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Sutra Do Nirvana Tomo I PDF
Sutra Do Nirvana Tomo I PDF
Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO I – A Cena do Mahaparinirvana
Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO I – A Cena do Mahaparinirvana
O cozimento dos alimentos em água das oito virtudes teve como com-
bustível as madeiras de sândalo e aloés. Os pratos eram delicados,
belos e em seis sabores: amargo, azedo, doce, picante, salgado e ads-
tringente. Suas virtudes eram três: 1) leves e suaves, 2) puros, e 3) a
verdadeira culinária. Equipados com tais utensílios, eles correram para
a terra dos Mallas (região no norte da Índia), ruma à floresta de árvores
Sala (Sal, Shorea robusta, uma espécie de árvore da Ásia). Lá, eles for-
raram todo o chão com areia e cobriram-no com tecidos de kalinga,
kambala e seda. Essa cobertura estendia-se por um espaço de 12 yoja-
nas [1 yojana = 15-20 km]. Para o Buda e a Sangha, eles eregiram Tro-
nos de Leão (Simhasana) incrustados com os sete tesouros. Os tronos
eram tão altos e largos quanto o monte Sumeru. Acima desses tronos
estavam içados pálios finamente decorados. Grinaldas de todos os
tipos pendiam-lhes, e de todas as árvores Sala também pendiam mara-
vilhosos estandartes e dosséis. Maravilhosas essências foram arpergi-
das entre as árvores e várias flores maravilhosas colocadas ali. Todos os
Monges então disseram uns aos outros: “Oh, todos os seres! Se senti-
rem necessidade, comidas, roupas, cabeças, olhos, membros e todas as
coisas vos esperam; tudo será vosso”. Enquanto faziam os oferecimen-
tos, a avareza, a ira, a corrupção e os venenos abandonaram as suas
mentes; nenhum outro desejo, nenhum pensamento de alguma graça
ou prazer lhes distraia. Seus pensamentos estavam voltados unicamen-
te para a insuperável e pura Mente Iluminada (Bodhi). Todos esses
Monges eram bem estabelecidos no estado de Bodhisattva. Eles tam-
bém disseram para eles mesmos: “O Tathagata agora aceitará nossas
comidas e entrará no Nirvana”.
“Todos os devas até o mais elevado dos céus estavam reunidos lá. Na-
quela ocasião, o Grande Deus Brahma e outros devas emitiram uma luz
que resplandeceu sobre os quatro continentes. Para os humanos e
devas do mundo dos desejos, as luzes do sol e da lua ficaram obscure-
Capítulo 1: Introdução Página 23
cidas. Eles tinham emblemas finamente decorados, estandartes e dos-
séis de seda colorida. Mesmo o menor estandarte que pendia do palá-
cio do Brahma vinha até onde estavam as árvores sala. Eles vieram
para onde o Buda se encontrava, tocaram seus pés com suas cabeças, e
disseram-lhe: “Oh Honrado pelo Mundo! Rogamos, Oh Tathagata!
Tenha piedade e aceite nossos últimos oferecimentos.” O Tathagata,
ciente da ocasião, permaneceu em silêncio e não os aceitou. Diante
disto, os devas, com seus desejos não atendidos, ficaram tristes. Eles
recuaram e postaram-se a um lado.
Agora, no leste, havia uma terra Búdica, distante tantas terras quanto
às areias de incontáveis, inumeráveis asamkhyas de Rios Ganges, cha-
mada Tranqüila-em-Pensamento-e-Linda-no-Som, e cujo Buda é cha-
mado Igual ao Vazio, Tathagata, Merecedor de Ofertas, de Conheci-
mento Correto e Universal, de Lucidez e Conduta Perfeitas, um Bem-
Aventurado que Compreende o Mundo, um Mestre Insuperável, um
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 26
Herói Justo e Destemido, um Buda, um Honrado pelo Mundo. Naquela
ocasião o Buda falou aos seus principais grandes discípulos: “Vá agora
ao mundo no oeste, chamado Saha. Há um Buda naquele mundo cha-
mado Tathagata Shakyamuni, que é Merecedor de Ofertas, de Conhe-
cimento Correto e Universal, de Lucidez e Conduta Perfeitas, um Bem-
Aventurado que Compreende o Mundo, um Mestre Insuperável, um
Herói Justo e Destemido, um Buda, um Honrado pelo Mundo. Logo ele
entrará no Parinirvana. Bons homens! Levem consigo as comidas fra-
grantes deste mundo, as mais fragrantes e belas, que trazem a paz.
Ofereçam-nas a ele. Tendo feito isto, ele entrará no Parinirvana. Bons
homens! Além disso, curvem-se diante do Buda, façam-lhe perguntas,
e dirimam quaisquer dúvidas que vocês tenham.”
A luz que foi emitida da face do Tathagata era composta de cinco co-
res, e resplandeceu sobre toda a grande congregação, tal que obliterou
a luz que vinha do corpo (da assembléia). Tendo feito isto, ela retornou
para o Buda, penetrando-lhe através da sua boca. Então, os seres ce-
lestiais e todos aqueles na assembléia, asuras e outros, ficaram muito
receosos quando viram a luz do Buda penetrar-lhe através da sua boca.
Seus cabelos arrepiaram. Disseram: “A luz do Tathagata surgiu, voltou e
entrou nele. Isto não é sem razão. Isto indica que o Buda fez o que ele
pretendia fazer nas dez direções e, agora, entrará no Nirvana como
seu último ato. Este deve ser o que ele tenta sinalizar para nós. O mun-
do está aflito, o mundo está aflito! Por que é que o Honrado pelo
Mundo abandonou as quatro intenções ilimitadas e não aceitou os
ofereciementos tanto de humanos como de seres celestiais? Agora a
luz da Sabedoria está indo embora para sempre. Agora, o insuperável
navio do Dharma está naufragando. Ah, que dor! O mundo está aflito!”
Eles levantaram suas mãos, bateram em seus peitos, e tristemente
choraram e gritaram. Seus membros tremiam, e eles não sabiam como
se suportarem. O sangue jorrava de seus corpos e corria sobre o chão.”
Oferecimentos de Alimentos
Nisto, Cunda disse ao Buda: “Você diz que não há diferença entre os
frutos daqueles oferecimentos. Mas, isto não é assim. Por que não?
Porque na primeira instância de recebimento de dana [a doação por
caridade], ainda não se acabou com a ilusão e ele ainda não atingiu o
pleno conhecimento. E ele ainda não pode fazer com que os seres des-
frutem do danaparamita. Quanto a esta segunda e última instância do
recebimento, a ilusão já se acabou e ele atingiu o pleno conhecimento,
podendo levar todos os seres a serem abençoados igualmente com o
danaparamita. Aquele que recebe os oferecimentos em primeira ins-
tância ainda é um ser comum, mas o último (em segunda instância) é
um ser celestial. Alguém que receba dana em primeira instância é a-
quele com: 1) um corpo alimentado por vários tipos de comida, 2) um
Então, ouvindo que o Buda, Honrado pelo Mundo, para o benefício das
pessoas congregadas lá, aceitaria os últimos oferecimentos de Cunda,
eles sentiram-se radiantes e cheios de satisfação, e disseram em lou-
vor: “Quão maravilhoso, quão maravilhoso! Isto é raro, oh Cunda! Você
agora tem um nome; seu nome não servia para nada. Cunda significa
‘compreensão dos maravilhosos significados’! Agora você estabeleceu
tão grande significado. Você revelou que é verdadeiro, você está em
concordância com o significado, e ganhou seu nome. Este é o porquê
de você ser Cunda. Você, agora, nesta vida, ganhará um grande nome,
benefícios, virtudes e votos. É raro, oh Cunda, nascer como um huma-
no e alcançar o insuperável benefício que é o mais difícil de encontrar.
“Embora nascido como humano, você agora reside acima do sexto céu.
Eu e todos os outros, portanto, o louvamos e oramos.
O mais sagrado dos humanos agora entra no Nirvana. Perdoe-nos e,
rapidamente,
implore ao Buda para permanecer em vida ainda um longo tempo,
para beneficiar inumeráveis seres,
para transmitir-lhes o insuperável maná do Dharma que louva a Sabe-
doria.
Se você não implorar ao Buda, nossa vida não será perfeita.
Em razão disto, curvamo-nos ao chão,
em homenagem ao Mestre Insuperável.”
Em razão disto, Cunda ficou cheio de alegria! Ele ficou como no caso de
um humano cujos pais haviam falecido de repente, e que subitamente
retornam. Assim é como Cunda se sentia. Ele levantou-se novamente,
curvou-se diante do Buda, e disse em versos:
A Erva Daninha
O Buda disse a Cunda: “É assim, é assim! É tudo como você diz. É raro
que o Buda apareça no mundo. É como no caso da Udumbara. É tam-
bém difícil encontrar-se com o Buda e adquirir fé. Estar presente no
momento da entrada do Buda no Nirvana, para oferecer-lhe comida e,
assim, realizar o danaparamita é ainda mais difícil. Oh Cunda! Não fi-
que triste agora. Seja grato por ter feito os oferecimentos finais ao
Tathagata agora, e por ter realizado bem o danaparamita. Não indague
o Buda sobre permanecer mais tempo em vida. Você agora deve medi-
tar sobre o mundo de todos os Budas. Tudo é não-eterno (imperma-
nente). O mesmo ocorre com todas as coisas criadas, suas naturezas e
características.”
Tudo é vazio.
Aquilo que é destrutível vem e vai;
Apreensões e doenças se sucedem
(uma segue os passos da outra).
O temor de todos os erros e más ações,
velhice, doença, morte e o declínio causam preocupações.
Todas as coisas não existem para sempre,
e elas facilmente acabam.
Os ressentimentos as atacam;
todos (os ressentimentos) estão cheios de ilusão,
como no caso do bicho-da-seda e do casulo.
Então, Cunda disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! É assim, é as-
sim. É tudo como você, o Sagrado, diz. A sabedoria que possuo é des-
prezível e de baixo grau. Sou como um mosquito ou mosca. Como pos-
so contemplar as profundezas do Nirvana do Tathagata? Oh Honrado
pelo Mundo! Agora sou como qualquer naga ou elefante de um Bodhi-
sattva Mahasattva que cortou os vínculos da ilusão. Sou como o Dhar-
marajaputra Manjushri. Oh Honrado pelo Mundo! É como alguém que
entra para a Ordem (dos Monges) ainda muito jovem. Embora mante-
nha os preceitos, aquela pessoa ainda é apenas da classe ordinária de
Monges. Eu, também, sou como aquela pessoa. Devido ao poder do
Buda e dos Bodhisattvas, sou agora um dos numerosos séquitos de tais
grandes Bodhisattvas. Este é o porquê de ter implorado ao Tathagata
para permanecer por mais longo tempo em vida e não entrar no Nirva-
na. Isto é semelhante a um homem faminto e ferido que nada mais
tem para expelir. Eu somente rogo que esse será o caso com o Honra-
do pelo Mundo, e que ele permanecerá por mais longo tempo em vida
e não entrará no Nirvana.
Cunda disse: “Oh Manjushri! Porque é que você cuida tão avidamente
da comida e me faz dar mais ou menos, cheio ou não cheio, em respos-
ta às exigências da ocasião? Oh Manjushri! No passado, o Tathagata
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 46
praticou penitências por seis anos e se sustentou. Por que ele não o
faria agora quando se trata apenas de questão de um momento. Oh
Manjushri! Você disse que o Tathagata, o Perfeitamente Iluminado,
verdadeiramente pretende aceitar essa refeição? Mas eu definitiva-
mente sei que o Tathagata é o Corpo de Dharma e que ele não é o
corpo carnal que participa da comida.”
Cunda respondeu: “Eu não disse que o Tathagata está satisfeito. Agora,
obter satisfação é um pensamento invertido. Um pensamento inverti-
do representa nascimento e morte. Nascimento e morte são de uma
existência criada. Assim, oh Manjushri! Não diga que o Tathagata é
uma existência criada. Se você diz que o Tathagata é uma existência
criada, eu e você cometemos uma inversão [da verdade]. Oh Manjus-
hri! O Tathagata não tem qualquer pensamento de amor [apêgo]. Ago-
ra, o amor é como o caso de uma vaca leiteira que, amando sua própria
cria, sente fome e sede, vai e busca grama e água, e quer esteja satis-
feita ou não, de repente retorna. O Buda, Honrado pelo Mundo, não
tem tal pensamento. Ele vê a todos como sendo iguais, assim como vê
a Rahula. Um pensar assim é que condiz com o mundo da Sabedoria do
Todo Iluminado. Oh Manujshri! Por exemplo, uma carruagem puxada
por um burro não resistiria a uma comparação com uma puxada por
Capítulo 2: Sobre Cunda Página 47
uma junta de quatro cavalos treinados de um rei. O caso comigo e você
é também como este. É impossível penetrar as profundezas daquilo
que está oculto com o Tathagata, mesmo que tentássemos.”
“Oh Manjushri! O garuda voa incontáveis yojanas no céu. Ele olha para
baixo no grande oceano e vê coisas da água tais como peixes, tartaru-
gas marinhas, tartarugas migrantes, crocodilos, tartarugas comuns,
nagas2, e também sua própria sombra refletida na água. Ele vê todas
essas coisas da mesma forma como se vê todas as formas visíveis num
espelho. A mesquinha sabedoria dos mortais comuns não pode sequer
ponderar bem o que chega aos seus olhos. O mesmo é o caso comigo e
você também. Não podemos ponderar a Sabedoria do Tathagata.”
Manjushri disse a Cunda: “É assim, é assim, é assim como você diz. Não
é que eu não veja isto. Eu apenas quis testar suas relações no que diz
respeito ao mundo de um Bodhisattva.”
Então, o Honrado pelo Mundo emitiu da sua boca uma luz de várias
cores. A luz resplandeceu brilhantemente sobre o corpo de Manjushri.
Iluminado por esta luz, Manjushri interpenetrou-a. Então, ele disse a
Cunda: “O Tathagata mostra agora esta cena maravilhosa. Ele logo
entrará no Nirvana. Os últimos oferecimentos que você carregou há
algum tempo atrás serão primeiro oferecidos ao Buda e, então, dados
a todos aqueles que estão congregados aqui. Oh Cunda! Sabe que não
é sem razão que o Tathagata emitiu esta luz de várias cores.”
2 naga é uma palavra do Sanskrito e do Pāli que designa uma deidade ou classe de
entidades ou seres que assumem a forma de uma enorme serpente, mas muitas vezes
com os troncos e cabeças humanas, encontrada tanto no Budismo como no Hinduísmo.
Então, o Buda disse a Cunda: “Não chore e não abale a sua mente.
Pense que este corpo é como uma planta, uma miragem no deserto,
uma espuma aquosa, um fantasma, um corpo transformado, o castelo
de um gandharva, um tijolo cru, um lampejo, uma pintura desenhada
sobre a água, um prisioneiro diante da morte, uma fruta madura, um
pedaço de carne, uma malha num tear que está prestes a terminar, e a
ascensão e queda de um morteiro. Você deveria pensar que todas as
coisas criadas são como comida venenosa e que qualquer coisa com-
posta é inerentemente dotada de todas as aflições.”
O Buda disse a Cunda: “Não diga coisas tais como ‘ame-nos e perma-
neça por mais longo tempo em vida’. Por piedade a todos vocês e to-
dos os seres, hoje entrarei no Nirvana. Por quê? Porque esta é a verda-
de de todos os Budas. Isto é assim com tudo aquilo que é criado. Este é
o porquê de todos os Budas dizerem em versos:
Oh Cunda! Medite agora sobre tudo que é feito, que é composto. Pen-
se que todas as coisas são não-Eu e não-eternas, e que nada perdura.
