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Como funciona a máfia italiana

por Ed Grabianowski - traduzido por HowStuffWorks Brasil

Introdução
A máfia tem controlado tudo desde o tráfico de drogas da esquina
até os mais altos escalões do Estado. Glorificados no cinema e na
televisão, perseguidos pelos órgãos de repressão ao crime, jurados
de morte por seus inimigos, os mafiosos levam vidas violentas e,
não raro, curtas. A máfia gira em torno de uma coisa: dinheiro. Mas
os rituais secretos, as complexas regras e as emaranhadas redes
de lealdade familiar exercem um papel importante na organização.
Neste artigo nós descobriremos como as pessoas entram para a
máfia, como ela age e o que os órgãos de repressão ao crime têm
feito para combatê-la. Nós também vamos aprender sobre as
pessoas e os importantes eventos que deram forma a esta
sociedade nem tão secreta assim.

Foto cedida pelo FBI


Vigilância secreta do FBI: o subchefe Salvatore "Sammy the
Bull" Gravano testemunhou em processo contra John "Dapper
Don" Gotti, chefe da família Gambino

Máfia: visão geral


Hoje, a palavra "máfia" é empregada para se referir a praticamente qualquer
organização criminosa e, em certos casos, até mesmo para descrever grupos
sem qualquer ligação com o crime. Neste artigo, nós iremos nos concentrar no
significado tradicional de "máfia": organizações criminosas à moda italiana ou
siciliana.
O crime organizado possui uma hierarquia em que as decisões tomadas pelos
membros dos escalões mais altos vão descendo lentamente até os outros
integrantes da família. A máfia não é um único grupo ou gangue - ela é
composta de várias famílias que por vezes se enfrentaram em cruéis e
sanguinárias guerras de gangues. Em outras ocasiões elas cooperaravam
entre si em busca de lucros mais vantajosos, às vezes formando até uma
"comissão" com poder para tomar decisões que afetavam todas as famílias
(saberemos mais sobre a Comissão a seguir). Na maior parte do tempo,
porém, elas simplesmente concordavam em não se meterem nos negócios
umas das outras.
A condição de mafioso não é uma afiliação política nem religiosa. Devido às
origens italianas, muitos mafiosos são católicos. No entanto, parte do
juramento que o mafioso faz ao se tornar um "homem feito" - membro de uma
família mafiosa - é que a máfia vem antes da família biológica e de Deus.
Gírias da máfia
 A Cosa Nostra - a expressão cosa
nostra, às vezes traduzida do italiano como
"coisa nossa", referia-se originalmente ao
estilo de vida usual dos malfeitores
organizados da Sicília. Quando a máfia foi
para os Estados Unidos, agentes do FBI
espionando por meio de escutas
telefônicas ouviram a expressão e
começaram a usar La Cosa Nostra (o que
é gramaticalmente incorreto) para se referir
à máfia. Com o tempo a expressão La
Cosa Nostra passou a designar
especificamente o mafioso americano,
distinguindo-os de seus pares do Velho
Mundo.
 Omerta: na máfia, Omerta é a lei do
silêncio.
 Homem feito: homem que foi
oficialmente iniciado em uma família
mafiosa.
 Capo: originalmente, era o cabeça de
uma família na Sicília. Atualmente o capo é
um subalterno a serviço do chefão da
família.
 Família: cada gangue individual dentro
da máfia é conhecida como família. Nem
todos os integrantes de uma família
realmente têm parentesco uns com os
outros, porém é comum que parentes de
mafiosos sejam iniciados na mesma
família de seus pais ou irmãos.
 Espertalhão: alguém que tem
envolvimento com a máfia.

