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Módulo

Fundamentos
■■

Históricos, Teóricos
E Metodológicos
do Serviço Social

Unidade Didática – Fundamentos Históricos


e Teóricos do Serviço Social

Professora Ma. Enilda Maria Lemos

BookUniderp63_ServSocial.indb 1 11/16/09 1:45:53 PM


■■Apresentação

Caro(a) aluno(a),

Os textos que compõem a Unidade Didática “Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Ser-
viço Social” abordam o Serviço Social brasileiro após 1964, a formação profissional e algumas manifestações
da sociedade atual.
Com a preocupação de explicitar o Serviço Social na sociedade monopolista, buscou-se observar o critério
da unidade teórica das obras pesquisadas, como foi feito na unidade didática “Fundamentos Históricos do
Serviço Social”.
A unidade didática “Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social” está estruturada em nove aulas.
A aula 1 trata da perspectiva da modernização conservadora do Serviço Social; a aula 2 aborda a perspectiva
da reatualização do conservadorismo do Serviço Social e a perspectiva da intenção de ruptura; a aula 3 analisa
o movimento de reconceituação do Serviço Social na América Latina; a aula 4 discute a questão social e o Ser-
viço Social; a aula 5 tece considerações sobre o neoliberalismo; a aula 6 versa sobre o movimento ambienta-
lista; a aula 7 trata do terceiro setor; a aula 8 aborda a importância de o assistente social conhecer a Sociedade
contemporânea; a aula 9 discute a assistência social e o Serviço Social.
É importante que você, aluno(a), leia todos os textos referentes à unidade que fazem parte do livro e/ou
aqueles que serão postados no Portal.
Você está convidado a adentrar a profundidade das análises, lendo o texto original das obras pesquisadas.
Faça da leitura das obras originais uma preliminar para a leitura de textos clássicos, aqueles que revelam a
questão social: o objeto do Serviço Social. Faça deles um componente da sua formação acadêmica. Busque
muito mais...

Professora Ma. Enilda Maria Lemos

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AULA

Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos


A Perspectiva da Modernização
Conservadora do Serviço Social

■■ Conteúdo
• A implantação de empresas de capital internacional no Brasil

do Serviço Social
• O processo de renovação do Serviço Social
• A perspectiva modernizadora do Serviço Social
• O Seminário de Araxá (MG) e o Seminário de Teresópolis (RJ)

■■ Competências e habilidades
• Compreender os determinantes que levaram às adequações na formação e atuação dos
assistentes sociais brasileiros, no período do regime militar de 1964
• Ler e analisar textos que tratam da renovação do Serviço Social tradicional no Brasil
• Reconhecer os principais pontos da perspectiva da modernização conservadora realizada
no regime militar na formação e atuação na área de Serviço Social

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração

2 h-a – via satélite com professor interativo


2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO
O presente trabalho faz considerações acerca do Para isso, é fundamental que sejam feitas algu-
processo de renovação do Serviço Social brasileiro, mas considerações a respeito da dominação nos
que desembocou nas três perspectivas do Serviço países da América Latina após a Segunda Guerra
Social, discutidas por José Paulo Netto (2006): a mo- Mundial, para que se possa compreender o con-
dernização conservadora, a que faz uma reatualiza- texto no qual o Serviço Social do Brasil se desen-
ção do conservadorismo e a que busca romper com volveu.
as formas tradicionais da profissão. Este texto, mais A obra que referencia este texto é Ditadura e Ser-
especificamente, faz uma abordagem da perspectiva viço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil
da modernização conservadora do Serviço Social. pós-64, de José Paulo Netto.

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

A IMPLANTAÇÃO DE EMPRESAS DE CAPITAL nacional da economia, conquistadas tão ardua-


INTERNACIONAL NO BRASIL mente, foram postas a serviço dessas empresas e
Com a construção do bloco capitalista e do bloco dos seus poderosos interesses privados (FERNAN-
socialista, o capitalismo gerou algumas mudanças DES, 1981, p. 23).
na sociedade. Para Fernandes (1981, p. 21), após a
Segunda Guerra Mundial, países da Europa, Ásia e Assim sendo, uma parte da burguesia (a parte
América lançaram estratégias em defesa do capita- aliada aos Estados Unidos era a favor do capital in-
lismo. Uma dessas estratégias foi a implantação de ternacional e a outra defendia o nacionalismo, pro-
empresas norte-americanas e europeias na América vocando uma crise4 na burguesia. Conforme Iama-
Latina. moto (2004, pp. 77–78), a crise se deu por pressões
Moniz Bandeira, no estudo sobre cartéis e desna- de ordem externa e interna.
cionalização no Brasil, de 1964 a 1974, afirma que A primeira era exercida pelas empresas de capi-
a economia brasileira registrava “alta concentração tal monopolista mundial com interesse no Brasil. A
monopolística” nos anos 1950.1 outra pressão vinha da burguesia local (que resistia
Segundo Bandeira (1975, p. 10), o governo de a mudanças) e dos trabalhadores.
Juscelino Kubitschek de Oliveira2 fez concessões ao A parte da burguesia nacional que era atrelada aos
capital internacional, como, por exemplo, ao apri- norte-americanos resolveu a crise com o golpe de 1o
morar a “Instrução 113 da Sumoc”3. Esse meca- de abril de 1964.5 Para Bandeira (1975, pp. 16–17),
nismo massacrou o empresariado nacional e “[...] em apoio à concentração do capital, o regime mi-
instituiu um regime de privilégios para capitalistas litar proibiu o sindicalismo, “suprimiu os focos de
estrangeiros, ou melhor, americanos” (BANDEIRA, resistência” e agravou a exploração do trabalhador.
1975, p. 10). Como bem diz Iamamoto (2004, p. 77), os go-
6
Nessa altura, o empresariado nacional, que atuava vernos militares deram amplo apoio às empresas
de forma competitiva, teve que ceder ao capital in- internacionais. O capital monopolista contou com
ternacional. Florestan Fernandes, num estudo sobre “[...] o respaldo de uma política econômica capaz
capitalismo dependente e classes sociais na América
Latina, afirma que as empresas locais 4
Pano de fundo dessa crise foi “[...] a exigência de adaptação
da burguesia à industrialização intensiva e aos novos ritmos
econômico-sociais, transferidos de fora para a sociedade
[...] foram absorvidas ou destruídas, as estruturas brasileira” (IAMAMOTO, 2004, p. 78).
econômicas existentes foram adaptadas às dimen-
5
O Brasil, entre os anos de 1945 a 1963, teve à frente governos
sões e às funções das empresas corporativas, as populistas que defendiam o nacionalismo. Nos anos de 1960
bases para o crescimento autônomo e a integração a 1964, os movimentos sociais ganharam força e apoiaram
as Reformas de Base (reforma agrária e reforma urbana, por
exemplo) e o nacional-desenvolvimentismo, proposto pelos
governos populistas. Nesse período, configurou-se “[...] o apro-
1
O Brasil, àquele tempo, já registrava alta concentração mo- fundamento e a problematização do processo democrático na
nopolística e, nos anos seguintes, década de 1950, tornou-se no- sociedade e no Estado” (NETTO, 2006, p.159).
vamente campo de batalha dos grandes interesses estrangeiros,
que, de um lado, disputavam entre si o mercado nacional e o 6
Por desenvolvimentismo entende-se “[...] qualquer tipo de políti-
controle das fontes de matérias-primas e, do outro, procuravam ca econômica baseada no crescimento da produção industrial e
arrebatar e distorcer o processo de industrialização, na medida da infraestrutura, com participação ativa do Estado, [...]” (http://
em que não mais podiam segurá-lo, conforme as conveniências pt.wikipedia.org/wiki/Desenvolvimentismo. Acessado em 31 de
do sistema capitalista mundial. (MONIZ, 1975, pp.9–10). janeiro de 2008). Compondo o discurso oficial de alguns países
da América Latina, o desenvolvimentismo “[...] converteu-se em
2
Juscelino Kubitschek de Oliveira foi o presidente do Brasil de prática e diretriz de ação política de diversas regiões latino-amer-
31.01.1956 a 31.01.1961. icanas” (CASTRO, 2006, p. 151). A política desenvolvimentista é
parte inerente de economias capitalistas “[...] como no Brasil (gover-
3
Instrução da “Superintendência da Moeda e do Crédito (SU- no JK) e no governo militar, quando ocorreu o ‘milagre econômico
MOC)” foi baixada no governo de Café Filho, no início de 1955, brasileiro’, [...]”. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Desenvolvimentismo.
conforme Moniz (1975, p. 10). Acessado em 31 de janeiro de 2008).

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AULA 1 — A Perspectiva da Modernização Conservadora do Serviço Social

de articular a ação governamental com os interesses Segundo Netto (2006, p. 154), na erosão da base
dos grandes empresários” (IAMAMOTO, 2004, p. do Serviço Social tradicional, “a reflexão profissio-
77). Foram implantadas medidas de controle nas nal de desenvolveu em três direções”: a perspecti-
va modernizadora, a perspectiva da reatualização
[...] instituições oficiais, semioficiais ou privadas do conservadorismo e a perspectiva da intenção de
encarregadas de conduzir a política de controle ruptura. Foi assim o início da renovação do Serviço
global das finanças, da educação, da pesquisa cien- Social brasileiro.
tífica, da inovação tecnológica, dos meios de comu- O Serviço Social, na perspectiva modernizadora,
nicação em massa, do emprego extranacional das ajustou-se ao projeto econômico do governo mili-
políticas, das forças armadas e mesmo dos gover- tar. Na concepção da reatualização do conservado-
nos. (FERNANDES, 1981, p. 24) rismo, deu um novo formato a ele, e na perspectiva
da intenção de ruptura, pretendia romper com a sua
A título de exemplo, o autor cita os programas herança conservadora.
educacionais, de controle de natalidade, de inova- Netto (2006, pp. 152–153) também detectou três
ções tecnológicas que “[...] são projetados e aplica- momentos no processo de renovação:
dos sem consideração (ou com pouca considera- O primeiro, desencadeado na segunda metade
ção) pelas necessidades e potencialidades concretas dos anos 1960, foi marcado pelos seminários de te-
dos países receptores” (FERNANDES (1981, p. 25). orização do Serviço Social, promovidos pelo Centro
Pode-se concluir que os governos militares fizeram Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços
8
modificações na sociedade brasileira em benefício Sociais (CBCISS).
do “grande capital”. O segundo momento, além do CBCISS, que se
manifestou na década de 1970, incorporou as pro-
9
O PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO SERVIÇO duções teóricas dos cursos de pós-graduação.
SOCIAL O terceiro, que se desencadeou no início dos anos
O processo de renovação do Serviço Social de 1980, agregou aos dois anteriores a Associação
ocorreu na crise do Serviço Social tradicional, Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS)
que levou ao movimento de reconceituação ligada às agências de formação, e entidades ligadas
do Serviço Social latino-americano. A renovação do à categoria, como as associações profissionais, os
Serviço Social brasileiro é discutida no estudo de sindicatos, entre outros.
José Paulo Netto sobre o Serviço Social, depois da É possível dizer que, no Brasil, fatores como a luta
ditadura de 1964. dos subalternos contra a exploração e as manifesta-
No caso da América Latina, o movimento de re- ções pela democracia, ocorridas no período de 1960
conceituação do Serviço Social tradicional é “[...] a 1964, bem como o golpe militar de 1964 e a aber-
parte integrante do processo internacional de erosão
do Serviço Social tradicional [...]” (NETTO, 2006, p.
146).7 Isso quer dizer que o movimento de reconcei- 8
“Fundado em 1946 sob a denominação de Comitê Brasileiro
tuação foi uma resposta local à crise internacional do de Conferência Internacional do Serviço Social, e re-estrutura-
do em 1956 [...]”. Seu prestígio aumentou “[...] quando iniciou
Serviço Social. a publicação de sua revista Debates Sociais, que passou a con-
stituir o principal órgão de difusão de trabalhos na área”. (AM-
MANN, 184, p. 152)

7
Em resposta à crise e aos questionamentos dos movimentos 9
De fato, boa parte da produção divulgada no final dos anos
sociais acerca da sociedade burguesa e do Serviço Social tradi- 1970 já é fruto desses programas de pós-graduação, muito es-
cional, um grupo de assistentes sociais organizou o movimento pecialmente as teses defendidas nas Pontifícias Universidades
de Reconceituação do Serviço Social Latino-americano, que Católicas de São Paulo e do Rio de Janeiro. (NETTO, 2006, p.
ocorreu de 1965 a 1975 (tema do texto da aula 3). 153, nota de rodapé no 86)

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

tura política na crise da ditadura estão ligados ao extremamente articulada da ‘metodologia do Ser-
processo de renovação do Serviço Social. viço Social’, efetivamente a mais compatível com
a perspectiva modernizadora [...]” (NETTO, 2006,
A PERSPECTIVA MODERNIZADORA DO SERVIÇO p. 180).12
SOCIAL (SEGUNDA METADE DA DÉCADA Ele considera Dantas um profundo teorizador,
DE 1960) pois as suas elaborações teóricas e os cursos e as
Como foi dito, no contexto da ditadura, o Ser- conferências que ele proferiu atestam, “[...] indubi-
viço Social na perspectiva modernizadora ajustou- tavelmente, que ele foi o assistente social que mais
se ao projeto de governo para atender ao “grande apurou as concepções nucleares da modernização
capital”. do Serviço Social no Brasil” (NETTO, 2006, p. 181,
O Serviço Social “modernizou” a sua metodologia nota de rodapé no 140).
e os cursos para formar o profissional “moderno” De concepção funcionalista, Dantas “[...] era for-
para atuar nas instituições burguesas remodeladas temente influenciado pelas teses desenvolvimentis-
do regime militar:10 “[...] exige-se um assistente so- tas e do bem-estar social emanadas de agências in-
cial, ele mesmo, ‘moderno’ – com um desempenho ternacionais” (NETTO, 2006, p. 181, nota de rodapé
cujos traços ‘tradicionais’ são deslocados e substi- no 140).
tuídos por procedimentos ‘racionais’” (NETTO, Em relação à orientação que a teoria funciona-
p.123). Portanto, esse profissional moderno “[...] lista deu ao Serviço Social, Vicente de Paula Falei-
supõe uma formação bem diversa daquela que foi a ros associa a posição neutra do assistente social à
predominante até meados dos anos 1960.” (NETTO, “neutralidade” dos funcionalistas. Portanto, a “[...]
2006, p. 192). posição ideológica dos funcionalistas é a ‘neutrali-
Yasbek (1996) chama a atenção para a dificulda- dade’, que se manifesta no Serviço Social [...]” (FA-
de de se discutir a relação entre o Serviço Social e LEIROS, 1983, p. 22).
a sociedade no regime militar. Daí a ênfase que os O funcionalismo “[...] busca a integração do ho-
seminários de Araxá (1967) e de Teresópolis (1970) mem ao meio e tem como base o equilíbrio das ten-
deram à metodologia do Serviço Social. sões na unificação social de todos os papéis.” (FA-
A perspectiva modernizadora, segundo Netto LEIROS, 1983, p. 22). No referencial funcionalista, o
(2006, p. 164), foi discutida e proposta no Seminá- sistema deve funcionar na mais perfeita ordem, caso
rio de Araxá (1967), contudo, as ideias dessa pers- contrário as disfunções precisam ser corrigidas.
pectiva emergiram do I Seminário Regional Latino- A perspectiva modernizadora “[...] constitui –
Americano de Serviço Social, ocorrido em Porto Ale- sob todos os aspectos – a primeira expressão do
gre, em maio de 1965. processo de renovação do Serviço Social no Brasil”
O principal representante da perspectiva mo- (NETTO, 2006, p. 164).
dernizadora é José Lucena Dantas. Para o autor, A título de esclarecimento, a perspectiva da re-
Dantas11 “[...] ofereceu ao debate uma concepção atualização do conservadorismo e a perspectiva
da intenção de ruptura farão parte do conteúdo
da aula 2.
10
“Sinteticamente, o fato central é que, no curso deste pro-
cesso, mudou o perfil do profissional demandado pelo mer-
cado de trabalho que as condições novas postas pelo quadro
macroscópico da autocracia burguesa faziam emergir: [...].”
(NETTO, p. 123). Serviço Social, conforme Netto (2006, p. 181, nota de rodapé
no 140).
11
José Lucena Dantas desempenhou funções de relevo (1970-
1974) na Secretaria de Serviços Sociais do Governo do Distrito 12
Segundo Netto (2006, p. 181), José Lucena Dantas considera
Federal, de docência, trabalhou no Conselho Interamericano a metodologia de ação como “a parte central da Teoria Geral do
de Bem-Estar Social, dedicando-se também à teorização do Serviço Social”.

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AULA 1 — A Perspectiva da Modernização Conservadora do Serviço Social

O SEMINÁRIO DE ARAXÁ (MG) E O SEMINÁRIO O Seminário de Teresópolis


DE TERESÓPOLIS (RJ) Enquanto o Seminário de Araxá (1967) foi rea-
Durante a ditadura militar foram realizados dois lizado na cidade mineira, que é ornamentada pela
seminários de teorização do Serviço Social, o Semi- beleza da Serra da Bocaina, os participantes do Se-
nário de Araxá (MG) e o Seminário de Teresópolis minário de Teresópolis puderam desfrutar da paisa-
(RJ). O documento de Araxá, o de Teresópolis e o gem do Parque Nacional da Serra dos Órgãos.14
documento de Sumaré constam das publicações do Promovido pelo CBCISS, o II Seminário de Teo-
CBCISS (1986) e constituem uma importante fonte rização do Serviço Social, cujo tema era a metodo-
de pesquisa. A seguir, será feito um breve comentá- logia do Serviço Social, foi realizado de 10 a 17 de
rio sobre os referidos seminários. janeiro de 1970, em Teresópolis.
A ditadura exigia que o profissional fosse prepa-
O Seminário de Araxá rado para atuar nas instituições que foram adapta-
15
Segundo Netto (2006, p. 164), o I Seminário de das ao projeto da autocracia burguesa, vinculado
Teorização do Serviço Social foi realizado em Araxá ao capital internacional. Nesse sentido, Teresópolis
(MG), no período de 19 a 26 de março de 1967. En- situa o assistente social como um “funcionário do
tre outros temas, o documento de Araxá, publicado desenvolvimento”, afirma Netto (2006, p. 192).
pelo CBCISS (1986, p. 32) trata dos níveis da micro- Para isso, as formulações de Teresópolis “[...]
atuação e da macroatuação do Serviço Social. apontam para a requalificação profissional do as-
O nível da microatuação discute a prática pro- sistente social, definem nitidamente o perfil socio-
fissional voltada para a prestação de serviços dire- técnico da profissão e a inscrevem conclusivamente
tos. Para tanto, o “[...] Serviço Social, como técnica, no circuito da ‘modernização conservadora’ [...]”
dispõe de uma metodologia de ação que utiliza di- (NETTO, 2006, p. 192).
versos processos” (CBCISS 1986, p. 30). São os pro- As elaborações que constam dos documentos de
cessos de caso, grupo, comunidade e trabalho com Araxá e de Teresópolis objetivavam instrumentali-
a população. zar o assistente social para responder às demandas
Na macroatuação, o Serviço Social está voltado do regime ditatorial; por isso, não buscavam uma
para a política e o planejamento. “Essa integra- nova organização para a sociedade.
ção supõe a participação no planejamento, na im-
plantação e na melhor utilização da infraestrutura
14
A área do Parque Nacional da Serra dos Órgãos abrange os
social”13 (CBCISS, 1986, p. 31). municípios de Teresópolis, Petrópolis, Magé e Guapimirim, no
Para Netto (2006, p. 172) há “um exagero da pro- Estado do Rio de Janeiro.
posta”. Contudo, ele reconhece nela a “[...] recusa em 15
A burguesia brasileira possui algumas características próprias.
limitar-se às funções executivas terminais, em torno Segundo Madson (2001), na concepção de Florestan Fernandes,
das quais historicamente centralizaram-se a práti- a burguesia brasileira (sem tender para a democratização) é de-
pendente e autoritária. Essa dependência possibilitou o desen-
ca profissional e a meridiana indicação dos novos volvimento capitalista e a sua dominação. “A dominação bur-
papéis profissionais”. De fato, o assistente social, ao guesa no Brasil é autocrática”, quer dizer, a burguesia deixou
participar “da política e do planejamento para o de- de fora a população.
Para Cardoso (1994, 1995), as formas de dominação aconte-
senvolvimento”, deixa de atuar apenas na execução. ceram desde as relações mais simples até aquelas de âmbitos
maiores: no caso do Brasil, desde as relações internas estabele-
cidas entre a classe dominante e a população até a relação dos
Estados Unidos com o governo brasileiro.
Nesse tipo de regime, a burguesia dos países periféricos esta-
beleceu com a burguesia hegemônica uma relação de “parceria
13
A infraestrutura social é aqui entendida como “facilidades subordinada” e uma relação de opressão e de exploração “[...]
básicas, programas para saúde, educação, habitação, educação e com as demais classes e agrupamentos sociais” (CARDOSO,
serviços sociais fundamentais [...]” (CBCISS, 1986, p. 32). 1994, 1995, p. 7).

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

■■ Concluindo CBCISS (1986) que discutiram a metodologia do


Nos anos de 1950, a economia brasileira registra- Serviço Social.
va “alta concentração monopolística”. O governo de As elaborações que constam dos documentos de
Juscelino Kubitschek de Oliveira, por exemplo, apri- Araxá e de Teresópolis objetivavam instrumentali-
morou a “Instrução 113 da Sumoc”, que massacrou zar o assistente social para responder às demandas
o empresariado nacional e instituiu um regime de do regime ditatorial; por isso, não buscavam uma
privilégios para capitalistas americanos. nova organização para a sociedade.
A burguesia nacional entrou em crise por pressão
das empresas de capital monopolista mundial com ■■ Atividade
interesse no Brasil, da burguesia local (que resistia a Leia o texto da aula 1 e desenvolva as seguintes
mudanças) e dos trabalhadores. questões:
Essa crise foi resolvida com o regime militar, 1. Fale sobre a implantação das empresas de capi-
que apoiou a concentração do capital, proibiu o tal internacional no Brasil.
sindicalismo,“suprimiu os focos de resistência” e 2. Como se deu o processo de renovação do Ser-
agravou a exploração do trabalhador. viço Social no Brasil?
Os governos militares beneficiaram o “grande 3. Quais os três momentos de reflexão profissio-
capital”, articulando a ação governamental com os nal que Netto (2006) detectou?
interesses dos grandes empresários. 4. Como você compreendeu a perspectiva da mo-
Quando foi “erodida a base do Serviço Social tra- dernização conservadora (segunda metade da déca-
dicional”, iniciou-se a renovação do Serviço Social da de 1960)?
brasileiro a partir de três perspectivas: a moderniza- 5. Quem foi o principal representante da pers-
dora, a de reatualização do conservadorismo e a da pectiva da modernização conservadora na visão de
intenção de ruptura. Netto (2006)?
O Serviço Social na perspectiva modernizadora 6. Destaque os pontos importantes do Seminário
“modernizou” a metodologia e a formação acadê- de Araxá e do Seminário de Teresópolis.
mica para atuar nas instituições burguesas remode-
ladas do regime militar.
A perspectiva modernizadora foi discutida e pro-
** ANOTAÇÕES
posta no Seminário de Araxá (1967), mas as suas
ideias emergiram do I Seminário Regional Latino-
Americano de Serviço Social, ocorrido em Porto
Alegre, em maio de 1965. Essa perspectiva é “a pri-
meira expressão do processo de renovação do Servi-
ço Social no Brasil”.
O principal representante da modernização con-
servadora é José Lucena Dantas. Ele orientou-se pela
teoria funcionalista, que prevê o funcionamento do
sistema na mais perfeita ordem, caso contrário, as
disfunções precisam ser corrigidas.
Durante a ditadura militar foram realizados dois
seminários de teorização do Serviço Social, o Semi-
nário de Araxá (MG) e o Seminário de Teresópolis
(RJ). O documento de Araxá, o de Teresópolis e o
documento de Sumaré constam das publicações do

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AULA 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva da Intenção de Ruptura

AULA

Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social


A Perspectiva da Reatualização
do Conservadorismo do Serviço Social
e a Perspectiva da Intenção de Ruptura
■■ Conteúdo
• Os rumos do Serviço Social brasileiro na vigência do regime militar de 1964
• A perspectiva da reatualização do conservadorismo (década de 1970)
• A perspectiva da intenção de ruptura, do início (década de 1980)
• Considerações acerca do Seminário de Sumaré (1978) e do Seminário do Alto da Boa Vista
(1984)

■■ Competências e habilidades
• Compreender a emergência da perspectiva da intenção de ruptura e da perspectiva da rea-
tualização do conservadorismo no Serviço Social
• Associar as manifestações da sociedade que ocorreram na primeira metade da década de
1960 com o Serviço Social
• Compreender o sentido da perspectiva da reatualização do conservadorismo do Serviço
Social
• Reconhecer o “Método BH” como proposta teórico-metodológica

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
• 2 h-a – via satélite com professor interativo
• 2 h-a – presenciais com professor local
• 6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO a perspectiva da intenção de ruptura com as formas


Dando continuidade à reflexão sobre o processo tradicionais do Serviço Social. A obra em referência
de renovação do Serviço Social, este texto aborda a é a Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço
perspectiva da reatualização do conservadorismo e Social no Brasil pós-64, de José Paulo Netto.

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

OS RUMOS DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO seu deslocamento da arena central do debate e da


NA VIGÊNCIA DO REGIME MILITAR DE 1964 polêmica” (NETTO, 2006, p. 194).
A crise da ditadura, depois de meados dos anos Na sequência, serão feitas algumas considerações
1970, contribuiu para que a perspectiva moderniza- sobre a perspectiva da reatualização do conservado-
dora do Serviço Social perdesse a sua hegemonia. rismo e a perspectiva da intenção de ruptura.
O mesmo regime que moldou a perspectiva
modernizadora,1 fazia emergir posições contes- A PERSPECTIVA DA REATUALIZAÇÃO
tadoras, criando “[...] um espaço onde se inscre- DO CONSERVADORISMO (DÉCADA DE 1970)
via a possibilidade de se gestarem alternativas às Segundo Netto (2006, p. 201), foi no marco do
práticas e às concepções profissionais que ela de- Seminário de Sumaré (1978) e no Seminário do Alto
mandava” (NETTO, 2006, p. 129). da Boa Vista (1984) “que se explicitou” a perspectiva
O autor distingue dois aspectos da perspectiva da reatualização do conservadorismo. Ela foi “[...]
modernizadora. De um lado, “[...] seu conteúdo expressa primeiramente na tese de livre-docência de
reformista (recorde-se que ela incorpora o vetor Anna Augusta de Almeida (1978), texto base nesta
do reformismo próprio ao conservantismo bur- perspectiva [...]”, intitulada a “nova proposta”.
guês) [...]” não foi incorporado pelos assistentes Foi significativa a preocupação dos teóricos da
sociais mais tradicionais. (NETTO, 2006, p. 156).2 perspectiva da reatualização do conservadorismo
De outro, “[...] seu traço conservador e sua co- em buscar um suporte metodológico na fenome-
lagem à ditadura incompatibilizaram-na com os nologia. Antes disso, a fenomenologia não era co-
segmentos profissionais críticos [...]” (NETTO, nhecida no meio profissional, é o que indica Netto
2006, p. 161). Isso resultou nas outras duas dire- (2006, p. 208-209).
ções do processo de renovação do Serviço Social, Esses teóricos não se apoiaram na teoria positivis-
discutidas por Netto (2006, p. 194): a perspectiva ta e na teoria marxista, mas na teoria fenomenológi-
da reatualização do conservadorismo e a perspec- ca. No que se refere à abordagem positivista, o autor
tiva da intenção da ruptura.3 faz a seguinte observação: “[...] ao ‘pensamento cau-
De fato, a ditadura não manteve a hegemonia da sal’ quer substituir-se ‘um pensamento não causal,
perspectiva modernizadora, visto que não agregou o fenomenológico, cujo quadro de referência não
os assistentes sociais. Por outra parte, a perspecti- é a explicação, mas a compreensão’” (CARVALHO,
va da reatualização do conservadorismo e a pers- 1987. Citado por NETTO, 2006, p. 205).
pectiva da intenção de ruptura não conseguiram Em relação à abordagem marxista, Anna Augusta
extinguir a perspectiva modernizadora. Nas pala- de Almeida e outros autores da perspectiva da re-
vras do autor, “[...] o que de fato se registra é o atualização do conservadorismo não vislumbram
mudanças na organização da sociedade.4 Almeida
“[...] nada incorpora das problemáticas relativas às
1
A primeira direção da renovação do Serviço Social foi a per-
lutas de classes, às formas de manipulação ideológi-
spectiva modernizadora. ca, aos modos de controle das classes subalternas, à
divisão social e técnica do trabalho, ao Estado [...]”
2
“Este segmento de vinculação católica privilegia os componen-
tes mais conservadores da tradição profissional e mostra-se refra- (NETTO, 2006, p. 229).
tário às inovações introduzidas pela perspectiva modernizadora Sem discutir as causas, nem os conflitos de classe,
[...]” (NETTO, 2006, p. 156-157).
a perspectiva da reatualização do conservadorismo
3
Enquanto a perspectiva da reatualização do conservadorismo
era menos afeita a mudanças sociais, pois almejava tão somente
um novo jeito de fazer profissional, a perspectiva da intenção 4
A própria denominação é cuidadosa ao reafirmar que, nessa
da ruptura, sim, vislumbrava romper com o conservadorismo vertente do Serviço Social, foi feita, apenas, uma reatualização
do Serviço Social. do conservadorismo.

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AULA 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva...

trouxe à tona elementos do conservadorismo e do pertinentes às classes exploradas e subalternas.


pensamento católico, imprimindo-lhe um novo (NETTO, 2006, p. 256)
formato. Para Anna Augusta de Almeida, os valores
são calcados “[...] por uma fenomenologia existen- O autor enfatiza a importância desse momento
cial e por uma ética cristã motivante (ALMEIDA, da sociedade brasileira para a intenção de ruptura:
1978:11) [...]” (NETTO, 2006, p. 205). “[...] Sociopolítica e historicamente, esta perspec-
Anna Augusta de Almeida é a responsável pela tiva é impensável sem o processo que se precipita
“[...] formulação seminal desta vertente no processo de 1961 a 1964 – e é abortada em abril – no plano
de renovação do Serviço Social no Brasil” (NETTO, também profissional, é ali que ela encontra os seus
2006, p. 227). suportes sociais” (NETTO, 2006, p. 257).
O autor chama a atenção para o uso de fontes se- Os assistentes sociais, portanto, que fizeram a
cundárias. Mas, cuidadosamente, ele sublinha que opção política de trabalhar em favor dos explora-
somente “[...] Carvalho (1987) se aproxima de uma dos e subalternos, conceberam as primeiras ideias
fonte original – Merleau-Ponty – da qual recolhe da perspectiva da intenção de ruptura:
o que lhe parece pertinente para os seus objetivos, Netto (2006, p. 261) apreendeu três momentos
num processo seletivo [...]” (NETTO, 2006, p. 212). dessa perspectiva: a) o momento da emersão da
Segundo ele, no documento de Sumaré consta que intenção de ruptura; b) o momento da conso-
há uma ou duas referências clássicas, nas demais, é lidação acadêmica da intenção de ruptura; e c) o
comum o uso das fontes secundárias. momento do espalhamento da intenção de ruptura
É preciso lembrar que docentes encaminham no âmbito da categoria profissional.
suas pesquisas na perspectiva da reatualização do
conservadorismo, assim como profissionais, nela, O momento da emersão da intenção de ruptura
ancoram suas práticas. (de 1972 a 1975)
Segundo ele, a perspectiva da intenção de ruptu-
A PERSPECTIVA DA INTENÇÃO DE RUPTURA ra emergiu com o grupo da Escola de Serviço So-
(DÉCADA DE 1980) cial da Universidade Católica de Minas Gerais, de
Como a proposta da perspectiva da intenção de 1972 a 1975. Apesar da repressão militar, as ideias
ruptura é romper com as práticas tradicionais do da intenção de ruptura se desenvolveram nessa es-
Serviço Social, vinculadas aos interesses da classe cola mineira.
dominante, ela discute a relação entre o Serviço So- Sob a liderança de Leila Lima dos Santos (diretora
cial e a sociedade capitalista. da escola) e Ana Maria Quiroga, o grupo elaborou o
Nas palavras do autor, ela queria “[...] romper “Método Belo Horizonte”, conhecido por “Método
com o passado conservador do Serviço Social e os BH”, um trabalho de crítica teórico-prática ao tradi-
indicativos prático-profissionais para consumá-la” cionalismo. O “Método BH” foi considerado
(NETTO, 2006, p. 161). Ela foi manifestada no âm-
bito dos movimentos democráticos e das classes [...] a primeira elaboração cuidadosa, no país, sob
exploradas e subalternas, do início dos anos 1960, a autocracia burguesa, de uma proposta profissio-
quando nal alternativa ao tradicionalismo preocupada em
atender a critérios teóricos, metodológicos e inter-
[...] o Serviço Social – de forma visível, pela pri- ventivos capazes de aportar ao Serviço Social uma
meira vez – vulnerabilizava-se a vontades sociais fundamentação orgânica e sistemática, articulada
(de classe) que indicavam a criação, no mar- a partir de uma angulação que pretendia expressar
co profissional, de núcleos capazes de intervir os interesses históricos das classes e camadas ex-
no sentido de vinculá-lo a projeções societárias ploradas e subalternas. (NETTO, 2006, p. 275)

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

Tal importância conferida ao movimento não foi dutas desviadas” (Análise histórica... p. 6-7 apud.
suficiente para impedir a demissão dos principais NETTO, 2006, p. 278).
formuladores e gestores do “Método BH”, interrom- Serão destacados alguns aspectos das considera-
pendo de novo o projeto da intenção de ruptura. ções que o autor faz sobre Leila Lima dos Santos e
Efetivamente, a demissão desmantelou o grupo, Vicente de Paula Faleiros.
mas não conseguiu extinguir o movimento.
Embora tenha sido uma experiência isolada, em Leila Lima dos Santos
plena ditadura, o “Método BH” contribuiu para a Primeiramente vale dizer que Leila Lima dos San-
implementação da perspectiva da intenção de rup- tos e Vicente de Paula Faleiros tiveram participação
tura, pois foi ele que estabeleceu “[...] no final da relevante “[...] no momento em que a perspectiva
década, as bases para a retomada da crítica ao tra- da ruptura, consolidada, desborda os circuitos aca-
dicionalismo [...]” (NETTO, 2006, p. 270). dêmicos e rebate no conjunto da categoria profis-
Com este grupo, “[...] a intenção de ruptura se ex- sional” (NETTO, 2006, p. 271).
plicita originalmente em nosso país, assumindo uma Leila Lima dos Santos “[...] exerceu um papel
formulação abrangente que até hoje se revela uma ar- central no experimento de Belo Horizonte [...]”.
quitetura ímpar” (NETTO, 2006, p. 261). Como foi mencionado, o “Método BH”, formulado
Como bem diz Netto (2006, p. 270), na década durante o regime militar, teve singular importância
de 1970 não havia condições institucionais para para a perspectiva da intenção de ruptura e para o
implementar o projeto da intenção de ruptura. Na Serviço Social brasileiro.
verdade, segundo Netto (2006, p. 258), a perspecti- Demitida da escola de Belo Horizonte, Leila Lima
va da intenção de ruptura só pôde expressar-se na dos Santos atuou no Centro Latinoamericano de
crise da autocracia burguesa. Trabajo Social (CELATS)5 até a metade da década de
1980. Lá, ela fez reflexões críticas acerca da proposta
Alguns registros sobre o “Método BH” de Belo Horizonte, destacando entre outros pontos
Para Netto (2006, pp. 276–277 ) o “Método BH” “[...] a compreensão do papel da categoria profis-
constituiu um marco para o Serviço Social, uma al- sional como espaço para a redefinição do Serviço
ternativa global ao Serviço Social tradicional. Pois Social” (NETTO, 2006, p. 272).
o grupo que elaborou o “Método BH” não se ateve
em fazer apenas uma crítica ao Serviço Social tra- Vicente de Paula Faleiros
dicional, suas formulações dirigidas às concepções Vicente de Paula Faleiros destacou-se, também,
e às práticas do Serviço Social deram “[...] suportes pela preocupação em buscar referenciais críticos
acadêmicos para a formação dos quadros técnicos para a prática cotidiana dos assistentes sociais. Para
e para a intervenção do Serviço Social”. tanto, Vicente Faleiros “[...] procura fundar o pro-
Dentre as críticas ao tradicionalismo do Serviço jeto de ruptura no domínio do fazer profissional a
Social, o documento (1974) do “Método BH” re- partir de uma análise das conexões entre dinâmica
gistrou a neutralidade do Serviço Social (no fundo social e dinâmica institucional e das correlações de
expressa um certo comprometimento da profissão força [...]” (NETTO, 2006, p. 273).
com os interesses conservadores); a departamen-
talização da realidade, e a fragmentação dos fenô-
5
O CELATS foi criado pela Asociación Latinoamericana de Es-
menos sociais, que separa realidade social e grupos
cuelas de Trabajo Social (ALAETS), como seu organismo aca-
sociais, sociedade e homens, sujeito e objeto. dêmico. Fundada no Panamá, em 1965, a ALAETS e o CELATS
O documento reafirmou que o Serviço Social exercem influência no trabalho social dos países do continente.
(Seno A. Cornely. Disponível em: http://www.pucrs.br/textos/
tradicional está voltado para “[...] eliminar as dis- anteriores/ano1/memorias02.pdf. Acessado em 1o de dezembro
funções, os problemas de desadaptação, as con- de 2006).

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AULA 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva...

Ele é autor de uma bibliografia considerável so- Segundo Netto (2006, p. 264), até o início da década
bre o Serviço Social. Dentre outros trabalhos, publi- de 1980, as pesquisas na perspectiva da intenção de
cou Trabajo Social: Ideologia y Método, no seu exílio ruptura ainda não se pautavam nas fontes originais
(ditadura militar) em Buenos Aires, Argentina, em do marxismo, apesar do seu rigor intelectual.
1970. Este livro trouxe contribuições para a perspec- Por isso, as pesquisas realizadas com base nas
tiva da intenção de ruptura e para o Serviço Social fontes teórico-metodológicas originais do marxis-
brasileiro, mas circulou no Brasil, discretamente, mo clássico representavam um avanço. “Tipificam
durante o regime militar. esse momento os trabalhos de Iamamoto (1982) e
Carvalho (1986)” (NETTO, 2006, p. 269, nota de
O momento da consolidação acadêmica rodapé no 322).
da intenção de ruptura (final dos anos Vale registrar que a crítica às principais propostas
1970 e início dos anos 1980) de renovação profissional foi influenciada por Mi-
No final da década de 1970 e primeiro terço da riam Limoeiro Cardoso. “O [...] seu saldo positivo
década de 1980, as universidades apresentavam al- [...] foi recolocar no centro do debate profissional o
guns trabalhos de conclusão de pós-graduação6 e de projeto da ruptura [...]” (NETTO, 2006, p. 265).
ensaios sobre a intenção de ruptura. Despontavam As universidades tiveram um papel especial na
as faculdades7 do Rio de Janeiro, de São Paulo e de construção do arcabouço teórico e metodológico
Campina Grande, conforme Netto (2006, p. 264).8 da perspectiva da intenção de ruptura, pois, ali, o
Os três primeiros anos da década de 1980 trans- controle do regime era menos rígido, se comparado
correram de forma diferente: ao que era exercido em outras instituições.
Ao contrário do momento de emersão da pers-
pectiva da intenção de ruptura – claramente loca- Marilda Villela Iamamoto
lizada em Belo Horizonte e com suas formulações De acordo com Netto (2006, p. 299), Marilda Vil-
claramente reduzidas às da escola mineira – o que lela Iamamoto “[...] visualiza na sua evolução, duas
então se passa pluraliza os núcleos de aglutinação vertentes profissionais – a modernizadora e a que
dos pesquisadores e tem um efeito óbvio, na me- pretende uma ruptura com a herança conservadora
dida em que os protagonistas vinham de diferentes do Serviço Social”. Com relação ao significado que a
regiões do país e a elas frequentemente retornavam. autora deu à primeira, confira na transcrição abaixo:
(NETTO, 2006, p. 264, nota de rodapé no 312)
Nesse momento, as elaborações teóricas benefi- [...] o que a vertente modernizadora do Serviço So-
ciaram-se da produção teórica anterior, da crise na cial no Brasil faz, no pós-64, é atualizar a herança
ditadura e do movimento de abertura da sociedade. conservadora da profissão, de forma a adequá-la ‘às
novas estratégias de controle e repressão da classe
trabalhadora, efetivadas pelo Estado e pelo gran-
6
“No Brasil, a pós-graduação é oficialmente implantada em
de capital, para atender às exigências da política
1972, pelas Pontifícias Universidades Católicas do Rio de Ja-
neiro e de São Paulo.” (AMMANN, 1984, p. 157). de desenvolvimento com segurança’. (Iamamoto,
1982:213 apud NETTO, 2006, p. 299)
7
As universidades que ofereciam pós-graduação na década de
1970 são a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e
a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1972), a Pon- Assim, Marilda Villela Iamamoto mostra os
tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e a Universi-
vínculos do Serviço Social com o Estado e com
dade Federal do Rio de Janeiro (1976 e 1977), dentre outras.
o grande capital, na vertente modernizadora. O
8
Desde 1966, a Universidade Federal do Rio de Janeiro oferecia autor destaca que Marilda Villela Iamamoto “[...]
cursos de aperfeiçoamento e especialização, cujos alunos proce-
diam em grande parte dos quadros docentes das universidades participou em alguma medida da experiência da
brasileiras (AMMANN, 1984, p. 157). escola de Belo Horizonte: ali ela iniciou a sua car-

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

reira docente, depois transitoriamente interrompi- Conforme Netto (2006, p. 267, nota de rodapé, no
da pela repressão militar-fascista” (NETTO, 2006, 318), as escolas de Serviço Social implantaram seu
p. 275, nota no 345). currículo mínimo utilizando referências dessa pers-
A produção teórica de Marilda Villela Iamamo- pectiva; a ABESS, que depois de 1982 empenhou-se
to influencia os assistentes sociais e “[...] configura numa formação crítica ao tradicionalismo; e outras
a primeira incorporação bem-sucedida, no debate entidades.
brasileiro, da fonte clássica da tradição marxiana Merece registro o lançamento da Revista Servi-
para a compreensão profissional do Serviço Social” ço Social e Sociedade, editada pela Cortez, em 1979,
(NETTO, 2006, p. 276). “uma das mais importantes revistas profissionais do
Antes do trabalho dessa autora, as pesquisas não continente”, que publicou grande parte dos textos
eram feitas com base em fontes originais, mas em na perspectiva da intenção de ruptura.
autores que tratavam do marxismo. Ainda confor- O avanço dessa perspectiva é visível nas contri-
me Netto (2006, p. 276), a teoria de Marilda Villela buições teóricas que desvelaram e desvelam o Ser-
Iamamoto foi essencial para a consolidação da pro- viço Social brasileiro e latino-americano, pautadas
posta brasileira da intenção de ruptura. em fontes originais. São produções teóricas que
Cabe registrar o seguinte fato citado por José vão das origens da profissão até o Serviço Social na
Paulo Netto na obra da autora Renovação e con- sua contemporaneidade, sem contar, ainda, outros
servadorismo no serviço social: ensaios críticos: a eventos que a ela se reportam.
professora Marilda Villela Iamamoto participou Convém registrar o “[...] flagrante hiato entre a
do movimento estudantil nos anos 1960 e expe- intenção de romper com o passado conservador do
rimentou na década de 1970 “[...] a tortura nos Serviço Social e os indicativos práticos profissionais
porões da ditadura, a prisão e o ostracismo” (IA- para consumá-la” (NETTO, 2006, p. 161). Mas, Net-
MAMOTO, 2004, p. 10). Marilda Villela Iamamo- to (2006, p. 161) reafirma o acúmulo teórico dessa
to, Raul de Carvalho, José Paulo Netto, Manuel perspectiva que ajuda a pensar a profissão, além de
Manrique de Castro, Vicente de Paula Faleiros, qualificar o debate acadêmico.
Leila Lima dos Santos e outros autores, com base
em fontes originais, discutira o Serviço Social na CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SEMINÁRIO
perspectiva da intenção de ruptura. DE SUMARÉ (1978) E DO SEMINÁRIO DO ALTO
DA BOA VISTA (1984)
O momento do espalhamento da intenção Como foi dito, no marco do Seminário de Su-
de ruptura no âmbito da categoria profissional maré (1978) e do Seminário do Alto da Boa Vista
(de 1982 a 1983) (1984) “[...] se explicitou a segunda direção do pro-
No período de 1982 e 1983, o debate do Serviço cesso renovador [...]”, a perspectiva da reatualização
Social na perspectiva da intenção de ruptura esten- do conservadorismo (NETTO, 2006, p. 201).
deu-se para o conjunto dos profissionais. Confira Mais especificamente, a perspectiva da reatuali-
na transcrição abaixo: zação do conservadorismo e a perspectiva da inten-
ção de ruptura foram discutidas no Seminário de
O fato é que a incidência do projeto da ruptura, a Sumaré (1978), promovido pelo CBCISS.
partir do segundo terço da década de 1980, penetra O III Seminário de Teorização do Serviço Social
e informa os debates da categoria profissional, dá o foi realizado no Centro de Estudos de Sumaré, da
tom da sua produção intelectual, rebate na forma- Arquidiocese do Rio de Janeiro, de 20 a 24 de no-
ção de quadros operada nas agências acadêmicas de vembro de 1978, tendo por tema: o Serviço Social e
ponta e atinge as organizações representativas dos a cientificidade; o Serviço Social e a fenomenologia;
assistentes sociais. (NETTO, 2006, p. 267) bem como o Serviço Social e a Dialética.

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AULA 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva...

O Seminário do Alto da Boa Vista (1984), como e/ou das classes exploradas e subalternas, do início
observa Netto (2006, p. 194), foi realizado no Colé- dos anos 1960.
gio Coração de Jesus, no Rio de Janeiro. Os assistentes sociais, portanto, que fizeram a op-
Comparando os dois primeiros seminários com ção política de trabalhar em favor dos explorados
os dois últimos, Netto (2006, p. 197) chama a aten- e subalternos, conceberam as primeiras ideias da
ção para os seminários de Araxá (1967) e de Teresó- perspectiva da intenção de ruptura. Mas esse pro-
polis (1970), que possibilitavam o diálogo. cesso foi interrompido com o golpe de 1964.
É importante, ainda, verificar que conforme Essa perspectiva emergiu de 1972 a 1975, com a
a ditadura ia entrando em crise, a perspectiva da experiência do grupo da Escola de Serviço Social da
modernização conservadora, regida pelo funciona- Universidade Católica de Minas Gerais, que desen-
lismo, perdia a sua hegemonia, tanto é que o Semi- volveu o “Método BH”, durante a ditadura. O “Mé-
nário de Sumaré abriu o debate para duas teorias todo BH” é um trabalho de crítica teórico-prática
do conhecimento, a fenomenologia e o marxismo. ao tradicionalismo.
A consolidação acadêmica da intenção de rup-
■■ Concluindo tura se deu no final da década de 1970 e primeiro
A crise da ditadura, depois de meados dos anos terço da década de 1980, quando as universidades
1970, contribuiu para que a perspectiva moderniza- apresentavam alguns trabalhos de conclusão de pós-
dora perdesse a sua hegemonia. graduação e de ensaios sobre a intenção de ruptura.
Tanto o seu reformismo não foi incorporado pe- Despontavam as faculdades do Rio, de São Paulo e
los assistentes sociais mais tradicionais, como o seu de Campina Grande.
conservadorismo atrelado à ditadura não atendeu Nesse momento, as elaborações teóricas benefi-
aos segmentos profissionais críticos. ciaram-se da produção teórica anterior, da crise na
Isso resultou na formação de outras duas dire- ditadura e do movimento de abertura da sociedade.
ções do processo de renovação do Serviço Social: a Até o início da década de 1980, as pesquisas na pers-
perspectiva da reatualização do conservadorismo e pectiva da intenção de ruptura ainda não se pau-
a perspectiva da intenção da ruptura, discutidas no tavam nas fontes originais do marxismo, apesar do
Seminário de Sumaré (1978). seu rigor intelectual.
A principal representante da perspectiva da rea- Por isso, as pesquisas realizadas com base nas
tualização do conservadorismo foi Anna Augusta de fontes teórico-metodológicas originais do marxis-
Almeida. Os teóricos não se apoiaram na aborda- mo clássico representavam um avanço.
gem positivista e na marxista, mas na abordagem O espalhamento da intenção de ruptura ocorreu
fenomenológica. As pesquisas de Anna Augusta de de 1982 a 1983, quando o debate do Serviço Social
Almeida e de outros autores que discutiram o Servi- na perspectiva da intenção de ruptura estendeu-se
ço Social na perspectiva da reatualização do conser- para o conjunto dos profissionais.
vadorismo não vislumbraram mudanças na organi- O avanço dessa perspectiva é visível nas contri-
zação da sociedade. buições teóricas que desvelaram o Serviço Social
Sem discutir as causas, nem os conflitos, a brasileiro e latino-americano, pautadas em fontes
perspectiva da reatualização do conservadorismo originais. São produções teóricas que vão das ori-
trouxe à tona elementos do conservadorismo e do gens da profissão até o Serviço Social na sua con-
pensamento católico, imprimindo-lhe um novo temporaneidade, sem contar, ainda, outros eventos
formato. que a ela se reportam. Mas ainda se observa uma
A perspectiva da intenção de ruptura discute a distância entre “a intenção de romper com o pas-
relação entre o Serviço Social e a sociedade e se ma- sado conservador do Serviço Social e os indicativos
nifestou no âmbito dos movimentos democráticos práticos profissionais para consumá-la”.

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

■■ Atividades 6. Como se deu a manifestação da intenção de


Leia o texto da aula 2 e desenvolva as seguintes ruptura?
questões: 7. Em que consiste o “Método BH”?
1. Quais os rumos que o Serviço Social tomou no 8. Qual é o papel de Leila Lima dos Santos em
regime militar de 1964? relação ao “Método BH”?
2. Em que Seminário de Teorização foi discutida 9. O que Vicente de Paula Faleiros enfatizou em
a segunda direção da renovação do Serviço Social? relação à perspectiva da intenção de ruptura?
Quais as vertentes que compõem a segunda direção 10. Em que período se deu a consolidação pers-
do processo renovador do Serviço Social? pectiva da intenção de ruptura? Quais os fatos im-
3. Qual era a preocupação que os teóricos tive- portantes do processo de consolidação da intenção
ram ao formular a perspectiva da reatualização do de ruptura?
conservadorismo? 11. Quais os pontos que o texto destacou do estu-
4. Destaque alguns pontos da proposta de Anna do que Netto (2006) faz sobre a pesquisadora Maril-
Augusta de Almeida, representante da perspectiva da Villela Iamamoto?
da reatualização do conservadorismo. 12. Quais os pontos que o texto destacou so-
5. Quais os fatores citados por Netto (2006) que bre o estudo que Netto (2006) faz sobre o espa-
ligam a concepção das primeiras ideias da perspec- lhamento da perspectiva da intenção de ruptura
tiva da intenção de ruptura ao cenário brasileiro e entre os profissionais do Serviço Social (de 1982
internacional? a 1983)?

** ANOTAÇÕES

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AULA 3 — O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina

Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social


AULA

3
O Movimento de Reconceituação
do Serviço Social na América Latina

■■ Conteúdo
• Alguns fatores da dependência latino-americana no pós II Guerra Mundial
• Intercâmbio do Serviço Social Latino-americano com o Serviço Social norte-americano
• Movimento de reconceituação do Serviço Social no Brasil

■■ Competências e habilidades
• Compreender o movimento histórico de reconceituação do Serviço Social latino-americano
nas especificidades brasileiras
• Associar a política desenvolvimentista às formas de realização do Serviço Social latino-ame-
ricano
• Reconhecer como o regime militar vigente à época e a divergência do grupo de assistentes
sociais dificultaram a realização do movimento da reconceituação

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO
O texto desta aula trata do movimento de recon- volvimentista para o Serviço Social latino-america-
ceituação do Serviço Social na América Latina, que no. Ressalta o texto que as imposições dessa política
ocorreu em decorrência da crise internacional do também motivaram a organização do movimento
Serviço Social tradicional. O texto, ainda, traz ob- de reconceituação do Serviço Social, que contestava
servações acerca das implicações da política desen- essa dominação.

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

A obra em referência é O Serviço Social na con- de ditadura militar, é o que indica Faleiros (2006,
temporaneidade: trabalho e formação profissional, de p. 142).2
Marilda Villela Iamamoto.
INTERCÂMBIO DO SERVIÇO SOCIAL LATINO-
ALGUNS FATORES DA DEPENDÊNCIA LATINO- AMERICANO COM O SERVIÇO SOCIAL NORTE-
AMERICANA NO PÓS SEGUNDA GUERRA AMERICANO
MUNDIAL Com base nos textos pesquisados, serão desta-
Segundo Faleiros (1983, p. 21), na década de 1940, cados dois intercâmbios do Serviço Social latino-
os Estados Unidos estabeleceram uma aliança com a americano com o Serviço Social norte-americano:
América Latina para que ela fornecesse matéria-pri- um que se deu no âmbito da formação acadêmica e
ma e mercado para os produtos norte-americanos. o outro, no âmbito de programas internacionais.
Nas décadas de 1960 a 1980, a América Latina pas- O primeiro foi efetivado com a participação de
sou por um “[...] processo de mobilização popular- diretores de escolas de Serviço Social da América
reforma e autoritarismo político [...]” (FALEIROS, Latina, na Conferência Nacional de Serviço Social
2006, p. 141). No Brasil, por exemplo, ocorreram (1941),3 citada por Yasbek (1988, p. 49). Nesse even-
manifestações pela democracia e em favor das clas- to, instituições norte-americanas ofereceram aos
ses subalternas que foram duramente rechaçadas assistentes sociais sul-americanos bolsas de estudo
pelo golpe de abril de 1964. Mas quando a ditadura para aperfeiçoamento e especialização em escolas
entrou em crise, a sociedade civil pôde voltar à cena norte-americanas.
brasileira. A autora conclui que o intercâmbio do Serviço
No caso das pressões exercidas pelos movimentos Social latino-americano com o norte-americano
sociais, o autor faz a seguinte colocação: “[...] as classes começou com as bolsistas. À época, ocorriam algu-
dominantes ou suas frações hegemônicas respondiam, mas mudanças no cenário internacional que con-
seja com projeto de reformas, seja com a repressão, ar- correram para efetivar esse intercâmbio. Confira no
ticulando uns e outros em função das ameaças reais ou texto abaixo:
percebidas” (FALEIROS, 2006, p. 142).
Os governos de João Goulart, no Brasil, Perez, na Com a Segunda Guerra Mundial e consequente
Venezuela, Velasco Alvarado, no Peru, Frondisi, na limitação do intercâmbio com a Europa, e com a
Argentina, tentaram “[...] a via de aglutinação de política da Boa Vizinhança do presidente Roose-
massas em torno de mudanças parciais” (FALEI- velt (reforço político e ideológico das relações de
ROS, 2006, p. 142).1 solidariedade continental), há uma aproximação
Mas, quando as mobilizações constituíam uma muito intensa com os Estados Unidos. (YASBEK,
força capaz de levar adiante o embate contra a hege- 1988, p. 49).
monia, elas eram reprimidas pela classe dominante
que estava no poder. Dessa forma, as populações Influenciado pelos norte-americanos, o Serviço
brasileira, argentina, equatoriana, uruguaia, chile- Social latino-americano passou a se orientar pelo
na, boliviana e peruana viveram um longo período
2
As empresas de capital internacional eram bem vistas pelos
governos do continente, por isso, “[...] elas foram saudadas
como uma contribuição efetiva para o “desarrolismo” ou o “de-
1
Os governos “[...] impulsionaram reformas sob a égide do senvolvimentismo”, recebendo um apoio econômico e político
desenvolvimento, do crescimento e da modernização ou de irracional” (FERNANDES, 1981, p. 22).
um programa minimamente redistributivista de terras, renda
e com um discurso participativo” (FALEIROS, 2006, p. 142). 3
Segundo Yasbek (1988, p. 49), esta Conferência foi realizada
Eduardo Frei, no Chile, realizou uma ação reformista e desen- pela American Association of Schools of Social Work, em
volvimentista. Atlantic City.

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AULA 3 — O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina

pensamento positivista na vertente funcionalista de massa, o consumo de massa, até a educação, a


que imperava nos Estados Unidos. Em relação à transposição maciça da tecnologia ou de institui-
orientação que a teoria funcionalista deu ao Serviço ções sociais, a modernização da infra e da superes-
Social, Vicente de Paula Faleiros associa a posição trutura, os expedientes financeiros ou de capital,
neutra do assistente social à “neutralidade” dos fun- o eixo vital da política nacional etc. (Capitalismo
cionalistas.4 dependente e classes sociais na América Latina, op.
O segundo intercâmbio se deu por intermédio cit., Cap. I “Padrões de dominação na América La-
dos programas de Desenvolvimento de Comuni- tina”, p. 18. Fernandes, 1981, p. 18 apud IAMAMO-
dade que envolviam governo e comunidade local,5 TO, 2004, p. 77).
implantados pela Organização das Nações Unidas “Nessa dinâmica, as políticas internas se entro-
(ONU) e pela Organização dos Estados Americanos sam com as relações externas de dependência/do-
(OEA). A esse respeito, Castro (2006, p. 148) afirma minação dos Estados Unidos.” (FALEIROS, 2006, p.
que a ONU e a OEA ofereciam apoio técnico e fi- 142). Na verdade, os dois autores tratam da reorga-
nanceiro aos países periféricos e latino-americanos, nização interna exigida pela dominação imperialis-
em troca de ações na comunidade que fossem base- ta durante o regime militar.
adas em “formulações desenvolvimentistas”.6 No caso do Serviço Social brasileiro, efetivamen-
te, o projeto modernizador do regime militar deu
O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO os contornos do seu projeto hegemônico, mas não
DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL conseguiu a adesão de todos. O movimento de re-
No contexto da dominação econômica norte- conceituação ia numa direção oposta. Para o movi-
americana, um grupo de assistentes sociais que era mento a
contra o imperialismo norte-americano e o Serviço
Social tradicional organizou o movimento de recon- [...] ruptura com o Serviço Social tradicional se
ceituação latino-americano. Segue abaixo um texto inscreve na dinâmica de rompimento das amarras
que apresenta a forma imperialista de dominação: imperialistas, de lutas pela libertação nacional e
O traço específico do imperialismo total consiste de transformações da estrutura capitalista exclu-
no fato de que ele organiza a dominação externa a dente, concentradora, exploradora. (FALEIROS,
partir de dentro e em todos os níveis da ordem so- 2006, p. 143)
cial, desde o controle da natalidade, a comunicação
Não bastava, então, inovar as instituições para
4
Dessa forma, a “[...] posição ideológica dos funcionalistas é romper com o Serviço Social tradicional,7 nem
a ‘neutralidade’, que se manifesta no Serviço Social [...]” (FA- formular procedimentos metodológicos, nem se
LEIROS, 1983, p. 22). O funcionalismo “[...] busca a integração
do homem ao meio e tem como base o equilíbrio das tensões apoiar na visão psicologista que foca a pessoa. A
na unificação social de todos os papéis.” No referencial funcio- partir disso, o “[...] Serviço Social passa a ques-
nalista, o sistema deve funcionar na mais perfeita ordem, caso
contrário, as disfunções precisam ser corrigidas.
tionar seu papel na sociedade, seu atrelamento às
classes dominantes, sua teoria e sua prática corre-
5
O Desenvolvimento de Comunidade é um conjunto de “[...] tora de ‘disfunções’ sociais” (AMMANN, 1984, pp.
atividades baseadas na associação de uma comunidade local
com o governo, em busca da superação das condições de sub- 146–147).
desenvolvimento.” (UTRIA, 1969, p. 81 apud. CASTRO, 2006,
p. 147).

6
O desenvolvimentismo incorporado ao discurso oficial de al- 7
O Serviço Social “tradicional” é “[...] a prática empirista
guns países da América Latina “[...] saltou do marco de uma reiterativa e burocratizada que os agentes realizavam e realizam
proposta para resolver os problemas do atraso e converteu-se efetivamente na América Latina” (NETTO, J. P. La crítica
em prática e diretriz de ação política de diversas regiões latino- conservadora... 1981, p. 44 apud IAMAMOTO, 2004, p. 206,
americanas” (CASTRO, 2006, p. 151). nota de rodapé no 250).

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

Ao optar pelos subalternos, o movimento lutou abrangente e atento às características latino-ame-


contra as práticas tradicionais e por criar um Servi- ricanas, em contraposição ao tradicionalismo, que
ço Social latino-americano; bem como orientou as envolvia critérios teórico-metodológicos e prático-
produções teóricas, para que fossem voltadas para as interventivos” (IAMAMOTO, 2006, p. 209). E, ain-
questões do continente e não se prendessem ao mo- da, “[....] uma explícita politização da ação profis-
delo norte-americano. O movimento é considerado, sional, solidária com a ‘libertação dos oprimidos’ e
portanto, “[...] um marco decisivo no desenvolvi- comprometida com a ‘transformação social’ [...]”.
mento do processo de revisão crítica do Serviço So- “[...] Finalmente, as preocupações anteriores
cial no continente” (IAMAMOTO, 2006, p. 205). se canalizam para a reestruturação da formação
Enquanto a visão oficial do Serviço Social brasi- profissional, articulando ensino, pesquisa e práti-
leiro não questionava as diretrizes governamentais, ca profissional [...]” (IAMAMOTO, 2006, p. 209).
o movimento de reconceituação latino-americano Isso exigia “[...] da Universidade o exercício da
8
(1965-1975) questionava desde as elaborações teó- crítica, do debate, da produção criadora de conhe-
ricas até o modo de fazer do Serviço Social. Dessa cimentos no estreitamento de seus vínculos com a
forma, observa Faleiros (1983, p. 133), a reconceitu- sociedade”.
ação acena com a possibilidade de se tentar compre-
ender as relações entre Serviço Social e sociedade. O desfecho do movimento de reconceituação
Na sequência serão citados os “eixos de preocu- Como foi visto, os vanguardistas latino-america-
pações fundamentais” do movimento de reconcei- nos pretendiam criar uma “[...] unidade profissio-
tuação na visão de Marilda Villela Iamamoto. Con- nal que respondesse às problemáticas comuns da
forme a autora, América Latina, uma unidade construída autono-
mamente sem a tutela imperialista [...]”(NETTO,
[...] o reconhecimento e a busca de compreensão
2006, p. 150). No entanto, essa união foi desfeita por
dos rumos peculiares do desenvolvimento latino-
americano em sua relação de dependência com
dois motivos: 1) o que se refere às ditaduras burgue-
os países “cêntricos”, para a contextualização his- sas que “[....] não deixaram vingar as propostas que
tórica da ação profissional, redundaram em uma situavam a ultrapassagem do subdesenvolvimen-
incorporação das produções acadêmicas no vasto to como função da transformação substantiva dos
campo das ciências econômicas, sociais e políticas. quadros societários latino-americanos” (NETTO,
(IAMAMOTO, 2006, p. 209) 2006, p. 147); 2) e o que trata das posições distintas
que os assistentes sociais adotaram em relação ao
Constata-se, no momento da reconceituação, a Serviço Social tradicional: “um polo investia num
necessidade de criar “[...] um projeto profissional aggiornamento do Serviço Social e outro tenciona-
va uma ruptura com o passado profissional [...]”
(NETTO, 2006, p. 147).
8
O período do movimento de reconceituação coincide com o
terceiro momento do Serviço Social brasileiro, segundo a di-
Vicente de Paula Faleiros (2006, p.143) chama a
visão feita por Ammann (1984, p. 146). Segundo o autor, na atenção para as tendências que se manifestaram no
primeira fase (1930–1945), sob a influência do neotomismo, o movimento de reconceituação: “[...] tendências de
Serviço Social tradicional prestava assistência e orientações ao
“cliente”, por meio da técnica do Serviço Social de Caso. Na se- conciliação e de reformas com outras de transfor-
gunda fase, (1945 – 1965), depois da Segunda Guerra Mundial, mação da ordem vigente no bojo do processo revo-
o Serviço Social foi marcado pela “[...] perspectiva funcionalista
lucionário, e ainda com outras, que visavam apenas
para a integração social [...]”. A prática é instrumentalizada pelo
Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade “[...] inspirados modernizar e minimizar a dominação”. De fato, di-
numa visão atomizada da sociedade, que camufla os conflitos vergências internas, também, não permitiram a re-
entre as classes e que interpela os indivíduos – isolada, grupal
ou comunitariamente – como sujeitos responsáveis pelos prob- alização de uma proposta única da reconceituação.
lemas sociais”. Apesar de todas as dificuldades, o movimento de re-

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AULA 3 — O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina

conceituação conseguiu colocar na pauta dos encon- Em vez disso, a orientação funcionalista encami-
tros profissionais assuntos de interesses latino-ame- nhava o Serviço Social para discutir o “[...] aperfei-
ricanos em lugar dos debates pan-americanistas,9 çoamento do instrumental técnico-operativo ex-
patrocinados pelos Estados Unidos. presso pela sofisticação de modelos de diagnóstico
e planejamento, na busca de uma eficiência [...]”
O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO (IAMAMOTO, 2006, p. 215).
DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL É preciso dizer que a ditadura militar brasileira
No estudo sobre o movimento de reconceitua- dificultou o processamento das ideias da reconcei-
ção no Brasil, Iamamoto (2006, p. 215) conclui que tuação, mas elas não foram extintas, “[...] no entan-
o debate da reconceituação só criou força quando to, suas expressões são isoladas [...]”, como foi a ex-
a ditadura10 entrou em crise11 e a sociedade civil periência do “Método BH” (IAMAMOTO, 2006, p.
emergiu novamente. A autora explica que, duran- 214). Assim, Netto (2006, p. 275) e Iamamoto (2006,
te o regime militar, o processo de modernização do p. 214) reconhecem o “Método BH”.
Serviço Social tradicional “[...] atualiza a sua heran- Cabe registrar ainda a realização do III Congres-
ça conservadora”. so Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado em
Verificou-se uma mudança no discurso, nos mé- 1979, em São Paulo. Foi marcante neste Congresso
todos de ação e nos rumos da prática profissional a substituição da comissão de honra dos ministros
com o objetivo de obter um reforço de sua legitimi- do Estado pelos trabalhadores. Na “[...] sessão de
dade junto às instâncias demandantes da profissão, encerramento, em vez de ministros, falaram líderes
em especial o Estado e as grandes empresas, ade- dos operários, dos metalúrgicos e dos movimentos
quando o Serviço Social à ideologia dos governan- populares ‘pela anistia’ e ‘contra o custo de vida’”
tes (IAMAMOTO, 2006, p. 215). (FALEIROS, 1983, p. 119). Nele, foi lançada a Revis-
Isso quer dizer que as inovações feitas nas insti- ta Serviço Social e Sociedade, com a publicação do
tuições não foram suficientes para romper com o seu primeiro número.
Serviço Social tradicional. No regime militar, não
era possível discutir a relação entre Serviço Social ■■ Concluindo
e sociedade. Na década de 1940, os Estados Unidos estabele-
ceram uma aliança com a América Latina para que
9
O pan-americanismo oficial “[...] é uma estratégia dos Esta- ela fornecesse matéria-prima e mercado para os
dos Unidos para ganhar a hegemonia no continente” (CAS-
TRO, 2006, p. 132). No final do século XIX, afirma Castro que
produtos norte-americanos. Nas décadas de 1960
o pan-americanismo definiu-se como um programa, em espe- a 1980, na América Latina alternavam “mobiliza-
cial a partir das Conferências Interamericanas realizadas em ção popular-reforma e autoritarismo político”. No
Washington (1889), no México (1910), no Rio de Janeiro (1906),
em Buenos Aires (1910), em Santiago do Chile (1923), em Ha- Brasil, por exemplo, as manifestações sociais foram
vana (1928) e em Montevidéu (1933). Depois da criação da duramente rechaçadas pelo golpe de abril de 1964.
Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos
Estados Americanos (OEA), os Estados Unidos organizaram a
Mas, quando a ditadura entrou em crise, a socieda-
sua hegemonia, impondo a política do pan-americanismo. de civil pôde voltar à cena brasileira.
O intercâmbio do Serviço Social latino-america-
10
Na crise da ditadura, os cursos de pós-graduação expandiram
o diálogo do Serviço Social com as ciências afins, entretanto, as no com o Serviço Social norte-americano se deu no
elaborações teóricas não se apoiaram nas fontes clássicas. âmbito da formação acadêmica e de programas in-
ternacionais. No contexto da dominação econômica
11
O período de crise da ditadura estendeu-se de 1975-1985,
quando iniciou-se o auge da crise econômica e o fim do mi- norte-americana, um grupo de assistentes sociais,
lagre econômico. Aqui, cabe lembrar que, em 1973, ocorreu a que era contra o imperialismo norte-americano e o
crise internacional do petróleo, o que contribuiu com o fim do
milagre brasileiro. À época, deu-se a abertura política que ocor- Serviço Social tradicional, organizou o movimento
ria de forma lenta e gradual. de reconceituação latino-americano.

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

Na proposta da reconceituação, a ruptura com


o Serviço Social tradicional estava vinculada ao ** ANOTAÇÕES
término do domínio imperialista. O grupo ques-
tionava o atrelamento do Serviço Social às classes
dominantes. Então, não bastava inovar as institui-
ções para romper com o Serviço Social tradicional,
nem formular procedimentos metodológicos.
Ao optar pelos subalternos, o movimento de re-
conceituação lutou contra as práticas tradicionais
e por criar um Serviço Social latino-americano; e
orientou as produções teóricas, para que fossem
voltadas para as questões do continente e não se
prendessem ao modelo norte-americano.
A união pretendida pelo movimento de recon-
ceituação foi desfeita pelas ditaduras burguesas e
por divergências no próprio grupo dos assistentes
sociais.
No Brasil, o debate da reconceituação só criou
força quando a ditadura entrou em crise e a socie-
dade civil emergiu novamente. A ditadura militar
brasileira dificultou, mas não extinguiu, o processa-
mento das ideias da reconceituação, pois elas ocor-
reram de forma isolada, como foi o “Método BH”.

■■ Atividades
Leia o texto da aula 3 e desenvolva as seguintes
questões:
1. Como o texto define o desenvolvimentismo?
2. Quais os fatores que mostram a dependência
latino-americana que ocorreu depois da Segunda
Guerra Mundial?
3. Como se deu o intercâmbio do Serviço Social
latino-americano com o Serviço Social norte-ame-
ricano?
4. Como ocorreu o movimento de reconceitua-
ção do Serviço Social latino-americano?
5. Quais são os “eixos de preocupações funda-
mentais” do movimento de reconceituação, desta-
cados por Marilda Villela Iamamoto?
6. Qual foi o desfecho do movimento de recon-
ceituação?
7. Como ocorreu o movimento de reconceitua-
ção no Brasil?

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AULA 4 — A Questão Social e o Serviço Social

AULA

Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos


A Questão Social e o Serviço Social
■■ Conteúdo
• A sociedade dos monopólios

do Serviço Social
• A questão social e o Serviço Social
• A questão social nas mudanças ocorridas a partir do final do século XX
• O trabalho do assistente social nas unidades de serviço

■■ Competências e habilidades
• Compreender a organização do Serviço Social na sociedade monopolista
• Reconhecer as várias expressões da questão social e buscar caminhos de trabalho
• Apreender o objeto do Serviço Social diante dos problemas sociais

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO
A proposta deste texto é discutir a questão social e Paulo Netto, e nas obras de Marilda Villela Ia-
o Serviço Social. O texto parte da organização social mamoto, O Serviço Social na contemporaneidade:
monopolista para explicitar os vínculos do Serviço trabalho e formação profissional, Serviço Social em
Social com a questão social, nas suas diferentes ex- Tempo de Capital Fetiche e Renovação e conserva-
pressões. Destaca, ainda, a reorganização da sociedade dorismo do Serviço Social: ensaios críticos.
brasileira, na ditadura de 1964, em função das exigên-
cias do capital externo, bem como a atuação do Servi- A SOCIEDADE DOS MONOPÓLIOS
ço Social em instituições do Estado e em empresas. O capitalismo monopolista
Basicamente, o texto está referendado na obra Antes de refletir sobre a questão social e o Ser-
Capitalismo monopolista e Serviço Social, de José viço Social, serão feitas algumas observações acerca

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

do capitalismo monopolista1 (instaurado no final nacional; por exemplo, ao aprimorar a Instrução


do século XIX), que configurou a questão social e o da Superintendência da Moeda e do Crédito (SU-
Serviço Social. MOC), mecanismo que privilegia o capital norte-
O monopolismo, segundo Alves (2001, p. 189), americano.
teve início quando as grandes empresas começa- As indústrias brasileiras perdem espaço de tal
ram a abarcar as pequenas e as médias no último maneira que os investimentos das grandes empre-
terço do século XIX. “Tornando-se cada vez mais sas monopolistas “[...] absorvem posições de lide-
gigantescas, aquelas, que se sustentaram no mer- rança antes ocupadas por indústrias e empresários
cado, deram margem à formação de empresas mo- nativos” (IAMAMOTO, 2004, p. 77, nota de roda-
nopolistas”. pé no 3). O empresariado nacional, que atuava de
Na organização monopolista, em vez de traba- forma competitiva, teve que ceder ao capital inter-
lho, “[...] o monopólio faz aumentar a taxa de aflu- nacional.4
ência de trabalhadores ao exército industrial de re- Nesse contexto, uma parte da burguesia, aliada
serva” (Sweezy, 1977: 304 apud NETTO, 2006, p. aos Estados Unidos, era a favor do capital inter-
21). Nessas condições, Alves (2001, p. 190) afirma nacional e a outra, defendia o nacionalismo, pro-
que o capitalismo deixou de reproduzir somente a vocando uma crise5 na burguesia, na passagem da
riqueza social, reproduzindo o parasitismo. O Es- concorrência para o monopólio. Conforme Iama-
tado, então, ficou com o controle do parasitismo.2 moto (2004, pp. 77–78), a crise se deu por pressões
Segundo Netto (2006, p. 25), o Estado assumiu de ordem externa e interna.
várias funções no monopolismo. Pois o “[...] eixo Uma delas foi exercida pelas empresas de capital
da intervenção estatal na idade do monopólio é di- monopolista mundial com interesse no Brasil. A
recionado para garantir os superlucros dos mono- outra pressão foi feita pela burguesia local (que re-
pólios [...]” (NETTO, 2007, p. 25). sistia a mudanças) e pelos trabalhadores. Se a pres-
são interna não chegou a representar uma ameaça
O processo de monopolização do capital à burguesia, no mínimo causava um desgaste à sua
no Brasil imagem.
Como foi dito no texto da aula 1, para Bandei- Ao final, a parte da burguesia nacional que era
ra (1975, pp. 9–10), na década de 19503 havia “alta atrelada aos norte-americanos resolveu a crise
concentração monopolística” na economia brasi- com o golpe de 1o de abril de 1964.6 Para Bandei-
leira. Segundo ele, o governo de Juscelino Kubits-
chek de Oliveira faz concessões ao capital inter- 4
Florestan Fernandes (1981, P. 23), num estudo sobre capital-
ismo dependente e classes sociais na América Latina, afirma
que as empresas locais “[...] foram absorvidas ou destruídas, as
1
É bom lembrar que o capitalismo monopolista foi antecedido estruturas econômicas existentes foram adaptadas às dimen-
pelo capitalismo comercial e pelo concorrencial. sões e às funções das empresas corporativas, as bases para o
crescimento autônomo e a integração nacional da economia,
2
O Estado “[...] organizou o parasitismo a partir da transferên- conquistadas tão arduamente, foram postas a serviço dessas
cia, por meio de impostos, de parte dos ganhos dos capitalistas empresas e dos seus poderosos interesses privados”.
para as atividades improdutivas” (ALVES, 2001, p. 190).
5
O pano de fundo dessa crise foi “[...] a exigência de adapta-
3
“O Brasil, àquele tempo, já registrava alta concentração mo- ção da burguesia à industrialização intensiva e aos novos rit-
nopolística e, nos anos seguintes, na década de 1950, tornou- mos econômicos-sociais, transferidos de fora para a sociedade
se novamente campo de batalha dos grandes interesses es- brasileira” (IAMAMOTO, 2004, p. 78).
trangeiros, que, de um lado, disputavam entre si o mercado
nacional e o controle das fontes de matérias-primas e, do outro, 6
O Brasil, de 1945 a 1963, teve à frente governos populistas
procuravam arrebatar e distorcer o processo de industrializa- que defendiam o nacionalismo. Nos anos de 1960 a 1964, os
ção, na medida em que não mais podiam segurá-lo, conforme movimentos sociais ganharam força e apoiaram as Reformas
as conveniências do sistema capitalista mundial.” (MONIZ, de Base (reforma agrária e reforma urbana, por exemplo) e o
1975, pp.9–10). nacional-desenvolvimentismo, proposto pelos governos popu-

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AULA 4 — A Questão Social e o Serviço Social

ra (1975, pp. 16–17), em apoio à concentração do A QUESTÃO SOCIAL E O SERVIÇO SOCIAL


capital, o regime militar proibiu o sindicalismo, Já se sabe que, em resposta às lutas operárias con-
“suprimiu os focos de resistência” e agravou a ex- tra o desemprego e a exploração social (acentuadas
ploração do trabalhador. pelo capitalismo monopolista), a classe dominante
Como bem diz Iamamoto (2004, p. 77), os go- criou mecanismos de controle social; dentre outras
vernos militares deram amplo apoio às empresas estratégias, buscou se utilizar do Serviço Social para
internacionais. O capital monopolista contou com este fim. Donde a necessidade de a profissão reafir-
“[...] o respaldo de uma política econômica capaz mar, cada vez mais, seu projeto ético-político afina-
de articular a ação governamental com os interes- do com a garantia de direitos universais, com base
ses dos grandes empresários”. na proteção social da população vulnerabilizada.
O Estado foi “[...] posto a serviço da iniciativa Na sociedade monopolista “[...] se gestam as con-
privada, favorecendo a adequação do espaço eco- dições histórico-sociais para que, na divisão social
nômico e político aos requisitos do capitalismo (e técnica) do trabalho, constitua-se um espaço em
monopolista” (IAMAMOTO, 2004, p. 79). que se possam mover práticas profissionais como as
Os programas assistenciais foram intensifica- do assistente social” (NETTO, 2005, p. 73).7Conclui
dos. Eles “[...] são mobilizados pelo Estado como o autor, reafirmando que, “[...] enquanto profissão,
contraponto ao peso político do proletariado e dos o Serviço Social é indissociável da ordem monopó-
demais trabalhadores e à sua capacidade de pres- lica – ela cria e funda a profissionalidade do Serviço
são [...]” (IAMAMOTO, 2004, p. 83). Social” (NETTO, 2005, p. 74).
Era necessário “[...] neutralizar manifestações No que se refere à questão social,8 Marilda Villela
de oposição, recrutar um apoio pelo menos passivo Iamamoto (2007, p. 156) tece algumas considera-
ao regime, despolitizar organizações trabalhistas, ções. A questão social “[...] condensa o conjunto das
na tentativa de privilegiar o trabalho assistencial desigualdades e lutas sociais, produzidas e repro-
em lugar da luta político-reivindicatória” (IAMA- duzidas no movimento contraditório das relações
MOTO, 2004, p. 83). sociais [...]”. Como diz Netto, “nas palavras de um
Para isso, eram “[...] centralizados e regulados profissional do Serviço Social”:
pelo Estado e subordinados às diretrizes políticas
de garantia da estabilidade social e de reforço à ex- [...] A questão social não é senão as expressões do
pansão monopolista” (IAMAMOTO, 2004, p. 83). processo de formação e desenvolvimento da clas-
Na ditadura, então, a assistência social foi espe- se operária e de seu ingresso no cenário político
cialmente utilizada “[...] como meio de regular o da sociedade, exigindo seu reconhecimento como
conflito social em nome da ordem pública e da se- classe por parte do empresariado e do Estado. É a
gurança nacional” (IAMAMOTO, 2004, p. 83). Os manifestação, no cotidiano da vida social, da con-
autores mostram que o Estado brasileiro se ajustou tradição entre o proletariado e a burguesia [...]. (Ia-
aos interesses do capital internacional, garantindo mamoto, in: Iamamoto e Carvalho, 1983:77 apud
a estabilidade social e a expansão do capital finan- NETTO, 2006, p. 17, nota de rodapé no 1).
ceiro. Proibiram-se as lutas políticas e reivindica-
tórias, fazendo calar a voz daqueles que estavam no
exercício da luta política. 7
Vale dizer que José Paulo Netto fez um estudo sobre o capi-
talismo monopolista e o Serviço Social.

