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O TRÁFICO DE DROGAS ILÍCITAS: UMA

MODALIDADE DO CRIME ORGANIZADO

Eduardo Godinho Pereira1

RESUMO

Este artigo busca abordar o tráfico de drogas ilícitas e verificar se esta modalidade
criminosa está inserida no conceito de “crime organizado”, encontrado com frequência
em textos, artigos, notícias. Foi feita uma contextualização sobre essa atividade
criminosa no Brasil, em especial a facção criminosa “Comando Vermelho”,
descrevendo suas origens e de como as atividades com as drogas ilícitas começaram no
Brasil. Por fim, foram verificadas correlações entre as atividades “administrativas” do
tráfico de drogas ilícitas e a estrutura administrativa de setores públicos e privados,
apresentando características semelhantes entre eles.

1. INTRODUÇÃO

Ao estudar a história da população brasileira e suas características culturais, percebe-se


facilmente que não é uma prática comum o debate de assuntos relevantes para o
cotidiano nacional. Isso se deve ao fato de a sociedade brasileira habitualmente se
preocupar em discutir assuntos como novelas, minisséries e os “famosos Reality Show”.
Mas com o passar do tempo, verifica-se que houve uma mudança comportamental na
sociedade brasileira. Ultimamente, temas como “Segurança Pública” têm se tornado o
centro das atenções de todas as camadas sociais, devido ao fato do crime não mais
atingir apenas as pessoas que se encontram confinadas em “aglomerados urbanos”, mas
que passou a atingir à classe média alta e aos ricos do país.

1
Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais – 2º Tenente PM - Bacharel em Ciências Militares – Pós-
graduado e Especialista em Segurança Pública e Complexidade - Mestrando em Administração.
O tema tornou-se tão importante que passou a ser utilizado como sustentáculo em
campanhas políticas. Dentre os assuntos mais discutidos em campanhas políticas, como
saúde, educação, emprego, a segurança pública ganhou tanto espaço que hoje figura
entre os temas mais importantes e que a sociedade mais cobra dos seus futuros
governantes, em época de campanha política.

Em meio ao exaustivo debate sobre a segurança pública no Brasil, alguns termos


acabam surgindo, como “crime organizado”. Este termo, embora seja encontrado com
certa facilidade, ainda precisa de conceitos que legitimem seu uso.

Justificando e elucidando o termo “crime organizado”, que se buscou, principalmente,


em notícias, artigos científicos, textos sobre o tráfico de drogas ilícitas e crime
organizado, pesquisados e retirados de sites de pesquisa acadêmica, além de periódicos
especializados e livros dentre outras fontes eletrônicas, elementos que possam
classificar o tráfico de drogas ilícitas como “crime organizado”, fazendo-se uma
correlação com as estruturas administrativas de setores públicos e privados com a gestão
dos traficantes de drogas ilícitas. A escolha do tema “tráfico de drogas ilícitas” se deu
devido ao fato de ser uma modalidade criminosa, em tese, entendida como organizada,
que apresentam definições que levam a pensar que há organização territorial,
pagamentos de salários, controle administrativo dentre outras. A cidade do Rio de
Janeiro será estudada pela peculiaridade de ser o Estado que foi o escolhido para a
gênese de facções criminosas como o Terceiro Comando (TC), o Comando Vermelho
(CV) e os Amigos dos Amigos (ADA), “organizações criminosas” que são destaques
nos jornais nacionais e internacionais pelo sangrento conflito por domínios de ponto de
tráfico de drogas ilícitas. Há uma abordagem ainda à cidade de Belo Horizonte, onde foi
estudada a relação do tráfico de drogas ilícitas com os homicídios na capital mineira.

Faremos uma abordagem dos diversos conceitos de ”crime organizado” utilizados por
escolas de polícia do mundo todo. Abordaremos a adaptação criminal do Comando
Vermelho, saindo da prática de roubo a estabelecimentos bancários e partindo para o
tráfico de drogas ilícitas. Faremos uma breve contextualização sobre o tráfico de drogas
no Brasil, percorrendo os caminhos que levaram ao surgimento do tráfico de drogas,
considerado por muitos, até mesmo por algumas autoridades, o grande responsável pelo
aumento da violência. Posteriormente, faremos uma correlação dos artigos e textos
estudados que servirão de sustentação para elucidar se a modalidade “tráfico de drogas
ilícitas” se enquadra no conceito de “crime organizado”.

