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Recibido / Recebido: 29.01.2018 - Aceptado / Aceite: 11.05.2018 https://doi.org/10.21865/RIDEP50.1.

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O Conceito de Mecanismos de Defesa e a sua Avaliação: Alguns Contributos

The Definition of Defense Mechanisms and their Assessment: Some Contributions

Rui C. Campos1

Resumo
Neste artigo apresentam-se diferentes perspectivas sobre o que são e qual a função dos mecanismos de
defesa, nomeadamente as perspectiva de A. Freud, Vaillant, Cramer e de Ihilevich e Gleser. De seguida,
descrevem-se alguns instrumentos de avaliação de mecanismos de defesa que decorrem ou operacionalizam
as perspectivas referidas. Dá-se um enfoque especial ao Defense Mecahnisms Inventory (Ihilevich & Gleser,
1986) que operacionaliza a perspectiva dos autores e que permite obter resultados para cinco escalas:
Turning Against Object, Projection, Principalization, Turning Against Self e Reversal. Contrariamente a uma
abordagem maturacional/evolutiva, esta perspectiva assume que os diferentes tipos de mecanismos de defesa
podem ser igualmente adaptativos, dependendo da sua flexibilidade e do grau em que preservam o teste da
realidade. Descreve-se ainda o Children Aperception Test (CAT; Bellak & Bellak, 1949, 1950) enquanto
instrumento que permite a avaliação dos mecanismos de defesa em crianças.

Palavras-chave: mecanismos de defesa, avaliação, Inventário de Mecanismos de Defesa, Children


Aperception Test

Abstract
In this article we present different perspectives on what are and what is the function of defense mechanisms,
namely the perspectives of A. Freud, Vaillant, Cramer and Ihilevich and Gleser. Then we describes some
instruments for assessing defense mechanisms that follow or operationalize the aforementioned perspectives.
In this paper there is a special focus on the Defense Mecahnisms Inventory (Ihilevich & Gleser, 1986) that
operationalizes the author's perspective and allows to obtain results for five scales: Turning Against Object,
Projection, Principalization, Turning Against Self and Reversal. Differently to a maturational, evolutionary
approach, this perspective assumes that the different types of defense mechanisms may be equally adaptive,
depending on their degree of flexibility and on the degree that they preserve reality testing. the Children
Aperception Test (CAT; Bellak & Bellak, 1949, 1950) is also presented as an instrument that allows the
assessment of defense mechanisms in children.

Keywords: defense mechanisms, assessment, Defense Mechanisms Inventory, Children Aperception Test

Nota de autor: O texto desde artigo é, com algumas alterações, similar a parte do relatório de unidade curricular defendido em provas
agregação em psicologia clínica do autor na Universidade de Lisboa.

1
Departamento de Psicologia, Escola de Ciências Sociais e Centro de Investigação em Educação e Psicologia (CIEP), Universidade
de Évora, Apartado 94, 7002-554 Évora, Portugal. E-mail: rcampos@uevora.pt
Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación – e Avaliação Psicológica. RIDEP · Nº50 · Vol.1 · 149-161 · 2019
ISSN: 1135-3848 print /2183-6051online
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Introdução impulsos carregados de desejo e que o Ego


