscar a autorrealização Positiva a partir da década de 1990, os ques-
aproxima, de maneira indubitável, essas duas tionamentos voltados para o desenvolvimen-
concepções teóricas. to positivo das pessoas passaram a se aplicar
Como destacado por Rogers (1974), as pes- também aos relacionamentos interpessoais,
soas possuem a capacidade de resolver, por si entre eles o casamento. Em termos da saúde,
mesmas, as suas dificuldades no processo de os pesquisadores começavam a investigar não
aconselhamento, o que amplia o poder sobre mais as razões pelas quais as pessoas adoe-
si mesmas às pessoas que buscam esse tipo de ciam, mas quais eram os seus recursos para o
ajuda, cabendo ao profissional proporcionar enfrentamento das doenças e como as institui-
uma atmosfera adequada para que se atinja ções poderiam trabalhar na linha da promoção
esse objetivo. Desse modo, pode-se afirmar que da saúde, modificando o foco nos mecanismos
ambas as abordagens consideram o ser humano desadaptativos para uma abordagem centra-
como capacitado e potencializado para o exer- da nos aspectos positivos (Fredrickson, 2009;
cício de viver, experienciar e assumir suas pró- Seligman, 2002, 2011; Sheldon e King, 2001).
prias escolhas e dificuldades. No entanto, isso Seguindo o mesmo raciocínio de mudança de
não equivale a dizer que as pessoas podem, so- foco, os autores dessa corrente em expansão
zinhas, manejar esse sofrimento ou essas ques- não mais se perguntavam por que as pessoas
tões causadoras de dilemas, o que abre a pos- estavam se divorciando, mas por que, a des-
sibilidade para que um profissional intervenha peito do aumento das taxas de divórcio, mais
de modo a considerar essa demanda e também pessoas buscavam o matrimônio (Diener et al.,
as potencialidades dessa pessoa. 2000; Reis e Gable, 2001).
A partir da década de 1990, a Psicologia O casamento pode ser um espaço de desen-
Positiva ganhou repercussão mundial pelos volvimento das individualidades, sendo um
estudos de muitos pesquisadores, entre eles processo de individuação entre os parceiros
Martin Seligman. A perspectiva da Psicolo- (Féres-Carneiro, 1998; Féres-Carneiro e Zivia-
gia Positiva propõe, basicamente, a modifica- ni, 2009). Para esses autores, a constituição e
ção do foco da Psicologia de uma reparação a manutenção do casamento contemporâneo
das “coisas ruins” da vida e de estudos vol- são muito influenciadas pelos valores do in-
tados exclusivamente para a doença mental dividualismo, sendo que os ideais contempo-
para a construção de qualidades positivas râneos de relação conjugal enfatizam mais a
relacionadas ao bem-estar (Delle Fave, 2006; autonomia e a satisfação de cada cônjuge do
Scorsolini-Comin e Santos, 2010; Scorsolini- que os laços de dependência entre eles. Em
Comin et al., 2013). Considerados ainda como contrapartida, constituir um casal demanda a
abordagem recente, os estudos têm se inten- criação de uma zona comum de interação, de
sificado ao longo dos anos a partir de inves- uma identidade conjugal ou conjugalidade.
tigações que tratam do bem-estar subjetivo, Apesar de a conjugalidade ser um tema bas-
do bem-estar psicológico e da resiliência tante investigado, notadamente na perspectiva
(Dell’Aglio et al., 2006), também com propos- da clínica de família e de casal (Féres-Carnei-
tas de intervenções tendo como referência a ro, 2003), na literatura científica, ainda poucos

