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RESUMO

A IRA DE DEUS: ESTUDO BÍBLICO TEOLÓGICO

E PROPOSTA HOMILÉTICA

por

Emilson dos Reis

Orientador: Reinaldo W. Siqueira


RESUMO DE PESQUISA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Tese de Doutorado em Teologia Pastoral

Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia


Centro Universitário Adventista de São Paulo
Campus Engenheiro Coelho

Título: A IRA DE DEUS: ESTUDO BÍBLICO TEOLÓGICO E PROPOSTA


HOMILÉTICA

Nome do pesquisador: Emilson dos Reis

Nome e título do orientador: Reinaldo W. Siqueira, Ph.D.

Data do término: dezembro de 2009

Tópico

A pesquisa estudou a ira divina, como entendida por teólogos conservadores e por

Ellen White, sistematizou o tema e ofereceu uma proposta homilética na forma de esboços

de sermões.

Propósito

O objetivo da pesquisa é primordialmente pastoral, pois busca oferecer uma

sistematização detalhada do tema da ira de Deus e uma série sugestiva de esboços de

sermões, que esteja disponível para uma abordagem eficaz no âmbito da pregação.
Fontes

Este estudo foi fundamentado em pesquisa bibliográfica que investigou as análises e

observações feitas por teólogos que estudaram o tema da ira de Deus nas Escrituras, e

seguiram uma abordagem cristã conservadora, e os escritos de Ellen White.

Conclusões

A ira é uma das perfeições divinas e retrata sua aversão ao pecado. Os vocábulos

hebraicos e gregos empregados no texto bíblico a descrevem tanto como uma paixão

violenta como uma atitude racional frente ao pecado. Ela tem uma característica presente e

outra escatológica. É uma expressão justa e natural de sua santidade, mas também do seu

amor que foi desprezado ou abusado. Diferentemente da ira humana e da ira dos deuses da

mitologia pagã, ela não inclui muitos dos aspectos negativos tão comuns a estas. Antes, é

sempre seu desprazer e reação contra o mal, inteiramente previsível, coerente, constante e

imutável, em perfeita harmonia com sua justiça e santidade. Até o dia final do julgamento

será temperada com misericórdia, buscando de uma maneira adequada, preservar a ordem e

promover a paz.

Esta ira de Deus tem sido uma realidade no mundo dos homens desde o surgimento

do pecado e permanecerá atuante até a extinção do mal e a restauração de todas as coisas.

Seus efeitos são percebidos em nossa própria natureza ímpia e perversa, no afastamento de

Deus (o qual deixa o pecador contumaz seguir seu próprio caminho) e nas punições, sendo

que algumas são conseqüências naturais dos atos de pecado e outras, penalidades diretas

impostas por Deus como juiz. Em seu sentido escatológico a ênfase recai sobre o castigo

que os ímpios – Satanás, seus anjos e os homens impenitentes – terão ao se encerrar a

história humana. Ao final, todos compreenderão tanto a ira como o amor de Deus e

proclamarão sua perfeita justiça.


Com respeito à relação de Cristo com a ira divina, o exame do texto

neotestamentário demonstrou que a ira de Deus era uma característica tanto da vida quanto

dos ensinos de Jesus e que, em todos os casos, ela despertou quando sua misericórdia foi

desprezada. Mas ele não apenas possuiu essa ira, ele também a sofreu. Embora o

derramamento de seu sangue tenha sido a revelação direta do amor do Pai para conosco, foi

também o impedimento direto da ira do Pai contra nós. Sua morte foi tanto uma expiação

quanto uma propiciação e, como tal, evidenciou o perdão de Deus, mas também sua justiça,

como fundamento para esse mesmo perdão. Ali, Deus satisfez suas próprias exigências

santas e voltou contra si mesmo sua ira justa que o pecador merece. Por essa razão, Deus

pode ser, simultaneamente, justo e justificador de todo aquele que crê. Dando continuidade

à sua obra de salvação, Cristo atua como intercessor, ouvindo nossa confissão de pecados e

intercedendo continuamente por nós, aplicando em nosso benefício o que ele realizou na

cruz. Acrescente-se ainda que, se Cristo retratasse somente os atributos pacíficos de Deus,

não seria a plena revelação de Deus, mas apenas uma revelação parcial. Por isso, ele

também foi apontado como o executor da ira de Deus. Em sua soberania Deus estabeleceu

que o destino eterno do homem estivesse ligado à sua pessoa. O homem se salva ou se

perde em função de sua relação com Cristo. Ou aceita o sangue do Cordeiro ou a ira do

Cordeiro.

Levando-se em conta a realidade de que o tema da ira divina se encontra distribuído

ao longo de todo o texto sagrado e que, ao lado da misericórdia de Deus, é parte integrante

da mensagem central da Bíblia e do Evangelho, pode-se considerar que a pregação cristã

deve incluir mais do que a vida abundante que vem de Deus quando manifestamos fé em

Cristo. Faz-se necessário pregar e ensinar sobre a ira divina e a condenação que vem sobre

todos aqueles que recusam a misericórdia de Deus. Desse modo, o anúncio de salvação está
indissoluvelmente ligado à pregação da ira de Deus sobre os homens e a comissão do

pregador é proclamar a mensagem de que todos estão sob a ira de Deus até que eles creiam

no Senhor Jesus Cristo.


ABSTRACT OF GRADUATE STUDENT RESEARCH
Doctor of Pastoral Theology Dissertation

Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia


Centro Universitário Adventista de São Paulo
Campus Engenheiro Coelho

Title: THE WRATH OF GOD: A THEOLOGICAL BIBLICAL STUDY AND A


HOMILETICAL PROPOSAL

Name of researcher: Emilson dos Reis

Name and degree of advisor: Reinaldo W. Siqueira, Ph.D.

Date completed: December, 2009

Topic

This research has studied the divine wrath from conservative theologians’ and Ellen

White’s perspective. It also systematized the theme and offered a homiletical proposal as

sermons’ outline.

Purpose

The purpose of this research is primarily pastoral, since it aims to present a detailed

systematization of God’s wrath theme and a series of suggestive sermons outlines that will

provide an effective approach on the topic for preachers.


Sources

This study was based on an investigated bibliographical research with analysis and

observations performed by theologians who studied the God’s wrath theme on Scripture

and followed a conservative Christian approach and Ellen White’s writings.

Conclusions

Wrath is one of the divine perfections and portrays God’s repulse to sin. The Greek

and Hebrew words used on the biblical text describe it as a violent passion as well as a

rational attitude against sin. It has a current as well a scatological characteristic. It expresses

God’s holiness fairly and naturally, and also of His love that was abused and forsaken.

Unlikely the human wrath and the mythological pagan god’s wrath, it does not include

many of the negative aspects of both. Instead, it always shows His displeasure and reaction

against evil, completely predictable, coherent, constant, and unchangeable in a perfect

harmony with His justice and holiness. Even up to the final judgment day it will be mingled

with mercy, trying in a proper way to preserve order and promote peace.

God’s wrath has been a reality in men’s world since sin appeared and will remain

there until evil’s extinction and the restoration of all things. Its effects are noticed in our

own evil and perverse nature, in God’s separation (which makes the hardhearted sinner

follow his own way), and in the punishment, considering that some of them are natural

consequences of sin, and others, direct punishment imposed by God as Judge. In its

eschatological sense, the emphasis is on the punishment that the wicked – Satan, his angels

and impenitent men – will have at the closing of human history. At the end, everyone will

understand both, the wrath and the love of God and will proclaim His perfect justice.

In regard to the relationship between Christ and the divine wrath, the neo

testamentary text presents God’s wrath as a characteristic of Jesus’ life as well as His
teachings. Also, it was manifested in all instances when His mercy was forsaken. Yet, He

not only manifested this wrath, He also suffered it. Even though the shedding of His blood

has been a directly revelation from the love of the Father to us, it was also time the

immediately obstruction of the Father’s wrath against us. His death was atonement as well

as a propitiation act, and thus, it made clear not only God’s forgiveness, but also His

justice, as a foundation of the same forgiveness. At the cross, God fulfilled His own holly

requirement and brought against Himself the wrath deserved by sinners. Therefore, God

can be at the same time, just and the justifier of all who believes in Him. Throughout His

work of salvation, Christ acts as intercessor, listening to our confessions and continuously

interceding for us, and applying in our behalf whatever He realized in the cross.

Furthermore, if Christ would have demonstrated only the peaceful attributes of God, He

would not be the complete revelation of God, but only a partial one. As a result, He was

also appointed the executer of God’s wrath. In His sovereignty God established that the

eternal destiny of men would be linked to Him. Man would be saved or lost due to his

relationship to Christ, either choosing the blood of Christ or the wrath of the lamb.

Considering that both, the theme of the divine wrath, which is found throughout the

sacred text and God’s mercy, are part of the central message of the Bible and the Gospel,

we come to the conclusion that the Christian preaching must include more than abundant

life that comes from God as a result of our faith in God. It is necessary to preach and teach

about God’s wrath and the condemnation that comes over all who refuse God’s mercy.

Therefore, the proclamation of salvation is connected to the preaching of God’s wrath over

mankind and preachers ought to proclaim the message that everyone is under God’s wrath

up to the moment he or she believes in Jesus Christ.


Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia
Centro Universitário Adventista de São Paulo
Campus Engenheiro Coelho

A IRA DE DEUS: ESTUDO BÍBLICO TEOLÓGICO

E PROPOSTA HOMILÉTICA

Tese Doutoral
Apresentada em Cumprimento Parcial
dos Requisitos para o Programa de
Doutorado em Teologia Pastoral

por
Emilson dos Reis
2009
© Copyright por Emilson dos Reis 2009
Todos os direitos reservado
A IRA DE DEUS: ESTUDO BÍBLICO TEOLÓGICO
E PROPOSTA HOMILÉTICA

Tese
Apresentada em cumprimento parcial
dos requisitos para o título de
Doutor em Teologia Pastoral

por

Emilson dos Reis

COMISSÃO DE APROVAÇÃO:

____________________________ ___________________________________
Dr. Reinaldo Wenceslau Siqueira Dr. Roberto Pereyra Suárez
Orientador da Tese Examinador Adjunto
Professor de Teologia Bíblica Professor de Teologia Bíblica
Diretor do Programa de Pós-Graduação

____________________________ ___________________________________
Dr. Ozeas Caldas Moura Data de Aprovação
Examinador Externo
Professor de Teologia Bíblica

iii
SUMÁRIO

Lista de Abreviaturas ................................................................................................ viii


Agradecimentos ........................................................................................................... x

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1
Definição do Problema.......................................................................................... 2
Propósito do Estudo .............................................................................................. 4
Escopo e Delimitações do Estudo ......................................................................... 4
Revisão de Literatura ............................................................................................ 5
Metodologia ........................................................................................................ 30
Organização do Estudo ....................................................................................... 30

I. O SIGNIFICADO DA IRA DE DEUS .................................................................. 32


Discussão Lingüística ......................................................................................... 32
O Uso de Antropomorfismo e Antropopatia................................................ 32
Os Termos Hebraicos para Ira ..................................................................... 33
’Ânaph, ’aph ......................................................................................... 34
Chêmâh ................................................................................................. 37
Chârâh, chârôn ..................................................................................... 39
Kâ‘as, ka‘as .......................................................................................... 41
Qâtsaph, qêtseph ................................................................................... 43
Bâ‘ar, ‘ebhrah ...................................................................................... 45
Râgaz, rôgez.......................................................................................... 47
Zâ‘am, za‘am ........................................................................................ 49
Zâ‘aph, za‘aph, za‘eph e zal‘âphâh...................................................... 51
Rûach .................................................................................................... 52
Os Termos Gregos para Ira .......................................................................... 53
Thumos .................................................................................................. 53
Orgē ...................................................................................................... 55
A Ira de Deus em Relação a seus Outros Atributos Morais................................ 58
A Ira de Deus em Relação a sua Santidade.................................................. 58
A Ira de Deus em Relação a sua Justiça ...................................................... 63
A Ira de Deus em Relação ao seu Amor ...................................................... 69
A bondade de Deus.. ............................................................................. 76
A misericórdia de Deus......................................................................... 80
A graça de Deus .................................................................................... 83
A longanimidade de Deus ..................................................................... 88
A Ira de Deus comparada à Ira do Homem e à Ira dos Deuses........................... 91
A Ira do Homem .......................................................................................... 92
Aspectos negativos e positivos ............................................................. 92
Comparação com a ira de Deus ............................................................ 93

iv
A Ira dos Deuses .......................................................................................... 95
No Oriente Médio ................................................................................. 95
No Mundo Grego .................................................................................. 99
No Mundo Romano ............................................................................ 101
Resumo e Conclusões ....................................................................................... 103