A hierarquia da Cosa Nostra


A hierarquia descrita a seguir se refere especificamente à Cosa Nostra. Outros
grupos possuem hierarquias semelhantes que, no entanto, podem se distinguir
em alguns aspectos.
Cada grupo é formado por várias gangues, as chamadas famílias. O
número delas pode variar de um pouco menos de 10 até mais de 100
famílias. Às vezes, o surgimento de uma nova família requer a aprovação
dos cabeças das demais famílias, ao passo que, em outros casos, um
grupo pode surgir da ramificação de outra família e consolidar o seu
poder, sendo reconhecido como uma nova família com o passar do
tempo. Embora cada família tenha seus próprios negócios, não é raro
existir um alto grau de confusão entre eles dependendo da proximidade
das famílias e da semelhança entre os empreendimentos.
O líder de cada família é conhecido como chefão
ou dom. As decisões mais importantes são
tomadas por ele e o dinheiro apurado pela família
acaba fluindo em sua direção. A autoridade do
chefão é indispensável para resolver diferenças e
manter todo mundo na linha.
Logo abaixo do chefão está o subchefe. Ele é o
segundo escalão da hierarquia. No entanto, o
grau de influência que exerce pode variar. Alguns
resolvem disputas sem passar pelo chefão. Já
outros são preparados para substituir o chefão
quando ele estiver velho ou correndo risco de ir Sammy Gravano, segundo na
hierarquia da família Gambino,
parar na cadeia. ganhou notoriedade ao se
Abaixo do subchefe aparecem vários capos. O tornar testemunha de
acusação contra o chefão
número de capos varia geralmente de acordo com
mafioso John Gotti
o tamanho da família. O capo age como um
gerente, controlando sua própria célula da família. Sua função é cuidar da
operação de atividades específicas. O território do capo tanto pode ser definido
geograficamente ("tudo que fica a oeste da 14th Street pertence ao Louie 'The
Key' DiBartolo") como pelo tipo de negócio ilícito em questão ("Alfonze 'Big Al'
Maggioli é quem manda na loteria clandestina"). A chave para se tornar um
capo de sucesso é fazer dinheiro. Parte da receita desses negócios ilícitos fica
com o capo, o que sobra é repassado para o subchefe e o chefão.
O "trabalho sujo" fica por conta dos soldados. O soldado ocupa o posto mais
baixo entre os homens feitos. Eles fazem parte da família mas têm pouca
autoridade e ganham relativamente pouco dinheiro. O número de soldados sob
as ordens de um determinado capo é imensamente variável.
Além dos soldados, a máfia também se vale dos associados. Estes não são
verdadeiros membros da máfia, porém cooperam com soldados e capos em
diversos empreendimentos criminosos. Um associado é simplesmente uma
pessoa que trabalha com a máfia, podendo ser arrombadores, traficantes,
advogados, banqueiros de investimentos, policiais e até mesmo políticos.
Há ainda outra posição na família que tem algo de folclórica - trata-se do
consigliere. O consigliere não é considerado parte da hierarquia da família:
sua função é atuar como conselheiro e tomar decisões imparciais com base na
justiça e não em sentimentos pessoais ou vendetas familiares. Via de regra, o
posto deve ser preenchido pelo voto dos membros da família, não por
indicação do chefão. Na prática, porém, os consiglieres às vezes são indicados
e nem sempre são imparciais.

Divisões da máfia
A máfia em si não é uma organização concreta. Não existe nenhum
cabeça da máfia. Ao contrário, a palavra máfia é um termo abrangente que
designa um dentre vários grupos de gângsteres com origens que
remontam à Itália ou Sicília.

Em linhas gerais, existem cinco grupos mafiosos que se distinguem


basicamente pelas regiões em que operam ou nas quais tiveram sua origem.
Todos os cinco grupos têm ligações com atividades criminosas espalhadas por
todo o globo e colaboradores em diversos países. A máfia siciliana originou-se
na ilha da Sicília, a Camorra teve início em Nápoles e a máfia calabresa
surgiu na região italiana da Calábria. A Sacra Corona Unita é um grupo mais
recente, baseado na região italiana da Puglia. Finalmente, a Cosa Nostra é a
máfia norte-americana, embora este grupo deva suas origens às famílias
sicilianas e a alguns dos outros grupos de procedência italiana.
Não existe uma regra clara quando se trata de dar nome às famílias da máfia.
As primeiras famílias herdavam o nome da região ou cidade da Itália onde
surgiam. Às vezes, a família era batizada com o nome do chefão,
especialmente se este fosse poderoso ou se estivesse há muito tempo na
posição. Os nomes das cinco principais famílias de Nova Iorque foram
divulgados através do depoimento do informante Joe Valachi diante de
uma subcomissão do Senado em 1962 e 1963. As famílias recebiam o
nome do chefão que estivesse no poder, embora em um determinado
caso o nome de um chefão mais antigo e poderoso era utilizado. Estas
cinco famílias chamavam-se Bonanno, Genovese, Gambino, Luchese e
Profaci. Alguns anos depois, a família Profaci foi assumida por Joseph
Colombo, que de tão famoso acabou dando nome à família que agora se
chama Colombo. O mesmo quase aconteceu quando a família Gambino
passou para o controle de John Gotti. Mas, antes que ela recebesse seu
nome, Gotti foi preso e condenado por formação de quadrilha e
homicídio, em grande parte graças à colaboração do traidor da máfia,
Sammy "The Bull" Gravano, com a Justiça.