Este corpo carnal possui inumeráveis erros. Tudo é como espuma a-
quosa. Sendo assim, não chore.”
O Buda elogiou Cunda e disse: “Falaste bem, falaste bem! Você bem
sabe que o Tathagata, seguindo a via de todos os seres, entra no Nirva-
na por uma questão de expediente. Ouça-me bem! É como no caso no
qual todos os pássaros sarasa [uma espécie de ganso de tamanho mé-
dio encontrado no norte da Europa e Ásia] se reúnem no Lago Anava-
tapta [Manasarwar] nos meses da primavera. O mesmo é o caso com
todos os Budas. Todos se reúnem aqui. Oh Cunda! Pense, nem muito e
nem pouco, a respeito da vida de todos os Budas. Todas as coisas são
como fantasmas. O Tathagata vive em meio a elas. O que ele tem é
expediente; ele não se apega. Por que não? Isto é assim com o Dharma
de todos os Budas. Oh Cunda! Eu agora receberei o que você oferece.
Isto é para permitir-lhe atravessar o rio do nascimento e da morte.
(Seres) humanos ou celestiais que façam oferecimentos [ao Buda] pela
última vez, todos ganham uma inabalável recompensa e serão abenço-
ados com felicidade. Por quê? Porque eu sou o melhor campo de pros-
peridade para todos os seres. Se você deseja tornar-se um campo de
“Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, um rei cria muitos filhos. Eles
parecem corretos e justos, ele os ama e os têm sempre em seu cora-
ção. Primeiro ele ensina-lhes arte, os quais se tornam mestres. Então,
ele os coloca nas mãos de candalas (Candala é uma classe de pessoas
na Índia geralmente consideradas como sem castas). O mesmo é o
caso aqui, oh Honrado pelo Mundo! Hoje nos tornamos os filhos do Rei
do Dharma. Fomos ensinados e perseveraremos na visão correta. Im-
ploramos que não nos abandone. Se nos abandonar, seremos como os
filhos do rei. Por favor, permaneça por mais longo tempo e não entre
no Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, o mesmo é o caso
com alguém versado em todas as fases do aprendizado. No caso do
Tathagata, ainda que ele seja versado em todas as fases do Dharma, o
medo ainda surge em todos os fenômenos (que são como seus filhos).
Se o Tathagata permanece longo tempo no mundo, concedendo-nos o
maná do Dharma e satisfazendo-nos, não teremos medo de cair no
inferno.
Então, todos os devas e asuras, tendo ouvido o que o Buda disse, para-
ram de chorar como alguém que perdeu um filho e, após o serviço
funeral, suprimiram seu pesar e não mais choraram.
“Oh Honrado pelo Mundo! Você nos explicou muito bem o Eterno, o
Sofrimento, o Vazio, e o não-Eu. Assim como todos os seres deixam
pegadas e as melhores de todas as pegadas são aquelas do elefante,
assim é com este pensamento do não-Eterno: ele abrange todos os
pensamentos. Alguém que empreenda esforços e boas práticas, erradi-
ca o apego e a cobiça dos mundos rupadhatu (mundo da forma) e aru-
padhatu (mundo do espírito), a ignorância, a arrogância, e o pensa-
mento sobre o não-Eterno do kamadhatu (mundo dos desejos). Oh
Honrado pelo Mundo! Se o Tathagata estivesse livre do pensamento
sobre o não-Eterno, ele não entraria no Nirvana agora. Se não, como se
pode dizer: ‘Se praticamos a meditação sobre o não-Eterno, erradica-
mos de nós mesmos o amor (desejo), a ignorância, a arrogância, e a
impermanência do mundo tríplice?’ Oh Honrado pelo Mundo! Assim
“Oh Honrado pelo Mundo! Pode haver um homem, por exemplo, que
elogie a árvore e diga que ela é constituída de madeira dura. Mas isto
não é bem assim. O mesmo se dá com os seres. Oh Honrado pelo
Mundo! Podemos elogiar e dizer que as pessoas, os seres, a vida, a
caridade, o intelecto, o executor e o receptor são todos verdadeiros.
Mas isto não pode ser. Dessa forma, praticamos o não-eu. Oh Honrado
pelo Mundo! É como no caso da água na qual o arroz foi lavado ou o
caso dos excrementos, os quais não servem para mais nada. O mesmo
ocorre com o corpo também. Ele não tem o Eu ou o Mestre. Por exem-
plo, oh Honrado pelo Mundo! A saptaparna [alstonia scholaris, planta
de “sete folhas”] não possui fragrância. É assim com este corpo carnal.
Ele não tem o Eu ou o Mestre. Dessa forma, meditamos sobre o altru-
ísmo. Você, o Buda, diz: ‘Todas as coisas são destituídas do Eu e nada
pertence a si. Oh vocês Monges! Aprendam e pratiquem [isto]!’ Uma
vez que isto seja praticado, a vaidade desaparece. (Quando) a vaidade
se vai, entra-se no Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Não existem
caminhos dos pássaros no céu. Tal coisa nunca poderia haver. Ao prati-
Então o Buda disse a todos os Monges: “Não digam isto. Eu agora dei-
xarei todo o insuperável Dharma nas mãos de Mahakashyapa. Este
Kashyapa doravante será alguém em quem vocês poderão confiar. Isto
é como no caso onde o Tathagata torna-se alguém a quem todos os
seres podem circundar. O mesmo é o caso com Mahakashyapa. Ele
agora se tornará vosso refúgio. Isto é como no caso de um rei que tem
muitos territórios e que empreende uma viagem de inspeção, deixan-
do todos os assuntos do estado nas mãos do seu ministro. O mesmo se
passa com o Tathagata. Todos os ensinamentos corretos estão sendo
deixados nas mãos de Mahakashyapa.
A Parábola da Água-Marinha
Sei que tudo aquilo que vocês aprenderam até agora sobre não-eterno
e sofrimento não é verdadeiro. Na primavera, por exemplo, as pessoas
vão banhar-se num grande lago. Elas estão se divertindo, velejando
O Buda disse a todos os Monges: “Bem falado, bem falado! Vocês in-
dagam sobre esta questão com a intenção de dissipar suas dúvidas.
Imaginem: existe um rei que é estúpido, que tem pouca sabedoria, e
existe um médico que é obstinado. Mas, o Rei não sabe disso e paga-
Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 65
lhe um salário. O médico usa os produtos do leite para curar todas as
enfermidades. Também, ele não sabe qual é a origem das doenças. Ele
pode ser versado na medicina do leite, mas para ele não existe diferen-
ça entre um frio e uma febre. Ele prescreve leite para todas as doenças.
Este Rei não tinha conhecimento de que este médico era um ignorante
do que fosse agradável e desagradável, os bons e os maus aspectos do
leite. Mas, havia um Doutor que conhecia oito diferentes tratamentos
para as enfermidades e que era apto a curar todas as doenças. Este
Doutor era versado na prescrição de medicamentos e tinha vindo de
um lugar distante. O médico do Rei não sabia como indagar e apren-
der. Ele era imprudente e arrogante. Assim, o ilustre Doutor convidou
cordialmente o médico do Rei e [como um expediente] tratou-lhe co-
mo seu mestre e perguntou-lhe sobre o segredo do seu tratamento.
Ele disse ao médico do Rei: ‘Neste momento, convido-lhe para que seja
meu professor. Por favor, seja benevolente o bastante para ensinar-
me’. O médico do Rei disse: ‘Se você servir-me por quarenta e oito
anos, lhe ensinarei a arte da medicina’. Então, diante daquelas pala-
vras, o ilustre Doutor disse: ‘Farei como você me diz. Usarei o melhor
das minhas habilidades’. Então o médico do Rei, tendo o ilustre Doutor
em sua companhia, veio visitar o Rei. Nisto, o Doutor visitante explicou
ao Rei as várias formas de tratamento bem como outras coisas. Ele
disse: ‘Por favor, oh grande Rei, saiba! Saiba bem! Este Dharma é como
isto (as várias formas de tratamento) e você curará bem as enfermida-
des’. Ouvindo isto, o Rei reconheceu a ignorância e a ausência de co-
nhecimento do seu próprio médico. Ele imediatamente o expulsou do
país e passou a respeitar o novo Doutor acima de tudo. Então o novo
Doutor disse para si mesmo: ‘Agora é o momento para ensinar o Rei’.
Ele disse para o Rei: ‘Oh grande Rei! Se você realmente me ama, por
favor, faça-me uma promessa’! O Rei respondeu: ‘Dar-te-ei tudo que
desejar, ainda que seja minha mão direita ou qualquer parte do meu
corpo’. O novo Doutor disse: ‘Você pode dar-me todo o status, mas eu
não tenho muito a desejar. O que desejo que você faça para mim é
proclamar às pessoas de todos os cantos da sua terra que, doravante,
não devem mais usar o remédio do leite que o médico anterior disse-
lhes para usar. Por que não? Porque muitos males e intoxicações sur-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 66
gem dele. Qualquer pessoa que ainda use essa medicina deve ser de-
capitada. Se a medicina do leite não for utilizada, não haverá mais mor-
tes; e ficaremos em paz. Esta é a razão de pedir-lhe isto’. Então o Rei
disse: ‘O que você me solicita fazer é algo irrelevante. Imediatamente
emitirei uma ordem para que qualquer um que esteja doente não to-
me leite como remédio. E qualquer pessoa que não o faça será decapi-
tada’. Diante disto, o ilustre Doutor preparou vários tipos de remédios,
os quais possuíam sabores cáustico, amanteigado, salgado, doce, e
azedo. Com estes, os tratamentos eram administrados, e não houve
mais casos nos quais a doença não tenha sido curada.
Após aquilo, o próprio Rei caiu doente, e o Doutor foi chamado. O Rei
disse: ‘Estou doente agora. O que faço para ser curado’? O Doutor pen-
sou acerca da doença do Rei e viu que naquele caso o remédio do leite
seria bom. Então ele disse ao Rei: ‘A doença da qual você está sofrendo
agora pode muito bem ser curada com leite. O que eu disse antes so-
bre a medicina do leite não era verdade. Se você tomá-lo agora, você
estará curado. Neste momento, você está sofrendo de uma febre. Por-
tanto, é correto que você tome leite’. Então, o Rei disse ao Doutor:
‘Você está louco? Isso é uma febre? E você diz que se eu tomar leite ele
me curará? Antes, você disse que (o leite) era um veneno. Agora você
diz-me para tomá-lo. Como pode ser isto? Quer me enganar? Aquilo
que o médico anterior disse estava correto, e você o desprezou e disse
que era veneno, e fez-me expulsá-lo. Agora você diz que (aquele remé-
dio) cura bem as doenças. Pelo que você me diz, o antigo médico deve-
ria exceder-lhe’.
Então o ilustre Doutor disse ao Rei: ‘Oh Rei! Não diga isto, por favor.
Um verme corrói a madeira e o resultado [tem a forma de] é uma ins-
crição. Este verme nada sabe sobre escritas. Uma pessoa sábia vê isto.
Mas, não diz que este verme conhece escritas. E, assim, não é tomado
de surpresa. O grande Rei! Saiba, por favor: Assim foi também com o
médico anterior. Para todas as doenças ele dava um remédio feito de
leite. Isto é como no caso do verme que corrói a madeira e, como re-
sultado, emerge algo na forma de uma inscrição. O médico anterior
Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 67
não sabia como distinguir entre os aspectos do agradável e do desa-
gradável, o bom e o mau’.
Então o Rei esperou para dizer: ‘O que quer dizer com ele não sabia?’
Ouvindo isto, o Rei elogiou o grande Doutor: ‘Falou bem, falou bem, oh
grande Doutor! Hoje, pela primeira vez na vida, eu conheci o que é
agradável e não agradável, o que é bom e o que não é bom na medici-
na do leite. Compreendendo isto, agora estou bem. Proclamarei nova-
mente às pessoas que eles podem tomar o remédio do leite.’ Ao ouvir
isto, as pessoas do país, iradas e ressentidas, dirão: ‘O grande Rei está
agora tomado por um demônio. Ele está louco? Ele nos engana e nos
faz tomar leite.’ Todas as pessoas, iradas e ressentidas, virão ao Rei. O
Rei dirá a elas: ‘Não fiquem irados e não tenham ressentimentos. To-
mar leite ou não tomá-lo, isto tudo vem do conhecimento da medicina.
Eu não tenho culpa’. Nisto, o grande Rei e todas as pessoas dançaram
de alegria. Passaram a ter mais respeito, honraram o Doutor, e fizeram-
lhe oferecimentos. Isto foi como todas as pessoas tomaram o remédio
do leite e recuperaram sua saúde.”
O Eu Búdico
O Buda disse a Kashyapa: “Não fale assim! Este menino era nada mais
que uma transformação, não uma verdade. Ele era assim apenas para
reprimir a quebra dos preceitos e a transgressão do Buda-Dharma, e
para aperfeiçoar os seres. Mesmo o vajra e também Guhyapada eram
existências transformadas (tranformações). Oh Kashyapa! Há no mun-
do aqueles que caluniam o Dharma Maravilhoso, icchantikas (pessoas
de descrença incorrigível), aqueles que fazem mal aos outros, que per-
sistem em visões distorcidas, que agem propositadamente contrários
aos preceitos morais. Eu tenho piedade de todos e um sentimento de
compaixão, assim como em consideração a um filho único, como é no
caso de Rahula. Oh bom homem! Para ilustrar: quando os oficiais da
corte real violam as leis do estado, o rei os pune de acordo com as
regras relacionadas aos crimes cometidos e não os deixa sem punição.
O Tathagata não age assim. Ele faz com que aqueles que violam os
Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 79
preceitos sejam submetidos a situações de serem banidos, repreendi-
dos, colocados sob vigilância, acusados ou banidos pela não-confissão
dos pecados cometidos, pelo não-arrependimento, e pelo não-
abandono das visões distorcidas. A razão pela qual, oh bom homem, o
Tathagata impõe preceitos morais proibitivos àqueles que caluniam o
Dharma vem do fato de que ele deseja mostrar aos trangressores que
conseqüências cármicas advirão daquilo que eles fizeram. Oh bom
homem! Saiba que o Tathagata deseja ensinar aos seres maus que eles
não necessitam ter medo. Ele emite um, dois, ou cinco sinais, tal que
aqueles que encontram esta luz se libertarão de todas as más ações.
Agora, o Tathagata possui incontáveis meios para exercer tal poder. Oh
bom homem! Se você deseja ver o Dharma que não pode ser visto, Eu
agora explicarei a você tudo acerca daquilo que você pode ver.
O Verdadeiro Discípulo
“Oh bom homem! O mesmo é o caso com o Tathagata. Ele olha aque-
les que transgridem o Dharma como olha seu filho único. Agora, o Ta-
thagata confia o insuperável Dharma Maravilhoso às mãos de reis,
ministros, altos-ministros, Monges, Monjas, leigos e leigas. Todos esses
reis, ministros, e as quatro classes da Sangha Budista encorajarão aque-
les que praticam os ensinamentos Budistas e permitir-lhes-ão gradati-
vamente manter em observância os preceitos morais, as práticas medi-
tativas e a sabedoria. Se houver alguém que fracasse nesses três aspec-
tos (dos ensinamentos) do Dharma e se houver aqueles que são indo-
lentes e que violem os preceitos morais; os reis, ministros, e as quatro
classes da Sangha Budista trabalharão duro e recuperarão tais pessoas.
