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Fundamentos Historicos Teoricos e Metodologicos Do Servico Social PDF
Fundamentos Historicos Teoricos e Metodologicos Do Servico Social PDF
Fundamentos
■■
Históricos, Teóricos
E Metodológicos
do Serviço Social
Caro(a) aluno(a),
Os textos que compõem a Unidade Didática “Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Ser-
viço Social” abordam o Serviço Social brasileiro após 1964, a formação profissional e algumas manifestações
da sociedade atual.
Com a preocupação de explicitar o Serviço Social na sociedade monopolista, buscou-se observar o critério
da unidade teórica das obras pesquisadas, como foi feito na unidade didática “Fundamentos Históricos do
Serviço Social”.
A unidade didática “Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social” está estruturada em nove aulas.
A aula 1 trata da perspectiva da modernização conservadora do Serviço Social; a aula 2 aborda a perspectiva
da reatualização do conservadorismo do Serviço Social e a perspectiva da intenção de ruptura; a aula 3 analisa
o movimento de reconceituação do Serviço Social na América Latina; a aula 4 discute a questão social e o Ser-
viço Social; a aula 5 tece considerações sobre o neoliberalismo; a aula 6 versa sobre o movimento ambienta-
lista; a aula 7 trata do terceiro setor; a aula 8 aborda a importância de o assistente social conhecer a Sociedade
contemporânea; a aula 9 discute a assistência social e o Serviço Social.
É importante que você, aluno(a), leia todos os textos referentes à unidade que fazem parte do livro e/ou
aqueles que serão postados no Portal.
Você está convidado a adentrar a profundidade das análises, lendo o texto original das obras pesquisadas.
Faça da leitura das obras originais uma preliminar para a leitura de textos clássicos, aqueles que revelam a
questão social: o objeto do Serviço Social. Faça deles um componente da sua formação acadêmica. Busque
muito mais...
■■ Conteúdo
• A implantação de empresas de capital internacional no Brasil
do Serviço Social
• O processo de renovação do Serviço Social
• A perspectiva modernizadora do Serviço Social
• O Seminário de Araxá (MG) e o Seminário de Teresópolis (RJ)
■■ Competências e habilidades
• Compreender os determinantes que levaram às adequações na formação e atuação dos
assistentes sociais brasileiros, no período do regime militar de 1964
• Ler e analisar textos que tratam da renovação do Serviço Social tradicional no Brasil
• Reconhecer os principais pontos da perspectiva da modernização conservadora realizada
no regime militar na formação e atuação na área de Serviço Social
■■ Duração
INTRODUÇÃO
O presente trabalho faz considerações acerca do Para isso, é fundamental que sejam feitas algu-
processo de renovação do Serviço Social brasileiro, mas considerações a respeito da dominação nos
que desembocou nas três perspectivas do Serviço países da América Latina após a Segunda Guerra
Social, discutidas por José Paulo Netto (2006): a mo- Mundial, para que se possa compreender o con-
dernização conservadora, a que faz uma reatualiza- texto no qual o Serviço Social do Brasil se desen-
ção do conservadorismo e a que busca romper com volveu.
as formas tradicionais da profissão. Este texto, mais A obra que referencia este texto é Ditadura e Ser-
especificamente, faz uma abordagem da perspectiva viço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil
da modernização conservadora do Serviço Social. pós-64, de José Paulo Netto.
de articular a ação governamental com os interesses Segundo Netto (2006, p. 154), na erosão da base
dos grandes empresários” (IAMAMOTO, 2004, p. do Serviço Social tradicional, “a reflexão profissio-
77). Foram implantadas medidas de controle nas nal de desenvolveu em três direções”: a perspecti-
va modernizadora, a perspectiva da reatualização
[...] instituições oficiais, semioficiais ou privadas do conservadorismo e a perspectiva da intenção de
encarregadas de conduzir a política de controle ruptura. Foi assim o início da renovação do Serviço
global das finanças, da educação, da pesquisa cien- Social brasileiro.
tífica, da inovação tecnológica, dos meios de comu- O Serviço Social, na perspectiva modernizadora,
nicação em massa, do emprego extranacional das ajustou-se ao projeto econômico do governo mili-
políticas, das forças armadas e mesmo dos gover- tar. Na concepção da reatualização do conservado-
nos. (FERNANDES, 1981, p. 24) rismo, deu um novo formato a ele, e na perspectiva
da intenção de ruptura, pretendia romper com a sua
A título de exemplo, o autor cita os programas herança conservadora.
educacionais, de controle de natalidade, de inova- Netto (2006, pp. 152–153) também detectou três
ções tecnológicas que “[...] são projetados e aplica- momentos no processo de renovação:
dos sem consideração (ou com pouca considera- O primeiro, desencadeado na segunda metade
ção) pelas necessidades e potencialidades concretas dos anos 1960, foi marcado pelos seminários de te-
dos países receptores” (FERNANDES (1981, p. 25). orização do Serviço Social, promovidos pelo Centro
Pode-se concluir que os governos militares fizeram Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços
8
modificações na sociedade brasileira em benefício Sociais (CBCISS).
do “grande capital”. O segundo momento, além do CBCISS, que se
manifestou na década de 1970, incorporou as pro-
9
O PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO SERVIÇO duções teóricas dos cursos de pós-graduação.
SOCIAL O terceiro, que se desencadeou no início dos anos
O processo de renovação do Serviço Social de 1980, agregou aos dois anteriores a Associação
ocorreu na crise do Serviço Social tradicional, Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS)
que levou ao movimento de reconceituação ligada às agências de formação, e entidades ligadas
do Serviço Social latino-americano. A renovação do à categoria, como as associações profissionais, os
Serviço Social brasileiro é discutida no estudo de sindicatos, entre outros.
José Paulo Netto sobre o Serviço Social, depois da É possível dizer que, no Brasil, fatores como a luta
ditadura de 1964. dos subalternos contra a exploração e as manifesta-
No caso da América Latina, o movimento de re- ções pela democracia, ocorridas no período de 1960
conceituação do Serviço Social tradicional é “[...] a 1964, bem como o golpe militar de 1964 e a aber-
parte integrante do processo internacional de erosão
do Serviço Social tradicional [...]” (NETTO, 2006, p.
146).7 Isso quer dizer que o movimento de reconcei- 8
“Fundado em 1946 sob a denominação de Comitê Brasileiro
tuação foi uma resposta local à crise internacional do de Conferência Internacional do Serviço Social, e re-estrutura-
do em 1956 [...]”. Seu prestígio aumentou “[...] quando iniciou
Serviço Social. a publicação de sua revista Debates Sociais, que passou a con-
stituir o principal órgão de difusão de trabalhos na área”. (AM-
MANN, 184, p. 152)
7
Em resposta à crise e aos questionamentos dos movimentos 9
De fato, boa parte da produção divulgada no final dos anos
sociais acerca da sociedade burguesa e do Serviço Social tradi- 1970 já é fruto desses programas de pós-graduação, muito es-
cional, um grupo de assistentes sociais organizou o movimento pecialmente as teses defendidas nas Pontifícias Universidades
de Reconceituação do Serviço Social Latino-americano, que Católicas de São Paulo e do Rio de Janeiro. (NETTO, 2006, p.
ocorreu de 1965 a 1975 (tema do texto da aula 3). 153, nota de rodapé no 86)
tura política na crise da ditadura estão ligados ao extremamente articulada da ‘metodologia do Ser-
processo de renovação do Serviço Social. viço Social’, efetivamente a mais compatível com
a perspectiva modernizadora [...]” (NETTO, 2006,
A PERSPECTIVA MODERNIZADORA DO SERVIÇO p. 180).12
SOCIAL (SEGUNDA METADE DA DÉCADA Ele considera Dantas um profundo teorizador,
DE 1960) pois as suas elaborações teóricas e os cursos e as
Como foi dito, no contexto da ditadura, o Ser- conferências que ele proferiu atestam, “[...] indubi-
viço Social na perspectiva modernizadora ajustou- tavelmente, que ele foi o assistente social que mais
se ao projeto de governo para atender ao “grande apurou as concepções nucleares da modernização
capital”. do Serviço Social no Brasil” (NETTO, 2006, p. 181,
O Serviço Social “modernizou” a sua metodologia nota de rodapé no 140).
e os cursos para formar o profissional “moderno” De concepção funcionalista, Dantas “[...] era for-
para atuar nas instituições burguesas remodeladas temente influenciado pelas teses desenvolvimentis-
do regime militar:10 “[...] exige-se um assistente so- tas e do bem-estar social emanadas de agências in-
cial, ele mesmo, ‘moderno’ – com um desempenho ternacionais” (NETTO, 2006, p. 181, nota de rodapé
cujos traços ‘tradicionais’ são deslocados e substi- no 140).
tuídos por procedimentos ‘racionais’” (NETTO, Em relação à orientação que a teoria funciona-
p.123). Portanto, esse profissional moderno “[...] lista deu ao Serviço Social, Vicente de Paula Falei-
supõe uma formação bem diversa daquela que foi a ros associa a posição neutra do assistente social à
predominante até meados dos anos 1960.” (NETTO, “neutralidade” dos funcionalistas. Portanto, a “[...]
2006, p. 192). posição ideológica dos funcionalistas é a ‘neutrali-
Yasbek (1996) chama a atenção para a dificulda- dade’, que se manifesta no Serviço Social [...]” (FA-
de de se discutir a relação entre o Serviço Social e LEIROS, 1983, p. 22).
a sociedade no regime militar. Daí a ênfase que os O funcionalismo “[...] busca a integração do ho-
seminários de Araxá (1967) e de Teresópolis (1970) mem ao meio e tem como base o equilíbrio das ten-
deram à metodologia do Serviço Social. sões na unificação social de todos os papéis.” (FA-
A perspectiva modernizadora, segundo Netto LEIROS, 1983, p. 22). No referencial funcionalista, o
(2006, p. 164), foi discutida e proposta no Seminá- sistema deve funcionar na mais perfeita ordem, caso
rio de Araxá (1967), contudo, as ideias dessa pers- contrário as disfunções precisam ser corrigidas.
pectiva emergiram do I Seminário Regional Latino- A perspectiva modernizadora “[...] constitui –
Americano de Serviço Social, ocorrido em Porto Ale- sob todos os aspectos – a primeira expressão do
gre, em maio de 1965. processo de renovação do Serviço Social no Brasil”
O principal representante da perspectiva mo- (NETTO, 2006, p. 164).
dernizadora é José Lucena Dantas. Para o autor, A título de esclarecimento, a perspectiva da re-
Dantas11 “[...] ofereceu ao debate uma concepção atualização do conservadorismo e a perspectiva
da intenção de ruptura farão parte do conteúdo
da aula 2.
10
“Sinteticamente, o fato central é que, no curso deste pro-
cesso, mudou o perfil do profissional demandado pelo mer-
cado de trabalho que as condições novas postas pelo quadro
macroscópico da autocracia burguesa faziam emergir: [...].”
(NETTO, p. 123). Serviço Social, conforme Netto (2006, p. 181, nota de rodapé
no 140).
11
José Lucena Dantas desempenhou funções de relevo (1970-
1974) na Secretaria de Serviços Sociais do Governo do Distrito 12
Segundo Netto (2006, p. 181), José Lucena Dantas considera
Federal, de docência, trabalhou no Conselho Interamericano a metodologia de ação como “a parte central da Teoria Geral do
de Bem-Estar Social, dedicando-se também à teorização do Serviço Social”.
AULA
■■ Competências e habilidades
• Compreender a emergência da perspectiva da intenção de ruptura e da perspectiva da rea-
tualização do conservadorismo no Serviço Social
• Associar as manifestações da sociedade que ocorreram na primeira metade da década de
1960 com o Serviço Social
• Compreender o sentido da perspectiva da reatualização do conservadorismo do Serviço
Social
• Reconhecer o “Método BH” como proposta teórico-metodológica
■■ Duração
• 2 h-a – via satélite com professor interativo
• 2 h-a – presenciais com professor local
• 6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
10
11
Tal importância conferida ao movimento não foi dutas desviadas” (Análise histórica... p. 6-7 apud.
suficiente para impedir a demissão dos principais NETTO, 2006, p. 278).
formuladores e gestores do “Método BH”, interrom- Serão destacados alguns aspectos das considera-
pendo de novo o projeto da intenção de ruptura. ções que o autor faz sobre Leila Lima dos Santos e
Efetivamente, a demissão desmantelou o grupo, Vicente de Paula Faleiros.
mas não conseguiu extinguir o movimento.
Embora tenha sido uma experiência isolada, em Leila Lima dos Santos
plena ditadura, o “Método BH” contribuiu para a Primeiramente vale dizer que Leila Lima dos San-
implementação da perspectiva da intenção de rup- tos e Vicente de Paula Faleiros tiveram participação
tura, pois foi ele que estabeleceu “[...] no final da relevante “[...] no momento em que a perspectiva
década, as bases para a retomada da crítica ao tra- da ruptura, consolidada, desborda os circuitos aca-
dicionalismo [...]” (NETTO, 2006, p. 270). dêmicos e rebate no conjunto da categoria profis-
Com este grupo, “[...] a intenção de ruptura se ex- sional” (NETTO, 2006, p. 271).
plicita originalmente em nosso país, assumindo uma Leila Lima dos Santos “[...] exerceu um papel
formulação abrangente que até hoje se revela uma ar- central no experimento de Belo Horizonte [...]”.
quitetura ímpar” (NETTO, 2006, p. 261). Como foi mencionado, o “Método BH”, formulado
Como bem diz Netto (2006, p. 270), na década durante o regime militar, teve singular importância
de 1970 não havia condições institucionais para para a perspectiva da intenção de ruptura e para o
implementar o projeto da intenção de ruptura. Na Serviço Social brasileiro.
verdade, segundo Netto (2006, p. 258), a perspecti- Demitida da escola de Belo Horizonte, Leila Lima
va da intenção de ruptura só pôde expressar-se na dos Santos atuou no Centro Latinoamericano de
crise da autocracia burguesa. Trabajo Social (CELATS)5 até a metade da década de
1980. Lá, ela fez reflexões críticas acerca da proposta
Alguns registros sobre o “Método BH” de Belo Horizonte, destacando entre outros pontos
Para Netto (2006, pp. 276–277 ) o “Método BH” “[...] a compreensão do papel da categoria profis-
constituiu um marco para o Serviço Social, uma al- sional como espaço para a redefinição do Serviço
ternativa global ao Serviço Social tradicional. Pois Social” (NETTO, 2006, p. 272).
o grupo que elaborou o “Método BH” não se ateve
em fazer apenas uma crítica ao Serviço Social tra- Vicente de Paula Faleiros
dicional, suas formulações dirigidas às concepções Vicente de Paula Faleiros destacou-se, também,
e às práticas do Serviço Social deram “[...] suportes pela preocupação em buscar referenciais críticos
acadêmicos para a formação dos quadros técnicos para a prática cotidiana dos assistentes sociais. Para
e para a intervenção do Serviço Social”. tanto, Vicente Faleiros “[...] procura fundar o pro-
Dentre as críticas ao tradicionalismo do Serviço jeto de ruptura no domínio do fazer profissional a
Social, o documento (1974) do “Método BH” re- partir de uma análise das conexões entre dinâmica
gistrou a neutralidade do Serviço Social (no fundo social e dinâmica institucional e das correlações de
expressa um certo comprometimento da profissão força [...]” (NETTO, 2006, p. 273).
com os interesses conservadores); a departamen-
talização da realidade, e a fragmentação dos fenô-
5
O CELATS foi criado pela Asociación Latinoamericana de Es-
menos sociais, que separa realidade social e grupos
cuelas de Trabajo Social (ALAETS), como seu organismo aca-
sociais, sociedade e homens, sujeito e objeto. dêmico. Fundada no Panamá, em 1965, a ALAETS e o CELATS
O documento reafirmou que o Serviço Social exercem influência no trabalho social dos países do continente.
(Seno A. Cornely. Disponível em: http://www.pucrs.br/textos/
tradicional está voltado para “[...] eliminar as dis- anteriores/ano1/memorias02.pdf. Acessado em 1o de dezembro
funções, os problemas de desadaptação, as con- de 2006).
12
Ele é autor de uma bibliografia considerável so- Segundo Netto (2006, p. 264), até o início da década
bre o Serviço Social. Dentre outros trabalhos, publi- de 1980, as pesquisas na perspectiva da intenção de
cou Trabajo Social: Ideologia y Método, no seu exílio ruptura ainda não se pautavam nas fontes originais
(ditadura militar) em Buenos Aires, Argentina, em do marxismo, apesar do seu rigor intelectual.
1970. Este livro trouxe contribuições para a perspec- Por isso, as pesquisas realizadas com base nas
tiva da intenção de ruptura e para o Serviço Social fontes teórico-metodológicas originais do marxis-
brasileiro, mas circulou no Brasil, discretamente, mo clássico representavam um avanço. “Tipificam
durante o regime militar. esse momento os trabalhos de Iamamoto (1982) e
Carvalho (1986)” (NETTO, 2006, p. 269, nota de
O momento da consolidação acadêmica rodapé no 322).
da intenção de ruptura (final dos anos Vale registrar que a crítica às principais propostas
1970 e início dos anos 1980) de renovação profissional foi influenciada por Mi-
No final da década de 1970 e primeiro terço da riam Limoeiro Cardoso. “O [...] seu saldo positivo
década de 1980, as universidades apresentavam al- [...] foi recolocar no centro do debate profissional o
guns trabalhos de conclusão de pós-graduação6 e de projeto da ruptura [...]” (NETTO, 2006, p. 265).
ensaios sobre a intenção de ruptura. Despontavam As universidades tiveram um papel especial na
as faculdades7 do Rio de Janeiro, de São Paulo e de construção do arcabouço teórico e metodológico
Campina Grande, conforme Netto (2006, p. 264).8 da perspectiva da intenção de ruptura, pois, ali, o
Os três primeiros anos da década de 1980 trans- controle do regime era menos rígido, se comparado
correram de forma diferente: ao que era exercido em outras instituições.
Ao contrário do momento de emersão da pers-
pectiva da intenção de ruptura – claramente loca- Marilda Villela Iamamoto
lizada em Belo Horizonte e com suas formulações De acordo com Netto (2006, p. 299), Marilda Vil-
claramente reduzidas às da escola mineira – o que lela Iamamoto “[...] visualiza na sua evolução, duas
então se passa pluraliza os núcleos de aglutinação vertentes profissionais – a modernizadora e a que
dos pesquisadores e tem um efeito óbvio, na me- pretende uma ruptura com a herança conservadora
dida em que os protagonistas vinham de diferentes do Serviço Social”. Com relação ao significado que a
regiões do país e a elas frequentemente retornavam. autora deu à primeira, confira na transcrição abaixo:
(NETTO, 2006, p. 264, nota de rodapé no 312)
Nesse momento, as elaborações teóricas benefi- [...] o que a vertente modernizadora do Serviço So-
ciaram-se da produção teórica anterior, da crise na cial no Brasil faz, no pós-64, é atualizar a herança
ditadura e do movimento de abertura da sociedade. conservadora da profissão, de forma a adequá-la ‘às
novas estratégias de controle e repressão da classe
trabalhadora, efetivadas pelo Estado e pelo gran-
6
“No Brasil, a pós-graduação é oficialmente implantada em
de capital, para atender às exigências da política
1972, pelas Pontifícias Universidades Católicas do Rio de Ja-
neiro e de São Paulo.” (AMMANN, 1984, p. 157). de desenvolvimento com segurança’. (Iamamoto,
1982:213 apud NETTO, 2006, p. 299)
7
As universidades que ofereciam pós-graduação na década de
1970 são a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e
a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1972), a Pon- Assim, Marilda Villela Iamamoto mostra os
tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e a Universi-
vínculos do Serviço Social com o Estado e com
dade Federal do Rio de Janeiro (1976 e 1977), dentre outras.
o grande capital, na vertente modernizadora. O
8
Desde 1966, a Universidade Federal do Rio de Janeiro oferecia autor destaca que Marilda Villela Iamamoto “[...]
cursos de aperfeiçoamento e especialização, cujos alunos proce-
diam em grande parte dos quadros docentes das universidades participou em alguma medida da experiência da
brasileiras (AMMANN, 1984, p. 157). escola de Belo Horizonte: ali ela iniciou a sua car-
13
reira docente, depois transitoriamente interrompi- Conforme Netto (2006, p. 267, nota de rodapé, no
da pela repressão militar-fascista” (NETTO, 2006, 318), as escolas de Serviço Social implantaram seu
p. 275, nota no 345). currículo mínimo utilizando referências dessa pers-
A produção teórica de Marilda Villela Iamamo- pectiva; a ABESS, que depois de 1982 empenhou-se
to influencia os assistentes sociais e “[...] configura numa formação crítica ao tradicionalismo; e outras
a primeira incorporação bem-sucedida, no debate entidades.
brasileiro, da fonte clássica da tradição marxiana Merece registro o lançamento da Revista Servi-
para a compreensão profissional do Serviço Social” ço Social e Sociedade, editada pela Cortez, em 1979,
(NETTO, 2006, p. 276). “uma das mais importantes revistas profissionais do
Antes do trabalho dessa autora, as pesquisas não continente”, que publicou grande parte dos textos
eram feitas com base em fontes originais, mas em na perspectiva da intenção de ruptura.
autores que tratavam do marxismo. Ainda confor- O avanço dessa perspectiva é visível nas contri-
me Netto (2006, p. 276), a teoria de Marilda Villela buições teóricas que desvelaram e desvelam o Ser-
Iamamoto foi essencial para a consolidação da pro- viço Social brasileiro e latino-americano, pautadas
posta brasileira da intenção de ruptura. em fontes originais. São produções teóricas que
Cabe registrar o seguinte fato citado por José vão das origens da profissão até o Serviço Social na
Paulo Netto na obra da autora Renovação e con- sua contemporaneidade, sem contar, ainda, outros
servadorismo no serviço social: ensaios críticos: a eventos que a ela se reportam.
professora Marilda Villela Iamamoto participou Convém registrar o “[...] flagrante hiato entre a
do movimento estudantil nos anos 1960 e expe- intenção de romper com o passado conservador do
rimentou na década de 1970 “[...] a tortura nos Serviço Social e os indicativos práticos profissionais
porões da ditadura, a prisão e o ostracismo” (IA- para consumá-la” (NETTO, 2006, p. 161). Mas, Net-
MAMOTO, 2004, p. 10). Marilda Villela Iamamo- to (2006, p. 161) reafirma o acúmulo teórico dessa
to, Raul de Carvalho, José Paulo Netto, Manuel perspectiva que ajuda a pensar a profissão, além de
Manrique de Castro, Vicente de Paula Faleiros, qualificar o debate acadêmico.
Leila Lima dos Santos e outros autores, com base
em fontes originais, discutira o Serviço Social na CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SEMINÁRIO
perspectiva da intenção de ruptura. DE SUMARÉ (1978) E DO SEMINÁRIO DO ALTO
DA BOA VISTA (1984)
O momento do espalhamento da intenção Como foi dito, no marco do Seminário de Su-
de ruptura no âmbito da categoria profissional maré (1978) e do Seminário do Alto da Boa Vista
(de 1982 a 1983) (1984) “[...] se explicitou a segunda direção do pro-
No período de 1982 e 1983, o debate do Serviço cesso renovador [...]”, a perspectiva da reatualização
Social na perspectiva da intenção de ruptura esten- do conservadorismo (NETTO, 2006, p. 201).
deu-se para o conjunto dos profissionais. Confira Mais especificamente, a perspectiva da reatuali-
na transcrição abaixo: zação do conservadorismo e a perspectiva da inten-
ção de ruptura foram discutidas no Seminário de
O fato é que a incidência do projeto da ruptura, a Sumaré (1978), promovido pelo CBCISS.
partir do segundo terço da década de 1980, penetra O III Seminário de Teorização do Serviço Social
e informa os debates da categoria profissional, dá o foi realizado no Centro de Estudos de Sumaré, da
tom da sua produção intelectual, rebate na forma- Arquidiocese do Rio de Janeiro, de 20 a 24 de no-
ção de quadros operada nas agências acadêmicas de vembro de 1978, tendo por tema: o Serviço Social e
ponta e atinge as organizações representativas dos a cientificidade; o Serviço Social e a fenomenologia;
assistentes sociais. (NETTO, 2006, p. 267) bem como o Serviço Social e a Dialética.
14
O Seminário do Alto da Boa Vista (1984), como e/ou das classes exploradas e subalternas, do início
observa Netto (2006, p. 194), foi realizado no Colé- dos anos 1960.
gio Coração de Jesus, no Rio de Janeiro. Os assistentes sociais, portanto, que fizeram a op-
Comparando os dois primeiros seminários com ção política de trabalhar em favor dos explorados
os dois últimos, Netto (2006, p. 197) chama a aten- e subalternos, conceberam as primeiras ideias da
ção para os seminários de Araxá (1967) e de Teresó- perspectiva da intenção de ruptura. Mas esse pro-
polis (1970), que possibilitavam o diálogo. cesso foi interrompido com o golpe de 1964.
É importante, ainda, verificar que conforme Essa perspectiva emergiu de 1972 a 1975, com a
a ditadura ia entrando em crise, a perspectiva da experiência do grupo da Escola de Serviço Social da
modernização conservadora, regida pelo funciona- Universidade Católica de Minas Gerais, que desen-
lismo, perdia a sua hegemonia, tanto é que o Semi- volveu o “Método BH”, durante a ditadura. O “Mé-
nário de Sumaré abriu o debate para duas teorias todo BH” é um trabalho de crítica teórico-prática
do conhecimento, a fenomenologia e o marxismo. ao tradicionalismo.
A consolidação acadêmica da intenção de rup-
■■ Concluindo tura se deu no final da década de 1970 e primeiro
A crise da ditadura, depois de meados dos anos terço da década de 1980, quando as universidades
1970, contribuiu para que a perspectiva moderniza- apresentavam alguns trabalhos de conclusão de pós-
dora perdesse a sua hegemonia. graduação e de ensaios sobre a intenção de ruptura.
Tanto o seu reformismo não foi incorporado pe- Despontavam as faculdades do Rio, de São Paulo e
los assistentes sociais mais tradicionais, como o seu de Campina Grande.
conservadorismo atrelado à ditadura não atendeu Nesse momento, as elaborações teóricas benefi-
aos segmentos profissionais críticos. ciaram-se da produção teórica anterior, da crise na
Isso resultou na formação de outras duas dire- ditadura e do movimento de abertura da sociedade.
ções do processo de renovação do Serviço Social: a Até o início da década de 1980, as pesquisas na pers-
perspectiva da reatualização do conservadorismo e pectiva da intenção de ruptura ainda não se pau-
a perspectiva da intenção da ruptura, discutidas no tavam nas fontes originais do marxismo, apesar do
Seminário de Sumaré (1978). seu rigor intelectual.
A principal representante da perspectiva da rea- Por isso, as pesquisas realizadas com base nas
tualização do conservadorismo foi Anna Augusta de fontes teórico-metodológicas originais do marxis-
Almeida. Os teóricos não se apoiaram na aborda- mo clássico representavam um avanço.
gem positivista e na marxista, mas na abordagem O espalhamento da intenção de ruptura ocorreu
fenomenológica. As pesquisas de Anna Augusta de de 1982 a 1983, quando o debate do Serviço Social
Almeida e de outros autores que discutiram o Servi- na perspectiva da intenção de ruptura estendeu-se
ço Social na perspectiva da reatualização do conser- para o conjunto dos profissionais.
vadorismo não vislumbraram mudanças na organi- O avanço dessa perspectiva é visível nas contri-
zação da sociedade. buições teóricas que desvelaram o Serviço Social
Sem discutir as causas, nem os conflitos, a brasileiro e latino-americano, pautadas em fontes
perspectiva da reatualização do conservadorismo originais. São produções teóricas que vão das ori-
trouxe à tona elementos do conservadorismo e do gens da profissão até o Serviço Social na sua con-
pensamento católico, imprimindo-lhe um novo temporaneidade, sem contar, ainda, outros eventos
formato. que a ela se reportam. Mas ainda se observa uma
A perspectiva da intenção de ruptura discute a distância entre “a intenção de romper com o pas-
relação entre o Serviço Social e a sociedade e se ma- sado conservador do Serviço Social e os indicativos
nifestou no âmbito dos movimentos democráticos práticos profissionais para consumá-la”.
15
** ANOTAÇÕES
16
3
O Movimento de Reconceituação
do Serviço Social na América Latina
■■ Conteúdo
• Alguns fatores da dependência latino-americana no pós II Guerra Mundial
• Intercâmbio do Serviço Social Latino-americano com o Serviço Social norte-americano
• Movimento de reconceituação do Serviço Social no Brasil
■■ Competências e habilidades
• Compreender o movimento histórico de reconceituação do Serviço Social latino-americano
nas especificidades brasileiras
• Associar a política desenvolvimentista às formas de realização do Serviço Social latino-ame-
ricano
• Reconhecer como o regime militar vigente à época e a divergência do grupo de assistentes
sociais dificultaram a realização do movimento da reconceituação
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
INTRODUÇÃO
O texto desta aula trata do movimento de recon- volvimentista para o Serviço Social latino-america-
ceituação do Serviço Social na América Latina, que no. Ressalta o texto que as imposições dessa política
ocorreu em decorrência da crise internacional do também motivaram a organização do movimento
Serviço Social tradicional. O texto, ainda, traz ob- de reconceituação do Serviço Social, que contestava
servações acerca das implicações da política desen- essa dominação.
17
A obra em referência é O Serviço Social na con- de ditadura militar, é o que indica Faleiros (2006,
temporaneidade: trabalho e formação profissional, de p. 142).2
Marilda Villela Iamamoto.
INTERCÂMBIO DO SERVIÇO SOCIAL LATINO-
ALGUNS FATORES DA DEPENDÊNCIA LATINO- AMERICANO COM O SERVIÇO SOCIAL NORTE-
AMERICANA NO PÓS SEGUNDA GUERRA AMERICANO
MUNDIAL Com base nos textos pesquisados, serão desta-
Segundo Faleiros (1983, p. 21), na década de 1940, cados dois intercâmbios do Serviço Social latino-
os Estados Unidos estabeleceram uma aliança com a americano com o Serviço Social norte-americano:
América Latina para que ela fornecesse matéria-pri- um que se deu no âmbito da formação acadêmica e
ma e mercado para os produtos norte-americanos. o outro, no âmbito de programas internacionais.
Nas décadas de 1960 a 1980, a América Latina pas- O primeiro foi efetivado com a participação de
sou por um “[...] processo de mobilização popular- diretores de escolas de Serviço Social da América
reforma e autoritarismo político [...]” (FALEIROS, Latina, na Conferência Nacional de Serviço Social
2006, p. 141). No Brasil, por exemplo, ocorreram (1941),3 citada por Yasbek (1988, p. 49). Nesse even-
manifestações pela democracia e em favor das clas- to, instituições norte-americanas ofereceram aos
ses subalternas que foram duramente rechaçadas assistentes sociais sul-americanos bolsas de estudo
pelo golpe de abril de 1964. Mas quando a ditadura para aperfeiçoamento e especialização em escolas
entrou em crise, a sociedade civil pôde voltar à cena norte-americanas.
brasileira. A autora conclui que o intercâmbio do Serviço
No caso das pressões exercidas pelos movimentos Social latino-americano com o norte-americano
sociais, o autor faz a seguinte colocação: “[...] as classes começou com as bolsistas. À época, ocorriam algu-
dominantes ou suas frações hegemônicas respondiam, mas mudanças no cenário internacional que con-
seja com projeto de reformas, seja com a repressão, ar- correram para efetivar esse intercâmbio. Confira no
ticulando uns e outros em função das ameaças reais ou texto abaixo:
percebidas” (FALEIROS, 2006, p. 142).
Os governos de João Goulart, no Brasil, Perez, na Com a Segunda Guerra Mundial e consequente
Venezuela, Velasco Alvarado, no Peru, Frondisi, na limitação do intercâmbio com a Europa, e com a
Argentina, tentaram “[...] a via de aglutinação de política da Boa Vizinhança do presidente Roose-
massas em torno de mudanças parciais” (FALEI- velt (reforço político e ideológico das relações de
ROS, 2006, p. 142).1 solidariedade continental), há uma aproximação
Mas, quando as mobilizações constituíam uma muito intensa com os Estados Unidos. (YASBEK,
força capaz de levar adiante o embate contra a hege- 1988, p. 49).
monia, elas eram reprimidas pela classe dominante
que estava no poder. Dessa forma, as populações Influenciado pelos norte-americanos, o Serviço
brasileira, argentina, equatoriana, uruguaia, chile- Social latino-americano passou a se orientar pelo
na, boliviana e peruana viveram um longo período
2
As empresas de capital internacional eram bem vistas pelos
governos do continente, por isso, “[...] elas foram saudadas
como uma contribuição efetiva para o “desarrolismo” ou o “de-
1
Os governos “[...] impulsionaram reformas sob a égide do senvolvimentismo”, recebendo um apoio econômico e político
desenvolvimento, do crescimento e da modernização ou de irracional” (FERNANDES, 1981, p. 22).
um programa minimamente redistributivista de terras, renda
e com um discurso participativo” (FALEIROS, 2006, p. 142). 3
Segundo Yasbek (1988, p. 49), esta Conferência foi realizada
Eduardo Frei, no Chile, realizou uma ação reformista e desen- pela American Association of Schools of Social Work, em
volvimentista. Atlantic City.
18
6
O desenvolvimentismo incorporado ao discurso oficial de al- 7
O Serviço Social “tradicional” é “[...] a prática empirista
guns países da América Latina “[...] saltou do marco de uma reiterativa e burocratizada que os agentes realizavam e realizam
proposta para resolver os problemas do atraso e converteu-se efetivamente na América Latina” (NETTO, J. P. La crítica
em prática e diretriz de ação política de diversas regiões latino- conservadora... 1981, p. 44 apud IAMAMOTO, 2004, p. 206,
americanas” (CASTRO, 2006, p. 151). nota de rodapé no 250).
19
20
conceituação conseguiu colocar na pauta dos encon- Em vez disso, a orientação funcionalista encami-
tros profissionais assuntos de interesses latino-ame- nhava o Serviço Social para discutir o “[...] aperfei-
ricanos em lugar dos debates pan-americanistas,9 çoamento do instrumental técnico-operativo ex-
patrocinados pelos Estados Unidos. presso pela sofisticação de modelos de diagnóstico
e planejamento, na busca de uma eficiência [...]”
O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO (IAMAMOTO, 2006, p. 215).
DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL É preciso dizer que a ditadura militar brasileira
No estudo sobre o movimento de reconceitua- dificultou o processamento das ideias da reconcei-
ção no Brasil, Iamamoto (2006, p. 215) conclui que tuação, mas elas não foram extintas, “[...] no entan-
o debate da reconceituação só criou força quando to, suas expressões são isoladas [...]”, como foi a ex-
a ditadura10 entrou em crise11 e a sociedade civil periência do “Método BH” (IAMAMOTO, 2006, p.
emergiu novamente. A autora explica que, duran- 214). Assim, Netto (2006, p. 275) e Iamamoto (2006,
te o regime militar, o processo de modernização do p. 214) reconhecem o “Método BH”.
Serviço Social tradicional “[...] atualiza a sua heran- Cabe registrar ainda a realização do III Congres-
ça conservadora”. so Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado em
Verificou-se uma mudança no discurso, nos mé- 1979, em São Paulo. Foi marcante neste Congresso
todos de ação e nos rumos da prática profissional a substituição da comissão de honra dos ministros
com o objetivo de obter um reforço de sua legitimi- do Estado pelos trabalhadores. Na “[...] sessão de
dade junto às instâncias demandantes da profissão, encerramento, em vez de ministros, falaram líderes
em especial o Estado e as grandes empresas, ade- dos operários, dos metalúrgicos e dos movimentos
quando o Serviço Social à ideologia dos governan- populares ‘pela anistia’ e ‘contra o custo de vida’”
tes (IAMAMOTO, 2006, p. 215). (FALEIROS, 1983, p. 119). Nele, foi lançada a Revis-
Isso quer dizer que as inovações feitas nas insti- ta Serviço Social e Sociedade, com a publicação do
tuições não foram suficientes para romper com o seu primeiro número.
Serviço Social tradicional. No regime militar, não
era possível discutir a relação entre Serviço Social ■■ Concluindo
e sociedade. Na década de 1940, os Estados Unidos estabele-
ceram uma aliança com a América Latina para que
9
O pan-americanismo oficial “[...] é uma estratégia dos Esta- ela fornecesse matéria-prima e mercado para os
dos Unidos para ganhar a hegemonia no continente” (CAS-
TRO, 2006, p. 132). No final do século XIX, afirma Castro que
produtos norte-americanos. Nas décadas de 1960
o pan-americanismo definiu-se como um programa, em espe- a 1980, na América Latina alternavam “mobiliza-
cial a partir das Conferências Interamericanas realizadas em ção popular-reforma e autoritarismo político”. No
Washington (1889), no México (1910), no Rio de Janeiro (1906),
em Buenos Aires (1910), em Santiago do Chile (1923), em Ha- Brasil, por exemplo, as manifestações sociais foram
vana (1928) e em Montevidéu (1933). Depois da criação da duramente rechaçadas pelo golpe de abril de 1964.
Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos
Estados Americanos (OEA), os Estados Unidos organizaram a
Mas, quando a ditadura entrou em crise, a socieda-
sua hegemonia, impondo a política do pan-americanismo. de civil pôde voltar à cena brasileira.
O intercâmbio do Serviço Social latino-america-
10
Na crise da ditadura, os cursos de pós-graduação expandiram
o diálogo do Serviço Social com as ciências afins, entretanto, as no com o Serviço Social norte-americano se deu no
elaborações teóricas não se apoiaram nas fontes clássicas. âmbito da formação acadêmica e de programas in-
ternacionais. No contexto da dominação econômica
11
O período de crise da ditadura estendeu-se de 1975-1985,
quando iniciou-se o auge da crise econômica e o fim do mi- norte-americana, um grupo de assistentes sociais,
lagre econômico. Aqui, cabe lembrar que, em 1973, ocorreu a que era contra o imperialismo norte-americano e o
crise internacional do petróleo, o que contribuiu com o fim do
milagre brasileiro. À época, deu-se a abertura política que ocor- Serviço Social tradicional, organizou o movimento
ria de forma lenta e gradual. de reconceituação latino-americano.
21
■■ Atividades
Leia o texto da aula 3 e desenvolva as seguintes
questões:
1. Como o texto define o desenvolvimentismo?
2. Quais os fatores que mostram a dependência
latino-americana que ocorreu depois da Segunda
Guerra Mundial?
3. Como se deu o intercâmbio do Serviço Social
latino-americano com o Serviço Social norte-ame-
ricano?
4. Como ocorreu o movimento de reconceitua-
ção do Serviço Social latino-americano?
5. Quais são os “eixos de preocupações funda-
mentais” do movimento de reconceituação, desta-
cados por Marilda Villela Iamamoto?
6. Qual foi o desfecho do movimento de recon-
ceituação?
7. Como ocorreu o movimento de reconceitua-
ção no Brasil?
22
AULA
do Serviço Social
• A questão social e o Serviço Social
• A questão social nas mudanças ocorridas a partir do final do século XX
• O trabalho do assistente social nas unidades de serviço
■■ Competências e habilidades
• Compreender a organização do Serviço Social na sociedade monopolista
• Reconhecer as várias expressões da questão social e buscar caminhos de trabalho
• Apreender o objeto do Serviço Social diante dos problemas sociais
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
INTRODUÇÃO
A proposta deste texto é discutir a questão social e Paulo Netto, e nas obras de Marilda Villela Ia-
o Serviço Social. O texto parte da organização social mamoto, O Serviço Social na contemporaneidade:
monopolista para explicitar os vínculos do Serviço trabalho e formação profissional, Serviço Social em
Social com a questão social, nas suas diferentes ex- Tempo de Capital Fetiche e Renovação e conserva-
pressões. Destaca, ainda, a reorganização da sociedade dorismo do Serviço Social: ensaios críticos.
brasileira, na ditadura de 1964, em função das exigên-
cias do capital externo, bem como a atuação do Servi- A SOCIEDADE DOS MONOPÓLIOS
ço Social em instituições do Estado e em empresas. O capitalismo monopolista
Basicamente, o texto está referendado na obra Antes de refletir sobre a questão social e o Ser-
Capitalismo monopolista e Serviço Social, de José viço Social, serão feitas algumas observações acerca
23
24
8
A questão social é derivada “[...] do caráter coletivo da
produção contraposto à apropriação privada da própria ativi-
listas. Nesse período, configurou-se “[...] o aprofundamento e dade humana – o trabalho –, das condições necessárias à sua
a problematização do processo democrático na sociedade e no realização, assim como de seus frutos” (IAMAMOTO, 2007,
Estado” (NETTO, 2006, p.159). p. 156).
25
A questão social que Iamamoto (2006, p. 62) defi- Como a questão social e o Serviço Social nasce-
ne como “a matéria-prima ou o objeto do trabalho” ram e se moldam ao capitalismo monopolista, serão
manifesta-se no conflito entre capital e trabalho. Para feitas algumas considerações acerca das mudanças
a autora, a questão social “[...] provoca a necessidade da sociedade de hoje.
da ação profissional junto à criança e ao adolescente,
ao idoso, a situações de violência contra a mulher, a A QUESTÃO SOCIAL NAS MUDANÇAS
luta pela terra etc.” Assim, Iamamoto situa o traba- OCORRIDAS A PARTIR DO FINAL DO SÉCULO XX
lho do assistente social nas “múltiplas expressões” da Marilda Villela Iamamoto (2007, p. 114) discute
questão social. a fragmentação da questão social. Nas suas palavras,
Pelos motivos apontados, não dá para discutir as “múltiplas expressões” da questão social “[...]
a questão social9 e o Serviço Social fora do capita- aparecem sob a forma de ‘fragmentos’ e ‘diferencia-
lismo monopolista, visto que ela é fruto da relação ções’ independentes entre si, traduzidas em autôno-
entre o capital e o trabalho. “Portanto, a questão mas ‘questões sociais’”.
social é uma categoria que expressa a contradição Se a questão social é percebida como “questões
fundamental do modo capitalista de produção” sociais”, ela deixa de ser compreendida como fruto
(MACHADO, Edneia Maria. <http:www.ssrevista. do conflito capital e trabalho. Nessa interpretação,
uel.br/c_2v_n1_quest. htm.> Acessado em 02 de se- a questão social, “[...] se esconde por detrás de suas
tembro de 2007). múltiplas expressões específicas [...]” (IAMAMO-
Machado (2007) chama a atenção para os dife- TO, 2007, p. 114).
rentes profissionais que incorporaram a questão so- A questão social que emergiu lá no final do sé-
cial ao seu campo de trabalho: culo XIX vem acompanhando as mudanças sociais,
dentre elas, serão destacadas duas.
[...] o médico que atende problemas de saúde cau- A primeira é a “mundialização da economia” que
sados por fome, insegurança, acidentes de trabalho ocorre num contexto de globalização.10 Para a au-
etc.; o engenheiro que projeta habitações a baixo tora, a mundialização11 “[...] da ‘sociedade global’ é
custo; o advogado que atende as pessoas sem re- acionada pelos grandes grupos industriais transna-
cursos para defender seus direitos, enfim os mais cionais articulados ao mundo das finanças” (IAMA-
diferentes profissionais que, também, atuam nas MOTO, 2007, pp. 106–107).12
expressões da questão social. (MACHADO, www. A outra mudança é o tratamento unificado dado
ssrevista.uel, acessado em 02 de setembro de 2007) aos processos sociais. Nesse caso, a mundialização
financeira “[...] unifica, dentro de um mesmo mo-
É possível concluir que a questão social não pode
ser vista em si mesma e, muito menos, como uma 10
“[...] O agente talvez mais audaz (tão desejado quanto temido)
exclusividade do Serviço Social. Mesmo sendo o da globalização é o capital financeiro, que alcança hoje cifras
inauditas e se encontra no ápice de seu poder e brilho. Anônimo
objeto do Serviço Social, o fato de ter surgido da e desterritorializado, ele se desloca mercurialmente pelo mun-
relação capital e trabalho, a questão social abriu um do, movido pela telemática, em busca incessante de maiores in-
campo de trabalho para outros profissionais. teresses”. ALBUQUERQUE. <http://www.fundaj.gov.br/clacso/
paper02.doc.> Acessado em 18 de fevereiro de 2008.
11
“Os atores mais aparentes da mundialização são os grandes
9
‘Por questão social’, no sentido universal do termo, queremos grupos econômicos transnacionais”. ALBUQUERQUE. <http://
significar o conjunto de problemas políticos, sociais e econômi- www. fundaj.gov.br/clacso/paper02.doc.> Acessado em 18 de
cos que o surgimento da classe operária impôs no curso da fevereiro de 2008.
constituição da sociedade capitalista. Assim, a ‘questão social’
está fundamentalmente vinculada ao conflito entre o capital e o 12
Os grandes grupos “[...] são resultantes de processos de fusões
trabalho.’ (Cerqueira Filho, 1982: 21 apud NETTO, 2006, p. 17, e aquisições de empresas em um contexto de desregulamenta-
nota de rodapé no 1). ção e liberalização da economia” (IAMAMOTO, 2007, p. 108).
26
vimento, processos que vêm sendo tratados pelos No Estado, o Serviço Social, por ser “[...] social-
intelectuais como se fossem isolados ou autônomos mente necessário, produz serviços que atendem às
[...]” (IAMAMOTO, 2007, p. 114). necessidades sociais, isto é, têm um valor de uso,
A questão social se reduz “[...] aos chamados pro- uma utilidade social” (IAMAMOTO, 2006, p. 24).
cessos de exclusão e integração social, geralmente Como diz Rubin (1987:283), os trabalhos do ser-
circunscritos a dilemas da eficácia da gestão social, à vidor público, da polícia, dos soldados, do sacerdote
ideologia neoliberal e às concepções pós-modernas não podem ser relacionados a trabalho produtivo.
atinentes à esfera da cultura” (IAMAMOTO, 2007, Não porque este trabalho seja “inútil” ou porque
p. 114). De fato, a questão social tratada na perspec- não se materialize em “coisas”, mas porque está or-
tiva da exclusão e da inclusão camufla os conflitos ganizado segundo os princípios do direito público e
sociais; o mesmo ocorre com a sua fragmentação. não sob a forma de empresas capitalistas privadas.
Por outro lado, o mercado financeiro, segundo (IAMAMOTO, 2007, p. 86)
afirma Iamamoto, instituiu mecanismos que acen- Esses trabalhadores não criam riqueza, uma vez
tuam a taxa de exploração, o “enxugamento da mão que eles não produzem mercadorias para serem dis-
de obra”, a “ampliação das relações de trabalho não ponibilizadas no mercado. Ao contrário, seu traba-
formalizadas ou clandestinas”, dentre outras. lho atende à necessidade social, sendo “[...] realiza-
A partir dessas considerações acerca do Serviço do diretamente na esfera do Estado, na prestação de
Social e da questão social, será feito um breve co- serviços públicos, e nada tem a ver com o trabalho
mentário sobre o trabalho do assistente social nas produtivo, visto que não estabelece uma relação di-
unidades de serviço. reta com o capital [...]” (IAMAMOTO, 2007, p. 86).
Nem é seu propósito estabelecer uma relação com o
O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL capital. Pode-se dizer então que, em resposta aos in-
NAS UNIDADES DE SERVIÇO teresses contraditórios das classes sociais que estão
Para Iamamoto, no Brasil, o Serviço Social foi em luta permanente, o assistente social desenvolve
reconhecido na divisão social do trabalho, quan- políticas sociais públicas ou privadas nos espaços
do foram criados espaços nas instituições. Nelas, o institucionais.