2 O TRÁFICO DE DROGAS ILÍCITAS E SUA CONEXÃO CRIMINAL.

“O concurso de pessoas para a prática de delitos e as chamadas “carreiras criminosas”


não constituem nenhuma novidade. Em todos os tempos e lugares os contrabandos, a
pirataria, o tráfico de armas e o tráfico de drogas ilícitas sempre se pautaram em manter
uma certa organização, hierarquia, divisão do “trabalho”, ilicitude, clandestinidade,
planejamento de lucros, violência e intimidação, aspectos que diferenciam o “crime
organizado” de outras atividades ilícitas.

O que é realmente novo, e isso tem causado grande preocupação, é que o tráfico de
drogas ilícitas, particularmente a cocaína, crack e maconha, vai seguindo a mesma trilha
dos jogos de azar, ou seja, está se transformando em um grande negócio à mercê da
incapacidade, descaso e falta de vontade das autoridades de afrontar esse problema que
afeta a sociedade. (ESPÍRITO SANTO, 2003, p. 131)

Caldeira (1998)2, citado por Lúcio Emílio (2003), lembra que o jogo de azar é uma
atividade ilícita que se tornou a alma de um grande negócio. Lembra ainda que esta
prática se tornou usual no país, sendo aceita de certa forma. Os grandes “bicheiros”
eram pessoas que tinham a fama de intocáveis, pois não eram punidos mesmo
cometendo os ilícitos penais. O tráfico de drogas ilícitas está seguindo pelo mesmo
caminho do jogo do bicho, pois o processo de “aceitação” de práticas delituosas, por
parte da sociedade e por parte das autoridades, acaba banalizando essas atividades,
culminando numa tolerância aos crimes e contravenções.” (ESPÍRITO SANTO, 2003,
p. 132)

Assim como os bicheiros circulavam livremente pelas altas rodas do poder, ligavam-se
ao futebol e às pessoas de influência na sociedade, esse mesmo privilégio está sendo

2
CALDEIRA (1998), “Políticas de Segurança Pública no Rio de Janeiro. Apresentação de um debate
público”.
buscado pelos traficantes. Essa tendência fica muito clara no cinismo com que os
traficantes têm encarado o aparelho repressivo do Estado, principalmente o sistema
prisional. Conhecem e exploram com maestria as falhas, que são muitas, dos sistemas
policial, judicial e prisional. Os traficantes têm procurado intimidar os honestos,
reduzindo-os a quase inação, e aliciar os desonestos, propiciando assim o
funcionamento do negócio do tráfico, que em pouco tempo alcançará aquele status
ambíguo do ilegal-tolerado, mesmo porque “seria até desumano deixar os dependentes
químicos sem papelotes e buchas”. Sob a mesma óptica dos “bicheiros”, muito tem se
falado da impossibilidade de erradicação do tráfico em face do seu valor econômico e
ainda como fonte de “emprego” do jovem morador das comunidades/aglomerados.
Dentro desse prisma, lembra Caldeira (1998), que alguns segmentos chegam, inclusive,
a propor sua despenalização3. A falta de solução para esse grave problema só faz crescer
o medo e conseqüentemente a insegurança.

As atividades econômicas ilegais, que não são poucas, por não terem controles
institucionais, tendem a ser muito lucrativas para certos personagens estrategicamente
posicionados em suas redes de contato que atravessam fronteiras entre os estados
brasileiros e as nações do mundo. Com tanto lucro, fica fácil corromper agentes
públicos e, por serem ilegais, quaisquer conflitos e disputas são resolvidos por meio da
violência. Assim, compreendemos a facilidade com que armas e drogas chegam até
favelas e bairros populares; bem como as mercadorias roubadas – automóveis,
caminhões, jóias, eletrodomésticos – usados na troca com as drogas ilegais, alcançam os
seus destinos finais, os traficantes. A corrupção e a política institucional equivocada,
predominantemente baseada em táticas repressivas dos homens pobres envolvidos nessa
extensa malha, adicionam ainda mais efeitos negativos à já atribulada existência dos
pobres nas cidades brasileiras. (Zaluar, Alba. Artigo digital)4
O combate aos pequenos “aviões”5 não têm um efeito eficaz no combate às drogas. A
repressão sistemática, quando bem planejada e empregada com o devido controle, é
muito importante para a comunidade, pois proporciona a chamada “segurança objetiva”
mas, não se revela eficiente para abalar a estrutura das organizações criminosas e

