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07/05/2012

Figueira do Inferno - A Erva dos


Feiticeiros

Planta da família das Solanaceas [1], a Daturapossui alguns epítetos muito


interessantes aqui no Brasil: Figueira do Inferno, Mata-Zombando, Trombeteira, Saia
Branca, Maçã Espinhosa, Zabumba, Figueira Brava, Erva dos Feiticeiros, Erva dos
Mágicos, Erva do Diabo, entre muitos outros [2].

Esta planta é mundialmente conhecida, e atualmente onze espécies de Datura são


reconhecidas pelos especialistas etnobotânicos, embora alguns cientistas de outras
áreas listem nove ou quatorze (incluindo o gênero Brugmansiaou variações híbridas).
A origem desta potente espécie alucinógena é envolta em mistério ainda em debate:
Alguns botânicos sugerem que a Datura é indígena somente no Novo Mundo e não se
espalhou pela Ásia (D. metel) e Austrália (D. leichhardtii) até pelo menos nos últimos
400 anos. Por outro lado, o próprio nome do gênero encontra sua origem no sânscrito,
como dhustura ou dhatura. Outros botânicos, como Harri Lorenzi e F.J.Abreu Matos,
autores de Plantas Medicinais no Brasil - Nativas e Exóticas [3], posicionam uma de
suas origens (D. stramonium) no Himalaia, mas naturalizada na Europa, América do
Sul e Ásia e subespontânea no Brasil como planta ruderal e ornamental.

Todas as espécies de Datura possuem efeitos similares, desde que seus constituintes
são similares – ou seja – ricos em escopolamina, hiosciamina e atropina. De acordo
com o livro Plants of the Gods [4], esta é uma planta que merece toda atenção e
cautela: “A atividade fisiológica começa com o sentimento de lassidão e progride em
um período de alucinações seguidas por um sono profundo e perda de consciência.
Em doses excessivas, pode ocorrer morte ou insanidade permanente.”Outros relatos
incluem delírio, hipertermia, taquicardia, comportamentos bizarros e possivelmente
violentos, fotofobia dolorosa que pode persistir por vários dias e amnésia
pronunciada [5] .

Um relato a "loucura negra" do século XVII descreve os sintomas da intoxicação


por Datura [5] :
"Os servos comeram de um prato de lentilhas no qual sementes de thornapple
(Datura) se misturaram acidentalmente. Depois disso, todos eles ficaram tolos. A
rendeira trabalhou com uma diligência incomum, jogando a bobina vigorosamente
para lá e para cá, mas fazendo tudo em confusão terrível. A camareira entrou na sala
gritando muito alto: ‘Olhe, todos os demônios do inferno estão entrando! ’ Um
servente carregou madeira pedaço por pedaço à câmara secreta, anunciando que ele
deveria destilar brandy ali. Outro entrechocava dois machados de madeira, dizendo
que tinha que cortar madeira. Outro engatinhava arranhando a grama e a terra com
sua boca e grunhindo como um porco faz com seu focinho. Outro se imaginava um
carroceiro e queria fazer furos em cada pedaço de madeira que podia pegar. Depois,
ele pegou um grande pedaço de madeira no qual um grande furo havia sido feito,
segurou este buraco na frente de sua boca como se fosse beber e disse: ‘Eu nem
comecei a ficar bêbado. Oh! Que bebida maravilhosa! ’ Assim, o bom camarada
imaginou que bebia de um buraco furado em um pedaço de madeira seca. Outro foi à
oficina e chamou por pessoas que viessem para ajudá-lo a pegar peixes, pois havia
um grande cardume de peixes nadando na forja. Para outros a planta de tolos deu
outras idéias malucas, de modo que eles se engajaram em todos os tipos de trabalhos
sem serem pagos por isso e atuavam em apropriada comédia. No dia seguinte,
nenhum deles sabia das palhaçadas ridículas que haviam feito. Nenhum deles
acreditava ou permitia convencer-se de que havia tido estas fantasias.”

De acordo com o livro Plantas Medicinais no Brasil , seu uso na medicina caseira é o
das flores, que são usadas sob a forma de cigarros e empregados para o controle da
dispnéia asmática, o que é contra-indicado para pacientes cardíacos. Na medicina é
usado por suas ações: midriática e espasmolítica. Também é um anticonvulcionante,
narcótico-sedativo, neuro-sedativo e alucinógeno.

Das ocorrências no Brasil, conforme o Plantas Medicinais no Brasil [7], onde se


incluem as sinonímias da Brugmansia geralmente relacionadas às Daturas
encontramos: Datura arbórea sensu, Datura gardneri, Datura pseudostramonium,
Datura stramonium, Datura stramonium (var.caeruleum), Datura suavolens, Datura
metel e Datura tatula. Contudo, para o peregrino experiente, o gênio
da Brugmansia (Trombeta de Anjo) e o da Datura (Figueira do Inferno), embora da
mesma “tribo” e abundantes híbridos, são bastante distintos, com histórias e usos
diferenciados. Em tempo explorarei mais o reino das Brugmansias, mas este artigo vai
buscar foco nas três mais viáveis e/ou célebres Daturas do ponto de vista mágico e
etnobotânico: Datura innoxia, Datura metel e Datura stramonium.