Serviço Social tornou-se “[...] uma atividade insti-
tucionalizada e legitimada pelo Estado e pelo con- ■■ Concluindo
junto das classes dominantes” (IAMAMOTO, 2004, O monopolismo, segundo Alves (2001, p. 189),
pp. 92-93). teve início quando as grandes empresas começaram
Barbosa; Cardoso e Almeida (orgs.) (1998, p. 127) a abarcar as pequenas e as médias, no último terço
afirmam que nas unidades de serviço, o assistente do século XIX.
social realiza sua prática por meio de serviços assis- No Brasil, o governo Juscelino abriu as portas
tenciais, gerenciando benefícios que são distribuí- ao capital internacional e os governos militares
dos aos usuários. É necessário reconhecer, contudo, deram amplo apoio às empresas internacionais.
que essa prática reforça as condições de subserviên- Na ditadura, as empresas nacionais que atua-
cia e de subordinação dos subalternos. vam de forma competitiva foram absorvidas pelo
É importante mencionar que o assistente social capital monopolista ou tiveram que se ajustar
vende sua força de trabalho para entidades patro- ao capital internacional.
nais, estatais ou empresariais. Na empresa, os as- O Estado foi colocado a serviço da iniciativa pri-
sistentes sociais “[...] participam como trabalha- vada e foram intensificados os programas assisten-
dores assalariados do processo de produção e/ou ciais para neutralizar conflitos. Durante a ditadura,
de redistribuição da riqueza social” (IAMAMOTO, a assistência social foi especialmente utilizada para
2006, p. 24). regular o conflito social.
27
Em resposta às lutas operárias contra o desem- participam do processo de produção e/ou de redis-
prego e a exploração social (acentuados pelo ca- tribuição da riqueza social.
pitalismo monopolista), a classe dominante criou No Estado, o Serviço Social “produz serviços que
mecanismos de controle social; dentre outros, o atendem às necessidades sociais, isto é, têm um va-
Serviço Social. lor de uso, uma utilidade social”, porque não segue a
O Serviço Social tem como objeto do trabalho a organização de empresas capitalistas privadas. Esses
questão social, fruto do capital e trabalho, nas suas trabalhadores não criam riqueza, uma vez que não
diversas expressões, “criança e adolescente, idoso, produzem mercadorias para serem disponibilizadas
situações de violência contra a mulher, luta pela no mercado.
terra etc”. Pode-se dizer então que, em resposta aos inte-
A questão social não pode ser vista em si mesma resses contraditórios das classes sociais que estão
e, muito menos, como uma exclusividade do Servi- em luta permanente, o assistente social desenvolve
ço Social. Mesmo sendo o objeto do Serviço Social, políticas sociais públicas ou privadas nos espaços
o fato de ter surgido da relação capital e trabalho, institucionais.
a questão social abriu um campo de trabalho para
outros profissionais. ■■ Atividades
As “múltiplas expressões” da questão social são Leia o texto da aula 4 e desenvolva as seguintes
fragmentadas como se fossem independentes. Se a questões:
questão social é percebida como “questões sociais”, 1. Discorra sobre o capitalismo monopolista.
ela deixa de ser compreendida como fruto do con- 2. Como se deu o processo de monopolização da
flito capital e trabalho. A questão social tratada na sociedade brasileira?
perspectiva dos processos de exclusão e integração 3. Cite algumas características dos governos po-
social camufla os conflitos sociais. pulistas (1945 a 1964).
O assistente social vende sua força de trabalho 4. Fale sobre a questão social e o Serviço Social.
para entidades patronais, estatais ou empresariais. 5. Como Marilda Villela Iamamoto compreende
Na empresa, os assistentes sociais são assalariados e a questão social a partir do final do século XX?
** ANOTAÇÕES
28
5
Considerações sobre o Neoliberalismo
■■ Conteúdo
• Antecedentes do neoliberalismo
• O projeto neoliberal
• O neoliberalismo e a questão social
• O neoliberalismo no Brasil
• O Consenso de Washington
■■ Competências e habilidades
• Compreender o neoliberalismo no movimento da sociedade monopolista
Social
• Reconhecer a importância de o assistente social inteirar-se do projeto neoliberal para a con-
dução de sua prática
• Compreender as estratégias do Consenso de Washington
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para auto estudo
INTRODUÇÃO
Nesta aula são abordados alguns fatores da eco- São feitas, ainda, considerações sobre o Consenso
nomia da década de 1970 que concorreram para a de Washington.
crise do capitalismo. A partir daí implantou-se o O texto baseia-se na obra O enfrentamento da
neoliberalismo, um projeto mundial conduzido questão social: terceiro setor: o serviço social e suas
pelo capital financeiro internacional que busca en- condições de trabalho nas ONGs, de Renato Almeida
fraquecer o Estado de Bem-Estar. O projeto neolibe- de Andrade; no livro Terceiro setor e questão social:
ral prevê cortes nos gastos sociais, privatização, des- crítica ao padrão emergente de intervenção social, de
centralização e políticas focalizadas e descontínuas Carlos Montaño; e na obra Para além do capital:
que levem ao desmonte do estado intervencionista. rumo a uma teoria de transição, de István Mészáros.
29
30
tar Social ou Estado Providência (em inglês: Wel- O primeiro governante a aderir à proposta neo-
fare State)6 veio em resposta aos problemas sociais liberal foi Margareth Thatcher. O governo dessa lí-
da Europa; ele era responsável por regulamentar a der do meio político inglês, eleita no final dos anos
“vida e saúde social, política e econômica” e por “ga- 1970, “[...] foi pioneiro na exposição pública de
rantir serviços públicos e proteção à população”7. uma orientação neoliberal [...]” (ANDRADE, 2006,
Renato Almeida de Andrade, num estudo sobre p. 67). A proposta neoliberal foi aderida no ano de
as relações do Estado com a sociedade civil, afirma 1980, “[....] por Ronald Reagan, nos EUA; em 1982,
que o neoliberalismo veio “para dar fim” ao Estado por Kohl, na Alemanha; e, em 1983, por Schluter, na
de Bem-Estar Social. Nas palavras do autor: Dinamarca” (ANDRADE, 2006, p. 67).8
O Estado reorientou-se “[...] para intervir em fa-
O neoliberalismo é um projeto global, dirigido pelo vor das indústrias, banqueiros, empresários e todos
Capital Financeiro Internacional, buscando dar fim aqueles ligados ao capital, em favor da exploração
ao chamado Estado de Bem-Estar, e que passou a do trabalhador e dos mercados dos países subdesen-
operacionalizar seu programa com a ajuda de al- volvidos [...]” (ANDRADE, 2006, p. 68). Portanto,
guns líderes políticos de vários países. (ANDRADE, o próprio texto já exclui qualquer possibilidade em
2006, p. 67) relação aos trabalhadores.
Se no projeto neoliberal não faltam diretrizes
O projeto neoliberal regido pelo capital mono- para salvaguardar o capital, o mesmo tratamento
polista financeiro foi ganhando força na medida em não foi dado às populações que não possuíam as
que recebia a adesão de lideranças econômicas e po- mínimas condições de terem uma vida digna. Con-
líticas internacionais. Essas lideranças fira na transcrição que segue:
[...] começaram a propor em seus planos de gover- [...] uma ação ínfima e pontual, em favor dos des-
no (baseados em documentos e acordos com orga- validos, com políticas focalizadas e descontínuas
nismos internacionais – FMI, BIRD etc.) mudanças (incertas), não mais querendo considerar as polí-
na estrutura produtiva e política da sociedade, tais ticas sociais como direito social inscrito na maio-
como a privatização de empresas estatais e serviços ria das modernas constituições democráticas.
públicos e a desregulamentação das leis trabalhis- (ANDRADE, 2006, p. 68)
tas. (ANDRADE, 2006, p. 67)
Assim, políticas focalizadas e descontínuas e des-
monte do estado intervencionista são de orientação
neoliberal.
promoção do ideal do ‘pleno emprego’ como forma de desen-
volvimento e de crescimento econômico” (ANDRADE, 2006,
p. 58). O que prevê o neoliberalismo?
6
O Estado de Bem-Estar Social “[...] é um tipo de organização
O neoliberalismo prevê a retirada das obrigações
política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da sociais do Estado. Em lugar da intervenção estatal,
promoção (protetor e defensor) social e organizador da econo- Hayek “[...] prevê a redução do Estado a ponto de
mia.”(http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado-provid%C3%AAncia.
Acessado em 17 de agosto de 2008). retirar dele também a responsabilidade de tentar
atingir a justiça social” (MONTAÑO, 2003, p. 81).
7
“Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de
toda vida e saúde social, política e econômica do país em par-
ceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, 8
“Esse processo, segundo Anderson (1985), foi o de ascensão
de acordo com a nação em questão. Cabe ao Estado do Bem- política da chamada ‘Nova Direita’, para a qual as ideias e as
Estar Social garantir serviços públicos e proteção à população.” propostas hayekianas ofereceram uma nova agenda de refor-
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado-provid%C3%AAncia. mas (ou contrarreformas?) do Capitalismo” (ANDRADE, 2006,
Acessado em 17 de agosto de 2008). p. 67).
31
O Estado repassou para igrejas, ONGs e outras recursos para realizar o trabalho do assistente so-
entidades da sociedade civil as políticas sociais pú- cial, enquanto aumentam as necessidades sociais.
blicas que eram de sua atribuição. Para isso, orienta Mas isso não é o que está contido no discurso da
as entidades para “[...] desenvolver, de forma foca- globalização,9 que prega a universalização dos bens
lizada, descentralizada, políticas sociais que visas- econômicos e sociais. Por exemplo, só mantendo-se a
sem à justiça social ou à redistribuição de renda” população informada em tempo real sobre os acon-
(MONTAÑO, 2003, p. 81). tecimentos sociais, econômicos e políticos do mun-
Cabe lembrar que no início do monopolismo do, não significaria que a tecnologia iria propiciar
(final do século XIX), o Estado chamou para si a melhorias às classes subalternas. Tanto isso é verdade
responsabilidade da “[...] atividade assistencial e de que nem o discurso da globalização, nem o neolibe-
prestação de serviços sociais [...]” (IAMAMOTO; ralismo visam à universalização das políticas sociais.
CARVALHO, 2006, p. 78). Hoje, a orientação neoli- No caso da política neoliberal, ela criou normas
beral se dá em direção à retirada do Estado. “competitivas” da economia do “mercado livre”
para “[...] restringir e manter permanentemente
O NEOLIBERALISMO E A QUESTÃO SOCIAL em sua posição de subordinação estrutural os que
Iamamoto (2007, p. 147) cita como expressões se encontram no lado fraco da ‘ordem econômica
da questão social “o retrocesso ao emprego, a dis- ampliada’ – ou seja: a avassaladora maioria da hu-
tribuição regressiva de renda e a ampliação da po- manidade” (MÉSZÁROS, 2002, p. 194). O neolibe-
breza, acentuando as desigualdades nos extratos ralismo não vislumbra nem de longe superar a su-
socioeconômicos”. bordinação das camadas subalternas, mas manter o
Como foi dito, o neoliberalismo não foca as ex- domínio do capital.
pressões da questão social. Em vez de políticas uni-
versais, as estratégias burguesas são realizadas a par- O NEOLIBERALISMO NO BRASIL
tir de: “(1) corte nos gastos sociais; (2) privatização; Na América Latina, a implantação do neolibera-
(3) centralização dos gastos sociais públicos em lismo se deu em momentos diferentes. Para Iama-
programas seletivos contra a pobreza; (4) descen- moto (2007, p. 147), no Chile o neoliberalismo se
tralização” (ANDRADE, 2006, p. 68). manifestou na década de 1970, já o Brasil implantou
Dessa forma, o que antes era percebido como programas de governo de orientação neoliberal nos
objeto de políticas sociais universais passa a ser anos de 1990.10
“[...] objeto de ações filantrópicas e de beneme- É importante dizer que no final da década de
rência e de ‘programas focalizados de combate à 1980, no Brasil, a assistência social, a saúde, o meio
pobreza’, que acompanham a mais ampla privati- ambiente e outras áreas da sociedade que foram ob-
zação da política social pública [...]” (IAMAMO- jeto de lutas sociais transformaram-se em direitos
TO, 2007, p. 155). sociais pela Constituição de 1988.
Para Andrade (2006, p. 77), as políticas econô- Sobre isso, Andrade (2006, p. 79) comenta que,
micas e as políticas sociais não estabelecem entre enquanto nos Estados Unidos e na Europa a tendên-
si qualquer tipo de vínculos; logo, elas são pensa-
das separadamente. Por exemplo, o desemprego 9
A globalização “[....] tendência que emana da natureza do cap-
incontrolável leva a crer que as políticas neolibe- ital desde o seu início, muito idealizada em nossos dias, na re-
alidade significa: o desenvolvimento necessário de um sistema
rais não preveem medidas seja para impedir o seu
internacional de dominação e subordinação[...]”. Dá a ideia de
avanço, seja para criar postos de trabalho para os universalização dos bens econômicos e sociais. (MÉSZÁROS,
desempregados. 2002, p. 111).
Em consequência, há uma “deterioração dos 10
Para Iamamoto (2007, p. 147), o México implantou o neo-
serviços sociais públicos”, com a diminuição dos liberalismo nos anos de 1980.
32
cia era de diminuir os direitos e as garantias sociais, Na verdade, esses problemas são “[...] supostos
no Brasil, era promulgada a nossa Constituição. argumentos para justificar uma radical reforma es-
Embora se reconheça que a mobilização popular tatal, orientada nos postulados do Consenso de Wa-
e o empenho de lideranças políticas e sociais brasi- shington” (MONTAÑO, 2003, p. 222).
leiras contribuíram para a consolidação dos direitos Marilda Villela Iamamoto mostra a importância
sociais, deve-se reconhecer que elas não consegui- dos tratados internacionais12 para os mercados. Ela
ram fazer frente à ofensiva neoliberal. afirma que “[...] sem a intervenção das instâncias
Assim, complementa Iamamoto (2007, p. 150), políticas dos Estados nacionais, no lastro dos trata-
o ajuste neoliberal no governo de Fernando Hen- dos internacionais como o Consenso de Washing-
rique Cardoso reduziu a inflação, mas não garantiu ton, [...]” torna-se inviável o triunfo dos mercados
políticas distributivas com melhoria para as classes (IAMAMOTO, 2007, p. 109).
subalternas e, sim, um arrocho para a maioria da A autora também faz algumas observações acer-
população. ca do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do
Por outro lado, a Organização das Nações Uni- Banco Mundial (BIRD). Para Iamamoto (2007, p.
das (ONU) “[...] ajudou os países em desenvolvi- 118), o FMI e o BIRD impõem aos países deve-
mento a se adequarem às exigências internacionais dores “programas de ajustamento estrutural” que
[...]”, chamando os governos para participar de uma orientam a aplicação dos recursos do fundo pú-
Assembleia acerca da administração pública (AN- blico13 no mercado financeiro e não em programas
DRADE, 2006, p. 81). sociais. Constam dos “programas de ajustamento
Foram criados “[...] Ministérios ou comissões estrutural”
de alto nível para se encarregarem das ‘Reformas’
(Bresser Pereira apud Batista, 1999).” (ANDRADE, [...] a redução da massa salarial pública e da despesa
2006, p. 81). Nessa linha de governo, “[...] o finan- pública, afetando os programas sociais, a eliminação
ciamento da (contra) Reforma do Estado na década de empresas públicas não rentáveis, exacerbando as
de 1990 passou a ser prioridade do Banco Mundial desigualdades de rendimentos e o aumento da po-
(BIRD) e do Banco Interamericano de Desenvolvi- breza (Husson: 1999) (IAMAMOTO, 2007, p. 118).
mento (BID)” (ANDRADE, 2006, p. 81).11
Portanto, seguindo os princípios do neoliberalis- Essas diretrizes (cortes de funcionários, de gas-
mo, os programas neoliberais no Brasil não visam a tos públicos e de tantas outras conquistas) não
superar as classes subalternas. estão em consonância com os direitos constitu-
cionais, fruto da luta dos trabalhadores e dos mo-
O CONSENSO DE WASHINGTON vimentos sociais, contudo elas são impostas pelo
O Consenso de Washington é fruto de uma reu- “grande capital”.
nião (1989) que discutiu as reformas “[...] neces-
sárias para que a América Latina saísse da década
que alguns chamavam de perdida, da estagnação, da 12
“[...] Tratado de Marrakech, que cria a Organização Mundial
inflação, da recessão, da dívida externa e retomasse do Comércio (OMC) e o Acordo do Livre Comércio Americano
(ALCA), e o Tratado de Maastricht, que cria a ‘unificação’ euro-
o caminho do crescimento, do aumento da riqueza, peia” (IAMAMOTO, 2007, p.109).
do desenvolvimento [...]” (FIORI, 1996, p. 2).
13
“Recursos financeiros oriundos da produção, arrecadados
e centralizados pelos mecanismos fiscais, por meio da dívida
pública, tornam-se cativos das finanças, que se apropriam do
Estado, paralisando-o. Ele passa a ser ‘reduzido’ na satisfação
11
Segundo Montaño, (2003, p. 219), o ex-ministro Luiz Carlos das necessidades das maiorias, visto que o fundo público é ca-
Bresser Pereira considera que a abertura democrática no Brasil nalizado para alimentar o mercado financeiro” (IAMAMOTO,
é conservadora, populista e burocrática. 2007, pp. 117–118).
33
** ANOTAÇÕES
34
6
O Movimento Ambientalista
■■ Conteúdo
• A questão ambiental
• Conferências internacioanais de meio ambiente e de Educação Ambiental na década de 1970
• Antecedentes da Conferência de Estocolmo
• Concepção integrada de meio ambiente
■■ Competências e habilidades
• Compreender o movimento ambientalista na reorganização da sociedade da década de 1970
• Reconhecer as diretrizes traçadas nos encontros internacionais ambientais na conformação
Social
do ambientalismo
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
35
inadequadas das lavouras de cana-de-açúcar e de 19701 a questão ambiental foi assumida oficial-
soja que não preservam, sequer, uma árvore. Com mente. Mais especificamente, na Conferência de
isso, extensas áreas, que antes eram naturais, têm Estocolmo, realizada pela Organização das Nações
perdido a sua originalidade. Unidas (ONU), em Estocolmo, de 5 a 16 de junho
É preciso esclarecer que não dá para excluir a ex- de 1972.
ploração social da exploração ambiental, pois, na Para Dias (1993, p. 267 e pp. 269–270), em Esto-
destruição dos recursos naturais, os trabalhadores colmo foram discutidos princípios que visavam à
colocam a sua força. Nas cidades, muitos empreen- melhoria do ambiente humano; por exemplo, com-
dimentos industriais e imobiliários são implantados patibilizar o desenvolvimento com proteção ambien-
em áreas ocupadas por populações humanas e/ou em tal, educar em assuntos ambientais jovens e adultos,
áreas de resquícios naturais. Mészáros (2002) chama enfocando populações menos privilegiadas.
a atenção para não desvincular a questão ambiental Se em Estocolmo elegeu-se a educação para as-
da questão social. suntos ambientais como um princípio, significa que
É interessante observar que as leis ambientalis- a EA vinha sendo discutida e o movimento ambien-
tas no Brasil, os projetos de Educação Ambiental talista estava em ação. Como bem diz Crespo (1999,
(EA) e as campanhas ambientalistas não conse- p. 31), as origens do ambientalismo e da EA se con-
guem evitar a grande porcentagem dos males so- fundem.
cioambientais.
De fato, a veiculação na mídia (televisão, rádio, A participação do Brasil na Conferência
jornais, jornais eletrônicos) de notícias ou divul- de Estocolmo
gação de projetos de EA de campanhas socioam- A Conferência de Estocolmo reuniu governantes
bientais é importante para manter a comunidade internacionais para discutir a destruição ambiental,
informada sobre as práticas sustentáveis, mas ela contudo, nem todos os governos se colocaram na
não garante a extinção das práticas destruidoras. mesma posição. A delegação brasileira, por exem-
Como muitos dos desastres socioambientais plo, foi criticada por ter sido a favor do crescimento
veiculados pela mídia fazem parte do cotidiano de econômico com indústrias poluidoras.
usuários do Serviço Social, faz sentido expor alguns Isso resultou na criação da Secretaria Especial
encontros internacionais que deflagraram a questão de Meio Ambiente (SEMA), em 1973, que recupe-
ambiental. rou a imagem internacional do governo brasileiro.
Sobre esse fato, Meyer (1991, p. 63) afirma que a
CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS DE MEIO SEMA é consequência direta da Conferência de
AMBIENTE E DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL Estocolmo e das pressões do Banco Mundial e de
NA DÉCADA DE 1970 entidades ambientalistas.
O movimento ambientalista faz parte dos movi- Ligada ao Ministério do Interior (MINTER), a
mentos libertários do pós-Segunda Guerra Mun- SEMA tinha como uma de suas preocupações a EA.
dial, mas a questão ambiental foi deflagrada na
Conferência sobre o Meio Ambiente Humano, co-
nhecida como Conferência de Estocolmo, comen- 1
De acordo com Chauí (1999, pp. 1–2), até meados da década
tada a seguir. de 1970 a sociedade era orientada pelo princípio de Keynes, de
intervenção do Estado, e pelo princípio fordista (produção em
série, consumo) de organização industrial. O neoliberalismo
Conferência sobre o Meio Ambiente Humano deslocou os recursos da produção para a especulação financei-
(1972) ra. As tecnologias, a terceirização, o capital financeiro, o desem-
prego, o arremesso imperialista de bombas e de alimentos car-
Apesar da ocorrência de manifestações ambien- acterizam os países que se mostram contra a dominação dos
talistas na década de 1960, somente na década de países hegemônicos.
36
37
38
39
Destaque pontos importantes das duas confe- 7. Como você entendeu a concepção integrada de
rências. meio ambiente?
5. Indique alguns antecedentes da Conferência de 8. O que você pensa sobre a participação do assis-
Estocolmo. tente social no movimento ambientalista?
6. Quais foram os encontros ambientalistas da
América Latina citados no texto?
** ANOTAÇÕES
40
AULA
■■ Conteúdo
• O terceiro setor
• O trabalho das ONGs
Serviço Social
■■ Competências e habilidades
• Compreender os fatores que engendraram o surgimento do terceiro setor na sociedade
capitalista contemporânea
• Reconhecer o papel das ONGs na sociedade neoliberal
• Identificar a atuação das ONGs nos anos de 1990
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
INTRODUÇÃO
O propósito deste texto é mostrar que o terceiro lantropia e a questão social” (1998), de Elizabeth de
setor se inscreve na reorganização neoliberal da qual Melo Rico, in “Terceiro setor e movimentos sociais
fazem parte as modificações sociais do trabalho for- hoje” (Revista Serviço Social e Sociedade), a pales-
mal. As considerações feitas acerca das ONGs são tra proferida pelo professor José Luís Fiori, UFRJ
essenciais para se compreender a função social do (1996), e o livro Serviço Social em Tempo de Capital
terceiro setor e a organização da sociedade atual. Fetiche, de Marilda Villela Iamamoto.
As obras pesquisadas são: Terceiro setor e questão
social: crítica ao padrão emergente de intervenção O TERCEIRO SETOR
social (2003), de Carlos Montaño; os capítulos “O Os três setores
novo associativismo e o terceiro setor” (1998), de Nos tempos atuais, o rearranjo do capitalismo di-
Maria da Glória Gohn, e o “O empresariado, a fi- vidiu a sociedade em três setores:
41
O primeiro setor é representado por: “prefeituras As entidades do terceiro setor3 são necessárias à
municipais, governos dos Estados e Presidência da vida social e dependem da contribuição dos cida-
República, além de entidades a esses entes ligadas dãos, inclusive da ajuda financeira para desenvolve-
(ministérios, secretarias, autarquias, entre outras). rem seu trabalho, pois o “[...] terceiro setor é o setor
Quer dizer, chamamos de primeiro setor o setor pú- privado sem fins lucrativos” (Landin, 1999:70 apud
blico, que obedece ao seu caráter público e exerce MONTAÑO, 2003, p. 53, nota de rodapé no 1).
atividades públicas” (http://www.cedac.org. br/OS- As fundações Rockefeller, Roberto Marinho,
CIP.pdf. Acessado em 30 de janeiro de 2008). Bradesco, Bill Gates, que desenvolvem a assistên-
Quem forma o segundo setor “[...] é o mercado cia social nas empresas, “[...] não podem esconder
(empresas), composto por entidades privadas que seu claro interesse econômico por meio da isenção
exercem atividades privadas, ou seja, atuam em be- de impostos, ou da melhora de imagem de seus
nefício próprio e particular” (http://www.cedac.org. produtos (aumentando a venda ou o preço) [...]”
br/OSCIP.pdf. Acessado em 30 de janeiro de 2008). (MONTAÑO, 2003, p. 58).
O terceiro setor1 “[...] é constituído por organiza-
ções sem fins lucrativos e não governamentais, que O terceiro setor e a sociedade civil
têm como objetivo gerar serviços de caráter públi- Marilda Villela Iamamoto (2007, p. 204) tam-
co” (http://www.filantropia.org/OqueeTercei-roSe- bém discute o terceiro setor. Segundo a autora, essa
tor.htm. Acessado em 19 de agosto de 2008). é a “interpretação governamental” que distingue o
Carlos Montaño (2003, p. 53), num estudo sobre terceiro setor (ligado a “organizações da socieda-
o terceiro setor2 e a questão social, questiona essa de civil de interesse público”)4 do primeiro setor
divisão da sociedade. Para ele, foram “intelectuais (o Estado) e do segundo setor (mercado). Nas pa-
orgânicos do capital” que elaboraram o conceito de lavras da autora, o terceiro setor é
terceiro setor, “[...] e isso sinaliza clara ligação com
os interesses de classe, nas transformações necessá- [...] considerado como um setor “não governa-
rias à alta burguesia”. mental”, “não lucrativo” e voltado ao desenvolvi-
Segundo ele, o termo “terceiro setor” “é construí- mento social, que daria origem a uma “esfera pú-
do a partir de um recorte do social em esferas”. Essa blica não estatal”, constituída por “organizações
divisão passa a ideia de uma certa independência da sociedade civil de interesse público”. No marco
entre os setores, quando, na verdade, os três (o pri- legal do terceiro setor no Brasil são incluídas enti-
meiro setor corresponde ao Estado, o segundo, ao dades de natureza as mais variadas, que estabele-
mercado e o terceiro, à sociedade civil) estão ligados cem um termo de parceria entre entidades de fins
um ao outro. públicos de origem diversa (estatal e social) e de
No que se refere à hierarquia estabelecida entre natureza distinta (pública ou privada). (IAMA-
os setores, Montaño (2003, p. 54) observa que, se MOTO, 2007, p. 204)
a sociedade civil produz o mercado e o Estado, ela
deveria ser o primeiro setor e não o terceiro.
3
Para Landin (1999:70 apud Montaño, 2003, p. 53, nota de
1
Peculiarmente, no IV Encontro do Terceiro Setor, realizado rodapé no 1), são do terceiro setor igreja, hospitais, museus, or-
na Argentina, em 1998, definiu-se “[...] como organizações do questras sinfônicas, organizações de assistência social de vários
‘terceiro setor’, aquelas que são privadas, não governamentais, tipos, bibliotecas, universidades, escolas privadas, grupos de
sem fins lucrativos, autogovernadas, de associação voluntária teatro.
cf. Acotto e Manzur, 2000:4” (MONTAÑO, 2003, p. 55).
4
As OSCIPs “[...] são ONGs, criadas por iniciativa privada [...]”.
2
“Surge como conceito cunhado, nos EUA, em 1978, por John D. Essas organizações “[...] podem celebrar com o poder público
Rockefeller III. Ao Brasil chega por intermédio de um funcionário os chamados termos de parceria [...]” (http://www.cedac.org.
da Fundação Roberto Marinho” (MONTAÑO, 2003, p. 53). br/OSCIP.pdf. Acessado em 30 de janeiro de 2008).
42
43
os movimentos sociais cresceram, mas, nos anos vidas pelo Estado.13 Por outro lado, a atuação na
1990 houve um aumento das ONGs. A partir daí, geração de emprego abriu um campo de trabalho
mudou a direção do trabalho das ONGs. A título para o assistente social e outros profissionais.
de esclarecimento, podem ser citados dois aspectos
do estudo desses autores. ■■ Concluindo
Um deles se refere à parceria das ONGs com Para Montaño (2003) foram “intelectuais orgâ-
o Estado.11 Segundo Montaño (2003, p. 274), as nicos do capital” que elaboraram o conceito de ter-
ONGs assumiram o papel das organizações sociais ceiro setor, que logo deixa clara uma ligação com
na perspectiva de “pedido”, de “negociação” entre os interesses de classe. A divisão em setores passa a
parceiros, e não de luta ou de reivindicação. Isso ideia de uma certa independência entre eles, quan-
provocou a despolitização e o esvaziamento das do, na verdade, os três (o primeiro setor corres-
organizações sociais.12 ponde ao Estado, o segundo, ao mercado e o tercei-
O outro aspecto diz respeito aos dois momentos ro, à sociedade civil) estão ligados um ao outro.
de atuação das ONGs detectados por Gohn (1998, Segundo Iamamoto (2007 p. 204) essa é a “in-
pp. 13–15): de 1970 a 1980, as ONGs eram arti- terpretação governamental” que distingue o tercei-
culadas politicamente e exerciam a militância e as ro setor (ligado às “organizações da sociedade civil
pressões sociais, e na década de 1990, elas deixaram de interesse público”) do Estado (primeiro setor) e
de se articular. Cabe lembrar as pressões exercidas do mercado (segundo setor).
pelas ONGs ambientalistas. Nessa conformação, entidades da sociedade ci-
Para a autora “[...] a partir dos anos 1990, o BM vil, como “instituições filantrópicas”, voluntariado,
[Banco Mundial] adota uma postura de diálogo e organizações não governamentais e empresas, po-
privilegiamento de ações e parcerias com ONGs” dem estabelecer termos de parceria com o poder
(GOHN, 1998, pp. 15–16). Elas passaram a atuar público.
“[...] na geração de empregos e oportunidades de Iamamoto (2007, p. 204) chama a atenção para
trabalho temporário, sem vínculo empregatício “a tendência de estabelecer uma identidade entre
[...] e na requalificação de trabalhadores [...]” de- terceiro setor e sociedade civil”, dando a entender
mitidos para a redução de custos ou por falta de que na sociedade civil não há conflitos de classe.
habilidades tecnológicas (GOHN, 1998, p. 16). O empresariado tem deixado de realizar ações
De posições contestadoras, nos anos 1970 e 1980, pontuais, pois o avanço tecnológico tem exigido
a partir dos anos 1990, as ONGs, apoiadas finan- dele investimentos na qualificação profissional e
ceiramente por entidades ligadas ao governo, estão atenção quanto aos mecanismos ambientais.
assumindo atribuições que, antes, eram desenvol- Hoje, de posições contestadoras, nas décadas de
1970 a 1980, depois dos anos de 1990, as ONGs
passaram a exercer parcerias com o governo para
11
Depois dos anos 1970, as ONGs articulavam e captavam re-
desenvolver ações que eram da atribuição do Esta-
cursos para os movimentos sociais (elas lutavam contra as di- do. Por outro lado, a atuação na geração de empre-
taduras, a opressão, a exploração e por melhorias específicas) go abriu um campo de trabalho para o assistente
(MONTAÑO, 2003, p.270). “Isto é, a população, para além
de seus eventuais vínculos partidários e/ou sindicais, formava social e outros profissionais.
parte de movimentos sociais, constituídos para dar respostas
a necessidades específicas, ou para lutar por/contra situações
mais estruturais” (MONTAÑO, 2003, p. 271).
12
“Revitalizar os movimentos sociais articulados – e não a so-
ciedade civil – e ressituar a ONG como sua ‘parceira’ – e não do 13
Com o Estado, as ONGs são contratadas ou trabalham em
Estado ou da empresa/fundação capitalista – é tarefa essencial” parceria e “[...] desempenham, de forma terceirizada, as fun-
(MONTAÑO, 2003, p. 274). ções a ele atribuídas [...]” (MONTAÑO (2003, p. 57).
44
** ANOTAÇÕES
45
AULA
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do
8
A Importância de o Assistente Social
Conhecer a Sociedade Contemporânea
■■ Conteúdo
• O Serviço Social na sociedade contemporânea
Serviço Social
■■ Competências e habilidades
• Compreender o processo de formação do assistente social
• Reconhecer as repercussões da reorganização do trabalho na classe trabalhadora
• Reconhecer os novos mercados de trabalho do assistente social
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
46
contemporânea interferem no trabalho desse pro- vidades nos espaços entrecortados das ruas e das
fissional. calçadas. Mesmo quando lhes é oferecida uma so-
Isso é tão verdade que as mudanças efetuadas lução urbanística oficial, nela ainda está presente o
pelo capital alteram as expressões da questão social componente da informalidade.
e o seu enfrentamento. Cabe lembrar as perdas que
os trabalhadores vêm sofrendo com a terceirização. Como o trabalho do assistente social tem
A indústria acompanhado as mudanças sociais brasileiras?
Para Iamamoto e Carvalho (2006), o Serviço
[...] cria em torno de si uma rede de pequenas e Social nasceu do movimento católico e das deman-
médias empresas fornecedoras de peças, insumos das do Estado, na década de 1930. Segundo Netto
e serviços. Transformam-se grandes empresas em (2006), a renovação do Serviço Social tradicional
simples ‘montadoras’, dando origem ao fenômeno teve início a partir da perspectiva modernizadora2,
da terceirização (IAMAMOTO, 2006, p. 177). na década de 1960. No final dos anos 1970, mani-
festou-se a perspectiva da reatualização do conser-
A terceirização adotada pelas entidades públicas vadorismo e a perspectiva da intenção de ruptura,
e particulares concorre para “[...] a crescente perda criando força nos anos 1980.3 Os anos 1990 foram
dos direitos sociais, o aumento do trabalho tem- marcados pelas perdas sociais.
porário, os altos índices de desemprego estrutural, Como afirmam Iamamoto e Carvalho, o Servi-
observando-se o crescimento das chamadas “taxas ço Social insere-se na divisão social do trabalho
naturais de desemprego”’ (IAMAMOTO, 2006, do capitalismo.4 Assim, o assistente social é um
p. 177). dos trabalhadores requisitados pelo capitalismo
Basta prestar atenção à forma como vem sendo monopolista para atuar nas expressões da questão
realizado o serviço de limpeza em grande parte das social, por isso é necessário que ele acompanhe as
empresas e das instituições públicas. Muitos traba- mudanças sociais.
lhadores que ali prestam serviço foram demitidos.
Isso mostra que o capital exige uma produção “[...]
com maior eficiência e menor custo” (IAMAMO- IMPORTÂNCIA DE O ASSISTENTE SOCIAL
TO, 2006, p. 177).
Quando o trabalhador não consegue disputar
2
Condicionado pelo regime militar e pelos padrões mo-
uma vaga no trabalho formal, o próprio sistema nopolistas do capital, o Serviço Social teve que inovar as suas
cria e recria as “relações não capitalistas de pro- práticas tradicionais na perspectiva da modernização conser-
dução”. Por exemplo, “[...] revigora-se o trabalho vadora.
47
5
A esse respeito, Iamamoto (2006, p. 179) registra a situação 7
Com esse intuito têm sido desenvolvidas “[...] experiências
das empresas localizadas em países que não passaram pelo de estruturação de disciplinas, que se esforçam por integrar,
processo de industrialização e os trabalhadores dessas empre- organicamente, fundamentos históricos, teóricos e metod-
sas sem experiência sindical. ológicos do Serviço Social” (IAMAMOTO, 2006, p. 191).
48
9
No Estado, nas empresas e/ou nas organizações da sociedade
civil, o trabalho do assistente social depende de “[...] recur- 10
Na prestação de serviços sociais, “[...] não existe criação capi-
sos previstos nos programas e projetos da instituição que o talista de valor e mais-valia, visto que o Estado não cria riquezas
requisita e o contrata, por meio dos quais é exercido o trabalho ao atuar no campo das políticas sociais públicas” (IAMAMO-
especializado” (IAMAMOTO, 2006, p. 63). TO, 2006, p. 70).
49
50
AULA
9
A Assistência Social e o Serviço Social
■■ Conteúdo
• Os primórdios da assistência social
• A assistência social especializada
• As primeiras escolas de Serviço Social
• Outros elementos que ajudam a compreender a assistência
■■ Competências e habilidades
• Reconhecer a prática da assistência social nos períodos históricos da humanidade
• Compreender a necessidade da assistência social na sociedade monopolista
Social
• Distinguir as características do Serviço Social europeu das características do Serviço Social
latinoamericano
• Apreender a importância do Serviço Social na organização da sociedade neoliberal
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
51
1
“No velho Egito, na Grécia, na Itália, na Índia, enfim, nos mais 4
Olhando para os dias atuais, percebe-se que muitas pessoas
diferentes pontos do mundo antigo, a assistência era tarefa possuem as mesmas necessidades: gêneros alimentícios, roupas,
reservada às Confrarias do Deserto, cujo surgimento remonta calçados, entre outros elementos que são essenciais para a so-
a 3.000 a.C., com o objetivo de facilitar a marcha das caravanas brevivência.
no deserto” (MARTINELLI, 2006, p. 96).
5
“Concorda-se geralmente que o capital monopolista teve iní-
2
Esses filósofos já se preocupavam com a assistência social de cio nas últimas duas ou três décadas do século XIX” (BRAVER-
forma sistematizada e não apenas de forma esporádica. MANN, 1987, p. 215).
52
Estado e à Igreja para criar a Sociedade de Orga- científicas”, realizada por essa entidade, era uma es-
nização da Caridade. A entidade entendia que era tratégia para garantir a hegemonia burguesa.9
preciso impedir “as práticas de classe dos trabalha- No final do século XIX e início do século XX, a So-
dores” e suas “manifestações coletivas” para manter ciedade de Organização da Caridade era “a entidade
o controle da questão social e alcançar o “funciona- de maior porte no âmbito da assistência social”.
mento social adequado”, é o que indica Martinelli Dessa forma, a Inglaterra foi pioneira em orga-
(2006, p. 99). nizar a assistência social e a Sociedade de Organiza-
Ainda conforme Martinelli (2006, p. 103), a So- ção da Caridade inglesa (a primeira da Europa) teve
ciedade assumiu a assistência social como “reforma um papel relevante. Nos Estados Unidos, Josephine
de caráter”, já que a burguesia tratava as reivindica- Shaw Lowell criou a primeira Sociedade de Organi-
ções e a subsistência dos trabalhadores como “pro- zação da Caridade, em Nova York, em 1907.
blemas de caráter”.6
Charles Loch iniciou seu trabalho na organiza- AS PRIMEIRAS ESCOLAS DE SERVIÇO SOCIAL
ção da assistência social e na Sociedade de Organi- Como foi dito, para fazer frente às lutas operárias,
zação da Caridade, em 1875. Ele propôs um lugar a burguesia da Inglaterra (território onde ocorreu a
de atendimento às famílias pobres e às famílias dos Revolução Industrial e as primeiras manifestações
trabalhadores,7 claro, sem desconsiderar a visita do- do movimento operário), aliada ao Estado e à Igre-
miciliar.8 ja, criou a Sociedade de Organização da Caridade.
Para a autora,“[...] só coibindo as práticas da clas- Pode-se afirmar que as Sociedades de Organi-
se dos trabalhadores, impedindo suas manifestações zação da Caridade tiveram um significado especial
coletivas e mantendo um controle sobre a ‘questão para o Serviço Social, tanto é que: “Em seus esforços
social’ é que se poderia assegurar o funcionamento de racionalizar a assistência, ela criara a primeira
social adequado” (MARTINELLI, 2006, p. 99). Con- proposta de prática para o Serviço Social no terço
clui Martinelli (2006, pp. 100 e 104) que a tarefa de final do século XIX” (MARTINELLI, 2006, p. 99).
“racionalizar a assistência e reorganizá-la em bases A necessidade de qualificar “agentes profissio-
nais” para realizar a assistência social levou à criação
das primeiras escolas de Serviço Social na Europa e
6
Octavia Hill, na Inglaterra, e Josephine Shaw Lowell, em Nova nos Estados Unidos.
York, defendiam o uso do inquérito domiciliar “[...] tanto para
regularizar a concessão de auxílios quanto para promover a re-
integração do indivíduo, conforme proposta de Nightingale”
As escolas europeias
(MARTINELLI, 2006, p. 105). De acordo com Martinelli (2006, p. 104), a So-
ciedade de Organização da Caridade da Inglaterra
7
O pastor Samuel Barnett e sua esposa Henriette Rouland cri-
aram o Centro Social de Ação Social para atender às famílias realizou em Londres, em 1893, o primeiro “Curso
dos operários e os pobres, em geral, em Londres (1884), um dos de Formação de Visitadores Sociais Voluntários”.
desdobramentos dessa proposta. Estava aí a base do organismo
que a Sociedade da Organização da Caridade iria assumir e di-
Somente em 1899 foi criada “[...] a primeira escola
vulgar como o mais adequado para a realização da prática da europeia em Amsterdã, Holanda. Nesse mesmo ano,
assistência: o settlement inglês, precursor das agências e centros Alice Salomon iniciou em Berlim os cursos para agen-
sociais” (MARTINELLI, 2006, p. 104).
tes sociais, que acabaram por dar origem à primeira
8
O trabalho de visitar as famílias operárias era importante escola alemã em 1908” (MARTINELLI, 2006, p. 107).
porque permitia conhecer “[...] in loco as condições de moradia
e de saúde da classe trabalhadora e de socializar o ‘modo capi-
talista de pensar’” (MARTINELLI, 2006, p. 104). Na Inglaterra,
Florence Nightingale (1851) elegeu a visita domiciliar como 9
Isso é tão verdade, que a “[...] assistência posicionava-se como
instrumento para desenvolver ações educativas e Octavia Hill um, entre outros, mecanismo acionado pelo Estado burguês
(1865) realizou um trabalho de educação familiar e social, é o para garantir a expansão do capital” (MARTINELLI, 2006, p.
que indica Martinelli (2006, p. 103). 100).
53
“Em 1908, fundou-se na Inglaterra a primeira es- “Contando com um amplo apoio da Igreja e da bur-
cola de Serviço Social, não ainda com esta denomi- guesia, esse organismo se transformou em um nú-
nação, porém já incorporada à Universidade de Bir- cleo de sensibilização e mobilização de leigos para a
mingham” (MARTINELLI, 2006, p. 107). Segundo ação social” (MARTINELLI, 2006, p. 120).
ela, em Paris, foram criadas duas escolas de Serviço A autora mostra a abrangência da UICSS: “Trata-
Social, uma, em 1911, de orientação católica, e ou- va-se já de um organismo de maior porte e que exer-
tra, de orientação protestante, em 1913. ceu grande influência não só sobre o Serviço Social
A partir da primeira escola católica de Paris, em europeu como também sobre o latino-americano”
1911, a França funcionou “[...] como um verdadeiro (MARTINELLI, 2006, p. 120).
polo irradiador da vertente católica da prática pro- Conclui-se, então, que o movimento católico in-
fissional” (MARTINELLI, 2006, p. 119).10 ternacional influenciou as instituições católicas bra-
Também foram criados “pequenos núcleos asso- sileiras da década de 1920 e de 1930, que estudavam
ciativos de assistentes sociais católicos”, que “[...] se a doutrina social da Igreja e a realidade social, bem
dedicavam à reflexão sobre a ‘questão social’, sobre como as primeiras escolas de Serviço Social latino-
a doutrina social da Igreja e sobre suas implicações americanas, entre as quais as brasileiras.
para a prática profissional” (MARTINELLI, 2006, p.
119). Apesar da preocupação voltada para a forma- As primeiras escolas norte-americanas
ção especializada, junto com Mary Richmond12, membro da Sociedade de Or-
ganização da Caridade de Baltimore, contribuiu com
[...] o discurso da prática científica apoiada em a especialização da assistência norte-americana. Na
conhecimentos sociológicos, em pesquisas empí- Conferência de Caridade e Correção, de Toronto,
ricas, em abordagens globais dos problemas so- em 1897, Mary Richmond13 declarou-se a favor do
ciais, conforme proclamado pelas lideranças da ensino especializado, assim indica Martinelli (2006,
Sociedade de Organização da Caridade, convivia p. 106). Confira na transcrição abaixo:
uma prática assistencial, que tinha suas origens no
século XVII, com São Vicente de Paulo. (MARTI- Visualizando o inquérito como um instrumento
NELLI, 2006, p. 117) de fundamental importância para a realização do
diagnóstico social e, posteriormente, do tratamen-
Mesmo depois que foram criados os “pequenos to, acreditava Richmond que só por meio do ensino
núcleos associativos” de assistentes sociais católicos, especializado poder-se-ia obter a necessária qualifi-
a partir da escola de Paris, a prática assistencial con- cação para realizá-lo. (MARTINELLI, 2006, p. 106)
tinuou sem inovações.
Um parêntese: dos “pequenos núcleos associati- Efetivamente, Richmond lutava pelo ensino es-
vos” à UICSS. pecializado. Segundo Martinelli (2006, p. 106), na
Para Martinelli (2006, p. 120), do exercício dos Conferência de Toronto, Mary Richmond propôs
“pequenos núcleos associativos” emergiu a União uma escola para o ensino de Filantropia Aplicada.
Católica Internacional de Serviço Social (UICSS).11 Em 1898, foi realizado um “curso de aprendizagem
da ação social”, que resultou na criação da primei-
10
Cabe lembrar que essa foi a vertente que esteve na base das
primeiras escolas de Serviço Social latino-americanas.
11
Vale lembrar que a UICSS foi criada na I Conferência 12
Segundo Lima (1976, p. 53), Mary Richmond e Pe. Bowe
Internacional de Serviço Social (1925), em Milão, na Itália. foram os criadores da técnica do Serviço Social de Caso.
A UICSS influenciou o Serviço Social europeu e latino-
americano, assumindo, inclusive, a liderança de formação 13
Mary Richmond fez estudos sobre as bases científicas e a
profissional a partir de 1930. prática da assistência.
54
ra escola de Filantropia Aplicada, em Nova York, no americano e o Serviço Social europeu. Depois de
ano de 1899. 1920, nos Estados Unidos, fortaleceu-se a Associa-
Mary Richmond14 foi influenciada pelas ideias ção Nacional dos Trabalhadores Sociais, predomi-
de Florence Nightingale (1851), da Inglaterra, e in- nando a denominação de trabalhador social. Na
fluenciou os cursos regulares de formação de agen- Europa foi diferente, o pensamento católico exercia
tes sociais voluntários, ministrados pela Sociedade a sua hegemonia e permaneceu a denominação de
de Organização da Caridade. assistente social.16
Ela estabeleceu “[...] como objetivo de seus pri-
meiros cursos o preparo de visitadoras domiciliares OUTROS ELEMENTOS QUE AJUDAM
(home visitors), o que absorvia e ampliava a ideia A COMPREENDER A ASSISTÊNCIA
das “visitadoras de saúde” (health visitors), criadas A prática da assistência na sociedade medieval
por Nightingale” (MARTINELLI, 2006, p. 109). era desenvolvida pelos príncipes e pela Igreja, e na
Ao considerar os problemas sociais como pro- sociedade moderna, Juan Luis Vives, no século XVI,
blemas de caráter, Mary Richmond “[...] concebia implantou um sistema para corrigir os pobres dos
a tarefa assistencial como eminentemente reinte- seus vícios.
gradora e reformadora do caráter” (MARTINELLI, No século XVIII e XIX, segundo Faleiros (2006, p.
2006, p. 106). 182), foram instituídos na Inglaterra os “workhou-
A partir daí pôde-se verificar a importância que ses” que davam trabalho aos pobres nos albergues,
teve Mary Richmond no processo de profissionali- uma vez que a assistência era vista como causadora
zação dos trabalhadores da assistência social. da preguiça.
Para Martinelli (2006, p. 115), a escola de Filan- Para Faleiros (2006, p. 187), em decorrência dos
tropia Aplicada foi incorporada pela Universidade desastres que a Primeira e a Segunda Guerras Mun-
de Colúmbia, em Nova York, passando a denomi- diais (no século XX) causaram à humanidade, fo-
nar-se escola de Trabalho Social, em 1919. ram instituídas políticas sociais.
Segundo ela, em 1920, foi criada em Nova York a O reordenamento social dos anos 1990 passou
Associação Nacional de Trabalhadores Sociais, que a exigir que o trabalhador acompanhe as inova-
encampou a Sociedade de Organização da Carida- ções tecnológicas e, em algumas situações, tenha
de, a partir da década de 1940. de comprar um computador e seus acessórios. Na
Ainda conforme a autora, o aumento do núme- medida em que o avanço tecnológico tem concor-
ro de escolas levou a Sociedade de Organização da rido para aumentar o desemprego, o domínio do
Caridade a realizar a I Conferência Nacional de Tra- trabalho informatizado vai-se convertendo em um
balhadores Sociais, em Nova York, no ano de 1916. critério de seleção.
