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Francine Oliveira
Universidade do Minho
Resumo
Este trabalho tem como objectivo apresentar uma análise do ensaio “O Narrador” do
filósofo alemão Walter Benjamin. O autor fez parte da Escola de Frankfurt e é considerado
por alguns estudiosos como um filósofo da melancolia. Em “O Narrador”, Benjamin
discute uma série de formas bastante díspares de narrativa, entre elas a historiografia
clássica (Heródoto), a epopeia grega, a crónica medieval, o romance de cavalaria e o conto
popular (Märchen) e a “desorientação” moral das formas especificamente modernas, cultas
e urbanas de narrativa (romance moderno, short-story, jornal). A contraposição entre o
moderno e o tradicional revela como a teoria benjaminiana da narrativa depende de uma
teoria da modernidade, na qual a cultura moderna é concebida através do desaparecimento
da figura do narrador tradicional. O tema da narrativa tornou-se central em muitas
discussões das ciências sociais e da filosofia no mundo contemporâneo. Esse ensaio de
Walter Benjamin é certamente um precursor das formulações actuais, tendo por isso, se
tornado um clássico em vários campos do conhecimento (filosofia, teoria da literatura,
teoria da comunicação, historiografia, etc.). Muitas foram as tentativas de instrumentalizar
os conceitos defendidos por Benjamin. Tentativas estas surgidas com intuito de justificar
uma visão folclórica ou neo-tradicionalista da literatura oral. Porém, esqueceram-se que,
para Walter Benjamin, a narrativa tradicional está irremediavelmente perdida e o autor não
propõe nenhuma forma de retorno à tradição. Sendo assim, qual a relação, na obra "O
Narrador", entre a “experiência” e a “narrativa”?
Nesse ensaio, Benjamin discute uma série de formas bastante díspares de narrativa,
entre elas a historiografia clássica (Heródoto), a epopeia grega, a crónica medieval, o
romance de cavalaria e o conto popular (Märchen). A hipótese central do texto consiste na
busca de um substrato comum a todas formas de narrativa percebidas por esse filósofo, a
saber, seu aspecto colectivo, oral e pedagógico, por oposição ao individualismo e a
“desorientação” moral das formas especificamente modernas, cultas e urbanas de narrativa
É cada vez mais raro encontrar pessoas que saibam narrar qualquer coisa com correcção
(Benjamin, 1992: 28).
Para Benjamin, com o passar do tempo e com a chegada dos tempos modernos, foi-
se deixando de existir a ‘capacidade’ de contar história. Faculdade esta que para Walter
Benjamin parecia ser inalienável. E talvez seja essa constatação que acarreta a sua
‘decepção’ e a sua ‘melancolia’ (ou pelo menos parte delas).
Para Walter Benjamin as melhores narrativas escritas eram aquelas que mais se
aproximavam das histórias orais contadas por inúmeros narradores anónimos. Benjamin
percebe em Lesskov características próximas ou similares àquelas existentes nos
narradores arcaicos. Lesskov utiliza o ‘Justo’ como a principal figura das suas narrativas.
Walter Benjamin cita Paul Valery: (...) já lá vai o tempo em que o tempo não
contava. O homem de hoje já não se dedica a coisas que não possa abreviar (1992: 38).
Benjamin faz, também, uma distinção entre o historiador que ‘escreve histórias’ e o
cronista que ‘narra histórias’.
Acção interna do romance não é outra coisa senão a luta contra o poder do tempo (1983: 67).
Benjamin tem uma posição particular em relação ao conto de fadas que aparece
como o primeiro conselheiro das crianças, assim também como da humanidade, e
permanece vivo na narrativa. As aflições e conflitos podem ser resolvidos a partir do conto
de fadas que oferece uma ajuda/auxílio através do conselho. Lesskov quase se rende ao
mítico quando vai falar do ‘Justo’, colocando em perigo a pureza do conto de fadas. Para
Benjamin, Lesskov demonstra uma visão aproximada do mundo místico e revela traços de
um narrador nato.
O autor diz ainda que o ‘Narrador’ tem como sua matéria a vida humana e
estabelece com ela uma relação artesanal. Esse ‘Narrador’ sabe, por isso, dar conselhos (no
sentido de conselho verdadeiro - Rat) como um sábio, podendo basear-se na experiência
(Erfahrung) de toda uma vida, de uma vida de todos.
Jeanne Marie Gagnebin considera que Benjamin deposita um certo tom nostálgico
em sua obra quando se refere a questões que remetem a memória e passado, mas segundo
Gagnebin, seria uma postura muito aceitável quando se trata de teóricos do
“desencantamento do mundo”. Porém, Benjamin não se retém a esse posicionamento e vai
muito além de uma mera crise melancólica. Benjamin denuncia a perda da nossa
capacidade de ‘contar’ e de ‘compartilhar experiências’, surgindo assim, o fim da arte da
narrativa tradicional, que dependia dessa habilidade.
Mas Benjamin não se restringe a essa denúncia. Por trás de toda essa preocupação o
autor percebe que o problema da ‘narração’ está directamente vinculado aos das mudanças
e paradoxos da sociedade moderna. Essa seria, pois, a verdadeira questão, a problemática
central. Portanto, a impossibilidade da narração e a exigência de uma nova história, que
surge com o aparecimento do ‘romance’ são sintomas de uma sociedade que mudou.
Desponta, então, por trás de toda essa temática, o problema que Walter Benjamin percebe e
quer revelar.
26
Fragmento adaptado do texto “Não contar mais?” autoria de Jeanne Marie Gagnebin que se encontra na
obra História e Narrativa em Walter Benjamin. p. 66.
27
Idem.
Referências Bibliográficas