consideraria perigosos ou que entravam em
Neste artigo começaremos por tecer algumas conflito com as exigências do Super-ego
considerações teóricas relativas à definição de (Vaillant, 1992).
mecanismo de defesa, bem como a diferentes Ao longo do século passado, a investigação
perspectivas sobre o constructo. Passaremos sobre os mecanismos de defesa foi conduzida no
depois para uma descrição de procedimentos de âmbito de vários quadros teóricos, especialmente
avaliação, apresentando instrumentos de avaliação nas abordagens psicanalíticas. Os trabalhos de A.
de mecanismos de defesa, muito em particular Freud (1946) constituem um marco fundamental
dois instrumentos de natureza diferente: o Defense na teoria e investigação sobre o tema (Cramer,
Mechanisms Inventory (Ihilevich & Gleser, 1986), 2000). A. Freud descreve as defesas patológicas
um método de resposta fechada ou de escolha como um desequilíbrio em certos processos que
forçada (veja-se Macmillan e Creelman, 2005) e, podem reflectir a presença de mecanismos rígidos
o Children Aperception Test (CAT), um método que perturbam o desenvolvimento da
projectivo. O objectivo é, por um lado, centramo- personalidade. Esta autora segue uma abordagem
nos em instrumentos que apresentem uma ontogénica em relação ao desenvolvimento dos
fundamentação teórica sólida e, por outro, que mecanismos de defesa e considera que o processo
possam ser aplicados a pessoas de diferentes de maturação pessoal inclui uma maturação dos
idades. O DMI tem uma versão para adolescentes mecanismos de defesa (Schauenburg, Willenborg,
e outra parta adultos e o CAT pode ser aplicado a Sammet, & Ehrenthal, 2007). A. Freud (1946,
crianças. 1965) destaca também que todos os mecanismos
de defesa podem constituir modos de adaptação
Diferentes perspectivas sobre os mecanismos saudáveis, desde que sejam utilizados de forma
de defesa flexível e moderada. Em sua opinião, os
O conceito de mecanismo de defesa em mecanismos de defesa ajudam os indivíduos a
Psicologia surge pela primeira vez em 1894 no lidar com as exigências e desafios presentes na
trabalho denominado As Psiconeuroses de Defesa realidade. Desenvolver-se-iam e seriam utilizados
onde Freud descrevia a luta do Ego contra afectos pelo Ego como forma de lidar com os conflitos
dolorosos e insuportáveis para o indivíduo. provocados pelo Id na sua relação com o Ego e
Posteriormente, Freud formula o conceito de com o Super-ego.
recalcamento que ocorreria devido à angústia e Outros autores, como Haan (1963),
que resultaria e se manifestaria simbolicamente consideram todos os mecanismos de defesa, em
em sonhos, actos falhados e sintomas neuróticos. todas as circunstâncias, como respostas
Mais tarde ainda, Freud (1926) viria a substituir o desadaptativas do sujeito, pelo que estariam
conceito de repressão pelo conceito de defesa associadas ao funcionamento patológico da
(Laplanche & Pontalis, 1988). Freud (1926) personalidade.
propôs diversos mecanismos de defesa, como a Uma terceira posição considera algumas
regressão, o recalcamento, a formação reactiva, o defesas particulares como primitivas, imaturas ou
isolamento, a introjecção, a projecção e a patológicas, enquanto outras, como maduras e
anulação, sendo que mais tarde Anna Freud adaptativas. Trata-se de uma posição defendida,
(1936) introduziu outros mecanismos de defesa, por exemplo, por Vaillant (1971, 1977) e Cramer
como a sublimação, o deslocamento, a negação e (1991). Os trabalhos destes dois autores
a identificação com o agressor (Mullen, Blanco, constituem contributos importantes e mais
Vaughan, Vaughan, & Roose 1999). Freud definiu recentes para o estudo dos mecanismos de defesa,
os mecanismos de defesa como operações mentais apresentando uma nova perspectiva acerca da sua
ou métodos utilizados pelo Ego para se proteger função. Vaillant (1971) apresentou um modelo
contra a ansiedade (Hovanesian, Isakov, & hierárquico dos mecanismos de defesa com quatro
Cervellione, 2009). Seriam processos níveis. Agrupou dezoito defesas, com base no
inconscientes que protegeriam a mente de grau de maturidade e importância do ponto de
sentimentos e pensamentos difíceis de lidar ou de vista psicopatológico. No primeiro nível incluem-

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se os mecanismos psicóticos (negação, distorção, modificar a situação/resolver o problema,


projecção delirante); no segundo nível situam-se enquanto os mecanismos de defesa pretendem
os mecanismos imaturos (fantasia, projecção, modificar um estado psicológico interno
hipocondria, comportamento passivo-agressivo e desagradável, não tendo, contudo, efeito na
acting-out); no terceiro nível estão presentes os realidade externa e podendo resultar numa
mecanismos neuróticos (intelectualização, percepção distorcida dessa realidade (Cramer,
recalcamento, formação reactiva, deslocamento e 1998, 2000).
dissociação); por último, situam-se no quarto A perspectiva de Ihilevich e Gleser (1986)
nível os mecanismos maduros/evoluídos afasta-se das posições de Cramer e de Vaillant.
(sublimação, altruísmo, supressão, antecipação e Ihilevich e Gleser consideram que, a classificação
humor). de Vaillant, por exemplo, não está, de acordo ou é
De acordo com Vaillant (1971) a função dos incompatível com muitos dos relatórios clínicos e
mecanismos de defesa é a de manter os afectos estudos empíricos que mostram que as pessoas,
dentro de limites suportáveis, redireccionar independentemente do nível de funcionamento,
impulsos, promover alterações no auto-conceito e utilizam a maioria das defesas, mas com graus
gerir conflitos não resolvidos com os outros. De diferentes de manutenção do teste de realidade. O
acordo com este autor, o desenvolvimento é que é importante, de acordo com Ihilevich e
acompanhado pela evolução dos processos Gleser, não é o tipo de defesas utilizadas, mas a
defensivos que vão desde o primeiro até ao quarto rigidez com que são usadas e o grau de distorção
nível de maturidade (Vaillant, 1977). Cramer da realidade que provocam. De acordo com estes
(1991) propôs um modelo desenvolvimental autores, os mecanismos de defesa servem para
baseado na ideia que diferentes defesas emergem distorcer ou manusear a realidade quando os
em diferentes etapas do desenvolvimento. De recursos pessoais, competências e motivações são
acordo com este modelo, a utilização da negação é insuficientes para resolver conflitos internos ou
predominante durante os anos pré-escolares, mas ameaças externas ao bem-estar do sujeito. Ainda
perde importância a meio da infância, onde é segundo Ihilevich e Gleser, os mecanismos
utilizada maioritariamente a projecção, sendo que defensivos são atribuídos a processos
esta se vai tornar predominante durante o período inconscientes que são activados automaticamente
da adolescência. Por sua vez, a identificação, uma quando são percebidas ameaças dolorosas para
defesa com uma complexidade considerável, serem enfrentadas de outra forma.
desenvolve-se lentamente na primeira infância, Ao contrário de Vaillant e Cramer, Ihilevich e
atravessa a adolescência, tornando-se a defesa Gleser consideram todos os tipos de defesa
predominante na idade adulta (Cramer, 2002). adaptativos se utilizados de forma flexível. As
Para Cramer (1998, 2000, 2006), os defesas são patológicas quando resultam em
mecanismos de defesa têm uma dupla função: por respostas rígidas, excessivas ou inapropriadas.
um lado, proteger o indivíduo de experienciar uma Assim, o que define a patologia, não é tanto o tipo
ansiedade excessiva e, por outro, proteger a de defesas utilizadas, mas sim a rigidez e a
integridade do Self. Segundo esta autora, existem frequência com que são utilizadas e, o grau de
também estratégias conscientes que o indivíduo distorção da realidade que provocam (Ihilevich &
utiliza ao vivenciar situações de stress, estratégias Gleser, 1986). Ihilevich e Gleser não utilizaram
que lhe permitem encontrar soluções realistas de um critério evolutivo ou adaptativo para
forma a reduzir a ansiedade – estratégias de classificar as defesas e não consideram viável a
coping. Considera que existem duas diferenças avaliação das defesas de forma isolada. Ao
fundamentais entre mecanismos de defesa e contrário, agruparam as respostas defensivas ao
estratégias de coping. A primeira diferença reside conflito em torno de cinco estilos distintos, cada
no facto das estratégias de coping envolverem um caracterizado por um conjunto único de
esforços conscientes, enquanto os mecanismos de operações mentais, respostas emocionais e
defesa ocorrerem de forma inconsciente. A reacções comportamentais: Turning Against Sel
segunda diferença consiste no facto das estratégias (O voltar da agressividade contra o próprio),
de coping serem utilizadas com a intenção de Turning Against Object (O voltar da agressividade