II. A REALIDADE DA IRA DE DEUS .................................................................. 107


A Ira de Deus no Antigo Testamento................................................................ 107
As Causas da Ira de Deus........................................................................... 108
A quebra da aliança............................................................................. 108
A desumanidade .................................................................................. 112
Os Efeitos da Ira de Deus........................................................................... 116
O Tempo da Ira de Deus ............................................................................ 118
A Ira de Deus no Novo Testamento .................................................................. 119
A Causa da Ira de Deus.............................................................................. 120
Os Efeitos da Ira de Deus........................................................................... 122
A natureza de filhos da ira .................................................................. 123
A atitude divina de entregar ................................................................ 123
A punição ............................................................................................ 127
O Tempo da Ira de Deus ............................................................................ 129
Tempo histórico .................................................................................. 130
Tempo escatológico ............................................................................ 133
A Ira de Deus nos Escritos de Ellen White ....................................................... 140
Os Propósitos da Ira de Deus ..................................................................... 143
Tipos da Ira de Deus .................................................................................. 144
Falsas Idéias sobre a Ira de Deus ............................................................... 145
Instrumentos da Ira de Deus ...................................................................... 146
Os anjos............................................................................................... 147
Os anjos da luz ............................................................................. 147
Os anjos das trevas....................................................................... 149
Os homens........................................................................................... 151
Um indivíduo como executor da ira de Deus .............................. 152
Grupos de indivíduos como executores da ira de Deus ............... 152
Israel como executor da ira de Deus ............................................ 153
Nações pagãs como executoras da ira de Deus............................ 155
A natureza ........................................................................................... 156
Elementos da natureza ................................................................. 156
Animais ........................................................................................ 158
Doenças e pestilências ........................................................................ 159
Acidentes ............................................................................................ 163
Resumo e Conclusões ....................................................................................... 163

III. CRISTO E A IRA DE DEUS ............................................................................ 167


Perspectiva Bíblica e Teológica ........................................................................ 167
Cristo – O Detentor da Ira de Deus ............................................................ 167
Cristo – O Alvo da Ira de Deus .................................................................. 169
Cristo – O Libertador da Ira de Deus ......................................................... 171

v
A obra expiatória de Cristo ................................................................. 172
A necessidade de expiação .......................................................... 172
O significado da expiação ............................................................ 177
A origem da expiação .................................................................. 179
Objeções à realidade da expiação ................................................ 179
Teorias da expiação ..................................................................... 182
O alcance da expiação ................................................................. 187
A relevância da expiação ............................................................. 188
A obra propiciatória de Cristo ............................................................ 189
Teorias da propiciação ................................................................. 190
A justiça de Deus revelada através da propiciação ...................... 197
A obra sacerdotal de Cristo ................................................................. 200
Cristo – O Executor da Ira de Deus ........................................................... 204
A ira do Cordeiro ................................................................................ 204
A ira do Rei Guerreiro ........................................................................ 206
A ira do Senhor ................................................................................... 214
Perspectiva de Ellen White ............................................................................... 215
Cristo – O Fiador Diante da Ira de Deus.................................................... 215
Cristo – O Alvo da Ira de Deus .................................................................. 217
Cristo – O Libertador da Ira de Deus ......................................................... 218
A obra de Cristo na cruz: o sacrifício.................................................. 218
A obra de Cristo no santuário celestial: a intercessão ......................... 223
A obra de Cristo no homem: a aceitação ............................................ 225
Cristo – O Executor da Ira de Deus ........................................................... 226
O derramamento das sete pragas e o segundo advento ....................... 227
O milênio ............................................................................................ 228
O julgamento diante do grande trono branco...................................... 228
O castigo final ..................................................................................... 229
Resumo e Conclusões ....................................................................................... 231

IV. A PREGAÇÃO DA IRA DE DEUS.................................................................. 236


Esboço 1 – Atributos Divinos que são uma Reação ao Pecado ........................ 238
Esboço 2 – A Ira de Deus em Relação a Seus Outros Atributos Morais .......... 246
Esboço 3 – A Ira de Deus Comparada com a Ira dos Homens e
a Ira dos Deuses ............................................................................. 257
Esboço 4 – Causas da Ira de Deus .................................................................... 263
Esboço 5 – O Abandono do Homem é uma Forma da Ira de Deus .................. 270
Esboço 6 – Instrumentos da Ira de Deus ........................................................... 274
Esboço 7 – O Tempo da Ira de Deus ................................................................ 282
Esboço 8 – Cristo, o Fiador e Alvo da Ira de Deus ........................................... 287
Esboço 9 – O Livramento da Ira de Deus: A Obra Expiatória de Cristo .......... 292
Esboço 10 – O Livramento da Ira de Deus: A Obra Propiciatória de Cristo .... 302
Esboço 11 – Cristo, o Executor da Ira de Deus ................................................ 308

RESUMO, CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES.................................................. 317


Resumo ............................................................................................................. 317
Conclusões ........................................................................................................ 318

vi
Recomendações................................................................................................. 326

ANEXOS ...................................................................................................................... 327


Anexo A: Resultados da Rejeição da Graça ..................................................... 328
Anexo B: Hilastērion ........................................................................................ 330

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 334

VITA ............................................................................................................................. 355

vii
LISTA DE ABREVIAÇÕES

ABD The Anchor Bible Dictionary

AT Antigo Testamento

DB Diccionario de la Biblia

DBHP Dicionário bíblico hebraico-português – Schökel

DBm Dicionário bíblico – Mackenzie

DEPNT Diccionario expositivo de palavras del Nuevo Testamento

DITAT Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento

DITNT Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento

DTAT Diccionario teologico del Antiguo Testamento

DTMAT Diccionario teologico manual del Antiguo Testamento

DTNT Diccionario teologico del Nuevo Testamento

EBD The Eerdmans Bible Dictionary

EBTF Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia – Champlin

EDT Evangelical Dictionary of Theology

LXX Septuaginta

NDBI Nuevo dicctionario bíblico ilustrado

NIDOTTE New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis

NT Novo Testamento

TDNT Theological Dictionary of the New Testament

TDOT Theological Dictionary of the Old Testament

viii
TWOT Theological Wordbook of the Old Testament

WBE Wycliffe Bible Encyclopedia

ix
AGRADECIMENTOS

Ao decidir sobre o tema da tese, escolhi um que me proporcionasse a oportunidade

de conhecer mais a Deus e, agora, ao encerrar minha pesquisa, eu O louvo por sua

revelação de Si mesmo e pelo privilégio que me concedeu de empregar uma significativa

parte de minha vida na desafiadora e prazerosa atividade de conhecê-Lo. Agradeço-Lhe por

me haver guiado tanto na compreensão como na exposição verbal do tema.

Agradeço de maneira especial ao Dr. Reinaldo W. Siqueira que, na qualidade de

orientador nesta investigação, prestou-me grande ajuda. Sua capacidade, boa vontade e as

orientações específicas que deu foram fundamentais para que a pesquisa chegasse a bom

termo.

Agradeço também ao Dr. Roberto Pereyra, pela prontidão em avaliar cada porção da

pesquisa que lhe era entregue e por suas valiosas sugestões que serviram para aprimorar o

resultado final.

Minha gratidão ao Dr. Amin A. Rodor que, na qualidade de coordenador do curso

de Teologia, proporcionou-me a oportunidade de, por um semestre, ser liberado de minhas

atividades administrativas e docentes no Seminário de modo que eu pudesse me dedicar à

pesquisa, o que foi vital para o preparo desta investigação. Por extensão, agradeço à direção

do UNASP-EC que ratificou esta decisão e, também, porque me proporcionou a

oportunidade de cursar o programa doutoral que agora se encerra.

Finalmente, expresso meu reconhecimento à Prof.ª Rita C. Timóteo Soares por

haver realizado o importante trabalho de editoração desta tese.

x
INTRODUÇÃO

A natureza essencial de Deus nos é manifesta através de seus atributos (Rm 1:20).

Dentre eles o que mais nos cativa é, sem dúvida, o amor e o que mais causa estranheza e

perplexidade é a ira, especialmente porque parece estar em oposição àquele. Todavia, o

tema da ira divina, que se encontra distribuído ao longo de todo o texto sagrado, é parte

integrante da mensagem central da Bíblia e do Evangelho. Podemos até afirmar que a ira de

Deus se destaca como um dos mais relevantes temas das Escrituras1 e que, apesar disso, são

poucos aqueles que o entendem corretamente. A tendência atual é pregar, ensinar e escrever

abundantemente sobre o amor de Deus, sua misericórdia, graça, bondade e compaixão,

enquanto pouca atenção é dada à sua justiça, sua ira, ou ao juízo e ao tormento que

incidirão sobre os impenitentes. É verdade que o primeiro grupo de conceitos merece ser

enfatizado, mas o segundo não deve ser desconsiderado.2 O assunto da presente

investigação não é novo. Não é uma nova teoria, nova doutrina ou nova teologia. As

verdades analisadas são tão antigas quanto a própria Bíblia e merecem ser entendidas e

proclamadas.

1
J. I. Packer, O conhecimento de Deus, 3ª ed. (São Paulo: Mundo Cristão, 1987), 135.
2
A. W. Pink, Os atributos de Deus (São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985), 86.

1
2

Definição do Problema

O tema da ira de Deus é um tabu na sociedade atual3 e tem sido uma pedra de

tropeço para muitos cristãos,4 os quais, devido à ignorância tanto da verdadeira natureza do

pecado como da santidade de Deus,5 consideram que Deus é bom demais para punir os

incrédulos.6 Quando ouvem uma proclamação clara sobre a verdade concernente ao juízo, à

punição e ao inferno, sua mente culturalmente sensível e delicada se revolta.7 Também,

muitos teólogos têm feito forte objeção à idéia de que a ira de Deus é parte integrante da

proclamação bíblica. Eles alegam basear-se, principalmente, na crença do amor de Deus. Se

Deus é verdadeiramente amor, dizem eles, ele não pode se irar.8 Em decorrência disso,

grande parte do cristianismo contemporâneo trata somente da vida abundante em Cristo –

da alegria e das bênçãos da salvação e da paz que vêm de Deus pela fé em Cristo –

deixando de pregar e ensinar sobre a ira de Deus e a condenação que vem sobre todos

aqueles que têm pecado não perdoado. Consequentemente, o evangelho apresentado é

mutilado, pois não se constitui no quadro completo do plano de salvação, e está muito

distante daquele que foi proclamado por Jesus e pelo apóstolo Paulo.9

3
Packer, 134.
4
J. F. MacArthur, Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-8 (Grand Rapids:
Editorial Portavoz, 2001), 89.
5
Idem, Expositional Commentary on Revelation (Eugene, Oregon: Certain Sound Publishing House,
1973), 297.
6
A. W. Tozer, Mais perto de Deus (São Paulo: Mundo Cristão, 1980), 106.
7
MacArthur, Expositional Commentary on Revelation, 297. É verdade que, no passado, com
freqüência, o assunto foi abordado de forma especulativa, irreverente e maldosa. Packer, 142.
8
M. G. Stählin, “Orgē: The Wrath of Man and the Wrath of God in the New Testament”,
Theological Dictionary of the New Testament, traduzido por Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, reimpressão 1984), 5:425.
9
MacArthur, Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-8, 89-90; Donald Grey
3

Todavia, a ira de Deus aparece na Bíblia do início ao fim. Ao lado da misericórdia

de Deus, ela foi ensinada e pregada desde os tempos patriarcais até os dias dos apóstolos.10

A pregação da ira feita pelos profetas ecoou na proclamação do evangelho no NT, sendo

um ingrediente importante da pregação de João Batista (Mt 3:7; Mc 1:3-8; Lc 3:2-17) e do

próprio Jesus (Mt 22:7; Lc 21:23-27; Jo 3:36).11 Os evangelhos, o livro de Atos, as

epístolas paulinas e as gerais, e o Apocalipse declaram uma mensagem que proclama não

apenas a graça e a misericórdia, mas também a ira de Deus (Mt 3:7; Lc 3:7; Jo 3:36; At 5:1-

11; 12:20-23; Rm 1:18; Ef 2:3; Tg 2:13; 5:1-9; 2Pe 2:4-9; 3:1-7; Jd 5-7, 14-16; Ap 14:10).

Esta não é, em nenhum sentido, considerada como inconsistente com a religião do

NT e como algo pertencente somente ao AT. Antes, não havia nenhum evangelho à parte

da ira de Deus e é justamente por causa dela que o evangelho era pregado.12

O assunto também permeia os escritos de Ellen G. White e, oficialmente, se

constitui numa das ênfases da mensagem adventista.13 Sendo assim, é de se esperar que o

tema da ira divina deva ser considerado seriamente e anunciado como parte integrante do

evangelho. Entretanto, uma pesquisa da literatura teológica revela que até o presente

Barnhouse, Man’s Ruin / God’s Wrath (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1959), 218.
10
D. M. Lloid-Jones, Darkness and Light, 4a ed. (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1988), 360;
Stählin, 5:422.
11
Alois Stoeger, “Ira”, Dicionário de teologia bíblica, ed. Johannes B. Bauer, traduzido por Helmuth
Alfredo Simon (São Paulo: Edições Loyola, 1979), 539.
12
Stählin, 5:422; D. M. Lloyd-Jones, Romans: Atonement and Justification (Grand Rapids, MI:
Zondervan, 1971), 75; Idem, God’s Way of Reconciliation, 8a ed. (Grand Rapids, MI: Baker Book House,
1989), 52-53.
13
A Igreja Adventista do Sétimo Dia crê que nos últimos dias haveria um povo remanescente com
uma missão especial, simbolizado pelos três anjos de Apocalipse 14:6-12, e que ela cumpre essa profecia. A
tônica da mensagem do terceiro anjo é a ira de Deus. Ver Rubens S. Lessa, ed., Nisto cremos (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1989), 223-233. Ver também o Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, 14ª ed.
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000), 13.
4

momento não há uma sistematização detalhada da mensagem bíblica sobre a ira de Deus na

língua portuguesa, que sirva de base para a aplicação prática na homilética.14

Propósito do Estudo

O objetivo da pesquisa é primordialmente pastoral, pois busca oferecer uma

sistematização detalhada do tema da ira de Deus e uma série sugestiva de esboços de

sermões, que esteja disponível para uma abordagem eficaz no âmbito da pregação. Os

beneficiados serão primeiramente os pregadores, incluindo os próprios pastores, que terão

um apropriado e oportuno instrumento que facilitará a compreensão do tema e a

apresentação de sermões pertinentes. Por extensão, toda a Igreja poderá se beneficiar

através de uma melhor compreensão do caráter de Deus e do plano da salvação.