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Fabio Scorsolini-Comin

estudos debruçam-se sobre a importância da Contribuições da Psicologia Positiva


transição para a conjugalidade. e da abordagem centrada na pessoa
A transição para a conjugalidade recobre
para o aconselhamento psicológico
um período que vai desde a decisão por se ca-
sar até os primeiros anos de casamento. Nesse com casais
período, ficam mais evidentes os processos de
“Na situação concreta da psicoterapia, acreditar
mudança e adaptação pelos quais os casais de- no ser humano significa aceitar a sua capacidade
verão passar para que possam constituir a con- de dirigir-se a si mesmo” (Rudio, 1986, p. 58).
jugalidade. Consideramos que as intervenções
na transição para a conjugalidade envolvem O aconselhamento de casais, também co-
tanto os programas pré-nupciais (auxiliam os nhecido como aconselhamento conjugal ou
casais na preparação para o casamento) quan- matrimonial, faz parte do rol de intervenções
to os matrimoniais ou conjugais (auxiliam que priorizam a díade como locus de compre-
cônjuges com até cinco anos de matrimônio) ensão e de mudança, sendo abarcado por um
(Wagner e Mosmann, 2012). termo mais amplo, que é a terapia de casal,
As intervenções que ocorrem nesses dois hoje largamente divulgada e empregada em
momentos da transição para a conjugalidade nosso contexto (Féres-Carneiro e Ponciano,
podem ser compreendidas como de caráter 2005). Tais intervenções no domínio conjugal
preventivo tanto por terem maiores índices de podem ser conduzidas a partir de diferentes
eficácia quanto por instrumentalizem os côn- referenciais teóricos, sendo os mais mencio-
juges para que não atinjam “níveis de conflito nados na literatura científica e também pelos
que exijam intervenção terapêutica” (Wagner profissionais da área a psicanálise e a sistêmica
e Mosmann, 2010). Ainda segundo essas auto- (Prati e Koller, 2012).
ras, as intervenções conjugais baseiam-se for- No entanto, o humanismo também é evo-
temente no modo como esses casais resolvem cado por meio do aconselhamento conjugal,
seus conflitos e não nas características desses que se refere a um processo de ajuda dirigido
conflitos. a um casal que busca atendimento psicológi-
Tais intervenções devem considerar, ainda, co a partir de alguma demanda experienciada
que, nos relacionamentos amorosos, há fato- na relação a dois, como relatos de crises, di-
res que não podem ser modificados (como a ficuldades de comunicação, diminuição do
história das famílias de origem, a história do desejo, afastamento emocional, conflitos de
relacionamento do casal) e outros, de caráter difícil resolução, ou seja, uma vasta gama de
dinâmico, que podem ser contemplados nes- possibilidades. No bojo humanista, a Aborda-
ses programas, como as expectativas sobre o gem Centrada na Pessoa lançou sua contribui-
casamento, padrões de relacionamento, habi- ção ao campo, sobretudo com a publicação da
lidades para a resolução de conflitos, abertura obra “Novas formas do amor” (Rogers, 1985),
para a mudança e melhoria dos processos de em que são compilados diversos casos atendi-
comunicação (Fincham et al., 2007; Mosmann e dos nessa abordagem, com foco no aconselha-
Falcke, 2011; Wagner e Mosmann, 2012). mento conjugal. Nas décadas de 1960 e 1970,
Além disso, mostra-se relevante conhecer Rogers passou a ouvir diferentes casais e suas
as motivações para a conjugalidade, a fim de histórias, tentando apreender os aspectos mais
que desenvolvam estratégias educacionais positivos desses relatos e que pudessem jus-
mais amplas para a vida conjugal que possi- tificar a experiência da conjugalidade, a fim
bilitem maior satisfação nesses relacionamen- de compreender as chamadas alternativas do
tos (Silva Neto et al., 2011). Nesse sentido, o casamento, o que envolve a convivência, o
aconselhamento psicológico, como tecnologia compartilhamento e também as narrativas de
de ajuda, pode oferecer subsídios para o aten- sofrimento e de dificuldades no domínio dessa
dimento de casais em programas de educação relação.
para a conjugalidade. No entanto, não são ain- Sua crítica estava dirigida aos estudos que
da tão frequentes os relatos de intervenções tratavam do casamento sem, contudo, com-
nessa área utilizando os pressupostos do acon- preender as experiências concretas de pessoas
selhamento. Ao refletir sobre esses elementos casadas, o que justificou o seu mergulho nas
que podem constituir as intervenções na con- histórias de diversos casais que entrevistou
jugalidade é que sugerimos aproximar a Abor- ao longo do tempo, muitas delas reunidas
dagem Centrada na Pessoa da perspectiva da nesse livro publicado originalmente em 1972
Psicologia Positiva, como descrito a seguir. (Becoming Partners: Marriage and Its Alternati-

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Aconselhamento psicológico com casais: interlocuções entre Psicologia Positiva e abordagem centrada na pessoa