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contra o outro), Reversal (Inversão), tipos de sintomas psicopatológicos, como os


Principalization (Neutralização) e Projection depressivos e os de ansiedade. Kwon e Lemon
(Projecção). Note-se ainda que as cinco categorias (2000) referem que um estilo de defesa imaturo se
de Ihilevich e Gleser abrangem a maioria das associa à propensão para a depressão (veja-se
defesas descritas na literatura psicanalítica. também Campos, Besser e Blatt, 2011).
Parece-nos que esta perspectiva classificatória Os mecanismos de defesa também foram
é rica e integradora e, permitirá mesmo, obviar um estudados no âmbito da investigação sobre
problema que se pode colocar na prática da mudança terapêutica (e.g., Bowins, 2006, Cramer,
avaliação psicológica. A questão que se pode 1999b, 2005, Cramer & Blat, 1990, 1993;
colocar é: será possível avaliar de forma rigorosa Ihilevich & Gleser, 1991, 1995). Por exemplo,
e válida as diversas defesas isoladamente? Este é Cramer e Blatt (1990), numa avaliação realizada
um problema que se pode colocar numa avaliação no final da psicoterapia com jovens adultos com
mais formal deste constructo, mas também, e patologia grave, com uma duração média de
sobretudo, numa avaliação informal, em quinze meses (e utilizando o TAT para avaliação
entrevista. Será que é possível dizer, por exemplo, dos mecanismos de defesa), verificaram, por
que uma dada pessoa utiliza a intelectualização e a comparação com a avaliação prévia à intervenção,
formação reactiva num dado contexto e noutro, a um declínio no uso de defesas não adaptativas,
negação e a racionalização? Por ouro lado, se o redução que se associou a um declínio na
sujeito nos dá um exemplo de uma situação real sintomatologia psiquiátrica.
conflitual em que é evidente que utilizou a
identificação projectiva e a negação, por exemplo, Instrumentos para a avaliação dos mecanismos
isso não implica que não tenha utilizado de defesa
simultaneamente outras defesas, e também, o que Um grande número de instrumentos tem sido
é igualmente importante, que utilize de forma proposto com o objectivo de avaliar os
mais sistemática essas defesas noutras situações. mecanismos de defesa. Para além do Defense
Pode tratar-se de reacções defensivas Mechanisms Inventory (Ihilevich & Gleser,
caracteriológicas ou, diferentemente, de reacções 1986), que operacionaliza o modelo dos autores,
defensivas situacionais, para utilizar a diversos outros instrumentos têm sido utilizados
terminologia de McWillimas (2004), aquelas que com o objectivo referido, como por exemplo,
avaliamos a partir de uma ou duas situações algumas escalas do Rorschach (Cooper, Perry, &
concretas. Arrow, 1988), do TAT (Cramer, 1991) e do CAT
Diversos estudos (e.g., Azibo, 2007; Perry & (Boekholt, 2000; Cramer, 1991), a Defense
Kardos, 1995; Vaillant, 1992) concluem que a Mechanisms Rating Scale (DMRS; Perry &
saúde mental e o bem-estar estão associados a Cooper, 1986), o Defense Style Questionnaire
estilos defensivos mais evoluídos, enquanto um (DSQ; Bond, Gardner, Christian, & Sigal, 1983),
funcionamento menos adaptativo está associado a o Defense Mechanisms Test (DMT; Kragh, 1955)
estilos defensivos mais imaturos. e o Defense Mechanisms Questionnaire (DMQ;
Os mecanismos de defesa mostraram utilidade Kreitler & Kreitler, 1972). Um instrumento
em diversas áreas de investigação em interessante para avaliação de um tipo específico
Psicopatologia, por exemplo, a organização de mecanismo de defesa, a clivagem, de acordo
borderline da personalidade (Chabrol & com a concepção de Kernberg (1985) e, que foi
Leichsenring, 2006; Perry & Cooper; 1986) as objecto de estudo relativamente recente em
perturbações da personalidade (e.g., Berman & Portugal (Silva, 2014), é o Spliting Index (Gould,
McCann, 1995; Bowins, 2010; Cramer, 1999a; Prentice, & Ainslie, 1996).
Vaillant & Drake, 1985), as perturbações da É de notar que, com o surgimento de diversos
ansiedade (e.g., Chávez-León, Muñoz, & Uribe, instrumentos de avaliação dos mecanismos de
2006) e a depressão (e.g., Mullen et al., 1999; defesa, uma nova era surgiu, sendo que a
Hovanesian et al., 2009). Azibo (2007), por investigação sobre este constructo “alastrou-se” a
exemplo, encontrou uma relação entre muitas áreas da Psicologia, quando estava
mecanismos de defesa menos evoluídos e diversos