Escopo e Delimitações do Estudo

Este estudo não tem como objetivo efetuar um tratamento exegético dos muitos

textos que tratam do tema, nem apresentar uma abordagem histórica detalhando como o

Cristianismo em geral, ou a Igreja Adventista do Sétimo Dia em particular, o têm entendido

através dos tempos. Antes, busca compreender o tópico seguindo uma abordagem cristã

conservadora do texto bíblico e da perspectiva de Ellen White, como evidenciado em seus

escritos (considerados como “autorizada fonte de verdade” pelos adventistas do sétimo

14
Ver seção “Revisão de Literatura” onde se percebe que não há nenhum estudo detalhado, em
português, inclusive nas teologias sistemáticas, sobre o tema, que possa ser usado por pregadores brasileiros.
5

dia,15 embora não sirvam para substituir a Bíblia nem sejam colocados no mesmo nível que

ela16).

Os esboços de sermões apresentados têm a pretensão de servir de modelo quanto ao

conteúdo e à abordagem do tema, mas não esgotam as possibilidades homiléticas

pertinentes.

Revisão de Literatura

Embora na pesquisa tenham sido analisadas centenas de obras com conteúdo de

algum modo pertinente ao tema proposto, nesta seção são apresentadas uma análise apenas

daquelas que tratam da ira de Deus como tema principal ou que, pelo menos, se detiveram

em aprofundar e sistematizar o assunto. Os autores estão dispostos de modo que

inicialmente são mencionados aqueles que trataram exclusiva ou principalmente do tema.

Depois, aqueles que discorreram sobre a ira de Deus em meio a uma variedade de outros

assuntos, numa seqüência que parte daquela obra que trouxe a maior contribuição para a

compreensão do tema e segue numa ordem decrescente.

Bruce E. Baloian foi o único erudito encontrado que escreveu uma obra abalizada e

extensa exclusivamente sobre o assunto da ira, embora focalizasse também o fenômeno da

ira humana, além da ira divina. Seu estudo, inicialmente uma tese doutoral, foi,

posteriormente, publicado com o título Anger in the Old Testament. Baloian apresenta o

resultado de sua pesquisa em cinco capítulos.

O primeiro inicia com uma apresentação de seu duplo propósito: o interesse pessoal

em compreender essa poderosa paixão humana que é a ira e lançar luz sobre a natureza

15
Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, 15.
16
Lessa, 305.
6

divina como dotada de paixão, especialmente a ira.17 Na sequência ele comenta, de modo

resumido, as pesquisas sobre a ira feitas por outros eruditos; apresenta o procedimento que

adotou na exposição de seu material18 e, de modo bastante conciso, discorre sobre as dez

palavras hebraicas usadas no AT para indicar a presença da ira – as quais aparecem 714x no

AT para referir-se explicitamente à ira, sendo que cerca de 70% (518x) se referem à ira de

Deus e o restante (196x), à ira humana. Afirma que essas palavras advêm de diversas

formações e possuem uma grande variedade de nuances e que, apesar disso, nenhuma delas

foi utilizada para enunciar um significado teológico especial. O uso múltiplo que é feito

destas palavras dentro de um mesmo verso ou perícope demonstra que elas possuem

significados paralelos.19

O segundo capítulo consiste em uma avaliação da ira humana e expõe tanto a

necessidade de controlá-la como as motivações que a causam.20 O terceiro capítulo trata da

ira de Deus. Discute as motivações divinas para ficar irado, destacando a quebra da

aliança21 e defende a legalidade dessa ira, mediante uma análise de textos pertinentes na

literatura de sabedoria, no Pentateuco, na literatura histórica e nos escritos proféticos.22

17
Bruce Edward Baloian, Anger in the Old Testament, America University Studies, Series VII,
Theology and Religion, v. 99 (New York: Peter Lang, 1992), 1.
18
Ibid., 4-5.
19
Ibid., 5-8.
20
Ibid., 19-64.
21
Ibid., 71-76.
22
Ibid., 77-97.
7

Discorre também sobre os efeitos desejados e os classifica como derivados da justiça e do

amor de Deus.23

O quarto capítulo faz uma correlação entre a ira humana e a divina, incluindo os

aspectos teológicos e psicológicos envolvidos.24 Ele afirma que toda a linguagem é

analógica e que, embora possa ser perigoso e mesmo inadequado explicar a Deus por

analogia com o homem, somos compelidos a fazê-lo, porque não temos nenhum outro meio

de interpretá-lo.25 Então, ao comparar a ira divina com a ira humana, diz que, talvez, o

aspecto comum mais destacado seja a natureza potencialmente destrutiva de ambas e que, a

mais significativa diferença seja a irracionalidade que pode frequentemente acompanhar a

ira humana, enquanto que a ira divina está sempre à serviço dos propósitos racionais de

Deus.26

A ira divina é apresentada como uma direta demonstração de seu interesse pelos

homens, o que é verdade para Israel, seu mais frequente alvo, como também para os demais

povos da terra. O ponto de destaque é que com o aumento de privilégios, vem o aumento de

responsabilidade. Em razão disso, Israel, embora tenha sido recipiente de mais abundante

graça, também se tornou mais culpável devido a seu status de eleito. As expressões dessa

ira, encontradas nas profecias a respeito de outras nações, mostram o interesse divino em

que haja justiça em toda a terra.27

23
Ibid., 121-148.
24
Ibid., 149-155.
25
Ibid., 160-161.
26
Ibid., 163.
27
Ibid., 157.
8

Baloian declara que nunca a ira divina é retratada como atuando no mundo sem uma

de duas motivações: a rebelião contra sua pessoa e a violação da justiça básica. Ela é

sempre mostrada como racional, mesmo no calor da paixão. Isto pode ser constatado

quando se atenta para o momento em que ela aparece, ao ser usada uma metáfora judicial

para descrevê-la. Ela sempre está presente na implementação final de um veredito e nunca

em uma fase anterior do processo legal. Deus não conduz o julgamento em ira, antes ele

cumpre o veredito em ira.28

Ele argumenta que os textos bíblicos apresentam a ira de Deus como perigosa, pois

com frequência, quando ele estava irado, havia efeitos catastróficos terríveis, cujo efeito

imediato pretendido era causar admiração e temor, embora operasse tendo em vista um alvo

definido: executar a justiça contra alguém e abençoar os demais. Essa ira é apresentada

como sempre estando sob seu controle e ao serviço de seus propósitos de justiça, mas

também de amor.

Essa exibição de amor, em relação à manifestação de sua ira, pode ser vista de três

modos: (1) antes de sua ira se manifestar, ele adverte que ela está para vir. Se a justiça fosse

a única motivação, a advertência não seria dada. (2) Enquanto ela está se manifestando, é

entendido que ela pode terminar. Numerosos textos demonstram que Deus continua

acessível mesmo em meio à operação de sua ira. (3) Quando a ira tinha cumprido seu papel

e se extinguido, os relatos do que ocorrera (no livro de Lamentações, por exemplo) davam à

comunidade a oportunidade de evitar os erros do passado e, assim, evitar nova

manifestação de ira no futuro.29

28
Ibid., 157-158.
29
Ibid., 158-159.
9

Finalmente, o capítulo cinco, expõe o ponto de vista teológico, segundo o qual a

descrição da pessoa de Deus não muda ideologicamente de literatura para literatura à

medida que os livros do AT vão sendo escritos. As mudanças encontradas dizem respeito às

necessidades de circunstâncias específicas às quais cada tipo de literatura é endereçado.30

As implicações epistemológicas, por sua vez, são: (1) toda a literatura do AT evidencia a

Deus como possuindo uma personalidade emotiva; (2) este conhecimento foi obtido ao

longo do tempo pelas experiências individuais e corporativas de Israel através das ações de

Deus no meio deles; e (3) foi isto que guiou o desenvolvimento dessa literatura.31

O ponto de vista teológico mostra que a compreensão tanto da ira de Deus como da

ira humana tem como pano de fundo o conceito da justiça de Deus, mas não uma justiça

ministrada por um princípio impessoal, antes aquela que advém de um Deus que tem fortes

emoções e que está pessoalmente interessado na humanidade.32

A seção justifica a ira humana em certas circunstâncias e demonstra a racionalidade,

a justiça e mesmo o amor que podem ser discernidos nas manifestações da ira de Deus.

Assim, segundo o autor, a ira humana é teologicamente justificável se ela se conforma com

as normas de justiça.

A ira humana justa, controlada pela razão, pode ser um dos meios pelos quais um

ser humano ama outro ser humano. Os não israelitas incorriam na ira divina se eles, à luz da

revelação natural que possuem todos os homens, atacavam cruelmente a outros. Em

30
Ibid., 173.
31
Ibid., 175.
32
Ibid., 176.
10

realidade, a sociedade humana degenera se tais ações não são reduzidas e, além disso, há

algo dentro da espécie humana que clama por justiça. Os homens necessitam ter justiça

para manter uma existência mental saudável e racional no mundo. Isso é parte de sua

natureza profundamente psicológica.

Portanto, a resposta da ira de Deus à crueldade humana se baseia na justiça, mas

também demonstra o amor de Deus para com os seres humanos, porque serve para salvar a

humanidade de si mesma, ajuda a manter a ordem e dá esperança e significado para os que

são oprimidos.33 Baloian também é autor de um valioso artigo sobre a ira divina em New

International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesisi,34 onde argumenta de

modo semelhante.

Tasker, professor de exegese do NT na Universidade de Londres, preparou um

estudo sobre o tema para ser apresentado na Conferência de Teologia Bíblica de 1951,

intitulado The Biblical Doctrine of the Wrath of God. As 48 páginas desta obra iniciam

declarando que no AT e no NT, Deus é apresentado tanto como um Deus de ira, como um

Deus de amor.35 Ele também demonstrou sua preocupação com a pregação dos anos mais

recentes, em que a ênfase tem sido colocada quase que exclusivamente no amor de Deus e

disse que chegou o tempo de restabelecer o equilíbrio, i.e., pregar a realidade tanto da ira

como do amor perdoador de Deus.36 Declarou ainda, que a ira é um elemento essencial do

33
Ibid., 176.
34
Idem, “Wrath”, New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis, 5 vols.
(Carlisle, U. K.: Paternoster Press, 1997), 4:377-385.
35
Randolp V. G. Tasker, The Biblical Doctrine of the Wrath of God ( Londres: The Tyndale Press,
1951), vii.
36
Ibid.
11

divino amor e que sem a compreensão desta ira é improvável que venhamos a ter o temor

de Deus, que é o princípio da sabedoria.37

Em sua introdução, ele discorre sobre a manifestação da ira divina e sugere que se

inicie a compreensão do tema por uma cuidadosa exegese de Rm 1:18.38 Para ele, a

pregação das boas novas deve ser precedida pela pregação das más notícias, i.e., primeiro

deve ser pregada a ira de Deus, depois, seu amor.39

Sua investigação consta de cinco capítulos. O primeiro, que trata da manifestação da

ira divina para com aqueles que estavam fora da aliança, os pagãos, se concentra numa

análise de Rm 1:19-32. A ira de Deus tem se manifestado contra a humanidade desde que

foi cometido o primeiro pecado, o que pode ser constatado por uma análise do Gênesis, a

partir do relato da queda de Adão.40

O segundo capítulo, que comenta as manifestações da ira divina sob a velha aliança,

parte de uma análise de Rm 2 e apresenta os israelitas como pecadores, culpados e

merecedores da ira divina até mais do que os pagãos, porque seus privilégios e bênçãos

haviam sido significativamente maiores. Também mostra como Deus manifestou sua ira

contra aqueles que se opuseram a seu povo, inclusive aqueles que Deus mesmo usara para

punir Israel, devido aos excessos cometidos. Na ótica do autor, o amor de Deus para com

Israel não eliminou sua ira contra eles, mas a limitou e sua aliança com seu povo nunca

37
Ibid.
38
Ibid., 9.
39
Ibid., 10.
40
Ibid., 13-18.
12

pôde ser abandonada, mesmo quando foi estabelecida a nova aliança (conforme ensinada

no NT).41

O terceiro capítulo expõe a manifestação da ira de Deus em Jesus Cristo.

Argumenta que o pensamento de que o AT trata da ira de Deus e o NT, de seu amor, é

incorreto. Ambos tratam da ira e ambos tratam do amor. Apresenta declarações e narrativas

do NT que salientam a ira de Deus e mostra como ela foi revelada no ministério de Cristo:

em seus ensinos (Lc 12:4-5; 21:23), em suas atitudes (Mc 3:5; 10:14) e em suas palavras de

denúncia (Mt 23. Afirma que Cristo veio a este mundo revelar tanto a ira como o amor de

Deus e que eliminar a ideia da ira de Deus também acaba por eliminar a ideia de seu

amor.42

Tasker também declara que a ressurreição de Cristo foi a maior demonstração de

que Deus aceitou seu sacrifício expiatório no lugar do pecador e que ao aceitar o salvador

ele é colocado em um novo status diante de Deus, o qual o protegerá no dia final da ira de

Deus.43

O quarto capítulo se refere às manifestações da ira de Deus sob a nova aliança.

