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Movimento - Ano IV - Nº 8 - 1998/1

O método de cadeias musculares


e articulares de G.D.S.:
uma abordagem somática
Adriane Vieira*

Resumo / Abstract

A abordagem somática, difundida por pesquisadores americanos, tem-se dedicado à investigação de propostas
corporais que divergem das práticas tradicionais, redimensionando a compreensão de corpo nas áreas de
Educação Física e Fisioterapia. O método de Cadeias Musculares e Articulares, condizente com tal abordagem,
propõe novas leituras do corpo humano, visualizando-o na sua complexidade. Nesse método, considera-se que os
problemas posturais não são decorrentes de uma ação inadequada de músculos isolados, mas de um conjunto de
fatores que se relacionam à totalidade psicomotora e à vivência do indivíduo no decorrer dos anos. Valoriza-se a
visão de unidade do ser humano e proporciona-se um maior conhecimento corporal ao aluno/paciente, permitindo-
lhe cuidar de si mesmo. Trata-se, sobretudo, de uma proposta preventiva que objetiva o bem-estar do indivíduo
através de uma visão holística.

The somatic approach taken by american researchers deals with corporal proposals that are different from
traditional practices. The understanding of the body differs from those in Physiotherapy and Physical Education.
The method of Muscular and /\rticulate Chainsm accord with the somatic approach considers the complexity of the
body. In this method, one considers that postural problems are not due to an inadequate action of isolated muscles.
Postural problems are considered as the result of a set of factors which relate to the psychomotor situation of a
person as a whole and the person history. A human being is taken as a unity and a better knowledge of the body is
offered to the pupil/patient so that he/she can take care of him/herself. It is a preventive approach that aims the
well-being of the individual though a holistic approach.

INTRODUÇÃO eles Feldenkrais (Feldenkrais, 1977), Técnica


de Alexander (Conable & Conable, 1992),
A cada década surgem novas propostas Consciência Cinética (Saltonstall, 1988) e
para se trabalhar o corpo humano, dentre elas Eutonia (Brieghel & Müller, 1987). Apesar de
algumas valorizam uma visão holística do ser cada um desses métodos apresentar peculiari-
humano. Interessados em melhor conhecer e dades e propostas próprias, possuem uma mes-
fundamentar as prerrogativas daquelas que ma concepção a respeito do ser humano, a de
procuram realizar uma abordagem mais uma unidade complexa e perceptiva.
globalizada do ser humano, pesquisadores
americanos vêm estudando, através da abor- O método de Cadeias Musculares e Ar-
dagem somática, diferentes métodos, dentre ticulares de Godelieve Denys-Struyf propõe

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uma atuação terapêutica que tem por objetivo a abordagem somática, que segue dois cami-
devolver o bem-estar perdido ou permitir aos nhos: um de cunho filosófico e outro direcio-
interessados um maior conhecimento sobre si nado à fundamentação de práticas corporais
mesmo. Para isso, visualizou diversos aspec- dentro de uma temática holística. Hanna
tos do ser humano com intuito de, ao relacioná- (1986a, 1988) foi o autor que mais se desta-
los, ter uma compreensão mais ampla do mes- cou na definição e denominação da mesma;
mo. O objetivo deste ensaio é divulgar algu- outros autores importantes são Johnson (1992),
mas das idéias defendidas por Denys-Strayf e Gomez (1988b), Kleinman (1990) e Juhan
relacioná-las à abordagem somática. (1987).