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inicialmente circunscrita aos trabalhos dos defesa (e.g., Drageset & Lindstrom, 2003, La
psicanalistas (Justo, Melo, & Ferreira, 2010). Gruta et al., 2006) e tem como pressuposto que a
De entre os vários instrumentos, pela principal função das defesas é a resolução dos
simplicidade de aplicação e cotação e, pela conflitos entre o que é percebido pelo indivíduo e
quantidade de investigação realizada, pode os seus valores internos. O conflito é resolvido
destacar-se o Defense Style Questionnaire (DSQ). através de um processo onde o Ego ataca, distorce
A construção do DSQ baseia-se no pressuposto de ou se torna selectivo de forma inconsciente em
que as representações conscientes das defesas relação a determinados aspectos do mundo interno
inconscientes e automáticas podem ser ou externo (Gleser & Ihilevich, 1969).
identificadas pelo auto-relato dos sujeitos (Flett, Existem duas versões do instrumento, uma
Besser, & Hewitt, 2005). O DSQ foi desenvolvido para sujeitos do sexo masculino e outra para
com o intuito de operacionalizar processos intra- sujeitos do sexo feminino e em ambas são
psíquicos, permitindo que os mecanismos de apresentadas 10 pequenas vinhetas descrevendo
defesa fossem estudados objectivamente (Segal, situações conflituais da vida quotidiana. Pede-se
Coolidge, & Mizuno, 2007). ao sujeito para escolher, relativamente a cada
Note-se que existem várias versões deste vinheta, em blocos de cinco opções (uma opção
instrumento com um número variável de itens, para cada um dos cinco tipos de mecanismos de
nomeadamente, 88, 36, 40 e 60 itens, devido a defesa operacionalizados pelo inventário), as
tentativas consecutivas de melhorar as suas opções que estão mais e menos perto de sua
qualidades psicométricas, consideradas opinião. Os quatro blocos de opções para cada
inicialmente fracas (Thygesen, Drapeau, vinheta estão relacionados com: o que a pessoa
Trijsburg, Lecours, & Roten 2008). Este faria em termos de comportamento real, na
questionário foi originalmente desenvolvido por fantasia, o que pensaria e o que sentiria.
Bond et al. (1983), para operacionalizar e avaliar Um exemplo de uma vinheta ou situação é:
os derivados conscientes das defesas. Era “Você está à espera do autocarro na esquina da
constituído por 88 itens e avaliava quatro estilos rua. As ruas ficaram molhadas e lamacentas
defensivos: adaptativo, de auto-sacrifício, de depois das chuvas da noite passada. Um carro, em
distorção das imagens e de padrões de acção alta velocidade, passa junto ao passeio e dá-lhe
desadaptativos. Uma versão mais recente é o um duche de lama”.
DSQ-60 (Trijsburg, Bond, & Drapeau, 2003), E o primeiro bloco de opções de resposta é:
construído de modo congruente com a perspectiva "Qual seria a sua reacção (comportamento real)?"
do DSM-IV (Thygesen et al., 2008). Diversas "Tomaria nota da matrícula, para poder identificar
análises factoriais conduziram a diferentes esse condutor perigoso.
soluções factoriais e, por conseguinte, a diferentes Censurava-me por não ter, ao menos, vestido uma
propostas de estilos defensivos, em função da gabardine.
saturação dos itens individuais (defesas Sorrindo, limparia os pingos com um lenço.
específicas) nesses factores. Nesta versão, as Resignado, lembrava-me que, no fim de contas,
diferentes defesas saturam em três factores/estilos estas coisas acontecem.
defensivos, adaptativo, de regulação do afecto e Gritava insultos ao condutor."
de distorção da realidade. O DSQ-40 (Andrews, Outro exemplo é:
Singh, & Bond, 1993) considera também três “É quase de noite. Você conduz o seu carro na
estilos: imaturo, neurótico e maduro (veja-se cidade e pára num sinal luminoso. Quando a luz
Ruuttu et. al., 2006). O DSQ-40 foi adaptado para muda para o verde, você repara que os peões não
a população portuguesa por Oliveira (2012). obedecem ao sinal e atravessam-se no seu
caminho. Tal como a lei recomenda, você avança
O Defense Mechanisms Inventory e o Defense cautelosamente antes que o sinal vermelho
Mechanisms Inventory-Youth apareça de novo. No momento de se safar, um
O Defense Mechanisms Inventory (DMI; polícia de trânsito manda-o encostar e acusa-o de
Gleser & Ihilevich, 1969) é um dos instrumentos ter ofendido o direito de circulação dos peões.
mais utilizados para avaliação dos mecanismos de Você explica que procedeu da única forma