Nesta Conferência, Mary Richmond15 sugeriu a de- Olhando a questão por outro prisma, são tenta-
nominação Trabalho Social para o Serviço Social e doras as mercadorias sofisticadas expostas nas vitri-
trabalhadores sociais para os assistentes sociais. nes do comércio e/ou nos engenhosos sites da inter-
É interessante observar a comparação que Marti- net. Às vezes, o trabalhador, possuidor do cartão de
nelli (2006, p. 119) faz entre o Serviço Social norte- crédito eletrônico, é levado a comprar somente pelo
fascínio que exercem os produtos tecnológicos. En-
14
“Na América do Norte, o Serviço Social, especialmente o de
Casos, deve a Mary Richmond seu conteúdo lógico e coerência
interna” (LIMA, 1976, p. 53). 16
Maria Carmelita Yasbek faz uma distinção entre as escolas
de Serviço Social europeias e as norte-americanas: “[...] dis-
15
“Em 1917, Mary Richmond intenta ‘racionalizar’ esta assisten- tinguem-se as escolas norte-americanas das europeias, que se
cia dándole una visión ‘terapéutica’, considerando a la ‘cuestión caracterizam mais pelo ensino de matérias aplicadas à assistên-
social’ como una enfermedad, que necessitaba de diagnóstico y cia social que pelo ensino específico de cursos de Serviço Social
tratamiento, a partir del individuo” (FALEIROS, 1973, p. 18). [...]” (YASBEK, 1980, p. 50).
55
quanto o trabalhador entra na onda do consumis- culo XIX), a burguesia inglesa aliou-se ao Estado e
mo, há uma grande massa de miseráveis vulnerável à Igreja para criar a Sociedade de Organização da
às fragilidades da vida. Caridade.
Além de tantos outros estigmas da pobreza, Fa- A Sociedade entendia a necessidade de impe-
leiros (2006, p. 184) chama a atenção para a classifi- dir “as práticas de classe dos trabalhadores” e suas
cação das pessoas em adaptadas e não adaptadas. “manifestações coletivas” para manter o controle da
Os adaptados são os que têm trabalho e rece- questão social e alcançar o “funcionamento social
bem um salário mínimo ou reduzido que atende adequado”.
às necessidades de habitação, saúde, alimentação e, No final do século XIX e início do século XX, a So-
ainda, conseguem guardar um pouco na poupan- ciedade de Organização da Caridade era “a entidade
ça “[...] além de respeitar às normas estabelecidas” de maior porte no âmbito da assistência social”. A In-
(FALEIROS, 2006, p. 184). glaterra foi pioneira em organizar a assistência social
Os desadaptados são os que não cumprem as e a Sociedade de Organização da Caridade inglesa, a
normas sociais e vão para a criminalidade, droga, primeira da Europa. Nos Estados Unidos, Josephine
antidepressivos “[...] ou por sua falta individual de Shaw Lowell criou a primeira Sociedade de Organi-
buscar trabalho (supondo-se que a oferta de traba- zação da Caridade, em Nova York, em 1907.
lho exista para todos)” (FALEIROS, 2006, p. 184). As manifestações operárias e o interesse em es-
Aos desempregados abriu-se a via da informali- tabelecer um controle social dos trabalhadores le-
dade no trabalho e ao empresário, a via da terceiri- varam à criação das primeiras escolas de Serviço
zação, contudo, no discurso neoliberal, o indivíduo Social na Europa e nos Estados Unidos, para espe-
é o responsável pelo seu sucesso ou pelo seu insu- cializar os trabalhadores da assistência social.
cesso. Aqui cabe uma questão: em uma sociedade A primeira escola europeia de Serviço Social foi
na qual o desempregado não tem lugar, como lutar criada em Amsterdã, Holanda, em 1899. Na Alema-
para ampliar o mercado de trabalho? nha e na Inglaterra, em 1908. Na França, foram cria-
das duas escolas, uma, em 1911, de orientação cató-
■■ Concluindo lica, e outra, de orientação protestante, em 1913.
Na Antiguidade, a assistência social era desenvol- Depois da escola católica parisiense, surgiram os
vida pelas “Confrarias do Deserto”, posteriormen- “pequenos núcleos associativos de assistentes so-
te, elas se estenderam para as populações urbanas. ciais católicos”, que deram origem à União Católi-
Nesse período, Platão, Sêneca e Cícero já apontavam ca Internacional de Serviço Social (UICSS), que se
para a racionalização da assistência. transformou em um núcleo de sensibilização e mo-
Os judeus dirigiam a assistência às viúvas, aos bilização de leigos para a ação social. O pensamento
órfãos e aos idosos, e os cristãos agregaram nessa católico foi hegemônico no Serviço Social europeu
atividade a dimensão espiritual. No século XVII, e no Serviço Social da América Latina.
São Vicente de Paulo, na França, trouxe de volta o Mary Richmond propôs uma escola para o en-
modelo das confrarias para a assistência, e Frederi- sino de Filantropia Aplicada, na Conferência de
co Ozanam criou as Conferências de São Vicente de Toronto, em 1897. A partir de suas ideias, em 1898,
Paulo, em Paris (1833). Na Revolução Francesa, no foi realizado um “curso de aprendizagem da ação
século XVIII, o “Comitê de Mendicância” propôs a social” que resultou na criação da primeira escola
assistência social como direito e dever do Estado. de Filantropia Aplicada, em Nova York, no ano de
Tanto o movimento operário como a burguesia 1899.
contribuíram para a assistência social especializa- Ela influenciou os cursos regulares de formação
da. Em resposta à força política dos trabalhadores de agentes sociais voluntários, ministrados pela
organizados e ao seu posicionamento de classe (sé- Sociedade de Organização da Caridade, tendo por
56
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** ANOTAÇÕES
60
FUNDAMENTOS
■■
HISTÓRICOS, TEÓRICOS
E METODOLÓGICOS DO
SERVIÇO SOCIAL
Unidade Didática – Fundamentos Históricos
e Teóricos do Serviço Social
Olá, acadêmico(a)!
Ao abordarmos os fundamentos históricos e metodológicos do Serviço Social II, nós acompanharemos o
século XX e seus grandes acontecimentos e a partir desses, analisaremos e desenvolveremos alguns métodos
aplicáveis ao nosso trabalho social.
De 1900 a 1950 houve na Europa a Primeira e Segunda Guerra Mundial e ainda, a Revolução Russa e a
Revolução Espanhola. Foram os maiores conflitos vivenciados pela humanidade moderna.
Acompanhar e entender esses fatos ocorridos em menos de 50 anos num mesmo continente, nos levará a
entender o absurdo das ações humanas e o sofrimento consequente. De 1959 aos dias atuais o crescimento
econômico é constante, mas a grande maioria, aquela quem mais contribui para esse desenvolvimento per-
maneceu esquecida e desamparada. O crescimento da economia a qualquer preço ou ao custo do sofrimento
humano apresenta a seguinte questão: Onde está a dignidade humana?
A América Latina passou pela ditadura de militares, inclusive o Brasil (1964 a 1978) e hoje excepcional-
mente Cuba ainda vive sob esse regime com Fidel Castro (1926) que permanece no poder desde 1959.
A partir dos anos 1950 uma grande desigualdade social se faz notar, assim como o surgimento de grandes
latifundiários. O sofrimento humano causado pela injustiça social da América Latina entre os anos 1960 e
1970, não está longe de uma solução. Atualmente vivemos na democracia, mas ainda há regiões de extrema
pobreza.
Assim sendo acadêmicos (as), vocês que já estudaram várias disciplinas como a filosofia, a sociologia, a an-
tropologia e psicologia social, terão agora condições de analisar os problemas sociais e aptos a desenvolverem
projetos de curto e longo prazo, voltados ao resgate da dignidade humana e melhoraria da qualidade de vida
das pessoas.
Boa sorte e vamos ao trabalho!
Professor Esp. Jorge Oliveira Rocha
Professora Ma. Laura Márcia Rosa dos Santos
■■ Conteúdo
• Revolução Francesa: O Iluminismo
• A República Francesa
• Auguste Comte: A Sociologia e o Positivismo
do Serviço Social
• A fenomenologia
• Karl Marx: O Marxismo
■■ Competências e habilidades
• Compreender os problemas sociais à época da Revolução Francesa
• Identificar as condições da população à época do surgimento da Sociologia e do Positivismo
de August Comte
• Compreender a situação socio-política e econômica que levaram ao surgimento do Marxis-
mo e sua influência no Serviço Social
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
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Em setembro de 1791 fica pronta a Constituição ponsável pela preservação dos elementos perma-
que institui a monarquia parlamentar, a igualdade nentes de toda ORGANIZAÇÃO SOCIAL.
civil. Confisca os bens da Igreja e proíbe greves e As instituições que mantêm a coesão e garantem
associações operárias. Luiz XVI tenta reverter a si- o funcionamento da sociedade – por exemplo: fa-
tuação, mas é preso e, em 20 de setembro de 1792, mília, religião, propriedade, linguagem, direito etc.
Marat, Robespierre e Danton assumem o governo. – seriam responsáveis pelo movimento estático da
O ideal de liberdade, igualdade e fraternidade sociedade. Comte relacionava os dois movimentos
proclamado pela Revolução Francesa abre caminho vitais de modo a privilegiar o estático sobre o dinâ-
para o capitalismo industrial francês, garantido na mico, a conservação sobre a mudança. Isso signifi-
Constituição de 1795, que consolida as aspirações cava que, para ele, o progresso deveria aperfeiçoar
da burguesia centrada em “garantir a propriedade os elementos da ordem e não destruí-los.
do rico, a existência do pobre, o usufruto do ho- Assim se justificava a intervenção na sociedade
mem industrioso e a segurança de todos”. sempre que fosse necessário assegurar a ordem ou
As ideias iluministas trazem para a sociedade da promover o progresso. A existência da sociedade
época uma nova visão de mundo, libertando o pen- burguesa industrial era defendida tanto em face dos
samento humano da tutela da fé religiosa e dando movimentos reivindicativos que aconteciam em seu
espaço para a razão. próprio interior quanto em face da resistência das
sociedades agrárias e pré-mercantis em aceitar o
AUGUSTE COMTE: A SOCIOLOGIA modelo industrial e urbano.
E O POSITIVISMO O Positivismo de Comte foi a primeira corrente
Auguste Comte (1798-1857) nasceu em Montellier, teórica sistematizada de pensamento sociológico; a
França. Era de família católica e monarquista. Viveu primeira a definir precisamente o objeto, a estabe-
a infância na França napoleônica. Estudou no lecer conceitos e uma metodologia de investigação.
colégio de sua cidade e depois em Paris, na Escola Além disso, o positivismo, ao definir a especifici-
Politécnica. Tornou-se discípulo de Saint-Simon, de dade do estudo científico da sociedade, conseguiu
quem sofreu forte influência. Devotou seus estudos distinguir-se de outras ciências estabelecendo um
à filosofia positivista, considerada por ele uma espaço próprio à ciência da sociedade.
religião, da qual era pregador. O positivismo derivou do “cientificismo”, isto é,
Segundo sua filosofia política, existia três esta- da crença no poder exclusivo e absoluto da razão
dos: um teológico, outro metafísico, e um posi- humana em conhecer a realidade e traduzi-la sob a
tivo. Este último representava o coroamento do forma de leis naturais. Essas leis seriam a base da re-
progresso da humanidade. Distinguia as ciências gulamentação da vida do homem, da natureza como
de abstratas e concretas, sendo a mais complexa e um todo e do próprio universo. Seu conhecimento
profunda a Sociologia, ciência que batizou em sua pretendia substituir as explicações teológicas, filo-
obra Curso de Filosofia Positiva, em seis volumes, sóficas e de senso comum por meio das quais – até
publicada entre 1830 e 1842. então – o homem explicava a realidade.
Publicou também: Discurso sobre o conjunto do Época histórica:
positivismo, Sistema de política positiva, Catecismo • Rápida evolução do conhecimento das ciências
positivista e Síntese subjetiva. naturais – física, química, biologia.
Identificou na sociedade dois movimentos vi- • O visível sucesso de suas descobertas no incre-
tais: chamou de dinâmico o que representava a mento da produção material e controle das for-
passagem para formas mais complexas de existên- ças da natureza atraíram os primeiros cientistas
cia, como a industrialização; e de estático o res- sociais para o seu método de investigação.
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66
Mas, na formulação desse projeto científico, ao ções que mantém. Essas escolhas individuais são
elaborar algumas leis, restringe-se ou parcializa-se as caracterizações das subjetividades, as sínteses da
essa mesma explicação. Todas as correntes de pen- consciência em relação às ações humanas. A ciên-
samento científico continham esse fim, e o apogeu cia que tem como objetivo encontrar as determi-
dessa forma de pensar o comportamento humano nações esbarraria exatamente nessa subjetividade.
ocorreu no final do século XIX e começo do século As resistências ou as predisposições para mudanças
XX, nas teorias positivistas de Pavlov, Wundt, Skin- na forma de pensar e agir estariam envolvidas num
ner, Watson, Binet e Thorndike. Esses pesquisadores conjunto de fatores que estão extremamente envol-
aproveitaram o modelo das ciências naturais para vidos e não é apenas identificando uma única causa
poder construir um conhecimento que tivesse um que estaríamos identificando ou “controlando” um
status a altura dessas ciências. Para isso construíram comportamento. Para James, o ser humano se com-
laboratórios e procuraram encontrar o que é men- porta a partir de hábitos que se arraigam à dinâmi-
surável e constante no comportamento humano. O ca de funcionamento da mente, criando rotinas no
conceito de objetividade nas ciências formais requer fluxo da consciência e produzindo a necessidade de
sempre o uso de uma lógica, e essa lógica quer esta- identidade de todo ser humano (SILVA, 2004).
belecer uma ordem. Ou seja, todo pensamento in- Um aspecto essencial para a construção da sub-
tuitivo deve ser descartado (SILVA, 2004). jetividade em James seria o conceito de vontade.
O que se precisa na ciência é de construções hi- Como o ser humano desenvolve sua vontade e
potéticas cada vez mais próximas da realidade dos como estabelece suas metas marcarão sua persona-
fenômenos. Outros autores influenciados também lidade. Quando as pessoas sabem lidar com as suas
pelo positivismo, pensando aqui o positivismo como vontades, elas têm mais chances de encontrar um
uma preocupação em construir, empiricamente e equilíbrio mental (SILVA, 2004).
quantitativamente uma ciência do comportamento A fenomenologia está também em uma das mais
humano, não se preocuparão com mensuração, ou importantes correntes de pensamento, o Humanis-
um laboratório no sentido clássico do termo, mas mo. O Humanismo é essencialmente fenomenológi-
foram buscar uma compreensão dos mecanismos co. Os humanistas não compreendem o ser humano
mentais e sua relação com o meio. William James, a partir de uma visão mecanicista. Compreendem o
psicólogo americano, afirmava que eram necessá- ser humano como um ser que evolui, procurando
rios diferentes modelos para investigar diferentes construir valores, realização pessoal e bem-estar no
tipos de comportamentos e seus resultados. James mundo. Rogers, Maslow e Combs são os represen-
estava interessado na consciência e seu funciona- tantes maiores dessa corrente de pensamento (SIL-
mento (SILVA, 2004). VA, 2004).
Silva (2004) informa que, para ele, o pensamento
é fruto das percepções humanas e de como se elabo- KARL MARX: O MARXISMO
ra, através do próprio conhecimento, essas mesmas Karl Marx fundou o materialismo histórico, a
percepções. Segundo James, o pensamento humano corrente mais revolucionária do pensamento social
é multideterminado e flui em diferentes posições, o nas consequências teóricas e na prática social que
que permanece com um fluxo de constância mais propõe. É também um dos pensamentos mais di-
permanente seria a dinâmica da personalidade hu- fíceis de compreender, explicar ou sintetizar, pois
mana. Para James, vida subjetiva seria exatamente Marx produziu muito, suas ideias se desdobraram
a fluidez da consciência e toda sua singularidade. em várias correntes e foram incorporadas por inú-
Outro fator primordial para James seria o papel das meros teóricos.
escolhas no desenvolvimento mental. A mente está Nasceu em Trier, em 15 de maio de 1818, pai ad-
em constante processo de seleção entre as percep- vogado e mãe dona de casa, de origem judaica. Po-
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rém, entre 1816 e 1817, devido às leis antissemitas sua expulsão da França) A ideologia alemã. As teses
em vigor na Renânia, seu pai teve de escolher entre sobre Feuerbach remontam a 1845 (mas Engels só as
a religião e a profissão de advogado, e escolheu a tornou públicas em 1888), ao passo que A miséria da
profissão. Fez seus estudos secundários em Trier e filosofia, resposta à filosofia da miséria de Proudhon,
depois foi para Bonn estudar leis e, devido à vida é de 1847, escrito no qual Marx ataca o ‘socialismo
que levava, seu pai o transferiu para a Universida- utópico’ em nome do ‘socialismo científico’. Marx
de de Berlim. Doutorou-se em Filosofia com a tese permaneceu na Bélgica até 1848. E foi em janeiro de
Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito 1848 que ele ditou, juntamente com Engels, o famo-
e a de Epicuro. so Manifesto do Partido Comunista, a pedido da ‘Liga
Depois de laureado, Marx pensou em obter a dos comunistas’ (REALE; ANTISERI, 2003).
livre-docência em Bonn, onde ensinava seu amigo Desencadeado o movimento de 1848, Marx vol-
Bruno Bauer. Mas Bauer, “o Robespierre da teo- tou por breve período à Colônia, onde fundou a
logia”, foi logo afastado da universidade. E, assim, Nova Gazeta Renana, que, porém, foi obrigada qua-
como Bauer não podia apoiá-lo, encerrou-se a car- se que imediatamente a suspender suas publicações
reira acadêmica de Marx. Assim, Marx passou ao (REALE; ANTISERI, 2003).
jornalismo, tornando-se redator da Gazeta Rena- De Colônia voltou para Paris, mas, tendo-lhe
na, órgão dos burgueses radicais da Renânia, onde sido proibida a permanência na capital francesa,
escreviam homens como Herwegh, Ruge, Bruno Marx partiu para a Inglaterra, lá chegando em 24 de
Bauer e seu irmão Edgar, bem como Moses Hess. agosto de 1849. Na Inglaterra, Marx se estabeleceu
Em pouco tempo, Marx tornou-se redator-chefe em Londres, onde, entre dificuldades de toda sorte,
do jornal. Entretanto, em 21 de janeiro de 1843, o conseguiu, com a ajuda financeira do seu amigo En-
jornal foi oficialmente interditado. Nesse período, gels, levar a bom termo todas aquelas pesquisas de
Marx estudou Feuerbach, e ficou entusiasmado. No Economia, História, Sociologia e política que cons-
verão de 1843, escreveu a Crítica do direito público tituem a base de O Capital, cujo primeiro volume
de Hegel, cuja introdução foi publicada em Paris, saiu em 1867, ao passo que os outros dois foram
em 1844, nos Anais franco-alemães, fundados por publicados postumamente por Engels, respectiva-
Ruge, que convidou Marx para ser codiretor. mente em 1885 e em 1894. Em 1859, saíra sua outra
Em Paris, Marx entrou em contato com Prou- obra fundamental, a Crítica da economia política.
dhon e Blanc, encontrou Heine e Bakunin e, sobre- Empenhado na atividade de organização do movi-
tudo, conheceu Friedrich Engels, que seria seu ami- mento operário, Marx conseguiu fundar, em 1864,
go e colaborador por toda a vida. em Londres, a Associação Internacional dos Traba-
De 1844 são seus Manuscritos econômico-filosófi- lhadores (a Primeira Internacional), que, depois de
cos (publicados em 1932). Nesse meio tempo, cola- vários contrastes e peripécias, dissolveu-se em 1872
borou com o Vorwarts (“Avante”), jornal dos arte- (ainda que, oficialmente, sua dissolução só tenha
sãos comunistas, difundido na Alemanha. E preci- sido decretada em 1876). A última década da vida
samente por essa colaboração pagaria o preço de ser de Marx também foi período de intenso trabalho
expulso da França (11 de janeiro de 1845). (REALE; ANTISERI, 2003).
Entrementes, amadurecia seu afastamento da es- Em 1875 publicou a Crítica ao programa de Go-
querda hegeliana. Em 1845 escreveu A sagrada famí- tha, tomando como alvo as doutrinas de Lassalle.
lia, trabalho em colaboração com Engels e dirigido Mas, mais do que qualquer outra coisa, trabalhou
contra Bruno Bauer e os hegelianos de esquerda. em O Capital. Karl Marx morreu em 14 de março de
Ainda contra eles, Marx e Engels escreveram em 1883, sendo sepultado três dias depois no cemitério
Bruxelas (onde Marx se havia refugiado depois de londrino de Highgate (REALE; ANTISERI, 2003).
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Para Marx, o homem não é alienado; ele vive hu- “O valor da força de trabalho é o valor dos meios de
manamente, quando pode humanizar a natureza, subsistência necessários para a conservação do pos-
junto com os outros, conforme uma ideia própria. suidor da força de trabalho”. O uso da força de tra-
O que distingue o pior arquiteto em relação à me- balho é o próprio trabalho. O produto do trabalho é
lhor abelha, – conforme descrito em O Capital – é propriedade não do trabalhador, mas do capitalista.
o fato de que o arquiteto construiu o casulo em sua Ora, se o proletário trabalha doze horas e em seis
cabeça antes de construí-lo de cera. O capitalismo, horas produz o tanto para cobrir o quanto o capita-
que se funda sobre a propriedade privada, faz do lista despende para o salário, o produto das outras
operário uma mercadoria nas mãos do proprietá- seis horas de trabalho é valor do qual o capitalista se
rio. A alienação do trabalho consiste antes de tudo apropria. Este valor que passa para as mãos do capi-
no fato de que o trabalho é externo ao operário, ou talista é a mais-valia (REALE; ANTISERI, 2003).
seja, não pertence a seu ser e, portanto, em seu tra- Para Marx, a estrutura econômica determinou a
balho ele não se afirma, mas se nega, sente-se não estrutura, o conjunto e outras estruturas: religiosas,
satisfeito mas infeliz, não desenvolve livre energia morais, políticas, jurídicas, entre outras. Em outras
física e espiritual, mas desgasta seu corpo e destrói palavras, para Marx, a economia determina tudo o
seu espírito (REALE; ANTISERI, 2003). que ocorre na sociedade. Para Marx, existe um pro-
O materialismo histórico é a teoria segundo a blema gravíssimo na troca de valor entre o trabalho
qual a estrutura econômica determina a superestru- realizado (mão de obra) e o que é pago para quem de-
tura das ideias. De acordo com Marx, “O moinho tém a mão de obra. Em muitos casos, paga-se a mão
movido a água vos dará a sociedade com o senhor de obra pelo tempo (hora-serviço) e não pela mão de
feudal, e o moinho a vapor a sociedade com o capi- obra em si mesma (REALE; ANTISERI, 2003).
talista industrial”. Ou ainda: “Não é a consciência Com isso, a mão de obra torna-se barata diante
dos homens que determina seu ser, mas é, ao con- do produto que produz, assim o lucro fica na in-
trário, seu ser social que determina sua consciência”. dústria (com o industrial). O operário recebe uma
Isto escreveu Marx no prefácio de a Crítica da eco- troca pela sua mão de obra, o necessário mínimo
nomia política. E, por último, “as ideias dominantes para a sobrevivência de si e de sua família. A mão
de uma época, afirmam Marx e Engels, sempre fo- de obra ou a força de trabalho irá produzir a ‘mais
ram apenas as ideias da classe dominante (REALE; valia’. O lucro real que existe entre a mão de obra,
ANTISERI, 2003). Marx chama de ‘mais valia’, o industrial investe na
No materialismo dialético, Marx inverte a dialéti- sua indústria, assim a indústria cresce cada vez mais
ca hegeliana, pondo-a em pé. Hegel aplicava o movi- porque acumula a riqueza deixada pelo operário.
mento dialético ao ‘processo do pensamento’; Marx Essa riqueza acumulada, Marx chamou de ‘mais va-
o remete ao mundo da história real e concreta, a das lia’. Para Marx, a única solução pra sair desse círculo
necessidades econômicas e sociais, dos homens. onde só o industrial agrega lucros é a revolução das
A dialética é a lei de desenvolvimento da realida- massas, onde os operários, unidos, irão lutar pelos
de histórica e exprime a inevitabilidade da passagem seus direitos (REALE; ANTISERI, 2003).
da sociedade capitalista para a comunista (REALE;
ANTISERI, 2003).
A Teoria da Mais-valia, criada por Marx, é um
!! IMPORTANTE
As informações ora apresentadas referentes
dos conceitos fundamentais da economia marxista
ao Positivismo, à Fenomenologia e ao Marxis-
e um eixo de toda a construção teórica de Marx. O
mo são apenas tópicos introdutórios que serão
capitalista adquire sobre o mercado, além do capi-
aprofundados no decorrer da explanação da
tal constante (maquinários, matérias-primas etc.),
disciplina.
também o capital variável, isto é, a força de trabalho.
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■■ Atividades
Em grupo de no máximo cinco pessoas, trocar O que é fenomenologia? Qual a contribuição
ideias sobre estes pontos. O importante é poder dessa corrente de pensamento para o Serviço So-
entender cada realidade a partir de hoje. cial?
Iluministas,quem foram,qual o papel dessas ideias? O que é marxismo? Será que as ideias de Marx
Por que houve a Revolução Francesa? Quem fo- podem ensinar-nos alguma coisa? As ideias de
ram os protagonistas dessa Revolução? Marx ainda sobrevivem?
** ANOTAÇÕES
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AULA
■■ Competências e habilidades
• Compreender a influência e a importância da Encíclica Rerum Novarum na formulação de
políticas protetivas aos trabalhadores
• Compreender que as funções do tomismo na formação de magistrados, homens políticos,
diretores de obras sociais
• Conhecer a filosofia de Durkheim e sua influência na sociologia
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
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72
liberalismo pelo individualismo que prega e o so- Foi também o Cardeal Mercier que levou a filo-
cialismo pela exortação à luta de classes. sofia de Santo Tomás para o campo social, por meio
do Código de Malinas elaborado pela União Cató-
O erro do capital na questão presente é crer que as
lica Internacional de Estudos Sociais, fundada em
duas classes são inimigas natas uma da outra, como
se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres
1920, pelo Cardeal Mercier em Malinas – Bélgica.
para se combaterem mutuamente num duelo obs- O Código de Malinas contribuiu para a restauração
tinado (Rerum Novarum, no11, p. 16 e 17). do neotomismo, que marcou sua presença na ação
social desenvolvida pelos cristãos. O principal ob-
Com base na filosofia tomista a Igreja propõe-se jetivo da União Católica Internacional de Estudos
a enfrentar a situação. Sociais era “o estudo dos problemas sociais à luz da
Tomismo é a filosofia expressa por Santo Tomás moral católica”.
de Aquino no século XIII, também chamada de O Código considera:
Filosofia Cristã ou Filosofia Perene. Com base em a) o homem é criado à imagem e semelhança de
Aristóteles, que defendia a ideia de que são duas as Deus;
situações de existência – “existir em ato ou em po- b) o homem é um ser social, não se basta sozinho;
tência”, isto é, a criança é criança em ato e adulto em c) o filósofo cristão deve ater-se, fortemente, à dig-
potência ou, a árvore existe em potência na semente nidade da pessoa humana e à necessidade da so-
e em ato na planta – Santo Tomás considera que “a ciedade para seu desenvolvimento integral;
criação divina é exatamente a responsável pela exis- d) a economia e a moral estão ligadas.
tência das coisas, que existiam apenas potencial- Assim, a Igreja, como guarda da moral, deve exer-
mente, enquanto pensamento divino”. Considera, cer uma fiscalização legítima sobre a vida econômi-
ainda, que “o homem é naturalmente um animal ca. Daí, os primeiros assistentes sociais, marcados
social”. Ligada à definição de homem como ser so- pela filosofia de Santo Tomás, manterem a posição
cial está, também, a de sociedade. Para Santo Tomás de não questionar a ordem vigente e a preocupação
a sociedade deve visar o bem comum e “toda forma em controlar a vida econômica das pessoas por eles
de autoridade deriva de Deus, respeitá-la é respeitar atendidas.
a Deus; toda forma de governo, desde que garanta
os direitos da pessoa e o bem da comunidade, é boa EMILE DURKHEIM: COERÇÃO SOCIAL
[...]”. O Estado deve respeitar a Igreja, não deve exis- Evidentemente que o que une as ciências huma-
tir conflito entre fé e razão. nas é exatamente seu objeto de estudo comum, que
Depois de marcar por muito tempo a história é o ser humano em suas diversas dimensões. A An-
filosófica do homem, o tomismo perdeu sua força tropologia, a Psicologia, a História, a Linguística, a
e só no final do século XIX e início do século XX Economia e a Sociologia formam campos específi-
retornou na chamada Corrente Progressista. Fazem cos de análise das questões referentes ao homem.
parte desta corrente: Mercier, Sertillanges e Jacques De um modo geral, o humano como objeto de
Maritain. investigação científica tem cinco séculos de história.
Mercier recebe do Papa Leão XIII a responsabili- Nasceu com o Humanismo, no século XV, e perpas-
dade pela cadeira de Filosofia Tomista na Universi- sou pelo Positivismo, no século XIX, e o Historicis-
dade de Louvain e, por meio dessa universidade, o mo, do final do século XIX e início do século XX.
tomismo começa a irradiar sua força. O tomismo A Sociologia, entretanto, permaneceu embrioná-
tinha a função de ir além do círculo eclesiástico e ria durante um longo período, talvez pela percepção
formar não só padres, mas também magistrados, tradicional dos pensadores de que a sociedade era
homens políticos, diretores de obras sociais. Esses basicamente um produto da ação humana, fruto,
progressos foram chamados de neotomismo. pois, da arte e da reflexão das pessoas. Havia um
73
certo consenso em relação a este pressuposto ra- Finalmente, merece destaque a contribuição de
cionalista em que o coletivo seria uma construção Albert Schaeffle, um cientista alemão que empresta
deliberada de um grupo segundo Rousseau, ou obra muitas ideias a Durkheim. Segundo Schaeffle, a so-
de um só, segundo Hobbes. A percepção de Aristó- ciedade não pode ser analisada como uma simples
teles de que a sociedade deveria ser vista e estudada coleção de indivíduos, ela possui dinâmica própria,
como um fato natural, e, portanto, deveria ser regi- tem, portanto, vida própria, consciência e interesses
da pelas mesmas leis da natureza, apenas foi encon- não necessariamente idênticos ou próximos à média
trar eco significativo com Montesquieu em meados dos interesses dos seus constituintes. Preocupou-se
do século XVIII. em estudar os fatos sociais como eles ocorrem na
Contudo, apenas no século XIX e principalmente realidade e trabalhou na perspectiva de análise (de-
a partir do trabalho de Augusto Comte é que são composição dos fenômenos em suas partes consti-
fundadas propriamente as bases da Sociologia. Se- tuintes) e síntese (reconstrução em que se seleciona
gundo Comte, as leis sociais são fundamentalmente o significativo do acessório) dos fatos sociais.
leis naturais. A partir desta pressuposição advoga Feito este apanhado geral, e extremamente resu-
que a sociedade é uma espécie de organismo vivo mido, acerca da história da Sociologia, pode-se com-
e os fenômenos sociais, sendo em sua essência fatos preender melhor a contribuição do francês Émile
naturais, devem poder ser analisados à luz das leis Durkheim (1858 – 1917) propriamente à Sociologia.
e métodos naturais. Assim como existe a física da Como foi referido anteriormente, Durkheim parte
natureza, deve haver uma física social que explique da ideia fundamental de Comte de que a sociedade
o comportamento do agregado dos indivíduos, que deve ser vista como um organismo vivo. Também
é a sociedade, e esta física social seria exatamente concordava com o pressuposto de que as sociedades
a Sociologia. Comte propõe o estudo científico da apenas se mantêm coesas quando de alguma forma
sociedade a partir dos procedimentos, métodos compartilham sentimentos e crenças comuns. En-
e técnicas empregados pelas ciências da natureza tretanto, critica Comte na sua perspectiva evolucio-
(biologia, química, física). Entretanto, trabalha em nista, pois entende que os povos que sucedem os an-
uma perspectiva evolucionista da humanidade, pois teriores não necessariamente são superiores, apenas
entende que o progresso da humanidade/sociedade são diferentes em sua estrutura, seus valores, seus
no tempo constitui a principal matéria da Sociolo- conhecimentos, sua forma organizacional. Entende
gia. Parte da premissa de uma constante evolução que a sequência das sociedades adapta-se melhor
geral do gênero humano e o objetivo da Sociologia à analogia de uma árvore cujos ramos se orientam
seria de determinar a ordem de tal evolução. Utiliza em sentidos opostos do que uma linha geométri-
os conceitos de humanidade e sociedade simultane- ca evolucionista. Alguns pontos fundamentais para
amente e com significados semelhantes. A perspec- compreender o pensamento de Durkheim, cuja
tiva positivista de Comte originou, por um lado, a base assenta-se em alguns pressupostos ou noções
psicologia positivista, a qual afirma que seu objeto fundamentais a serem detalhadas adiante:
não é o psiquismo enquanto consciência, mas en- • Os fatos sociais devem ser tratados como coi-
quanto comportamento e que, portanto, pode ser sas.
tratado com o método experimental das ciências • A análise dos fatos sociais exige reflexão prévia
naturais, e, por outro lado, a sociologia positiva, a e fuga de ideias pré-concebidas.
qual tem em Émile Durkheim seu principal expoen- • O conjunto de crenças e sentimentos coletivos
te e que estuda a sociedade a partir dos fatos sociais são a base da coesão da sociedade.
como eles se apresentam na prática, o que também • Destaca o estudo da moral dos indivíduos.
possibilita a utilização dos métodos das ciências na- • A própria sociedade cria mecanismos de coer-
turais para análise dos fenômenos sociais. ção internos que fazem com que os indivíduos
74
aceitem de uma forma ou de outra as regras es- da vida social, tendo, portanto, uma finalidade du-
tabelecidas (a explicação dos fatos sociais deve pla: além de explicar os códigos de funcionamen-
ser buscada na sociedade e não nos indivíduos to da sociedade, teria como missão intervir nesse
– os estados psíquicos, na verdade, são conse- funcionamento da sociedade por meio de aplica-
quências e não causas dos fenômenos sociais). ção de antídotos que pudessem inibir os males da
Durkheim viveu entre 1858 e 1917, período que vida social.
compreendeu o ápice e a primeira grande crise in- Em sua compreensão, a sociedade, como qual-
terna do capitalismo monopolista europeu. Com- quer outro organismo vivo, passaria por ciclos vitais
preendia o quadro perturbador colocado pela com manifestação de estados normais e patológicos,
emergência da questão social, mas discordava essen- ou seja, saudáveis e mórbidos.
cialmente do conteúdo de soluções que começava a O estado saudável seria o de convivência harmô-
ser proposto pelo pensamento socialista. Em suas nica da sociedade consigo mesma e com as demais
convicções ele defendia que os problemas sociais sociedades, harmonia que se faria pelo consenso
vividos pela sociedade europeia eram de natureza social.
moral e não de fundo econômico e que estes decor- O estado mórbido, doentio, seria caracterizado
riam devido à fragilidade decorrente de uma longa por fatos que colocassem em risco essa harmonia,
época de transição. os acordos de convivência e, portanto, a adaptação e
No interior da sociedade europeia – no âmbito a evolução histórica natural da sociedade.
das relações entre a burguesia e a classe trabalhado- Os códigos de funcionamento da sociedade para
ra, o desenrolar do processo social levava à radicali- Durkheim seriam os fatos sociais que foram ele-
zação dos conflitos que redundariam na saída socia- vados por ele à categoria de objeto de estudo. Sua
lista russa e no advento posterior do Welfare State. busca pela compreensão destes direcionada para o
Durkheim entendia que a sociedade predomina- favorecimento da normalidade do curso da vida so-
ria sobre o indivíduo, uma vez que ela é que imporia cial, transformando-se, dessa maneira, em um tipo
a ele o conjunto de normas de conduta social. de técnica de controle social voltada para a manu-
Seu esforço foi voltado para a emancipação da tenção da ordem estabelecida pelo sistema social
Sociologia em relação às filosofias sociais, tentando vigente.
constituí-la como disciplina científica rigorosa, do- A definição de fato social em Durkheim é: toda
tada de método investigativo sistematizado, preocu- maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer
pando-se em definir com clareza o objeto e as apli- sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral
cações dessa nova ciência, partindo dos paradigmas na extensão de uma sociedade dada, apresentando
e modelos teóricos das ciências naturais. uma existência própria, independente das manifes-
Durkheim diferenciou-se do pensamento so- tações individuais que possa ter.
ciológico de Comte e Sint-Simon, uma vez que seu Na sociologia durkheimiana, o todo (sociedade),
aparato conceitual foi além da reflexão filosófica, apesar de ser composto por suas inúmeras partes
constituindo um corpo elaborado e metódico de (indivíduos), prevalece sobre elas. Desse modo, o
pressupostos teóricos sobre a problemática das re- fato social teria a faculdade de constranger, de vir
lações sociais. de fora e de ter validade para todos os membros da
Os estudos sociológicos de Durkheim ganharam sociedade.
relevância para as ciências da sociedade, tornando- Durkheim defendeu uma postura de absoluto ri-
se parâmetros para vários ramos de pesquisa socio- gor e não envolvimento frente ao objeto de estudo
lógica até nossos dias. da Sociologia. Para ele, o comportamento do cien-
Para ele, a Sociologia deveria ser um instrumen- tista social deveria ser de distanciamento e sua po-
to científico da busca de soluções para os desvios sição, de neutralidade frente aos fatos sociais. Ape-
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duos, mas sim externamente a ele na própria as crenças, as maneiras de agir e de pensar existem
sociedade e na interação dos fatos sociais. Fa- antes dos indivíduos e condicionam coercitivamen-
zendo uma analogia com a biologia, a vida, para te o seu comportamento).
Durkheim, seria uma síntese, um todo maior Durkheim argumenta, contrariando boa parte do
do que a soma das partes, da mesma forma que pensamento filosófico, que “somos vítimas da ilusão
a sociedade é uma síntese de indivíduos que que nos faz crer que elaboramos, nós mesmos, o que
produz fenômenos diferentes dos que ocorrem se impõe a nós de fora” (Idem, p. 5). E, responden-
nas consciências individuais (isto justificaria a do àqueles que não creem nesta coerção social que
diferença entre a Sociologia e a Psicologia). sofrem os indivíduos porquê não se pode senti-la,
3) Os fatos sociais são uma realidade objetiva: argumenta que “o ar não deixa de ser pesado em-
ou seja, para Durkheim, os fatos sociais pos- bora não sintamos seu peso”. Para Durkheim, o fato
suem uma realidade objetiva e, portanto, são social é um resultado da vida comum, e ele propõe
passíveis de observação externa. Devem, desta isolá-los para estudá-los. Desta forma, a Sociologia
forma, ser tratados como “coisas”. deveria preocupar-se essencialmente com o estudo
4) O grupo (e a consciência do grupo) exer- dos fatos sociais, de forma objetiva e científica.
ce pressão (coerção) sobre o indivíduo: Para Durkheim, a ciência deveria explicar, não
Durkheim inverte a visão filosófica de que a prescrever remédios. Este, para ele, era o problema
sociedade é a realização de consciências indivi- da Filosofia, ela tentava entender a natureza huma-
duais. Para ele, as consciências individuais são na, pois aí, tudo o que estivesse de acordo com esta
formadas pela sociedade por meio da coerção. natureza era considerado bom, e tudo o que não esti-
A formação do ser social, feita em boa parte vesse era considerado ruim. Para Durkheim, a obser-
pela educação, é a assimilação pelo indivíduo vação dos fatos sociais deveria seguir algumas regras,
de uma série de normas, princípios morais, como:
religiosos, éticos, de comportamento etc., que a) Os fatos sociais devem ser tratados como COI-
balizam a conduta do indivíduo na sociedade. SAS. Para Durkheim, “é coisa tudo aquilo que
Portanto, o homem, mais do que formador da é dado, e que se impõe à observação”. Nem a
sociedade, é um produto dela. existência da natureza humana, nem o sentido
Nas palavras do próprio Durkheim de progresso no tempo, como admitia Comte,
por exemplo, fazia sentido, segundo Durkheim,
É fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não,
dentro do método sociológico. Eles são uma
suscetível de exercer sobre o indivíduo uma co-
erção exterior; ou ainda, toda a maneira de fazer
concepção do espírito. Durkheim, neste sen-
que é geral na extensão de uma sociedade dada e, tido, é essencialmente objetivista, empirista e
ao mesmo tempo, possui uma existência própria, indutivista, ao contrário de Comte, o funda-
independente de suas manifestações individuais. dor da Sociologia, que era considerado por ele
(Durkheim, 1999, p. 13) como subjetivista e filosófico.
b) Uma segunda concepção importante no méto-
Ou ainda do sociológico de Durkheim é de que, para ele,
o sociólogo, ao estudar os fatos sociais, deveria
O fato social é tudo o que se produz na e pela despir-se de todo o sentimento e toda a pré-
sociedade, ou ainda, aquilo que interessa e afeta o noção em relação ao objeto.
grupo de alguma forma (Idem, p. 28). c) Terceiro, o pesquisador deveria definir precisa-
Os fatos sociais, para Durkheim, existem fora e mente as coisas de que se trata o estudo, a fim
antes dos indivíduos (fora das consciências indivi- de que se saiba, e de que ele saiba bem o que
duais) e exercem uma força coercitiva sobre eles (ex. está em questão e o que ele deve explicar.
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d) E, quarto, a sensação, base do método indutivo to, ele lança mão de todo um repertório de compa-
e empirista, pode ser subjetiva. Por isto, dever- rações com a medicina e com os organismos vivos.
se-ia afastar todo o dado sensível que corra o Assim, ele define saúde como a perfeita adaptação
risco de ser demasiado pessoal ao observador. do sujeito ao seu meio, e doença como tudo o que
perturba esta adaptação.
Sobre a distinção entre “normal” e “patológico” Mas, com base em que critério poderia se dizer
Uma questão de fundamental importância no que um método de se adaptar é mais perfeito do
pensamento de Durkheim, e que dá o tom do seu que outro? Segundo ele, não poderia ser pelo que
positivismo e funcionalismo, é a concepção de que compromete a sobrevivência ou pelo que debilita o
existem estados normais e estados patológicos entre organismo (comparando com a medicina, a velhi-
os fatos sociais. Ou seja, existem fatos sociais que ce, a menstruação e o parto implicam em riscos e
são normais e fatos que são patológicos, ou mórbi- debilitam o organismo, mas não são doenças). Da
dos, como também ele denomina estes últimos. Para mesma forma, não poderia ser pela funcionalidade
ele, fatos normais são aqueles que são o que devem (comparando novamente, certas disposições anatô-
ser, enquanto os patológicos deveriam ser de outro micas, como o apêndice, por exemplo, não são fun-
modo. Portanto, dentro desta perspectiva, poderí- cionais, mas nem por isto são doenças). Cabe ob-
amos encontrar estados de saúde e doença social. servar, porém, que, embora descartando a funcio-
Assim, “a saúde seria boa e desejável, ao passo que a nalidade como critério objetivo para se dizer se um
doença é ruim e deveria ser evitada” (Idem, p. 51). fato é normal ou patológico, ele dá bastante ênfase,
Partindo deste pressuposto, Durkheim pensava ter em todo o seu trabalho, à funcionalidade dos fatos
encontrado uma forma objetiva de dar um propó- sociais normais. Em um parágrafo ele até mesmo se
sito prático, ou normativo, à Sociologia, sem deixar contradiz afirmando que “é doença social quando
de ser uma ciência explicativa e objetiva. Segundo perturba o desempenho normal das funções”.
ele, até então havia duas formas de pensamento: Mas, descartando, a princípio, estas duas pos-
a) a ciência puramente explicativa, sem fins práti- sibilidades, Durkheim permite uma abertura ao
cos e não normativa, que tendia a tornar-se inútil; e subjetivismo. Segundo ele, para o sociólogo é mais
b) o método ideológico, que era dedutivo, baseado na complicado do que para a medicina, definir estados
ideia do próprio autor, no conhecimento filosófico, doentes e saudáveis. Assim,
normativo, mas não científico (ele cita a Filosofia e a
Na falta desta prova de fato, nada mais é possível
Economia por exemplo, e também alguns sociólogos,
senão raciocínios dedutivos cujas conclusões só po-
como Spenser). Nenhuma destas concepções era sa- dem ter o valor de conjecturas subjetivas. Demons-
tisfatória; a primeira era inútil, pois não poderia lan- trar-se-á não que tal acontecimento enfraquece efe-
çar luz sobre a ação humana, ao passo que a segunda tivamente o tecido social, mas que ele deve ter este
não era objetiva e, portanto, era não científica. efeito (Idem, p. 56).
Desta forma, Durkheim acreditava que
Fundamental, portanto, para Durkheim, era de-
Se encontrarmos um critério objetivo, inerente aos
finir o que é normal. O que é um Estado Normal?
fatos mesmos, que nos permita distinguir cientifi-
camente a saúde da doença nas diversas ordens de
O normal, salienta ele, é um estado relativo. Assim
fenômenos sociais, a ciência será capaz de esclare- como na biologia a ideia de normal é relativa à espé-
cer a prática, sem deixar de ser fiel ao seu próprio cie, a tipos dentro da espécie e à idade do ser, tam-
método (p. 51). bém na Sociologia devemos considerar que a ideia
de normal é relativa ao tipo de sociedade, a variações
O grande problema, agora, para Durkheim, era dentro da sociedade (selvagem ou mais civilizada) e
definir saúde e doença em Sociologia. E, neste pon- ao estágio de desenvolvimento da sociedade. Desta
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forma, somente podemos comparar fatos sociais em na ideia de humanidade, pela qual perpassava a re-
sociedades distintas respeitando esta relatividade. alização da natureza humana. Segundo Durkheim,
Deve-se, assim, identificar os tipos normais por escapamos a esta alternativa tão logo se reconheça
meio da observação. A medicina estuda as funções que, entre a multidão confusa das sociedades histó-
do organismo médio, e com a Sociologia deveria ricas (a infinidade de sociedades diferentes descrita
ocorrer a mesma coisa. Dentro da concepção de pelos historiadores) e o conceito único, mas ideal,
Durkheim, normal também tem uma concepção de de humanidade (dos filósofos), existem intermediá-
generalidade. Ou seja, se um fato social é encontra- rios que são as espécies sociais.
do em todas as sociedades de todos os tempos, então A constituição destes tipos sociais, de suma im-
ele é normal. Ou então, se é encontrado em todas portância para a Sociologia, uma vez que Durkheim
as sociedades daquele mesmo tipo social (socieda- afirmava que a concepção de normal e patológico
des semelhantes). Ele dá o exemplo do crime para é relativa a cada tipo social, deveria seguir um mé-
ilustrar esta assertiva. Segundo ele, o crime existe em todo: (a) estudar cada sociedade individualmente;
todas as sociedades, de todas as espécies, e não tende (b) constituir monografias exatas e detalhadas; (c)
a diminuir. Não poderia ser normal a ausência de compará-las achando semelhanças e diferenças; (d)
crime, pois um fato que não é observado em nenhu- classificar os povos em grupos, segundo estas seme-
ma situação não poderia ser considerado normal. A lhanças e diferenças.
ausência de crime seria impossível em uma socieda- Este seria, para Durkheim, um método somente
de, portanto, não poderia ser considerada normal. admissível para uma ciência da observação. O estu-
Obviamente que existem graduações de crime; ou do e a representação destes tipos sociais foi descrita
seja, ele poderia aumentar a um ponto de se tor- por ele como uma área específica da Sociologia, de-
nar patológico, ou seja, comprometer o tecido so- nominada Morfologia Social, numa clara alusão aos
cial. O crime seria também útil. Segundo o próprio estudos semelhantes na biologia.