Segundo o NT, o cristão não está automaticamente isento de qualquer manifestação da ira

divina. Antes, é por sua contínua submissão ao Espírito Santo que ele permanece debaixo

da graça e escapa da ira. O autor analisa diversos textos do NT que tratam da ira divina e os

compara com textos semelhantes do AT.44

41
Ibid., 19-26.
42
Ibid., 27-37.
43
Ibid., 37.
44
Ibid., 38-44.
13

O quinto e último capítulo tem como tema o dia final da ira e inicia analisando a

expressão “o Dia do Senhor”, como empregada pelos profetas do AT. Este era um dia de

julgamento e podia referir-se a um evento na história ou a uma realidade futura e podia

sobrevir às nações ou a Israel.45 No NT, esta expressão é uma referência à segunda vinda de

Cristo, que será o dia da ira de Deus e do Cordeiro, quando este, a quem cabe o julgamento,

será o agente da ira de Deus.46

Uma grande contribuição para esta pesquisa veio do Theological Dictionary of the

New Testament, editado por Gerhard Kittel, onde o tema da ira de Deus é longamente

discutido por diversos eruditos. No volume 3, R. F. Büchsel, discorre sobre a palavra

thumos e afirma que não há nenhuma diferença importante entre esta e orgē47 e, no volume

5, diversos outros autores discorrem sobre o termo orgē. M. H. Kleinknecht analisa o

conceito da ira dos deuses na antiguidade, com destaque para o pensamento no mundo

grego e romano.

Todas as escolas filosóficas gregas aceitavam o conceito de ira como uma

prerrogativa das divindades e tentativas têm sido feitas para explicar cada culto como um

esforço para antecipar-se a ela ou suavizá-la. Esta raiva dos deuses aparecia de duas

formas: ou raiva entre os deuses, ou raiva dirigida contra os homens. Em ambos os casos,

era uma forma de autoafirmação e protesto. Nem sempre, no entanto, a ira era vista como

algo negativo. Na literatura pagã havia uma orgē moral que protegia contra o mal e que

45
Ibid., 45.
46
Ibid., 45-48.
47
R. F. Büchsel, “Thymós”, TDNT, 3:167-172.
14

algumas vezes era chamada de ira justa. Por ela, a ordem era restaurada e o futuro

assegurado. Em casos assim, a ira dos deuses não era uma raiva cega, antes, em

consideração ao homem, conferia-lhe dignidade por corrigi-lo ou colocá-lo nos limites

estabelecidos para ele.48

Entre os romanos, os ritos expiatórios e usos formais mostram que já havia a idéia

de que a ira da divindade caía especificamente sobre os ímpios, aqueles que desrespeitavam

os deuses. A culpa religiosa e a negligência às cerimônias eram as principais responsáveis

por despertar a ira dos deuses, e isso exigia expiação.

Para os romanos, a estabilidade do Estado e do governo residia essencialmente

sobre a religião. Desse modo, os eventos desastrosos na vida política e histórica, como

dissensões internas, luta de classes, guerra civil e rebelião eram vistas como relacionados à

ira dos deuses. Por isso, nos historiadores romanos, esta forma de pensamento cúltico e

religioso adquire uma significância histórica que nunca havia tido para os gregos.49

E. O. Grether e B. J. Fichtner comentam sobre o significado das palavras hebraicas

empregadas para tratar da ira de Deus. Em primeira instância esta ira é dirigida contra o

próprio Israel, com quem Deus fizera uma aliança especial (Êx 19), o que pode ser visto em

sua peregrinação no deserto e na história do povo, da conquista ao exílio. Especialmente no

período inicial, a solidariedade coletiva do indivíduo com a totalidade do povo era evidente,

de maneira que a ira de Deus era dirigida contra o indivíduo em sua específica função

dentro do povo de Deus. Desse modo, a ira divina levantou-se contra indivíduos: Moisés

(Êx 4:14, 24; Dt 1:37), Arão (Dt 9:20), Miriã (Nm 12:9), Nadabe e Abiú (Lv 10:6) e contra

48
M. H. Kleinknecht, “Orgē: Wrath in Classical Antiquity”, TDNT, 5:384-389.
49
Ibid., TDNT, 5:389-392.
15

reis e profetas (1Sm 15; 2Re 23:36; 2Cr 29:8; Jr 21:1-7); mas também veio sobre todo o

povo, por causa dos pecados individuais (ver Js 7; 2Sm 24).50

Os autores também discorrem sobre as palavras gregas utilizadas na LXX com

referência à ira divina, num contraste com aquelas registradas no grego secular para retratar

a ira dos deuses. Assim, em etimologia e significado orgē e thumos são originalmente

distintos: enquanto thumos denota emoção, orgē indica sua manifestação e expressão. Na

LXX, contudo, tal distinção se perde. Além disso, as três palavras empregadas no grego

secular para a raiva dos deuses (kotos, cholos e mēnis) não são usadas na LXX para a ira de

Deus.51

No mesmo volume, B. J. Fichtner apresenta a ira divina como uma antropopatia e

comenta sua ocorrência no AT, incluindo as várias metáforas ali empregadas. Aponta sua

relação com a santidade de Deus, a quebra da aliança como sua causa principal, sua

presença no dia a dia dos homens e como libertar-se dela.52

A ira de Deus foi o tema central dos profetas que viveram antes do exílio, embora

nem todos usassem o termo ira. Eles combatiam o falso senso de segurança que o povo

tinha contra a ira e o julgamento, com destaque para Jeremias e Ezequiel. Os profetas

durante e após o exílio viam o exílio como o término da obra de ira de Deus e, mesmo

depois do retorno, eles compreenderam que a ira de Deus ainda permanecia sobre seu povo

(Ag 1: 5-11; Zc 1:3, 12). Especialmente os profetas pós-exílicos declaram que, junto com

50
E. O. Grether e B. J. Fichtner, “Orgē: The Wrath of Men and the Wrath of God in the Old
Testament”, TDNT., 5:392-394.
51
Ibid., “Orgē: The Wrath of God in the LXX”, TDNT, 5:409-412.
52
B. J. Fichtner, “Orgē: The Wrath of God in the LXX”, TDNT, 5:394-409.
16

Israel, as nações e seus governos também são objetos da ira de Deus, de modo que a terra

inteira e toda a humanidade são afetadas por ela (Dt 32:22; Jr 10:10; Is 13:9, 11; Sf 3:8).53

Segundo este autor, o motivo central da ira de Deus contra Israel pode ser visto na

mensagem dos profetas. Eles nunca cessaram de anunciar o que Deus fez por Israel com

sua eleição e guia, e este é o pano de fundo contra o qual eles trazem sua mensagem da ira

de Deus. Em suas mensagens, seja referindo-se ao culto ou à injustiça social, à política de

armamentos e alianças, ou mesmo à adoração de outros deuses, a questão é que o povo

tinha abandonado seu Deus e desprezado seu amor.

Esta é a mais profunda raiz do conceito de ira, e nesta luz podemos compreender a

esmagadora força da mensagem. É o amor ferido de Deus que desperta sua ira, que vem

como resultado da quebra da relação de aliança. Ele sente-se enciumado e zeloso por causa

da atitude de Israel, sua esposa, e isto encontra expressão na ira (Dt 32:20; Sl 78:58; 79:5;

Ez 16; 23). Todavia, a ira também pode denotar o zelo de Deus por seu povo quando Israel

é ameaçado por outras nações, de maneira que ele se posiciona como um amante esposo

para destruir estas nações e salvar seu povo (Is 42:13; 59:17; 63:15; Zc 1:14 ss; 8:2 ss; Na

1:2).54

O AT demonstra que toda a vida humana, por causa do pecado, está sob a constante

operação da ira de Deus, mas também dá amplo testemunho da longanimidade de Deus,

que não dá livre curso à sua ira, mas restringe a si mesmo e espera, dando espaço para

arrependimento e conversão (Êx 34:6; Nm 14:18; Sl 103:8; Is 48:9; Na 1:3). Há situações

em que Deus aceita uma intercessão e a ira é limitada em sua obra (Nm 14; Dt 9) ou

53
Ibid., 398-399.
54
Ibid.403-404.
17

completamente desfeita (Nm 11; 2Sm 24). Mas pode chegar o tempo em que Deus não

mais ouça a intercessão (Am 7:8; 8:2; Ez 14:14) ou mesmo proíba seus servos de fazê-la (Jr

7:16). Nestes casos, nada pode impedir a ira, e ela é executada implacavelmente e

irresistivelmente (Ez 8:18; 14:14).55

Na sequência, E. Sjöberg e M. G. Stählin expõem o conceito da ira de Deus como

sendo bastante comum na literatura judaica pós-canônica, tanto na dispersão, como na

Palestina, e também na literatura rabínica.56

Finalmente, Stählin discorre longamente sobre orgē, contrastando-a com thumos.

Sugere que thumos, que possui uma conotação de explosão de paixão, embora bem

adaptada para descrever as visões do Apocalipse, não servia para delinear o conceito de

Paulo sobre a ira de Deus e que o significado de orgē pode ser fixado mais precisamente

quando se considera os termos que são colocados em paralelo ou em contraste com ela no

NT. Vê-se ali que o significado é maior do que a emoção, sendo uma verdadeira atitude (Lc

21:22; Rm 12:19; Mc 13:9; Rm 2:8ss).57

O autor salienta a importância do tema no NT, já a partir das primeiras pregações.

Desse modo, Jesus e João Batista trazem um evangelho que inclui a proclamação da ira de

Deus (Mt 3:7; Lc 3:18; 21:23) e Paulo, os evangelhos e o Apocalipse declaram uma

mensagem que proclama não apenas a graça e a misericórdia, mas também esta ira (Rm

1:18; Jo 3:36; Ap 14:10). No NT, então, a ira divina não é em nenhum sentido considerada

55
Ibid., 404-406.
56
Erik Sjöberg e M. G. Stählin, “Orgē: The Wrath of God in Later Judaism”, TDNT, 5:412-416.
57
Stählin, “Orgē: The Wrath of Man and the Wrath of God in the New Testament”, TDNT, 5:422.
18

como inconsistente com a religião cristã, como se a referência a ela pertencesse somente ao

AT e a referência ao seu amor estivesse confinada no NT. Antes, o AT, proclama o amor e

a misericórdia de Deus tão impressivamente como sua ira, e o NT prega sua ira bem como

sua misericórdia.58

Ele defende veementemente a pregação da ira de Deus, incluindo a questão do

tormento, como parte da proclamação do evangelho. Relaciona a ira de Deus com o amor

em seus vários aspectos e afirma que a revelação dessa ira é um pano de fundo

indispensável para a revelação de sua misericórdia.59 Traz também um tópico sobre a

presença da ira de Deus em Jesus e sua mensagem (Mt 9:30; Mc 1:41, 43; 3:5; Jo 11:33,

38) e declara que a ira de Jesus, ainda que humana, já continha algo da natureza da ira de

Deus, o que pode ser percebido de uma análise das coisas que deixavam Jesus irado.60

Stählin ainda expõe as características presentes e futuras de orgē e discorre sobre as

imagens, objetos, instrumentos, causas e efeitos da ira de Deus no NT, bem como o

caminho de libertação dela, por meio da fé em Cristo.61

Gary A. Herion, em seu artigo sobre a ira de Deus, em The Anchor Bible

Dictionary, inicia afirmando que uma combinação de pressuposições filosóficas originais

do pensamento grego clássico tem contribuído para uma má compreensão do conceito

bíblico da ira de Deus. O pensamento de que ações emotivas são fraqueza ou pecado e uma

58
Ibid., 422-423.
59
Ibid., 425-426.
60
Ibid., 427-429.
61
Ibid., 430-447.
19

visão da divindade como sendo impassível e distanciada, indiferente para com a

humanidade, tem sido transpostos para o cristianismo.

Todavia, percebe-se no AT que Deus é possuidor de emoções semelhantes às

nossas, em alguns aspectos, o que pode ser comprovado por uma análise das palavras

hebraicas empregadas para retratar a ira divina, por exemplo. Então o autor analisa tais

palavras, uma a uma. Ressalva, contudo, a diferença que há entre paixão e sentimento

(pathos).

A paixão pode ser entendida como um distúrbio emocional que envolve a perda do

domínio próprio e incapacita o indivíduo para determinar sua conduta em acordo com os

princípios que conhece, enquanto que pathos é uma ação formada com cuidado e intenção,

resultante de determinação e decisão. Pathos é complexamente semelhante a ethos e

aproxima-se da idéia que queremos expressar quando falamos de uma “justa indignação”.