Hanna (1988) privilegia a perspectiva


A ABORDAGEM SOMÁTICA da primeira pessoa, pela qual a ênfase é dada
às percepções internas do indivíduo, ou seja,
Encontram-se vigentes, na atualidade, ao corpo vivo, ao corpo abordado de dentro
dois modelos de saúde: o biomédico e o para fora, favorecendo a tomada de consciên-
holístico (Ramos,1994). O modelo biomédico cia do indivíduo. Na abordagem tradicional,
predomina em todas as áreas da saúde desde o valoriza-se a perspectiva da terceira pessoa,
fim do século XIX, tendo como ênfase a pes- de fora para dentro, predominando as percep-
O método de Cadeias
quisa experimental, a nosografia e a determi- ções do terapeuta. Johnson (1992) considera
Musculares e que isso se deve ao avanço da Medicina e das
Articulares de nação dos padrões fisiológicos de saúde (me-
didas de pressão arterial, temperatura e outros). áreas de especialização, na qual a responsabi-
Godelieve Denys- lidade e o saber sobre nossa saúde e bem-estar
Busca-se uma etiologia específica para cada
Struyf propõe uma
doença, bem como o uso de laboratórios e foram entregues ao profissional da saúde;
atuação terapêutica tecnologias avançadas, o que vêm permitindo desconsiderando-se, assim, as percepções do
que tem por objetivo um avanço constante na descoberta de trata- indivíduo. Ele também considera necessário
devolver o bem-estar mentos e na identificação de novas patologias que essa visão mude, de maneira que o "paci-
perdido ou permitir (Ramos, 1994). Mas, como salienta Gusdorf ente" tenha voz ativa em relação ao seu corpo,
aos interessados um (1978), com o surgimento de áreas especia- e que no processo terapêutico ambos assumam
ter conhecimento sobre o que está sendo ava-
maior conhecimento lizadas houve a fragmentação do ser humano
liado. Como destaca Kleinman (1990), a
sobre si mesmo. em sistemas relacionados, porém relativamente
somática valoriza nossa fonte essencial de co-
independentes, fato esse que distanciou os pro-
nhecimento: nós mesmos.
fissionais do território unificado da saúde hu-
mana.
No livro Viver Holístico, Pietroni (1988)
Na segunda metade do século XX, sur- ressalta que medidas preventivas são mais efi-
ge o modelo holístico, que procura abordar o cazes e menos perigosas que as terapias "cu-
ser humano como um todo, pois considera os rativas" e "recuperadoras". Gomez (1988b)
sistemas interdependentes. Esse modelo está enfatiza que a prática somática permite, atra-
vinculado a paradigmas pós-positivistas e os vés das vivências corporais, o despertar das
sensações internas e da consciência cines-
métodos de pesquisa utilizados são normal-
tésica, e, por conseguinte, o controle e a ativa-
mente qualitativos, onde os resultados não são
ção dos mecanismos de auto-regulação corpo-
generalizados, mas concebidos e estudados em
ral que evitam o surgimento de patologias.
profundidade. Segundo Pietroni (1988), a pa-
lavra holismo foi usada primeiramente no li-
vro de Smuts Holism and Evolution em 1928, Quando o corpo é considerado um ob-
para descrever as filosofias que levam em con- jeto separado do sujeito, tal qual ocorre no
sideração os sistemas como um todo e não so- paradigma cartesiano, não é válido acessar a
mente as suas partes. Smuts sugeriu que é im- subjetividade do outro; mas, na abordagem
portante estudar a maneira como as partes es- somática, que se vincula a paradigmas pós-
tão relacionadas, da mesma forma que é fun- positivistas e métodos qualitativos, a subjeti-
damental estudá-las separadamente. vidade passa ao status de fonte de dados. Em
relação ao corpo, é abordado como um media-
dor, pois, como afirma Luijpen (1973), não
Nos Estados Unidos, na década de 70, temos um corpo, e sim somos um corpo1; as-
pesquisadores envolvidos com questões cor- sim, não se separa objeto e sujeito, mudando-
porais se vincularam ao modelo holístico e se a maneira de compreender essa unidade.
desenvolveram o que hoje é conhecido como