Oh bom homem! Poderiam todos esses reis, ministros, e as quatro
classes da Sangha Budista serem culpados ou não?”
Paramartha-satya
O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Não fale assim – que ex-
tinção é ‘Dharmata’. Ora, o ‘Dharmata’ compreende a não extinção. Oh
bom homem! Isto é como com o céu do Não-Pensamento [o quarto
Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 87
céu dhyana do rupadhatu – Reino da Forma], onde não há pensamento
de matéria, embora a matéria esteja perfeitamente dotada. Pode-se
perguntar: ‘Como, então, os devas (espíritos intimamente ligados e
integrados à natureza, ou seja, aos cinco elementos) podem viver lá,
satisfazer-se e divertir-se, ter paz, e como eles pensam, vêem e inda-
gam?’ Oh bom homem! O mundo do Tathagata não é aquele que Sra-
vakas e Pratyekabudas podem compreender. Não explique assim (co-
mo o fez) e diga que o corpo do Tathagata é extinção. Oh bom homem!
O Tathagata e extinção são assuntos para o mundo dos Budas. Não
está ao alcance do conhecimento de Sravakas e Pratyekabudas. Oh
bom homem! Não envide tais pensamentos como sobre onde o Tatha-
gata vive, onde ele trabalha, onde ele está para ser visto, onde ele se
diverte. Oh bom homem! Essas, também, são coisas que não se ajus-
tam ao alcance do vosso conhecimento. Todas as coisas relativas ao
Corpo-do-Dharma de todos os Budas, e todas as coisas relativas aos
vários (meios) expedientes estão além do alcance do conhecimento
mundano”.
“Oh Kashyapa! Não diga que existe uma árvore e que ela não tem
sombra. Isto é meramente porque os olhos carnais não podem vê-la. O
mesmo ocorre com o Tathagata. Sua natureza é eterna, é imutável.
Não podemos vê-la sem os olhos da Sabedoria. Isto é como no caso
onde nenhuma sombra da árvore aparece na escuridão. Os mortais
comuns, após a morte do Buda, poderão dizer: ‘O Tathagata é não-
eterno’. É o mesmo caso. Se dizemos que o Tathagata difere do Dhar-
ma e da Sangha, não poderá haver os Três Refúgios. Isto é como no
caso em que, seus pais como são diferentes um do outro, existe o não-
eterno.”
Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Nós não vemos tal
corpo da forma como você fala. O que vemos é aquele que é não-
eterno, destrutível, de pó, e que é sustentado pelos vários tipos de
alimentos. Como? Em que você, o Tathagata, está agora prestes a en-
trar no Nirvana.”
O Buda disse a Kashyapa: “Não diga ‘falso’. Pode haver um Monge que
vá onde ele queira, satisfaça as suas necessidades pessoais, recite su-
tras, sente e medite. Caso alguém venha e indague sobre a Via, ele
proferirá sermões, observando preceitos, ações virtuosas, e dirá àquela
pessoa que caso deseje pouco, será satisfeita. Mas, ele não está apto a
emitir o rugido do leão da doutrina, não está cercado por leões, e não
está apto a subjugar aqueles que praticam o mal. Tal Monge não pode
realizar seu próprio benefício, nem está apto a ajudar os outros. Saiba
que esta pessoa é indolente e preguiçosa. Embora ele possa manter
em observância os preceitos e perpetrar ações puras, tal pessoa, você
deve saber, nada pode fazer.
O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Por esta razão, Monges,
Monjas, Leigos e Leigas devem todos se esforçar mais e proteger o
Dharma Maravilhoso. A recompensa pela proteção do Dharma Maravi-
lhoso é extremamente grande e inestimável. Oh bom homem! Em
razão disto, os leigos que protegem o Dharma deveriam pegar espadas
e bastões e proteger um Monge que guarda o Dharma. Muito embora
uma pessoa mantenha em observância os preceitos, não podemos
chamar aquela pessoa de alguém que protege o Mahayana. Muito
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 96
embora uma pessoa ainda não tenha recebido os cinco preceitos, se
ela protege o Dharma Maravilhoso, tal pessoa pode perfeitamente ser
chamada de alguém do (que protege o) Mahayana. Uma pessoa que
protege o Dharma Maravilhoso deveria pegar espadas e bastões e
defender os Monges.”
O Buda disse a Kashyapa: “Não diga que tais pessoas são aquelas que
transgridem os preceitos. Oh bom homem! Após a minha entrada no
Nirvana, o mundo será dominado pelo mal e a terra será devastada,
um pilhando ao outro, e as pessoas serão dominadas pela fome. Em tal
época, em razão da fome, as pessoas poderão optar por abandonar o
lar e entrar para a Sangha. Tais pessoas são falsos reverendos. Estes,
vendo aquelas pessoas que são rigorosas na observância dos preceitos,
que são corretas em sua conduta, e que são puras em suas ações, pro-
tegendo o Dharma Maravilhoso; se afastarão ou tentarão matá-las ou
prejudicá-las.”
“Oh bom homem! Isto ocorre porque eu permito que aqueles que
observam os preceitos sejam acompanhados pelas pessoas vestidas-
de-branco [pessoas leigas, não-Monges] com espadas e bastões. Em-
bora todos os reis, ministros, homens leigos ricos e leigos em geral
possam possuir espadas e bastões para proteção do Dharma, eu cha-
mo isto de observação dos preceitos. Você pode possuir a espada e o
bastão, ‘mas não rouba a vida’. Se as coisas são assim, nós chamamos
isto em primeira mão de observação dos preceitos.”
Capítulo 5 – Sobre o Corpo Adamantino Página 97
Kashyapa disse: “Qualquer um que proteja o Dharma persevera numa
visão correta e expõe amplamente os sutras Mahayana. Ele não carre-
ga os parasóis cravejados de jóias das pessoas nobres, vasos de óleo,
arroz integral, ou frutas e sementes. Ele não se aproxima de reis, minis-
tros ou dos ricos visando benefícios. Ele não bajula os danapatis [doa-
dores de ofertas], é perfeito na boa conduta, e subjuga aqueles que
transgridem os preceitos e que perpetram o mal. Tal pessoa é chamada
um mestre que ostenta e proteje o Dharma. Ele é um verdadeiro bom
mestre da Via. Seu pensamento é tão expansivo quanto o mar.”
A Virtude do Nome
Os Seis Sabores
O Buda elogiou Kashyapa e disse: “Bem falado, bem falado! Agora você
entendeu bem o meu pensamento. Um Bodhisattva que protege o
Dharma deve ser assim. Oh bom homem! De agora em diante, não
permitirei aos meus discípulos Sravaka (ouvintes) comerem carne.
Quando receberem de um danapati uma doação (de carne) de pura fé,
pensem que (vocês) estão comendo a carne do seu próprio filho.”
“Oh bom homem! Aquele que come carne mata a semente da grande
compaixão.”
Kashyapa disse novamente: “Por que você primeiro permitiu aos Mon-
ges comer três tipos de carne pura?”
Cem anos após a minha morte, todos os santos sábios das quatro frui-
ções [os quatro estágios que conduzem ao ‘Arhatship’] entrarão no
Nirvana. A era do Dharma Maravilhoso se encerrará, e surgirá a era do
Dharma Adulterado, quando o Monge manterá os preceitos [apenas]
como uma questão de formalidade, recitará [somente] um pouco os
sutras, tomará avidamente comida e bebida, e [excessivamente] nutri-
rá seu corpo. O que ele vestirá em seu corpo será feio e grosseiro. Ele
parecerá fatigado e não mostrará dignidade. Ele alimentará vacas e
ovelhas, e carregará lenha (combustível) e capim. Sua barba, unhas e
cabelos serão longos. Ele não adotará a kasaya [o robe sacerdotal],
mas, antes, parecerá um caçador. Ele aguçará seus olhos, caminhará
lentamente e parecerá um gato que está atrás de um rato. Ele irá sem-
pre murmurar: ‘Eu atingi o arhatship’. Ele sofrerá de todos os tipos de
doenças, deitará e dormirá sobre dejetos. Exteriormente ele parecerá
sábio, mas interiormente ele será ganancioso e invejoso. Ele pratica o
silêncio (mute) como um Brâmane. Para dizer a verdade, ele não é
Shramana [Monge], mas somente tenta se passar por tal. Ele está
queimando com as visões pervertidas, sempre caluniando o Dharma
Maravilhoso. Tal pessoa transgride os preceitos, a ação correta e a
conduta instituída pelo Tathagata. Ele fala acerca do fruto da emanci-
pação, mas suas ações apartam-se daquilo que é puro e, assim, ele
viola o Dharma, que é profundo e recôndito. Tal pessoa, seguindo a sua
própria interpretação, falará contrariamente ao que os sutras e o vina-
ya [regras de disciplina monástica] estabelecem, dizendo: ‘O Tathagata
permite a carne a todos nós’. Eles falarão assim e dirão que o Buda o
disse. Eles disputarão e dirão que são Shramanas e sucessores dos
ensinamentos do Buda. Oh bom homem! Naquela ocasião, haverá
Shramanas que estocarão cereais, receberão peixe e carne, prepararão
as próprias comidas, e manterão vasilhas de óleo. Eles viverão ao redor
de dosséis cravejados de jóias, objetos de couro, calçados, reis, minis-
tros e pessoas ricas. Eles serão condescendentes com as práticas astro-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 108
lógicas e tratamentos médicos; terão serviçais, ouro, prata, berílio (ge-
mas preciosas), madrepérola (musaragalva – coral branco), ágata, cris-
tal, corais, âmbar, jade, casco de cavalo, e muitos tipos de melões [se-
mentes]. Aprenderão todas as artes, pintura, artes plásticas, confecção
de livros, e todos os tipos de ciências, todos os tipos de cultura por
semeadura ou plantação de raízes, colocação de pragas (maldições),
encantamentos, preparação de remédios, arte teatral, música, ador-
nando seu corpo com fragrâncias e flores, jogatina, jogo de “GO”, e
vários tipos de trabalhos manuais. Se um Monge qualquer rejeita tais
maldades, podemos dizer que ele é verdadeiramente meu discípulo.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Se você diz que o Tathagata, para o
benefício dos seres, fala acerca das virtudes supremas das dez boas
ações, isto indica que ele vê a todos os seres como vê a seu filho Rahu-
la. Como você pode censurá-lo e indagar se ele não está deixando os
seres caírem no inferno? Se eu visse uma pessoa caindo no Inferno
Avichi, para o benefício daquela pessoa, eu permaneceria no mundo
por um kalpa ou menos que um kalpa. Eu tenho grande compaixão
para com todos os seres. Como eu poderia enganar alguém que consi-
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 111
dero como meu filho e dexá-lo cair no inferno? Oh bom homem! É
como uma pessoa na terra de um rei que veste a kasaya. Existe um
furo nela, ele vê e mais tarde o repara. O mesmo se passa com o Ta-
thagata. Vendo uma pessoa caindo no inferno, ele faz os reparos e
confere os preceitos para as boas ações. Oh bom homem! Isto é como
um Chakravartin [um supremo monarca do mundo] que, para o bene-
fício dos seres, primeiro fala sobre as dez boas ações. Depois, vem o
tempo quando ele ocasionalmente vê as pessoas fazendo maldades.
Então o rei cria uma lei e as erradica. Tendo erradicado todas as mal-
dades, o rei desempenha o papel de um Chakravartin. Oh bom ho-
mem! O mesmo se passa comigo. Eu tenho coisas a dizer, mas eu não
imponho as leis primeiro.
O Buda disse a Kashyapa: “Ou pode haver bons homens e boas mulhe-
res que podem dizer: ‘O Tathagata é não-Eterno. Como podemos saber
que ele é não-Eterno? O Buda diz que quando o fogo da ilusão é extin-
to, há Nirvana. Isto é como quando nada há para ser visto quando o
fogo é extinto. O mesmo é o caso quando todas as ilusões são aniquila-
das. Isto, ele diz, é Nirvana. Como o Tathagata pode alegar que ele é o
Dharma Eterno e Imutável? O Buda diz que quando abandonamos a
existência, há Nirvana. Neste Nirvana, nada pode haver que tenha exis-
tência. Como, então, o Tathagata pode ser Eterno e Imutável? Quando
uma peça da roupa se rasga, não mais a chamamos de roupa. O mes-
mo se passa com o Nirvana. Quando todas as ilusões são extintas, nada
mais pode haver. Como o Tathagata pode ser Eterno e Imutável? O
Buda diz que a separação dos desejos e a chegada da quietude são
O Buda diz:
“Oh bom homem! O ferro sobre o qual você fala refere-se aos mortais
comuns. Quando a ilusão acaba, o mortal comum retorna novamente
(ao ciclo do nascimento e da morte). Este é o porquê de dizermos não-
Eterno. Este não é o caso com o Tathagata. Tendo ido, não há retorno.
Portanto, é eterno.”
Kashyapa ainda disse ao Buda: “Se colocarmos o ferro sem cor de volta
no fogo, a cor vermelha retornará. Se assim for com o Tathagata, a
ilusão novamente tomará forma. Se a ilusão tomar forma novamente,
isto nada mais é que o não-Eterno.”
Kashyapa disse ainda: “Muito bom, muito bom que eu agora veja cla-
ramente o que significa quando o Tathagata diz que todos os Budas são
Eternos.”
Todos os seres dizem que o Príncipe Sidharta, então pela primeira vez,
abandonou o lar e tornou-se um Shramana. Mas, já há inumeráveis
kalpas atrás, eu abandonei o lar, tornei-me um Shramana e pratiquei a
Via. Meramente para cumprir com o que obtive na vida secular, eu
manifestei isto. Eu já abandonei o lar no Jambudvipa e recebi a grande
ordenação [upasampada]. Envidei esforços, pratiquei e atingi as frui-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 120
ções da Via tais como Srotapanna [um monge que nascerá apenas
entre duas e sete vezes antes de ganhar a libertação], sakridagamin
[renasce apenas mais uma vez após a morte], anagamin [não mais
retorna a este mundo], e arhat [um santo]. Meramente para cumprir
com o que obtive na vida secular, eu manifestei isto. Todos diziam que
era fácil e não havia dificuldades para atingir o arhatship. Mas já, há
inumeráveis kalpas no passado, atingi o arhatship. No sentido de con-
duzir os seres para a outra margem da Iluminação, eu sentei sob a ár-
vore Bodhi no Bodhimanda [assento da Iluminação] de grama e derro-
tei todos os Maras [demônios]. Mas eu, já há longos e inumeráveis
kalpas no passado, derrotei os Maras. A fim de dominar os seres fortes,
eu manifestei esta cena. Eu também exibi dois tipos de resposta aos
apelos da natureza, inspirando e expirando. Todos os seres dizem que
eu respondi aos chamados da natureza e inspirei e expirei. Mas, com
este meu corpo, não tenho fruição do karma e preocupação. Eu mera-
mente ajo em concordância com a via da vida mundana. Este é o por-
quê de manifestar-me assim. Eu também mostro que recebo ofereci-
mentos feitos a mim através da prática da fé. Mas eu não sinto mais
fome ou sede neste meu corpo, e apenas cumpro com a via mundana
da vida. Eu me exibo assim. Eu também acompanho a via mundana da
vida de todos os outros e durmo. Mas eu atingi a profunda Sabedoria
há inumeráveis kalpas no passado e acabei com ações tais como ir e vir,
dores de cabeça, dos olhos, do estômago, das costas, do resto do meu
corpo, carbúnculos difíceis de curar; todas estas resultantes do karma
passado. Mas, manifestei-me lavando minhas mãos e pés numa bacia,
lavando meu rosto, gargarejando, usando escovas de dente e todas
essas coisas que se aplicam ao mundo. As pessoas dizem que eu faço
todas essas coisas. Mas, não as faço. Minhas mãos e pés são tão puros
quanto uma flor de lótus, minha boca é limpa e cheira à utpala [flor de
lótus]. Toda a gente diz que eu sou um humano. Mas agora sou não-
humano. Eu também me manifesto recebendo pamsukula [roupas
descartadas], lavando, costurando e remendando. Mas há longo tempo
que não uso tais indumentárias. Todos dizem que Rahula é meu filho,
que Suddhodana foi meu pai e Maya minha mãe, que tive uma carreira
Kashyapa ainda disse: “Oh, Tathagata! Por que dizermos eterno? Você,
o Buda, disse que quando a luz de uma lâmpada se extingue, não há
direção ou lugar para ser nomeado [como para onde ir]. O mesmo é o
caso com o Tathagata. Uma vez morto, não pode haver direção ou
lugar que possa ser nomeado.”