8
A questão social é derivada “[...] do caráter coletivo da
produção contraposto à apropriação privada da própria ativi-
listas. Nesse período, configurou-se “[...] o aprofundamento e dade humana – o trabalho –, das condições necessárias à sua
a problematização do processo democrático na sociedade e no realização, assim como de seus frutos” (IAMAMOTO, 2007,
Estado” (NETTO, 2006, p.159). p. 156).

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

A questão social que Iamamoto (2006, p. 62) defi- Como a questão social e o Serviço Social nasce-
ne como “a matéria-prima ou o objeto do trabalho” ram e se moldam ao capitalismo monopolista, serão
manifesta-se no conflito entre capital e trabalho. Para feitas algumas considerações acerca das mudanças
a autora, a questão social “[...] provoca a necessidade da sociedade de hoje.
da ação profissional junto à criança e ao adolescente,
ao idoso, a situações de violência contra a mulher, a A QUESTÃO SOCIAL NAS MUDANÇAS
luta pela terra etc.” Assim, Iamamoto situa o traba- OCORRIDAS A PARTIR DO FINAL DO SÉCULO XX
lho do assistente social nas “múltiplas expressões” da Marilda Villela Iamamoto (2007, p. 114) discute
questão social. a fragmentação da questão social. Nas suas palavras,
Pelos motivos apontados, não dá para discutir as “múltiplas expressões” da questão social “[...]
a questão social9 e o Serviço Social fora do capita- aparecem sob a forma de ‘fragmentos’ e ‘diferencia-
lismo monopolista, visto que ela é fruto da relação ções’ independentes entre si, traduzidas em autôno-
entre o capital e o trabalho. “Portanto, a questão mas ‘questões sociais’”.
social é uma categoria que expressa a contradição Se a questão social é percebida como “questões
fundamental do modo capitalista de produção” sociais”, ela deixa de ser compreendida como fruto
(MACHADO, Edneia Maria. <http:www.ssrevista. do conflito capital e trabalho. Nessa interpretação,
uel.br/c_2v_n1_quest. htm.> Acessado em 02 de se- a questão social, “[...] se esconde por detrás de suas
tembro de 2007). múltiplas expressões específicas [...]” (IAMAMO-
Machado (2007) chama a atenção para os dife- TO, 2007, p. 114).
rentes profissionais que incorporaram a questão so- A questão social que emergiu lá no final do sé-
cial ao seu campo de trabalho: culo XIX vem acompanhando as mudanças sociais,
dentre elas, serão destacadas duas.
[...] o médico que atende problemas de saúde cau- A primeira é a “mundialização da economia” que
sados por fome, insegurança, acidentes de trabalho ocorre num contexto de globalização.10 Para a au-
etc.; o engenheiro que projeta habitações a baixo tora, a mundialização11 “[...] da ‘sociedade global’ é
custo; o advogado que atende as pessoas sem re- acionada pelos grandes grupos industriais transna-
cursos para defender seus direitos, enfim os mais cionais articulados ao mundo das finanças” (IAMA-
diferentes profissionais que, também, atuam nas MOTO, 2007, pp. 106–107).12
expressões da questão social. (MACHADO, www. A outra mudança é o tratamento unificado dado
ssrevista.uel, acessado em 02 de setembro de 2007) aos processos sociais. Nesse caso, a mundialização
financeira “[...] unifica, dentro de um mesmo mo-
É possível concluir que a questão social não pode
ser vista em si mesma e, muito menos, como uma 10
“[...] O agente talvez mais audaz (tão desejado quanto temido)
exclusividade do Serviço Social. Mesmo sendo o da globalização é o capital financeiro, que alcança hoje cifras
inauditas e se encontra no ápice de seu poder e brilho. Anônimo
objeto do Serviço Social, o fato de ter surgido da e desterritorializado, ele se desloca mercurialmente pelo mun-
relação capital e trabalho, a questão social abriu um do, movido pela telemática, em busca incessante de maiores in-
campo de trabalho para outros profissionais. teresses”. ALBUQUERQUE. <http://www.fundaj.gov.br/clacso/
paper02.doc.> Acessado em 18 de fevereiro de 2008.

11
“Os atores mais aparentes da mundialização são os grandes
9
‘Por questão social’, no sentido universal do termo, queremos grupos econômicos transnacionais”. ALBUQUERQUE. <http://
significar o conjunto de problemas políticos, sociais e econômi- www. fundaj.gov.br/clacso/paper02.doc.> Acessado em 18 de
cos que o surgimento da classe operária impôs no curso da fevereiro de 2008.
constituição da sociedade capitalista. Assim, a ‘questão social’
está fundamentalmente vinculada ao conflito entre o capital e o 12
Os grandes grupos “[...] são resultantes de processos de fusões
trabalho.’ (Cerqueira Filho, 1982: 21 apud NETTO, 2006, p. 17, e aquisições de empresas em um contexto de desregulamenta-
nota de rodapé no 1). ção e liberalização da economia” (IAMAMOTO, 2007, p. 108).

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AULA 4 — A Questão Social e o Serviço Social

vimento, processos que vêm sendo tratados pelos No Estado, o Serviço Social, por ser “[...] social-
intelectuais como se fossem isolados ou autônomos mente necessário, produz serviços que atendem às
[...]” (IAMAMOTO, 2007, p. 114). necessidades sociais, isto é, têm um valor de uso,
A questão social se reduz “[...] aos chamados pro- uma utilidade social” (IAMAMOTO, 2006, p. 24).
cessos de exclusão e integração social, geralmente Como diz Rubin (1987:283), os trabalhos do ser-
circunscritos a dilemas da eficácia da gestão social, à vidor público, da polícia, dos soldados, do sacerdote
ideologia neoliberal e às concepções pós-modernas não podem ser relacionados a trabalho produtivo.
atinentes à esfera da cultura” (IAMAMOTO, 2007, Não porque este trabalho seja “inútil” ou porque
p. 114). De fato, a questão social tratada na perspec- não se materialize em “coisas”, mas porque está or-
tiva da exclusão e da inclusão camufla os conflitos ganizado segundo os princípios do direito público e
sociais; o mesmo ocorre com a sua fragmentação. não sob a forma de empresas capitalistas privadas.
Por outro lado, o mercado financeiro, segundo (IAMAMOTO, 2007, p. 86)
afirma Iamamoto, instituiu mecanismos que acen- Esses trabalhadores não criam riqueza, uma vez
tuam a taxa de exploração, o “enxugamento da mão que eles não produzem mercadorias para serem dis-
de obra”, a “ampliação das relações de trabalho não ponibilizadas no mercado. Ao contrário, seu traba-
formalizadas ou clandestinas”, dentre outras. lho atende à necessidade social, sendo “[...] realiza-
A partir dessas considerações acerca do Serviço do diretamente na esfera do Estado, na prestação de
Social e da questão social, será feito um breve co- serviços públicos, e nada tem a ver com o trabalho
mentário sobre o trabalho do assistente social nas produtivo, visto que não estabelece uma relação di-
unidades de serviço. reta com o capital [...]” (IAMAMOTO, 2007, p. 86).
Nem é seu propósito estabelecer uma relação com o
O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL capital. Pode-se dizer então que, em resposta aos in-
NAS UNIDADES DE SERVIÇO teresses contraditórios das classes sociais que estão
Para Iamamoto, no Brasil, o Serviço Social foi em luta permanente, o assistente social desenvolve
reconhecido na divisão social do trabalho, quan- políticas sociais públicas ou privadas nos espaços
do foram criados espaços nas instituições. Nelas, o institucionais.
Serviço Social tornou-se “[...] uma atividade insti-
tucionalizada e legitimada pelo Estado e pelo con- ■■ Concluindo
junto das classes dominantes” (IAMAMOTO, 2004, O monopolismo, segundo Alves (2001, p. 189),
pp. 92-93). teve início quando as grandes empresas começaram
Barbosa; Cardoso e Almeida (orgs.) (1998, p. 127) a abarcar as pequenas e as médias, no último terço
afirmam que nas unidades de serviço, o assistente do século XIX.
social realiza sua prática por meio de serviços assis- No Brasil, o governo Juscelino abriu as portas
tenciais, gerenciando benefícios que são distribuí- ao capital internacional e os governos militares
dos aos usuários. É necessário reconhecer, contudo, deram amplo apoio às empresas internacionais.
que essa prática reforça as condições de subserviên- Na ditadura, as empresas nacionais que atua-
cia e de subordinação dos subalternos. vam de forma competitiva foram absorvidas pelo
É importante mencionar que o assistente social capital monopolista ou tiveram que se ajustar
vende sua força de trabalho para entidades patro- ao capital internacional.
nais, estatais ou empresariais. Na empresa, os as- O Estado foi colocado a serviço da iniciativa pri-
sistentes sociais “[...] participam como trabalha- vada e foram intensificados os programas assisten-
dores assalariados do processo de produção e/ou ciais para neutralizar conflitos. Durante a ditadura,
de redistribuição da riqueza social” (IAMAMOTO, a assistência social foi especialmente utilizada para
2006, p. 24). regular o conflito social.

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

Em resposta às lutas operárias contra o desem- participam do processo de produção e/ou de redis-
prego e a exploração social (acentuados pelo ca- tribuição da riqueza social.
pitalismo monopolista), a classe dominante criou No Estado, o Serviço Social “produz serviços que
mecanismos de controle social; dentre outros, o atendem às necessidades sociais, isto é, têm um va-
Serviço Social. lor de uso, uma utilidade social”, porque não segue a
O Serviço Social tem como objeto do trabalho a organização de empresas capitalistas privadas. Esses
questão social, fruto do capital e trabalho, nas suas trabalhadores não criam riqueza, uma vez que não
diversas expressões, “criança e adolescente, idoso, produzem mercadorias para serem disponibilizadas
situações de violência contra a mulher, luta pela no mercado.
terra etc”. Pode-se dizer então que, em resposta aos inte-
A questão social não pode ser vista em si mesma resses contraditórios das classes sociais que estão
e, muito menos, como uma exclusividade do Servi- em luta permanente, o assistente social desenvolve
ço Social. Mesmo sendo o objeto do Serviço Social, políticas sociais públicas ou privadas nos espaços
o fato de ter surgido da relação capital e trabalho, institucionais.
a questão social abriu um campo de trabalho para
outros profissionais. ■■ Atividades
As “múltiplas expressões” da questão social são Leia o texto da aula 4 e desenvolva as seguintes
fragmentadas como se fossem independentes. Se a questões:
questão social é percebida como “questões sociais”, 1. Discorra sobre o capitalismo monopolista.
ela deixa de ser compreendida como fruto do con- 2. Como se deu o processo de monopolização da
flito capital e trabalho. A questão social tratada na sociedade brasileira?
perspectiva dos processos de exclusão e integração 3. Cite algumas características dos governos po-
social camufla os conflitos sociais. pulistas (1945 a 1964).
O assistente social vende sua força de trabalho 4. Fale sobre a questão social e o Serviço Social.
para entidades patronais, estatais ou empresariais. 5. Como Marilda Villela Iamamoto compreende
Na empresa, os assistentes sociais são assalariados e a questão social a partir do final do século XX?

** ANOTAÇÕES

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AULA 5 — Considerações sobre o Neoliberalismo

Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço


AULA

5
Considerações sobre o Neoliberalismo

■■ Conteúdo
• Antecedentes do neoliberalismo
• O projeto neoliberal
• O neoliberalismo e a questão social
• O neoliberalismo no Brasil
• O Consenso de Washington

■■ Competências e habilidades
• Compreender o neoliberalismo no movimento da sociedade monopolista

Social
• Reconhecer a importância de o assistente social inteirar-se do projeto neoliberal para a con-
dução de sua prática
• Compreender as estratégias do Consenso de Washington

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para auto estudo

INTRODUÇÃO
Nesta aula são abordados alguns fatores da eco- São feitas, ainda, considerações sobre o Consenso
nomia da década de 1970 que concorreram para a de Washington.
crise do capitalismo. A partir daí implantou-se o O texto baseia-se na obra O enfrentamento da
neoliberalismo, um projeto mundial conduzido questão social: terceiro setor: o serviço social e suas
pelo capital financeiro internacional que busca en- condições de trabalho nas ONGs, de Renato Almeida
fraquecer o Estado de Bem-Estar. O projeto neolibe- de Andrade; no livro Terceiro setor e questão social:
ral prevê cortes nos gastos sociais, privatização, des- crítica ao padrão emergente de intervenção social, de
centralização e políticas focalizadas e descontínuas Carlos Montaño; e na obra Para além do capital:
que levem ao desmonte do estado intervencionista. rumo a uma teoria de transição, de István Mészáros.

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

ANTECEDENTES DO NEOLIBERALISMO O autor chama a atenção para o papel que essa


Até a década de 1970, a sociedade contemporâ- Associação desempenhou: ela foi criada para es-
nea tinha um outro formato: a produção era feita tabelecer as bases do neoliberalismo e combater o
em série e o salário propiciava condições de consu- intervencionismo do Estado (Estado de Bem-Estar
mo para os trabalhadores. Nos anos 1970, ocorreu a Social).
“[...] mudança da forma de acumulação do capital A essência teórica e política do neoliberalismo é
[...]” quando deflagraram “[...] as baixas taxas de “[...] a defesa de um sistema social organizado por
crescimento econômico e as altas taxas de inflação meio da livre concorrência no mercado, como ga-
[...]” e quando ocorreu a alta do petróleo (CHAUÍ, rantidor da liberdade” (MONTAÑO, 2003, p.79).
1999, p.1). Essas mudanças refletiram sensivelmen- Não há como duvidar da ligação entre o neolibera-
te na sociedade. lismo e o mercado se, para Hayek, a concorrência e
Mais uma crise instaurou-se no capitalismo, re- o planejamento do Estado não se conciliam.2
percutindo no Estado de Bem-Estar Social. Em Hayek então considera que o bem-estar das pes-
decorrência disso, formou-se a conjuntura que fa- soas “[...] depende, em essência, de seus próprios
voreceu a implantação do neoliberalismo que “[...] esforços e decisões [e não do esforço de toda a so-
incentivou a especulação financeira em vez dos in- ciedade por intermédio do Estado]” (MONTAÑO,
vestimentos na produção” (CHAUÍ, 1999, p. 2). 2003, p. 82).3
O projeto neoliberal explica a crise do capital Ao explicar a crise do capital pelos sindicatos e
a partir do “[...] poder excessivo dos sindicatos e pelos movimentos sociais, o neoliberalismo não
dos movimentos operários que haviam pressiona- prevê diretrizes em favor da organização sindical e/
do por aumentos salariais e exigido o aumento dos ou da mobilização social, uma vez que o seu foco é
encargos sociais do Estado” (CHAUÍ, 1999, p. 1). A o indivíduo.
concepção neoliberal argumenta que o Estado de Por que foi criado o neoliberalismo?
Bem-Estar Social tirava a liberdade das pessoas e a A realidade do pós-Segunda Guerra Mundial
possibilidade de elas competirem. criou algumas demandas sociais que foram aten-
didas pelo Estado de Bem-Estar Social,4 com base
O PROJETO NEOLIBERAL no pensamento de Keynes.5 O Estado de Bem-Es-
Carlos Montaño, num estudo sobre terceiro setor
e questão social, destaca dois fatos que mostram a 2
A “[...] concorrência, efetivada no mercado, seria, portanto,
para Hayek, o verdadeiro meio de organização e regulação
importância de Hayek no processo de criação do ne- social e ela seria inconciliável com o planejamento estatal”
oliberalismo. Um deles foi a publicação da obra O (MONTAÑO, 2003, p.79).
caminho da servidão, em 1944, de Friedrich August 3
Hayek, então, vê a desigualdade “[...] (“como um mal
von Hayek, conforme indica Montaño (2003, p. 79). necessário”); na verdade, ele defende a necessidade da desigual-
O outro fato foi a criação da Mont Pèlerin So- dade como mecanismo (natural) estimulador do desenvolvi-
mento social e econômico” (MONTAÑO, 2003, p. 80).
ciety, a qual Hayek1 “[...] foi o idealizador e funda-
dor, uma associação internacional criada em 1947, 4
“No Pós-Segunda Guerra, uma grande demanda social se
na Suíça, composta por notáveis [...]” (MONTAÑO, apresentou, de maneira inadiável e incontornável, aos Esta-
dos/governos, determinando que eles tomassem iniciativas no
2003, p. 76). Entre os notáveis estão Hayek, Popper, sentido de reorganizar o tecido social rasgado pelo conflito e
Mises, Friedman, Polanyi e Salvador de Madariaga, ‘ameaçado’ pelo avanço das forças socialistas e comunistas”
(ANDRADE, 2006, p. 58).
dentre outros.
5
John Maynard Keynes, economista inglês, propôs “[...] um
modelo de organização da produção e reprodução da força de
trabalho e do Capital (um projeto do e para o próprio Sistema
1
De acordo com Montaño (2003, p. 76), Hayek recebeu o prê- Capitalista), baseado em um Estado com fortes capacidades de
mio Nobel da Economia, em 1974, dentre outros. regulação da economia, cuja operação estaria orientada para a

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AULA 5 — Considerações sobre o Neoliberalismo

tar Social ou Estado Providência (em inglês: Wel- O primeiro governante a aderir à proposta neo-
fare State)6 veio em resposta aos problemas sociais liberal foi Margareth Thatcher. O governo dessa lí-
da Europa; ele era responsável por regulamentar a der do meio político inglês, eleita no final dos anos
“vida e saúde social, política e econômica” e por “ga- 1970, “[...] foi pioneiro na exposição pública de
rantir serviços públicos e proteção à população”7. uma orientação neoliberal [...]” (ANDRADE, 2006,
Renato Almeida de Andrade, num estudo sobre p. 67). A proposta neoliberal foi aderida no ano de
as relações do Estado com a sociedade civil, afirma 1980, “[....] por Ronald Reagan, nos EUA; em 1982,
que o neoliberalismo veio “para dar fim” ao Estado por Kohl, na Alemanha; e, em 1983, por Schluter, na
de Bem-Estar Social. Nas palavras do autor: Dinamarca” (ANDRADE, 2006, p. 67).8
O Estado reorientou-se “[...] para intervir em fa-
O neoliberalismo é um projeto global, dirigido pelo vor das indústrias, banqueiros, empresários e todos
Capital Financeiro Internacional, buscando dar fim aqueles ligados ao capital, em favor da exploração
ao chamado Estado de Bem-Estar, e que passou a do trabalhador e dos mercados dos países subdesen-
operacionalizar seu programa com a ajuda de al- volvidos [...]” (ANDRADE, 2006, p. 68). Portanto,
guns líderes políticos de vários países. (ANDRADE, o próprio texto já exclui qualquer possibilidade em
2006, p. 67) relação aos trabalhadores.
Se no projeto neoliberal não faltam diretrizes
O projeto neoliberal regido pelo capital mono- para salvaguardar o capital, o mesmo tratamento
polista financeiro foi ganhando força na medida em não foi dado às populações que não possuíam as
que recebia a adesão de lideranças econômicas e po- mínimas condições de terem uma vida digna. Con-
líticas internacionais. Essas lideranças fira na transcrição que segue:

[...] começaram a propor em seus planos de gover- [...] uma ação ínfima e pontual, em favor dos des-
no (baseados em documentos e acordos com orga- validos, com políticas focalizadas e descontínuas
nismos internacionais – FMI, BIRD etc.) mudanças (incertas), não mais querendo considerar as polí-
na estrutura produtiva e política da sociedade, tais ticas sociais como direito social inscrito na maio-
como a privatização de empresas estatais e serviços ria das modernas constituições democráticas.
públicos e a desregulamentação das leis trabalhis- (ANDRADE, 2006, p. 68)
tas. (ANDRADE, 2006, p. 67)
Assim, políticas focalizadas e descontínuas e des-
monte do estado intervencionista são de orientação
neoliberal.
promoção do ideal do ‘pleno emprego’ como forma de desen-
volvimento e de crescimento econômico” (ANDRADE, 2006,
p. 58). O que prevê o neoliberalismo?
6
O Estado de Bem-Estar Social “[...] é um tipo de organização
O neoliberalismo prevê a retirada das obrigações
política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da sociais do Estado. Em lugar da intervenção estatal,
promoção (protetor e defensor) social e organizador da econo- Hayek “[...] prevê a redução do Estado a ponto de
mia.”(http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado-provid%C3%AAncia.
Acessado em 17 de agosto de 2008). retirar dele também a responsabilidade de tentar
atingir a justiça social” (MONTAÑO, 2003, p. 81).
7
“Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de
toda vida e saúde social, política e econômica do país em par-
ceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, 8
“Esse processo, segundo Anderson (1985), foi o de ascensão
de acordo com a nação em questão. Cabe ao Estado do Bem- política da chamada ‘Nova Direita’, para a qual as ideias e as
Estar Social garantir serviços públicos e proteção à população.” propostas hayekianas ofereceram uma nova agenda de refor-
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado-provid%C3%AAncia. mas (ou contrarreformas?) do Capitalismo” (ANDRADE, 2006,
Acessado em 17 de agosto de 2008). p. 67).

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

O Estado repassou para igrejas, ONGs e outras recursos para realizar o trabalho do assistente so-
entidades da sociedade civil as políticas sociais pú- cial, enquanto aumentam as necessidades sociais.
blicas que eram de sua atribuição. Para isso, orienta Mas isso não é o que está contido no discurso da
as entidades para “[...] desenvolver, de forma foca- globalização,9 que prega a universalização dos bens
lizada, descentralizada, políticas sociais que visas- econômicos e sociais. Por exemplo, só mantendo-se a
sem à justiça social ou à redistribuição de renda” população informada em tempo real sobre os acon-
(MONTAÑO, 2003, p. 81). tecimentos sociais, econômicos e políticos do mun-
Cabe lembrar que no início do monopolismo do, não significaria que a tecnologia iria propiciar
(final do século XIX), o Estado chamou para si a melhorias às classes subalternas. Tanto isso é verdade
responsabilidade da “[...] atividade assistencial e de que nem o discurso da globalização, nem o neolibe-
prestação de serviços sociais [...]” (IAMAMOTO; ralismo visam à universalização das políticas sociais.
CARVALHO, 2006, p. 78). Hoje, a orientação neoli- No caso da política neoliberal, ela criou normas
beral se dá em direção à retirada do Estado. “competitivas” da economia do “mercado livre”
para “[...] restringir e manter permanentemente
O NEOLIBERALISMO E A QUESTÃO SOCIAL em sua posição de subordinação estrutural os que
Iamamoto (2007, p. 147) cita como expressões se encontram no lado fraco da ‘ordem econômica
da questão social “o retrocesso ao emprego, a dis- ampliada’ – ou seja: a avassaladora maioria da hu-
tribuição regressiva de renda e a ampliação da po- manidade” (MÉSZÁROS, 2002, p. 194). O neolibe-
breza, acentuando as desigualdades nos extratos ralismo não vislumbra nem de longe superar a su-
socioeconômicos”. bordinação das camadas subalternas, mas manter o
Como foi dito, o neoliberalismo não foca as ex- domínio do capital.
pressões da questão social. Em vez de políticas uni-
versais, as estratégias burguesas são realizadas a par- O NEOLIBERALISMO NO BRASIL
tir de: “(1) corte nos gastos sociais; (2) privatização; Na América Latina, a implantação do neolibera-
(3) centralização dos gastos sociais públicos em lismo se deu em momentos diferentes. Para Iama-
programas seletivos contra a pobreza; (4) descen- moto (2007, p. 147), no Chile o neoliberalismo se
tralização” (ANDRADE, 2006, p. 68). manifestou na década de 1970, já o Brasil implantou
Dessa forma, o que antes era percebido como programas de governo de orientação neoliberal nos
objeto de políticas sociais universais passa a ser anos de 1990.10
“[...] objeto de ações filantrópicas e de beneme- É importante dizer que no final da década de
rência e de ‘programas focalizados de combate à 1980, no Brasil, a assistência social, a saúde, o meio
pobreza’, que acompanham a mais ampla privati- ambiente e outras áreas da sociedade que foram ob-
zação da política social pública [...]” (IAMAMO- jeto de lutas sociais transformaram-se em direitos
TO, 2007, p. 155). sociais pela Constituição de 1988.
Para Andrade (2006, p. 77), as políticas econô- Sobre isso, Andrade (2006, p. 79) comenta que,
micas e as políticas sociais não estabelecem entre enquanto nos Estados Unidos e na Europa a tendên-
si qualquer tipo de vínculos; logo, elas são pensa-
das separadamente. Por exemplo, o desemprego 9
A globalização “[....] tendência que emana da natureza do cap-
incontrolável leva a crer que as políticas neolibe- ital desde o seu início, muito idealizada em nossos dias, na re-
alidade significa: o desenvolvimento necessário de um sistema
rais não preveem medidas seja para impedir o seu
internacional de dominação e subordinação[...]”. Dá a ideia de
avanço, seja para criar postos de trabalho para os universalização dos bens econômicos e sociais. (MÉSZÁROS,
desempregados. 2002, p. 111).
Em consequência, há uma “deterioração dos 10
Para Iamamoto (2007, p. 147), o México implantou o neo-
serviços sociais públicos”, com a diminuição dos liberalismo nos anos de 1980.

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AULA 5 — Considerações sobre o Neoliberalismo

cia era de diminuir os direitos e as garantias sociais, Na verdade, esses problemas são “[...] supostos
no Brasil, era promulgada a nossa Constituição. argumentos para justificar uma radical reforma es-
Embora se reconheça que a mobilização popular tatal, orientada nos postulados do Consenso de Wa-
e o empenho de lideranças políticas e sociais brasi- shington” (MONTAÑO, 2003, p. 222).
leiras contribuíram para a consolidação dos direitos Marilda Villela Iamamoto mostra a importância
sociais, deve-se reconhecer que elas não consegui- dos tratados internacionais12 para os mercados. Ela
ram fazer frente à ofensiva neoliberal. afirma que “[...] sem a intervenção das instâncias
Assim, complementa Iamamoto (2007, p. 150), políticas dos Estados nacionais, no lastro dos trata-
o ajuste neoliberal no governo de Fernando Hen- dos internacionais como o Consenso de Washing-
rique Cardoso reduziu a inflação, mas não garantiu ton, [...]” torna-se inviável o triunfo dos mercados
políticas distributivas com melhoria para as classes (IAMAMOTO, 2007, p. 109).
subalternas e, sim, um arrocho para a maioria da A autora também faz algumas observações acer-
população. ca do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do
Por outro lado, a Organização das Nações Uni- Banco Mundial (BIRD). Para Iamamoto (2007, p.
das (ONU) “[...] ajudou os países em desenvolvi- 118), o FMI e o BIRD impõem aos países deve-
mento a se adequarem às exigências internacionais dores “programas de ajustamento estrutural” que
[...]”, chamando os governos para participar de uma orientam a aplicação dos recursos do fundo pú-
Assembleia acerca da administração pública (AN- blico13 no mercado financeiro e não em programas
DRADE, 2006, p. 81). sociais. Constam dos “programas de ajustamento
Foram criados “[...] Ministérios ou comissões estrutural”
de alto nível para se encarregarem das ‘Reformas’
(Bresser Pereira apud Batista, 1999).” (ANDRADE, [...] a redução da massa salarial pública e da despesa
2006, p. 81). Nessa linha de governo, “[...] o finan- pública, afetando os programas sociais, a eliminação
ciamento da (contra) Reforma do Estado na década de empresas públicas não rentáveis, exacerbando as
de 1990 passou a ser prioridade do Banco Mundial desigualdades de rendimentos e o aumento da po-
(BIRD) e do Banco Interamericano de Desenvolvi- breza (Husson: 1999) (IAMAMOTO, 2007, p. 118).
mento (BID)” (ANDRADE, 2006, p. 81).11
Portanto, seguindo os princípios do neoliberalis- Essas diretrizes (cortes de funcionários, de gas-
mo, os programas neoliberais no Brasil não visam a tos públicos e de tantas outras conquistas) não
superar as classes subalternas. estão em consonância com os direitos constitu-
cionais, fruto da luta dos trabalhadores e dos mo-
O CONSENSO DE WASHINGTON vimentos sociais, contudo elas são impostas pelo
O Consenso de Washington é fruto de uma reu- “grande capital”.
nião (1989) que discutiu as reformas “[...] neces-
sárias para que a América Latina saísse da década
que alguns chamavam de perdida, da estagnação, da 12
“[...] Tratado de Marrakech, que cria a Organização Mundial
inflação, da recessão, da dívida externa e retomasse do Comércio (OMC) e o Acordo do Livre Comércio Americano
(ALCA), e o Tratado de Maastricht, que cria a ‘unificação’ euro-
o caminho do crescimento, do aumento da riqueza, peia” (IAMAMOTO, 2007, p.109).
do desenvolvimento [...]” (FIORI, 1996, p. 2).
13
“Recursos financeiros oriundos da produção, arrecadados
e centralizados pelos mecanismos fiscais, por meio da dívida
pública, tornam-se cativos das finanças, que se apropriam do
Estado, paralisando-o. Ele passa a ser ‘reduzido’ na satisfação
11
Segundo Montaño, (2003, p. 219), o ex-ministro Luiz Carlos das necessidades das maiorias, visto que o fundo público é ca-
Bresser Pereira considera que a abertura democrática no Brasil nalizado para alimentar o mercado financeiro” (IAMAMOTO,
é conservadora, populista e burocrática. 2007, pp. 117–118).

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

■■ Concluindo Embora se reconheça que a mobilização popu-


A crise do capitalismo, na década de 1970, afetou lar e o empenho de lideranças políticas e sociais
o Estado de Bem-Estar Social e favoreceu a implan- brasileiras contribuíram para a consolidação dos
tação do projeto neoliberal. O projeto neoliberal de direitos sociais, deve-se reconhecer que elas não
autoria de Hayek, comandado pelo capital financei- conseguiram fazer frente à ofensiva neoliberal.
ro, visa a combater o intervencionismo do Estado O Consenso de Washington (1989) propôs a re-
(Estado de Bem-Estar Social). forma estatal para a América Latina. O FMI e o
Esse projeto incentiva a especulação financeira e BIRD impõem aos países devedores “programas de
combate os sindicatos e os movimentos sociais, por ajustamento estrutural” que orientam a aplicação
isso não prevê diretrizes em favor da organização dos recursos do fundo público no mercado finan-
sindical, pois o seu foco é o indivíduo. Na concep- ceiro e não em programas sociais. Contudo, essas
ção neoliberal, o Estado de Bem-Estar Social tira a diretrizes são impostas pelo “grande capital”.
liberdade das pessoas e a possibilidade de elas com-
petirem. ■■ Atividades
Para Hayek, há uma ligação entre o neoliberalis- Leia o texto da aula 5 e responda às seguinte per-
mo e o mercado, pois a concorrência e o planeja- guntas:
mento do Estado não se conciliam. O neoliberalis- 1. Como se deu a substituição do Estado de Bem-
mo prevê a redução do Estado e o repasse de suas Estar Social pelo neoliberalismo?
atribuições sociais para igrejas, ONGs e outras enti- 2. Por que Hayek fundou a associação internacio-
dades da sociedade civil. nal Mont Pèlerin Society?
O neoliberalismo não foca as expressões da ques- 3. O que é o neoliberalismo?
tão social. O que antes era percebido como objeto 4. O que prevê o neoliberalismo?
de políticas sociais universais passa a ser realizado 5. Como o neoliberalismo trata a questão social?
com “programas focalizados de combate à pobreza”, 6. Como foi implantado o neoliberalismo no
com filantropia e benemerência. Brasil?
As políticas econômicas e as políticas sociais não 7. O que é o Consenso de Washington?
estabelecem entre si qualquer tipo de vínculo, logo,
são pensadas separadamente.

** ANOTAÇÕES

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AULA 6 — O Movimento Ambientalista

Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço


AULA

6
O Movimento Ambientalista

■■ Conteúdo
• A questão ambiental
• Conferências internacioanais de meio ambiente e de Educação Ambiental na década de 1970
• Antecedentes da Conferência de Estocolmo
• Concepção integrada de meio ambiente

■■ Competências e habilidades
• Compreender o movimento ambientalista na reorganização da sociedade da década de 1970
• Reconhecer as diretrizes traçadas nos encontros internacionais ambientais na conformação

Social
do ambientalismo

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO A QUESTÃO AMBIENTAL


O presente texto trata do movimento ambienta- A destruição dos recursos naturais já era perce-
lista que foi se conformando a partir de alguns en- bida por alguns setores sociais quando foi apresen-
contros internacionais, como a Conferência de Es- tado o projeto neoliberal. Hoje, a exploração dos
tocolmo (na qual a questão ambiental foi assumida recursos naturais é tão visível, que não dá mais para
oficialmente) e a Conferência de Tbilisi, marco da ignorá-la. Não é preciso fazer muito esforço para se
Educação Ambiental (EA). dar conta das catástrofes ambientais que ameaçam
Além de levantar os eventos internacionais, o tex- a sobrevivência.
to busca discutir a questão ambiental no âmbito das Práticas destruidoras modificam quase por com-
relações de produção. pleto a paisagem natural. Por exemplo, as formas

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

inadequadas das lavouras de cana-de-açúcar e de 19701 a questão ambiental foi assumida oficial-
soja que não preservam, sequer, uma árvore. Com mente. Mais especificamente, na Conferência de
isso, extensas áreas, que antes eram naturais, têm Estocolmo, realizada pela Organização das Nações
perdido a sua originalidade. Unidas (ONU), em Estocolmo, de 5 a 16 de junho
É preciso esclarecer que não dá para excluir a ex- de 1972.
ploração social da exploração ambiental, pois, na Para Dias (1993, p. 267 e pp. 269–270), em Esto-
destruição dos recursos naturais, os trabalhadores colmo foram discutidos princípios que visavam à
colocam a sua força. Nas cidades, muitos empreen- melhoria do ambiente humano; por exemplo, com-
dimentos industriais e imobiliários são implantados patibilizar o desenvolvimento com proteção ambien-
em áreas ocupadas por populações humanas e/ou em tal, educar em assuntos ambientais jovens e adultos,
áreas de resquícios naturais. Mészáros (2002) chama enfocando populações menos privilegiadas.
a atenção para não desvincular a questão ambiental Se em Estocolmo elegeu-se a educação para as-
da questão social. suntos ambientais como um princípio, significa que
É interessante observar que as leis ambientalis- a EA vinha sendo discutida e o movimento ambien-
tas no Brasil, os projetos de Educação Ambiental talista estava em ação. Como bem diz Crespo (1999,
(EA) e as campanhas ambientalistas não conse- p. 31), as origens do ambientalismo e da EA se con-
guem evitar a grande porcentagem dos males so- fundem.
cioambientais.
De fato, a veiculação na mídia (televisão, rádio, A participação do Brasil na Conferência
jornais, jornais eletrônicos) de notícias ou divul- de Estocolmo
gação de projetos de EA de campanhas socioam- A Conferência de Estocolmo reuniu governantes
bientais é importante para manter a comunidade internacionais para discutir a destruição ambiental,
informada sobre as práticas sustentáveis, mas ela contudo, nem todos os governos se colocaram na
não garante a extinção das práticas destruidoras. mesma posição. A delegação brasileira, por exem-
Como muitos dos desastres socioambientais plo, foi criticada por ter sido a favor do crescimento
veiculados pela mídia fazem parte do cotidiano de econômico com indústrias poluidoras.
usuários do Serviço Social, faz sentido expor alguns Isso resultou na criação da Secretaria Especial
encontros internacionais que deflagraram a questão de Meio Ambiente (SEMA), em 1973, que recupe-
ambiental. rou a imagem internacional do governo brasileiro.
Sobre esse fato, Meyer (1991, p. 63) afirma que a
CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS DE MEIO SEMA é consequência direta da Conferência de
AMBIENTE E DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL Estocolmo e das pressões do Banco Mundial e de
NA DÉCADA DE 1970 entidades ambientalistas.
O movimento ambientalista faz parte dos movi- Ligada ao Ministério do Interior (MINTER), a
mentos libertários do pós-Segunda Guerra Mun- SEMA tinha como uma de suas preocupações a EA.
dial, mas a questão ambiental foi deflagrada na
Conferência sobre o Meio Ambiente Humano, co-
nhecida como Conferência de Estocolmo, comen- 1
De acordo com Chauí (1999, pp. 1–2), até meados da década
tada a seguir. de 1970 a sociedade era orientada pelo princípio de Keynes, de
intervenção do Estado, e pelo princípio fordista (produção em
série, consumo) de organização industrial. O neoliberalismo
Conferência sobre o Meio Ambiente Humano deslocou os recursos da produção para a especulação financei-
(1972) ra. As tecnologias, a terceirização, o capital financeiro, o desem-
prego, o arremesso imperialista de bombas e de alimentos car-
Apesar da ocorrência de manifestações ambien- acterizam os países que se mostram contra a dominação dos
talistas na década de 1960, somente na década de países hegemônicos.

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AULA 6 — O Movimento Ambientalista

Hoje, a EA compete ao Ministério do Meio Ambien- Os questionamentos sobre a destruição da natu-


te e ao Ministério da Educação. reza, o desperdício, a guerra do Vietnã, bem como a
criação, em 1961, do World Wildlife Fund (WWF)
Conferência de Belgrado (1975) e Conferência e a obra Silent Spring, de Rachel Carson,3 de 1962,
Intergovernamental sobre Educação Ambiental que denunciou os problemas dos pesticidas na agri-
(1977) cultura e o desaparecimento de espécies, são expres-
Três anos depois da Conferência de Estocolmo sões do movimento ambientalista.
ocorreu a Conferência de Belgrado. Segundo Dias Dias chama a atenção para o conceito de EA ado-
(1993, p. 58, pp. 61–66), a Conferência de Belgrado tado pela Union for the Conservation of Nature
foi promovida pela Organização das Nações Unidas (IUCN), em 1970, que faz a relação entre o homem
para a Educação, a Cultura e a Ciência (UNESCO), e o meio natural. A IUCN a considera.
em 1975. A erradicação da pobreza, da fome, do
analfabetismo, da poluição e da exploração humana [...] como um processo de reconhecimento de va-
foram temas debatidos nesse Encontro. Nessa Con- lores e clarificação de conceitos, voltado para o de-
ferência, foi elaborada a Carta de Belgrado e as ba- senvolvimento de habilidades e atitudes necessárias
ses para o Programa Mundial de EA. à compreensão e apreciação das inter-relações en-
O autor ressalta, contudo, que os objetivos, as tre o homem, sua cultura e seu entorno biofísico.
finalidades e os princípios da EA foram indicados (DIAS, 2004, p. 98)
na Conferência Intergovernamental sobre Educa-
ção Ambiental, realizada pelo Programa das Nações Observa-se, então, que antes da Conferência de
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Tbilisi, a EA já concebia o meio ambiente nas suas
UNESCO, em Tbilisi, na Geórgia, de 14 a 26 de ou- diversas interações e que as manifestações ambien-
tubro de 1977. Conhecida como a Conferência de talistas da década de 1960 precederam a Conferên-
Tbilisi, essa Conferência foi reconhecida como o cia de Estocolmo.
marco oficial da EA. Conclui-se, então, que o fato de os governos in-
ternacionais terem assumido a questão ambiental
ANTECEDENTES DA CONFERÊNCIA em Estocolmo não significa que não tenham ocor-
DE ESTOCOLMO rido manifestações ambientalistas nas décadas an-
Como foi dito, embora a questão ambiental te- teriores.
nha sido assumida oficialmente em Estocolmo, bem Na América Latina, a partir do final da década de
antes dessa Conferência ocorriam manifestações 1970, foram realizados eventos promovidos por or-
ambientalistas.2 ganismos internacionais.
Para Grün (1996, p. 16), as primeiras sementes do Alguns encontros ambientalistas que ocorreram
ambientalismo contemporâneo foram plantadas no na América Latina:
século XX, por ocasião das duas grandes guerras e O Seminário de Educação Ambiental para a Amé-
do arremesso das bombas de Hiroshima e Nagasaki, rica Latina4, realizado em San José, na Costa Rica,
em 6 de agosto de 1945. seguiu os preceitos dos encontros anteriores (DIAS,
1993, p. 48, p. 92, p. 94).
2
A criação do primeiro parque nacional do mundo, o Yellow-
stone Nacional Park, foi no final do século XIX. Para alguns his-
toriadores, o lançamento do livro Man and Nature or Physical
Geography as Modified by Human Action, do norte-americano 3
Grün (1996, p. 16) vê a obra de Carson como um “clássico do
Georges Perkins Marshdo, em 1864, “[...] inspirou a criação do ambientalismo contemporâneo”.
primeiro parque nacional do mundo, o Yellowstone Nacional
Park, implantado 12 anos depois, nos Estados Unidos” (BRA- 4
A UNESCO realizou este Seminário, de 29 de outubro a 7 de
SIL..., Examinando as raízes, 1998, p. 23). novembro de 1979.

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

Na Venezuela5, especialistas da América Latina servação da natureza e o crescimento econômico.


elaboraram a Declaração de Caracas, que mostrou a Segundo ele, o conceito de “desenvolvimento sus-
debilidade do Estado pela dívida externa e a degra- tentado” consta do relatório da Comissão9 “Our
dação socioambiental e indicou um novo modelo Common Future”10.
de desenvolvimento internacional. A concepção integrada de meio ambiente na sua
O Seminário Latino-Americano de EA6, de Bue- dimensão social, econômica, política, ecológica,
nos Aires, dentre outros pontos, enfatizou a necessi- cultural e ética foi adotada oficialmente. A título de
dade dessa política se empenhar por um modelo de exemplo, podem ser citadas algumas iniciativas go-
crescimento econômico, equidade social e conser- vernamentais e não governamentais que se apoiaram
vação dos recursos naturais. nessa concepção. Uma delas é o Tratado de EA para
No Brasil, no final da década de 1980 e início da Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global
década de 1990, destacaram-se três fatos: a Cons- (1992). As outras são as Leis que instituem a Política
tituição brasileira, em 1988 (um capítulo sobre Nacional de Meio Ambiente (1981) e a Política Na-
meio ambiente), a Rio-927 e o Fórum Brasileiro cional de EA (1999), bem como o Programa Nacional
de ONGs. Segundo Dias (1993, pp. 109–110), a de EA (ProNEA). Nessa concepção, tanto governo e
Rio-92 foi promovida pela ONU, de 3 a 14 de junho sociedade civil, como diversos teóricos da EA, subsi-
de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, e reafirmou as diaram diretrizes oficiais e lutas ambientalistas.
recomendações de Tbilisi. Durante a Rio-92, o Fó- Não há dúvida de que a concepção de não separar
rum Brasileiro de ONGs, junto com os Movimentos o meio natural do meio social significou um avanço
Sociais, “[...] realizou o encontro paralelo da socie- na compreensão do ambiente. Entretanto, essa con-
dade civil [...]” (REDES, 2003, p. 17). Este Fórum foi cepção ainda não discute os problemas ambientais
a gênese da Rede Brasileira de EA. nas relações de produção.
Segundo Grün (1996, p. 18), com o retorno dos
CONCEPÇÃO INTEGRADA DE MEIO AMBIENTE exilados políticos, em 1979, a militância reconheceu
Pelos motivos apontados, ficou claro que inter- o ambientalismo. A militância brasileira entendia
nacionalmente a concepção integrada de meio am- que os movimentos nasceram das classes médias
biente foi adotada na década de 1970. europeias e anglo-saxônicas, por isso olhava com
Quanto ao termo “desenvolvimento sustentável”, desconfiança para os ambientalistas.
Dias (1993, pp. 80–83) afirma que a sustentabilida- Para Lima (2002, p. 116), a sociedade brasilei-
de foi uma das recomendações do Congresso Inter- ra reconheceu a EA na década de 1990, a partir
nacional sobre Educação e Formação Ambientais8, do envolvimento de organismos internacionais,
realizado em Moscou. organizações governamentais e não governamen-
Para Grün (1996, p. 18), o conceito de “desenvol- tais, comunidades científicas, entidades empresa-
vimento sustentado” implica em conciliar a con- riais e religiosas. Na comunidade internacional, o
reconhecimento público da EA deu-se na década
5
Nesse Encontro, realizado de 25 a 28 de abril de 1988, com o de 1980.
apoio do PNUMA, discutiu-se a gestão ambiental da América
Latina.
9
A Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvol-
6
De 18 a 21 de maio de 1988 foi realizado este Seminário, com vimento foi criada em 1983, pela ONU, para pesquisar os
o apoio de UNESCO/PNUMA. problemas ambientais, numa perspectiva global. O documento
preparou as bases para a Rio-92.
7
A Rio-92 é a Conferência das Nações Unidas para o Meio Am-
biente e o Desenvolvimento (CNUMAD). 10
O relatório “Our Common Future”, lançado em 1989, foi pro-
duzido pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e De-
8
Este Congresso foi realizado pela UNESCO e pelo PNUMA, de senvolvimento, presidida pela primeira ministra da Noruega,
17 a 21 de agosto de 1987. Gro-Brundtland.

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AULA 6 — O Movimento Ambientalista

Instrumentos de sensibilização socioambiental meio ambiente, a dimensão ambiental não discute os


Como foi dito anteriormente, muitos dos desas- conflitos de classe social. Num estudo sobre a ques-
tres socioambientais veiculados pela mídia fazem tão ambiental, István Mészáros (2002), assinala que,
parte do cotidiano de usuários do Serviço Social. hoje, a ecologia
Em vista disso, o assistente social pode atuar com
instrumentos de sensibilização socioambiental. [...] é obrigada a ser grotescamente desfigurada e
Por exemplo, fazendo parte da equipe de meio exagerada unilateralmente para que as pessoas –
ambiente num órgão ambiental ou de uma ONG, suficientemente impressionadas com o tom cata-
propondo uma ação socioambiental num órgão de clísmico dos sermões ecológicos – possam ser, com
assistência social. sucesso, desviadas dos candentes problemas sociais
Numa audiência pública11 para apresentar à so- e políticos. (MÉSZÁROS, 2002, p. 987)
ciedade e para discutir os impactos socioambien-
tais de um certo empreendimento, o assistente Tomando por base o significado que Mészáros
social poderá articular ações com a comunidade e (2002) dá aos “sermões ecológicos”, é possível di-
mediar as relações entre o poder público, a empre- zer que o movimento ambientalista, em geral, não
sa e as entidades que atuam na comunidade. No avança na direção de explicitar os determinantes
caso da EA, o assistente social poderá coordenar e das práticas destruidoras do ambiente.
desenvolver projetos de EA para crianças e adoles- É preciso deixar claro, contudo, que as entidades
centes, mulheres, trabalhadores e outros segmen- ambientalistas conseguem agregar pessoas em tor-
tos da comunidade. O mesmo se dá numa ONG no da causa ambientalista, chamando a atenção da
socioambiental. população para os sérios prejuízos que a exploração
É importante, ainda, que o assistente social procu- socioambiental capitalista vem causando a todos os
re acompanhar a implantação de empreendimentos seres vivos.
que causam impactos sociambientais e participe de O movimento tem dado a sua contribuição para
reuniões do conselho municipal de meio ambiente, a sociedade na medida em que consegue criar obs-
de ONGs ambientalistas, de redes ambientalistas e táculos a deliberações que não levam em conta o
de EA; enfim, que se faça presente no movimento ambiente (recursos naturais e pessoas).
ambientalista. É importante que o assistente social acompa-
nhe os processos de licenciamento ambiental de
■■ Concluindo empreendimentos que causam impactos socio-
As manifestações das entidades ambientalistas e da ambientais e que se faça presente no movimento
EA fazem parte do movimento ambientalista. Como ambientalista.
foi dito, embora incorpore a concepção integrada de
■■ Atividades
11
“A audiência pública serve para informar, discutir, dirimir
Leia o texto da aula 6 e desenvolva as seguintes
dúvidas e ouvir opiniões sobre os anseios da comunidade, em questões:
especial a população diretamente afetada, cujas preocupações, 1. Como ocorre a destruição ambiental?
pronunciamentos e informações, o órgão ambiental encar-
regado do licenciamento levará em consideração no procedi- 2. Qual o nome da Conferência de Estocolmo?
mento decisório sobre a aprovação ou não do projeto. [...] As Qual a importância que ela teve para a comu-
audiências públicas serão realizadas sempre no município ou
nidade?
área de interferência em que a obra, atividade, plano, programa
ou projeto, estiver previsto(a) para implantação, tendo priori- 3. Como foi a participação do Brasil na Confe-
dade para escolha o município onde os impactos forem mais rência de Estocolmo?
significativos.” Participação pública. (http://www.cprh. pe.gov.
br/frme-index-secao.asp?idsecao=363. Acessado em 5 de set- 4. Em que ano e local ocorreram as conferências
embro de 2008). de Belgrado e de Tbilisi e qual é o nome delas?

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

Destaque pontos importantes das duas confe- 7. Como você entendeu a concepção integrada de
rências. meio ambiente?
5. Indique alguns antecedentes da Conferência de 8. O que você pensa sobre a participação do assis-
Estocolmo. tente social no movimento ambientalista?
6. Quais foram os encontros ambientalistas da
América Latina citados no texto?

** ANOTAÇÕES

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AULA 7 — O Terceiro Setor

AULA

Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do


7
O Terceiro Setor

■■ Conteúdo
• O terceiro setor
• O trabalho das ONGs

Serviço Social
■■ Competências e habilidades
• Compreender os fatores que engendraram o surgimento do terceiro setor na sociedade
capitalista contemporânea
• Reconhecer o papel das ONGs na sociedade neoliberal
• Identificar a atuação das ONGs nos anos de 1990

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO
O propósito deste texto é mostrar que o terceiro lantropia e a questão social” (1998), de Elizabeth de
setor se inscreve na reorganização neoliberal da qual Melo Rico, in “Terceiro setor e movimentos sociais
fazem parte as modificações sociais do trabalho for- hoje” (Revista Serviço Social e Sociedade), a pales-
mal. As considerações feitas acerca das ONGs são tra proferida pelo professor José Luís Fiori, UFRJ
essenciais para se compreender a função social do (1996), e o livro Serviço Social em Tempo de Capital
terceiro setor e a organização da sociedade atual. Fetiche, de Marilda Villela Iamamoto.
As obras pesquisadas são: Terceiro setor e questão
social: crítica ao padrão emergente de intervenção O TERCEIRO SETOR
social (2003), de Carlos Montaño; os capítulos “O Os três setores
novo associativismo e o terceiro setor” (1998), de Nos tempos atuais, o rearranjo do capitalismo di-
Maria da Glória Gohn, e o “O empresariado, a fi- vidiu a sociedade em três setores:

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

O primeiro setor é representado por: “prefeituras As entidades do terceiro setor3 são necessárias à
municipais, governos dos Estados e Presidência da vida social e dependem da contribuição dos cida-
República, além de entidades a esses entes ligadas dãos, inclusive da ajuda financeira para desenvolve-
(ministérios, secretarias, autarquias, entre outras). rem seu trabalho, pois o “[...] terceiro setor é o setor
Quer dizer, chamamos de primeiro setor o setor pú- privado sem fins lucrativos” (Landin, 1999:70 apud
blico, que obedece ao seu caráter público e exerce MONTAÑO, 2003, p. 53, nota de rodapé no 1).
atividades públicas” (http://www.cedac.org. br/OS- As fundações Rockefeller, Roberto Marinho,
CIP.pdf. Acessado em 30 de janeiro de 2008). Bradesco, Bill Gates, que desenvolvem a assistên-
Quem forma o segundo setor “[...] é o mercado cia social nas empresas, “[...] não podem esconder
(empresas), composto por entidades privadas que seu claro interesse econômico por meio da isenção
exercem atividades privadas, ou seja, atuam em be- de impostos, ou da melhora de imagem de seus
nefício próprio e particular” (http://www.cedac.org. produtos (aumentando a venda ou o preço) [...]”
br/OSCIP.pdf. Acessado em 30 de janeiro de 2008). (MONTAÑO, 2003, p. 58).
O terceiro setor1 “[...] é constituído por organiza-
ções sem fins lucrativos e não governamentais, que O terceiro setor e a sociedade civil
têm como objetivo gerar serviços de caráter públi- Marilda Villela Iamamoto (2007, p. 204) tam-
co” (http://www.filantropia.org/OqueeTercei-roSe- bém discute o terceiro setor. Segundo a autora, essa
tor.htm. Acessado em 19 de agosto de 2008). é a “interpretação governamental” que distingue o
Carlos Montaño (2003, p. 53), num estudo sobre terceiro setor (ligado a “organizações da socieda-
o terceiro setor2 e a questão social, questiona essa de civil de interesse público”)4 do primeiro setor
divisão da sociedade. Para ele, foram “intelectuais (o Estado) e do segundo setor (mercado). Nas pa-
orgânicos do capital” que elaboraram o conceito de lavras da autora, o terceiro setor é
terceiro setor, “[...] e isso sinaliza clara ligação com
os interesses de classe, nas transformações necessá- [...] considerado como um setor “não governa-
rias à alta burguesia”. mental”, “não lucrativo” e voltado ao desenvolvi-
Segundo ele, o termo “terceiro setor” “é construí- mento social, que daria origem a uma “esfera pú-
do a partir de um recorte do social em esferas”. Essa blica não estatal”, constituída por “organizações
divisão passa a ideia de uma certa independência da sociedade civil de interesse público”. No marco
entre os setores, quando, na verdade, os três (o pri- legal do terceiro setor no Brasil são incluídas enti-
meiro setor corresponde ao Estado, o segundo, ao dades de natureza as mais variadas, que estabele-
mercado e o terceiro, à sociedade civil) estão ligados cem um termo de parceria entre entidades de fins
um ao outro. públicos de origem diversa (estatal e social) e de
No que se refere à hierarquia estabelecida entre natureza distinta (pública ou privada). (IAMA-
os setores, Montaño (2003, p. 54) observa que, se MOTO, 2007, p. 204)
a sociedade civil produz o mercado e o Estado, ela
deveria ser o primeiro setor e não o terceiro.
3
Para Landin (1999:70 apud Montaño, 2003, p. 53, nota de
1
Peculiarmente, no IV Encontro do Terceiro Setor, realizado rodapé no 1), são do terceiro setor igreja, hospitais, museus, or-
na Argentina, em 1998, definiu-se “[...] como organizações do questras sinfônicas, organizações de assistência social de vários
‘terceiro setor’, aquelas que são privadas, não governamentais, tipos, bibliotecas, universidades, escolas privadas, grupos de
sem fins lucrativos, autogovernadas, de associação voluntária teatro.
cf. Acotto e Manzur, 2000:4” (MONTAÑO, 2003, p. 55).
4
As OSCIPs “[...] são ONGs, criadas por iniciativa privada [...]”.
2
“Surge como conceito cunhado, nos EUA, em 1978, por John D. Essas organizações “[...] podem celebrar com o poder público
Rockefeller III. Ao Brasil chega por intermédio de um funcionário os chamados termos de parceria [...]” (http://www.cedac.org.
da Fundação Roberto Marinho” (MONTAÑO, 2003, p. 53). br/OSCIP.pdf. Acessado em 30 de janeiro de 2008).

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AULA 7 — O Terceiro Setor

Nessa conformação, entidades da sociedade ci- O surgimento do terceiro setor6


vil , como “instituições filantrópicas”, voluntaria-
5
Montaño (2003, p. 55) faz observações acerca
do, organizações não governamentais e empresas, do surgimento do terceiro setor. Para ele, o termo
podem estabelecer termos de parceria com o poder “terceiro setor” foi criado na passagem da década
público. de 1970 para a década de 1980, nos Estados Unidos,
Iamamoto (2007, p. 204) também evidencia “a por alguns intelectuais que pretendiam superar a
tendência de estabelecer uma identidade entre ter- dicotomia entre público e privado. Esse conceito se
ceiro setor e sociedade civil”. A autora revela que a expandiu nas décadas de 1980 e de 1990.
sociedade civil No Brasil, esse termo foi utilizado no III Encon-
tro Ibero-Americano do Terceiro Setor7, que acon-
[....] passa a ser reduzida a um conjunto de or- teceu em 1996, no Rio de Janeiro, coordenado pelo
ganizações – as chamadas entidades sem fins lu- Grupo de Institutos, Fundações e Empresas Priva-
crativos –, sendo dela excluídos os órgãos de re- das (GIFE).8 Segundo Rico (1998, p. 31), o empresa-
presentação política, como sindicatos e partidos, riado brasileiro começou a olhar para os problemas
dentro de um amplo processo de despolitização. sociais a partir dos anos de 1980.9
(IAMAMOTO, 2007, p. 204) O IV Encontro ocorreu na Argentina, em 1998,
quando se definiram as organizações do terceiro
Essa identidade entre terceiro setor e sociedade setor. O III Encontro foi a continuação do I e II
civil, apontada pela autora, mostra que não há o Encontros Ibero-Americanos de Filantropia, reali-
mínimo interesse em se levar adiante um projeto zados na Espanha e no México, por isso a ligação do
de organização sindical dos trabalhadores. A “[...] terceiro setor com a filantropia.
a sociedade civil tende a ser interpretada como um
conjunto de organizações distintas e ‘complemen- O TRABALHO DAS ONGS10
tares’, destituída dos conflitos e tensões de classe, Para Maria da Glória Gohn (1998, p. 13) e Car-
em que prevalecem os laços de solidariedade” (IA- los Montaño (2003, p. 273), nos anos 1970 e 1980
MAMOTO, 2007, p. 204).
A autora reforça que “[....] a sociedade civil 6
“Peter Drucker (1991) constatou que o terceiro setor foi o que
tem sido usada como instrumento para canalizar mais cresceu, mais movimentou recursos, gerou empregos, e
o projeto político de enfraquecimento do Estado foi o mais lucrativo na economia norte-americana nos últimos
vinte anos” (GOHN, 1998, p. 16).
social e para disfarçar o caráter de classe de muitos
conflitos sociais” (IAMAMOTO, 2007, p. 205). 7
Desse Encontro nasceu o livro: Terceiro setor: desenvolvimen-
De fato, a compreensão da sociedade civil como to social sustentado, lançado em 1997.

um conjunto de “entidades sem fins lucrativos” re- 8


O grupo GIFE, por exemplo, tem-se voltado para “[...] romper
tira a possibilidade de os órgãos de representação com as ações caritativas tradicionais [...]” e investe em projetos
sociais sem fins lucrativos (RICO, 1998, p. 33).
política se expressarem e esconde os conflitos de
classe. 9
O conhecimento pela mídia em tempo real das catástro-
fes ambientais, da miséria e do desemprego, que aflige um
número incontável de pessoas e que gera uma instabilidade
social, tem levado o empresariado a deixar de lado as ações
pontuais. Por outro lado, o avanço tecnológico tem exigido
5
“Pesquisas mostram que [...] grande parte dos recursos re- do empresariado investimentos na qualificação profissional,
passados do Estado para algumas organizações (por meio das assim como os mecanismos ambientais começam a ser con-
‘parcerias’) – ou seja, parte da mais-valia recolhida pelo Estado siderados nos negócios.
em forma de impostos, e supostamente dirigida a atividades as-
sistenciais – não chega a seus destinatários finais, ficando para 10
As ONGs “[...] são via de regra, aquelas que não fazem parte
custear os gastos operacionais dessas organizações” (MONTA- do governo e que, ao prestarem serviços coletivos, não passam
ÑO, 2003, p. 58). pelo exercício de poder de Estado” (RICO, 1998, p. 27).

43

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

os movimentos sociais cresceram, mas, nos anos vidas pelo Estado.13 Por outro lado, a atuação na
1990 houve um aumento das ONGs. A partir daí, geração de emprego abriu um campo de trabalho
mudou a direção do trabalho das ONGs. A título para o assistente social e outros profissionais.
de esclarecimento, podem ser citados dois aspectos
do estudo desses autores. ■■ Concluindo
Um deles se refere à parceria das ONGs com Para Montaño (2003) foram “intelectuais orgâ-
o Estado.11 Segundo Montaño (2003, p. 274), as nicos do capital” que elaboraram o conceito de ter-
ONGs assumiram o papel das organizações sociais ceiro setor, que logo deixa clara uma ligação com
na perspectiva de “pedido”, de “negociação” entre os interesses de classe. A divisão em setores passa a
parceiros, e não de luta ou de reivindicação. Isso ideia de uma certa independência entre eles, quan-
provocou a despolitização e o esvaziamento das do, na verdade, os três (o primeiro setor corres-
organizações sociais.12 ponde ao Estado, o segundo, ao mercado e o tercei-
O outro aspecto diz respeito aos dois momentos ro, à sociedade civil) estão ligados um ao outro.
de atuação das ONGs detectados por Gohn (1998, Segundo Iamamoto (2007 p. 204) essa é a “in-
pp. 13–15): de 1970 a 1980, as ONGs eram arti- terpretação governamental” que distingue o tercei-
culadas politicamente e exerciam a militância e as ro setor (ligado às “organizações da sociedade civil
pressões sociais, e na década de 1990, elas deixaram de interesse público”) do Estado (primeiro setor) e
de se articular. Cabe lembrar as pressões exercidas do mercado (segundo setor).
pelas ONGs ambientalistas. Nessa conformação, entidades da sociedade ci-
Para a autora “[...] a partir dos anos 1990, o BM vil, como “instituições filantrópicas”, voluntariado,
[Banco Mundial] adota uma postura de diálogo e organizações não governamentais e empresas, po-
privilegiamento de ações e parcerias com ONGs” dem estabelecer termos de parceria com o poder
(GOHN, 1998, pp. 15–16). Elas passaram a atuar público.
“[...] na geração de empregos e oportunidades de Iamamoto (2007, p. 204) chama a atenção para
trabalho temporário, sem vínculo empregatício “a tendência de estabelecer uma identidade entre
[...] e na requalificação de trabalhadores [...]” de- terceiro setor e sociedade civil”, dando a entender
mitidos para a redução de custos ou por falta de que na sociedade civil não há conflitos de classe.
habilidades tecnológicas (GOHN, 1998, p. 16). O empresariado tem deixado de realizar ações
De posições contestadoras, nos anos 1970 e 1980, pontuais, pois o avanço tecnológico tem exigido
a partir dos anos 1990, as ONGs, apoiadas finan- dele investimentos na qualificação profissional e
ceiramente por entidades ligadas ao governo, estão atenção quanto aos mecanismos ambientais.
assumindo atribuições que, antes, eram desenvol- Hoje, de posições contestadoras, nas décadas de
1970 a 1980, depois dos anos de 1990, as ONGs
passaram a exercer parcerias com o governo para
11
Depois dos anos 1970, as ONGs articulavam e captavam re-
desenvolver ações que eram da atribuição do Esta-
cursos para os movimentos sociais (elas lutavam contra as di- do. Por outro lado, a atuação na geração de empre-
taduras, a opressão, a exploração e por melhorias específicas) go abriu um campo de trabalho para o assistente
(MONTAÑO, 2003, p.270). “Isto é, a população, para além
de seus eventuais vínculos partidários e/ou sindicais, formava social e outros profissionais.
parte de movimentos sociais, constituídos para dar respostas
a necessidades específicas, ou para lutar por/contra situações
mais estruturais” (MONTAÑO, 2003, p. 271).

12
“Revitalizar os movimentos sociais articulados – e não a so-
ciedade civil – e ressituar a ONG como sua ‘parceira’ – e não do 13
Com o Estado, as ONGs são contratadas ou trabalham em
Estado ou da empresa/fundação capitalista – é tarefa essencial” parceria e “[...] desempenham, de forma terceirizada, as fun-
(MONTAÑO, 2003, p. 274). ções a ele atribuídas [...]” (MONTAÑO (2003, p. 57).

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AULA 7 — O Terceiro Setor

■■ Atividades 3. Faça um comentário sobre a seguinte afirmati-


Leia o texto da aula 7 e desenvolva as seguintes va: “Chama atenção a tendência de estabelecer
questões: uma identidade entre terceiro setor e sociedade
1. Quais sãos os três setores da sociedade? Expli- civil, cuja polissemia é patente” (IAMAMOTO,
que cada um deles. 2007, p. 204).
2. Explique o terceiro setor na visão de Carlos 4. Como foi criado o terceiro setor?
Montaño. 5. Discorra sobre as ONGs, destacando sua atua-
ção nos anos de 1990.

** ANOTAÇÕES

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

AULA
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do

8
A Importância de o Assistente Social
Conhecer a Sociedade Contemporânea

■■ Conteúdo
• O Serviço Social na sociedade contemporânea
Serviço Social

• Importância de o assistente social conhecer a sociedade contemporânea


• Desafios da formação acadêmica do assistente social
• Alguns aspectos do trabalho do assistente social

■■ Competências e habilidades
• Compreender o processo de formação do assistente social
• Reconhecer as repercussões da reorganização do trabalho na classe trabalhadora
• Reconhecer os novos mercados de trabalho do assistente social

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO O texto tem por base a obra O Serviço Social na


O texto desta aula procura mostrar a importância contemporaneidade: trabalho e formação profissional,
de o assistente social conhecer a sociedade contem- de Marilda Villela Iamamoto (2006).
porânea. Dentre outros aspectos, a formação acadê-
mica do assistente social deve atentar-se para as mu- O SERVIÇO SOCIAL NA SOCIEDADE
danças que ocorreram na organização do trabalho, CONTEMPORÂNEA
nas últimas décadas do século XX. Como tem sido Como o Serviço Social faz parte do conjunto
evidenciado, o Serviço Social vem acompanhando o de profissões que surgiram no capitalismo mono-
movimento do capital, daí a preocupação da acade- polista1, as mudanças que ocorrem na sociedade
mia em propiciar conhecimentos sobre a sociedade
contemporânea. 1
Na sociedade monopolista, “[...] se gestam as condições

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AULA 8 — A Importância de o Assistente Social Conhecer a Sociedade Contemporânea

contemporânea interferem no trabalho desse pro- vidades nos espaços entrecortados das ruas e das
fissional. calçadas. Mesmo quando lhes é oferecida uma so-
Isso é tão verdade que as mudanças efetuadas lução urbanística oficial, nela ainda está presente o
pelo capital alteram as expressões da questão social componente da informalidade.
e o seu enfrentamento. Cabe lembrar as perdas que
os trabalhadores vêm sofrendo com a terceirização. Como o trabalho do assistente social tem
A indústria acompanhado as mudanças sociais brasileiras?
Para Iamamoto e Carvalho (2006), o Serviço
[...] cria em torno de si uma rede de pequenas e Social nasceu do movimento católico e das deman-
médias empresas fornecedoras de peças, insumos das do Estado, na década de 1930. Segundo Netto
e serviços. Transformam-se grandes empresas em (2006), a renovação do Serviço Social tradicional
simples ‘montadoras’, dando origem ao fenômeno teve início a partir da perspectiva modernizadora2,
da terceirização (IAMAMOTO, 2006, p. 177). na década de 1960. No final dos anos 1970, mani-
festou-se a perspectiva da reatualização do conser-
A terceirização adotada pelas entidades públicas vadorismo e a perspectiva da intenção de ruptura,
e particulares concorre para “[...] a crescente perda criando força nos anos 1980.3 Os anos 1990 foram
dos direitos sociais, o aumento do trabalho tem- marcados pelas perdas sociais.
porário, os altos índices de desemprego estrutural, Como afirmam Iamamoto e Carvalho, o Servi-
observando-se o crescimento das chamadas “taxas ço Social insere-se na divisão social do trabalho
naturais de desemprego”’ (IAMAMOTO, 2006, do capitalismo.4 Assim, o assistente social é um
p. 177). dos trabalhadores requisitados pelo capitalismo
Basta prestar atenção à forma como vem sendo monopolista para atuar nas expressões da questão
realizado o serviço de limpeza em grande parte das social, por isso é necessário que ele acompanhe as
empresas e das instituições públicas. Muitos traba- mudanças sociais.
lhadores que ali prestam serviço foram demitidos.
Isso mostra que o capital exige uma produção “[...]
com maior eficiência e menor custo” (IAMAMO- IMPORTÂNCIA DE O ASSISTENTE SOCIAL
TO, 2006, p. 177).
Quando o trabalhador não consegue disputar
2
Condicionado pelo regime militar e pelos padrões mo-
uma vaga no trabalho formal, o próprio sistema nopolistas do capital, o Serviço Social teve que inovar as suas
cria e recria as “relações não capitalistas de pro- práticas tradicionais na perspectiva da modernização conser-
dução”. Por exemplo, “[...] revigora-se o trabalho vadora.

familiar e artesanal, estimulando as economias 3


Segundo Netto (2006), a perspectiva da reatualização do con-
informais e subterrâneas com elevadas taxas de servadorismo pretendia reatualizar o Serviço Social tradicio-
nal, trazendo à tona elementos do conservadorismo católico,
extração de trabalho excedente” (IAMAMOTO, tendo como fundamento a fenomenologia. A perspectiva da
2006, p. 176). intenção de ruptura buscava romper com a “herança conser-
Diversos trabalhadores brasileiros vêm aderin- vadora do Serviço Social”.

do ao trabalho informal, desenvolvendo suas ati- 4


“O Serviço Social se gesta e se desenvolve como profissão
reconhecida na divisão social do trabalho, tendo por pano de
fundo o desenvolvimento capitalista industrial e a expansão
histórico-sociais para que, na divisão social (e técnica) do tra- urbana, processos esses aqui apreendidos sob o ângulo das
balho, constitua-se em um espaço em que se possam mover novas classes sociais emergentes – a constituição e a expansão
práticas profissionais, como as do assistente social” (NETTO, do proletariado e da burguesia industrial – e das modificações
2005, p. 73). Ou seja, “[...] enquanto profissão, o Serviço Social verificadas na composição de grupos e frações de classes que
é indissociável da ordem monopólica – ela cria e funda a profis- compartilham o poder de Estado em conjunturas históricas
sionalidade do Serviço Social” (NETTO, 2005, p. 74). específicas” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2006, p. 77).

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

CONHECER A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA acadêmica, o curso de Serviço Social deve possibi-


Por que é necessário o assistente social conhecer litar “[...] aos assistentes sociais compreender cri-
a sociedade? Ao se atentar para os trabalhadores da ticamente as tendências do atual estágio da expan-
década de 1920, já se tem, pelo menos, uma parte são capitalista e suas repercussões na alteração das
da resposta. A luta desses trabalhadores visava à funções tradicionalmente atribuídas à profissão
melhoria dos salários, das condições de trabalho e [...]” (IAMAMOTO, 2006, p. 180).
à diminuição das jornadas de trabalho. Para a autora, o esforço para apreender o atu-
Na década de 1930, enquanto o Presidente Ge- al estágio da expansão do capital tem enriquecido
túlio Vargas permitia a existência dos sindicatos o debate do Serviço Social.6 Também considera a
atrelados ao governo, o regime militar de 1964 história, a teoria e a metodologia do Serviço Social
proibia qualquer tipo de manifestação sindicalis- como “[...] um dos eixos necessários à formação
ta. Já na década de 1980, a força dos movimentos profissional [...]”, temas que emergiram na década
sociais contribuía para a consolidação dos direitos de 1980. Entretanto, necessitam de novos aprofun-
sociais na Constituição de 1988. damentos7 (IAMAMOTO, 2006, p. 190).
Hoje, não há espaço para a luta sindicalista5 Quanto à prática profissional, ela chama a aten-
diante de “[...] uma ‘nova pobreza’, um excedente ção para a falta de entrosamento entre os centros
de força de trabalho que não tem preço, porque de formação e os campos de estágio e a “[...] dis-
não tem mais lugar no processo de produção” (IA- tância constatada entre o tratamento teórico-sis-
MAMOTO, 2006, p. 176). Os que conseguem tra- temático das matrizes teórico-metodológicas e a
balho devem aliar o conhecimento especializado quotidianidade da prática profissional”90 (IAMA-
ao domínio das tecnologias. MOTO, 2006, p. 191).
Como foi visto, os governos tratam a questão Muitos problemas que chegam ao Serviço So-
social com repressão e fazem concessões sociais. cial exigem soluções urgentes. Se a formação aca-
Com a “nova pobreza” de agora, como manter viva dêmica possibilitar o acesso a textos de autores que
a luta dos trabalhadores se há “um excedente de discutem o Serviço Social nas teorias positivistas,
força de trabalho que não tem preço, porque não fenomenológicas e marxistas, com certeza o assis-
tem mais lugar no processo de produção”? tente social terá melhor clareza na realização de
Dessa forma, as alterações na produção modi- práticas cotidianas, por exemplo, “[...] entrevistas,
ficam as relações de trabalho e a questão social, a reuniões, plantão, encaminhamento etc.” (IAMA-
relação Estado e sociedade civil e exigem que o as- MOTO, 2006, p. 62).
sistente social busque compreender a realidade dos
usuários no movimento do capital.