Durkheim, o crime “é necessário; ele está ligado às
condições fundamentais de toda a vida social e, por Sobre a explicação dos fatos sociais
isto mesmo, é útil; pois as condições de que ele é Durkheim afirmava que seus antecessores na
solidário são elas mesmas indispensáveis à evolução Sociologia (Comte e Spencer) explicavam os fatos
normal da moral e do direito” (idem, p. 71). Assim, sociais pela sua utilidade. Assim, para Comte, o
se o crime é considerado normal, então ele é inevi- progresso existe para melhorar a condição humana,
tável ainda que lastimável. ou para Spencer, para tornar o homem mais feliz. A
A ideia de normal e patológico, segundo Durkheim, família, para Spencer, se transformara pela neces-
também tinha um outro fim prático: prevenir-nos sidade de conciliar cada vez mais perfeitamente o
de buscar utopias que se afastam na medida em que interesse dos pais, dos filhos e da sociedade. Assim,
avançamos, e concentrar-nos nas coisas normais para os sociólogos tendiam a normalmente deduzirem o
cada sociedade em seu tempo. fato dos fins, ou seja, a explicação suprema da vida
coletiva consistiria em mostrar como ela decorre da
Sobre a construção de tipos sociais natureza humana em geral. Para Durkheim, porém,
Uma outra questão importante no método de este método era errado. Segundo ele
Durkheim parte da necessidade de agrupar socie- Mostrar como um fato é útil não explica como
dades em tipos sociais, segundo a sua semelhança. ele surgiu nem como ele é o que é (Idem, p. 92).
Para o método sociológico, não interessava nem a Para explicar um fenômeno social é preciso pesqui-
perspectiva dos historiadores, que viam na história sar separadamente a causa eficiente que ele produz
uma diversidade de sociedades muito grande, nem e a função que ele cumpre (Idem, p. 97). Apesar dis-
a filosófica, que agrupava toda a evolução histórica so, para explicar um fato de ordem vital não basta
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explicar a causa da qual ele depende, é preciso tam- ser artificialmente produzidos pelo observador; e b)
bém ao menos na maior parte dos casos, encontrar Experimentação Indireta ou Comparação quando
a parte que lhe cabe no estabelecimento desta har- os fatos se produzem espontaneamente e não podem
monia geral (Idem, p. 99). ser produzidos pelo observador.
Como se pode observar, o método para se estabe-
Para Durkheim, ao invés de buscar a causa dos
lecer a causalidade em Sociologia, para Durkheim,
fatos sociais nos fins ou na função que ele de-
sempenha, “a causa determinante de um fato
seria a Experimentação Indireta ou Comparação.
social deve ser buscada entre os fatos sociais Comte também utilizava o método da compara-
antecedentes, e não entre os estados de cons- ção, mas a este ele adicionou o método histórico,
ciências individuais”. Por outro lado, “a função pois ele tinha que buscar a finalidade e a evolução
de um fato social deve sempre ser buscada na dos fenômenos, ou seja, o sentido de progresso.
relação que ele mantém com algum fim social” Isto, para Durkheim, não tinha sentido em So-
(Idem, p. 112). ciologia.
Segundo a sua concepção de causalidade, a um
Sobre a relação de causalidade efeito corresponderia sempre uma mesma causa.
Dado que do fato social primeiro deve se buscar Assim, se um fato tem mais de uma causa, então
as causas para depois explicar-lhe as consequên- ele não é um fato único. Durkheim dá o exemplo
cias (ou seja, não se pode deduzir a causa da sua do suicídio: se o suicídio depende de mais de uma
consequência), deve-se ter, então, rigor científico causa, é porque, na verdade, existem várias espé-
na explicação causal. Assim, para Durkheim cies de suicídio (ele identificou três tipos, que de-
Só existe um meio de demonstrar que um fenô- corriam de causas distintas, o suicídio egoísta, o
meno é causa de outro: comparar os casos em que altruísta e o anômico).
eles estão simultaneamente presentes ou ausentes
e examinar se as variações que apresentam nessas ■■ Atividades
diferentes combinações de circunstâncias testemu- Em grupos de no máximo cinco pessoas, discutir
nham que um depende do outro (p. 127). estas ideias e ver o que elas têm a ver conosco hoje.
Ora, este é um método que advoga a observação e 1. O que é Rerum Novarum? Analisa o quê? O que
o estudo estatístico do fato e dos fatores que hipoteti- é Neotomimo? Hoje em dia, o Neotomimo tem al-
camente podem lhe ser causadores, para que se possa guma influência na sociedade?
estabelecer correlação entre eles. Para Durkheim, em 2. Quais são as ideias centrais de Durkeheim?
razão da natureza dos fatos, os métodos científicos Como esse autor via e analisava a sociedade? Quais
que decorriam desta concepção dividiam-se em dois são as influências para nosso trabalho como Assis-
grupos: a) Experimentação, quando os fatos podem tentes Sociais?
** ANOTAÇÕES
80
AULA
■■ Conteúdo
• Positivismo, o que é?
• Principais correntes
• A influência no Serviço Social
do Serviço Social
■■ Competências e habilidades
• Capacidade de criar e desenvolver idéias pessoais, a partir da filosofia positivista, para orga-
nizar princípios nas diversas realidades do Serviço Social
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
81
PONTOS CENTRAIS DA FILOSOFIA POSITIVISTA 7) Essa interpretação, porém, não impediu que
O Positivismo apresenta traços comuns que nos outros intérpretes (por exemplo, Geymonat)
permitem sua identificação como movimento de vissem no Positivismo temas fundamentais
pensamento: tomados da tradição iluminista, como a ten-
1) Diversamente do Idealismo, o Positivismo dência de considerar os fatos empíricos como
reivindica o primado da ciência: nós conhe- a única base do verdadeiro conhecimento, a fé
cemos somente aquilo que as ciências nos na racionalidade científica como solução dos
dão a conhecer, pois o único método de co- problemas da humanidade, ou ainda a con-
nhecimento é o das ciências naturais. cepção leiga da cultura, entendida como cons-
2) O método das ciências naturais (identificação trução puramente humana, sem dependências
das leis causais e seu domínio sobre os fatos) em relação a pressupostos e teorias teológicas.
não vale somente para o estudo da natureza, 8) Sempre em linha geral, o Positivismo (neste
mas também para o estudo da sociedade. caso, John Stuart Mill é exceção) caracteriza-
3) Por isso, entendida como ciência dos “fatos se pela confiança acrítica e, amiúde, leviana e
naturais” que são as relações humanas e so- superficial, na estabilidade e no crescimento
ciais, a Sociologia é fruto qualificado do pro- sem obstáculos da ciência. Essa confiança acrí-
grama filosófico positivista. tica na ciência chegou a se tornar fenômeno
4) O Positivismo não apenas afirma a unidade de costume.
do método científico e o primado desse mé- 9) A “positividade” da ciência leva a mentalidade
todo como instrumento cognoscitivo, mas positivista a combater as concepções idealistas
também exalta a ciência como o único meio e espiritualistas da realidade, concepções que
em condições de resolver, ao longo do tempo, os positivistas rotulavam como metafísicas,
todos os problemas humanos e sociais que até embora mais tarde tenham caído em metafísi-
então haviam atormentado a humanidade. cas igualmente dogmáticas.
5) Consequentemente, a era do Positivismo é 10) A confiança na ciência e na racionalidade
época perpassada por otimismo geral, que humana, em suma, os traços iluministas do
brota da certeza de progresso irrefreável (por Positivismo, induziram alguns marxistas a
vezes concebido como fruto da engenhosida- considerarem insuficiente e até reducionista
de e do trabalho humanos e, por outras, ao a usual interpretação marxista, que só vê no
contrário, visto como necessário e automáti- Positivismo a ideologia da burguesia da se-
co), rumo a condições de bem-estar generali- gunda metade do século XIX.
zado em uma sociedade pacífica e perpetrada
pela solidariedade humana. Principais representantes
6) O fato de que a ciência seja proposta pelos Os representantes mais significativos do Positi-
positivistas como o único fundamento sólido vismo são: Auguste Comte (1798-1857) na Fran-
da vida dos indivíduos e da vida associada, de ça; John Stuart Mill (1806-1873) e Herbert Spen-
ela ser considerada como a garantia absolu- cer (1820-1903) na Inglaterra; Roberto Ardigò
ta do destino progressista da humanidade e (18281920) na Itália; Jacob Moleschott (1822-1893)
de o Positivismo se pronunciar pela “divin- e Ernst Haeckel (1834-1919) na Alemanha.
dade” do fato, induziu alguns estudiosos a
interpretarem-no como parte integrante da * AUGUSTE COMTE
mentalidade romântica. Apenas, no caso do Auguste Comte (1798-1857) é autor do Curso de
Positivismo, seria exatamente a ciência a ser filosofia positiva (1830-1842, em seis volumes), no
infinitizada. qual ele formula sua famosa lei dos três estágios, se-
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gundo a qual a humanidade, assim como a psique Entre as ciências, a Sociologia é a mais comple-
dos indivíduos particulares, passa por três estágios: xa, uma vez que – na hierarquia estabelecida por
(a) estágio teológico; (b) estágio metafísico; (c) es- Comte e que quer ter uma ordem lógica, histórica e
tágio positivo. No estágio teológico os fenômenos são pedagógica – pressupõe a biologia, a qual pressupõe
interpretados como produtos da ação direta e contí- a química, que, por sua vez, pressupõe a física.
nua de agentes sobrenaturais, mais ou menos nume- Nesta perspectiva, a Filosofia deve determinar
rosos; no estágio metafísico os fenômenos são expli- exatamente o espírito de cada ciência, descobrir
cados com referência a essências, ideias, forças abs- suas relações, reassumir, se possível, todos os seus
tratas como a “simpatia”, a “alma vegetativa” etc.; no princípios próprios em número mínimo de princí-
estágio positivo, o homem procura descobrir, “com o pios comuns, conforme o método positivo.
uso bem combinado do raciocínio e da observação”,
as leis efetivas “de sucessão e de semelhança” que pre- * JOHN STUART MILL
sidem ao acontecimento dos fenômenos. O pensamento de Mill constitui uma etapa fun-
O objetivo da ciência, para Comte, é a pesquisa damental na história da lógica e na história da de-
das leis, e isso por causa do fato de que “apenas o fesa da liberdade dos indivíduos. Mill construiu
conhecimento das leis dos fenômenos [...] pode evi- um conjunto de teorias lógicas e ético-políticas que
dentemente levar-nos na vida ativa a modificá-los marcaram a segunda metade do século XIX na In-
para nossa vantagem” (REALE; ANTISERI, 2003, p. glaterra e que se constituem, até hoje, pontos de re-
290). Ciência, de onde previsão; previsão, de onde ferência e etapas obrigatórias, tanto para o estudo
ação. Na esteira de Bacon e de Descartes, Comte da lógica da ciência, como para a reflexão dos cam-
afirma que será a ciência previsão que fornecerá ao pos ético e político.
homem o domínio sobre a natureza. Por conseguin- A lógica, afirma Mill, é a ciência da prova, do
te, é indispensável conhecer a sociedade. Eis, então, modo correto de inferir proposições de outras pro-
que Comte propõe a ciência da sociedade, a So- posições. A tese fundamental de Mill é a de que toda
ciologia, como física social, que tem como tarefa a inferência é de particular para particular. Todos os
descoberta das leis que guiam os fenômenos sociais, conhecimentos e verdades são de natureza empírica
assim como a física estabelece as leis dos fenômenos e se fundam na indução. Para distinguir as circuns-
físicos e faz isso por meio de observações e com- tâncias essenciais das não essenciais, Mill propõe o
parações. A física social ou Sociologia divide-se em que ele chama de os quatro métodos da indução: o
estática social e dinâmica social. método direto da concordância, o método da dife-
A estática social estuda as condições comuns que rença, o método dos resíduos e o método das varia-
permitem a existência das diversas sociedades no ções concomitantes.
tempo: a sociabilidade fundamental do homem, a Método direto da concordância: Se duas ou
família, a divisão do trabalho e a cooperação nos es- mais instâncias de um fenômeno sob investigação
forços etc. A lei fundamental da estática social é a têm somente uma circunstância em comum, a cir-
da ligação entre os diversos aspectos da vida social cunstância a qual todas as instâncias concordam é a
(político, econômico, cultural etc.). causa (ou efeito) do dado fenômeno. Para ser uma
A dinâmica social compreende o estudo das leis condição necessária, uma propriedade deve estar
de desenvolvimento da sociedade. A lei fundamen- sempre presente quando o efeito estiver presente.
tal da dinâmica social é a dos três estágios. Eis um Obviamente, qualquer propriedade não presente
exemplo: o feudalismo é o estágio teológico; a revo- quando o efeito estiver presente, não pode ser uma
lução (que começa com a Reforma protestante e ter- condição necessária ao efeito.
mina com a Revolução Francesa) é o estágio metafí- Simbolicamente, o método direto da concordân-
sico; e a sociedade industrial é o estágio positivo. cia pode ser representado como:
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84
teoria evolutiva. Os primeiros princípios foram pu- ética naturalista-biológica. Princípios éticos, nor-
blicados em 1862: nessa obra, a teoria última evo- mas e obrigações morais são instrumentos de me-
lutiva se apresenta como grandiosa metafísica do lhor adaptação do homem às condições de vida.
universo. Já no primeiro capítulo da obra, Spencer
enfrenta o problema e o universo da relação entre *ROBERTO ARDIGÒ
religião e ciência. Pois bem, uma e outra – afirma Na Itália, o Positivismo, com sua particular aten-
Spencer – nos fazem compreender que a realidade ção ao desenvolvimento e aos métodos das ciências
última é incognoscível e que o universo é um mis- e com sua aversão às metafísicas da transcendên-
tério: enquanto a tarefa das religiões consiste em cia, deu seus melhores frutos na reflexão sobre a
manter vivo o sentido do mistério, a tarefa da ci- criminologia com Cesare Lombroso (1836-1909),
ência é a de impulsionar sempre mais para a frente na pedagogia com Aristides Gabelli (1830-1891)
o conhecimento do relativo, sem jamais presumir e André Angiulli (1837-1890), em historiografia e
capturar o absoluto. metodologia da historiografia com Pasqual Villari
Entre religião e ciência, a Filosofia, para Spencer, (18201918), em medicina e metodologia da clínica
é “o conhecimento do mais alto grau de generalida- com Salvatore Tommasi (1813-1888) e, sobretudo,
de”, o que significa que a Filosofia “compreende e com Augusto Murri (1841-1932).
consolida as mais amplas generalizações da ciência. A figura mais representativa do Positivismo ita-
A Filosofia é, portanto, a ciência dos primeiros prin- liano é Roberto Ardigò (1828-1920). Sacerdote, dei-
cípios. Por conseguinte – lembra Spencer – ela deve xou o sacerdócio depois de uma crise profunda; em
partir dos princípios mais elevados a que a ciência 1881 foi nomeado professor na Universidade de Pá-
chegou e que, a seu ver, são: (a) a indestrutibilidade dua, onde ensinou até 1908. Permanece famoso seu
da matéria; (b) a continuidade do movimento; (c) a Discurso sobre Pietro Pomponazzi, de 1869. Outras
persistência da força. obras de Ardigò são: A moral dos positivistas (1879);
Tais princípios se referem a todas as ciências e en- A razão (1894); A doutrina spenceriana do incog-
contram sua unificação no princípio mais geral, que noscível (1899). A perspectiva positivista de Ardigò
seria o da redistribuição contínua da matéria e do afunda suas raízes no naturalismo italiano do sécu-
movimento. A lei de tal incessante e geral mudança lo XVI: (com Pomponazzi, ele reforça a autonomia
é a lei da evolução, cujas características essenciais da razão; e com Bruno a divindade do universo); li-
são as de ser: (a) uma passagem de uma forma me- ga-se diretamente às concepções positivistas e, com
nos coerente para uma mais coerente; (b) uma pas- isso, põe o fato como pedra angular da própria filo-
sagem do homogêneo para o heterogêneo; (c) uma sofia. O fato tem uma realidade própria em si, uma
passagem do indefinido para o definido. realidade inalterável, que somos forçados a afirmar
A evolução em biologia, na visão de Spencer, é tal e qual é dada e a encontramos, com a absoluta
uma resposta por parte dos organismos ao desafio impossibilidade de cortar ou acrescentar nada a ela;
do ambiente por meio da diferenciação dos órgãos portanto, o Fato é divino.
(e isto é Laplace) e uma seleção natural desses or- Toda a realidade é natureza; e o único conheci-
ganismos mudados que favorece a sobrevivência do mento válido é o científico. Mas, se toda a realidade
mais adaptado (e aqui Spencer está de acordo com é natureza, certamente é cognoscível – cognoscível
Darwin). pela ciência, embora os esforços da ciência jamais
Spencer concebe uma sociologia orientada para alcancem a meta final. E, se assim estão as coisas,
a defesa do indivíduo, sustentando que a sociedade Spencer errou, e não precisará falar de incognos-
existe para os indivíduos e não vice-versa e que o cível, mas de desconhecido: é desconhecido tudo
desenvolvimento da sociedade é determinado pela aquilo que ainda não é conhecido pela ciência, mas
realização dos indivíduos. A ética de Spencer é uma que, em princípio, poderá ser por ela conhecido. E,
85
ainda diversamente de Spencer, que via a evolução que o materialismo era a hipótese doravante a
como passagem do homogêneo para o heterogêneo, conclusão inevitável de um estudo imparcial da
Ardigò concebe a evolução como passagem do in- materialista natureza baseado no empirismo e na
distinto para o distinto; assim, por exemplo, do in- Filosofia. Para ele, a única possível ação do cérebro
distinto, que é a sensação, brotam as distinções en- era análoga à de uma máquina a vapor.
tre espírito e matéria, eu e não eu, sujeito e objeto. Ernst Haeckel (1834-1919), sustentador da te-
Toda a realidade é natureza; o homem é nature- oria darwiniana, propôs a “lei biogenética funda-
za; o pensamento é fruto da evolução da natureza, mental”, na qual se estabelece que, para o homem,
assim como a ética; os ideais e as normas éticas são, a ontogênese, ou seja, o desenvolvimento do indi-
conforme Ardigò, respostas dos homens associados víduo é uma breve e rápida repetição (uma recapi-
a acontecimentos e ações consideradas danosas para tulação) da filogênese ou evolução da estirpe a que
a sociedade e que, depois, se fixam como normas ele pertence, isto é, dos precursores que formam a
morais – implicando sanções – na consciência dos cadeia dos progenitores do próprio indivíduo, re-
indivíduos. O político Ardigò foi um liberal, anti- petição determinada pelas leis da hereditariedade
maçom, crítico do marxismo, em sua componente e da adaptação. Seu monismo materialista – que,
de materialismo histórico, e com uma propensão a seu ver, estabeleceria a lei em grau de resolver os
para o socialismo. enigmas do mundo – Haeckel o confiou ao livro
Os enigmas do mundo, publicado em 1899, e do
O POSITIVISMO NA ALEMANHA qual foram vendidos 400 mil exemplares.
Na Alemanha, o Positivismo toma a direção de
um rígido materialismo, cujas teses de fundo foram ■■ Concluindo
a batalha contra o dualismo de matéria e espírito e A principal influência do Positivismo nas Ciên-
a luta contra as metafísicas da transcendência. Os cias Sociais foi a utilização de termos que permiti-
representantes de maior vulto do Positivismo ma- ram a compreensão da realidade, o que provocou a
terialista alemão são: Karl Vogt, Jacob Moleschott, apropriação da linguagem de variáveis para espe-
Ludwig Büchner e Ernst Haeckel. cificar atributos e qualidades do objeto de investi-
Karl Vogt (1817-1895), zoólogo, decididamente gação. O Positivismo possibilitou o surgimento da
contrário à ideia criacionista e ao relato bíblico so- Sociologia, cujo objeto é a humanidade, em que se
bre a história da Terra e a origem da vida, reforçou reúnem o positivismo religioso, a história do co-
– contra Rudolf Wagner – sua aversão à ideia de nhecimento e a política positiva.
imortalidade da alma. O objeto próprio da Sociologia é a humanidade
Jacob Moleschott (1822-1893), professor pri- e é necessário compreender que a humanidade não
meiro em Heidelberg e depois em Zurique, após a se reduz a uma espécie biológica: há na humani-
unificação da Itália, passou a ensinar fisiologia em dade uma dimensão suplementar – a história – o
Turim e depois em Roma. Paladino de uma cultura que faz a originalidade da civilização (da “cultura”,
leiga e anticlerical, Moleschott sustentou que “Não diriam os sociólogos do século XIX).
há pensamento sem queimar as pestanas” e que a O Positivismo e seus métodos permitem estudar
vida é um processo que, por meio da dissolução, as condições da evolução da sociedade: do estado
regenera-se continuamente. Por isso, provocando teológico ao estado positivo na ordem intelectual,
escândalo, Moleschott chegou a afirmar que nos do estado militar ao industrial na ordem prática –
cemitérios, onde o terreno é mais fértil, dever-se- do estado de egoísmo ao de altruísmo na ordem
ia semear trigo. afetiva.
Ludwig Büchner (1824-1899) em um livro de
grande sucesso, Força e matéria (1855), afirmou
86
AULA
■■ Conteúdo
• A dialética
• O capital
• Karl Heinrich Marx
do Serviço Social
• Marxismo
■■ Competências e habilidades
• Levar o(a) acadêmico(a) a conhecer e a entender Marx, o marxismo, o capitalismo e o seu
desenvolvimento, bem como a realidade sócio-politica da atualidade
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
87
tos separando e abstraindo, o intelecto é o contrário elemento material transferido e traduzido no cére-
da intuição imediata e da sensação, que, como tal, bro dos homens. Marx inverte a dialética hegeliana,
relaciona-se inteiramente com o concreto e nele per- colocando-a de pé, ele a transporta das ideias para a
manece parada. (REALE e ANTISERI, 2003, p. 107) história, da mente para os fatos, da consciência in-
Assim, a Filosofia não pode prescindir do inte- feliz para a realidade social em contradição. Em sua
lecto e de sua obra, devendo, ao contrário, começar opinião, todo momento histórico gera contradições
exatamente pelo trabalho do intelecto. O pensa- em seu seio e essas contradições constituem a mola
mento filosófico, portanto, deve ir além dos limites do desenvolvimento histórico.
do intelecto. Explicando melhor, Marx afirma que o modo
No segundo momento da dialética, a antítese, o ir pelo qual a produção material de uma sociedade é
além dos limites do intelecto é peculiaridade da ‘ra- realizada constitui o fator determinante da organi-
zão’, que tem um momento ‘negativo’ e um ‘positivo’. zação política e das representações intelectuais de
O momento negativo, que Hegel chama de ‘dialéti- sua época. Se realidade não é estática, mas dialética,
co’ em sentido estrito, consiste em remover a rigidez e está em transformação pelas suas contradições in-
do intelecto e de seus produtos, o que importa o ternas, assim, a base material ou econômica cons-
esclarecimento de uma série de contradições e opo- titui a “infraestrutura” da sociedade, que exerce in-
sições de vários tipos, sufocadas no enrijecimento fluência direta na “superestrutura”, ou seja, nas ins-
do intelecto. Desse modo, toda determinação do in- tituições jurídicas, políticas (as leis, o Estado) e nas
telecto transforma-se na determinação contrária (e ideológicas (as artes, a religião, a moral) da época.
vice-versa). A luta de classes existente nessa sociedade é a con-
Por isso, escreve Hegel: tradição presente no processo histórico dialético,
ou seja, se a base material ou econômica constitui a
A dialética é esse ultrapassar imanente no qual a
infraestrutura e essa infraestrutura influencia a su-
unilateralidade e a limitação das determinações do
intelecto se expressam por aquilo que são, isto é,
perestrutura, é porque existe a luta de classes. A su-
como sua negação. Todo finito é superação de si perestrutura se adapta ao modo de vida econômico
mesmo. A dialética, portanto, é a alma motriz do da sociedade, portanto, se isso acontece, é por causa
procedimento científico, sendo o único princípio da luta de classes? Essa é a contradição ou a antítese
pelo qual o conteúdo da ciência adquire um nexo do materialismo dialético de Marx.
imanente ou uma necessidade; assim, em geral, é Dessa forma, o movimento da História possui
nele que se encontra a verdadeira elevação, não ex- uma base material, econômica e obedece a um mo-
trínseca, para além do finito (isto é, para além de vimento dialético. E conforme muda essa relação,
cada simples determinação do finito). (REALE e mudam-se as leis, a cultura, a literatura, a educação,
ANTISERI, 2003, p. 107) as artes.
A dialética é a lei de desenvolvimento da realida-
O terceiro momento, a síntese, é a síntese dos de histórica e exprime a inevitabilidade da passagem
opostos, que contém em si como superadas aque- da sociedade capitalista para a comunista (REALE e
las oposições nas quais se detém o intelecto. Esse é ANTISERI, 2003).
o momento básico, movimento circular que nunca
tem fim. O CAPITAL
A dialética de Hegel é entendida como a síntese O capital para Marx é o conjunto composto de
dos contrários e ela é assumida por Marx, só que in- capital constante: meios produtivos e matérias-pri-
vertida. Para Hegel, o processo do pensamento, que mas e o capital variável: que é a força de trabalho.
ele transforma até em sujeito independente, com Marx inicia a análise do capital com a mercadoria,
o nome de ideia, para Marx nada mais é do que o que tem duplo valor: valor de uso e valor de tro-
88
ca. O valor de uso, por exemplo, 20 quilos de café, obra pelo tempo (hora-serviço) e não pela mão de
baseia-se na qualidade da mercadoria que, precisa- obra em si mesma (REALE e ANTISERI, 2003).
mente em função de sua qualidade, satisfaz mais a Com isso, a mão de obra torna-se barata diante
uma necessidade que a outra. O valor de troca é algo do produto que produz, assim o lucro fica na in-
idêntico existente em mercadorias diferentes, cujo dústria (com o industrial). O operário recebe em
valor é dado pela quantidade de trabalho social- troca pela sua mão de obra o necessário mínimo
mente necessário para produzi-las. O valor de troca para a sobrevivência de si e de sua família. A mão de
de uma mercadoria, portanto, é dado pelo trabalho obra ou a força de trabalho excedente irá produzir
social necessário para produzi-la. Mas o trabalho (a a ‘mais-valia’. O lucro real que existe na “sobra” da
força de trabalho) também é mercadoria que o pro- mão de obra, o industrial investirá na sua indústria;
prietário da força de trabalho (o proletário) vende assim, sua indústria crescerá cada vez mais porque
no mercado, em troca do salário, ao proprietário acumulará a riqueza deixada pelo operário. Essa ri-
do capital, ao capitalista, que paga justamente, por queza acumulada, Marx a chamou de ‘mais-valia’.
meio do salário, a mercadoria (força de trabalho) Para Marx, a única solução para sair desse círculo
que adquire; ele a paga segundo o valor que a mer- no qual só o industrial agrega lucros é a revolução
cadoria tem, valor que é dado pela quantidade de das massas, em que os operários, unidos, irão lutar
trabalho necessário para produzi-la, ou seja, pelo pelos seus direitos (REALE e ANTISERI, 2003).
valor das coisas necessárias para manter em vida o
trabalhador e sua família. CARTA ENCÍCLICA QUADRAGESIMO ANNO
A Teoria da Mais-valia, criada por Marx, é um Escrita no 40o aniversário da Encíclica Rerum
dos conceitos fundamentais da economia marxista Novarum, a carta encíclica Quadragesimo Anno res-
e um eixo de toda a construção teórica de Marx. O salta os grandes benefícios que dela advieram para
capitalista adquire sobre o mercado, além do capi- a Igreja Católica e para toda a humanidade; defen-
tal constante (maquinários, matérias-primas etc.), dendo a doutrina social e econômica, satisfazendo
também o capital variável, isto é, a força de trabalho. algumas dúvidas, desenvolvendo mais e precisando
“O valor da força de trabalho é o valor dos meios de de alguns pontos; finalmente, chamando a juízo o
subsistência necessários para a conservação do pos- regime econômico moderno e instaurando proces-
suidor da força de trabalho.” O uso da força de tra- so ao socialismo, apontando a raiz do mal-estar da
balho é o próprio trabalho. O produto do trabalho é sociedade contemporânea e mostrando-lhe ao mes-
propriedade não do trabalhador, mas do capitalista. mo tempo a única via de uma restauração salutar,
Ora, se o proletário trabalha doze horas e em seis que é a reforma cristã dos costumes.
horas produz o tanto para cobrir o quanto o capita- A Encíclica Rerum Novarum observava que as
lista despende para o salário, o produto das outras corporações deveriam organizar-se e governar-se
seis horas de trabalho é valor do qual o capitalista se de modo que forneçam a cada um de seus membros
apropria. Esse valor que passa para as mãos do capi- os meios mais fáceis para conseguirem seguramente
talista é a mais-valia (REALE e ANTISERI, 2003). o fim proposto, isto é, a maior parte possível, para
Para Marx, a estrutura econômica determinou a cada um, de bens do corpo, do espírito e da fortu-
estrutura, o conjunto e outras estruturas: religiosas, na; porém, é claro que, sobretudo, se deveria ter em
morais, políticas, jurídicas etc. Em outras palavras, vista, como mais importante, a perfeição moral e
para Marx, a economia determina tudo o que ocor- religiosa e que, por ela, se deveria orientar todo o
re na sociedade. Para Marx, existe um problema gra- regulamento dessas sociedades.
víssimo na troca de valor entre o trabalho realizado A Encíclica Quadragesimo Anno enfatiza que de
(mão de obra) e o que é pago para quem detém a nada vale o capital sem o trabalho, nem o trabalho
mão de obra. Em muitos casos, paga-se a mão de sem o capital, declarando que o capital não pode
89
reivindicar para si todos os direitos, deixando ao que procura resgatar o legado de Leão XIII no novo
operário somente o suficiente para sobreviver. Con- contexto histórico que se afigurava ameaçador. De-
dena, portanto, o enriquecimento dos capitalistas cepcionado com as democracias liberais, Pio XI es-
realizado sobre a miséria e o sofrimento dos operá- tava convicto de que o destino da humanidade seria
rios e, ainda, que os socialistas se apropriem de tudo decidido pelo confronto dos grandes blocos totalitá-
o que é produtivo para passar a ser propriedade do rios emergentes: o nazismo e o fascismo, de um lado
Estado. Defende a justa distribuição de bens e ri- e o comunismo marxista, de outro. Teve a audácia
quezas para que haja um equilíbrio de qualidade de não só de condenar esses sistemas (v. Encíclicas: Non
vida entre os homens. abbiamo bisogno, 1931; Mit brennender Sorge, 1937,
Divini Redemptoris, 1937), mas também de propor
É necessário que as riquezas, em contínuo incre-
um sistema alternativo, o corporativismo cristão,
mento com o progresso da economia social, se-
jam repartidas pelos indivíduos ou pelas classes
fundado na preocupação de preservar a dignidade
particulares, de tal maneira, que se salve sempre a inalienável da pessoa humana esmagada pelos regi-
utilidade comum, de que falava Leão XIII, ou, por mes totalitários, e a primazia do bem comum sobre
outras palavras, que em nada se prejudique o bem os interesses tanto corporativos como classistas. A
geral de toda a sociedade. Esta lei de justiça so- tragédia da Segunda Guerra Mundial não permitiu
cial proíbe que uma classe seja pela outra excluída que a proposta de Pio XI tivesse a merecida resso-
da participação dos lucros. Violam-na, por con- nância.
seguinte, tanto os ricos que, felizes por se verem
livres de cuidados em meio da sua fortuna, têm CARTA APOSTÓLICA OCTOGESIMA ADVENIENS
por muito natural embolsarem eles tudo e os ope- A Carta Apostólica do Papa Paulo VI ao senhor
rários nada, como a classe proletária que, irritada Cardeal Maurício Roy, presidente do conselho dos
por tantas injustiças e demasiadamente propen-
leigos e da pontifícia comissão “justiça e paz”, por
sa a exagerar os próprios direitos, reclama para si
ocasião do 80o aniversário da Encíclica Rerum No-
tudo, porque fruto do trabalho das suas mãos, e
varum ao Cardeal Secretário de Estado, em 1971,
combate e pretende suprimir toda a propriedade
e rendas ou proventos, qualquer que seja a sua na-
a Octogesima Adveniens, comemora o octagésimo
tureza e função social, uma vez que se obtenham e aniversário da Rerum Novarum, na qual deixa cla-
pela simples razão de serem obtidos sem trabalho. ro que a Igreja renuncia a qualquer pretensão de
A este propósito cita-se, às vezes, o Apóstolo, lá propor um sistema alternativo. É missão dos leigos
onde diz: “Quem não quer trabalhar, não coma.” comprometidos com a política construírem os mo-
Citação descabida e falsa. O Apóstolo repreende delos adequados às diversidades nacionais.
os ociosos, que, podendo e devendo trabalhar, não Nesse documento, o Papa enfatiza a diversidade
o fazem, e admoesta-nos a que aproveitemos di- das situações e a necessidade de uma ação solidária
ligentemente o tempo e as forças do corpo e do no combate aos problemas emergentes, como a ur-
espírito, nem queiramos ser de peso aos outros, banização crescente e a necessidade dos cristãos, que
quando podemos bastar-nos a nós mesmos. Ago- se instalam em moradias paupérrimas, que o Sumo
ra, que o trabalho seja o único título para receber
Pontífice chama de “degradantes, desumanizantes
o sustento ou perceber rendimentos, isso não o
e perniciosas”, lembrando que “Construir a cidade,
ensina, nem podia ensinar o Apóstolo.
lugar de existência dos homens, e das suas comuni-
dades ampliadas, criar novos modos de vizinhança
A Encíclica Quadragesimo Anno (1931), elabora- e de relações, descortinar uma aplicação original da
da pelo Papa Pio XI, dá um passo decisivo na re- justiça social, assumir, enfim, o encargo deste futuro
condução da propriedade privada para o âmbito do coletivo que se preanuncia difícil é uma tarefa em
bem comum. É a segunda grande encíclica social, que os cristãos devem participar.” Comenta ainda,
90
sobre o lugar da mulher, sobre os jovens, sobre o função social. A função social de uma propriedade
trabalhador, a discriminação, a imigração, a criação é entendida como sendo a instrumentalização desta
de postos de trabalho, os meios de comunicação so- para o bem de todo o gênero humano, pela criação
cial, o meio ambiente, entre outros assuntos de igual de trabalho útil e partilha da riqueza. Essa discussão
importância e relevância social. acerca da busca da conciliação entre a destinação uni-
Fundamentalmente, preocupa-se com a socie- versal dos bens e a propriedade privada é importante
dade e seus problemas, seus dilemas, no sentido de e relevante porque a cultura capitalista desencadeou
buscar uma igualdade solidária e a justiça social. – dentro de um sistema capaz de produzir uma gran-
de quantidade de bens – a mentalidade do acumular.
CARTA ENCÍCLICA CENTESIMUS ANNUS Não estimulou a circulação de bens e a comunhão,
A Centesimus Annus (1991) é a última das encícli- mas o consumismo individualista.
cas sociais. Ela faz uma análise socioeconômica dos
recentes acontecimentos e propõe uma leitura das ■■ Sites
novas realidades. Nesta encíclica, são expostas as ori- http://www.vatican.va/holy_father/index_
gens da destinação universal dos bens e da proprie- po.htm www.mundodosfilosofos.com.br/marx.
dade individual. Constata-se que o ponto central que htm www.vermelho.org.br/img/obras/biblio-
permeia toda a Doutrina Social é sempre o mesmo: marx.asp
como conciliar destinação universal de bens e pro-
priedade privada. Esta conciliação se dá por meio da ■■ Filmes
ideia de hipoteca social, na qual é considerada legíti- • Olga
ma a propriedade privada apenas se for destinada à • Dr. Jivago
** ANOTAÇÕES
91
AULA
5
Fenomenologia
■■ Conteúdo
do Serviço Social
• Edmund Husserl
• Martin Heidegger
• Maurice Merleau-Ponty
■■ Competências e habilidades
• Capacidade de criar e desenvolver ideias pessoais, a partir da “filosofia pós-moderna”
• Organizar princípios filosóficos a partir desta nova realidade filosófica e social
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
92
cente em Halles. Em 1891 publica Filosofia da mate- norma moral, mas sim, compreender por que esta
mática e, em 1901, é nomeado professor de Filosofia ou aquela norma são normas morais e não normas
em Göttingen, quando publica Pesquisas Lógicas. jurídicas ou regras de comportamento. Da mesma
Em 1911, publica A filosofia como ciência rigorosa forma, não interessa em examinar os ritos e os hi-
e Ideias para uma fenomenologia pura. Em 1913, nos desta ou daquela religião, mas sim por com-
publica Uma filosofia fenomenológica e, em 1916, preender o que é a religiosidade, o que transforma
passa a lecionar em Friburgo, onde ficou até 1928, ritos e hinos tão diferentes em ritos e hinos religio-
quando os nazistas o impediram de continuar en- sos, assim como o que caracteriza essencialmente
sinando, devido à sua condição de judeu. Em 1929, o pudor, a santidade, o amor, a justiça etc. A Feno-
publica Lógica formal e lógica transcendental e, em menologia é a ciência das essências e não dos dados
1931, publica Meditações cartesianas, cujo conte- de fato, e seu objetivo é descrever os modos típicos
údo são suas conferências em Paris. Ao falecer em pelos quais os fenômenos se apresentem à consci-
1938, deixa cerca de 45 mil páginas estenografadas, ência e essas modalidades típicas (pelas quais este
que foram salvas da guerra pelo padre belga Her- som é um som e não uma cor) são precisamente as
mann van Breda e que constituem, na atualidade, essências. A Fenomenologia, portanto, é a ciência
o Arquivo Husserl, dos quais foram tirados vários da experiência, não dos dados de fato. Os objetos
livros, dentre os mais conhecidos e importantes, da Fenomenologia são as essências dos dados de
A crise das ciências europeias e a fenomenologia fato e nisso consiste a redução eidética, ou seja, a
transcendental, no qual Husserl fala, não sobre a intuição das essências, quando se prescinde dos as-
crise das ciências, mas sobre a crise do que elas têm pectos empíricos e das preocupações que nos ligam
significado. O objeto da crítica de Husserl são: o na- a ele. Isto é o que Husserl chama de ontologias re-
turalismo e o objetivismo; a verdade científica como gionais, cujas regiões são a natureza, a sociedade,
a única válida e que a realidade verdadeira é aquela a moral e a religião. O que importa é descrever o
descrita pelas ciências. que efetivamente se dá à consciência, o que nela se
A Fenomenologia é a ciência dos fenômenos, cujo manifesta e nos limites em que se manifesta. E o
objetivo é descrever os modos típicos pelos quais que se manifesta e aparece é o fenômeno, em que
os fenômenos se apresentam à consciência, sendo, por fenômeno não se deve entender a aparência
portanto, a ciência da experiência, cujo objeto são contraposta à coisa em si: eu não ouço a aparência
as essências dos dados de fato e cuja característica de uma música, eu escuto a música; eu não sinto
fundamental é a intencionalidade. A Fenomenolo- a aparência de um perfume, eu sinto o perfume;
gia envolve, também, além dos fatos perceptivos, consequentemente, o “princípio de todos os prin-
aqueles que Husserl identificava como ontologias cípios” enunciado por Husserl é: “Toda intuição
regionais, assim constituídas pela natureza, pela so- que apresenta originariamente alguma coisa é, por
ciedade, pela moral e pela religião, contrapostas à direito, fonte de conhecimento; tudo aquilo que se
ontologia formal, identificada com a lógica. apresenta a nós, originariamente na intuição, deve
O termo “Fenomenologia” significa um conceito ser assumido assim como se apresenta, mas tam-
de método e expressa o retorno às próprias coisas, bém, nos limites em que se apresenta.” O método
ou seja, buscam-se fenômenos tão evidentes que fenomenológico utilizado é a epoché, que quer di-
não possam ser negados. A intenção da Fenome- zer “a suspensão do consentimento”, a colocação
nologia, portanto, é a descrição dos fenômenos que entre parênteses das convicções filosóficas ou cien-
se anunciam e se apresentam à consciência e, a par- tíficas, ou também, das crenças e do senso comum,
tir disso, a descrição dos modos típicos de como ou seja, suspender o juízo em primeiro lugar sobre
as coisas e os fatos se apresentam à consciência. tudo aquilo que nos dizem as doutrinas filosóficas
O que interessa não é a análise desta ou daquela com seus debates metafísicos e as ciências.
93
O movimento fenomenológico nasceu com Hus- ser o guarda de sua verdade. O homem não deve ser
serl, mas é composto de uma vasta e articulada cor- desvelado por ele mesmo, mas sim, pela linguagem
rente de pensamento, da qual se destacam as con- autêntica da poesia: “a linguagem é a casa do ser”
cepções ontológicas e éticas de Nicolai Hartman, o (REALI e ANTISERI, 2006, p. 202).
pensamento de Heidegger, as análises de Sartre, de Para Heidegger, na linguagem do poeta, não é o
Merleau-Ponty e de G. Marcel, as ideias do materia- homem que fala e, sim, a própria linguagem e, nela,
lista dialético Tran Duc Tão, além dos trabalhos dos o ser, e, para ouvi-lo, o homem necessita do silêncio.
discípulos e seguidores de Husserl, como E. Conrad- O homem deve tornar-se livre para a verdade, con-
Martius, E. Finck, E. Stein e outros. A influência da cebida como desvelamento do ser. Como a verdade,
Fenomenologia sobre a Psicologia, a Antropologia, a liberdade também é dom do ser ao homem, uma
a Psiquiatria, a filosofia moral e a filosofia da reli- iniciativa do ser.
gião foi e ainda continua sendo notável e, por isso, é
considerada um acontecimento decisivo da filosofia MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
contemporânea. Autor de importantes obras, como A estrutura do
comportamento (1942) e Fenomenologia da percep-
MARTIN HEIDEGGER (1889-1976) ção (1945), Merleau-Ponty, existencialista, foi mui-
Nasceu em Messkirch, em 26 de setembro de to influenciado pela Fenomenologia, a psicologia
1889, região de Baden (sul da Alemanha). Obteve científica e a biologia. Concebe a existência como
formação filosófica na Universidade de Freiburgim- ser-no-mundo, como “certa maneira de enfrentar o
Breisgau, onde estudou com Husserl (método feno- mundo”. E o homem que enfrenta o mundo não é
menológico) e Ricket (filosofia da Grécia Antiga).2 um ser composto de alma e corpo: alma e corpo in-
Em 1914, tornou-se Doutor em Filosofia com a dicam níveis de comportamento e não substâncias
tese A doutrina do juízo no psicologismo. Para ha- separadas. “O espírito não utiliza o corpo, mas se
bilitar-se ao ensino universitário, publicou A dou- faz por meio dele.” Daí a centralidade do pensamen-
trina das categorias e do significado em Duns Es- to do autor, da percepção: a percepção e a inserção
coto, tornando-se sucessor de Husserl na disciplina do corpo no mundo. Merleau-Ponty critica tanto
de Filosofia em Friburgo (Alemanha). Publica, em a ideia de liberdade absoluta, defendida por Sar-
1927, seu principal trabalho: O ser e o tempo, no tre, quanto a teoria marxista do primado causal do
qual analisa existencialmente o ser, ou seja, analisa fato econômico sobre a vida e as ações do homem.
o sentido do ser, ótica que abandona em 1930, pas- O homem é livre, repete Merleau-Ponty; só que a
sando a se preocupar com o próprio ser, o ser-no- liberdade do homem é condicionada pelo mundo
mundo; o ser-com-os-outros; o ser-para-a-morte. em que se vive e pelo passado no que se viveu. Nossa
A análise da existência proposta por Heidegger liberdade, portanto, não destrói a situação, mas nela
revela que, ao se perguntar sobre o sentido do ser, se insere.
ele não é revelado e, sim, o nada da existência, pois o
ser não pode ser revelado por ele mesmo. A lingua- ■■ Concluindo
gem dos homens, enquanto patrimônio de palavras, A Fenomenologia envolve, também, além dos
regras lógicas, gramaticais e sintáticas, pode falar fatos perceptivos, aqueles que Husserl identificava
dos entes, mas não do ser, porque o homem deve ser como ontologias regionais, assim constituídas pela
o pastor do ser e não o senhor do ente, e sua digni- natureza, pela sociedade, pela moral e pela religião,
dade consiste em ser chamado pelo próprio ser para contrapostas à ontologia formal, identificada com
a lógica.
2
Retirado de http://www.pucsp.br/~filopuc/verbete/heidegge. A análise da existência proposta por Heidegger
htm. Acesso em setembro, 2007. revela que, ao se perguntar sobre o sentido do ser,
94
** ANOTAÇÕES
95
AULA
6
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS
do Serviço Social
■■ Conteúdo
• Metodologia do Serviço Social
• O primeiro código de ética do assistente social
• Compreensão histórica do Serviço Social
• Linhas de pensamento que fundamentam o agir profissional
■■ Competências e habilidades
• Compreender o surgimento das instituições e reconhecer suas finalidades
• Compreender a influência das linhas de pensamento na ação profissional
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
96
to a recursos, para a situação, pode ser considerado refletiam propostas da sociedade norte-americana
como metodologia da regulação, pois a regulação marcadas por uma visão positivista da ciência.
combina a relação problema-recurso de acordo A reconceituação evidenciou a presença de di-
com certas normas institucionais preestabelecidas, ferentes enfoques teórico-ideológicos, permitindo
tomando os problemas como desregulagens que um melhor direcionamento da ação. Privilegiou a
podem ser reparadas pelos mecanismos institucio- visão de totalidade, a participação político-ideoló-
nais. (FALEIROS, 2007) gica e colocou o objetivo da ação além do nível de
intervenção.
COMPREENSÃO HISTÓRICA DO SERVIÇO Hoje, o Serviço Social enfrenta o crescimento
SOCIAL ininterrupto da exclusão social, econômica, política
Até o período chamado de Reconceituação do e cultural das classes subalternas e é a essa demanda
Serviço Social (1965/1970), a profissão teve, essen- que tem que dar respostas.
cialmente, uma ação pragmática, técnica e pretensa- As transformações verificadas no capitalismo
mente neutra. A partir de 1970, entretanto, passou internacional trouxeram mudanças no padrão de
a buscar maior solidez científica, um compromisso produção brasileiro, que passou a buscar maior
de classe e a conferir ao assistente social um perfil flexibilidade nos processos de trabalho, desregula-
de pesquisador. mentação de direitos trabalhistas, a terceirização de
A especificidade do Serviço Social advém de sua atividades, estimulados pela competitividade.
institucionalização como atividade determinada na No Estado há um exugamento dos gastos gover-
divisão social e técnica do trabalho. Assim, o Serviço namentais e um esvaziamento dos serviços públi-
Social se afirma como uma forma de intervenção na cos, pela retração de suas responsabilidades, espe-
realidade social dentro de uma dimensão de traba- cialmente no campo social.
lho intelectual e técnico. Assim, precisa o Serviço Social, acima de tudo,
A partir de 1982 começam a ser contempladas entender a gênese da questão social. Saber transitar
diferentes posições e concepções da formação e da da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da
prática do assistente social dando-lhe maior flexibi- profissão na realidade, através do uso de estratégias,
lidade e pluralismo teórico. táticas e técnicas profissionais e, ainda: assumir a
Teoria/método/história encontram-se estreita- defesa intransigente dos direitos humanos; afirmar
mente articuladas como dimensões de uma única o compromisso com o usuário das políticas sociais;
questão, a concepção teórico-metodológica histori- estimular a participação; impulsionar formas de-
camente situada que orienta o exercício profissional mocráticas de gestão política; socializar informa-
e as suas formulações teóricas. Daí a necessidade ções; alargar os canais que dão o poder decisório à
de desenvolver uma análise teórica que dê conta da sociedade civil e ser um educador político.
profissão e da sociedade onde ela emerge. Para tanto terá que ser um profissional informa-
O Serviço Social tradicional ou pré-reconcei- do, culto, crítico e competente. Antes de se entrar
tuado caracterizava-se por uma ação fragmentada nos conceitos mais diretamente ligados à disciplina,
(Serviço Social de Caso, Serviço Social de Grupo, clareia-se a compreensão de ideologia e teoria, uma
Serviço Social de Comunidade), o que propiciava a vez que elas (ideologia e teoria) constituem o eixo
visão isolada do problema social, ou seja, desligado fundante dos demais. Assim, ideologia é um sistema
do todo. Uma exacerbada preocupação tecnicista e de ideias que constitui uma doutrina política ou so-
uma ilusória neutralidade profissional. Questionado cial adotada por um partido ou grupo humano.
em suas bases por um movimento que envolveu as Uma classe social defende uma ideologia porque
Ciências Humanas e Sociais da época, evidencian- assim exigem seus interesses. Vários fatores podem
do que seus postulados e a teoria que os embasava determinar o nascimento de uma ideologia e, à me-
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dida que esses fatores se alteram ou desaparecem a sociedade é vista como um organismo social com-
ideologia se modifica ou se apaga. posto de estruturas e sistemas.
