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Resumo / Abstract
A abordagem somática, difundida por pesquisadores americanos, tem-se dedicado à investigação de propostas
corporais que divergem das práticas tradicionais, redimensionando a compreensão de corpo nas áreas de
Educação Física e Fisioterapia. O método de Cadeias Musculares e Articulares, condizente com tal abordagem,
propõe novas leituras do corpo humano, visualizando-o na sua complexidade. Nesse método, considera-se que os
problemas posturais não são decorrentes de uma ação inadequada de músculos isolados, mas de um conjunto de
fatores que se relacionam à totalidade psicomotora e à vivência do indivíduo no decorrer dos anos. Valoriza-se a
visão de unidade do ser humano e proporciona-se um maior conhecimento corporal ao aluno/paciente, permitindo-
lhe cuidar de si mesmo. Trata-se, sobretudo, de uma proposta preventiva que objetiva o bem-estar do indivíduo
através de uma visão holística.
The somatic approach taken by american researchers deals with corporal proposals that are different from
traditional practices. The understanding of the body differs from those in Physiotherapy and Physical Education.
The method of Muscular and /\rticulate Chainsm accord with the somatic approach considers the complexity of the
body. In this method, one considers that postural problems are not due to an inadequate action of isolated muscles.
Postural problems are considered as the result of a set of factors which relate to the psychomotor situation of a
person as a whole and the person history. A human being is taken as a unity and a better knowledge of the body is
offered to the pupil/patient so that he/she can take care of him/herself. It is a preventive approach that aims the
well-being of the individual though a holistic approach.
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uma atuação terapêutica que tem por objetivo a abordagem somática, que segue dois cami-
devolver o bem-estar perdido ou permitir aos nhos: um de cunho filosófico e outro direcio-
interessados um maior conhecimento sobre si nado à fundamentação de práticas corporais
mesmo. Para isso, visualizou diversos aspec- dentro de uma temática holística. Hanna
tos do ser humano com intuito de, ao relacioná- (1986a, 1988) foi o autor que mais se desta-
los, ter uma compreensão mais ampla do mes- cou na definição e denominação da mesma;
mo. O objetivo deste ensaio é divulgar algu- outros autores importantes são Johnson (1992),
mas das idéias defendidas por Denys-Strayf e Gomez (1988b), Kleinman (1990) e Juhan
relacioná-las à abordagem somática. (1987).
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percorrer vários segmentos através dos encai- Denys-Struyf (1991, 1995a) dividiu as
xes articulares que determinam sua interde- cinco cadeias musculares em dois grupos, de
pendência. acordo com a ação predominante dos múscu-
los que as compõem; também relacionou a
O método Mezierista, desenvolvido por gestualidade e a postura corporal com as ca-
Mézières na década de 60, salientou a idéia de racterísticas psíquicas de seus pacientes, pois
solidariedade muscular através da noção de que observou que a dominância de uma determi-
um segmento em sofrimento é tão-somente a nada cadeia muscular correspondia, normal-
expressão particular de um conjunto de ano- mente, a uma atitude psíquica9 específica. Em
malias, sendo que a causa deve ser tratada em resumo, pode-se dizer que:
níveis freqüentemente muito distantes do pro-
blema que preocupa o paciente. Segundo • um grupo, com ação predominante no tronco
Denys-Struyf (1995b), Mézières considerava e associado à personalidade do indivíduo, é
que a causa primária das deformidades eram representado pelas cadeias musculares AM e
as lordoses, e estruturou seu trabalho com base PM (constituídas por músculos responsáveis
na tensão existente nos músculos posteriores pela manutenção da postura estática) e PAAP
responsáveis pela manutenção da postura es- (constituída por músculos responsáveis pelos
tática6 — os quais chamou de cadeia muscu- movimentos dinâmicos, dando ritmo e equilí-
lar posterior — juntamente com os músculos brio às precedentes). A cadeia muscular AM
rotadores internos da coxo-femural e o mús- está associada a um sentimento instintivo, du-
Na abordagem culo diafragma7. Para tratar essas alterações, rável, imutável. A atitude determina orienta-
tradicional, valori- fazia-se necessário alongar a cadeia posterior ção ao ego, à vida vegetativa e às sensações.