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Em suma, a abordagem somática pre- O Método de Facilitação Neuromus-


tende: [1] solicitar o discurso e ação na pri- cular Proprioceptiva (FNP), desenvolvido por
meira pessoa do singular; [2] promover a cons- Kabat na década de 50, foi o primeiro a consi-
ciência corporal; [3] reeducar os padrões ha- derar a solidariedade muscular como forma de
bituais de movimento; [4] promover a saúde e reestruturação do movimento, utilizando com-
o bem-estar; [5] utilizar técnicas e práticas binações de movimentos que estavam relacio-
somática; [6] enfatizar a unidade corpo-men- nados aos padrões primitivos e ao emprego de
te; e [7] embasar-se nos paradigmas pós- reflexos de postura e de endireitamento. Sua
positivistas e pós-modernos (De Negri, 1995). intenção era promover ou precipitar a reação
de mecanismos neuromusculares através da
A Fisioterapia tradicional, vinculada ao estimulação dos proprioceptores (Voss, Ionta
modelo biomedico, trata o corpo de forma seg- e Myers, 1987).
mentar, ou seja, tenta solucionar as alterações
e patologias neuro-músculo-articulares apenas Segundo Shambes & Campbell (1973),
pela visualização da "parte" afetada e do "pro- os pesquisadores Kabat, Knott e Voss, após
blema" a ser solucionado. Incluso nesse mo- extensivas observações de atividades de vida
delo está o fato de o corpo ser tratado como diária, identificaram padrões de movimento
um sistema independente de questões subjeti- específicos que acreditavam formar os
vas e que, com poucas restrições, responde às substratos básicos ou linguagem do movimento
leis físico-químicas, tal qual ocorre com as humano. Esses movimentos raramente, talvez
máquinas. Na busca de novas formas de atua- nunca, ocorriam em planos cardinais puros de
ção, surgiram, principalmente a partir da dé- flexo-extensão ou abdução-adução, e sim em
cada de 60, métodos alternativos de tratamen- planos diagonais-cruzados, parecendo ser essa
to fisioterápico2, com os quais se procura atuar a estrutura de base para construção de movi-
sobre o corpo como um todo, ou seja, mentos coordenados. Como o alinhamento to-
visualizando-se o conjunto e não somente o pográfico das inserções musculares distais e
segmento em sofrimento. Entre eles, o méto- proximais se apresentam de modo diagonal-
do de Cadeias Musculares e Articulares tem cruzado, foi defendida a idéia de que a função
sido estudado e utilizados por profissionais da muscular ótima é obtível através de contrações
área no Brasil e, como os métodos citados no musculares em direções diagonal e rotatória.
início deste ensaio, são concordantes com as
prerrogativas da abordagem somática. O método de Coordenação Motora, de
Piret e Béziers (1992), desenvolvido na déca-
da de 60, compartilha com as colocações do
OMÉTODODECADEIASMUSCULARESEARTICULARES método FNP, pois defende a idéia de que,
subjacente à variedade de movimentos do in-
Desenvolvido pela fisioterapeuta belga divíduo normal, há um movimento de base ins-
Godelieve Denys-Struyf (1991), o método de crito na anatomia humana; denominaram-no
Cadeias Musculares e Articulares estruturou- de movimento fundamental e supuseram-no
se com base nos pressupostos teóricos dos vinculado à ação de certos músculos biar-
métodos de Facilitação Neuromuscular ticulares5. Na opinião dessas autoras, tais
Proprioceptiva, Mezierista e de Coordenação músculos são organizadores do movimento
Motora. A noção comum entre eles é a de so- porque desencadeiam, através do reflexo
lidariedade muscular fundamentada na fisio- miotático, a contração dos músculos subse-
logia do tecido muscular, o qual deve ser en- qüentes, monoarticulares, assegurando o iní-
tendido como uma entidade funcional consti- cio do trabalho dos mesmos. Sustentam tam-
tuída de um conjunto indissociável: o tecido bém que os gestos desencadeiam uma deter-
conjuntivo fibroso (isto é, aponeuroses, ten- minada tensão nos segmento corporais que, por
dões, tabiques intermusculares e intramus- sua vez, induzem a uma determinada torção
culares3 etc.) e o tecido contrátil, incluído no em cada segmento, influenciando a estrutura
tecido fibroso4. Não existem contrações de e a forma do corpo, além de estarem associa-
músculos isoladamente, mas uma cadência de dos à estrutura psíquica do indivíduo. Pode
movimentos que se expande pelo corpo; as- haver uma desorganização do movimento fun-
sim recorre-se ao corpo inteiro quando do tra- damental, quando o gesto é realizado de for-
tamento de uma região específica. ma inadequada, desorganização essa capaz de