São fatores determinantes do surgimento do capi- Com base nesta teoria o profissional encara o
talismo – a ideia de êxito, a valorização do trabalho, a problema social de forma única e pessoal, enfatiza
perda do idealismo cavaleiresco medieval, o abando- a individualização, a neutralidade ideológica, tem
no do conceito heroico de honra, o apego ao lucro. o objetivo de ajustar, integrar e acomodar o ho-
Teoria – é o princípio fundamental de uma arte ou mem à sociedade vigente.
ciência. A teoria é constituída a partir da observação
dos fatos. É papel da teoria: oferecer um sistema de Dialética
conceitos; resumir o conhecimento (generalizações Surgiu como um ramo de estudo da lógica for-
e interrelações); indicar lacunas no conhecimento e, mal. Para Hegel, a dialética consiste em reconhecer
principalmente, orientar a investigação. os contraditórios e descobrir o princípio de sua
Metodologia – “Arte de dirigir o espírito na in- ultrapassagem numa categoria superior. Tese–An-
vestigação da verdade” (filosófico). Metodologia é títese–Síntese caracterizam o movimento dialético
uma unidade composta de método, técnicas e ins- do espírito.
trumento embasados em uma teoria que revela uma Para Marx, a dialética se apresenta como uma
determinada visão de mundo conforme o referen- teoria geral do mundo. A realidade primeira é a
cial ideológico do metodologista. matéria. Não é a consciência do homem que deter-
Método – É a maneira como se usa instrumentos mina o seu ser, mas o ser social que determina sua
e técnicas para desvendar o conhecimento. consciência. Daí a importância da visão histórica
Instrumento – Meio através do qual as técnicas da sociedade, compreendida de forma dinâmica e
são aplicadas. contraditória, em permanente transformação cau-
Técnicas – São meios para a obtenção de deter- sada pelo jogo de forças das classes sociais.
minados fins. Os métodos profissionais são postos O profissional passa a defender um posiciona-
em prática graças à existência de um conjunto de mento político comprometido com a classe popu-
técnicas que viabilizam a sua aplicação. Existe uma lar, com função libertadora (do homem oprimido)
infinidade de técnicas que nada mais são que a capa- e transformadora da sociedade tendo, para tanto,
cidade do assistente social de aplicar conhecimentos por objetivos a conscientização, a politização, a or-
e compreensão a uma dada situação. São técnicas: ganização, a gestão e a mobilização popular.
clarificação, apoio, interpretação, informação, de-
senvolvimento da compreensão interior (“insight”), Fenomenologia
uso de atividades, projetos etc. Parte da concepção advinda da dialética da com-
plementariedade e das tensões de Heráclito.
LINHAS DE PENSAMENTO QUE FUNDAMENTAM Schutz levou a fenomenologia para as ciências
O AGIR PROFISSIONAL sociais. Segundo Schutz, o objeto das ciências so-
Funcionalismo ciais é a conduta que tem significado subjetivo.
Teoria antropológica e etnológica sustentada por É um método compreensivo e não explicativo,
Malinowiski e Radcliff-Brown, que diz: todo sistema é indutivo e não dedutivo. Para o Serviço Social,
social tem uma unidade funcional, na qual todas as a atitude fenomenológica se caracteriza pelo diá-
partes se acham interligadas em um grau suficiente logo, conscientização, participação, compreensão
de harmonia. intersubjetiva, captação intencional das vivências
Dentro da mesma visão está o estruturalismo por meio da presença corporal. Exige conhecimen-
que consiste em perceber as coisas como estruturas to mútuo (assistente social/usuário) o que implica
estáticas. São correntes fundadas no positivismo. A saber ouvir, sentir com, perceber.
98
progressivamente, suas próprias formas de re- 3o Momento – Síntese crítica da SEP gerada pelo
presentatividade. conhecimento constituído na análise.
4 Momento – Construção do projeto de trans-
o
busca abordar os problemas sociais do indivíduo, resultados comparando o que foi alcançado
do grupo, das instituições a partir do encontro do com o que se pretendia alcançar).
sentido originário da fenomenologia que funda- Para a autora, a experiência deve conduzir a uma
menta maneiras específicas de vivenciar o mundo, tomada de consciência crítica de necessidades no-
permitindo compreender (não explicar) comporta- vas, de exigências de novas opções.
mentos e atuações sociais. O agir profissional sempre acontece embasado
Para Husserl, “a essência é encontrada a partir das por um método científico, e que norteia a práxis,
vivências intencionais fundamentais”. Para se alcan- influenciando, diretamente a ação profissional.
99
AULA
7
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos
■■ Conteúdo
• O referencial teórico da prática
do Serviço Social
■■ Competências e habilidades
• Capacidade de entender o significado do exercício profissional, com base na instrumentali-
dade utilizada no trabalho do assistente social.
• Capacidade de compreender que o profissional de Serviço Social tem como base de sua
atuação o papel de mediador das relações sociais.
■■ Duração
100
O caráter técnico da prática profissional subordi- Há diferentes tipologias definidas para o Serviço
na-se à sua dimensão política. Diante do poder es- Social segundo diversos autores norte-americanos e
tabelecido e dispondo de uma base teórica metodo- latino-americanos.
lógica frágil e insuficiente o Serviço Social torna-se Para falar dessa revisão da literatura apresentare-
mais vulnerável à manipulação política. mos os mais importantes teóricos que formularam
conceitos relacionados ao tema:
O MARCO REFERENCIAL Ernest Greenwood – discorre sobre as tipolo-
Constitui-se em um corpo de conhecimento teó- gias diagnósticas, mas evidencia que é crucial sua
rico, referente a um determinado “objeto de estudo”. implantação. Pois, no processo diagnóstico, o pro-
Antecedendo a prática de estudo de uma realidade fissional emprega os princípios do diagnóstico
que se deseja conhecer. Implica dois níveis que estão para descobrir os fatos numa situação-problema
intimamente relacionados às referências teórico- específica.
práticas. Florence Hollis – o processo diagnóstico para que de
1 – Referências que possibilitam uma análise glo- fato ocorra ou se efetive deve compreender três passos:
balizadora da realidade, abrangendo elementos bá- o balanceamento ou avaliação, o diagnóstico dinâmico
sicos determinantes da estrutura social. e etiológico e a categorização (classificação).
O econômico – as relações e forças de produção. O ponto inicial se dá no primeiro contato do
O sócio-político – classes sociais e suas relações assistente social como cliente e consiste em verifi-
na estrutura do poder. car “qual o problema”, segundo a análise dos fatos
O ideológico – normas, aspirações, entre outros. coligidos na investigação. No segundo, depois de
2 – Referências que possibilitam compreender e verificada a dificuldade do cliente, por meio do ba-
analisar a realidade de trabalho específico, relacio- lanceamento, o assistente social passa a considerar a
nado com os elementos determinantes do contexto importância do meio e as características da perso-
mais amplo. nalidade e sua influência mútua, na medida em que
Prática = práxis = ação atuação. contribuem para o problema por ele apresentado.
O Serviço Social necessita de duas referências A terceira se norteia por colocar um problema total
científicas para orientar a sua ação. numa classificação conhecida e não dar um só traço
1 – Referencial teórico – com base nas ciências ou característica.
sociais. Helen Harris Perlman – ressalta que o Serviço So-
2 – Referencial prático – com base na sua própria cial dedica-se a estudar e resolver problemas que o
prática. indivíduo encontra no campo de sua segurança so-
cial e ajustamento funcional. Assim sendo, um pro-
O diagnóstico em Serviço Social blema é objeto da intervenção do assistente social na
A primeira preocupação com relação à temática medida em que o indivíduo apresenta incapacidade
no Serviço Social surge através de Mary Richmond, de desenvolver seu papel normalmente, ou manter a
em 1917, quando ela definiu o diagnóstico social situação de bem-estar e ajustamento social.
como sendo a tentativa para se formar um juízo tão Gordon Hamilton – o diagnóstico significa com-
exato quanto possível da situação e da personalidade preender o problema e a pessoa que o apresenta; é
de um ser humano que tenha qualquer necessidade uma opinião profissional em relação à natureza real
social, situação e personalidade estas em relação aos do problema apresentado pelo cliente; preocupa-se
outros seres humanos dos quais ele depende ou que com a interação causal, e sua técnica é resultado de
dependam dele e em relação também às instituições conhecimento de psicologia e ciências sociais.
sociais da sua comunidade (RICHMOND, apud Mary E. Richmond – é pela análise profunda e
BARDAVID, 1991, p.1). minuciosa das relações sociais de cada caso que se
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102
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104
talidades incluem sua prática cotidiana. Posto que, estudo dos documentos podem servir de tópicos-
a prática profissional, enquanto mediação, se dá por guia para análise e formulação de diagnósticos na
movimentos que se caracterizam pelos processos e área social.
passagens de produção e superação de aspectos da
realidade social concreta. ■■ Sugestão de Filme
Cabe ressaltar que o assistente social, sendo um dos • Central do Brasil
agentes nessa mediação, realiza todo um processo de
passagem que poderá se caracterizar pela superação ■■ Dicas
de um movimento em detrimento de outro.
Agora a ação profissional é uma mediação que www.uel.br
movimenta a cadeia de vínculo na relação da to- www.scielo.com.br
talidade que a inclui, seja por meio da política so-
cial, da institucional, dos movimentos populares, ■■ Referências
entre outros. Para Oliveira (1988), o assistente so- Básicas
cial, ao visualizar a existência desses vínculos, de FALEIROS, V. P. Estratégias em Serviço Social. 5.
suas relações e contradições, pode desenvolver sua ed. São Paulo: Cortez, 2005.
ação profissional de modo mais crítico, na medida IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de
em que supera a leitura do aparente imediato e dá capital fetiche. São Paulo: Cortez, 2007.
conta das múltiplas direções que o vincula profis- PONTES, R. Mediação e Serviço Social. São Paulo:
sionalmente. Cortez, 1995.
Por outro lado, a mediação efetiva a relação
contraditória entre um processo de afloração de Complementares
consciência e a manutenção da alienação enquanto AGUIAR, A. G. Serviço social e filosofia: das origens
uma forma de reprodução e transformação da ide- a Araxá. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1995.
ologia dominante. O profissional, ao desenvolver HABERMAS, J. Para a reconstrução do materialis-
as relações “alienantes e fetichizadas, ao aperce- mo histórico. São Paulo: Brasiliense, 1997.
ber-se de seus movimentos e mecanismos, tende a IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contem-
romper a alienação da prática”. (OLIVEIRA, 1988, poraneidade: Trabalho e Formação Profissional. 10
p. 83) Posto que o agir se configura dentro de um ed. São Paulo: Cortez, 2006.
conjunto de princípios e valores que o profissional NETTO, J. P. Ditadura e serviço social: uma análise
tende a abarcar no seu dia a dia. do serviço social no Brasil pós-64. 9 ed. São Paulo:
Nessa mediação, o assistente social poderá im- Cortez, 2006.
primir um direcionamento à sua prática, que se SANTOS, L. M. et al. Fundamentos teóricos e meto-
caracteriza a partir de sua capacidade em ler criti- dológicos do Serviço Social. In: Educação Sem Fron-
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** ANOTAÇÕES
107
LABORATÓRIO DE PRÁTICAS
INTEGRADORAS
Caro(a) acadêmico(a),
108
108
■■ FUNDAMENTOS
POLÍTICOS DO
SERVIÇO SOCIAL
Unidade Didática – Fundamentos Históricos
e Teóricos do Serviço Social
As políticas sociais são um referencial importante e um campo de atuação privilegiado do Serviço Social e
serão analisadas neste curso nas dimensões teórica, histórica e política. O objetivo é capacitar futuros profis-
sionais para a compreensão da realidade histórica das políticas sociais no Brasil.
A partir dessa contextualização, fica fácil perceber que a política capitalista não é uma atividade neutra, de
atenção à pobreza ou à desigualdade social, formulada consensualmente no âmbito do Estado para ser apli-
cada à sociedade. Ao contrário, ela é um processo tenso, com muitas complexidades, contradições e conflitos
de interesse.
As profundas alterações nas relações históricas entre o Estado e a sociedade civil, quanto as formas de
organização e gestão da força de trabalho vêm atingindo o conjunto das especializações do trabalho, entre as
quais o Serviço Social, inaugurando novos marcos da divisão social e técnica do trabalho, que interpelam o
assistente social em suas respostas profissionais.
Assim, este módulo propõe-se a debater temas da maior importância para a orientação crítica do trabalho
do assistente social, considerando a amplitude das suas funções e atribuições no cotidiano profissional.
Na expectativa de que este módulo inspire atitudes e práticas profissionais questionadoras no âmbito das
políticas sociais, desejamos às (aos) alunas (os) um proveitoso e estimulante estudo.
■■ Competências e habilidades
• Analisar as abordagens teóricas da Política Social em sua relação com o Serviço Social
• Compreender e descrever as origens da Política Social contextualizando-as historicamente
• Caracterizar o capitalismo, o liberalismo e a democracia em sua relação com as políticas sociais
• Ler e interpretar textos relacionados às políticas sociais e o Serviço Social
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
A primeira aula da unidade didática “Política So- Bem-Estar, que expandirá enormemente as políticas
cial – Origem histórica” analisa o fenômeno da Polí- sociais no período. E como se comporta a democra-
tica Social, contextualizando-a no interior do capita- cia nesse contexto? O Estado de Direito não se realiza
lismo e do liberalismo. E não poderia ser diferente, apenas com a garantia jurídico-formal. As contradi-
já que a mesma foi concebida na sociedade burgue- ções aparecem fortemente entre a simples declaração
sa capitalista, e, portanto, tem relação direta com o dos direitos e liberdades e a sua real efetivação.
capitalismo, estando vinculada às acumulações do Como afirma Faleiros, para entender a política
capital. No desenvolvimento histórico do processo, social e a complexidade desse tema, é preciso consi-
o liberalismo entra em crise, possibilitando, dessa derar sempre o movimento real e concreto das for-
forma, o aparecimento do Welfare State ou Estado de ças sociais e da conjuntura.
111
112
te ou Estado de Bem-Estar Social, em alguns países As políticas sociais do Welfare State são identi-
da Europa. ficadas com o conceito de cidadania, enquanto as
Política Social, na atualidade, é considerada “pa- políticas sociais da Lei dos Pobres, patrocinadas
lavra em moda” e se associa aos conceitos de “Esta- inicialmente por regimes monárquicos, temiam
do de Bem-Estar” “ou Welfare State, políticas públi- principalmente a desordem social, devido ao au-
cas e cidadania social”. Entretanto, o termo política mento da pobreza. Assim, o objetivo desta últi-
social é genérico, provocando uma noção um tanto ma consistia na repressão à “vagabundagem” e, se
vaga. Mas é preciso esclarecer que política social necessário, as pessoas desta forma definidas eram
tem identidade própria. Refere-se a, segundo Perei- abrigadas em casas de correção e de trabalho força-
ra (1994): do. Mais tarde, mesmo reconhecendo a existência
de pobres incapazes para o trabalho, os governos
Programa de ação que visa, mediante esforço or-
persistiram a tratá-los sem qualquer diferenciação
ganizado, a atender necessidades sociais e cuja re-
solução ultrapassa a iniciativa privada, individual e
em relação aos desempregados e àqueles que não
espontânea e requer decisão coletiva, regida e am- desejavam trabalhar ou “indolentes”. Ou seja, a Lei
parada por leis impessoais e objetivas, garantidoras dos Pobres não via a política social como um de-
de direitos. ver do Estado e estas pessoas eram discriminadas e
vistas como inúteis.
Explicando melhor o significado de política so- Observa-se que os princípios e critérios que fun-
cial, pode-se afirmar que é um tipo de política pú- damentaram as políticas sociais, seis séculos antes
blica, ou seja, as duas, política pública e política do Welfare State, apesar de estarem ainda em voga,
social, são programas de ação, mas política social é não se identificam com a concepção de bem-estar
específica, dentre outras, como: política econômica, social do século XX. Fraser apud Pereira (1994),
agrária, ambiental etc. operando no interior da po- afirma que:
lítica pública, que é mais ampla.
O Welfare State é um sistema de organização social
Não se pode entender política pública apenas
que procura restringir as livres forças do mercado
como política de Estado, mas associada à coisa pú- em três principais direções: a) garantindo direitos e
blica, ou seja, de todos, submetida a uma mesma lei segurança social a grupos específicos da sociedade,
e com respaldo de uma comunidade de interesse. como crianças, idosos e trabalhadores; b) distri-
Dessa forma, embora as políticas públicas sejam buindo, de forma universal, serviços sociais como
regulamentadas e, na sua maioria, financiadas pelo saúde e educação; e c) transferindo recursos mo-
Estado, elas podem ser controladas pelos cidadãos, netários para garantir a renda dos mais pobres em
através de entidades privadas ou ONGs. certas contingências, como a maternidade, ou em
Política social, Estado de Bem-Estar e Welfare situações de interrupção de ganhos devido a fatores
State não são sinônimos, como geralmente são tra- como doença e desemprego.
tados. Política social é um conceito mais amplo do
que Welfare State, que tem um significado histórico, Estas três áreas de proteção nem sempre foram
pois ocorreu no século XX, após a Segunda Guerra consideradas de responsabilidade exclusiva do Es-
Mundial e tem caráter institucional, em que o Esta- tado, o que somente ocorreu a partir dos anos 1940
do capitalista, inspirado na filosofia do economista devido aos seguintes eventos: a Segunda Guerra
inglês John Maynard Keynes (1883-1946), regula e Mundial; a prosperidade econômica do pós-guerra; o
provém com benefícios e serviços sociais. Enquanto surgimento do fascismo; a ameaça do comunismo; o
a política social originou-se muito antes do século fortalecimento da classe trabalhadora, dentre outros.
XX, desenvolveu-se em diferentes tipos de relação Behring (2000) analisa, por sua vez, que o Welfare
entre Estado e sociedade civil. State possui uma incompatibilidade estrutural entre
113
acumulação e equidade, pois não ofereceu igualda- O Estado, mediador civilizador, tem grande par-
de de condições, mesmo o Estado se apropriando cela de valor socialmente criado e controle do pro-
do valor socialmente criado e realizando regulação cesso produtivo e reprodutivo. Contraditoriamente,
econômica e social, não eliminou as condições de tem a direção de classe, hegemonia do capital, pres-
produção e reprodução da desigualdade. Fica a per- são da supercapitalização e precisa aumentar a taxa
gunta: o que move o capital? A busca do lucro, a ex- de lucros.
tração da mais-valia. E o Estado é o gestor das relações entre o conjun-
to da produção e o conjunto da reprodução da força
A POLÍTICA SOCIAL E O ESTADO CAPITALISTA de trabalho e essa variação ocorre de acordo com
E LIBERAL a conjuntura que se dá na correlação de forças nos
Com a ascensão da burguesia na política, cria-se momentos históricos determinados.
o Estado como sistema diverso da sociedade civil. O Estado e empresas privadas, através de convê-
Como se sabe, na Idade Média o poder político per- nios e contratos, executam Políticas Sociais que são
tencia ao senhor feudal, proprietário das terras, e políticas públicas e executam medidas de política
seu poder era vitalício, passava de pai para filho e social. Em que consistem essas medidas? Implanta-
vinha junto com as terras. Com a revolução burgue- ção de assistência social, de previdência social, de
sa, separa-se o privado do público. prestação de serviços, de proteção jurídica, de cons-
Assim, ocorre a institucionalização do poder, não trução de equipamentos sociais e de subsídios.
mais visto sob a ótica de quem o detém, o senhor Mas não se pode esquecer que política social é
feudal ou o monarca, mas daquele que o representa resultado de pressão do movimento operário em
de direito, e sua legitimidade repousa no mandato torno da insegurança (desemprego, invalidez, do-
popular e não no uso da violência ou do privilégio. ença, velhice). O movimento impõe o princípio dos
A Política Social é um fenômeno a partir da seguros sociais.
constituição da sociedade burguesa, que é o modo Os seguros sociais inicialmente eram caixas de vo-
capitalista de produzir e reproduzir-se, portanto, luntários, que se tornaram obrigatórias, para cobrir
tem relação direta com capitalismo e está vincu- perdas visando à segurança social do trabalhador,
lada às acumulações do capital. Apresenta nefasta cuja cobertura dá-se contra toda perda de salário.
submissão à lógica da economia capitalista, reme- A Política Social, através do Estado, desempenha
tendo suas causas exclusivamente à regulação dos papel fundamental de reduzir a crise do capitalismo,
conflitos. realizando intervenções e estimulando a demanda
No início do capitalismo e da Revolução Indus- por bens e serviços e investindo em equipamentos e
trial, o primeiro caracterizava-se como concorren- tecnologias mais avançadas, com serviços caros.
cial, no qual na produção desordenada prevalecem A Política Social caracteriza-se como mecanismo
as leis de mercado, sem interferência do Estado. de reprodução da força de trabalho, constituindo-se
Entretanto, com os problemas surgidos da livre em um processo complexo que se relaciona com a
concorrência, o que fazer? Eliminar o mercantilis- produção, com o consumo e o capital financeiro.
mo? E a liberação da iniciativa capitalista? Suscitou A Política Social ocupou espaço maior no perío-
a necessidade de intervenção do Estado. Como se do fordista, do pleno emprego e do exército indus-
deu essa intervenção? Através de medidas legais trial de reserva e restringiu-se na atualidade com o
para intervir na organização de economia. Que é desemprego estrutural. A revolução tecnológica na
chamada de fase monopolista, na qual a produção produção provocou diminuição de lucros, além da
é planejada e organizada, e ocorre a supremacia dos concorrência, especulação, estagnação do emprego
trustes e dos cartéis. e produtividade.
114
115
** ANOTAÇÕES
116
AULA
2
A Questão do Estado e a Política Social
■■ Conteúdo
• Breve revisão sobre o histórico do Estado: na Antiguidade, na Idade Média, na Idade Mo-
■■ Competências e habilidades
• Analisar o conceito de Estado, sua constituição e desenvolvimento.
• Resgatar o histórico do Estado desde a Antiguidade e período feudal até o Estado Moderno
e a atualidade em relação à sociedade civil.
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
117
118
A formalização das lutas sobre a taxação entre lítico de Maquiavel rompe com o tradicionalismo e
o monarca e outros elementos da sociedade, espe- seculariza o Estado, ou seja, torna-o laico. Assume a
cialmente a nobreza e as cidades, deram origem aos independência estatal em relação à religião.
parlamentos, em que grupos sociais fundamentais O Estado Moderno serve de base à Ciência Política.
negociam com o rei sobre questões jurídicas e eco- Esta é uma consequência da própria modernização
nômicas. da sociedade que começa no século XVI e culmina
A partir do século XV, este processo deu origem com a Revolução Industrial. Este processo tem um
ao Estado Absolutista. elemento central, a tecnologia. Esta modernização
E ainda, de acordo com as autoras Bravo; Pereira possibilita igualmente uma maior mobilidade social.
(p.29, 2007): A sociedade moderna é caracterizada pela tecnolo-
As concepções e práticas político-jurídicas medie- gia, pelo aumento da produtividade, pela mobilidade
vais foram fundamentais para o desenvolvimento da da população e pelo aparecimento de novos grupos
teoria do Estado e dos direitos modernos. Foi na era sociais. É a época da ascensão da burguesia. Outra
moderna que a noção de Estado de Direito ou de Es- novidade do Estado Moderno é a nova forma de legi-
tado limitado pela lei ganhou relevância. A partir daí timação de poder. Antes quem legitimava o poder era
ganha força a defesa do princípio do controle públi- um Deus Absoluto, agora quem vai se tornar o novo
co, com base em normas estratégias políticas. elemento legitimador é o Povo. Assim, surgem novas
instituições, como os Parlamentos, onde o povo se
O ESTADO MODERNO faz representar.
Evolução histórica Este Estado Moderno não nasceu de uma só vez,
Até chegarmos ao Estado moderno havia quatro mas foi o resultado de um longo processo de mais
formas de Estado: de três séculos. A fase mais antiga é a Monarquia. A
1. Sociedade nômade: nômades e caçadores que Monarquia acompanha o desenvolvimento do Esta-
viviam em grupo e tinham uma organização do Moderno e vai, pelo processo de burocratização,
muito primitiva. lançar a primeira forma de Estado Moderno. Por
2. Estado-cidade ou cidade-estado: surge com a isso se diz que D. João II foi o primeiro monarca
Grécia Antiga, onde há uma divisão do traba- moderno em Portugal.
lho e uma sociedade bem sofisticada. A segunda fase do Estado Moderno é o Estado
3. Império burocrático: modelo utilizado na Chi- Liberal, consequência direta das Revoluções Libe-
na, por exemplo, em que um grande território rais na França e na Inglaterra. Este Estado é repre-
é controlado pela burocracia. sentativo e oligárquico, mas promoveu, entre outras
4. Estado feudal: a atividade essencial é a agricul- coisas, o aparecimento do ideal dos Direitos do Ho-
tura para subsistência, mas também há alguns mem e pela separação de poderes. No século XIX
excessos de produção que potencializaram a o Estado Liberal tornou-se imperial e vai dominar
dinâmica de mercado. globalmente o mundo graças ao processo chamado
Imperialismo.
Em relação à história da soberania do Estado, A terceira fase do Estado Moderno assenta na cri-
pode-se citar como exemplo a falta de soberania no se do Estado Liberal, que surge nos finais do século
feudalismo. XIX, já que este não tem capacidade para respon-
A palavra Estado foi empregada, pela primeira der às exigências sociais. Surgem assim as ideologias
vez, por Maquiavel, que a define como a sociedade extremistas de direita, o Fascismo e de esquerda, o
política organizada, o que implica a existência de Comunismo.
uma autoridade própria e de regras definidas para A quarta fase fica marcada pelo aparecimento
a convivência de seus membros. O pensamento po- do Estado Democrático Liberal, consequência da
119
grande crise econômica e social de 1929. A respos- No século XVII, o Estado adquiriu persona pró-
ta à crise passou pelo alargamento da democracia, pria, separada da persona do governante e de influ-
a toda a sociedade, adaptando para a administra- ências religiosas, com as seguintes características:
ção do Estado, medidas de cunho social, derivadas extensão da burocracia de recolher informações de
do pensamento de John Maynard Keynes. todos os tipos; cobrar tributos e exercer a regulação
Na Europa, no mundo ocidental, temos o Esta- institucional, combinando essa estrutura técnico-
do-providência, resultado da segunda metade da administrativa com recursos garantidos por impos-
Segunda Guerra Mundial, mas filho direto da crise tos, permitiu a criação e manutenção das forças ar-
de 1929. madas, como aparelho repressivo do Estado.
Os principais fatores que levam à criação de Es- Com Hobbes (1588-1679) e seu Leviatã, no sécu-
tados hoje são os interesses econômicos, as iden- lo XVII, o Estado passou a ser encarado como uma
tidades. entidade artificial e não natural e assim separada da
pessoa do governante e da função do governo. Isso
Abordagens teóricas sobre o Estado marcou o início do reconhecimento liberal da sepa-
Do ponto de vista da liberdade, a ingerência do ração entre as esferas públicas e privadas que antes
Estado pode ser indesejável, mas do ponto de vista eram misturadas entre pessoas física e jurídica do
da aquisição de condições básicas para o exercício governante.
dessa liberdade, ela é necessária.
O Estado, ao mesmo tempo que limita a desimpe- Conceituação de Estado
dida ação individual, pode garantir direitos sociais, Segundo Pereira (p.142, 2008), quatro elementos
visto que a sociedade lhe confere poderes exclusivos constituem o Estado:
para o exercício dessa garantia.
Um conjunto de instituições e prerrogativas, dentre
Mesmo nos regimes liberais mais radicais, avesso
os quais o poder coercitivo, que só o Estado possui
à intervenção estatal, o Estado sempre interveio po- por delegação da própria sociedade; o território, ou
liticamente para atender demandas e necessidades, seja, o espaço geograficamente delimitado onde o
seja da esfera do trabalho, seja da esfera do capital. poder estatal é exercido. Muitos denominam esse
Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) igual- território de sociedade, ressaltando a inescapável
mente demonstraram desconfiança em relação ao relação com o Estado; uma máquina burocrática
Estado e de sua capacidade de proporcionar bem- capaz de administrar as instituições e as políticas
estar social, só que guiados por outros pressupos- governamentais; arrecadar e gerir recursos; zelar
tos. De acordo com a teoria marxiana do Estado, pela ordem pública interne e externa; imprimir e
este seria um elemento de superestrutura e, como assegurar o desenvolvimento econômico; realizar
tal, um fenômeno transitório que somente existi- estudos, pesquisas e construir dados estatísticos;
ria enquanto houvesse dominação de uma casse um conjunto de condutas e comportamentos gerais
e previsíveis regulados pela máquina burocrática
sobre a outra. Deixaria de existir numa sociedade
do Estado dentro de seu território, o que favorece a
comunista futura.
cultura de nação de um povo.
Antonio Gramsci, pensador italiano marxista,
porém, possui nova abordagem, repensando a
teoria marxiana de Estado. Esse pensador consi- ■■ Concluindo
dera um arco mais amplo de intervenção estatal, Devido ao importante papel que muitos gru-
dando importância ao seu caráter contraditório pos sociais têm no desenvolvimento de políticas
e à sua dimensão política ativa. Gramsci cria o públicas e as ligações entre burocracias estatais e
conceito de Estado ampliado e da autonomia re- outras instituições, tornou-se cada vez mais difícil
lativa deste. identificar os limites do Estado. Privatização, na-
120
** ANOTAÇÕES
121
AULA
3
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
■■ Competências e habilidades
• Levar o acadêmico a compreender o processo histórico do Welfare State, suas dimensões e
perspectivas futuras
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
A política social, associada aos conceitos de “Es- O Welfare State surgiu nos países europeus de-
tado de Bem-Estar” (Welfare State nos países de lín- vido à expansão do capitalismo após a Revolução
gua inglesa), políticas públicas e cidadania social, Industrial e o Movimento de um Estado Nacional
tornou-se uma tendência intelectual e política. Pe- visando à democracia, sendo uma resposta à de-
reira (1994, p. 1) considera que “apesar do termo manda por serviços de segurança socioeconômica.
política social estar relacionado a todos os outros Draibe (1988) coloca que seu início se dá com a su-
conteúdos políticos, ele tem identidade própria. Re- peração dos absolutismos e a emergência das demo-
fere-se a programa de ação que visa, mediante esfor- cracias de massa.
ço organizado, atender às necessidades sociais cuja O Welfare State é uma transformação do próprio
resolução ultrapassa a iniciativa privada, individual Estado a partir das suas estruturas, funções e legiti-
e espontânea, e requer decisão coletiva regida e am- midade. Ele é uma resposta à demanda por serviços
parada por leis impessoais e objetivas, garantidoras de segurança socioeconômica. Desse modo, os ser-
de direitos”. viços sociais surgem para dar respostas às dificulda-
122
des individuais, visando a garantir a sobrevivência Stein (2000) coloca que é preciso ultrapassar a
das sociedades na luta contra a pobreza. definição simplista de que o Welfare State envolve
Para Gough (1986), a origem do Estado de Bem- a responsabilidade estatal na garantia do bem-estar
Estar foi um fenômeno do pós-guerra, como parte do cidadão, já que não se tem clareza se as políticas
de um acordo entre o capital e o trabalho e de uma garantidoras desse bem-estar são emancipatórias
estrutura de estado mais intervencionista. A par- ou não; se contradizem ou ajudam o mercado; e a
tir desse período, houve aumento da intervenção que tipo de necessidades atendem – básicas ou mí-
estatal na economia e acentuada importância do nimas?
papel do Estado na multiplicação de políticas de Dessa forma, ele não pode ser compreendido
bem-estar. apenas em termos de direitos e garantias. Deve-se
No Brasil, surge nas décadas de 1930 e 1970. levar em consideração a forma das atividades esta-
Draibe (1988) levanta alguns princípios pelos quais tais com o papel do mercado e da família.
o Welfare State, no Brasil, foi construído, sendo ca- O conceito de Welfare State tem os seguintes ob-
racterizado pela centralização política e financeira jetivos:
no governo federal e nas ações sociais, fragmentação • extensão dos direitos sociais;
institucional, exclusão da população na participa- • oferta universal de serviços sociais;
ção política, o autofinanciamento social, a privati- • preocupação com o pleno emprego;
zação e o clientelismo, que ainda persiste em muitos • institucionalização da assistência social como
segmentos sociais. rede de defesa contra a pobreza absoluta e
A forma capitalista que emergiu no Brasil a par- meio de garantir a manutenção dos padrões
tir da década de 1930 se antecipou aos movimentos mínimos de atenção às necessidades básicas do
sociais que representaram ameaças de rupturas. De cidadão.
forma repressiva, o Estado brasileiro dissipou os
conflitos com o objetivo de manter uma certa har- Fraser (1984) coloca o Welfare State como um
monia em favor do processo de expansão e reprodu- sistema de organização social que restringiu as for-
ção capitalista e a integração dos espaços regionais. ças do mercado em três direções: (a) garantia de
direitos e segurança social a grupos específicos da
O QUE É WELFARE STATE? sociedade como crianças, idosos, trabalhadores; (b)
Gomes (2006, p. 203) afirma que a definição de distribuição, de forma universal, de serviços sociais
Welfare State pode ser compreendida como “um como saúde e educação; e (c) transferência de re-
conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance cursos monetários para garantia de renda aos mais
universal promovidos pelo Estado com a finalidade pobres em certas contingências, como a maternida-
de garantir uma certa ‘harmonia’ entre o avanço das de, ou em situações de interrupção de ganhos devi-
forças de mercado e uma relativa estabilidade social, do a fatores como doença e desemprego.
suprindo a sociedade de benefícios sociais que signi- No entanto, a intervenção do Estado nessa
ficam segurança aos indivíduos, para manterem um direção só aconteceu a partir dos seguintes aconteci-
mínimo de base material e níveis de padrão de vida, mentos: a Segunda Guerra Mundial; a prosperidade
que possam enfrentar os efeitos de uma estrutura de econômica do pós-guerra; a ameaça do comunismo
produção capitalista desenvolvida e excludente”. e o fortalecimento da classe trabalhadora.
Portanto, Welfare State é a intenção instituciona- Citamos aqui os modelos de Welfare State apre-
lizada de promover bem-estar de todos os membros sentados por Esping-Andersen (1991, p. 110):
de uma determinada sociedade, sendo que não há • Welfare State “liberal”: predominância da assis-
um modelo único, já que seu funcionamento varia tência social aos comprovadamente pobres e
de um contexto nacional para outro. prevalência da lógica de mercado.
123
• Welfare State conservador: predominância da de responder aos desafios de hoje”. Outra que o vê em
subordinação. O Estado é subsidiário de ou- transformação, e não propriamente em crise, isto é,
tras instituições, em especial, da Igreja (com- em reestruturação, tendo em vista novos desafios es-
prometimento com a preservação da família truturais e ideológicos, provocados pelas mudanças
tradicional). ocorridas nos âmbitos da economia e da sociedade.
• Welfare State “social-democrata”: o Estado é o Assim, para vários estudiosos da política social a
principal promotor da igualdade; prevalência real perspectiva do Welfare State não aponta para
de programas universalistas; presença de uma seu desaparecimento, mas para sua reestruturação.
solidariedade universal – “todos se beneficiam; Segundo Abrahamson (1992), os diferentes mode-
todos são dependentes; e supostamente todos los europeus (os mais prestigiados do mundo) estão
se sentirão obrigados a pagar”. convergindo, cada vez mais, para um padrão de pro-
teção social que fortalece a dualização da prática do
Entre os anos de 1940 até 1970, o Estado Social bem-estar em duas frentes: uma, onde o mercado
serviu como a mais importante fórmula de paz para de trabalho cuida dos trabalhadores empregados e
as democracias capitalistas desenvolvidas, que con- outra onde o Estado e as instituições provadas fi-
siste na obrigação explícita do mecanismo estatal de lantrópicas cuidam dos marginalizados ou excluí-
proporcionar assistência e apoio aos cidadãos. dos das oportunidades de emprego e dos benefícios
O Welfare State apresentou seus primeiros sinto- decorrentes da inserção no mercado de trabalho.
mas de crise ainda na década de 1970, o que perdura
até os dias de hoje. Essa é, sobretudo, uma crise de
caráter financeiro-fiscal: com a diminuição das re-
++SAIBA MAIS
ceitas públicas devido à crise econômica, ocorre a Pereira (1992) coloca que termo público,
diminuição dos financiamentos para os programas associado à política, não é uma referência ex-
sociais. Portanto, a crise fiscal do Estado se expressa clusiva ao Estado, mas sim à coisa pública, ou
nos gastos sociais que aumentam cada vez mais, e o seja, de todos, sob a égide de uma mesma lei
seu financiamento torna-se algo moroso. e o apoio de uma comunidade de interesse.
Há que se considerar o período de crise na eco- Portanto, embora as políticas públicas sejam
nomia capitalista mundial que, entre 1973 e 1975, reguladas e providas pelo Estdo, ela podem e
apresentou um retrocesso representado pelo declí- devem ser controladas pelos cidadãos. Políti-
nio da produção industrial, aumento do desem- ca pública expressa, assim, a conversão de de-
prego e déficit comercial. A crise no setor estatal se cisões privadas em decisões e ações públicas,
deu pela enorme diferença entre receita e despesa, que afetam a todos.
levando ao endividamento do setor público.
A “crise” e seus desdobramentos fizeram que as
forças políticas se manifestassem, exigindo mudan- ■■ Atividades
ças no sistema do Welfare State que, neste contexto, Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
já não possuía as precondições (Estado-Nação so- atividades:
berano, pleno emprego, relações de trabalho bem 1. Você considera importante o surgimento do
definidas e salários amparados legalmente). A glo- Welfare State? Por quê?
balização da economia caracterizou-se por novos 2. O que você entendeu por Welfare State? Há um
mercados, atores e regras. modelo ideal?
Stein (2000, p. 141) coloca que essas mudanças 3. Analise as mudanças no contexto do Welfare
podem ser “caracterizadas através de duas interpreta- State e os impactos causados. Você acredita que
ções: uma que considera o sistema esgotado, incapaz foram (serão) benéficos?
124
AULA
■■ Competências e habilidades
• Compreender os caminhos do Neoliberalismo no Brasil e seus efeitos sobre as políticas
sociais
• Analisar as políticas da Seguridade Social (Previdência, Assistência Social e Saúde) no con-
texto do Neoliberalismo
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
++SAIBA MAIS
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para os estados e municípios, e do Executivo para o ses. O Brasil está sendo profundamente afetado pelas
Legislativo e o Judiciário. transformações do mundo do trabalho. Sobretudo,
A criação do Neoliberalismo foi basicamente uma é necessário mobilizar todos os segmentos para de-
reação teórica e política ao Estado intervencionista fender os direitos sociais já contidos na Constitui-
e de bem-estar (Welfare State). O argumento básico ção de 1988 para enfrentar as consequências deste
do neoliberalismo era que o novo igualitarismo (...) processo; principalmente “a escassez” de trabalho,
deste período, promovido pelo Estado de bem-estar, que está refletida nos altos índices de desemprego,
destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da e também pelas novas modalidades de organização
concorrência, da qual dependia a prosperidade de e estruturação, originando a flexibilidade e a preca-
todos (ANDERSON, 1995). riedade dos vínculos laborais.
O Brasil, com o avanço do neoliberalismo e Entretanto, Boschetti (2003) afirma que os anos
da globalização dos mercados, foi profundamen- 1990 até a atualidade tem sido de contrarreforma
te atingido por transformações. Na atualidade, o do Estado e de redirecionamento das conquistas so-
país vive um momento de redefinição, porque os ciais contidas na Constituição de 1988.
rearranjos políticos internacionais aprofundaram É necessário analisar as mudanças que ocorreram
ainda mais as diferenças, por um lado a concen- no limite entre o marco legal e as condições reais no
tração da riqueza e por outro o empobrecimento contexto do neoliberalismo e da barbárie. A era Fer-
da população, afetando principalmente o mundo nando Henrique Cardoso (FHC) foi marcada pelas
do trabalho, altos índices de desemprego e novos reformas direcionadas para o mercado e os proble-
modelos de organização e estruturação, causando mas do Estado brasileiro eram atribuídos às causas
a flexibilidade e a precariedade nos vínculos de centrais da crise econômica e social que se iniciou
trabalho (ABREO, 1998). nos anos 1980. A reforma do Estado ocorreu prin-
Na visão de Alain Touraine (1997) (In: Abreo cipalmente em relação às privatizações e na área da
1998), no entanto, o mesmo assinala uma luz no final previdência social. Uma parte do patrimônio públi-
do túnel, afirmando que a eficácia positiva das indis- co brasileiro, com as privatizações, foi entregue ao
pensáveis reformas liberais está esgotada. Seus efeitos capital estrangeiro.
negativos, sobretudo os sociais e os políticos, são cada O programa de publicização se deu através da
vez mais evidentes devido às posições anunciadas criação de agências reguladoras, das organizações
pelos diferentes chefes, tanto do FMI (Fundo Mone- sociais e da regulamentação do terceiro setor para a
tário Internacional) como do BID (Banco Interame- execução de políticas públicas. Entretanto, a reforma
ricano de Desenvolvimento). As últimas notícias do de FHC não surtiu o efeito desejado, não aumen-
Encontro das Américas, realizado no mês de abril de tando a capacidade de implementação de políticas
1998, no Chile, reafirmam a necessidade dos gover- públicas. Houve a desresponsabilização pela política
nos de implantar a educação para todos, e melhorar social e o abandono do padrão constitucional de se-
a situação social dos países do Mercosul para poder guridade social (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
integrar a ALCA (Associação de Livre Comércio das Entretanto, não se pode afirmar que exista uma
Américas), prevista para o ano 2005, posturas incom- ausência de política social no Brasil. O que houve
patíveis com a redução do Estado, pois ele deverá ser foi uma adaptação ao novo contexto, resultando
o principal gestor de recursos para a implantação de disso o trinômio do neoliberalismo para as políti-
políticas para a educação e para a área social. Talvez, o cas sociais: privatização, focalização, seletividade e
fato mais importante é que se estão gerando algumas descentralização (DRAIBE, 1993 apud BEHRING;
contradições no cenário nacional e internacional. BOSCHETTI, 2006).
Em síntese, as mudanças nos processos produti- Sob o argumento da crise fiscal do Estado existe
vos geraram um impacto que atingiu todos os paí- uma tendência de restrição e redução de direitos,
126
transformando as políticas sociais em ações pontu- àquelas sujeitas ao controle social e democrático e
ais e compensatórias. ao desfinanciamento imposto pela política econô-
A Seguridade Social deveria provocar mudanças mica e cooptação dos representantes da sociedade
profundas na saúde, previdência e assistência so- civil nos Conselhos de Políticas Públicas, na distri-
cial, no sentido de articulá-las e formar uma rede buição dos poucos recursos.
de proteção ampliada, coerente e consistente. No Para finalizar, é importante destacar que, segun-
entanto, isso não ocorreu. De acordo com Behring; do Anderson (1995), o neoliberalismo fracassou no
Boschetti (2006): plano econômico mas, infelizmente, atingiu muitos
de seus objetivos sociais, muito embora não todos
A Seguridade Social brasileira, ao incorporar uma
os propostos (a desestatização completa, por exem-
tendência de separação entre a lógica do seguro e
a lógica da assistência, acabou materializando po-
plo). Ele representa para a atualidade uma doutrina
líticas com características próprias que mais se ex- com um alcance ideológico muito forte e amplo, de
cluem do que se complementam, fazendo com que, forma que todos, mesmo que o neguem, tem que se
na prática, o conceito de seguridade fique no meio submeter às suas regras.
do caminho entre o seguro e a assistência.
■■ Atividades
Os direitos mantidos pela seguridade social di- Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
recionam-se pela seletividade e privatização. As re- atividades:
formas da Previdência de 1998 e 2003 introduziram • Comente a visão de Alain Touraine sobre uma
critérios que focalizaram ainda mais os direitos dos luz no final do túnel, em relação ao Neolibera-
contribuintes, restringindo direitos, reduzindo o va- lismo.
lor de benefícios, limitando alguns benefícios como • O que significa a contrarreforma do Estado e o
salário-família e o auxílio-reclusão, provocando a redirecionamento das conquistas sociais conti-
ampliação da permanência no mercado de trabalho das na Constituição de 1988?
e não incorporando os trabalhadores pobres, aban-
donando-os nas relações de trabalho informais.
O Sistema Único de Saúde (SUS) vem sendo mi- ** ANOTAÇÕES
nado pela péssima qualidade dos serviços, pela fal-
ta de recursos, pela ampliação dos esquemas pri-
vados que sugam os recursos públicos e pela insta-
bilidade no financiamento (COHN, 1995; PIOLA,
2001; NUNES, 2001 apud BEHRING; BOSCHET-
TI, 2006).
A Assistência Social é a política mais penalizada,
devido principalmente à redução e residualidade na
abrangência, visto que os serviços e programas al-
cançam apenas uma pequena parcela da população
que deveria ter acesso; manutenção e reforço do ca-
ráter filantrópico na rede de serviços que está forte-
mente composta por entidades privadas. O Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), instituído em
2004, pretende alterar esse quadro.
A contrarreforma existente no Brasil desde os
anos de 1990 pressiona criando políticas paralelas
127
5
Políticas Sociais dos Anos 1930
aos Anos 1990
■■ Conteúdo
• O contexto das políticas sociais brasileiras no período 1930-1990
■■ Competências e habilidades
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
++SAIBA MAIS
Corporativismo: doutrina econômico-social tamento bem carismático. É muito comum encon-
que preconiza a criação de instituições profissio- trarmos governos populistas em países com grandes
nais, organizadas em corporações, dotadas de po- diferenças sociais e presença de pobreza e miséria.
deres econômicos, sociais e mesmo políticos, mas Ideologia: é o conjunto de ideias, conceitos e
sob fiscalização do Estado. Defesa, por parte de uma comportamentos que prevalecem sobre uma socie-
categoria de trabalhadores ou funcionários, apenas dade. Seu objetivo é encobrir as divisões existentes
de seus próprios interesses profissionais. na sociedade e na política, mostrando uma forma
Populismo: é uma forma de governar em que maquiada de não divisão. Podemos exemplificar a
o governante utiliza de vários recursos para obter ideologia com a afirmação de que o adultério é cri-
apoio popular. O populista utiliza uma linguagem me, que o homossexual é pervertido e que o futebol
simples e popular, usa e abusa da propaganda pes- é coisa do homem.
soal, afirma não ser igual aos outros políticos, toma Nacionalismo: constitui-se como uma forma
medidas autoritárias, não respeita os partidos polí- de consciência de grupo, de pertencimento ou de
ticos e instituições democráticas, diz que é capaz de ligação a uma nação; como ideologias baseadas na
resolver todos os problemas e possui um compor- valorização da Nação-Estado como forma ideal de
128
organização política; como “ideologia que justifi- Evaldo Vieira (1997, p. 68) (In: Oliveira, 2003),
ca a Nação-Estado” (Gerth e Mills, Dicionário de observa que a política social no Brasil percorre três
Ciências Sociais, MEC); bem como, ainda, o pro- períodos: o primeiro, que denomina “controle da
cesso histórico pelo qual as nações modernas têm- política” e vai da Era Vargas ao início dos anos 1960;
se estabelecido como unidades políticas indepen- o segundo, que denomina de “política do controle”
dentes. e abrange 1964-1988. O terceiro período é o que se
Desenvolvimentismo: doutrina que defende inicia com a aprovação da Constituição em 1988,
uma política governamental de promoção do de- no qual os avanços conquistados no campo da defi-
senvolvimento econômico, em especial da indus- nição legal de direitos sociais ainda estão por serem
trialização. O período do Presidente Juscelino Ku- efetivados ou pior, muitos já foram extirpados do
bitschek foi marcado pelo desenvolvimentismo. texto constitucional ou se encontram permanente-
Moralismo: tendência a priorizar de modo exa- mente ameaçados, configurando o que Vieira deno-
gerado a consideração dos aspectos morais na apre- mina de “política social sem direitos sociais”.
ciação dos atos humanos. Getúlio Vargas, nos anos 1930, direcionou a po-
Fascismo: sistema político nacionalista, impe- lítica, transformando as relações estado/sociedade
rialista, antiliberal e antidemocrático, liderado por para o mercado interno e o desenvolvimento da in-
Benito Mussolini (1883-1945), na Itália, e que tinha dustrialização, mas mantendo a exportação de pro-
por emblema o feixe (fascio) de varas dos antigos dutos agrícolas.
lictores romanos. Getúlio Vargas, com sua política trabalhista, con-
trolava as greves e os movimentos operários e ao
1930 A 1960 mesmo tempo criava um sistema de seguro social.
Os direitos sociais são fruto de reivindicação Os seguros sociais eram reorganizados através de
dos movimentos dos trabalhadores, mas também institutos de previdência social para aquelas catego-
representam a busca de legitimidade das classes rias já organizadas: marítimos, bancários e indus-
dominantes, como mostra a expansão das políticas triários. Os demais trabalhadores, naquela época,
sociais do Brasil nos períodos ditatoriais: 1937- principalmente os trabalhadores rurais, ficaram de
1945 e 1964-1984. Existe uma distância entre os fora do sistema.
direitos previstos em lei e sua concreta implemen- Como afirma Faleiros (2000):
tação que permanece até a atualidade (BHERING;
O modelo getulista de proteção social se definia
BOSCHETTI 2006).
em comparação com o que se passava no mundo,
A entrada no século XX foi marcada pela cria- como fragmentado em categorias, limitado e desi-
ção dos primeiros sindicatos, influenciada pelos gual na implementação dos benefícios, em troca de
imigrantes europeus no país. Em 1911 foi reduzida um controle social das classes trabalhadoras.
a jornada de trabalho para 12 horas diárias.