za-se a perspectiva inteira, não adiantando alongar apenas um dos A cadeia muscular PM está associada ao co-
da terceira pessoa, músculos desse conjunto, pois, se assim se fi- nhecimento racional e analítico, à conquista
de fora para den- zesse, haveria compensações e, com isso, não do saber. A atitude determina situação de des-
tro, predominando se atingiria a principal causa do problema. coberta do espaço fora de si. A cadeia muscu-
as percepções do lar PAAP está associada a um sentimento mó-
terapeuta. Denys-Struyf (1991,1995a), concordan- vel e instável, sobretudo a noção de "reação",
te com os pressupostos dos métodos citados ponto de partida para o dinamismo e a ação.
acima, desenvolveu seu próprio método, po- • outro grupo, com ação predominante nos
rém, diferentemente dos seus precursores, sua membros e associado à relação do indivíduo
proposta foi de desenvolver uma abordagem com o meio circundante, é representado pelas
mais individualizada da mecânica humana. cadeias musculares AL e PL, que são essenci-
Ademais, interessou-se em relacionar os cons- almente dinâmicas e estão unidas à cadeia
tituintes psicológicos, a estrutura corporal do muscular PAAP pelos músculos do tronco10.
indivíduo e suas influências no processo A cadeia muscular PL está relacionada à
terapêutico. Pelo estudo minucioso das formas extroversão, à exteriorização dos estímulos. A
do corpo humano, chegou à teoria de que ha- cadeia muscular AL está relacionada à
viam cinco biotipologias de base que deveri- introversão, à interiorização dos estímulos.
am ser consideradas na avaliação e na conduta
terapêutica. Dez unidades de complexo O movimento advindo da coordenação
muscular foram por ela conceitualizadas — motora das cinco cadeias musculares não en-
cinco de cada lado do corpo, indo da cabeça gendra uma forma perfeita, mas uma postura
às mãos e aos pés, conhecidas por Cadeias preferencial, na qual o gesto, por sua modali-
Musculares, ou Cadeias de Tensão Mio- dade e sua repetição, pode determinar uma ati-
fasciaP. Essas cadeias foram definidas como vidade mais importante numa das cadeias. O
um conjunto de músculos solidários entre si excesso de tensão numa cadeia muscular pode
pelo fato de encontrarem-se interligados por conduzir à deformidade, e a forma incorreta é
aponeuroses e serem recrutados, em seqüên- o sinal da desorganização. Quando uma cadeia
cia, pelo reflexo miotático. Elas determinam, muscular domina dada região, essa é marcada
assim, a interdependência de todas as partes com um sinal que lhe é próprio e que a carac-
do corpo. São designadas de acordo com seu teriza em relação às outras. A supressão total
posicionamento no corpo: ântero-mediana das dominâncias é impossível, pois as mesmas
(AM), póstero-mediana (PM), póstero-anteri- mantêm o gesto e a postura preferencial como
or-ântero-posterior (PAAP), ântero-lateral sendo a base da biotipologia. Entretanto, os
(AL) e póstero-lateral (PL) [Figura ]]. excessos que conduzem à desorganização das
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Figurai. Desenho esquemático dos músculos que compõem as cinco cadeias musculares (Denys-Struyf, 1995a).
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Figura 2. Representação gráfica da tensão predominante nas cadeia muscular PM, PAAP e AM em relação ao fio
de prumo ( Denys-Struyf, 1995a).
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autônomo e capaz de prevenir problemas pos- da, o método G.D.S. propõe a cada um, sobretudo, a
teriores. O indivíduo deve ter consciência da possibilidade de CUIDAR DE SI MESMO". (Denys-
Struyf, 1995a, p. 15)
sua gestualidade e utilizá-la adequadamente,
caso contrário, poderá criar alterações na sua
estrutura corporal e expandi-las por todo o No momento, é difícil afirmar se o mé-
corpo através das interligações do tecido con- todo de Cadeias Musculares e Articulares, as-
juntivo, causando problemas ou patologias que sim como seus percursores, tal qual são de-
influenciarão a sua unidade. fendidos na atualidade, sejam vigentes por
muito tempo, pois a tendência é haver uma
evolução contínua de conhecimentos que po-
No Método de Cadeias Musculares e
dem ampliar ou refutar tais pressupostos. Po-
Articulares, há uma proposta de análise da rém, é inegável sua contribuição para constru-
biotipologia que auxilia o terapeuta a compre- ção de uma visão mais unificada do ser huma-
ender a estrutura psicocorporal do indivíduo. no, tendência essa que é cada vez mais corren-
Na abordagem somática, a ênfase é dada ao te nas diferentes teorias que intentam conhe-
discurso e ação na primeira pessoa do singu- cer o humano, ainda tão complexo, para nós,
O Método de lar. Esses dois aspectos enriquecem o proces- na sua constituição.