Vito Genovese (em foto policial de 1969) começou sua carreira


trabalhando para "Lucky" Luciano e acabou se tornando um
dos mais poderosos chefões na história da máfia norte-
americana

A maioria das outras famílias dos EUA simplesmente recebe o nome da cidade
em que operam: a família da Filadélfia, a família de Buffalo, a família de
Cleveland e assim por diante.

Iniciação na máfia

Os detalhes de uma cerimônia de iniciação na


máfia foram guardados a sete chaves por
décadas. Porém, no começo da década de 60, o
depoimento de Joe Valachi a uma subcomissão
do Senado trouxe a máfia para debaixo dos
holofotes. A descrição a seguir se refere à
cerimônia conduzida pela máfia siciliana e pela
maioria das famílias mafiosas norte-americanas.
Dependendo das circunstâncias, como uma
iniciação feita na prisão ou uma rápida cerimônia Joe Valachi
em meio a uma disputa de gangues, alguns na prisão de La Tuna, Texas
detalhes podem ser diferentes.
Primeiro, o candidato a gângster simplesmente recebe uma ordem para "se
aprontar" ou "se vestir". Em seguida ele é levado para um local privado onde
ocupará lugar em uma longa mesa, bem ao lado do chefão. Os outros mafiosos
presentes unem as mãos e recitam juramentos e promessas de lealdade.
Depois, o iniciando deve segurar um pedaço de papel em chamas. Em
algumas famílias, o novo soldado fará dupla com um mafioso mais experiente
que servirá de "padrinho", alguém que o guiará na vida mafiosa. O iniciando
deve então jurar lealdade por toda a vida à família e, em seguida, retira-se uma
gota de sangue de seu dedo indicador.
No entanto, é preciso mais do que um juramento e uma gota de sangue para
fazer parte da máfia. Somente homens de ascendência italiana são admitidos.
Em algumas famílias é preciso ter pai e mãe italianos, ao passo que outras
exigem apenas pai italiano. O futuro gângster ainda deve demonstrar que tem
uma queda por fazer dinheiro ou, no mínimo, disposição para cometer atos de
violência se receber ordem para isso. Em geral, o criminoso deverá passar em
um teste antes de ser considerado para a iniciação, o que, segundo rumores,
envolve a participação em algum homicídio.
Há um último obstáculo que alguns gângsteres precisam vencer antes de se
tornarem homens feitos: a Comissão. Nas décadas de 20 e 30, as famílias
mafiosas dos Estados Unidos viviam quase constantemente em guerra umas
com as outras. Era comum que elas recrutassem soldados às dúzias, de
maneira que as famílias rivais não soubessem que eram inimigos. Os novos
recrutas podiam facilmente se aproximar dos membros de outras famílias e
assassiná-los. Para acabar com isso, a Comissão passou a exigir que todas as
famílias fizessem uma lista de seus potenciais membros para circular entre as
demais famílias. Além de eliminar a questão dos membros desconhecidos, a
medida também permitiu que os chefões riscassem candidatos envolvidos em
problemas com as outras famílias. Se estes candidatos se tornassem homens
feitos, desavenças pessoais poderiam acabar em violentas disputas entre as
famílias.