3
Deixar o tráfico de drogas ser abordado como crime, ou seja, a pessoa não mais seria punida por praticar
o tráfico e drogas ilícitas.
4
http:// www.ims.uerj.br/nupevi/artigos_midia/confianca.pdf
5
Pessoas encarregadas de vender pequenas quantidades de drogas aos usuários. Posto mais baixo na
hierarquia do tráfico de drogas ilícitas.
interromper a prática de homicídios, roubos, ameaças e outros delitos conexos ao
tráfico”. (DPSSP 03/2002)

Atuando de maneira meramente repressiva, as polícias acabam estimulando, contra sua


vontade, os efeitos perversos da repressão6, que consiste numa elevação das taxas
criminais na área de apreensão e adjacências. Gera o aumento do preço das drogas e
obriga o infrator que teve a droga apreendida a buscar meios de obtenção de recursos
para poder pagar a “droga” do traficante que foi apreendida. (PEREIRA, 2007)

“Sendo que muitas das vezes esses criminosos encontram nos assaltos e demais crimes
contra o patrimônio a saída para obtenção de dinheiro para pagar o dinheiro devido ao
traficante” (ZALUAR, 2004, p. 59).

Percebe-se que o tráfico de drogas ilícitos é uma modalidade criminal que traz junto
consigo uma série de outros crimes, principalmente, o crime violento contra o
patrimônio e contra a pessoa.

O tráfico de drogas ilícitas tem influenciado diretamente no aumento da criminalidade.


Grande parte dos homicídios ocorridos em Belo Horizonte está ligada ao tráfico de
drogas ilícitas, mais especificamente às brigas entre gangues rivais disputando o
domínio por pontos de venda de drogas ilegais (BEATO FILHO, 2001, p. 3).

Muito se questiona qual o papel das autoridades frente ao problema das drogas ilícitas.
Paixão (1994)7, citado por citado por Lúcio Emílio (2003), levanta a seguinte questão:
a partir de que momento a ingestão de drogas ilícitas, que a rigor pertenceria à esfera da
moralidade, transforma-se em um problema social? Em resposta a este questionamento,
autores como Ardaillon e Debert, (1987, p. 136), dizem que o uso indevido de drogas
tornou-se um problema público, e conseqüentemente objeto de políticas públicas, por
tornar o dependente químico mais propenso a cometer crimes, resultando no aumento da
criminalidade. (grifo nosso)

6
De acordo com a DPSSP 03/2002 são os efeitos negativos causados pela atuação policial, representando
um aumento na criminalidade em razão das intervenções da Polícia Militar.
7
PAIXÃO, Antônio Luiz. (1994)
“O uso de drogas ilícitas resulta no aumento da violência e criminalidade em geral”.
Chacinas, disputas de ponto de venda, assaltos, prostituição, aliciamento de menores,
contrabando de armas, dentre outros crimes graves, passaram a povoar o cotidiano das
grandes cidades (ARDAILLON e DEBERT, 1987, p. 136).

“A conexão do tráfico de drogas ilícitas com outras modalidades criminosas é uma


verdade atual” (ZALUAR, 2004, p. 53). Ao examinarmos a relação das drogas ilícitas
com os crimes violentos, obtivemos resultados inquietantes. Examinando-se as séries
históricas, relativas aos últimos anos, constata-se que não apenas o número de crimes
violentos praticados por pessoas sob o efeito das drogas ou envolvidos com estas tem
aumentado, mas também o aspecto qualitativo de muitos desses crimes – a exemplo a
crueldade acentuada no cometimento desses crimes. (PEREIRA, 2007)

Analisado o banco de dados da Polícia Militar de Minas Gerais, verificou-se que os


crimes violentos contra a pessoa (homicídio) no ano de 2011, estavam diretamente
ligados ao tráfico de drogas ilícito em mais de 80% dos casos registrados.

2.1 O início da “organização criminal” do tráfico de drogas ilícitas no Brasil.

A organização de grupos criminosos dentro das cadeias do Rio de Janeiro, visando atuar
em uma nova modalidade criminosa, o tráfico de drogas ilícitas, é um marco para a
inserção do Comando Vermelho8 (CV) no mercado varejista das drogas ilícitas. É a
partir daí que temos a escalada da violência armada.