ves). Nessa obra basilar, Rogers afirma que a pelos outros, sendo capaz de se colocar a ser-
união será mais enriquecedora quanto mais os viço da relação (Amatuzzi, 2012; Rosenberg,
cônjuges puderem afirmar a sua própria per- 1987). Embora a Psicologia Positiva não trate
sonalidade, ou seja, que é preciso descobrir a especificamente desses aspectos ao destacar as
si mesmo, em um primeiro momento, desen- características de suas intervenções, é preciso
volvendo a autoaceitação, para poder abrir-se considerar que, por meio de sua herança hu-
à experiência de um outro e favorecendo, en- manista, há, nessa corrente, uma valorização
tão, o espaço conjugal. Quanto mais a pessoa do ser humano em termos de suas capacida-
aceitar a si própria em suas dificuldades, em des e forças pessoais que podem encontrar na
seus medos e em suas limitações, mais estará conjugalidade um espaço não apenas para sua
disposta a também aceitar essas dimensões em manifestação, mas também como forma de
seu parceiro, promovendo uma união mais au- manejar os conflitos existentes nessa relação
têntica. Assim, podemos pensar que as inter- de casal.
venções não podem apenas se basear na díade A literatura científica destaca um consenso
e sua interação, mas em aspectos que devem acerca do fato de que o casamento está direta-
ser compreendidos a partir das experiências mente relacionado a uma maior taxa de bem-
de cada cônjuge, o que nos permite afirmar estar. Díaz Llanes (2001) afirma que as pessoas
que, para ser um casal, é preciso antes ser uma casadas ou que vivem em união consensual,
pessoa integrada, autêntica e que aceite pro- de ambos os sexos, apresentam maiores ní-
fundamente a sua personalidade. Essa consi- veis de bem-estar do que aquelas que nunca
deração retoma os princípios da Abordagem foram casadas, as divorciadas e as viúvas. Da-
Centrada na Pessoa: para tornar-se um casal, é dos semelhantes também foram encontrados
preciso, antes, tornar-se pessoa. por Argyle (1999), Diener et al. (2000), Diener
Rogers (1985), a partir da escuta desses e Lucas (2000) e Lee et al. (1991). Esses achados
casais, sumariza em quatro pontos principais convergentes podem ser um indicativo de que
os aspectos que deveriam estar presentes em uma relação conjugal com adequado nível de
um relacionamento amoroso satisfatório: comunicação provê o casal de relações sociais
(a) dedicação e compromisso, que retoma tanto significativas e nível apropriado de apoio ma-
a dimensão individual (cada um é que assume terial, emocional, econômico, instrumental e
o compromisso) quanto a coletiva, que envolve de informação.
o dedicar-se ao outro, preocupar-se, cuidar, es- Segundo pesquisas realizadas nos Estados
tar engajado na relação; (b) comunicação, que Unidos e na Europa, ter um cônjuge é um forte
envolve compartilhar sentimentos como uma preditor de satisfação com a vida e, em con-
expressão do que somos; (c) dissolução dos traste, as pessoas não casadas demonstram
papéis, não assumindo posicionamentos cris- níveis superiores de depressão. O casamento
talizados que tenham como ponto de referên- tende a reforçar a autoestima do indivíduo,
cia as expectativas sociais e culturais a respeito oferecendo situações de maior intimidade,
de como cada cônjuge deve ser; (d) tornando- por meio de relações duradouras e de apoio.
se uma personalidade separada, que envolve a Pesquisas apontam para associações signifi-
consideração de que, para ambos crescerem e cativas entre domínios do bem-estar subjetivo
se desenvolverem no casamento, é preciso ha- e a satisfação nos relacionamentos amorosos,
ver um processo de individuação, a fim de que sugerindo que a conjugalidade está envolvida
o cônjuge possa aceitar a si e, posteriormente, com os aspectos responsáveis pela saúde e o
o outro. Este último ponto é o que parece, à bem-estar das pessoas (Galinha, 2008; Hong
primeira vista, mais paradoxal na proposição e Duff, 1997; Myers, 1999; Scorsolini-Comin e
de Rogers: para desenvolver a conjugalidade Santos, 2011, 2012).
(o ser “a dois”) é necessário desenvolver o si- Em termos terapêuticos, a abordagem da
mesmo e investir nessa dimensão individual. Psicologia Positiva destaca a possibilidade de
Como já mencionado, na Abordagem Cen- prevenção e os aspectos da clínica que valori-
trada na Pessoa, parte-se do pressuposto de zam os elementos saudáveis do funcionamen-
que o ser humano está envolto em uma au- to daqueles que buscam ajuda (Prati e Koller,
tonomia crescente, tendendo ao crescimento 2011). A chamada terapia positiva (Seligman,
a partir do estabelecimento de uma relação 2002) permitiria tanto recuperar o que está en-
compreensiva, valorizadora e honesta, o que fraquecido quanto fortalecer o que está forte.
significa que o profissional deve estar aber- A clínica apoiada na Psicologia Positiva busca
to a experienciar os significados construídos o fortalecimento dos aspectos saudáveis das