Atividades mafiosas
O objetivo primordial da máfia é fazer dinheiro. As famílias se valem de
diversas atividades para conseguir esse objetivo. Uma das mais comuns é
também uma das mais simples: a extorsão. Extorquir é exigir dinheiro das
pessoas por meio de algum tipo de ameaça. Os "pedágios de proteção" da
máfia são esquemas de extorsão. Eles dizem a um comerciante que este
precisa pagar R$ 209 por semana para que possam "protegê-lo" de criminosos
que poderão arrebentar a loja ou atentar contra sua família - insinuando que os
próprios membros da máfia são esses criminosos.
A máfia ganha dinheiro com praticamente todo tipo de atividade ilícita que
existe. Produtos clandestinos são caros, não pagam impostos e não estão
sujeitos à mão reguladora do Estado. Os mafiosos já negociaram com tudo, da
venda de álcool durante a Lei Seca até o tráfico de entorpecentes, prostituição
e loterias clandestinas.
Às vezes são arrombamentos e contrabando que geram receitas, mas os
capos sabem que precisam desenvolver atividades de maior escala para
assegurar o máximo de lucratividade. Por essa razão, eles assaltam
caminhões e se apoderam de cargas inteiras de produtos roubados.
Outro método utilizado pelos mafiosos consiste em subornar motoristas
ou estivadores, os quais "extraviam" caixotes e cargas que mais tarde
vão parar nas mãos da máfia. Os produtos roubados podem ser de
aparelhagem de som a roupas femininas (um dos itens favoritos de John
Gotti no início de sua carreira).

Foto cedida
"Dapper Don" John Gotti em foto policial tirada
em 1990

Um dos mais conhecidos esquemas mafiosos consistia na infiltração em


sindicatos de trabalhadores. Acredita-se que durante várias décadas todo
grande empreendimento de construção civil na cidade de Nova Iorque era
controlado pela máfia. Os mafiosos subornavam ou ameaçavam líderes
sindicais para conseguir uma parcela do negócio sempre que um sindicato
ficava com uma obra de construção, ou então eles próprios trilhavam caminho
até a liderança do sindicato. Uma vez que tivesse firmado as garras em um
sindicato, a máfia podia controlar todo aquele setor econômico. Os mafiosos
poderiam fazer com que os operários diminuíssem o ritmo de trabalho ou
suspendessem uma obra se os empreiteiros ou incorporadores não pagassem
o que eles exigiam, isso sem falar do acesso que tinham aos gigantescos
fundos de pensão dos sindicatos. Houve um momento em que a máfia poderia
ter causado a paralisação total da construção civil e do transporte de cargas
nos Estados Unidos. Os últimos 20 anos, porém, têm sido marcados por um
combate linha dura e em larga escala do governo federal contra as conexões
entre a máfia e os sindicatos.
A atual estrutura da máfia levou séculos para se desenvolver. Continue a ler
para aprender sobre a história da máfia e ver como os órgãos de repressão
têm combatido o crime organizado no decorrer dos anos.

História

A atual estrutura da máfia levou séculos para se desenvolver. Tudo


começou na ilha da Sicília. Apesar de existirem grandes facções
criminosas organizadas em outras partes da Itália, é a máfia siciliana que
normalmente é considerada a mãe de todas as outras organizações
mafiosas.
Vários fatores singulares contribuíram para o desenvolvimento do crime
organizado na Sicília. A ilha está localizada em ponto estratégico e de fácil
acesso no Mar Mediterrâneo. Por essa razão, a Sicília foi palco de inúmeras
invasões, conquistas e ocupação por forças inimigas. Esses fatos levaram a
um descrédito generalizado nas autoridades centrais e nos sistemas legais
codificados. A família substituiu o Estado como centro da vida siciliana e as
disputas passaram a ser resolvidas por meio de um sistema em que as
punições eram aplicadas além dos limites da lei.
No século XIX o sistema feudal europeu finalmente entrou em colapso na
Sicília. Sem a presença de um governo ou autoridade concretos, a situação na
ilha logo degenerou para um estado de desrespeito à lei. Certos proprietários
de terras e outros homens poderosos começaram a ganhar renome e, com o
tempo, passaram a ser vistos como líderes locais. Estes eram conhecidos
como capos. Os capos usavam seu poder para cobrar tributos dos fazendeiros
sob sua autoridade (exatamente como os senhores feudais). Sua autoridade
era exercida com ameaças de violência, ou seja, pelo medo. As práticas
criminosas dos capos jamais eram comunicadas nem mesmo por suas vítimas,
devido ao temor de represálias. Este foi o princípio da máfia siciliana.
O desenvolvimento da máfia