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percorrer vários segmentos através dos encai- Denys-Struyf (1991, 1995a) dividiu as
xes articulares que determinam sua interde- cinco cadeias musculares em dois grupos, de
pendência. acordo com a ação predominante dos múscu-
los que as compõem; também relacionou a
O método Mezierista, desenvolvido por gestualidade e a postura corporal com as ca-
Mézières na década de 60, salientou a idéia de racterísticas psíquicas de seus pacientes, pois
solidariedade muscular através da noção de que observou que a dominância de uma determi-
um segmento em sofrimento é tão-somente a nada cadeia muscular correspondia, normal-
expressão particular de um conjunto de ano- mente, a uma atitude psíquica9 específica. Em
malias, sendo que a causa deve ser tratada em resumo, pode-se dizer que:
níveis freqüentemente muito distantes do pro-
blema que preocupa o paciente. Segundo • um grupo, com ação predominante no tronco
Denys-Struyf (1995b), Mézières considerava e associado à personalidade do indivíduo, é
que a causa primária das deformidades eram representado pelas cadeias musculares AM e
as lordoses, e estruturou seu trabalho com base PM (constituídas por músculos responsáveis
na tensão existente nos músculos posteriores pela manutenção da postura estática) e PAAP
responsáveis pela manutenção da postura es- (constituída por músculos responsáveis pelos
tática6 — os quais chamou de cadeia muscu- movimentos dinâmicos, dando ritmo e equilí-
lar posterior — juntamente com os músculos brio às precedentes). A cadeia muscular AM
rotadores internos da coxo-femural e o mús- está associada a um sentimento instintivo, du-
Na abordagem culo diafragma7. Para tratar essas alterações, rável, imutável. A atitude determina orienta-
tradicional, valori- fazia-se necessário alongar a cadeia posterior ção ao ego, à vida vegetativa e às sensações.
za-se a perspectiva inteira, não adiantando alongar apenas um dos A cadeia muscular PM está associada ao co-
da terceira pessoa, músculos desse conjunto, pois, se assim se fi- nhecimento racional e analítico, à conquista
de fora para den- zesse, haveria compensações e, com isso, não do saber. A atitude determina situação de des-
tro, predominando se atingiria a principal causa do problema. coberta do espaço fora de si. A cadeia muscu-
as percepções do lar PAAP está associada a um sentimento mó-
terapeuta. Denys-Struyf (1991,1995a), concordan- vel e instável, sobretudo a noção de "reação",
te com os pressupostos dos métodos citados ponto de partida para o dinamismo e a ação.
acima, desenvolveu seu próprio método, po- • outro grupo, com ação predominante nos
rém, diferentemente dos seus precursores, sua membros e associado à relação do indivíduo
proposta foi de desenvolver uma abordagem com o meio circundante, é representado pelas
mais individualizada da mecânica humana. cadeias musculares AL e PL, que são essenci-
Ademais, interessou-se em relacionar os cons- almente dinâmicas e estão unidas à cadeia
tituintes psicológicos, a estrutura corporal do muscular PAAP pelos músculos do tronco10.
indivíduo e suas influências no processo A cadeia muscular PL está relacionada à
terapêutico. Pelo estudo minucioso das formas extroversão, à exteriorização dos estímulos. A
do corpo humano, chegou à teoria de que ha- cadeia muscular AL está relacionada à
viam cinco biotipologias de base que deveri- introversão, à interiorização dos estímulos.
am ser consideradas na avaliação e na conduta
terapêutica. Dez unidades de complexo O movimento advindo da coordenação
muscular foram por ela conceitualizadas — motora das cinco cadeias musculares não en-
cinco de cada lado do corpo, indo da cabeça gendra uma forma perfeita, mas uma postura
às mãos e aos pés, conhecidas por Cadeias preferencial, na qual o gesto, por sua modali-
Musculares, ou Cadeias de Tensão Mio- dade e sua repetição, pode determinar uma ati-
fasciaP. Essas cadeias foram definidas como vidade mais importante numa das cadeias. O
um conjunto de músculos solidários entre si excesso de tensão numa cadeia muscular pode
pelo fato de encontrarem-se interligados por conduzir à deformidade, e a forma incorreta é
aponeuroses e serem recrutados, em seqüên- o sinal da desorganização. Quando uma cadeia
cia, pelo reflexo miotático. Elas determinam, muscular domina dada região, essa é marcada
assim, a interdependência de todas as partes com um sinal que lhe é próprio e que a carac-
do corpo. São designadas de acordo com seu teriza em relação às outras. A supressão total
posicionamento no corpo: ântero-mediana das dominâncias é impossível, pois as mesmas
(AM), póstero-mediana (PM), póstero-anteri- mantêm o gesto e a postura preferencial como
or-ântero-posterior (PAAP), ântero-lateral sendo a base da biotipologia. Entretanto, os
(AL) e póstero-lateral (PL) [Figura ]]. excessos que conduzem à desorganização das