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possível. No entanto, o polícia passa-lhe uma Parece-nos também uma vantagem do DMI o
multa”. facto de se pedir ao indivíduo para se posicionar
"Se reagisse sem pensar (na fantasia) o que é relativamente a situações conflituais reais do dia-
que fazia?" a-dia. Muitas críticas foram feitas ao formato
"Dizia ao polícia que ele não tem o direito de usar típico dos itens dos questionários (veja-se Kline,
a sua posição para me espezinhar. 1999). Independentemente da capacidade do
Censurava-me por não ter esperado pela luz verde investigador que desenvolve um questionário, um
seguinte. item é sempre, em parte, simplista. Seria
Agradecia ao polícia por me ter salvo de um impossível captar a riqueza da experiência
possível acidente. humana em frases simples. Os questionários
Defendia os meus direitos por uma questão de costumam interrogar acerca de situações
princípio. hipotéticas "típicas" e não a cerca de situações
Batia-lhe com a porta na cara e continuava a específicas, pelo que mesmo quando quem
conduzir. responde deseja cooperar, a informação obtida
Note-se que o sistema de cotação proposto pode ser limitada (Kline, 1999). Naturalmente
pelos autores, é de cariz ipsativo, em que em cada que, o formato do DMI também apresenta
bloco, a escolha de uma das opções de resposta problemas, nomeadamente o facto de ser longo e,
condiciona a escolha das outras o que, por si só, por conseguinte, fatigar as pessoas que
pode constituir uma limitação. Na literatura, este respondem, mas pode obviar em parte os
tipo de escala de resposta tem sido sujeito a problemas habitualmente apontados aos itens dos
críticas (veja-se Moreira, 2004). Devido a estas questionários.
dificuldades, D'Angelo, San Martini e Tomasello No DMI são obtidos resultados para cinco
(2000) propuseram uma escala de Likert para a escalas, avaliando cada uma delas um tipo de
reposta às cinco opções dentro de cada bloco. mecanismo de defesa. Turning Against Object
Note-se, no entanto, que a versão portuguesa (TAO) implica mecanismos que lidam com o
mantém o mesmo formato de resposta da versão conflito pela expressão directa e/ou indirecta de
original. agressividade, com o objectivo de manter uma
Não deixando o DMI de ser um instrumento ilusão do controlo sobre as ameaças externas ou
de auto-relato, difere em diversos aspectos, para ainda de mascarar os conflitos internos que são
além do já referido formato dos ‘tens", demasiado dolorosos para serem tolerados e
relativamente aos questionários que avaliam confrontados conscientemente (inclui mecanismos
mecanismos de defesa, como o Defense Style como a identificação ao agressor e o
Questionnaire (Bond et al., 1983). Pensamos que deslocamento). Projection (PRO) envolve uma
o DMI apresenta diversas vantagens: por um lado, atribuição de forma inconsciente por parte do
a formulação teórica que operacionaliza é rica e indivíduo de qualidades indesejáveis do Self
integradora. Por outro, parece-nos que o DMI se (traços e conteúdos negativos) ao outro, sendo que
situa algures num ponto intermédio, ainda que esta atribuição é utilizada para justificar a
mais próximo do pólo do auto-relato, se expressão de hostilidade em relação a ele. Já o
considerarmos o contínuo entre os métodos de tipo de defesa Principalization (PRN) envolve
auto-relato e os métodos indirectos. Uma mecanismos que lidam com o conflito através de
abordagem indirecta em avaliação psicológica uma reinterpretação da realidade, recorrendo à
está em consonância com uma posição teórica que separação do conteúdo afectivo do conteúdo
assume que a acessibilidade dos estados internos é ideativo ou da situação (inclui mecanismos como
limitada (veja-se Cogswell, 2008). Apesar da a intelectualização, a racionalização e o
dicotomia na literatura entre métodos indirectos isolamento dos afectos). Turning Against Self
(como os métodos projectivos), e de auto-relatato, (TAS), por sua vez, descreve a tendência do
"é mais provável que qualquer ferramenta de indivíduo para resolver o conflito psicológico
avaliação se situe ao longo de um contínuo em dirigindo os comportamentos, fantasias ou
vez de ocupar uma posição num pólo ou no outro" sentimentos agressivos contra o Self, o que pode
(Cogswell, 2008, p. 27). conduzir a compromissos defensivos auto-