A ira de Deus é apresentada não como um atributo essencial da pessoa de Deus, mas uma

expressão de sua vontade. É uma reação à má conduta humana.62

Baseando-se nas pesquisas feitas no Oriente Médio sobre as divindades pagãs,

Herion afirma que há um grupo de textos orientados historicamente (e não

mitologicamente), que retratam a ira dos deuses como um tipo de pathos, legitimamente

ocasionada por ofensas humanas contra a justa vontade daqueles deuses. Nesses textos

ocorrem dois tipos de transgressão humana que tendem a provocar uma ira legítima dos

deuses: o desdém para com o templo do deus e a violação de um juramento solene. Nesse

sentido, haveria alguma semelhança com a revelação do AT sobre a ira de Deus.63

62
Gary A. Herion, “Wrath of God”, The Anchor Bible Dictionary (New York: Doubleday, 1992),
6:989-991.
63
Ibid., 6:992.
20

Sobre as causas da ira de Deus no AT, o autor apresenta o que ele chama de

caprichos inexplicáveis, quando Deus manifesta sua ira e parece não haver uma explicação,

embora devamos ter em mente que não sabemos tudo sobre Deus, os pecados humanos, a

transgressão da aliança e a arrogância pagã.64

Também, na busca da compreensão da ira divina, ele faz uma comparação de Deus

com os outros reis do antigo Oriente Médio, os quais, algumas vezes manifestavam ira não

como uma disposição pessoal, mas como uma figura de linguagem para referir-se mais a

um dever, uma questão de política oficial do que a um sentimento. Era do tipo pathos e não

paixão. Também, nas demonstrações de ira sobre Israel, Deus age como seu rei, por causa

da aliança. Nas demonstrações para com as outras nações, ele age como soberano do

universo, que é sua criação. Desse modo, os textos que tratam da ira de Deus no AT não

objetivam humanizar a Deus, mas exaltá-Lo.65

Entretanto, Deus é frequentemente retratado como temperando sua ira contra Israel

com compaixão e amor (Êx 32:12-14; Is 54:7-8; Os 11:8; Mq 7:18), e como tendo o desejo

de restringir sua própria ira, em contraste com os deuses do antigo Oriente Médio, cuja ira

com frequência precisava ser restringida pela intervenção de outros deuses. Herion declara,

também que os instrumentos da ira de Deus incluem elementos naturais (Is 30:30; Jl 1),

doenças e enfermidades (Nm 11:33; 1Sm 6:4), fome e pestilência (Ez 5:13-17; 7:15),

cataclismos de proporções aparentemente sobrenaturais (Gn 6:17; 19:24) e as nações (Is

10:5-19; Jr 10;25; 25:7-14; 50 e 51; Ez 25; Na 1).66

64
Ibid., 6:993-994.
65
Ibid., 6:994-995.
66
Ibid., 6:993.
21

Na mesma obra e sob o mesmo verbete, Stephen H. Travis, inicia analisando o tema

sob o prisma do NT, declarando que a ira de Deus aparece especialmente nos escritos de

Paulo e no Apocalipse. Então, passa a tratar da mesma, de modo sucinto. Alega que no

grego clássico há uma tendência para thumos representar a emoção interna da ira, enquanto

orgē aponta para sua expressão externa, mas que a LXX usa as duas palavras de modo

intercambiável para representar a grande variedade de palavras hebraicas usadas para

expressar a ira – o que foi seguido no NT, embora Paulo prefira usar o termo orgē e o

Apocalipse, a expressão thumos (14:19; 15:1, 7), ou ambas juntas (14;10; 16:19; 19:15).67

Depois de efetuar uma análise das 18 referências à ira nos escritos de Paulo, o autor

conclui que: (1) a ira ocorre dentro da história e no juízo final. Hoje ela é revelada (Rm

1:18-32) quando as pessoas sofrem as conseqüências de suas próprias escolhas erradas. (2)

Paulo não pensa na ira como algo impessoal. Ela se origina claramente em Deus (1Ts 5:9;

Rm 3:5; 9:22; 12:19). (3) A ira de Deus representa não tanto um sentimento como uma

ação de Deus: seu julgamento sobre o pecado. (4) A ira de Deus é sempre dirigida aos que

não crêem, de acordo com sua “perversão e impiedade” (Rm 1:18). (5) A ira de Deus é

expressa como uma condição espiritual de alienação de Deus (Rm 1:24, 26, 28), quando

Deus permite que experimentem as consequências de sua recusa de viver um

relacionamento com ele. (6) A ira de Deus deve ser compreendida em relação ao seu amor.

A ira não é um atributo permanente de Deus, enquanto que o amor e a santidade são parte

essencial de sua natureza. Se não houvesse pecado não haveria ira. É o amor de Deus que

67
Stephen H. Travis, “Wrath of God”, ABD, 6:996.
22

provê a propiciação e a justificação. (7) Há uma escatologia apocalíptica judaica e ela trata

do dia final da ira.68

Segundo Travis, no Apocalipse, João vê a ira como um fenômeno escatológico que,

todavia, já lança suas sombras na experiência da história com a intenção de induzir as

pessoas ao arrependimento (Ap 9:20; 16:9). A ira do Cordeiro, por sua vez, é a ira de

alguém que em si mesmo experimentou a alienação de Deus de modo que aqueles que nele

crêem podem ser livrados dela.69

B. T. Dahlberg, sob o verbete “Wrath of God”, em The Interpreter’s Dictionary of

the Bible, possui um comentário bastante semelhante ao de Herion e também ao de Travis,

quando este analisa as palavras gregas para ira no NT. Há, contudo, em acréscimo, um

breve comentário sobre a relação de Cristo com a ira divina, onde ele demonstra como

Cristo também se indignava e discorria sobra a ira em seus ensinos, e o apresenta como

alvo desta mesma ira e, finalmente, como o agente de Deus para manifestá-la na destruição

dos ímpios.70

D. Martin Lloyd-Jones, em God’s Way of Reconciliation, ressalta a necessidade da

pregação sobre a ira de Deus. Partindo da constatação de que esta doutrina, na atualidade,

não é apenas impopular, mas também odiada e detestada, ele a define tanto como a

manifestação de indignação baseada na justiça, como o outro lado do amor de Deus,

quando este é rejeitado. Ele assevera que é impossível crer no AT e no NT sem aceitá-la

68
Ibid., 997.
69
Ibid.
70
B. T. Dahlberg, “Wrath of God”, The Interpreter’s Dictionary of the Bible, ed. George Arthur
Buttrick (Nashville, TN: Abington Press, 1962), 4:903-908.
23

como uma realidade, e menciona como João Batista, o próprio Cristo, João, o apóstolo do

amor, e também Paulo a ensinaram. O autor ressalta que, para Paulo, não havia nenhum

evangelho à parte da ira de Deus, antes, é justamente por causa dela que o evangelho

precisa ser pregado. Pelo nascimento todo ser humano é filho da ira. Ele não se torna, mas

é. Ele nasce neste mundo sob a ira de Deus e permanece sob ela até que creia no Senhor

Jesus Cristo.71

Em outro de seus livros, Darkness and Light, Lloyd-Jones argumenta que a idéia de

pecado e da responsabilidade que o acompanha está desaparecendo da sociedade, como

também a idéia de punição. Todavia, não é possível crer na Bíblia sem crer na ira de Deus,

a qual aparece na Bíblia do início ao fim, tendo sido ensinada e pregada por patriarcas, reis,

profetas, Cristo e os apóstolos.72

Ele define a ira de Deus como sua atitude diante do pecado e do mal, seu desprazer

ao pecado, seu firme ódio contra ele e sua declarada determinação de punir o pecado.

Quanto ao tempo em que ela ocorre, o autor diz que ela vem no presente e que virá no

futuro.

No presente, ela já começa a se manifestar no próprio instante em que se comete um

ato de pecado, pois a consciência acusa e o sentimento de remorso já é uma manifestação

da ira de Deus. Depois, há o sofrimento físico que o pecado causa. Quando o homem

cometeu o primeiro pecado, a terra foi amaldiçoada por Deus. Isso foi parte da ira de Deus,

e continua sendo.

71
D. Martin Lloyd-Jones, God’s Way of Reconciliation, 8ª ed. (Grand Rapids, MI: Baker Book
House, 1989), 50-56.
72
Idem, Darkness and Light, 4a ed. (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1988), 354-360.
24

Além disso, há o sofrimento mental, a infelicidade. Quando o mundo não ouve os

apelos do evangelho, Deus o abandona, retira a si mesmo, e o mundo vem para um terrível

estado. Lloyd-Jones afirma, ainda, que as duas guerras mundiais foram punições de Deus e

que o mundo é hoje do jeito que é, porque tem pecado e porque Deus está punindo seu

pecado. Mas a ira de Deus também será revelada no futuro, na segunda vinda e no fim do

mundo, no julgamento.73

Ainda, o mesmo autor, em Romans: Atonement and Justification, discorre sobre os

vários aspectos dos fenômenos da expiação e propiciação. Ao comentar sobre Rm 3:25,

afirma que este é um dos mais importantes versos das Escrituras e, embora apresente a

posição dos que defendem a idéia de que hilastērion significa “assento da misericórdia”,

sugere que a melhor tradução é “propiciação” ou “sacrifício expiatório” porque nesta epístola
Paulo não usa nada do cerimonial levítico e seria estranho introduzir o elemento “assento da
misericórdia”, sem acrescentar qualquer explicação. Além disso, em nenhum lugar da Bíblia
Jesus é figurado como “assento da misericórdia”, enquanto que em várias passagens ele é
referido como propiciação ou expiação. Assim, parece melhor traduzir por “meio de
propiciação” ou “sacrifício propiciatório”, o que transmite a idéia de apaziguar, aplacar,
evitar a ira. Sendo assim, na cruz, Cristo apaziguou, aplacou, a ira de Deus.74

Ao ponderar sobre a expiação, ele a apresenta como necessária, pelo motivo de que

não pode haver verdadeiro relacionamento entre Deus e o homem enquanto houver pecado.

Quanto à morte sacrifical dos animais no AT, assevera que: (1) seu propósito era tornar

Deus propício, eles não afetavam as pessoas, mas a Deus; (2) a propiciação era assegurada

pela expiação ou o cancelamento da culpa do pecador; (3) a propiciação foi efetuada pela

punição vicária da vítima que substituía o ofensor e para ele; e (4) o efeito das ofertas de

sacrifício era o perdão do ofensor e sua restauração ao favor e à amizade de Deus.75

73
Ibid., 360-364.
74
Idem, Romans: Atonement and Justification (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1971), 65-70.
75
Ibid., 76-77, 88-89.
25

Todavia, os muitos sacrifícios do AT não podiam tratar com o pecado em profundidade e

adequadamente. Eles apenas apontavam, como figuras, para aquele sacrifício que viria e

que poderia limpar a consciência e reconciliar o homem com Deus. Assim, os santos do AT

não foram perdoados por causa daqueles sacrifícios que eles ofereceram. Foram perdoados

porque eles olharam para Cristo. Eles não o viram claramente, mas creram no

ensino da Palavra de Deus, que o prometera, e fizeram suas oferendas pela fé, e foi esta fé em
Cristo que os salvou, como ocorre hoje conosco. De fato, a morte de Cristo na cruz pagou
estes pecados passados. Mas fez mais do que isso. Tratou com pecados presentes e futuros.
Com todos, de uma vez por todas (1Jo 2:2). A cruz declara que Deus nos perdoa, mas faz
mais do que isto. Ela nos fala sobre o caráter de Deus, mostra-nos que Deus é amor e justiça
ao mesmo tempo.76

Millard J. Erickson, em sua obra Christian Theology, trata dos atributos divinos da

santidade, justiça e amor em suas diferentes dimensões. Ele discorre sobre a tensão que o

pecado causou entre eles e como operam juntos,77 e o que é necessário compreender para se

entender o tema da ira divina. Sua justiça ressalta a administração de sua lei, que não

mostra favoritismo nem imparcialidade, embora, às vezes não pareça ser justa, pois quem

vive em pecado nem sempre é punido e os justos com freqüência parecem não ser

recompensados. Todavia, a justiça de Deus não deve ser avaliada no curto espaço de uma

vida, uma vez que, aqui, ela é frequentemente incompleta ou imperfeita. É no escopo da

eternidade que a justiça de Deus será completa.78

O amor de Deus pode ser visto no que ele tem feito (Jo 3;16; 1Jo 4:10; Rm 5:8) e

suas dimensões básicas são benevolência, graça, misericórdia e persistência. Desse modo,

Deus é benevolente para com toda a humanidade e não só para com os crentes (Mt 5:4; At

76
Ibid., 102-106.
77
Millard J. Erickson, Christian Theology, 7a. ed. (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1989),
288-298.
78
Ibid., 288-289.
26

14:17); sua graça implica em que ele age conosco não na base de nossos méritos ou valor,

mas de acordo com nossas necessidades e que nos supre com favores que não merecemos.