DESAFIOS DA FORMAÇÃO ACADÊMICA


DO ASSISTENTE SOCIAL 6
Yasbeck (1988, p. 41), por exemplo, explicita que a discussão
Marilda Villela Iamamoto coloca desafios para de Araxá (1967) primou por adaptar o Serviço Social às de-
a formação acadêmica do assistente social e para mandas autoritárias e burocráticas do Estado. Nessa linha
teórica, Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho, José
a sua prática profissional. Em relação à formação
Paulo Netto, Vicente de Paula Faleiros e tantos outros produz-
iram um acúmulo de contribuições teóricas que desvendam o
Serviço Social na sociedade brasileira.

5
A esse respeito, Iamamoto (2006, p. 179) registra a situação 7
Com esse intuito têm sido desenvolvidas “[...] experiências
das empresas localizadas em países que não passaram pelo de estruturação de disciplinas, que se esforçam por integrar,
processo de industrialização e os trabalhadores dessas empre- organicamente, fundamentos históricos, teóricos e metod-
sas sem experiência sindical. ológicos do Serviço Social” (IAMAMOTO, 2006, p. 191).

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AULA 8 — A Importância de o Assistente Social Conhecer a Sociedade Contemporânea

ALGUNS ASPECTOS DO TRABALHO fera do Estado, na prestação de serviços públicos,


DO ASSISTENTE SOCIAL nada tem a ver com o trabalho produtivo, visto que
No livro Serviço Social em tempo de capital fe- não estabelece uma relação direta com o capital
tiche, dentre outros aspectos, Marilda Villela Ia- [...]” (IAMAMOTO, 2007, p. 86).10
mamoto discute o fundo público e o trabalho do Nos conselhos, o assistente social é chamado a
assistente social na empresa8, no Estado e nos con- participar nos da criança e do adolescente, da saú-
selhos. de, do idoso, dentre outros. Segue abaixo um texto
Quanto ao fundo público, a autora faz uma crí- sobre os conselhos:
tica acerca da destinação dos seus recursos. Confi-
ra na transcrição abaixo: [...] Os Conselhos, perfilando uma nova institucio-
nalidade nas ações públicas, são instâncias em que
Recursos financeiros oriundos da produção, arre- se refratam interesses contraditórios e, portanto,
cadados e centralizados pelos mecanismos fiscais, espaços de lutas e disputas políticas. Por um lado,
por meio da dívida pública, tornam-se cativos eles dispõem de potencial para fazer avançar o pro-
das finanças, que se apropriam do Estado, para- cesso de democratização das políticas sociais públi-
lisando-o. Este passa a ser “reduzido” na satisfa- cas. Permitem atribuir maior visibilidade às ações
ção das necessidades das grandes maiorias, visto e saturar as políticas públicas das necessidades de
que o fundo público é canalizado para alimentar diferentes segmentos organizados da sociedade ci-
o mercado financeiro. (IAMAMOTO, 2007, pp. vil, em especial os movimentos das classes traba-
117–118) lhadoras. Por outro lado, são espaços que podem
ser capturados por aqueles que apostam na reitera-
Parte da riqueza produzida socialmente que vai ção do conservantismo político, fazendo vicejar as
para o fundo público (via impostos) para ser re- tradicionais práticas clientelistas, o cultivo do favor
distribuída para a sociedade por meio das políticas e da apropriação privada da coisa pública, segun-
sociais está tomando outros rumos. Isso compro- do interesses particularistas, que tradicionalmente
mete programas sociais de atuação do Serviço So- impregnaram a cultura política brasileira e, em es-
cial (saúde, assistência social, habitação e outros) e pecial, as instâncias de poder na esfera municipal.
interfere “na reprodução da força de trabalho”. Esvazia-se, assim, o potencial de representação que
Mesmo nas empresas e nas organizações da so- dispõem os Conselhos, reduzidos a mecanismos
ciedade civil, o trabalho do assistente social depen- formais de uma democracia procedimental. (Cou-
de dos recursos institucionais,9 daí a importância tinho, 2006; Behring e Boschetti, 2006 apud IAMA-
desses recursos. MOTO, 2007, pp. 198–199)
No que se refere ao trabalho do assistente social
no Estado e na empresa, a autora faz uma distin- Segundo ela, tanto os conselhos podem ser um
ção. O “[...] trabalho realizado diretamente na es- instrumento do “processo de democratização das
políticas sociais públicas” como podem ser legiti-
madores de ações conservadoras. Por isso, o assis-
8
Na empresa, o Serviço Social “[...] produz treinamentos, re-
aliza programas de aposentadoria, viabiliza benefícios assisten- tente social precisa estar atento aos interesses con-
ciais e previdenciários, presta serviços de saúde, faz prevenção traditórios dos conselhos.
de acidentes de trabalho etc.” (IAMAMOTO, 2006, pp. 66–67).

9
No Estado, nas empresas e/ou nas organizações da sociedade
civil, o trabalho do assistente social depende de “[...] recur- 10
Na prestação de serviços sociais, “[...] não existe criação capi-
sos previstos nos programas e projetos da instituição que o talista de valor e mais-valia, visto que o Estado não cria riquezas
requisita e o contrata, por meio dos quais é exercido o trabalho ao atuar no campo das políticas sociais públicas” (IAMAMO-
especializado” (IAMAMOTO, 2006, p. 63). TO, 2006, p. 70).

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

■■ Concluindo sobre as condições do local onde vive e apontar


Como foi visto, os governos tratam a questão caminhos de enfrentamento dos problemas ali co-
social com repressão e fazem concessões sociais. locados.
Com a “nova pobreza” de agora, como manter viva
a luta dos trabalhadores se há “um excedente de ■■ Atividades
força de trabalho que não tem preço, porque não Leia o texto da aula 8 e desenvolva as seguintes
tem mais lugar no processo de produção”? atividades:
Dessa forma, as alterações na produção modi- 1. Como as mudanças da sociedade monopolista
ficam as relações de trabalho e a questão social, a repercutem no Serviço Social?
relação Estado e sociedade civil e exigem que o as- 2. Fale sobre a relação entre as mudanças na so-
sistente social busque compreender a realidade dos ciedade brasileira e o trabalho do assistente social.
usuários no movimento do capital. 3. Por que é necessário que o assistente social co-
Para isso, o curso de Serviço Social deve possibi- nheça as mudanças sociais em curso?
litar que os acadêmicos compreendam criticamen- 4. Quais os desafios da formação acadêmica na
te não só a sociedade capitalista, mas as tendências visão de Marilda Iamamoto?
do seu atual estágio da expansão. 5. Fale sobre o trabalho do assistente social na
Essa formação será importante também para a empresa, nas instituições públicas e nos conselhos
prática profissional nas empresas, no Estado e nos de políticas públicas.
conselhos.
No Estado, o assistente social trabalha na pres-
tação de serviços públicos e não no trabalho pro-
** ANOTAÇÕES
dutivo, como nas empresas. Nos conselhos, o assis-
tente social é chamado a participar nos da criança
e do adolescente, da saúde, do idoso, dentre outros.
Tanto os conselhos podem ser um instrumento do
“processo de democratização das políticas sociais
públicas” como podem ser legitimadores de ações
conservadoras. Por isso, o assistente social precisa
estar atento aos interesses contraditórios dos con-
selhos.
Quanto ao fundo público, a autora faz uma críti-
ca acerca da destinação dos seus recursos. Parte da
riqueza produzida socialmente que vai para o fun-
do público (via impostos) para ser redistribuída
para a sociedade por meio das políticas sociais está
tomando outros rumos. Isso compromete progra-
mas sociais de atuação do Serviço Social (saúde,
assistência social, habitação e outros) e interfere
“na reprodução da força de trabalho”. Mesmo nas
empresas e nas organizações da sociedade civil, o
trabalho do assistente social depende dos recursos
institucionais.
Se as situações cotidianas fossem reveladas, po-
deriam, no mínimo, ajudar a população a pensar

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço
AULA 9 — A Assistência Social e o Serviço Social

AULA

9
A Assistência Social e o Serviço Social
■■ Conteúdo
• Os primórdios da assistência social
• A assistência social especializada
• As primeiras escolas de Serviço Social
• Outros elementos que ajudam a compreender a assistência

■■ Competências e habilidades
• Reconhecer a prática da assistência social nos períodos históricos da humanidade
• Compreender a necessidade da assistência social na sociedade monopolista

Social
• Distinguir as características do Serviço Social europeu das características do Serviço Social
latinoamericano
• Apreender a importância do Serviço Social na organização da sociedade neoliberal

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO A obra em referência é Serviço Social: identidade


O texto que finaliza a unidade didática “Funda- e alienação, de Maria Lúcia Martinelli (2006).
mentos Teóricos e Metodológicos do Serviço So-
cial” discute alguns aspectos do caminho trilhado OS PRIMÓRDIOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
pela assistência social da Idade Antiga até a Idade Conforme foi mencionado na aula 1, da Unida-
Contemporânea. de Didática “Fundamentos Históricos e Teóricos do
A análise da assistência social nos tempos atu- Serviço Social”, a prática da assistência social vem
ais traz em si elementos que explicitam a questão sendo desenvolvida desde a Idade Antiga. Maria Lú-
social e a formação do Serviço Social europeu e cia Martinelli, em um estudo sobre a racionalização
norte-americano. Todos esses elementos estão da assistência social, levantou as características des-
imbricados. sa atividade nos diversos períodos históricos.

51

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

Da Antiguidade à Revolução Francesa a todos o dever de prestá-la” (MARTINELLI, 2006,


Segundo Martinelli (2006, p. 96), na Antiguidade, p. 99). Sobre isso, Faleiros (2006, p. 182) afirma
em torno do ano de 3.000 a.C., a assistência social que, na Revolução Francesa, o “Comitê de Mendi-
era praticada pelas “Confrarias do Deserto” junto às cância” propôs a assistência social como direito e
caravanas.1 A autora destaca a preocupação de Aris- dever do Estado.
tóteles, Platão, Sêneca e Cícero (filósofos do mundo Para Martinelli (2006, p. 97),3 da Idade Média
antigo) em racionalizar a assistência e não restringi- até o século XIX, embora a assistência social pres-
la à manifestação “episódica”.2 tada pela burguesia e pelas entidades religiosas es-
Mais tarde, o trabalho das confrarias destinava- tivesse ligada à caridade, nem sempre ela era feita
se também às populações urbanas, que sofriam de somente com fins caritativos, pois visava também
doença, abandono e de outros males sociais. Nessa a controlar a subserviência dos pobres.4
época, a prática da assistência
A ASSISTÊNCIA SOCIAL ESPECIALIZADA
[...] concretizava-se na esmola esporádica, na visita
Tanto o movimento operário como a burguesia
domiciliar, na concessão de gêneros alimentícios,
roupas, calçados, enfim, em bens materiais indis-
contribuíram para a prestação da assistência social
pensáveis para minorar o sofrimento das pessoas de forma especializada.
necessitadas. (MARTINELLI, 2006, p. 96)
O movimento operário
Os judeus também utilizavam a visita domiciliar No final do século XIX,5 o trabalhador já convi-
para prestar assistência às viúvas, aos órfãos e aos via com o desemprego e com a exploração no tra-
idosos. Os cristãos agregaram à assistência a di- balho, tendo que cumprir longas jornadas em um
mensão espiritual, tanto é que São Bernardo, Santo ambiente insalubre e em condições deploráveis,
Agostinho, Santo Ambrósio, São Domingos e São incluindo-se aí o trabalho da criança e do adoles-
Paulo são figuras da Igreja Católica preocupadas cente e o da mulher. Diante disso, os trabalhadores
com essa prática. Santo Tomás de Aquino (1224- organizaram o movimento combativo.
1274) organizou a doutrina cristã “[...] situando a A força política dos trabalhadores organizados e
caridade como um dos pilares da fé, imperativo de o seu posicionamento de classe encaminharam-se
justiça social aos mais humildes” (MARTINELLI, para a racionalização da assistência social, é o que
2006, p. 97). indica Martinelli (2006, p. 99).
No século XVII, São Vicente de Paulo, na Fran-
ça, trouxe de volta o modelo das confrarias para A sociedade de organização da caridade
a assistência, e Frederico Ozanam criou as Confe- Em resposta às ameaças causadas pela pobreza
rências de São Vicente de Paulo, em Paris (1833). e pelas lutas sociais, a burguesia inglesa aliou-se ao
A assistência social permaneceu caritativa até a
Revolução Francesa, no século XVIII, quando “[...] 3
A assistência esteve ligada à caridade para com os pobres,
deslocaram de novo a base da assistência, posicio- entretanto, “[...] muitas práticas de exploração, de repressão
nando-a como um direito do cidadão e atribuído e de dominação política e ideológica foram realizadas sob a
denominação de caridade” (MARTINELLI, 2006, p. 97).

1
“No velho Egito, na Grécia, na Itália, na Índia, enfim, nos mais 4
Olhando para os dias atuais, percebe-se que muitas pessoas
diferentes pontos do mundo antigo, a assistência era tarefa possuem as mesmas necessidades: gêneros alimentícios, roupas,
reservada às Confrarias do Deserto, cujo surgimento remonta calçados, entre outros elementos que são essenciais para a so-
a 3.000 a.C., com o objetivo de facilitar a marcha das caravanas brevivência.
no deserto” (MARTINELLI, 2006, p. 96).
5
“Concorda-se geralmente que o capital monopolista teve iní-
2
Esses filósofos já se preocupavam com a assistência social de cio nas últimas duas ou três décadas do século XIX” (BRAVER-
forma sistematizada e não apenas de forma esporádica. MANN, 1987, p. 215).

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AULA 9 — A Assistência Social e o Serviço Social

Estado e à Igreja para criar a Sociedade de Orga- científicas”, realizada por essa entidade, era uma es-
nização da Caridade. A entidade entendia que era tratégia para garantir a hegemonia burguesa.9
preciso impedir “as práticas de classe dos trabalha- No final do século XIX e início do século XX, a So-
dores” e suas “manifestações coletivas” para manter ciedade de Organização da Caridade era “a entidade
o controle da questão social e alcançar o “funciona- de maior porte no âmbito da assistência social”.
mento social adequado”, é o que indica Martinelli Dessa forma, a Inglaterra foi pioneira em orga-
(2006, p. 99). nizar a assistência social e a Sociedade de Organiza-
Ainda conforme Martinelli (2006, p. 103), a So- ção da Caridade inglesa (a primeira da Europa) teve
ciedade assumiu a assistência social como “reforma um papel relevante. Nos Estados Unidos, Josephine
de caráter”, já que a burguesia tratava as reivindica- Shaw Lowell criou a primeira Sociedade de Organi-
ções e a subsistência dos trabalhadores como “pro- zação da Caridade, em Nova York, em 1907.
blemas de caráter”.6
Charles Loch iniciou seu trabalho na organiza- AS PRIMEIRAS ESCOLAS DE SERVIÇO SOCIAL
ção da assistência social e na Sociedade de Organi- Como foi dito, para fazer frente às lutas operárias,
zação da Caridade, em 1875. Ele propôs um lugar a burguesia da Inglaterra (território onde ocorreu a
de atendimento às famílias pobres e às famílias dos Revolução Industrial e as primeiras manifestações
trabalhadores,7 claro, sem desconsiderar a visita do- do movimento operário), aliada ao Estado e à Igre-
miciliar.8 ja, criou a Sociedade de Organização da Caridade.
Para a autora,“[...] só coibindo as práticas da clas- Pode-se afirmar que as Sociedades de Organi-
se dos trabalhadores, impedindo suas manifestações zação da Caridade tiveram um significado especial
coletivas e mantendo um controle sobre a ‘questão para o Serviço Social, tanto é que: “Em seus esforços
social’ é que se poderia assegurar o funcionamento de racionalizar a assistência, ela criara a primeira
social adequado” (MARTINELLI, 2006, p. 99). Con- proposta de prática para o Serviço Social no terço
clui Martinelli (2006, pp. 100 e 104) que a tarefa de final do século XIX” (MARTINELLI, 2006, p. 99).
“racionalizar a assistência e reorganizá-la em bases A necessidade de qualificar “agentes profissio-
nais” para realizar a assistência social levou à criação
das primeiras escolas de Serviço Social na Europa e
6
Octavia Hill, na Inglaterra, e Josephine Shaw Lowell, em Nova nos Estados Unidos.
York, defendiam o uso do inquérito domiciliar “[...] tanto para
regularizar a concessão de auxílios quanto para promover a re-
integração do indivíduo, conforme proposta de Nightingale”
As escolas europeias
(MARTINELLI, 2006, p. 105). De acordo com Martinelli (2006, p. 104), a So-
ciedade de Organização da Caridade da Inglaterra
7
O pastor Samuel Barnett e sua esposa Henriette Rouland cri-
aram o Centro Social de Ação Social para atender às famílias realizou em Londres, em 1893, o primeiro “Curso
dos operários e os pobres, em geral, em Londres (1884), um dos de Formação de Visitadores Sociais Voluntários”.
desdobramentos dessa proposta. Estava aí a base do organismo
que a Sociedade da Organização da Caridade iria assumir e di-
Somente em 1899 foi criada “[...] a primeira escola
vulgar como o mais adequado para a realização da prática da europeia em Amsterdã, Holanda. Nesse mesmo ano,
assistência: o settlement inglês, precursor das agências e centros Alice Salomon iniciou em Berlim os cursos para agen-
sociais” (MARTINELLI, 2006, p. 104).
tes sociais, que acabaram por dar origem à primeira
8
O trabalho de visitar as famílias operárias era importante escola alemã em 1908” (MARTINELLI, 2006, p. 107).
porque permitia conhecer “[...] in loco as condições de moradia
e de saúde da classe trabalhadora e de socializar o ‘modo capi-
talista de pensar’” (MARTINELLI, 2006, p. 104). Na Inglaterra,
Florence Nightingale (1851) elegeu a visita domiciliar como 9
Isso é tão verdade, que a “[...] assistência posicionava-se como
instrumento para desenvolver ações educativas e Octavia Hill um, entre outros, mecanismo acionado pelo Estado burguês
(1865) realizou um trabalho de educação familiar e social, é o para garantir a expansão do capital” (MARTINELLI, 2006, p.
que indica Martinelli (2006, p. 103). 100).

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

“Em 1908, fundou-se na Inglaterra a primeira es- “Contando com um amplo apoio da Igreja e da bur-
cola de Serviço Social, não ainda com esta denomi- guesia, esse organismo se transformou em um nú-
nação, porém já incorporada à Universidade de Bir- cleo de sensibilização e mobilização de leigos para a
mingham” (MARTINELLI, 2006, p. 107). Segundo ação social” (MARTINELLI, 2006, p. 120).
ela, em Paris, foram criadas duas escolas de Serviço A autora mostra a abrangência da UICSS: “Trata-
Social, uma, em 1911, de orientação católica, e ou- va-se já de um organismo de maior porte e que exer-
tra, de orientação protestante, em 1913. ceu grande influência não só sobre o Serviço Social
A partir da primeira escola católica de Paris, em europeu como também sobre o latino-americano”
1911, a França funcionou “[...] como um verdadeiro (MARTINELLI, 2006, p. 120).
polo irradiador da vertente católica da prática pro- Conclui-se, então, que o movimento católico in-
fissional” (MARTINELLI, 2006, p. 119).10 ternacional influenciou as instituições católicas bra-
Também foram criados “pequenos núcleos asso- sileiras da década de 1920 e de 1930, que estudavam
ciativos de assistentes sociais católicos”, que “[...] se a doutrina social da Igreja e a realidade social, bem
dedicavam à reflexão sobre a ‘questão social’, sobre como as primeiras escolas de Serviço Social latino-
a doutrina social da Igreja e sobre suas implicações americanas, entre as quais as brasileiras.
para a prática profissional” (MARTINELLI, 2006, p.
119). Apesar da preocupação voltada para a forma- As primeiras escolas norte-americanas
ção especializada, junto com Mary Richmond12, membro da Sociedade de Or-
ganização da Caridade de Baltimore, contribuiu com
[...] o discurso da prática científica apoiada em a especialização da assistência norte-americana. Na
conhecimentos sociológicos, em pesquisas empí- Conferência de Caridade e Correção, de Toronto,
ricas, em abordagens globais dos problemas so- em 1897, Mary Richmond13 declarou-se a favor do
ciais, conforme proclamado pelas lideranças da ensino especializado, assim indica Martinelli (2006,
Sociedade de Organização da Caridade, convivia p. 106). Confira na transcrição abaixo:
uma prática assistencial, que tinha suas origens no
século XVII, com São Vicente de Paulo. (MARTI- Visualizando o inquérito como um instrumento
NELLI, 2006, p. 117) de fundamental importância para a realização do
diagnóstico social e, posteriormente, do tratamen-
Mesmo depois que foram criados os “pequenos to, acreditava Richmond que só por meio do ensino
núcleos associativos” de assistentes sociais católicos, especializado poder-se-ia obter a necessária qualifi-
a partir da escola de Paris, a prática assistencial con- cação para realizá-lo. (MARTINELLI, 2006, p. 106)
tinuou sem inovações.
Um parêntese: dos “pequenos núcleos associati- Efetivamente, Richmond lutava pelo ensino es-
vos” à UICSS. pecializado. Segundo Martinelli (2006, p. 106), na
Para Martinelli (2006, p. 120), do exercício dos Conferência de Toronto, Mary Richmond propôs
“pequenos núcleos associativos” emergiu a União uma escola para o ensino de Filantropia Aplicada.
Católica Internacional de Serviço Social (UICSS).11 Em 1898, foi realizado um “curso de aprendizagem
da ação social”, que resultou na criação da primei-
10
Cabe lembrar que essa foi a vertente que esteve na base das
primeiras escolas de Serviço Social latino-americanas.

11
Vale lembrar que a UICSS foi criada na I Conferência 12
Segundo Lima (1976, p. 53), Mary Richmond e Pe. Bowe
Internacional de Serviço Social (1925), em Milão, na Itália. foram os criadores da técnica do Serviço Social de Caso.
A UICSS influenciou o Serviço Social europeu e latino-
americano, assumindo, inclusive, a liderança de formação 13
Mary Richmond fez estudos sobre as bases científicas e a
profissional a partir de 1930. prática da assistência.

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AULA 9 — A Assistência Social e o Serviço Social

ra escola de Filantropia Aplicada, em Nova York, no americano e o Serviço Social europeu. Depois de
ano de 1899. 1920, nos Estados Unidos, fortaleceu-se a Associa-
Mary Richmond14 foi influenciada pelas ideias ção Nacional dos Trabalhadores Sociais, predomi-
de Florence Nightingale (1851), da Inglaterra, e in- nando a denominação de trabalhador social. Na
fluenciou os cursos regulares de formação de agen- Europa foi diferente, o pensamento católico exercia
tes sociais voluntários, ministrados pela Sociedade a sua hegemonia e permaneceu a denominação de
de Organização da Caridade. assistente social.16
Ela estabeleceu “[...] como objetivo de seus pri-
meiros cursos o preparo de visitadoras domiciliares OUTROS ELEMENTOS QUE AJUDAM
(home visitors), o que absorvia e ampliava a ideia A COMPREENDER A ASSISTÊNCIA
das “visitadoras de saúde” (health visitors), criadas A prática da assistência na sociedade medieval
por Nightingale” (MARTINELLI, 2006, p. 109). era desenvolvida pelos príncipes e pela Igreja, e na
Ao considerar os problemas sociais como pro- sociedade moderna, Juan Luis Vives, no século XVI,
blemas de caráter, Mary Richmond “[...] concebia implantou um sistema para corrigir os pobres dos
a tarefa assistencial como eminentemente reinte- seus vícios.
gradora e reformadora do caráter” (MARTINELLI, No século XVIII e XIX, segundo Faleiros (2006, p.
2006, p. 106). 182), foram instituídos na Inglaterra os “workhou-
A partir daí pôde-se verificar a importância que ses” que davam trabalho aos pobres nos albergues,
teve Mary Richmond no processo de profissionali- uma vez que a assistência era vista como causadora
zação dos trabalhadores da assistência social. da preguiça.
Para Martinelli (2006, p. 115), a escola de Filan- Para Faleiros (2006, p. 187), em decorrência dos
tropia Aplicada foi incorporada pela Universidade desastres que a Primeira e a Segunda Guerras Mun-
de Colúmbia, em Nova York, passando a denomi- diais (no século XX) causaram à humanidade, fo-
nar-se escola de Trabalho Social, em 1919. ram instituídas políticas sociais.
Segundo ela, em 1920, foi criada em Nova York a O reordenamento social dos anos 1990 passou
Associação Nacional de Trabalhadores Sociais, que a exigir que o trabalhador acompanhe as inova-
encampou a Sociedade de Organização da Carida- ções tecnológicas e, em algumas situações, tenha
de, a partir da década de 1940. de comprar um computador e seus acessórios. Na
Ainda conforme a autora, o aumento do núme- medida em que o avanço tecnológico tem concor-
ro de escolas levou a Sociedade de Organização da rido para aumentar o desemprego, o domínio do
Caridade a realizar a I Conferência Nacional de Tra- trabalho informatizado vai-se convertendo em um
balhadores Sociais, em Nova York, no ano de 1916. critério de seleção.
Nesta Conferência, Mary Richmond15 sugeriu a de- Olhando a questão por outro prisma, são tenta-
nominação Trabalho Social para o Serviço Social e doras as mercadorias sofisticadas expostas nas vitri-
trabalhadores sociais para os assistentes sociais. nes do comércio e/ou nos engenhosos sites da inter-
É interessante observar a comparação que Marti- net. Às vezes, o trabalhador, possuidor do cartão de
nelli (2006, p. 119) faz entre o Serviço Social norte- crédito eletrônico, é levado a comprar somente pelo
fascínio que exercem os produtos tecnológicos. En-
14
“Na América do Norte, o Serviço Social, especialmente o de
Casos, deve a Mary Richmond seu conteúdo lógico e coerência
interna” (LIMA, 1976, p. 53). 16
Maria Carmelita Yasbek faz uma distinção entre as escolas
de Serviço Social europeias e as norte-americanas: “[...] dis-
15
“Em 1917, Mary Richmond intenta ‘racionalizar’ esta assisten- tinguem-se as escolas norte-americanas das europeias, que se
cia dándole una visión ‘terapéutica’, considerando a la ‘cuestión caracterizam mais pelo ensino de matérias aplicadas à assistên-
social’ como una enfermedad, que necessitaba de diagnóstico y cia social que pelo ensino específico de cursos de Serviço Social
tratamiento, a partir del individuo” (FALEIROS, 1973, p. 18). [...]” (YASBEK, 1980, p. 50).

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

quanto o trabalhador entra na onda do consumis- culo XIX), a burguesia inglesa aliou-se ao Estado e
mo, há uma grande massa de miseráveis vulnerável à Igreja para criar a Sociedade de Organização da
às fragilidades da vida. Caridade.
Além de tantos outros estigmas da pobreza, Fa- A Sociedade entendia a necessidade de impe-
leiros (2006, p. 184) chama a atenção para a classifi- dir “as práticas de classe dos trabalhadores” e suas
cação das pessoas em adaptadas e não adaptadas. “manifestações coletivas” para manter o controle da
Os adaptados são os que têm trabalho e rece- questão social e alcançar o “funcionamento social
bem um salário mínimo ou reduzido que atende adequado”.
às necessidades de habitação, saúde, alimentação e, No final do século XIX e início do século XX, a So-
ainda, conseguem guardar um pouco na poupan- ciedade de Organização da Caridade era “a entidade
ça “[...] além de respeitar às normas estabelecidas” de maior porte no âmbito da assistência social”. A In-
(FALEIROS, 2006, p. 184). glaterra foi pioneira em organizar a assistência social
Os desadaptados são os que não cumprem as e a Sociedade de Organização da Caridade inglesa, a
normas sociais e vão para a criminalidade, droga, primeira da Europa. Nos Estados Unidos, Josephine
antidepressivos “[...] ou por sua falta individual de Shaw Lowell criou a primeira Sociedade de Organi-
buscar trabalho (supondo-se que a oferta de traba- zação da Caridade, em Nova York, em 1907.
lho exista para todos)” (FALEIROS, 2006, p. 184). As manifestações operárias e o interesse em es-
Aos desempregados abriu-se a via da informali- tabelecer um controle social dos trabalhadores le-
dade no trabalho e ao empresário, a via da terceiri- varam à criação das primeiras escolas de Serviço
zação, contudo, no discurso neoliberal, o indivíduo Social na Europa e nos Estados Unidos, para espe-
é o responsável pelo seu sucesso ou pelo seu insu- cializar os trabalhadores da assistência social.
cesso. Aqui cabe uma questão: em uma sociedade A primeira escola europeia de Serviço Social foi
na qual o desempregado não tem lugar, como lutar criada em Amsterdã, Holanda, em 1899. Na Alema-
para ampliar o mercado de trabalho? nha e na Inglaterra, em 1908. Na França, foram cria-
das duas escolas, uma, em 1911, de orientação cató-
■■ Concluindo lica, e outra, de orientação protestante, em 1913.
Na Antiguidade, a assistência social era desenvol- Depois da escola católica parisiense, surgiram os
vida pelas “Confrarias do Deserto”, posteriormen- “pequenos núcleos associativos de assistentes so-
te, elas se estenderam para as populações urbanas. ciais católicos”, que deram origem à União Católi-
Nesse período, Platão, Sêneca e Cícero já apontavam ca Internacional de Serviço Social (UICSS), que se
para a racionalização da assistência. transformou em um núcleo de sensibilização e mo-
Os judeus dirigiam a assistência às viúvas, aos bilização de leigos para a ação social. O pensamento
órfãos e aos idosos, e os cristãos agregaram nessa católico foi hegemônico no Serviço Social europeu
atividade a dimensão espiritual. No século XVII, e no Serviço Social da América Latina.
São Vicente de Paulo, na França, trouxe de volta o Mary Richmond propôs uma escola para o en-
modelo das confrarias para a assistência, e Frederi- sino de Filantropia Aplicada, na Conferência de
co Ozanam criou as Conferências de São Vicente de Toronto, em 1897. A partir de suas ideias, em 1898,
Paulo, em Paris (1833). Na Revolução Francesa, no foi realizado um “curso de aprendizagem da ação
século XVIII, o “Comitê de Mendicância” propôs a social” que resultou na criação da primeira escola
assistência social como direito e dever do Estado. de Filantropia Aplicada, em Nova York, no ano de
Tanto o movimento operário como a burguesia 1899.
contribuíram para a assistência social especializa- Ela influenciou os cursos regulares de formação
da. Em resposta à força política dos trabalhadores de agentes sociais voluntários, ministrados pela
organizados e ao seu posicionamento de classe (sé- Sociedade de Organização da Caridade, tendo por

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AULA 9 — A Assistência Social e o Serviço Social

objetivo preparar as visitadoras domiciliares. Para IAMAMOTO, M. V; CARVALHO, R. Relações so-


Mary Richmond, a assistência social era reintegra- ciais e serviço social no Brasil: esboço de uma inter-
dora e reformadora do caráter. pretação histórico-metodológica. 19. ed. São Paulo:
Depois de 1940, a Associação Nacional de Cortez, 2006, p. 71 – p. 79.
Trabalhadores Sociais, criada em Nova York, em IAMAMOTTO, M. V. Renovação e conservadorismo
1920, encampou a Sociedade de Organização da no serviço social: ensaios críticos. 7. ed. São Paulo:
Caridade. Cortez, 2004.
Nos Estados Unidos, a partir de 1920, fortale- LEMOS, E. M. et al. Fundamentos Históricos do
ceu-se a Associação Nacional dos Trabalhadores Serviço Social. In: Educação Sem Fronteiras. Servi-
Sociais, predominando a denominação de traba- ço Social 3º semestre. Campo Grande (MS): UNI-
lhador social. Na Europa, o pensamento católico DERP, 2008.
foi hegemônico e permaneceu a denominação de
assistente social. Utilizadas pelo professor
ALBUQUERQUE.http://www.fundaj.gov.br/clacso/
■■ Atividades paper02.doc. Acessado em 18 de fevereiro de 2008.
Leia o texto da aula 9 e desenvolva as seguintes ALMEIDA, Anna Augusta. Possibilidades e limites
atividades: da teoria do Serviço Social, Rio de Janeiro, Francisco
1. Fale sobre a prática da assistência social da Alves, 1978.
Antiguidade até a Revolução Francesa. ALVES, Gilberto Luiz. A escola pública desde mea-
2. Como se iniciou o movimento operário? dos do século XIX. In: A produção da escola pública
3. Como foi criada a Sociedade de Organização contemporânea. Campo Grande (MS): ed. UFMS;
da Caridade? Campinas (SP): autores associados, 2001, p. 143–
4. Fale sobre a criação das primeiras escolas eu- 240. 288p.
ropeias de Serviço Social. AMMANN, Safira Bezerra. Produção científica do
5. Discorra sobre os “pequenos núcleos associa- Serviço Social no Brasil. In: Serviço Social e Socie-
tivos”. dade. Ano V, n. 14, abril de 1984, p. 144–176. Pri-
6. Como foram criadas as primeiras escolas nor- meira reimpressão.
te-americanas de Serviço Social? ANDRADE, Renato Almeida de. O enfrentamen-
to da questão social: terceiro setor: o serviço social
■■ Referências e suas condições de trabalho nas ONGs. Vila Velha:
Básicas Univila, 2006. 173p.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contempo- BANDEIRA, Moniz. Cartéis e desnacionalização: a
raneidade: Trabalho e Formação Profissional. 10 ed. experiência brasileira: 1964 – 1974. Rio de Janeiro:
São Paulo: Cortez, 2006. Civilização brasileira, 1975. 221p.
MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e BARBOSA, R.N.C.; CARDOSO, F. G.; ALMEIDA,
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

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DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental: prin- Terceiro Setor. In: Revista Serviço Social e Sociedade,
cípios e práticas. 2 ed. rev. ampl. São Paulo: Gaia, n.º 58, São Paulo, Cortez, 1998.
1993. 400p. GRÜN, Mauro. Ética e educação ambiental: a cone-
DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental: prin- xão necessária. Campinas-SP: Papiros, 1996. 120p.
cípios e práticas. 9 ed. São Paulo: Gaia, 2004. 551p. IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL DA UNIVERSI- de. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço
DADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS DE 1974. de uma interpretação histórico-metodológica. 19. ed.
Análise histórica da orientação metodológica da Es- São Paulo: Cortez, 2006. 380p.

58

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AULA 9 — A Assistência Social e o Serviço Social

IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço So- MÉSZÁROS, István. A ativação dos limi-
cial na contemporaneidade: trabalho e for- tes absolutos do capital. In: Para além do capi-
mação profissional, São Paulo, Cortez, 2004. tal: rumo a uma teoria de transição. Traduzi-
_______. Serviço Social em tempo de ca- do por Paulo César Castanheira e Sérgio Les-
pital fetiche: capital financeiro, traba- sa. Campinas: Ed. Unicamp, 2002, p. 216–344.
lho e questão social, São Paulo, Cortez, 2007. ______. A necessidade do controle social. In: Para
_______. Renovação e conservadorismo do Serviço além do capital: rumo a uma teoria de transição.
Social: ensaios críticos, São Paulo, Cortez, 2004. Traduzido por Paulo César Castanheira e Sérgio
IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço Social em Lessa. Campinas: Ed. Unicamp, 2002, p. 987–102.
Tempo de Capital Fetiche. São Paulo: Cortez, 2007. ______. A ordem de reprodução do metabolismo do
_____. Renovação e conservadorismo no serviço social: capital. In: Para além do capital: rumo a uma teoria de
ensaios críticos. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2004. 216p. transição. Traduzido por Paulo César Castanheira e
_____. Divisão do trabalho e Serviço Social. In: Reno- Sérgio Lessa.Campinas: Ed.Unicamp,2002,p.94–132.
vação e conservadorismo do Serviço Social: ensaios ______. Causalidade, tempo e formas de mediação.
críticos. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2004, p. 54–112. In: Para além do capital: rumo a uma teoria de
_____. Legitimidade e crise do Serviço So- transição. Traduzido por Paulo César Castanheira
cial. Piracicaba. ESALO/1982, USP, mímeo. e Sérgio Lessa. Campinas: Ed. Unicamp, 2002, p.
_____. O Serviço Social na contempora- 175–215.
neidade: trabalho e formação profissio- MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a
nal. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2006. 326p. uma teoria da transição. São Paulo, Boitempo/UNI-
_____. O trabalho profissional na contemporanei- CAMP, 2002.
dade. In: O Serviço Social na contemporaneidade: MEYER, Mônica Ângela de Azevedo. Edu-
trabalho e formação profissional. 10 ed. São Paulo: cação ambiental e o (des)envolvimento. In:
Cortez, 2006, p. 15–81. Ciência&Ambiente.Universidade Federal de Santa
LANDIM, Leilah. Notas em torno do terceiro setor e Maria; Universidade Regional do Noroeste do Es-
outras expressões estratégicas. In: O Social em Ques- tado do Rio Grande do Sul-RS, v. 1, n. 1, jul. 1990.
tão, n.º 4, Rio de Janeiro: PUC/Depto. Serviço So- Santa Maria-RS: UFMS; Ijui-RS: UNIJUI, 1991, p.
cial, 1999. 53–70.
LIMA, Boris Alex. Crítica à orientação metodológica MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social:
do Serviço Social. In: Contribuição à metodologia crítica ao padrão emergente de intervenção social.
do Serviço Social. 2 ed. Belo Horizonte-MG: Interli- 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003. 288p.
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LIMA, Gustavo Ferreira da Costa de. Crise ambien- viço social. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2005. 175p.
tal, educação e cidadania: os desafios da sustentabi- NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma
lidade emancipatória. In: Educação ambiental: re- análise do serviço social no Brasil pós-64. 9 ed. São
pensando o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, Paulo: Cortez, 2006. 334p.
2002, p. 109–140. NETTO, JOSÉ Paulo. Ditadura e Serviço Social:
MACHADO, Edneia Maria. http://www.ssrevista. uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São
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MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social rompendo _______. Capitalismo monopolista e Serviço Social.
com a alienação. In: Serviço Social: identidade e alie- São Paulo, Cortez, 2007.
nação. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2006, p. 93–152. Participação pública. http://www.cprh.pe.gov.br/
MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identi- frme-index-secao.asp?idsecao=363 Acessado em 5
dade e alienação. São Paulo, Cortez, 2006. de setembro de 2008.

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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social

Revista Debates Sociais. Documento de Sumaré. Su- WWWF Brasil. Redes: uma introdução às dinâmicas
plemento n. 8. Rio de Janeiro, CBCISS, ago. 1980. da conectivdiade e da auto-organização. 2 ed. Texto:
RICO, Elizabeth de Melo. O empresariado, a filan- Cassio Martinho. Brasília: WWF Brasil, 2004. 164p.
tropia e a questão social. In: Terceiro setor e movi- YASBEK, Caarmelita. Classes subalternas e assistên-
mentos sociais hoje. Revista Serviço Social e So- cia social. São Paulo, Cortez, 1996.
ciedade. Ano XIX, nº 58. São Paulo: Cortez, 1998, YASBEK, Maria Carmelita et al. Projeto de revisão
p. 24–39. curricular da Faculdade de Serviço Social – PUC-SP.
RICO, Elizabeth Melo. O empresariado, a filantropia In: Serviço social e sociedade. Ano V. n. 14, abril de
e a questão social. In: Revista Serviço Social e Socie- 1984, p. 29–103.
dade, n.º 58, São Paulo, Cortez, 1998. Terceiro setor. YASBEK, Maria Carmelita. A escola de Serviço Social
http://www.filantropia.org/OqueeTerceiroSetor. no período de 1936 a 1945. Cadernos PUC, n. 6, Ser-
htm. Acessado em 19 de agosto de 2008. viço Social. São Paulo: Cortez, dezembro de 1980.

** ANOTAÇÕES

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Módulo

FUNDAMENTOS
■■
HISTÓRICOS, TEÓRICOS
E METODOLÓGICOS DO
SERVIÇO SOCIAL
Unidade Didática – Fundamentos Históricos
e Teóricos do Serviço Social

Professor Esp. Jorge Oliveira Rocha


Professora Ma. Laura Márcia Rosa dos Santos

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■■Apresentação

Olá, acadêmico(a)!
Ao abordarmos os fundamentos históricos e metodológicos do Serviço Social II, nós acompanharemos o
século XX e seus grandes acontecimentos e a partir desses, analisaremos e desenvolveremos alguns métodos
aplicáveis ao nosso trabalho social.
De 1900 a 1950 houve na Europa a Primeira e Segunda Guerra Mundial e ainda, a Revolução Russa e a
Revolução Espanhola. Foram os maiores conflitos vivenciados pela humanidade moderna.
Acompanhar e entender esses fatos ocorridos em menos de 50 anos num mesmo continente, nos levará a
entender o absurdo das ações humanas e o sofrimento consequente. De 1959 aos dias atuais o crescimento
econômico é constante, mas a grande maioria, aquela quem mais contribui para esse desenvolvimento per-
maneceu esquecida e desamparada. O crescimento da economia a qualquer preço ou ao custo do sofrimento
humano apresenta a seguinte questão: Onde está a dignidade humana?
A América Latina passou pela ditadura de militares, inclusive o Brasil (1964 a 1978) e hoje excepcional-
mente Cuba ainda vive sob esse regime com Fidel Castro (1926) que permanece no poder desde 1959.
A partir dos anos 1950 uma grande desigualdade social se faz notar, assim como o surgimento de grandes
latifundiários. O sofrimento humano causado pela injustiça social da América Latina entre os anos 1960 e
1970, não está longe de uma solução. Atualmente vivemos na democracia, mas ainda há regiões de extrema
pobreza.
Assim sendo acadêmicos (as), vocês que já estudaram várias disciplinas como a filosofia, a sociologia, a an-
tropologia e psicologia social, terão agora condições de analisar os problemas sociais e aptos a desenvolverem
projetos de curto e longo prazo, voltados ao resgate da dignidade humana e melhoraria da qualidade de vida
das pessoas.
Boa sorte e vamos ao trabalho!
Professor Esp. Jorge Oliveira Rocha
Professora Ma. Laura Márcia Rosa dos Santos

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AULA

Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos


1
As Origens Teóricas das Ciências Sociais

■■ Conteúdo
• Revolução Francesa: O Iluminismo
• A República Francesa
• Auguste Comte: A Sociologia e o Positivismo

do Serviço Social
• A fenomenologia
• Karl Marx: O Marxismo

■■ Competências e habilidades
• Compreender os problemas sociais à época da Revolução Francesa
• Identificar as condições da população à época do surgimento da Sociologia e do Positivismo
de August Comte
• Compreender a situação socio-política e econômica que levaram ao surgimento do Marxis-
mo e sua influência no Serviço Social

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO: A CONSTRUÇÃO seu caráter interventivo, privilegiou fundamental-


DO CONHECIMENTO mente o aspecto técnico-operativo, em detrimento
As condições de emergência do Serviço Social, de da produção do conhecimento”.
modo geral, conduziram a uma profissão de caráter Nesse contexto, a profissão se insere na divisão
interventivo sem grande recurso a referenciais teó- sócio-técnica do trabalho, desenvolve um processo
ricos no seu início, mas que, ao longo do tempo, se de trabalho que implica na delimitação de um ob-
apropriou de uma rica referência teórica vinda das jeto específico: as múltiplas expressões da Questão
ciências sociais. Mas isso não constituía um pilar Social. Pois, a ela é exigida a capacidade de resposta
para a construção do conhecimento, uma vez que imediata a questões urgentes, não sendo assim re-
Kameyama (1998, p. 35) assinala que “a formação conhecida a necessidade, nem a legitimidade, dela
dos assistentes sociais como profissionais, dado o participar do estudo das condições e contradições

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

sociais e políticas no seio das quais se desenvolvia a O ILUMINISMO


sua prática, conduzindo ao seu quase afastamento O Iluminismo é uma doutrina de natureza místi-
dos domínios da produção teórica. Assim sendo, co-religiosa, que se tornou um movimento cultural-
o assistente social intervinha sobre o social sem filosófico no decorrer do século XVIII, chamado de
que esse processo o conduzisse à elaboração de um “Século das Luzes”. Pode ser considerado um esfor-
discurso analítico e crítico ou a uma prática que ço consciente de valorização da razão e abandono
levasse em conta as antinomias estruturais em que de preconceitos tradicionais, especialmente no que
operava. diz respeito à liberdade de pensar. É a passagem do
Nessa perspectiva de apresentar o rumo que pensamento humano da tutela da fé religiosa para
as ações do Serviço Social seguiram do ponto de a razão natural, dando origem a uma nova postura
vista teórico e metodológico, demonstraremos os filosófica e uma nova postura científica.
acontecimentos históricos que deram origem às Immanuel Kant une esses dois caminhos (da fé
teorias das ciências sociais que, posteriormente, e da razão) dizendo que o conhecimento é um ato
tornaram-se a base teórica do Serviço Social. único com duas dimensões: uma empírica, outra
teórica.
REVOLUÇÃO FRANCESA: O ILUMINISMO O Iluminismo teve representantes das mais va-
Com o crescimento econômico da Inglaterra, a riadas correntes, humanistas, naturalistas e criti-
França, que demorou mais a assumir a industria- cistas, entre eles Voltaire, Diderot e Kant.
lização, entrou em crise com a concorrência dos
produtos ingleses. Uma estiagem vem agravar a A REPÚBLICA FRANCESA
situação, diminuindo a produção interna francesa O poder absoluto do rei sufocava a nação. Não
de alimentos, chegando à fome, à miséria. O povo havia liberdade religiosa e nem de imprensa, e era
sofre com o pagamento dos pesados impostos e adotada a tortura. O princípio da desigualdade
com os abusos do absolutismo do rei Luis XVI – imperava. O alto clero era constituído exclusiva-
(1754–1793). mente de nobres. A nobreza gozava de numerosos
Os burgueses detêm o poder econômico, mas privilégios. Suas propriedades conservavam, ain-
perdem as disputas políticas para a nobreza e o cle- da, os direitos feudais (contribuição em gênero ou
ro que se aliaram. A burguesia almeja o poder po- trabalho, pagamento pelo uso de moinhos, fornos
lítico, a liberdade econômica e a ascensão social e, e outros). A população se envolvia em revoltas em
estimulada pelos ideais do iluminismo, revolta-se Paris e no interior, desencadeadas pelo aumento
contra a dominação da minoria (nobreza e clero). do preço do pão, que culminaram com a queda da
A ideologia liberal francesa é considerada res- Bastilha, prisão símbolo do Absolutismo, em 14 de
ponsável pela queda deste sistema colonial, abso- julho de 1789. Grande parte da nobreza emigra e,
lutista e de controle do Estado sobre as atividades em 4 de agosto do mesmo ano, a Constituinte su-
produtivas, o que vem a criar um ambiente propício prime o sistema feudal.
ao surgimento de ideias iluministas, que reforçam a Ainda sob o impacto dos acontecimentos de ju-
proposta liberal e falam em igualdade de direitos. lho, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou,
Filósofos como Voltaire, Rousseau, Diderot em 26 de agosto de 1789, a Declaração dos Direitos
anunciam um mundo novo com base na vontade do Homem e do Cidadão, segunda a qual todos os
da maioria, na igualdade perante a lei e na liberda- homens possuem direitos naturais, inalienáveis e
de individual, o que desencadeia um processo de sagrados à liberdade, à propriedade, à segurança e à
modificações políticas que culminam com a Revo- resistência à opressão, o que pode ser considerada a
lução Francesa. grande conquista da Revolução Francesa.

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AULA 1 — As Origens Teóricas das Ciências Sociais

Em setembro de 1791 fica pronta a Constituição ponsável pela preservação dos elementos perma-
que institui a monarquia parlamentar, a igualdade nentes de toda ORGANIZAÇÃO SOCIAL.
civil. Confisca os bens da Igreja e proíbe greves e As instituições que mantêm a coesão e garantem
associações operárias. Luiz XVI tenta reverter a si- o funcionamento da sociedade – por exemplo: fa-
tuação, mas é preso e, em 20 de setembro de 1792, mília, religião, propriedade, linguagem, direito etc.
Marat, Robespierre e Danton assumem o governo. – seriam responsáveis pelo movimento estático da
O ideal de liberdade, igualdade e fraternidade sociedade. Comte relacionava os dois movimentos
proclamado pela Revolução Francesa abre caminho vitais de modo a privilegiar o estático sobre o dinâ-
para o capitalismo industrial francês, garantido na mico, a conservação sobre a mudança. Isso signifi-
Constituição de 1795, que consolida as aspirações cava que, para ele, o progresso deveria aperfeiçoar
da burguesia centrada em “garantir a propriedade os elementos da ordem e não destruí-los.
do rico, a existência do pobre, o usufruto do ho- Assim se justificava a intervenção na sociedade
mem industrioso e a segurança de todos”. sempre que fosse necessário assegurar a ordem ou
As ideias iluministas trazem para a sociedade da promover o progresso. A existência da sociedade
época uma nova visão de mundo, libertando o pen- burguesa industrial era defendida tanto em face dos
samento humano da tutela da fé religiosa e dando movimentos reivindicativos que aconteciam em seu
espaço para a razão. próprio interior quanto em face da resistência das
sociedades agrárias e pré-mercantis em aceitar o
AUGUSTE COMTE: A SOCIOLOGIA modelo industrial e urbano.
E O POSITIVISMO O Positivismo de Comte foi a primeira corrente
Auguste Comte (1798-1857) nasceu em Montellier, teórica sistematizada de pensamento sociológico; a
França. Era de família católica e monarquista. Viveu primeira a definir precisamente o objeto, a estabe-
a infância na França napoleônica. Estudou no lecer conceitos e uma metodologia de investigação.
colégio de sua cidade e depois em Paris, na Escola Além disso, o positivismo, ao definir a especifici-
Politécnica. Tornou-se discípulo de Saint-Simon, de dade do estudo científico da sociedade, conseguiu
quem sofreu forte influência. Devotou seus estudos distinguir-se de outras ciências estabelecendo um
à filosofia positivista, considerada por ele uma espaço próprio à ciência da sociedade.
religião, da qual era pregador. O positivismo derivou do “cientificismo”, isto é,
Segundo sua filosofia política, existia três esta- da crença no poder exclusivo e absoluto da razão
dos: um teológico, outro metafísico, e um posi- humana em conhecer a realidade e traduzi-la sob a
tivo. Este último representava o coroamento do forma de leis naturais. Essas leis seriam a base da re-
progresso da humanidade. Distinguia as ciências gulamentação da vida do homem, da natureza como
de abstratas e concretas, sendo a mais complexa e um todo e do próprio universo. Seu conhecimento
profunda a Sociologia, ciência que batizou em sua pretendia substituir as explicações teológicas, filo-
obra Curso de Filosofia Positiva, em seis volumes, sóficas e de senso comum por meio das quais – até
publicada entre 1830 e 1842. então – o homem explicava a realidade.
Publicou também: Discurso sobre o conjunto do Época histórica:
positivismo, Sistema de política positiva, Catecismo • Rápida evolução do conhecimento das ciências
positivista e Síntese subjetiva. naturais – física, química, biologia.
Identificou na sociedade dois movimentos vi- • O visível sucesso de suas descobertas no incre-
tais: chamou de dinâmico o que representava a mento da produção material e controle das for-
passagem para formas mais complexas de existên- ças da natureza atraíram os primeiros cientistas
cia, como a industrialização; e de estático o res- sociais para o seu método de investigação.

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

Essa filosofia social positivista se inspirava no integra a consciência e a realidade, e a fenomenologia


método de investigação das ciências da natureza, é o estudo que quer saber como o indivíduo perce-
assim como procurava identificar na vida social as be o fenômeno. Se o fenômeno integra a consciência
mesmas relações e princípios com os quais os cien- do indivíduo e a realidade (mundo exterior), a feno-
tistas explicavam a vida natural. menologia está interessada em saber também como
A sociedade era concebida como um organismo o indivíduo se percebe. Em função da somatória de
constituído de partes integradas e coesas que fun- percepções que o indivíduo tem da realidade ele for-
cionavam harmonicamente, segundo um modelo mará o que os fenomenologistas chamam de campo
físico ou mecânico. Por isso o positivismo foi cha- perceptual. Husserl estava interessado em entender as
mado de ORGANICISMO. coisas através do mundo sensível e não suprassensí-
O primeiro princípio teórico é: vel, em entender as coisas a partir das vivências dos
• A tentativa de constituir seu objeto, pautar seus indivíduos e como esses estabeleciam os significados
métodos e elaborar seus conceitos à luz das para suas vivências. A realidade está dada. O ser hu-
ciências naturais, procurando dessa maneira mano, com os componentes essenciais de seu sistema
chegar à mesma objetividade e ao mesmo êxi- nervoso como a memória, o raciocínio hipotético
to nas formas de controle sobre os fenômenos dedutivo, a imaginação, a criatividade, suas emoções,
estudados.
suas intuições e os limites do seu conhecimento acu-
O positivismo não apenas afirma a unidade do mulado, procura exatamente a compreensão da rea-
método científico e o primado desse método como lidade. A ignorância o torna inseguro quando a reali-
instrumento cognoscitivo, mas também exalta a dade lhe provoca um novo desafio para aprender. Ele,
ciência como o único meio em condições de resol- muita vezes, enxerga esse desafio como ameaça. Essa
ver, ao longo do tempo, todos os problemas huma- forma de encarar aprendizagem é substancialmente
nos e sociais que, até então, haviam atormentado a fenomenológica, subjetiva. O que é subjetividade?
humanidade. Inicialmente penso em propor o que é essa subjetivi-
dade dentro da ótica do nosso discurso e sua relação
Consequentemente, a era do positivismo é época com certa denominação de objetividade.
perpassada por otimismo geral, que brota da certeza O ser humano é o ser vivo mais complexo do
de progresso irrefreável, por vezes concebido como planeta. Seu comportamento é multideterminado.
fruto da engenhosidade e do trabalho humano e, Essa afirmação de que o ser humano é multideter-
por vezes, ao contrário, visto como necessário e au- minado apresenta já em si uma parte dessa com-
tomático rumo às condições de bem-estar genera- plexidade. Quando se fala de determinação quer se
lizado em uma sociedade pacífica e penetrada pela encontrar exatamente objetividade. A ciência que
solidariedade humana. se construiu nesses últimos séculos queria e quer
exatamente ser a mais objetiva possível, e para isso
A FENOMENOLOGIA desenvolve uma metodologia capaz não somente
De acordo com Silva (2004), a fenomenolo- de explicar os fenômenos, mas de controlá-los. E
gia teve sua origem na Filosofia de Husserl e entre para controlá-los seria preciso conhecer seus pro-
seus seguidores pode-se citar Heidegger, Jaspers, cessos, funcionamentos, ou em alguns casos, as
Sartre e Merleau-Ponty. Husserl estava interessado leis que regem sua ordenação. O comportamento
em estudar a intencionalidade e como ela integra a humano, com toda sua variabilidade, síntese das
consciência e o objeto. Para ele a intencionalidade é o motivações internas e externas (de cunho social) é
ato de dar um significado, um sentido, encontrar uma alvo de uma ciência que procura construir leis que
referência de ligação, o elo entre o ser e a realidade, possam explicar muito bem seu funcionamento
isto ocorre na consciência do indivíduo. O fenômeno (SILVA, 2004).

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AULA 1 — As Origens Teóricas das Ciências Sociais

Mas, na formulação desse projeto científico, ao ções que mantém. Essas escolhas individuais são
elaborar algumas leis, restringe-se ou parcializa-se as caracterizações das subjetividades, as sínteses da
essa mesma explicação. Todas as correntes de pen- consciência em relação às ações humanas. A ciên-
samento científico continham esse fim, e o apogeu cia que tem como objetivo encontrar as determi-
dessa forma de pensar o comportamento humano nações esbarraria exatamente nessa subjetividade.
ocorreu no final do século XIX e começo do século As resistências ou as predisposições para mudanças
XX, nas teorias positivistas de Pavlov, Wundt, Skin- na forma de pensar e agir estariam envolvidas num
ner, Watson, Binet e Thorndike. Esses pesquisadores conjunto de fatores que estão extremamente envol-
aproveitaram o modelo das ciências naturais para vidos e não é apenas identificando uma única causa
poder construir um conhecimento que tivesse um que estaríamos identificando ou “controlando” um
status a altura dessas ciências. Para isso construíram comportamento. Para James, o ser humano se com-
laboratórios e procuraram encontrar o que é men- porta a partir de hábitos que se arraigam à dinâmi-
surável e constante no comportamento humano. O ca de funcionamento da mente, criando rotinas no
conceito de objetividade nas ciências formais requer fluxo da consciência e produzindo a necessidade de
sempre o uso de uma lógica, e essa lógica quer esta- identidade de todo ser humano (SILVA, 2004).
belecer uma ordem. Ou seja, todo pensamento in- Um aspecto essencial para a construção da sub-
tuitivo deve ser descartado (SILVA, 2004). jetividade em James seria o conceito de vontade.
O que se precisa na ciência é de construções hi- Como o ser humano desenvolve sua vontade e
potéticas cada vez mais próximas da realidade dos como estabelece suas metas marcarão sua persona-
fenômenos. Outros autores influenciados também lidade. Quando as pessoas sabem lidar com as suas
pelo positivismo, pensando aqui o positivismo como vontades, elas têm mais chances de encontrar um
uma preocupação em construir, empiricamente e equilíbrio mental (SILVA, 2004).
quantitativamente uma ciência do comportamento A fenomenologia está também em uma das mais
humano, não se preocuparão com mensuração, ou importantes correntes de pensamento, o Humanis-
um laboratório no sentido clássico do termo, mas mo. O Humanismo é essencialmente fenomenológi-
foram buscar uma compreensão dos mecanismos co. Os humanistas não compreendem o ser humano
mentais e sua relação com o meio. William James, a partir de uma visão mecanicista. Compreendem o
psicólogo americano, afirmava que eram necessá- ser humano como um ser que evolui, procurando
rios diferentes modelos para investigar diferentes construir valores, realização pessoal e bem-estar no
tipos de comportamentos e seus resultados. James mundo. Rogers, Maslow e Combs são os represen-
estava interessado na consciência e seu funciona- tantes maiores dessa corrente de pensamento (SIL-
mento (SILVA, 2004). VA, 2004).
Silva (2004) informa que, para ele, o pensamento
é fruto das percepções humanas e de como se elabo- KARL MARX: O MARXISMO
ra, através do próprio conhecimento, essas mesmas Karl Marx fundou o materialismo histórico, a
percepções. Segundo James, o pensamento humano corrente mais revolucionária do pensamento social
é multideterminado e flui em diferentes posições, o nas consequências teóricas e na prática social que
que permanece com um fluxo de constância mais propõe. É também um dos pensamentos mais di-
permanente seria a dinâmica da personalidade hu- fíceis de compreender, explicar ou sintetizar, pois
mana. Para James, vida subjetiva seria exatamente Marx produziu muito, suas ideias se desdobraram
a fluidez da consciência e toda sua singularidade. em várias correntes e foram incorporadas por inú-
Outro fator primordial para James seria o papel das meros teóricos.
escolhas no desenvolvimento mental. A mente está Nasceu em Trier, em 15 de maio de 1818, pai ad-
em constante processo de seleção entre as percep- vogado e mãe dona de casa, de origem judaica. Po-

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

rém, entre 1816 e 1817, devido às leis antissemitas sua expulsão da França) A ideologia alemã. As teses
em vigor na Renânia, seu pai teve de escolher entre sobre Feuerbach remontam a 1845 (mas Engels só as
a religião e a profissão de advogado, e escolheu a tornou públicas em 1888), ao passo que A miséria da
profissão. Fez seus estudos secundários em Trier e filosofia, resposta à filosofia da miséria de Proudhon,
depois foi para Bonn estudar leis e, devido à vida é de 1847, escrito no qual Marx ataca o ‘socialismo
que levava, seu pai o transferiu para a Universida- utópico’ em nome do ‘socialismo científico’. Marx
de de Berlim. Doutorou-se em Filosofia com a tese permaneceu na Bélgica até 1848. E foi em janeiro de
Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito 1848 que ele ditou, juntamente com Engels, o famo-
e a de Epicuro. so Manifesto do Partido Comunista, a pedido da ‘Liga
Depois de laureado, Marx pensou em obter a dos comunistas’ (REALE; ANTISERI, 2003).
livre-docência em Bonn, onde ensinava seu amigo Desencadeado o movimento de 1848, Marx vol-
Bruno Bauer. Mas Bauer, “o Robespierre da teo- tou por breve período à Colônia, onde fundou a
logia”, foi logo afastado da universidade. E, assim, Nova Gazeta Renana, que, porém, foi obrigada qua-
como Bauer não podia apoiá-lo, encerrou-se a car- se que imediatamente a suspender suas publicações
reira acadêmica de Marx. Assim, Marx passou ao (REALE; ANTISERI, 2003).
jornalismo, tornando-se redator da Gazeta Rena- De Colônia voltou para Paris, mas, tendo-lhe
na, órgão dos burgueses radicais da Renânia, onde sido proibida a permanência na capital francesa,
escreviam homens como Herwegh, Ruge, Bruno Marx partiu para a Inglaterra, lá chegando em 24 de
Bauer e seu irmão Edgar, bem como Moses Hess. agosto de 1849. Na Inglaterra, Marx se estabeleceu
Em pouco tempo, Marx tornou-se redator-chefe em Londres, onde, entre dificuldades de toda sorte,
do jornal. Entretanto, em 21 de janeiro de 1843, o conseguiu, com a ajuda financeira do seu amigo En-
jornal foi oficialmente interditado. Nesse período, gels, levar a bom termo todas aquelas pesquisas de
Marx estudou Feuerbach, e ficou entusiasmado. No Economia, História, Sociologia e política que cons-
verão de 1843, escreveu a Crítica do direito público tituem a base de O Capital, cujo primeiro volume
de Hegel, cuja introdução foi publicada em Paris, saiu em 1867, ao passo que os outros dois foram
em 1844, nos Anais franco-alemães, fundados por publicados postumamente por Engels, respectiva-
Ruge, que convidou Marx para ser codiretor. mente em 1885 e em 1894. Em 1859, saíra sua outra
Em Paris, Marx entrou em contato com Prou- obra fundamental, a Crítica da economia política.
dhon e Blanc, encontrou Heine e Bakunin e, sobre- Empenhado na atividade de organização do movi-
tudo, conheceu Friedrich Engels, que seria seu ami- mento operário, Marx conseguiu fundar, em 1864,
go e colaborador por toda a vida. em Londres, a Associação Internacional dos Traba-
De 1844 são seus Manuscritos econômico-filosófi- lhadores (a Primeira Internacional), que, depois de
cos (publicados em 1932). Nesse meio tempo, cola- vários contrastes e peripécias, dissolveu-se em 1872
borou com o Vorwarts (“Avante”), jornal dos arte- (ainda que, oficialmente, sua dissolução só tenha
sãos comunistas, difundido na Alemanha. E preci- sido decretada em 1876). A última década da vida
samente por essa colaboração pagaria o preço de ser de Marx também foi período de intenso trabalho
expulso da França (11 de janeiro de 1845). (REALE; ANTISERI, 2003).
Entrementes, amadurecia seu afastamento da es- Em 1875 publicou a Crítica ao programa de Go-
querda hegeliana. Em 1845 escreveu A sagrada famí- tha, tomando como alvo as doutrinas de Lassalle.
lia, trabalho em colaboração com Engels e dirigido Mas, mais do que qualquer outra coisa, trabalhou
contra Bruno Bauer e os hegelianos de esquerda. em O Capital. Karl Marx morreu em 14 de março de
Ainda contra eles, Marx e Engels escreveram em 1883, sendo sepultado três dias depois no cemitério
Bruxelas (onde Marx se havia refugiado depois de londrino de Highgate (REALE; ANTISERI, 2003).

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AULA 1 — As Origens Teóricas das Ciências Sociais

Para Marx, o homem não é alienado; ele vive hu- “O valor da força de trabalho é o valor dos meios de
manamente, quando pode humanizar a natureza, subsistência necessários para a conservação do pos-
junto com os outros, conforme uma ideia própria. suidor da força de trabalho”. O uso da força de tra-
O que distingue o pior arquiteto em relação à me- balho é o próprio trabalho. O produto do trabalho é
lhor abelha, – conforme descrito em O Capital – é propriedade não do trabalhador, mas do capitalista.
o fato de que o arquiteto construiu o casulo em sua Ora, se o proletário trabalha doze horas e em seis
cabeça antes de construí-lo de cera. O capitalismo, horas produz o tanto para cobrir o quanto o capita-
que se funda sobre a propriedade privada, faz do lista despende para o salário, o produto das outras
operário uma mercadoria nas mãos do proprietá- seis horas de trabalho é valor do qual o capitalista se
rio. A alienação do trabalho consiste antes de tudo apropria. Este valor que passa para as mãos do capi-
no fato de que o trabalho é externo ao operário, ou talista é a mais-valia (REALE; ANTISERI, 2003).
seja, não pertence a seu ser e, portanto, em seu tra- Para Marx, a estrutura econômica determinou a
balho ele não se afirma, mas se nega, sente-se não estrutura, o conjunto e outras estruturas: religiosas,
satisfeito mas infeliz, não desenvolve livre energia morais, políticas, jurídicas, entre outras. Em outras
física e espiritual, mas desgasta seu corpo e destrói palavras, para Marx, a economia determina tudo o
seu espírito (REALE; ANTISERI, 2003). que ocorre na sociedade. Para Marx, existe um pro-
O materialismo histórico é a teoria segundo a blema gravíssimo na troca de valor entre o trabalho
qual a estrutura econômica determina a superestru- realizado (mão de obra) e o que é pago para quem de-
tura das ideias. De acordo com Marx, “O moinho tém a mão de obra. Em muitos casos, paga-se a mão
movido a água vos dará a sociedade com o senhor de obra pelo tempo (hora-serviço) e não pela mão de
feudal, e o moinho a vapor a sociedade com o capi- obra em si mesma (REALE; ANTISERI, 2003).
talista industrial”. Ou ainda: “Não é a consciência Com isso, a mão de obra torna-se barata diante
dos homens que determina seu ser, mas é, ao con- do produto que produz, assim o lucro fica na in-
trário, seu ser social que determina sua consciência”. dústria (com o industrial). O operário recebe uma
Isto escreveu Marx no prefácio de a Crítica da eco- troca pela sua mão de obra, o necessário mínimo
nomia política. E, por último, “as ideias dominantes para a sobrevivência de si e de sua família. A mão
de uma época, afirmam Marx e Engels, sempre fo- de obra ou a força de trabalho irá produzir a ‘mais
ram apenas as ideias da classe dominante (REALE; valia’. O lucro real que existe entre a mão de obra,
ANTISERI, 2003). Marx chama de ‘mais valia’, o industrial investe na
No materialismo dialético, Marx inverte a dialéti- sua indústria, assim a indústria cresce cada vez mais
ca hegeliana, pondo-a em pé. Hegel aplicava o movi- porque acumula a riqueza deixada pelo operário.
mento dialético ao ‘processo do pensamento’; Marx Essa riqueza acumulada, Marx chamou de ‘mais va-
o remete ao mundo da história real e concreta, a das lia’. Para Marx, a única solução pra sair desse círculo
necessidades econômicas e sociais, dos homens. onde só o industrial agrega lucros é a revolução das
A dialética é a lei de desenvolvimento da realida- massas, onde os operários, unidos, irão lutar pelos
de histórica e exprime a inevitabilidade da passagem seus direitos (REALE; ANTISERI, 2003).
da sociedade capitalista para a comunista (REALE;
ANTISERI, 2003).
A Teoria da Mais-valia, criada por Marx, é um
!! IMPORTANTE
As informações ora apresentadas referentes
dos conceitos fundamentais da economia marxista
ao Positivismo, à Fenomenologia e ao Marxis-
e um eixo de toda a construção teórica de Marx. O
mo são apenas tópicos introdutórios que serão
capitalista adquire sobre o mercado, além do capi-
aprofundados no decorrer da explanação da
tal constante (maquinários, matérias-primas etc.),
disciplina.
também o capital variável, isto é, a força de trabalho.

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

■■ Atividades
Em grupo de no máximo cinco pessoas, trocar O que é fenomenologia? Qual a contribuição
ideias sobre estes pontos. O importante é poder dessa corrente de pensamento para o Serviço So-
entender cada realidade a partir de hoje. cial?
Iluministas,quem foram,qual o papel dessas ideias? O que é marxismo? Será que as ideias de Marx
Por que houve a Revolução Francesa? Quem fo- podem ensinar-nos alguma coisa? As ideias de
ram os protagonistas dessa Revolução? Marx ainda sobrevivem?