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Figurai. Desenho esquemático dos músculos que compõem as cinco cadeias musculares (Denys-Struyf, 1995a).

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unidades funcionais e à deformação não só largo (tendendo a se "abrir") que representa a


podem como devem ser mitigados. tensão da cadeia muscular PL [Figura 3].

O psiquismo deixa seu sinal na modali- A partir dessa e de outras leituras da


dade do gesto, ou seja, marca as formas do postura, do gesto e das formas do corpo,
corpo, tendo em vista que é do gesto que nas- Denys-Struyf (1991,1995 a) propõe um méto-
ce a forma. Outro fator influente na atividade do que possibilite a regularização das tensões
de uma cadeia muscular, porém de outra natu- musculares pela utilização psicocorporal mais
reza, está relacionado às vivências da pessoa: consciente (principalmente da estrutura
esporte, trabalho, sedentarismo, traumatismos, osteoarticular), pela ginástica e pela modela-
intervenções cirúrgicas etc. gem e ajustamento osteoarticular. Consideran-
do que cada indivíduo apresenta peculiarida-
A biotipologia é a resultante entre as des que o caracterizam, diferenciando-o dos
características genéticas e a vivência do indi- demais, sugere que o caminho terapêutico e as
víduo. A avaliação minuciosa da postura em técnicas a serem utilizadas sejam propícias a
pé, da gestualidade, da morfologia e da essas necessidades. A única conduta que con-
biomecânica, juntamente com a verificação do sidera válida para todos, e que vai de encontro
Dez unidades de
comprimento das cadeias musculares, permi- ao método de FNP e Coordenação Motora, são
complexo muscular
te identificar as hiperatividades, as carências os movimentos espiróides que possibilitam
foram por e/a uma ação sincrônica das cinco cadeias mus-
conceitualizadas — e as discordâncias existentes no sistema neuro-
músculo-esquelético, fornecendo a chave para culares.
cinco de cada lado
sua reorganização. Assim, o tratamento requer
do corpo, indo da
a avaliação de todo o corpo e dos aspectos sub-
cabeça às mãos e OMÉTODODECADEIASMUSCULARES
jetivos envolvidos.
aos pés, conhecidas COMOUMAABORDAGEMSOMÁTICA
por Cadeias Muscu- A falta de elasticidade nos músculos que
lares, ou Cadeias de compõem uma cadeia muscular pode ser acar- O método de Cadeias Musculares e Ar-
Tensão Miofascial. retada por um excesso de atividade muscular ticulares busca entender o ser humano dentro
devido a fatores externos (traumatismo) ou de uma perspectiva diferente da tradicional