A misericórdia é sua compaixão manifestada para com quem é miserável e necessitado e a

longanimidade o retrata como refreando o julgamento e continuando a oferecer salvação e

graça por longos períodos de tempo (Êx 34:6; Sl 86:15; Rm 2:4; 9:22; 1Pe 3:20; 2Pe

3:15).79

Portanto, enquanto que a justiça requer que haja o pagamento da penalidade do

pecado, o amor deseja que o homem seja restaurado à amizade com Deus. Por meio de

Jesus, como expiação pelo pecado, ambos são mantidos, de modo que não há, em realidade,

nenhuma tensão entre eles. A tensão só existe quando se pensa que o amor requer que Deus

perdoe sem qualquer pagamento.80

Erickson também analisa as teorias da expiação: (1) teoria segundo a qual o

sacrifício de Cristo nos serve de exemplo; (2) teoria da influência moral – a expiação como

uma demonstração de amor de Deus; (3) teoria governamental – a expiação como uma

demonstração da justiça divina; (4) teoria do resgate – a expiação como vitória sobre as

forças do mal e o pecado; e (5) teoria da satisfação – a expiação como compensação para o

Pai. Embora ele defenda a última teoria e argumente sobre os pontos negativos das outras,

reconhece que cada uma delas possui aspectos positivos.81

Quanto à propiciação, o autor defende o conceito do apaziguamento da ira de Deus

e cita outros eruditos, que possuem o mesmo pensamento, tais como George Ladd, John

79
Ibid., 294-296.
80
Ibid., 298.
81
Ibid., 783-799.
27

Murray e Roger Nicole. Compreende que a ideia de Paulo não é que a morte de Cristo

apenas cobre pecados e purifica da corrupção (expiação), mas que, também, apazigua a

Deus o qual odeia o pecado e é radicalmente oposto a ele (propiciação). A propiciação foi

provida por um divino Pai de amor (1Jo 4:10) e não desmerece o amor de Deus, antes

mostra quão grande ele é.82

J. F. MacArthur, no Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-8,

analisando o ensino de Paulo sobre o Evangelho, afirma que ele se empenhava para que os

pecadores compreendessem o que significa estar sob a ira de Deus, antes de oferecer-lhes o

modo de escapar dela. Essa abordagem do assunto tinha um sentido tanto lógico como

teológico, pois uma pessoa não pode apreciar o perdão de Deus e a salvação do pecado

senão souber que está condenada por causa dele.83

Discorrendo sobre Rm 1:18, MacArthur apresenta seis aspectos que caracterizam a

ira de Deus: (1) Seu caráter. Ela provém do próprio Deus e, por isso não é como a cólera

humana, manchada e destorcida pelo pecado, antes, é sempre e completamente justa. (2) O

tempo. A ira de Deus está sendo revelada continuamente e se manifesta todo tempo,

atingindo o máximo ao ser derramada sobre seu próprio Filho na cruz do Calvário. (3) A

fonte. A ira é enviada do céu, de onde se manifesta constante e dinamicamente no mundo

dos homens, o que acontece mediante sua ordem moral, quando o homem colhe o mal que

semeou, e através de sua intervenção direta e pessoal. O autor então comenta as principais

palavras empregadas no AT para descrever a ira divina, as

quais transmitem a idéia de um caráter altamente pessoal. (4) O alcance. A ira de Deus é
universal porque alcança a todos (Rm 3:9, 23), inclusive a pessoa mais integra e decente,

82
Ibid., 810-818.
83
J. F. MacArthur, Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-8 (Grand Rapids:
Editorial Portavoz, 2001), 89-92.
28

porque mesmo esta se encontra longe de alcançar a justiça perfeita estabelecida por Deus. (5)
A natureza. Ela é sempre uma reação divina voltada para o pecado, seja este na forma de
impiedade ou de injustiça. (6) A causa. É o pecado, a disposição para seguir o pecado, resistir
a Deus e se opor à sua verdade (Jo 3:19; Sl 7:11).84

Ele discorre a respeito da longanimidade de Deus para com a humanidade e a

apresenta como uma espécie de trégua divina temporária que adia o envio da ira. Isso

ocorre porque ele “não quer que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao

arrependimento” (2Pe 3:9). O autor argumenta, também, sobre as respostas que o homem

pode dar a Deus: por um lado a fé salvadora e, por outro, a dureza de coração que, por

recusar, com obstinação e sem arrependimento o perdão que Deus oferece em Cristo, se

constitui no pior de todos os pecados (ver Mc 3:5; 6:52; 8:17; Jo 12:40; Hb 3:8, 15; 4:7).85

Joseph S. Exell, em The Biblical Illustrator, discute sobre a ira em sua relação com

outros atributos divinos e demonstra as diferenças entre esta e a ira humana. Ele argumenta

que a ira divina é sempre direcionada contra o pecado e que o escape só é possível

mediante Cristo. Arrazoando sobre o papel de Cristo como executor da ira divina,

acrescenta que, se Cristo retratasse somente os atributos pacíficos de Deus, ele não seria a

representação de Deus, mas apenas meia manifestação. Portanto, é necessário que ele

manifeste também a ira, justiça e indignação de Deus.86

Neste estudo foram encontrados dois estudiosos adventistas do sétimo dia que

escreveram sobre a ira de Deus de um modo mais extenso. Um deles foi Ron du Preez, em

uma monografia contendo três capítulos e 60 páginas, que foi apresentada como parte de

seu programa doutoral no Seventh-day Adventist Theological Seminary. Seu primeiro

84
Ibid., 92-98, 129-131.
85
Ibid., 151-153; 255-262.
86
Joseph S. Exell, “Revelation”, The Biblical Illustrator (Grand Rapids, MI: Backer Book House, s.
d.), 23:1-787.
29

capítulo mostra como a doutrina da ira de Deus tem encontrado forte oposição e sido

negligenciada, e as objeções levantadas contra ela, mas também sua importância, devido,

especialmente, a sua íntima conexão com o amor de Deus.

O segundo capítulo, depois de uma breve discussão sobre os atributos de Deus,

examina, de modo resumido, o conceito de justiça e da ira de Deus nos escritos de

destacados teólogos que crêem que a ira de Deus é uma doutrina bíblica. Primeiramente é

apresentado o ponto de vista de quatro líderes cristãos do passado: Agostinho, Tomás de

Aquino, Lutero e Calvino; e, depois, de quatro eruditos mais recentes, cuja compreensão é

bem mais ampla que a daqueles: Augustus H. Strong, Louis Berkhof, Paul Tillich e Karl

Barth.

Então, o último capítulo, considera a doutrina bíblica da ira de Deus, expondo o

pensamento do AT, do NT e de Paulo, e uma análise do texto de Rm 1:18, considerado

como o “locus” bíblico da ira de Deus.87

O outro autor adventista foi John C. Brunt, que tratou do tema ao comentar Rm

1:18-3:20, como parte da série The Abundant Life Bible Amplifier. Ali, Brunt apresenta

quatro aspectos da ira divina: (1) sua revelação, que é presente e futura. Presente, no

sentido da possibilidade de fazer o mal e de colher suas conseqüências e, futura, porque

haverá um julgamento divino para pôr fim ao pecado. (2) Seu resultado: o aumento

progressivo da maldade e da imoralidade e, por fim, a destruição daqueles que se apegaram

87
Ron du Preez, “A Systematic Study of the Doctrine of the Wrath of God”, paper for the course
“Seminar in Systematic Theology”, Seventh-day Adventist Theological Seminary, Andrews University,
Berrien Springs, MI, December of 1986, 1-60.
30

ao mal. (3) Sua razão: o pecado humano. (4) Sua imparcialidade: ninguém escapa dela, em

razão que todos pecaram.88

O autor também discorre sobre expressões forenses empregadas por Paulo, as quais

devem ser entendidas no contexto dos conceitos bíblicos e não segundo o pensamento

ocidental atual. Desse modo, um indivíduo que ocupasse a função de juiz, estava muito

mais envolvido com as pessoas a quem ele servia do que na atualidade. Ele devia se

empenhar para corrigir as coisas e defender os oprimidos. Também, justificação era mais

do que uma declaração, pois expressava uma dimensão relacional vinculada à aliança entre

Deus e seu povo e possuía desdobramentos éticos e sociais.89

Como pôde ser visto, embora muitos eruditos cristãos, especialmente do passado,

tenham tratado do tema da ira divina, suas abordagens foram bastante parciais, abrangendo

uns poucos aspectos, frequentemente em razão de que seu tema principal era outro. Ficou

evidente, também, que foram poucos aqueles que se aventuraram a discorrer sobre o tema

de um modo mais abrangente.

Metodologia

A investigação segue uma metodologia bíblica teológica com vistas a um

aproveitamento na homilética. Busca compreender o tema da ira de Deus seguindo uma

abordagem cristã conservadora, sistematiza as informações e oferece uma série de esboços

de sermões.

88
John C. Brunt, Roman: Mercy for All, The Abundant Life Bible Amplifier (Boise, ID: Pacific
Press, 1996), 52-54.
89
Ibid., 83-86.
31

Organização do Estudo

O estudo apresenta quatro capítulos. Após a Introdução, o primeiro trata do

significado da ira de Deus. Partindo de uma discussão linguística que procura esclarecer o

uso de antropomorfismo e antropopatia, segue com o estudo das palavras hebraicas e

gregas empregadas nas Escrituras para descrevê-la e, depois, relaciona-a com outros

atributos morais de Deus e a compara e contrasta com a ira dos deuses pagãos e com a ira

humana, demonstrando desse modo, sua natureza.

O segundo capítulo expõe a realidade da ira divina a partir da perspectiva bíblica da

manifestação de Deus na história e na escatologia, apontando suas causas e efeitos, bem

como seus variados propósitos e os instrumentos que Deus utiliza para manifestá-la.

O terceiro capítulo, também partindo da perspectiva bíblica, focaliza a relação entre

Cristo e a ira de Deus desde os dias da eternidade até a execução dos ímpios por ocasião do

juízo final. Apresenta-o como o fiador do homem diante da ira divina, por ocasião da

entrada do pecado neste mundo, mas também como aquele que, ao viver entre os homens, a

possuiu – em certa medida – e a sofreu em nosso lugar e em nosso favor, para libertar-nos

dela e que, ao final, a executará sobre todos que desprezaram seu amor. São destacadas suas

obras de expiação, propiciação e intercessão. O capítulo ainda aponta o caminho a ser

seguido por quem quer livrar-se dessa ira.

O quarto capítulo traz uma proposta homilética que consiste numa série sugestiva de

esboços de sermões, cujo conteúdo está baseado nos capítulos precedentes desta

investigação, e que pretende servir de modelo de conteúdo e abordagem no âmbito da

pregação sobre a ira de Deus. Finalmente, serão apresentados o Resumo, Conclusões e

Sugestões para novos estudos.


CAPÍTULO I

O SIGNIFICADO DA IRA DE DEUS

O tema da ira divina deve ser compreendido a partir do estudo das palavras

empregadas pelos escritores bíblicos e do uso que fizeram da antropopatia e de expressões

antropomórficas. Também é necessário um exame de outros atributos morais de Deus que

estão diretamente relacionados, a fim de se perceber como eles se harmonizam na

personalidade divina. Além disso, porque a expressão “ira de Deus” quase sempre nos leva

a pensar nos aspectos negativos da ira humana e da ira dos deuses, conforme aparece na

mitologia pagã, também é imprescindível que se efetue tal comparação com a necessária

profundidade.

Discussão Lingüística

Para que a revelação aconteça, Deus precisa usar palavras humanas em acomodação

às exigências do pensamento humano, e ele faz isso empregando antropomorfismo e

antropopatia.

O Uso de Antropomorfismo e Antropopatia

O antropomorfismo é um modo de expressão do pensamento em que as

características de Deus são afirmadas em termos de elementos humanos, e frequentemente

32
33

se referem ao corpo humano e as suas várias propriedades.1 O uso destes antropomorfismos

não significa que Deus tenha os membros mencionados, mas que ele é capaz de fazer

aquelas coisas que o corpo humano faz (Sl 94:9).2

A antropopatia, por sua vez, consiste na atribuição de sentimentos humanos à

divindade.3 Deste modo, a atribuição da ira a Deus constitui uma antropopatia e representa

uma parte essencial da concepção bíblica de Deus enquanto ser dotado de forte

personalidade. Deve ser entendida no contexto de suas motivações e dos outros traços

pessoais a ele atribuídos4 e não significa, necessariamente, com precisão, o mesmo que

quando aplicada ao homem. A natureza do sentimento precisa ser julgada pelo caráter da

pessoa.

Os Termos Hebraicos para Ira

No AT são empregadas basicamente dez palavras hebraicas para indicar a presença

da ira de Deus – sendo que em sua maior parte, os verbos são cognatos com os respectivos

1
Como exemplos, citamos: a face (Êx 33:11, 20); o ouvido (Is 59:1); os olhos (2Cr 16:9); as narinas
(2Sm 22:9, 16); a boca (2Sm 22:9; Is 58:14); os lábios (Sl 17:4; Is 30:27); a língua (Is 30:27); os lombos (Is
11:5); os rins (Is 11:5); os braços (Dt 33:27); a mão (Is 59:1; Jo 10:29); pés (Is 66:1).
2
Lewis Sperry Chafer, Teologia sistemática, 8 vols., traduzido por Heber Carlos de Campos (São
Paulo: Hagnos, 2003), 2:208; Albert Barnes, “The Epistle of Paul the Apostle to the Romans”, Barnes’ Notes
on the New Testament, 2a. ed. (Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 1963), 551. Desde o AT, o perigo que
antropopatismos fortes demais apagassem os limites entre Deus e o homem era afastado pelo forte senso de
distância que o fiel sentia em relação a Deus e também pelo profundo discernimento da natureza da divina ira
que ele sabia claramente diferenciar da raiva humana, a qual tem suas raízes no prepotente ego do homem. B.
J. Fichtner, “Orgē: The Wrath of God in the LXX”, Theological Dictionary of the New Testament, traduzido
por Geoffrey W. Bromiley, 10 vols. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1984), 5:397; Diccionario de
la Biblia, ed. 1981, ver “Ira” e “Ira de Dios”.
3
Exemplos: amar (Dt 7:8, 13); odiar (Dt 12:31; Sl 45:7; Ml 2:16; Ap 2:6); entristecer-se (Ef 4:30);
Alegrar-se (Dt 28:63; Is 62:5); ter ciúmes (Ez 16:42; Tg 4:5); indignar-se (Dt 1:34, 37; 4:21; Sl 78:59); ficar
aborrecido (Dt 5:9; Am 5:21); ter zelo (Êx 20:5; Dt 5:9); encolerizar-se (Sl 78:49; 90:11; Ap 14:10, 19; 15:1,
7; 16:1).
4
Dicionário bíblico, ed. 1984, ver “Ira”; W. White Jr., “Wrath”, The Zondervan Pictorial
Encyclopedia of the Bible, ed. Merrill C. Tenney (Grand Rapids, MI: Zondervan, reimpressão 1986), 5:990-
991.
34

substantivos. Elas advêm de diversas formações e possuem uma grande variedade de

nuances. Apesar disso nem uma delas foi utilizada para enunciar um significado teológico

especial. O uso múltiplo destas palavras dentro de um mesmo verso ou perícope demonstra

que elas possuem significado paralelo.5 Estas dez palavras aparecem 714x no AT para

referir-se explicitamente à ira, sendo que cerca de 70% (518x) se referem à ira de Deus e o

restante (196x), à ira humana.6 Na sequência, elas são apresentadas de acordo com sua

freqüência, seguindo uma ordem decrescente.