Contextos Clínicos, vol. 7, n. 2, julho-dezembro 2014 198


Fabio Scorsolini-Comin

pessoas, o reconhecimento de suas forças pes- trabalha com a potencialização primária (esta-
soais e o acesso a recursos que permitam uma belecer funcionamento e satisfação ótimos) e
mudança saudável (Paludo e Koller, 2007; Pra- com a potencialização secundária (sustentar e
ti e Koller, 2011). construir a partir de funcionamento e satisfa-
No atendimento a casais, deve-se fortalecer ção ótimos).
os fatores de proteção e os riscos devem ser A potencialização primária refere-se ao pro-
trabalhados para fortalecer as pessoas para os cesso de investimentos/envolvimento em rela-
períodos de mudanças e reajustes (Feinberg, ções que possam ser satisfatórias e constituir
2002; Prati e Koller, 2011). A partir desse cená- fontes de prazer. Nessa categoria, destacam-se
rio, a Psicologia Positiva, apesar de constituir as relações com o parceiro amoroso, com os
uma abordagem relativamente recente e ain- familiares, vizinhos, amigos, redes de apoio,
da em desenvolvimento, pode ter expressiva a existência de trabalho gratificante, ativida-
atuação nos processos terapêuticos (Prati e des de lazer e apreciação. O enfoque aprecia-
Koller, 2011), e sugerimos que esta concepção tivo envolve pensamentos e ações que visam
seja acrescida ao processo de aconselhamento apreciar e amplificar uma experiência positiva
psicológico voltado a casais em processo de de algum tipo. A apreciação pode conduzir a
transição para a conjugalidade. pessoa a experimentar satisfação por esperar
A Psicologia Positiva, ao se debruçar sobre a ocorrência de um evento vindouro que seja
as virtudes e forças humanas como estraté- muito positivo, realizar alguma atividade pra-
gias responsáveis pelo bem-estar e pelo de- zerosa ou mesmo experimentar sentimentos
senvolvimento positivo, tem proporcionado positivos quando se lembra desses eventos
a compreensão da conjugalidade a partir do (Bryant e Veroff, 2006; Snyder e Lopez, 2009).
viés apreciativo, ou seja, o reconhecimento das A partir dessas aproximações, os aspectos
potencialidades dos cônjuges como estratégias dessa abordagem que podem ser considerados
para uma vivência conjugal considerada sau- no aconselhamento psicológico com casais, a
dável. O foco nas estratégias desenvolvidas partir de evidências disponíveis na literatura
pelos cônjuges é uma forma de compreender da área (Gillham e Seligman, 1999; O’Hanlon
de que modo as pessoas constroem recursos e Weiner-Davis, 1997; Paludo e Koller, 2007;
para a manutenção do casamento. Estratégias Prati e Koller, 2011; Seligman, 2011; Snyder e
são “ações que têm caráter relacional e não in- Lopez, 2009), são:
dividual” (Garcia, 2004, p. 14), podendo modi- (a) Acesso às crenças, percepções e práti-
ficar-se em função dos atores e/ou do contexto cas colocadas em ação. Nesse passo, deve-se
nos quais tais ações se desenvolvem. investigar com o casal as suas concepções so-
Opta-se por não utilizar a expressão es- bre o casamento, o papel desse relacionamento
tratégias de enfrentamento justamente por se na vida de cada um, bem como de que modo
partir do pressuposto de que o cotidiano con- tem sido a rotina conjugal. Trata-se de uma
jugal não é algo a ser enfrentado e combatido aproximação do profissional acerca da história
necessariamente, mas sim compreendido em do casamento, a fim de tentar compreender de
termos de suas características, permanências que modo o casal passou a entrar em confli-
e rupturas ao longo do tempo. Nesse sentido, to. Nessa fase, é importante delimitar qual a
adota-se, neste estudo, o termo “estratégias” demanda trazida pelo casal (que pode diferir
com referência aos seus aspectos relacionais, no relato de cada membro da díade), a fim
às ações e aos recursos adotados e/ou desen- de compreender qual o problema emblemá-
volvidos diante das situações (problemáticas tico daquele par, as fontes de sofrimento e as
ou não) observadas no cotidiano conjugal. atitudes de cada um que interferem na confi-
As ideias da Psicologia Positiva têm com- guração desse problema. O esclarecimento da
posto programas de intervenção clínica em di- demanda é um dos principais pontos do acon-
versos países, entre eles o Brasil. Desse modo, selhamento de base humanista (Rudio, 1986),
alguns elementos utilizados na clínica a partir porque essa clarificação pode já apontar para
dessa abordagem podem compor um mode- algumas decisões necessárias no percurso do
lo de atuação com os casais tendo em vista os processo de amadurecimento do casal com
pressupostos do campo do aconselhamento vistas ao seu crescimento.
psicológico, como o estabelecimento de uma (b) Desenvolvimento da capacidade de re-
relação de ajuda, consideração positiva acerca siliência (superação de adversidades frente a
do cliente e adoção de técnicas não diretivas. um novo evento estressor). A resiliência tam-
Em suas intervenções, a Psicologia Positiva bém se refere ao processo em que cada mem-

Contextos Clínicos, vol. 7, n. 2, julho-dezembro 2014 199


Aconselhamento psicológico com casais: interlocuções entre Psicologia Positiva e abordagem centrada na pessoa

