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Depressão Ao Longo Da História PDF
Depressão Ao Longo Da História PDF
Depressão ao
longo da história
Thaís Rabanea de Souza
Acioly Luiz Tavares de Lacerda
que revestia a doença mental até então, es- poentes Karl Jacobi (1775-1858); e, de
forçando-se para colocar as doenças men- outro, a “escola psiquista”, que atribuía às
tais no mesmo paradigma das doenças de perturbações emocionais o embasamento
outras especialidades médicas, atribuindo das perturbações anímicas. Em 1845, pu-
ao cérebro o substrato biológico dos trans- blica o Tratado sobre patologia e terapêu-
tornos mentais. O trabalho de Rush em re- tica das doenças mentais, um verdadeiro
lação à melancolia influenciou estudiosos marco na história da psiquiatria. De mo-
além da fronteira de seu país, como Esqui- do geral, ele defendia que o cérebro era o
rol, por exemplo. Considerando as ideias órgão afetado na loucura e que as doen-
de Cullen e Kant, Rush descreve a melan- ças mentais seriam, pois, doenças do cé-
colia como uma insanidade parcial e, fun- rebro. A classificação proposta por Jaco-
damentado no princípio de que a razão é bi resultava em basicamente três estados
central em todo transtorno mental, acres- que, em geral, sucediam um ao outro con-
centa que, embora a concepção do qua- forme a progressão da doença: estado me-
dro seja de fato ampla, a melancolia está lancólico, que poderia ser seguido por es-
mais associada com a presença de falsas tados de exaltação ou mania e, finalmen-
crenças ou delírios do que com sentimen- te, pelo estado de demência crônica. Sua
tos ou emoções como medo ou tristeza. proposta de classificação ficou conhecida
Rush introduziu ainda o termo tristema- como a teoria da psicose única e, segun-
nia, que substitui o termo hipocondria, do essa concepção, a melancolia configu-
existente até então para designar formas rava-se como o estágio inicial da doença
de insanidade vinculadas a delírios sobre mental.3,6
si mesmo, coisas ou condições; e substi- A evolução do pensamento de Emil
tuiu o termo melancolia por amenomania, Kraepelin e Sigmund Freud consolidou
referindo-se à presença de delírios acerca definitivamente a transição da psiquiatria
do resto do mundo que envolve o pacien- vitoriana do século XIX para a psiquiatria
te. A influência de Rush ultrapassou fron- moderna no início do século XX. A influên
teiras e séculos, porém os termos usados cia marcante desses dois nomes também
por ele não sobreviveram.3,7 inaugurou uma divisão nas práticas em
Os achados de um personagem cen- saúde mental: de um lado, a psicanálise,
tral no cenário da psiquiatria alemã, Wi- alicerçada em fundamentos psicológicos;
lhelm Griesinger (1817-1868), conside- e, de outro, a psiquiatria científica, funda-
rado por muitos como um dos pais da mentada em bases neurobiológicas. A se-
psiquiatria biológica, também merecem gunda teve um impacto muito mais sig-
destaque, especialmente por sua grande nificativo no desenvolvimento da prática
influência na obra de Kraepelin. A Grie- em psiquiatria e uma influência maior nas
singer é creditado o feito de colocar a psi- definições da síndrome depressiva, utili-
quiatria alemã em uma posição de proe zadas tanto no Manualdiagnóstico e esta-
minência na segunda metade do século tístico de transtornos mentais8 quanto na
XIX, lugar anteriormente ocupado pela Classificação internacional das doenças.9 O
França. Tal feito pode ser atribuído à su- conceito de depressão desenvolvido pela
peração das ideias conflitantes que divi- psicanálise, por sua vez, contribuiu para o
diam a psiquiatria alemã do início do sé- desenvolvimento das psicoterapias e para
culo XIX em duas vertentes: de um lado, as representações da depressão encontra-
a “escola somática”, que relacionava os das na arte e na literatura.4