** ANOTAÇÕES

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AULA 2 — Alguns Elementos Teóricos

AULA

Metodológicos do Serviço Social


Alguns Elementos Teóricos

Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e


■■ Conteúdo
• Encíclica Rerum Novarum: Papa Leão XIII
• Neotomismo
• Émile Durkheim: Coerção social
• O método sociológico de Durkheim

■■ Competências e habilidades
• Compreender a influência e a importância da Encíclica Rerum Novarum na formulação de
políticas protetivas aos trabalhadores
• Compreender que as funções do tomismo na formação de magistrados, homens políticos,
diretores de obras sociais
• Conhecer a filosofia de Durkheim e sua influência na sociologia

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

ENCÍCLICA RERUM NOVARUM: PAPA LEÃO XIII


A Revolução Industrial concentrou os trabalha-
Em 1891, quando a Rerum Novarum foi escrita, dores nas fábricas. O aspecto mais importante, que
o mundo presenciava a Revolução Industrial, que trouxe radical transformação no caráter do traba-
se espalhava pela Europa, América e Ásia: Bélgica, lho, foi esta separação: de um lado, capital e meios
França, Alemanha, Estados Unidos, Itália, Japão, de produção (instalações, máquinas, matéria-pri-
Rússia. Cresce a concorrência, a indústria de bens de ma); de outro, o trabalho. Os operários passaram a
produção se desenvolve, as ferrovias se expandem; ser assalariados dos capitalistas (donos do capital).
surgem novas formas de energia, como a hidrelétri- Uma das primeiras manifestações da Revolução
ca e a derivada do petróleo. O transporte também foi o desenvolvimento urbano. Londres chegou ao
se revoluciona, com a invenção da locomotiva e do milhão de habitantes em 1800. O progresso des-
barco a vapor. locou-se para o Norte; centros como Manchester

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

abrigavam massas de trabalhadores, em condições se desafiada a lutar contra a opressão capitalista,


miseráveis. Os artesãos, acostumados a controlar o em defesa dos trabalhadores. Assim, surge a Rerum
ritmo de seu trabalho, agora tinham de submeter-se Novarum, em 15 de maio de 1891, escrita pelo
à disciplina da fábrica. Passaram a sofrer a concor- Papa Leão XIII, criticando enfaticamente a falta de
rência de mulheres e crianças. Na indústria têxtil do ética e justiça social na vida industrial e socioeco-
algodão, as mulheres formavam mais da metade da nômica, visto que também discorre sobre melhor
massa trabalhadora. Crianças começavam a traba- distribuição de riquezas.
lhar aos 6 anos de idade. Não havia garantia contra A partir da Rerum Novarum, a Igreja passou a
acidente nem indenização ou pagamento de dias se preocupar com as condições de trabalho, cujas
parados neste caso. orientações expressas reforçam o empenho de ani-
A mecanização desqualificava o trabalho, o que mação cristã da vida social, que se manifestou no
tendia a reduzir o salário. Havia frequentes paradas nascimento e na consolidação de numerosas ini-
da produção, provocando desemprego. Nas novas ciativas de alto caráter civil, com o surgimento de
condições, caíam os rendimentos, contribuindo centros de estudos sociais, associações, sociedades
para reduzir a média de vida. Uns se entregavam ao operárias, sindicatos, cooperativas, entre outros,
alcoolismo. Outros se rebelavam contra as máqui- que, por sua vez, impulsionaram a legislação tra-
nas e as fábricas, destruídas em Lancaster (1769) e balhista à proteção dos operários, principalmente,
em Lancashire (1779). Proprietários e governo or- das mulheres e crianças, na instrução e melhora dos
ganizaram uma defesa militar para proteger as em- salários e da higiene.
presas. A Rerum Novarum enumera os erros que provo-
A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra cam o mal social, exclui o socialismo como remé-
na segunda metade do século XVIII e encerrou a dio e expõe a opinião da doutrina católica sobre o
transição entre feudalismo e capitalismo, a fase de trabalho, sobre o direito de propriedade, sobre o
acumulação primitiva de capitais e de preponde- direito dos fracos, sobre a dignidade dos pobres e
rância do capital mercantil sobre a produção. Com- sobre as obrigações dos ricos, entre outras coisas,
pletou ainda o movimento da revolução burguesa tornando-se a carta magna da atividade cristã no
iniciada na Inglaterra no século XVII. campo social. Seu tema central é a instauração de
Após a Revolução Industrial, os trabalhadores uma ordem social mais justa. Não é sem motivo
não eram mais os “donos” do processo. Eles passa- que os princípios firmados pela Rerum Novarum
ram a trabalhar para um patrão como operários ou foram retomados e aprofundados pelas encíclicas
empregados. A matéria-prima e o produto final não sociais sucessivas, como a Quadragesimo Anno e
lhes pertenciam mais. Esses trabalhadores passaram outras.
a controlar máquinas que pertenciam ao empre-
sário, dono dos mecanismos de produção e para o NEOTOMISMO
qual se destinava o lucro. Pelo fato do trabalho ser A situação de extrema miséria e exploração, de-
realizado com máquinas, tornou-se conhecido por corrente da industrialização precipitada no desen-
maquinofatura. volvimento do capitalismo, leva a Igreja Católica
A Revolução Industrial trouxe grandes transfor- a se posicionar em defesa dos excluídos, tendo em
mações e muitas conquistas no desenvolvimento vista sua missão de encaminhar o homem à con-
da produção, mas também proporcionou aos tra- quista da felicidade eterna e cumprir sua tarefa de
balhadores uma espécie de escravismo, no qual o dar glória à Deus.
trabalhador era ferido em sua dignidade, por causa Segundo a Encíclica Rerum Novarum de Leão
das condições sub-humanas a que eram submeti- XIII, a Igreja aponta como causa da situação trágica
dos. Diante dessas circunstâncias, a Igreja sentiu- e decadente do povo o liberalismo e o socialismo. O

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AULA 2 — Alguns Elementos Teóricos

liberalismo pelo individualismo que prega e o so- Foi também o Cardeal Mercier que levou a filo-
cialismo pela exortação à luta de classes. sofia de Santo Tomás para o campo social, por meio
do Código de Malinas elaborado pela União Cató-
O erro do capital na questão presente é crer que as
lica Internacional de Estudos Sociais, fundada em
duas classes são inimigas natas uma da outra, como
se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres
1920, pelo Cardeal Mercier em Malinas – Bélgica.
para se combaterem mutuamente num duelo obs- O Código de Malinas contribuiu para a restauração
tinado (Rerum Novarum, no11, p. 16 e 17). do neotomismo, que marcou sua presença na ação
social desenvolvida pelos cristãos. O principal ob-
Com base na filosofia tomista a Igreja propõe-se jetivo da União Católica Internacional de Estudos
a enfrentar a situação. Sociais era “o estudo dos problemas sociais à luz da
Tomismo é a filosofia expressa por Santo Tomás moral católica”.
de Aquino no século XIII, também chamada de O Código considera:
Filosofia Cristã ou Filosofia Perene. Com base em a) o homem é criado à imagem e semelhança de
Aristóteles, que defendia a ideia de que são duas as Deus;
situações de existência – “existir em ato ou em po- b) o homem é um ser social, não se basta sozinho;
tência”, isto é, a criança é criança em ato e adulto em c) o filósofo cristão deve ater-se, fortemente, à dig-
potência ou, a árvore existe em potência na semente nidade da pessoa humana e à necessidade da so-
e em ato na planta – Santo Tomás considera que “a ciedade para seu desenvolvimento integral;
criação divina é exatamente a responsável pela exis- d) a economia e a moral estão ligadas.
tência das coisas, que existiam apenas potencial- Assim, a Igreja, como guarda da moral, deve exer-
mente, enquanto pensamento divino”. Considera, cer uma fiscalização legítima sobre a vida econômi-
ainda, que “o homem é naturalmente um animal ca. Daí, os primeiros assistentes sociais, marcados
social”. Ligada à definição de homem como ser so- pela filosofia de Santo Tomás, manterem a posição
cial está, também, a de sociedade. Para Santo Tomás de não questionar a ordem vigente e a preocupação
a sociedade deve visar o bem comum e “toda forma em controlar a vida econômica das pessoas por eles
de autoridade deriva de Deus, respeitá-la é respeitar atendidas.
a Deus; toda forma de governo, desde que garanta
os direitos da pessoa e o bem da comunidade, é boa EMILE DURKHEIM: COERÇÃO SOCIAL
[...]”. O Estado deve respeitar a Igreja, não deve exis- Evidentemente que o que une as ciências huma-
tir conflito entre fé e razão. nas é exatamente seu objeto de estudo comum, que
Depois de marcar por muito tempo a história é o ser humano em suas diversas dimensões. A An-
filosófica do homem, o tomismo perdeu sua força tropologia, a Psicologia, a História, a Linguística, a
e só no final do século XIX e início do século XX Economia e a Sociologia formam campos específi-
retornou na chamada Corrente Progressista. Fazem cos de análise das questões referentes ao homem.
parte desta corrente: Mercier, Sertillanges e Jacques De um modo geral, o humano como objeto de
Maritain. investigação científica tem cinco séculos de história.
Mercier recebe do Papa Leão XIII a responsabili- Nasceu com o Humanismo, no século XV, e perpas-
dade pela cadeira de Filosofia Tomista na Universi- sou pelo Positivismo, no século XIX, e o Historicis-
dade de Louvain e, por meio dessa universidade, o mo, do final do século XIX e início do século XX.
tomismo começa a irradiar sua força. O tomismo A Sociologia, entretanto, permaneceu embrioná-
tinha a função de ir além do círculo eclesiástico e ria durante um longo período, talvez pela percepção
formar não só padres, mas também magistrados, tradicional dos pensadores de que a sociedade era
homens políticos, diretores de obras sociais. Esses basicamente um produto da ação humana, fruto,
progressos foram chamados de neotomismo. pois, da arte e da reflexão das pessoas. Havia um

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

certo consenso em relação a este pressuposto ra- Finalmente, merece destaque a contribuição de
cionalista em que o coletivo seria uma construção Albert Schaeffle, um cientista alemão que empresta
deliberada de um grupo segundo Rousseau, ou obra muitas ideias a Durkheim. Segundo Schaeffle, a so-
de um só, segundo Hobbes. A percepção de Aristó- ciedade não pode ser analisada como uma simples
teles de que a sociedade deveria ser vista e estudada coleção de indivíduos, ela possui dinâmica própria,
como um fato natural, e, portanto, deveria ser regi- tem, portanto, vida própria, consciência e interesses
da pelas mesmas leis da natureza, apenas foi encon- não necessariamente idênticos ou próximos à média
trar eco significativo com Montesquieu em meados dos interesses dos seus constituintes. Preocupou-se
do século XVIII. em estudar os fatos sociais como eles ocorrem na
Contudo, apenas no século XIX e principalmente realidade e trabalhou na perspectiva de análise (de-
a partir do trabalho de Augusto Comte é que são composição dos fenômenos em suas partes consti-
fundadas propriamente as bases da Sociologia. Se- tuintes) e síntese (reconstrução em que se seleciona
gundo Comte, as leis sociais são fundamentalmente o significativo do acessório) dos fatos sociais.
leis naturais. A partir desta pressuposição advoga Feito este apanhado geral, e extremamente resu-
que a sociedade é uma espécie de organismo vivo mido, acerca da história da Sociologia, pode-se com-
e os fenômenos sociais, sendo em sua essência fatos preender melhor a contribuição do francês Émile
naturais, devem poder ser analisados à luz das leis Durkheim (1858 – 1917) propriamente à Sociologia.
e métodos naturais. Assim como existe a física da Como foi referido anteriormente, Durkheim parte
natureza, deve haver uma física social que explique da ideia fundamental de Comte de que a sociedade
o comportamento do agregado dos indivíduos, que deve ser vista como um organismo vivo. Também
é a sociedade, e esta física social seria exatamente concordava com o pressuposto de que as sociedades
a Sociologia. Comte propõe o estudo científico da apenas se mantêm coesas quando de alguma forma
sociedade a partir dos procedimentos, métodos compartilham sentimentos e crenças comuns. En-
e técnicas empregados pelas ciências da natureza tretanto, critica Comte na sua perspectiva evolucio-
(biologia, química, física). Entretanto, trabalha em nista, pois entende que os povos que sucedem os an-
uma perspectiva evolucionista da humanidade, pois teriores não necessariamente são superiores, apenas
entende que o progresso da humanidade/sociedade são diferentes em sua estrutura, seus valores, seus
no tempo constitui a principal matéria da Sociolo- conhecimentos, sua forma organizacional. Entende
gia. Parte da premissa de uma constante evolução que a sequência das sociedades adapta-se melhor
geral do gênero humano e o objetivo da Sociologia à analogia de uma árvore cujos ramos se orientam
seria de determinar a ordem de tal evolução. Utiliza em sentidos opostos do que uma linha geométri-
os conceitos de humanidade e sociedade simultane- ca evolucionista. Alguns pontos fundamentais para
amente e com significados semelhantes. A perspec- compreender o pensamento de Durkheim, cuja
tiva positivista de Comte originou, por um lado, a base assenta-se em alguns pressupostos ou noções
psicologia positivista, a qual afirma que seu objeto fundamentais a serem detalhadas adiante:
não é o psiquismo enquanto consciência, mas en- • Os fatos sociais devem ser tratados como coi-
quanto comportamento e que, portanto, pode ser sas.
tratado com o método experimental das ciências • A análise dos fatos sociais exige reflexão prévia
naturais, e, por outro lado, a sociologia positiva, a e fuga de ideias pré-concebidas.
qual tem em Émile Durkheim seu principal expoen- • O conjunto de crenças e sentimentos coletivos
te e que estuda a sociedade a partir dos fatos sociais são a base da coesão da sociedade.
como eles se apresentam na prática, o que também • Destaca o estudo da moral dos indivíduos.
possibilita a utilização dos métodos das ciências na- • A própria sociedade cria mecanismos de coer-
turais para análise dos fenômenos sociais. ção internos que fazem com que os indivíduos

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AULA 2 — Alguns Elementos Teóricos

aceitem de uma forma ou de outra as regras es- da vida social, tendo, portanto, uma finalidade du-
tabelecidas (a explicação dos fatos sociais deve pla: além de explicar os códigos de funcionamen-
ser buscada na sociedade e não nos indivíduos to da sociedade, teria como missão intervir nesse
– os estados psíquicos, na verdade, são conse- funcionamento da sociedade por meio de aplica-
quências e não causas dos fenômenos sociais). ção de antídotos que pudessem inibir os males da
Durkheim viveu entre 1858 e 1917, período que vida social.
compreendeu o ápice e a primeira grande crise in- Em sua compreensão, a sociedade, como qual-
terna do capitalismo monopolista europeu. Com- quer outro organismo vivo, passaria por ciclos vitais
preendia o quadro perturbador colocado pela com manifestação de estados normais e patológicos,
emergência da questão social, mas discordava essen- ou seja, saudáveis e mórbidos.
cialmente do conteúdo de soluções que começava a O estado saudável seria o de convivência harmô-
ser proposto pelo pensamento socialista. Em suas nica da sociedade consigo mesma e com as demais
convicções ele defendia que os problemas sociais sociedades, harmonia que se faria pelo consenso
vividos pela sociedade europeia eram de natureza social.
moral e não de fundo econômico e que estes decor- O estado mórbido, doentio, seria caracterizado
riam devido à fragilidade decorrente de uma longa por fatos que colocassem em risco essa harmonia,
época de transição. os acordos de convivência e, portanto, a adaptação e
No interior da sociedade europeia – no âmbito a evolução histórica natural da sociedade.
das relações entre a burguesia e a classe trabalhado- Os códigos de funcionamento da sociedade para
ra, o desenrolar do processo social levava à radicali- Durkheim seriam os fatos sociais que foram ele-
zação dos conflitos que redundariam na saída socia- vados por ele à categoria de objeto de estudo. Sua
lista russa e no advento posterior do Welfare State. busca pela compreensão destes direcionada para o
Durkheim entendia que a sociedade predomina- favorecimento da normalidade do curso da vida so-
ria sobre o indivíduo, uma vez que ela é que imporia cial, transformando-se, dessa maneira, em um tipo
a ele o conjunto de normas de conduta social. de técnica de controle social voltada para a manu-
Seu esforço foi voltado para a emancipação da tenção da ordem estabelecida pelo sistema social
Sociologia em relação às filosofias sociais, tentando vigente.
constituí-la como disciplina científica rigorosa, do- A definição de fato social em Durkheim é: toda
tada de método investigativo sistematizado, preocu- maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer
pando-se em definir com clareza o objeto e as apli- sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral
cações dessa nova ciência, partindo dos paradigmas na extensão de uma sociedade dada, apresentando
e modelos teóricos das ciências naturais. uma existência própria, independente das manifes-
Durkheim diferenciou-se do pensamento so- tações individuais que possa ter.
ciológico de Comte e Sint-Simon, uma vez que seu Na sociologia durkheimiana, o todo (sociedade),
aparato conceitual foi além da reflexão filosófica, apesar de ser composto por suas inúmeras partes
constituindo um corpo elaborado e metódico de (indivíduos), prevalece sobre elas. Desse modo, o
pressupostos teóricos sobre a problemática das re- fato social teria a faculdade de constranger, de vir
lações sociais. de fora e de ter validade para todos os membros da
Os estudos sociológicos de Durkheim ganharam sociedade.
relevância para as ciências da sociedade, tornando- Durkheim defendeu uma postura de absoluto ri-
se parâmetros para vários ramos de pesquisa socio- gor e não envolvimento frente ao objeto de estudo
lógica até nossos dias. da Sociologia. Para ele, o comportamento do cien-
Para ele, a Sociologia deveria ser um instrumen- tista social deveria ser de distanciamento e sua po-
to científico da busca de soluções para os desvios sição, de neutralidade frente aos fatos sociais. Ape-

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

nas essa atitude é que garantiria objetividade de sua São elas:


análise e, portanto, suas bases científicas. Esses fatos 1) Contraposição ao conhecimento filosófico da
deveriam ser encarados como coisas, objetos exte- sociedade: a Filosofia possui um método dedu-
riores ao pesquisador. Cabia-lhes apenas a observa- tivo de conhecimento, que parte da tentativa de
ção, a medição e a comparação dos fenômenos so- explicar a sociedade a partir do conhecimento
ciais, não importando o que o próprio pesquisador da natureza humana. Ou seja, para os filósofos, o
ou os indivíduos cogitassem ou afirmassem sobre conhecimento da sociedade pode ser feito a par-
sua natureza. tir de dentro, do conhecimento da natureza do
O interesse científico durkheimiano era inteira- indivíduo. Como a sociedade é formada pelos
mente voltado para a compreensão do funcionamen- indivíduos, a Filosofia tem a prática de explicar a
to das chamadas formas padronizadas de conduta e sociedade (e os fatos sociais) como uma expres-
pensamento, definidas por ele como consciência co- são comum destes indivíduos. De outro lado, se
letiva, que configurariam a moral adotada pela socie- existe uma natureza individual que se expressa
dade. Nesse sentido ele pode ser visto como o primei- coletivamente na organização social, então pode-
ro dos sociólogos funcionalistas. se dizer que a história da humanidade tem um
Para Durkheim, o seu método sociológico tinha sentido, que deve ser a contínua busca de expres-
três características básicas que o distinguiam de seus são desta natureza humana. Para Adam Smith,
antecessores na Sociologia, como Comte e Spencer: por exemplo, dado que o homem é, por nature-
1. Ele é um método independente de toda a fi- za, egoísta, motivado por fatores econômicos e
losofia. Ou seja, ele não tem que ter uma vin- propenso às trocas, a sociedade de livre mercado
culação com qualquer visão filosófica ou ideo- seria a plena realização desta natureza. Para He-
lógica do mundo. Ele não precisa afirmar nem gel, a história da humanidade tendia a crescen-
a liberdade nem o determinismo; a Sociologia, temente afirmar o espírito humano da individu-
assim, não será nem individualista, nem comu- ação e da liberdade. Para Marx, a história da so-
nista, nem socialista, no sentido que se dá vul- ciedade era a história da dominação e da luta de
garmente a estas palavras (idem, p. 174). classes, e a tendência seria a afirmação histórica,
2. É um método objetivo. Segundo Durkheim, por meio de sucessivas revoluções, da liberdade
ele é um método inteiramente dominado pela humana e da igualdade, por meio do socialismo.
ideia de que os fatos sociais são coisas e como Para Durkheim, estas concepções eram insu-
tais devem ser tratados (idem, p. 148). portáveis, pois eram deduções e não tinham va-
3. É exclusivamente sociológico. Ou seja, não de- lidade científica, eram crenças fundamentadas
riva da forma da filosofia tratar a sociedade, nem em concepções a respeito da natureza humana.
da psicologia, e nem das ciências naturais, uma Durkheim acreditava que o conhecimento dos
vez que afirma que a sociedade tem uma nature- fatos sociológicos deve vir de fora, da observação
za própria, que não é derivada nem da natureza empírica dos fatos.
humana, nem das consciências individuais, nem 2) Os fenômenos sociais são exteriores aos in-
das constituições orgânicas dos indivíduos. divíduos: a sociedade não seria simplesmente
a realização da natureza humana, mas, ao con-
O MÉTODO SOCIOLÓGICO DE DURKHEIM trário, aquilo que é considerado natureza hu-
Ideias centrais do método sociológico mana é, na verdade, produto da própria socie-
de Durkheim dade. Os fenômenos sociais são considerados
Pode-se dizer que o método sociológico de por Durkheim como exteriores aos indivíduos,
Durkheim apresenta algumas ideias centrais, que e devem ser conhecidos não por meio psicoló-
percorrem toda a extensão de sua visão sociológica. gico, pela busca das razões internas aos indiví-

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AULA 2 — Alguns Elementos Teóricos

duos, mas sim externamente a ele na própria as crenças, as maneiras de agir e de pensar existem
sociedade e na interação dos fatos sociais. Fa- antes dos indivíduos e condicionam coercitivamen-
zendo uma analogia com a biologia, a vida, para te o seu comportamento).
Durkheim, seria uma síntese, um todo maior Durkheim argumenta, contrariando boa parte do
do que a soma das partes, da mesma forma que pensamento filosófico, que “somos vítimas da ilusão
a sociedade é uma síntese de indivíduos que que nos faz crer que elaboramos, nós mesmos, o que
produz fenômenos diferentes dos que ocorrem se impõe a nós de fora” (Idem, p. 5). E, responden-
nas consciências individuais (isto justificaria a do àqueles que não creem nesta coerção social que
diferença entre a Sociologia e a Psicologia). sofrem os indivíduos porquê não se pode senti-la,
3) Os fatos sociais são uma realidade objetiva: argumenta que “o ar não deixa de ser pesado em-
ou seja, para Durkheim, os fatos sociais pos- bora não sintamos seu peso”. Para Durkheim, o fato
suem uma realidade objetiva e, portanto, são social é um resultado da vida comum, e ele propõe
passíveis de observação externa. Devem, desta isolá-los para estudá-los. Desta forma, a Sociologia
forma, ser tratados como “coisas”. deveria preocupar-se essencialmente com o estudo
4) O grupo (e a consciência do grupo) exer- dos fatos sociais, de forma objetiva e científica.
ce pressão (coerção) sobre o indivíduo: Para Durkheim, a ciência deveria explicar, não
Durkheim inverte a visão filosófica de que a prescrever remédios. Este, para ele, era o problema
sociedade é a realização de consciências indivi- da Filosofia, ela tentava entender a natureza huma-
duais. Para ele, as consciências individuais são na, pois aí, tudo o que estivesse de acordo com esta
formadas pela sociedade por meio da coerção. natureza era considerado bom, e tudo o que não esti-
A formação do ser social, feita em boa parte vesse era considerado ruim. Para Durkheim, a obser-
pela educação, é a assimilação pelo indivíduo vação dos fatos sociais deveria seguir algumas regras,
de uma série de normas, princípios morais, como:
religiosos, éticos, de comportamento etc., que a) Os fatos sociais devem ser tratados como COI-
balizam a conduta do indivíduo na sociedade. SAS. Para Durkheim, “é coisa tudo aquilo que
Portanto, o homem, mais do que formador da é dado, e que se impõe à observação”. Nem a
sociedade, é um produto dela. existência da natureza humana, nem o sentido
Nas palavras do próprio Durkheim de progresso no tempo, como admitia Comte,
por exemplo, fazia sentido, segundo Durkheim,
É fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não,
dentro do método sociológico. Eles são uma
suscetível de exercer sobre o indivíduo uma co-
erção exterior; ou ainda, toda a maneira de fazer
concepção do espírito. Durkheim, neste sen-
que é geral na extensão de uma sociedade dada e, tido, é essencialmente objetivista, empirista e
ao mesmo tempo, possui uma existência própria, indutivista, ao contrário de Comte, o funda-
independente de suas manifestações individuais. dor da Sociologia, que era considerado por ele
(Durkheim, 1999, p. 13) como subjetivista e filosófico.
b) Uma segunda concepção importante no méto-
Ou ainda do sociológico de Durkheim é de que, para ele,
o sociólogo, ao estudar os fatos sociais, deveria
O fato social é tudo o que se produz na e pela despir-se de todo o sentimento e toda a pré-
sociedade, ou ainda, aquilo que interessa e afeta o noção em relação ao objeto.
grupo de alguma forma (Idem, p. 28). c) Terceiro, o pesquisador deveria definir precisa-
Os fatos sociais, para Durkheim, existem fora e mente as coisas de que se trata o estudo, a fim
antes dos indivíduos (fora das consciências indivi- de que se saiba, e de que ele saiba bem o que
duais) e exercem uma força coercitiva sobre eles (ex. está em questão e o que ele deve explicar.

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

d) E, quarto, a sensação, base do método indutivo to, ele lança mão de todo um repertório de compa-
e empirista, pode ser subjetiva. Por isto, dever- rações com a medicina e com os organismos vivos.
se-ia afastar todo o dado sensível que corra o Assim, ele define saúde como a perfeita adaptação
risco de ser demasiado pessoal ao observador. do sujeito ao seu meio, e doença como tudo o que
perturba esta adaptação.
Sobre a distinção entre “normal” e “patológico” Mas, com base em que critério poderia se dizer
Uma questão de fundamental importância no que um método de se adaptar é mais perfeito do
pensamento de Durkheim, e que dá o tom do seu que outro? Segundo ele, não poderia ser pelo que
positivismo e funcionalismo, é a concepção de que compromete a sobrevivência ou pelo que debilita o
existem estados normais e estados patológicos entre organismo (comparando com a medicina, a velhi-
os fatos sociais. Ou seja, existem fatos sociais que ce, a menstruação e o parto implicam em riscos e
são normais e fatos que são patológicos, ou mórbi- debilitam o organismo, mas não são doenças). Da
dos, como também ele denomina estes últimos. Para mesma forma, não poderia ser pela funcionalidade
ele, fatos normais são aqueles que são o que devem (comparando novamente, certas disposições anatô-
ser, enquanto os patológicos deveriam ser de outro micas, como o apêndice, por exemplo, não são fun-
modo. Portanto, dentro desta perspectiva, poderí- cionais, mas nem por isto são doenças). Cabe ob-
amos encontrar estados de saúde e doença social. servar, porém, que, embora descartando a funcio-
Assim, “a saúde seria boa e desejável, ao passo que a nalidade como critério objetivo para se dizer se um
doença é ruim e deveria ser evitada” (Idem, p. 51). fato é normal ou patológico, ele dá bastante ênfase,
Partindo deste pressuposto, Durkheim pensava ter em todo o seu trabalho, à funcionalidade dos fatos
encontrado uma forma objetiva de dar um propó- sociais normais. Em um parágrafo ele até mesmo se
sito prático, ou normativo, à Sociologia, sem deixar contradiz afirmando que “é doença social quando
de ser uma ciência explicativa e objetiva. Segundo perturba o desempenho normal das funções”.
ele, até então havia duas formas de pensamento: Mas, descartando, a princípio, estas duas pos-
a) a ciência puramente explicativa, sem fins práti- sibilidades, Durkheim permite uma abertura ao
cos e não normativa, que tendia a tornar-se inútil; e subjetivismo. Segundo ele, para o sociólogo é mais
b) o método ideológico, que era dedutivo, baseado na complicado do que para a medicina, definir estados
ideia do próprio autor, no conhecimento filosófico, doentes e saudáveis. Assim,
normativo, mas não científico (ele cita a Filosofia e a
Na falta desta prova de fato, nada mais é possível
Economia por exemplo, e também alguns sociólogos,
senão raciocínios dedutivos cujas conclusões só po-
como Spenser). Nenhuma destas concepções era sa- dem ter o valor de conjecturas subjetivas. Demons-
tisfatória; a primeira era inútil, pois não poderia lan- trar-se-á não que tal acontecimento enfraquece efe-
çar luz sobre a ação humana, ao passo que a segunda tivamente o tecido social, mas que ele deve ter este
não era objetiva e, portanto, era não científica. efeito (Idem, p. 56).
Desta forma, Durkheim acreditava que
Fundamental, portanto, para Durkheim, era de-
Se encontrarmos um critério objetivo, inerente aos
finir o que é normal. O que é um Estado Normal?
fatos mesmos, que nos permita distinguir cientifi-
camente a saúde da doença nas diversas ordens de
O normal, salienta ele, é um estado relativo. Assim
fenômenos sociais, a ciência será capaz de esclare- como na biologia a ideia de normal é relativa à espé-
cer a prática, sem deixar de ser fiel ao seu próprio cie, a tipos dentro da espécie e à idade do ser, tam-
método (p. 51). bém na Sociologia devemos considerar que a ideia
de normal é relativa ao tipo de sociedade, a variações
O grande problema, agora, para Durkheim, era dentro da sociedade (selvagem ou mais civilizada) e
definir saúde e doença em Sociologia. E, neste pon- ao estágio de desenvolvimento da sociedade. Desta

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AULA 2 — Alguns Elementos Teóricos

forma, somente podemos comparar fatos sociais em na ideia de humanidade, pela qual perpassava a re-
sociedades distintas respeitando esta relatividade. alização da natureza humana. Segundo Durkheim,
Deve-se, assim, identificar os tipos normais por escapamos a esta alternativa tão logo se reconheça
meio da observação. A medicina estuda as funções que, entre a multidão confusa das sociedades histó-
do organismo médio, e com a Sociologia deveria ricas (a infinidade de sociedades diferentes descrita
ocorrer a mesma coisa. Dentro da concepção de pelos historiadores) e o conceito único, mas ideal,
Durkheim, normal também tem uma concepção de de humanidade (dos filósofos), existem intermediá-
generalidade. Ou seja, se um fato social é encontra- rios que são as espécies sociais.
do em todas as sociedades de todos os tempos, então A constituição destes tipos sociais, de suma im-
ele é normal. Ou então, se é encontrado em todas portância para a Sociologia, uma vez que Durkheim
as sociedades daquele mesmo tipo social (socieda- afirmava que a concepção de normal e patológico
des semelhantes). Ele dá o exemplo do crime para é relativa a cada tipo social, deveria seguir um mé-
ilustrar esta assertiva. Segundo ele, o crime existe em todo: (a) estudar cada sociedade individualmente;
todas as sociedades, de todas as espécies, e não tende (b) constituir monografias exatas e detalhadas; (c)
a diminuir. Não poderia ser normal a ausência de compará-las achando semelhanças e diferenças; (d)
crime, pois um fato que não é observado em nenhu- classificar os povos em grupos, segundo estas seme-
ma situação não poderia ser considerado normal. A lhanças e diferenças.
ausência de crime seria impossível em uma socieda- Este seria, para Durkheim, um método somente
de, portanto, não poderia ser considerada normal. admissível para uma ciência da observação. O estu-
Obviamente que existem graduações de crime; ou do e a representação destes tipos sociais foi descrita
seja, ele poderia aumentar a um ponto de se tor- por ele como uma área específica da Sociologia, de-
nar patológico, ou seja, comprometer o tecido so- nominada Morfologia Social, numa clara alusão aos
cial. O crime seria também útil. Segundo o próprio estudos semelhantes na biologia.
Durkheim, o crime “é necessário; ele está ligado às
condições fundamentais de toda a vida social e, por Sobre a explicação dos fatos sociais
isto mesmo, é útil; pois as condições de que ele é Durkheim afirmava que seus antecessores na
solidário são elas mesmas indispensáveis à evolução Sociologia (Comte e Spencer) explicavam os fatos
normal da moral e do direito” (idem, p. 71). Assim, sociais pela sua utilidade. Assim, para Comte, o
se o crime é considerado normal, então ele é inevi- progresso existe para melhorar a condição humana,
tável ainda que lastimável. ou para Spencer, para tornar o homem mais feliz. A
A ideia de normal e patológico, segundo Durkheim, família, para Spencer, se transformara pela neces-
também tinha um outro fim prático: prevenir-nos sidade de conciliar cada vez mais perfeitamente o
de buscar utopias que se afastam na medida em que interesse dos pais, dos filhos e da sociedade. Assim,
avançamos, e concentrar-nos nas coisas normais para os sociólogos tendiam a normalmente deduzirem o
cada sociedade em seu tempo. fato dos fins, ou seja, a explicação suprema da vida
coletiva consistiria em mostrar como ela decorre da
Sobre a construção de tipos sociais natureza humana em geral. Para Durkheim, porém,
Uma outra questão importante no método de este método era errado. Segundo ele
Durkheim parte da necessidade de agrupar socie- Mostrar como um fato é útil não explica como
dades em tipos sociais, segundo a sua semelhança. ele surgiu nem como ele é o que é (Idem, p. 92).
Para o método sociológico, não interessava nem a Para explicar um fenômeno social é preciso pesqui-
perspectiva dos historiadores, que viam na história sar separadamente a causa eficiente que ele produz
uma diversidade de sociedades muito grande, nem e a função que ele cumpre (Idem, p. 97). Apesar dis-
a filosófica, que agrupava toda a evolução histórica so, para explicar um fato de ordem vital não basta

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

explicar a causa da qual ele depende, é preciso tam- ser artificialmente produzidos pelo observador; e b)
bém ao menos na maior parte dos casos, encontrar Experimentação Indireta ou Comparação quando
a parte que lhe cabe no estabelecimento desta har- os fatos se produzem espontaneamente e não podem
monia geral (Idem, p. 99). ser produzidos pelo observador.
Como se pode observar, o método para se estabe-
Para Durkheim, ao invés de buscar a causa dos
lecer a causalidade em Sociologia, para Durkheim,
fatos sociais nos fins ou na função que ele de-
sempenha, “a causa determinante de um fato
seria a Experimentação Indireta ou Comparação.
social deve ser buscada entre os fatos sociais Comte também utilizava o método da compara-
antecedentes, e não entre os estados de cons- ção, mas a este ele adicionou o método histórico,
ciências individuais”. Por outro lado, “a função pois ele tinha que buscar a finalidade e a evolução
de um fato social deve sempre ser buscada na dos fenômenos, ou seja, o sentido de progresso.
relação que ele mantém com algum fim social” Isto, para Durkheim, não tinha sentido em So-
(Idem, p. 112). ciologia.
Segundo a sua concepção de causalidade, a um
Sobre a relação de causalidade efeito corresponderia sempre uma mesma causa.
Dado que do fato social primeiro deve se buscar Assim, se um fato tem mais de uma causa, então
as causas para depois explicar-lhe as consequên- ele não é um fato único. Durkheim dá o exemplo
cias (ou seja, não se pode deduzir a causa da sua do suicídio: se o suicídio depende de mais de uma
consequência), deve-se ter, então, rigor científico causa, é porque, na verdade, existem várias espé-
na explicação causal. Assim, para Durkheim cies de suicídio (ele identificou três tipos, que de-
Só existe um meio de demonstrar que um fenô- corriam de causas distintas, o suicídio egoísta, o
meno é causa de outro: comparar os casos em que altruísta e o anômico).
eles estão simultaneamente presentes ou ausentes
e examinar se as variações que apresentam nessas ■■ Atividades
diferentes combinações de circunstâncias testemu- Em grupos de no máximo cinco pessoas, discutir
nham que um depende do outro (p. 127). estas ideias e ver o que elas têm a ver conosco hoje.
Ora, este é um método que advoga a observação e 1. O que é Rerum Novarum? Analisa o quê? O que
o estudo estatístico do fato e dos fatores que hipoteti- é Neotomimo? Hoje em dia, o Neotomimo tem al-
camente podem lhe ser causadores, para que se possa guma influência na sociedade?
estabelecer correlação entre eles. Para Durkheim, em 2. Quais são as ideias centrais de Durkeheim?
razão da natureza dos fatos, os métodos científicos Como esse autor via e analisava a sociedade? Quais
que decorriam desta concepção dividiam-se em dois são as influências para nosso trabalho como Assis-
grupos: a) Experimentação, quando os fatos podem tentes Sociais?

** ANOTAÇÕES

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AULA 3 — Positivismo

AULA

Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos


3
Positivismo

■■ Conteúdo
• Positivismo, o que é?
• Principais correntes
• A influência no Serviço Social

do Serviço Social
■■ Competências e habilidades
• Capacidade de criar e desenvolver idéias pessoais, a partir da filosofia positivista, para orga-
nizar princípios nas diversas realidades do Serviço Social

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

POSITIVISMO, O QUE É? Para o Positivismo, o único conhecimento vá-


O Positivismo é o movimento de pensamento lido é o científico; o único método válido para
que dominou parte da cultura europeia em suas adquiri-lo é o das ciências naturais, que consiste
expressões não só filosóficas, mas também políti- no encontro de leis causais e em seu controle sobre
cas, pedagógicas e literárias, desde 1840 até o iní- os fatos, que também deve ser aplicado ao estudo
cio da Primeira Guerra Mundial. Os traços socio- das sociedades, ou seja, da Sociologia, como único
culturais interpretados pelo Positivismo são: uma meio capaz de resolver, no curso do tempo, todos
substancial estabilidade política, o processo de in- os problemas humanos e sociais anteriormente so-
dustrialização e o desenvolvimento da ciência e da fridos pela humanidade e aí está a sua ligação com
tecnologia. o Serviço Social.

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

PONTOS CENTRAIS DA FILOSOFIA POSITIVISTA 7) Essa interpretação, porém, não impediu que
O Positivismo apresenta traços comuns que nos outros intérpretes (por exemplo, Geymonat)
permitem sua identificação como movimento de vissem no Positivismo temas fundamentais
pensamento: tomados da tradição iluminista, como a ten-
1) Diversamente do Idealismo, o Positivismo dência de considerar os fatos empíricos como
reivindica o primado da ciência: nós conhe- a única base do verdadeiro conhecimento, a fé
cemos somente aquilo que as ciências nos na racionalidade científica como solução dos
dão a conhecer, pois o único método de co- problemas da humanidade, ou ainda a con-
nhecimento é o das ciências naturais. cepção leiga da cultura, entendida como cons-
2) O método das ciências naturais (identificação trução puramente humana, sem dependências
das leis causais e seu domínio sobre os fatos) em relação a pressupostos e teorias teológicas.
não vale somente para o estudo da natureza, 8) Sempre em linha geral, o Positivismo (neste
mas também para o estudo da sociedade. caso, John Stuart Mill é exceção) caracteriza-
3) Por isso, entendida como ciência dos “fatos se pela confiança acrítica e, amiúde, leviana e
naturais” que são as relações humanas e so- superficial, na estabilidade e no crescimento
ciais, a Sociologia é fruto qualificado do pro- sem obstáculos da ciência. Essa confiança acrí-
grama filosófico positivista. tica na ciência chegou a se tornar fenômeno
4) O Positivismo não apenas afirma a unidade de costume.
do método científico e o primado desse mé- 9) A “positividade” da ciência leva a mentalidade
todo como instrumento cognoscitivo, mas positivista a combater as concepções idealistas
também exalta a ciência como o único meio e espiritualistas da realidade, concepções que
em condições de resolver, ao longo do tempo, os positivistas rotulavam como metafísicas,
todos os problemas humanos e sociais que até embora mais tarde tenham caído em metafísi-
então haviam atormentado a humanidade. cas igualmente dogmáticas.
5) Consequentemente, a era do Positivismo é 10) A confiança na ciência e na racionalidade
época perpassada por otimismo geral, que humana, em suma, os traços iluministas do
brota da certeza de progresso irrefreável (por Positivismo, induziram alguns marxistas a
vezes concebido como fruto da engenhosida- considerarem insuficiente e até reducionista
de e do trabalho humanos e, por outras, ao a usual interpretação marxista, que só vê no
contrário, visto como necessário e automáti- Positivismo a ideologia da burguesia da se-
co), rumo a condições de bem-estar generali- gunda metade do século XIX.
zado em uma sociedade pacífica e perpetrada
pela solidariedade humana. Principais representantes
6) O fato de que a ciência seja proposta pelos Os representantes mais significativos do Positi-
positivistas como o único fundamento sólido vismo são: Auguste Comte (1798-1857) na Fran-
da vida dos indivíduos e da vida associada, de ça; John Stuart Mill (1806-1873) e Herbert Spen-
ela ser considerada como a garantia absolu- cer (1820-1903) na Inglaterra; Roberto Ardigò
ta do destino progressista da humanidade e (18281920) na Itália; Jacob Moleschott (1822-1893)
de o Positivismo se pronunciar pela “divin- e Ernst Haeckel (1834-1919) na Alemanha.
dade” do fato, induziu alguns estudiosos a
interpretarem-no como parte integrante da * AUGUSTE COMTE
mentalidade romântica. Apenas, no caso do Auguste Comte (1798-1857) é autor do Curso de
Positivismo, seria exatamente a ciência a ser filosofia positiva (1830-1842, em seis volumes), no
infinitizada. qual ele formula sua famosa lei dos três estágios, se-

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AULA 3 — Positivismo

gundo a qual a humanidade, assim como a psique Entre as ciências, a Sociologia é a mais comple-
dos indivíduos particulares, passa por três estágios: xa, uma vez que – na hierarquia estabelecida por
(a) estágio teológico; (b) estágio metafísico; (c) es- Comte e que quer ter uma ordem lógica, histórica e
tágio positivo. No estágio teológico os fenômenos são pedagógica – pressupõe a biologia, a qual pressupõe
interpretados como produtos da ação direta e contí- a química, que, por sua vez, pressupõe a física.
nua de agentes sobrenaturais, mais ou menos nume- Nesta perspectiva, a Filosofia deve determinar
rosos; no estágio metafísico os fenômenos são expli- exatamente o espírito de cada ciência, descobrir
cados com referência a essências, ideias, forças abs- suas relações, reassumir, se possível, todos os seus
tratas como a “simpatia”, a “alma vegetativa” etc.; no princípios próprios em número mínimo de princí-
estágio positivo, o homem procura descobrir, “com o pios comuns, conforme o método positivo.
uso bem combinado do raciocínio e da observação”,
as leis efetivas “de sucessão e de semelhança” que pre- * JOHN STUART MILL
sidem ao acontecimento dos fenômenos. O pensamento de Mill constitui uma etapa fun-
O objetivo da ciência, para Comte, é a pesquisa damental na história da lógica e na história da de-
das leis, e isso por causa do fato de que “apenas o fesa da liberdade dos indivíduos. Mill construiu
conhecimento das leis dos fenômenos [...] pode evi- um conjunto de teorias lógicas e ético-políticas que
dentemente levar-nos na vida ativa a modificá-los marcaram a segunda metade do século XIX na In-
para nossa vantagem” (REALE; ANTISERI, 2003, p. glaterra e que se constituem, até hoje, pontos de re-
290). Ciência, de onde previsão; previsão, de onde ferência e etapas obrigatórias, tanto para o estudo
ação. Na esteira de Bacon e de Descartes, Comte da lógica da ciência, como para a reflexão dos cam-
afirma que será a ciência previsão que fornecerá ao pos ético e político.
homem o domínio sobre a natureza. Por conseguin- A lógica, afirma Mill, é a ciência da prova, do
te, é indispensável conhecer a sociedade. Eis, então, modo correto de inferir proposições de outras pro-
que Comte propõe a ciência da sociedade, a So- posições. A tese fundamental de Mill é a de que toda
ciologia, como física social, que tem como tarefa a inferência é de particular para particular. Todos os
descoberta das leis que guiam os fenômenos sociais, conhecimentos e verdades são de natureza empírica
assim como a física estabelece as leis dos fenômenos e se fundam na indução. Para distinguir as circuns-
físicos e faz isso por meio de observações e com- tâncias essenciais das não essenciais, Mill propõe o
parações. A física social ou Sociologia divide-se em que ele chama de os quatro métodos da indução: o
estática social e dinâmica social. método direto da concordância, o método da dife-
A estática social estuda as condições comuns que rença, o método dos resíduos e o método das varia-
permitem a existência das diversas sociedades no ções concomitantes.
tempo: a sociabilidade fundamental do homem, a Método direto da concordância: Se duas ou
família, a divisão do trabalho e a cooperação nos es- mais instâncias de um fenômeno sob investigação
forços etc. A lei fundamental da estática social é a têm somente uma circunstância em comum, a cir-
da ligação entre os diversos aspectos da vida social cunstância a qual todas as instâncias concordam é a
(político, econômico, cultural etc.). causa (ou efeito) do dado fenômeno. Para ser uma
A dinâmica social compreende o estudo das leis condição necessária, uma propriedade deve estar
de desenvolvimento da sociedade. A lei fundamen- sempre presente quando o efeito estiver presente.
tal da dinâmica social é a dos três estágios. Eis um Obviamente, qualquer propriedade não presente
exemplo: o feudalismo é o estágio teológico; a revo- quando o efeito estiver presente, não pode ser uma
lução (que começa com a Reforma protestante e ter- condição necessária ao efeito.
mina com a Revolução Francesa) é o estágio metafí- Simbolicamente, o método direto da concordân-
sico; e a sociedade industrial é o estágio positivo. cia pode ser representado como:

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

A B C D ocorrem junto com w x y z Método das variações concomitantes: Quan-


A E F G ocorrem junto com w t u v do um fenômeno varia de uma maneira específica
———————————————— sempre que outro fenômeno varia, de sua maneira
Consequentemente A é a causa de w. específica, as variações são causa ou efeito uma da
outra. Se um conjunto de circunstâncias leva a um
Método da diferença: Se um fenômeno ocorre fenômeno e alguma propriedade do fenômeno varia
em uma instância e não em uma outra, e as duas juntamente com algum fator existente nas circuns-
instâncias têm todas as circunstâncias em comum tâncias, então o fenômeno pode ser atribuído a esse
exceto uma, e a circunstância em que as duas ins- fator. Por exemplo, suponha que várias amostras de
tâncias diferem está presente na primeira e não água, contendo sal e chumbo, foram verificadas que
na segunda, a tal circunstância é o efeito, a causa, são tóxicas. Se o nível de toxicidade variar em con-
ou, necessariamente, parte da causa do fenômeno. junto com o nível de chumbo, a toxicidade poderá
Se um conjunto de circunstâncias leva a um dado ser atribuída à presença do chumbo.
fenômeno, e outro conjunto de circunstâncias não Simbolicamente, o método das variações conco-
leva, e os dois conjuntos diferem em apenas um fa- mitantes pode ser representado como (com are-
tor, que é presente no primeiro conjunto, mas não presentando um aumento):
no segundo, então o fenômeno pode ser atribuído
a esse fator. A B C ocorrem junto com x y z
Simbolicamente, o método da diferença pode ser A a B C resulta em x ay z
representado como: ——————————————————
Consequentemente A e x são conectadas.
A B C D ocorrem junto com w x y z
B C D ocorrem junto com x y z No livro VI do Sistema de lógica, Mill trata da ló-
—————————————————— gica das ciências morais, em que reafirma a liber-
Consequentemente A é a causa, ou o efeito, dade do querer humano. A defesa dessa liberdade
ou uma parte da causa de w. é tratada no ensaio Sobre a liberdade, escrito com
a colaboração de sua mulher. Para Mill, é direito
Método dos resíduos: Reduzindo-se de um fe- do indivíduo viver como quiser; a liberdade civil
nômeno as partes previamente conhecidas como implica liberdade de pensamento, de religião e de
sendo efeitos de certos antecedentes, os resíduos do expressão; a liberdade de gostos e liberdade de pro-
fenômeno são os efeitos dos antecedentes remanes- jetar nossa vida segundo nosso caráter; e a liberda-
centes. Se um conjunto de fatores são conhecidos de de associação. Trata-se de uma obra de elevada
como as causas de um conjunto de fenômenos, e sensibilidade moral, na qual ele defende a liberdade
todos os fatores, exceto um, estão associados a todos da mulher, cujas ideias encontraram ressonância na
os fenômenos, exceto um, então o fenômeno rema- Inglaterra, no seio do movimento feminista pelo su-
nescente pode ser atribuído ao fator remanescente. frágio universal.
Simbolicamente, o método dos resíduos pode ser
representado como: * HERBERT SPENCER
Em 1852, ou seja, sete anos antes que Darwin pu-
A B C ocorrem junto com x y z blicasse o seu Sobre a origem das espécies, por meio
B é conhecido como a causa de y da seleção natural, Herbert Spencer (1820-1903)
C é conhecido como a causa de z propusera uma concepção evolucionista própria em
——————————————— A hipótese do desenvolvimento. De 1855 são os Prin-
Consequentemente A é a causa de x. cípios de psicologia, nos quais se dá amplo espaço à

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AULA 3 — Positivismo

teoria evolutiva. Os primeiros princípios foram pu- ética naturalista-biológica. Princípios éticos, nor-
blicados em 1862: nessa obra, a teoria última evo- mas e obrigações morais são instrumentos de me-
lutiva se apresenta como grandiosa metafísica do lhor adaptação do homem às condições de vida.
universo. Já no primeiro capítulo da obra, Spencer
enfrenta o problema e o universo da relação entre *ROBERTO ARDIGÒ
religião e ciência. Pois bem, uma e outra – afirma Na Itália, o Positivismo, com sua particular aten-
Spencer – nos fazem compreender que a realidade ção ao desenvolvimento e aos métodos das ciências
última é incognoscível e que o universo é um mis- e com sua aversão às metafísicas da transcendên-
tério: enquanto a tarefa das religiões consiste em cia, deu seus melhores frutos na reflexão sobre a
manter vivo o sentido do mistério, a tarefa da ci- criminologia com Cesare Lombroso (1836-1909),
ência é a de impulsionar sempre mais para a frente na pedagogia com Aristides Gabelli (1830-1891)
o conhecimento do relativo, sem jamais presumir e André Angiulli (1837-1890), em historiografia e
capturar o absoluto. metodologia da historiografia com Pasqual Villari
Entre religião e ciência, a Filosofia, para Spencer, (18201918), em medicina e metodologia da clínica
é “o conhecimento do mais alto grau de generalida- com Salvatore Tommasi (1813-1888) e, sobretudo,
de”, o que significa que a Filosofia “compreende e com Augusto Murri (1841-1932).
consolida as mais amplas generalizações da ciência. A figura mais representativa do Positivismo ita-
A Filosofia é, portanto, a ciência dos primeiros prin- liano é Roberto Ardigò (1828-1920). Sacerdote, dei-
cípios. Por conseguinte – lembra Spencer – ela deve xou o sacerdócio depois de uma crise profunda; em
partir dos princípios mais elevados a que a ciência 1881 foi nomeado professor na Universidade de Pá-
chegou e que, a seu ver, são: (a) a indestrutibilidade dua, onde ensinou até 1908. Permanece famoso seu
da matéria; (b) a continuidade do movimento; (c) a Discurso sobre Pietro Pomponazzi, de 1869. Outras
persistência da força. obras de Ardigò são: A moral dos positivistas (1879);
Tais princípios se referem a todas as ciências e en- A razão (1894); A doutrina spenceriana do incog-
contram sua unificação no princípio mais geral, que noscível (1899). A perspectiva positivista de Ardigò
seria o da redistribuição contínua da matéria e do afunda suas raízes no naturalismo italiano do sécu-
movimento. A lei de tal incessante e geral mudança lo XVI: (com Pomponazzi, ele reforça a autonomia
é a lei da evolução, cujas características essenciais da razão; e com Bruno a divindade do universo); li-
são as de ser: (a) uma passagem de uma forma me- ga-se diretamente às concepções positivistas e, com
nos coerente para uma mais coerente; (b) uma pas- isso, põe o fato como pedra angular da própria filo-
sagem do homogêneo para o heterogêneo; (c) uma sofia. O fato tem uma realidade própria em si, uma
passagem do indefinido para o definido. realidade inalterável, que somos forçados a afirmar
A evolução em biologia, na visão de Spencer, é tal e qual é dada e a encontramos, com a absoluta
uma resposta por parte dos organismos ao desafio impossibilidade de cortar ou acrescentar nada a ela;
do ambiente por meio da diferenciação dos órgãos portanto, o Fato é divino.
(e isto é Laplace) e uma seleção natural desses or- Toda a realidade é natureza; e o único conheci-
ganismos mudados que favorece a sobrevivência do mento válido é o científico. Mas, se toda a realidade
mais adaptado (e aqui Spencer está de acordo com é natureza, certamente é cognoscível – cognoscível
Darwin). pela ciência, embora os esforços da ciência jamais
Spencer concebe uma sociologia orientada para alcancem a meta final. E, se assim estão as coisas,
a defesa do indivíduo, sustentando que a sociedade Spencer errou, e não precisará falar de incognos-
existe para os indivíduos e não vice-versa e que o cível, mas de desconhecido: é desconhecido tudo
desenvolvimento da sociedade é determinado pela aquilo que ainda não é conhecido pela ciência, mas
realização dos indivíduos. A ética de Spencer é uma que, em princípio, poderá ser por ela conhecido. E,

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

ainda diversamente de Spencer, que via a evolução que o materialismo era a hipótese doravante a
como passagem do homogêneo para o heterogêneo, conclusão inevitável de um estudo imparcial da
Ardigò concebe a evolução como passagem do in- materialista natureza baseado no empirismo e na
distinto para o distinto; assim, por exemplo, do in- Filosofia. Para ele, a única possível ação do cérebro
distinto, que é a sensação, brotam as distinções en- era análoga à de uma máquina a vapor.
tre espírito e matéria, eu e não eu, sujeito e objeto. Ernst Haeckel (1834-1919), sustentador da te-
Toda a realidade é natureza; o homem é nature- oria darwiniana, propôs a “lei biogenética funda-
za; o pensamento é fruto da evolução da natureza, mental”, na qual se estabelece que, para o homem,
assim como a ética; os ideais e as normas éticas são, a ontogênese, ou seja, o desenvolvimento do indi-
conforme Ardigò, respostas dos homens associados víduo é uma breve e rápida repetição (uma recapi-
a acontecimentos e ações consideradas danosas para tulação) da filogênese ou evolução da estirpe a que
a sociedade e que, depois, se fixam como normas ele pertence, isto é, dos precursores que formam a
morais – implicando sanções – na consciência dos cadeia dos progenitores do próprio indivíduo, re-
indivíduos. O político Ardigò foi um liberal, anti- petição determinada pelas leis da hereditariedade
maçom, crítico do marxismo, em sua componente e da adaptação. Seu monismo materialista – que,
de materialismo histórico, e com uma propensão a seu ver, estabeleceria a lei em grau de resolver os
para o socialismo. enigmas do mundo – Haeckel o confiou ao livro
Os enigmas do mundo, publicado em 1899, e do
O POSITIVISMO NA ALEMANHA qual foram vendidos 400 mil exemplares.
Na Alemanha, o Positivismo toma a direção de
um rígido materialismo, cujas teses de fundo foram ■■ Concluindo
a batalha contra o dualismo de matéria e espírito e A principal influência do Positivismo nas Ciên-
a luta contra as metafísicas da transcendência. Os cias Sociais foi a utilização de termos que permiti-
representantes de maior vulto do Positivismo ma- ram a compreensão da realidade, o que provocou a
terialista alemão são: Karl Vogt, Jacob Moleschott, apropriação da linguagem de variáveis para espe-
Ludwig Büchner e Ernst Haeckel. cificar atributos e qualidades do objeto de investi-
Karl Vogt (1817-1895), zoólogo, decididamente gação. O Positivismo possibilitou o surgimento da
contrário à ideia criacionista e ao relato bíblico so- Sociologia, cujo objeto é a humanidade, em que se
bre a história da Terra e a origem da vida, reforçou reúnem o positivismo religioso, a história do co-
– contra Rudolf Wagner – sua aversão à ideia de nhecimento e a política positiva.
imortalidade da alma. O objeto próprio da Sociologia é a humanidade
Jacob Moleschott (1822-1893), professor pri- e é necessário compreender que a humanidade não
meiro em Heidelberg e depois em Zurique, após a se reduz a uma espécie biológica: há na humani-
unificação da Itália, passou a ensinar fisiologia em dade uma dimensão suplementar – a história – o
Turim e depois em Roma. Paladino de uma cultura que faz a originalidade da civilização (da “cultura”,
leiga e anticlerical, Moleschott sustentou que “Não diriam os sociólogos do século XIX).
há pensamento sem queimar as pestanas” e que a O Positivismo e seus métodos permitem estudar
vida é um processo que, por meio da dissolução, as condições da evolução da sociedade: do estado
regenera-se continuamente. Por isso, provocando teológico ao estado positivo na ordem intelectual,
escândalo, Moleschott chegou a afirmar que nos do estado militar ao industrial na ordem prática –
cemitérios, onde o terreno é mais fértil, dever-se- do estado de egoísmo ao de altruísmo na ordem
ia semear trigo. afetiva.
Ludwig Büchner (1824-1899) em um livro de
grande sucesso, Força e matéria (1855), afirmou

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AULA 4 — Karl Marx e suas Influências

AULA

Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos


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Karl Marx e suas Influências

■■ Conteúdo
• A dialética
• O capital
• Karl Heinrich Marx

do Serviço Social
• Marxismo

■■ Competências e habilidades
• Levar o(a) acadêmico(a) a conhecer e a entender Marx, o marxismo, o capitalismo e o seu
desenvolvimento, bem como a realidade sócio-politica da atualidade

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

A DIALÉTICA No primeiro momento, a tese, refere-se à ativida-


A dialética hegeliana se remete à dialética clássi- de do intelecto que, para Hegel,
ca descoberta pelos gregos, mas lhe confere movi-
mento e dinamicidade, e o coração da dialética se [...], em geral, consiste em conferir ao seu conte-
torna, assim, o movimento circular ou em espiral, údo a forma da universalidade: mais precisamente,
com ritmo triádico, dividido em três momentos: a o universal posto pelo intelecto é universal abstrato,
tese, momento abstrato ou intelectivo; a antítese, que, como tal, é mantido solidamente contraposto
momento dialético em sentido estrito ou negativa- ao particular, mas que, desse modo, ao mesmo tem-
mente racional; e a síntese, momento especulativo po, também é determinado por seu turno como par-
ou positivamente racional. ticular. À medida que opera em relação a seus obje-

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

tos separando e abstraindo, o intelecto é o contrário elemento material transferido e traduzido no cére-
da intuição imediata e da sensação, que, como tal, bro dos homens. Marx inverte a dialética hegeliana,
relaciona-se inteiramente com o concreto e nele per- colocando-a de pé, ele a transporta das ideias para a
manece parada. (REALE e ANTISERI, 2003, p. 107) história, da mente para os fatos, da consciência in-
Assim, a Filosofia não pode prescindir do inte- feliz para a realidade social em contradição. Em sua
lecto e de sua obra, devendo, ao contrário, começar opinião, todo momento histórico gera contradições
exatamente pelo trabalho do intelecto. O pensa- em seu seio e essas contradições constituem a mola
mento filosófico, portanto, deve ir além dos limites do desenvolvimento histórico.
do intelecto. Explicando melhor, Marx afirma que o modo
No segundo momento da dialética, a antítese, o ir pelo qual a produção material de uma sociedade é
além dos limites do intelecto é peculiaridade da ‘ra- realizada constitui o fator determinante da organi-
zão’, que tem um momento ‘negativo’ e um ‘positivo’. zação política e das representações intelectuais de
O momento negativo, que Hegel chama de ‘dialéti- sua época. Se realidade não é estática, mas dialética,
co’ em sentido estrito, consiste em remover a rigidez e está em transformação pelas suas contradições in-
do intelecto e de seus produtos, o que importa o ternas, assim, a base material ou econômica cons-
esclarecimento de uma série de contradições e opo- titui a “infraestrutura” da sociedade, que exerce in-
sições de vários tipos, sufocadas no enrijecimento fluência direta na “superestrutura”, ou seja, nas ins-
do intelecto. Desse modo, toda determinação do in- tituições jurídicas, políticas (as leis, o Estado) e nas
telecto transforma-se na determinação contrária (e ideológicas (as artes, a religião, a moral) da época.
vice-versa). A luta de classes existente nessa sociedade é a con-
Por isso, escreve Hegel: tradição presente no processo histórico dialético,
ou seja, se a base material ou econômica constitui a
A dialética é esse ultrapassar imanente no qual a
infraestrutura e essa infraestrutura influencia a su-
unilateralidade e a limitação das determinações do
intelecto se expressam por aquilo que são, isto é,
perestrutura, é porque existe a luta de classes. A su-
como sua negação. Todo finito é superação de si perestrutura se adapta ao modo de vida econômico
mesmo. A dialética, portanto, é a alma motriz do da sociedade, portanto, se isso acontece, é por causa
procedimento científico, sendo o único princípio da luta de classes? Essa é a contradição ou a antítese
pelo qual o conteúdo da ciência adquire um nexo do materialismo dialético de Marx.
imanente ou uma necessidade; assim, em geral, é Dessa forma, o movimento da História possui
nele que se encontra a verdadeira elevação, não ex- uma base material, econômica e obedece a um mo-
trínseca, para além do finito (isto é, para além de vimento dialético. E conforme muda essa relação,
cada simples determinação do finito). (REALE e mudam-se as leis, a cultura, a literatura, a educação,
ANTISERI, 2003, p. 107) as artes.
A dialética é a lei de desenvolvimento da realida-
O terceiro momento, a síntese, é a síntese dos de histórica e exprime a inevitabilidade da passagem
opostos, que contém em si como superadas aque- da sociedade capitalista para a comunista (REALE e
las oposições nas quais se detém o intelecto. Esse é ANTISERI, 2003).
o momento básico, movimento circular que nunca
tem fim. O CAPITAL
A dialética de Hegel é entendida como a síntese O capital para Marx é o conjunto composto de
dos contrários e ela é assumida por Marx, só que in- capital constante: meios produtivos e matérias-pri-
vertida. Para Hegel, o processo do pensamento, que mas e o capital variável: que é a força de trabalho.
ele transforma até em sujeito independente, com Marx inicia a análise do capital com a mercadoria,
o nome de ideia, para Marx nada mais é do que o que tem duplo valor: valor de uso e valor de tro-

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AULA 4 — Karl Marx e suas Influências

ca. O valor de uso, por exemplo, 20 quilos de café, obra pelo tempo (hora-serviço) e não pela mão de
baseia-se na qualidade da mercadoria que, precisa- obra em si mesma (REALE e ANTISERI, 2003).
mente em função de sua qualidade, satisfaz mais a Com isso, a mão de obra torna-se barata diante
uma necessidade que a outra. O valor de troca é algo do produto que produz, assim o lucro fica na in-
idêntico existente em mercadorias diferentes, cujo dústria (com o industrial). O operário recebe em
valor é dado pela quantidade de trabalho social- troca pela sua mão de obra o necessário mínimo
mente necessário para produzi-las. O valor de troca para a sobrevivência de si e de sua família. A mão de
de uma mercadoria, portanto, é dado pelo trabalho obra ou a força de trabalho excedente irá produzir
social necessário para produzi-la. Mas o trabalho (a a ‘mais-valia’. O lucro real que existe na “sobra” da
força de trabalho) também é mercadoria que o pro- mão de obra, o industrial investirá na sua indústria;
prietário da força de trabalho (o proletário) vende assim, sua indústria crescerá cada vez mais porque
no mercado, em troca do salário, ao proprietário acumulará a riqueza deixada pelo operário. Essa ri-
do capital, ao capitalista, que paga justamente, por queza acumulada, Marx a chamou de ‘mais-valia’.
meio do salário, a mercadoria (força de trabalho) Para Marx, a única solução para sair desse círculo
que adquire; ele a paga segundo o valor que a mer- no qual só o industrial agrega lucros é a revolução
cadoria tem, valor que é dado pela quantidade de das massas, em que os operários, unidos, irão lutar
trabalho necessário para produzi-la, ou seja, pelo pelos seus direitos (REALE e ANTISERI, 2003).
valor das coisas necessárias para manter em vida o
trabalhador e sua família. CARTA ENCÍCLICA QUADRAGESIMO ANNO
A Teoria da Mais-valia, criada por Marx, é um Escrita no 40o aniversário da Encíclica Rerum
dos conceitos fundamentais da economia marxista Novarum, a carta encíclica Quadragesimo Anno res-
e um eixo de toda a construção teórica de Marx. O salta os grandes benefícios que dela advieram para
capitalista adquire sobre o mercado, além do capi- a Igreja Católica e para toda a humanidade; defen-
tal constante (maquinários, matérias-primas etc.), dendo a doutrina social e econômica, satisfazendo
também o capital variável, isto é, a força de trabalho. algumas dúvidas, desenvolvendo mais e precisando
“O valor da força de trabalho é o valor dos meios de de alguns pontos; finalmente, chamando a juízo o
subsistência necessários para a conservação do pos- regime econômico moderno e instaurando proces-
suidor da força de trabalho.” O uso da força de tra- so ao socialismo, apontando a raiz do mal-estar da
balho é o próprio trabalho. O produto do trabalho é sociedade contemporânea e mostrando-lhe ao mes-
propriedade não do trabalhador, mas do capitalista. mo tempo a única via de uma restauração salutar,
Ora, se o proletário trabalha doze horas e em seis que é a reforma cristã dos costumes.
horas produz o tanto para cobrir o quanto o capita- A Encíclica Rerum Novarum observava que as
lista despende para o salário, o produto das outras corporações deveriam organizar-se e governar-se
seis horas de trabalho é valor do qual o capitalista se de modo que forneçam a cada um de seus membros
apropria. Esse valor que passa para as mãos do capi- os meios mais fáceis para conseguirem seguramente
talista é a mais-valia (REALE e ANTISERI, 2003). o fim proposto, isto é, a maior parte possível, para
Para Marx, a estrutura econômica determinou a cada um, de bens do corpo, do espírito e da fortu-
estrutura, o conjunto e outras estruturas: religiosas, na; porém, é claro que, sobretudo, se deveria ter em
morais, políticas, jurídicas etc. Em outras palavras, vista, como mais importante, a perfeição moral e
para Marx, a economia determina tudo o que ocor- religiosa e que, por ela, se deveria orientar todo o
re na sociedade. Para Marx, existe um problema gra- regulamento dessas sociedades.
víssimo na troca de valor entre o trabalho realizado A Encíclica Quadragesimo Anno enfatiza que de
(mão de obra) e o que é pago para quem detém a nada vale o capital sem o trabalho, nem o trabalho
mão de obra. Em muitos casos, paga-se a mão de sem o capital, declarando que o capital não pode

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

reivindicar para si todos os direitos, deixando ao que procura resgatar o legado de Leão XIII no novo
operário somente o suficiente para sobreviver. Con- contexto histórico que se afigurava ameaçador. De-
dena, portanto, o enriquecimento dos capitalistas cepcionado com as democracias liberais, Pio XI es-
realizado sobre a miséria e o sofrimento dos operá- tava convicto de que o destino da humanidade seria
rios e, ainda, que os socialistas se apropriem de tudo decidido pelo confronto dos grandes blocos totalitá-
o que é produtivo para passar a ser propriedade do rios emergentes: o nazismo e o fascismo, de um lado
Estado. Defende a justa distribuição de bens e ri- e o comunismo marxista, de outro. Teve a audácia
quezas para que haja um equilíbrio de qualidade de não só de condenar esses sistemas (v. Encíclicas: Non
vida entre os homens. abbiamo bisogno, 1931; Mit brennender Sorge, 1937,
Divini Redemptoris, 1937), mas também de propor
É necessário que as riquezas, em contínuo incre-
um sistema alternativo, o corporativismo cristão,
mento com o progresso da economia social, se-
jam repartidas pelos indivíduos ou pelas classes
fundado na preocupação de preservar a dignidade
particulares, de tal maneira, que se salve sempre a inalienável da pessoa humana esmagada pelos regi-
utilidade comum, de que falava Leão XIII, ou, por mes totalitários, e a primazia do bem comum sobre
outras palavras, que em nada se prejudique o bem os interesses tanto corporativos como classistas. A
geral de toda a sociedade. Esta lei de justiça so- tragédia da Segunda Guerra Mundial não permitiu
cial proíbe que uma classe seja pela outra excluída que a proposta de Pio XI tivesse a merecida resso-
da participação dos lucros. Violam-na, por con- nância.
seguinte, tanto os ricos que, felizes por se verem
livres de cuidados em meio da sua fortuna, têm CARTA APOSTÓLICA OCTOGESIMA ADVENIENS
por muito natural embolsarem eles tudo e os ope- A Carta Apostólica do Papa Paulo VI ao senhor
rários nada, como a classe proletária que, irritada Cardeal Maurício Roy, presidente do conselho dos
por tantas injustiças e demasiadamente propen-
leigos e da pontifícia comissão “justiça e paz”, por
sa a exagerar os próprios direitos, reclama para si
ocasião do 80o aniversário da Encíclica Rerum No-
tudo, porque fruto do trabalho das suas mãos, e
varum ao Cardeal Secretário de Estado, em 1971,
combate e pretende suprimir toda a propriedade
e rendas ou proventos, qualquer que seja a sua na-
a Octogesima Adveniens, comemora o octagésimo
tureza e função social, uma vez que se obtenham e aniversário da Rerum Novarum, na qual deixa cla-
pela simples razão de serem obtidos sem trabalho. ro que a Igreja renuncia a qualquer pretensão de
A este propósito cita-se, às vezes, o Apóstolo, lá propor um sistema alternativo. É missão dos leigos
onde diz: “Quem não quer trabalhar, não coma.” comprometidos com a política construírem os mo-
Citação descabida e falsa. O Apóstolo repreende delos adequados às diversidades nacionais.
os ociosos, que, podendo e devendo trabalhar, não Nesse documento, o Papa enfatiza a diversidade
o fazem, e admoesta-nos a que aproveitemos di- das situações e a necessidade de uma ação solidária
ligentemente o tempo e as forças do corpo e do no combate aos problemas emergentes, como a ur-
espírito, nem queiramos ser de peso aos outros, banização crescente e a necessidade dos cristãos, que
quando podemos bastar-nos a nós mesmos. Ago- se instalam em moradias paupérrimas, que o Sumo
ra, que o trabalho seja o único título para receber
Pontífice chama de “degradantes, desumanizantes
o sustento ou perceber rendimentos, isso não o
e perniciosas”, lembrando que “Construir a cidade,
ensina, nem podia ensinar o Apóstolo.
lugar de existência dos homens, e das suas comuni-
dades ampliadas, criar novos modos de vizinhança
A Encíclica Quadragesimo Anno (1931), elabora- e de relações, descortinar uma aplicação original da
da pelo Papa Pio XI, dá um passo decisivo na re- justiça social, assumir, enfim, o encargo deste futuro
condução da propriedade privada para o âmbito do coletivo que se preanuncia difícil é uma tarefa em
bem comum. É a segunda grande encíclica social, que os cristãos devem participar.” Comenta ainda,

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AULA 4 — Karl Marx e suas Influências

sobre o lugar da mulher, sobre os jovens, sobre o função social. A função social de uma propriedade
trabalhador, a discriminação, a imigração, a criação é entendida como sendo a instrumentalização desta
de postos de trabalho, os meios de comunicação so- para o bem de todo o gênero humano, pela criação
cial, o meio ambiente, entre outros assuntos de igual de trabalho útil e partilha da riqueza. Essa discussão
importância e relevância social. acerca da busca da conciliação entre a destinação uni-
Fundamentalmente, preocupa-se com a socie- versal dos bens e a propriedade privada é importante
dade e seus problemas, seus dilemas, no sentido de e relevante porque a cultura capitalista desencadeou
buscar uma igualdade solidária e a justiça social. – dentro de um sistema capaz de produzir uma gran-
de quantidade de bens – a mentalidade do acumular.
CARTA ENCÍCLICA CENTESIMUS ANNUS Não estimulou a circulação de bens e a comunhão,
A Centesimus Annus (1991) é a última das encícli- mas o consumismo individualista.
cas sociais. Ela faz uma análise socioeconômica dos
recentes acontecimentos e propõe uma leitura das ■■ Sites
novas realidades. Nesta encíclica, são expostas as ori- http://www.vatican.va/holy_father/index_
gens da destinação universal dos bens e da proprie- po.htm www.mundodosfilosofos.com.br/marx.
dade individual. Constata-se que o ponto central que htm www.vermelho.org.br/img/obras/biblio-
permeia toda a Doutrina Social é sempre o mesmo: marx.asp
como conciliar destinação universal de bens e pro-
priedade privada. Esta conciliação se dá por meio da ■■ Filmes
ideia de hipoteca social, na qual é considerada legíti- • Olga
ma a propriedade privada apenas se for destinada à • Dr. Jivago

** ANOTAÇÕES

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

AULA

5
Fenomenologia

■■ Conteúdo
do Serviço Social

• Edmund Husserl
• Martin Heidegger
• Maurice Merleau-Ponty

■■ Competências e habilidades
• Capacidade de criar e desenvolver ideias pessoais, a partir da “filosofia pós-moderna”
• Organizar princípios filosóficos a partir desta nova realidade filosófica e social

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

A Fenomenologia é uma corrente filosófica que EDMUND HUSSERL (1859-1938)


concebe ao pensamento a certeza de reter só o es- Husserl, fundador da Fenomenologia, nasceu em
sencial do fenômeno em questão, e o método fe- Prossnitz (Morávia) e estudou matemática em Ber-
nomenológico é aquele que oferece uma técnica de lim, diplomando-se em 1883. Em Viena, foi aluno
busca da essência dos fenômenos. Apesar da Feno- de Franz Bentrano.1 Em 1887, tornou-se livre-do-
menologia ter sido caracterizada como uma filoso-
fia essencialista, a sua finalidade era a de ser uma 1
Franz Brentano (1838-1917), ex-sacerdote católico e filósofo
solução objetiva para todo o subjetivismo intelec- alemão, geralmente considerado o fundador do intencional-
ismo. Em 1874 Brentano foi designado Professor na Universi-
tual em voga na época de sua idealização. O seu dade de Vienna, onde permaneceu até 1895, tendo como alu-
precursor, Edmund Husserl, objetivava criar uma nos, além de Husserl, Freud. Muito escreveu sobre Aristóteles,
porém sua maior obra foi A psicologia do ponto de vista empírico
corrente filosófica que desse uma base sólida para (1874), na qual afirma o caráter intencional da consciência. Se-
a Filosofia e para as ciências, sendo uma solução gundo esse autor, os fenômenos psíquicos são classificados em
três classes fundamentais: a representação, em que o objeto está
definitiva para o caos intelectual do final do século sempre presente; o juízo, em que o objeto é sempre afirmado ou
XIX e do início do XX. negado; e o sentimento, em que ele é amado ou odiado.

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AULA 5 — Fenomenologia

cente em Halles. Em 1891 publica Filosofia da mate- norma moral, mas sim, compreender por que esta
mática e, em 1901, é nomeado professor de Filosofia ou aquela norma são normas morais e não normas
em Göttingen, quando publica Pesquisas Lógicas. jurídicas ou regras de comportamento. Da mesma
Em 1911, publica A filosofia como ciência rigorosa forma, não interessa em examinar os ritos e os hi-
e Ideias para uma fenomenologia pura. Em 1913, nos desta ou daquela religião, mas sim por com-
publica Uma filosofia fenomenológica e, em 1916, preender o que é a religiosidade, o que transforma
passa a lecionar em Friburgo, onde ficou até 1928, ritos e hinos tão diferentes em ritos e hinos religio-
quando os nazistas o impediram de continuar en- sos, assim como o que caracteriza essencialmente
sinando, devido à sua condição de judeu. Em 1929, o pudor, a santidade, o amor, a justiça etc. A Feno-
publica Lógica formal e lógica transcendental e, em menologia é a ciência das essências e não dos dados
1931, publica Meditações cartesianas, cujo conte- de fato, e seu objetivo é descrever os modos típicos
údo são suas conferências em Paris. Ao falecer em pelos quais os fenômenos se apresentem à consci-
1938, deixa cerca de 45 mil páginas estenografadas, ência e essas modalidades típicas (pelas quais este
que foram salvas da guerra pelo padre belga Her- som é um som e não uma cor) são precisamente as
mann van Breda e que constituem, na atualidade, essências. A Fenomenologia, portanto, é a ciência
o Arquivo Husserl, dos quais foram tirados vários da experiência, não dos dados de fato. Os objetos
livros, dentre os mais conhecidos e importantes, da Fenomenologia são as essências dos dados de
A crise das ciências europeias e a fenomenologia fato e nisso consiste a redução eidética, ou seja, a
transcendental, no qual Husserl fala, não sobre a intuição das essências, quando se prescinde dos as-
crise das ciências, mas sobre a crise do que elas têm pectos empíricos e das preocupações que nos ligam
significado. O objeto da crítica de Husserl são: o na- a ele. Isto é o que Husserl chama de ontologias re-
turalismo e o objetivismo; a verdade científica como gionais, cujas regiões são a natureza, a sociedade,
a única válida e que a realidade verdadeira é aquela a moral e a religião. O que importa é descrever o
descrita pelas ciências. que efetivamente se dá à consciência, o que nela se
A Fenomenologia é a ciência dos fenômenos, cujo manifesta e nos limites em que se manifesta. E o
objetivo é descrever os modos típicos pelos quais que se manifesta e aparece é o fenômeno, em que
os fenômenos se apresentam à consciência, sendo, por fenômeno não se deve entender a aparência
portanto, a ciência da experiência, cujo objeto são contraposta à coisa em si: eu não ouço a aparência
as essências dos dados de fato e cuja característica de uma música, eu escuto a música; eu não sinto
fundamental é a intencionalidade. A Fenomenolo- a aparência de um perfume, eu sinto o perfume;
gia envolve, também, além dos fatos perceptivos, consequentemente, o “princípio de todos os prin-
aqueles que Husserl identificava como ontologias cípios” enunciado por Husserl é: “Toda intuição
regionais, assim constituídas pela natureza, pela so- que apresenta originariamente alguma coisa é, por
ciedade, pela moral e pela religião, contrapostas à direito, fonte de conhecimento; tudo aquilo que se
ontologia formal, identificada com a lógica. apresenta a nós, originariamente na intuição, deve
O termo “Fenomenologia” significa um conceito ser assumido assim como se apresenta, mas tam-
de método e expressa o retorno às próprias coisas, bém, nos limites em que se apresenta.” O método
ou seja, buscam-se fenômenos tão evidentes que fenomenológico utilizado é a epoché, que quer di-
não possam ser negados. A intenção da Fenome- zer “a suspensão do consentimento”, a colocação
nologia, portanto, é a descrição dos fenômenos que entre parênteses das convicções filosóficas ou cien-
se anunciam e se apresentam à consciência e, a par- tíficas, ou também, das crenças e do senso comum,
tir disso, a descrição dos modos típicos de como ou seja, suspender o juízo em primeiro lugar sobre
as coisas e os fatos se apresentam à consciência. tudo aquilo que nos dizem as doutrinas filosóficas
O que interessa não é a análise desta ou daquela com seus debates metafísicos e as ciências.

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

O movimento fenomenológico nasceu com Hus- ser o guarda de sua verdade. O homem não deve ser
serl, mas é composto de uma vasta e articulada cor- desvelado por ele mesmo, mas sim, pela linguagem
rente de pensamento, da qual se destacam as con- autêntica da poesia: “a linguagem é a casa do ser”
cepções ontológicas e éticas de Nicolai Hartman, o (REALI e ANTISERI, 2006, p. 202).
pensamento de Heidegger, as análises de Sartre, de Para Heidegger, na linguagem do poeta, não é o
Merleau-Ponty e de G. Marcel, as ideias do materia- homem que fala e, sim, a própria linguagem e, nela,
lista dialético Tran Duc Tão, além dos trabalhos dos o ser, e, para ouvi-lo, o homem necessita do silêncio.
discípulos e seguidores de Husserl, como E. Conrad- O homem deve tornar-se livre para a verdade, con-
Martius, E. Finck, E. Stein e outros. A influência da cebida como desvelamento do ser. Como a verdade,
Fenomenologia sobre a Psicologia, a Antropologia, a liberdade também é dom do ser ao homem, uma
a Psiquiatria, a filosofia moral e a filosofia da reli- iniciativa do ser.
gião foi e ainda continua sendo notável e, por isso, é
considerada um acontecimento decisivo da filosofia MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
contemporânea. Autor de importantes obras, como A estrutura do
comportamento (1942) e Fenomenologia da percep-
MARTIN HEIDEGGER (1889-1976) ção (1945), Merleau-Ponty, existencialista, foi mui-
Nasceu em Messkirch, em 26 de setembro de to influenciado pela Fenomenologia, a psicologia
1889, região de Baden (sul da Alemanha). Obteve científica e a biologia. Concebe a existência como
formação filosófica na Universidade de Freiburgim- ser-no-mundo, como “certa maneira de enfrentar o
Breisgau, onde estudou com Husserl (método feno- mundo”. E o homem que enfrenta o mundo não é
menológico) e Ricket (filosofia da Grécia Antiga).2 um ser composto de alma e corpo: alma e corpo in-
Em 1914, tornou-se Doutor em Filosofia com a dicam níveis de comportamento e não substâncias
tese A doutrina do juízo no psicologismo. Para ha- separadas. “O espírito não utiliza o corpo, mas se
bilitar-se ao ensino universitário, publicou A dou- faz por meio dele.” Daí a centralidade do pensamen-
trina das categorias e do significado em Duns Es- to do autor, da percepção: a percepção e a inserção
coto, tornando-se sucessor de Husserl na disciplina do corpo no mundo. Merleau-Ponty critica tanto
de Filosofia em Friburgo (Alemanha). Publica, em a ideia de liberdade absoluta, defendida por Sar-
1927, seu principal trabalho: O ser e o tempo, no tre, quanto a teoria marxista do primado causal do
qual analisa existencialmente o ser, ou seja, analisa fato econômico sobre a vida e as ações do homem.
o sentido do ser, ótica que abandona em 1930, pas- O homem é livre, repete Merleau-Ponty; só que a
sando a se preocupar com o próprio ser, o ser-no- liberdade do homem é condicionada pelo mundo
mundo; o ser-com-os-outros; o ser-para-a-morte. em que se vive e pelo passado no que se viveu. Nossa
A análise da existência proposta por Heidegger liberdade, portanto, não destrói a situação, mas nela
revela que, ao se perguntar sobre o sentido do ser, se insere.
ele não é revelado e, sim, o nada da existência, pois o
ser não pode ser revelado por ele mesmo. A lingua- ■■ Concluindo
gem dos homens, enquanto patrimônio de palavras, A Fenomenologia envolve, também, além dos
regras lógicas, gramaticais e sintáticas, pode falar fatos perceptivos, aqueles que Husserl identificava
dos entes, mas não do ser, porque o homem deve ser como ontologias regionais, assim constituídas pela
o pastor do ser e não o senhor do ente, e sua digni- natureza, pela sociedade, pela moral e pela religião,
dade consiste em ser chamado pelo próprio ser para contrapostas à ontologia formal, identificada com
a lógica.
2
Retirado de http://www.pucsp.br/~filopuc/verbete/heidegge. A análise da existência proposta por Heidegger
htm. Acesso em setembro, 2007. revela que, ao se perguntar sobre o sentido do ser,

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AULA 5 — Fenomenologia

ele não é revelado e, sim, o nada da existência, pois ■■ Atividades


o ser não pode ser revelado por ele mesmo. A lin- Em grupos, de no máximo cinco pessoas, desen-
guagem dos homens, enquanto patrimônio de pa- volva, em forma de redação, os argumentos de cada
lavras, regras lógicas, gramaticais e sintáticas, pode um desses filósofos: Nietzsche, Husserl, Heidegger,
falar dos entes, mas não do ser, porque o homem Arendt.
deve ser o pastor do ser e não o senhor do ente, e
sua dignidade consiste em ser chamado pelo pró-
prio ser para ser o guarda de sua verdade. Para
!! DICAS

Heidegger, na linguagem do poeta, não é o homem http://www.fae.unicamp.br/vonzuben/fenom.html


que fala e, sim, a própria linguagem e, nela, o ser, http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modu-
e, para ouvi-lo, o homem necessita do silêncio. O les/smartsection/item.php?itemid=138
homem deve tornar-se livre para a verdade, conce- http://www.mundodosfilosofos.com.br/merle-au-
bida como desvelamento do ser. Como a verdade, ponty-a-filosofia-e-a-condicao-humana.htm
a liberdade também é dom do ser ao homem, uma
iniciativa do ser.