Diversos aspectos da vida mafiosa que têm


sobrevivido aos séculos nasceram durante a
transição do sistema feudal para uma forma de
governo moderno na Sicília. A expressão cosa
nostra - "coisa nossa" - era utilizada na Sicília
para descrever o estilo de vida de um mafioso. O
manto de segredo que envolvia as atividades da
máfia na Sicília tornou-se conhecido como
omerta, a lei do silêncio. Este pacto servia de
proteção aos chefões da máfia contra as
atividades dos criminosos que ocupavam níveis Foto cedida pela Amazon.com

inferiores na organização. A prática de recrutar A trilogia "O Poderoso


Chefão", de Mário Puzo,
garotos para a máfia, culminando com o teste tornou-se o mais perfeito relato
final, também tem sua origem na Sicília. da história da máfia
No começo do século XX o crime organizado estava tão profundamente
enraizado na vida siciliana que evitar qualquer contato com a máfia era algo
impossível. O ditador Benito Mussolini combateu a máfia com mão de ferro
utilizando métodos hostis e, não raro, violentos. No entanto, quando as tropas
norte-americanas ocuparam a Sicília durante a Segunda Guerra Mundial, elas
confundiram os criminosos encarcerados com prisioneiros políticos e não
apenas os libertaram como também fizeram muitos deles prefeitos e chefes de
polícia. Não demorou muito e a máfia já tinha firmado domínio sobre o Partido
Democrata-Cristão italiano.
Nos anos do pós-guerra, as várias famílias rivais da Sicília chegaram à
conclusão de que estavam perdendo dinheiro com suas constantes disputas.
Elas convocaram um cessar-fogo e constituíram um grupo denominado a
Cupola para supervisionar as operações de todas as famílias e aprovar todos
os grandes empreendimentos e assassinatos. Um sistema semelhante seria
colocado em prática pelas famílias norte-americanas durante a década de 50.
Embora tenham conseguido sufocar as guerras entre gangues durante algum
tempo, essas comissões deixavam os chefões vulneráveis a processos
judiciais, pois, com a Cupola em atuação, eram eles que aprovavam
pessoalmente os assassinatos.
A luta contra a máfia siciliana atingiu seu auge na década de 80. Dois
importantes promotores de justiça, que tinham causado muito estrago à máfia,
foram assassinados em atentados à bomba. A população ficou indignada e o
governo finalmente respondeu com o chamado maxiprocesso. Mais de 400
mafiosos foram julgados em uma casamata especialmente construída para
servir de tribunal. Os réus ficavam em grandes celas no fundo da sala de
julgamentos, de onde freqüentemente gritavam e proferiam ameaças contra as
testemunhas à medida que o julgamento seguia seu curso. No fim, 338
mafiosos foram condenados.
Isso, porém, não foi suficiente para erradicar a máfia da Sicília. Em 1992, o
governo italiano ainda teve que enviar 7.000 soldados para a Sicília. Eles
ocuparam a ilha até 1998. A máfia siciliana está na ativa até hoje, porém mais
calma e menos violenta.
Na próxima seção nós veremos como a máfia chegou até os Estados Unidos.