O Buda disse: “Oh, Kashyapa! Você não deveria dizer: ‘Quando a luz de
uma lâmpada se extingue, não há direção ou lugar para ser nomeado.
O mesmo é o caso com o Tathagata. Quando há extinção, não pode
haver direção ou lugar para ser nomeado.’ Oh, bom homem! Quando
uma lâmpada é acesa por um homem ou por uma mulher, qualquer
lâmpada, grande ou pequena, [tem que ser] abastecida com óleo.
Quando há óleo, a lâmpada se acende. Quando o óleo é consumido, a
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 125
luz também desaparece, junto com ele. A luz que se vai pode ser com-
parada à extinção da ilusão. Embora a luz tenha se desvanecido, o u-
tensílio permanece. O mesmo é o caso com o Tathagata. Embora a
ilusão tenha partido, o Corpo-do-Dharma permanece para sempre. Oh,
bom homem! O que isto significa? Será que significa que ambos, a luz e
a lâmpada, desaparecem? É assim?”
(O Buda disse:) “Oh, bom homem! Você não deveria refutar dessa ma-
neira. Nós falamos de um ‘utensílio’ do mundo. O Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo é o Supremo Utensílio do Dharma. Um utensílio do mun-
do pode ser não-eterno, mas não aquele do Tathagata. Dentre todas as
coisas, o Nirvana é eterno. O Tathagata tem isto (o Nirvana). Assim, ele
é eterno. Ainda mais, bom homem! Você diz que a luz da lâmpada se
extingue. Isto é [como] o Nirvana alcançado por um Arhat. Em razão de
todas as ilusões da cobiça e do desejo se acabarem, podemos compa-
rar isto à extinção da luz da lâmpada. O Anagamin ainda tem a cobiça.
Como ainda há a cobiça, não podemos dizer que isto é o mesmo que a
extinção da luz da lâmpada. Este é o porquê eu disse no passado num
ensino secreto que ele (o Anagamin) era como uma lâmpada morrendo
(se apagando). Não é que o Nirvana deva ser equiparado com a lâmpa-
da se apagando. O Anagamin retorna uma outra vez. Ele não volta para
as 25 existências. Novamente, ele não ganha mais o corpo mal-
cheiroso, o corpo de vermes, o corpo que é alimentado, o corpo vene-
noso. Assim é um ‘Anagamin’ [aquele que não retorna para uma exis-
tência corpórea novamente]. Se um corpo surge novamente, isto é um
‘Agamin’ [aquele que retorna para uma existência corpórea]. Quando o
corpo não surge novamente, isto é um ‘Anagamin’. Aquele que é dota-
do do ir e vir é o ‘Agamin’. Aquele que não tem o ir e vir [não nasce e
morre] é ‘Anagamin’.”
Oh, bom homem! Por exemplo, aqui existe um homem rico que tem
um único filho. Ele sempre pensa a respeito e ama este menino. Ele
leva o menino para um professor para ser ensinado. Apreensivo de que
as coisas possam não progredir rapidamente (a contento), ele leva o
“Não, oh Honrado pelo Mundo! Por que não? Porque a criança é muito
jovem. Dessa forma, ele não lhe ensina [as matérias mais avançadas].
Não é que o menino não seja ensinado porque o homem regateie [tais
lições]. Por que não? Porque se houvesse algum ciúme ou inveja, pode-
ríamos dizer que ele ocultou coisas. Com o Tathagata não é assim. Co-
mo poderíamos dizer que ele escondeu e ocultou?”
O Buda disse: “Falaste bem, falaste bem, oh bom homem! É como você
diz. Se houvesse qualquer raiva, ciúme ou inveja (má vontade), poderí-
amos dizer que ele está ocultando coisas. O Tathagata não tem raiva
ou ciúme. Como poderíamos dizer que ele esconde as coisas? Oh, bom
homem! O grande homem rico é o próprio Tathagata. Sua única crian-
ça são [todos] os seres. O Tathagata vê a todos os seres como vê seu
filho único. (O homem rico) Ensinando seu filho único diz respeito aos
discípulos Sravaka [Ouvintes dos ensinamentos do Buda]; o alfabeto diz
respeito aos nove tipos de sutras; o vyakarana diz respeito aos sutras
Vaipulya [extensivo] Mahayana. Uma vez que todos os discípulos Sra-
vaka não possuem o poder da Sabedoria, o Tathagata ensina-lhes o
alfabeto; isto é, os nove tipos de sutras. Mas, ele ainda não fala do
vyakarana; isto é, do Vaipulya Mahayana. Oh, bom homem! Quando o
filho do homem rico crescer e estiver apto a enfrentar as lições, se o
vyakarana não for ensinado, então poderemos dizer que houve ‘ocul-
tação’. Se todos os Sravakas estão crescidos e podem de fato enfrentar
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 129
as lições do Vaipulya Mahayana, mas o Tathagata regateia isto e não
lhes ensina, então poderíamos dizer que o Tathagata regateia, esconde
e oculta os ensinamentos. Mas, não é assim com o Tathagata. O Tatha-
gata não oculta [nada]. Isto é como no caso do homem rico que, tendo
ensinado o alfabeto, proximamente ensina o vyakarana. Eu também
faço o mesmo. A todos os meus discípulos eu tenho pregado acerca do
alfabeto e dos nove tipos de sutras. Tendo feito isto, eu agora falo a-
cerca do vyakarana. Isto nada mais é que a natureza eterna e imutável
do Tathagata. Além disso, oh bom homem! Isto é como nos meses de
verão, quando grandes nuvens provocam trovões, grandes chuvas e,
como resultado, todos os agricultores podem plantar as suas sementes
e colher coisas. Aquele que não planta, nada pode esperar colher. Não
é através dos trabalhos dos reis naga (naga = é uma palavra do
Sanskrito and do Pāli que designa uma deidade - ou classe de entidades
ou seres que assumem a forma de enormes serpentes, mas muitas
vezes com os troncos e cabeças humanas - encontrada tanto no Bu-
dismo como no Hinduísmo) que ele não pode colher. E estes reis naga
também não armazenam coisas. O mesmo se passa comigo. Eu deixo
cair a grande chuva do Sutra do Grande Nirvana. Aqueles seres que
plantaram boas sementes colhem os brotos (rebentos) e frutos da
Sabedoria. Aqueles que não plantaram, nada podem esperar. O Tatha-
gata não é culpado se eles nada ganharam. O Tathagata não esconde
nada.”
O Buda disse: “Oh, bom homem! O amealhado nada mais é que rique-
za e tesouro. Oh, bom homem! Há dois tipos de amealhados: um da-
quilo que é criado e outro daquilo que é não-criado. O amealhado do
criado é aquele que os Sravakas fazem; o amealhado do não-criado é
aquele que o Tathagata faz. Oh, bom homem! Dentre os sacerdotes, há
dois tipos: um é do tipo criado, e o outro é do tipo não-criado. O sacer-
dote do tipo criado é o Sravaka. O sacerdote Sravaka não amealha.
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 131
Homens ou mulheres humildes estão fora-da-lei; assim, guardam arroz,
pasta de feijão, gergelim, pequenos e grandes feijões num armazém.
Se alguém disser que o Tathagata permite possuir serventes, homens
ou mulheres, e as demais outras coisas, sua língua será cortada. Eu digo
que todos os meus discípulos Sravakas são ‘não-armazenadores’. Ou
que eles são aqueles satisfeitos com a sua comida. Se uma pessoa pro-
cura avidamente por comida, tal pessoa não está satisfeita. Dizer que ‘é
difícil traçar os caminhos’ significa alguém que está próximo da Ilumi-
nação Insuperável. Eu disse: ‘A pessoa vai, mas não há lugar para ir’.”
“Oh, Honrado pelo Mundo! Se não é uma coisa, como podem os Sra-
vakas e Pratyekabudas viver?”
Também, ‘não ser oprimido’ é como o espaço em si, por exemplo. Isto
é verdadeira emancipação. O espaço é comparável à verdadeira eman-
cipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata. Também, estar sen-
do oprimido é como segurar uma lâmpada junto ao capim seco. Quan-
do ela estiver muito perto, o capim pegará fogo. Este é o caso. Todavia,
não há nada dessa natureza na verdadeira emancipação. Também,
‘não-opressão’ é como o sol e a lua, que não se aproximam muito de
todos os seres. Tal é a situação com a emancipação. A verdadeira e-
mancipação é o Tathagata.
Além disso, emancipação é o que está ‘vazio e quieto’. Não pode haver
indeterminação. Por indeterminada entende-se a situação de dizer que
o icchantika (pessoa descrente) nunca muda e que aqueles que come-
teram graves ofensas nunca atingirão o estado de Buda. Nunca se po-
dem aplicar (fazer valer) tais coisas. Por que não? Quando aquela pes-
soa [icchantika] ganha a fé pura e genuína no Dharma Maravilhoso do
Buda, imediatamente a pessoa aniquila o icchantika [dentro de si]. Ao
tornar-se um upasaka (um seguidor leigo), o icchantika [naquela pes-
soa] morre para sempre; a pessoa que cometeu graves ofensas tam-
O Não-Vazio e a Emancipação.
Kashyapa disse ainda: “Você, o Buda, diz que a paz insuperável é Nirva-
na. Como pode ser isto? Agora, Nirvana significa abandono do corpo e
do intelecto. Se abandonamos o corpo e o intelecto, quem é aquele
que será abençoado com a paz?”
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 155
O Buda disse: “Oh, bom homem! Como um exemplo: existe um ho-
mem aqui. Ele come alguma comida. Após participar dela, ele se sente
mal, deseja sair e vomitar. Depois de vomitar, ele volta. Uma pessoa
que estava com ele pergunta: ‘Você se livrou do problema que você
tinha? Você voltou aqui novamente.’ Tal pode ser o caso. O mesmo se
aplica ao Tathagata. Ele se apartou completamente das 25 existências e
ganhou o Nirvana eternamente, o qual é paz e felicidade. Não pode
haver mais inversões confusamente, nem fim e nem extinção. Todo o
sentimento é erradicado (com o Nirvana). Esta é a felicidade do não-
sentimento. Este não-sentimento é Felicidade eterna. Nunca podemos
dizer que o Tathagata sente Felicidade. Assim, a Felicidade Suprema é
nada mais que o Nirvana. Nirvana é verdadeira emancipação. A verda-
deira emancipação é o Tathagata.”
O Buda disse: “Oh, bom homem! Por exemplo, existe uma pessoa aqui
que segura uma espada em sua mão e com um pensamento irado in-
tenta ferir o Tathagata. Mas o Tathagata se apresenta (com a feição)
benevolente, e não tem o semblante irado. Pode este homem ferir e
Tathagata e cometer o pecado mortal?”
“Não, Oh Honrado pelo Mundo! Por que não? Porque o corpo do Ta-
thagata não pode ser destruído. Por que não? Porque ele não é algo
como o corpo carnal composto. O que existe é o ‘Dharmata’ [Natureza-
do-Dharma]. O princípio do ‘Dharmata’ é indestrutível. Como poderia
este homem esperar destruir o Corpo-do-Buda (que é intangível)? Em
razão do seu mau pensamento, esta pessoa cairia no Inferno Avichi.
Assim, podemos fazer uso de parábolas e vir a conhecer o Dharma
Maravilhoso (que é intangível pela razão humana).”
O Buda disse: “Falaste bem, falaste bem! Você agora protege o Dharma
Maravilhoso, de fato. Qualquer bom homem ou boa mulher que deseje
cortar as amarras da ilusão e todas as outras amarras deveria proteger
o Dharma Maravilhoso assim.”
O Mortal Comum
O Srotapanna e o Sakridagamin
O Anagamin
O Arhat
O Buda disse: “Oh, bom homem! Se você tem dúvida com relação ao
que eu digo, é para você não aceitá-lo. Ainda mais quando você tem de
lidar com essas pessoas. Sendo assim, pondere bem sobre uma coisa e
descubra se ela é boa ou não, se é para você fazê-la ou não. Agindo
assim, nos tornamos abençoados com a paz e a felicidade na longa
noite [Isto é, nossa vida no Samsara]. Oh, bom homem! Existe aqui um
cão com a sua mente fixada em roubar. À noite ele entra na casa das
pessoas. Quando os empregados vêm a saber disto, eles gritam furio-
samente: ‘Caia fora neste instante, ou o mataremos!’ O cão assaltante
ouve isto, foge da casa e nunca mais retorna. De agora em diante, aja
dessa maneira e expulse os Papiyas [(Mara) Papiyas - Pessoas Más,
Demônios], dizendo: ‘Oh, Papiyas! Não se apresentem de tal forma.
Caso se atrevam, os amarraremos com cinco cordas’. Ao ouvir isto,
Mara fugirá e se esconderá. Como o cão assaltante, ele nunca mais se
mostrará.”
Eles dizem: ‘De agora em diante, não devemos mais obstruir o Dharma
Maravilhoso’. Ainda mais, oh bom homem! Os Saravakas e Pratyeka-
budas alimentam medo com relação a todas as ilusões. Aqueles que
estudam o Mahayana não têm tal temor. Praticando-se o Mahayana,
ganha-se tal poder. Como resultado, tudo aquilo que foi dito acima é
para Sravakas e Pratyekabudas acabarem com Maras, e não para o
Mahayana em si. Este sutra Mahayana Todo-Maravilhoso não pode se
acabar facilmente. Tudo é extremamente maravilhoso. Alguém que o
ouve e sabe que o Tathagata é Eterno é muito raro. Tal pessoa é como
a Udumbara. Podem aparecer pessoas que, após a minha morte, ou-
çam os ensinamentos deste maravilhoso sutra Mahayana e ganhem a
fé. Saiba que tais pessoas nunca cairão nos maus domínios da existên-
cia nas futuras eras, através dos 100 mil bilhões de kalpas que virão.”
Oh, bom homem! Você, agora, deveria manter [este sutra] e pensar:
‘Se os seres são perfeitos nas inumeráveis virtudes, eles certamente
acreditarão neste sutra Mahayana e, tendo fé nele, o ostentarão. Tam-
bém pode haver outros seres além destes que possam sentir alegria no
Dharma, e se este sutra for amplamente exposto para tais pessoas,
elas, após ouvi-lo, erradicarão todos os pecados acumulados durante
os inumeráveis asamkhyas de kalpas passados. Aqueles que não crêem
neste sutra, nesta vida, serão atacados por inumeráveis doenças e
serão mal-falados por todas as pessoas. Após [a morte], eles serão
desacreditados pelos outros. [Na vida] eles terão má aparência e suas
finanças não irão bem. Ou talvez, eles possam ganhar um pouco, mas
aquilo será grosseiro e de má qualidade. Serão pobres e da baixa ca-
mada social, durante toda sua vida. Eles podem ganhar vida [renascen-
do] em famílias onde advenham calúnias e más relações.