bro do casal, a despeito das dificuldades que potencialidades a partir de uma esfera de acei-
ocorrem em seu cotidiano, busca uma forma tação e de confiança.
de reagir a essas dificuldades, enfrentando-as (d) Fortalecimento das capacidades e re-
e não escamoteando-as. Isso equivale a afirmar cursos pessoais. Trata-se de um passo inti-
que a resiliência não consiste em um “apaga- mamente relacionado ao anterior. Aumentar
mento” do passado ou dos eventos considera- a força pessoal (item c) passa indubitavelmen-
dos ruins ou desadaptativos, mas a capacida- te pelo reconhecimento e fortalecimento das
de de enfrentá-los e superá-los. Nesse sentido, capacidades e dos recursos pessoais. Como
a resiliência não pode apenas ser uma caracte- apregoado em algumas técnicas da Psicologia
rística ou uma potencialidade individual, mas Positiva, deve-se propiciar ao casal que re-
fundamentalmente um recurso do casal. Essa construa situações nas quais puderam empre-
capacidade pode ser desenvolvida a partir de gar essas capacidades na resolução de alguma
exercícios como o da exploração das principais problemática. Conhecer e reconhecer esses
adversidades ocorridas no espaço conjugal e recursos pode significar um passo importante
de como os cônjuges podem ultrapassá-las a nesse processo, considerando que as pessoas
partir de uma maior aceitação do outro, envol- fazem muito pouco o exercício de se olharem
vendo aspectos como a identificação das cau- com vistas ao reconhecimento das potenciali-
sas desses problemas, a mediação de conflitos, dades (Seligman, 2011). A partir de exercícios
bem como a resolução dessa situação a partir simples, orientados pelo profissional do acon-
de um diálogo franco e aberto. Isso nos reme- selhamento, pode-se propor que as pessoas
te às proposições da Abordagem Centrada da visualizem suas qualidades e seus recursos,
Pessoa no sentido de que a compreensão do bem como que reconheçam no parceiro as po-
outro e a consideração positiva acerca deste é tencialidades trazidas por este. Dar um espaço
fundamental em qualquer processo de ajuda. para esse reconhecimento é fundamental no
No caso dos casais, a capacidade de reconhe- aconselhamento e no fortalecimento dessas
cimento do outro como constitutivo da dimen- capacidades para o enfrentamento de diver-
são da conjugalidade (Féres-Carneiro, 1998) sas situações conflituosas que podem emergir
oferece uma oportunidade de reconhecer-se e no espaço conjugal, desde crises emocionais a
de visualizar o outro no espaço conjugal, assu- impasses na educação dos filhos, por exemplo.
mindo essa dimensão como uma responsabili- (e) Reconhecimento das potencialidades e
dade de ambos. A resiliência nessa experiência construção de estratégias para enfrentamento
é, pois, uma capacidade de ambos e deve ser do problema. A partir do exercício menciona-
ampliada de modo compartilhado pelo casal do no item “d”, parte-se para uma fase na qual
no aconselhamento. esses recursos e essas capacidades devem se
(c) Processo terapêutico com vistas à sen- converter em estratégias de enfrentamento das
sação de aumento de força pessoal. É preciso situações problemáticas enfrentadas pelo ca-
que o acompanhamento terapêutico propicia- sal, por isso a importância de reconhecer pri-
do no aconselhamento seja capaz de recuperar meiramente os recursos para, então, pensar no
em cada membro da díade a capacidade de emprego dessas potencialidades para tentar
olhar e perceber as suas forças pessoais, bem resolver ou diminuir os problemas enfrenta-
como as forças emergentes a partir da união dos no âmbito da conjugalidade. Por exemplo,
dessas pessoas, o que equivale a reassegurar pode se indagar: de que modo a objetividade
e reafirmar a força do casal surgida a partir de um dos parceiros ou a apurada capacida-
do potencial trazido por cada um. A relação de de escuta do outro podem ser empregados
de ajuda estabelecida com o profissional deve para resolver os conflitos trazidos pelo casal?
possibilitar esse aumento de força pessoal a Como esses recursos podem ser ampliados,
partir não apenas do reconhecimento das po- constituindo fatores protetores do relacio-
tências de cada um e do casal, como conside- namento? Essas são questões que podem ser
rado pela Psicologia Positiva, mas também por discutidas no espaço do aconselhamento, a
meio de uma análise de situações pregressas partir de um adequado manejo por parte do
e da consideração positiva incondicional, tal profissional. As estratégias de enfrentamento
como proposta na Abordagem Centrada na devem ser orientadas não apenas pela sua ca-
Pessoa. Ao considerar o casal como suficien- pacidade de resolver os conflitos no âmbito do
temente preparado para modificar-se e passar casal, mas de preservar as forças pessoais dos
pelo processo de aconselhamento, pode-se en- cônjuges e a crença de que podem atingir um
corajar o par a reconhecer o seu valor e as suas maior grau de autonomia e amadurecimen-