** ANOTAÇÕES

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

AULA

6
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS
do Serviço Social

■■ Conteúdo
• Metodologia do Serviço Social
• O primeiro código de ética do assistente social
• Compreensão histórica do Serviço Social
• Linhas de pensamento que fundamentam o agir profissional

■■ Competências e habilidades
• Compreender o surgimento das instituições e reconhecer suas finalidades
• Compreender a influência das linhas de pensamento na ação profissional

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

METODOLOGIA DO SERVIÇO SOCIAL determinada, mas também ela é condicionada pelo


A questão da metodologia do Serviço Social se- próprio objeto, que a situa num contexto teórico
gundo Faleiros (2007, p. 105) foi muito enfatizada construído.
na década de 1970 como um modo de retomar o Uma vez que, do ponto de vista da prática, con-
debate teórico e prático da profissão. Porém, “esta fundiu-se a questão metodológica com a elaboração
ênfase levou a certos exageros. Teoricamente, pas- de uma série de etapas que pudessem levar a uma
sou-se a considerar a discussão metodológica como maior eficácia no trabalho institucional, o proces-
a única forma de encaminhamento da sistematiza- so de planificação tornou-se o mecanismo de sis-
ção da atividade profissional”. Agora, se é verdade tematização das práticas e foi erigido em esquema
que temos de enfatizar a importância das questões universal da atividade profissional, ou melhor, da
metodológicas, por outro lado é também necessário sistematização das operações profissionais.
considerar que elas são determinadas historicamen- O processo metodológico que se situa ao nível da
te. Ou seja, a questão metodológica não pode ser fe- prática, e que consiste no estudo de certas situações
chada num único esquema, por ser historicamente problema e na busca de uma compensação, quan-

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AULA 6 — FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS

to a recursos, para a situação, pode ser considerado refletiam propostas da sociedade norte-americana
como metodologia da regulação, pois a regulação marcadas por uma visão positivista da ciência.
combina a relação problema-recurso de acordo A reconceituação evidenciou a presença de di-
com certas normas institucionais preestabelecidas, ferentes enfoques teórico-ideológicos, permitindo
tomando os problemas como desregulagens que um melhor direcionamento da ação. Privilegiou a
podem ser reparadas pelos mecanismos institucio- visão de totalidade, a participação político-ideoló-
nais. (FALEIROS, 2007) gica e colocou o objetivo da ação além do nível de
intervenção.
COMPREENSÃO HISTÓRICA DO SERVIÇO Hoje, o Serviço Social enfrenta o crescimento
SOCIAL ininterrupto da exclusão social, econômica, política
Até o período chamado de Reconceituação do e cultural das classes subalternas e é a essa demanda
Serviço Social (1965/1970), a profissão teve, essen- que tem que dar respostas.
cialmente, uma ação pragmática, técnica e pretensa- As transformações verificadas no capitalismo
mente neutra. A partir de 1970, entretanto, passou internacional trouxeram mudanças no padrão de
a buscar maior solidez científica, um compromisso produção brasileiro, que passou a buscar maior
de classe e a conferir ao assistente social um perfil flexibilidade nos processos de trabalho, desregula-
de pesquisador. mentação de direitos trabalhistas, a terceirização de
A especificidade do Serviço Social advém de sua atividades, estimulados pela competitividade.
institucionalização como atividade determinada na No Estado há um exugamento dos gastos gover-
divisão social e técnica do trabalho. Assim, o Serviço namentais e um esvaziamento dos serviços públi-
Social se afirma como uma forma de intervenção na cos, pela retração de suas responsabilidades, espe-
realidade social dentro de uma dimensão de traba- cialmente no campo social.
lho intelectual e técnico. Assim, precisa o Serviço Social, acima de tudo,
A partir de 1982 começam a ser contempladas entender a gênese da questão social. Saber transitar
diferentes posições e concepções da formação e da da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da
prática do assistente social dando-lhe maior flexibi- profissão na realidade, através do uso de estratégias,
lidade e pluralismo teórico. táticas e técnicas profissionais e, ainda: assumir a
Teoria/método/história encontram-se estreita- defesa intransigente dos direitos humanos; afirmar
mente articuladas como dimensões de uma única o compromisso com o usuário das políticas sociais;
questão, a concepção teórico-metodológica histori- estimular a participação; impulsionar formas de-
camente situada que orienta o exercício profissional mocráticas de gestão política; socializar informa-
e as suas formulações teóricas. Daí a necessidade ções; alargar os canais que dão o poder decisório à
de desenvolver uma análise teórica que dê conta da sociedade civil e ser um educador político.
profissão e da sociedade onde ela emerge. Para tanto terá que ser um profissional informa-
O Serviço Social tradicional ou pré-reconcei- do, culto, crítico e competente. Antes de se entrar
tuado caracterizava-se por uma ação fragmentada nos conceitos mais diretamente ligados à disciplina,
(Serviço Social de Caso, Serviço Social de Grupo, clareia-se a compreensão de ideologia e teoria, uma
Serviço Social de Comunidade), o que propiciava a vez que elas (ideologia e teoria) constituem o eixo
visão isolada do problema social, ou seja, desligado fundante dos demais. Assim, ideologia é um sistema
do todo. Uma exacerbada preocupação tecnicista e de ideias que constitui uma doutrina política ou so-
uma ilusória neutralidade profissional. Questionado cial adotada por um partido ou grupo humano.
em suas bases por um movimento que envolveu as Uma classe social defende uma ideologia porque
Ciências Humanas e Sociais da época, evidencian- assim exigem seus interesses. Vários fatores podem
do que seus postulados e a teoria que os embasava determinar o nascimento de uma ideologia e, à me-

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

dida que esses fatores se alteram ou desaparecem a sociedade é vista como um organismo social com-
ideologia se modifica ou se apaga. posto de estruturas e sistemas.
São fatores determinantes do surgimento do capi- Com base nesta teoria o profissional encara o
talismo – a ideia de êxito, a valorização do trabalho, a problema social de forma única e pessoal, enfatiza
perda do idealismo cavaleiresco medieval, o abando- a individualização, a neutralidade ideológica, tem
no do conceito heroico de honra, o apego ao lucro. o objetivo de ajustar, integrar e acomodar o ho-
Teoria – é o princípio fundamental de uma arte ou mem à sociedade vigente.
ciência. A teoria é constituída a partir da observação
dos fatos. É papel da teoria: oferecer um sistema de Dialética
conceitos; resumir o conhecimento (generalizações Surgiu como um ramo de estudo da lógica for-
e interrelações); indicar lacunas no conhecimento e, mal. Para Hegel, a dialética consiste em reconhecer
principalmente, orientar a investigação. os contraditórios e descobrir o princípio de sua
Metodologia – “Arte de dirigir o espírito na in- ultrapassagem numa categoria superior. Tese–An-
vestigação da verdade” (filosófico). Metodologia é títese–Síntese caracterizam o movimento dialético
uma unidade composta de método, técnicas e ins- do espírito.
trumento embasados em uma teoria que revela uma Para Marx, a dialética se apresenta como uma
determinada visão de mundo conforme o referen- teoria geral do mundo. A realidade primeira é a
cial ideológico do metodologista. matéria. Não é a consciência do homem que deter-
Método – É a maneira como se usa instrumentos mina o seu ser, mas o ser social que determina sua
e técnicas para desvendar o conhecimento. consciência. Daí a importância da visão histórica
Instrumento – Meio através do qual as técnicas da sociedade, compreendida de forma dinâmica e
são aplicadas. contraditória, em permanente transformação cau-
Técnicas – São meios para a obtenção de deter- sada pelo jogo de forças das classes sociais.
minados fins. Os métodos profissionais são postos O profissional passa a defender um posiciona-
em prática graças à existência de um conjunto de mento político comprometido com a classe popu-
técnicas que viabilizam a sua aplicação. Existe uma lar, com função libertadora (do homem oprimido)
infinidade de técnicas que nada mais são que a capa- e transformadora da sociedade tendo, para tanto,
cidade do assistente social de aplicar conhecimentos por objetivos a conscientização, a politização, a or-
e compreensão a uma dada situação. São técnicas: ganização, a gestão e a mobilização popular.
clarificação, apoio, interpretação, informação, de-
senvolvimento da compreensão interior (“insight”), Fenomenologia
uso de atividades, projetos etc. Parte da concepção advinda da dialética da com-
plementariedade e das tensões de Heráclito.
LINHAS DE PENSAMENTO QUE FUNDAMENTAM Schutz levou a fenomenologia para as ciências
O AGIR PROFISSIONAL sociais. Segundo Schutz, o objeto das ciências so-
Funcionalismo ciais é a conduta que tem significado subjetivo.
Teoria antropológica e etnológica sustentada por É um método compreensivo e não explicativo,
Malinowiski e Radcliff-Brown, que diz: todo sistema é indutivo e não dedutivo. Para o Serviço Social,
social tem uma unidade funcional, na qual todas as a atitude fenomenológica se caracteriza pelo diá-
partes se acham interligadas em um grau suficiente logo, conscientização, participação, compreensão
de harmonia. intersubjetiva, captação intencional das vivências
Dentro da mesma visão está o estruturalismo por meio da presença corporal. Exige conhecimen-
que consiste em perceber as coisas como estruturas to mútuo (assistente social/usuário) o que implica
estáticas. São correntes fundadas no positivismo. A saber ouvir, sentir com, perceber.

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AULA 6 — FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS

PROPOSTA DE AÇÃO DIALÉTICA çar a essência parte-se da percepção concreta e vivi-


Nesta proposta o assistente social desenvol- da da coisa, assim como de sua representação pela
ve a sua prática com base em pontos fundamen- imaginação. Esse processo exige um conhecimento
tais como a práxis, a autonomia e a consciência mútuo entre assistente social e cliente ao nível de
de classe. compreensão que supõe a descrição do vivido, a
Embora a prática profissional do assistente so- descoberta do sentido do vivido, a caracterização da
cial seja entendida como um conjunto de ativida- estrutura do vivido.
des peculiares à profissão existe aspectos que estão Apresenta-se uma proposta metodológica, ba-
relacionados com as dimensões estruturais e con- seada na fenomenologia, cujo marco referencial é
junturais da realidade. Dessa forma, a prática pro- constituído pelos conceitos de Diálogo, Pessoa e
fissional torna-se subsidiária da prática política, Transformação.
quer na perspectiva de manter o status quo, quer Diálogo – assistente social e cliente desenvolvem
na perspectiva de transformação da realidade. uma interação baseada na percepção e na forma de
A ação profissional ocorre em três momentos consciência que dará origem a um projeto a partir
distintos e simultâneos: da SEP (Situação Existencial Problematizada). O di-
1o Momento – Conhecimento da clientela. Contato álogo deve constituir-se em um processo gerador de
com a clientela seja ela indivíduos, grupos ou po- transformação social.
pulações. Serve para o conhecimento das especi- Pessoa – pessoa é o homem total, sujeito, logo
ficidades e características concretas da mesma. racional e livre.
2o Momento – Nucleação ou grupalização. Os tra- O desenrolar metodológico requer a elaboração
balhadores têm interesses coletivos a defender e de um “insight” psicanalítico que oportunize um
só podem defendê-los, eficazmente, na medida trabalho em maior profundidade (ser-na-sua-natu-
em que se associam, pois ogrupo tem melho- reza) e uma fundamentação teórico-metodológica
res condições de pressão. Desenvolvimento da que possibilite trabalhar em nível de compreensão
consciência social. (ser-como-pessoa).
3 Momento – Articulações com movimentos so-
o
O procedimento metodológico dá-se em cinco
ciais e partidos políticos. Novos processos de movimentos exercidos no diálogo.
ação coletiva e manejo de novos instrumentos 1o Momento – Colocação de uma SEP como fe-
para levar as populações a criarem estruturas nômeno social.
autonomamente geridas e que estabeleçam, 2 Momento – Análise crítica dessa SEP.
o

progressivamente, suas próprias formas de re- 3o Momento – Síntese crítica da SEP gerada pelo
presentatividade. conhecimento constituído na análise.
4 Momento – Construção do projeto de trans-
o

PROPOSTA DE AÇÃO FENOMENOLÓGICA formação.


No Serviço Social o processo fenomenológico 5 Momento – Retorno reflexivo (questionar os
o

busca abordar os problemas sociais do indivíduo, resultados comparando o que foi alcançado
do grupo, das instituições a partir do encontro do com o que se pretendia alcançar).
sentido originário da fenomenologia que funda- Para a autora, a experiência deve conduzir a uma
menta maneiras específicas de vivenciar o mundo, tomada de consciência crítica de necessidades no-
permitindo compreender (não explicar) comporta- vas, de exigências de novas opções.
mentos e atuações sociais. O agir profissional sempre acontece embasado
Para Husserl, “a essência é encontrada a partir das por um método científico, e que norteia a práxis,
vivências intencionais fundamentais”. Para se alcan- influenciando, diretamente a ação profissional.

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

AULA

7
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos

Do Referencial Teórico à Mediação em


Serviço Social

■■ Conteúdo
• O referencial teórico da prática
do Serviço Social

• O diagnóstico em Serviço Social


• A prática do assistente social
• Mediação em Serviço Social
• Mediação na prática profissional do assistente social

■■ Competências e habilidades
• Capacidade de entender o significado do exercício profissional, com base na instrumentali-
dade utilizada no trabalho do assistente social.
• Capacidade de compreender que o profissional de Serviço Social tem como base de sua
atuação o papel de mediador das relações sociais.

■■ Material para autoestudo

Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração

2 h-a – via satélite com professor interativo


2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

O REFERENCIAL TEÓRICO DA PRÁTICA dor e organizador político, uma vez comprometido


O Serviço Social, ao trabalhar o “social” depara- com os interesses populares.
se com questões que precisam ser solucionadas e O cotidiano do assistente social (ação profissio-
com uma realidade a ser transformada, ao nível es- nal) constitui em um espaço privilegiado para a re-
trutural. lação teoria-prática.
A ação do Serviço Social está ancorada no social, A ação profissional do Serviço Social, situada no
que não é neutro, mas permeado de poder, conflito interior da divisão social do trabalho, surge como
e divergências. Da trama das relações sociais surgem necessária para cumprir determinadas funções. A
os problemas ou as questões sociais para as quais se intervenção profissional, no entanto, varia, de acor-
volta à ação do profissional, cujo papel é o de educa- do com as mudanças que se operam na realidade.

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AULA 7 — Do Referencial Teórico à Mediação em Serviço Social

O caráter técnico da prática profissional subordi- Há diferentes tipologias definidas para o Serviço
na-se à sua dimensão política. Diante do poder es- Social segundo diversos autores norte-americanos e
tabelecido e dispondo de uma base teórica metodo- latino-americanos.
lógica frágil e insuficiente o Serviço Social torna-se Para falar dessa revisão da literatura apresentare-
mais vulnerável à manipulação política. mos os mais importantes teóricos que formularam
conceitos relacionados ao tema:
O MARCO REFERENCIAL Ernest Greenwood – discorre sobre as tipolo-
Constitui-se em um corpo de conhecimento teó- gias diagnósticas, mas evidencia que é crucial sua
rico, referente a um determinado “objeto de estudo”. implantação. Pois, no processo diagnóstico, o pro-
Antecedendo a prática de estudo de uma realidade fissional emprega os princípios do diagnóstico
que se deseja conhecer. Implica dois níveis que estão para descobrir os fatos numa situação-problema
intimamente relacionados às referências teórico- específica.
práticas. Florence Hollis – o processo diagnóstico para que de
1 – Referências que possibilitam uma análise glo- fato ocorra ou se efetive deve compreender três passos:
balizadora da realidade, abrangendo elementos bá- o balanceamento ou avaliação, o diagnóstico dinâmico
sicos determinantes da estrutura social. e etiológico e a categorização (classificação).
O econômico – as relações e forças de produção. O ponto inicial se dá no primeiro contato do
O sócio-político – classes sociais e suas relações assistente social como cliente e consiste em verifi-
na estrutura do poder. car “qual o problema”, segundo a análise dos fatos
O ideológico – normas, aspirações, entre outros. coligidos na investigação. No segundo, depois de
2 – Referências que possibilitam compreender e verificada a dificuldade do cliente, por meio do ba-
analisar a realidade de trabalho específico, relacio- lanceamento, o assistente social passa a considerar a
nado com os elementos determinantes do contexto importância do meio e as características da perso-
mais amplo. nalidade e sua influência mútua, na medida em que
Prática = práxis = ação atuação. contribuem para o problema por ele apresentado.
O Serviço Social necessita de duas referências A terceira se norteia por colocar um problema total
científicas para orientar a sua ação. numa classificação conhecida e não dar um só traço
1 – Referencial teórico – com base nas ciências ou característica.
sociais. Helen Harris Perlman – ressalta que o Serviço So-
2 – Referencial prático – com base na sua própria cial dedica-se a estudar e resolver problemas que o
prática. indivíduo encontra no campo de sua segurança so-
cial e ajustamento funcional. Assim sendo, um pro-
O diagnóstico em Serviço Social blema é objeto da intervenção do assistente social na
A primeira preocupação com relação à temática medida em que o indivíduo apresenta incapacidade
no Serviço Social surge através de Mary Richmond, de desenvolver seu papel normalmente, ou manter a
em 1917, quando ela definiu o diagnóstico social situação de bem-estar e ajustamento social.
como sendo a tentativa para se formar um juízo tão Gordon Hamilton – o diagnóstico significa com-
exato quanto possível da situação e da personalidade preender o problema e a pessoa que o apresenta; é
de um ser humano que tenha qualquer necessidade uma opinião profissional em relação à natureza real
social, situação e personalidade estas em relação aos do problema apresentado pelo cliente; preocupa-se
outros seres humanos dos quais ele depende ou que com a interação causal, e sua técnica é resultado de
dependam dele e em relação também às instituições conhecimento de psicologia e ciências sociais.
sociais da sua comunidade (RICHMOND, apud Mary E. Richmond – é pela análise profunda e
BARDAVID, 1991, p.1). minuciosa das relações sociais de cada caso que se

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

determinará o caminho a seguir para a descoberta autorrealização; c) postulado da perfectibilidade


das causas da incapacidade do cliente e, consequen- humana – compreende-se como o reconhecimento
temente, as linhas diretrizes para o tratamento. de que o homem é, na ordem ontológica, um ser
José Lucena Dantas – formula o “Modelo de que se autorrealiza no plano da historicidade huma-
Processo de Pauperismo”, por meio de princípios e na, em decorrência de que se admite a capacidade
conceitos da teoria sociológica da família e do sub- e potencialidades naturais dos indivíduos, grupos,
desenvolvimento e da observação de fatos sociais comunidades e populações para progredirem e se
presentes no contexto urbano de Brasília. Construiu autopromoverem” (AGUIAR, 1985, p. 115).
uma tipologia específica da problemática do menor
“conceituando e classificando as situações básicas Seminário de Araxá (1967)
com vistas a permitir e elaborar o diagnóstico e a O eixo que atravessa o Seminário de Araxá é o
definir uma estratégia de ação, e, assim, estruturar transformismo, a conservação do Serviço Social
uma política eficaz de prevenção e controle da mar- tradicional sobre novas bases. Isto se manifesta de
ginalização do menor” (DANTAS, apud BARDA- diversas formas ao longo do seminário. Uma delas é
VID, 1991, p.41). a clássica diferenciação entre os níveis de interven-
ção, pois, num primeiro momento, para executar
A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL sua prática ele precisa conhecer a realidade que o
Quanto à prática do assistente social, pode-se di- cerca de modo macro e micro, ou seja, “é pressu-
zer que ela é composta de dois objetivos, sendo um posto fundamental para que o Serviço Social nela
remoto – que valoriza a melhoria das condições de possa inserir-se adequadamente, neste esforço atual
vida do ser humano, com vista à Declaração Uni- de reformulação teórico-prática” (§105 documento
versal dos Direitos Humanos; e o outro operacio- de Araxá).
nal – que quer identificar e tratar os problemas ou
distorções residuais que impedem grupos, famílias, Seminário de Teresópolis (1970)
comunidades, indivíduos e populações de terem a Este outro seminário foi organizado também
mobilidade social compatível com a dignidade hu- pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâm-
mana e estimular a contínua elevação do padrão bio de Serviços Sociais — CBCISS, com o propósito
social. de analisar a questão da metodologia profissional
Para Aguiar (1985), a metodologia de ação do do Serviço Social.
Serviço Social em seu primeiro período pode ser O seminário abordou que as questões de meto-
definida pelo postulado e princípios do documento dologia em Serviço Social são apontadas como res-
de Araxá, conforme os pontos a seguir. ponsáveis pelo praticalismo desconexo das técnicas
Dentre os postulados, conclui-se que pelo menos do Serviço Social. Posto que, por vias transversais,
três se acham, explicita ou implicitamente, adotados chegou ao Serviço Social as questões que hoje en-
como pressupostos fundamentadores da atuação do volvem as ciências sociais e que as colocam em xe-
Serviço Social: a) postulado da dignidade da pes- que em face das questões de nossos dias.
soa humana, que entende como uma concepção do Diante deste contexto pode-se entender a apro-
ser humano numa posição de eminência ontológica ximação que se estabelece entre o profissional as-
na ordem universal e no qual todas as coisas devem sistente social e os agentes sociais. Uma vez que a
ser referidas; b) postulado da sociabilidade essen- prática acaba direcionando a atuação pautada pelo
cial da pessoa humana, que é o reconhecimento da contato direto com o interlocutor e a compreensão
dimensão social intrínseca à natureza, e, em decor- do contexto social no qual ele está inserido. Dessa
rência do que se afirma o direito de a pessoa huma- forma, fica evidenciado o papel da mediação no
na encontrar, na sociedade, as condições para a sua Serviço Social.

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AULA 7 — Do Referencial Teórico à Mediação em Serviço Social

MEDIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL posição ativa do profissional na construção do seu


A mediação revela-se como uma das concepções cotidiano. Isto quer dizer que a prática não se im-
valorizadas recentemente no domínio do Serviço põe ao técnico, como se de um ritual pragmático se
Social. Ela implica em um conjunto de modalidades tratasse, mas que lhe compete participar, criar ou
de ação que lhe dão visibilidade e que se forem con- inovar constantemente face à variedade de solicita-
sideradas de forma singular, independentes e des- ções. Se for verdade que é necessário que cada pro-
contextualizadas constituem constantes na diver- fissional perceba os seus limites, também é verdade
sidade de práticas profissionais no domínio social. que o exercício da mediação implica uma avaliação
A mediação social processa-se por meio de ações permanente da sua posição e o desenvolvimento de
como a prestação de informação — formação de uma ação estratégica com avanços e recuos, num
competências, o encaminhamento social, a gestão processo de conquista permanente. Ora a trajetó-
e administração de recursos e o acompanhamento ria de afirmação dos assistentes sociais tem passa-
psicossocial. do pelo reconhecimento do valor da estratégia em
Subjacente às modalidades de ação, que consti- brechas e momentos oportunos. A relação de poder
tuem as unidades visíveis da mediação social pro- que se exerce no contexto institucional é diferente
tagonizada pelos assistentes sociais, desenvolvem-se em cada situação e cada momento, pelo que a estra-
processos de trabalho com componentes técnicas tégia assume relevo inclusive na conquista de espa-
associadas ao “saber fazer administrativo-rela- ço profissional.
cional” (MONDOLFO, 1997, 32), mas que não se Por vezes é necessário negociar papéis, delimi-
restringem a essa dimensão. Eles revelam compe- tando fronteiras e complementaridades, (re)estabe-
tências sócio-profissionais capitalizadas na prática lecendo espaços de troca. O Serviço Social, embora
cotidiana, invisíveis aos olhos do cliente, mas que seja dependente de instâncias superiores no nível
constituem uma fonte de legitimidade da mediação administrativo, possui uma autonomia técnica que
social realizada. Mais ainda, eles vinculam as práti- lhe confere alguma margem de manobra no proces-
cas profissionais de mediação e sinalizam a diferen- so de mediação. Quando existem litígios no plano
ça com outro tipo de práticas, como o voluntariado. das competências profissionais, torna-se imperati-
Os processos de trabalho também não se confun- vo clarificar as funções e os papéis que lhe são re-
dem com etapas metodológicas da mediação. Estas servados, definir os momentos de intervenção e de
correspondem a momentos distintos e sequenciais articulação com outros profissionais, determinar
no desenvolvimento da ação, enquanto os proces- as responsabilidades de cada ator no processo. Por
sos de trabalho se confinam aos saberes e às compe- vezes verificam-se resistências e representações da
tências operacionalizadas no decurso da mediação, profissão de Serviço Social que dificultam a ação.
sejam elas de caráter teórico, técnico ou relacional Mas quando as dificuldades são estruturais, a pro-
(Autès, 1999). Como refere o autor, por referência à cura de alternativa não depende nem da vontade
contribuição de Guy le Boterf (1994), a competên- nem do empenho individual do técnico ou do su-
cia corresponde à capacidade prática de mobilizar jeito. É necessário que isso seja esclarecido, porque
recursos em função do usuário e da interpretação isso permite ponderar os limites e em função dessa
que o profissional faz da situação. avaliação unir esforços (em termos de equipe ou em
O uso de estratégias revela-se importante tan- nível institucional) para prosseguir o trabalho, con-
to na conquista do espaço profissional como na tornando ou enfrentando as barreiras que intervêm
procura de alternativas à situação-problema, elas no processo.
potencializam a mediação. Em termos profissio- Na mediação não existe receita e uma atitude com
nais, para além dos constrangimentos contextuais resultados positivos num dado momento e essa situ-
ao desenvolvimento da ação, há de se considerar a ação pode não ser eficaz num outro contexto. Os re-

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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

ferenciais teóricos orientam e potencializam as prá- cliente um pensamento estratégico de antecipação


ticas, não as substituem nem limitam. O profissional do curso dos acontecimentos e em relação a essa
ao tomar conhecimento da situação-problema in- previsão reorientar o seu comportamento.
tervém, integrando os quadros teóricos referenciais,
os objetivos institucionais, a representação que faz A MEDIAÇÃO NA PRÁTICA PROFISSIONAL
da prática profissional e do potencial humano dos DO ASSISTENTE SOCIAL
recursos que utiliza. Deste modo, quando se fala em Ao analisar uma realidade social concreta, é ne-
estratégias de mediação faz-se apelo ao conjunto de cessário lançar mão de certos instrumentos que
atitudes que permitem ao profissional fazer a ges- permitam compreender melhor as vinculações
tão dos poderes que contextualizam a ação e pro- desta realidade, levando em consideração a dinâ-
porcionar a mudança não apenas na situação, mas mica das relações sociais que as inclui. Tais instru-
também nos sujeitos. Isso faz com que elas sejam mentos podem ser representados por categorias
diversificadas e sinalizadoras de concepções de prá- que vão explicar na sua totalidade aquilo que se
tica profissional. O problema coloca-se quando o pretende investigar.
assistente social se prende a concepções teóricas em Pode-se dizer que a mediação é uma categoria
detrimento do discernimento das oportunidades e capaz de dar conta da compreensão da prática pro-
do potencial humano na resolução das situações, fissional ao assistente social na sociedade, de sua di-
ou quando a sua prática cotidiana se processa de nâmica e condições concretas de existência.
forma rotineira. Surgem então discursos desculpa- Segundo Oliveira (1988, p. 80-81), a mediação é
bilizadores da (in)ação, de vitimização, de dúvida
uma categoria do movimento, que está presente
e interrogação face às dificuldades, tais como: “não
no movimento, e este, por sua vez, é uma catego-
existem respostas para os problemas”, “o Serviço So- ria histórica. A história caminha por movimentos
cial não dispõe de modelos teóricos alternativos a que se expressam pelas contradições, por forças
outras ciências sociais”, ou “foi para isto que tirei o que se antagonizam e criam possibilidades de sal-
curso?”. É óbvio que estes tipos de argumentos sur- tos. A mediação é uma categoria histórica que cor-
gem algumas vezes após tentativas variadas de so- porifica contradições através de movimentos, de
lução para o problema diagnosticado, mas também passagem que se dão no cerne das relações sociais
é verdade que em algumas ocasiões subentende-se contraditórias.
uma ausência de questionamento sobre o percurso
profissional: “o que é que eu fiz para ultrapassar a Sendo assim, colocamos que enquanto categoria
situação?”. histórica, a mediação tem seu alcance na dinâmica
Apesar de as estratégias poderem ser interdepen- da totalidade. Neste sentido, as mediações são di-
dentes e complementares entre si durante o proces- nâmicas e superáveis como a própria história, não
so de mediação, e abrangerem também o campo do existindo de per si senão quando colocadas em rela-
imprevisto, uma vez que embora racionais surjam ção a todo um processo histórico de construção da
no contexto da emergência do novo, a prática do realidade. É por isso que é uma categoria histórica.
Serviço Social evidencia-as como um leque de op- A mediação é entendida com sendo instância e
ções organizadas em torno do contexto (situação) e passagem que se gesta no cerne das relações sociais
da representação que o técnico faz do seu perfil pro- capitalistas de produção. Ao empregar esse conceito
fissional. Por outro lado, o principal instrumento de de mediação na análise da prática profissional do
trabalho do assistente social é a palavra, e esta per- assistente social, por meio de uma realidade especí-
mite deslocar o conceito “estratégia” para o domí- fica, quer-se dizer que todas as instâncias e passagens
nio do cliente. No processo de mediação a estratégia que o assistente social realiza no cerne das relações
consiste muitas vezes em fazer adquirir por parte do sociais contraditórias que vinculam as diferentes to-

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AULA 7 — Do Referencial Teórico à Mediação em Serviço Social

talidades incluem sua prática cotidiana. Posto que, estudo dos documentos podem servir de tópicos-
a prática profissional, enquanto mediação, se dá por guia para análise e formulação de diagnósticos na
movimentos que se caracterizam pelos processos e área social.
passagens de produção e superação de aspectos da
realidade social concreta. ■■ Sugestão de Filme
Cabe ressaltar que o assistente social, sendo um dos • Central do Brasil
agentes nessa mediação, realiza todo um processo de
passagem que poderá se caracterizar pela superação ■■ Dicas
de um movimento em detrimento de outro.
Agora a ação profissional é uma mediação que www.uel.br
movimenta a cadeia de vínculo na relação da to- www.scielo.com.br
talidade que a inclui, seja por meio da política so-
cial, da institucional, dos movimentos populares, ■■ Referências
entre outros. Para Oliveira (1988), o assistente so- Básicas
cial, ao visualizar a existência desses vínculos, de FALEIROS, V. P. Estratégias em Serviço Social. 5.
suas relações e contradições, pode desenvolver sua ed. São Paulo: Cortez, 2005.
ação profissional de modo mais crítico, na medida IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de
em que supera a leitura do aparente imediato e dá capital fetiche. São Paulo: Cortez, 2007.
conta das múltiplas direções que o vincula profis- PONTES, R. Mediação e Serviço Social. São Paulo:
sionalmente. Cortez, 1995.
Por outro lado, a mediação efetiva a relação
contraditória entre um processo de afloração de Complementares
consciência e a manutenção da alienação enquanto AGUIAR, A. G. Serviço social e filosofia: das origens
uma forma de reprodução e transformação da ide- a Araxá. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1995.
ologia dominante. O profissional, ao desenvolver HABERMAS, J. Para a reconstrução do materialis-
as relações “alienantes e fetichizadas, ao aperce- mo histórico. São Paulo: Brasiliense, 1997.
ber-se de seus movimentos e mecanismos, tende a IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contem-
romper a alienação da prática”. (OLIVEIRA, 1988, poraneidade: Trabalho e Formação Profissional. 10
p. 83) Posto que o agir se configura dentro de um ed. São Paulo: Cortez, 2006.
conjunto de princípios e valores que o profissional NETTO, J. P. Ditadura e serviço social: uma análise
tende a abarcar no seu dia a dia. do serviço social no Brasil pós-64. 9 ed. São Paulo:
Nessa mediação, o assistente social poderá im- Cortez, 2006.
primir um direcionamento à sua prática, que se SANTOS, L. M. et al. Fundamentos teóricos e meto-
caracteriza a partir de sua capacidade em ler criti- dológicos do Serviço Social. In: Educação Sem Fron-
camente as determinações sociais presentes em sua teiras. Serviço Social. 3º semestre. Campo Grande
realidade de ação. (MS): UNIDERP, 2008.

■■ Concluindo Utilizadas pelo professor


Os elementos ora propostos são norteadores ABREU. M. M. A dimensão pedagógica do serviço
para o agir profissional do assistente social. Sen- social: bases histórico-conceituais e expressões par-
do necessário que cada profissional contribua com ticulares na sociedade brasileira. In: Serviço Social e
suas experiências no campo teórico-metodológico, Sociedade. (79). São Paulo: Cortez, 2004.
pois temos muito que contribuir com a formula- BARDAVID, Stella. Serviço Social: tipologia de diag-
ção de conceitos a respeito do Serviço Social e o nóstico. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1991.

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BookUniderp63_ServSocial.indb 105 11/16/09 1:46:03 PM


Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social

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AULA 7 — Do Referencial Teórico à Mediação em Serviço Social

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OLIVEIRA, Jaime A. de Araújo; TEIXEIRA, S. M. F. e da assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro:
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OLIVEIRA, R. N. C. A mediação na prática profissio- RODRIGUES, José Albertino (Org.). Émile
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QUIROGA, Consuelo. Invasão Positivista no Mar- reformas e a democracia. Rev. Bras. Hist. São Paulo,
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Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1991. lo.br >. Acesso em: set. 2007.

** ANOTAÇÕES

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Fundamentos
Unidade Históricos, Teóricos
Didática – Fundamentos Teóricose eMetodológicos
Metodológicosdo Serviço Social
do Serviço Social

LABORATÓRIO DE PRÁTICAS
INTEGRADORAS

Caro(a) acadêmico(a),

A unidade didática Seminário Integrado visa


a articulação das unidades existentes no módulo
e a percepção da aplicação prática dos conteúdos
ministrados.
Por meio da interdependência adquirida com as
unidades didáticas deste Seminário, o futuro pro-
fissional será capaz de articular a teoria, adquirida
no ensino superior, com a prática exigida no coti-
diano da profissão. Para tanto, é necessário o enten-
dimento de que os conteúdos, de cada Unidade Di-
dática, permitirão um estudo integrado, formando
um profissional completo e compromissado com o
mercado de trabalho.
Ao desenvolver esta unidade, você deverá aplicar
todos os conhecimentos adquiridos no decorrer do
módulo, elaborando uma atividade. A atividade re-
ferente ao Seminário Integrado está disponibilizada
no Portal da Interativa.
Bom trabalho!

Professores Interativos do Módulo

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MÓDULO

■■ FUNDAMENTOS
POLÍTICOS DO
SERVIÇO SOCIAL
Unidade Didática – Fundamentos Históricos
e Teóricos do Serviço Social

Professora Ma. Eloísa Castro Berro


Professora Ma. Carmen Ferreira Barbosa

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■■Apresentação

As políticas sociais são um referencial importante e um campo de atuação privilegiado do Serviço Social e
serão analisadas neste curso nas dimensões teórica, histórica e política. O objetivo é capacitar futuros profis-
sionais para a compreensão da realidade histórica das políticas sociais no Brasil.
A partir dessa contextualização, fica fácil perceber que a política capitalista não é uma atividade neutra, de
atenção à pobreza ou à desigualdade social, formulada consensualmente no âmbito do Estado para ser apli-
cada à sociedade. Ao contrário, ela é um processo tenso, com muitas complexidades, contradições e conflitos
de interesse.
As profundas alterações nas relações históricas entre o Estado e a sociedade civil, quanto as formas de
organização e gestão da força de trabalho vêm atingindo o conjunto das especializações do trabalho, entre as
quais o Serviço Social, inaugurando novos marcos da divisão social e técnica do trabalho, que interpelam o
assistente social em suas respostas profissionais.
Assim, este módulo propõe-se a debater temas da maior importância para a orientação crítica do trabalho
do assistente social, considerando a amplitude das suas funções e atribuições no cotidiano profissional.
Na expectativa de que este módulo inspire atitudes e práticas profissionais questionadoras no âmbito das
políticas sociais, desejamos às (aos) alunas (os) um proveitoso e estimulante estudo.

Professora Ma. Eloísa Castro Berro


Professora Ma. Carmen Ferreira Barbosa

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AULA

Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais


Origens da Política Social no Contexto
do Capitalismo, do Liberalismo
e da Democracia
■■ Conteúdo
• Origem da política social
• A política social e o Estado capitalista e liberal
• Democracia

■■ Competências e habilidades
• Analisar as abordagens teóricas da Política Social em sua relação com o Serviço Social
• Compreender e descrever as origens da Política Social contextualizando-as historicamente
• Caracterizar o capitalismo, o liberalismo e a democracia em sua relação com as políticas sociais
• Ler e interpretar textos relacionados às políticas sociais e o Serviço Social

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

A primeira aula da unidade didática “Política So- Bem-Estar, que expandirá enormemente as políticas
cial – Origem histórica” analisa o fenômeno da Polí- sociais no período. E como se comporta a democra-
tica Social, contextualizando-a no interior do capita- cia nesse contexto? O Estado de Direito não se realiza
lismo e do liberalismo. E não poderia ser diferente, apenas com a garantia jurídico-formal. As contradi-
já que a mesma foi concebida na sociedade burgue- ções aparecem fortemente entre a simples declaração
sa capitalista, e, portanto, tem relação direta com o dos direitos e liberdades e a sua real efetivação.
capitalismo, estando vinculada às acumulações do Como afirma Faleiros, para entender a política
capital. No desenvolvimento histórico do processo, social e a complexidade desse tema, é preciso consi-
o liberalismo entra em crise, possibilitando, dessa derar sempre o movimento real e concreto das for-
forma, o aparecimento do Welfare State ou Estado de ças sociais e da conjuntura.

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

++SAIBA MAIS é apropriado pelo capitalista. A parte do tra-


balho excedente não é paga ao operário, mas
John Maynard Keynes (1883-1946): foi
serve para aumentar cada vez mais o capital.
um dos mais influentes economistas do sé-
O desenvolvimento do capitalismo supõe a
culo XX. Suas ideias intervencionistas cho-
exploração do trabalho do operário.
caram-se com as doutrinas econômicas vi-
Período Fordista: Caracteriza-se pela pro-
gentes em sua época e estimularam a adoção
dução em massa, a padronização, o alto grau
de políticas intervencionistas sobre o funcio-
de especialização de tarefas.
namento da economia. O objetivo de Key-
Método dialético: é o caminho do diálogo,
nes, ao defender a intervenção do Estado na
onde nele sempre há mais de uma opinião. A
economia não é, de modo algum, destruir o
realidade é dinâmica e processual porque o
sistema capitalista de produção. Muito pelo
princípio da dialética é a contradição, segui-
contrário, segundo o autor, o capitalismo é o
do do princípio da totalidade, ou seja, nada
sistema mais eficiente que a humanidade já.
pode ser compreendido isoladamente, o que
O objetivo é o aperfeiçoamento do sistema,
determina a predominância do todo sobre as
de modo que se una o altruísmo social (atra-
partes.
vés do Estado) com os instintos do ganho
individual (através da livre iniciativa priva-
da). Segundo o autor, a intervenção estatal na
POLÍTICA SOCIAL – ORIGEM HISTÓRICA
economia é necessária porque essa união não
A palavra Política origina-se de Pólis, sinônimo
ocorre por vias naturais, graças a problemas
de cidade. Política tem relação com poder; com for-
do livre mercado (desproporcionalidade en-
ça e violência; com autoridade, coerção e persuasão,
tre a poupança e o investimento e o “Espírito
ao mesmo tempo. É o estabelecimento de um jogo
Animal”, dos empresários).
de forças e poder na escolha e nas metas de ação a
Trustes e Cartéis: Truste – Esse tipo de
serem cumpridas (ARANHA e MARTINS, 1986).
ação se configura com a imposição de certas
A Política Social tem a conotação de poder e força
posturas das grandes empresas sobre as con-
por ser de âmbito oficial, ou seja, consiste em estra-
correntes de menor expressão. As primeiras
tégia governamental, composta de planos, projetos,
obrigam as segundas a adotarem políticas de
programas e documentos variados, para mediar os
preços semelhantes, caso contrário, pode bai-
reflexos negativos da relação capital-trabalho. Foi
xar os preços além dos custos, por exemplo, e
conquista das mobilizações e lutas dos trabalhado-
forçar uma quebra dos concorrentes. No Bra-
res, desde os primórdios da revolução industrial nos
sil, o controle antitruste é feito pela Lei nº.
séculos XVIII e XIX.
8.884/94.
Existe um consenso em relação à origem das
Cartel – As empresas nem sempre apre-
Políticas Sociais por volta do final do século XIX,
ciam o jogo da livre concorrência. Elas prefe-
em que se criaram as primeiras leis e medidas de
rem, às vezes, cooperar entre si, combinando
proteção social, com destaque para a Alemanha e a
preços, restringindo a variedade de produtos
Inglaterra, fruto de intensos debates entre liberais e
e dividindo os mercados para manter suas
reformadores sociais humanistas, segundo Behring
receitas sempre estáveis. Quando isso ocorre,
(2000). Entretanto, somente houve a disseminação
está formado um cartel.
dessas medidas de seguridade social após a Segunda
Mais-valia: Valor que o operário cria
Guerra Mundial, com a implantação do Welfare Sta-
além do valor de sua força de trabalho, e que

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AULA 1 — Origens da Política Social no Contexto do Capitalismo, do Liberalismo e da Democracia

te ou Estado de Bem-Estar Social, em alguns países As políticas sociais do Welfare State são identi-
da Europa. ficadas com o conceito de cidadania, enquanto as
Política Social, na atualidade, é considerada “pa- políticas sociais da Lei dos Pobres, patrocinadas
lavra em moda” e se associa aos conceitos de “Esta- inicialmente por regimes monárquicos, temiam
do de Bem-Estar” “ou Welfare State, políticas públi- principalmente a desordem social, devido ao au-
cas e cidadania social”. Entretanto, o termo política mento da pobreza. Assim, o objetivo desta últi-
social é genérico, provocando uma noção um tanto ma consistia na repressão à “vagabundagem” e, se
vaga. Mas é preciso esclarecer que política social necessário, as pessoas desta forma definidas eram
tem identidade própria. Refere-se a, segundo Perei- abrigadas em casas de correção e de trabalho força-
ra (1994): do. Mais tarde, mesmo reconhecendo a existência
de pobres incapazes para o trabalho, os governos
Programa de ação que visa, mediante esforço or-
persistiram a tratá-los sem qualquer diferenciação
ganizado, a atender necessidades sociais e cuja re-
solução ultrapassa a iniciativa privada, individual e
em relação aos desempregados e àqueles que não
espontânea e requer decisão coletiva, regida e am- desejavam trabalhar ou “indolentes”. Ou seja, a Lei
parada por leis impessoais e objetivas, garantidoras dos Pobres não via a política social como um de-
de direitos. ver do Estado e estas pessoas eram discriminadas e
vistas como inúteis.
Explicando melhor o significado de política so- Observa-se que os princípios e critérios que fun-
cial, pode-se afirmar que é um tipo de política pú- damentaram as políticas sociais, seis séculos antes
blica, ou seja, as duas, política pública e política do Welfare State, apesar de estarem ainda em voga,
social, são programas de ação, mas política social é não se identificam com a concepção de bem-estar
específica, dentre outras, como: política econômica, social do século XX. Fraser apud Pereira (1994),
agrária, ambiental etc. operando no interior da po- afirma que:
lítica pública, que é mais ampla.
O Welfare State é um sistema de organização social
Não se pode entender política pública apenas
que procura restringir as livres forças do mercado
como política de Estado, mas associada à coisa pú- em três principais direções: a) garantindo direitos e
blica, ou seja, de todos, submetida a uma mesma lei segurança social a grupos específicos da sociedade,
e com respaldo de uma comunidade de interesse. como crianças, idosos e trabalhadores; b) distri-
Dessa forma, embora as políticas públicas sejam buindo, de forma universal, serviços sociais como
regulamentadas e, na sua maioria, financiadas pelo saúde e educação; e c) transferindo recursos mo-
Estado, elas podem ser controladas pelos cidadãos, netários para garantir a renda dos mais pobres em
através de entidades privadas ou ONGs. certas contingências, como a maternidade, ou em
Política social, Estado de Bem-Estar e Welfare situações de interrupção de ganhos devido a fatores
State não são sinônimos, como geralmente são tra- como doença e desemprego.
tados. Política social é um conceito mais amplo do
que Welfare State, que tem um significado histórico, Estas três áreas de proteção nem sempre foram
pois ocorreu no século XX, após a Segunda Guerra consideradas de responsabilidade exclusiva do Es-
Mundial e tem caráter institucional, em que o Esta- tado, o que somente ocorreu a partir dos anos 1940
do capitalista, inspirado na filosofia do economista devido aos seguintes eventos: a Segunda Guerra
inglês John Maynard Keynes (1883-1946), regula e Mundial; a prosperidade econômica do pós-guerra; o
provém com benefícios e serviços sociais. Enquanto surgimento do fascismo; a ameaça do comunismo; o
a política social originou-se muito antes do século fortalecimento da classe trabalhadora, dentre outros.
XX, desenvolveu-se em diferentes tipos de relação Behring (2000) analisa, por sua vez, que o Welfare
entre Estado e sociedade civil. State possui uma incompatibilidade estrutural entre

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

acumulação e equidade, pois não ofereceu igualda- O Estado, mediador civilizador, tem grande par-
de de condições, mesmo o Estado se apropriando cela de valor socialmente criado e controle do pro-
do valor socialmente criado e realizando regulação cesso produtivo e reprodutivo. Contraditoriamente,
econômica e social, não eliminou as condições de tem a direção de classe, hegemonia do capital, pres-
produção e reprodução da desigualdade. Fica a per- são da supercapitalização e precisa aumentar a taxa
gunta: o que move o capital? A busca do lucro, a ex- de lucros.
tração da mais-valia. E o Estado é o gestor das relações entre o conjun-
to da produção e o conjunto da reprodução da força
A POLÍTICA SOCIAL E O ESTADO CAPITALISTA de trabalho e essa variação ocorre de acordo com
E LIBERAL a conjuntura que se dá na correlação de forças nos
Com a ascensão da burguesia na política, cria-se momentos históricos determinados.
o Estado como sistema diverso da sociedade civil. O Estado e empresas privadas, através de convê-
Como se sabe, na Idade Média o poder político per- nios e contratos, executam Políticas Sociais que são
tencia ao senhor feudal, proprietário das terras, e políticas públicas e executam medidas de política
seu poder era vitalício, passava de pai para filho e social. Em que consistem essas medidas? Implanta-
vinha junto com as terras. Com a revolução burgue- ção de assistência social, de previdência social, de
sa, separa-se o privado do público. prestação de serviços, de proteção jurídica, de cons-
Assim, ocorre a institucionalização do poder, não trução de equipamentos sociais e de subsídios.
mais visto sob a ótica de quem o detém, o senhor Mas não se pode esquecer que política social é
feudal ou o monarca, mas daquele que o representa resultado de pressão do movimento operário em
de direito, e sua legitimidade repousa no mandato torno da insegurança (desemprego, invalidez, do-
popular e não no uso da violência ou do privilégio. ença, velhice). O movimento impõe o princípio dos
A Política Social é um fenômeno a partir da seguros sociais.
constituição da sociedade burguesa, que é o modo Os seguros sociais inicialmente eram caixas de vo-
capitalista de produzir e reproduzir-se, portanto, luntários, que se tornaram obrigatórias, para cobrir
tem relação direta com capitalismo e está vincu- perdas visando à segurança social do trabalhador,
lada às acumulações do capital. Apresenta nefasta cuja cobertura dá-se contra toda perda de salário.
submissão à lógica da economia capitalista, reme- A Política Social, através do Estado, desempenha
tendo suas causas exclusivamente à regulação dos papel fundamental de reduzir a crise do capitalismo,
conflitos. realizando intervenções e estimulando a demanda
No início do capitalismo e da Revolução Indus- por bens e serviços e investindo em equipamentos e
trial, o primeiro caracterizava-se como concorren- tecnologias mais avançadas, com serviços caros.
cial, no qual na produção desordenada prevalecem A Política Social caracteriza-se como mecanismo
as leis de mercado, sem interferência do Estado. de reprodução da força de trabalho, constituindo-se
Entretanto, com os problemas surgidos da livre em um processo complexo que se relaciona com a
concorrência, o que fazer? Eliminar o mercantilis- produção, com o consumo e o capital financeiro.
mo? E a liberação da iniciativa capitalista? Suscitou A Política Social ocupou espaço maior no perío-
a necessidade de intervenção do Estado. Como se do fordista, do pleno emprego e do exército indus-
deu essa intervenção? Através de medidas legais trial de reserva e restringiu-se na atualidade com o
para intervir na organização de economia. Que é desemprego estrutural. A revolução tecnológica na
chamada de fase monopolista, na qual a produção produção provocou diminuição de lucros, além da
é planejada e organizada, e ocorre a supremacia dos concorrência, especulação, estagnação do emprego
trustes e dos cartéis. e produtividade.

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AULA 1 — Origens da Política Social no Contexto do Capitalismo, do Liberalismo e da Democracia

É aquela na qual ocorre real participação de todos


A Política Social enfoca a manutenção do trabalho
os indivíduos nos mecanismos de controle das de-
com a inclusão de benefícios permanentes, quando
cisões, havendo, portanto, real participação deles
se perde a capacidade de trabalho ou dos excluídos
nos rendimentos da produção. Ou seja, deverá ha-
do trabalho, crianças e idosos (BEHRING, 2000). ver, de forma equitativa, distribuição de renda e as
decisões serem tomadas no coletivo, no que se refe-
E A DEMOCRACIA NESSE CONTEXTO? re às diversas formas de produção.
A palavra é originada do grego demos, que sig-
nifica “povo”, e kratia, de krátis, que é sinônimo de Assim, a criação de uma sociedade industrial de
governo, poder, autoridade. Entretanto, segundo consumidores e a criação de um Estado de Bem Es-
Aranha&Arruda (1986), o conceito é abstrato, nun- tar Social, onde não é permitida a todos a decisão
ca realizou-se de fato. e o usufruto de bens e serviços, consiste apenas em
A Revolução Francesa trouxe o conceito de de- transformar essas pessoas em consumidores felizes,
mocracia à baila, cujo lema “igualdade, liberdade, mas não cidadãos plenos.
fraternidade” foi proclamado, mas os interesses eram
burgueses e não populares. Apesar das exigências de- ■■ Concluindo
mocráticas não serem apenas da nova classe dos bur- Para finalizar esta primeira aula, deve-se remeter
gueses, mas também dos operários, que aumentara às palavras de Faleiros (2000), o qual diz que a políti-
sensivelmente devido à Revolução Industrial e ao au- ca social não pode ser vista de forma rígida, como se
mento da concentração urbana. Regime democrático a realidade se apresentasse dentro de um modelo te-
é um método de governo que consiste em um con- órico ideal. É preciso considerar sempre o movimen-
junto de regras de procedimentos para a formação de to real e concreto das forças sociais e da conjuntura.
decisões coletivas, no qual está prevista e facilitada a Para o estudo da Política Social, faz-se necessário
ampla participação dos interessados, que estabelecem levar em conta, em primeiro lugar, o movimento do
quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e capital e também os movimentos sociais. Estes se
com quais procedimentos. Estabelece quais indivídu- desenvolvem a partir das lutas em prol dos cuidados
os estão autorizados a tomar decisões pelo grupo. com a saúde e da sua reprodução de curto e longo
O Estado democrático se coloca do ponto de vis- prazo. Deve-se levar em conta, também, as conjun-
ta do direito, mas como aponta Vieira (p. 12-1992): turas econômicas e a política, em que o Estado po-
derá apresentar alternativas de ação.
Tal Estado de Direito não se realiza apenas com a
A questão da Política Social envolve mediações
garantia jurídico-formal desses direitos e liberda-
des, expressa em documento solene. Quanto a eles,
intrincadas, são multifatoriais: socioeconômicas,
o Estado de Direito determina sua proteção for- políticas, culturais e atores, forças sociais e classes
malizada e institucionalizada na ordem jurídica e, sociais que disputam hegemonia nas esferas estatal,
principalmente, reclama a presença de mecanismos pública e privada (FALEIROS, 1986).
socioeconômicos dirigidos e planificados com a fi- Para realizar uma análise desses multifatores, o
nalidade de atingir a concretização desses direitos. método dialético é o mais apropriado pelas ferra-
Muitas razões de Estado têm conduzido a contradi- mentas que possui, com leitura abrangente e to-
ções entre a simples declaração dos direitos e liber- talizadora, focalizando a dinâmica da sociedade
dades e a sua real efetivação. burguesa, e da desigualdade social inerente a essas
relações de produção e reprodução. Oferece ainda,
O que sustenta o Estado de Direito é a sociedade o estudo das transformações ocorridas no século
democrática. Porém, nem toda sociedade é socieda- XX para analisar a Política Social até a contempo-
de democrática. Sociedade democrática, de acordo raneidade.
com Vieira (p. 13-1992):

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

■■ Atividades 2. Por que o Welfare State possui uma incompati-


Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes bilidade estrutural entre acumulação e equida-
atividades: de, na visão de Behring (1996)?
1. Apesar do consenso que existe entre estu- 3. Analise a ampliação do espaço da Política So-
diosos da Política Social, cujas origens estão cial no período fordista, do pleno emprego e do
profundamente vinculadas à Revolução In- exército industrial de reserva, que restringiu-se
dustrial e ao sistema capitalista, na verdade, na atualidade com o desemprego estrutural.
as origens da Política Social remontam a seis 4. As contradições do Estado democrático aparecem
séculos antes; por quê? fortemente entre a simples declaração dos direitos
e liberdades e a sua real efetivação. Por quê?

** ANOTAÇÕES

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AULA 2 — A Questão do Estado e a Política Social

AULA

2
A Questão do Estado e a Política Social
■■ Conteúdo
• Breve revisão sobre o histórico do Estado: na Antiguidade, na Idade Média, na Idade Mo-

Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais


derna e na Idade Contemporânea
• Abordagens teóricas sobre o Estado
• Conceituação de Estado

■■ Competências e habilidades
• Analisar o conceito de Estado, sua constituição e desenvolvimento.
• Resgatar o histórico do Estado desde a Antiguidade e período feudal até o Estado Moderno
e a atualidade em relação à sociedade civil.

■■ Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes atividades:


• Identifique os principais pensamentos da Antiguidade (Grécia e Roma) que influenciaram
nos ideais de Estado, como os conhecemos hoje.
• Dê uma definição de Estado, como você acadêmico(a), compreendeu.
• Por que na atualidade está mais difícil identificar os limites do Estado?

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

Para início de conversa


A reflexão sobre Política Social requer um conhe- nas relações sociais e refletem na forma de Estado
cimento prévio sobre Estado, visto que a constitui- que determinada sociedade histórica irá produzir,
ção e o desenvolvimento da Política Social ocorrem sendo fruto daquele modo de produção vigente.
no interior do Estado. Os modos de produção: es- Assim, vamos tentar compreender o significado do
cravista, feudal, capitalista, socialista, são determi- conceito de Estado e sua importância no interior da
nados por mudanças na estrutura da sociedade e Política Social.

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

NA ANTIGUIDADE político romano contribuiu para o desenvolvimen-


As primeiras formas do Estado surgiram quando to das leis e para a distinção entre a esfera privada
se tornou possível centralizar o poder em uma forma e a pública.
duradoura. A agricultura e a escrita estão associadas a
este processo. O processo agrícola permitiu a produ- O PENSAMENTO POLÍTICO MEDIEVAL
ção e o armazenamento de um excedente. Este, por Já na Idade Média, segundo Bravo; Pereira (p.28,
sua vez, permitiu e incentivou o surgimento de uma 2007):
classe de pessoas que controlava e protegia os arma- A ideia medieval de que o soberano exercia o po-
zéns agrícolas e, portanto, não tinham que gastar der em nome de Deus teve suas raízes na Antigui-
parte do seu tempo na própria subsistência. A escrita dade, mas foi acrescida de um elemento novo: o de
possibilitou a centralização de informações vitais. que o rei deveria ser aceito por seus súditos para que
O Estado teve uma variedade de formas, nenhu- a sua soberania fosse legítima. Dessa exigência de
ma delas parece muito com o modelo atual. Houve legitimação como um instrumento de controle nas-
monarquias cujo poder foi baseado na função reli- ceu a doutrina do pacto entre o soberano e os súdi-
giosa do rei e do seu controle de um exército cen- tos, mediante o qual se estabeleciam as condições
tralizado, como por exemplo o governo dos Faraós. do exercício do poder e das obrigações mútuas.
Houve também impérios, como o Império Romano, Apresentavam-se dois poderes: um material,
que dependiam menos da função religiosa e eram também chamado temporal, porque pertence ao
mais centralizados sobre militares e organizações da tempo, e outro espiritual, referente aos valores eter-
nobreza. nos da religião, e mesmo separado, muitas vezes o
A ideia de dominação presente no conceito de papa interferia nos assuntos de Estado. No final do
Estado vem desde os gregos, para os quais Estado e século XIV, o Grande Cisma acentua a divergência
lei eram recursos políticos que sempre andavam de e a tentativa do Estado de firmar sua soberania. Os
mãos dadas. servos libertos se instalam nos arredores das cida-
As ideias de Platão e Aristóteles estavam ligadas des, os burgos, estabelecendo entre entre si relações
a uma concepção de direito natural restrito, pois as diferentes daquelas entre vassalos e suseranos. Nas
necessidades da polis é que eram reconhecidas. Na cidades e à antiga relação hierárquica, contrapõem
filosofia aristotélica o ponto de partida de suas re- relações entre iguais. Os habitantes dos burgos
flexões era a desigualdade da natureza humana, que compram cartas pelas quais tornam-se livres. O
influenciou o campo do direito na Grécia. aparecimento das cidades também contribui para
Esta visão de direito sofreu alterações. Na Roma o início do processo de laicização da sociedade, e
antiga, o sistema jurídico e político expressava a re- a Igreja reage criando a Inquisição, com tribunais
alidade complexa e multinacional do Império Ro- que julgam os desvios da fé (ARANHA; MARTINS.
mano. Na Grécia, a escravidão estava relacionada à p.231-232,1986).
desigualdade natural dos homens e era justificável O sistema feudal foi implantado de forma instá-
por isso; e em Roma, a igualdade de todos os ho- vel, dos suseranos aos reis. Um monarca, formal-
mens era a condição fundamental. mente, o chefe de uma hierarquia de soberanos, mas
O Estado romano passou a ser pensado como co- que, na verdade, não era um poder absoluto que po-
munidade, res publica, ou coisas do povo, e associa- deria legislar à vontade. As relações entre senhores
do à justiça, fosse ele monárquico, aristocrático ou e monarcas eram mediadas por diversos graus de
democrático. dependência mútua, que foi assegurada pela ausên-
Roma desenvolveu, logo após o fim da monar- cia de um sistema centralizado tributado. Esta rea-
quia, uma república, que era regida por um Sena- lidade assegurou que cada governante necessitasse
do e dominada pela aristocracia romana. O sistema obter o “consentimento” de cada um no reino.

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AULA 2 — A Questão do Estado e a Política Social

A formalização das lutas sobre a taxação entre lítico de Maquiavel rompe com o tradicionalismo e
o monarca e outros elementos da sociedade, espe- seculariza o Estado, ou seja, torna-o laico. Assume a
cialmente a nobreza e as cidades, deram origem aos independência estatal em relação à religião.
parlamentos, em que grupos sociais fundamentais O Estado Moderno serve de base à Ciência Política.
negociam com o rei sobre questões jurídicas e eco- Esta é uma consequência da própria modernização
nômicas. da sociedade que começa no século XVI e culmina
A partir do século XV, este processo deu origem com a Revolução Industrial. Este processo tem um
ao Estado Absolutista. elemento central, a tecnologia. Esta modernização
E ainda, de acordo com as autoras Bravo; Pereira possibilita igualmente uma maior mobilidade social.
(p.29, 2007): A sociedade moderna é caracterizada pela tecnolo-
As concepções e práticas político-jurídicas medie- gia, pelo aumento da produtividade, pela mobilidade
vais foram fundamentais para o desenvolvimento da da população e pelo aparecimento de novos grupos
teoria do Estado e dos direitos modernos. Foi na era sociais. É a época da ascensão da burguesia. Outra
moderna que a noção de Estado de Direito ou de Es- novidade do Estado Moderno é a nova forma de legi-
tado limitado pela lei ganhou relevância. A partir daí timação de poder. Antes quem legitimava o poder era
ganha força a defesa do princípio do controle públi- um Deus Absoluto, agora quem vai se tornar o novo
co, com base em normas estratégias políticas. elemento legitimador é o Povo. Assim, surgem novas
instituições, como os Parlamentos, onde o povo se
O ESTADO MODERNO faz representar.
Evolução histórica Este Estado Moderno não nasceu de uma só vez,
Até chegarmos ao Estado moderno havia quatro mas foi o resultado de um longo processo de mais
formas de Estado: de três séculos. A fase mais antiga é a Monarquia. A
1. Sociedade nômade: nômades e caçadores que Monarquia acompanha o desenvolvimento do Esta-
viviam em grupo e tinham uma organização do Moderno e vai, pelo processo de burocratização,
muito primitiva. lançar a primeira forma de Estado Moderno. Por
2. Estado-cidade ou cidade-estado: surge com a isso se diz que D. João II foi o primeiro monarca
Grécia Antiga, onde há uma divisão do traba- moderno em Portugal.
lho e uma sociedade bem sofisticada. A segunda fase do Estado Moderno é o Estado
3. Império burocrático: modelo utilizado na Chi- Liberal, consequência direta das Revoluções Libe-
na, por exemplo, em que um grande território rais na França e na Inglaterra. Este Estado é repre-
é controlado pela burocracia. sentativo e oligárquico, mas promoveu, entre outras
4. Estado feudal: a atividade essencial é a agricul- coisas, o aparecimento do ideal dos Direitos do Ho-
tura para subsistência, mas também há alguns mem e pela separação de poderes. No século XIX
excessos de produção que potencializaram a o Estado Liberal tornou-se imperial e vai dominar
dinâmica de mercado. globalmente o mundo graças ao processo chamado
Imperialismo.
Em relação à história da soberania do Estado, A terceira fase do Estado Moderno assenta na cri-
pode-se citar como exemplo a falta de soberania no se do Estado Liberal, que surge nos finais do século
feudalismo. XIX, já que este não tem capacidade para respon-
A palavra Estado foi empregada, pela primeira der às exigências sociais. Surgem assim as ideologias
vez, por Maquiavel, que a define como a sociedade extremistas de direita, o Fascismo e de esquerda, o
política organizada, o que implica a existência de Comunismo.
uma autoridade própria e de regras definidas para A quarta fase fica marcada pelo aparecimento
a convivência de seus membros. O pensamento po- do Estado Democrático Liberal, consequência da

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

grande crise econômica e social de 1929. A respos- No século XVII, o Estado adquiriu persona pró-
ta à crise passou pelo alargamento da democracia, pria, separada da persona do governante e de influ-
a toda a sociedade, adaptando para a administra- ências religiosas, com as seguintes características:
ção do Estado, medidas de cunho social, derivadas extensão da burocracia de recolher informações de
do pensamento de John Maynard Keynes. todos os tipos; cobrar tributos e exercer a regulação
Na Europa, no mundo ocidental, temos o Esta- institucional, combinando essa estrutura técnico-
do-providência, resultado da segunda metade da administrativa com recursos garantidos por impos-
Segunda Guerra Mundial, mas filho direto da crise tos, permitiu a criação e manutenção das forças ar-
de 1929. madas, como aparelho repressivo do Estado.
Os principais fatores que levam à criação de Es- Com Hobbes (1588-1679) e seu Leviatã, no sécu-
tados hoje são os interesses econômicos, as iden- lo XVII, o Estado passou a ser encarado como uma
tidades. entidade artificial e não natural e assim separada da
pessoa do governante e da função do governo. Isso
Abordagens teóricas sobre o Estado marcou o início do reconhecimento liberal da sepa-
Do ponto de vista da liberdade, a ingerência do ração entre as esferas públicas e privadas que antes
Estado pode ser indesejável, mas do ponto de vista eram misturadas entre pessoas física e jurídica do
da aquisição de condições básicas para o exercício governante.
dessa liberdade, ela é necessária.
O Estado, ao mesmo tempo que limita a desimpe- Conceituação de Estado
dida ação individual, pode garantir direitos sociais, Segundo Pereira (p.142, 2008), quatro elementos
visto que a sociedade lhe confere poderes exclusivos constituem o Estado:
para o exercício dessa garantia.
Um conjunto de instituições e prerrogativas, dentre
Mesmo nos regimes liberais mais radicais, avesso
os quais o poder coercitivo, que só o Estado possui
à intervenção estatal, o Estado sempre interveio po- por delegação da própria sociedade; o território, ou
liticamente para atender demandas e necessidades, seja, o espaço geograficamente delimitado onde o
seja da esfera do trabalho, seja da esfera do capital. poder estatal é exercido. Muitos denominam esse
Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) igual- território de sociedade, ressaltando a inescapável
mente demonstraram desconfiança em relação ao relação com o Estado; uma máquina burocrática
Estado e de sua capacidade de proporcionar bem- capaz de administrar as instituições e as políticas
estar social, só que guiados por outros pressupos- governamentais; arrecadar e gerir recursos; zelar
tos. De acordo com a teoria marxiana do Estado, pela ordem pública interne e externa; imprimir e
este seria um elemento de superestrutura e, como assegurar o desenvolvimento econômico; realizar
tal, um fenômeno transitório que somente existi- estudos, pesquisas e construir dados estatísticos;
ria enquanto houvesse dominação de uma casse um conjunto de condutas e comportamentos gerais
e previsíveis regulados pela máquina burocrática
sobre a outra. Deixaria de existir numa sociedade
do Estado dentro de seu território, o que favorece a
comunista futura.
cultura de nação de um povo.
Antonio Gramsci, pensador italiano marxista,
porém, possui nova abordagem, repensando a
teoria marxiana de Estado. Esse pensador consi- ■■ Concluindo
dera um arco mais amplo de intervenção estatal, Devido ao importante papel que muitos gru-
dando importância ao seu caráter contraditório pos sociais têm no desenvolvimento de políticas
e à sua dimensão política ativa. Gramsci cria o públicas e as ligações entre burocracias estatais e
conceito de Estado ampliado e da autonomia re- outras instituições, tornou-se cada vez mais difícil
lativa deste. identificar os limites do Estado. Privatização, na-

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AULA 2 — A Questão do Estado e a Política Social

cionalização e a criação de novas regulamentações ram combinados para circunscrever a liberdade de


de órgãos também alteram as fronteiras do Estado ação dos Estados. Estas restrições sobre o Estado e
em relação à sociedade. Alguns cientistas políticos da liberdade de ação são acompanhadas em alguns
preferem falar de política e redes descentralizadas domínios, como na Europa Ocidental, com proje-
de governo nas sociedades modernas, em vez de tos de integração interestatal, como a União Euro-
burocracias de Estado e do controle estatal sobre peia. No entanto, o Estado continua a ser a base da
políticas. unidade política do mundo, como tem sido desde
No final do século XX, a globalização do mun- o século XVI. O Estado é considerado o maior con-
do, a mobilidade de pessoas e de capital e o au- ceito central no estudo da política, e sua definição
mento de muitas instituições internacionais, fo- é objeto de intenso debate acadêmico.

** ANOTAÇÕES

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

AULA

3
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

Política Social, Estado do Bem-Estar


Social: Concepção e Crise
■■ Conteúdo
• Conceituação de Welfare State
• Objetivos e modelos
• Crise e perspectivas

■■ Competências e habilidades
• Levar o acadêmico a compreender o processo histórico do Welfare State, suas dimensões e
perspectivas futuras

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

A política social, associada aos conceitos de “Es- O Welfare State surgiu nos países europeus de-
tado de Bem-Estar” (Welfare State nos países de lín- vido à expansão do capitalismo após a Revolução
gua inglesa), políticas públicas e cidadania social, Industrial e o Movimento de um Estado Nacional
tornou-se uma tendência intelectual e política. Pe- visando à democracia, sendo uma resposta à de-
reira (1994, p. 1) considera que “apesar do termo manda por serviços de segurança socioeconômica.
política social estar relacionado a todos os outros Draibe (1988) coloca que seu início se dá com a su-
conteúdos políticos, ele tem identidade própria. Re- peração dos absolutismos e a emergência das demo-
fere-se a programa de ação que visa, mediante esfor- cracias de massa.
ço organizado, atender às necessidades sociais cuja O Welfare State é uma transformação do próprio
resolução ultrapassa a iniciativa privada, individual Estado a partir das suas estruturas, funções e legiti-
e espontânea, e requer decisão coletiva regida e am- midade. Ele é uma resposta à demanda por serviços
parada por leis impessoais e objetivas, garantidoras de segurança socioeconômica. Desse modo, os ser-
de direitos”. viços sociais surgem para dar respostas às dificulda-

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AULA 3 — Política Social, Estado do Bem-Estar Social: Concepção e Crise

des individuais, visando a garantir a sobrevivência Stein (2000) coloca que é preciso ultrapassar a
das sociedades na luta contra a pobreza. definição simplista de que o Welfare State envolve
Para Gough (1986), a origem do Estado de Bem- a responsabilidade estatal na garantia do bem-estar
Estar foi um fenômeno do pós-guerra, como parte do cidadão, já que não se tem clareza se as políticas
de um acordo entre o capital e o trabalho e de uma garantidoras desse bem-estar são emancipatórias
estrutura de estado mais intervencionista. A par- ou não; se contradizem ou ajudam o mercado; e a
tir desse período, houve aumento da intervenção que tipo de necessidades atendem – básicas ou mí-
estatal na economia e acentuada importância do nimas?
papel do Estado na multiplicação de políticas de Dessa forma, ele não pode ser compreendido
bem-estar. apenas em termos de direitos e garantias. Deve-se
No Brasil, surge nas décadas de 1930 e 1970. levar em consideração a forma das atividades esta-
Draibe (1988) levanta alguns princípios pelos quais tais com o papel do mercado e da família.
o Welfare State, no Brasil, foi construído, sendo ca- O conceito de Welfare State tem os seguintes ob-
racterizado pela centralização política e financeira jetivos:
no governo federal e nas ações sociais, fragmentação • extensão dos direitos sociais;
institucional, exclusão da população na participa- • oferta universal de serviços sociais;
ção política, o autofinanciamento social, a privati- • preocupação com o pleno emprego;
zação e o clientelismo, que ainda persiste em muitos • institucionalização da assistência social como
segmentos sociais. rede de defesa contra a pobreza absoluta e
A forma capitalista que emergiu no Brasil a par- meio de garantir a manutenção dos padrões
tir da década de 1930 se antecipou aos movimentos mínimos de atenção às necessidades básicas do
sociais que representaram ameaças de rupturas. De cidadão.
forma repressiva, o Estado brasileiro dissipou os
conflitos com o objetivo de manter uma certa har- Fraser (1984) coloca o Welfare State como um
monia em favor do processo de expansão e reprodu- sistema de organização social que restringiu as for-
ção capitalista e a integração dos espaços regionais. ças do mercado em três direções: (a) garantia de
direitos e segurança social a grupos específicos da
O QUE É WELFARE STATE? sociedade como crianças, idosos, trabalhadores; (b)
Gomes (2006, p. 203) afirma que a definição de distribuição, de forma universal, de serviços sociais
Welfare State pode ser compreendida como “um como saúde e educação; e (c) transferência de re-
conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance cursos monetários para garantia de renda aos mais
universal promovidos pelo Estado com a finalidade pobres em certas contingências, como a maternida-
de garantir uma certa ‘harmonia’ entre o avanço das de, ou em situações de interrupção de ganhos devi-
forças de mercado e uma relativa estabilidade social, do a fatores como doença e desemprego.
suprindo a sociedade de benefícios sociais que signi- No entanto, a intervenção do Estado nessa
ficam segurança aos indivíduos, para manterem um direção só aconteceu a partir dos seguintes aconteci-
mínimo de base material e níveis de padrão de vida, mentos: a Segunda Guerra Mundial; a prosperidade
que possam enfrentar os efeitos de uma estrutura de econômica do pós-guerra; a ameaça do comunismo
produção capitalista desenvolvida e excludente”. e o fortalecimento da classe trabalhadora.
Portanto, Welfare State é a intenção instituciona- Citamos aqui os modelos de Welfare State apre-
lizada de promover bem-estar de todos os membros sentados por Esping-Andersen (1991, p. 110):
de uma determinada sociedade, sendo que não há • Welfare State “liberal”: predominância da assis-
um modelo único, já que seu funcionamento varia tência social aos comprovadamente pobres e
de um contexto nacional para outro. prevalência da lógica de mercado.

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

• Welfare State conservador: predominância da de responder aos desafios de hoje”. Outra que o vê em
subordinação. O Estado é subsidiário de ou- transformação, e não propriamente em crise, isto é,
tras instituições, em especial, da Igreja (com- em reestruturação, tendo em vista novos desafios es-
prometimento com a preservação da família truturais e ideológicos, provocados pelas mudanças
tradicional). ocorridas nos âmbitos da economia e da sociedade.
• Welfare State “social-democrata”: o Estado é o Assim, para vários estudiosos da política social a
principal promotor da igualdade; prevalência real perspectiva do Welfare State não aponta para
de programas universalistas; presença de uma seu desaparecimento, mas para sua reestruturação.
solidariedade universal – “todos se beneficiam; Segundo Abrahamson (1992), os diferentes mode-
todos são dependentes; e supostamente todos los europeus (os mais prestigiados do mundo) estão
se sentirão obrigados a pagar”. convergindo, cada vez mais, para um padrão de pro-
teção social que fortalece a dualização da prática do
Entre os anos de 1940 até 1970, o Estado Social bem-estar em duas frentes: uma, onde o mercado
serviu como a mais importante fórmula de paz para de trabalho cuida dos trabalhadores empregados e
as democracias capitalistas desenvolvidas, que con- outra onde o Estado e as instituições provadas fi-
siste na obrigação explícita do mecanismo estatal de lantrópicas cuidam dos marginalizados ou excluí-
proporcionar assistência e apoio aos cidadãos. dos das oportunidades de emprego e dos benefícios
O Welfare State apresentou seus primeiros sinto- decorrentes da inserção no mercado de trabalho.
mas de crise ainda na década de 1970, o que perdura
até os dias de hoje. Essa é, sobretudo, uma crise de
caráter financeiro-fiscal: com a diminuição das re-
++SAIBA MAIS
ceitas públicas devido à crise econômica, ocorre a Pereira (1992) coloca que termo público,
diminuição dos financiamentos para os programas associado à política, não é uma referência ex-
sociais. Portanto, a crise fiscal do Estado se expressa clusiva ao Estado, mas sim à coisa pública, ou
nos gastos sociais que aumentam cada vez mais, e o seja, de todos, sob a égide de uma mesma lei
seu financiamento torna-se algo moroso. e o apoio de uma comunidade de interesse.
Há que se considerar o período de crise na eco- Portanto, embora as políticas públicas sejam
nomia capitalista mundial que, entre 1973 e 1975, reguladas e providas pelo Estdo, ela podem e
apresentou um retrocesso representado pelo declí- devem ser controladas pelos cidadãos. Políti-
nio da produção industrial, aumento do desem- ca pública expressa, assim, a conversão de de-
prego e déficit comercial. A crise no setor estatal se cisões privadas em decisões e ações públicas,
deu pela enorme diferença entre receita e despesa, que afetam a todos.
levando ao endividamento do setor público.
A “crise” e seus desdobramentos fizeram que as
forças políticas se manifestassem, exigindo mudan- ■■ Atividades
ças no sistema do Welfare State que, neste contexto, Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
já não possuía as precondições (Estado-Nação so- atividades:
berano, pleno emprego, relações de trabalho bem 1. Você considera importante o surgimento do
definidas e salários amparados legalmente). A glo- Welfare State? Por quê?
balização da economia caracterizou-se por novos 2. O que você entendeu por Welfare State? Há um
mercados, atores e regras. modelo ideal?
Stein (2000, p. 141) coloca que essas mudanças 3. Analise as mudanças no contexto do Welfare
podem ser “caracterizadas através de duas interpreta- State e os impactos causados. Você acredita que
ções: uma que considera o sistema esgotado, incapaz foram (serão) benéficos?