Há tempos em que devemos partir desta vida, podendo ser uma época
de guerras ou quando as pessoas pegam em armas; ou quando impe-
radores e reis estejam praticando a tirania; ou quando inimizade e
vingança possam nos visitar incessantemente. Poderá existir um bom
amigo [um bom mestre Budista], mas eles [isto é, aqueles descrentes
neste sutra] não terão oportunidade de encontrá-lo. Será difícil para
eles ganharem a sua vida. Eles podem ganhar em uma certa medida,
mas a apreensão pela fome se abaterá sobre eles. Eles serão conheci-
dos apenas pelas pessoas da baixa classe, e reis e ministros não olharão
para trás [dando-lhes atenção]. Pode haver ocasiões em que falem com
razão, mas ninguém lhes dará crédito. Essas pessoas não vão para bons
lugares. São como um pássaro cujas asas estão quebradas. O mesmo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 172
ocorrerá com essas pessoas. Nas vidas que virão, elas não estarão ap-
tas a ganharem um lugar seja no mundo dos seres humanos ou dos
celestiais.
(Kashyapa ainda disse): “Oh, Honrado pelo Mundo! Como posso saber
quem são, e como posso fazer oferecimentos?”
Bom Homem! Por exemplo, um rei morre de uma doença e seu filho, o
príncipe da coroa, ainda é jovem e não apto a ascender ao trono. Existe
um candala [uma pessoa mestiça desprezada, nascida de um pai da
casta Sudra e uma mãe Brâmane] que é rico e cuja fortuna é inestimá-
vel. Ele tem muitos parentes. No final, usando a força, ele tira vanta-
gem da condição de fraqueza do estado e usurpa o trono. Muito antes,
o povo, Monges, Brâmanes e outros se revoltam e fogem para países
distantes. Há pessoas que não fogem, mas que não desejam ver o rei,
bem como os ricos e Brâmanes que não deixarão a sua terra nativa, tal
como as árvores que crescem onde se encontram e onde elas morrem.
O rei candala, vendo os subjugados deixando o país, envia homens
candala para bloquear todas as estradas. E também, após sete dias, ele
põe homens a bater tambores e proclama a todos os Brâmanes: ‘A
qualquer pessoa que celebre a cerimônia de abhiseka [uma cerimônia
de consagração, envolvendo aspersão de água sobre a cabeça], metade
da terra lhe será dada!’ Eles ouvem isto, mas nenhum Brâmane se a-
presenta. Todos dizem: ‘Como poderia um Brâmane fazer tal coisa?’
Então o rei deu ao menino a metade do seu reinado. Juntos, eles reina-
ram sobre todo o reino. Um longo tempo se passou. Então o menino
Brâmane disse ao rei: ‘Eu rejeitei a minha tradição familiar, vim a você
para tornar-me seu mestre e lhe ensinei, Rei, todos os intrincados as-
suntos do encantamento. Ainda assim você não me ajuda’. Então o rei
respondeu: ‘De que forma eu não te ajudo?’. O menino Brâmane disse:
‘Eu ainda não experimentei a amrta que o rei anterior deixou em suas
mãos’. O rei disse: ‘Falaste bem! Oh, meu grande mestre! Eu não sabia.
Se você deseja usá-la, por favor leve isto [amrta] para sua casa’. Então
o menino Brâmane, ouvindo as palavras do rei, levou a amrita para
casa e convidou todos os ministros, e compartilhou (a amrta) com eles.
Todos os ministros, tendo-a, disseram ao rei: ‘é maravilhoso que o
grande mestre tenha a amrta’. Ouvindo isto, o rei disse ao seu mestre:
‘Como é que, oh grande mestre, você experimenta a amrta com todos
os ministros e ainda assim não a mostra para mim?’ Então o menino
Brâmane deu ao rei uma poção venenosa. Tomando a poção, o rei
sentiu-se mal e caiu no chão. E lá ficou inconsciente, como um homem
morto. Então o menino Brâmane chamou de volta o rei anterior, resti-
tuiu-lhe o trono e disse: ‘O trono do leão não pode, por lei, ser ocupado
por um candala. Nunca ouvi desde o passado que um candala alguma
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 177
vez tenha sentado num trono real. Nunca poderia acontecer de um
candala reinar sobre o estado e governar o povo. Oh, grande rei! Agora
você deve suceder o rei anterior e governar o estado equânime e le-
galmente’. Tendo disposto as coisas assim, ele deu um antídoto para o
candala e deixou-lhe despertar. Após despertar, ele retirou-se do país.
Agora, esse menino, agindo dessa forma, não perdeu o prestígio dos
Brâmanes. E os outros, ouvindo o que aconteceu, elogiaram o seu ato e
disseram que isto era uma coisa inédita. Eles disseram: ‘Bem feito, bem
feito! Você realmente se livrou do rei candala’.
O Buda disse: “Oh bom homem! Não fale assim. Por que não? Os
preceitos (shila) recebidos originalmente permanecem intactos e não
são perdidos. Se transgredimos, nos arrependemos. Tendo
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 179
arrependido, nos tornamos puros. Oh bom homem! Quando uma
barragem está velha e tem buracos nela, a água inevitavelmente
vazará. Por quê? Porque ninguém a reparou. Quando a reparamos, a
água não poderá vazar. O mesmo se passa com o Bodhisattva. Quando
os preceitos são violados, segue-se a confissão [posadha], recebendo
[novamente] os preceitos, e assim vêm as horas de liberdade. As
obrigações monásticas são cumpridas, mas as regras do vinaya não são
como o caso da barragem com furos através dos quais a água vaza. Por
que não? Se houver alguém que defenda o vinaya (conjunto de regras
monásticas), o tamanho da Sangha diminuirá e advirão a frouxidão
moral e a indolência, que somente crescerão. Se houver aqueles que
sejam puros em seus atos e que mantenham em observância os
preceitos, os preceitos (shila) originais permanecerão perfeitos e
válidos. Oh bom homem! Uma pessoa que é relaxada no Veículo [isto
é, com relação às orientações gerais do Buda-Dharma do Mahayana], é
[de fato] relaxada; e uma pessoa que é relaxada com respeito aos
preceitos, não é [de fato] relaxada. O Bodhisattva-Mahasattva não é
relaxado com relação aos ensinamentos disto [isto é, despertar para o
estado real da existência]. Isto é observância dos preceitos. Ele guarda
bem o Dharma-Maravilhoso e banha-se nas águas do Mahayana.
Assim, embora o Bodhisattva viole os preceitos, ele não é [realmente]
relaxado com relação aos preceitos.”
O Dharma e a Pessoa
O Significado e as Palavras
Sabedoria e Consciência
A Apreensão do Significado
Oh bom homem! Pode haver uma pessoa que diga que o Tathagata,
por piedade a todos os seres, olha para aquilo que é mais apropriado
para a ocasião. Como ele (o Tathagata) sabe o que é certo para a ocasi-
Então, todas essas quatro coisas são aquelas que podemos seguir. Se
os preceitos, o abhidharma e os sutras não diferem daquelas quatro
coisas, devemos segui-los. Se uma pessoa diz que há ocasiões e não-
ocasiões, que o Dharma deve ser protegido e que o Dharma não deve
ser protegido, e que o Tathagata permite a todos os Monges recebe-
rem e terem essas coisas impuras, essa (pessoa) não deve ser seguida.
Se os preceitos, o abhidharma e os sutras concordam com isso, essas
três coisas (os preceitos, o abhidharma e os sutras) não podem ser
seguidos. Eu falo sobre essas quatro coisas para o benefício de todos os
seres com olhos carnais, mas não para aqueles que possuem o olho da
Sabedoria. Esse é o porquê falo sobre essas quatro coisas e digo que
elas são aquilo que deve ser seguido. ‘Dharma’ é ‘Dharmata’; ‘significa-
do’ está dizendo que o Tathagata é Eterno e Imutável; ‘Sabedoria’ é
saber que todos os seres possuem a Natureza-de-Buda [‘Buddhata’];
‘apreensão do significado’ significa ser bem versado em todos os sutras
Mahayana.”
Além disso, oh bom homem! Se for dito: ‘Uma vez que o Tathagata não
é perfeito nas inumeráveis virtudes, ele é não eterno e deve mudar. Ele
reside no Todo-Vazio e expõe o não-Eu. Isto não é o caminho do mun-
do’; tal sutra ou vinaya é de Mara. Se um sutra diz: ‘A verdadeira Ilumi-
nação do Tathagata está para além do conhecimento e da compreen-
são. E também, ele é perfeito nos inumeráveis asamkhyas de virtudes.
Portanto, ele é Eterno e não pode haver mudança (é imutável)’, tal
sutra ou vinaya é o que o Buda disse. Qualquer pessoa que siga o que
Mara diz é um aparentado de Mara. Qualquer pessoa que siga o que o
Buda diz é um Bodhisattva.
Se uma pessoa diz que obteve aquilo que supera o poder dos homens
[Pali: ‘uttarimanussadhamma’, um estado do Dharma que é superior
ao estado humano, estado superhumano que transcende as limitações
humanas], ela comete parajika (ofensa grave). Por quê? Porque ela de
fato não atingiu nada, e ainda finge tê-lo feito [ou seja, está dizendo
mentiras]. Essa pessoa retrograda do mundo dos humanos e da Dou-
trina. Isso é uma parajika.
Ou uma pessoa poderia dizer: ‘Não pode haver nada como as quatro
graves ofensas, as treze samghavasesas (são violações de regras de
conduta que podem causar a dissolução da Sangha), as duas aniyatans,
as 30 naihsargika-prayascittikas (lapsos por caducidade), 91 payattikas,
quatro formas de arrependimento, diferentes formas de aprendizado,
sete formas de adhikarana-samatha, e também não pode haver sthu-
latyayas, cinco pecados capitais e icchantikas. Caso um Monge viole
todas essas shilas (regras de conduta de comportamento ético) e caia
no inferno, todos os tirthikas nasceriam no céu. Por quê? Porque eles
não têm quaisquer preceitos para transgredir. Isto mostra que o Tatha-
gata pretende assustar as pessoas. Este é o motivo de ele instituir esses
preceitos. O Buda tem dito que quando os Monges desejam satisfazer
os seus desejos carnais, eles devem largar os seus trajes sacerdotais,
vestir uma roupa mundana e fazê-lo.
‘Alguém extrapolou,
isto está dizendo mentiras [mrsavada].
Se não vemos após-a-vida,
não há pecado que não será cometido’.
Por esta razão, não deveríamos nos aproximar de tal pessoa. O que é
puro neste ensinamento Budista é assim. Poderia acontecer de alguém
que tivesse violado o sthulatyaya, o samghavasesa e o parajika; pudes-
se passar como não tendo pecado? Em razão disto, deveríamos nos
colocar em guarda e proteger esse Dharma. Se não o defendermos,
onde poderá haver qualquer proibição? Eu agora digo nos sutras: ‘Por
cometer qualquer uma das graves ofensas ou quaisquer das ofensas
menores (duskrtas), devemos sofrer dor para remediá-las’. Se não nos
resguardarmos quanto [a transgressão] às proibições, que possibilida-
de poderá haver de vermos a Natureza-de-Buda?
O Buda disse: “Oh bom homem! Eles [os que assim dizem] não violam
o parajika. Por exemplo, oh bom homem! Se qualquer pessoa diz que
no grande oceano existem apenas as sete gemas, não oito, aquela
pessoa não pecou. Se uma pessoa diz que não há menção da Natureza-
de-Buda nos nove tipos de sutras, não pode haver qualquer cometi-
mento de pecado. Por que não? Eu digo que no oceano do Mahayana
da grande Sabedoria existe a Natureza-de-Buda. Como os dois veículos
não sabem ou vêem [isto], não se pode falar que tenham cometido
qualquer pecado, mesmo que eles digam que ela não existe. Isso é uma
coisa que somente o Buda sabe, e que Sravakas e Pratyekabudas não
podem saber. Oh bom homem! Não tendo nunca ouvido sobre a gran-
de profundeza do Dharma secreto do Tathagata, como poderia uma
pessoa esperar saber da existência da Natureza-de-Buda? O que é o
repositório secreto? Nada mais que os sutras Vaipulya. Oh bom ho-
mem! Pode haver tirthikas que falam sobre o eu eterno ou o ‘não-ser’
do eu. Este não é o caso com o Tathagata. Ele diz que existe o Eu, ou –
em outras ocasiões – que não existe. Esse é o Caminho Médio.
Uma pessoa poderia dizer: ‘O Buda fala sobre o Caminho Médio. Todos
os seres possuem a Natureza-de-Buda. Como a ilusão os ofusca, eles
não sabem ou vêem. Assim, um (meio) expediente é aplicado para
cortar as raízes da ilusão’. Uma pessoa que fala assim não comete as
quatro graves ofensas. Isto nós deveríamos saber. Qualquer pessoa
que não fale assim infringe o parajika. Ou uma pessoa poderia dizer:
‘Eu já atingi a Iluminação Insuperável! Por quê? Porque eu possuo a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 202
Natureza-de-Buda. Qualquer pessoa que possua a Natureza-de-Buda
seguramente atingiu a Iluminação Insuperável. Consequentemente, eu
atingi a Iluminação’. Então, deveríamos saber que essa pessoa infringe
o parajika. Por que é assim? Com toda a certeza existe a Natureza-de-
Buda. Mas ainda não tendo praticado o melhor expediente da Via, a
pessoa ainda não a viu. Não a tendo visto, ela não pode ter atingido a
Iluminação Insuperável. Oh bom homem! Com relação a isto, o ensi-
namento do Buda é profundo em seu significado e difícil de entender”.
O Buda disse a Kashyapa: “Um Monge pode, por lucro ou comida, baju-
lar, estabelecer coisas erradamente ou enganar, e dizer coisas tais co-
mo: ‘Como todo o mundo poderá acreditar que eu sou verdadeiramen-
te um Monge real, de tal forma que eu possa obter um grande ganho e
fama?’ Esse Monge, em razão da escuridão da sua mente, sempre pen-
sa e reza: ‘Na verdade, eu ainda não cheguei às quatro metas de um
Sravaka. Como posso estar apto a fazer o mundo pensar que eu as
alcancei? Como posso estar apto a fazer com que Leigos e Leigas pen-
sem sobre mim como sendo um sábio que realizou completamente
todas as verdadeiras virtudes?’. Assim ele pensa. Tudo o que é feito
visa o lucro, e não a Via. Em suas idas e vindas, em suas saídas e chega-
das, avançando e descansando, ele parece pacífico. No seu modo de
vestir e de segurar a sua tigela, a conduta não é perdida. Sozinho, ele
senta num lugar solitário e parece um Arhat. Dessa forma as pessoas
pensam: ‘Esse é o maior dos Monges. Exercitando-se totalmente, ele
pratica a Via da extinção’. Ele pensa: ‘Como resultado disto, com certe-
za ganharei discípulos. As pessoas certamente me oferecerão roupas,
comida, bebida, roupas de cama e remédios. Todas as mulheres me
respeitarão e amarão’. Qualquer pessoa que aja dessa maneira age
contra o Uttarimanussa-Dhamma [estado superhumano que transcen-
de as limitações humanas].