Contextos Clínicos, vol. 7, n. 2, julho-dezembro 2014 200


Fabio Scorsolini-Comin

to, assim como proposto por Rogers (1977). situação? Elaborar as expectativas e construir
Quando os cônjuges sentem que eles mesmos planos para o futuro podem ser exercícios va-
podem refletir sobre os problemas enfrentados liosos no sentido de reconhecer os desejos do
e buscar formas de resolução que impliquem par, mas, acima de tudo, em uma relação con-
o desenvolvimento de ambos, maiores são as jugal, é importante compreender de que ma-
chances de um processo de aconselhamento neira aqueles planos estão sintonizados com o
bem-sucedido (Mosmann e Falcke, 2011; Wag- casamento.
ner e Mosmann, 2012), retomando as conside- Ao invés de apresentar o casamento como
rações tanto da Psicologia Positiva quanto da um dificultador da realização de alguns dese-
Abordagem Centrada na Pessoa. jos pessoais (por exemplo, estudar, fazer uma
(f) Responsabilização pelo próprio pro- faculdade ou buscar um emprego), pode-se
cesso de mudança. Essa fase nos faz retomar pensar em como desenvolver a conjugalidade
os apontamentos da Abordagem Centrada na como um espaço que potencialize essa realiza-
Pessoa, no sentido de que o profissional do ção pessoal. A parceria amorosa pode ser um
aconselhamento é considerado um facilitador suporte no enfrentamento das dificuldades e
dessa mudança ao oferecer uma atmosfera possibilitar que planos e perspectivas possam
adequada para que a pessoa reconheça seus também ser compartilhados e realizados con-
problemas e os recursos para o seu enfren- juntamente. As expectativas construídas por
tamento (Corey, 1983; Santos, 1982). Assim, ambos os cônjuges também podem ser expe-
pode-se afirmar que é a pessoa em busca de rienciadas por meio do compartilhamento de
ajuda que promove essas mudanças, alterando ideias e desejos e do reconhecimento de que o
radicalmente a compreensão que classicamen- crescimento pessoal do outro pode ser acom-
te se possui sobre a atividade do conselheiro. panhado pelo próprio crescimento daquele
O profissional é responsável pelo processo de que busca ajuda. É nessa consideração que se
aconselhamento, mas é a pessoa que pode e sustenta também o posicionamento de Rogers
deve operar as mudanças necessárias ao seu (1985): quanto mais a pessoa se aceita, mais
crescimento pessoal, o que nos leva a afir- estará disposta a aceitar também o outro, fa-
mações por vezes até consideradas radicais, vorecendo a assunção de um relacionamento
como “o saber do psicólogo de nada serve” baseado no respeito, na troca e na considera-
(Amatuzzi, 2012, p. 12). Ao fazer essa afirma- ção de que ambos só podem formar um casal
ção a partir da leitura de Rogers, esse autor se forem, individualmente, respeitosos e con-
destaca que os conhecimentos do psicólogo gruentes em relação ao seu próprio eu.
devem contribuir para o processo de mudan- Tendo como norte essas fases, construídas
ça almejado pelo cliente, mas que os seus co- a partir da literatura científica (Gillham e Se-
nhecimentos sobre a dinâmica psíquica, por ligman, 1999; O’Hanlon e Weiner-Davis, 1997;
exemplo, pouco contribuem para esse proces- Prati e Koller, 2011), e ancoradas em pressu-
so, forçando-nos a olhar para a importância da postos humanistas e da Psicologia Positiva,
relação e para a sabedoria que emerge quando pode-se compreender o aconselhamento psi-
as pessoas estão em comunicação aberta e ple- cológico junto a casais como uma proposta
na (Amatuzzi, 2012). que visa recuperar, em cada um e na díade,
(g) Busca por recursos utilizados na sua a tendência ao crescimento pessoal e a aber-
história pessoal e familiar, bem como a re- tura para a manifestação do bem-estar. Como
construção das expectativas em relação ao proposto por Seligman (2011), o bem-estar é
futuro. O processo de analisar as experiências composto (e também promovido) por cinco fa-
pregressas é fundamental para se reconhecer tores: emoção positiva, engajamento, sentido,
padrões de funcionamento e o modo de mane- relacionamentos positivos e realização. A bus-
já-los, a fim de possibilitar uma melhor adap- ca pela realização, que envolve o engajamento
tação e, consequentemente, maior satisfação da pessoa em situações prazerosas e capazes
do cliente. Orientar o pensamento para o futu- de promover um sentido à existência, encon-
ro é a possibilidade de que a pessoa sintonize- tram ressonância clara na Abordagem Centra-
se com as próprias expectativas que construiu da na Pessoa, ou nas palavras de Rogers (1977,
ao longo do tempo. O que foi planejado e que p. 159): “Se ser verdadeiramente si mesmo exi-
não pode ser realizado? Essa não realização ge e é processo, fluido, contínuo, de mudan-
tem alguma associação com a conjugalidade? ça, então isso implica que um eu cresça e se
Como a conjugalidade e a força do casal po- desenvolva”. Por isso, deve-se “[…] elevar ao
dem ser empregadas para a modificação dessa máximo a capacidade de transformação e de