internos (psicomotor). Caso surjam daí movi- (que pode ser denominada de modelo bio-
mentos descoordenados e persistentes, a ca- médico), ou seja, diferente daquela em que o
deia dominante pode fixar deformidades cor- enfoque está nas generalizações, no estudo
porais. partimentalizado do ser humano e na perspec-
tiva da terceira pessoa (a do especialista).
No contexto do Método de Cadeias Mus-
culares e Articulares, a análise começa pela Com o propósito de compreender e co-
observação da expressão em pé, ou seja, como nhecer mais a respeito do movimento do cor-
e onde se dá o equilíbrio na posição em pé na- po humano, o Método de Cadeias Musculares
tural. No plano sagital, encontramos três for- e Articulares opta por não fragmentá-lo na
mas básicas de equilíbrio de acordo com a ca- abordagem terapêutica; além disso, valoriza a
deia muscular predominante em relação ao fio participação do sujeito no processo terapêutico
de prumo": [1] o deslocamento anterior (do com o intuito de torná-lo consciente do traba-
corpo inteiro ou de alguns segmentos) se deve lho realizado e possibilita-lhe uma aprendiza-
a uma tensão da cadeia muscular PM; [2] o des- gem e o conseqüente domínio do eu corporal.
locamento posterior (do corpo inteiro ou de al- Para tal, são enfatizadas técnicas corporais que
guns segmentos), corresponde a uma tensão da harmonizem o indivíduo pela mobilização e
cadeia muscular AM; [3] a manutenção dos seg- alongamento do tecido miofascial e desenvol-
mentos na linha do fio de prumo, ou seja, ali- vam a percepção corporal. Procura-se também
nhados verticalmente, representa a predominân- compreender o movimento através de sua fun-
cia da cadeia PAAP [Figura 2]. cionalidade12 , evitando-se uma abordagem de
músculos isolados. Todo esse enfoque é con-
Em relação ao plano frontal, o indiví- cordante com a abordagem somática pela bus-
duo pode mostrar-se basicamente de duas ma- ca de uma atuação holística do ser humano,
neiras: [1] com um corpo fino, estreito (ten- tanto quanto pela preocupação em possibilitar
dendo a se "fechar"), que representa a tensão ao aluno/paciente um conhecimento mais
da cadeia muscular AL ou [2] com um corpo abrangente sobre si mesmo tornando-o mais

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Figura 2. Representação gráfica da tensão predominante nas cadeia muscular PM, PAAP e AM em relação ao fio
de prumo ( Denys-Struyf, 1995a).

Figura 3. Representação gráfica da tensão


predominante nas cadeias musculares PL e AL (Denys-
Struyf, 1995a).