Datura innoxia Miller


Também conhecida como A-neg-la-kia(Mazateca), a’neglakya (Zuni), chamico,
chanikah, ch’óhojilyééh, ch’óxojilghéi (dos Navajos, que significa “o que faz
louco”),dekuba (Tarahumara), dhatura (Paquistão),hehe camóstim (Seri), hierba del
diablo, hippomanes, kielitsa (Huichol, “mal kieli”),loco weed,
menj (Arábia/Iêmen),tolohuaxihuitl (Azteca), wichurí, xtóhk’ùh(Maia
Yucateca), xtoku (Maia “na direção dos deuses), nocuana-patao (Zapoteca), entre
outros muitos outros.

Esta Datura é uma das mais significativas do ponto de vista etnofarmacológico.


Estudos arqueológicos demonstram seu uso generalizado por vários povos, em especial
os mazatecas, astecas, navajos, etc. Estudos revelam que ela se distribuiu do sudoeste
americano e México à Guatemala e Belize, e dali para as ilhas do Caribe. Foi também
introduzida à Ásia há várias centenas de anos e na Índia ocorre em associação com
a Datura metel. Ela também cresce livremente na Grécia e Israel.

O material psicoativo pode ser coletado tanto das folhas (frescas ou secas), das raízes,
flores e sementes. As sementes e folhas podem ser maceradas e tratadas com um agente
fermentador para produzir uma bebida alcoólica. As raízes são geralmente usadas como
uma adição inebriante de bebidas tradicionais como o pulque, da cerveja ou da chicha.
Os índios Yaqui fazem um ungüento ao adicionar as sementes e folhas maceradas em
banha, passando este ungüento sobre seus abdomens para induzir visões.

Usos Rituais:

Nos textos médicos astecas, toloache é mencionado várias vezes, especialmente no


tratamento de febre. As fontes escritas não contêm qualquer indicação clara de que a
planta tenha sido usada como inebriante, mas alguns usos rituais e mágicos que
ocorrem através do México moderno sugerem seu uso no período pré-hispânico. Tem
sido sugerido que um preparado de Datura era dado aos humanos que seriam
sacrificados, bem como para propósitos iniciáticos. Em Yucatán (sul do
México), xtohk’ùh(“na direção dos deuses”) é uma planta rara. O hmenó’ob (xamã) usa
a Datura não somente como medicina, mas especialmente como uma erva de ritual,
fumando-a (chamal) para fazer adivinhações em cristais, ou como alguns mais
modernos, em cartas de tarot. Eles comem as sementes para viajar ao yuntsil balam, ou
o “Senhor Jaguar” quando uma pessoa adoentada perde seus espíritos protetores. As
folhas são consideradas excelente oferenda aos deuses. Dentre os Maias, a Datura é
considerada afrodisíaca e assim é fumada para este efeito, e as flores são apresentadas à
pessoa desejada como uma espécie de magia de amor [8].
Na brujería urbana, toloache tem um papel importante na preparação de pós mágicos
(verdadero polvo de toloache), na preparação de ungüentos afrodisíacos, banhos e
feitiços de amor. Em alguns lugares do México, a Datura innoxia é venerada em igrejas
como um curandeiro quasi-católico conhecido como Santo Toloache, que é chamado
para efetuar também feitiços de amor. Esta planta também possui uma má reputação
entre os mexicanos, tanto porque causa insanidade ou porque tem sido usada
por brujos para magia maléfica. De acordo com os xamãs mexicanos, toloache é
especialmente perigoso porque dá poder ao seu usuário. Carlos Castañeda recebeu de
seu professor, Don Juan de Mattos, a seguinte explicação sobre as propriedades
mágicas desta planta:

“A segunda porção da erva do diabo é usada para voar... O ungüento por si não é
suficiente. Meu benfeitor disse que é a raiz que dá a direção e a sabedoria, e é a causa
do vôo. Assim que você aprende mais, e a toma freqüentemente para poder voar, você
começa a ver tudo com uma grande claridade. Você pode planar através do ar por
centenas de milhas para ver o que está acontecendo em qualquer lugar que quiser, ou
para desferir um golpe fatal em seus inimigos de longe. Assim que você se torna
familiar com a erva do diabo, ela vai ensiná-la em como fazer tais coisas” [9]

Seguindo os escritos de Castañeda, também podemos notar o uso do cacto peyote


(Lophophora williamsii) e cogumelos Psylocibe, que vamos abordar em outros artigos
desta série.