Contextos Clínicos, vol. 7, n. 2, julho-dezembro 2014 201


Aconselhamento psicológico com casais: interlocuções entre Psicologia Positiva e abordagem centrada na pessoa

crescimento”. Os relacionamentos positivos diálogo – e também a escuta – acerca de como


destacam a necessidade de que as pessoas es- a conjugalidade tem sido construída, afetada
tabeleçam relações saudáveis para alcançarem e ressignificada ao longo do tempo e das ex-
o bem-estar e são considerados fontes de apoio periências de vida. Reconhecer o espaço da
em momentos de angústia e também como su- conjugalidade como uma possibilidade de
portes para o compartilhamento de momentos reconstrução da própria experiência conjugal
de êxtase e de alegria. pode contribuir para o desenvolvimento de
O florescimento, condição que permite o intervenções em aconselhamento psicológico
desenvolvimento pleno, saudável e positivo que se norteiam pela oferta de ajuda que vise o
dos aspectos psicológicos, biológicos e sociais esclarecimento da demanda e a compreensão
(Keyes e Haidt, 2003), na Psicologia Positiva, de que ambos os cônjuges estão implicados
envolve o aumento da emoção positiva, do no processo de mudança almejado. Sendo a
engajamento, do sentido, dos relacionamentos conjugalidade uma dimensão criada e recria-
positivos e da realização, além de uma exis- da constantemente pelo par (Féres-Carneiro,
tência provida de maior sentido. Pode ser am- 1998), há que se implicar os cônjuges nesse
pliado justamente pela potencialização desses processo de assunção de responsabilidade e
elementos considerados essenciais e de carac- de potencialidade para a adoção de atitudes e
terísticas adicionais como autoestima, otimis- comportamentos considerados mais adaptati-
mo, resiliência, vitalidade e autodeterminação. vos e promotores de bem-estar na relação.
Tais características podem ser desenvolvidas Ao final deste percurso, sumarizamos, no
e aprimoradas constantemente por meio de Quadro 1, as principais intersecções entre as
treinamentos e intervenções específicas, o que abordagens destacadas neste estudo, bem
torna o bem-estar um construto que pode ser como suas possíveis implicações para as in-
constantemente fomentado, em contraposi- tervenções com casais. Esse quadro tem como
ção a perspectivas deterministas também cri- objetivo auxiliar os pesquisadores e terapeutas
ticadas pela Abordagem Centrada na Pessoa de ambas as abordagens no sentido de apri-
(Scorsolini-Comin et al., 2013). morar técnicas, em busca da promoção de me-
O casamento faz parte do rol dos relacio- lhores condições para o estabelecimento de re-
namentos interpessoais considerados impor- lacionamentos satisfatórios. Obviamente que
tantes para a construção do bem-estar, uma as interfaces não se esgotam neste estudo, mas
vez que envolve elementos significativos da podem e devem ser refletidas constantemen-
dimensão humana. Pesquisas recuperadas te, tendo em vista que ambas as abordagens
por Seligman (2011) destacaram que pessoas buscam, em última instância, a promoção do
mais solitárias tendem a relatar menor nível bem-estar e da autorrealização. No caso, essas
de bem-estar, ao passo que aquelas que se en- experiências de realização deveriam ser pen-
volvem afetivamente com outras (em relações sadas também em relação ao casal, haja vista
de amor, amizade ou de coleguismo) tendem a que a conjugalidade pode contribuir para que
desenvolver estratégias mais adaptativas para o indivíduo atinja esses estágios, nunca des-
enfrentarem situações consideradas difíceis. considerando a individualidade dos parceiros.
Posto isso, a conjugalidade apresenta-se como
potencializadora do bem-estar ao promover Considerações finais
não apenas o estabelecimento de uma relação
interpessoal positiva, mas também a manifes- Este estudo teórico pretendeu apresentar
tação de emoções positivas e levar à realização os elementos que podem compor uma inter-
pessoal nas situações em que o casamento é venção com casais na modalidade de aconse-
associado a esse sentido de vida. lhamento psicológico, utilizando como mar-
O aconselhamento psicológico inspirado co teórico as interlocuções entre a Psicologia
na Psicologia Positiva pode e deve compre- Positiva e a Abordagem Centrada na Pessoa.
ender a conjugalidade como potencializadora Ao reivindicar que os pressupostos dessa pri-
dos relacionamentos interpessoais positivos meira corrente ancoram-se fundamentalmente
e, consequentemente, do bem-estar. As reper- na herança humanista, avançando em relação
cussões dessa compreensão teórica, no entan- a intervenções mais pontuais e objetivas, en-
to, devem ser trabalhadas no aconselhamento volvendo alto grau de planejamento, algumas
de casais tendo em vista o fortalecimento do diretrizes podem ser sumarizadas para uma
vínculo para o enfrentamento de problemas atenção que considere as interlocuções aqui
no cotidiano conjugal, abrindo espaço para o apresentadas. A consideração positiva pelo

Contextos Clínicos, vol. 7, n. 2, julho-dezembro 2014 202


Fabio Scorsolini-Comin

Quadro 1. Implicações para as intervenções com casais a partir das interfaces entre Abordagem
Centrada na Pessoa e Psicologia Positiva.
Chart 1. Implications for interventions with couples from the interfaces between the Person
Centered Approach and Positive Psychology.