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autônomo e capaz de prevenir problemas pos- da, o método G.D.S. propõe a cada um, sobretudo, a
teriores. O indivíduo deve ter consciência da possibilidade de CUIDAR DE SI MESMO". (Denys-
Struyf, 1995a, p. 15)
sua gestualidade e utilizá-la adequadamente,
caso contrário, poderá criar alterações na sua
estrutura corporal e expandi-las por todo o No momento, é difícil afirmar se o mé-
corpo através das interligações do tecido con- todo de Cadeias Musculares e Articulares, as-
juntivo, causando problemas ou patologias que sim como seus percursores, tal qual são de-
influenciarão a sua unidade. fendidos na atualidade, sejam vigentes por
muito tempo, pois a tendência é haver uma
evolução contínua de conhecimentos que po-
No Método de Cadeias Musculares e
dem ampliar ou refutar tais pressupostos. Po-
Articulares, há uma proposta de análise da rém, é inegável sua contribuição para constru-
biotipologia que auxilia o terapeuta a compre- ção de uma visão mais unificada do ser huma-
ender a estrutura psicocorporal do indivíduo. no, tendência essa que é cada vez mais corren-
Na abordagem somática, a ênfase é dada ao te nas diferentes teorias que intentam conhe-
discurso e ação na primeira pessoa do singu- cer o humano, ainda tão complexo, para nós,
O Método de lar. Esses dois aspectos enriquecem o proces- na sua constituição.
Cadeias Musculares so terapêutico e, por isso, devem ser utiliza-
dos; o primeiro, porque traz mais subsídios
e Articulares opta Expandem-se, assim, a várias áreas re-
ao terapeuta para compreender o sujeito; o se-
por não fragmentá- lacionadas ao movimento — em especial à
gundo, porque solicita uma participação ativa
lo na abordagem Fisioterapia e à Educação Física — as possi-
desse no tratamento. bilidades de conceber e elaborar práticas cor-
terapêutica; além
disso, valoriza a porais, na qual a individualidade e subjetivi-
Hanna (1988) enfatiza que qualquer dade do aluno/paciente são respeitadas,
participação do abordagem terapêutica que não inclua a visão viabilizando por isso uma abordagem mais
sujeito no processo somática (primeira pessoa) e a visão fisioló- unificada e participativa do ser humano.
terapêutico com o gica (terceira pessoa) é enganosa. O indiví-
intuito de torná-lo duo pode tornar-se vítima de forças físicas e
consciente do orgânicas, mas é também capaz de reagir e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
trabalho realizado e mudar a si mesmo. Assim, deve-se escutar o
possibi/ita-lhe uma sujeito para perceber suas necessidades e ter BERTHERAT, T. O Corpo Tem Suas Razões: Antiginástica e
aprendizagem e o conhecimento técnico para responder a tal de- Consciência de Si. 10.ed. São Paulo: Martins Fontes,
1986.
conseqüente domí- manda.
nio do eu corporal. DE NEGRI, L. Self-Perception and the Learning of Movement
"O ponto de vista somático complementa e completa a Skill in Dance and in Synchronized Swimming: The
Effects of a Somatic Approach. Dissertação de
visão científica do ser humano, tornando possível uma
doutorado, The Ohio State University, 1995.
ciência autêntica que reconhece a totalidade humana:
tanto o lado do eu consciente e do eu responsável, DENYS-STRUYF, G. Les Chaine Musculaires et Articulaires
como o externamente observável lado 'corporal' ". (4. ed.) ICTGDS, 1991.
(Hanna, 1988, p21)
__. Cadeias Musculares e Articulares: O Método G.D.S. São
Paulo: Summus, 1995a.
Denys-Struyf (1995a) participa da visão
de Hanna ao defender a idéia de que "o corpo __. Le Manuel du Méz.ièriste. Paris: Frison-Roche, 1995b.
é uma linguagem " e que o importante é estar GOMEZ, N. Movement, Body and Awareness: Exploring
em condições de ver, ouvir, compreender e Somatic Processes. Montreal: Université de Montreal,
responder às mensagens gestuais e posturais
do indivíduo, pois essas são "palavras" que, GUSDORF, G. A Agonia da Nossa Civilização.São Paulo: Con-
se ouvidas e compreendidas, contribuem para vívio, 1978.
aliviar o desconforto humano, podendo con-
HANNA, T. What is Somatics? Somatics: Magazine-Journal
duzir à reconstrução da unidade psicocorporal of the Bodily Arts and Sciences, v.5, n.4, p.4-8, 1986a.
harmoniosa do indivíduo. Para tanto, defende
um estudo minucioso da estrutura corporal do __. Somatics: Reawakening the Mind's Control of Movement,
Flexibility, and Health. Massachusetts: Addison-Wesley,
indivíduo e a participação do mesmo no pro-
cesso terapêutico:
JOHNSON, D. Body. North Atlantic Books, 1983-92.
"Além de uma abordagem mais individualiza- JUHAN, D. Job's Body: A Hardbook for Bodywork. Station
Hill, 1987.