O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Como uma analogia: exis-
te na prole de um rei um grande lutador. Ele tem uma pérola adaman-
tina na sua testa. Esse homem luta com outros lutadores. Quando [cer-
ta vez] a cabeça de outra pessoa tocou a sua testa, a pérola foi para
dentro da carne do lutador, e não se tinha conhecimento de onde ela
estava. Um furúnculo surgiu ali. Um bom médico foi chamado para
curá-lo. Naquela ocasião, existia um bom médico com uma mente bri-
lhante. Ele sabia muito bem como diagnosticar e prescrever remédios.
Ora, ele vê que esse furúnculo apareceu devido ao fato de a pérola ter
entrado no corpo do lutador. Ele compreende que essa pérola pene-
trou a carne e permanece lá. Então, o bom médico indaga o lutador:
‘Onde está aquela pérola que estava sobre suas sobrancelhas’? O luta-
dor fica surpreso e responde: ‘Oh grande mestre e doutor! A pérola na
minha testa não foi perdida? Onde a pérola poderia estar agora? Não é
um milagre [que você saiba sobre ela]’? Ele (o lutador) está preocupa-
do e chora. Então, o doutor pacifica o lutador: ‘Não fique sobrecarre-
gado. Quando você lutou, a gema entrou no seu corpo. Ela agora está
sob sua pele e pode ser vista saliente. Conforme você lutou, o veneno
da raiva queimou tanto que a gema penetrou no seu corpo e você não
a sentiu’. Mas o lutador não compreende as palavras do doutor. ‘Se ela
está sob minha pele, como é que ela não sai devido ao sangue impuro
e o pus? Se ela está em meus nervos, não podemos de forma alguma
vê-la. Por que você tenta enganar-me’? Então, o doutor pega um espe-
lho e o segura em frente ao rosto do lutador. A gema aparece clara-
mente no espelho. O lutador a vê, ficando surpreso e todo maravilha-
do. É como aquilo. Oh bom homem! O caso é o mesmo com todos os
seres. Eles não se aproximam de um bom mestre da Via. Assim, eles
não podem ver a Natureza-de-Buda que está dentro deles, muito em-
bora eles a possuam. E eles são regidos pela avareza, a luxúria, a ira e a
ignorância. Dessa forma, eles caem nos domínios do inferno, da anima-
lidade, dos espíritos famintos, Ashuras, Candalas e vêm a nascer em
diversas casas como as de Kshatriya, Brâhmanes, Vaishya e Sudra. O
O lutador disse que a gema tinha desaparecido, muito embora ela esti-
vesse no seu corpo. O mesmo também se passa com os seres. Não
tendo entrado em contato com um bom mestre da Via, eles não sabem
do tesouro escondido do Tathagata e não estudam o altruísmo. Por
exemplo, quando uma pessoa é dita ser de má índole, não se pode
conhecer a verdadeira qualidade do Eu. O mesmo é verdadeiro com
relação aos meus discípulos. Como eles não se aproximam de um bom
mestre da Via, eles praticam o não-Eu e não sabem onde ele (o Eu)
está. Eles não conhecem a verdadeira natureza do altruísmo. Como,
então, poderiam saber a verdadeira natureza do Eu em si? Assim, oh
bom homem, o Tathagata diz que todos os seres possuem a Natureza-
de-Buda. Isto é como o bom médico fazendo o lutador ver onde a jóia
adamantina repousava. Todos os seres são regidos por inumeráveis
impurezas e, dessa forma, não sabem o paradeiro da sua Natureza-de-
Buda. Quando a ilusão é dissipada, surge a sabedoria e o brilho. Isto é
como o caso do lutador vendo a gema no espelho. Oh bom homem! É
assim o caso em que aquilo que repousa escondido [latente] no Tatha-
gata é imensurável e é difícil para os seres pensarem a respeito.
“Existe uma pessoa que toma amrta, fere a vida e morre cedo,
ou uma outra que toma amrta e ganha longa vida,
ou alguém que toma veneno e ganha vida,
ou um outro que toma veneno e morre.
A Sabedoria sem obstruções, que é a amrta,
não é outra senão os sutras Mahayana.
e esses sutras Mahayana são os que também contêm veneno.
Oh Kashyapa!
“Oh Kashyapa!
Então, o Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Não veja os Três
Tesouros como todos os Sravakas e os mortais comuns fazem. Neste
Mahayana, não existe distinção entre os Três Tesouros. Por que não? A
Natureza-de-Buda contém dentro dela o Dharma e a Sangha. Para
ensinar Sravakas e mortais comuns, recorre-se à discriminação e os três
diferentes aspectos são falados a respeito dos Três Tesouros. Seguindo
o caminho (a maneira) do mundo, é pregada a distinção com relação
aos Três Tesouros. Oh bom homem! O Bodhisattva pensará: ‘Este ‘Eu’
agora se refugia no Buda. Se este ‘Eu’ atinge a Iluminação e o Estado de
Buda, não respeitarei, reverenciarei ou farei oferecimentos a todos os
Budas. Por que não? Porque todos os Budas são iguais. Eles são toma-
Se falamos das ‘dez boas ações’ e ‘dez más ações’, sobre o que pode
ser feito e o que não pode ser feito, dos bons reinos e dos maus reinos,
sobre o ensino branco [sukladharma = saddharma = Dharma Maravi-
lhoso] e o ensino negro [krsnadharma =Pali kanhadhamma], os mortais
comuns concebem duas coisas. Mas o sábio sabe que a natureza é não-
dual e que a natureza do não-dual é a natureza real.
“Oh bom homem! Não diga que existe definitivamente nata no leite ou
que não existe nata no leite. Também, não diga que ela vem de fora
(do leite). Se definitivamente existe nata no leite, como ela pode ser
uma coisa diferente e ter um sabor diferente? Este é o porquê você
não deve dizer que definitivamente existe nata no leite. Se não existe
definitivamente nata no leite, por que é que algo diferente não surge
do leite? Se for colocado veneno no leite, a nata matará uma pessoa.
Este é o porquê você não deve dizer que não existe definitivamente
nata no leite. Além disso, se dissermos que a nata vem de fora, por que
é que a nata não surge da água? Em razão disto, não diga que a nata
vem de algum outro lugar. Oh bom homem! Como a vaca pasta na
grama, seu sangue transforma-se em branco. Grama e sangue morrem
e o poder das virtudes dos seres transforma-os e obtemos o leite. Esse
leite vem da grama e do sangue, mas não podemos dizer que existam
os dois (no leite). Tudo o que podemos dizer é que as condições (rela-
ções) o fazem acontecer. Isso nós podemos dizer. Da nata ao sarpir-
manda, as coisas se passam assim. O caso [aqui] é o mesmo. Em razão
Isto é como no caso das flores nas presas do elefante. Podemos ouvir
tudo acerca dos samadhis dos sutras. Mas se não ouvirmos este sutra,
não poderemos obter a forma maravilhosa do Tathagata. É como
quando não há trovão, não podemos ver flores nas presas do elefante.
Ao ouvir este sutra, se vem a conhecer a secreta [latente] Natureza-de-
Buda, sobre a qual o Tathagata fala. Isso é como ver flores nas presas
do elefante. Ao ouvir este sutra, todos os inumeráveis seres vêm a
saber que isto é a Natureza-de-Buda. Em razão disto, Eu falo sobre o
Grande Nirvana e digo que Eu expando o Corpo-de-Dharma, o Reposi-
tório Secreto do Tathagata. Isto é como com o trovão, quando as flores
caem sobre as presas do elefante. Como isto detém e nutre o grande
significado, isto é chamado ‘Mahaparinirvana’. Se qualquer bom ho-
mem ou mulher aprender esse Todo-Maravilhoso Sutra do Grande
Nirvana, eles devem saber que estão fazendo um trabalho de ação de
graças e que são verdadeiros discípulos do Buda.”
“Oh bom homem! [Como uma analogia]: 100 pessoas cegas consultam
um bom médico à busca de cura. Com isso, o doutor abre a membrana
dos olhos com uma lâmina de ouro e então, levantando um dedo, per-
gunta: ‘Você pode ver isto?’ A pessoa cega diz: ‘Eu não posso vê-lo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 234
ainda’. Então, o doutor levanta dois dedos, e três dedos. Então, a pes-
soa diz que ela pode ver em certa medida. Oh bom homem! Enquanto
este Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana ainda não tinha sido delibe-
rado pelo Tathagata, o caso era o mesmo. Embora inumeráveis Bodhi-
sattvas pudessem praticar perfeitamente os paramitas, eles podiam
alcançar apenas os dez estágios de residência (abodes, ‘bhumis’) e
ainda não podiam estar aptos a ver a Natureza-de-Buda. Se o Tathaga-
ta fala, eles podem ver em alguma medida. Quando esses Bodhisattvas
verem tudo, eles dirão: ‘Oh, maravilhoso, oh Honrado pelo Mundo!
Temos reciclado entre nascimentos e mortes, e estivemos preocupa-
dos com o altruísmo’. Oh bom homem! Esses Bodhisattvas podem
alcançar bem os dez estágios [‘bhumis’ – estágios de desenvolvimento
do Bodhisattva], e ainda não podem ver claramente a Natureza-de-
Buda. Como os Sravakas e Pratyekabudas poderiam vê-la?
Oh bom homem! Existe uma pessoa que tem sede e tem que viajar um
longo caminho através do deserto. A sede o deprime tanto que ele
procura por água em toda parte. Então, ele vê a folhagem de uma ár-
vore com um grou branco nela. Tendo perdido a sua capacidade de
julgar, a pessoa não pode dizer se aquilo é uma árvore ou água. Ele
esforça-se para ver. Então ele vê que é um grou branco e a folhagem
de uma árvore. Algo semelhante ocorre com os Bodhisattvas dos dez
Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 235
estágios de residência, que vêem não mais que uma pequena parte da
natureza do Tathagata.
Também, além disso, oh bom homem! Existe uma pessoa que, na escu-
ridão da noite, vê a imagem de um Bodhisattva e pensa: ‘Isto pode ser
a imagem de um Bodhisattva, do Mahesvara, do Grande Brahma ou de
alguém num traje monástico?’ A pessoa contempla aquilo por um bom
tempo e conclui que é a forma de um Bodhisattva e, no entanto, ela
não o vê muito claramente. O mesmo é o caso com o Bodhisattva dos
dez estágios de residência que vê dentro de si a natureza do Tathagata.
Nada parece ser muito claro.
“Oh bom homem! Ele (o significado) fica nas quatorze bases fonéticas
que constituem os significados. A assim chamada letra é Nirvana. Sen-
do Eterno, ele (o significado) não flui (não dissipa ou é perdido). Aquilo
que não é fluído (dissipado) não conhece um fim. Aquilo que não co-
nhece um fim é o Corpo Adamantino do Tathagata. Essas quatorze
(bases fonéticas) constituem o fundamento das letras.
‘a’ ( अ ) é assim chamado porque ele não pode ser destruído. Aquilo
que é indestrutível representa os Três Tesouros. Por exemplo, isto é
como o diamante. Ele também é assim chamado porque ele não flui
(dissipa). Aquilo que não flui (dissipa) é o Tathagata. Nos nove furos
[isto é as saídas do corpo: dois olhos, dois ouvidos, duas narinas, boca e
as duas saídas das excreções] do Tathagata, não há nada que flua (va-
ze) para fora. Assim, ele é estanque [‘anasrava’ – sem impurezas]. E há
nove furos. Todavia, é ‘estanque’ (‘sem fluxos’). Sem-Fluxos é o Eterno;
o Eterno é o Tathagata. O Tathagata não é aquele que foi criado. Por-
O Buda elogiou Kashyapa e disse: “Falaste bem, falaste bem! Uma pes-
soa que almeja o Dharma Maravilhoso deve aprender as coisas assim”.
Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se estes são eter-
nos, eles são iguais ao Tathagata?”
“Oh bom homem! Não fale dessa maneira. Por que não? Se dissermos
que o Tathagata é como o Monte Sumeru, isto implica que ele quebra-
rá assim como o Monte Sumeru deverá quebrar quando chegar o tem-
po para a sua desintegração. Oh bom homem! Não veja as coisas as-
sim. Oh bom homem! ‘Dentre todas as coisas, com exceção do Nirva-
na, nenhuma é eterna’. Meramente para conformidade com as formas
da verdade secular, dizemos que a fruta é eterna”.
Um homem deita-se no chão e olha para o céu, onde ele não pode ver
os caminhos por onde os pássaros voaram. Aqui é o mesmo caso. Oh
bom homem! O mesmo é o caso com os seres. Eles não possuem os
olhos celestiais. Imersos na ilusão, eles não podem ver a natureza do
Tathagata que eles possuem. Por essa razão, eu agora exponho os
ensinos secretos do altruísmo. Por quê? Uma pessoa que é desprovida
dos olhos celestiais não conhece o Verdadeiro Eu. Porque ela imagina o
Eu de uma maneira errada. Todas as coisas criadas pela ilusão são não-
eternas. Este é o porquê digo que o Eterno e o não-Eterno são duas
coisas diferentes.
Capítulo 14 – Sobre a Parábola dos Pássaros Página 257
Se com esforço e coragem
alcançamos o cume de uma montanha,
vemos as planícies, a vastidão dos campos e todos os seres.
Como alcançamos o grande palácio da Sabedoria
e o assento que é o mais elevado e maravilhoso,
então já acabamos com a apreensão e o sofrimento
e vemos a apreensão dos seres.
A Parábola da Lua
A Eterna Lua-Cheia
Também, além disso, oh bom homem! Duas pessoas lutam com espa-
das e bastões, causando lesões corporais, derramamento de sangue e
morte. Mas se eles não tivessem intenção de matar, a conseqüência
cármica seria leve, e não pesada. O mesmo é o caso [aqui]. Mesmo em
relação ao Tathagata, se uma pessoa não tem intenção de matá-lo, o
mesmo se aplica à sua ação. Ela é leve e não pesada. O mesmo é o caso
com o Tathagata. Para guiar os seres nos dias que virão, ele mostra as
conseqüências cármicas (leves ou pesadas que os seres carregam).
Também, além disso, oh bom homem! Isto é como o doutor que envi-
da esforços e compartilha conhecimentos médicos básicos com o seu
filho, dizendo que este é o remédio-raiz, este é para o sabor, aquele é
para a cor etc., assim permitindo que o seu filho se torne familiarizado
com as várias propriedades [dos remédios]. O filho presta atenção
àquilo que o seu pai diz, esforça-se, aprende e vem a compreender
todos os [diferentes] tipos de remédios. Chega o tempo em que seu pai
morre. O filho se enternece, chora e diz: ‘o pai ensinou-me dizendo que
este é o remédio-raiz, este é a haste, este é a flor e este é a cor’. O
mesmo se passa com o Tathagata. No sentido de guiar-nos, ele impõe
aos seres muitas restrições. Dessa forma, devemos tentar agir em con-
cordância [com essas restrições] e não contrariá-las. Para aquelas pes-
soas dos cinco pecados mortais, para aqueles caluniadores do Dharma
Maravilhoso, para os icchantikas e para aqueles que podem cometer
tais ações (caluniosas) nos dias que virão, ele manifesta-se de acordo.