Cadeias Musculares so terapêutico e, por isso, devem ser utiliza-
dos; o primeiro, porque traz mais subsídios
e Articulares opta Expandem-se, assim, a várias áreas re-
ao terapeuta para compreender o sujeito; o se-
por não fragmentá- lacionadas ao movimento — em especial à
gundo, porque solicita uma participação ativa
lo na abordagem Fisioterapia e à Educação Física — as possi-
desse no tratamento. bilidades de conceber e elaborar práticas cor-
terapêutica; além
disso, valoriza a porais, na qual a individualidade e subjetivi-
Hanna (1988) enfatiza que qualquer dade do aluno/paciente são respeitadas,
participação do abordagem terapêutica que não inclua a visão viabilizando por isso uma abordagem mais
sujeito no processo somática (primeira pessoa) e a visão fisioló- unificada e participativa do ser humano.
terapêutico com o gica (terceira pessoa) é enganosa. O indiví-
intuito de torná-lo duo pode tornar-se vítima de forças físicas e
consciente do orgânicas, mas é também capaz de reagir e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
trabalho realizado e mudar a si mesmo. Assim, deve-se escutar o
possibi/ita-lhe uma sujeito para perceber suas necessidades e ter BERTHERAT, T. O Corpo Tem Suas Razões: Antiginástica e
aprendizagem e o conhecimento técnico para responder a tal de- Consciência de Si. 10.ed. São Paulo: Martins Fontes,
1986.
conseqüente domí- manda.
nio do eu corporal. DE NEGRI, L. Self-Perception and the Learning of Movement
"O ponto de vista somático complementa e completa a Skill in Dance and in Synchronized Swimming: The
Effects of a Somatic Approach. Dissertação de
visão científica do ser humano, tornando possível uma
doutorado, The Ohio State University, 1995.
ciência autêntica que reconhece a totalidade humana:
tanto o lado do eu consciente e do eu responsável, DENYS-STRUYF, G. Les Chaine Musculaires et Articulaires
como o externamente observável lado 'corporal' ". (4. ed.) ICTGDS, 1991.
(Hanna, 1988, p21)
__. Cadeias Musculares e Articulares: O Método G.D.S. São
Paulo: Summus, 1995a.
Denys-Struyf (1995a) participa da visão
de Hanna ao defender a idéia de que "o corpo __. Le Manuel du Méz.ièriste. Paris: Frison-Roche, 1995b.
é uma linguagem " e que o importante é estar GOMEZ, N. Movement, Body and Awareness: Exploring
em condições de ver, ouvir, compreender e Somatic Processes. Montreal: Université de Montreal,
responder às mensagens gestuais e posturais
do indivíduo, pois essas são "palavras" que, GUSDORF, G. A Agonia da Nossa Civilização.São Paulo: Con-
se ouvidas e compreendidas, contribuem para vívio, 1978.
aliviar o desconforto humano, podendo con-
HANNA, T. What is Somatics? Somatics: Magazine-Journal
duzir à reconstrução da unidade psicocorporal of the Bodily Arts and Sciences, v.5, n.4, p.4-8, 1986a.
harmoniosa do indivíduo. Para tanto, defende
um estudo minucioso da estrutura corporal do __. Somatics: Reawakening the Mind's Control of Movement,
Flexibility, and Health. Massachusetts: Addison-Wesley,
indivíduo e a participação do mesmo no pro-
cesso terapêutico:
JOHNSON, D. Body. North Atlantic Books, 1983-92.
"Além de uma abordagem mais individualiza- JUHAN, D. Job's Body: A Hardbook for Bodywork. Station
Hill, 1987.
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KLEINMAN, S. Moving into Awareness. Somatics: Magazine- Os músculos biarticulares vinculados ao movimento funda-
Journal ofthe Bodily Arts and Sciences, v.7, n.4, p.4-7, 1990. mental podem ser consultados no livro Coordenação Motora
de Piret & Beziéres (1992).
LUIJPEN, W. Introdução à Fenomenologia Existencial. São
Paulo: E.P.U., 1973. 6
Neste ensaio, entende-se por postura estática a manutenção da
PIETRONI, P Viver Holístico. 2.ed. São Paulo: Summus, 1988. postura ortostática.
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