Mas o divisor de águas, na política social brasi- Vargas governou sob ditadura (Estado Novo) após
leira, foi o ano de 1923, pois se aprovou a Lei Eloy o golpe de 1937 até 1945, quando foi derrubado
Chaves, que prevê a criação de caixas de aposenta- militarmente.
doria e pensão (CAPES) para algumas categorias
de trabalhadores. A crise econômica de 1929-1932 Nesse período, em 1942, foi criada a Legião Brasi-
e a revolução de 1930 trouxeram maior diversifica- leira de Assistência (LBA), em cuja entidade predo-
ção da economia brasileira. Em 1927 foi aprovado minava o assistencialismo, unindo ações de obras de
o código de menores, que só veio a ser substituído caridade, com ações das primeiras-damas.
em 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança Segundo pesquisa de Draibe (1990) e de Faleiros
e do Adolescente. (2000), dentre outros (In: Behring; Boschetti, 2006),
129
as principais medidas do período de 1930 a 1943, As políticas sociais viveram forte expansão após
foram: regulação dos acidentes de trabalho, aposen- a Segunda Guerra Mundial, com a intervenção do
tadorias e pensões, auxílios-doença, maternidade, estado na regulação das relações sociais e econô-
família e seguro desemprego. Em 1930, foi criado micas.
o Ministério do Trabalho e em 1932 a carteira de
trabalho. O período de 1937 a 1945, da ditadura de 1970 A 1990
Vargas, e após, foi marcado por uma forte disputa O apogeu do capitalismo “regulado” começa a se
de projetos e pela intensificação da luta de classes extinguir no final dos anos 1960 e inicia-se a recon-
e também com uma base material em crescimento, figuração do Estado capitalista nos anos 1980 e 1990
com o desenvolvimentismo nacionalista em substi- e seus impactos para a política social, articulados a
tuição à política de importações. O governo Kubits- uma reação burguesa à crise do capital, que come-
check se propunha a fazer o país crescer 50 anos em çou nos anos 1970.
5. Esse processo possibilitou maior organização po- O discurso neoliberal na década de 1970 argu-
lítica e consciência de classe dos trabalhadores, dos mentava que o Estado de Bem-Estar Social era ex-
camponeses e das camadas médias urbanas. cessivamente paternalista, entre outros argumentos.
Nesse período, a expansão da política social foi len- Com a crise fiscal, consequência da ampliação das
ta, com um formato corporativista e fragmentado. demandas sobre o orçamento público e da diminui-
Somente em 1960 esse modelo gradativamente ção dos recursos, a guerra em torno do destino dos
foi extinto, com a aprovação da Lei Orgânica da recursos públicos é cada vez maior.
Previdência Social, que definia a unificação dos be- As taxas de crescimento, as funções mediadoras
nefícios dos vários institutos, organizados em mais do Estado cada vez mais amplas, a absorção das no-
de 300 leis e decretos referentes às previdências so- vas gerações no mercado de trabalho, restritas pelas
ciais. tecnologias poupadoras de mão de obra, não são
O contexto político, populista, fazia apelo a uma as mesmas, contrariando as expectativas de pleno
ideologia de adesão das massas, nos moldes de Var- emprego. As dívidas públicas e privadas crescem.
gas, nacionalista; de Kubitscheck, desenvolvimentis- A explosão da juventude, em 1968, no mundo e a
ta; de Quadros, moralista; ou de Goulart, reformis- primeira grande recessão, devido à alta do petróleo
ta. Somente em 1983 a lei da previdência rural foi em 1973, foram os sinais de que o sonho de pleno
aprovada, mas não colocada em prática. emprego e da cidadania relacionada à política so-
Somente após a Segunda Guerra Mundial, a par- cial havia terminado no capitalismo central e estava
tir de 1945, é que o Brasil entrou na fase madura definitivamente comprometido na periferia do ca-
do capitalismo. Até 1975 houve uma forte expansão, pital, onde nunca se realizou de fato (BHERING;
com taxas de lucros altas e ganhos de produtividade BOSCHETTI 2006).
para as empresas e políticas sociais para os trabalha- Dos anos 1960 aos anos 1980, o país se desen-
dores. No fim dos anos 1960 esse período dá sinais volveu economicamente expandindo sua produção,
de término. modernizando sua economia com entrada do capi-
Observa-se que o ciclo de expansão do capitalis- tal estrangeiro no país.
mo e das políticas sociais inicia-se após 1945, devi- Os institutos de previdência social foram unifica-
do às consequências advindas da Segunda Guerra dos e centralizados no governo federal. Foi amplia-
Mundial e do fascismo, a terceira revolução tecnoló- da a previdência aos trabalhadores rurais em 1971,
gica, principalmente com a microeletrônica, e ainda aos empregados domésticos em 1972, aos jogadores
a derrota histórica do movimento operário mun- de futebol em 1973 e aos ambulantes em 1978.
dial, com a queda do muro de Berlim e do fim do Em 1974, a renda mensal vitalícia no valor de um
socialismo nos países da Cortina de Ferro. salário mínimo, beneficiou os idosos pobres com
130
mais de 70 anos. Nesse mesmo ano foi criado o Mi- Até a Constituição de 1988 a política social bra-
nistério da Previdência e Assistência Social. sileira se caracterizou por oferecer cobertura aos
A política habitacional, de acesso à casa própria que se encontravam no mercado de trabalho. Fora
para as classes médias, foi criada pelo Banco Na- do mercado de trabalho só havia a caridade priva-
cional de Habitação (BNH). O modelo implantado da ou alguma esmola pública precária na forma de
pela ditadura militar: assistencial, industrial, tec- auxílios. Uma outra característica da política social
nocrático e militar, não estava voltado para a ci- brasileira é, segundo W. G. Santos (1987, p. 89) (In:
dadania, mas o acesso da população, por extratos Oliveira, 2003), “o fato de que os períodos em que
populacionais, favorecendo grupos privados. se podem observar efetivos progressos na legisla-
No final da ditadura militar, a conjuntura eco- ção social coincidem com a existência de governos
nômica estava em crise: inflação, dívida pública autoritários.” Destaca neste sentido a era Vargas e
acentuada, fazendo a população sair às ruas em o pós-1966.
manifestações organizadas (FALEIROS, 2000).
A Constituição Federal de 1988, fruto do rom- ■■ Atividades
pimento do regime militar e surgimento da de- Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
mocracia no país, caracterizava-se como: liberal, atividades:
democrática e universalista, expressando as con- Caracterize os direitos sociais no Brasil no perío-
tradições do momento, convivendo aí as políticas do entre 1930 e 1945.
estatais com as políticas de mercado, nas áreas da Analise as políticas sociais no período pós-1945
saúde, da previdência e da assistência social. até 1960.
Os anos 1990 foram marcados pelas reformas Comente o significado da reconfiguração do es-
neoliberais, com maior favorecimento do mercado tado capitalista nos anos 1980 e 1990.
e de redução do papel do Estado. Realize reflexão sobre a elaboração da nova
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) foi Constituição Brasileira, quando delineava-se uma
aprovada somente em 1993, tornando, concreta- espécie de Estado Social, com as demandas da clas-
mente, a assistência social uma política pública, se trabalhadora sendo contempladas e a sociedade
dever do Estado e um direito do cidadão. A lei pre- brasileira caminhando para um avanço democráti-
videnciária cortou a renda mensal vitalícia para os co, e no mundo operava-se o desmonte da política
idosos. A LBA, o INPS e o INAMPS foram extintos de bem-estar social.
e em seu lugar foi criado o Instituto Nacional de
Seguro Social (INSS).
Com a promulgação da Constituição de 1988, ** ANOTAÇÕES
ampliou-se consideravelmente os direitos sociais
e políticos, estabelecendo novas bases nas relações
trabalhistas, novas relações entre Estado e socieda-
de, instituindo a descentralização das atribuições
e responsabilidades de intervenção na área social
nas três esferas de governo. Todavia, no momen-
to em que, no Brasil, delineava-se uma espécie de
Estado Social em que as demandas da classe tra-
balhadora eram contempladas e a sociedade bra-
sileira caminhava para um avanço democrático,
no mundo operava-se o desmonte da política de
bem-estar social.
131
AULA
6
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
■■ Competências e habilidades
• Desenvolvimento histórico dos movimentos sociais, desde a colonização portuguesa até a
atualidade
• Caracterização dos movimentos sociais especialmente nos anos 1970, 1980 e 1990
• Descrição de alguns elementos restritivos de ampliação dos movimentos sociais no País
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
132
ção construídos no interior da sociedade política, João Goulart: reforma agrária, fiscal, educa-
por iniciativa dos dirigentes, segundo critérios es- cional, bancária e eleitoral. Para o governo,
tabelecidos pelo poder público. elas eram necessárias ao desenvolvimento de
O destino dos movimentos sociais no Brasil é um ìcapitalismo nacionalî e ìprogressistaî.
incerto, pois os últimos governos reconhecem Senso Comum: Pode-se dizer que senso
apenas a democracia parlamentar, desqualifican- comum são os conhecimentos adquiridos ao
do sindicatos e movimentos sociais como “repre- longo da vida que independem de um treina-
sentantes do atraso” e esvaziando canais partici- mento científico.
pativos como conselhos e conferências nacionais,
estimulando a destituição de direitos trabalhistas,
previdenciários e sociais, fazendo deles políticas POLÍTICAS SOCIAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS
compensatórias e filantrópicas, além de reduzir os
gastos sociais. Para fortalecer e ampliar as possi- Os movimentos sociais precisam ser situados his-
bilidades da participação social é preciso: investir toricamente, para não se perder sua importância e
fortemente na qualificação dos movimentos so- dimensão. É dentro dos marcos de uma sociedade
ciais e de outros atores da sociedade civil para uma competitiva e conflituosa, num processo de lutas
ação propositiva e capaz de participar eficazmente econômicas, culturais e políticas é que surgem es-
de negociações; qualificar agentes governamentais, ses movimentos. O seu desenvolvimento abarca in-
contribuindo para fortalecer neles uma cultura de- teresses não somente populares, mas componentes
mocrática e participativa e implementar políticas básicos da luta pelo poder e desenvolvem, através de
inovadoras quanto à melhoria das condições de suas demandas reivindicatórias, o fortalecimento da
vida de toda a população e à democratização dos sociedade civil.
processos de gestão. Potencializar as ações da so- Na perspectiva de Gohn (1989):
ciedade, suas práticas democráticas e ampliadoras
Movimentos sociais são ações coletivas de caráter
da cidadania.
sociopolítico, construída por atores sociais perten-
centes a diferentes classes e camadas sociais. Eles
++SAIBA MAIS politizam suas demandas e criam um campo po-
lítico de força social na sociedade civil. Suas ações
Movimento Anarquista: Teoria política estruturam-se a partir de repertórios criados sobre
fundada na convicção de que todas as for- temas e problemas em situações de: conflitos, lití-
mas de governo interferem injustamente na gios e disputas. As ações desenvolvem um processo
liberdade individual, e que preconiza a subs- social e político-cultural que cria uma identidade
tituição do Estado pela cooperação de grupos coletiva ao movimento, a partir de interesses em
associados. comum.
Movimento Socialista: Doutrina que prega
a primazia dos interesses da sociedade sobre UM POUCO DA HISTÓRIA
os dos indivíduos, e defende a substituição da Historicamente, a participação popular no Brasil
livre-iniciativa pela ação coordenada da cole- teve reduzido espaço de influência socioeconômica
tividade na produção de bens e na repartição e política. Como afirma Carvalho (1987):
da renda. Nosso país constituiu-se dentro de uma tradição
Reformas de Base: Era o nome dado às po- autoritária e excludente, a partir da colônia portu-
líticas de transformação na estrutura econô- guesa, da escravidão, do Império, de modo que seu
mica e social propugnadas pelo governo povo foi mantido sempre estrangeiro em sua pró-
pria terra, à margem da política, considerada pelos
133
ditos populares como ‘coisa de branco’: ‘[...] vocês ta. A implantação da ditadura se faz à custa de uma
são brancos, que se entendam’, é um frequente co- pesada repressão, com o fechamento de sindicatos, a
mentário popular. Um dos autores que estudou a cassação, tortura e banimento de lideranças sociais
formação dessa cultura autoritária e excludente co- e políticas, a censura da imprensa, o fechamento do
menta, de modo crítico, a opinião generalizada de Congresso e dos partidos, o engessamento das elei-
que o povo assistiu ‘bestializado’ a proclamação da ções e da política, a destruição dos espaços públicos
República. Esta atitude apática ou ‘bestializada’, não e da cidadania. Essa destruição da cidadania e da
corresponde, porém, à realidade, mas a um discur- democracia não se dá, no entanto, sem a resistência
so que desqualifica a cultura, as formas de agir, de e o enfrentamento de movimentos sociais, especial-
pensar e de participar do povo brasileiro, que incor- mente do movimento estudantil e dos grupos que
poram as contribuições negra e indígena. Mesmo optam pela luta armada, pelas guerrilhas urbanas e
reprimida como ‘caso de polícia’, ocupando apenas camponesas, inspirados pelas Revoluções Cubanas
as páginas policiais, a participação popular sempre e Chinesas.
existiu, desde que existem grupos sociais excluídos As condições de exploração, pauperização e re-
que se manifestam e demandam ações ou políticas pressão, não só no Brasil mas também na América
governamentais. Latina, fez com que os movimentos sociais constru-
Deste ponto de vista pode-se analisar a participa- íssem novas formas de demonstrar a contradição
ção conquistada nas diversas fases e tipos de movi- fundamental da classe trabalhadora. Esses movi-
mentos sociais que percorrem a história do Brasil, mentos tinham como ponto de partida, na maio-
desde as primeiras resistências indígenas e negras ria das vezes, os problemas coletivos do consumo
como a Confederação dos Tamoios e os Quilombos, (CARVALHO, 1998).
passando pelos chamados movimentos camponeses, Os anos 1970 foram, no Brasil, tempos de pro-
como Canudos, pelas lutas abolicionistas, pela Inde- fundas mudanças econômicas e políticas, que
pendência, pelas revoltas urbanas contra a carestia, provocaram a emergência vigorosa de novas de-
as mobilizações de inquilinos, e tantas outras. mandas sociais. O Estado burocrático-autoritário,
O movimento operário, de inspiração anarquista que se estabeleceu com a ditadura militar, fechou,
e socialista, juntamente com o movimento campo- no entanto, até mesmo os precários canais de ex-
nês e os movimentos urbanos, vem caracterizar o pressão e de negociação de interesses e conflitos
que neste século chamamos “movimentos sociais”. mantidos pelo populismo. Neste contexto de au-
Estes movimentos sofrem, principalmente nos anos sência de canais de interlocução, emergem novos
1930 a 1960, fortes pressões cooptadoras por parte movimentos sociais como captadores destas novas
de partidos políticos, de parlamentares e governos e candentes demandas sociais. Sua ação abre no-
que buscam instrumentalizá-los e submetê-los a vos espaços ou “lugares” para a ação política. Na
seus interesses e diretrizes. ausência de espaços legítimos de negociação de
conflitos, o cotidiano, o local de moradia, a perife-
1960 A 1980 ria, o gênero, a raça tornam-se espaços e questões
O período do regime militar com o golpe dos ge- públicas, lugares de ação política, constituindo
nerais representou uma resposta ao levante popular sujeitos com identidades e formas de organização
das massas trabalhadoras insatisfeitas com os ru- diferentes daquelas do sindicato e do partido.
mos dos governos populistas. Os anos 1950 e 1960 Eder Sader (1988), destaca:
são marcados por intensa mobilização social, que se
O papel especial desempenhado, na constituição
expressa no movimento sindical, nas Ligas Campo-
desses novos sujeitos, por algumas matrizes dis-
nesas e numa ampla reivindicação por “Reformas de cursivas comprometidas com projetos de ruptura,
Base”, de cunho democrático, popular e nacionalis-
134
135
va, de ação direta ou “de rua”, são sistematizadas e setor produtivo privado; o surgimento de grandes
traduzidas em propostas políticas mais elaboradas centrais sindicais; o surgimento de entidades aglu-
e levadas aos canais institucionais conquistados, tinadoras dos movimentos sociais populares, espe-
como a própria iniciativa popular de lei que permi- cialmente no setor da moradia; e fundamentalmen-
tiu as emendas constituintes. te, o nascimento e o crescimento, ou a expansão da
forma que viria a ser quase que uma substituta dos
OS ANOS 1990 E A EMERGÊNCIA movimentos sociais nos anos 1990: as ONGs.
DOS CHAMADOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS Os anos 1990 foram considerados os anos da cri-
A emergência dos chamados novos movimentos se e da mudança. Crises internas de militância, de
sociais, que se caracterizou pela conquista do direito participação, de credibilidade nas políticas públicas,
a ter direitos, do direito a participar da redefinição de confiabilidade e legitimidade junto à própria po-
dos direitos e da gestão da sociedade, culminou com pulação e crises externas, decorrentes da redefini-
o reconhecimento, na Constituição de 1988, em seu ção dos termos do conflito social entre os diferentes
artigo 1o, de que “Todo poder emana do povo, que o atores sociais e entre a sociedade civil e a sociedade
exerce indiretamente, através de seus representantes política, tanto em termos nacionais como em ter-
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constitui- mos dos referenciais internacionais: queda do muro
ção.” Esta “Constituição cidadã” prevê a participa- de Berlim, fim da União Soviética, crise das utopias,
ção direta dos cidadãos através dos chamados ins- ideologias etc. (GOHN, 1997).
titutos de democracia direta ou semidireta, como o Modifica-se a agenda política dos governos, na
plebiscito, o referendo, a iniciativa popular de lei, qual só há lugar para a participação e para os pro-
as tribunas populares, os conselhos e outros canais cessos de descentralização construídos no interior
institucionais de participação popular. As mudan- da sociedade política, por iniciativa dos dirigentes,
ças na conjuntura política no início dos anos 1980 segundo critérios estabelecidos pelo poder público.
alteraram esse cenário. As políticas são formuladas para segmentos
Uma nova concepção demandava não apenas sociais, dentro de um recorte que privilegia os
bens e serviços necessários para a sobrevivência atores sociais que serão os parceiros, e não mais
cotidiana, característica básica das ações dos movi- os segmentos segundo recorte das classes sociais.
mentos populares, que inscreviam suas demandas Também as arenas de negociações passam a ser da-
mais no campo dos direitos sociais tradicionais: di- das pelo poder público. Criam-se processos e ca-
reito à vida, tendo acesso à comida, ao abrigo e ou- nais de participação e mais uma vez deve se repetir:
tras. O novo nos movimentos ecológico, das mulhe- estes canais são conquistas do movimento social
res, negros, indígenas etc., se referia a outra ordem combativo, progressista e articulador de interesses
de demanda, relativa aos direitos sociais modernos, dos excluídos da sociedade civil; mas junto com os
que apelam para a igualdade e a liberdade nas rela- novos canais estruturam-se também movimentos
ções de raça, gênero e sexo. sociais que defendem demandas particularistas e
Destacam-se os fatores que contribuíram para as estão voltados para atuarem como coparticipes das
alterações nas políticas públicas e na composição dos ações estatais.
agentes e atores que participam da implementação, Nos anos 1990, o que era ocasional se institucio-
gestão e avaliação das mesmas políticas; o consenso, naliza e os atores sociais privilegiados, convocados
a generalização e o posterior desgaste das chama- a serem parceiros das novas ações, são os tradicio-
das práticas participativas em diferentes setores da nais aliados do poder. O movimento social mais
vida social; o crescimento do associativismo insti- combativo, que se encontra fragilizado e fragmen-
tucional, que se desenvolveu muito nos anos 1980, tado por sua crise de identidade, disputas internas
absorvendo grande parcela dos desempregados do etc. não tem nenhuma garantia de participação nas
136
novas políticas; fora das políticas públicas não há tipo “Ligas Camponesas”, colocando a questão da re-
recursos financeiros porque os recursos interna- forma agrária novamente na ordem do dia.
cionais escassearam (GOHN, 1999). A partir da Constituinte, e ao longo da década
Nos anos 1990 houve significativas alterações no de 1990, torna-se cada vez mais clara para os movi-
cenário da participação social, com a transforma- mentos sociais a reivindicação de participar da re-
ção das lutas sociais organizadas em movimentos definição dos direitos e da gestão da sociedade. Não
populares, e o surgimento de novas lutas sociais, reivindicam apenas obter ou garantir direitos já de-
de caráter cívico, como A Ética na Política, Movi- finidos, mas ampliá-los e participar da definição e
mento de Meninos de Rua. da gestão desses direitos.
A diminuição dos movimentos sociais organi- Tidos como paroquiais, fragmentados, efêmeros,
zados foi proporcional ao crescimento de redes de os movimentos sociais teriam dificuldade em efe-
organizações não governamentais, voltadas para o tivamente articular suas reivindicações nas arenas
trabalho em parcerias com as populações pobres políticas formais que se constituem num regime de-
ou fora do mercado formal do trabalho. Uma nova mocrático, seriam inábeis para transcender o local e
estrutura de relações sociais está sendo construída engajar-se na política real requerida pelo retorno da
nos anos 1990, a partir das redes de economia in- democracia representativa.
formal ou comunitária que foram criadas. Trata-se Os movimentos sociais têm sido capazes de se
de soluções criadas pelas ações coletivas populares, transformar, modificando a democracia brasileira.
baseadas em planos coletivos de baixo custo e com Na visão de Carvalho (1998):
utilização do trabalho comunitário, no cenário
O aprofundamento da democracia que temos vis-
brasileiro, tanto urbano como rural. As várias Or-
to no Brasil não pode ser explicado somente como
ganizações Não Governamentais – ONGs, princi- obra de engenharia institucional, mas afirma o
palmente as que atuam com as camadas populares, importante significado da expansão da mobiliza-
têm o apoio de alas progressistas da Igreja Católica, ção como fator de transformação das instituições
que reviu suas posições quanto à organização da a partir dos espaços de organização da sociedade.
população para participar de movimentos e mobi- Sem a forte presença dos movimentos sociais não
lizações conscientizadoras, voltando-se agora para se pode explicar uma crescente mudança cultural
a organização popular para ações coletivas coope- que se opõe aos velhos padrões da política, cliente-
radas ou em parceria com agências: públicas ou listas, elitistas e corruptos, uma sociedade que, em
privadas. Estas novas orientações introduzem uma diversas de suas atitudes recentes, embora de uma
questão nova na temática da participação popular. forma descontínua, enfatiza a representatividade,
Trata-se das ações coletivas em busca de soluções exige maior transparência e respeitabilidade.
para problemas localizados, baseadas no trabalho
comunitário e nas técnicas alternativas. Trata-se de Entre as formas de participação, mais centradas
modos de atuação coletiva, nos quais a cultura e as na sociedade que no Estado, é preciso ainda saber
tradições são utilizadas como amálgamas de pro- “ver” novas formas de manifestação cidadã, muito
cessos novos, que criam novas possibilidades em mais informais, como as redes de “militância virtu-
termos de relações sociais e de formas de produção al”, as consultas e pesquisas realizadas por telefone,
(HABERMAS, 1997). questionários ou Internet, os movimentos de con-
Nesse período, os movimentos sociais mais com- sumidores e usuários. A participação meramente
bativos e conflituosos estavam no campo e não mais formal propiciada pelas tecnologias da comuni-
na cidade. O Movimento dos Sem-Terra retomou as cação pode integrar-se a uma participação mais
lutas que geraram, nos anos 1960, movimentos do substantiva, desde que articulada a outras formas
137
138
formação social, os papéis do Estado, da sociedade políticas inovadoras quanto à melhoria das condi-
e da cultura nesta transformação, o papel dos mo- ções de vida de toda a população e à democratiza-
vimentos sociais, novas formas de organização e ção dos processos de gestão. Potencializar as ações
de luta, novas formas de manifestação cidadã, tudo da sociedade, suas práticas democráticas e amplia-
isso são reconstruções a fazer. doras da cidadania. Estas são as previsões que se
pode fazer, esperando com elas fortalecer a ampliar
■■ Concluindo as possibilidades da participação social.
No estudo em questão destaca-se especialmente o
embate com o neoliberalismo. Na esfera federal, os ■■ Atividade
governos dos anos 1990 afirmam apenas reconhecer Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
a democracia parlamentar quando desqualifica sin- atividades:
dicatos e movimentos sociais como “representantes • Analisar os movimentos sociais brasileiros à
do atraso” e suas manifestações como prejudiciais luz das mudanças ocorridas historicamente,
à democracia, desconstruindo e esvaziando canais
desde a ditadura militar de 1964 até os anos
participativos, como conselhos e conferências na-
1980.
cionais, estimulando a destituição de direitos tra-
balhistas, previdenciários e sociais, fazendo deles • Caracterizar os movimentos sociais nos anos
políticas compensatórias e filantrópicas, além de 1990. Por que esse período é considerado um
reduzir os gastos sociais. marco na história dos movimentos sociais bra-
As previsões sobre o futuro da participação são sileiros?
incertas. O que se deve fazer, concretamente, é: in-
• Desenvolva uma reflexão sobre a importância
vestir fortemente na qualificação dos movimentos
dos movimentos sociais para o fortalecimento
sociais e de outros atores da sociedade civil para
uma ação propositiva e capaz de participar eficaz- da sociedade civil.
mente de negociações; qualificar agentes governa- • Por que na atualidade existe certa dificuldade
mentais, contribuindo para fortalecer neles uma de realizar uma previsão sobre os destinos dos
cultura democrática e participativa e implementar movimentos sociais?
** ANOTAÇÕES
139
AULA
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
7
Perspectivas Contemporâneas
da Política Social
■■ Conteúdo
• Desafios e perspectivas das políticas sociais no Brasil
■■ Competências e habilidades
• Compreensão e reflexão das perspectivas e desafios das políticas sociais no Brasil
■■ Duração
2 h-a – via satélite com o professor interativo
2 h-a – presenciais com o professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
Se as políticas sociais no Brasil, em seu conjunto, daquelas instituições inicialmente previstas e, ainda
enfrentam questões importantes que afetam dire- assim, mais como parte contábil do orçamento pú-
tamente o sentido geral de sua implementação, as blico do que como mecanismo específico de finan-
áreas setoriais têm que fazer frente a temas específi- ciamento a compor uma estratégia mais ampla de
cos que, em cada caso, configuram perspectivas não efetivação das políticas de seguridade social.
menos desafiadoras. São preocupantes as propostas de reforma que
Nas políticas da Seguridade Social destacam-se buscam destruir o esquema de financiamento da Se-
duas ordens de questões. Uma diz respeito à insegu- guridade Social, seja desvinculando as contribuições
rança jurídica que desde a promulgação da Consti- sociais desse orçamento, seja desvinculando o salá-
tuição de 1988 acomete esse sistema. Originalmen- rio mínimo como piso dos benefícios sociais, sem
te concebido para dispor de um Ministério único, apresentar nenhuma alternativa fiscal à garantia dos
aglutinador das políticas de previdência social, assis- direitos consagrados pela Constituição de 1988.
tência e saúde, de um conselho de participação defi- Esse debate do financiamento é geral às políticas
nidor das prioridades alocativas e de um orçamento da seguridade social. No que diz respeito à Previdên-
próprio, autônomo da área fiscal, tal sistema nunca cia Social, a questão do financiamento é particular-
chegou a se estabelecer plenamente. Apenas tomou mente importante, pois, como se sabe, essa política
forma o Orçamento da Seguridade Social, a última pelo Estado brasileiro a todos os seus cidadãos que
140
estejam ou venham a estar em situação de extrema recursos serão necessários para enfrentar os desafios
pobreza, permitindo ainda que o Bolsa Família pas- da inclusão previdenciária.
sasse a integrar de forma permanente a política de Situação semelhante acontece em relação à Assis-
seguridade social. tência Social, pelo fato de que o público-alvo desse
É o núcleo central do sistema brasileiro de pro- grupo de políticas não é mais identificado apenas
teção social, tanto em termos de cobertura como como aquele caracterizado pela insuficiência de ren-
de recursos financeiros envolvidos. Não obstante da. Incluem-se também aqueles que, em situação de
os avanços obtidos desde a implementação dos vulnerabilidade social (pela idade, deficiências ou
dispositivos constitucionais de 1988, ainda reina outras condições) ou em situação de violação de
uma grande desproteção previdenciária no país, direitos (por violência, abandono, trabalho infantil,
que atinge algo em torno de 45% da população entre outros), necessitam da oferta de determinados
economicamente ativa, fortemente localizada em serviços públicos. Ainda assim, é o contexto da po-
atividades não agrícolas, residentes sobretudo no breza que faz com que, no Brasil, as políticas de as-
meio urbano. sistência social e segurança alimentar tenham uma
Além disso, há um sério problema de aderência grande amplitude, devendo atender parte expressiva
entre o modelo básico de proteção vinculado a con- da população, ao mesmo tempo em que impõem a
tribuições sobre a folha de salários e a trajetória de necessidade de implementação de amplo programa
desassalariamento formal da mão de obra ativa, fato de transferência de renda, com implicações impor-
que se nota pela queda da relação entre contribuin- tantes no que diz respeito à consolidação de direitos
tes ativos sobre beneficiários totais, que passou de e ao financiamento público.
1,86 para 1,78 entre 1995 e 2005. A vinculação dos benefícios assistenciais ao sa-
É importante, no âmbito dos desafios nessa área, lário mínimo, adotada pela Constituição de 1988,
novas políticas de inclusão previdenciária, sobretu- é um fator determinante no impacto positivo ob-
do para segmentos de trabalhadores historicamente servado por esse programa e, assim, entende-se que
alijados dos processos de inclusão social pelo traba- deve ser mantida. Contudo, essa cobertura ainda
lho regulado. Isto porque dificilmente terão condi- não se encontra universalizada, havendo parte ex-
ções de cumprir longos períodos de contribuição ao pressiva da população que, apesar de sujeita a riscos
sistema, mas que necessitam, tais quais os demais ou em condições de vulnerabilidade social, não é
trabalhadores, de proteção não só na velhice como contribuinte da Previdência Social e tampouco está
também na fase laboral, contra eventos como de- dentro da faixa de renda que permitiria acesso ao
semprego, acidentes de trabalho, doenças, invalidez, BPC. Essa população tende a pressionar, no futu-
maternidade, reclusão etc. ro, a demanda por benefícios sociais, ou a engros-
O desafio da inclusão previdenciária aponta que sar o número de famílias em situação de pobreza
o problema de financiamento nessa área vai além nos casos de inatividade provocada por doença,
da manutenção das vinculações atuais; envolve, na velhice, desemprego ou invalidez. Nesse sentido, é
verdade, uma discussão sobre o aporte de recursos necessário avançar na universalização da cobertura
adicionais, preferencialmente de fontes fiscais pro- de toda a população inativa por meio de programas
gressivas, se o objetivo da proteção social for de fato de garantia de renda, articulando uma política de
algo presente no horizonte das próximas decisões inclusão previdenciária com estratégias de cunho
políticas. Por isso, ainda que parte do problema de assistencial.
financiamento possa ser enfrentado com a amplia- Estudos realizados tendo por base a Pnad 2004
ção programada dos limites de idade para aposenta- permitem observar o efeito positivo dos programas
doria e com um processo contínuo de melhoramen- de transferência de renda, unificados pelo Bolsa
tos em gestão, novos requerimentos em termos de Família, no combate à indigência e à pobreza e na
141
queda da desigualdade de renda. A consolidação desse ca-se, ainda, a persistência de fortes desigualdades
programa como política pública e direito do cidadão educacionais entre regiões do país, entre o campo
depende, contudo, de seu reconhecimento como e a cidade, bem como entre brancos e negros, em
direito social vinculado à condição de insuficiência de que pesem os avanços observados. Entretanto, a
renda. Esse seria um passo importante para efetivar a baixa qualidade da educação básica continua sendo
garantia de proteção social a ser dada. um dos mais graves problemas da educação escolar
Do ponto de vista do financiamento, a progres- no Brasil, mas a ela se somam o analfabetismo, que
siva ampliação da proteção social ofertada pelas atinge ainda parcela expressiva da população bra-
políticas de Assistência Social, Segurança Alimentar sileira, e o acesso restrito aos níveis de ensino não
e Transferência de Renda tem colocado na agenda obrigatórios: infantil, médio e, sobretudo, superior.
pública a questão de como proteger (e até mesmo Esses resultados comprovam que o reconheci-
ampliar) o montante atualmente gasto nas políti- mento da natureza estratégica da educação, seja
cas sociais. Dos resultados desse embate dependem para o desenvolvimento econômico-social, seja
tanto a capacidade de ampliar a proteção social à para a consolidação da cidadania, ainda que pareça
população brasileira como a manutenção de sua efi- ter-se constituído em consenso nos vários segmen-
cácia no enfrentamento e prevenção das situações tos sociais da Nação, não tem sido suficiente para
de extrema pobreza e vulnerabilidade. a superação dos problemas educacionais brasilei-
Em relação à Saúde, houve avanços significativos, ros. Nesse sentido, o primeiro grande desafio é o de
ainda que novos e velhos problemas permaneçam transformar esse “consenso” em um pacto nacional
à espera de solução. A questão do financiamento pela educação, cuja efetividade dependerá da co-
das políticas públicas de saúde no Brasil – que com- participação das diversas esferas de governo e da
preendem não só a Atenção à Saúde, mas também sociedade civil, mediante a fixação de metas claras e
ações de Vigilância, Promoção e Prevenção – é um exequíveis, com respeito à erradicação do analfabe-
desses problemas. O patamar de gastos públicos em tismo, ampliação do acesso aos níveis de ensino não
Saúde ainda é claramente insuficiente para cumprir obrigatórios e à melhoria da qualidade em todos os
a missão que a Constituição de 1988 se propôs: es- níveis e modalidades de ensino.
tabelecer um sistema de saúde público, universal, A garantia de acesso e permanência da população
integral e gratuito. brasileira na educação básica de boa qualidade, ou
Outra ordem de questões surge das mudanças em seja, nos seus três níveis (educação infantil, ensinos
curso no quadro de saúde da população brasileira. fundamental e médio), inclusive daqueles que não
Apesar de o declínio da mortalidade infantil ser um tiveram esse acesso na idade própria – o que implica
processo contínuo em todo o país nas últimas déca- a inclusão da educação de jovens e adultos – torna
das, não só a taxa de mortalidade infantil se mantém necessária a implementação de um novo mecanis-
em níveis inaceitáveis – acima de 26 óbitos por mil mo de financiamento que seja capaz de suprir os
nascimentos – como os diferenciais entre as grandes recursos necessários.
regiões e entre os diversos grupos sociais continuam O mercado de trabalho nacional passou por al-
bastante elevados. gumas modificações profundas ao longo do período
Na Educação, apesar da ampliação do acesso a 1995-2005, quase todas influenciadas pelo cenário
quase todos os níveis e modalidades de ensino e do macroeconômico. A combinação entre crescimen-
acesso ao ensino fundamental praticamente univer- to da taxa de desemprego, manutenção de um bai-
salizado, apenas 57% dos alunos matriculados con- xo grau de formalização e redução da renda média
seguem concluí-lo. Observa-se que a escolaridade resultou em uma massa salarial reduzida. Isso não
média do brasileiro permanece abaixo da escolari- apenas contribui para a diminuição da cobertura da
dade obrigatória no país, que é de oito anos. Desta- proteção social, na medida em que menos pessoas
142
fazem jus aos critérios de acesso aos benefícios con- as reduzidas chances de acesso à Justiça por grande
tributivos, como também implica a redução da sua parte dos brasileiros representam um obstáculo efe-
base de financiamento. tivo à reivindicação das medidas que dão concretu-
No caso do seguro-desemprego, há um desafio de a esses direitos perante o órgão encarregado de
imenso com o objetivo de tornar esse tipo de pro- fazer cumprir a lei.
grama mais eficaz, num contexto de grande despro- Um segundo problema que diz respeito à con-
teção da população economicamente ativa e de ti- cretização dos direitos econômicos, sociais e cul-
pos muito diversos de desemprego, que afetam mais turais diante de sua dependência em relação à
uns grupos que outros, e que são de tendência mais implementação de políticas públicas em diversas
duradoura que a própria vigência do benefício. No áreas. À parte a discussão sobre os problemas que
caso da qualificação profissional, em razão da sua afetam cada uma das diferentes áreas sociais, as
importância estratégica para um melhor desempe- dificuldades institucionais enfrentadas pelo ór-
nho coletivo da força de trabalho, o desafio reside gão encarregado da política de direitos humanos
basicamente em ampliar a escala de operação por em nível federal são outro elemento complicador.
meio da coordenação de esforços do MTE e suas Embora já tenha sofrido várias alterações em seu
contrapartes estaduais, municipais e não governa- status institucional, o órgão enfrenta dificuldades
mentais, da rede de educação profissional regular para influenciar o conjunto das políticas públicas
e das entidades de aprendizagem (Sistema S), evi- e, com isso, garantir a incorporação transversal
tando a atuação paralela que tem sido a regra até o dos direitos humanos como princípio orientador
momento. Para além da necessidade de aperfeiço- da ação do Estado.
ar a integração dessas políticas, há que estendê-las Tem-se como terceiro problema o fato de que a
para segmentos desde sempre excluídos, a exemplo efetivação de muitos dos princípios positivados nas
de iniciativas como os programas de geração do pri- normas legais e incorporados nas políticas públicas
meiro emprego para jovens e a recente constituição ainda esbarram em obstáculos de ordem cultural,
de um programa-piloto de qualificação para traba- particularmente no que se refere aos direitos de gru-
lhadoras domésticas. No âmbito mais geral, porém, pos sociais específicos. Nesse caso, uma estratégia de
a fronteira possível de expansão do sistema está cen- educação em direitos humanos é essencial.
trada na estruturação de políticas ativas de criação A evolução e o panorama atual colocados para
de trabalho e renda, atuando pelo lado da demanda a política social mostram que um dos fatos mais
por mão de obra, o que certamente implicará gran- importantes a ser destacado é que o conjunto de
de tensão sobre os recursos existentes. restrições macroeconômicas impostas à sociedade
Embora o arcabouço normativo-institucional re- brasileira por conta da estratégia de estabilização
lacionado aos direitos humanos, justiça e cidadania, monetária adotada em 1994 e das escolhas realiza-
seja bastante amplo e consideravelmente avançado das desde então pela gestão da política macroeco-
quando comparado aos demais países da América nômica, impôs sérios constrangimentos à expansão
Latina, vários são os fatores que tendem a dificultar do crescimento econômico, da renda e do emprego,
a concretização dos direitos ali garantidos. Destaca- além de ter representado um entrave permanente
se três ordens de questões. A primeira diz respei- a uma expansão mais robusta das políticas sociais.
to às insuficiências quanto à exigibilidade e à jus- Para seguir com a construção de um sistema de pro-
ticiabilidade dos direitos dos cidadãos brasileiros. teção social que seja capaz de combater o perverso
Nesse sentido, falta conhecimento generalizado da quadro de desigualdades e pobreza do país e garan-
população sobre os direitos legalmente assegurados tir de fato, a todos os brasileiros, uma vida digna,
(além daqueles temas que ainda não foram debati- ainda existe uma série de desafios a serem enfren-
dos e consagrados em direitos exigíveis); ademais,
143
tados em diversas áreas, tais quais os que aqui já fo- assegurar a construção de uma sociedade livre, justa
ram enumerados. e solidária, conforme determina a Constituição de
Em termos gerais, para o enfrentamento dos 1988 logo em seus primeiros artigos.
desafios sociais brasileiros reconhece-se que a uni-
versalização das políticas sociais é a estratégia mais ■■ Atividades
indicada, uma vez que, num contexto de desigual- Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
dades extremas, a universalização possui a virtude atividades:
de combinar os maiores impactos redistributivos • Analisando o conjunto dos desafios e perspec-
do gasto com os menores efeitos estigmatizadores tivas apresentados, quais você considera mais
que advêm de práticas focalizadas de ação social. relevantes para o futuro das políticas sociais no
Além disso, é a universalização a estratégia condi- Brasil. Comente.
zente com os chamados direitos amplos e irrestritos • Como o profissional de serviço social pode
de cidadania social, uma ideia que está muito além contribuir para o enfrentamento dos desafios
do discurso reducionista e conservador sobre a po- apresentados?
breza. Também é necessário incluir na tarefa trans-
formadora a dimensão do financiamento do gasto Texto extraído de BRASIL – INSTITUTO DE
público em geral, e dos gastos sociais em particular, PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Políticas
com vistas a um tratamento completo do esforço sociais. Acompanhamento e análise (1995-2005),
redistributivo da sociedade brasileira. Principal- 2007.
mente ao se levar em conta a particular estrutura
de desigualdades sociais e econômicas do país, não
basta que os gastos sociais sejam redistributivos; é
preciso também que a forma de financiamento dos
** ANOTAÇÕES
gastos possua alta dose de progressividade tributá-
ria, sobretudo incidindo sobre o estoque de riqueza
e os fluxos de renda real e financeira. Isso implicaria
a pactuação de uma reforma tributária que não só
permitisse ampliar o crescimento econômico, mas
também garantisse maior sustentabilidade e pro-
gressividade ao financiamento do Estado.
Por fim, o enfrentamento dos problemas sociais
brasileiros não pode prescindir do Estado como
ator central na coordenação e na execução da polí-
tica. Para exercer essas funções e, ao mesmo tempo,
assegurar a sustentabilidade das ações, é necessário
redesenhar a relação que se estabelece entre Estado,
em suas três esferas, e a sociedade civil, na perspec-
tiva de consolidação da própria democracia brasi-
leira. Esse redesenho é tão mais relevante quando
se considera que, apesar de terem sido ampliados o
escopo e a cobertura das políticas sociais ao longo
da última década, os benefícios daí advindos ain-
da foram insuficientes para garantir a cidadania e a
dignidade dos cidadãos brasileiros, bem como para
144
AULA
■■ Competências e habilidades
• Compreensão e reflexão sobre a gestão das políticas sociais
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
A gestão das políticas sociais significa a adminis- Analisar a gestão das políticas sociais implica
tração e direção da coisa pública. O exercício de ad- referir-se à gestão de ações públicas como resposta
ministrar e dirigir deve buscar garantir o acesso do às necessidades sociais que têm origem na socieda-
cidadão comum a benefícios e serviços de natureza de e são incorporadas e processadas pelo Estado em
pública. suas diferentes esferas de poder (federal, estadual e
Para começar, podemos considerar que políticas municipal).
sociais só existem em sociedades que reconhecem Na formulação e gestão das políticas sociais deve
as desigualdades geradas pelo seu modelo de desen- ser considerada a primazia do Estado, que deve ter a
volvimento e só são implantadas por governos com- responsabilidade pela condução das políticas públi-
prometidos (ou pressionados pela população) com cas. Esta primazia, contudo, não pode ser entendida
a diminuição e/ou superação dessas desigualdades. como responsabilidade exclusiva do Estado, mas im-
Sposati (1999) afirma que as políticas sociais re- plica a participação ativa da sociedade civil nos pro-
velam o empenho de uma sociedade em afirmar um cessos de formulação e controle social da execução.
patamar de civilidade. Demonstra se esta sociedade No Brasil, o debate sobre as políticas sociais na
vem assegurando para todos os seus cidadãos um perspectiva de sua democratização tem origem nos
dado padrão de dignidade humana. anos 1980, quando emergem as lutas contra a dita-
145
dura militar e os esforços de construção democrática por isso, demandas e necessidades devem tornar-se
do Estado e da sociedade. Diante da crise da ditadu- prioridade nas agendas de governo, tornando-se
ra e do agravamento da questão social nessa década interesse do Estado e não mais apenas dos grupos
(aumento da pobreza e da miséria), intensificou-se organizados da sociedade.
o debate a respeito das políticas públicas sociais. A implementação ou execução de programas so-
Destaca-se que, embora os anos 1980 sejam um ciais é assumida por unidades administrativas que
período de aprofundamento das desigualdades so- mobilizam recursos humanos, financeiros e mate-
ciais são, simultânea e contraditoriamente, palco de riais, além de uma diversidade de sujeitos, consti-
avanços democráticos na história política brasileira. tuindo-se a fase mais abrangente e talvez mais com-
Esse movimento colocou em discussão a forma plexa do processo das políticas públicas. As decisões
de realização das políticas sociais no país, mas tam- e os decisores são o foco central da implementação,
bém a necessidade de democratização dos proces- por expressarem conflitos e disputas por alternati-
sos decisórios que definem prioridades e modos de vas, ocorrendo momentos de afastamento ou apro-
gestão de políticas e programas sociais, favorecendo ximação em direção às metas, meios e estratégias
a redefinição das relações entre democratização e estabelecidas (Npp/Unicamp, 1993).
representação dos interesses populares nas decisões Concluindo, a gestão social tem um compromis-
políticas, bem como na gestão das políticas sociais. so com a sociedade e com os cidadãos, de assegurar,
Essa conjuntura fortaleceu também a ideia de por meio das políticas e dos programas públicos, o
ampliação dos espaços de representação social na acesso efetivo aos bens, serviços e riquezas da socie-
organização e gestão das políticas sociais, permitin- dade. O desafio a ser enfrentado é estabelecer um
do a participação de novos sujeitos sociais, princi- modelo de desenvolvimento social centrado na de-
palmente os tradicionalmente excluídos do acesso mocracia e defesa dos direitos humanos.
às decisões do poder político. Este foi um passo im-
portante na perspectiva da criação de espaços de- GESTÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS E O TERCEIRO
mocráticos que contribuíram para fazer avançar a SETOR
esfera pública no campo das políticas sociais. A complexidade dos problemas sociais torna ne-
cessária a integração dos diversos atores sociais na
GERÊNCIA DE POLÍTICAS SOCIAIS gestão das políticas sociais. A intersetorialidade,
A gerência no Serviço Social é um processo de enquanto integração de saberes e experiências das
extrema complexidade. As políticas e programas políticas setoriais, constitui um fator de inovação na
sociais procuram cumprir objetivos múltiplos, gestão da política e possibilita também a articulação
normalmente de médio e longo prazo, atuando em das diversas organizações que atuam no âmbito das
ambientes com diferentes tipos de variáveis, como: políticas sociais, constituindo as redes sociais. Neste
econômicas, políticas, culturais, demográficas etc. contexto, a gestão da política social se expressa na
Participam também desses programas numerosas parceria entre Estado, sociedade civil e instituições
instituições organizacionais (Ministérios, Estados, do terceiro setor.
Municípios, ONGs, sociedade civil). São políticas Na execução dessas políticas, são fundamentais
e programas que costumam ser influenciadas por as premissas e as estratégias que embasam seu de-
grupos de interesse. senho. Reconhecer a cidadania é fundamental e im-
Portanto, executar uma gerência social de quali- plica em adotar programas e estratégias voltadas ao
dade é decisivo para que políticas e programas so- fortalecimento emancipatório e autonomização dos
ciais inovadores possam converter-se em realidade. grupos e populações-alvo das ações públicas.