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AULA 4 — O Neoliberalismo na Contemporaneidade

AULA

Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais


O Neoliberalismo na Contemporaneidade
■■ Conteúdo
• O neoliberalismo no Brasil e seus efeitos sobre as políticas sociais
• As políticas da Seguridade Social (Previdência, Assistência Social e Saúde) no contexto do
Neoliberalismo

■■ Competências e habilidades
• Compreender os caminhos do Neoliberalismo no Brasil e seus efeitos sobre as políticas
sociais
• Analisar as políticas da Seguridade Social (Previdência, Assistência Social e Saúde) no con-
texto do Neoliberalismo

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

++SAIBA MAIS

Globalização: é um dos processos de aprofun- por propósito destruir as conquistas da civilização,


damento da integração econômica, social, cultural, tais como a ética, o direito, a democracia pluralista,
política, com o barateamento dos meios de trans- as ciências, a ideia de progresso etc.
porte e comunicação dos países do mundo no final Privatização: ou desestatização é o processo de
do século XX e início do século XXI. É um fenô- venda de uma empresa ou instituição do setor públi-
meno observado na necessidade de formar uma co – que integra o patrimônio do Estado – para o se-
Aldeia Global que permita maiores ganhos para os tor privado, geralmente por meio de leilões públicos.
merca­dos internos já saturados. Descentralização: redistribuição de poder e,
Barbárie: está relacionada à agressividade pri- portanto, de prerrogativas, recursos e responsabili-
mitiva humana, os impulsos de destruição que têm dades do governo para a sociedade civil, da União

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

para os estados e municípios, e do Executivo para o ses. O Brasil está sendo profundamente afetado pelas
Legislativo e o Judiciário. transformações do mundo do trabalho. Sobretudo,
A criação do Neoliberalismo foi basicamente uma é necessário mobilizar todos os segmentos para de-
reação teórica e política ao Estado intervencionista fender os direitos sociais já contidos na Constitui-
e de bem-estar (Welfare State). O argumento básico ção de 1988 para enfrentar as consequências deste
do neoliberalismo era que o novo igualitarismo (...) processo; principalmente “a escassez” de trabalho,
deste período, promovido pelo Estado de bem-estar, que está refletida nos altos índices de desemprego,
destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da e também pelas novas modalidades de organização
concorrência, da qual dependia a prosperidade de e estruturação, originando a flexibilidade e a preca-
todos (ANDERSON, 1995). riedade dos vínculos laborais.
O Brasil, com o avanço do neoliberalismo e Entretanto, Boschetti (2003) afirma que os anos
da globalização dos mercados, foi profundamen- 1990 até a atualidade tem sido de contrarreforma
te atingido por transformações. Na atualidade, o do Estado e de redirecionamento das conquistas so-
país vive um momento de redefinição, porque os ciais contidas na Constituição de 1988.
rearranjos políticos internacionais aprofundaram É necessário analisar as mudanças que ocorreram
ainda mais as diferenças, por um lado a concen- no limite entre o marco legal e as condições reais no
tração da riqueza e por outro o empobrecimento contexto do neoliberalismo e da barbárie. A era Fer-
da população, afetando principalmente o mundo nando Henrique Cardoso (FHC) foi marcada pelas
do trabalho, altos índices de desemprego e novos reformas direcionadas para o mercado e os proble-
modelos de organização e estruturação, causando mas do Estado brasileiro eram atribuídos às causas
a flexibilidade e a precariedade nos vínculos de centrais da crise econômica e social que se iniciou
trabalho (ABREO, 1998). nos anos 1980. A reforma do Estado ocorreu prin-
Na visão de Alain Touraine (1997) (In: Abreo cipalmente em relação às privatizações e na área da
1998), no entanto, o mesmo assinala uma luz no final previdência social. Uma parte do patrimônio públi-
do túnel, afirmando que a eficácia positiva das indis- co brasileiro, com as privatizações, foi entregue ao
pensáveis reformas liberais está esgotada. Seus efeitos capital estrangeiro.
negativos, sobretudo os sociais e os políticos, são cada O programa de publicização se deu através da
vez mais evidentes devido às posições anunciadas criação de agências reguladoras, das organizações
pelos diferentes chefes, tanto do FMI (Fundo Mone- sociais e da regulamentação do terceiro setor para a
tário Internacional) como do BID (Banco Interame- execução de políticas públicas. Entretanto, a reforma
ricano de Desenvolvimento). As últimas notícias do de FHC não surtiu o efeito desejado, não aumen-
Encontro das Américas, realizado no mês de abril de tando a capacidade de implementação de políticas
1998, no Chile, reafirmam a necessidade dos gover- públicas. Houve a desresponsabilização pela política
nos de implantar a educação para todos, e melhorar social e o abandono do padrão constitucional de se-
a situação social dos países do Mercosul para poder guridade social (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
integrar a ALCA (Associação de Livre Comércio das Entretanto, não se pode afirmar que exista uma
Américas), prevista para o ano 2005, posturas incom- ausência de política social no Brasil. O que houve
patíveis com a redução do Estado, pois ele deverá ser foi uma adaptação ao novo contexto, resultando
o principal gestor de recursos para a implantação de disso o trinômio do neoliberalismo para as políti-
políticas para a educação e para a área social. Talvez, o cas sociais: privatização, focalização, seletividade e
fato mais importante é que se estão gerando algumas descentralização (DRAIBE, 1993 apud BEHRING;
contradições no cenário nacional e internacional. BOSCHETTI, 2006).
Em síntese, as mudanças nos processos produti- Sob o argumento da crise fiscal do Estado existe
vos geraram um impacto que atingiu todos os paí- uma tendência de restrição e redução de direitos,

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AULA 4 — O Neoliberalismo na Contemporaneidade

transformando as políticas sociais em ações pontu- àquelas sujeitas ao controle social e democrático e
ais e compensatórias. ao desfinanciamento imposto pela política econô-
A Seguridade Social deveria provocar mudanças mica e cooptação dos representantes da sociedade
profundas na saúde, previdência e assistência so- civil nos Conselhos de Políticas Públicas, na distri-
cial, no sentido de articulá-las e formar uma rede buição dos poucos recursos.
de proteção ampliada, coerente e consistente. No Para finalizar, é importante destacar que, segun-
entanto, isso não ocorreu. De acordo com Behring; do Anderson (1995), o neoliberalismo fracassou no
Boschetti (2006): plano econômico mas, infelizmente, atingiu muitos
de seus objetivos sociais, muito embora não todos
A Seguridade Social brasileira, ao incorporar uma
os propostos (a desestatização completa, por exem-
tendência de separação entre a lógica do seguro e
a lógica da assistência, acabou materializando po-
plo). Ele representa para a atualidade uma doutrina
líticas com características próprias que mais se ex- com um alcance ideológico muito forte e amplo, de
cluem do que se complementam, fazendo com que, forma que todos, mesmo que o neguem, tem que se
na prática, o conceito de seguridade fique no meio submeter às suas regras.
do caminho entre o seguro e a assistência.
■■ Atividades
Os direitos mantidos pela seguridade social di- Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
recionam-se pela seletividade e privatização. As re- atividades:
formas da Previdência de 1998 e 2003 introduziram • Comente a visão de Alain Touraine sobre uma
critérios que focalizaram ainda mais os direitos dos luz no final do túnel, em relação ao Neolibera-
contribuintes, restringindo direitos, reduzindo o va- lismo.
lor de benefícios, limitando alguns benefícios como • O que significa a contrarreforma do Estado e o
salário-família e o auxílio-reclusão, provocando a redirecionamento das conquistas sociais conti-
ampliação da permanência no mercado de trabalho das na Constituição de 1988?
e não incorporando os trabalhadores pobres, aban-
donando-os nas relações de trabalho informais.
O Sistema Único de Saúde (SUS) vem sendo mi- ** ANOTAÇÕES
nado pela péssima qualidade dos serviços, pela fal-
ta de recursos, pela ampliação dos esquemas pri-
vados que sugam os recursos públicos e pela insta-
bilidade no financiamento (COHN, 1995; PIOLA,
2001; NUNES, 2001 apud BEHRING; BOSCHET-
TI, 2006).
A Assistência Social é a política mais penalizada,
devido principalmente à redução e residualidade na
abrangência, visto que os serviços e programas al-
cançam apenas uma pequena parcela da população
que deveria ter acesso; manutenção e reforço do ca-
ráter filantrópico na rede de serviços que está forte-
mente composta por entidades privadas. O Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), instituído em
2004, pretende alterar esse quadro.
A contrarreforma existente no Brasil desde os
anos de 1990 pressiona criando políticas paralelas

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
AULA

5
Políticas Sociais dos Anos 1930
aos Anos 1990
■■ Conteúdo
• O contexto das políticas sociais brasileiras no período 1930-1990

■■ Competências e habilidades
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Material para autoestudo


Verificar texto disponibilizado no Portal, na Galeria da Unidade Didática
■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

++SAIBA MAIS
Corporativismo: doutrina econômico-social tamento bem carismático. É muito comum encon-
que preconiza a criação de instituições profissio- trarmos governos populistas em países com grandes
nais, organizadas em corporações, dotadas de po- diferenças sociais e presença de pobreza e miséria.
deres econômicos, sociais e mesmo políticos, mas Ideologia: é o conjunto de ideias, conceitos e
sob fiscalização do Estado. Defesa, por parte de uma comportamentos que prevalecem sobre uma socie-
categoria de trabalhadores ou funcionários, apenas dade. Seu objetivo é encobrir as divisões existentes
de seus próprios interesses profissionais. na sociedade e na política, mostrando uma forma
Populismo: é uma forma de governar em que maquiada de não divisão. Podemos exemplificar a
o governante utiliza de vários recursos para obter ideologia com a afirmação de que o adultério é cri-
apoio popular. O populista utiliza uma linguagem me, que o homossexual é pervertido e que o futebol
simples e popular, usa e abusa da propaganda pes- é coisa do homem.
soal, afirma não ser igual aos outros políticos, toma Nacionalismo: constitui-se como uma forma
medidas autoritárias, não respeita os partidos polí- de consciência de grupo, de pertencimento ou de
ticos e instituições democráticas, diz que é capaz de ligação a uma nação; como ideologias baseadas na
resolver todos os problemas e possui um compor- valorização da Nação-Estado como forma ideal de

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AULA 5 — Políticas Sociais dos Anos 1930 aos Anos 1990

organização política; como “ideologia que justifi- Evaldo Vieira (1997, p. 68) (In: Oliveira, 2003),
ca a Nação-Estado” (Gerth e Mills, Dicionário de observa que a política social no Brasil percorre três
Ciên­cias Sociais, MEC); bem como, ainda, o pro- períodos: o primeiro, que denomina “controle da
cesso histórico pelo qual as nações modernas têm- política” e vai da Era Vargas ao início dos anos 1960;
se estabelecido como unidades políticas indepen- o segundo, que denomina de “política do controle”
dentes. e abrange 1964-1988. O terceiro período é o que se
Desenvolvimentismo: doutrina que defende inicia com a aprovação da Constituição em 1988,
uma política governamental de promoção do de- no qual os avanços conquistados no campo da defi-
senvolvimento econômico, em especial da indus- nição legal de direitos sociais ainda estão por serem
trialização. O período do Presidente Juscelino Ku- efetivados ou pior, muitos já foram extirpados do
bitschek foi marcado pelo desenvolvimentismo. texto constitucional ou se encontram permanente-
Moralismo: tendência a priorizar de modo exa- mente ameaçados, configurando o que Vieira deno-
gerado a consideração dos aspectos morais na apre- mina de “política social sem direitos sociais”.
ciação dos atos humanos. Getúlio Vargas, nos anos 1930, direcionou a po-
Fascismo: sistema político nacionalista, impe- lítica, transformando as relações estado/sociedade
rialista, antiliberal e antidemocrático, liderado por para o mercado interno e o desenvolvimento da in-
Benito Mussolini (1883-1945), na Itália, e que tinha dustrialização, mas mantendo a exportação de pro-
por emblema o feixe (fascio) de varas dos antigos dutos agrícolas.
lictores romanos. Getúlio Vargas, com sua política trabalhista, con-
trolava as greves e os movimentos operários e ao
1930 A 1960 mesmo tempo criava um sistema de seguro social.
Os direitos sociais são fruto de reivindicação Os seguros sociais eram reorganizados através de
dos movimentos dos trabalhadores, mas também institutos de previdência social para aquelas catego-
representam a busca de legitimidade das classes rias já organizadas: marítimos, bancários e indus-
dominantes, como mostra a expansão das políticas triários. Os demais trabalhadores, naquela época,
sociais do Brasil nos períodos ditatoriais: 1937- principalmente os trabalhadores rurais, ficaram de
1945 e 1964-1984. Existe uma distância entre os fora do sistema.
direitos previstos em lei e sua concreta implemen- Como afirma Faleiros (2000):
tação que permanece até a atualidade (BHERING;
O modelo getulista de proteção social se definia
BOSCHETTI 2006).
em comparação com o que se passava no mundo,
A entrada no século XX foi marcada pela cria- como fragmentado em categorias, limitado e desi-
ção dos primeiros sindicatos, influenciada pelos gual na implementação dos benefícios, em troca de
imigrantes europeus no país. Em 1911 foi reduzida um controle social das classes trabalhadoras.
a jornada de trabalho para 12 horas diárias.
Mas o divisor de águas, na política social brasi- Vargas governou sob ditadura (Estado Novo) após
leira, foi o ano de 1923, pois se aprovou a Lei Eloy o golpe de 1937 até 1945, quando foi derrubado
Chaves, que prevê a criação de caixas de aposenta- militarmente.
doria e pensão (CAPES) para algumas categorias
de trabalhadores. A crise econômica de 1929-1932 Nesse período, em 1942, foi criada a Legião Brasi-
e a revolução de 1930 trouxeram maior diversifica- leira de Assistência (LBA), em cuja entidade predo-
ção da economia brasileira. Em 1927 foi aprovado minava o assistencialismo, unindo ações de obras de
o código de menores, que só veio a ser substituído caridade, com ações das primeiras-damas.
em 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança Segundo pesquisa de Draibe (1990) e de Faleiros
e do Adolescente. (2000), dentre outros (In: Behring; Boschetti, 2006),

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

as principais medidas do período de 1930 a 1943, As políticas sociais viveram forte expansão após
foram: regulação dos acidentes de trabalho, aposen- a Segunda Guerra Mundial, com a intervenção do
tadorias e pensões, auxílios-doença, maternidade, estado na regulação das relações sociais e econô-
família e seguro desemprego. Em 1930, foi criado micas.
o Ministério do Trabalho e em 1932 a carteira de
trabalho. O período de 1937 a 1945, da ditadura de 1970 A 1990
Vargas, e após, foi marcado por uma forte disputa O apogeu do capitalismo “regulado” começa a se
de projetos e pela intensificação da luta de classes extinguir no final dos anos 1960 e inicia-se a recon-
e também com uma base material em crescimento, figuração do Estado capitalista nos anos 1980 e 1990
com o desenvolvimentismo nacionalista em substi- e seus impactos para a política social, articulados a
tuição à política de importações. O governo Kubits- uma reação burguesa à crise do capital, que come-
check se propunha a fazer o país crescer 50 anos em çou nos anos 1970.
5. Esse processo possibilitou maior organização po- O discurso neoliberal na década de 1970 argu-
lítica e consciência de classe dos trabalhadores, dos mentava que o Estado de Bem-Estar Social era ex-
camponeses e das camadas médias urbanas. cessivamente paternalista, entre outros argumentos.
Nesse período, a expansão da política social foi len- Com a crise fiscal, consequência da ampliação das
ta, com um formato corporativista e fragmentado. demandas sobre o orçamento público e da diminui-
Somente em 1960 esse modelo gradativamente ção dos recursos, a guerra em torno do destino dos
foi extinto, com a aprovação da Lei Orgânica da recursos públicos é cada vez maior.
Previdência Social, que definia a unificação dos be- As taxas de crescimento, as funções mediadoras
nefícios dos vários institutos, organizados em mais do Estado cada vez mais amplas, a absorção das no-
de 300 leis e decretos referentes às previdências so- vas gerações no mercado de trabalho, restritas pelas
ciais. tecnologias poupadoras de mão de obra, não são
O contexto político, populista, fazia apelo a uma as mesmas, contrariando as expectativas de pleno
ideologia de adesão das massas, nos moldes de Var- emprego. As dívidas públicas e privadas crescem.
gas, nacionalista; de Kubitscheck, desenvolvimentis- A explosão da juventude, em 1968, no mundo e a
ta; de Quadros, moralista; ou de Goulart, reformis- primeira grande recessão, devido à alta do petróleo
ta. Somente em 1983 a lei da previdência rural foi em 1973, foram os sinais de que o sonho de pleno
aprovada, mas não colocada em prática. emprego e da cidadania relacionada à política so-
Somente após a Segunda Guerra Mundial, a par- cial havia terminado no capitalismo central e estava
tir de 1945, é que o Brasil entrou na fase madura definitivamente comprometido na periferia do ca-
do capitalismo. Até 1975 houve uma forte expansão, pital, onde nunca se realizou de fato (BHERING;
com taxas de lucros altas e ganhos de produtividade BOSCHETTI 2006).
para as empresas e políticas sociais para os trabalha- Dos anos 1960 aos anos 1980, o país se desen-
dores. No fim dos anos 1960 esse período dá sinais volveu economicamente expandindo sua produção,
de término. modernizando sua economia com entrada do capi-
Observa-se que o ciclo de expansão do capitalis- tal estrangeiro no país.
mo e das políticas sociais inicia-se após 1945, devi- Os institutos de previdência social foram unifica-
do às consequências advindas da Segunda Guerra dos e centralizados no governo federal. Foi amplia-
Mundial e do fascismo, a terceira revolução tecnoló- da a previdência aos trabalhadores rurais em 1971,
gica, principalmente com a microeletrônica, e ainda aos empregados domésticos em 1972, aos jogadores
a derrota histórica do movimento operário mun- de futebol em 1973 e aos ambulantes em 1978.
dial, com a queda do muro de Berlim e do fim do Em 1974, a renda mensal vitalícia no valor de um
socialismo nos países da Cortina de Ferro. salário mínimo, beneficiou os idosos pobres com

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AULA 5 — Políticas Sociais dos Anos 1930 aos Anos 1990

mais de 70 anos. Nesse mesmo ano foi criado o Mi- Até a Constituição de 1988 a política social bra-
nistério da Previdência e Assistência Social. sileira se caracterizou por oferecer cobertura aos
A política habitacional, de acesso à casa própria que se encontravam no mercado de trabalho. Fora
para as classes médias, foi criada pelo Banco Na- do mercado de trabalho só havia a caridade priva-
cional de Habitação (BNH). O modelo implantado da ou alguma esmola pública precária na forma de
pela ditadura militar: assistencial, industrial, tec- auxílios. Uma outra característica da política social
nocrático e militar, não estava voltado para a ci- brasileira é, segundo W. G. Santos (1987, p. 89) (In:
dadania, mas o acesso da população, por extratos Oliveira, 2003), “o fato de que os períodos em que
populacionais, favorecendo grupos privados. se podem observar efetivos progressos na legisla-
No final da ditadura militar, a conjuntura eco- ção social coincidem com a existência de governos
nômica estava em crise: inflação, dívida pública autoritários.” Destaca neste sentido a era Vargas e
acentuada, fazendo a população sair às ruas em o pós-1966.
manifestações organizadas (FALEIROS, 2000).
A Constituição Federal de 1988, fruto do rom- ■■ Atividades
pimento do regime militar e surgimento da de- Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
mocracia no país, caracterizava-se como: liberal, atividades:
democrática e universalista, expressando as con- Caracterize os direitos sociais no Brasil no perío-
tradições do momento, convivendo aí as políticas do entre 1930 e 1945.
estatais com as políticas de mercado, nas áreas da Analise as políticas sociais no período pós-1945
saúde, da previdência e da assistência social. até 1960.
Os anos 1990 foram marcados pelas reformas Comente o significado da reconfiguração do es-
neoliberais, com maior favorecimento do mercado tado capitalista nos anos 1980 e 1990.
e de redução do papel do Estado. Realize reflexão sobre a elaboração da nova
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) foi Constituição Brasileira, quando delineava-se uma
aprovada somente em 1993, tornando, concreta- espécie de Estado Social, com as demandas da clas-
mente, a assistência social uma política pública, se trabalhadora sendo contempladas e a sociedade
dever do Estado e um direito do cidadão. A lei pre- brasileira caminhando para um avanço democráti-
videnciária cortou a renda mensal vitalícia para os co, e no mundo operava-se o desmonte da política
idosos. A LBA, o INPS e o INAMPS foram extintos de bem-estar social.
e em seu lugar foi criado o Instituto Nacional de
Seguro Social (INSS).
Com a promulgação da Constituição de 1988, ** ANOTAÇÕES
ampliou-se consideravelmente os direitos sociais
e políticos, estabelecendo novas bases nas relações
trabalhistas, novas relações entre Estado e socieda-
de, instituindo a descentralização das atribuições
e responsabilidades de intervenção na área social
nas três esferas de governo. Todavia, no momen-
to em que, no Brasil, delineava-se uma espécie de
Estado Social em que as demandas da classe tra-
balhadora eram contempladas e a sociedade bra-
sileira caminhava para um avanço democrático,
no mundo operava-se o desmonte da política de
bem-estar social.

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

AULA

6
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

Políticas Sociais e Movimentos Sociais


■■ Conteúdo
• História dos movimentos sociais, desde a colonização portuguesa até a atualidade
• Os Anos 1990 e a Emergência dos Chamados Novos Movimentos Sociais

■■ Competências e habilidades
• Desenvolvimento histórico dos movimentos sociais, desde a colonização portuguesa até a
atualidade
• Caracterização dos movimentos sociais especialmente nos anos 1970, 1980 e 1990
• Descrição de alguns elementos restritivos de ampliação dos movimentos sociais no País

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

Os movimentos sociais surgem em um processo legítimos de negociação de conflitos, o cotidiano,


de lutas econômicas, culturais e políticas e o seu o local de moradia, a periferia, o gênero, a raça
desenvolvimento abarca interesses não somente tornam-se espaços e questões públicas, lugares de
populares, mas também de luta pelo poder e, atra- ação política, constituindo sujeitos com identida-
vés de suas demandas reivindicatórias, pode ocor- des e formas de organização diferentes daquelas do
rer o fortalecimento da sociedade civil. sindicato e do partido. Com a redemocratização
O texto enfoca um pouco a história do país, de- do país e a nova Constituição Federal é incorpo-
monstrando que o processo participativo popular rada a questão da participação e do controle social
aconteceu dentro de uma tradição autoritária e como diretriz vinculada à política social. Os anos
excludente, a partir da colônia portuguesa, da es- 1990 são caracterizados como um marco na histó-
cravidão, do Império, de modo que seu povo foi ria dos movimentos sociais. Modifica-se a agenda
mantido sempre estrangeiro em sua própria ter- política dos governos, na qual só há lugar para a
ra, à margem da política. Na ausência de espaços participação e para os processos de descentraliza-

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AULA 6 — Políticas Sociais e Movimentos Sociais

ção construídos no interior da sociedade política, João Goulart: reforma agrária, fiscal, educa-
por iniciativa dos dirigentes, segundo critérios es- cional, bancária e eleitoral. Para o governo,
tabelecidos pelo poder público. elas eram necessárias ao desenvolvimento de
O destino dos movimentos sociais no Brasil é um ìcapitalismo nacionalî e ìprogressistaî.
incerto, pois os últimos governos reconhecem Senso Comum: Pode-se dizer que senso
apenas a democracia parlamentar, desqualifican- comum são os conhecimentos adquiridos ao
do sindicatos e movimentos sociais como “repre- longo da vida que independem de um treina-
sentantes do atraso” e esvaziando canais partici- mento científico.
pativos como conselhos e conferências nacionais,
estimulando a destituição de direitos trabalhistas,
previdenciários e sociais, fazendo deles políticas POLÍTICAS SOCIAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS
compensatórias e filantrópicas, além de reduzir os
gastos sociais. Para fortalecer e ampliar as possi- Os movimentos sociais precisam ser situados his-
bilidades da participação social é preciso: investir toricamente, para não se perder sua importância e
fortemente na qualificação dos movimentos so- dimensão. É dentro dos marcos de uma sociedade
ciais e de outros atores da sociedade civil para uma competitiva e conflituosa, num processo de lutas
ação propositiva e capaz de participar eficazmente econômicas, culturais e políticas é que surgem es-
de negociações; qualificar agentes governamentais, ses movimentos. O seu desenvolvimento abarca in-
contribuindo para fortalecer neles uma cultura de- teresses não somente populares, mas componentes
mocrática e participativa e implementar políticas básicos da luta pelo poder e desenvolvem, através de
inovadoras quanto à melhoria das condições de suas demandas reivindicatórias, o fortalecimento da
vida de toda a população e à democratização dos sociedade civil.
processos de gestão. Potencializar as ações da so- Na perspectiva de Gohn (1989):
ciedade, suas práticas democráticas e ampliadoras
Movimentos sociais são ações coletivas de caráter
da cidadania.
sociopolítico, construída por atores sociais perten-
centes a diferentes classes e camadas sociais. Eles
++SAIBA MAIS politizam suas demandas e criam um campo po-
lítico de força social na sociedade civil. Suas ações
Movimento Anarquista: Teoria política estruturam-se a partir de repertórios criados sobre
fundada na convicção de que todas as for- temas e problemas em situações de: conflitos, lití-
mas de governo interferem injustamente na gios e disputas. As ações desenvolvem um processo
liberdade individual, e que preconiza a subs- social e político-cultural que cria uma identidade
tituição do Estado pela cooperação de grupos coletiva ao movimento, a partir de interesses em
associados. comum.
Movimento Socialista: Doutrina que prega
a primazia dos interesses da sociedade sobre UM POUCO DA HISTÓRIA
os dos indivíduos, e defende a substituição da Historicamente, a participação popular no Brasil
livre-iniciativa pela ação coordenada da cole- teve reduzido espaço de influência socioeconômica
tividade na produção de bens e na repartição e política. Como afirma Carvalho (1987):
da renda. Nosso país constituiu-se dentro de uma tradição
Reformas de Base: Era o nome dado às po- autoritária e excludente, a partir da colônia portu-
líticas de transformação na estrutura econô- guesa, da escravidão, do Império, de modo que seu
mica e social propugnadas pelo governo povo foi mantido sempre estrangeiro em sua pró-
pria terra, à margem da política, considerada pelos

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

ditos populares como ‘coisa de branco’: ‘[...] vocês ta. A implantação da ditadura se faz à custa de uma
são brancos, que se entendam’, é um frequente co- pesada repressão, com o fechamento de sindicatos, a
mentário popular. Um dos autores que estudou a cassação, tortura e banimento de lideranças sociais
formação dessa cultura autoritária e excludente co- e políticas, a censura da imprensa, o fechamento do
menta, de modo crítico, a opinião generalizada de Congresso e dos partidos, o engessamento das elei-
que o povo assistiu ‘bestializado’ a proclamação da ções e da política, a destruição dos espaços públicos
República. Esta atitude apática ou ‘bestializada’, não e da cidadania. Essa destruição da cidadania e da
corresponde, porém, à realidade, mas a um discur- democracia não se dá, no entanto, sem a resistência
so que desqualifica a cultura, as formas de agir, de e o enfrentamento de movimentos sociais, especial-
pensar e de participar do povo brasileiro, que incor- mente do movimento estudantil e dos grupos que
poram as contribuições negra e indígena. Mesmo optam pela luta armada, pelas guerrilhas urbanas e
reprimida como ‘caso de polícia’, ocupando apenas camponesas, inspirados pelas Revoluções Cubanas
as páginas policiais, a participação popular sempre e Chinesas.
existiu, desde que existem grupos sociais excluídos As condições de exploração, pauperização e re-
que se manifestam e demandam ações ou políticas pressão, não só no Brasil mas também na América
governamentais. Latina, fez com que os movimentos sociais constru-
Deste ponto de vista pode-se analisar a participa- íssem novas formas de demonstrar a contradição
ção conquistada nas diversas fases e tipos de movi- fundamental da classe trabalhadora. Esses movi-
mentos sociais que percorrem a história do Brasil, mentos tinham como ponto de partida, na maio-
desde as primeiras resistências indígenas e negras ria das vezes, os problemas coletivos do consumo
como a Confederação dos Tamoios e os Quilombos, (CARVALHO, 1998).
passando pelos chamados movimentos camponeses, Os anos 1970 foram, no Brasil, tempos de pro-
como Canudos, pelas lutas abolicionistas, pela Inde- fundas mudanças econômicas e políticas, que
pendência, pelas revoltas urbanas contra a carestia, provocaram a emergência vigorosa de novas de-
as mobilizações de inquilinos, e tantas outras. mandas sociais. O Estado burocrático-autoritário,
O movimento operário, de inspiração anarquista que se estabeleceu com a ditadura militar, fechou,
e socialista, juntamente com o movimento campo- no entanto, até mesmo os precários canais de ex-
nês e os movimentos urbanos, vem caracterizar o pressão e de negociação de interesses e conflitos
que neste século chamamos “movimentos sociais”. mantidos pelo populismo. Neste contexto de au-
Estes movimentos sofrem, principalmente nos anos sência de canais de interlocução, emergem novos
1930 a 1960, fortes pressões cooptadoras por parte movimentos sociais como captadores destas novas
de partidos políticos, de parlamentares e governos e candentes demandas sociais. Sua ação abre no-
que buscam instrumentalizá-los e submetê-los a vos espaços ou “lugares” para a ação política. Na
seus interesses e diretrizes. ausência de espaços legítimos de negociação de
conflitos, o cotidiano, o local de moradia, a perife-
1960 A 1980 ria, o gênero, a raça tornam-se espaços e questões
O período do regime militar com o golpe dos ge- públicas, lugares de ação política, constituindo
nerais representou uma resposta ao levante popular sujeitos com identidades e formas de organização
das massas trabalhadoras insatisfeitas com os ru- diferentes daquelas do sindicato e do partido.
mos dos governos populistas. Os anos 1950 e 1960 Eder Sader (1988), destaca:
são marcados por intensa mobilização social, que se
O papel especial desempenhado, na constituição
expressa no movimento sindical, nas Ligas Campo-
desses novos sujeitos, por algumas matrizes dis-
nesas e numa ampla reivindicação por “Reformas de cursivas comprometidas com projetos de ruptura,
Base”, de cunho democrático, popular e nacionalis-

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AULA 6 — Políticas Sociais e Movimentos Sociais

provenientes do sindicalismo, da Igreja e da es- na sua heterogeneidade, são elementos fundamen-


querda marxista. Estas matrizes renovam-se, nos tais para a hegemonia das classes subordinadas e
anos 1970, em decorrência de “crises” geradas por para a constituição de uma identidade popular.
grandes derrotas como a derrota da luta armada
A categoria teórica básica enfatizada era a da auto-
ou pela perda da capacidade de apelo da Igreja ao
nomia, que se tratava mais de uma estratégia políti-
seu público tradicional. Fragilizadas, elas relativi-
ca, pois reivindicava um distanciamento em relação
zam suas verdades, fragmenta-se sua racionalida-
de totalizadora e abrem-se ao reconhecimento de
ao Estado autoritário. Os fundamentos sobre a ques-
outros sujeitos e outros significados. Ao invés de tão da autonomia eram difusos. Matrizes do socia-
fechar-se em conceitos abstratos e impostos sobre lismo libertário do século passado, assim como do
“o fazer histórico-social do proletariado”, deixam- anarquismo, estavam embutidas numa leitura que,
se “educar por ele”, abrem-se aos silêncios e ao fa- no geral, fazia uma análise marxista da realidade. As
zer até então interpretado de modo totalizante por análises contribuíram para subsidiar um projeto de
vanguardas políticas, eclesiais ou intelectuais. As mudança social em que os movimentos sociais po-
Comunidades Eclesiais de Base-CEBs, os Clubes de pulares urbanos tinham um papel de destaque.
Mães, as Pastorais Populares das Igrejas, os Movi- Essa nova cultura participativa, construída pelos
mentos Populares por Creches, por Saúde e Contra movimentos sociais, coloca novos temas na agenda
a Carestia, que se alastram por todo o país, o novo pública, conquista novos direitos e o reconhecimen-
sindicalismo que emerge do cotidiano dos grupos
to de novos sujeitos de direito, mas mantém, ainda,
de oposição sindical, a partir da Oposição Sindical
uma posição exterior e antagônica ao Estado, pois
Metalúrgica de São Paulo e do Sindicato dos Me-
as experiências de diálogo e as tentativas de negocia-
talúrgicos de São Bernardo, são fortes exemplos
de espaços de recusa das hierarquias que encap-
ção realizadas até então levavam, sistematicamente,
sularam amplos setores populares na condição de à cooptação ou à repressão.
cidadãos de segunda classe, não cidadãos, “párias” Se os anos 1970 podem ser caracterizados pela
políticos e sociais. disseminação de uma multiplicidade de organiza-
ções populares “de base”, nos anos 1980 tem-se a
A partir dos anos 1980 assiste-se no Brasil à emer- sua articulação em federações municipais, estaduais
gência de inúmeras formas novas de organização e e nacionais, entidades representativas desses movi-
participação popular, através das quais busca-se al- mentos, cujas expressões mais fortes são a constru-
terar a relação entre o Estado autoritário vigente no ção da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e
país após 1964 e a sociedade civil. do Partido dos Trabalhadores (PT), um partido que,
Necessidades não satisfeitas geram demandas, que no dizer de Luís Inácio “Lula” da Silva, um de seus
articuladas a determinados interesses de classe fazem fundadores, nasce da percepção de que os trabalha-
emergir contradições e geram reivindicações. dores precisam também fazer política partidária,
A problemática da origem dos movimentos po- para garantir “na lei” as conquistas obtidas nas lutas
pulares deve ser pensada também a partir das con- reivindicativas. Um partido que se pensa como ex-
dições geradoras de mobilização popular. As neces- pressão, na política “maior”, de toda a mobilização
sidades não satisfeitas, geradoras de reivindicações, social desse período, do espaço público construído
são um dos pontos centrais da questão. pelas lutas dos trabalhadores.
As reivindicações populares podem gerar o em- O processo constituinte com um amplo mo-
brião de uma vontade coletiva popular baseada no vimento popular elaborou emendas populares à
senso comum. Este, ainda que impregnado de va- Constituição e coletou subscrições em todo o país,
lores da ideologia dominante, contém uma cultura marcando este momento como uma nova fase dos
das massas, elaborada a partir de suas condições de movimentos sociais. Período em que as experiências
oprimidas e subalternas. Estas, quando aglutinadas da “fase” anterior, predominantemente reivindicati-

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

va, de ação direta ou “de rua”, são sistematizadas e setor produtivo privado; o surgimento de grandes
traduzidas em propostas políticas mais elaboradas centrais sindicais; o surgimento de entidades aglu-
e levadas aos canais institucionais conquistados, tinadoras dos movimentos sociais populares, espe-
como a própria iniciativa popular de lei que permi- cialmente no setor da moradia; e fundamentalmen-
tiu as emendas constituintes. te, o nascimento e o crescimento, ou a expansão da
forma que viria a ser quase que uma substituta dos
OS ANOS 1990 E A EMERGÊNCIA movimentos sociais nos anos 1990: as ONGs.
DOS CHAMADOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS Os anos 1990 foram considerados os anos da cri-
A emergência dos chamados novos movimentos se e da mudança. Crises internas de militância, de
sociais, que se caracterizou pela conquista do direito participação, de credibilidade nas políticas públicas,
a ter direitos, do direito a participar da redefinição de confiabilidade e legitimidade junto à própria po-
dos direitos e da gestão da sociedade, culminou com pulação e crises externas, decorrentes da redefini-
o reconhecimento, na Constituição de 1988, em seu ção dos termos do conflito social entre os diferentes
artigo 1o, de que “Todo poder emana do povo, que o atores sociais e entre a sociedade civil e a sociedade
exerce indiretamente, através de seus representantes política, tanto em termos nacionais como em ter-
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constitui- mos dos referenciais internacionais: queda do muro
ção.” Esta “Constituição cidadã” prevê a participa- de Berlim, fim da União Soviética, crise das utopias,
ção direta dos cidadãos através dos chamados ins- ideologias etc. (GOHN, 1997).
titutos de democracia direta ou semidireta, como o Modifica-se a agenda política dos governos, na
plebiscito, o referendo, a iniciativa popular de lei, qual só há lugar para a participação e para os pro-
as tribunas populares, os conselhos e outros canais cessos de descentralização construídos no interior
institucionais de participação popular. As mudan- da sociedade política, por iniciativa dos dirigentes,
ças na conjuntura política no início dos anos 1980 segundo critérios estabelecidos pelo poder público.
alteraram esse cenário. As políticas são formuladas para segmentos
Uma nova concepção demandava não apenas sociais, dentro de um recorte que privilegia os
bens e serviços necessários para a sobrevivência atores sociais que serão os parceiros, e não mais
cotidiana, característica básica das ações dos movi- os segmentos segundo recorte das classes sociais.
mentos populares, que inscreviam suas demandas Também as arenas de negociações passam a ser da-
mais no campo dos direitos sociais tradicionais: di- das pelo poder público. Criam-se processos e ca-
reito à vida, tendo acesso à comida, ao abrigo e ou- nais de participação e mais uma vez deve se repetir:
tras. O novo nos movimentos ecológico, das mulhe- estes canais são conquistas do movimento social
res, negros, indígenas etc., se referia a outra ordem combativo, progressista e articulador de interesses
de demanda, relativa aos direitos sociais modernos, dos excluídos da sociedade civil; mas junto com os
que apelam para a igualdade e a liberdade nas rela- novos canais estruturam-se também movimentos
ções de raça, gênero e sexo. sociais que defendem demandas particularistas e
Destacam-se os fatores que contribuíram para as estão voltados para atuarem como coparticipes das
alterações nas políticas públicas e na composição dos ações estatais.
agentes e atores que participam da implementação, Nos anos 1990, o que era ocasional se institucio-
gestão e avaliação das mesmas políticas; o consenso, naliza e os atores sociais privilegiados, convocados
a generalização e o posterior desgaste das chama- a serem parceiros das novas ações, são os tradicio-
das práticas participativas em diferentes setores da nais aliados do poder. O movimento social mais
vida social; o crescimento do associativismo insti- combativo, que se encontra fragilizado e fragmen-
tucional, que se desenvolveu muito nos anos 1980, tado por sua crise de identidade, disputas internas
absorvendo grande parcela dos desempregados do etc. não tem nenhuma garantia de participação nas

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AULA 6 — Políticas Sociais e Movimentos Sociais

novas políticas; fora das políticas públicas não há tipo “Ligas Camponesas”, colocando a questão da re-
recursos financeiros porque os recursos interna- forma agrária novamente na ordem do dia.
cionais escassearam (GOHN, 1999). A partir da Constituinte, e ao longo da década
Nos anos 1990 houve significativas alterações no de 1990, torna-se cada vez mais clara para os movi-
cenário da participação social, com a transforma- mentos sociais a reivindicação de participar da re-
ção das lutas sociais organizadas em movimentos definição dos direitos e da gestão da sociedade. Não
populares, e o surgimento de novas lutas sociais, reivindicam apenas obter ou garantir direitos já de-
de caráter cívico, como A Ética na Política, Movi- finidos, mas ampliá-los e participar da definição e
mento de Meninos de Rua. da gestão desses direitos.
A diminuição dos movimentos sociais organi- Tidos como paroquiais, fragmentados, efêmeros,
zados foi proporcional ao crescimento de redes de os movimentos sociais teriam dificuldade em efe-
organizações não governamentais, voltadas para o tivamente articular suas reivindicações nas arenas
trabalho em parcerias com as populações pobres políticas formais que se constituem num regime de-
ou fora do mercado formal do trabalho. Uma nova mocrático, seriam inábeis para transcender o local e
estrutura de relações sociais está sendo construída engajar-se na política real requerida pelo retorno da
nos anos 1990, a partir das redes de economia in- democracia representativa.
formal ou comunitária que foram criadas. Trata-se Os movimentos sociais têm sido capazes de se
de soluções criadas pelas ações coletivas populares, transformar, modificando a democracia brasileira.
baseadas em planos coletivos de baixo custo e com Na visão de Carvalho (1998):
utilização do trabalho comunitário, no cenário
O aprofundamento da democracia que temos vis-
brasileiro, tanto urbano como rural. As várias Or-
to no Brasil não pode ser explicado somente como
ganizações Não Governamentais – ONGs, princi- obra de engenharia institucional, mas afirma o
palmente as que atuam com as camadas populares, importante significado da expansão da mobiliza-
têm o apoio de alas progressistas da Igreja Católica, ção como fator de transformação das instituições
que reviu suas posições quanto à organização da a partir dos espaços de organização da sociedade.
população para participar de movimentos e mobi- Sem a forte presença dos movimentos sociais não
lizações conscientizadoras, voltando-se agora para se pode explicar uma crescente mudança cultural
a organização popular para ações coletivas coope- que se opõe aos velhos padrões da política, cliente-
radas ou em parceria com agências: públicas ou listas, elitistas e corruptos, uma sociedade que, em
privadas. Estas novas orientações introduzem uma diversas de suas atitudes recentes, embora de uma
questão nova na temática da participação popular. forma descontínua, enfatiza a representatividade,
Trata-se das ações coletivas em busca de soluções exige maior transparência e respeitabilidade.
para problemas localizados, baseadas no trabalho
comunitário e nas técnicas alternativas. Trata-se de Entre as formas de participação, mais centradas
modos de atuação coletiva, nos quais a cultura e as na sociedade que no Estado, é preciso ainda saber
tradições são utilizadas como amálgamas de pro- “ver” novas formas de manifestação cidadã, muito
cessos novos, que criam novas possibilidades em mais informais, como as redes de “militância virtu-
termos de relações sociais e de formas de produção al”, as consultas e pesquisas realizadas por telefone,
(HABERMAS, 1997). questionários ou Internet, os movimentos de con-
Nesse período, os movimentos sociais mais com- sumidores e usuários. A participação meramente
bativos e conflituosos estavam no campo e não mais formal propiciada pelas tecnologias da comuni-
na cidade. O Movimento dos Sem-Terra retomou as cação pode integrar-se a uma participação mais
lutas que geraram, nos anos 1960, movimentos do substantiva, desde que articulada a outras formas

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

de participação, e os Orçamentos Participativos já No ponto de vista de Carvalho (1998), “[...] não


começam a incorporá-las. se pode subestimar o peso dessas assimetrias e da
Destacam-se, neste sentido, também os movi- fragilidade das novas práticas de gestão participati-
mentos feministas, negros, de gays, lésbicas e traves- va. A participação popular, principalmente a parti-
tis, dos povos indígenas, dos portadores de deficiên- cipação nos espaços de gestão participativa de polí-
cia, ecologistas, como movimentos explicitamente ticas, equipamentos e recursos públicos, é um pro-
voltados a mudanças culturais na sociedade, que cesso em construção de um marco legal e de uma
constroem uma cultura de tolerância e de respeito cultura democrática e participativa, pela construção
ao diferente, um pensamento multicultural, que de habilidades e metodologias que possam fazê-los
dá visibilidade a padrões culturais minoritários e, instrumentos eficientes e eficazes de melhoria da
por isso mesmo, muito importantes ao contínuo qualidade de vida e de democratização dos proces-
reconstruir da cultura que predomina numa socie- sos de tomada de decisões políticas.”
dade. Estas são formas de participação que incor- Estes são processos marcados pela precarieda-
poram à opinião pública novos critérios de justiça, de e pela fragilidade, tanto de parte da sociedade
de relevância e de pertinência, trazem novos temas civil como da parte dos órgãos públicos e gover-
à agenda pública e poder de relacionar-se com as nos que deles participam. Muitas das ações e dos
políticas públicas. canais participativos estão longe dessa eficiência
Muitos autores do meio acadêmico, político, e en- e eficácia. Prestam-se muitas vezes à legitimação
tre as próprias lideranças dos movimentos sociais, de governos e práticas cuja democracia se limita
avaliam o momento atual de outra forma. Acreditam a um verniz “de fachada”, confundem movimentos
em um forte refluxo dos movimentos sociais, perce- sociais, que não conseguem adaptar-se aos novos
bendo sua participação na política institucional como desafios e, em diversos casos, morrem, enfraque-
ameaça de cooptação e institucionalização burocráti- cem, desarticulam-se.
ca. Esta participação acarretaria, nesta visão, a perda O salto de qualidade colocado para os movimentos
da vitalidade rebelde e revolucionária dos movimen- sociais pelas experiências de participação em espaços
tos sociais e o afastamento de suas lideranças das de- institucionais é um desafio muito exigente, e não são
mandas e da dinâmica social. Os canais institucionais todos os movimentos que conseguem reconfigurar-
de participação popular são vistos, nesta perspectiva, se para corresponder às novas demandas.
como iniciativa predominantemente estatal, na bus- Quando se fala em refluxo dos movimentos so-
ca de recuperar uma legitimidade que o Estado e a ciais, de sua menor visibilidade nas ruas e na mídia,
política têm perdido. Nessa linha existe assimetria ao lado de um certo “recolhimento” desses atores,
de poder e de conhecimento técnico e político dos que passam a ocupar espaços de gestão participati-
representantes populares frente aos representantes va e a estudar, capacitando-se para seu novo papel
do governo e dos setores profissionalmente ou po- propositivo e negociador, não se pode negar uma
liticamente mais capacitados, para apontar a pouca grande queda no ânimo, no entusiasmo, na cultu-
eficácia, o baixo potencial inovador e transformador ra participativa que caracterizou as duas décadas
destes canais. Indica-se, nesta perspectiva, a busca de anteriores. E é inegável o impacto causado pelo
recuperar a capacidade de mobilização e o vigor das fracasso das experiências socialistas do leste euro-
lutas populares e sindicais dos anos 1970 e 1980. Nes- peu e das revoluções africanas e nicaraguenses. O
te sentido, o Movimento Sem Terra (MST) é apon- questionamento dos modelos revolucionários, es-
tado como o único movimento social que consegue pecialmente após a queda do Muro de Berlim, aba-
escapar do “refluxo” e mostrar-se como alternativa lou fortemente a confiança daqueles que viam nos
capaz de impor às elites no poder uma agenda de movimentos sociais um caminho para a transfor-
questões de interesse popular. mação da sociedade. Novos paradigmas de trans-

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AULA 6 — Políticas Sociais e Movimentos Sociais

formação social, os papéis do Estado, da sociedade políticas inovadoras quanto à melhoria das condi-
e da cultura nesta transformação, o papel dos mo- ções de vida de toda a população e à democratiza-
vimentos sociais, novas formas de organização e ção dos processos de gestão. Potencializar as ações
de luta, novas formas de manifestação cidadã, tudo da sociedade, suas práticas democráticas e amplia-
isso são reconstruções a fazer. doras da cidadania. Estas são as previsões que se
pode fazer, esperando com elas fortalecer a ampliar
■■ Concluindo as possibilidades da participação social.
No estudo em questão destaca-se especialmente o
embate com o neoliberalismo. Na esfera federal, os ■■ Atividade
governos dos anos 1990 afirmam apenas reconhecer Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
a democracia parlamentar quando desqualifica sin- atividades:
dicatos e movimentos sociais como “representantes • Analisar os movimentos sociais brasileiros à
do atraso” e suas manifestações como prejudiciais luz das mudanças ocorridas historicamente,
à democracia, desconstruindo e esvaziando canais
desde a ditadura militar de 1964 até os anos
participativos, como conselhos e conferências na-
1980.
cionais, estimulando a destituição de direitos tra-
balhistas, previdenciários e sociais, fazendo deles • Caracterizar os movimentos sociais nos anos
políticas compensatórias e filantrópicas, além de 1990. Por que esse período é considerado um
reduzir os gastos sociais. marco na história dos movimentos sociais bra-
As previsões sobre o futuro da participação são sileiros?
incertas. O que se deve fazer, concretamente, é: in-
• Desenvolva uma reflexão sobre a importância
vestir fortemente na qualificação dos movimentos
dos movimentos sociais para o fortalecimento
sociais e de outros atores da sociedade civil para
uma ação propositiva e capaz de participar eficaz- da sociedade civil.
mente de negociações; qualificar agentes governa- • Por que na atualidade existe certa dificuldade
mentais, contribuindo para fortalecer neles uma de realizar uma previsão sobre os destinos dos
cultura democrática e participativa e implementar movimentos sociais?

** ANOTAÇÕES

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

AULA
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

7
Perspectivas Contemporâneas
da Política Social
■■ Conteúdo
• Desafios e perspectivas das políticas sociais no Brasil

■■ Competências e habilidades
• Compreensão e reflexão das perspectivas e desafios das políticas sociais no Brasil

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com o professor interativo
2 h-a – presenciais com o professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

Se as políticas sociais no Brasil, em seu conjunto, daquelas instituições inicialmente previstas e, ainda
enfrentam questões importantes que afetam dire- assim, mais como parte contábil do orçamento pú-
tamente o sentido geral de sua implementação, as blico do que como mecanismo específico de finan-
áreas setoriais têm que fazer frente a temas específi- ciamento a compor uma estratégia mais ampla de
cos que, em cada caso, configuram perspectivas não efetivação das políticas de seguridade social.
menos desafiadoras. São preocupantes as propostas de reforma que
Nas políticas da Seguridade Social destacam-se buscam destruir o esquema de financiamento da Se-
duas ordens de questões. Uma diz respeito à insegu- guridade Social, seja desvinculando as contribuições
rança jurídica que desde a promulgação da Consti- sociais desse orçamento, seja desvinculando o salá-
tuição de 1988 acomete esse sistema. Originalmen- rio mínimo como piso dos benefícios sociais, sem
te concebido para dispor de um Ministério único, apresentar nenhuma alternativa fiscal à garantia dos
aglutinador das políticas de previdência social, assis- direitos consagrados pela Constituição de 1988.
tência e saúde, de um conselho de participação defi- Esse debate do financiamento é geral às políticas
nidor das prioridades alocativas e de um orçamento da seguridade social. No que diz respeito à Previdên-
próprio, autônomo da área fiscal, tal sistema nunca cia Social, a questão do financiamento é particular-
chegou a se estabelecer plenamente. Apenas tomou mente importante, pois, como se sabe, essa política
forma o Orçamento da Seguridade Social, a última pelo Estado brasileiro a todos os seus cidadãos que

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AULA 7 — Perspectivas Contemporâneas da Política Social

estejam ou venham a estar em situação de extrema recursos serão necessários para enfrentar os desafios
pobreza, permitindo ainda que o Bolsa Família pas- da inclusão previdenciária.
sasse a integrar de forma permanente a política de Situação semelhante acontece em relação à Assis-
seguridade social. tência Social, pelo fato de que o público-alvo desse
É o núcleo central do sistema brasileiro de pro- grupo de políticas não é mais identificado apenas
teção social, tanto em termos de cobertura como como aquele caracterizado pela insuficiência de ren-
de recursos financeiros envolvidos. Não obstante da. Incluem-se também aqueles que, em situação de
os avanços obtidos desde a implementação dos vulnerabilidade social (pela idade, deficiências ou
dispositivos constitucionais de 1988, ainda reina outras condições) ou em situação de violação de
uma grande desproteção previdenciária no país, direitos (por violência, abandono, trabalho infantil,
que atinge algo em torno de 45% da população entre outros), necessitam da oferta de determinados
economicamente ativa, fortemente localizada em serviços públicos. Ainda assim, é o contexto da po-
atividades não agrícolas, residentes sobretudo no breza que faz com que, no Brasil, as políticas de as-
meio urbano. sistência social e segurança alimentar tenham uma
Além disso, há um sério problema de aderência grande amplitude, devendo atender parte expressiva
entre o modelo básico de proteção vinculado a con- da população, ao mesmo tempo em que impõem a
tribuições sobre a folha de salários e a trajetória de necessidade de implementação de amplo programa
desassalariamento formal da mão de obra ativa, fato de transferência de renda, com implicações impor-
que se nota pela queda da relação entre contribuin- tantes no que diz respeito à consolidação de direitos
tes ativos sobre beneficiários totais, que passou de e ao financiamento público.
1,86 para 1,78 entre 1995 e 2005. A vinculação dos benefícios assistenciais ao sa-
É importante, no âmbito dos desafios nessa área, lário mínimo, adotada pela Constituição de 1988,
novas políticas de inclusão previdenciária, sobretu- é um fator determinante no impacto positivo ob-
do para segmentos de trabalhadores historicamente servado por esse programa e, assim, entende-se que
alijados dos processos de inclusão social pelo traba- deve ser mantida. Contudo, essa cobertura ainda
lho regulado. Isto porque dificilmente terão condi- não se encontra universalizada, havendo parte ex-
ções de cumprir longos períodos de contribuição ao pressiva da população que, apesar de sujeita a riscos
sistema, mas que necessitam, tais quais os demais ou em condições de vulnerabilidade social, não é
trabalhadores, de proteção não só na velhice como contribuinte da Previdência Social e tampouco está
também na fase laboral, contra eventos como de- dentro da faixa de renda que permitiria acesso ao
semprego, acidentes de trabalho, doenças, invalidez, BPC. Essa população tende a pressionar, no futu-
maternidade, reclusão etc. ro, a demanda por benefícios sociais, ou a engros-
O desafio da inclusão previdenciária aponta que sar o número de famílias em situação de pobreza
o problema de financiamento nessa área vai além nos casos de inatividade provocada por doença,
da manutenção das vinculações atuais; envolve, na velhice, desemprego ou invalidez. Nesse sentido, é
verdade, uma discussão sobre o aporte de recursos necessário avançar na universalização da cobertura
adicionais, preferencialmente de fontes fiscais pro- de toda a população inativa por meio de programas
gressivas, se o objetivo da proteção social for de fato de garantia de renda, articulando uma política de
algo presente no horizonte das próximas decisões inclusão previdenciária com estratégias de cunho
políticas. Por isso, ainda que parte do problema de assistencial.
financiamento possa ser enfrentado com a amplia- Estudos realizados tendo por base a Pnad 2004
ção programada dos limites de idade para aposenta- permitem observar o efeito positivo dos programas
doria e com um processo contínuo de melhoramen- de transferência de renda, unificados pelo Bolsa
tos em gestão, novos requerimentos em termos de Família, no combate à indigência e à pobreza e na

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

queda da desigualdade de renda. A consolidação desse ca-se, ainda, a persistência de fortes desigualdades
programa como política pública e direito do cidadão educacionais entre regiões do país, entre o campo
depende, contudo, de seu reconhecimento como e a cidade, bem como entre brancos e negros, em
direito social vinculado à condição de insuficiência de que pesem os avanços observados. Entretanto, a
renda. Esse seria um passo importante para efetivar a baixa qualidade da educação básica continua sendo
garantia de proteção social a ser dada. um dos mais graves problemas da educação escolar
Do ponto de vista do financiamento, a progres- no Brasil, mas a ela se somam o analfabetismo, que
siva ampliação da proteção social ofertada pelas atinge ainda parcela expressiva da população bra-
políticas de Assistência Social, Segurança Alimentar sileira, e o acesso restrito aos níveis de ensino não
e Transferência de Renda tem colocado na agenda obrigatórios: infantil, médio e, sobretudo, superior.
pública a questão de como proteger (e até mesmo Esses resultados comprovam que o reconheci-
ampliar) o montante atualmente gasto nas políti- mento da natureza estratégica da educação, seja
cas sociais. Dos resultados desse embate dependem para o desenvolvimento econômico-social, seja
tanto a capacidade de ampliar a proteção social à para a consolidação da cidadania, ainda que pareça
população brasileira como a manutenção de sua efi- ter-se constituído em consenso nos vários segmen-
cácia no enfrentamento e prevenção das situações tos sociais da Nação, não tem sido suficiente para
de extrema pobreza e vulnerabilidade. a superação dos problemas educacionais brasilei-
Em relação à Saúde, houve avanços significativos, ros. Nesse sentido, o primeiro grande desafio é o de
ainda que novos e velhos problemas permaneçam transformar esse “consenso” em um pacto nacional
à espera de solução. A questão do financiamento pela educação, cuja efetividade dependerá da co-
das políticas públicas de saúde no Brasil – que com- participação das diversas esferas de governo e da
preendem não só a Atenção à Saúde, mas também sociedade civil, mediante a fixação de metas claras e
ações de Vigilância, Promoção e Prevenção – é um exequíveis, com respeito à erradicação do analfabe-
desses problemas. O patamar de gastos públicos em tismo, ampliação do acesso aos níveis de ensino não
Saúde ainda é claramente insuficiente para cumprir obrigatórios e à melhoria da qualidade em todos os
a missão que a Constituição de 1988 se propôs: es- níveis e modalidades de ensino.
tabelecer um sistema de saúde público, universal, A garantia de acesso e permanência da população
integral e gratuito. brasileira na educação básica de boa qualidade, ou
Outra ordem de questões surge das mudanças em seja, nos seus três níveis (educação infantil, ensinos
curso no quadro de saúde da população brasileira. fundamental e médio), inclusive daqueles que não
Apesar de o declínio da mortalidade infantil ser um tiveram esse acesso na idade própria – o que implica
processo contínuo em todo o país nas últimas déca- a inclusão da educação de jovens e adultos – torna
das, não só a taxa de mortalidade infantil se mantém necessária a implementação de um novo mecanis-
em níveis inaceitáveis – acima de 26 óbitos por mil mo de financiamento que seja capaz de suprir os
nascimentos – como os diferenciais entre as grandes recursos necessários.
regiões e entre os diversos grupos sociais continuam O mercado de trabalho nacional passou por al-
bastante elevados. gumas modificações profundas ao longo do período
Na Educação, apesar da ampliação do acesso a 1995-2005, quase todas influenciadas pelo cenário
quase todos os níveis e modalidades de ensino e do macroeconômico. A combinação entre crescimen-
acesso ao ensino fundamental praticamente univer- to da taxa de desemprego, manutenção de um bai-
salizado, apenas 57% dos alunos matriculados con- xo grau de formalização e redução da renda média
seguem concluí-lo. Observa-se que a escolaridade resultou em uma massa salarial reduzida. Isso não
média do brasileiro permanece abaixo da escolari- apenas contribui para a diminuição da cobertura da
dade obrigatória no país, que é de oito anos. Desta- proteção social, na medida em que menos pessoas

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AULA 7 — Perspectivas Contemporâneas da Política Social

fazem jus aos critérios de acesso aos benefícios con- as reduzidas chances de acesso à Justiça por grande
tributivos, como também implica a redução da sua parte dos brasileiros representam um obstáculo efe-
base de financiamento. tivo à reivindicação das medidas que dão concretu-
No caso do seguro-desemprego, há um desafio de a esses direitos perante o órgão encarregado de
imenso com o objetivo de tornar esse tipo de pro- fazer cumprir a lei.
grama mais eficaz, num contexto de grande despro- Um segundo problema que diz respeito à con-
teção da população economicamente ativa e de ti- cretização dos direitos econômicos, sociais e cul-
pos muito diversos de desemprego, que afetam mais turais diante de sua dependência em relação à
uns grupos que outros, e que são de tendência mais implementação de políticas públicas em diversas
duradoura que a própria vigência do benefício. No áreas. À parte a discussão sobre os problemas que
caso da qualificação profissional, em razão da sua afetam cada uma das diferentes áreas sociais, as
importância estratégica para um melhor desempe- dificuldades institucionais enfrentadas pelo ór-
nho coletivo da força de trabalho, o desafio reside gão encarregado da política de direitos humanos
basicamente em ampliar a escala de operação por em nível federal são outro elemento complicador.
meio da coordenação de esforços do MTE e suas Embora já tenha sofrido várias alterações em seu
contrapartes estaduais, municipais e não governa- status institucional, o órgão enfrenta dificuldades
mentais, da rede de educação profissional regular para influenciar o conjunto das políticas públicas
e das entidades de aprendizagem (Sistema S), evi- e, com isso, garantir a incorporação transversal
tando a atuação paralela que tem sido a regra até o dos direitos humanos como princípio orientador
momento. Para além da necessidade de aperfeiço- da ação do Estado.
ar a integração dessas políticas, há que estendê-las Tem-se como terceiro problema o fato de que a
para segmentos desde sempre excluídos, a exemplo efetivação de muitos dos princípios positivados nas
de iniciativas como os programas de geração do pri- normas legais e incorporados nas políticas públicas
meiro emprego para jovens e a recente constituição ainda esbarram em obstáculos de ordem cultural,
de um programa-piloto de qualificação para traba- particularmente no que se refere aos direitos de gru-
lhadoras domésticas. No âmbito mais geral, porém, pos sociais específicos. Nesse caso, uma estratégia de
a fronteira possível de expansão do sistema está cen- educação em direitos humanos é essencial.
trada na estruturação de políticas ativas de criação A evolução e o panorama atual colocados para
de trabalho e renda, atuando pelo lado da demanda a política social mostram que um dos fatos mais
por mão de obra, o que certamente implicará gran- importantes a ser destacado é que o conjunto de
de tensão sobre os recursos existentes. restrições macroeconômicas impostas à sociedade
Embora o arcabouço normativo-institucional re- brasileira por conta da estratégia de estabilização
lacionado aos direitos humanos, justiça e cidadania, monetária adotada em 1994 e das escolhas realiza-
seja bastante amplo e consideravelmente avançado das desde então pela gestão da política macroeco-
quando comparado aos demais países da América nômica, impôs sérios constrangimentos à expansão
Latina, vários são os fatores que tendem a dificultar do crescimento econômico, da renda e do emprego,
a concretização dos direitos ali garantidos. Destaca- além de ter representado um entrave permanente
se três ordens de questões. A primeira diz respei- a uma expansão mais robusta das políticas sociais.
to às insuficiências quanto à exigibilidade e à jus- Para seguir com a construção de um sistema de pro-
ticiabilidade dos direitos dos cidadãos brasileiros. teção social que seja capaz de combater o perverso
Nesse sentido, falta conhecimento generalizado da quadro de desigualdades e pobreza do país e garan-
população sobre os direitos legalmente assegurados tir de fato, a todos os brasileiros, uma vida digna,
(além daqueles temas que ainda não foram debati- ainda existe uma série de desafios a serem enfren-
dos e consagrados em direitos exigíveis); ademais,

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

tados em diversas áreas, tais quais os que aqui já fo- assegurar a construção de uma sociedade livre, justa
ram enumerados. e solidária, conforme determina a Constituição de
Em termos gerais, para o enfrentamento dos 1988 logo em seus primeiros artigos.
desafios sociais brasileiros reconhece-se que a uni-
versalização das políticas sociais é a estratégia mais ■■ Atividades
indicada, uma vez que, num contexto de desigual- Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
dades extremas, a universalização possui a virtude atividades:
de combinar os maiores impactos redistributivos • Analisando o conjunto dos desafios e perspec-
do gasto com os menores efeitos estigmatizadores tivas apresentados, quais você considera mais
que advêm de práticas focalizadas de ação social. relevantes para o futuro das políticas sociais no
Além disso, é a universalização a estratégia condi- Brasil. Comente.
zente com os chamados direitos amplos e irrestritos • Como o profissional de serviço social pode
de cidadania social, uma ideia que está muito além contribuir para o enfrentamento dos desafios
do discurso reducionista e conservador sobre a po- apresentados?
breza. Também é necessário incluir na tarefa trans-
formadora a dimensão do financiamento do gasto Texto extraído de BRASIL – INSTITUTO DE
público em geral, e dos gastos sociais em particular, PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Políticas
com vistas a um tratamento completo do esforço sociais. Acompanhamento e análise (1995-­2005),
redistributivo da sociedade brasileira. Principal- 2007.
mente ao se levar em conta a particular estrutura
de desigualdades sociais e econômicas do país, não
basta que os gastos sociais sejam redistributivos; é
preciso também que a forma de financiamento dos
** ANOTAÇÕES
gastos possua alta dose de progressividade tributá-
ria, sobretudo incidindo sobre o estoque de riqueza
e os fluxos de renda real e financeira. Isso implicaria
a pactuação de uma reforma tributária que não só
permitisse ampliar o crescimento econômico, mas
também garantisse maior sustentabilidade e pro-
gressividade ao financiamento do Estado.
Por fim, o enfrentamento dos problemas sociais
brasileiros não pode prescindir do Estado como
ator central na coordenação e na execução da polí-
tica. Para exercer essas funções e, ao mesmo tempo,
assegurar a sustentabilidade das ações, é necessário
redesenhar a relação que se estabelece entre Estado,
em suas três esferas, e a sociedade civil, na perspec-
tiva de consolidação da própria democracia brasi-
leira. Esse redesenho é tão mais relevante quando
se considera que, apesar de terem sido ampliados o
escopo e a cobertura das políticas sociais ao longo
da última década, os benefícios daí advindos ain-
da foram insuficientes para garantir a cidadania e a
dignidade dos cidadãos brasileiros, bem como para

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AULA 8 — Gestão das Políticas Sociais

AULA

Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais


8
Gestão das Políticas Sociais
■■ Conteúdo
• Gestão de ações públicas
• Gestão democrática e participativa
• Políticas sociais e o terceiro setor

■■ Competências e habilidades
• Compreensão e reflexão sobre a gestão das políticas sociais

■■ Material para autoestudo


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■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

A gestão das políticas sociais significa a adminis- Analisar a gestão das políticas sociais implica
tração e direção da coisa pública. O exercício de ad- referir-se à gestão de ações públicas como resposta
ministrar e dirigir deve buscar garantir o acesso do às necessidades sociais que têm origem na socieda-
cidadão comum a benefícios e serviços de natureza de e são incorporadas e processadas pelo Estado em
pública. suas diferentes esferas de poder (federal, estadual e
Para começar, podemos considerar que políticas municipal).
sociais só existem em sociedades que reconhecem Na formulação e gestão das políticas sociais deve
as desigualdades geradas pelo seu modelo de desen- ser considerada a primazia do Estado, que deve ter a
volvimento e só são implantadas por governos com- responsabilidade pela condução das políticas públi-
prometidos (ou pressionados pela população) com cas. Esta primazia, contudo, não pode ser entendida
a diminuição e/ou superação dessas desigualdades. como responsabilidade exclusiva do Estado, mas im-
Sposati (1999) afirma que as políticas sociais re- plica a participação ativa da sociedade civil nos pro-
velam o empenho de uma sociedade em afirmar um cessos de formulação e controle social da execução.
patamar de civilidade. Demonstra se esta sociedade No Brasil, o debate sobre as políticas sociais na
vem assegurando para todos os seus cidadãos um perspectiva de sua democratização tem origem nos
dado padrão de dignidade humana. anos 1980, quando emergem as lutas contra a dita-

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

dura militar e os esforços de construção democrática por isso, demandas e necessidades devem tornar-se
do Estado e da sociedade. Diante da crise da ditadu- prioridade nas agendas de governo, tornando-se
ra e do agravamento da questão social nessa década interesse do Estado e não mais apenas dos grupos
(aumento da pobreza e da miséria), intensificou-se organizados da sociedade.
o debate a respeito das políticas públicas sociais. A implementação ou execução de programas so-
Destaca-se que, embora os anos 1980 sejam um ciais é assumida por unidades administrativas que
período de aprofundamento das desigualdades so- mobilizam recursos humanos, financeiros e mate-
ciais são, simultânea e contraditoriamente, palco de riais, além de uma diversidade de sujeitos, consti-
avanços democráticos na história política brasileira. tuindo-se a fase mais abrangente e talvez mais com-
Esse movimento colocou em discussão a forma plexa do processo das políticas públicas. As decisões
de realização das políticas sociais no país, mas tam- e os decisores são o foco central da implementação,
bém a necessidade de democratização dos proces- por expressarem conflitos e disputas por alternati-
sos decisórios que definem prioridades e modos de vas, ocorrendo momentos de afastamento ou apro-
gestão de políticas e programas sociais, favorecendo ximação em direção às metas, meios e estratégias
a redefinição das relações entre democratização e estabelecidas (Npp/Unicamp, 1993).
representação dos interesses populares nas decisões Concluindo, a gestão social tem um compromis-
políticas, bem como na gestão das políticas sociais. so com a sociedade e com os cidadãos, de assegurar,
Essa conjuntura fortaleceu também a ideia de por meio das políticas e dos programas públicos, o
ampliação dos espaços de representação social na acesso efetivo aos bens, serviços e riquezas da socie-
organização e gestão das políticas sociais, permitin- dade. O desafio a ser enfrentado é estabelecer um
do a participação de novos sujeitos sociais, princi- modelo de desenvolvimento social centrado na de-
palmente os tradicionalmente excluídos do acesso mocracia e defesa dos direitos humanos.
às decisões do poder político. Este foi um passo im-
portante na perspectiva da criação de espaços de- GESTÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS E O TERCEIRO
mocráticos que contribuíram para fazer avançar a SETOR
esfera pública no campo das políticas sociais. A complexidade dos problemas sociais torna ne-
cessária a integração dos diversos atores sociais na
GERÊNCIA DE POLÍTICAS SOCIAIS gestão das políticas sociais. A intersetorialidade,
A gerência no Serviço Social é um processo de enquanto integração de saberes e experiências das
extrema complexidade. As políticas e programas políticas setoriais, constitui um fator de inovação na
sociais procuram cumprir objetivos múltiplos, gestão da política e possibilita também a articulação
normalmente de médio e longo prazo, atuando em das diversas organizações que atuam no âmbito das
ambientes com diferentes tipos de variáveis, como: políticas sociais, constituindo as redes sociais. Neste
econômicas, políticas, culturais, demográficas etc. contexto, a gestão da política social se expressa na
Participam também desses programas numerosas parceria entre Estado, sociedade civil e instituições
instituições organizacionais (Ministérios, Estados, do terceiro setor.
Municípios, ONGs, sociedade civil). São políticas Na execução dessas políticas, são fundamentais
e programas que costumam ser influenciadas por as premissas e as estratégias que embasam seu de-
grupos de interesse. senho. Reconhecer a cidadania é fundamental e im-
Portanto, executar uma gerência social de quali- plica em adotar programas e estratégias voltadas ao
dade é decisivo para que políticas e programas so- fortalecimento emancipatório e autonomização dos
ciais inovadores possam converter-se em realidade. grupos e populações-alvo das ações públicas.
As políticas sociais, os programas, os projetos são Precisamos de um Estado “rede” com transpa-
respostas às necessidades e demandas dos cidadãos, rência nas decisões, na ação pública, na negociação

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AULA 8 — Gestão das Políticas Sociais

e na participação e que se apresenta com ética pro- ■■ Atividades


fissional e institucional. Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
Há que se destacar que para se ter eficiência e eficá- atividades:
cia na gestão das políticas sociais, tanto nas organiza- 1. Quais os compromissos de uma gestão demo-
ções públicas governamentais como nas organizações crática e participativa na execução das políticas so-
não governamentais, é preciso atender às demandas e ciais?
aos interesses coletivos colocados pela sociedade. 2. Discuta com os seus (as) colegas de sala a inter-
Essas organizações devem intervir na realidade venção das Ongs na implementação das políticas
social no sentido de promover os direitos sociais, sociais. Você pode citar alguma experiência na sua
estabelecendo acordos de cooperação e recipro- cidade?
cidade e constituindo meios de encontrar saídas 3. Como deve ser na prática, a gerência de políti-
para intervir na realidade social complexa. cas sociais?

++SAIBA MAIS ** ANOTAÇÕES


• O termo “público” significa a esfera de fatos,
relações e recursos que pertencem ou se re-
ferem aos habitantes de uma localidade, no
sentido de que lhes interessam e servem à
efetivação da organização do seu princípio
de governo. Dessa forma, “coisa pública” é
todo fato, recurso e relação que tem sua ori-
gem na “fonte pública” e se direciona para
configurar a governação de um município,
estado ou país.
• Gestão: Ato de gerir; gerência; administração;
• Controle Social. Implica o acesso às decisões
da sociedade política, que devem viabilizar
a participação da sociedade civil organiza-
da na formulação e na revisão das regras
que conduzem as negociações e arbitragens
sobre os interesses em jogo, além da fiscali-
zação daquelas decisões, segundo critérios
pactuados.
• Draibe (1997, p. 12) afirma que as “políti-
cas sociais são decisivas para a consolidação
democrática e para o futuro da economia,
dado o seu potencial de redução de riscos
políticos e sociais” e elas “só têm eficácia
quando atuam de modo integrado sobre as
condições de vida dos segmentos sociais”.

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

AULA

9
O Financiamento da Política
de Assistência Social
■■ Conteúdo
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

• Financiamento inscrito na LOAS, PNAS/NOB/SUAS


• Relatório Anual de Gestão
• Critérios de Partilha e Transferência de Recursos

■■ Competências e habilidades
• Analisar a questão do financiamento da política de assistência social, seus limites e possibi-
lidades.
• Contextualizar o aspecto do financiamento em nível municipal na sua relação com o SUAS.

■■ Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes atividades:


1. Em seu município, como está a gestão financeira da política de assistência social?
2. Como está o seu município a implementação do SUAS? Está contribuindo para que a gestão
dos recursos próprios do seu município se efetive no Fundo?
3. Para entender melhor a organização político-administrativa do Estado, leia no Título III da
Constituição Federal os artigos de 18 a 31. Comente.
■■ Material para autoestudo
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

++SAIBA MAIS
Estados – ICMS, IPVA, outros e parcelas dos im-
Em relação ao orçamento fiscal temos: postos federais – FPE.
União – Impostos sobre renda, produtos indus- Municípios – IPTU, ISS e outros, parcelas dos
trializados, importação, exportação, operações fi- impostos federais – FPM e parcelas dos impostos
nanceiras e propriedade territorial rural. estaduais: 25% do ICMS e 50% IPVA.

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AULA 9 — O Financiamento da Política de Assistência Social

A LOAS — Lei Orgânica de Assistência So-


!! IMPORTANTE cial/1993, como direito social, define princípios,
A quem compete a fiscalização de recursos? objetivos para a gestão político-administrativa, con-
Órgãos de controle interno. trole social e financiamento da assistência social.
Tribunal de Contas da União (TCU); Tribu- A PNAS — Política Nacional de Assistência So-
nais de Contas dos Estados (TCE). cial, aprovada pelo Conselho Nacional de Assistên-
Tribunais de Contas dos Municípios e de- cia Social em 2004, propõe a implantação de uma
mais órgãos do Legislativo. nova gestão para a assistência social, através de três
Conselhos de Assistência Social. eixos: gestão, financiamento e controle social.
A PNAS e a NOB — Norma Operacional Bási-
O que os conselhos devem acompanhar? ca da Assistência Social definiram os dois grandes
Alocação de recursos. princípios para o financiamento da Política de As-
Disputas orçamentárias. sistência Social: cofinanciamento pelas três instân-
Diretrizes para elaboração do PPA, LDO e cias de governo e progressividade na lógica de defi-
LOA. nição das fontes orçamentárias.
Luta política para a inclusão das delibera- Nesse sentido, o grande desafio tem sido romper
ções das conferências no PPA, na LDO e na com as práticas assistencialistas e a insuficência de
LOA. recursos nessa área, o que acaba comprometendo a
Ampliação de recursos. eficiência, eficácia e efetividade dos programas.
O aporte de recursos para execução.
O SUAS
Na IV Conferência Nacional de Assistência So-
cial/2003, a gestão da assistência social como políti-
INTRODUÇÃO ca pública se voltou para a implantação do SUAS –
No Brasil existe uma estrutura tributária muito Sistema Único de Assistência Social. A Conferência
complexa, com diversos tributos e diferentes legis- estabeleceu que o sistema teria como base matricial
lações. Na (in)justiça tributária, os 10% mais ricos a territorialização e a hierarquização das atenções
concentram 75% da riqueza do país. Para agravar em níveis de proteção básica e especial, tendo como
o quadro da desigualdade, os pobres pagam mais referências a família e o território.
impostos que os ricos. O país precisa de um siste- Segundo Lanzetti (2009), a implantação do
ma tributário mais justo, sendo que quem ganha SUAS — Sistema Único de Assistência Social, sis-
mais deve pagar mais e quem ganha menos, pagar tema público não contributivo, descentralizado e
menos. participativo, que tem por função a gestão do con-
teúdo específico da Assistência Social no campo da
A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL proteção social, representa um avanço na constru-
O financiamento da política de assistência social ção dessa política. No entanto, é um grande desa-
é detalhado no processo de planejamento público fio, principalmente no que tange à delimitação de
chamado Orçamento Público, o qual se desdobra competências entre as instâncias de governo e ao
em instrumentos plurianuais e anuais, que são: cofinanciamento.
a) PPA – Plano Plurianual (4 anos); A autora coloca ainda que “o financiamento as-
b) LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias sume grande relevância nesse processo e o SUAS
(anual); introduz uma forma inovadora, interrompendo os
c) LOA – Lei Orçamentária Anual. modelos de programas impostos de cima para bai-

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

xo, que não levavam em consideração as especifici- para o fortalecimento e visibilidade da Assistência
dades locais e necessidades reais da população”. Social.
Destaca-se o Órgão Gestor Federal quando de-
fine o financiamento com base no território, con- Descentralização político-administrativa
siderando o porte do município e a complexidade no financiamento da Assistência Social
dos serviços, pensados de maneira hierarquizada e
complementar, bem como os pisos de atenção de Na República Federativa do Brasil, todos os
acordo com os níveis de complexidade. entes têm autonomia administrativa e fiscal. Essa
autonomia pressupõe repartição de competências.
O Financiamento na NOB/SUAS Dessa forma, cabem à União as matérias e questões
A NOB/SUAS subdivide a temática do finan- de interesse geral, nacional. Aos Estados, as maté-
ciamento em seis itens: gestão financeira; sistema rias e assuntos de interesse regional, e aos municí-
como referência; condições gerais para a transfe- pios, os assuntos de interesse local. O financiamen-
rência de recursos federais; mecanismos de trans- to da Assistência Social pressupõe:
ferência; critérios de partilha e transferência de a) Sistema como referência.
recursos; e o cofinanciamento no SUAS. A seguir, b) Condições gerais para as transferências de re-
detalharemos cada um desses itens. cursos.
c) Mecanismos de transferência que possibilitem
Gestão financeira a regularidade dos repasses de forma automá-
Os Fundos de Assistência Social são instâncias tica, no caso dos serviços e benefícios, e o con-
de financiamento nas três esferas de governo, ca- vênio com programas e projetos com duração
bendo ao órgão responsável pela coordenação da determinada.
política, em seu âmbito de ação, a gestão dos re- d) C ritérios de partilha e transferência de recursos.
cursos, e, ao respectivo conselho, a orientação, o e) Condições de gestão dos municípios.
controle e a fiscalização. A questão é que na prática
nem sempre ocorre dessa maneira, apesar do que O Sistema como referência
determina o art. 30 da LOAS e das condições esta- O que significa o SUAS como referência para o
belecidas para habilitação à gestão no SUAS. financiamento da Assistência Social?
O Sistema como referência no financiamento
Fundos de assistência social da Assistência Social pressupõe que as ações a se-
A gestão financeira da Assistência Social se efe- rem financiadas devem ter como foco prioritário a
tiva por meio desses fundos, utilizando critérios atenção às famílias e aos indivíduos, e o território
de partilha de todos os recursos neles alocados, os como base de organização. A partilha dos fundos
quais são aprovados pelos respectivos Conselhos deve ser pautada em diagnósticos e indicadores
de Assistência Social. socioterritoriais que deem conta de contemplar as
Cabe ao órgão responsável pela coordenação da demandas e prioridades e as diversidades apresen-
Política Pública de Assistência Social, na respecti- tadas pelas diferentes realidades.
va esfera de governo, a gestão e a responsabilidade A transferência de recursos federais é importan-
pelo fundo naquele âmbito, e, ao conselho respec- te para que se fortaleça a ideia de corresponsabili-
tivo, a orientação, o controle e a fiscalização desse dade entre as esferas de governo.
Gerenciamento. Para avaliação da gestão dos Fundos de Assis-
Os fundos são uma forma de gestão transpa- tência Social deve-se verificar se as ações finan-
rente e racionalizadora de recursos, que contribui ciadas estão articuladas com as funções e eixos

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AULA 9 — O Financiamento da Política de Assistência Social

O desafio da
Participação Controle Social
popular/cidadão
usuário
Novas Bases
AL • VIGILÂ
ON NC para a Relação
Descentralização CI entre Estado e

TU

IA
Político- Sociedade Civil

CIAL E INSTI

SO
administrativa e

CIAL • PROT
Territorialização
SUAS

SO
Matricialidade


A
Sociofamiliar
ÃO S
FE
A Política de
SOC
IAL • DE
Recursos
Humanos

A Informação e o Cofinanciamento
Monitoramento e
a Avaliação

estruturantes do SUAS, contribuindo para a con- gumas condicionalidades, como: a) constituir Uni-
solidação desse Sistema, conforme ilustra a figura dade Orçamentária para cada Fundo de Assistência
apresentada. Social nas respectivas esferas de governo, com to-
dos os recursos destinados à Política de Assistência
Para que serve o relatório anual de gestão? Social; b) comprovar a execução orçamentária e
O Relatório Anual de Gestão serve de base para as financeira dos recursos próprios do tesouro e re-
providências a serem desencadeadas pelas três esfe- cebidos em cofinanciamento destinados à Assistên-
ras de governo quanto à operacionalização da Assis- cia Social, aprovada pelos respectivos conselhos; c)
tência Social em cada âmbito, em relação à gestão, comprovar o acompanhamento e controle da ges-
controle e financiamento. tão pelos respectivos conselhos, demonstrados por
O conselho de cada esfera de governo, após análi- meio da aprovação do Relatório Anual de Gestão,
se da prestação de contas, encaminhará aos Gestores nos municípios, e relatório de execução do plano de
do Fundo Nacional, do Distrito Federal, dos Esta- Assistência Social, nos Estados; d) alimentar as ba-
dos e do Município. ses de dados do SUAS-Web.