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destrutivos. Por fim, Reversal (REV) avalia a conteúdo de algumas vinhetas foi alterado de
tendência para responder de forma positiva ou modo a adequar-se a adolescentes. Outras, foram
neutra a uma situação negativa, que se esperaria substituídas por vinhetas que descrevem situações
desencadear uma resposta negativa por parte do da vida quotidiana mais relevantes para
indivíduo (inclui mecanismos como a negação, a adolescentes. Foi adaptado para a população
formação reactiva e o recalcamento), o que resulta portuguesa por Justo, Silva, Neves e Frade (2011).
num empobrecimento da capacidade de percepção Um exemplo de uma vinheta desta versão é:
do perigo. Note-se que cada um dos cinco estilos “Você tem que cumprir um itinerário de
ou tipos defensivos deve ser entendido como um distribuição de jornais para muitas pessoas e tem
constructo abrangente, podendo englobar uma de trabalhar muito, porque precisa de dinheiro e
grande variedade de respostas defensivas os empregos são raros. É da sua responsabilidade
específicas (Ihilevich & Gleser, 1986, 1991; Juni, fazer com que tudo corra tranquilamente. Você
1999). tem um colega que o ajuda a fazer a entrega dos
Consideramos importante referir que a jornais. Recentemente, muitas pessoas se têm
perspectiva de Ihilevich e Gleser (1986), e a queixado de não receber os seus jornais. Você
“arrumação” dos diferentes mecanismos de defesa sabe que tem sido cuidadoso a fazer o seu trabalho
em cinco grandes tipos, parece-nos conter uma e, por isso, decide despedir o seu ajudante. Nesse
limitação importante: não permite incluir em mesmo dia, o seu patrão aparece em sua casa.
nenhum desses cinco tipos, um importante Sem o deixar explicar, o seu patrão diz-lhe que o
mecanismo de defesa, a clivagem, que como é itinerário de distribuição de jornais lhe é retirado
sabido, consiste numa divisão e impossibilidade porque você é descuidado. O seu ajudante fica
de integrar afectos contrários relativamente ao com o seu lugar, e agora você é que é o ajudante”.
mesmo objecto ou ao self (McWillimas, 2004). "Qual seria a sua reacção (comportamento
Em relação às características psicométricas do real)?"
DMI, muitos dos estudos já realizados "Aceitava de bons modos, uma vez que o meu
comprovam a sua validade enquanto instrumento patrão está, apenas, a cumprir as suas funções.
psicológico capaz de avaliar mecanismos de Censurava o meu patrão por ter tomado uma
defesa e a sua relação com a psicopatologia, a decisão contra mim, mesmo antes de se ter
saúde, os estilos perceptivos e a intervenção encontrado comigo.
terapêutica, entre outros aspectos (Andersen & Ficava agradecido por ter sido aliviado de um
Leitner, 1991; Berman & McCann, 1995; Cramer, trabalho tão difícil.
1988; Ihilevich & Gleser, 1986, 1991; 1995; Juni, Ficava à espera de uma oportunidade para tramar
1999). Juni (1999) concluiu que uma meta-análise o meu ajudante.
relativa à validade apoia o racional teórico do Censurava-me por não ter sido suficientemente
teste, e Cramer (1988), numa revisão da literatura, competente no meu trabalho."
conclui que as escalas se relacionam de forma Em Portugal, os estudos realizados com a
esperada com variáveis cognitivas, de forma para adultos do DMI foram
personalidade e de psicopatologia. fundamentalmente em duas áreas, gravidez e
O DMI foi adaptado para a população parentalidade (Justo, 1990, 1999; Justo et al.,
portuguesa por Justo et al. (2010). Justo e colegas 2010) e psicopatologia, especificamente depressão
apresentam valores de alpha de Cronbach para as (Campos, et al, 2011; Vaz, 2012) e traços
cinco escalas, e para homens e mulheres, entre .73 disfuncionais da personalidade (Rachão &
e .86. Campos, 2015)
O Defense Mechanisms Inventory-Youth Foram realizados três estudos em Portugal que
(DMI-Y; Ihilevich, & Gleser, 1986) é, em tudo, relacionaram as experiências depressivas
estruturalmente idêntico à versão para adultos. anaclíticas e introjectivas e os mecanismos de
Existem também duas versões, uma para o sexo defesa de acordo com a perspectiva de Ihilevich e
masculino e outra para o sexo feminino, Gleser, utilizando o DMI e o DMI-Y. Um estudo
compostas igualmente por 10 vinhetas. Pode ser (Campos et al., 2011) foi realizado com uma
aplicado a sujeitos a partir dos 12 anos. O amostra comunitária, outro (Vaz, 2012) utilizou