’Ânaph, ’Aph

O verbo ’ânaph tem o significado de “irritar-se, indignar-se, encolerizar-se,

enfurecer-se; estar irado”.7 Claramente se percebe que possui uma associação com

“resfolegar”, “bufar”.8 O substantivo ’aph (II) significa “nariz, olfato, ira”,9 e também rosto

5
Bruce Edward Baloian, Anger in the Old Testament, América University Studies, Series VII,
Theology and Religion, v. 99 (New York: Peter Lang, 1992), 5. As obras que são citadas a seguir empregam
diferentes padrões de transliteração. Optamos por um. Todavia, quando uma obra além do verbete hebraico,
apresenta sua transliteração, nós a mencionamos nas notas de rodapé e na bibliografia.
6
Ibid.; B. Wiklander, “zâ‘am, za‘am”, Theological Dictionary of the Old Testament, 14 vols.,
traduzido por John T. Willis (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1983), 4:110; DB, ver “Ira” e “Ira de
Dios”. Para a terminologia da ira no AT ver também White Jr., 5:990-991; B. T. Dahlberg, “Wrath of God”,
The Interpreter’s Dictionary of the Bible, ed. George Arthur Buttrick, 4 vols. (Nashville, TN: Abington Press,
1962), 4:904; Bruce Edward Baloian, New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis,
ed. Willem A. Vangemeren, 5 vols. (Carlisle, U. K.: Paternoster Press, 1997), 4:377, 380. Além disso, há as
metáforas e as referências indiretas. Ibid., 4:380.
7
Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, traduzido por Ivo Storniolo e José
Bortolini (São Paulo: Paulus, 1997), ver “’ânaph”. Ver também Gale B. Struthers, “’np” NIDOTT, 1:462;
Gerard Van Groningen, “’ânep”, Theological Wordbook of the Old Testament, ed. R. Lair Harris, 2 vols
(Chicago: Moody Press, reimpressão, 1981), 1:58.
8
Baloian, Anger in the Old Testament, 6; Lund Elsie Johnson, “’anaph, ’aph (za‘am, za‘aph,
chemah, charah, ‘abhar, qatsaph, raghaz): Words for ‘Anger’ in the O. T.”, TDOT, 1:354; Gary A. Herion,
“Wrath of God”, The Anchor Bible Dictionary (New York: Doubleday, 1992), 6:990.
9
DBHP, ed. 1997, ver “’aph”.
35

e narinas.10 “Do sentido físico passa a designar ira, cólera, aborrecimento, coragem, raiva,

fúria, irritação, indignação, despeito, sanha”.11

’Ânaph é a palavra mais freqüente no AT para expressar a ideia de ira. O verbo

ocorre 14x, sempre tendo a Deus como sujeito (exceto em Sl 2:12, onde o sujeito é o rei

como filho de Deus).12 Primeiro designa o nariz (Pv 11:22), logo seu tremor e seu ressoar

(Gn 30:2; Êx 4:14), e, a partir daí, a causa deles, a ira (Jó 4:9).13 Seu principal uso diz

respeito ao aspecto emocional da ira porque, devido às alterações na respiração que esta

provoca em quem a possui, o nariz fica dilatado.14

O substantivo ’aph é derivado do verbo e é a mais comum designação para ira

encontrada no AT. Das 277 ocorrências, 224 se referem à ira e as 53 restantes, ao nariz,

narinas e rosto.15 O substantivo pode ser encontrado no singular, ’aph, ou na forma dual

’apphayim, sendo que ambos podem transmitir a idéia de ira, tanto a humana (40x) quanto

a divina (170x).16 Em duas passagens (Jó 4:9 e Sl 18:15) as duas formas são sobrepostas e

10
Struthers, 1:462; Groningen, 1:58; AOT, 6.
11
DBHP, 71.
12
Johnson, 1:354; idem, “’ānap – estar enojado, ira”, Diccionario teológico del Antiguo Testamento,
eds. Johannes Botterwick e Helmer Ringgren, traduzido por Alfonso de la Fuente Adanez e José Luis
Zubizarreta, 2 vols. ( Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978),1:376; Struthers, 1:462; Grether, E. O. e B. J.
Fichtner, “Orgē: The Wrath of Men and the Wrath of God in the Old Testament”, TDNT, 5:392.
13
H.- Chr. Hahn, “Ira”, Hahn, Diccionario teológico del Nuevo Testamento, 2ª ed., eds. Mario Sala e
Araceli Herrera, traduzido por Manuel Balash e outros (Salamanca: Ediciones Sigueme, 1980), 2:358.
14
Gerard Van Groningen, “’ap – narina, face, ira”, Dicionário internacional de teologia do Antigo
Testamento, organizado por R. Laird Harris, traduzido por Márcio Loureiro Redondo e outros (São Paulo:
Vida Nova, 1998), 97.; R. Michaud, “Ira”, Vocabulário bíblico, ed. Jean-Jacques Von Allmen (São Paulo:
ASTE, 2001), 257-258.
15
Struthers, 1:462; AOT, 6; Herion, 6:990.
16
Johnson, DTAT, 2:376; idem, TDOT, 1:354.
36

em ambos os contextos é evidente que a respiração das narinas do Senhor é uma expressão

de sua ira.17

No AT existe uma clara relação entre a ira e o fôlego (Êx 15:8; Sl 18:16: Jó 4:9),18 e

o nariz é mencionado mais como órgão da ira do que do cheiro.19 Por isso, o nariz é

considerado como o assento da ira (Ez 38;18; Sl 18:8).20 Algumas passagens trazem a idéia

da respiração agitada pela ira,21 de um intenso estado emocional, em que as paixões se

elevam e o rosto fica corado. Quando a forma substantivada é empregada para os homens,

pode indicar uma ira irracional e descontrolada (cf. Nm 22:27; 1Sm 20:30), todavia,

geralmente refere-se à ira de Deus, que, é tanto racional como controlada.22

Este grupo de palavras é usado particularmente para expressar a atitude de ira que

Deus tem para com o povo do concerto quando eles pecam (Dt 1:37; 9:8, 20),23 e significa

que seu amor, que foi ferido ou ofendido, tem como resposta emocional a ira (Dt 13:12-

17),24 que se expressa em punições (Sl 6:1; Is 12:1) e castigos (2Sm 6:7; Jr 4:6).

De fato, ’aph pode ser empregado num contexto forense referindo-se ao dia da

sentença condenatória (Is 13:13; Sf 2:2; Lm 2:22), à revogação da condenação (Dt 13:17-

18; cf. Nm 25:4), ao instrumento de execução (Is 10:5), à correção, não condenação (Jr

17
Struthers, 1:462-463.
18
Johnson, DTAT, 2:374.
19
Grether e Fichtner, 5:392.
20
Herion, 6:990.
21
Johnson, DTAT, 2:376.
22
Struthers, 1:463.
23
Groningen, 1:58.
24
Struthers, 1:464.
37

10:24), ou à justiça vindicativa (Mq 5:15).25 Há ocasiões em que é possível desviar a ira de

Deus (2Cr 29:10) e outras em que ela não pode ser posta de lado (cf. Jr 23:20).

No episódio do bezerro de ouro (Êx 32), por exemplo, aparece cinco vezes o

substantivo ’aph para retratar o quanto Deus estava furioso com seu povo, a tal ponto de

intentar aniquilá-los. Entretanto, Moisés pleiteou para que Deus tornasse de sua fúria e

manifestasse compaixão. Outro aspecto da ira de Deus é revelado nos livros poéticos: ela

dura apenas um momento (Sl 30:5 ou 6) e é frequentemente restringida (Sl 78:38), porque o

Senhor é compassivo, gracioso, tardio para se irar e abundante em seu amor e fidelidade (Sl

86:15; cf. 103:8; 145:8).26

Chêmâh

O substantivo chêmâh tem os significados de “ira, cólera, arrebatamento, fúria,

furor, iracúndia, irritação, indignação, raiva, sanha, vesânia, coragem; veneno, peçonha,

tóxico”,27 calor e desprazer intenso.28 Chêmâh é a segunda palavra mais usada para “ira” no

AT.29 Ocorre 125x,30 sendo que 90x se referem à ira de Deus.31

Por ser derivada de yâcham,32 “estar quente”, tem uma conotação incendiária33 e

pode transmitir a idéia tanto de um calor físico como a febre, quanto de um ardor

25
DBHP, ed. 1997, ver “’aph”.
26
Struthers, 1:464.
27
DBHP, ed. 1997, ver “chêmâh”.
28
G. Van Groningen, “yāham– estar quente”, DITAT, 611; Struthers, “hêmâ”, NIDOTT, 2:170-171.
29
Ibid.; Johnson, “chêmâh”, DTAT, 2:375, 377; idem, “chêmâh”, TDOT, 1: 354.
30
Struthers, “hêmâ”, 2:170-171.
31
Johnson, TDOT, 1: 354; idem, DTAT, 2:377-378; Herion, 6:990.
32
Este verbo é usado no AT apenas no piel, significando “estar no cio” ou “conceber” – Groningen,
DITAT, 611.
38

emocional em diversos níveis, sendo empregada para a raiva e a ira, tanto do homem como

de Deus (Gn 27:44; Pv 21:14).34 Quando usada no sentido de ira, ressalta sua

“manifestação de calor, ardor, afogueamento”.35 Seguidamente se refere à ira de Deus

como “fogo” (Sl 89:46; Jr 4:4; 21:12; Lm 2:4; Na 1:6), ou como “sendo acesa” (2Rs 22:13,

17), mas também pode ser usada com o significado de derramar-se como água (Os 5:10) e

com ambas estas imagens (Is 42: 25; Jr 7:20; 44:6).36

Além de ser empregada como um referência ao “excitamento” do espírito (Ez

3:14),37 pode ser usada também em relação à “quentura” do vinho (Hc 2:15; Jó 36:16-18;

Os 7:5), ao “veneno” de serpentes (Dt 32:24; Jó 6:4; Sl 58:4; 140:3) e às flechas

envenenadas (Jó 6:4) – pois se presume que o “calor” corporal seja produzido pela ira, pelo

veneno ou pelo vinho.38 Ainda é empregada como sinônimo de “repreensão” (Is 51:20 e

66:15) e aparece em expressões que se referem a algum “castigo” (Ez 5:15 e Sl 6:1 e

38:1).39

Seu uso primário no AT é para referir-se à ira de Deus, indicando seu ardor ou furor

(Nm 25:11; Dt 9:19; Ez 36:6; Na 1:2, 6) que, pelo menos em certas circunstâncias, se

33
Johnson, TDOT, 1: 354-355; idem, DTAT, 2:375; Herion, 6:990; Baloian, Anger in the Old
Testament, 6.
34
Groningen, DITAT, 612.
35
DBHP, ed. 1997, ver “chêmâh”.
36
Johnson, TDOT, 1: 352, 354-355; idem, DTAT, 2:377-378; Baloian, Anger in the Old Testament, 6.
37
Chêmâh é usada 25x para designar o excitamento ou ira humana, o que pode ser visto
especialmente em Provérbios, Ester e em textos exílicos e pós-exílicos em geral. Ela pode ocorrer em
indivíduos, grupos ou nações e surge como um sentimento quando alguém é ofendido, insultado ou enganado
por outrem, ou quando há inveja ou a compreensão de que a conduta de alguém tem sido errada. K.-D.
Schunck, “chemah”, TDOT, 4:463; Hahn, 2:358; Groningen, DITAT, 612; Herion, 6:990; Johnson, DTAT,
2:375; Baloian, Anger in the Old Testament, 6.
38
Grether e Fichtner, 5:392; Johnson, TDOT, 1:352; idem, DTAT, 2:375.
39
Johnson, TDOT, 1: 354; idem, DTAT, 2:375.
39

extinguiria somente depois que fosse derramado por meio de um juízo (2 Rs 22:13-17; Jr

42:18).40 Pode ter o aspecto judicial de condenação (Dt 9:9; 2Rs 22:13; Is 63:3; Jr 32:37).41