O Comando Vermelho nasceu na prisão e lá continua seu poder até hoje. No fim dos
anos 70, os membros encarcerados do Comando Vermelho começaram a organizar as
atividades criminais (principalmente assaltos a banco e seqüestros) no Rio de Janeiro,
comprando, em seguida, sua liberdade com ganhos ilícitos cuidadosamente introduzidos
nas prisões. Isso coincidiu com a chegada da cocaína, trazida da Bolívia, do Peru e da
Colômbia ao Rio de Janeiro para exportação aos países ocidentais e para consumo local.
Assaltantes de bancos liberados, vinculados ao Comando Vermelho, perceberam os

8
Facção criminosa, provavelmente ainda a mais poderosa facção da droga no Brasil.
grandes lucros que podiam ser auferidos com a venda de cocaína. Assim, realizaram
alguns assaltos a bancos e seqüestros para financiar um movimento organizado rumo ao
negócio do varejo de drogas (AMORIM, 2004).

“O tráfico ficou sendo conhecido como “o movimento” e o papel do dono, na


comunidade, tornou-se um posto quase exclusivo dos traficantes, ao contrário dos
bicheiros e assaltantes de antes, ou dos grupos de extermínio. Cada dono estava em
sintonia com outros donos, também pertencentes ao Comando Vermelho, e assim, na
sua origem, o Comando Vermelho pode ser visto como uma rede de atores
independentes afiliados, e não como uma organização rigidamente hierárquica com uma
única figura central” (MISSE, 1997; SOUZA 2001).

Esse posto alcançado pelos traficantes é que vem a prejudicar a atuação policial no
combate às drogas, pois, como ele é visto como “dono” do morro, os moradores têm
suas ações controladas por esses criminosos. A coerção exercida pelos traficantes
inviabiliza a colaboração da sociedade, pois esta tem medo de denunciar ou ser
testemunha contra alguém da favela com medo de sofrer represálias, o que muitas das
vezes impossibilita aos órgãos de segurança pública realizar um trabalho eficaz no
combate ao tráfico de drogas ilícitas. (Instrução 002/2004 . Regula atuação do GEPAR).

A chegada da cocaína, sua rentabilidade e a natureza da droga também foram


fundamentais na criação e estruturação desses grupos armados e nos níveis elevados de
violência a eles ligados, a partir de meados dos anos 80.

A rentabilidade da cocaína resultou na “militarização” excessiva dos grupos armados,


para controlar e defender bocas e, mais tarde, as comunidades onde se localizavam.

O dinheiro gerado pela venda da droga tornou-se uma importante fonte de renda, que
estimula o desenvolvimento econômico local dentro das comunidades de favelas, mas a
ampla maioria do lucro não circula na comunidade e vai para o dono da boca e os
matutos9, que geralmente vivem fora da favela. (AMORIM, 1995)

9
Pessoas que levam a cocaína para o coração das favelas que os donos controlam
Verifica-se a mudança do foco das ações do crime organizado. Percebe-se em um
primeiro momento que as organizações criminosas investiam na realização de roubos à
mão armada a estabelecimentos bancários, tendo essa ação como fonte de renda para a
“organização”. Com a introdução da droga no país, nota-se que as formas de atuação do
crime organizado foram mudando, os crimes de roubo à mão armada a bancos foram
sendo deixados de lado, pois, além de ser uma prática extremamente perigosa, os lucros
eram menores dos que poderiam ser alcançados com a venda das drogas ilícitas.
(AMORIM, 2004). Foi então que facções criminosas entraram para o mundo do
comércio de drogas ilícitas, sendo que este comércio ilegal é um dos mais rentáveis de
todo o mundo, segundo o professor de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), João Dornelles.10

Para estruturar uma rede de venda das drogas ilícitas, quadrilhas hierarquicamente
estruturadas foram implantadas nas favelas para defender pontos de venda e as
comunidades vizinhas contra invasões policiais ou ataques de facções criminosas rivais,
e entre 1984 e 1986 começaram a surgir os primeiros “soldados do tráfico”11
(AMORIM, 1995).

3 O CRIME ORGANIZADO

3.1 O tráfico de drogas ilícitas: Um ramo do crime organizado?

Para uma análise do processo evolutivo do crime, faz-se necessário entender o que vem
a ser o termo “Crime Organizado”.