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uma amostra clínica de pacientes psiquiátricos e o anos 80 por Silva (1982) que trabalhou com o
terceiro (Parreira, 2013), uma amostra de “sistema” de análise aperceptiva de Rosenzweig e
adolescentes. Apesar de se registarem diferenças Fleming (1949) e de análise temática de Eron
em função do tipo de amostra, um aspecto é (1965). A observação dos dados normativos
significativo e comum aos resultados dos vários obtidos por Silva (1982) pode ser útil na medida
estudos referidos, apoiando a validade do DMI e em que faculta ao intérprete referências sobre o
do DMI-Y por um lado e, por outro, estando de desempenho típico das crianças face aos cartões,
acordo com a teoria psicanalítica. Verifica-se que independentemente de outros instrumentos de
as experiências depressivas propostas por Blatt se análise poderem ser usados.
relacionam sempre com o tipo de mecanismo de Cramer (1991) propôs uma grelha de análise,
defesa turning against self. A teoria psicanalítica o Defense Mechanism Manual, para o Tematic
tem vindo a referir sistematicamente o voltar da Aperception Test (TAT) e para o CAT que
agressividade contra o próprio como o permite codificar mecanismos de defesa
mecanismo psicológico central na personalidade utilizando as respostas/histórias dadas a alguns
depressiva (e.g., Coimbra de Matos, 2001, Freud, dos cartões. No caso do CAT sugere que se
1917; Goldstein & Anthony, 1988), o que protege utilizem as respostas aos cartões 3, 5 e 10. As
o sujeito de consciencializar a malevolência do defesas a codificar estão naturalmente em acordo
objecto. Freud (1917) havia já descrito de forma com o seu modelo teórico anteriormente
brilhante este núcleo central de cariz masoquista mencionado e são: a negação, a projecção e a
da personalidade depressiva em Luto e identificação. O sistema apresenta alguma
Melancolia, ao referir-se à introjecção da complexidade e exige treino inicial. Prevê que
agressividade e à identificação do Ego ao objecto para cada uma das três categorias de defesas deva
na sequência da perda e, ao facto da raiva contra o ser considerada a eventual presença nas histórias
objecto abandonante refluir sobre o próprio. de sete diferentes processos psicológicos. São
exemplos para a Negação, a Omissão e a Negação
O Children Aperception Test na avaliação dos da realidade, para a projecção, o Pensamento
mecanismos de defesa em crianças mágico ou circunstancial e a História ou tema
A avaliação de mecanismos de defesa através muito inusual ou bizarro, e para a Identificação, o
de métodos projectivos, como o Children Moralismo e o Adiamento da Gratificação.
Aperception Test (CAT, Bellak & Bellak, 1949, A grelha de Boekholt (2000) da escola
1950), afigura-se importante porque, instrumentos psicanalítica francesa assenta também numa visão
como o DMI ou DSQ não permitem a avaliação maturacional ou evolutiva dos mecanismos de
de crianças. O CAT é uma técnica projectiva defesa, mecanismos estes que permitiriam, ao ser
temática, aplicada normalmente a crianças entre avaliados, esboçar uma proposta estrutural-
os 3 e os 10 anos. Existem duas formas, o CAT evolutiva de diagnóstico em três níveis:
figuras animais e o CAT figuras humanas. São organização psicótica, organização desarmónica e
ambas compostas por 10 cartões. As situações organização neurótica. A lógica subjacente é de
representadas são as mesmas, diferindo apenas no uma análise mais estrutural das respostas, e não,
facto dos personagens serem animais ou figuras como os autores da prova enfatizaram, uma
humanas. A tarefa da criança consiste em contar análise de conteúdo do CAT – figuras animais
histórias sobre as cenas representadas. Pela (Bellak & Bellak, 1949). Assim sendo, o discurso
análise destas histórias pode ver-se como a e os comportamentos da criança na situação de
criança lida com determinadas problemáticas, teste CAT, podem ser decompostos em
conflitos ou temáticas universais no procedimentos, ou seja, o discurso e o
desenvolvimento infantil, como por exemplo a comportamento são traduzidos, o mesmo é dizer
rivalidade fraterna e a agressividade, bem como decompostos, em segmentos de análise, que
quais os mecanismos de defesa que utiliza podem ser classificados mediante a
preferencialmente. Note-se que a versão com correspondência com procedimentos de
figuras humanas do CAT (Bellak & Hurvich, elaboração das narrativas, de acordo com uma
1970; Bellak, 1975) foi estudada em Portugal nos grelha de análise.

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São sete os tipos de procedimentos utilizados Procedimento OC4, Anulação.