Tudo isso é para os dias após a morte do Buda, para os Monges sabe-
O Brilho da Lua
Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, quando o sol nas-
ce, todo o nevoeiro se dispersa. A situação é a mesma com relação ao
Sutra do Grande Nirvana. Se dermos ouvidos uma única vez a ele, toda
a maldade e o karma do Inferno Avichi morrerão. Ninguém pode pene-
trar o que se conquista neste Grande Nirvana (assim como não vemos
o sol na escuridão da noite), que expõe o repositório secreto da natu-
reza do Tathagata. Por esta razão, bons homens e boas mulheres nutri-
rão um pensamento de que o Tathagata é Eterno, é Imutável, que o
Dharma não cessa de ser, e que o Tesouro da Sangha não morre. As-
sim, deveríamos empregar todos os meios, empreendermos esforços e
aprender esse sutra. Essa pessoa, ao longo do tempo, atingirá a Insupe-
rável Iluminação. Este é o porquê esse sutra é dito conter inumeráveis
virtudes e é também chamado aquele que não conhece (ou concebe) o
fim da iluminação. Em razão desta infinitude, podemos dizer Mahapa-
rinirvana. A luz de Brilho Excelente como nos dias de sol. Como ele é
ilimitado, dizemos Grande Nirvana.”
Capítulo 15 – Sobre a Parábola da Lua Página 267
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 268
Capítulo Dezesseis: Sobre o Bodhisattva
“Também, além disso, oh bom homem! De todas as luzes, a luz do sol e
da lua é insuperável. Nenhuma outra luz se iguala a ela. O mesmo se
passa com a luz do Grande Nirvana, que é a mais maravilhosa de todas
as luzes dos sutras e Samadhis. É algo que não pode ser alcançado por
qualquer das luzes de qualquer dos sutras e Samadhis. Por que não?
Porque a luz do Grande Nirvana penetra completamente nos poros da
pele. Embora os seres possam não possuir o Bodhichitta (autodetermi-
nação de atingir a iluminação), ela ainda causa o Bodhi (é um termo
Pāli e Sânscrito para o estado ‘desperto’ ou ‘iluminado’). Esse é o por-
quê dizermos ‘Mahaparinirvana’.”
O Buda disse a Kashyapa: “Se alguém que tenha ouvido este Sutra do
Grande Nirvana disser que ele nunca conceberá o Bodhichitta e [assim]
cometer calúnias, essa pessoa verá um Rakshasa num sonho e sentirá
medo. E o Rakshasa dirá: ‘Hey, bom homem! Se o Bodhichitta não sur-
gir em você, certamente tomarei a sua vida’. Sentindo medo e acor-
dando do seu sonho, a pessoa aspirará o Bodhi. Após a morte, aquela
pessoa nascerá nos três reinos do infortúnio, ou no mundo dos huma-
nos ou seres celestiais, e ela pensará sobre o Bodhichitta. Saiba que
essa pessoa é um grande Bodhisattava. Assim o grande poder divino
desse Sutra do Nirvana possibilita à pessoa que não aspirava a Ilumina-
ção atingir a causa da Iluminação. Oh bom homem! Isto é como um
Bodhisattva aspira o Bodhi. Não é que não haja causa. Assim, os mara-
vilhosos sutras Mahayana são o que o Buda falou.
Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, existe uma árvore
medicinal cujo nome é ‘rei dos remédios’. De todos os remédios, esse é
o melhor. Ele pode ser bem misturado com leite, mel, manteiga, água
ou suco; ou ele pode ser feito na forma de pó ou pílulas, ou podemos
aplicá-lo às feridas, ou cauterizar o corpo com ele, ou aplicá-lo aos o-
Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 271
lhos; ou podemos olhá-lo ou cheirá-lo. Ele cura todas as doenças e
enfermidades dos seres. Essa árvore medicinal não diz para si mesma:
‘Se os seres tomarem a raiz, eles não devem tomar as folhas; se eles
tomarem as folhas, eles não devem tomar a raiz; se eles tomarem a
madeira, eles não devem tomar a casca; se eles tomarem a casca, eles
não devem tomar a madeira’. Embora a árvore não pense dessa ma-
neira, no entanto ela pode curar todas as doenças e enfermidades. O
caso é similar. Oh bom homem! O mesmo também é o caso com esse
Sutra do Nirvana. Ele pode acabar totalmente com todas as más ações,
as quatro graves ofensas, os cinco pecados mortais e quaisquer más
ações internas ou externas [do pensamento, das palavras, ou das a-
ções]. Qualquer pessoa que ainda não tenha aspirado ao Bodhichitta
virá de fato a aspirá-lo. Como assim? Porque este todo-maravilhoso
sutra é o Rei de todos os sutras, assim como a árvore medicinal é o rei
de todos os remédios. Podem existir aqueles que tenham aprendido
esse Sutra do Grande Nirvana ou aqueles que não tenham aprendido.
Ou eles podem ter ouvido o nome deste sutra e, ao ouvi-lo, vieram a
respeitá-lo e compreendê-lo. Através disso, todas as grandes doenças
das impurezas serão aniquiladas. Somente o icchantika não pode espe-
rar atingir a Iluminação Insuperável, como no caso do remédio todo-
maravilhoso que, embora ele de fato cure todas as doenças e enfermi-
dades, não pode curar aquelas pessoas que estão à beira da morte.
O Buda disse: “Oh bom homem! Dizemos que ‘não vemos’, o que signi-
fica que nós não vemos a Natureza-de-Buda. ‘Bem’ refere-se à Ilumina-
ção Insuperável. Dizemos que ‘não fazemos’, o que significa dizer que
nós não nos aproximamos de um bom amigo [bom mestre do Budis-
mo]. Nós ‘apenas vemos’ significa dizer que nós vemos as coisas como
não tendo relações causais. Por maldade entende-se a calúnia aos Su-
tras Mahayana Vaipulya. ‘Fazer’ corresponde à fala dos icchantikas
dizendo que não pode haver qualquer Vaipulya. Em razão disto, não
existe oportunidade para o icchantika voltar o seu pensamento para
aquilo que é puro e bom. O que é ‘Bom Dharma’? É Nirvana. Aquele
que caminha ao longo da via do Nirvana realmente pratica o que é
sábio e bom. Com o icchantika, não há nada que seja sábio e bom.
Como resultado, não pode haver retorno em direção ao Nirvana. O que
devemos ‘temer’ significa o temor de caluniar o Dharma Maravilhoso.
Quem tem medo? É o sábio. Por quê? Porque uma pessoa que calunia
não tem bons pensamentos e nem bons expedientes. A via (estrada)
que é difícil de passar faz alusão a todas as práticas.”
Também, além disso, ‘não ver o que fazemos’ significa que o icchantika
não vê tudo o que ele faz. Esse icchantika, com base na arrogância,
perpetra muitas más ações. Agindo assim, ele não tem medo. Como
resultado, ele não pode atingir o Nirvana. Por exemplo, isto é como no
caso de um macaco que tenta agarrar a lua refletida na superfície de
um lago. Oh bom homem! Mesmo que todos os inumeráveis seres
atingissem a Iluminação Insuperável em um momento, nenhum dos
Tathagatas veria o icchantika atingindo a Iluminação. Por essa razão,
dizemos que ‘o que é feito não é visto’. Além disso, qual ação que não
é vista? Aquela do Tathagata. O Buda, para o benefício dos seres, diz
que existe a Natureza-de-Buda. O icchantika, ainda que repetindo vi-
das, não pode conhecer ou ver [a Natureza-de-Buda]. Este é o porquê
dizemos que não vemos o que o Tathagata faz. Também, o icchantika
pensa que o Tathagata entra no Nirvana por razões óbvias, dizendo
que tudo é transitório, exatamente como quando a chama se apaga, é
porque o óleo acabou. Por quê? Porque as más ações dessa pessoa
nunca chegam a um fim. Se houver um Bodhisattva aqui que transfira
[os méritos de] todas as boas ações que ele tem feito com vistas à Ilu-
minação Insuperável àqueles da classe dos icchantikas, eles cometerão
a calúnia e não compreenderão. A despeito disto, todos os Bodhisatt-
vas perseveram como sempre na doação e no desejo de atingir a Ilu-
minação. Por quê? Isto é como as coisas se procedem com as leis
[dharmas] de todos os Budas.
‘A maldade é feita,
mas o resultado não aparece de uma só vez.
Ele aparece como a nata que vem do leite.
Isso é como quando a cinza é colocada sobre um fogo
e o ignorante descuidadamente pisa nele’.
O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, essas pessoas têm so-
nhos nos quais elas caem no inferno, sofrem dores lá e se arrependem
dizendo: ‘Oh, essa dor! Nós as provocamos e as atraímos para nós
mesmos. Se pudermos sair disto, certamente cuidaremos da Ilumina-
ção. O que temos (aqui) é o pior [dos sofrimentos]’. Despertando do
seu sonho, eles vêm a enxergar a grande recompensa do Dharma Ma-
ravilhoso aguardando-lhes. É como no caso da criança que gradual-
mente cresce e pensa: ‘Esse é o médico que melhor entende de pres-
crições e medicamentos. Quando eu ainda estava no útero, ele medi-
cou a minha mãe. Como conseqüência disso, ela ficou em paz e, em
razão desses fatores circunstanciais, fiquei fora de perigo. Oh, quão
Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 279
terrível que minha mãe tenha sofrido grandes dores. Por dez meses ela
protegeu-me e carregou-me. Após o meu nascimento, ela cuidou para
que eu não ficasse muito seco ou muito molhado, vendo através das
minhas excreções; ela deu-me leite e alimentou-me. Por tudo isto,
devo lhe retribuir o meu débito, ver os seus sentimentos, ser obediente
e servir-lhe’.
Também, além disso, oh bom homem! Existe um médico que ouve que
o filho de certa pessoa está possuído por um demônio. Assim, ele envia
O Rei do Vento
A Pele da Serpente
Também, além disso, oh bom homem! Você acha que a morte vem ou
não para a serpente conforme ela troca a sua pele?”
O Ministro Sábio
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! O que você
conhece do insuperável sabor do Dharma é profundo e difícil de pene-
trar. Mesmo assim, você conhece bem. Você age como a abelha. Tam-
bém, além disso, oh bom homem! É como no caso da água do pântano
na qual os mosquitos vivem e que não serve para molhar essa terra. O
mesmo será o caso no futuro com a propagação deste sutra no mundo.
É exatamente como o terreno pantanoso onde os mosquitos vivem.
Quando o Dharma Maravilhoso tornar-se extinto, este sutra tornar-se-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 292
á extinto nesta terra (Índia). Saiba que isto é o declínio da fortuna deste
sutra. Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, após o ve-
rão vem o outono, quando as chuvas outonais caem uma após a outra.
O mesmo é o caso com esse Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Para
o benefício dos Bodhisattvas do sul, a disseminação se procederá am-
plamente, e haverá a chuva do Dharma, a qual umedecerá completa-
mente a terra. Quando o Dharma Maravilhoso estiver para tornar-se
extinto (naquela terra – Índia), ele irá para a Kashemira e nada restará.
Ele entrará na terra e tornar-se-á extinto. Pode haver uma pessoa que
seja fiel ou uma pessoa que não seja. O doce sabor de todos esses su-
tras Mahayana Vaipulya então afundará no chão. Quando o sutra [Ma-
haparinirvana] morrer, todos os outros sutras Mahayana morrerão
também. Se este sutra é perfeito, ele é nada mais que o elefante rei
dos homens. Todos os Bodhisattvas devem saber que o insuperável
Dharma Maravilhoso do Tathagata está prestes a extinguir-se em bre-
ve.”
O Buda disse: “Oh bom homem! O que você quer dizer com ‘uma men-
te que duvida’? Fale! Eu explicarei [o assunto].”
“Oh bom homem! Por esta razão, pode haver diferença entre o Buda,
o Bodhisattva, o Sravaka e o Pratyekabuda; e não pode haver diferen-
ça.”
Kashyapa disse: “Como você, o Buda, ensinou-me, agora eu, pela pri-
meira vez, compreendi os pontos de diferenaça e não-diferença. Co-
mo? Porque todos os Bodhisattvas, Sravakas e Pratyekabudas atingirão
o Mahaparinirvana no futuro. Isto é como acontece com todos os rios
correndo para o oceano. Este é o porquê dizemos que os Sravakas e
Pratyekabudas são eternos e não não-eternos. Em razão disto, há dife-
rença e não há diferença.”
O Buda disse: “Oh bom homem! É como no caso de uma vaca que é
recém-nascida e não há diferença entre leite e sangue. O mesmo é o
caso com a natureza dos seres, a qual contém todas as impurezas.”
O Buda disse a Kashyapa: “Se uma pessoa não sabe que os Três Tesou-
ros sempre existem, em conseqüência a sua boca será secada e quei-
mará. Em razão disto, a boca humana toma o caminho errado e aquela
pessoa torna-se inapta a distinguir os seis sabores que são o doce, a-
margo, pungente, ácido, salgado e suave. Todos os seres são ignoran-
tes, não possuem intelecto e não sabem que existem os Três Tesouros.
Portanto, dizemos: ‘Lábios e boca secaram e queimaram’. Também,
além disso, oh bom homem! Qualquer pessoa que não saiba que o
Tathagata é eterno, tal pessoa é congenitamente cega. Qualquer pes-
soa que saiba que o Tathagata é eterno, embora dotado com olhos
carnais, é alguém que possui os Olhos Celestiais. Também, além disso,
oh bom homem! Qualquer pessoa que saiba que o Tathagata é eterno,
de há muito estudou sutras deste tipo. Eu também digo que essa pes-
soa pertence à classe das pessoas possuidoras dos Olhos Celestiais. Se
uma pessoa não sabe que o Tathagata é eterno, essa pessoa cai na
classe daqueles que possuem meramente os olhos carnais. Esse tipo de
pessoa não conhece as suas próprias mãos e membros, e nem a forma
Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa dá à luz uma crian-
ça. Após seis meses, ela fala, mas as palavras que ela fala não podem
ser compreendidas. Os pais ensinam-lhe as palavras, primeiro repetin-
do o mesmo som. Passo a passo, as coisas evoluem. É assim. É o caso
que as palavras dos pais possam ser incorretas?”
“Não Honrado pelo Mundo! Por que não? Porque a fala do Tathagata
é como o rugido de um leão. Seguindo os sons do mundo, ele fala so-
bre o Dharma para o benefício dos seres.”
Então o Honrado pelo Mundo disse a Cunda: “As coisas que você vê
não são raras?”
O Buda disse a Cunda: “Todos os Budas que você viu diante de você
eram Budas da minha própria transformação [isto é, projeções]. Era
para beneficiar todos os seres e torná-los felizes. Todos esses Bodhi-
sattvas Mahasattvas aqui têm inumeráveis coisas a praticar (fazer).
Todos eles fazem o que os inumeráveis Budas fazem. Oh Cunda! Agora
você realizou (abarcou) o que os Bodhisattvas fazem e está completo
(perfeito) naquilo que o Bodhisattva dos dez ‘bhumis’ (estágios) faz.”
“Oh bom homem! O que estabeleci tem e não tem mais (significado
ou conteúdo) do que estabeleci.”
O Buda disse a Cunda: “Caso algum Monge, Monja, Leigo ou Leiga fale
mal do Dharma Maravilhoso, e cometa graves ofensas, não se arre-
penda, e em sua mente não pense que ele foi mau, essa pessoa inevi-
tavelmente será alguém que estará trilhando o caminho de um icchan-
tika. Qualquer pessoa que tenha cometido pecados graves tais como as
quatro graves ofensas e os cinco pecados mortais, e que, sabendo que
ela transgrediu, nunca tema ou se arrependa e não confesse, que não
está intencionada em proteger, sentir amor e edificar o Dharma Mara-
vilhoso do Buda, mas fale mal dele, menospreze-o e aponte para coisas
[supostamente] erradas, é uma pessoa que está trilhando o caminho
de um icchantika. Também, uma pessoa que diz que não existem coisas
como os Três Tesouros é uma pessoa que está trilhando o caminho de
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 308
um icchantika. Exceto para esses, você deve realmente dar (doar). E
isso é louvável.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Não indague tais coisas. Por exemplo,
existe um homem aqui que comeu uma manga. Mais tarde, ele pega o
caroço e pensa: ‘Pode haver algo de doce neste caroço’. Então ele o
pega, quebra-o e mastiga-o. O sabor é extremamente amargo e ele
lamenta [sua ação]. Pensando que ele pode perder a semente, ele
volta atrás e planta-o. Ele nutre-o cuidadosamente às vezes com man-
teiga, óleo e leite. O que isto significa? Você pensa que a planta nasce-
rá?”