As políticas sociais, os programas, os projetos são Precisamos de um Estado “rede” com transpa-
respostas às necessidades e demandas dos cidadãos, rência nas decisões, na ação pública, na negociação
146
147
AULA
9
O Financiamento da Política
de Assistência Social
■■ Conteúdo
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
■■ Competências e habilidades
• Analisar a questão do financiamento da política de assistência social, seus limites e possibi-
lidades.
• Contextualizar o aspecto do financiamento em nível municipal na sua relação com o SUAS.
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
++SAIBA MAIS
Estados – ICMS, IPVA, outros e parcelas dos im-
Em relação ao orçamento fiscal temos: postos federais – FPE.
União – Impostos sobre renda, produtos indus- Municípios – IPTU, ISS e outros, parcelas dos
trializados, importação, exportação, operações fi- impostos federais – FPM e parcelas dos impostos
nanceiras e propriedade territorial rural. estaduais: 25% do ICMS e 50% IPVA.
148
149
xo, que não levavam em consideração as especifici- para o fortalecimento e visibilidade da Assistência
dades locais e necessidades reais da população”. Social.
Destaca-se o Órgão Gestor Federal quando de-
fine o financiamento com base no território, con- Descentralização político-administrativa
siderando o porte do município e a complexidade no financiamento da Assistência Social
dos serviços, pensados de maneira hierarquizada e
complementar, bem como os pisos de atenção de Na República Federativa do Brasil, todos os
acordo com os níveis de complexidade. entes têm autonomia administrativa e fiscal. Essa
autonomia pressupõe repartição de competências.
O Financiamento na NOB/SUAS Dessa forma, cabem à União as matérias e questões
A NOB/SUAS subdivide a temática do finan- de interesse geral, nacional. Aos Estados, as maté-
ciamento em seis itens: gestão financeira; sistema rias e assuntos de interesse regional, e aos municí-
como referência; condições gerais para a transfe- pios, os assuntos de interesse local. O financiamen-
rência de recursos federais; mecanismos de trans- to da Assistência Social pressupõe:
ferência; critérios de partilha e transferência de a) Sistema como referência.
recursos; e o cofinanciamento no SUAS. A seguir, b) Condições gerais para as transferências de re-
detalharemos cada um desses itens. cursos.
c) Mecanismos de transferência que possibilitem
Gestão financeira a regularidade dos repasses de forma automá-
Os Fundos de Assistência Social são instâncias tica, no caso dos serviços e benefícios, e o con-
de financiamento nas três esferas de governo, ca- vênio com programas e projetos com duração
bendo ao órgão responsável pela coordenação da determinada.
política, em seu âmbito de ação, a gestão dos re- d) C ritérios de partilha e transferência de recursos.
cursos, e, ao respectivo conselho, a orientação, o e) Condições de gestão dos municípios.
controle e a fiscalização. A questão é que na prática
nem sempre ocorre dessa maneira, apesar do que O Sistema como referência
determina o art. 30 da LOAS e das condições esta- O que significa o SUAS como referência para o
belecidas para habilitação à gestão no SUAS. financiamento da Assistência Social?
O Sistema como referência no financiamento
Fundos de assistência social da Assistência Social pressupõe que as ações a se-
A gestão financeira da Assistência Social se efe- rem financiadas devem ter como foco prioritário a
tiva por meio desses fundos, utilizando critérios atenção às famílias e aos indivíduos, e o território
de partilha de todos os recursos neles alocados, os como base de organização. A partilha dos fundos
quais são aprovados pelos respectivos Conselhos deve ser pautada em diagnósticos e indicadores
de Assistência Social. socioterritoriais que deem conta de contemplar as
Cabe ao órgão responsável pela coordenação da demandas e prioridades e as diversidades apresen-
Política Pública de Assistência Social, na respecti- tadas pelas diferentes realidades.
va esfera de governo, a gestão e a responsabilidade A transferência de recursos federais é importan-
pelo fundo naquele âmbito, e, ao conselho respec- te para que se fortaleça a ideia de corresponsabili-
tivo, a orientação, o controle e a fiscalização desse dade entre as esferas de governo.
Gerenciamento. Para avaliação da gestão dos Fundos de Assis-
Os fundos são uma forma de gestão transpa- tência Social deve-se verificar se as ações finan-
rente e racionalizadora de recursos, que contribui ciadas estão articuladas com as funções e eixos
150
O desafio da
Participação Controle Social
popular/cidadão
usuário
Novas Bases
AL • VIGILÂ
ON NC para a Relação
Descentralização CI entre Estado e
TU
IA
Político- Sociedade Civil
CIAL E INSTI
SO
administrativa e
CIAL • PROT
Territorialização
SUAS
SO
Matricialidade
EÇ
A
Sociofamiliar
ÃO S
FE
A Política de
SOC
IAL • DE
Recursos
Humanos
A Informação e o Cofinanciamento
Monitoramento e
a Avaliação
estruturantes do SUAS, contribuindo para a con- gumas condicionalidades, como: a) constituir Uni-
solidação desse Sistema, conforme ilustra a figura dade Orçamentária para cada Fundo de Assistência
apresentada. Social nas respectivas esferas de governo, com to-
dos os recursos destinados à Política de Assistência
Para que serve o relatório anual de gestão? Social; b) comprovar a execução orçamentária e
O Relatório Anual de Gestão serve de base para as financeira dos recursos próprios do tesouro e re-
providências a serem desencadeadas pelas três esfe- cebidos em cofinanciamento destinados à Assistên-
ras de governo quanto à operacionalização da Assis- cia Social, aprovada pelos respectivos conselhos; c)
tência Social em cada âmbito, em relação à gestão, comprovar o acompanhamento e controle da ges-
controle e financiamento. tão pelos respectivos conselhos, demonstrados por
O conselho de cada esfera de governo, após análi- meio da aprovação do Relatório Anual de Gestão,
se da prestação de contas, encaminhará aos Gestores nos municípios, e relatório de execução do plano de
do Fundo Nacional, do Distrito Federal, dos Esta- Assistência Social, nos Estados; d) alimentar as ba-
dos e do Município. ses de dados do SUAS-Web.
151
152
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153
** ANOTAÇÕES
154
■■FUNDAMENTOS
POLÍTICOS DO SERVIÇO
SOCIAL
Unidade Didática – Fundamentos Históricos
As políticas sociais são um referencial importante e um campo de atuação privilegiado do Serviço Social e
serão analisadas neste curso nas dimensões teórica, histórica e política. O objetivo é capacitar futuros profis-
sionais para a compreensão da realidade histórica das políticas sociais no Brasil.
A partir dessa contextualização, fica fácil perceber que a política capitalista não é uma atividade neutra, de
atenção à pobreza ou à desigualdade social, formulada consensualmente no âmbito do Estado para ser apli-
cada à sociedade. Ao contrário, ela é um processo tenso, com muitas complexidades, contradições e conflitos
de interesse.
As profundas alterações nas relações históricas entre o Estado e a sociedade civil, quanto as formas de
organização e gestão da força de trabalho vêm atingindo o conjunto das especializações do trabalho, entre as
quais o Serviço Social, inaugurando novos marcos da divisão social e técnica do trabalho, que interpelam o
assistente social em suas respostas profissionais.
Assim, este módulo propõe-se a debater temas da maior importância para a orientação crítica do trabalho
do assistente social, considerando a amplitude das suas funções e atribuições no cotidiano profissional.
Na expectativa de que este módulo inspire atitudes e práticas profissionais questionadoras no âmbito das
políticas sociais, desejamos às(aos) alunas(os) um proveitoso e estimulante estudo.
■■ Conteúdo
• Definição de seguridade
• Interface entre direitos sociais e seguridade
• Seguridade social no Brasil
■■ Competências e habilidades
• Compreensão do conceito de seguridade e a contextualização dessa política no Brasil
■■ Duração
2 h-a – via satélite com o professor interativo
2 h-a – presenciais com o professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
INTRODUÇÃO
157
158
provê os mínimos sociais. Realizada através de um cas que visem à redução do risco de doença e de
conjunto integrado de ações de iniciativa pública outros agravos e ao acesso universal e igualitário
e da sociedade, para garantir o atendimento às ne- às ações e serviços para sua promoção, proteção e
cessidades básicas. recuperação.
As atividades de assistência social são prestadas O Sistema Único de Saúde tem por princípios
a quem delas necessitar, independentemente de e diretrizes:
contribuição, tendo como objetivos: I – acesso universal e igualitário;
I – proteção à família, à maternidade, à infân- II – provimento das ações e serviços através de
cia, à adolescência e à velhice; rede regionalizada e hierarquizada, integrados em
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; sistema único;
III – a promoção da integração ao mercado de III – descentralização, com direção única em
trabalho; cada esfera de governo;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas IV – atendimento integral, com prioridade para
portadoras de deficiência e a promoção de sua in- as atividades preventivas, sem prejuízo dos servi-
tegração à vida comunitária; ços assistenciais;
V – a garantia de um salário-mínimo de benefí- V – participação da comunidade na gestão, fis-
cio mensal à pessoa portadora de deficiência e ao calização e acompanhamento das ações e serviços
idoso que comprovem não possuir meios de prover de saúde;
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua VI – participação da iniciativa privada na as-
família, conforme dispuser a Lei (a Lei no 8.742/93 sistência à saúde, obedecidos os preceitos consti-
regulamentou este dispositivo constitucional). tucionais;
Define ainda os seguintes princípios: É prevista a possibilidade da participação da
I – supremacia do atendimento às necessidades so- iniciativa privada no sistema de saúde, através de
ciais sobre as exigências de rentabilidade econômica; medicina de grupo, seguro saúde ou cooperativas
II – universalização dos direitos sociais, a fim de médicas. O sistema privado é controlado e fiscali-
tornar o destinatário da ação assistencial alcançá- zado pelo Poder Público.
vel pelas demais políticas públicas;
III – respeito à dignidade do cidadão, à sua au- PREVIDÊNCIA SOCIAL (ARTS. 201 E 202
tonomia e ao seu direito a benefícios e serviços DA CONSTITUIÇÃO E LEIS No 8.212/91 E
de qualidade, bem como à convivência familiar e 8.213/91).
comunitária, vedando-se qualquer comprovação O princípio da universalidade dá a oportunida-
vexatória de necessidade; de de todos os indivíduos filiarem-se ao sistema de
IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimen- previdência social, desde que haja contribuição,
to, sem discriminação de qualquer natureza, garan- ou seja, participação no custeio. A participação no
tindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; custeio é uma das notas diferenciadoras das ações
V – divulgação ampla dos benefícios, serviços, de previdência das de assistência social (que são
programas e projetos assistenciais, bem como dos prestadas independentemente de contribuição).
recursos oferecidos pelo Poder Público e dos cri- As normas diretrizes dos planos de previdência
térios para sua concessão. social são:
I – cobertura dos seguintes riscos: doença, inva-
SAÚDE (ARTS. 196 A 200 DA CONSTITUIÇÃO lidez, morte, incluídas as resultantes de acidente do
E LEI No 8.080/90 SUS) trabalho, velhice e reclusão;
A saúde é direito de todos e dever do Estado II – ajuda à manutenção dos dependentes dos se-
garantido mediante políticas sociais e econômi- gurados de baixa renda;
159
++SAIBA MAIS
• No caso da Previdência Social, o § 5o do arti-
go 201 estabelece que: “Nenhum benefício que
160
AULA
■■ Conteúdo
• Conceituação e contextualização da política previdência social
• História da previdência social no Brasil
■■ Competências e habilidades
• Compreensão do conceito da política previdência social e a contextualização e história dessa
política no Brasil
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
161
Há, no âmbito da Previdência Social, diversas ca- cado de trabalho, quando comparados com homens
tegorias de segurados: os empregados trabalhadores e com os brancos. Essas desigualdades no mercado
com carteira assinada e trabalhadores temporários; de trabalho acabam por se refletir na cobertura pre-
empregados domésticos; trabalhador avulso; con- videnciária, pois a proporção de segurados contri-
tribuinte individual; segurado especial. Assim, exis- buintes nos grupos minoritários é inferior à veri-
tem regras e alíquotas de contribuição diferenciadas ficada entre os homens e os brancos (grupos mais
para cada categoria da Previdência Social na Popu- bem inseridos no mercado de trabalho).
lação Economicamente Ativa (PEA). A institucionalidade da Previdência Social bra-
O nível de cobertura previdenciária está estreita- sileira está organizada em torno do Ministério da
mente ligado à dinâmica de crescimento econômico Previdência Social (MPS). Até 2003, ano em que se
do país e à estrutura do mercado de trabalho. Em iniciou o Governo Lula, chamava-se Ministério da
períodos de baixo crescimento, aumentam o desem- Previdência e Assistência Social, abarcando também
prego e a quantidade de trabalhadores inseridos in- a Secretaria de Assistência Social. A partir de 2003,
formalmente no mercado de trabalho. Ou seja, reduz com a criação do Ministério do Desenvolvimen-
também a quantidade de contribuintes. Com isto, ao to Social, a área de Assistência foi toda transferida
longo dos anos 1990, observou-se uma redução na para o novo ministério e o primeiro passou a tratar
quantidade de contribuintes do sistema previdenciá- apenas de assuntos relacionados com a Previdência
rio brasileiro. Só a partir de 2004, quando houve certo Social.
reaquecimento da economia, é que a quantidade de Há também os Conselhos de Previdência Social,
trabalhadores segurados voltou a crescer. criados em 2003, que são unidades descentralizadas,
A proporção de não segurados na PEA ainda é com caráter consultivo, e seu objetivo é apresentar
muito elevada. Parte deste grupo tem rendimentos propostas para melhorar a gestão e a política previ-
muito baixos e se constituem em público-alvo po- denciária, tendo como diferencial o conhecimento
tencial dos benefícios assistenciais da Lei Orgânica das necessidades específicas de cada localidade.
de Assistência Social. Esses benefícios correspondem
a um salário-mínimo e são pagos aos idosos (acima EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PREVIDÊNCIA
de 65 anos) e aos portadores de deficiências que têm SOCIAL NO BRASIL
renda familiar per capita inferior a 1/4 de salário- Em termos formais, a Previdência Social teve
mínimo, não tendo, então, condições de prover o seu ponto de partida em 1883, na Alemanha, com
próprio sustento. No entanto, o público-alvo da As- a implementação de um seguro social baseado em:
sistência Social não está coberto contra riscos sociais saúde, acidentes de trabalho e invalidez, esta últi-
relacionados com a atividade laboral, as doenças e ma incluindo também envelhecimento. A partir
a maternidade, por exemplo; riscos estes, como já daí surgiram, em diversos países, sistemas de segu-
mencionados, cobertos pela Previdência Social. ro social, cuja previdência era normalmente orga-
A cobertura contra esses riscos é o principal atra- nizada para uma determinada classe ocupacional e
tivo da Previdência quando comparada com a As- atrelada às contribuições.
sistência Social, justificando as contribuições reali- O ano de 1942 foi um marco na transformação
zadas na vida ativa, nos casos em que os trabalhado- do seguro para a seguridade social (Welfare Sta-
res têm condições de contribuir. Ainda com relação te), na Inglaterra. Esta evolução, devido princi-
à estrutura do mercado de trabalho, é interessante palmente à universalidade da cobertura, partiu da
observar a evolução da população coberta pela Pre- constatação de que necessidades ou contingências
vidência Social com um recorte de raça e gênero. individuais não atendidas repercutem não só so-
Diversos estudos já mostraram que mulheres e bre os indivíduos mais próximos, mas sobre toda
negros têm uma inserção mais vulnerável no mer- a sociedade.
162
163
to substituído pelo da cidadania. Outras alterações aposentadoria por invalidez; para a materni-
institucionais compreenderam a criação, em 1990, dade, o auxílio-maternidade; para a velhice, as
do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, au- aposentadorias por idade; para casos de morte,
tarquia federal vinculada ao Ministério do Trabalho pensão por morte para aos dependentes; para
e Previdência Social (MTPS), mediante a fusão do os acidentes e doenças relativas a acidentes de
INPS e do IAPAS, e o deslocamento do INAMPS trabalho, há o auxílio-doença acidentário, apo-
para o Ministério da Saúde, com a criação do Siste- sentadoria por invalidez acidentária e pensões
ma Único de Saúde – SUS. por morte acidentária. Há ainda a aposentado-
A Emenda Constitucional no 20, de 1998, trouxe ria por tempo de contribuição.
profundas mudanças para o sistema de Previdência
Social, como: ■■ Atividades
• determinou que o benefício salário-família Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
seria devido somente ao trabalhador de baixa atividades:
renda; 1. A partir da leitura do texto e do seu conheci-
• proibiu qualquer trabalho para os menores de mento, como você avalia a Previdência Social no
16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir Brasil?
dos 14 anos; 2. Quais benefícios previdenciários você julga
• criou diretrizes para os regimes de previdência mais importantes? Por quê?
privada, de caráter complementar e organiza- 3. Analisando a evolução história da previdência
dos de forma autônoma em relação ao regime social no Brasil, o que você considera que foi mais
geral de previdência social; e significativo para a implementação dessa política?
• estabeleceu que a organização da previdência
social tenha critérios que preservem o equilí-
** ANOTAÇÕES
brio financeiro.
++SAIBA MAIS
• Dentre os benefícios existentes no sistema pre-
videnciário brasileiro, destaca-se que: para os
casos de doenças, há o auxílio-doença; para o
caso de invalidez, quando a pessoa adoece e
não recupera a capacidade de trabalho, há a
164
AULA
3
Assistência Social e Sistema Único
de Assistência Social/Suas
■■ Competências e habilidades
• C
ompreender a política de Assistência Social inserida na Seguridade Social como um direito
universal
• Analisar a Assistência Social à luz da Constituição Federal e da LOAS em seus principais
artigos
• Caracterizar o Sistema Único de Assistência Social – SUAS e a Política Nacional de Assistên-
cia Social/2004
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
INTRODUÇÃO
A Assistência Social foi inserida, pela primeira nal de Assistência Social/2004 e o Sistema Único de
vez na Constituição Federal, como política pública e Assistência Social – SUAS fundamentou-se nesta. O
aprovada através da Lei Orgânica da Assistência So- SUAS está sendo construído por meio de uma nova
cial – LOAS, Lei no 8.742, de 07.12.1993. A expressão lógica de organização das ações: com a definição de
da materialidade do conteúdo da Assistência Social níveis de complexidade, na área da proteção social
como um pilar do Sistema de Proteção Social Brasi- básica e proteção social especial, com a referência
leiro, no âmbito da Seguridade Social, foi alcançada no território, considerando regiões e portes de mu-
recentemente com a aprovação da Política Nacio- nicípios e com centralidade na família.
165
166
ver a própria manutenção ou de tê-la provida por inciso II do artigo 23 torna específica a responsa-
sua família. bilidade das três instâncias de poder de Estado no
A política de proteção social significa garantir Brasil para com os deficientes.
a todos que dela necessitam, e sem contribuição Art. 23. É competência comum da União, dos
prévia, a provisão dessa proteção, instituída na Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
Constituição Federal e na LOAS, conforme análise Inciso II – cuidar da saúde e assistência públi-
de Sposati (2007): ca, da proteção e garantia das pessoas portadoras
A CF88, em seu capítulo VII – Da Ordem Social de deficiência. Vale destaque ainda o inciso X do
e no artigo 227 aplica o princípio da subsidiarieda- mesmo artigo que coloca como âmbito do Esta-
de no trato da criança e do adolescente. Primeiro do: “combater as causas da pobreza e os fatores de
cabe à família, depois a sociedade, e por fim, ao marginalização, promovendo a integração social
Estado assegurar um conjunto de direitos à criança dos setores desfavorecidos”.
e ao adolescente. No caso não deixa de ser um res- Em continuidade à análise, Sposati (2007) com-
peito ao direito da privacidade entre pais e filhos. plementa:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Este breve percurso pela lei maior do país mos-
Estado assegurar à criança e ao adolescente, com tra que:
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à a) o modelo brasileiro tem por particularida-
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionali- de configurar o campo da seguridade social como
zação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber- aquele destinado “a assegurar os direitos relativos
dade e à convivência familiar e comunitária, além à saúde, à previdência e à assistência social”. To-
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, davia, a CF88 limita-se a apontar como elemento
discriminação, exploração, violência, crueldade e integrador dessas três áreas/campos de direitos um
opressão. conjunto de objetivos. Especifica o modelo de ges-
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e tão da saúde e suas competências sem demonstrar
educar os filhos menores, e os filhos maiores têm quais direitos atende; detalha o conteúdo da pre-
o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, ca- vidência social a partir de direitos previdenciários.
rência e enfermidade. A CF88, do mesmo modo, No caso da assistência social limita-se a falar do
usa do princípio da subsidiariedade ao considerar campo de trabalho e das diretrizes organizativas,
o dever de “amparar pessoas idosas” cuja atenção não especifica nem o sistema como na saúde, nem
deve ser executada preferencialmente em seus lares os direitos como na previdência. Portanto, a regu-
(§ 1º artigo 230). Aqui não parece haver uma razão lação da assistência social vai ocorrer em legislação
para usar a subsidiariedade, o Estatuto do Idoso pós CF88. Não há também qualquer indicação so-
clareia esta questão. bre o modo de relação das três áreas sob o âmbito
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm da seguridade, para além dos objetivos estabeleci-
o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando dos no parágrafo único do artigo 194:
sua participação na comunidade, defendendo sua Parágrafo Único. Compete ao Poder Público, nos
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito termos da lei, organizar a seguridade social, com
à vida. base nos seguintes objetivos:
§ 1o Os programas de amparo aos idosos serão I – universalidade da cobertura e do atendimento;
executados preferencialmente em seus lares. É in- II – uniformidade e equivalência dos benefícios e
teressante constatar que o princípio de subsidia- serviços às populações urbanas e rurais;
riedade aplicado na proteção ao ciclo de vida não III – seletividade e distributividade na prestação
ocorre no caso da pessoa com deficiência onde o dos benefícios e serviços;
167
168
zação dos direitos à Seguridade Social e da proteção ameaçados de morte; de promoção do direito
social pública com a composição da política pública de convivência familiar;
de assistência social, em nível nacional. • articulação intersetorial de competências e
Regula em todo o território nacional a hierar- ações entre o SUAS e o Sistema Único de Saú-
quia, os vínculos e as responsabilidades do sistema de – SUS, por intermédio da rede de serviços
de serviços, benefícios, programas e projetos de as- complementares para desenvolver ações de
sistência social, de caráter permanente ou eventual, acolhida, cuidados e proteções como parte da
executados e providos por pessoas jurídicas de di- política de proteção às vítimas de danos, dro-
reito público sob critério universal e lógica de ação gadição, violência familiar e sexual, deficiên-
em rede hierarquizada e em articulação com inicia- cia, fragilidades pessoais e problemas de saúde
tivas da sociedade civil. mental, abandono em qualquer momento do
Esse novo modelo de gestão supõe um pacto fe- ciclo de vida, associados a vulnerabilidades
derativo, com a definição de competências dos en- pessoais, familiares e por ausência temporal
tes das esferas de governo. Está sendo construído ou permanente de autonomia principalmente
por meio de uma nova lógica de organização das nas situações de drogadição e, em particular, os
ações: com a definição de níveis de complexidade, drogaditos nas ruas;
na área da proteção social básica e proteção social • articulação intersetorial de competências e
especial, com a referência no território, conside- ações entre o SUAS e o Sistema Educacional
rando regiões e portes de municípios e com cen- por intermédio de serviços complementares
tralidade na família. É, finalmente, uma forma de e ações integradas para o desenvolvimento da
operacionalização da Lei Orgânica de Assistência autonomia do sujeito, por meio de garantia e
Social (LOAS), que viabiliza o sistema descentra- ampliação de escolaridade e formação para o
lizado e participativo e a sua regulação, em todo o trabalho.
território nacional. A PNAS/2004 aborda a questão da proteção so-
Fundamenta-se nos compromissos da Política cial em uma perspectiva de articulação com outras
Nacional de Assistência Social/2004 que expressa políticas do campo social, que são dirigidas a uma
a materialidade do conteúdo da Assistência Social estrutura de garantias de direitos e de condições
como um pilar do Sistema de Proteção Social Brasi- dignas de vida. A proteção social de Assistência
leiro no âmbito da Seguridade Social. Social se ocupa das vitimizações, fragilidades, con-
Os principais eixos estruturantes da gestão do tingências, vulnerabilidades e riscos que o cidadão,
SUAS são: precedência da gestão pública da política; a cidadã e suas famílias enfrentam na trajetória de
matricialidade sociofamiliar; territorialização; des- seu ciclo de vida, por decorrência de imposições so-
centralização político-administrativa; financiamen- ciais, econômicas, políticas e de ofensas à dignida-
to partilhado entre os entes federados; participação de humana. A proteção social de Assistência Social,
popular/cidadão usuário; entre outros. em suas ações, produz aquisições materiais, sociais,
Dentre seus princípios, destacam-se: socioeducativas ao cidadão e cidadã e suas famílias
• articulação interinstitucional entre competên- para suprir suas necessidades de reprodução social
cias e ações com os demais sistemas de defesa de vida individual e familiar; desenvolver suas capa-
de direitos humanos, em específico com aque- cidades e talentos para a convivência social, prota-
les de defesa de direitos de crianças, adolescen- gonismo e autonomia.
tes, idosos, pessoas com deficiência, mulheres, A Assistência Social dá primazia à atenção às
negros e outras minorias; de proteção às víti- famílias e seus membros, a partir do seu território
mas de exploração e violência; e a adolescentes de vivência, com prioridade àqueles com registros
169
** ANOTAÇÕES
170
AULA
4
Saúde
■■ Competências e habilidades
• Analisar as relações que se estabelecem entre Estado e Sociedade para compreender o tema
Saúde, inserido na Seguridade Social
• Caracterizar o Sistema Único de Saúde – SUS e a instituição do Programa Saúde da Família
– PSF
• Compreender o contexto sócio-econômico em que ocorrem os desafios colocados para o
SUS
• Descrever a intervenção profissional do assistente social em suas diversas dimensões, no
interior da política de saúde
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
INTRODUÇÃO
A aula da unidade didática II trata da Política de
Saúde e realiza análise das relações que se estabelecem ++SAIBA MAIS
entre Estado e sociedade para compreender o tema
Saúde inserido na Seguridade Social. Apresenta ainda
a caracterização do Sistema Único de Saúde – SUS e Seguridade Social: de acordo com o Art. 194, da
da instituição do Programa Saúde da Família – PSF, Constituição Federal: “A seguridade social compre-
além do contexto socioeconômico em que ocorrem ende um conjunto integrado de ações de iniciativa
os desafios colocados para o SUS. Por fim, descreve a dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
intervenção profissional do assistente social em suas assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência
diversas dimensões, no interior da política de saúde. e à assistência social.”
171
172
173
Isto é, a saúde não é concebida apenas com assis- de Saúde – UBSs. A proposta do PSF é o trabalho
tência médica, mas principalmente, com o acesso voltado à atenção integral à saúde, possibilitando
das pessoas ao emprego, com salário justo, acesso à que ele não seja um programa vertical, centralizado,
educação, a uma boa condição de habitação e sane- mas sim “um instrumento de reorganização e rees-
amento do meio ambiente, ao transporte adequado, truturação do sistema público de saúde” (BRASIL,
a uma boa alimentação, à cultura e ao lazer; além, 1997). O PSF tem a possibilidade de inverter essa ló-
evidentemente, do acesso a um sistema de saúde gica de racionalidade e pretende considerar os usuá-
digno, de qualidade e que resolva os problemas de rios como sujeitos sociais, de modo que a prática de
atendimento das pessoas. saúde não se restrinja à prática médica, de modo a
Isso significa que a conquista da saúde não pode não tratar apenas de patologias, mas de cidadãos, na
ser uma responsabilidade exclusiva da área da saú- perspectiva da humanização do atendimento. Pro-
de, mas de todo o governo e da sociedade, por meio cura-se desenvolver a escuta do problema de saúde
de suas políticas econômicas e sociais. do usuário de forma qualificada, responsabilizando-
Entretanto, o período de 1980/1990 caracterizou- se frente à resolução do problema, o que vai além do
se pelo avanço do projeto neoliberal e, ao mesmo atendimento. Preconiza também o vínculo necessá-
tempo, se institucionalizaram várias propostas da rio entre o serviço e a população usuária, buscando
Reforma Sanitária Brasileira. Desta forma, os dois o restabelecimento de uma relação de confiança e
projetos convivem em tensão (BRAVO, 2000). apoio com o usuário, que muitas vezes, em servi-
A conjuntura nacional e internacional tem se ços de saúde, é quebrada na prestação dos serviços.
caracterizado pela continuidade de uma tendência, (BRASIL, 1994).
observada a partir da década de 1980, de redução Levando-se em conta que no fim do século XX
dos investimentos do estado, nas políticas sociais, e início do século XXI os direitos devem ser vistos
consolidando a implantação de uma proposta de na ótica pós-materialista: à privacidade; à intimida-
“estado mínimo”. de; à felicidade; à paz e à justiça (equidade); à não
As tendências atuais, dentro do pensamento exclusão e não discriminação de gênero, de raça, de
ideológico diverso e heterogêneo que marcam o cultura, origem espacial, de condições físicas, de op-
comportamento do conjunto de forças presentes ção sexual, de classe social; ao patrimônio ambien-
na cena política brasileira, apontam, ainda que de tal, histórico e cultural; ao controle do patrimônio
forma difusa, para a emergência na saúde de dois público ou “coisa pública”.
cenários possíveis. De um lado, o avanço do projeto De acordo com Mendes (2006), urge a necessi-
neoliberal e, por outro, o projeto de Reforma Sani- dade de:
tária, como já referido anteriormente.
Adaptar o Sistema de Saúde à nova realidade visto a
Por isso, é preciso reafirmar que as forças demo-
incoerência entre a situação de saúde caracterizada
cráticas e os trabalhadores de saúde precisam arti- pela dupla carga das doenças, com predominância
cular-se com os movimentos de usuários do SUS, relativa das condições crônicas, e o sistema de aten-
em particular, e com os movimentos sociais mais ção à saúde fragmentado, voltado para as condições
gerais, para a viabilização do projeto construído na agudas.
década de 1980, que está sendo desmontado pela
política de ajuste. O paradigma da condição aguda predominan-
O Ministério da Saúde, visando a aprimorar o te é um anacronismo. Ele foi elaborado na noção
sistema, apresentou o Programa Saúde da Família do século XIX da doença como uma ruptura no
– PSF como uma nova estratégia da Atenção Bási- estado normal, produzida por um agente externo
ca, respeitando os princípios do SUS, para imprimir ou trauma; neste modelo, a atenção às condições
uma nova dinâmica de ação nas Unidades Básicas agudas é o que importa. O problema é que a epi-
174
demiologia contemporânea mostra que a situação Dessa forma, a intervenção profissional do assis-
prevalecente é dominada pelas doenças crônicas, tente social dar-se-á em diversas dimensões, a saber:
tanto em termos de custos, quanto dos impactos • Na dimensão educativa, desenvolvendo a sensi-
na saúde. bilização sanitária dos usuários dos serviços de
Dessa forma, são colocados para o SUS os se- saúde para os problemas relativos ao meio am-
guintes desafios: biente, saneamento e trabalho, especialmente
• Concretizar a integralidade da atenção na na prestação de orientações e informações so-
prática. bre direitos sociais na busca da saúde enquanto
• Mudar o modelo de atenção com foco no direito de cidadania.
usuário. • Na realização de estudos que demonstrem à
• Inserir a atenção ao usuário numa lógica de população seus problemas cotidianos e sua re-
rede. lação com os serviços de saúde cujas demandas
se transformem em direitos universais.
• Valorizar o trabalho em equipe.
• Na atuação junto à equipe de trabalhadores em
• Priorizar uma política de investimento com
saúde para reforçar a percepção de que o usuá-
maiores e melhor utilizados recursos finan-
rio não deve buscar os serviços apenas nos mo-
ceiros.
mentos especiais de sua vida, mas possibilitar
• Obter apoio multissetorial. sua participação como cidadão, na gestão e no
• Implementar instrumentos de gestão da clínica. controle social do sistema.
• Implementar e institucionalizar mecanismos de • No fortalecimento dos espaços de participação
monitoramento e avaliação. dos usuários no sistema, incentivando gestões
• Melhorar a qualificação dos profissionais de participativas e colegiadas, através dos conse-
saúde (gestão e assistência). lhos locais de saúde nas unidades de saúde.
• Combater a corrupção e mau uso dos recursos. • Na busca de articulações sociais, através dos Con-
• Inserir a universidade – graduação e especializa- selhos, enfatizando a importância das relações
ção para formar pessoal para o SUS. entre os mesmos, em diferentes níveis de gestão e
• Desprecarizar as relações de trabalho. também em outras formas de gestão popular.
• Ampliar e qualificar o controle social. • Na proposição de capacitações político-técni-
cas dos conselheiros, dos trabalhadores, tanto
O SERVIÇO SOCIAL NA POLÍTICA DE SAÚDE em nível de controle social como também de
educação permanente em serviço da equipe.
O Serviço Social, nessa relação Estado e Socie-
dade e após a Constituição de 1988, com a gran- A noção de saúde deve estar vinculada às con-
de mudança ocorrida no interior da política de dições de vida e trabalho das pessoas e não apenas
saúde, apresentando novas questões e demandas à ausência de doenças, como também a um direito
para o Serviço Social, o que implicará ampliação social a ser conquistado. A doença e a morte estão
do papel do profissional, que segundo Simionato associadas às condições precárias de vida, à pobreza.
(1997): A área da saúde é o setor que tem absorvido um
quantitativo significativo de assistentes sociais, devi-
Novas demandas e consequentemente novas res-
do, de um lado, à relação da articulação da saúde com
postas também se colocam ao Serviço Social, seja
no campo da assistência prestada no âmbito am-
a produção e reprodução do capital, cabendo aos as-
bulatorial e hospitalar, seja nos espaços coletivos, sistentes sociais, na divisão sociotécnica do trabalho,
através de ações que interferem nos determinantes atuar nas instituições da saúde a fim de administrar a
sociais do processo saúde-doença. tensão existente entre as demandas dos trabalhadores
175
** ANOTAÇÕES
176
AULA
■■ Conteúdo
• Conceito de educação
• Analfabetismo
• Marco legal da Educação no Brasil
• Níveis de ensino
■■ Competências e habilidades
• Compreensão da abrangência, contexto e especificidades da educação no Brasil
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
EDUCAÇÃO
De acordo com a LDB (Lei de Diretrizes Bási- A educação é atualmente reconhecida como im-
cas da Educação Nacional), a educação abrange os portante para o desenvolvimento político, social e
processos formativos que se desenvolvem na vida econômico da sociedade. A educação escolar cons-
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas titui preocupação relevante para os decisores das
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos políticas públicas, sempre confrontados com as
sociais e organizações da sociedade civil e nas ma- questões complexas sobre investimentos, custos e
nifestações culturais. A educação é dever da família benefícios.
e do Estado e, inspirada nos princípios de liberdade Segundo a UNESCO (2007), a educação como
e nos ideais de solidariedade humana, tem por fina- direito humano e bem público permite às pessoas
lidade o pleno desenvolvimento do educando, seu exercer os outros direitos humanos. Por essa razão,
preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi- ninguém pode ficar excluído dela. O direito à edu-
cação para o trabalho. cação se exerce na medida em que as pessoas, além
177
de terem acesso à escola, possam desenvolver-se ple- Tal diferença indica que a expansão do atendi-
namente e continuar aprendendo. Isso significa que mento escolar nas últimas décadas, a fim de atender
a educação terá de ser de qualidade para todos e por a quase totalidade dos jovens e adolescentes na fai-
toda a vida. xa etária de sete a 14 anos, tem-se mostrado efetiva.
Um enfoque de direitos humanos em educação Por sua vez, a existência de um elevado percentual
está fundado nos princípios de gratuidade e obri- de analfabetos entre os com 40 anos ou mais resulta
gatoriedade e nos direitos à não discriminação e à não apenas do acesso restrito dessas gerações à edu-
plena participação. Maior nível educacional de toda cação formal, no passado, mas também do fato de
a população é um elemento decisivo para o desen- os programas de alfabetização implementados nas
volvimento humano de um país, tanto para elevar últimas décadas não terem sido, por razões variadas,
a produtividade como para fortalecer a democracia capazes de saldar essa dívida educacional.
e ampliar a possibilidade das pessoas na opção por
maior qualidade de vida. MARCO LEGAL DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
O aumento da escolaridade média da população O marco legal da política educacional brasileira
brasileira, assim como a melhoria da qualidade do é representado pela Constituição Federal de 1988,
ensino ofertado, constituem desafios a ser supera- pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
dos, em grande medida afetados por desigualdades no 8.069, de 13 de julho de 1990), pela Lei de Dire-
de várias ordens. trizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996), pela Emenda Consti-
ANALFABETISMO tucional (EC) 14/1996 e por um conjunto de nor-
No período 1992-2005, a taxa de analfabetismo mas infraconstitucionais e resoluções do Conselho
da população de 15 anos ou mais apresentou redu- Nacional de Educação.
ção anual média de cerca de 0,5 ponto percentual. A Constituição Federal (CF) de 1988 afirma que
Entretanto, nos últimos anos, o ritmo de queda tem a educação é um direito social, sendo a família e o
sido reduzido, o que tende a ampliar o tempo neces- Estado responsáveis pelo seu provimento. Visan-
sário para que o Brasil se equipare, no que concerne do a garantir o cumprimento desse mandamento
a esse indicador, à maioria dos países latino-ameri- e com isso garantir o pleno gozo do direito ao ci-
canos e, em particular, à Argentina (2,8%, em 2001) dadão, assegurou a gratuidade do ensino público
e ao Chile (4,3%, em 2002). em estabelecimentos oficiais e as fontes de finan-
O analfabetismo atingia, em 2005, cerca de 14,6 ciamento que gerariam os recursos que o Estado
milhões de brasileiros. Esse elevado contingente de disporia para financiar os seus gastos.
pessoas, no entanto, distribui-se de forma bastante Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
desigual em termos regionais, em relação à locali- cional (LDB), promulgada em 1996, vinculou ex-
zação domiciliar (rural/urbana) e segundo as faixas plicitamente a educação ao “mundo do trabalho”
etárias. Por exemplo, a taxa de analfabetismo na e à prática social, estabelecendo também fontes de
Região Nordeste superava em mais de três vezes a financiamento para os gastos educacionais. Ao tra-
observada no Sul. Na área rural, abrangia 25% da tar dos níveis e modalidades de educação e ensino,
população, o que equivale a uma proporção cinco a LDB introduz o conceito de educação básica, que
vezes maior que a taxa da área urbana metropolita- inclui a educação infantil, para as crianças de zero
na. Quando se consideram as faixas etárias da po- a seis anos de idade, o Ensino Fundamental obri-
pulação, verifica-se que a de 40 anos ou mais é a que gatório e o Ensino Médio, para o qual determina
apresenta o maior índice de analfabetismo (19%), progressiva obrigatoriedade e gratuidade.
muito acima dos 2,9% registrados entre os jovens A incorporação da educação infantil na educação
de 15 a 24 anos. básica, a partir da LDB, se deve ao reconhecimento
178
de sua relevância para plena formação dos indiví- nutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-
duos, respondendo ao art. 227 da CF, que afirma ser mental (Fundef).
“dever da família, da sociedade e do Estado assegu- Assim como a Constituição Federal, a LDB asse-
rar à criança e ao adolescente, com absoluta priori- gura a possibilidade de o provimento e a produção
dade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à edu- da educação serem realizados pela iniciativa priva-
cação, (...) além de colocá-los a salvo de toda forma da, atendidas algumas condições normativas e de
de negligência, discriminação, exploração, violên- qualidade. A abertura do ensino ao setor privado
cia, crueldade e opressão”. A Lei no 11.274/2006 es- permite que se constituam instituições particula-
tendeu a duração do Ensino Fundamental de oito res criadas e mantidas por pessoas físicas ou jurí-
para nove, incluindo nele a criança de seis anos de dicas de direito privado.
idade. Os sistemas de ensino terão o prazo de cinco A LDB instituiu na estrutura educacional o
anos para implementar a lei. Conselho Nacional de Educação com funções nor-
Em relação à repartição de competências e res- mativas e de supervisão e atividade permanente,
ponsabilidades das esferas de governo, a legislação criado por lei. Funções similares são exercidas no
estabelece as responsabilidades de cada esfera de go- âmbito dos sistemas de ensino pelos conselhos es-
verno na prestação de serviços educacionais. Assim, taduais e municipais, que também são instituídos
compete à União o financiamento do ensino supe- por leis próprias.
rior e de escolas técnicas federais, além do exercício Outro marco de grande importância para bali-
das funções supletiva e redistributiva, nos demais zamento das ações e programas educacionais foi a
níveis de ensino, por meio de transferências de re- aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE),
cursos aos estados, ao DF e aos municípios. elaborado tomando como eixos norteadores a CF
Quanto aos estados, definia a Constituição Fe- de 1988, a LDB, a Emenda Constitucional (EC)
deral de 1988 que eles atuariam prioritariamente 14/1996 e demais políticas do setor. O PNE tem
no Ensino Fundamental e médio. A LDB é mais como objetivos: a) elevação global do nível de es-
específica e lhes atribui ofertar o Ensino Médio e, colaridade da população; b) melhoria da qualida-
em colaboração com os municípios, assegurar o de do ensino em todos os níveis; c) redução das
Ensino Fundamental. desigualdades sociais e regionais no tocante ao
Aos municípios, por sua vez, a Carta Magna acesso e à permanência, com sucesso, na educação
delega a responsabilidade pela manutenção, em pública; e d) democratização da gestão do ensino
regime de colaboração, de programas voltados à público, nos estabelecimentos oficiais, obedecendo
educação pré-escolar e ao Ensino Fundamental. A aos princípios da participação dos profissionais da
LDB ratifica essas responsabilidades, explicitando educação na elaboração do projeto pedagógico da
toda a educação infantil, e os proíbe de atuar em escola e a participação das comunidades escolar e
outros níveis de ensino sem antes ter atendido ple- local em conselhos escolares ou equivalentes.
namente às necessidades de sua área de competên- Quanto à situação de responsabilidade pelo fi-
cia. Em relação ao provimento da educação, ficou nanciamento da educação pública brasileira obser-
estabelecido, no item IV do art. 206 da CF, que o va-se que, no que diz respeito à divisão de fontes
ensino público em estabelecimentos oficiais deve de recursos e responsabilidades de gastos, a União
ser gratuito. divide a aplicação de seus recursos na manutenção
A Emenda Constitucional no 14, de 1996, asse- do sistema federal, na execução de programas pró-
gura a subvinculação dos recursos estabelecidos prios e em transferências para os sistemas estadu-
na Constituição para a área educacional, desti- ais e municipais. Na composição de seus recursos
nando 60% deles ao ensino obrigatório, por meio os estados somam os recursos recebidos da União
da criação do Fundo de Desenvolvimento de Ma- aos provenientes de suas fontes, os quais são utili-
179
180
um dos principais avanços da sociedade brasileira dantes, conforme mostram os resultados do Sistema
no campo educacional. Ao progresso alcançado na Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
oferta de vagas, no entanto, sobrepõem-se novos
desafios. Além de ainda haver uma porcentagem ENSINO SUPERIOR
residual de crianças e jovens fora da escola, entre O acesso à educação superior, no Brasil, ainda é
os matriculados há aqueles que não aprendem ou bastante restrito, não apenas quando comparado ao
que progridem lentamente, repetem o ano e aca- de países desenvolvidos, mas também em relação a
bam abandonando os estudos. diversos países latino-americanos. Além disso, mos-
Os fatores que contribuem para essas dificulda- tra-se bastante desigual quando se comparam seg-
des estão relacionados principalmente à qualidade mentos populacionais segundo níveis de renda, raça/
do ensino, condições de acesso e permanência e às cor, localização regional e situação domiciliar (rural/
desigualdades sociais. Os indicadores de frequên- urbana).
cia ao Ensino Fundamental não revelam grandes Apesar de as taxas de expansão da matrícula nes-
disparidades quando comparados sob as óticas re- se nível do ensino terem sido expressivas a partir
gional, rural e urbana, de gênero ou raça. No en- da segunda metade da década de 1990, esse cresci-
tanto, a repetência e a evasão escolar ampliam o mento não foi suficiente para posicionar o país na
tempo médio de permanência no Ensino Funda- linha de frente das nações latino-americanas.
mental e comprometem negativamente os índices O modelo de expansão da educação superior,
de conclusão desse nível de ensino. adotado no período 1995-2002, orientado pela via
Os resultados do Sistema Nacional de Avalia- privada, possui os limites de ordem econômica im-
ção da Educação Básica (Saeb), realizado em postos pela decrescente capacidade de consumo da
2003, mostram que ainda é elevado o número de classe média brasileira.
alunos do Ensino Fundamental com desempenho No Brasil, atualmente, a oferta de vagas tem
inadequado, principalmente na rede pública de crescido além da demanda efetiva, gerando um
ensino. elevado nível de ociosidade das vagas ofertadas
pelo conjunto das instituições privadas. Vários
ENSINO MÉDIO são os fatores que levam boa parte dos estudan-
O Ensino Médio tornou-se objeto da política tes a interromper os estudos após o nível médio.
educacional do governo federal somente ao fim dos A necessidade de ingressar no mundo do trabalho
anos 1990, e as maiores taxas de crescimento das parece ser um dos principais, o qual se torna mais
matrículas nesse nível de ensino foram registradas forte à medida que aumenta a idade de conclusão
ao longo da segunda metade dessa década. da educação básica.