Entre os Navajos, a Datura innoxia é respeitada pelo seu grande poder. A coleta dos
frutos é feita com um ritual específico, onde rezam reverentemente: “Pequeno cabelo
branco, perdoe-me por apanhá-la. Não faço isso por arrogância. Gostaria que você
me curasse. Pegarei somente o tanto que preciso”. Eles também ingerem pequenas
porções da planta para se protegerem de ataques mágicos e a planta também pode ser
usada para magia de amor, tanto de forma positiva quanto negativa. A cerimônia de
ajilee, conhecida como o “Caminho do Excesso”, “Caminho da Prostituição” e “Delírio
Bruxo” é digno de nota. Ajilee é o nome de um mito, uma música mágica e um ritual no
qual uma pessoa é transformada no espírito da Datura, onde ela pode ganhar poderes
de atração sexual, de atração de caça, adivinhação, telepatia, proteção, e purificação.

Raízes: As raízes frescas podem ser maceradas e aplicadas externamente, mastigadas,


secas e transformadas em pó. Infelizmente, não existem muitas informações
disponíveis para a quantidade de raízes que podem ser mastigadas ou comidas.

Folhas: As folhas podem ser fumadas sozinhas ou em combinações (blends). Os xamãs


maias yucatecas usam as folhas desta Datura misturadas com folhas de tabaco
(Nicotiniana tabacum ouNicotiniana undulata), e chamam estes cigarros de “chamal”.
Geralmente usa-se uma folha de cada planta, e fuma-se até que atinja o estado de
consciência desejado, o que pode diferenciar consideravelmente de um indivíduo para o
outro. Para fumar, o máximo de quatro folhas é considerado uma dosagem apropriada
para efeitos afrodisíacos. Consumir a planta desta forma é realmente mais seguro. Os
chás feitos das folhas devem ser dosados cuidadosamente. Uma única folha pode ser
suficiente para induzir alucinações profundas. Desde que a concentração de alcalóides
pode variar consideravelmente e porque os indivíduos reagem diferentemente aos
alcalóides tropânicos (escopolamina, hiosciamina e atropina), informações detalhadas
sobre as doses geralmente são ocultadas.

Sementes: De trinta a quarenta sementes - uma dosagem considerada potente para


efeitos visionários e/ou alucinógenos. Porém, dez sementes já podem provocar
mudanças profundas na percepção.

Conclusão: Não dá para tomar o chá sem os riscos mencionados neste artigo. Cada
um tem uma tolerância, e cada folha pode variar na constituição química. Posso afirmar
que é extremamente irresponsável o uso deste enteógeno em rituais abertos. Nos
fechados, cada participante deveria conhecer sua própria tolerância e método mais
apropriado. Fumar as folhas tem sido o melhor método até então relatado –
juntamente com tabaco puro, que atua nos receptores colinérgicos buscando um
equilíbrio melhor - descartando uma fatal overdose. A tolerância do método das
sementes (mascadas ou em ungüento) deveria ser testada individualmente e aos
poucos.

No próximo artigo, explorarei a Datura metel. Aguardem!

[1]Subfamília Solanoideae, Datureae Tribe


[2]Plantas Medicinais no Brasil – Nativas e Exóticas (pg449) e Plantas Daninhas
do Brasil – Terrestres, Aquáticas, Parasitas e Tóxicas (pg552) – ambos do Instituto
Plantarum de Estudos da Flora.
[3]Publicado pelo Instituto Plantarum de Estudos da Flora - certamente um dos
melhores guias sobre plantas medicinais existentes no Brasil.
[4] Richard Evans Schultes e Albert Hofmann – Plants of the Gods (1992, pg.111)
[5] Como em E. Freye "Toxicity of Datura Stramonium - Pharmacology and Abuse
of Cocaine, Amphetamines, Ecstasy and Related Designer Drugs. pgs. 217–218.
[6] How Do Witches Fly? Herbs Used in the Ointment - de Alexander Kuklin, Pg. 55
[7] H.Lorenzi, F.J. Abreu Matos - Pgs. 449-450 Datura stramonium L.
[8] The Encyclopedia of Psychoactive Plants – Ethnopharmacology and Its
Applications – de Christian Ratsch, pgs 196-200,
[9]The teachings of Don Juan, de Carlos Castañeda, 1968, pg.92

Outros textos recomendados sobre o assunto:


Um Breve Estudo sobre Plantas Psicoativas - Uma Introdução que postei no excelente site
Bruxaria.net
A Sombra da Noite - que aborda a Beladona
O Fruto da Sabedoria - que aborda os Cogumelos, escrito pela Dama do Clan of Tubal Cain,
Shani Oates
Parte I
Parte II
Parte III
ADVERTÊNCIA
As plantas, fungos ou animais discutidos nesta série deste blog são
altamente tóxicos. Qualquer experimentação com estes itens são
fortemente desencorajados. A autora não assume qualquer
responsabilidade pela experimentação e uso incorreto, e os textos não são
mais do que "curiosidades etnobotânicas". :)

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