transtornos mentais a processos orgâni- Profundamente influenciado pelas
cos, tendo como um de seus maiores ex- ideias de Griesinger e pela psicologia ex-
mir várias formas clínicas e que algumas Radó (1890-1972), psicanalista húnga-
dessas formas podem ter afecções somáti- ro, distinguiu a neurose depressiva – for-
cas e outras psicogênicas, e que suas con- ma menos grave, na qual o paciente tem
siderações estão vinculadas à observação consciência de sua baixa autoestima – da
de casos de natureza psicogênica indiscu- melancolia – forma mais grave, com pre-
tível. Freud sugere a presença de uma dis- sença de delírios de autoacusação, que se
posição patológica e distingue os traços aproxima da depressão psicótica. Otto Fe-
mentais da melancolia, os quais incluíam nichel (1898-1946), psicanalista vienen-
desânimo profundo, perda da capacidade se, sob a tutela de Radó, defendeu que
de amar, inibição de toda e qualquer ativi- a depressão seria um aspecto comum à
dade, diminuição da autoestima, autorre- maioria das formas de neurose e que a
criminação e autoenvilecimento e expec- persistência de um grau leve de depressão
tativa delirante de punição. Ele postula seria um prenúncio de que uma depressão
que, na melancolia, acontece um empo- mais grave poderia se desenvolver, suge-
brecimento e esvaziamento do próprio rindo, portanto, um continuum dos esta-
ego, que resulta em um delírio de inferio- dos de depressão entre neurose e psicose.
ridade, principalmente moral, que é com- Outros nomes, como o de Karl Abraham,
pletado por insônia e pela recusa em se René Spitz e Melanie Klein, também me-
alimentar. Sugere que a tendência a adoe- recem destaque.2,4
cer de melancolia está vinculada à predo- A partir da década de 1960, além
minância do tipo narcisista de escolha ob- das psicoterapias psicodinâmicas, as abor-
jetal. Ele também aponta para a tendên- dagens cognitivas e comportamentais des-
cia ao suicídio e, ainda, para a tendência pertaram o interesse e também passaram
da melancolia em se transformar em ma- a exercer influência sobre o entendimen-
nia. O termo depressão propriamente di- to e o tratamento do comportamento de-
to é utilizado de modo descritivo, e não pressivo. Dentre elas, destaca-se a terapia
como um quadro clínico ou uma catego- cognitivo-comportamental (TCC), desen-
ria nosológica. Freud inaugura a prática volvida pelo psicólogo norte-americano
primordialmente terapêutica baseada em Aaron Beck. A TCC sustenta que a origem
fundamentos psicodinâmicos que predo- e a manutenção dos sintomas depressivos
minou na psiquiatria moderna da primei- estão associadas à presença de pensamen-
ra metade do século XX. Se, por um lado, tos e crenças disfuncionais e não de for-
a orientação psicanalítica enfraqueceu os ças inconscientes, como defendia a tradi-
laços da psiquiatria com a medicina expe- ção freudiana. Inúmeros ensaios clínicos
rimental e com as demais ciências biológi- controlados comprovam a eficácia da TCC
cas, por outro, fez importantes contribui- no tratamento da depressão leve e mode-
ções, como o aumento do insight clínico, rada.17-19
o desenvolvimento sistemático de defini- A influência da primeira e, especial-
ções do comportamento e da doença e a mente, da segunda guerra mundial resul-
diminuição do estigma social associado tou na expansão da influência e na popu-
ao transtorno mental.11,12,15,16 larização da psiquiatria – e na posterior
A influência da orientação psica- expansão do diagnóstico de depressão. O
nalítica na psiquiatria ocidental atin- sucesso dos psiquiatras no tratamento de
giu seu ápice na década de 1960 e per- soldados que desenvolveram transtornos
durou até a década de 1970. Nesse perío- mentais em decorrência da guerra elevou
do, alguns nomes se destacaram: Sandor o status da psiquiatria a um patamar se-