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KLEINMAN, S. Moving into Awareness. Somatics: Magazine- Os músculos biarticulares vinculados ao movimento funda-
Journal ofthe Bodily Arts and Sciences, v.7, n.4, p.4-7, 1990. mental podem ser consultados no livro Coordenação Motora
de Piret & Beziéres (1992).
LUIJPEN, W. Introdução à Fenomenologia Existencial. São
Paulo: E.P.U., 1973. 6
Neste ensaio, entende-se por postura estática a manutenção da
PIETRONI, P Viver Holístico. 2.ed. São Paulo: Summus, 1988. postura ortostática.

PIRET, S. & BÉZIERS, M.M. A Coordenação Motora: Aspec- 7


Segundo Thérèse Bertherat (1986), Mézières considerava o
to Mecânico da Organização Psicomotara do Homem. excesso de tensão dos músculos posteriores como responsáveis
São Paulo: Summus, 1992. por todas as deformidades do sistema osteoarticular, diferenci-
ando-se das colocações feitas por Godelieve Denys-Struyf
RAMOS, D.G. A Psique do Corpo: uma Compreenção Simbó- (1995b).
lica da Doença. São Paulo: Summus, 1994.
8
SHAMBES, G. M. & CAMPBELL, S. K. Inherent Moviment O músculo e a sua fáscia.
Patterns in Man. In: Kinesiology 111. Committee on
Kinesiology ofthe Physical Education Division (American 9
Entre os autores que Denys-Struyf utilizou como referencial
Association for Health, Physical Education. and
teórico para relacionar as cadeias musculares a constituintes
Recreation): Washington, 1973. p.50-58.
psicológicos estão: P. Bouts & C. Bouts (La Psychognomomie),
VOSS, D., IONTA, M. K. & MYERS. B. J. Facilitução L. Corman (Nouveau Manuel de Morpho-psychologie), G.
Gatien (La Caractérologie), C-G. Sarrazin (Caracteres et
Neuromuscular Proprioceptiva. São Paulo: Panamerícana,
Tempéraments) e J. Gaussin (La Visage).
1987.
10
Nos livros Les Chaîne Musculaires et Articulaires (1991) e
NOTA Cadeias Musculares e Articulares: O Método G.D.S.(\995),
encontram-se descritos os músculos que compõem cada cadeia
muscular.
1
Luijipen embasa tais colocações nas obras de Sartre (L'Être et
le Néant), Mareei (Etre et Avoir; Du Refus à Vlnvocation) e 11
O fio de prumo é uma técnica utilizada no estudo da postura,
Merleau-Ponty (Phénoménologie de Ia Perception).
tratando-se de uma linha vertical. Coloca-se a articulação
astrálago-cubóide nessa linha vertical para visualizar-se como
2
No contexto deste trabalho, as terapias ditas alternativas se os segmentos corporais se alinham uns em relação aos outros a
referem aos métodos e técnicas corporais que não se enqua- partir desse referencial.
dram na perspectiva tradicional da abordagem fisioterápica.
l2
Considerando-se as colocações de Kabat, citadas anterior-
3
Chamamos de tabiques (ou septos) intramusculares as mem- mente, prioriza-se os movimentos funcionais que ocorrem em
branas de tecido conjuntivo que dividem o músculo em fascí- planos diagonais-cruzados, e não àqueles realizados num úni-
culos (perimísio) e a membrana que envolve cada fibra muscu- co plano.
lar (endomísio). Os tabiques intermusculares são as membra-
nas externas de tecido conjuntivo que separam um músculo do
outro (epimísio)
UNITERMOS
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Juhan (1987), pesquisador da linha somática, salienta os pre-
juízos causados às fibras musculares pela densificação do teci- Reeducação postural; abordagem somática;
do conjuntivo, pois este lhes fornece sustentação, preenchimen-
to, proteção e nutrição. Afirma, ainda, que essa densificação educação física; fisioterapia.
faz parte do processo normal de envelhecimento do tecido con-
juntivo, mas pode ser amenizada ou acelerada pela manuten- *Adriane Vieira é mestranda em Ciências do
ção ou não de atividades físicas, mobilização e alongamento
do tecido miofascial. Movimento Humano -ESEF/UFRGS.

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