Quem fiscaliza os recursos? Mecanismos de transferência


A fiscalização dos recursos financeiros relativos ao A transferência de recursos federais é regular e
SUAS é de competência dos gestores federal, estadual automática “fundo-a-fundo”, objetivando apoiar
e municipal, do Tribunal de Contas da União (TCU), técnica e financeiramente os municípios e estados
Tribunais de Contas dos Estados (TCE), órgãos do nas despesas com os serviços socioassistencias de
Legislativo e Conselhos de Assistência Social. proteção social básica especial.
Os repasses regulares e automáticos são do FNAS
Condições gerais para transferência de recursos para os FEAS e FMAS, devendo ser incluídos nos
federais respectivos orçamentos dos Fundos.
Para que municípios e estados sejam inseridos Os repasses estão sujeitos à aprovação dos Con-
no financiamento federal, deverão ser atendidas al- selhos de Assistência Social das contas do exercí-

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

cio anterior. A prestação de contas dos recursos ■■ Concluindo


repassados se efetuará mediante apresentação, ao No SUAS, a unidade gestora do financiamento
respectivo conselho de cada esfera, do relatório de são os Fundos de Assistência Social nas três esferas
gestão. de governo e o financiamento tem como base as
informações socioterritoriais. O cofinanciamento
Para que serve o Relatório Anual de Gestão? pelo Governo Federal leva em consideração as de-
O Relatório Anual de Gestão servirá de base mandas e prioridades específicas, a capacidade de
para as providências a serem tomadas quanto à gestão, de atendimento e de arrecadação de cada
operacionalização da Assistência Social em relação município e de complexidade dos serviços.
à gestão, controle e financiamento. Os critérios de partilha são pactuados nas co-
O conselho de cada esfera de governo, após aná- missões intergestores e deliberados nos conselhos
lise da prestação de contas, emite o parecer conclu- de Assistência Social.
sivo acerca da regularidade da aplicação, dos refe- Os municípios têm autonomia para organizar
ridos recursos e valida, na internet, o Relatório de sua rede de proteção social e são fiscalizados, prin-
Gestão. cipalmente, pelos respectivos conselhos de Assis-
A fiscalização dos recursos financeiros do SUAS tência Social.
é de competência dos gestores federal, estadual e Tavares (2005) coloca que isso tudo tem o pro-
municipal, do Tribunal de Contas da União (TCU), pósito de que o “novo modelo de gestão instituído
Tribunais de Contas dos Estados (TCE), Tribunais pelo SUAS, se configure no estabelecimento de um
de Contas dos Municípios (quando houver), órgãos modelo democrático, descentralizado, que tem a
do Legislativo e Conselhos de Assistência Social. missão de enfrentar as situações de vulnerabilida-
de e risco a que as famílias e os cidadãos brasileiros
Critérios de partilha e transferência de recursos estão sujeitos, ampliando a rede de assistência so-
Os critérios de partilha e transferência de re- cial em nosso país, na perspectiva de consolidação
cursos são pactuados na Comissão Intergestores da assistência social como Política de Estado”.
Tripartite (CIT), Comissões Intergestores Bipattite
(CIB) e deliberados pelos respectivos Conselhos de ■■ Referências
Assistência Social. Básicas
BOBBIO, N. O futuro da democracia. São Paulo: Paz
Critérios de partilha e Terra, 2000.
A combinação de critérios considera o porte po- BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e his-
pulacional dos municípios, a proporção de popula- tória. São Paulo: Cortez, 2006.
ção vulnerável e o cruzamento de indicadores socio- FALEIROS, V.P. A Política Social do estado capitalis-
territoriais e de cobertura. Os critérios são estabele- ta. 8. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2000.
cidos por nível de proteção: proteção social básica e
proteção especial de média e alta complexidade. Complementares
ACOSTA, A. R; VITALE, M. A. F. (Org). Família: redes,
O cofinanciamento no SUAS laços e políticas públicas. São Paulo: IEE/PUC, 2003.
O cofinanciamento com base na gestão da polí- BERRO, E.C. et al. Introdução às Políticas Sociais.
tica de Assistência Social, com corresponsabilidade Serviço Social. In: Educação Sem Fronteiras, 3o se-
e levando em consideração o porte dos municípios mestre. Campo Grande (MS): UNIDERP, 2008.
e a complexidade dos serviços. O grande desafio COUTO, B. R. Direito social e a assistência social na
é o cofinanciamento da Assistência Social com o sociedade brasileira — uma equação possível? 3 ed.
orçamento público nas três esferas de governo. São Paulo: Cortez Editora, 2008.

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AULA 9 — O Financiamento da Política de Assistência Social

GOHN, M. G. Teorias dos movimentos sociais: para- FALEIROS, V. de Paula. A política social do estado
digmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyo- capitalista. 8a ed. rev. São Paulo: Cortez, 2000.
la, 1997. _____. O que é Política Social. São Paulo: Cortez,
PEREIRA, P. A. P. Políticas sociais — temas e ques- 1986.
tões. São Paulo: Cortez, 2008. _____. Natureza e desenvolvimento das políticas
sociais no Brasil. In: Capacitação em Serviço Social
Utilizadas pelo professor e Política Social, módulo 3. Brasília: UNB, CEAD,
ABREO, Ana Carolina Santini B. de. Contempora- 2000.
neidade e serviço social: Contribuição para Inter- FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Di-
pretação das Metamorfoses Societárias. Disponível: cionário Aurélio da Língua Portuguesa 3a edição. São
http://www.ssrevista.uel.br/c_v2n1_contemp.htm. Paulo, 2004.
Acessado em 12/10/2007. GOHN, Maria da Glória. Classes Sociais e Movi-
ABRAHAMSON, Peter. Pluralismo de bem-estar: mentos Sociais. In: Capacitação em Serviço Social e
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Trad. Livre de Potyara A. P. Pereira. Brasília: NEP- _____. Conselhos populares: participação e gestão
POS/CEAM/UNB, 1995. de bens coletivos. ANPOCS (XII Encontro), Minas
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: Gerais, 1989.
SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.) Pós-neoli- GOHN, Maria da Glória. Teorias dos Movimentos
beralismo: as políticas sociais e o Estado democráti- Sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos.
co. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. São Paulo: Editora Loyola, 1997.
ARANHA, M.; ARRUDA, L.; MARTINS, M. Helena GOMES, Fábio Guedes. Conflito social e Welfare
Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: State: Estado e desenvolvimento social no Brasil.
Moderna, 1986. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro,
BHERING, E. R. Principais abordagens teóricas da 2006.
política social e da cidadania. In: Capacitação em SS GOUGH, Ian. Economia Política del Estado del bie-
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BHERING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: _____. O futuro do Welfare State na nova ordem
fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2006. mundial. In: Revista Lua Nova, no 35. São Paulo:
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O CEDEC, 1995.
Rio de Janeiro e a República que não foi. 3 ed. São GUERRA, Yolanda. Instrumentalidade no trabalho
Paulo: Companhia das Letras, 2000. da assistente social. In: Capacitação. Mód. 4.
CARVALHO, Maria do Carmo A. Participação So- HABERMAS, J. Mudança estrutural na esfera públi-
cial no Brasil Hoje. São Paulo: Instituto Pólis, 1998. ca. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: IAMAMOTO, M. O trabalho da assistente social
uma crônica do salário. São Paulo: Ed. Vozes, 1995. frente às mudanças do padrão de acumulação e de
DRAIBE, S. Uma nova institucionalidade das po- regulação social. In: Capacitação em Serviço Social
líticas sociais. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, e Política Social: Módulo 1. Brasília: UNB- CEAD,
1997. 2000.
DRAIBE, Sonia & HENRIQUE, Wilnês. Welfare IPEA — Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
State, crise e gestão da crise. In: Revista Brasileira de Políticas Sociais. Acompanhamento e Análise (1995-
Ciências Sociais, no 6, São Paulo. 2005). 2007.
ESPING-ANDERSEN, Gosta. O futuro do Welfare Junqueira, L. A. P. A gestão intersetorial das polí-
State na nova ordem mundial. Revista Lua (faltou ticas sociais e o terceiro setor. Revista Saúde e So-
ano, edição e local) ciedade. 2004

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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais

MIOTO, R. C. Tamazo. Cuidados sociais dirigidos PONTES, R. N. Mediação: categoria fundamental


às famílias e segmentos vulneráveis. In: Capacitação para o trabalho do assistente social In: Capacita-
em Serviço Social e Política Social. Brasília: NEPPOS/ ção em Serviço Social e Política Social. Programa de
CEAM/UNB, 2000. Capacitação Continuada para Assistentes Sociais.
OLIVEIRA, Íris Maria de. Política Social, Assis- Mód. 4. Brasília: CFESS-ABEPSS-CEAD/NED/
tência Social e Cidadania: algumas aproximações UNB, 2000.
acerca do seu significado na realidade brasileira. In: SADER, Eder. Quando novos personagens entraram
Revista Desafios Sociais. Programa de Pós-Gradu- em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
ação em Serviço Social da Universidade Federal do SERRA, Rose Mary Sousa. A questão social hoje. In:
Rio Grande do Norte (UFRN). Ano I, no 2. Natal: Revista Ser Social. no 6. Brasília: Ed. UNB, 2000.
Editora da UFRN, Setembro 2003. SPOSATI, Aldaiza. Globalização da economia e pro-
PEREIRA, Potyara A. P. Concepções e Propostas. cessos de exclusão social. Brasília: CEAD, 1999.
Políticas Sociais em curso: tendências, perspectivas SILVA, Maria Ozanira da. Execução e avaliação de po-
e consequências. Brasília: NEPPOS/CEAM/UNB, lítica e programas e sociais. In: Capacitação. Mód. 4.
1994. STEIN, Rosa Helena. A (nova) questão social e as
_____, Potyara. A. P. Concepções e propostas políti- estratégias para seu enfrentamento. In: Revista Ser
cas sociais em curso: tendências, perspectivas e con- Social. no 6. Brasília, 2000.
sequências. Apostila. Brasília: NEPPOS/CEAM/ VIEIRA, E. Democracia e política social. São Paulo:
UNB, 1994. Cortez, 1992.

** ANOTAÇÕES

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MÓDULO

■■FUNDAMENTOS
POLÍTICOS DO SERVIÇO
SOCIAL
Unidade Didática – Fundamentos Históricos

e Teóricos do Serviço Social

Professora Ma. Carmen Ferreira Barbosa


Professora Ma. Eloísa Castro Berro

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■■Apresentação

As políticas sociais são um referencial importante e um campo de atuação privilegiado do Serviço Social e
serão analisadas neste curso nas dimensões teórica, histórica e política. O objetivo é capacitar futuros profis-
sionais para a compreensão da realidade histórica das políticas sociais no Brasil.
A partir dessa contextualização, fica fácil perceber que a política capitalista não é uma atividade neutra, de
atenção à pobreza ou à desigualdade social, formulada consensualmente no âmbito do Estado para ser apli-
cada à sociedade. Ao contrário, ela é um processo tenso, com muitas complexidades, contradições e conflitos
de interesse.
As profundas alterações nas relações históricas entre o Estado e a sociedade civil, quanto as formas de
organização e gestão da força de trabalho vêm atingindo o conjunto das especializações do trabalho, entre as
quais o Serviço Social, inaugurando novos marcos da divisão social e técnica do trabalho, que interpelam o
assistente social em suas respostas profissionais.
Assim, este módulo propõe-se a debater temas da maior importância para a orientação crítica do trabalho
do assistente social, considerando a amplitude das suas funções e atribuições no cotidiano profissional.
Na expectativa de que este módulo inspire atitudes e práticas profissionais questionadoras no âmbito das
políticas sociais, desejamos às(aos) alunas(os) um proveitoso e estimulante estudo.

Professora Ma. Carmen Ferreira Barbosa


Professora Ma. Eloísa Castro Berro

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AULA

Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil


Concepção, Princípios e Diretrizes das
Políticas de Seguridade Social no Brasil

■■ Conteúdo
• Definição de seguridade
• Interface entre direitos sociais e seguridade
• Seguridade social no Brasil

■■ Competências e habilidades
• Compreensão do conceito de seguridade e a contextualização dessa política no Brasil

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com o professor interativo
2 h-a – presenciais com o professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO

Desde a promulgação da Constituição Federal Conforme a definição genérica da seguridade


de 1988, o Brasil instituiu seu sistema de seguri- social, o sistema brasileiro, estruturado a partir de
dade social, caracterizado como sistema de “pro- 1988 e mantido até o presente, adotou este concei-
teção social que a sociedade proporciona a seus to e ainda alguns princípios-chave que orientam
membros, mediante uma série de medidas públi- toda a política de Seguridade Social, na Previdên-
cas contra as privações econômicas e sociais que cia, na Assistência Social e na Saúde:
provocariam a redução dos seus rendimentos em a) universalidade da cobertura e atendimento;
consequência de enfermidade, maternidade, aci- b) uniformidade e equivalência dos benefícios
dente de trabalho, enfermidade profissional, em- rurais e urbanos;
prego, invalidez, velhice e morte, bem como de as- c) seletividade e distributividade na prestação de
sistência médica e de apoio à família com filhos”. serviços;
d) irredutibilidade no valor dos benefícios;

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

e) diversidade da base de financiamento estrutu- O Estado brasileiro é um Estado Social Demo-


rada em Orçamento da Seguridade Social (au- crático de Direito, que assegura direitos e garantias
tônomo); fundamentais. Em seu artigo 6o, a Constituição Fe-
f) equidade na forma de participação no custeio; e deral cita os direitos sociais, que são: a educação, a
g) c aráter democrático dos subsistemas da seguri- saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
dade social (Previdência, Saúde e Assistência). previdência social, a proteção à maternidade, à in-
Essa política social prevê a proteção social aos fância e a assistência aos desamparados.
indivíduos e respectivos grupos familiares, aco- Segundo a OIT (2002), a seguridade social é mui-
metidos por riscos sociais. Estes são socorridos to importante para o bem-estar dos trabalhadores,
diferenciadamente por um sistema de Previdência das suas famílias e de toda a coletividade. Trata-se
Social de caráter contributivo; por um sistema de de um direito fundamental do ser humano e um
Assistência Social, gratuito e dirigido a populações instrumento essencial de coesão social, que pro-
pobres, sem capacidade contributiva; por um Sis- move, ao mesmo tempo, a paz e a inserção social.
tema Único de Saúde, de caráter gratuito; e, final- Como componente indispensável da política social,
mente, por um subsistema de seguro-desemprego, desempenha um papel essencial na prevenção e na
inserido na rede de competências do Ministério luta contra a pobreza e exclusão social. Ao favorecer
do Trabalho e Emprego. a solidariedade social e a repartição equitativa dos
A regulamentação setorial do sistema de se- encargos, a segurança social contribui para a digni-
guridade social – Leis Orgânicas da Previdência ficação da pessoa humana, para a equidade e justiça
(1991); Lei Orgânica da Saúde (1990) e Lei Orgâ- social. É igualmente importante para a integração,
nica de Assistência Social (1993); Seguro-desem- para a participação dos cidadãos e para o desenvol-
prego(1990) – estruturou o sistema de seguridade vimento da democracia.
social brasileiro. Os direitos sociais, na Constituição Federal do
Brasil, consistem em cláusulas relativas aos direitos
DIREITOS SOCIAIS E SEGURIDADE SOCIAL fundamentais, não podendo ser abolidos.
Os direitos humanos e as liberdades fundamen-
tais são direitos naturais de todos os seres humanos, SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL
sua proteção e promoção são de responsabilidades A Constituição Federal, no título VIII da Ordem
primordiais dos governos segundo a Declaração Social, define a Seguridade Social como sistema no
e Programa de Ação de Viena adotada consensu- art. 194.
almente pela Conferência Mundial dos Direitos
A seguridade social compreende um conjunto inte-
Humanos, realizada em 1993. Sarlet (1998, p. 31),
grado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e
define direitos fundamentais como “direitos do ser da sociedade, destinadas a assegurar os direitos re-
humano, reconhecidos e positivados na esfera do lativos à saúde, à previdência e à assistência social.
direito constitucional de determinado Estado.
Segundo Horvath (2006), dentre os direitos A seguridade social atua em três subsistemas
fundamentais encontra-se o direito à seguridade distintos, os quais constituem objeto de discussão
social. Esse direito é definido como conjunto in- a seguir, a partir de extratos dos respectivos docu-
tegrado de ações de iniciativa do poder público mentos regulatórios.
com a participação da sociedade, atuando na área
de saúde, assistência social e previdência social. ASSISTÊNCIA SOCIAL – ARTS. 203 E 204
Quando esses serviços não são concedidos pelo DA CONSTITUIÇÃO E LEI No 8742/93(LOAS)
Estado, o indivíduo pode requerê-los, exercitando É direito do cidadão e dever do Estado a po-
o direito de ação. lítica de seguridade social não contributiva que

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AULA 1 — Concepção, Princípios e Diretrizes das Políticas de Seguridade Social no Brasil

provê os mínimos sociais. Realizada através de um cas que visem à redução do risco de doença e de
conjunto integrado de ações de iniciativa pública outros agravos e ao acesso universal e igualitário
e da sociedade, para garantir o atendimento às ne- às ações e serviços para sua promoção, proteção e
cessidades básicas. recuperação.
As atividades de assistência social são prestadas O Sistema Único de Saúde tem por princípios
a quem delas necessitar, independentemente de e diretrizes:
contribuição, tendo como objetivos: I – acesso universal e igualitário;
I – proteção à família, à maternidade, à infân- II – provimento das ações e serviços através de
cia, à adolescência e à velhice; rede regionalizada e hierarquizada, integrados em
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; sistema único;
III – a promoção da integração ao mercado de III – descentralização, com direção única em
trabalho; cada esfera de governo;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas IV – atendimento integral, com prioridade para
portadoras de deficiência e a promoção de sua in- as atividades preventivas, sem prejuízo dos servi-
tegração à vida comunitária; ços assistenciais;
V – a garantia de um salário-mínimo de benefí- V – participação da comunidade na gestão, fis-
cio mensal à pessoa portadora de deficiência e ao calização e acompanhamento das ações e serviços
idoso que comprovem não possuir meios de prover de saúde;
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua VI – participação da iniciativa privada na as-
família, conforme dispuser a Lei (a Lei no 8.742/93 sistência à saúde, obedecidos os preceitos consti-
regulamentou este dispositivo constitucional). tucionais;
Define ainda os seguintes princípios: É prevista a possibilidade da participação da
I – supremacia do atendimento às necessidades so- iniciativa privada no sistema de saúde, através de
ciais sobre as exigências de rentabilidade econômica; medicina de grupo, seguro saúde ou cooperativas
II – universalização dos direitos sociais, a fim de médicas. O sistema privado é controlado e fiscali-
tornar o destinatário da ação assistencial alcançá- zado pelo Poder Público.
vel pelas demais políticas públicas;
III – respeito à dignidade do cidadão, à sua au- PREVIDÊNCIA SOCIAL (ARTS. 201 E 202
tonomia e ao seu direito a benefícios e serviços DA CONSTITUIÇÃO E LEIS No 8.212/91 E
de qualidade, bem como à convivência familiar e 8.213/91).
comunitária, vedando-se qualquer comprovação O princípio da universalidade dá a oportunida-
vexatória de necessidade; de de todos os indivíduos filiarem-se ao sistema de
IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimen- previdência social, desde que haja contribuição,
to, sem discriminação de qualquer natureza, garan- ou seja, participação no custeio. A participação no
tindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; custeio é uma das notas diferenciadoras das ações
V – divulgação ampla dos benefícios, serviços, de previdência das de assistência social (que são
programas e projetos assistenciais, bem como dos prestadas independentemente de contribuição).
recursos oferecidos pelo Poder Público e dos cri- As normas diretrizes dos planos de previdência
térios para sua concessão. social são:
I – cobertura dos seguintes riscos: doença, inva-
SAÚDE (ARTS. 196 A 200 DA CONSTITUIÇÃO lidez, morte, incluídas as resultantes de acidente do
E LEI No 8.080/90 SUS) trabalho, velhice e reclusão;
A saúde é direito de todos e dever do Estado II – ajuda à manutenção dos dependentes dos se-
garantido mediante políticas sociais e econômi- gurados de baixa renda;

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

III – proteção à maternidade, especialmente à substitua o salário de contribuição ou o ren-


gestante; dimento do trabalho do segurado terá valor
IV – proteção ao trabalhador em situação de de- mensal inferior ao salário-mínimo”. No caso da
semprego involuntário; Assistência Social, o inciso V, do artigo 203, es-
V – pensão por morte de segurado, homem ou tabelece “a garantia de um salário-mínimo de
mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes. benefício mensal à pessoa portadora de defici-
Para Horvath (2006), o modelo de seguridade social ência e ao idoso que comprovem não possuir
adotado pela Constituição Federal de 1988 é: meios de prover a própria manutenção ou tê-la
a) m
 isto (adota técnicas não contributivas [saú- provida por sua família”.
de e assistência social] e contributivas [previ- • A legislação complementar à Constituição Fe-
dência social que utiliza a fórmula tripartite deral é formada por um conjunto de Leis Or-
de custeio, ou seja, é financiada pelo Estado, gânicas – da Previdência Social, da Assistência
empregadores e trabalhadores]); Social, da Função Social da Propriedade Fun-
b) u niversalista (possibilita que todos os inte- diária –, além dos compromissos da área da
grantes da sociedade tenham acesso às pres- educação básica. Esse conjunto constitui o nú-
tações desde que atendam aos requisitos le- cleo central da política social brasileira, funda-
gais); mentada em direitos de cidadania.
c) n
 ão acabado (conquanto busca a universali-
dade de cobertura e o atendimento determina ■■ Atividades
um núcleo mínimo de proteção [art. 201 da Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
CF], que deve ser expandido à medida que o atividades:
Estado suporte); 1. Analise e discuta a importância da Constituição
d) de gestão administrativa descentralizada e com Federal de 1988 para a Seguridade Social no Brasil.
a participação democrática da sociedade; 2. O que você entende como seguridade social? É
Passados 21 anos da promulgação da Constitui- realmente um direito social? Por quê?
ção de 1988, esta é ainda considerada como um im- 3. Você concorda com os princípios-chave adota-
portante avanço e instrumento de luta no âmbito da dos pela seguridade social no Brasil? Poderiam ser
política social brasileira, na perspectiva de estrutu- revistos?
ração das políticas sociais de Estado. 4. Em sua cidade, no seu dia a dia, você percebe o
Para tanto, a Constituição combinou medidas impacto das políticas de seguridade social?
que buscam garantir uma série de direitos sociais,
ampliando o acesso da população a determinados
bens e serviços públicos e garantindo a regularidade ** ANOTAÇÕES
do valor dos benefícios.
Assim, por intermédio da garantia dos direitos
sociais, busca-se construir uma sociedade mais livre
e justa, com a redução das desigualdades sociais e
regionais.

++SAIBA MAIS
• No caso da Previdência Social, o § 5o do arti-
go 201 estabelece que: “Nenhum benefício que

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AULA 2 — Previdência Social

AULA

Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil


Previdência Social

■■ Conteúdo
• Conceituação e contextualização da política previdência social
• História da previdência social no Brasil

■■ Competências e habilidades
• Compreensão do conceito da política previdência social e a contextualização e história dessa
política no Brasil

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

A POLÍTICA DE PREVIDÊNCIA SOCIAL


A Previdência Social é uma política que tem por dos. No entanto, a Constituição de 1988 introduziu
objetivo repor a renda dos indivíduos nas situações o conceito de Seguridade Social que abarca as áreas
em que eles perdem, temporária ou permanente- de Saúde, Assistência Social e Previdência Social, re-
mente, sua capacidade de trabalho. estruturando o sistema e institucionalizando uma
Há, então, um conjunto legal predefinido de ris- série de princípios orientadores para essas políticas
cos sociais cobertos pela Previdência, quais sejam: de proteção social. Esses princípios, como já vimos,
doenças, invalidez, maternidade, velhice, morte e são: universalidade da cobertura e atendimento,
acidentes e doenças ligados ao trabalho. Os bene- uniformidade e equivalência dos benefícios rurais
fícios são destinados aos segurados e aos seus de- e urbanos.
pendentes. Com a Constituição, criou-se também o piso pre-
No Brasil, desde seu surgimento, a Previdência videnciário no valor de um salário-mínimo. O es-
Social define um vínculo contributivo aos benefí- tabelecimento de um benefício mínimo e de regras
cios previdenciários. Ou seja, de acordo com este diferenciadas de acesso (não relacionadas exclusiva-
princípio, só quem contribui financeiramente tem mente à contribuição financeira) são as característi-
direito à cobertura dos riscos sociais já menciona- cas básicas do princípio de universalidade.

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

Há, no âmbito da Previdência Social, diversas ca- cado de trabalho, quando comparados com homens
tegorias de segurados: os empregados trabalhadores e com os brancos. Essas desigualdades no mercado
com carteira assinada e trabalhadores temporários; de trabalho acabam por se refletir na cobertura pre-
empregados domésticos; trabalhador avulso; con- videnciária, pois a proporção de segurados contri-
tribuinte individual; segurado especial. Assim, exis- buintes nos grupos minoritários é inferior à veri-
tem regras e alíquotas de contribuição diferenciadas ficada entre os homens e os brancos (grupos mais
para cada categoria da Previdência Social na Popu- bem inseridos no mercado de trabalho).
lação Economicamente Ativa (PEA). A institucionalidade da Previdência Social bra-
O nível de cobertura previdenciária está estreita- sileira está organizada em torno do Ministério da
mente ligado à dinâmica de crescimento econômico Previdência Social (MPS). Até 2003, ano em que se
do país e à estrutura do mercado de trabalho. Em iniciou o Governo Lula, chamava-se Ministério da
períodos de baixo crescimento, aumentam o desem- Previdência e Assistência Social, abarcando também
prego e a quantidade de trabalhadores inseridos in- a Secretaria de Assistência Social. A partir de 2003,
formalmente no mercado de trabalho. Ou seja, reduz com a criação do Ministério do Desenvolvimen-
também a quantidade de contribuintes. Com isto, ao to Social, a área de Assistência foi toda transferida
longo dos anos 1990, observou-se uma redução na para o novo ministério e o primeiro passou a tratar
quantidade de contribuintes do sistema previdenciá- apenas de assuntos relacionados com a Previdência
rio brasileiro. Só a partir de 2004, quando houve certo Social.
reaquecimento da economia, é que a quantidade de Há também os Conselhos de Previdência Social,
trabalhadores segurados voltou a crescer. criados em 2003, que são unidades descentralizadas,
A proporção de não segurados na PEA ainda é com caráter consultivo, e seu objetivo é apresentar
muito elevada. Parte deste grupo tem rendimentos propostas para melhorar a gestão e a política previ-
muito baixos e se constituem em público-alvo po- denciária, tendo como diferencial o conhecimento
tencial dos benefícios assistenciais da Lei Orgânica das necessidades específicas de cada localidade.
de Assistência Social. Esses benefícios correspondem
a um salário-mínimo e são pagos aos idosos (acima EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PREVIDÊNCIA
de 65 anos) e aos portadores de deficiências que têm SOCIAL NO BRASIL
renda familiar per capita inferior a 1/4 de salário- Em termos formais, a Previdência Social teve
mínimo, não tendo, então, condições de prover o seu ponto de partida em 1883, na Alemanha, com
próprio sustento. No entanto, o público-alvo da As- a implementação de um seguro social baseado em:
sistência Social não está coberto contra riscos sociais saúde, acidentes de trabalho e invalidez, esta últi-
relacionados com a atividade laboral, as doenças e ma incluindo também envelhecimento. A partir
a maternidade, por exemplo; riscos estes, como já daí surgiram, em diversos países, sistemas de segu-
mencionados, cobertos pela Previdência Social. ro social, cuja previdência era normalmente orga-
A cobertura contra esses riscos é o principal atra- nizada para uma determinada classe ocupacional e
tivo da Previdência quando comparada com a As- atrelada às contribuições.
sistência Social, justificando as contribuições reali- O ano de 1942 foi um marco na transformação
zadas na vida ativa, nos casos em que os trabalhado- do seguro para a seguridade social (Welfare Sta-
res têm condições de contribuir. Ainda com relação te), na Inglaterra. Esta evolução, devido princi-
à estrutura do mercado de trabalho, é interessante palmente à universalidade da cobertura, partiu da
observar a evolução da população coberta pela Pre- constatação de que necessidades ou contingências
vidência Social com um recorte de raça e gênero. individuais não atendidas repercutem não só so-
Diversos estudos já mostraram que mulheres e bre os indivíduos mais próximos, mas sobre toda
negros têm uma inserção mais vulnerável no mer- a sociedade.

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AULA 2 — Previdência Social

A seguridade social tornou-se um elemento vital da universalização ocorre, em 1971, a expansão da


para o equilíbrio socioeconômico, ou seja, algo de previdência aos trabalhadores rurais; em 1972, a in-
essencial tanto para a ordem econômica e manuten- corporação dos empregados domésticos; em 1973, a
ção da força de trabalho, quanto para o funciona- incorporação dos autônomos. Concomitantemen-
mento da sociedade, independente da ideologia de te, instituiu-se o amparo à velhice e aos inválidos e
cada país (Westenberger & Pereira, 1997). criou-se o salário-maternidade. O atendimento aos
No Brasil, a Lei Eloy Chaves, de 1923, é conside- trabalhadores rurais foi destinado ao FUNRURAL,
rada o marco inicial da Previdência Social ao ins- uma autarquia administrativamente desvinculada
tituir um fundo especial de aposentadorias e pen- do INPS.
sões – Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) Em 1977, institui-se o Sistema Nacional de Pre-
– nas empresas ferroviárias existentes na época. A vidência e Assistência Social (SINPAS), composto
proposta previdenciária de Eloy Chaves não se diri- pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS),
giu aos trabalhadores em geral, nem se referenciou Instituto Nacional de Assistência Médica da Pre-
a um conceito de cidadania, mas criou medidas de vidência Social (INAMPS), Instituto de Adminis-
proteção para um grupo específico, tomando a em- tração Financeira da Previdência Social (IAPAS),
presa como unidade de cobertura. além da Empresa de Processamento de Dados da
O moderno sistema previdenciário brasileiro, Previdência Social – DATAPREV. Fizeram parte do
vigente até 1966, teve seus pilares definidos no pe- Sistema também: a Legião Brasileira de Assistên-
ríodo Vargas, 1930-1945, e se construiu a partir do cia (LBA), a Fundação Nacional do Bem-Estar do
sistema proposto em 1923. O projeto previdenciá- Menor (FUNABEM) e a Central de Medicamentos
rio estava articulado com um conjunto de medidas (CEME). O INAMPS passou a prestar assistência
sociais e trabalhistas que integravam uma estratégia médica aos servidores civis da União, aos trabalha-
maior de política estatal da proposta nacional de- dores urbanos e aos trabalhadores rurais.
senvolvimentista de Vargas. A expansão previdenci- Em 1987 foi criado o Programa de Desenvolvi-
ária se deu, inicialmente, através da ampliação do mento de Sistemas Unificados e Descentralizados
número de CAPs; posteriormente, foram criados de Saúde dos Estados – SUDS. Este sistema visava
os Institutos de Aposentadoria e Pensão, a partir de a consolidação e o desenvolvimento qualitativo das
1933. Seu perfil organizacional superou os limites ações integradas de saúde, descentralizando as ativi-
da empresa como unidade estruturante, ao se cons- dades do INAMPS.
tituir como autarquia pública, ainda que preservan- O grande momento de estruturação da proteção
do a administração colegiada. social brasileira ocorreu no ano de 1988. Promulga-
No período Juscelino (1956-1961), foi promulgada da a nova Constituição, dá-se origem ao conceito de
a Lei Orgânica da Previdência Social, após um longo seguridade social, com:
período de debates iniciado ainda no período Getú- • ampliação da cobertura da proteção social para
lio, com o objetivo de diminuir a disparidade exis- segmentos até então desprotegidos;
tente entre as categorias profissionais e a unificação • introdução de um piso de valor igual ao salá-
da previdência. No período 1960-1964 foram incor- rio-mínimo;
poradas as reivindicações dos trabalhadores relativas • eliminação das diferenças de tipos e valores dos
à ampliação de benefícios, como a abolição da idade benefícios previdenciários entre trabalhado-
mínima de 55 anos para aposentadoria e a afirmação res rurais e urbanos, facultando o ingresso de
dos 35 anos de serviço como critério único. qualquer cidadão, mediante contribuição.
Em 1966 é criado o Instituto Nacional de Pre-
vidência Social (INPS), com base na unificação e Dessa forma, esgotou-se o processo de unifica-
uniformização dos planos de benefício. Na direção ção iniciado em 1967, sendo o princípio do méri-

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

to substituído pelo da cidadania. Outras alterações aposentadoria por invalidez; para a materni-
institucionais compreenderam a criação, em 1990, dade, o auxílio-maternidade; para a velhice, as
do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, au- aposentadorias por idade; para casos de morte,
tarquia federal vinculada ao Ministério do Trabalho pensão por morte para aos dependentes; para
e Previdência Social (MTPS), mediante a fusão do os acidentes e doenças relativas a acidentes de
INPS e do IAPAS, e o deslocamento do INAMPS trabalho, há o auxílio-doença acidentário, apo-
para o Ministério da Saúde, com a criação do Siste- sentadoria por invalidez acidentária e pensões
ma Único de Saúde – SUS. por morte acidentária. Há ainda a aposentado-
A Emenda Constitucional no 20, de 1998, trouxe ria por tempo de contribuição.
profundas mudanças para o sistema de Previdência
Social, como: ■■ Atividades
• determinou que o benefício salário-família Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
seria devido somente ao trabalhador de baixa atividades:
renda; 1. A partir da leitura do texto e do seu conheci-
• proibiu qualquer trabalho para os menores de mento, como você avalia a Previdência Social no
16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir Brasil?
dos 14 anos; 2. Quais benefícios previdenciários você julga
• criou diretrizes para os regimes de previdência mais importantes? Por quê?
privada, de caráter complementar e organiza- 3. Analisando a evolução história da previdência
dos de forma autônoma em relação ao regime social no Brasil, o que você considera que foi mais
geral de previdência social; e significativo para a implementação dessa política?
• estabeleceu que a organização da previdência
social tenha critérios que preservem o equilí-
** ANOTAÇÕES
brio financeiro.

Mudanças importantes relativas à reformulação


dos benefícios ainda estão em curso. No entanto,
uma reforma previdenciária que pretenda fazer in-
clusão social não é um desafio apenas do sistema
previdenciário. Uma parte desse desafio pode ser
respondida pelo crescimento econômico que leve a
uma melhoria dos níveis de ocupação formalizada,
outra, visando a mudanças de regras que tragam ao
sistema uma parte expressiva do chamado emprego
informal.

++SAIBA MAIS
• Dentre os benefícios existentes no sistema pre-
videnciário brasileiro, destaca-se que: para os
casos de doenças, há o auxílio-doença; para o
caso de invalidez, quando a pessoa adoece e
não recupera a capacidade de trabalho, há a

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AULA 3 — Assistência Social e Sistema Único de Assistência Social/Suas

AULA

3
Assistência Social e Sistema Único
de Assistência Social/Suas

Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil


■■ Conteúdo
• Assistência Social como um direito universal
• Assistência Social à luz da Constituição Federal e da LOAS em seus principais artigos
• Caracterização do SUAS

■■ Competências e habilidades
• C
 ompreender a política de Assistência Social inserida na Seguridade Social como um direito
universal
• Analisar a Assistência Social à luz da Constituição Federal e da LOAS em seus principais
artigos
• Caracterizar o Sistema Único de Assistência Social – SUAS e a Política Nacional de Assistên-
cia Social/2004

■■ Material para autoestudo


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■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO
A Assistência Social foi inserida, pela primeira nal de Assistência Social/2004 e o Sistema Único de
vez na Constituição Federal, como política pública e Assistência Social – SUAS fundamentou-se nesta. O
aprovada através da Lei Orgânica da Assistência So- SUAS está sendo construído por meio de uma nova
cial – LOAS, Lei no 8.742, de 07.12.1993. A expressão lógica de organização das ações: com a definição de
da materialidade do conteúdo da Assistência Social níveis de complexidade, na área da proteção social
como um pilar do Sistema de Proteção Social Brasi- básica e proteção social especial, com a referência
leiro, no âmbito da Seguridade Social, foi alcançada no território, considerando regiões e portes de mu-
recentemente com a aprovação da Política Nacio- nicípios e com centralidade na família.

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

LOAS (Lei no 8742, de 07.12.1993) até os dias atuas,


++SAIBA MAIS portanto, há 17 anos, vem sendo um movimento de
enfrentamento de sua secundarização para alterar a
Conferência de Assistência Social: São instâncias qualidade e a quantidade de atenção prestada à po-
deliberativas com atribuição de avaliar a Política de pulação em situação de pobreza no País.
Assistência Social e propor diretrizes para o aperfei- A Assistência Social, de acordo com o art. 203 da
çoamento do Sistema Único da Assistência Social. Constituição Federal, é prestada aos necessitados
Proteção social básica: Tem como objetivos pre- ou, com o art. 6o, aos desamparados.
venir situações de risco, por meio do desenvolvimen- Como questionam Sposati; Falcão; Fleury (2006):
to de potencialidades, aquisições e o fortalecimento Quais os padrões com que operam o sistema brasi-
de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à leiro de assistência social? A quem vem reconhecen-
população que vive em situação de vulnerabilidade do e incorporando como necessitados ou desampa-
social, decorrente da pobreza, privação (ausência de rados?”
renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, O direito é assegurado aos idosos e às pessoas
dentre outros) e/ou fragilização de vínculos afetivos portadoras de deficiências que não possuam meios
relacionais e de pertencimento social. pessoais ou familiares de prover sua subsistência, e
Proteção social especial: Tem por objetivos pro- que receberá, como benefício mensal, o valor de um
ver atenções socioassistenciais a famílias e indivídu- salário-mínimo. Dessa forma, o conceito de desam-
os que se encontram em situação de risco pessoal parado ou necessitado é atribuído à condição de
e social, por ocorrência de abandono, maus tratos fragilidade física associada à econômica.
físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substân- No sistema capitalista em geral e no Brasil, em
cias psicoativas, cumprimento de medidas socioe- particular, a assistência social é voltada para o aten-
ducativas, situação de rua, situação de trabalho in- dimento de pessoas portadoras de situações especí-
fantil, entre outras. ficas ou especiais.
Critérios de partilha: Constitui-se na transferên- De acordo com a LOAS, no Capítulo I – das De-
cia de recursos do Fundo Nacional para os Fundos finições e dos Objetivos:
de Assistência Social dos Estados, dos Municípios e Art. 1o A assistência social, direito do cidadão e
do Distrito Federal ocorre a partir de indicadores dever do Estado, é Política de Seguridade Social não
que informem sua regionalização mais eqüitativa, contributiva, que provê os mínimos sociais, realiza-
tais como: população, renda per capita, mortalidade da através de um conjunto integrado de ações de
infantil e concentração de renda, além de discipli- iniciativa pública e da sociedade, para garantir o
nar os procedimentos de repasse de recursos para as atendimento às necessidades básicas.
entidades e organizações de Assistência Social. Art. 2o A assistência social tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância,
ASSISTÊNCIA SOCIAL E SISTEMA ÚNICO DE à adolescência e à velhice;
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
A Constituição Brasileira de 1988 proclama a Se- III – a promoção da integração ao mercado de
guridade Social como um direito universal, e colo- trabalho;
ca a Assistência Social, juntamente com a Saúde e a IV – a habilitação e reabilitação das pessoas por-
Previdência Social, nessa composição. tadoras de deficiência e a promoção de sua integra-
Dentre estas três políticas: Previdência, Saúde e ção à vida comunitária;
Assistência Social, esta última ficou com a menor V – a garantia de 1 (um) salário-mínimo de be-
parte de recursos financeiros e de estrutura, e desde nefício mensal à pessoa portadora de deficiência e
a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social – ao idoso que comprovem não possuir meios de pro-

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AULA 3 — Assistência Social e Sistema Único de Assistência Social/Suas

ver a própria manutenção ou de tê-la provida por inciso II do artigo 23 torna específica a responsa-
sua família. bilidade das três instâncias de poder de Estado no
A política de proteção social significa garantir Brasil para com os deficientes.
a todos que dela necessitam, e sem contribuição Art. 23. É competência comum da União, dos
prévia, a provisão dessa proteção, instituída na Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
Constituição Federal e na LOAS, conforme análise Inciso II – cuidar da saúde e assistência públi-
de Sposati (2007): ca, da proteção e garantia das pessoas portadoras
A CF88, em seu capítulo VII – Da Ordem Social de deficiência. Vale destaque ainda o inciso X do
e no artigo 227 aplica o princípio da subsidiarieda- mesmo artigo que coloca como âmbito do Esta-
de no trato da criança e do adolescente. Primeiro do: “combater as causas da pobreza e os fatores de
cabe à família, depois a sociedade, e por fim, ao marginalização, promovendo a integração social
Estado assegurar um conjunto de direitos à criança dos setores desfavorecidos”.
e ao adolescente. No caso não deixa de ser um res- Em continuidade à análise, Sposati (2007) com-
peito ao direito da privacidade entre pais e filhos. plementa:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Este breve percurso pela lei maior do país mos-
Estado assegurar à criança e ao adolescente, com tra que:
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à a) o modelo brasileiro tem por particularida-
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionali- de configurar o campo da seguridade social como
zação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber- aquele destinado “a assegurar os direitos relativos
dade e à convivência familiar e comunitária, além à saúde, à previdência e à assistência social”. To-
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, davia, a CF88 limita-se a apontar como elemento
discriminação, exploração, violência, crueldade e integrador dessas três áreas/campos de direitos um
opressão. conjunto de objetivos. Especifica o modelo de ges-
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e tão da saúde e suas competências sem demonstrar
educar os filhos menores, e os filhos maiores têm quais direitos atende; detalha o conteúdo da pre-
o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, ca- vidência social a partir de direitos previdenciários.
rência e enfermidade. A CF88, do mesmo modo, No caso da assistência social limita-se a falar do
usa do princípio da subsidiariedade ao considerar campo de trabalho e das diretrizes organizativas,
o dever de “amparar pessoas idosas” cuja atenção não especifica nem o sistema como na saúde, nem
deve ser executada preferencialmente em seus lares os direitos como na previdência. Portanto, a regu-
(§ 1º artigo 230). Aqui não parece haver uma razão lação da assistência social vai ocorrer em legislação
para usar a subsidiariedade, o Estatuto do Idoso pós CF88. Não há também qualquer indicação so-
clareia esta questão. bre o modo de relação das três áreas sob o âmbito
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm da seguridade, para além dos objetivos estabeleci-
o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando dos no parágrafo único do artigo 194:
sua participação na comunidade, defendendo sua Parágrafo Único. Compete ao Poder Público, nos
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito termos da lei, organizar a seguridade social, com
à vida. base nos seguintes objetivos:
§ 1o Os programas de amparo aos idosos serão I – universalidade da cobertura e do atendimento;
executados preferencialmente em seus lares. É in- II – uniformidade e equivalência dos benefícios e
teressante constatar que o princípio de subsidia- serviços às populações urbanas e rurais;
riedade aplicado na proteção ao ciclo de vida não III – seletividade e distributividade na prestação
ocorre no caso da pessoa com deficiência onde o dos benefícios e serviços;

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; O fato da política de assistência social estar


V – equidade na forma de participação no cus- inscrito na LOAS, com as diretrizes da descentra-
teio; lização político-administrativa além da participa-
VI – diversidade da base de financiamento; ção da sociedade e controle social, foi um enorme
VII – caráter democrático e descentralizado da avanço, considerando que a área da assistência so-
gestão administrativa, com a participação da comu- cial não era tratada como política social mas como
nidade, em especial de trabalhadores,empresários doação e benesse, ofertadas pelas classes da elite
e aposentados. política e econômica do País.
É equivocada a visão que restringe os direitos as- Conforme Art. 6o: “As ações na área de assistência
sistenciais ao mínimo para a sobrevivência huma- social são organizadas em sistema descentralizado e
na, focalizando-a nos segmentos mais fragilizados participativo, constituído pelas entidades e organi-
da população, como: crianças, adolescentes, idosos zações de assistência social, abrangidas por esta Lei,
e pessoas portadoras de deficiência em situação de que articule meios, esforços e recursos, e por um
pobreza. Essa é uma visão focalizada e seletiva que conjunto de instâncias deliberativas compostas pe-
discrimina e exclui usuários em potencial aos quais los diversos setores envolvidos na área. A descentra-
também o direito deveria ser prestado. lização significa que a União, os Estados, o Distrito
A universalidade como princípio indica que a Federal e os Municípios, observados os princípios e
política da assistência deve ser um instrumento de diretrizes estabelecidos nesta Lei, fixarão suas res-
redução das desigualdades sociais, assumindo dois pectivas Políticas de Assistência Social.”
sentidos: Entende-se como participação da sociedade
• Garantir o acesso aos direitos previstos na e controle social que a elaboração, normatização
LOAS a todos, e não é o que ocorre. Na área de e gestão da política de assistência social cabe ao
serviços, por exemplo, as crianças em situação poder público, mas a aprovação e fiscalização das
de pobreza, em sua maioria, continuam fora proposições cabe aos conselhos de assistência so-
dos Centros de Educação Infantil – CEINF; cial, em cada instância: Conselho Nacional de As-
os idosos que necessitam de asilos nem sem- sistência Social, conselhos estaduais e municipais
pre conseguem vagas e as pessoas portadoras de assistência social. Dessa forma, é assegurada a
de deficiências, em situação de pobreza, não participação direta da sociedade, por meio de re-
recebem o atendimento em instituições espe- presentantes de usuários, dos trabalhadores da área
cializadas. e de entidades assistenciais. Os representantes dos
• Articular a assistência social às demais polí- órgãos governamentais são indicados pelo próprio
ticas sociais e econômicas visando construir governo. Além dos conselhos, a LOAS preconiza
um sistema de proteção social contínuo, sis- a realização das conferências em cada instância, a
temático, planejado, com recursos garantidos cada quatro anos, além da organização de fóruns
no orçamento público das três esferas gover- dos segmentos para discutir e defender a política
namentais, com ações complementares entre de assistência social.
si, para evitar paralelismo de ações e de recur-
sos. Não se admite imaginar que uma política SUAS
setorial como a assistência social vá dar conta O Sistema Único de Assistência Social – SUAS é
sozinha de enfrentar a pobreza, isso somente a principal deliberação da IV Conferência Nacio-
será possível com sua inserção concreta em nal de Assistência Social, realizada em dezembro de
um projeto de desenvolvimento econômico e 2003. É o esforço de viabilização de um projeto de
social, em nível amplo (BOSCHETTI, 2000). desenvolvimento nacional, que pleiteia a universali-

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AULA 3 — Assistência Social e Sistema Único de Assistência Social/Suas

zação dos direitos à Seguridade Social e da proteção ameaçados de morte; de promoção do direito
social pública com a composição da política pública de convivência familiar;
de assistência social, em nível nacional. • articulação intersetorial de competências e
Regula em todo o território nacional a hierar- ações entre o SUAS e o Sistema Único de Saú-
quia, os vínculos e as responsabilidades do sistema de – SUS, por intermédio da rede de serviços
de serviços, benefícios, programas e projetos de as- complementares para desenvolver ações de
sistência social, de caráter permanente ou eventual, acolhida, cuidados e proteções como parte da
executados e providos por pessoas jurídicas de di- política de proteção às vítimas de danos, dro-
reito público sob critério universal e lógica de ação gadição, violência familiar e sexual, deficiên-
em rede hierarquizada e em articulação com inicia- cia, fragilidades pessoais e problemas de saúde
tivas da sociedade civil. mental, abandono em qualquer momento do
Esse novo modelo de gestão supõe um pacto fe- ciclo de vida, associados a vulnerabilidades
derativo, com a definição de competências dos en- pessoais, familiares e por ausência temporal
tes das esferas de governo. Está sendo construído ou permanente de autonomia principalmente
por meio de uma nova lógica de organização das nas situações de drogadição e, em particular, os
ações: com a definição de níveis de complexidade, drogaditos nas ruas;
na área da proteção social básica e proteção social • articulação intersetorial de competências e
especial, com a referência no território, conside- ações entre o SUAS e o Sistema Educacional
rando regiões e portes de municípios e com cen- por intermédio de serviços complementares
tralidade na família. É, finalmente, uma forma de e ações integradas para o desenvolvimento da
operacionalização da Lei Orgânica de Assistência autonomia do sujeito, por meio de garantia e
Social (LOAS), que viabiliza o sistema descentra- ampliação de escolaridade e formação para o
lizado e participativo e a sua regulação, em todo o trabalho.
território nacional. A PNAS/2004 aborda a questão da proteção so-
Fundamenta-se nos compromissos da Política cial em uma perspectiva de articulação com outras
Nacional de Assistência Social/2004 que expressa políticas do campo social, que são dirigidas a uma
a materialidade do conteúdo da Assistência Social estrutura de garantias de direitos e de condições
como um pilar do Sistema de Proteção Social Brasi- dignas de vida. A proteção social de Assistência
leiro no âmbito da Seguridade Social. Social se ocupa das vitimizações, fragilidades, con-
Os principais eixos estruturantes da gestão do tingências, vulnerabilidades e riscos que o cidadão,
SUAS são: precedência da gestão pública da política; a cidadã e suas famílias enfrentam na trajetória de
matricialidade sociofamiliar; territorialização; des- seu ciclo de vida, por decorrência de imposições so-
centralização político-administrativa; financiamen- ciais, econômicas, políticas e de ofensas à dignida-
to partilhado entre os entes federados; participação de humana. A proteção social de Assistência Social,
popular/cidadão usuário; entre outros. em suas ações, produz aquisições materiais, sociais,
Dentre seus princípios, destacam-se: socioeducativas ao cidadão e cidadã e suas famílias
• articulação interinstitucional entre competên- para suprir suas necessidades de reprodução social
cias e ações com os demais sistemas de defesa de vida individual e familiar; desenvolver suas capa-
de direitos humanos, em específico com aque- cidades e talentos para a convivência social, prota-
les de defesa de direitos de crianças, adolescen- gonismo e autonomia.
tes, idosos, pessoas com deficiência, mulheres, A Assistência Social dá primazia à atenção às
negros e outras minorias; de proteção às víti- famílias e seus membros, a partir do seu território
mas de exploração e violência; e a adolescentes de vivência, com prioridade àqueles com registros

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

de fragilidades, vulnerabilidades e presença de vi- partilha e o cofinanciamento no SUAS (BRASIL,


timizações entre seus membros. A atenção às fa- 2005).
mílias tem por perspectiva fazer avançar o caráter
preventivo de proteção social, de modo a fortale- ■■ Atividades
cer laços e vínculos sociais de pertencimento entre Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
seus membros e indivíduos, para que suas capaci- atividades:
dades e qualidade de vida levem à concretização 1. O conceito de desamparado ou necessitado é
de direitos humanos e sociais. atribuído à condição de fragilidade física associada
De acordo com a PNAS/2004, são funções da à econômica. Comente.
Assistência Social: a proteção social hierarquizada 2. Por que é equivocada a visão que restringe os
entre proteção básica e proteção especial; a vigi- direitos assistenciais ao mínimo para a sobrevivên-
lância social e a defesa dos direitos socioassisten- cia humana, focalizando-a nos segmentos mais fra-
ciais. Além de organizar a Rede socioassistencial e gilizados da população?
o modo de gestão compartilhada dos serviços. 3. Identifique e analise os principais artigos da As-
Por fim, o financiamento e as condições para sistência Social na Constituição Federal e na LOAS.
transferência de recursos federais e os critérios de 4. Qual a importância da PNAS/2004 e do SUAS
para a efetivação da política de Assistência Social?

** ANOTAÇÕES

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AULA 4 — Saúde

AULA

4
Saúde

Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil


■■ Conteúdo
• Sistema Único de Saúde – SUS
• O serviço social na política de saúde

■■ Competências e habilidades
• Analisar as relações que se estabelecem entre Estado e Sociedade para compreender o tema
Saúde, inserido na Seguridade Social
• Caracterizar o Sistema Único de Saúde – SUS e a instituição do Programa Saúde da Família
– PSF
• Compreender o contexto sócio-econômico em que ocorrem os desafios colocados para o
SUS
• Descrever a intervenção profissional do assistente social em suas diversas dimensões, no
interior da política de saúde

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

INTRODUÇÃO
A aula da unidade didática II trata da Política de
Saúde e realiza análise das relações que se estabelecem ++SAIBA MAIS
entre Estado e sociedade para compreender o tema
Saúde inserido na Seguridade Social. Apresenta ainda
a caracterização do Sistema Único de Saúde – SUS e Seguridade Social: de acordo com o Art. 194, da
da instituição do Programa Saúde da Família – PSF, Constituição Federal: “A seguridade social compre-
além do contexto socioeconômico em que ocorrem ende um conjunto integrado de ações de iniciativa
os desafios colocados para o SUS. Por fim, descreve a dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
intervenção profissional do assistente social em suas assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência
diversas dimensões, no interior da política de saúde. e à assistência social.”

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

Reforma Sanitária: no Brasil, o Movimento da consagrou em termos legais os princípios filosóficos


Reforma Sanitária ocorreu no final da década de e as opções político-institucionais que resultaram
1970 e culminou com a VIII Conferência Nacional daquele processo reformador no campo da saúde,
de Saúde, em 1986, propondo que a saúde seja um que transcendeu esses limites e irradiou-se para os
direito do cidadão, um dever do Estado e que seja demais elementos componentes.
universal o acesso a todos os bens e serviços que a As propostas do Estado para a política de saúde,
promovam e recuperem. no período ditatorial, revelavam a tensão perma-
Assembleia Nacional Constituinte: foi insta- nente, existente no setor, entre os interesses capita-
lada em 1o de fevereiro de 1987. Em 5 de outubro listas e o dos movimentos que lutavam pela demo-
de 1988 foi promulgada, por 559 constituintes (487 cratização da saúde.
deputados federais e 72 senadores), a oitava Cons- Após o regime militar e o surgimento da Nova Re-
tituição brasileira. A Assembleia foi composta por pública, em 1985, no País, o movimento social pela
representantes dos 23 estados que existiam à época, reforma sanitária se intensificou e foi possível uma
e do Distrito Federal. discussão maior sobre os rumos que deveria tomar o
Estado Mínimo: com o esgotamento do Estado sistema de saúde. O marco fundamental da proposta
nacional desenvolvimentista no plano internacio- de reestruturação do Sistema de Saúde foi em 1986,
nal, passou a prevalecer a ideologia neoliberal. A com a VIII Conferência Nacional de Saúde, que colo-
partir daí, países subdesenvolvidos com industria- cou em pauta o papel do Estado como executor das
lização tardia, como Brasil, sofreram pressão dos políticas sociais públicas e discutiu a nova proposta de
países globalizados para conterem gastos em pro- estrutura e política de saúde para o país. A realização
gramas sociais. O modelo de macroeconomia vi- desta Conferência contou com ampla participação,
gente no mundo passa a determinar as regras do cerca de 5.000 pessoas, entre dirigentes institucionais,
jogo. A Constituição de 1988 enaltece o Estado do técnicos, estudiosos, políticos e lideranças sindicais e
Bem-Estar Social e a agenda neoliberal defende o populares e foi discutida a situação de saúde do país
Estado mínimo. Ao invés dos direitos trabalhistas e e aprovado um relatório, cujas recomendações passa-
políticas universais, mais flexibilidade do mercado ram a constituir o projeto da Reforma Sanitária Bra-
e políticas focalizadas. Por fim, ao invés dos direitos sileira, já então plenamente legitimada pelos segmen-
sociais, um governo mais assistencialista. tos sociais identificados com os interesses populares
e que foi levado à Assembleia Nacional Constituinte,
POLÍTICA DE SAÚDE em 1987, para disputar com outras propostas o que
Para tratar do tema Saúde, inserida na Seguri- seria inscrito na Constituição sobre a área de Saúde,
dade Social, e da questão do direito de acesso, é ne- nos capítulos 195 a 200, e regulamentados pela Lei
cessário considerar, inicialmente, as relações que se no 8.080 e 8.142.
estabelecem entre Estado e sociedade. O relatório final da a VIII Conferência Nacional
As relações sociais vêm modificando-se no País e de Saúde considerou três aspectos fundamentais:
em relação às políticas sociais, especialmente aqui, a • O primeiro deles consigna um conceito abran-
saúde, em termos de acesso aos direitos sociais, an- gente de saúde, que não deve ser vista como um
tes e após a Constituição de 1988. conceito abstrato. Define-se no contexto his-
Conforme Simionato (1997): tórico de determinada sociedade e num dado
O movimento de reconstrução teórica, formu- momento de seu desenvolvimento, devendo
lação e implementação de um projeto de Refor- ser conquistada pela população em suas lutas
ma Sanitária, associou-se às lutas pela transição e cotidianas.
consolidação da democracia no país. O capítulo • O segundo determina a saúde com direito de
da Ordem Social, na Constituição Federal de 1988 cidadania e dever do Estado. Para que isso pos-

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AULA 4 — Saúde

sa ocorrer, define o Estado, enquanto regulador Quanto ao aspecto da Organização Direção/Ges-


público, como responsável pela garantia desse tão, os recursos financeiros, competências e o poder
direito de cidadania. de decisão devem ser daqueles que são responsáveis
• E por último, como elemento de caráter estra- pela execução das ações, pois quanto mais perto do
tégico, propõe uma profunda reformulação problema mais chances se têm de acertar sobre a so-
do Sistema Nacional de Saúde, com a institui- lução.
ção de um Sistema Único de Saúde que tenha Assim, as ações municipais são ações e servi-
como princípios essenciais a universalidade, a ços que atendem à população de um município; as
integralidade das ações, a descentralização com ações estaduais são ações e serviços que atendem,
comando único em cada instância federativa e servem e alcançam vários municípios; e as ações fe-
a participação popular. derais são ações e serviços que são dirigidos a todo
Território Nacional.
Assim, o Sistema Único de Saúde – SUS, esta- • Regionalização dos serviços dispostos numa
belecido na Constituição de 1988, é a forma de Or- área geográfica delimitada, com definição da
ganização dos Serviços e Ações de Saúde. É único população a ser atendida, próxima a população
porque deve funcionar igualmente em todo o Brasil. e de fácil acesso.
As responsabilidades são conjuntas: do Governo Fe- • Resolutividade é a capacidade dos serviços
deral, Estadual e Municipal, os quais deverão traba- para enfrentar e resolver até o final de sua com-
lhar para promover, proteger, prevenir e recuperar a petência, um problema individual ou coletivo
saúde da população. que se apresente.
Os princípios fundamentais do SUS, a saber:
• Integralidade, ou seja, as pessoas têm o direito Hierarquização é a distribuição dos serviços de
de serem atendidas no conjunto de suas ne- saúde dos tratamentos mais simples aos mais com-
cessidades e os Serviços de Saúde devem estar plexos:
organizados de modo a oferecer todas as ações Serviços com atendimento em primeiro ní-
requeridas por essa atenção integral. Isso não vel: referem-se ao Atendimento Básico, aqueles
quer dizer que todas as Unidades de Saúde que ocorrem nas Unidades Básicas de Saúde. Esse
devem oferecer todos os tipos de ações, mas primeiro nível de atenção é a porta de entrada, no
devem encaminhar os usuários a outros esta- sistema, para todas as necessidades da pessoa e pro-
belecimentos para os atendimentos que neces- move a ligação com os demais níveis de atenção
sitarem. (STARFIELD, 2002).
Serviço com atendimento em segundo nível:
• Universalidade: toda pessoa tem direito a ser
referem-se às especialidades médicas, exames labo-
atendida nos serviços públicos de saúde, nos
ratoriais etc.
hospitais, serviços conveniados/contratados,
Serviço com atendimento em terceiro nível: refe-
independente de seu nível socioeconômico,
rem-se às internações, cirurgias, emergências etc.
raça, religião, escolaridade etc. Os serviços de
Participação Popular: a concepção da gestão
saúde não podem estabelecer condições ou exi-
pública do SUS é essencialmente democrática. Ne-
gir pagamento. nhum gestor é senhor absoluto da decisão. Ele deve
• Equidade: a rede de serviços de saúde deve es- ouvir a população e submeter suas ações ao controle
tar atenta para as desigualdades existentes, com da sociedade, que pode ser feito através dos Conse-
o objetivo de ajustar as suas ações às necessida- lhos de Saúde, Plenárias e Conferências de Saúde.
des de cada parcela da população, oferecendo A concepção de saúde é entendida, dessa forma,
mais a quem mais precisa. como resultado das condições de vida das pessoas.

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

Isto é, a saúde não é concebida apenas com assis- de Saúde – UBSs. A proposta do PSF é o trabalho
tência médica, mas principalmente, com o acesso voltado à atenção integral à saúde, possibilitando
das pessoas ao emprego, com salário justo, acesso à que ele não seja um programa vertical, centralizado,
educação, a uma boa condição de habitação e sane- mas sim “um instrumento de reorganização e rees-
amento do meio ambiente, ao transporte adequado, truturação do sistema público de saúde” (BRASIL,
a uma boa alimentação, à cultura e ao lazer; além, 1997). O PSF tem a possibilidade de inverter essa ló-
evidentemente, do acesso a um sistema de saúde gica de racionalidade e pretende considerar os usuá-
digno, de qualidade e que resolva os problemas de rios como sujeitos sociais, de modo que a prática de
atendimento das pessoas. saúde não se restrinja à prática médica, de modo a
Isso significa que a conquista da saúde não pode não tratar apenas de patologias, mas de cidadãos, na
ser uma responsabilidade exclusiva da área da saú- perspectiva da humanização do atendimento. Pro-
de, mas de todo o governo e da sociedade, por meio cura-se desenvolver a escuta do problema de saúde
de suas políticas econômicas e sociais. do usuário de forma qualificada, responsabilizando-
Entretanto, o período de 1980/1990 caracterizou- se frente à resolução do problema, o que vai além do
se pelo avanço do projeto neoliberal e, ao mesmo atendimento. Preconiza também o vínculo necessá-
tempo, se institucionalizaram várias propostas da rio entre o serviço e a população usuária, buscando
Reforma Sanitária Brasileira. Desta forma, os dois o restabelecimento de uma relação de confiança e
projetos convivem em tensão (BRAVO, 2000). apoio com o usuário, que muitas vezes, em servi-
A conjuntura nacional e internacional tem se ços de saúde, é quebrada na prestação dos serviços.
caracterizado pela continuidade de uma tendência, (BRASIL, 1994).
observada a partir da década de 1980, de redução Levando-se em conta que no fim do século XX
dos investimentos do estado, nas políticas sociais, e início do século XXI os direitos devem ser vistos
consolidando a implantação de uma proposta de na ótica pós-materialista: à privacidade; à intimida-
“estado mínimo”. de; à felicidade; à paz e à justiça (equidade); à não
As tendências atuais, dentro do pensamento exclusão e não discriminação de gênero, de raça, de
ideológico diverso e heterogêneo que marcam o cultura, origem espacial, de condições físicas, de op-
comportamento do conjunto de forças presentes ção sexual, de classe social; ao patrimônio ambien-
na cena política brasileira, apontam, ainda que de tal, histórico e cultural; ao controle do patrimônio
forma difusa, para a emergência na saúde de dois público ou “coisa pública”.
cenários possíveis. De um lado, o avanço do projeto De acordo com Mendes (2006), urge a necessi-
neoliberal e, por outro, o projeto de Reforma Sani- dade de:
tária, como já referido anteriormente.
Adaptar o Sistema de Saúde à nova realidade visto a
Por isso, é preciso reafirmar que as forças demo-
incoerência entre a situação de saúde caracterizada
cráticas e os trabalhadores de saúde precisam arti- pela dupla carga das doenças, com predominância
cular-se com os movimentos de usuários do SUS, relativa das condições crônicas, e o sistema de aten-
em particular, e com os movimentos sociais mais ção à saúde fragmentado, voltado para as condições
gerais, para a viabilização do projeto construído na agudas.
década de 1980, que está sendo desmontado pela
política de ajuste. O paradigma da condição aguda predominan-
O Ministério da Saúde, visando a aprimorar o te é um anacronismo. Ele foi elaborado na noção
sistema, apresentou o Programa Saúde da Família do século XIX da doença como uma ruptura no
– PSF como uma nova estratégia da Atenção Bási- estado normal, produzida por um agente externo
ca, respeitando os princípios do SUS, para imprimir ou trauma; neste modelo, a atenção às condições
uma nova dinâmica de ação nas Unidades Básicas agudas é o que importa. O problema é que a epi-

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AULA 4 — Saúde

demiologia contemporânea mostra que a situação Dessa forma, a intervenção profissional do assis-
prevalecente é dominada pelas doenças crônicas, tente social dar-se-á em diversas dimensões, a saber:
tanto em termos de custos, quanto dos impactos • Na dimensão educativa, desenvolvendo a sensi-
na saúde. bilização sanitária dos usuários dos serviços de
Dessa forma, são colocados para o SUS os se- saúde para os problemas relativos ao meio am-
guintes desafios: biente, saneamento e trabalho, especialmente
• Concretizar a integralidade da atenção na na prestação de orientações e informações so-
prática. bre direitos sociais na busca da saúde enquanto
• Mudar o modelo de atenção com foco no direito de cidadania.
usuário. • Na realização de estudos que demonstrem à
• Inserir a atenção ao usuário numa lógica de população seus problemas cotidianos e sua re-
rede. lação com os serviços de saúde cujas demandas
se transformem em direitos universais.
• Valorizar o trabalho em equipe.
• Na atuação junto à equipe de trabalhadores em
• Priorizar uma política de investimento com
saúde para reforçar a percepção de que o usuá-
maiores e melhor utilizados recursos finan-
rio não deve buscar os serviços apenas nos mo-
ceiros.
mentos especiais de sua vida, mas possibilitar
• Obter apoio multissetorial. sua participação como cidadão, na gestão e no
• Implementar instrumentos de gestão da clínica. controle social do sistema.
• Implementar e institucionalizar mecanismos de • No fortalecimento dos espaços de participação
monitoramento e avaliação. dos usuários no sistema, incentivando gestões
• Melhorar a qualificação dos profissionais de participativas e colegiadas, através dos conse-
saúde (gestão e assistência). lhos locais de saúde nas unidades de saúde.
• Combater a corrupção e mau uso dos recursos. • Na busca de articulações sociais, através dos Con-
• Inserir a universidade – graduação e especializa- selhos, enfatizando a importância das relações
ção para formar pessoal para o SUS. entre os mesmos, em diferentes níveis de gestão e
• Desprecarizar as relações de trabalho. também em outras formas de gestão popular.
• Ampliar e qualificar o controle social. • Na proposição de capacitações político-técni-
cas dos conselheiros, dos trabalhadores, tanto
O SERVIÇO SOCIAL NA POLÍTICA DE SAÚDE em nível de controle social como também de
educação permanente em serviço da equipe.
O Serviço Social, nessa relação Estado e Socie-
dade e após a Constituição de 1988, com a gran- A noção de saúde deve estar vinculada às con-
de mudança ocorrida no interior da política de dições de vida e trabalho das pessoas e não apenas
saúde, apresentando novas questões e demandas à ausência de doenças, como também a um direito
para o Serviço Social, o que implicará ampliação social a ser conquistado. A doença e a morte estão
do papel do profissional, que segundo Simionato associadas às condições precárias de vida, à pobreza.
(1997): A área da saúde é o setor que tem absorvido um
quantitativo significativo de assistentes sociais, devi-
Novas demandas e consequentemente novas res-
do, de um lado, à relação da articulação da saúde com
postas também se colocam ao Serviço Social, seja
no campo da assistência prestada no âmbito am-
a produção e reprodução do capital, cabendo aos as-
bulatorial e hospitalar, seja nos espaços coletivos, sistentes sociais, na divisão sociotécnica do trabalho,
através de ações que interferem nos determinantes atuar nas instituições da saúde a fim de administrar a
sociais do processo saúde-doença. tensão existente entre as demandas dos trabalhadores

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

e os insuficientes recursos para a prestação dos servi- ■■ Atividades


ços requeridos. E, de outro lado, contraditoriamente, Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
devido à expansão da participação e do controle so- atividades:
cial da população através dos Conselhos de Defesa de 1. Descreva e explique os três aspectos funda-
Direitos e de Políticas Públicas. mentais do relatório final da VIII Conferência Na-
O serviço social, na área da saúde, atua para além cional de Saúde que influenciaram na concretiza-
do sofrimento físico e psíquico, explicitando e en- ção da política de saúde para o País.
frentando as diferentes expressões da questão social 2. Caracterize o Sistema Único de Saúde (SUS) e
que determinam os níveis de saúde da população, por que foi instituído o Programa Saúde da Famí-
através de ações que priorizem o controle social, lia (PSF), e em que consiste essa estratégia?
a prevenção de doenças, danos, agravos e riscos, a 3. Comente a intervenção profissional do assis-
promoção, a proteção e a recuperação da saúde, fa- tente social nas diversas dimensões de atuação na
cilitando e contribuindo para a realização integrada política de saúde, de acordo com as novas deman-
das ações assistenciais e das atividades preventivas. das colocadas e que exigem novas respostas.