Interfaces entre Abordagem Centrada


Implicações para a intervenção com casais
na Pessoa e Psicologia Positiva
(1) Foco inicial no indivíduo e em seu (1) Priorizar, em um primeiro momento, o
processo de “tornar-se pessoa” discurso de cada cônjuge acerca não apenas
do casamento, mas também de explicitação
da queixa que pretende ser atendida no
processo terapêutico, de como cada parceiro
é, suas questões pessoais, expectativas e
dúvidas. Conhecer cada cônjuge e verificar se
este se aceita como é.
(2) Desenvolvimento de recursos e (2) Conhecer os recursos já trazidos e
potencialidades outros que podem ser desenvolvidos por
cada cônjuge na relação. Necessidade de
potencializar esses recursos tanto para que
a pessoa se aceite mais e se integre quanto
para que esta possa ajudar seu parceiro nesse
processo, aceitando-o. Reconhecer o recurso
em si para depois empregá-lo na relação.
(3) Dissolução de papéis (3) Não cristalizar determinados papéis
relacionados ao gênero, nem em relação às
expectativas sociais e culturais construídas
acerca do que é o casamento ou de como
deve ser o cônjuge. O casal deve construir
um modelo próprio em função de suas
necessidades.
(4) “Tornar-se pessoa” para depois “tornar-se (4) Na conjugalidade, deve-se reconhecer
um casal” as necessidades de cada parceiro como um
elemento importante para ambos manterem a
relação e construírem o espaço conjugal. Dar
voz ao modo como cada um é e desenvolver
a aceitação mútua. Retomar aspectos como
comprometimento e envolvimento.
(5) Casamento como algo que faz parte (5) Explorar o casamento como algo que
também da dimensão pessoal da vida e, nos ajuda a nos compreender e que pode
portanto, da identidade de cada um. ser importante em diversos momentos nos
quais necessitamos de afeto, de cuidado,
parceria, filiação e de segurança emocional.
Resgatar a conjugalidade como fonte de apoio
e recurso para o enfrentamento de diversas
dificuldades (ligadas ou não ao casamento) ao
longo do ciclo vital.
(6) Educação para a conjugalidade (6) A educação para a conjugalidade envolve
não apenas a consideração do casamento
como espaço de aprendizagem, mas também
recupera a necessidade de que essa instituição
possa ser mais discutida em diferentes
contextos. A dimensão da afetividade deve
ser alvo de discussões em todas as etapas
da vida, priorizando sempre o respeito e a
consideração positiva pelo outro.

Contextos Clínicos, vol. 7, n. 2, julho-dezembro 2014 203


Aconselhamento psicológico com casais: interlocuções entre Psicologia Positiva e abordagem centrada na pessoa

outro, ponto de encontro entre essas aborda- 2012), o aporte na interface entre Psicologia Posi-
gens, oferece suporte para que o aconselha- tiva e Abordagem Centrada na Pessoa pode con-
mento com casais seja desenvolvido sem pré- duzir a novas possibilidades e questionamentos
julgamentos acerca do que é um casamento na área. A clínica de família e de casal deve es-
bem-sucedido ou de como devem ser maneja- tar constantemente aberta a esses diálogos, que
dos os conflitos que incidem sobre a conjugali- podem e devem promover reflexões sobre o
dade, tratando de compreender o espaço con- modo como compreendemos a conjugalidade,
jugal como uma construção do casal visando sua estruturação e sua abertura para a transfor-
o crescimento de cada um. A conjugalidade, mação. Considera-se que os apontamentos aqui
nesse sentido, seria um indicativo importante compartilhados devem ser empregados em in-
para o compartilhamento, o engajamento e o tervenções que tragam uma prática qualificada
estabelecimento de relacionamentos interpes- e uma condizente análise, a fim de que possam
soais mais positivos, tendo como norte o ne- ser estabelecidas comparações com os modelos
cessário investimento no domínio pessoal de existentes, na consideração da complexidade
cada cônjuge, a fim de que este possa também inerente à clínica de família e casal no marco da
expandir a sua aceitação para o parceiro. pós-modernidade. Essa limitação do estudo, no
Em relação aos pontos de distanciamentos entanto, deflagra uma importante e necessária
entre as abordagens, notadamente no que se sugestão para que intervenções sejam realiza-
refere às intervenções aqui assinaladas, pode- das, discutidas, apresentadas e construídas ten-
se pensar que a Psicologia Positiva coloca do como meta o florescimento do casal.
maior ênfase no processo terapêutico realiza-
do pelo casal, pouco mencionando a impor-
tância do conselheiro ou do psicoterapeuta. Já
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