de acordo com Boekholt (2000, p. 192): Com base no tipo de procedimentos utilizados
Os procedimentos que traduzem o recurso à é possível avaliar as defesas em jogo. Boekholt
esfera motora e corporal. (2000) descreve as defesas primitivas: projecção,
Exemplos: clivagem e negação; as defesas ligadas à
Procedimento MC3, Risos, mímicas, caretas e elaboração da posição depressiva: recusa maníaca
onomatopeias; e defesas narcísicas; as defesas neuróticas: de tipo
Procedimento MC4, Participação corporal, fóbico, ligadas ao recalcamento e as defesas
deslocações, gestos. rígidas. Esta última divisão tripartida, é
Os procedimentos que traduzem o recurso à compatível com o modelo triplo da neurose:
relação com o clínico. fóbica, histérica e obsessiva. A contabilização do
Exemplos: tipo de defesas poderá, eventualmente, permitir
Procedimentos RC1, Procura de proximidade (ou não) uma proposta de diagnóstico estrutural. É
corporal; claro que a atribuição de um diagnóstico tendo por
Procedimentos RC4, Auto-depreciação, auto- base esta contabilização poderá implicar um salto
valorização. inferencial importante e, em última instância,
Os procedimentos que traduzem o recurso à apresentar problemas do ponto de vista da
realidade exterior. validade, muito em particular se não for realizada
Exemplos: com um forte apoio dos dados provenientes de
Procedimento RE1, Recurso à evidência, apego ao outras fontes, como a observação, a entrevista e a
conteúdo manifesto; anamnese. A complexidade e a subjectividade da
Procedimento RE4, Insistência nas qualidades análise das narrativas e da utilização da grelha de
sensoriais do material. procedimentos é também, e só por si, uma
Os procedimentos que traduzem o recurso ao limitação desta abordagem de avaliação dos
evitamento e à inibição. mecanismos defesa e faz notar a exigência de
Exemplos: formação prévia, no sentido de minimizar
Procedimento EI1, Restrição, silêncios, recusa, eventuais problemas de precisão inter-cotadores.
tendenciais para recusa, necessidade de fazer A riqueza da informação obtida a cerca dos
perguntas; mecanismos defensivos que são privilegiados pela
Procedimento EI2, Anonimato, razões dos criança a quem é aplicado o CAT, pode, no
conflitos não esclarecidas, colagens, banalização. entanto, relativizar as dificuldades deste sistema
Os procedimentos que traduzem o recurso ao de codificação desta prova temática.
afecto.
Exemplos: Conclusão
Procedimento RA1, Expressão verbalizada de
afectos Alguns clínicos adoptam uma abordagem
Procedimento RA4, Afectos inadequados, afectos psicodinâmica na avaliação do funcionamento
maciços. psíquico e do mal-estar psicológico (Campos,
Os procedimentos que traduzem o recurso ao 2017). Esta abordagem permite uma compreensão
imaginário e à fantasia. rica e integradora e, fornece um contexto teórico
Exemplos: para a leitura das queixas dos indivíduos
Procedimento IF1, Introdução de personagens que avaliados. Nesta lógica, a avaliação dos
não figuram na imagem; mecanismos de defesa, para além da avaliação de
Procedimento IF2, Apelo ao imaginário infantil outros elementos do funcionamento psíquico,
dos contos. como as representações objectais e do self, assume
Os procedimentos que traduzem o recurso à um papel fundamental (e. g., Campos, 2017).
objectividade e ao controlo. Naturalmente que muitas vezes, os clínicos
Exemplos: avaliam os mecanismos de defesa de forma mais
Procedimento OC1, Descrição com apego aos "informal", através do material obtido em
pormenores; entrevista. A utilização ou não de provas
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Avaliação de Mecanismos de Defesa 158

psicológicas numa determinada avaliação Azibo, A. (2007). Mechanisms of defense:


depende, na verdade, de vários aspectos (veja-se Nepenthe theory and psychiatric
Pallás & Lorens, 2010), nomeadamente de opções symptomatology. The Negro Educational
teóricas e de aspectos pragmáticos, como o tempo Review, 58, 49-69.
disponível, mas pode ter claras vantagens, como a Bellak, L. (1975). The TAT, CAT and SAT in
objectividade e a possibilidade de comparação clinical use. New York: Grune & Stratton.
com dados normativos. Provas de resposta Bellak L., & Bellak, S. (1949). The Children
fechada ou, por outro lado, de escolha não Aperception Test. New York: C.P.S.
forçada, podem ser utilizadas na avaliação dos Company.
mecanismos de defesa, como são o caso do DMI e Bellak, L., & Bellak, S. S. (1950). An
do CAT, respectivamente. introductory note on the Children's
Destaca-se como vantagens do DMI a Apperception Test (CAT). Journal of
formulação teórica subjacente, integradora e bem Projective Techniques, 14, 173-180.
fundamentada, e o facto de se pedir aos indivíduos Bellak, L., & Hurvich, M. S. (1970). Children’s
para se posicionarem relativamente a situações Aperception Test (Human Figures): Manual.
conflituais reais do dia-a-dia, e não face a itens New York: C.P.C., Inc.
com o formato habitual de questionário. No Berman, S. M. W., & McCann, J. T. (1995).
entanto, a extensão do instrumento pode conduzir Defense mechanisms and personality
à desmotivação e à falta de cooperação das disorders: An empirical test of Millon’s
pessoas que respondem. Por outro lado, pode theory. Journal of Personality Assessment, 64,
argumentar-se que a formulação teórica que 132-144.
sustenta a prova exclui um importante mecanismo Boekholt, M. (2000). Provas temáticas na clínica
de defesa, a clivagem. infantil. Lisboa: Climepsi.
Relativamente ao sistema de codificação de Bond, M., Gardner, S. T., Christian, J., & Sigal, J.
Boekholt (2000) para o CAT, pode dizer-se que a J. (1983). Empirical study of self-rated
complexidade, subjectividade e exigência de defense styles. Archives of General
treino prévio tornam a sua utilização na prática Psychiatry, 40, 333-338.
clínica uma tarefa exigente. Ainda assim, permite Bowins, B. (2006). How psychiatric treatments
obter informação sobre mecanismos de defesa na can enhance defense mechanisms. American
criança. Na ausência de provas de resposta Journal of Psychiatry, 66, 173-194.
fechada para avaliar este constructo nesta faixa Bowins, B. (2010). Personality disorders: A
etária, poderá ser uma boa opção para o clínico. A dimensional defense mechanism approach.
situação CAT é geralmente bem aceite pelas American Journal of Psychotherapy , 64, 153-
crianças e as histórias contadas podem ser 169.
utilizadas, não apenas para avaliar mecanismos de Campos, R. C. (2017). Do processo de avaliação
defesa, mas também para avaliar outros aspectos da personalidade em contextos clínicos ao
do funcionamento psíquico com relevância neste diagnóstico psicodinâmico: Contributos para
período de desenvolvimento. uma avaliação psicológica psicodinâmica.
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