A máfia norte-americana
Os sicilianos e outros italianos começaram a imigrar para os Estados Unidos no
século XIX, contudo, uma grande leva de imigrantes chegou em terras norte-
americanas logo no início do século XX. Embora a maioria trabalhasse duro
para construir uma nova vida para eles e sua família através de meios lícitos,
alguns trouxeram consigo os modos da máfia siciliana.
O primeiro grande incidente envolvendo a máfia ocorreu na década de 1890,
em Nova Orleans. Uma família de criminosos sicilianos estava sendo
perseguida pelo chefe de polícia local, que acabou sendo assassinado.
Durante o processo, os gângsteres subornaram testemunhas e foram
considerados inocentes. O fato desencadeou um furor anti-italiano e uma turba
seguiu em direção à cadeia pública para linchar os envolvidos. O episódio
terminou com um saldo de dezesseis homens mortos a tiros ou enforcados
pela multidão.
As famílias mafiosas espalharam-se pelo país na primeira metade do século
XX a partir de Nova Iorque, cidade dividida entre cinco famílias que disputavam
a hegemonia. A era da Lei Seca fez com que enormes somas de dinheiro
fossem despejadas nos cofres da máfia como resultado do comércio ilegal de
bebidas alcoólicas por todo o país. Seu poder cresceu de forma exponencial
durante esse período e foi nele também que estouraram guerras entre as
famílias. No começo da década de 30, o país foi assolado por uma epidemia de
violência associada à máfia: chefões e subchefes eram regularmente
assassinados, sendo poucos os que exerciam o cargo por mais de alguns
meses antes de serem mortos. Só no ano de 1930, a família Luchese teve três
ou quatro chefões assassinados.
No centro deste banho de sangue, do qual também foi um dos maiores
mentores, estava um gângster chamado Charles "Lucky" Luciano.

Foto policial de Charles "Lucky" Luciano

Luciano alcançou uma posição de grande influência dentro da Cosa Nostra e


deu seu apoio a uma idéia que estava circulando nos meios mafiosos havia
algum tempo - a criação de uma comissão multifamiliar que aprovasse as
atividades mafiosas em território nacional.

A Comissão

Uma reunião em Chigago lançou as bases para a formação de uma comissão


multifamiliar da máfia. A Comissão, da qual participavam sete membros, foi
composta inicialmente pelos chefões das cinco famílias de Nova Iorque
juntamente com Al Capone (de Chicago) e Stefano Maggaddino (da família de
Buffalo). Os membros da Comissão agiam como senadores para as outras
famílias, levando os interesses destas à atenção do resto da Comissão. Por
exemplo, as famílias de cidades da costa oeste eram quase todas
representadas pelo chefão de Chicago. Atividades com grande potencial de
lucro, bem como assassinatos e seqüestros, precisavam ser aprovados antes
pela Comissão. O ingresso na Comissão era definido em assembléias
nacionais da máfia, realizadas a cada cinco anos.
Uma dessas assembléias tornou-se palco de um famoso episódio na história
da máfia - a Batida de Apalachin. Em 14 de novembro de 1957, chefões
(dons) de várias partes do país se reuniram em uma cidadezinha do Estado de
Nova Iorque, próxima à fronteira com a Pensilvânia. A desconfiança de um
guarda estadual resultou em uma batida policial que colocou 58 gângsteres na
berlinda - e, em muitos casos, atrás das grades. A batida desferiu um golpe
certeiro contra a máfia, mas seus impactos foram muito além disso. O público
norte-americano já não podia mais negar a existência da máfia.
A Comissão vem encolhendo desde sua formação - algumas famílias perderam
influência e já não enviam representantes. Atualmente, há rumores de que ela
ainda existe, mas está restrita principalmente à costa leste e nem de longe tem
o poder que tinha nos dias de Lucky Luciano.