Para as Nações Unidas12, organizações criminosas são aquelas que possuem vínculos
hierárquicos, usam da violência, da corrupção, lavam dinheiro e têm a intenção de obter,
direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

10
Disponível em: http://www.universia.com.br/html/materia/materia_bfcf.html
11
Geralmente jovens que ficam armados fazendo a “segurança” das bocas-de-fumo para impedir a
invasão de facções inimigas ou mesmo as ações da polícia.
12
http://conjur.estadao.com.br/static/text/58542,1
Os especialistas do Fundo Nacional Suíço de Pesquisa Científica afirmam que existe
crime organizado, especificamente o transnacional, quando uma organização tem o seu
funcionamento semelhante ao de uma empresa capitalista, pratica uma divisão muito
aprofundada de tarefas, busca interações com os atores do Estado, dispõe de estruturas
hermeticamente fechadas, concebidas de maneira metódica e duradoura, e procura obter
lucros elevados. (revista digital Espaço Acadêmico, n°34)

Já o Federal Bureau of Investigations (FBI) define crime organizado como qualquer


grupo que tenha uma estrutura formalizada cujo objetivo seja a busca de lucros através
de atividades ilegais. Esses grupos usam da violência e da corrupção de agentes
públicos. Para a Pennsylvania Crime Commision, as principais características das
organizações criminosas são a influência nas instituições do Estado, altos ganhos
econômicos, práticas fraudulentas e coercitivas. (revista digital Espaço Acadêmico,
n°34).

O professor de Direito Penal da Universidade de Frankfurt, Winfried Hassemer13,


afirma que dentre as características de atuação das organizações criminosas estão a
corrupção do Judiciário e do aparelho político (ZIGLER, 2003, p. 63). Tokatlian (2000:
p. 58 a 65) constata que na Colômbia as organizações criminosas atuam de modo
empresarial, procuram construir redes de influência, inclusive com as instituições do
Estado, e, conseqüentemente, estão sempre em busca de poder econômico e político.
(revista digital Espaço Acadêmico, n°34).

De acordo com a Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil, crime organizado é


definido como sendo uma prática criminosa que possui as seguintes características: 1)
planejamento empresarial; 2) antijuridicidade; 3) diversificação de área de atuação; 4)
estabilidade dos seus integrantes; 5) cadeia de comando; 6) pluralidade de agentes; 7)
compartimentação; 8) códigos de honra; 9) controle territorial; 10) fins lucrativos.
(revista digital Espaço Acadêmico, n° 34 ).

O que nos chama a atenção é que em todas as características apontadas, exceto as


elencadas pela Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil, a ligação entre Estado e

13
http://www.espacoacademico.com.br/034/34coliveira.htm
crime organizado está presente. Portanto, uma das características do crime organizado é
buscar apoio para a sua atuação no âmbito institucional – instituições do Estado. Ao
avaliarmos a história da população brasileira e suas característica cultural, percebemos
facilmente que não é uma prática comum o debate de assuntos relevantes para o
cotidiano nacional. Outro ponto importante é que as ações do crime organizado têm
como engrenagem o sistema capitalista. Por meio dos benefícios do capitalismo, como,
por exemplo, a interação dos mercados financeiros, é possível tornar as atividades das
organizações criminosas bastante lucrativas. A interação dos mercados financeiros
proporciona a lavagem de dinheiro.

Diante de todas as características apresentadas pelo crime organizado, podemos listar


três características que se destacam dentre as outras. A primeira característica que vale
ressaltar é o poder que o tráfico de drogas ilícitas acabou por desenvolver. Percebe-se
que o tráfico de drogas ilícitas começou a atuar em paralelo com o Estado, ou seja, o
tráfico de drogas começa a atuar nos pontos em que o Estado tem falhado ou não está
presente. Como lembra Blok (1974) e Hobsbawm (1992), “o tráfico de drogas ilícitas
imita o Estado e com ele concorre”. Essa forma de atuação do tráfico de drogas ilícitas,
que deu origem à expressão “Poder Paralelo”.