** ANOTAÇÕES

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AULA 5 — Educação

AULA

Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil


Educação

■■ Conteúdo
• Conceito de educação
• Analfabetismo
• Marco legal da Educação no Brasil
• Níveis de ensino

■■ Competências e habilidades
• Compreensão da abrangência, contexto e especificidades da educação no Brasil

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

EDUCAÇÃO
De acordo com a LDB (Lei de Diretrizes Bási- A educação é atualmente reconhecida como im-
cas da Educação Nacional), a educação abrange os portante para o desenvolvimento político, social e
processos formativos que se desenvolvem na vida econômico da sociedade. A educação escolar cons-
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas titui preocupação relevante para os decisores das
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos políticas públicas, sempre confrontados com as
sociais e organizações da sociedade civil e nas ma- questões complexas sobre investimentos, custos e
nifestações culturais. A educação é dever da família benefícios.
e do Estado e, inspirada nos princípios de liberdade Segundo a UNESCO (2007), a educação como
e nos ideais de solidariedade humana, tem por fina- direito humano e bem público permite às pessoas
lidade o pleno desenvolvimento do educando, seu exercer os outros direitos humanos. Por essa razão,
preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi- ninguém pode ficar excluído dela. O direito à edu-
cação para o trabalho. cação se exerce na medida em que as pessoas, além

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

de terem acesso à escola, possam desenvolver-se ple- Tal diferença indica que a expansão do atendi-
namente e continuar aprendendo. Isso significa que mento escolar nas últimas décadas, a fim de atender
a educação terá de ser de qualidade para todos e por a quase totalidade dos jovens e adolescentes na fai-
toda a vida. xa etária de sete a 14 anos, tem-se mostrado efetiva.
Um enfoque de direitos humanos em educação Por sua vez, a existência de um elevado percentual
está fundado nos princípios de gratuidade e obri- de analfabetos entre os com 40 anos ou mais resulta
gatoriedade e nos direitos à não discriminação e à não apenas do acesso restrito dessas gerações à edu-
plena participação. Maior nível educacional de toda cação formal, no passado, mas também do fato de
a população é um elemento decisivo para o desen- os programas de alfabetização implementados nas
volvimento humano de um país, tanto para elevar últimas décadas não terem sido, por razões variadas,
a produtividade como para fortalecer a democracia capazes de saldar essa dívida educacional.
e ampliar a possibilidade das pessoas na opção por
maior qualidade de vida. MARCO LEGAL DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
O aumento da escolaridade média da população O marco legal da política educacional brasileira
brasileira, assim como a melhoria da qualidade do é representado pela Constituição Federal de 1988,
ensino ofertado, constituem desafios a ser supera- pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
dos, em grande medida afetados por desigualdades no 8.069, de 13 de julho de 1990), pela Lei de Dire-
de várias ordens. trizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996), pela Emenda Consti-
ANALFABETISMO tucional (EC) 14/1996 e por um conjunto de nor-
No período 1992-2005, a taxa de analfabetismo mas infraconstitucionais e resoluções do Conselho
da população de 15 anos ou mais apresentou redu- Nacional de Educação.
ção anual média de cerca de 0,5 ponto percentual. A Constituição Federal (CF) de 1988 afirma que
Entretanto, nos últimos anos, o ritmo de queda tem a educação é um direito social, sendo a família e o
sido reduzido, o que tende a ampliar o tempo neces- Estado responsáveis pelo seu provimento. Visan-
sário para que o Brasil se equipare, no que concerne do a garantir o cumprimento desse mandamento
a esse indicador, à maioria dos países latino-ameri- e com isso garantir o pleno gozo do direito ao ci-
canos e, em particular, à Argentina (2,8%, em 2001) dadão, assegurou a gratuidade do ensino público
e ao Chile (4,3%, em 2002). em estabelecimentos oficiais e as fontes de finan-
O analfabetismo atingia, em 2005, cerca de 14,6 ciamento que gerariam os recursos que o Estado
milhões de brasileiros. Esse elevado contingente de disporia para financiar os seus gastos.
pessoas, no entanto, distribui-se de forma bastante Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
desigual em termos regionais, em relação à locali- cional (LDB), promulgada em 1996, vinculou ex-
zação domiciliar (rural/urbana) e segundo as faixas plicitamente a educação ao “mundo do trabalho”
etárias. Por exemplo, a taxa de analfabetismo na e à prática social, estabelecendo também fontes de
Região Nordeste superava em mais de três vezes a financiamento para os gastos educacionais. Ao tra-
observada no Sul. Na área rural, abrangia 25% da tar dos níveis e modalidades de educação e ensino,
população, o que equivale a uma proporção cinco a LDB introduz o conceito de educação básica, que
vezes maior que a taxa da área urbana metropolita- inclui a educação infantil, para as crianças de zero
na. Quando se consideram as faixas etárias da po- a seis anos de idade, o Ensino Fundamental obri-
pulação, verifica-se que a de 40 anos ou mais é a que gatório e o Ensino Médio, para o qual determina
apresenta o maior índice de analfabetismo (19%), progressiva obrigatoriedade e gratuidade.
muito acima dos 2,9% registrados entre os jovens A incorporação da educação infantil na educação
de 15 a 24 anos. básica, a partir da LDB, se deve ao reconhecimento

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AULA 5 — Educação

de sua relevância para plena formação dos indiví- nutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-
duos, respondendo ao art. 227 da CF, que afirma ser mental (Fundef).
“dever da família, da sociedade e do Estado assegu- Assim como a Constituição Federal, a LDB asse-
rar à criança e ao adolescente, com absoluta priori- gura a possibilidade de o provimento e a produção
dade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à edu- da educação serem realizados pela iniciativa priva-
cação, (...) além de colocá-los a salvo de toda forma da, atendidas algumas condições normativas e de
de negligência, discriminação, exploração, violên- qualidade. A abertura do ensino ao setor privado
cia, crueldade e opressão”. A Lei no 11.274/2006 es- permite que se constituam instituições particula-
tendeu a duração do Ensino Fundamental de oito res criadas e mantidas por pessoas físicas ou jurí-
para nove, incluindo nele a criança de seis anos de dicas de direito privado.
idade. Os sistemas de ensino terão o prazo de cinco A LDB instituiu na estrutura educacional o
anos para implementar a lei. Conselho Nacional de Educação com funções nor-
Em relação à repartição de competências e res- mativas e de supervisão e atividade permanente,
ponsabilidades das esferas de governo, a legislação criado por lei. Funções similares são exercidas no
estabelece as responsabilidades de cada esfera de go- âmbito dos sistemas de ensino pelos conselhos es-
verno na prestação de serviços educacionais. Assim, taduais e municipais, que também são instituídos
compete à União o financiamento do ensino supe- por leis próprias.
rior e de escolas técnicas federais, além do exercício Outro marco de grande importância para bali-
das funções supletiva e redistributiva, nos demais zamento das ações e programas educacionais foi a
níveis de ensino, por meio de transferências de re- aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE),
cursos aos estados, ao DF e aos municípios. elaborado tomando como eixos norteadores a CF
Quanto aos estados, definia a Constituição Fe- de 1988, a LDB, a Emenda Constitucional (EC)
deral de 1988 que eles atuariam prioritariamente 14/1996 e demais políticas do setor. O PNE tem
no Ensino Fundamental e médio. A LDB é mais como objetivos: a) elevação global do nível de es-
específica e lhes atribui ofertar o Ensino Médio e, colaridade da população; b) melhoria da qualida-
em colaboração com os municípios, assegurar o de do ensino em todos os níveis; c) redução das
Ensino Fundamental. desigualdades sociais e regionais no tocante ao
Aos municípios, por sua vez, a Carta Magna acesso e à permanência, com sucesso, na educação
delega a responsabilidade pela manutenção, em pública; e d) democratização da gestão do ensino
regime de colaboração, de programas voltados à público, nos estabelecimentos oficiais, obedecendo
educação pré-escolar e ao Ensino Fundamental. A aos princípios da participação dos profissionais da
LDB ratifica essas responsabilidades, explicitando educação na elaboração do projeto pedagógico da
toda a educação infantil, e os proíbe de atuar em escola e a participação das comunidades escolar e
outros níveis de ensino sem antes ter atendido ple- local em conselhos escolares ou equivalentes.
namente às necessidades de sua área de competên- Quanto à situação de responsabilidade pelo fi-
cia. Em relação ao provimento da educação, ficou nanciamento da educação pública brasileira obser-
estabelecido, no item IV do art. 206 da CF, que o va-se que, no que diz respeito à divisão de fontes
ensino público em estabelecimentos oficiais deve de recursos e responsabilidades de gastos, a União
ser gratuito. divide a aplicação de seus recursos na manutenção
A Emenda Constitucional no 14, de 1996, asse- do sistema federal, na execução de programas pró-
gura a subvinculação dos recursos estabelecidos prios e em transferências para os sistemas estadu-
na Constituição para a área educacional, desti- ais e municipais. Na composição de seus recursos
nando 60% deles ao ensino obrigatório, por meio os estados somam os recursos recebidos da União
da criação do Fundo de Desenvolvimento de Ma- aos provenientes de suas fontes, os quais são utili-

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

zados na manutenção e expansão de seus sistemas como, e principalmente, da contribuição criada


de ensino. Por sua vez, na composição dos recursos exclusivamente para a educação, conhecida como
destinados à manutenção e expansão de suas re- salário-educação. O salário-educação, previsto no
des de ensino, os municípios recebem recursos da artigo 212 da CF, é uma fonte de recursos desti-
União e dos estados, os quais são somados aos seus nada explícita e exclusivamente ao Ensino Funda-
recursos próprios. mental da rede pública.
A estrutura de financiamento da educação é mis- O Bolsa Escola, a partir de 2004, passou a inte-
ta e complexa, com a maior parte dos recursos sen- grar, junto com outras ações de transferência de
do proveniente de fontes do aparato fiscal, que é o renda, o programa Bolsa-Família, gerido pelo Mi-
caso típico dos recursos da vinculação de impostos. nistério do Desenvolvimento Social e Combate à
A vinculação de recursos de impostos para a educa- Fome. A interface com o MEC diz respeito prin-
ção – reserva de determinado percentual do valor cipalmente ao cumprimento da condicionalidade
arrecadado – é uma das medidas políticas mais im- da frequência à escola. Outra iniciativa da gestão
portantes para garantir a disponibilidade de recur- Lula que implica reestruturação da educação obri-
sos para o cumprimento do vasto rol de responsa- gatória brasileira é a instituição do Ensino Funda-
bilidades do poder público nesta área. Desde 1983, mental com nove anos de duração, incluindo nele
garantiu-se por meio de Lei a destinação mínima a criança de seis anos de idade.
de recursos financeiros, pelos poderes públicos, à
educação (13% pela União e 25% pelos estados e EDUCAÇÃO INFANTIL
municípios). Com a Constituição Federal de 1988, Embora, pela Constituição Brasileira, apenas
ampliaram-se os percentuais dos recursos públicos o Ensino Fundamental tenha caráter obrigatório,
federais que deveriam ser aplicados nessa área (18% a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
pela União e 25% pelos estados e municípios). (LDB), de 1996, instituiu como formação mínima
Além de ter como estratégia a priorização do a educação básica que, além do Ensino Fundamen-
Ensino Fundamental e de reafirmar o papel do tal, abrange a educação infantil (crianças com até
Ministério da Educação e Cultura (MEC) como seis anos de idade) e o Ensino Médio (adequado à
coordenador das políticas nacionais, em 1998, por faixa de 15 a 17 anos). E é justamente nesses níveis
sugestão do MEC, foi instituído o Fundo de Manu- de ensino não obrigatórios que se encontram desi-
tenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental gualdades bastante expressivas.
e de Valorização do Magistério (Fundef), que tem Apesar de ser crescente a proporção das crianças
como objetivos imediatos garantir um gasto míni- de zero a seis anos atendida pela educação infantil,
mo por aluno e um piso salarial para o magistério. ainda é baixo o nível de cobertura nesse nível do
Esse Fundo reafirmou a necessidade de estados, ensino, especialmente entre as de zero a três anos
Distrito Federal (DF) e municípios cumprirem os de idade. Em 2005, apenas 13,3% desta faixa etá-
dispositivos da Constituição de 1988, relativos à ria frequentava creches. No período 1995-2005, o
vinculação de 25% de suas receitas de impostos e atendimento de crianças em creche cresceu apenas
das que lhes forem transferidas, à manutenção e ao 5,7%, ou seja, ritmo insuficiente para garantir o
desenvolvimento do ensino, além de obrigar esses alcance da meta estabelecida no Plano Nacional de
entes federados, a partir de 1998, a alocar 60% da- Educação (PNE), de terem matriculadas 50% das
queles recursos no Ensino Fundamental. Além dos crianças de zero a três anos, em 2011.
recursos de impostos, outra parcela razoável do
financiamento da educação provém das contribui- ENSINO FUNDAMENTAL
ções sociais, tanto das contribuições originalmente A quase universalização do acesso à escola nos
destinadas ao financiamento da seguridade social, anos de 1990, à população de 7 a 14 anos, significou

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AULA 5 — Educação

um dos principais avanços da sociedade brasileira dantes, conforme mostram os resultados do Sistema
no campo educacional. Ao progresso alcançado na Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
oferta de vagas, no entanto, sobrepõem-se novos
desafios. Além de ainda haver uma porcentagem ENSINO SUPERIOR
residual de crianças e jovens fora da escola, entre O acesso à educação superior, no Brasil, ainda é
os matriculados há aqueles que não aprendem ou bastante restrito, não apenas quando comparado ao
que progridem lentamente, repetem o ano e aca- de países desenvolvidos, mas também em relação a
bam abandonando os estudos. diversos países latino-americanos. Além disso, mos-
Os fatores que contribuem para essas dificulda- tra-se bastante desigual quando se comparam seg-
des estão relacionados principalmente à qualidade mentos populacionais segundo níveis de renda, raça/
do ensino, condições de acesso e permanência e às cor, localização regional e situação domiciliar (rural/
desigualdades sociais. Os indicadores de frequên- urbana).
cia ao Ensino Fundamental não revelam grandes Apesar de as taxas de expansão da matrícula nes-
disparidades quando comparados sob as óticas re- se nível do ensino terem sido expressivas a partir
gional, rural e urbana, de gênero ou raça. No en- da segunda metade da década de 1990, esse cresci-
tanto, a repetência e a evasão escolar ampliam o mento não foi suficiente para posicionar o país na
tempo médio de permanência no Ensino Funda- linha de frente das nações latino-americanas.
mental e comprometem negativamente os índices O modelo de expansão da educação superior,
de conclusão desse nível de ensino. adotado no período 1995-2002, orientado pela via
Os resultados do Sistema Nacional de Avalia- privada, possui os limites de ordem econômica im-
ção da Educação Básica (Saeb), realizado em postos pela decrescente capacidade de consumo da
2003, mostram que ainda é elevado o número de classe média brasileira.
alunos do Ensino Fundamental com desempenho No Brasil, atualmente, a oferta de vagas tem
inadequado, principalmente na rede pública de crescido além da demanda efetiva, gerando um
ensino. elevado nível de ociosidade das vagas ofertadas
pelo conjunto das instituições privadas. Vários
ENSINO MÉDIO são os fatores que levam boa parte dos estudan-
O Ensino Médio tornou-se objeto da política tes a interromper os estudos após o nível médio.
educacional do governo federal somente ao fim dos A necessidade de ingressar no mundo do trabalho
anos 1990, e as maiores taxas de crescimento das parece ser um dos principais, o qual se torna mais
matrículas nesse nível de ensino foram registradas forte à medida que aumenta a idade de conclusão
ao longo da segunda metade dessa década. da educação básica.
Diferentemente do que ocorre em relação à fre- Conforme atestam os dados do Inep/MEC, cer-
quência ao Ensino Fundamental, no caso do Ensi- ca de 60% dos concluintes do Ensino Médio, em
no Médio evidenciam-se profundas desigualdades 2004, o fizeram com idade de 20 anos ou mais. Nes-
regionais. A frequência ao Ensino Médio guarda se sentido, prosseguir nos estudos, para aqueles que
estreita relação com a renda familiar. Apesar de ain- se encontram nessa faixa etária, constitui desafio
da serem elevadas as desigualdades de acesso e fre- por vezes insuperável, sobretudo quando se torna
quência ao Ensino Médio, no Brasil, houve sensível necessário conciliar atividades laborais cotidianas
redução dessas diferenças nos últimos dez anos. com os estudos em cursos noturnos e pagos. Cabe
Cabe observar, no entanto, que o substancial cres- lembrar que mais da metade dos concluintes do En-
cimento das matrículas, verificado ao longo da se- sino Médio frequentava o ensino noturno e, prova-
gunda metade dos anos 1990, não foi acompanhado velmente, essa opção esteja relacionada à necessida-
de melhoria significativa do desempenho dos estu- de de trabalhar no período diurno. Em vista disso,

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

as expectativas de ingresso na educação superior ■■ Atividades


para os concluintes do Ensino Médio são bastante Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
reduzidas. atividades:
As condições socioeconômicas da maioria dos 1. Como está organizada a educação no Brasil
que concluem o Ensino Médio, associadas à re- em termos de responsabilidade a aplicação de re-
duzida oferta de vagas pelos sistemas públicos de cursos pelas três esferas de governo?
educação superior, constituem fatores limitantes 2. De acordo com os dados apresentados e o seu
de suas expectativas de acesso à educação superior. conhecimento, o analfabetismo ainda é um sério
A disputa dessas cobiçadas vagas públicas e gratui- problema para o Brasil? Justifique.
tas também mostra-se bastante desigual entre os 3. Qual a importância da educação para o de-
estudantes que frequentam o Ensino Médio priva- senvolvimento das pessoas?
do e mesmo o público diurno, e aqueles matricu-
lados no ensino público noturno.

** ANOTAÇÕES

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AULA 6 — Trabalho e Renda

AULA

Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil


Trabalho e Renda

■■ Conteúdo
• Contextualização das políticas de trabalho e renda no Brasil
• Trabalho e renda no novo milênio

■■ Competências e habilidades
• Compreensão do contexto e das perspectivas das políticas de trabalho e renda

■■ Material para autoestudo

Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

POLÍTICA DE TRABALHO E RENDA NO BRASIL


Como amplamente reconhecido, a Constituição No âmbito próprio às políticas de mercado de
Federal de 1988 é um marco na história das políticas trabalho, destaca-se a instituição do FAT (Fundo de
sociais brasileiras. Em seu capítulo dedicado aos di- Amparo ao Trabalhador), a partir do qual se pôde
reitos sociais, promoveu uma mudança formal sem viabilizar financeiramente a construção de um sis-
precedentes na trajetória de construção da ação do tema público de emprego, composto de políticas de
Estado no campo social. Trata-se de uma alteração transferência temporária de renda (seguro-desem-
qualitativa muito importante em termos da con- prego e abono salarial), prestação de serviços (in-
cepção de proteção que vigorava no país até então, termediação de mão de obra e qualificação profis-
pois inseriu os princípios da seguridade social e da sional) e concessão de crédito produtivo. Todavia,
universalização em áreas consideradas vitais da re- apesar dos avanços institucionais nesse campo da
produção social. proteção social, constata-se uma baixa eficácia ge-

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

ral dessas políticas em termos macroeconômicos. bano versus rural); de gênero (homem versus
A partir da especificidade mais visível do mercado mulher); de cor (branco versus não branco);
de trabalho brasileiro, qual seja, de uma oferta es- por idade (jovem versus idoso); por grau de
truturalmente abundante de mão de obra, inclusive instrução (qualificado versus não qualificado)
durante o ciclo de crescimento acelerado das déca- etc. O fenômeno da reorganização do merca-
das de 1930 a 1980, chegamos a um certo padrão de do de trabalho no Brasil tem, então, suscitado a
estruturação do trabalho no país que se caracteriza necessidade de se buscar maior articulação das
pelos seguintes aspectos: diversas políticas de emprego e, entre elas, as
a) Composição setorial da ocupação: partici- políticas macroeconômicas. Também deve ser
pação do setor terciário (comércio varejista vislumbrada a necessidade de aprimoramen-
e ambulante, serviços pessoais e domésticos tos das instituições que regulam o mercado de
etc.) muito grande na composição setorial da trabalho de modo a torná-las mais adaptadas à
força de trabalho. nova realidade.
b) G rau de formalização das relações de traba- Durante todo o século XX até a década de 1980, o
lho: concentrado nos setores mais dinâmicos Brasil apresentou taxas superlativas de crescimento
da economia e no setor público. econômico e elevadas taxas de assalariamento, com
c) Nível de emprego: subocupação da força de presença marcante da mobilidade social ascendente.
trabalho, se utilizado o conceito de desempre- Isso levou a um relativo descuido em relação à in-
go que inclui o aberto e o desemprego oculto corporação social que não passasse pela via do tra-
decorrente do trabalho precário e do desalento, balho, ou melhor, pela via do emprego assalariado
ainda que, devido a fatores demográficos, te- formal.
nha se reduzido nos últimos dois anos e apre- Posteriormente, entre o período constituinte e o
sente perspectivas mais favoráveis no futuro. início dos anos 1990, já estando o modelo brasileiro
d) Qualidade da ocupação: duração das jornadas de crescimento econômico em transformação e o
de trabalho relativamente elevadas se compa- Estado em crise, teve início o desenrolar do proces-
radas internacionalmente – ainda que haja evi- so de constituição de políticas públicas de emprego
dências de jornadas superiores em países emer- e renda, consubstanciadas na formação do chama-
gentes da Ásia e, especialmente, na China. do SPETR (Sistema Público de Trabalho, Emprego
e) Nível de remuneração: níveis muito baixos, se e Renda), tal como já ocorrera na experiência dos
medidos no nível do poder de compra real. países centrais.
f) E
 strutura de rendimentos: dispersão muito É consenso entre os estudiosos da área que a dé-
grande entre os rendimentos do trabalho, no- cada de 1990 representou uma mudança sem pre-
tadamente entre os chamados salários de base – cedentes na trajetória brasileira de estruturação de
formados pela pressão de oferta abundante do políticas públicas voltadas ao mercado de trabalho.
trabalho, normalmente pouco qualificada, nos Contudo, a despeito dos avanços constatados, há
segmentos pouco estruturados do mercado – e que se reconhecer que os programas pertencentes
os salários formados por pressão da demanda ao SPETR brasileiro continuam, em sua maioria,
por trabalho mais qualificado, existentes, em presos à regulação do setor formal da economia,
geral, no interior do chamado segmento estru- que atualmente ocupa menos da metade da PEA no
turado do mercado de trabalho, composto, por mercado de trabalho.
sua vez, tanto por empresas privadas de médio Em outras palavras, é preciso atentar para o fato
e grande porte quanto pelo próprio Estado. de que o conjunto de políticas nacionais de em-
g) Vários tipos de segmentação ou de discrimi- prego nasceu e se desenvolveu restrito aos progra-
nação no mercado de trabalho: espacial (ur- mas governamentais pertencentes exclusivamente

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AULA 6 — Trabalho e Renda

ao seu SPETR. Por isso mesmo, os instrumentos em postos de trabalho registrados nem desempre-
clássicos do SPETR tornam-se, em grande parte, gada, mas exerce uma série de atividades remune-
compensatórios, atuando principalmente sobre radas informais. A consequência disso é que parte
os condicionantes do lado da oferta do mercado dos trabalhadores não possuem as garantias legais
de trabalho (intermediação e capacitação profis- de um emprego assalariado.
sional). Obviamente, essas ações são incapazes de Frente a um mercado de trabalho marcado pelo
gerar a abertura de novas vagas, mas podem dotar desemprego elevado, alto patamar de informalidade
o trabalhador de melhores ferramentas na disputa e por uma renda média baixa e mal distribuída que
pelas vagas existentes. as políticas de emprego, trabalho e renda se organi-
Há, evidentemente, pressões para que o SPETR zaram a partir de meados da década de 1990. Nesse
assuma o desafio de reorientar seu leque de priori- sentido, foi organizada uma estratégia nacional de
dades, no sentido de direcionar o sistema de progra- emprego, trabalho e renda no país.
mas e recursos para políticas voltadas à dinamização Pode-se afirmar que está em construção no país
do mercado de trabalho, ou ainda, ajustar seus pro- um Sistema Público de Emprego, Trabalho e Ren-
gramas direcionando sua ação e seus recursos para da, isto é, um conjunto de programas de governo
o conjunto de trabalhadores independentemente de dirigidos ao mercado de trabalho nacional, tendo
seu grau de formalização. em vista os objetivos de: a) combater os efeitos do
O que marcou o período entre 1995 e 2005 foi desemprego (por meio de transferências monetá-
o crescimento da desocupação e do desemprego. rias como as previstas no seguro-desemprego); b)
Houve um aumento de 5 para 8,3 milhões de pesso- requalificar a mão de obra e reinseri-la no merca-
as economicamente ativas sem ocupação. O merca- do (por meio dos programas de qualificação pro-
do de trabalho brasileiro, dado o contexto de baixo fissional e de intermediação de mão de obra); e c)
crescimento e de baixa geração de emprego durante estimular ou induzir a geração de novos postos de
a maior parte do período, foi incapaz de absorver trabalho por meio da concessão de crédito facilita-
esse contingente adicional de trabalhadores, ocasio- do a empresas e/ou trabalhadores que busquem al-
nando a elevação do desemprego. gum tipo de auto-ocupação ou ocupação associada/
É apenas no ano de 2004 que esse quadro se rever- cooperativada.
te, pois, diante de uma taxa mais elevada de cresci- Dessa forma, está sendo constituído um sistema
mento, declinou a taxa de desemprego. Importante integrado de emprego, trabalho e renda, que visa
dizer que o crescimento deveu-se em grande medi- garantir a proteção monetária temporária contra o
da à incorporação das mulheres à força de traba- desemprego, a requalificação e a reinserção dos tra-
lho: segundo estimativa da Pnad, a PEA feminina balhadores no mundo do trabalho.
saltou de 28 para 40 milhões de pessoas no período O mercado de trabalho nacional passou por algu-
1995-2005, o que representou um crescimento de mas modificações ao longo do período 1995-2005,
43% (contra 25% da PEA masculina no mesmo pe- quase todas influenciadas pelo cenário macroeco-
ríodo). Se por um lado isso reflete uma mudança nômico mais geral. Entre 1995 e o fim de 1998, o
no padrão cultural dominante, em que grande parte desemprego aumentou, bem como a informalidade
das mulheres em idade ativa tendia a se dedicar ape- das relações de trabalho e a desproteção previden-
nas ao trabalho reprodutivo (manutenção da casa, ciária.
cuidado dos filhos etc.), por outro, é certo que essa Entre 1999 e meados de 2003, apesar da política
entrada também foi pressionada pela necessidade econômica restritiva, a economia brasileira operou
de complementar a renda domiciliar. num contexto de comércio internacional favorá-
Há que se considerar que uma grande parte da vel, o que permitiu uma certa melhora no mercado
população trabalhadora não está nem empregada de trabalho. O desemprego e a informalidade das

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

relações de trabalho parou de subir e a distribuição Desde o início dos anos 1990, o grau de infor-
dos rendimentos começou a esboçar uma pequena malidade tem aumentado no mercado de trabalho
melhora, sobretudo depois de 2001. brasileiro. Em 24 meses de Plano Real, segundo PAS-
Por fim, no triênio 2004-2006, a despeito de o TORE (1997, p. 81), a renda cresceu 33% no setor
arranjo de política macroeconômica manter-se formal e 38% no setor informal. O salário médio do
praticamente inalterado, a pujança do comércio setor formal alcançou R$ 530,00 e, no setor informal,
exterior, combinada com pequenas reduções de R$ 480,00. Por causa da carga tributária, a renda lí-
juros internos, provocou uma reação positiva do quida mensal nos dois setores, acabou sendo, aproxi-
mercado de trabalho. A taxa de desemprego e a in- madamente, a mesma. “Mas precisamos considerar
formalidade das relações de trabalho diminuíram, que, no setor formal, o trabalhador recebe FGTS, 13o
enquanto o nível de remunerações elevou-se ligei- salário e abono de férias”, observa ainda o autor.
ramente em 2005, o que contribuiu para reduzir as Segundo estudos do próprio Ministério do Tra-
desigualdades de renda. balho e Emprego (2000), o índice de trabalhadores
com carteira assinada está em declínio. Cresce, ao
TRABALHO E EMPREGO NO NOVO MILÊNIO mesmo tempo, de forma exponencial, um segmento
O capitalismo contemporâneo vem, nas últi- de trabalhadores por conta própria e sem carteira
mas décadas, realizando profundas mudanças no assinada. O fato é explicado como sendo resultado
mercado de trabalho. Essas se expressam, princi- de diversos fatores:
palmente, pela globalização das finanças, pela cres- 1. a ampliação do contingente de trabalhadores
cente precarização das relações de trabalho, pelas autônomos, decorrente das novas formas de
taxas elevadas de desemprego, pelo deslocamento produção, das relações de trabalho e do pro-
geográfico de organismos produtivos e absorvedo- cesso de terceirização;
res de mão de obra e pela eliminação de postos de 2. o aumento relativo do emprego no setor de
trabalho na indústria e nos serviços. serviços, gerador tradicional de empregos;
Entende-se por precarização das relações de tra- 3. o funcionamento dos fatores institucionais
balho a substituição das relações formalizadas de associados ao sistema de seguridade social e à
emprego que, no Brasil, expressam-se em registros legislação trabalhista como um incentivo para
na carteira de trabalho por relações informais de que empresas e trabalhadores optem por esta-
compra e venda de serviços, que vêm se consti- belecer relações informais de trabalho.
tuindo, principalmente, pelas formas de contrata- Segundo dados do Cadastro Geral de Emprega-
ção por tempo limitado, de assalariamento sem re- dos (CAGED), do Ministério do Trabalho e Empre-
gistro, de trabalho a domicílio e outras. (SINGER, go (MTE), no setor formal do mercado de trabalho,
1995). onde estão os trabalhadores protegidos por contra-
O trabalho temporário, por tempo determinado tos de trabalho e pelos estatutos públicos, foram eli-
e de meio período, está aumentando sua importân- minados cerca de 2,56 milhões de empregos, entre
cia no índice total de crescimento dos empregos. janeiro de 1990 e dezembro de 2000. A geração de
Tais tipos de trabalho envolvem, tipicamente, salá- emprego no setor formal tem tido uma tendência
rios mais baixos, alguns benefícios a menos e menor declinante a partir de 1990, explicada, em grande
segurança do que o emprego mais tradicional. Isso, parte, pela queda do emprego industrial. Entre 1990
por sua vez, está levando a uma polarização da força e 2000, o emprego formal declinou 8,4%.
de trabalho: trabalhadores de tempo integral com- Nesse contexto, até 1998, a taxa de desemprego
parativamente produzem mais resultados, enquan- no Brasil permaneceu em torno de 5,5%, um nível
to trabalhadores com menos segurança produzem considerado baixo para os padrões internacionais.
comparativamente menos. Mais recentemente, ocorreu uma elevação na taxa

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AULA 6 — Trabalho e Renda

que, entre janeiro e junho de 1999, passou para 1. Comente o texto destacado a seguir: “Contudo,
7,8%, em termos médios (MTE, 2000). Em 2000, se- a despeito dos avanços constatados, há que se reco-
gundo dados do IBGE, a média do ano ficou em tor- nhecer que os programas pertencentes ao Sistema
no de 7,6%. Estudos sobre a questão do mercado de Público de Emprego Trabalho e Renda brasileiro
trabalho evidenciam que, nos últimos anos, ocorreu continuam, em sua maioria, presos à regulação do
um aumento no perfil educacional da mão de obra. setor formal da economia, que atualmente ocupa
Entre 1994 e o início de 2000, a proporção de ocu- menos da metade da PEA no mercado de trabalho”.
pados com nível de escolaridade entre 0 e 4 anos de 2. Analise e disserte sobre a questão do trabalho
estudo caiu de 37% para 29% (queda de 8%), en- informal frente às políticas de trabalho e renda.
quanto a parcela de trabalhadores com mais de nove 3. Diante do texto apresentado e do seu conheci-
anos de estudo se elevou de cerca de 36% para 44% mento descreva algumas sugestões de medidas/pro-
(aumento de idênticos 8%) (MTE, 2000). gramas que poderiam ser implementadas através do
Se, por um lado, a elevação do nível de qualifi- SPETR.
cação da mão de obra reflete a melhoria do perfil
educacional da população na sua totalidade, por
outro, isso se deve à demanda maior por parte das ** ANOTAÇÕES
empresas de trabalhadores mais escolarizados. En-
tre 1992 e 1998, segundo o Ministério do Trabalho e
Emprego, houve um corte de 2,44 milhões de vagas
no Brasil, das quais 755 mil no período pós-Real.
Entre os meses de março e maio de 1998, ocorreu
um aumento expressivo de 406 mil novos empre-
gos. Esse número não foi suficiente para compensar
as perdas de cerca de 560 mil empregos, ocorridas
entre novembro de 1999 e fevereiro de 2000.
Qualquer trabalhador pode ler as estatísticas e
reportagens publicadas pela imprensa diariamente
e verificar que, nas últimas décadas, em todo o mun-
do, o nível de produtividade está crescendo enquan-
to decrescem os índices de emprego. As notícias do
front industrial revelam, com otimismo, o aumen-
to do índice de produtividade que, no entanto, não
gera empregos nem reverte em benefício da melho-
ria ou elevação do padrão salarial dos trabalhadores.
Ao contrário, os níveis salariais dos trabalhadores
estão decaindo, assim como aumenta a exclusão dos
trabalhadores do mercado formal de trabalho. Des-
sa maneira, o que aparece é que não há evidência, a
curto prazo, de indicativos de mudança na trajetória
de recuperação do mercado de trabalho.

■■ Atividades
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

AULA

7
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

Direitos Humanos e Cidadania

■■ Conteúdo
• Conceitos de cidadania e direitos humanos
• Direitos humanos e cidadania no Brasil
• Serviço Social e direitos humanos

■■ Competências e habilidades
• Compreensão e reflexão dos conceitos de cidadania e direitos humanos e a importância do
profissional de serviço social nesse contexto

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

A palavra cidadania deriva de cidadão que vem militares, consideradas importantes para a sobrevi-
do latim civitas, que quer dizer cidade. Tem o seu vência de todos e conformando, de certa forma, a
correspondente grego na palavra politikos – aque- identidade dos cidadãos.
le que habita na cidade. Na Grécia antiga, cidada- Em 1789, ocorreu na França um movimento re-
nia era o direito da pessoa participar em decisões volucionário, que ficou para a história com o nome
nos destinos da cidade. A palavra cidadania foi de Revolução Francesa e cujo lema era – liberdade,
usada na Roma antiga para indicar a situação po- igualdade e fraternidade. Esse movimento foi muito
lítica e os direitos que uma pessoa tinha ou podia importante porque influiu para que grande parte do
exercer. mundo adotasse o novo modelo de sociedade, criado
A cidadania em algumas cidades medievais do em consequência da Revolução. Foi nesse momento
século XII em diante só foi possível devido ao de- e nesse ambiente que nasceu a moderna concepção
senvolvimento (ainda incipiente) da atividade in- de cidadania, que surgiu para afirmar a eliminação
dustrial e à relevância que era dada às obrigações de privilégios mas que, pouco depois, foi utilizada

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AULA 7 — Direitos Humanos e Cidadania

exatamente para garantir a superioridade de novos Os direitos humanos abrangem todos os seres
privilegiados. humanos sem nenhuma distinção. As crianças têm
Com o desenvolvimento do liberalismo inicia-se direitos humanos, os deficientes mentais têm di-
uma profunda mudança no significado de cidadania, reitos humanos, aqueles que não são amplamente
surgindo a noção de igualdade entre indivíduos. cidadãos pela constituição, como os presos, os imi-
Posteriormente à Revolução Francesa foram grantes ilegais, continuam tendo direitos humanos
sendo assumidos o direito dos indivíduos à vida fundamentais, no entanto, não têm direito de cida-
e à liberdade. No entanto, só a partir da primeira dão, mas todos têm garantidos os direitos humanos
metade do século XX é que se foram consolidan- fundamentais. A cidadania expressa um conjunto
do importantes conquistas femininas, como o di- de direitos que dá à pessoa a possibilidade de parti-
reito ao voto. cipar ativamente da vida e do governo de seu povo.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo in- Não surge do nada como um toque de mágica, é
teiro chocado com o genocídio e as barbaridades co- necessário que o cidadão participe, seja ativo, faça
metidas, sentiu a necessidade de algo que impedisse valer os seus direitos.
a repetição destes fatos. Organizados e incentivados A cidadania e direitos humanos estão intima-
pela ONU, 148 nações reuniram-se e redigiram a mente ligados, os seus conteúdos interpenetram-se:
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que a cidadania não é materializada sem a realização dos
representa um enorme progresso na defesa dos Di- Direitos Humanos, da mesma forma que os Direitos
reitos Humanos, Direitos dos Povos e das Nações. Humanos não se concretizam sem o exercício da ci-
A Declaração Universal de 1948 deu um salto his- dadania (Fernandes, 2002).
tórico, ao considerar como direitos humanos, inde- A história tem inalteradamente demonstrado
pendentemente da origem nacional dos indivíduos, que só a luta social permite o avanço dos direitos
tanto os antigos direitos civis e políticos, como os di- humanos e dos direitos de cidadania. O processo de
reitos econômicos, sociais e culturais, enriquecendo construção da cidadania é antigo e nunca se com-
extraordinariamente o conceito. Desde então, mais pleta. Enquanto seres inacabados que somos, sem-
de cem novos tratados e declarações internacionais pre estaremos procurando, descobrindo, criando e
vêm, não só detalhando esse conjunto unificado de tomando consciência mais ampla dos direitos civis,
direitos, como também acrescentaram a eles o que políticos, econômicos, sociais e culturais. Nun-
vem sendo conhecido como “direitos coletivos e di- ca poderemos entregar a tarefa pronta, pois novos
fusos da humanidade”, tais como o direito ao meio desafios na vida social surgirão, procurando novas
ambiente sadio e equilibrado, direito à paz, direito conquistas e, portanto, mais cidadania.
ao desenvolvimento social etc. No Brasil, além das imensas desigualdades que
Segundo Fernandes (2002), os direitos de cidada- excluem grande parte dos cidadãos do usufruto
nia e os direitos humanos têm uma zona comum que dos benefícios do desenvolvimento, ainda acontece
diz respeito aos direitos públicos consagrados por a violação de direitos fundamentais. Nesse sentido,
um determinado ordenamento jurídico, concreto e uma política de direitos humanos e cidadania é mui-
específico (direito à instrução e educação, o direi- to importante e tem um enorme papel a cumprir.
to à proteção contra situações de velhice, invalidez, A conscientização da sociedade para a defesa des-
doença, maternidade, desemprego e vários outros, ses direitos é fundamental. Em especial, dela depen-
como alimentação, saúde e a habitação). Já alguns de os esforços para a superação do preconceito, da
dos direitos humanos (direito à vida, direito a não discriminação e da violência que acometem grupos
ser submetido à tortura, direito a não ser escraviza- específicos da população como: mulheres, afrodes-
do etc.) referem-se à pessoa humana como fonte de cendentes, indígenas, crianças e adolescentes, ido-
todos os valores sociais, numa perspectiva universal. sos, pessoas com deficiência e Grupos LGBT. Tam-

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

bém aqueles que, por força das circunstâncias, estão social na elaboração, gestão e controle das políticas
sujeitos ao arbítrio do Estado (detentos do sistema públicas, cumpre a importante função de debater os
penitenciário, internos do sistema socioeducativo, anseios e demandas da sociedade.
os trabalhadores submetidos a condições análogas Por sua vez, as conferências nacionais na área
à escravidão, os pacientes psiquiátricos e até mesmo dos direitos humanos constituem grandes espaços
os defensores de direitos humanos. de “revisão da política”. São precedidas de encontros
É preciso reconhecer que houve grande avanço municipais e estaduais e congregam representantes
na construção do arcabouço normativo e do apa- dos movimentos sociais organizados de todo o país.
rato político-institucional que garantem os direitos A participação social tem sido importante para o
fundamentais de cidadania no país e que zelam pe- aperfeiçoamento dessa política, no entanto, muitas
los grupos sociais mais vulneráveis. Impulsionados dessas conquistas ainda não se tornaram realida-
pelos compromissos firmados na Constituição Fe- de para grande parte da população brasileira. Isto
deral e pela adesão do país a vários instrumentos acontece basicamente por três razões:
internacionais de proteção aos direitos humanos a • Primeiro, porque faltam informação e instru-
partir do início da década de 1990, muitos foram os mentos suficientes para permitir que os cida-
avanços observados entre 1995 e 2005. dãos exijam o cumprimento desses direitos
Todas essas iniciativas têm significativos apoio e nas suas relações cotidianas, como, por exem-
sustentação no Programa Nacional de Direitos Hu- plo, acionando juridicamente o poder público
manos (PNDH), lançado em 1996 e ampliado em quando as normas e políticas se mostrarem in-
2002. Sua elaboração seguiu as recomendações da satisfatórias.
Conferência Mundial de Direitos Humanos, ocor- • Segundo, porque a concretização desses direi-
rida em Viena, em 1993, e resultou de extenso de- tos depende do seu desdobramento em políti-
bate e ampla articulação entre a sociedade civil e o cas públicas e da implementação de uma série
poder público. de serviços aos cidadãos e isso demanda um
O PNDH atende a princípios como da universa- volume considerável de recursos (físicos, hu-
lidade dos direitos humanos, incorporando, além manos e financeiros).
das metas relacionadas à garantia do direito à vida, • Em terceiro lugar, cabe mencionar que muitos
à segurança, à liberdade de opinião e expressão, à dos princípios e normas legais, particularmen-
igualdade, à justiça, à educação para a cidadania e à te no que se refere aos direitos de grupos so-
inserção do país nos sistemas internacionais de pro- ciais específicos encontram resistência que vão
teção aos direitos humanos, também ações voltadas desde o preconceito até a pressão de grupos
para a garantia do direito à educação, à saúde, à pre- conservadores alheios à cultura e aos valores
vidência e à assistência social, ao trabalho, à mora- humanistas.
dia, a um meio ambiente saudável, à alimentação, à
cultura e ao lazer. Em linhas gerais, pode-se afirmar que esses são
É importante considerar que a participação so- os principais desafios colocados para a política de
cial tem sido fundamental na constante ampliação direitos humanos e cidadania atualmente.
dos temas incluídos na pauta brasileira dos direitos
humanos e da cidadania. Essa participação social SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
ocorre especialmente por meio da representação O fato de a atividade dos profissionais de Serviço
nos conselhos de direitos e da atuação nas confe- Social se centrar nas necessidades humanas reforça
rências nacionais. O contato regular entre represen- a sua convicção, de que a natureza dessas necessida-
tantes governamentais e da sociedade civil propicia- des exige que sejam satisfeitas, não por uma ques-
do pelos conselhos, além de garantir a participação tão de opção, mas como um imperativo de justiça

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AULA 7 — Direitos Humanos e Cidadania

social. Assim, o Serviço Social caminha com o ob- consequências graves para os profissionais de Ser-
jetivo de considerar os Direitos Humanos como viço Social.
um dos princípios mais importantes de sua prática
profissional. Trabalhando no âmbito de diferentes
sistemas políticos, os profissionais de Serviço Social !! IMPORTANTE
garantem e defendem os direitos individuais ou co- A política de direitos humanos e cidadania
letivos dos indivíduos, ao mesmo tempo que tentam visa garantir, mas também defender e promo-
satisfazer as suas respectivas necessidades. ver os direitos humanos no Brasil. Essa polí-
O Serviço Social preocupa-se com a proteção das tica deve estabelecer um conjunto articulado
diferenças individuais e de grupo sendo uma ativi- de ações, instituições e instrumentos capazes
dade de mediação interpessoal, que exige consci- de produzir condições favoráveis e amplas
ência dos valores e sólidos conhecimentos de base, para a promoção dos direitos humanos, na
nomeadamente na área dos Direitos Humanos, que efetivação do compromisso político com a
lhes possam servir de orientação nas múltiplas situ- justiça e a cidadania.
ações de conflito que surgem na prática.
A visão do respectivo trabalho a partir de uma
perspectiva global de Direitos Humanos auxilia os ■■ Atividades
profissionais, conferindo-lhes um sentido de unida- Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
de e solidariedade, sem perder de vista as perspecti- atividades:
vas, condições e necessidades locais, que constituem 1. Comente a importância da Declaração dos Di-
o quadro de atuação destes profissionais. reitos Humanos no contexto dos Direitos Humanos.
Professores e trabalhadores de Serviço Social pre- 2. Qual a importância da participação popular na
cisam estar conscientes de que as suas preocupações questão dos direitos humanos no Brasil e como ela
se relacionam intimamente com o respeito pelos ocorre?
Direitos Humanos. Precisam aceitar a premissa de 3. Como as atividades do profissional de serviço
que os Direitos Humanos e liberdades fundamen- social se relacionam com os direitos humanos?
tais são indivisíveis, e que a plena realização dos di-
reitos civis e políticos não é possível sem o gozo dos
direitos econômicos, sociais e culturais. E também
acreditar que um progresso duradouro na realiza- ** ANOTAÇÕES
ção dos Direitos Humanos depende de políticas de
desenvolvimento econômico e social eficazes, a ní-
vel nacional e internacional. O conhecimento dire-
to das condições de vida dos setores vulneráveis da
sociedade faz com que professores e trabalhadores
de Serviço Social sejam de grande importância na
formulação de políticas sociais.
Os Direitos Humanos são inseparáveis da teoria,
valores e práticas do Serviço Social. Direitos cor-
respondentes às necessidades humanas têm de ser
garantidos e promovidos, e se tornam a justificativa
e motivação da ação do Serviço Social. A defesa de
tais direitos deverá, assim, fazer parte integrante do
Serviço Social, mesmo quando tal defesa possa ter

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

AULA

8
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

Família, Redes e Políticas Públicas

■■ Conteúdo
• Conceitos e caracterizações de famílias
• Redes e políticas públicas

■■ Competências e habilidades
• Compreender o conceito de família na perspectiva da realidade contemporânea
• Caracterizar as mudanças na estrutura e também nas funções da família
• Analisar o significado da retomada da família e das redes sociais como referência das políti-
cas públicas no Brasil

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

através das instituições sociais e políticas e do de-


++SAIBA MAIS senvolvimento das artes, das técnicas e dos ofícios.
O Humanismo não separa homem e Natureza,
Humanismo: o período do Humanismo ini- mas considera o homem um ser natural diferen-
cia-se no século XV com a ideia renascentista da te dos demais, manifestando essa diferença como
dignidade do homem como centro do Universo, ser racional e livre agente ético, político, técnico e
prossegue nos séculos XVI e XVII com o estudo do artístico.
homem como agente moral, político e técnico-ar- Famílias Monoparentais: Constituídas por
tístico, destinado a dominar e controlar a Natureza mulheres (e, em muito menor escala, por ho-
e a sociedade, chegando ao século XVIII, quando mens), responsáveis únicos pela família, com seus
surge a ideia de civilização, isto é, do homem como filhos.
razão que se aperfeiçoa e progride temporalmente

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AULA 8 — Família, Redes e Políticas Públicas

CONCEITOS E CARACTERIZAÇÕES DE FAMÍLIAS e contemporânea (Donati & Di Nicola, 1996


Segundo Donati & Di Nicola, (1996 apud SERA- apud Serapione, 2005).
PIONE, 2005): Conforme consta na Política Nacional de Assis-
tência Social/PNAS e no Sistema Único de Assis-
A família tem de ser compreendida como: a) in-
tência Social – SUAS (2004), as novas configurações
tercâmbio simbólico entre gêneros e gerações; b)
mediação entre cultura e natureza; c) mediação en- dos espaços públicos, em termos dos direitos sociais
tre esfera privada e esfera pública. Nesse sentido, a assegurados pelo Estado democrático de um lado e,
família deve ser entendida seja como relação inter- por outro, dos constrangimentos provenientes da
subjetiva do mundo da vida, seja como instituição. crise econômica e do mundo do trabalho, deter-
minaram transformações fundamentais na esfera
O Humanismo cristão sempre reconheceu o pa- privada, dando novas formas de composição e do
pel primordial da família na (pro)criação e na for- papel das famílias. Assim, considerando a realida-
mação de seres humanos prontos a entrar em re- de brasileira atual e a óbvia carência de vários fa-
lações sociais saudáveis e construtivas. É conferido tores importantes para a realização humana, pode-
um papel central à família em tudo o que diz res- se esperar que a situação do núcleo familiar esteja
peito às necessidades e às exigências da formação também marcada por precariedade na consecução
humana em uma sociedade, cabendo às instâncias de recursos indispensáveis, falta de condições para
superiores e, em última análise, ao Estado apenas exercício de suas principais funções e para efetiva-
auxiliar (ou subsidiar) naquilo que a família tem ção dos projetos de vida de seus membros.
dificuldade em prover a seus membros. (ACOSTA; Considera-se ainda, que a crise do Estado de
VITALE, 2003). Bem-Estar Social tem contribuído para a redesco-
Nas últimas décadas, houve significativas mu- berta da família, das redes primárias e da comuni-
danças seja na estrutura e funções da família, seja dade como atores fundamentais na efetivação das
na dinâmica interna da vida familiar. Essas mudan- políticas sociais. A família é cada vez mais objeto
ças, porém, têm implicações, também, na provisão de atenção das instituições governamentais e dos
de cuidado informal. cientistas sociais pela grande quantidade de ativi-
Do ponto de vista das funções, a família perde dades de proteção, ajuda e cuidado que ela desen-
a sua estrutura multifuncional (unidade de produ- volve (SERAPIONI, 2005).
ção e consumo, detentora de mecanismos de trans- Como reconhecem Acosta; Vitale (2003):
missão cultural de valores e normas, de integração
A família tem sido percebida como base estratégi-
social de seus membros, de socialização primária e
ca para a condução de políticas públicas, especial-
secundária das novas gerações, de controle da pro-
mente aquelas voltadas para o combate à pobreza,
priedade) que, tradicionalmente, assumia e que, entretanto, a família, sobretudo aquela pertencen-
agora, é assumida por outras agências, como a esco- te aos extratos mais pobres da população, não é
la, a fábrica, o mercado, os meios de comunicação, a uma entidade estática. Ao contrário, são intensas
Igreja etc. Na sociedade moderna, a família tende a e nem sempre claramente delineadas as transfor-
se reduzir sempre mais à família nuclear, mantendo mações pelas quais a mesma passa.
um número limitado de funções, entre as quais: a
estabilização do equilíbrio da personalidade adulta Ainda de acordo com a PNAS e SUAS (2004), a
e a socialização primária dos novos nascidos. Trata- família, independentemente dos formatos ou mo-
se, porém, de duas funções, que, embora residuais, delos que assume é mediadora das relações entre
são muito importantes, já que somente a família os sujeitos e a coletividade, delimitando, continua-
pode desempenhar. Por isso, ainda se considera im- mente os deslocamentos entre o público e o priva-
portante o papel da família na sociedade moderna do, bem como geradora de modalidades comuni-

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

tárias de vida. Todavia, não se pode desconsiderar que a realidade tem dado sinais cada vez mais evi-
que ela se caracteriza como um espaço contradi- dentes de processos de penalização e desproteção
tório, cuja dinâmica cotidiana de convivência é das famílias brasileiras.
marcada por conflitos e geralmente, também, por
desigualdades, além de que nas sociedades capita- REDES E POLÍTICAS PÚBLICAS
listas a família é fundamental no âmbito da prote- A valorização das redes sociais e da família é
ção social. quase contemporânea ao surgimento da crise eco-
Em segundo lugar, é preponderante retomar nômica e fiscal dos Estados de Bem-Estar. Nesse
que as novas feições da família estão intrínsecas e contexto, ressurge também a família e a comunida-
dialeticamente condicionadas às transformações de. Essa convergência tem, de fato, levado a reco-
societárias contemporâneas, ou seja, às transfor- nhece o papel das redes sociais e, no geral, do cha-
mações econômicas e sociais, de hábitos e costu- mado terceiro setor como importantes atores para
mes e ao avanço da ciência e da tecnologia. O novo satisfazer as necessidades sociais. Obviamente, essa
cenário tem remetido à discussão do que seja a fa- posição pode assumir diferentes significados: 1)
mília, uma vez que as três dimensões clássicas de pode ser entendida como uma resposta à crise eco-
sua definição (sexualidade, procriação e convivên- nômica e fiscal do Estado de Bem-Estar valorizan-
cia) já não têm o mesmo grau de imbricamento do o trabalho da família e das redes sociais primá-
que se acreditava antes. Nesta perspectiva, pode-se rias; 2) pode ser entendida como uma resposta às
dizer que se está diante de uma família quando um novas necessidades e demandas relacionadas mais
conjunto de pessoas se acha unidas por laços con- à qualidade de vida, que à segurança material. Nes-
sanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade. Como se sentido, a valorização de cuidado informal e de
resultado das modificações acima mencionadas, redes sociais poderia representar uma maior preo-
superou-se a referência de tempo e de lugar para a cupação do Estado com os aspectos relacionais, de
compreensão do conceito de família. humanização e de personalização das intervenções
O reconhecimento da importância da família sociais. Se isso acontecesse, estaríamos diante de
no contexto da vida social está explícito no arti- um processo de transição que nos levaria em dire-
go 226, da Constituição Federal do Brasil, quando ção a uma sociedade de serviços, ou seja, estaría-
declara que a “família, base da sociedade, tem es- mos diante de uma enorme mudança socioeconô-
pecial proteção do Estado”, endossando, assim, o mica e cultural: a passagem de um Estado de Bem-
artigo 16, da Declaração dos Direitos Humanos, Estar a uma Sociedade de Bem-Estar (DONATI &
que traduz a família como sendo o núcleo natural DE NICOLA, 1996, apud SERAPIONE, 2005).
e fundamental da sociedade, e com direito à pro- No contexto do Brasil, a retomada da família
teção da sociedade e do Estado. No Brasil, tal reco- e das redes sociais como referência das políticas
nhecimento se reafirma nas legislações específicas públicas é justificada, também, como a estratégia
da Assistência Social – Estatuto da Criança e do mais adequada ao lado das intervenções sociais
Adolescente – ECA, Estatuto do Idoso e na própria tradicionais (saúde, educação, habitação, renda
Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, além da etc.) para desenvolver programas sociais efetivos
Política Nacional de Assistência Social/PNAS e no para enfrentar a pobreza (SERAPIONE, 2005 apud
Sistema Único de Assistência Social – SUAS, entre DRAIBE, 1998).
outras. De qualquer forma, a valorização da família e das
Embora haja o reconhecimento explícito sobre redes sociais, no contexto da crise do Welfare State,
a importância da família na vida social e, portan- reflete certa consciência do esgotamento da opção
to, merecedora da proteção do Estado, tal proteção pelo indivíduo como eixo das políticas e dos pro-
tem sido cada vez mais discutida, na medida em gramas sociais. Hoje em dia, em níveis internacio-

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AULA 8 — Família, Redes e Políticas Públicas

nal e nacional, há um consenso sobre a importância lecimento de possibilidades de convívio, educação e


de retomar a família como unidade de atenção das proteção social, na própria família, não restringe as
políticas públicas; ainda, desenvolver redes de apoio responsabilidades públicas de proteção social para
e de envolvimento das famílias e comunidades; e com os indivíduos e a sociedade.
mais, realizar uma melhor integração entre famí- Esta ênfase está ancorada na premissa de que a
lias, serviços públicos e iniciativa do setor informal centralidade da família e a superação da focalização,
(SERAPIONE, 2005). no âmbito da política de Assistência Social, repou-
Atualmente, há várias propostas de políticas so- sam no pressuposto de que para a família prevenir,
ciais baseadas na concepção de cuidado comunitá- proteger, promover e incluir seus membros é ne-
rio, que objetivam corresponsabilizar a comunidade cessário, em primeiro lugar, garantir condições de
em relação aos problemas sociais e de saúde. Uma sustentabilidade para tal. Nesse sentido, a formula-
das estratégias é o Programa de Saúde da Família, ção da política de Assistência Social é pautada nas
que visa oferecer serviços de atenção básica às fa- necessidades das famílias, seus membros e dos in-
mílias e às comunidades. Observa-se, porém, uma divíduos. Essa proposta direciona-se ao reconheci-
profunda transformação na organização da família, mento da realidade que temos hoje através de estu-
na sua composição e estrutura e sua função. dos e análises das mais diferentes áreas e tendências.
Por reconhecer as fortes pressões que os pro- Pesquisas sobre população e condições de vida nos
cessos de exclusão sociocultural geram sobre as informam que as transformações ocorridas na so-
famílias brasileiras, acentuando suas fragilidades e ciedade contemporânea, relacionadas à ordem eco-
contradições, faz-se primordial sua centralidade no nômica, à organização do trabalho, à revolução na
âmbito das ações da política de assistência social, área da reprodução humana, à mudança de valores
como espaço privilegiado e insubstituível de prote- e à liberalização dos hábitos e dos costumes, bem
ção e socialização primárias, provedora de cuidados como ao fortalecimento da lógica individualista em
aos seus membros, mas que precisa também ser cui- termos societários, redundaram em mudanças radi-
dada e protegida. cais na organização das famílias.
Nesse contexto, a matricialidade sociofamiliar Uma das mudanças que se pode observar é o
passa a ter papel de destaque no âmbito da Políti- enxugamento dos grupos familiares (famílias me-
ca Nacional de Assistência Social – PNAS. Para a nores), uma variedade de arranjos familiares (mo-
proteção social de Assistência Social o princípio de noparentais, reconstituídas), além dos processos de
matricialidade sociofamiliar significa que: a família empobrecimento acelerado e da desterritorialização
é o núcleo social básico de acolhida, convívio, au- das famílias gerada pelos movimentos migratórios.
tonomia, sustentabilidade e protagonismo social; a Essas transformações, que envolvem aspectos
defesa do direito à convivência familiar, na proteção positivos e negativos, desencadearam um processo
de Assistência Social, supera o conceito de família de fragilização dos vínculos familiares e comuni-
como unidade econômica, mera referência de cál- tários e tornaram as famílias mais vulneráveis. A
culo de rendimento per capita e a entende como vulnerabilidade da pobreza está relacionada aos
núcleo afetivo, vinculado por laços consanguíneos, fatores da conjuntura econômica e das qualifica-
de aliança ou afinidade, que circunscrevem obriga- ções específicas dos indivíduos, mas também às ti-
ções recíprocas e mútuas, organizadas em torno de pologias ou arranjos familiares e aos ciclos de vida
relações de geração e de gênero; a família deve ser das famílias. Portanto, as condições de vida de cada
apoiada e ter acesso a condições para responder ao indivíduo dependem menos de sua situação especí-
seu papel no sustento, na guarda e na educação de fica que daquela que caracteriza sua família. No en-
suas crianças e adolescentes, bem como na proteção tanto, percebe-se que na sociedade brasileira, devi-
de seus idosos e portadores de deficiência; o forta- do às desigualdades características de sua estrutura

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

social, o grau de vulnerabilidade vem aumentando Além disso, a Assistência Social, enquanto po-
e com isso aumenta também a exigência das famí- lítica pública que compõe o tripé da Seguridade
lias para desenvolverem complexas estratégias de Social, e considerando as características da popu-
relações entre seus membros para sobreviverem. lação atendida por ela, deve fundamentalmente
Assim, essa perspectiva de análise, reforça a inserir-se na articulação intersetorial com outras
importância da política de Assistência Social no políticas sociais, particularmente, as públicas de
conjunto de proteção da Seguridade Social, como Saúde, Educação, Cultura, Esporte, Emprego, Ha-
direito de cidadania, articulada à lógica da univer- bitação, entre outras, para que as ações não sejam
salidade. Além disso, a diversidade sociocultural fragmentadas e se mantenha o acesso e a qualidade
das famílias, na medida em que estas são organi- dos serviços para todas as famílias e indivíduos.
zadas por hierarquias rígidas e por uma solidarie- A efetivação da política de Assistência Social,
dade paternalista que redundam em desigualdades caracterizada pela complexidade e contraditorie-
e opressões. Neste sentido, a política de Assistência dade que cerca as relações intrafamiliares e as re-
Social desempenha papel fundamental no processo lações da família com outras esferas da sociedade,
de emancipação destas, enquanto sujeito coletivo. especialmente o Estado, colocam desafios tanto
Existe proposta mais ampla do estabelecido na le- em relação à sua proposição e formulação quanto
gislação, no sentido de reconhecer que a concessão à sua execução.
de benefícios está condicionada à impossibilidade Os serviços, programas, projetos de atenção às fa-
não só do beneficiário em prover sua manutenção, mílias e indivíduos poderão ser executados em par-
mas também de sua família. ceria com as entidades não governamentais de assis-
Dentro do princípio da universalidade, portan- tência social, integrando a rede socioassistencial.
to, objetiva-se a manutenção e a extensão de direi- Incidem sobre famílias/pessoas nos diferen-
tos, em sintonia com as demandas e necessidades tes ciclos da vida (crianças, adolescentes), jovens,
particulares expressas pelas famílias. Nessa ótica, a (adultos e idosos); pessoas com redução da capa-
centralidade da família com vistas à superação da cidade pessoal, com deficiência ou em abandono;
focalização, tanto relacionada a situações de risco crianças e adultos, vítimas de formas de exploração,
como a de segmentos, sustenta-se a partir da pers- de violência e de ameaças; vítimas de preconceito
pectiva postulada. Ou seja, a centralidade da famí- por etnia, gênero e opção pessoal; vítimas de apar-
lia é garantida à medida que na Assistência Social, tação social que lhes impossibilite sua autonomia e
com base em indicadores das necessidades fami- integridade, fragilizando sua existência; especial às
liares, se desenvolva uma política de cunho uni- mulheres chefes de família e seus filhos.
versalista, que em conjunto com as transferências
de renda em patamares aceitáveis se desenvolva, ■■ Concluindo
prioritariamente, em redes socioassistenciais que Chega-se à conclusão de que é preciso investir re-
suportem as tarefas cotidianas de cuidado e que cursos, sob a forma de pesquisas, reflexões e ações que
valorizem a convivência familiar e comunitária. possibilitem que as famílias se reconstruam e respon-
De acordo com a NOB – SUAS, “a rede socio- dam à sua vocação primordial de serem os “ninhos”
assistencial é um conjunto integrado de ações de em que se gera e nutre uma sociedade de pessoas li-
iniciativa pública e da sociedade que ofertam e vres, educadas e voltadas para o bem comum.
operam benefícios, serviços, programas e projetos, Considerando a profunda transformação na orga-
o que supõe a articulação dentre todas estas unida- nização da família, na sua composição e estrutura e
des de provisão de proteção social sob a hierarquia sua função, o desenvolvimento de uma política mais
de básica e especial e ainda por níveis de complexi- efetiva nessa área deve promover um processo de edu-
dade” (NOB/2005). cação continuada dos profissionais, aprofundando

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AULA 8 — Família, Redes e Políticas Públicas

sua formação quanto à abordagem familiar e comu- 1. Analise o conceito de família na perspectiva da
nitária. Os planejadores de políticas sociais dispõem realidade contemporânea.
de várias possibilidades para introduzir novas e criati- 2. Caracterize as mudanças na estrutura e tam-
vas iniciativas em nível de comunidade, que oferecem bém nas funções da família.
a oportunidade de valorizar o papel do cuidado in- 3. Comente o significado da retomada da família
formal, em particular o cuidado subministrado pelo e das redes sociais como referência das políticas pú-
parentesco, e para integrá-lo às atividades realizadas blicas no Brasil.
pelos serviços institucionais (SERAPIONI, 2005). 4. Para o desenvolvimento de uma política mais
efetiva nessa área, o que deve ser feito, conside-
■■ Atividades rando a profunda transformação na organização
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes da família, na sua composição e estrutura e na sua
atividades: função?

** ANOTAÇÕES

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

AULA

9
Dimensões do Trabalho do Assistente
Social nas Políticas Sociais

■■ Conteúdo
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

• Metodologia da intervenção do assistente social no campo das políticas sociais


• Formas de inserção sócio-institucional do assistente social
• Espaços emergentes do Serviço Social

■■ Competências e habilidades
• Compreender a metodologia da intervenção do assistente social no campo das políticas
sociais
• Caracterizar as diversas formas de inserção sócio-institucional do assistente social que vai
desde a ponta da rede de serviços sociais, execução, até o gerenciamento de políticas sociais,
organizações sociais
• Compreender e descrever a dimensão econômico-politica e também um conjunto de pro-
cedimentos técnico-operativo das políticas sociais
• Analisar os espaços emergentes do Serviço Social

■■ Material para autoestudo


Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade

■■ Duração
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo

pluralista e da própria organização social. No século


++SAIBA MAIS XX, o termo ‘barbárie’ sofreu uma virada de sentido
com as pesquisas antropológicas que reconheceram
Barbárie: A barbárie se opõe ao humanismo, ou as demais culturas humanas não brancas
seja, é um ato considerado ‘desumano’ porque não também eram dotadas de organização social ra-
respeita os fundamentais valores conquistados no cional, tinham valores e preceitos morais próprios;
campo da ética, do direito, da ciência, da democracia portanto, eram civilizadas. A globalização econômi-

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AULA 9 — Dimensões do Trabalho do Assistente Social nas Políticas Sociais

ca, embora fazendo uso de instrumentos da civiliza- O referencial teórico e metodológico é extraído
ção, termina causando efeitos bárbaros de exclusão das ciências humanas e sociais através de conheci-
social, de competição insana entre nações, grupos e mentos nas áreas de: Administração, Ciência Políti-
pessoas, aumento da criminalidade etc. ca, Sociologia, Psicologia, Economia etc. E a profis-
Monitoramento: É uma atividade contínua, ge- são tem produzido também, através de pesquisa
rencial, que visa aferir o controle de entrega de in- e de sua intervenção, conhecimentos sobre o que
sumos, conforme as metas e o calendário, tendo em constituem as questões sociais e estratégias capazes
vista a garantia da eficiência do programa. de orientar e instrumentalizar a ação profissional.
Avaliação de processo: Avaliação centrada no A partir desse entendimento, Pontes (p. 43,
desenvolvimento do programa, tendo em vista afe- 2000), demonstra alguns aspectos que possibilita-
rir sua eficácia e efetuar correções durante a imple- rão a compreensão metodológica da intervenção do
mentação. assistente social no campo das políticas sociais:
Avaliação de impactos: Avaliação centrada nas O profissional de Serviço Social precisa estar
mudanças qualitativas e quantitativas do programa, equipado político-teórico e tecnicamente para en-
tendo como critério a efetividade e como suposição frentar a complexidade que sua intervenção exige:
a existência de relação entre variáveis. Além de conhecer a realidade em toda a sua com-
Indicadores sociais: parâmetros qualificados e/ plexidade, criar meios para transformá-la em dire-
ou quantificados, que servem para detalhar em que ção a um projeto sócio-profissional. O que desafia
medida os objetivos de um projeto foram alcan- o profissional a, cotidianamente, enfrentar a rea-
çados, dentro de um prazo delimitado de tempo e lidade complexa das organizações sociais em que
numa localidade especifica. atuam.
A aula Dimensões do trabalho do assistente so- O melhor conhecimento da realidade, reorien-
cial nas políticas sociais, trata de demonstrar a di- tando a intervenção profissional, é uma efetiva for-
versidade de formas de intervenção do assistente ma de resistência e de luta contra a barbárie, que
social no campo das políticas sociais, e de analisar também fortalece a emancipação humana.
a dimensão econômica e política e também os pro- O assistente social possui ampla diversidade de
cedimentos técnico-operativos das políticas sociais formas de inserção sócio-institucional que vai des-
cuja atuação profissional exige dois campos: o de de a ponta da rede de serviços sociais, execução, até
formulação e implantação destas mesmas políticas o gerenciamento de políticas sociais, organizações
sociais. Por fim, apresenta um elenco de espaços sociais (OG, ONG s e Empresariais).
emergentes de possibilidades concretas de atuação Atualmente exige-se um perfil profissional
do Assistente Social. qualificado no âmbito da execução e também na
Para iniciar essa conversa é necessário o enten- formulação e gestão de políticas sociais, públicas
dimento de que o Serviço Social é hoje totalmente e empresariais que apresente propostas inovado-
articulado à ordem social capitalista brasileira. ras, com sólida formação ética, que acesse os di-
Coube ao Estado viabilizar salários indiretos por reitos sociais dos usuários e dos meios de exercê-lo
meio das políticas sociais públicas, operando uma e com conhecimentos suficientes para transmi-
rede de serviços sociais, que permitisse liberar parte tir informações, permanentemente atualizadas
da renda monetária da população para o consumo (IAMAMOTO, 2000).
de massa e consequente dinamização da produção. A pesquisa e o conhecimento da realidade são
Devido a complexidade da questão social, o Esta- premissas para a organização e o desenvolvimento
do fragmenta e as recorta em questões sociais a se- do processo de intervenção do Serviço Social. Assim,
rem atendidas pelas políticas sociais. Quais os vín- pressupondo a investigação detalhada sobre a reali-
culos entre as políticas sociais e o Serviço Social? dade social para a construção de diagnóstico e indi-

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

cadores sociais para a caracterização da população individuais tratadas na aparência. Implicam inter-
alvo, com a clara definição dos recursos e priorida- venções que emanem de escolhas, que passem pela
des, dentre outros aspectos. razão crítica e vontade dos sujeitos no campo de
Para a formulação de Políticas Sociais é necessá- valores universais (éticos, morais e políticos), ações
rio estabelecer negociação e participação popular conectadas a projetos profissionais com referenciais
buscando acatar as soberanas deliberações da so- teóricos e princípios ético-políticos.
ciedade civil. Assim, os usuários da política social Entretanto, nos anos 1990, vimos antigos meca-
em questão devem participar de todas as etapas: nismos de proteção social serem colocados em prá-
Eleição de prioridades; critérios de atendimento; tica contraditoriamente: Políticas residuais casuais
dinâmica do serviço; gestão e administração dos e seletivas em pobreza extrema para amenizar os
programas. impactos das novas condições sociais (desemprego
O termo, gestão, envolve detalhadas recomenda- estrutural, aumento da pobreza e da exclusão social,
ções técnicas, pois vem da área da Administração. precarização do trabalho etc.) colocando em xeque
Além das noções de eficiência, eficácia e efetivida- os próprios direitos sociais (requer um profissio-
de; as funções gerenciais: planejamento, organiza- nal não mais executor terminal de políticas sociais,
ção, direção e controle; os níveis organizacionais: mas um profissional qualificado na execução, gestão
estratégico,tático e operacional (PAIVA, 2000). e formulação de políticas sociais públicas, crítico e
Segundo Guerra (2000), as políticas sociais além propositivo.
da dimensão econômico-política constituem-se Atualmente com algumas mudanças no cenário
também num conjunto de procedimentos técnico – brasileiro cujo contexto social, econômico e político
operativos, em que os profissionais devem atuar em na busca da democratização da sociedade, descentra-
dois campos: o de sua formulação e de sua implan- lização do poder do Estado e da participação social
tação, sendo assim, nesse mercado de trabalho, o de novos sujeitos e movimentos sociais em direção à
assistente social passa a desempenhar determinados construção de políticas públicas provocaram a uni-
papéis. Dessa forma, a lógica da intencionalidade é versalização dos serviços sociais, a descentralização
mediada pela lógica da institucionalização, a qual o participativa, redirecionamento das funções sócio-
profissional está submetido. institucionais, colocando para o Serviço Social não
As políticas produzem e obedecem a uma dinâmi- apenas a execução de políticas sociais, mas uma base
ca que reflete no trabalho do assistente social: Visão organizacional situada na função gerencial, seja das
de totalidade das políticas sociais, expressão de arti- próprias políticas, seja de seus serviços ou de pessoas
culação econômica, cultural, social, política, psico- nas organizações públicas, privadas e não governa-
lógica na sua estrutura cognitiva, submetendo-os a mentais.
uma intervenção microscópica, nas singularidades. As Políticas Sociais são formas de intervenção na
Exige-se do profissional a adoção de procedimen- realidade social, condicionadas por recursos para
tos instrumentais, de manipulação de variáveis. darem respostas institucionalizadas à situações pro-
Qual o significado sócio-histórico da instrumen- blemáticas, materializadas por programas, projetos
talidade como condição de possibilidade do Serviço e serviços.
Social resgatar a natureza e a configuração das polí- Para formular e implementar políticas sociais é
ticas sociais que, como espaço de intervenção profis- preciso dominar múltiplos saberes; legislações sociais
sional, atribuem determinadas formas, conteúdos e vigentes e atualizações permanentes; compreensão
dinâmicas ao exercício profissional. da conjuntura e das relações de poder e conhecimen-
Instrumentalidade não significa apenas o con- to das estratégias de planejamento e administração;
junto de instrumentos e técnicas com respostas ma- construção de diagnósticos sociais e de indicadores
nipulatórias, fragmentadas, imediatistas, isoladas,

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AULA 9 — Dimensões do Trabalho do Assistente Social nas Políticas Sociais

para subsidiar as ações e monitoramento, avaliação e • caráter de eficiência com competência e avalia-
prestação de contas regulares (PAIVA, 2000). ções periódicas;
Assim, constituem funções profissionais: • compromisso com o desenvolvimento econô-
• execução e avaliação das políticas e programas mico, político e cultural.
sociais;
• processos de formulação e gestão de pesquisas. O processo das políticas sociais é identificado por
um conjunto de momentos, assim expressos:
De acordo com SILVA (2000) são quatro, os mo- • constituição do problema ou da agenda gover-
mentos de intervenção: namental, dependendo do problema e da força
• constituição do problema ou da agenda gover- de mobilização da sociedade, assumir visibili-
namental; dade e transformar-se em questão social que
• formulação de alternativas de políticas e diag- mereça a atenção por parte do poder público
nóstico; pode vir a se transformar em política;
• adoção da política; • formulação de alternativas de política é o diag-
• implementação ou exercício de Programas So- nóstico sobre o problema e alternativas para
ciais. seu enfrentamento;
• adoção da política com o apoio do Poder Le-
Avaliação é uma etapa fundamental e exigência gislativo;
para financiamento e para realimentar programas, • implementação e execução de programas so-
apesar de que no Brasil a avaliação é utilizada mais ciais, fase de execução de serviços pra o cum-
para controle de gastos. primento de objetivos e metas pré-estabeleci-
Ainda, segundo Silva (2000), os modelos de ava- das com vistas a obter resultados.
liação são vários, dentre os quais se destacam:
• monitoramento que é o segmento ou acom- ESPAÇOS EMERGENTES NO SERVIÇO SOCIAL
panhamento continuado, gerencial para A atualidade aponta para espaços emergentes no
aferir controle da entrega de insumos, con- Serviço Social, como:
forme as metas para garantir eficiência dos • orçamento participativo;
programas; • conselhos de políticas e de direitos;
• avaliação política que significa juízo de valor a • reestruturação produtiva e novas demandas or-
partir de critérios e princípios políticos funda- ganizacionais do serviço social;
mentais; • desenvolvimento sustentável e meio ambiente;
• avaliação do processo que é centrada no desen- • filantropia empresarial e entidades da socieda-
volvimento do programa para aferir sua eficá- de civil;
cia e correções no processo; • cuidados dirigidos à família e segmentos vul-
• avaliação de impactos que é centrada nas mu- neráveis.
danças quantitativas e qualitativas.
É necessário considerar que a gestão pública pas- O orçamento participativo caracteriza-se pelo es-
sa por diversos princípios, quais sejam: tabelecimento de critérios de aplicação de recursos
• caráter público e de interesses de todos, trans- que implica definição de prioridades. Conselhos de
parência nas decisões/informações/recursos; políticas e de direitos são considerados espaços for-
• caráter democrático e de fortalecimento das mais de participação social, institucionalmente re-
Organizações Populares; conhecidos com competências definidas em estatu-
• caráter ético e de responsabilidade com crité- to legal, com o objetivo de realizar o controle social
rios e equidade; das políticas publicas setoriais ou de defesa

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

de direitos de segmentos específicos. Nesse es- Para concluir a temática que envolve a prática
paço, o assistente social compõe os conselhos de profissional do Assistente Social em sua relação
políticas e de defesa de direitos, como gestor, tra- com as políticas sociais enfatiza-se que sua postu-
balhador, prestador de serviço, pesquisador/asses- ra sempre deverá ser de uma prática voltada para
sor e também como usuário. a viabilização dos direitos da população usuária,
No processo de reestruturação produtiva e das novas na perspectiva da consolidação das conquistas so-
demandas organizacionais do serviço social, existem ciais e dos termos legais constitucionais (PAIVA,
várias áreas: implantação de programas de qualidade 2000).
total, treinamento e desenvolvimento pessoal, balanço
social como indicador de responsabilidade social. ■■ Atividades
O desenvolvimento sustentável e meio ambiente Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
que depois do surgimento das tecnologias limpas e de- atividades:
senvolvimento e meio ambiente deixaram de ser con- 1. Qual o perfil profissional exigido do Assistente
sideradas antagônicas podendo ser complementares. Social na execução das políticas sociais para enfren-
A filantropia empresarial e entidades da socie- tar a complexidade deste tipo de intervenção?
dade civil que demonstra que a responsabilidade 2. Por que os usuários das políticas sociais devem
social é fundamental quando a empresa participa participar de todas as etapas do processo de implan-
diretamente das ações comunitárias na região em tação das políticas sociais? Quais são as etapas?
que está presente e tenta minorar possíveis danos 3. As políticas sociais possuem a dimensão eco-
ambientas decorrentes do tipo de atividade que nômico-política mas também um conjunto de pro-
exerce. A preservação do meio ambiente deve ser cedimentos técnico-operativo. Comente.
uma ação obrigatória para todas as empresas. 4. Analise os espaços emergentes do Serviço Social.
No espaço de família e segmentos sociais vulne-
ráveis, em que o Assistente Social, segundo Mioto ■■ Referências
(2000) não deverá atuar com de forma fragmentada Básicas
e isolada. Perceber que o modo de organização das GUEIROS, M. J. G. Serviço Social e cidadania. São
famílias é diverso e modifica-se continuadamen- Paulo: Editora Agir, 1991.
te, para atender as exigências que lhe são impostas HABERMAS, J. Para a reconstrução do materialismo
pela sociedade. Esta situação é condicionada pela histórico. São Paulo: Brasiliense, 1997.
organização econômica e social mas também pela MENDES. E. V. Uma agenda para saúde. Editora
existência de valores culturais e de normas contra- HUCITEC. São Paulo, 2006.
ditórias (MIOTO, 2000).
O fato do Assistente Social não atuar com famílias, Complementares
de forma fragmentada, não exclui, entretanto, cuida- BARBOSA, C. F. et al. Políticas Sociais no Brasil. In:
dos dirigidos a seus membros, enquanto indivíduos, Educação Sem Fronteiras. Serviço Social. 3º semes-
principalmente quando se trata de crianças, adoles- tre. Campo Grande (MS): UNIDERP, 2008.
centes, mulheres, idosos, porque quanto mais uma BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e his-
família é vulnerabilizada mais seus membros estarão tória. São Paulo: Cortez, 2006.
expostos a situações d exclusão e desproteção. KALOUSTIAN, S. M. Família brasileira: a base de
O trabalho do Assistente Social nessa área, por- tudo. 7. ed. Coedição Unicef, Cortez, 2005.
tanto deverá ser integrado em três níveis: da pro- PEREIRA, P. A. P. Políticas sociais — temas e ques-
posição, articulação e avaliação de políticas sociais; tões. São Paulo: Cortez, 2008.
da organização e articulação de serviços e da inter- LESSA, A. C. et al. Direitos humanos e relações inter-
venção em situações familiares. nacionais. São Paulo: Saraiva, 2007. (PLT 51)

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AULA 9 — Dimensões do Trabalho do Assistente Social nas Políticas Sociais

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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

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ral, 2002.

** ANOTAÇÕES

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Fundamentos Políticos do Serviço Social
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil

LABORATÓRIO DE PRÁTICAS
INTEGRADORAS

Caro(a) acadêmico(a),

A unidade didática Seminário Integrado visa a


articulação das unidades existentes no módulo e a
percepção da aplicação prática dos conteúdos mi-
nistrados.
Por meio da interdependência adquirida com as
unidades didáticas deste Seminário, o futuro pro-
fissional será capaz de articular a teoria, adquirida
no ensino superior, com a prática exigida no coti-
diano da profissão. Para tanto, é necessário o enten-
dimento de que os conteúdos, de cada Unidade Di-
dática, permitirão um estudo integrado, formando
um profissional completo e compromissado com o
mercado de trabalho.
Ao desenvolver esta unidade, você deverá aplicar
todos os conhecimentos adquiridos no decorrer do
módulo, elaborando uma atividade.
A atividade referente ao Seminário Integrado está
disponibilizada no Portal da Interativa.
Bom trabalho!

Professores Interativos do Módulo

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