Rumores envolvendo os Kennedy

Os rumores sobre a ligação dos Kennedy com a


máfia remontam ao pai de John F. Kennedy, Joe
Kennedy, que, segundo dizem, teria amealhado
boa parte da fortuna da família fabricando
bebidas alcoólicas clandestinamente, além de
possuir ligações com gângsteres como Meyer
Lansky. Quando JFK enfrentou Hubert Humphrey
nas eleições primárias do Partido Democrata, em
1960, muitos acusaram o clã dos Kennedy de
recorrer a conexões com a máfia para garantir
uma votação favorável. Acusações semelhantes
foram feitas durante a campanha presidencial
disputada contra Richard Nixon, que Kennedy
venceu por uma estreita margem de votos.
Várias teorias ligam o assassinato de JFK à
máfia. Jack Ruby, o homem que matou Lee
Harvey Oswald (acusado de assassinar JFK), era
um conhecido associado da máfia. Uma das
teorias atribui razões à máfia devido à frustrada
tentativa de invasão de Cuba pela Baía dos
Porcos. Segundo consta, a máfia odiava que
Cuba estivesse nas mãos de Fidel Castro, pois
este a expulsara de seu lucrativo negócio nos
cassinos cubanos quando tomou o poder. A
invasão foi um terrível fracasso, que alguns
atribuem ao fato de Kennedy ter se recusado a
aprovar apoio aéreo.
Outra teoria aponta para o irmão de JFK, Robert,
indicado para o cargo de Procurador-Geral por
JFK, depois que este se elegera presidente. Uma
vez nomeado, Robert Kennedy imediatamente
deu início a uma "caça" aos mafiosos. Robert
também morreu assassinado.
Um outro rumor especula que JFK tinha várias
amantes e namoradas, algumas das quais eram
conhecidas associadas de mafiosos. Alguns
indícios, inclusive escutas telefônicas feitas por
autoridades federais, mostram que o gângster
Sam Giancana pode ter armado situações
comprometedoras envolvendo JFK e várias
mulheres, ao mesmo tempo em que registrava
provas dos casos extraconjugais do presidente.
Alguns teóricos da conspiração especulam que
assassinos de aluguel enviados por Giancana
foram os responsáveis pela morte de Marilyn
Monroe, uma das supostas namoradas de JFK. O
próprio Giancana foi morto pouco antes de depor
sobre as conexões entre a máfia e os Kennedy.

Las Vegas e a máfia

A Cosa Nostra sempre esteve envolvida com a jogatina, loterias de


números e até apostas esportivas. Ela operava luxuosos cassinos
clandestinos por todo os Estados Unidos, subornando guardas para
fazerem vista grossa das atividades ilícitas. Quando o Estado de Nevada
legalizou o jogo, em 1931, os mafiosos não foram os primeiros a enxergar
nisso uma oportunidade. A famosa Strip já tinha começado a se
desenvolver e alguns sofisticados hotéis-cassino já estavam funcionando
quando a máfia desembarcou ali.
Foto cedida pela Sociedade Histórica e Museológica do Estado de Nevada
O hotel Flamingo, mal-afamado ponto de encontro de mafiosos de propriedade de
Bugsy Siegel

A Cosa Nostra não foi despertando suspeitas logo que chegou ali. Ao
contrário, muitos dos primeiros cassinos de Las Vegas foram financiados
por gângsteres judeus como Bugsy Siegel e Meyer Lansky. Era preciso
muito dinheiro para construir um cassino e por essa razão esses homens
ofereciam empréstimos suspeitos aos possíveis incorporadores das
obras. Alguns desses empréstimos eram concedidos às claras quando o
sindicato dos caminhoneiros, controlado pela máfia, usava seu fundo de
pensão para financiar projetos de construção de cassinos e hotéis. A
prática foi erradicada em 1975 quando funcionários do governo federal
tomaram conhecimento dessas atividades.

Foto policial de Meyer Lansky

Os cassinos sozinhos já geravam enormes lucros, portanto não foi preciso


muita criatividade dos espertalhões para descobrirem uma maneira de
conseguir a sua fatia do bolo. Eles desviavam dinheiro dos cassinos em que
tinham participação ou simplesmente extorquiam propinas dos gerentes. Muitos
chefões mafiosos eram "sócios" de donos de cassino, quer estes os
admitissem na sociedade ou não.
Desde a década de 70 o governo tem sido bastante rigoroso para manter os
gângsteres longe dos cassinos de Las Vegas. Atualmente, acredita-se que os
principais cassinos estão livres da influência da máfia e basta o mais leve sinal
de ligação com o crime organizado para um cassino ter sua autorização de
funcionamento cancelada.

Combatendo a máfia: a lei

Um dos principais instrumentos do governo no combate ao crime organizado


chama-se RICO. RICO não é um informante - é uma lei, a Lei de Combate a
Organizações Corruptas e Influenciadas pelo Crime Organizado (no inglês,
Racketeer Influenced and Corrupt Organizations - RICO - Act), Título 18 do
Código dos Estados Unidos, artigos 1961 a 1968. Esta lei entrou em vigor em
1970 com a finalidade específica de ajudar no combate à máfia. A lei consegue
isso ao permitir que os promotores de justiça persigam organizações inteiras. O
"racketeering" (algo como empresa criminosa, é o delito criado pela lei com
base no termo que descreve os esquemas mafiosos, os "rackets") é a prática
de se obter recursos financeiros através da participação em qualquer
empreendimento que siga um padrão correspondente a uma atividade de
enriquecimento ilícito.