O tráfico de drogas ilícitas somente é reconhecido quando apresenta características


semelhantes às do funcionamento de algum órgão do Estado: hierarquização nas
atividades; poder político centralizado, controle territorial, etc. Presumindo assim que só
há crime organizado quando se é possível identificar uma estrutura “organizada.” Neste
ponto é visível como os criminosos buscam administrar suas atividades de forma
semelhante ao que ocorre em empresas privadas e instituições públicas. Percebe-se
princípios básicos de administração como hierarquização, área determinada de atuação
da empresa, concentração de poder e mesmo delegação, quando o crime apresenta
atores menores na realidade do tráfico de drogas ilícitas.

Outra característica importante de citar é a corrupção de pessoas públicas, funcionários


do Estado. Como conceitua o FBI, o crime organizado conta com o envolvimento de
funcionários corruptos, que de forma criminosa atua em consonância com essas
organizações do crime.
Qualquer atividade criminosa tomada como “crime organizado” pertence a uma
estrutura de funcionamento grande, seja uma rede ou uma organização mundial que
chega a transpor as fronteiras nacionais. Há uma forte ligação entre criminosos
brasileiros e de outros países, no tocante às drogas, essas relações se intensificam com
os países da América Latina, comprovando a real ligação do Brasil com mercados
internacionais do comércio das drogas ilegais. (ANTÔNIO RAFAEL, 2003).14

Nesse sentido percebe-se que o tráfico de drogas ilícitas preenche vários requisitos para
ser classificado como uma modalidade criminosa que compõe o hall dos crimes tidos
como “organizados”.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não é preciso de um olhar de especialista para identificar elementos administrativos,


facilmente empregados em organizações formais, na administração de facções
criminosas.

Inúmeras são as características semelhantes entre a organização de empresas e as


organizações criminosas. O tráfico de drogas ilícitas tem em suas práticas criminais a
demonstração de características utilizadas na estruturação administrativas de
organizações. As “batalhas” travadas entre os criminosos por disputas de ponto de
tráfico de drogas ilícitas demonstram a competição por mercado consumidor e território
de atuação. As funções dos criminosos dentro da estrutura hierárquica do crime,
evidencia que os traficantes buscam uma definição de tarefas entre seus integrantes,
definindo quem possui o poder decisório e quem terá funções de menor expressão.

A Administração se divide, basicamente, em cinco áreas: finanças, logística, marketing,


vendas ou produção e recursos humanos. (ARAÚJO, 2004). Tomando por base as áreas
da administração, é fácil identificarmos a presença desses setores no mundo do tráfico
de drogas ilícitas, demonstrando assim, uma organização, mesmo que empírica. As
finanças são rigidamente controladas pelos traficantes, sendo motivo de dissidências

14
Antônio Rafael é doutorando do Museu Nacional/UFRJ
entre os grupos. A logística é voltada para a aquisição de mais produtos a serem
comercializados, bem como de aparato bélico, para a defesa dos pontos de venda de
drogas ilícitas. A produção e venda são setores fortes do tráfico, pois é nesta atividade
que os traficantes irão aliciar pessoal para que realize a venda das drogas. De uma forma
bem simplória o tráfico de drogas ilícitas consegue preencher as características inerentes
dos crimes entendidos como “crime organizado”.

Fica claro, respeitado o grau de especialidade das atividades, que em virtude da


ilegalidade das organizações criminosas, que estas muito se assemelham às
organizações formais, valendo-se de estratégias, divisão de tarefas, diversificação de
mercados e outras práticas administrativas.

Essas organizações, em razão do ambiente hostil e instável em que se encontram,


acabam por se apropriar de práticas de gestão para que possa sobreviver nesse
“mercado” de alto risco. Ainda que tais práticas sejam implementadas de forma
“amadora” – tem-se notícias de organizações criminosas que contam com a colaboração
de especialistas – ficam claras as semelhanças com organizações formais, o que nos
autoriza a entender que o tráfico de drogas ilícitas é uma modalidade do “crime
organizado”.

Embora entendamos que há uma certa organização nas atividades criminosas, deve-se
ter cuidado ao referenciar o termo. O tráfico de drogas ilícitas é entendido como “crime
organizado” em relação à sua dinâmica estrutural para realização das atividades ilegais.

Caso as drogas venham ser legalizadas no Brasil, o tráfico de drogas ilícitas passará a
figurar como uma atividade legal, fazendo com que as “organizações criminais”, que
exploram essa atividade, percam seu caráter ilegal, uma das poucas características que
as diferem das organizações formais.
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