Cunda ainda disse: “Por que é que o Tathagata pronunciou esses versos
(gatha)?”
“O que o Buda diz neste gatha tem mais significado. Por favor, condes-
cenda em dizer-nos os detalhes. Por quê? Oh Honrado pelo Mundo!
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 312
Nos 3.000 grandes sistemas de mil mundos, existe um país chamado
Godaniya (um dos quatro continentes, a oeste, que se diz cercar o
Monte Sumeru). Naquela terra existe um rio que é reto. Esse rio é
chamado ‘Shabaya’. Ele é como uma linha reta e corre para o mar no
oeste. O Buda ainda não falou disto em outros sutras. Por favor, oh
Tathagata, condescenda em expor no âmbito dos agama-sutras Vaipul-
ya aquilo que foi deixado de lado nas explanações, para permitir aos
Bodhisattvas terem uma profunda fé e compreensão. Oh Honrado pelo
Mundo! Por exemplo, existe um homem aqui que pode saber primeiro
sobre um lingote de ouro, mas não do ouro. O mesmo ocorre com o
Tathagata. Ele conhece todas as leis (dharmas) e, todavia, ainda há
partes deixadas de lado em sua fala [isto é, ele não disse tudo que sa-
be]. O Tathagata nos concede esses sermões e, todavia, ainda pode-
mos não compreender bem qual o significado intencionado. Todas as
florestas seguramente têm árvores e há também outras coisas [nelas].
Por quê? Diversas coisas como ouro, prata e berílio estão lá; veios de
gemas são também chamados árvores. Dizemos que todas as mulheres
são lisonjeiras; no entanto, elas são mais do que isso. Por quê? Por que
existem mulheres que observam (e mantém) os preceitos e são perfei-
tas nas virtudes, tendo um grande e compassivo coração. Toda a liber-
dade é certamente paz (boa-aventurança), mas existe ainda algo mais.
Por quê? Alguém que tenha liberdade é um Chakravartin. O Dharmara-
ja [Rei-do-Dharma] Tathagata não pertence ao Yama [o governador dos
infernos]. Ele não pode morrer. Bhrama e Shakra são sem impedimen-
tos [sem restrições] e, mesmo assim, eles são não-eternos. O que é
eterno e imutável é chamado sem impedimentos. Isto é o Sutra Maha-
yana do Grande Nirvana.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Você agora fala bem. Pare e ouça-me
por um momento. Oh Manjushri! Como um exemplo: um homem rico
adoece e sofre. Um bom médico vê [isso] e prepara algum remédio. O
homem doente é guloso e toma muito. O doutor diz: ‘Se o seu corpo
pode sustentar-se, você deve realmente tomar tanto quanto lhe a-
prouver. Mas o seu corpo está fraco agora. Não tome muito. Saiba bem
que isto é amrta [ambrósia, néctar], mas ao mesmo tempo um veneno.
Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 313
Se tomado em excesso e não digerido, torna-se venenoso’. Oh bom
homem! O mesmo é o caso com o Tathagata. Tudo foi feito para o rei,
a rainha, o príncipe herdeiro, o príncipe e o ministro. O príncipe e a
rainha do Rei Prasenajit eram arrogantes. Para ensiná-los, o medo era
apropriado. Especialmente para (pessoas como) o médico um gatha
(versos) como este é proferido:
Eu, o Buda, disse ao grande rei: ‘Agora você matou o seu pai. O pecado
mortal já foi cometido. É o maior dos pecados, cuja consequência é a
vida no Inferno Avichi. Confesse e purifique-se. Por que você olha para
O Tathagata falou este gatha, o qual não está completo. Por que não?
O Arhat, o Chakravartin, mulheres bonitas, elefantes, cavalos, tesourei-
ros e ministros não podem ser feridos por devas e asuras com espadas
afiadas em suas mãos. Soldados valentes, mulheres corajosas, os reis
dos cavalos, os reis das bestas e Monges que observam os preceitos
não sentem medo, mesmo quando atacados. Por esta razão, podemos
dizer que o gatha do Tathagata também contém elementos não expli-
cados. Você pode dizer: ‘Coloque-se dentro da parábola’. Mas isto con-
tém mais do que está dito. Por quê? Se um Arhat é feito objeto da pa-
rábola, não pode haver pensamento do eu e vida. Se existe o pensa-
mento do eu e vida, necessitamos de proteção. Os mortais comuns
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 316
também pensarão que o Arhat é uma pessoa que pratica a Via. Essa é
uma visão pervertida. Se mantivermos uma visão pervertida, após a
nossa morte, cairemos no Inferno Avichi. E pensar que um Arhat tem
um pensamento de ferir um mortal comum não é possível. E nenhum
dos inumeráveis seres, qualquer que seja, pode ferir um Arhat.”
[E assim] ele o fez como qualquer criança ou alguém que está doente.
Então, o Tathagata, tendo falado assim, deitou-se sobre seu lado direi-
to, como qualquer criança doente na cama, tudo para disseminar o
Dharma para todos os seres.
Oh Honrado pelo Mundo! Você não tem doenças. Por que você se
reclina sobre o lado da sua mão direita? Todos os Bodhisattvas dão
remédios aos pacientes e quaisquer méritos que surjam da doação são
todos oferecidos a todos os seres e transferidos para a Grande Sabedo-
ria. Isto é para remover os obstáculos das impurezas, os obstáculos do
carma, e aqueles das retribuições cármicas. Os obstáculos das impure-
zas são a avareza, o ódio, a ignorância e a ira diante do que é desagra-
dável, a ilusão que obscurece o pensamento, dificultando dessa manei-
ra o bem de produzir seus brotos; [os obstáculos também são] a preo-
cupação ardente, inveja, mesquinhez, mentira, lisonja, não sentir ver-
gonha de si mesmo, não sentir vergonha dos outros, orgulho, orgulho-
desmedido, orgulho simulado (fingido), orgulho da auto-estima, orgu-
lho de si, orgulho distorcido, arrogância, indolência, presunção (auto-
importância), ressentimento mútuo, arguição (disputa, contenda), vida
errada, lisonjear, enganar usando diferentes aparências, perseguir o
lucro pelo lucro, buscar coisas através das vias erradas, buscar a fortu-
na, faltar com respeito, não observar as injunções, e associar-se com
maus amigos.
Esses três obstáculos (das impurezas, das ações (carma) e das retribui-
ções) são as maldades. Todavia, o Bodhisattva, quando praticando a
Via através de inumeráveis kalpas, dispôs remédios para todas as do-
enças e sempre fez votos de libertar os seres eternamente das doenças
graves dos três obstáculos.
Também, além disso, oh Honrado pelo Mundo! Existe uma pessoa que
está doente na cama e cujo físico está alquebrado; ela fica com o seu
rosto para baixo ou de lado, ou sobre a cama. Então, as pessoas negati-
vamente pensam que a morte não está longe. O mesmo é o caso com
o Tathagata. Os 95 (tipos de) tirthikas observam e acalentam o pensa-
mento do não-eterno. Eles certamente dirão: ‘As coisas [no Budismo]
não são como com a nossa própria doutrina, na qual nos baseamos no
eu, natureza, homem, tranqüilidade, tempo, mote [‘prakrti’ – matéria
primordial], e pensamos que essas (coisas) são eternas e não sofrem
mudança. O Shramana Gautama está agora sujeito a mudança. Isto
meramente revela a lei da mudança’. Por esta razão, oh Honrado pelo
Mundo, você não deveria silenciar e reclinar sobre o lado da sua mão
direita.
Além do mais, há oito tipos de infernos do frio, que são: Apapa, Atata,
Arbuda, Ababa, Utpala, Kumuda, e Pundarika. Os seres nascidos lá são
sempre oprimidos pelo frio. O que acontece lá é a contração e tração
(esticamento) do corpo, despedaçamento e quebra, ferimentos mú-
tuos, todos os quais, encontrando essa luz, acabam; surgindo então a
harmonia e o calor que confortam e satisfazem o corpo. Esta luz, tam-
bém, proclama o Repositório Secreto do Tathagata, dizendo: ‘Todos os
seres possuem a Natureza-de-Buda’. Os seres ouvem isto, sua vida
termina e eles nascem nos mundos dos humanos e seres celestiais.
Quando isto acontece, aqui no Jambudvipa e em todos os outros mun-
dos, os infernos tornam-se vazios e nenhum de nós verá (seres) sendo
punidos, exceto os icchantika.
Os seres nascidos no reino dos animais ferem e devoram uns aos ou-
tros. Encontrando essa luz, todo o ódio se afasta. A luz também pro-
clama o Repositório Secreto do Tathagata e diz: ‘Todos os seres possu-
em a Natureza-de-Buda’. Os seres ouvem isto, suas vidas terminam e
eles nascem nos mundos dos humanos e seres celestiais. Então não há
mais (seres) no reino dos animais, exceto para aqueles que caluniam o
Dharma Maravilhoso.
Em cada flor, senta-se um Buda. Seu halo tem seis pés de diâmetro e
uma luz dourada brilha resplandecente. É maravilhoso e austero. É
insuperável e incomparável. As 32 marcas distintivas da perfeição e as
80 características menores de excelência adornam o corpo [de cada
Buda]. Entre aqueles Honrados pelo Mundo, alguns estão sentados,
alguns caminhando, alguns deitados, alguns de pé e alguns estão emi-
tindo o som do trovão; alguns estão fazendo precipitar uma chuva
torrencial, alguns estão lampejando relâmpagos, alguns soprando um
grande vento e outros estão expelindo fumaça e chamas. Seus corpos
parecem uma bola de fogo. Alguns mostram montanhas, lagoas, lagos,
rios, florestas e árvores, todas de gemas (preciosas). Também, eles
mostram terras, cidades (no entorno) de castelos, vilas, palácios e ca-
sas, todas de gemas (preciosas). Ou eles mostram elefantes, cavalos,
leões, tigres, lobos, pavões, fênix chinesas e todos esses pássaros. Ou a
todas as pessoas do Jambudvipa é permitido ver os reinos do inferno,
da animalidade e dos espíritos famintos. Ou os seis céus do mundo do
desejo são mostrados. Ou pode haver um Honrado pelo Mundo que
fale sobre todas as maldades e aflições de todas as coisas que perten-
cem aos cinco skandhas (agregados), aos 18 reinos e às 12 esferas. Ou
Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 333
o Dharma das Quatro Nobres Verdades é exposto, ou algum [Buda]
pode falar sobre relações causais. Algum outro pode falar sobre o Eu e
o não-Eu, ou algum pode estar falando sobre o par [de opostos], sofri-
mento e felicidade; ou algum pode estar falando sobre o Eterno e o
não-Eterno. Ou algum outro pode estar falando sobre o Puro e o não-
Puro. Ou poderá haver um Honrado pelo Mundo que fale para o bene-
fício dos Bodhisattvas sobre as virtudes que todos os Bodhisattvas ad-
quirem. Ou algum outro poderá estar falando sobre as virtudes dos
Sravakas. Ou outro poderá estar falando sobre o ensinamento do Veí-
culo Único [‘ekayana’ – o ensinamento no qual todos os seres igual-
mente atingem a mesma Iluminação]. Ou algum outro pode ser um
Honrado pelo Mundo que jorra água pelo lado da mão direita do seu
corpo e fogo pelo lado da sua mão esquerda. Ou um outro pode mos-
trar [seu] nascimento, renúncia, (seu) sentar no Bodhimanda [lugar da
Iluminação] sob a árvore Bodhi, seu maravilhoso Girar da Roda (da Lei)
[isto é, o ensino do Dharma do Buda], e sua entrada no Nirvana. Ou
pode haver um Honrado pelo Mundo que emita o rugido do leão, per-
mitindo a qualquer um que o ouça atingir os estágios desde o primeiro,
segundo, terceiro até o quarto [isto é, o ‘arya-marga’ (nobres cami-
nhos) do srotapanna (um monge que nascerá apenas entre duas e sete
vezes antes de ganhar a libertação), sakridagamin (renasce apenas
mais uma vez após a morte), anagamin (não mais retorna a este mun-
do), e arhat (um santo)]. Ou pode haver um outro que fale sobre as
inumeráveis relações causais [por meio] das quais podemos escapar do
ciclo do nascimento e da morte. Naquela ocasião, neste Jambudvipa,
todos os seres encontraram essa luz; o cego viu as cores, o surdo tor-
nou-se apto a ouvir, o mudo falou, o aleijado andou, o ganancioso ob-
teve a fortuna, o avarento deu, o irado sentiu compaixão e o descrente
acreditou.
Quando esses versos foram ditos, todo os Budas sentados nas flores de
lótus moveram-se desde o Jambudvipa até o Céu Suddhavasa [o mais
elevado dos céus do quarto céu dhyana do ‘rapadhatu’], e todos ouvi-
ram isto.
Oh Kashyapa! Existe uma pessoa que está doente (e que não é dos três
tipos acima). Se for feito o atendimento dela, se há uma atitude em
conformidade e remédios, a doença pode ser curada. Se não há essas
três coisas, não existe maneira de curar [a doença]. O mesmo é o caso
com Sravakas e Pratyekabudas. Eles ouvem o que o Buda e os Bodhi-
sattvas dizem, e eles realmente aspiram à Iluminação Insuperável. Não
é que eles não ouçam o ensinamento (ou seja, não sejam atendidos) e
aspiram à Iluminação. Oh Kashyapa! As pessoas doentes (comuns e
não dos três tipos) são aquelas com relação às quais pode haver aten-
dimento, uma atitude em conformidade e remédios – ou pode não
haver essas coisas. Todas são curadas. Esse é o caso de alguém do tipo
comum. Uma pessoa pode cruzar com um Sravaka ou não; uma pessoa
pode cruzar com um Pratyekabuda ou não; uma pessoa pode cruzar
com um Bodhisattva ou não; uma pessoa pode cruzar com um Tatha-
gata ou não; uma pessoa pode ter a oportunidade de ouvir o ensina-
mento ou não. Uma pessoa pode atingir naturalmente a Iluminação
Insuperável. Alguns, para o seu próprio benefício, ou para o benefício
dos outros, sem medo, ou por lucro, ou pela lisonja, ou para enganar os
outros, ostentarão ou recitarão, farão oferecimentos, respeitarão ou
concederão sermões aos outros sobre o Sutra do Grande Nirvana.
O terceiro tipo de pessoa é aquela que corta os cinco grilhões das ilu-
sões [‘pancavarabhagiyasamyojanani’] que a prendem ao kamadhatu
[mundo do desejo] e atinge a luz do Anagamin. Essa pessoa nunca mais
renascerá aqui neste mundo, cortará eternamente as amarras de todos
os sofrimentos e atingirá o Nirvana. Este é o terceiro caso daquele que,
tendo uma doença, ganha um lugar para nascer nele. Essa pessoa, após
40.000 kalpas, atingirá a Iluminação Insuperável.