Foto cortesia
Anthony "Fat Tony" Salerno, chefão da família
Genovese em foto tirada pelo FBI depois de sua
prisão sob acusação de tomar parte em
empreendimentos ilícitos

A lei define quase todos os crimes graves como participação em empresa


criminosa e para haver condenação é preciso que dois ou mais desses crimes
tenham sido praticados em um intervalo de 15 anos. Isso implica aumento da
pena se vários crimes forem praticados em conexão com o mesmo esquema
geral, ou seja, subornar sindicalistas, assassinar um comerciante que não
deseja cooperar e extorquir dinheiro de empreiteiras de obras resultará na
prática de empresa criminosa, uma definição que acrescenta décadas às
condenações por suborno, homicídio e extorsão. Além disso, a lei permite que
os membros sejam processados por sua participação na empresa criminosa
mesmo se não estiverem explicitamente envolvidos em crimes individuais. Isso
neutralizou uma das táticas de defesa mais utilizadas pelos chefões mafiosos:
a de mandar criminosos subordinados cometerem os crimes para se verem
livres da Justiça.
Atualmente, a lei RICO tem sido cada vez mais utilizada por advogados que
movem processos para obter indenizações de grandes empresas e outros
grupos e cada vez menos no combate ao crime organizado.

Combatendo a máfia: agentes infiltrados

Para que os policiais possam prender e processar criminosos organizados,


precisam saber o que acontece dentro da organização. Os policiais conseguem
prender traficantes e ladrões de cargas, mas a família simplesmente coloca
outros no lugar dos que são presos. Para desbaratar a família é preciso chegar
até o topo. A melhor maneira de se fazer isso é conseguir infiltrar alguém ali
dentro.
O trabalho de um agente do FBI infiltrado em uma organização mafiosa é
incrivelmente arriscado. Durante seis anos essa foi a vida de Joseph Pistone,
agente do FBI infiltrado nos mais altos escalões como o associado mafioso
Donnie Brasco.

Foto cedida pelo FBI


Foto do FBI: Donnie Brasco (à esquerda) e
"Sonny Black" Napolitano na Flórida

Em entrevista ao site Mafia-International.com, Pistone descreve como se


tornou um agente infiltrado:
"Eu cresci no meio de espertalhões nas ruas de Paterson, Nova Jersey,
mas nunca me envolvi com eles. Eu sempre trabalhei com todo tipo de
serviço braçal: na construção, em bares, dirigindo tratores. Ou seja, antes
de ir para a faculdade eu vi muita coisa e aprendi muito. Meu primeiro
emprego público foi no Departamento de Inteligência Naval, onde eu
investigava casos de tráfico de drogas, roubo e espionagem. Em 1969, eu
passei no concurso do FBI e me tornei agente especial. Meu perfil e
minhas qualificações logo deixaram claro que minha especialidade era
trabalhar infiltrado".
Pistone foi tão competente que mesmo depois do fim da operação, quando
dúzias de gângsteres foram parar atrás das grades, seus amigos mafiosos
ainda achavam que ele tinha virado informante e não que era um verdadeiro
agente do FBI. O relato de sua história foi transformado no filme "Donnie
Brasco" (em inglês).
O trabalho de agentes infiltrados continua sendo uma parte importante na luta
do FBI contra a máfia. Em 1998, uma operação orquestrada por um agente
infiltrado, culminou com a prisão de mais de 40 policiais corruptos em
Cleveland. No entanto, dificilmente se escuta falar das operações secretas - a
própria natureza do serviço exige que os agentes infiltrados usem nomes
falsos, não se deixem fotografar e escondam a própria existência dos olhares
do público.
Confira os links na próxima página para obter mais informações sobre a máfia
italiana e assuntos relacionados.

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