Diferentemente do que ocorre em relação à fre- Conforme atestam os dados do Inep/MEC, cer-
quência ao Ensino Fundamental, no caso do Ensi- ca de 60% dos concluintes do Ensino Médio, em
no Médio evidenciam-se profundas desigualdades 2004, o fizeram com idade de 20 anos ou mais. Nes-
regionais. A frequência ao Ensino Médio guarda se sentido, prosseguir nos estudos, para aqueles que
estreita relação com a renda familiar. Apesar de ain- se encontram nessa faixa etária, constitui desafio
da serem elevadas as desigualdades de acesso e fre- por vezes insuperável, sobretudo quando se torna
quência ao Ensino Médio, no Brasil, houve sensível necessário conciliar atividades laborais cotidianas
redução dessas diferenças nos últimos dez anos. com os estudos em cursos noturnos e pagos. Cabe
Cabe observar, no entanto, que o substancial cres- lembrar que mais da metade dos concluintes do En-
cimento das matrículas, verificado ao longo da se- sino Médio frequentava o ensino noturno e, prova-
gunda metade dos anos 1990, não foi acompanhado velmente, essa opção esteja relacionada à necessida-
de melhoria significativa do desempenho dos estu- de de trabalhar no período diurno. Em vista disso,
181
** ANOTAÇÕES
182
AULA
■■ Conteúdo
• Contextualização das políticas de trabalho e renda no Brasil
• Trabalho e renda no novo milênio
■■ Competências e habilidades
• Compreensão do contexto e das perspectivas das políticas de trabalho e renda
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
183
ral dessas políticas em termos macroeconômicos. bano versus rural); de gênero (homem versus
A partir da especificidade mais visível do mercado mulher); de cor (branco versus não branco);
de trabalho brasileiro, qual seja, de uma oferta es- por idade (jovem versus idoso); por grau de
truturalmente abundante de mão de obra, inclusive instrução (qualificado versus não qualificado)
durante o ciclo de crescimento acelerado das déca- etc. O fenômeno da reorganização do merca-
das de 1930 a 1980, chegamos a um certo padrão de do de trabalho no Brasil tem, então, suscitado a
estruturação do trabalho no país que se caracteriza necessidade de se buscar maior articulação das
pelos seguintes aspectos: diversas políticas de emprego e, entre elas, as
a) Composição setorial da ocupação: partici- políticas macroeconômicas. Também deve ser
pação do setor terciário (comércio varejista vislumbrada a necessidade de aprimoramen-
e ambulante, serviços pessoais e domésticos tos das instituições que regulam o mercado de
etc.) muito grande na composição setorial da trabalho de modo a torná-las mais adaptadas à
força de trabalho. nova realidade.
b) G rau de formalização das relações de traba- Durante todo o século XX até a década de 1980, o
lho: concentrado nos setores mais dinâmicos Brasil apresentou taxas superlativas de crescimento
da economia e no setor público. econômico e elevadas taxas de assalariamento, com
c) Nível de emprego: subocupação da força de presença marcante da mobilidade social ascendente.
trabalho, se utilizado o conceito de desempre- Isso levou a um relativo descuido em relação à in-
go que inclui o aberto e o desemprego oculto corporação social que não passasse pela via do tra-
decorrente do trabalho precário e do desalento, balho, ou melhor, pela via do emprego assalariado
ainda que, devido a fatores demográficos, te- formal.
nha se reduzido nos últimos dois anos e apre- Posteriormente, entre o período constituinte e o
sente perspectivas mais favoráveis no futuro. início dos anos 1990, já estando o modelo brasileiro
d) Qualidade da ocupação: duração das jornadas de crescimento econômico em transformação e o
de trabalho relativamente elevadas se compa- Estado em crise, teve início o desenrolar do proces-
radas internacionalmente – ainda que haja evi- so de constituição de políticas públicas de emprego
dências de jornadas superiores em países emer- e renda, consubstanciadas na formação do chama-
gentes da Ásia e, especialmente, na China. do SPETR (Sistema Público de Trabalho, Emprego
e) Nível de remuneração: níveis muito baixos, se e Renda), tal como já ocorrera na experiência dos
medidos no nível do poder de compra real. países centrais.
f) E
strutura de rendimentos: dispersão muito É consenso entre os estudiosos da área que a dé-
grande entre os rendimentos do trabalho, no- cada de 1990 representou uma mudança sem pre-
tadamente entre os chamados salários de base – cedentes na trajetória brasileira de estruturação de
formados pela pressão de oferta abundante do políticas públicas voltadas ao mercado de trabalho.
trabalho, normalmente pouco qualificada, nos Contudo, a despeito dos avanços constatados, há
segmentos pouco estruturados do mercado – e que se reconhecer que os programas pertencentes
os salários formados por pressão da demanda ao SPETR brasileiro continuam, em sua maioria,
por trabalho mais qualificado, existentes, em presos à regulação do setor formal da economia,
geral, no interior do chamado segmento estru- que atualmente ocupa menos da metade da PEA no
turado do mercado de trabalho, composto, por mercado de trabalho.
sua vez, tanto por empresas privadas de médio Em outras palavras, é preciso atentar para o fato
e grande porte quanto pelo próprio Estado. de que o conjunto de políticas nacionais de em-
g) Vários tipos de segmentação ou de discrimi- prego nasceu e se desenvolveu restrito aos progra-
nação no mercado de trabalho: espacial (ur- mas governamentais pertencentes exclusivamente
184
ao seu SPETR. Por isso mesmo, os instrumentos em postos de trabalho registrados nem desempre-
clássicos do SPETR tornam-se, em grande parte, gada, mas exerce uma série de atividades remune-
compensatórios, atuando principalmente sobre radas informais. A consequência disso é que parte
os condicionantes do lado da oferta do mercado dos trabalhadores não possuem as garantias legais
de trabalho (intermediação e capacitação profis- de um emprego assalariado.
sional). Obviamente, essas ações são incapazes de Frente a um mercado de trabalho marcado pelo
gerar a abertura de novas vagas, mas podem dotar desemprego elevado, alto patamar de informalidade
o trabalhador de melhores ferramentas na disputa e por uma renda média baixa e mal distribuída que
pelas vagas existentes. as políticas de emprego, trabalho e renda se organi-
Há, evidentemente, pressões para que o SPETR zaram a partir de meados da década de 1990. Nesse
assuma o desafio de reorientar seu leque de priori- sentido, foi organizada uma estratégia nacional de
dades, no sentido de direcionar o sistema de progra- emprego, trabalho e renda no país.
mas e recursos para políticas voltadas à dinamização Pode-se afirmar que está em construção no país
do mercado de trabalho, ou ainda, ajustar seus pro- um Sistema Público de Emprego, Trabalho e Ren-
gramas direcionando sua ação e seus recursos para da, isto é, um conjunto de programas de governo
o conjunto de trabalhadores independentemente de dirigidos ao mercado de trabalho nacional, tendo
seu grau de formalização. em vista os objetivos de: a) combater os efeitos do
O que marcou o período entre 1995 e 2005 foi desemprego (por meio de transferências monetá-
o crescimento da desocupação e do desemprego. rias como as previstas no seguro-desemprego); b)
Houve um aumento de 5 para 8,3 milhões de pesso- requalificar a mão de obra e reinseri-la no merca-
as economicamente ativas sem ocupação. O merca- do (por meio dos programas de qualificação pro-
do de trabalho brasileiro, dado o contexto de baixo fissional e de intermediação de mão de obra); e c)
crescimento e de baixa geração de emprego durante estimular ou induzir a geração de novos postos de
a maior parte do período, foi incapaz de absorver trabalho por meio da concessão de crédito facilita-
esse contingente adicional de trabalhadores, ocasio- do a empresas e/ou trabalhadores que busquem al-
nando a elevação do desemprego. gum tipo de auto-ocupação ou ocupação associada/
É apenas no ano de 2004 que esse quadro se rever- cooperativada.
te, pois, diante de uma taxa mais elevada de cresci- Dessa forma, está sendo constituído um sistema
mento, declinou a taxa de desemprego. Importante integrado de emprego, trabalho e renda, que visa
dizer que o crescimento deveu-se em grande medi- garantir a proteção monetária temporária contra o
da à incorporação das mulheres à força de traba- desemprego, a requalificação e a reinserção dos tra-
lho: segundo estimativa da Pnad, a PEA feminina balhadores no mundo do trabalho.
saltou de 28 para 40 milhões de pessoas no período O mercado de trabalho nacional passou por algu-
1995-2005, o que representou um crescimento de mas modificações ao longo do período 1995-2005,
43% (contra 25% da PEA masculina no mesmo pe- quase todas influenciadas pelo cenário macroeco-
ríodo). Se por um lado isso reflete uma mudança nômico mais geral. Entre 1995 e o fim de 1998, o
no padrão cultural dominante, em que grande parte desemprego aumentou, bem como a informalidade
das mulheres em idade ativa tendia a se dedicar ape- das relações de trabalho e a desproteção previden-
nas ao trabalho reprodutivo (manutenção da casa, ciária.
cuidado dos filhos etc.), por outro, é certo que essa Entre 1999 e meados de 2003, apesar da política
entrada também foi pressionada pela necessidade econômica restritiva, a economia brasileira operou
de complementar a renda domiciliar. num contexto de comércio internacional favorá-
Há que se considerar que uma grande parte da vel, o que permitiu uma certa melhora no mercado
população trabalhadora não está nem empregada de trabalho. O desemprego e a informalidade das
185
relações de trabalho parou de subir e a distribuição Desde o início dos anos 1990, o grau de infor-
dos rendimentos começou a esboçar uma pequena malidade tem aumentado no mercado de trabalho
melhora, sobretudo depois de 2001. brasileiro. Em 24 meses de Plano Real, segundo PAS-
Por fim, no triênio 2004-2006, a despeito de o TORE (1997, p. 81), a renda cresceu 33% no setor
arranjo de política macroeconômica manter-se formal e 38% no setor informal. O salário médio do
praticamente inalterado, a pujança do comércio setor formal alcançou R$ 530,00 e, no setor informal,
exterior, combinada com pequenas reduções de R$ 480,00. Por causa da carga tributária, a renda lí-
juros internos, provocou uma reação positiva do quida mensal nos dois setores, acabou sendo, aproxi-
mercado de trabalho. A taxa de desemprego e a in- madamente, a mesma. “Mas precisamos considerar
formalidade das relações de trabalho diminuíram, que, no setor formal, o trabalhador recebe FGTS, 13o
enquanto o nível de remunerações elevou-se ligei- salário e abono de férias”, observa ainda o autor.
ramente em 2005, o que contribuiu para reduzir as Segundo estudos do próprio Ministério do Tra-
desigualdades de renda. balho e Emprego (2000), o índice de trabalhadores
com carteira assinada está em declínio. Cresce, ao
TRABALHO E EMPREGO NO NOVO MILÊNIO mesmo tempo, de forma exponencial, um segmento
O capitalismo contemporâneo vem, nas últi- de trabalhadores por conta própria e sem carteira
mas décadas, realizando profundas mudanças no assinada. O fato é explicado como sendo resultado
mercado de trabalho. Essas se expressam, princi- de diversos fatores:
palmente, pela globalização das finanças, pela cres- 1. a ampliação do contingente de trabalhadores
cente precarização das relações de trabalho, pelas autônomos, decorrente das novas formas de
taxas elevadas de desemprego, pelo deslocamento produção, das relações de trabalho e do pro-
geográfico de organismos produtivos e absorvedo- cesso de terceirização;
res de mão de obra e pela eliminação de postos de 2. o aumento relativo do emprego no setor de
trabalho na indústria e nos serviços. serviços, gerador tradicional de empregos;
Entende-se por precarização das relações de tra- 3. o funcionamento dos fatores institucionais
balho a substituição das relações formalizadas de associados ao sistema de seguridade social e à
emprego que, no Brasil, expressam-se em registros legislação trabalhista como um incentivo para
na carteira de trabalho por relações informais de que empresas e trabalhadores optem por esta-
compra e venda de serviços, que vêm se consti- belecer relações informais de trabalho.
tuindo, principalmente, pelas formas de contrata- Segundo dados do Cadastro Geral de Emprega-
ção por tempo limitado, de assalariamento sem re- dos (CAGED), do Ministério do Trabalho e Empre-
gistro, de trabalho a domicílio e outras. (SINGER, go (MTE), no setor formal do mercado de trabalho,
1995). onde estão os trabalhadores protegidos por contra-
O trabalho temporário, por tempo determinado tos de trabalho e pelos estatutos públicos, foram eli-
e de meio período, está aumentando sua importân- minados cerca de 2,56 milhões de empregos, entre
cia no índice total de crescimento dos empregos. janeiro de 1990 e dezembro de 2000. A geração de
Tais tipos de trabalho envolvem, tipicamente, salá- emprego no setor formal tem tido uma tendência
rios mais baixos, alguns benefícios a menos e menor declinante a partir de 1990, explicada, em grande
segurança do que o emprego mais tradicional. Isso, parte, pela queda do emprego industrial. Entre 1990
por sua vez, está levando a uma polarização da força e 2000, o emprego formal declinou 8,4%.
de trabalho: trabalhadores de tempo integral com- Nesse contexto, até 1998, a taxa de desemprego
parativamente produzem mais resultados, enquan- no Brasil permaneceu em torno de 5,5%, um nível
to trabalhadores com menos segurança produzem considerado baixo para os padrões internacionais.
comparativamente menos. Mais recentemente, ocorreu uma elevação na taxa
186
que, entre janeiro e junho de 1999, passou para 1. Comente o texto destacado a seguir: “Contudo,
7,8%, em termos médios (MTE, 2000). Em 2000, se- a despeito dos avanços constatados, há que se reco-
gundo dados do IBGE, a média do ano ficou em tor- nhecer que os programas pertencentes ao Sistema
no de 7,6%. Estudos sobre a questão do mercado de Público de Emprego Trabalho e Renda brasileiro
trabalho evidenciam que, nos últimos anos, ocorreu continuam, em sua maioria, presos à regulação do
um aumento no perfil educacional da mão de obra. setor formal da economia, que atualmente ocupa
Entre 1994 e o início de 2000, a proporção de ocu- menos da metade da PEA no mercado de trabalho”.
pados com nível de escolaridade entre 0 e 4 anos de 2. Analise e disserte sobre a questão do trabalho
estudo caiu de 37% para 29% (queda de 8%), en- informal frente às políticas de trabalho e renda.
quanto a parcela de trabalhadores com mais de nove 3. Diante do texto apresentado e do seu conheci-
anos de estudo se elevou de cerca de 36% para 44% mento descreva algumas sugestões de medidas/pro-
(aumento de idênticos 8%) (MTE, 2000). gramas que poderiam ser implementadas através do
Se, por um lado, a elevação do nível de qualifi- SPETR.
cação da mão de obra reflete a melhoria do perfil
educacional da população na sua totalidade, por
outro, isso se deve à demanda maior por parte das ** ANOTAÇÕES
empresas de trabalhadores mais escolarizados. En-
tre 1992 e 1998, segundo o Ministério do Trabalho e
Emprego, houve um corte de 2,44 milhões de vagas
no Brasil, das quais 755 mil no período pós-Real.
Entre os meses de março e maio de 1998, ocorreu
um aumento expressivo de 406 mil novos empre-
gos. Esse número não foi suficiente para compensar
as perdas de cerca de 560 mil empregos, ocorridas
entre novembro de 1999 e fevereiro de 2000.
Qualquer trabalhador pode ler as estatísticas e
reportagens publicadas pela imprensa diariamente
e verificar que, nas últimas décadas, em todo o mun-
do, o nível de produtividade está crescendo enquan-
to decrescem os índices de emprego. As notícias do
front industrial revelam, com otimismo, o aumen-
to do índice de produtividade que, no entanto, não
gera empregos nem reverte em benefício da melho-
ria ou elevação do padrão salarial dos trabalhadores.
Ao contrário, os níveis salariais dos trabalhadores
estão decaindo, assim como aumenta a exclusão dos
trabalhadores do mercado formal de trabalho. Des-
sa maneira, o que aparece é que não há evidência, a
curto prazo, de indicativos de mudança na trajetória
de recuperação do mercado de trabalho.
■■ Atividades
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
187
AULA
7
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
■■ Conteúdo
• Conceitos de cidadania e direitos humanos
• Direitos humanos e cidadania no Brasil
• Serviço Social e direitos humanos
■■ Competências e habilidades
• Compreensão e reflexão dos conceitos de cidadania e direitos humanos e a importância do
profissional de serviço social nesse contexto
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
A palavra cidadania deriva de cidadão que vem militares, consideradas importantes para a sobrevi-
do latim civitas, que quer dizer cidade. Tem o seu vência de todos e conformando, de certa forma, a
correspondente grego na palavra politikos – aque- identidade dos cidadãos.
le que habita na cidade. Na Grécia antiga, cidada- Em 1789, ocorreu na França um movimento re-
nia era o direito da pessoa participar em decisões volucionário, que ficou para a história com o nome
nos destinos da cidade. A palavra cidadania foi de Revolução Francesa e cujo lema era – liberdade,
usada na Roma antiga para indicar a situação po- igualdade e fraternidade. Esse movimento foi muito
lítica e os direitos que uma pessoa tinha ou podia importante porque influiu para que grande parte do
exercer. mundo adotasse o novo modelo de sociedade, criado
A cidadania em algumas cidades medievais do em consequência da Revolução. Foi nesse momento
século XII em diante só foi possível devido ao de- e nesse ambiente que nasceu a moderna concepção
senvolvimento (ainda incipiente) da atividade in- de cidadania, que surgiu para afirmar a eliminação
dustrial e à relevância que era dada às obrigações de privilégios mas que, pouco depois, foi utilizada
188
exatamente para garantir a superioridade de novos Os direitos humanos abrangem todos os seres
privilegiados. humanos sem nenhuma distinção. As crianças têm
Com o desenvolvimento do liberalismo inicia-se direitos humanos, os deficientes mentais têm di-
uma profunda mudança no significado de cidadania, reitos humanos, aqueles que não são amplamente
surgindo a noção de igualdade entre indivíduos. cidadãos pela constituição, como os presos, os imi-
Posteriormente à Revolução Francesa foram grantes ilegais, continuam tendo direitos humanos
sendo assumidos o direito dos indivíduos à vida fundamentais, no entanto, não têm direito de cida-
e à liberdade. No entanto, só a partir da primeira dão, mas todos têm garantidos os direitos humanos
metade do século XX é que se foram consolidan- fundamentais. A cidadania expressa um conjunto
do importantes conquistas femininas, como o di- de direitos que dá à pessoa a possibilidade de parti-
reito ao voto. cipar ativamente da vida e do governo de seu povo.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo in- Não surge do nada como um toque de mágica, é
teiro chocado com o genocídio e as barbaridades co- necessário que o cidadão participe, seja ativo, faça
metidas, sentiu a necessidade de algo que impedisse valer os seus direitos.
a repetição destes fatos. Organizados e incentivados A cidadania e direitos humanos estão intima-
pela ONU, 148 nações reuniram-se e redigiram a mente ligados, os seus conteúdos interpenetram-se:
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que a cidadania não é materializada sem a realização dos
representa um enorme progresso na defesa dos Di- Direitos Humanos, da mesma forma que os Direitos
reitos Humanos, Direitos dos Povos e das Nações. Humanos não se concretizam sem o exercício da ci-
A Declaração Universal de 1948 deu um salto his- dadania (Fernandes, 2002).
tórico, ao considerar como direitos humanos, inde- A história tem inalteradamente demonstrado
pendentemente da origem nacional dos indivíduos, que só a luta social permite o avanço dos direitos
tanto os antigos direitos civis e políticos, como os di- humanos e dos direitos de cidadania. O processo de
reitos econômicos, sociais e culturais, enriquecendo construção da cidadania é antigo e nunca se com-
extraordinariamente o conceito. Desde então, mais pleta. Enquanto seres inacabados que somos, sem-
de cem novos tratados e declarações internacionais pre estaremos procurando, descobrindo, criando e
vêm, não só detalhando esse conjunto unificado de tomando consciência mais ampla dos direitos civis,
direitos, como também acrescentaram a eles o que políticos, econômicos, sociais e culturais. Nun-
vem sendo conhecido como “direitos coletivos e di- ca poderemos entregar a tarefa pronta, pois novos
fusos da humanidade”, tais como o direito ao meio desafios na vida social surgirão, procurando novas
ambiente sadio e equilibrado, direito à paz, direito conquistas e, portanto, mais cidadania.
ao desenvolvimento social etc. No Brasil, além das imensas desigualdades que
Segundo Fernandes (2002), os direitos de cidada- excluem grande parte dos cidadãos do usufruto
nia e os direitos humanos têm uma zona comum que dos benefícios do desenvolvimento, ainda acontece
diz respeito aos direitos públicos consagrados por a violação de direitos fundamentais. Nesse sentido,
um determinado ordenamento jurídico, concreto e uma política de direitos humanos e cidadania é mui-
específico (direito à instrução e educação, o direi- to importante e tem um enorme papel a cumprir.
to à proteção contra situações de velhice, invalidez, A conscientização da sociedade para a defesa des-
doença, maternidade, desemprego e vários outros, ses direitos é fundamental. Em especial, dela depen-
como alimentação, saúde e a habitação). Já alguns de os esforços para a superação do preconceito, da
dos direitos humanos (direito à vida, direito a não discriminação e da violência que acometem grupos
ser submetido à tortura, direito a não ser escraviza- específicos da população como: mulheres, afrodes-
do etc.) referem-se à pessoa humana como fonte de cendentes, indígenas, crianças e adolescentes, ido-
todos os valores sociais, numa perspectiva universal. sos, pessoas com deficiência e Grupos LGBT. Tam-
189
bém aqueles que, por força das circunstâncias, estão social na elaboração, gestão e controle das políticas
sujeitos ao arbítrio do Estado (detentos do sistema públicas, cumpre a importante função de debater os
penitenciário, internos do sistema socioeducativo, anseios e demandas da sociedade.
os trabalhadores submetidos a condições análogas Por sua vez, as conferências nacionais na área
à escravidão, os pacientes psiquiátricos e até mesmo dos direitos humanos constituem grandes espaços
os defensores de direitos humanos. de “revisão da política”. São precedidas de encontros
É preciso reconhecer que houve grande avanço municipais e estaduais e congregam representantes
na construção do arcabouço normativo e do apa- dos movimentos sociais organizados de todo o país.
rato político-institucional que garantem os direitos A participação social tem sido importante para o
fundamentais de cidadania no país e que zelam pe- aperfeiçoamento dessa política, no entanto, muitas
los grupos sociais mais vulneráveis. Impulsionados dessas conquistas ainda não se tornaram realida-
pelos compromissos firmados na Constituição Fe- de para grande parte da população brasileira. Isto
deral e pela adesão do país a vários instrumentos acontece basicamente por três razões:
internacionais de proteção aos direitos humanos a • Primeiro, porque faltam informação e instru-
partir do início da década de 1990, muitos foram os mentos suficientes para permitir que os cida-
avanços observados entre 1995 e 2005. dãos exijam o cumprimento desses direitos
Todas essas iniciativas têm significativos apoio e nas suas relações cotidianas, como, por exem-
sustentação no Programa Nacional de Direitos Hu- plo, acionando juridicamente o poder público
manos (PNDH), lançado em 1996 e ampliado em quando as normas e políticas se mostrarem in-
2002. Sua elaboração seguiu as recomendações da satisfatórias.
Conferência Mundial de Direitos Humanos, ocor- • Segundo, porque a concretização desses direi-
rida em Viena, em 1993, e resultou de extenso de- tos depende do seu desdobramento em políti-
bate e ampla articulação entre a sociedade civil e o cas públicas e da implementação de uma série
poder público. de serviços aos cidadãos e isso demanda um
O PNDH atende a princípios como da universa- volume considerável de recursos (físicos, hu-
lidade dos direitos humanos, incorporando, além manos e financeiros).
das metas relacionadas à garantia do direito à vida, • Em terceiro lugar, cabe mencionar que muitos
à segurança, à liberdade de opinião e expressão, à dos princípios e normas legais, particularmen-
igualdade, à justiça, à educação para a cidadania e à te no que se refere aos direitos de grupos so-
inserção do país nos sistemas internacionais de pro- ciais específicos encontram resistência que vão
teção aos direitos humanos, também ações voltadas desde o preconceito até a pressão de grupos
para a garantia do direito à educação, à saúde, à pre- conservadores alheios à cultura e aos valores
vidência e à assistência social, ao trabalho, à mora- humanistas.
dia, a um meio ambiente saudável, à alimentação, à
cultura e ao lazer. Em linhas gerais, pode-se afirmar que esses são
É importante considerar que a participação so- os principais desafios colocados para a política de
cial tem sido fundamental na constante ampliação direitos humanos e cidadania atualmente.
dos temas incluídos na pauta brasileira dos direitos
humanos e da cidadania. Essa participação social SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
ocorre especialmente por meio da representação O fato de a atividade dos profissionais de Serviço
nos conselhos de direitos e da atuação nas confe- Social se centrar nas necessidades humanas reforça
rências nacionais. O contato regular entre represen- a sua convicção, de que a natureza dessas necessida-
tantes governamentais e da sociedade civil propicia- des exige que sejam satisfeitas, não por uma ques-
do pelos conselhos, além de garantir a participação tão de opção, mas como um imperativo de justiça
190
social. Assim, o Serviço Social caminha com o ob- consequências graves para os profissionais de Ser-
jetivo de considerar os Direitos Humanos como viço Social.
um dos princípios mais importantes de sua prática
profissional. Trabalhando no âmbito de diferentes
sistemas políticos, os profissionais de Serviço Social !! IMPORTANTE
garantem e defendem os direitos individuais ou co- A política de direitos humanos e cidadania
letivos dos indivíduos, ao mesmo tempo que tentam visa garantir, mas também defender e promo-
satisfazer as suas respectivas necessidades. ver os direitos humanos no Brasil. Essa polí-
O Serviço Social preocupa-se com a proteção das tica deve estabelecer um conjunto articulado
diferenças individuais e de grupo sendo uma ativi- de ações, instituições e instrumentos capazes
dade de mediação interpessoal, que exige consci- de produzir condições favoráveis e amplas
ência dos valores e sólidos conhecimentos de base, para a promoção dos direitos humanos, na
nomeadamente na área dos Direitos Humanos, que efetivação do compromisso político com a
lhes possam servir de orientação nas múltiplas situ- justiça e a cidadania.
ações de conflito que surgem na prática.
A visão do respectivo trabalho a partir de uma
perspectiva global de Direitos Humanos auxilia os ■■ Atividades
profissionais, conferindo-lhes um sentido de unida- Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
de e solidariedade, sem perder de vista as perspecti- atividades:
vas, condições e necessidades locais, que constituem 1. Comente a importância da Declaração dos Di-
o quadro de atuação destes profissionais. reitos Humanos no contexto dos Direitos Humanos.
Professores e trabalhadores de Serviço Social pre- 2. Qual a importância da participação popular na
cisam estar conscientes de que as suas preocupações questão dos direitos humanos no Brasil e como ela
se relacionam intimamente com o respeito pelos ocorre?
Direitos Humanos. Precisam aceitar a premissa de 3. Como as atividades do profissional de serviço
que os Direitos Humanos e liberdades fundamen- social se relacionam com os direitos humanos?
tais são indivisíveis, e que a plena realização dos di-
reitos civis e políticos não é possível sem o gozo dos
direitos econômicos, sociais e culturais. E também
acreditar que um progresso duradouro na realiza- ** ANOTAÇÕES
ção dos Direitos Humanos depende de políticas de
desenvolvimento econômico e social eficazes, a ní-
vel nacional e internacional. O conhecimento dire-
to das condições de vida dos setores vulneráveis da
sociedade faz com que professores e trabalhadores
de Serviço Social sejam de grande importância na
formulação de políticas sociais.
Os Direitos Humanos são inseparáveis da teoria,
valores e práticas do Serviço Social. Direitos cor-
respondentes às necessidades humanas têm de ser
garantidos e promovidos, e se tornam a justificativa
e motivação da ação do Serviço Social. A defesa de
tais direitos deverá, assim, fazer parte integrante do
Serviço Social, mesmo quando tal defesa possa ter
191
AULA
8
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
■■ Conteúdo
• Conceitos e caracterizações de famílias
• Redes e políticas públicas
■■ Competências e habilidades
• Compreender o conceito de família na perspectiva da realidade contemporânea
• Caracterizar as mudanças na estrutura e também nas funções da família
• Analisar o significado da retomada da família e das redes sociais como referência das políti-
cas públicas no Brasil
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
192
193
tárias de vida. Todavia, não se pode desconsiderar que a realidade tem dado sinais cada vez mais evi-
que ela se caracteriza como um espaço contradi- dentes de processos de penalização e desproteção
tório, cuja dinâmica cotidiana de convivência é das famílias brasileiras.
marcada por conflitos e geralmente, também, por
desigualdades, além de que nas sociedades capita- REDES E POLÍTICAS PÚBLICAS
listas a família é fundamental no âmbito da prote- A valorização das redes sociais e da família é
ção social. quase contemporânea ao surgimento da crise eco-
Em segundo lugar, é preponderante retomar nômica e fiscal dos Estados de Bem-Estar. Nesse
que as novas feições da família estão intrínsecas e contexto, ressurge também a família e a comunida-
dialeticamente condicionadas às transformações de. Essa convergência tem, de fato, levado a reco-
societárias contemporâneas, ou seja, às transfor- nhece o papel das redes sociais e, no geral, do cha-
mações econômicas e sociais, de hábitos e costu- mado terceiro setor como importantes atores para
mes e ao avanço da ciência e da tecnologia. O novo satisfazer as necessidades sociais. Obviamente, essa
cenário tem remetido à discussão do que seja a fa- posição pode assumir diferentes significados: 1)
mília, uma vez que as três dimensões clássicas de pode ser entendida como uma resposta à crise eco-
sua definição (sexualidade, procriação e convivên- nômica e fiscal do Estado de Bem-Estar valorizan-
cia) já não têm o mesmo grau de imbricamento do o trabalho da família e das redes sociais primá-
que se acreditava antes. Nesta perspectiva, pode-se rias; 2) pode ser entendida como uma resposta às
dizer que se está diante de uma família quando um novas necessidades e demandas relacionadas mais
conjunto de pessoas se acha unidas por laços con- à qualidade de vida, que à segurança material. Nes-
sanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade. Como se sentido, a valorização de cuidado informal e de
resultado das modificações acima mencionadas, redes sociais poderia representar uma maior preo-
superou-se a referência de tempo e de lugar para a cupação do Estado com os aspectos relacionais, de
compreensão do conceito de família. humanização e de personalização das intervenções
O reconhecimento da importância da família sociais. Se isso acontecesse, estaríamos diante de
no contexto da vida social está explícito no arti- um processo de transição que nos levaria em dire-
go 226, da Constituição Federal do Brasil, quando ção a uma sociedade de serviços, ou seja, estaría-
declara que a “família, base da sociedade, tem es- mos diante de uma enorme mudança socioeconô-
pecial proteção do Estado”, endossando, assim, o mica e cultural: a passagem de um Estado de Bem-
artigo 16, da Declaração dos Direitos Humanos, Estar a uma Sociedade de Bem-Estar (DONATI &
que traduz a família como sendo o núcleo natural DE NICOLA, 1996, apud SERAPIONE, 2005).
e fundamental da sociedade, e com direito à pro- No contexto do Brasil, a retomada da família
teção da sociedade e do Estado. No Brasil, tal reco- e das redes sociais como referência das políticas
nhecimento se reafirma nas legislações específicas públicas é justificada, também, como a estratégia
da Assistência Social – Estatuto da Criança e do mais adequada ao lado das intervenções sociais
Adolescente – ECA, Estatuto do Idoso e na própria tradicionais (saúde, educação, habitação, renda
Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, além da etc.) para desenvolver programas sociais efetivos
Política Nacional de Assistência Social/PNAS e no para enfrentar a pobreza (SERAPIONE, 2005 apud
Sistema Único de Assistência Social – SUAS, entre DRAIBE, 1998).
outras. De qualquer forma, a valorização da família e das
Embora haja o reconhecimento explícito sobre redes sociais, no contexto da crise do Welfare State,
a importância da família na vida social e, portan- reflete certa consciência do esgotamento da opção
to, merecedora da proteção do Estado, tal proteção pelo indivíduo como eixo das políticas e dos pro-
tem sido cada vez mais discutida, na medida em gramas sociais. Hoje em dia, em níveis internacio-
194
195
social, o grau de vulnerabilidade vem aumentando Além disso, a Assistência Social, enquanto po-
e com isso aumenta também a exigência das famí- lítica pública que compõe o tripé da Seguridade
lias para desenvolverem complexas estratégias de Social, e considerando as características da popu-
relações entre seus membros para sobreviverem. lação atendida por ela, deve fundamentalmente
Assim, essa perspectiva de análise, reforça a inserir-se na articulação intersetorial com outras
importância da política de Assistência Social no políticas sociais, particularmente, as públicas de
conjunto de proteção da Seguridade Social, como Saúde, Educação, Cultura, Esporte, Emprego, Ha-
direito de cidadania, articulada à lógica da univer- bitação, entre outras, para que as ações não sejam
salidade. Além disso, a diversidade sociocultural fragmentadas e se mantenha o acesso e a qualidade
das famílias, na medida em que estas são organi- dos serviços para todas as famílias e indivíduos.
zadas por hierarquias rígidas e por uma solidarie- A efetivação da política de Assistência Social,
dade paternalista que redundam em desigualdades caracterizada pela complexidade e contraditorie-
e opressões. Neste sentido, a política de Assistência dade que cerca as relações intrafamiliares e as re-
Social desempenha papel fundamental no processo lações da família com outras esferas da sociedade,
de emancipação destas, enquanto sujeito coletivo. especialmente o Estado, colocam desafios tanto
Existe proposta mais ampla do estabelecido na le- em relação à sua proposição e formulação quanto
gislação, no sentido de reconhecer que a concessão à sua execução.
de benefícios está condicionada à impossibilidade Os serviços, programas, projetos de atenção às fa-
não só do beneficiário em prover sua manutenção, mílias e indivíduos poderão ser executados em par-
mas também de sua família. ceria com as entidades não governamentais de assis-
Dentro do princípio da universalidade, portan- tência social, integrando a rede socioassistencial.
to, objetiva-se a manutenção e a extensão de direi- Incidem sobre famílias/pessoas nos diferen-
tos, em sintonia com as demandas e necessidades tes ciclos da vida (crianças, adolescentes), jovens,
particulares expressas pelas famílias. Nessa ótica, a (adultos e idosos); pessoas com redução da capa-
centralidade da família com vistas à superação da cidade pessoal, com deficiência ou em abandono;
focalização, tanto relacionada a situações de risco crianças e adultos, vítimas de formas de exploração,
como a de segmentos, sustenta-se a partir da pers- de violência e de ameaças; vítimas de preconceito
pectiva postulada. Ou seja, a centralidade da famí- por etnia, gênero e opção pessoal; vítimas de apar-
lia é garantida à medida que na Assistência Social, tação social que lhes impossibilite sua autonomia e
com base em indicadores das necessidades fami- integridade, fragilizando sua existência; especial às
liares, se desenvolva uma política de cunho uni- mulheres chefes de família e seus filhos.
versalista, que em conjunto com as transferências
de renda em patamares aceitáveis se desenvolva, ■■ Concluindo
prioritariamente, em redes socioassistenciais que Chega-se à conclusão de que é preciso investir re-
suportem as tarefas cotidianas de cuidado e que cursos, sob a forma de pesquisas, reflexões e ações que
valorizem a convivência familiar e comunitária. possibilitem que as famílias se reconstruam e respon-
De acordo com a NOB – SUAS, “a rede socio- dam à sua vocação primordial de serem os “ninhos”
assistencial é um conjunto integrado de ações de em que se gera e nutre uma sociedade de pessoas li-
iniciativa pública e da sociedade que ofertam e vres, educadas e voltadas para o bem comum.
operam benefícios, serviços, programas e projetos, Considerando a profunda transformação na orga-
o que supõe a articulação dentre todas estas unida- nização da família, na sua composição e estrutura e
des de provisão de proteção social sob a hierarquia sua função, o desenvolvimento de uma política mais
de básica e especial e ainda por níveis de complexi- efetiva nessa área deve promover um processo de edu-
dade” (NOB/2005). cação continuada dos profissionais, aprofundando
196
sua formação quanto à abordagem familiar e comu- 1. Analise o conceito de família na perspectiva da
nitária. Os planejadores de políticas sociais dispõem realidade contemporânea.
de várias possibilidades para introduzir novas e criati- 2. Caracterize as mudanças na estrutura e tam-
vas iniciativas em nível de comunidade, que oferecem bém nas funções da família.
a oportunidade de valorizar o papel do cuidado in- 3. Comente o significado da retomada da família
formal, em particular o cuidado subministrado pelo e das redes sociais como referência das políticas pú-
parentesco, e para integrá-lo às atividades realizadas blicas no Brasil.
pelos serviços institucionais (SERAPIONI, 2005). 4. Para o desenvolvimento de uma política mais
efetiva nessa área, o que deve ser feito, conside-
■■ Atividades rando a profunda transformação na organização
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes da família, na sua composição e estrutura e na sua
atividades: função?
** ANOTAÇÕES
197
AULA
9
Dimensões do Trabalho do Assistente
Social nas Políticas Sociais
■■ Conteúdo
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
■■ Competências e habilidades
• Compreender a metodologia da intervenção do assistente social no campo das políticas
sociais
• Caracterizar as diversas formas de inserção sócio-institucional do assistente social que vai
desde a ponta da rede de serviços sociais, execução, até o gerenciamento de políticas sociais,
organizações sociais
• Compreender e descrever a dimensão econômico-politica e também um conjunto de pro-
cedimentos técnico-operativo das políticas sociais
• Analisar os espaços emergentes do Serviço Social
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
198
ca, embora fazendo uso de instrumentos da civiliza- O referencial teórico e metodológico é extraído
ção, termina causando efeitos bárbaros de exclusão das ciências humanas e sociais através de conheci-
social, de competição insana entre nações, grupos e mentos nas áreas de: Administração, Ciência Políti-
pessoas, aumento da criminalidade etc. ca, Sociologia, Psicologia, Economia etc. E a profis-
Monitoramento: É uma atividade contínua, ge- são tem produzido também, através de pesquisa
rencial, que visa aferir o controle de entrega de in- e de sua intervenção, conhecimentos sobre o que
sumos, conforme as metas e o calendário, tendo em constituem as questões sociais e estratégias capazes
vista a garantia da eficiência do programa. de orientar e instrumentalizar a ação profissional.
Avaliação de processo: Avaliação centrada no A partir desse entendimento, Pontes (p. 43,
desenvolvimento do programa, tendo em vista afe- 2000), demonstra alguns aspectos que possibilita-
rir sua eficácia e efetuar correções durante a imple- rão a compreensão metodológica da intervenção do
mentação. assistente social no campo das políticas sociais:
Avaliação de impactos: Avaliação centrada nas O profissional de Serviço Social precisa estar
mudanças qualitativas e quantitativas do programa, equipado político-teórico e tecnicamente para en-
tendo como critério a efetividade e como suposição frentar a complexidade que sua intervenção exige:
a existência de relação entre variáveis. Além de conhecer a realidade em toda a sua com-
Indicadores sociais: parâmetros qualificados e/ plexidade, criar meios para transformá-la em dire-
ou quantificados, que servem para detalhar em que ção a um projeto sócio-profissional. O que desafia
medida os objetivos de um projeto foram alcan- o profissional a, cotidianamente, enfrentar a rea-
çados, dentro de um prazo delimitado de tempo e lidade complexa das organizações sociais em que
numa localidade especifica. atuam.
A aula Dimensões do trabalho do assistente so- O melhor conhecimento da realidade, reorien-
cial nas políticas sociais, trata de demonstrar a di- tando a intervenção profissional, é uma efetiva for-
versidade de formas de intervenção do assistente ma de resistência e de luta contra a barbárie, que
social no campo das políticas sociais, e de analisar também fortalece a emancipação humana.
a dimensão econômica e política e também os pro- O assistente social possui ampla diversidade de
cedimentos técnico-operativos das políticas sociais formas de inserção sócio-institucional que vai des-
cuja atuação profissional exige dois campos: o de de a ponta da rede de serviços sociais, execução, até
formulação e implantação destas mesmas políticas o gerenciamento de políticas sociais, organizações
sociais. Por fim, apresenta um elenco de espaços sociais (OG, ONG s e Empresariais).
emergentes de possibilidades concretas de atuação Atualmente exige-se um perfil profissional
do Assistente Social. qualificado no âmbito da execução e também na
Para iniciar essa conversa é necessário o enten- formulação e gestão de políticas sociais, públicas
dimento de que o Serviço Social é hoje totalmente e empresariais que apresente propostas inovado-
articulado à ordem social capitalista brasileira. ras, com sólida formação ética, que acesse os di-
Coube ao Estado viabilizar salários indiretos por reitos sociais dos usuários e dos meios de exercê-lo
meio das políticas sociais públicas, operando uma e com conhecimentos suficientes para transmi-
rede de serviços sociais, que permitisse liberar parte tir informações, permanentemente atualizadas
da renda monetária da população para o consumo (IAMAMOTO, 2000).
de massa e consequente dinamização da produção. A pesquisa e o conhecimento da realidade são
Devido a complexidade da questão social, o Esta- premissas para a organização e o desenvolvimento
do fragmenta e as recorta em questões sociais a se- do processo de intervenção do Serviço Social. Assim,
rem atendidas pelas políticas sociais. Quais os vín- pressupondo a investigação detalhada sobre a reali-
culos entre as políticas sociais e o Serviço Social? dade social para a construção de diagnóstico e indi-
199
cadores sociais para a caracterização da população individuais tratadas na aparência. Implicam inter-
alvo, com a clara definição dos recursos e priorida- venções que emanem de escolhas, que passem pela
des, dentre outros aspectos. razão crítica e vontade dos sujeitos no campo de
Para a formulação de Políticas Sociais é necessá- valores universais (éticos, morais e políticos), ações
rio estabelecer negociação e participação popular conectadas a projetos profissionais com referenciais
buscando acatar as soberanas deliberações da so- teóricos e princípios ético-políticos.
ciedade civil. Assim, os usuários da política social Entretanto, nos anos 1990, vimos antigos meca-
em questão devem participar de todas as etapas: nismos de proteção social serem colocados em prá-
Eleição de prioridades; critérios de atendimento; tica contraditoriamente: Políticas residuais casuais
dinâmica do serviço; gestão e administração dos e seletivas em pobreza extrema para amenizar os
programas. impactos das novas condições sociais (desemprego
O termo, gestão, envolve detalhadas recomenda- estrutural, aumento da pobreza e da exclusão social,
ções técnicas, pois vem da área da Administração. precarização do trabalho etc.) colocando em xeque
Além das noções de eficiência, eficácia e efetivida- os próprios direitos sociais (requer um profissio-
de; as funções gerenciais: planejamento, organiza- nal não mais executor terminal de políticas sociais,
ção, direção e controle; os níveis organizacionais: mas um profissional qualificado na execução, gestão
estratégico,tático e operacional (PAIVA, 2000). e formulação de políticas sociais públicas, crítico e
Segundo Guerra (2000), as políticas sociais além propositivo.
da dimensão econômico-política constituem-se Atualmente com algumas mudanças no cenário
também num conjunto de procedimentos técnico – brasileiro cujo contexto social, econômico e político
operativos, em que os profissionais devem atuar em na busca da democratização da sociedade, descentra-
dois campos: o de sua formulação e de sua implan- lização do poder do Estado e da participação social
tação, sendo assim, nesse mercado de trabalho, o de novos sujeitos e movimentos sociais em direção à
assistente social passa a desempenhar determinados construção de políticas públicas provocaram a uni-
papéis. Dessa forma, a lógica da intencionalidade é versalização dos serviços sociais, a descentralização
mediada pela lógica da institucionalização, a qual o participativa, redirecionamento das funções sócio-
profissional está submetido. institucionais, colocando para o Serviço Social não
As políticas produzem e obedecem a uma dinâmi- apenas a execução de políticas sociais, mas uma base
ca que reflete no trabalho do assistente social: Visão organizacional situada na função gerencial, seja das
de totalidade das políticas sociais, expressão de arti- próprias políticas, seja de seus serviços ou de pessoas
culação econômica, cultural, social, política, psico- nas organizações públicas, privadas e não governa-
lógica na sua estrutura cognitiva, submetendo-os a mentais.
uma intervenção microscópica, nas singularidades. As Políticas Sociais são formas de intervenção na
Exige-se do profissional a adoção de procedimen- realidade social, condicionadas por recursos para
tos instrumentais, de manipulação de variáveis. darem respostas institucionalizadas à situações pro-
Qual o significado sócio-histórico da instrumen- blemáticas, materializadas por programas, projetos
talidade como condição de possibilidade do Serviço e serviços.
Social resgatar a natureza e a configuração das polí- Para formular e implementar políticas sociais é
ticas sociais que, como espaço de intervenção profis- preciso dominar múltiplos saberes; legislações sociais
sional, atribuem determinadas formas, conteúdos e vigentes e atualizações permanentes; compreensão
dinâmicas ao exercício profissional. da conjuntura e das relações de poder e conhecimen-
Instrumentalidade não significa apenas o con- to das estratégias de planejamento e administração;
junto de instrumentos e técnicas com respostas ma- construção de diagnósticos sociais e de indicadores
nipulatórias, fragmentadas, imediatistas, isoladas,
200
para subsidiar as ações e monitoramento, avaliação e • caráter de eficiência com competência e avalia-
prestação de contas regulares (PAIVA, 2000). ções periódicas;
Assim, constituem funções profissionais: • compromisso com o desenvolvimento econô-
• execução e avaliação das políticas e programas mico, político e cultural.
sociais;
• processos de formulação e gestão de pesquisas. O processo das políticas sociais é identificado por
um conjunto de momentos, assim expressos:
De acordo com SILVA (2000) são quatro, os mo- • constituição do problema ou da agenda gover-
mentos de intervenção: namental, dependendo do problema e da força
• constituição do problema ou da agenda gover- de mobilização da sociedade, assumir visibili-
namental; dade e transformar-se em questão social que
• formulação de alternativas de políticas e diag- mereça a atenção por parte do poder público
nóstico; pode vir a se transformar em política;
• adoção da política; • formulação de alternativas de política é o diag-
• implementação ou exercício de Programas So- nóstico sobre o problema e alternativas para
ciais. seu enfrentamento;
• adoção da política com o apoio do Poder Le-
Avaliação é uma etapa fundamental e exigência gislativo;
para financiamento e para realimentar programas, • implementação e execução de programas so-
apesar de que no Brasil a avaliação é utilizada mais ciais, fase de execução de serviços pra o cum-
para controle de gastos. primento de objetivos e metas pré-estabeleci-
Ainda, segundo Silva (2000), os modelos de ava- das com vistas a obter resultados.
liação são vários, dentre os quais se destacam:
• monitoramento que é o segmento ou acom- ESPAÇOS EMERGENTES NO SERVIÇO SOCIAL
panhamento continuado, gerencial para A atualidade aponta para espaços emergentes no
aferir controle da entrega de insumos, con- Serviço Social, como:
forme as metas para garantir eficiência dos • orçamento participativo;
programas; • conselhos de políticas e de direitos;
• avaliação política que significa juízo de valor a • reestruturação produtiva e novas demandas or-
partir de critérios e princípios políticos funda- ganizacionais do serviço social;
mentais; • desenvolvimento sustentável e meio ambiente;
• avaliação do processo que é centrada no desen- • filantropia empresarial e entidades da socieda-
volvimento do programa para aferir sua eficá- de civil;
cia e correções no processo; • cuidados dirigidos à família e segmentos vul-
• avaliação de impactos que é centrada nas mu- neráveis.
danças quantitativas e qualitativas.
É necessário considerar que a gestão pública pas- O orçamento participativo caracteriza-se pelo es-
sa por diversos princípios, quais sejam: tabelecimento de critérios de aplicação de recursos
• caráter público e de interesses de todos, trans- que implica definição de prioridades. Conselhos de
parência nas decisões/informações/recursos; políticas e de direitos são considerados espaços for-
• caráter democrático e de fortalecimento das mais de participação social, institucionalmente re-
Organizações Populares; conhecidos com competências definidas em estatu-
• caráter ético e de responsabilidade com crité- to legal, com o objetivo de realizar o controle social
rios e equidade; das políticas publicas setoriais ou de defesa
201
de direitos de segmentos específicos. Nesse es- Para concluir a temática que envolve a prática
paço, o assistente social compõe os conselhos de profissional do Assistente Social em sua relação
políticas e de defesa de direitos, como gestor, tra- com as políticas sociais enfatiza-se que sua postu-
balhador, prestador de serviço, pesquisador/asses- ra sempre deverá ser de uma prática voltada para
sor e também como usuário. a viabilização dos direitos da população usuária,
No processo de reestruturação produtiva e das novas na perspectiva da consolidação das conquistas so-
demandas organizacionais do serviço social, existem ciais e dos termos legais constitucionais (PAIVA,
várias áreas: implantação de programas de qualidade 2000).
total, treinamento e desenvolvimento pessoal, balanço
social como indicador de responsabilidade social. ■■ Atividades
O desenvolvimento sustentável e meio ambiente Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
que depois do surgimento das tecnologias limpas e de- atividades:
senvolvimento e meio ambiente deixaram de ser con- 1. Qual o perfil profissional exigido do Assistente
sideradas antagônicas podendo ser complementares. Social na execução das políticas sociais para enfren-
A filantropia empresarial e entidades da socie- tar a complexidade deste tipo de intervenção?
dade civil que demonstra que a responsabilidade 2. Por que os usuários das políticas sociais devem
social é fundamental quando a empresa participa participar de todas as etapas do processo de implan-
diretamente das ações comunitárias na região em tação das políticas sociais? Quais são as etapas?
que está presente e tenta minorar possíveis danos 3. As políticas sociais possuem a dimensão eco-
ambientas decorrentes do tipo de atividade que nômico-política mas também um conjunto de pro-
exerce. A preservação do meio ambiente deve ser cedimentos técnico-operativo. Comente.
uma ação obrigatória para todas as empresas. 4. Analise os espaços emergentes do Serviço Social.
No espaço de família e segmentos sociais vulne-
ráveis, em que o Assistente Social, segundo Mioto ■■ Referências
(2000) não deverá atuar com de forma fragmentada Básicas
e isolada. Perceber que o modo de organização das GUEIROS, M. J. G. Serviço Social e cidadania. São
famílias é diverso e modifica-se continuadamen- Paulo: Editora Agir, 1991.
te, para atender as exigências que lhe são impostas HABERMAS, J. Para a reconstrução do materialismo
pela sociedade. Esta situação é condicionada pela histórico. São Paulo: Brasiliense, 1997.
organização econômica e social mas também pela MENDES. E. V. Uma agenda para saúde. Editora
existência de valores culturais e de normas contra- HUCITEC. São Paulo, 2006.
ditórias (MIOTO, 2000).
O fato do Assistente Social não atuar com famílias, Complementares
de forma fragmentada, não exclui, entretanto, cuida- BARBOSA, C. F. et al. Políticas Sociais no Brasil. In:
dos dirigidos a seus membros, enquanto indivíduos, Educação Sem Fronteiras. Serviço Social. 3º semes-
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LABORATÓRIO DE PRÁTICAS
INTEGRADORAS
Caro(a) acadêmico(a),
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