No período pré-exílico é voltada principalmente contra o povo de Deus (2 Rs 22:13;

Sl 89:46; Jr 4:4).42 Sua maior frequência aparece em Ezequiel (33x) e Jeremias (17x), que

atuaram na época em que findavam os dias de Judá como nação e iniciavam os anos do

cativeiro babilônico, justamente quando a paciência de Deus com seu povo chegou ao

limite. Um exame dos escritos desses homens demonstra que chêmâh tem a conotação de

uma emoção mais forte do que aquela expressa por ’ap (quando ’ap é usada sem

modificadores), uma emoção tão intensa que resulta em julgamento (Jr 4:4; cf. 21:12; 23:19

cf 30:23; Ez 5:5-13).43 Nos períodos exílico e pós-exílico a ira divina é direcionada

especialmente contra as nações estrangeiras (Is 34:2; Ez 25:11, 17; Mq 5:15), mas também

contra pecadores individuais de Israel.44

Chârâh, chârôn

A raiz verbal chrh transmite a ideia de queimar, arder, estar inflamado ou aceso (de

ira); estar irado com.45 É a segunda raiz mais comum empregada para denotar ira: 139x.46 O

verbo chârâh – que aparece 93x no AT47 – provindo da experiência fisiológica do calor

40
Schunck, TDOT, 4:464.
41
DBHP, ed. 1997, ver “chêmâh”.
42
Schunck, TDOT, 4:464.
43
Struthers, NIDOTTE, 2:170-171.
44
Schunck, “chemah”, TDOT, 4:464.
45
Jerome F. D. Creach, “hrh”, NIDOTTE, 2:265; D. N. Freedman e J. R. Lundbom, “chârâ, chârôn,
chorî”, TDOT, 5:171; Leon J. Wood, “harâ – queimar, estar aceso”, DITAT, 529; Baloian, Anger in the Old
Testament, 7.
46
Wood, 529-530. Baloian menciona 136x. Baloian, Anger in the Old Testament, 7.
47
Creach, 2:265-266; Freedman e Lundbom, 5:171.
40

facial, que é um sintoma da ira, é empregado sempre para significar ira,48 sendo que na

maioria das ocorrências a referência é à ira de Deus.49

Chârâh transmite a ideia de “irar-se, encolerizar-se, indignar-se, enojar-se,

enraivecer-se, enfadar-se, incomodar-se (Gn 4:5; Nm 16:15; Nm 3:33).50 O sentido da raiz

difere de outros termos que designam “ira” porque enfatiza o “acender” a ira, como se

acende um fogo, ou o “insuflar” a ira quando ela já se encontra presente (Gn 31:36; 39:19;

Nm 11:1).51

O substantivo chârôn significa incêndio,52 e é empregado 41x, sempre com relação

à ira de Deus.53 Quando é usado com ’aph, e isto ocorre 35x, a referência é ao ímpeto ou

ardor da ira divina. Outro substantivo, chôrî, que tem o mesmo sentido de chârôn, é usado

apenas seis vezes, sendo duas para Deus.54

Quando empregados em relação a Deus, tanto o verbo como o substantivo sempre

expressam a noção de uma ira legítima, como a de um suserano contra um vassalo

desobediente. Em quase todos os casos, o objeto dessa ira é Israel e ela é acesa por causa de

sua infidelidade ao constante amor de Deus: a desobediência às estipulações da aliança (ver

Js 7:1; 23:16; Jz 2:20), ou a procura por outros deuses (Dt 6:14-15; 11:16-17; 31:16-17), ou

a transgressão dos mandamentos (Is 5:24-25; cf Os 8:5).55

48
DBHP, ed. 1997, ver “chârâh”.
49
Freedman e Lundbom, 5:171-175; Johnson, “chârâh”, TDOT , 1:355.
50
DBHP, ed. 1997, ver “chârâh”.
51
Wood, 529-530.
52
DBHP, ed. 1997, ver “chârôn”; Creach, 2:266; Herion, 6:990.
53
Ibid.; Johnson, TDOT, 1:353; Wood, DITAT, 530.
54
Ibid.
55
Creach, 2:266-267; Freedman e Lundbom, 5:174; Herion, 6:990.
41

Também é digno de nota que nos livros proféticos a ira de Deus parece maior do

que nos dias de Moisés, o que pode ser visto, por exemplo, em Jr 4. Isso ocorre porque essa

ira aumenta à medida que Israel persevera em sua apostasia. Em razão disso, o substantivo

chârôn é mais empregado nos últimos livros do AT.56

Kâ‘as, ka‘as

O verbo kâ‘as tem o sentido de “irritar-se, enfadar-se, enfurecer-se, desgostar-se”;

provocar; enfadar, desgostar, indignar, enfastiar, importunar; incitar, impacientar,

encolerizar, fazer perder a calma.57 Denota uma ação interna, que, geralmente, não tem um

objeto. Transmite a ideia de irritar ou provocar alguém de maneira que ele não se contenha

e reaja.58

O AT o emprega 54x, sendo 43x para Deus e 11x para os homens.59 As outras

palavras para ira raramente se conectam com ka‘as. Algumas vezes aparece como uma

idéia paralela de “ter ciúmes, ter zelos” (Dt 32:16, 21; Sl 78:58-59).60

O substantivo ka‘as significa “raiva, despeito, irritabilidade, ira, cólera; desgosto,

irritação, sofrimento, aflição; provocação”.61 É empregado 23x,62 sendo que oito delas para

referir-se à divina “irritação” (1Re 15:30; 21:22; Jó 10:17).63 É o mais introspectivo dos

56
Struthers, “’np”, NIDOTTE, 1:464-465.
57
DBHP, ed. 1997, ver “kâ‘as”.
58
Groningen, “ka’as – estar irritado, indignado, irado, enfurecido, magoado, desgostoso; provocar à
ira”, DITAT, 740; Creach, “k‘s”, NIDOTT, 2:684.
59
Baloian, Anger in the Old Testament, 7; Johnson, “kâ‘as”, DTAT, 1:378; idem, “kâ‘as”, TDOT,
1:355.
60
Ibid., 1:353, 355.
61
DBHP, ed. 1997, ver “ka‘as”.
62
Creach, “k‘s”, NIDOTT, 2:684; Johnson, “kâ‘as”, DTAT, 1:378.
63
Ibid.; Herion, 6:990-991.
42

termos para ira.64 Na maioria dos casos designa o sentimento que vem como resultado de

um tratamento injusto e, assim, deve ser traduzida preferencialmente por “desgosto” ou

“mágoa” antes que por “ira” (ex.: Jó 17:7; Sl 6:7; 31:9-10; Ec 7:3).65 Em alguns casos

excepcionais, quando usado no sentido de “irar-se”, é dirigida contra os homens (Jó 10:17;

2Cr 16:10; Sl 85:5).66

Deus é, frequentemente, o objeto do verbo, o que transmite a ideia de que alguém

enfureceu a divindade. A razão primária para essa indignação é a adoração de outros ídolos

por parte de Israel (1Rs 14:9, 15; 2Rs 22:17), o que evidencia que a exclusiva reivindicação

de Deus sobre Israel foi ignorada.67

Quando o povo da aliança, a quem ele escolheu para comunhão e serviço, é infiel,

Deus, por causa de seu amor e santidade, fica profundamente magoado e irritado. E quando

essa provocação persiste, pode chegar ao ponto de que sua ira contra eles só se aplaque

após o envio de seus juízos (ver 2Rs 21:1-26; 23:26), que são a expressão do amor divino

que se defende e remove aquilo que lhe irrita e entristece.68 Portanto, quando usado em

relação a Deus, esses termos demonstram que o homem, por meio do pecado e da rebeldia,

pode irritá-lo, magoá-lo e entristecê-lo (Dt 4:25; 9:1-8),69 todavia a irritação não é um

atributo permanente de Deus (Ez 16:42).70

64
Baloian, Anger in the Old Testament, 7.
65
Ibid.; Creach, “k‘s”, NIDOTT, 2:684; Johnson, “kâ‘as”, DTAT, 1:376, 378; idem, “kâ‘as”, TDOT,
1:353-355.
66
Idem, TDOT , 1:353; idem, DTAT, 1:376.
67
Idem, 1:378; Creach, “k‘s”, NIDOTTE, 2:684-685.
68
Groningen, “ka’as – estar irritado, indignado, irado, enfurecido, magoado, desgostoso; provocar à
ira”, DITAT, 741.
69
Ibid., 740-741.
70
Ibid., 740.
43

Qâtsaph, qêtseph

O verbo qâtsaph significa “irar-se, encolerizar-se, irritar-se, indignar-se, enfurecer-

se, enfadar-se, zangar-se”;71 “sentir ira, cólera, etc.; estar irado, irritado”;72 “irritar,

provocar, aborrecer”.73 É possível que tenha o sentido básico de “brotar”, “irromper”, do

qual evoluiu para ter o sentido de “encolerizar-se”, “estar furioso”.74 Com o significado de

estar irado, ocorre 34x, tendo 29x o Senhor como sujeito.75 Qâtsaph é empregado para dar

expressão ao relacionamento interpessoal quando uma das partes sente ira, por causa do que

a outra disse ou fez.76

O substantivo qetseph I denota “ira, enfado, zanga, irritação, indignação, fúria,

raiva, cólera, sanha, furor”,77 aborrecimento, desprazer.78 Ocorre 28x e, com exceção de Ec

5:17 e Et 1:18, é usado nas outras 26x para referir-se à ira de Deus (Dt 29:27; Jr 10:10).79

Com frequência se trata de um sentimento repentino, violento e que rapidamente se desfaz.

Isso pode ser visto nos episódios em que Faraó se encolerizou pela infidelidade de seus

servos (Gn 40:2; 41:10); Moisés, pela desobediência do povo (Êx 16:20) e porque os filhos

de Arão não observaram corretamente o ritual do santuário (Lv 10:16); Naamã, contra

71
DBHP, ed. 1997, ver “qâtsaph”.
72
Ibid., 587.
73
Ibid., 587; Struthers, “qsp”, NIDOTTE, 3:962; F. V. Reiterer, “qasap; qesep”, TDOT, 13:89.
74
Grether e Fichtner, 5:392.
75
Struthers, “qsp”, NIDOTTE, 3:962-963.
76
Groningen, “qatsap – estar descontente, estar irado, exaltar-se”, DITAT, 1360; idem, “qâsap I –
estar descontente, irado; aborrecer-se”, TWOT, 2:808.
77
DBHP, ed. 1997, ver “qetseph”.
78
Reiterer, “qāsap; qesep”, TDOT, 13:89; Struthers, “qsp”, NIDOTTE, 3:962.
79
Ibid.; Herion, 6:990-991; Grether e Fichtner, 5:392; Baloian, Anger in the Old Testament, 7.
44

Eliseu (2Re 5:11). Qetseph é utilizado também para Deus (Lv 10:6; Nm 16:22; Ec 5:5; Lm

5:22; etc.)80 e aparece intercambiavelmente com outras palavras para ira.81

Qetseph pode ser descrito como uma dramática manifestação do desagrado de Deus,

que, apesar disso, não pretende destruir (Sl 38:1-4).82 Aparece em textos que salientam que

a ira divina é transitória (Is 57:16) e que será superada pela graça e a misericórdia (Is

54:8).83

Todavia, algumas passagens expressam mais claramente o tratamento de destruição

inerente a qêtseph (ver Nm 31:14-18; Dt 1:34). A raiz qtsp pode ter consequências que

afetam outras pessoas além daquelas que provocaram a ira de Deus (Lv 10:6; Sl 106:32) e

assume uma particular intensidade quando associada com nações estrangeiras (Jr 10:10; Zc

1:12-17).84 A qetseph atua para proteger a santidade e o amor de Deus (aos quais está

indissoluvelmente ligada) e aqueles que são objetos desse amor. Ela se manifesta quando

seu amor é profanado, distorcido ou rejeitado85 e, podendo operar de diversas maneiras, seu

propósito é “restringir o mal, corrigir o pecador e castigar o rebelde endurecido e

obstinado”.86 A frase qêtseph gâdol ocorre seis vezes (Dt 29:27; 2Rs 3:27; Jr 21:5; 32:37;

Zc 1:15; 7:12) e indica grande ira, sendo uma advertência quanto às consequências da

apostasia e do abandono da aliança do Senhor.87

80
G. Sauer, “Ira”, Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, ed. Ernst Jenni, traduzido
por Rufino Godoy (Madrid: Ediciones Cristiandad, 1985), 2:837.
81
Baloian, Anger in the Old Testament, 7; Struthers, “qsp”, NIDOTTE, 3:963.
82
Ibid., 13:94. Para uma exposição das origens e usos de qêtseph ver Sauer, 2:835-839.
83
Ibid., 2:837-838.
84
Reiterer, 13:92-95; Sauer, 2:837.
85
Groningen, “qatsap – estar descontente, estar irado, exaltar-se”, DITAT, 1361.
86
Ibid.; idem, “qâsap I – estar descontente, irado; aborrecer-se”, TWOD, 2:808.
87
Struthers, “qsp”, NIDOTTE, 3:962-963.
45

Bâ‘ar, ‘ebhrah

O verbo ‘br II ocorre oito vezes e tem uma etimologia incerta.88 De fato, as palavras

com as consoantes b‘r apresentam um quadro muito confuso com relação à etimologia e

significado. Há pelo menos três diferentes raízes contendo estas consoantes: a primeira

significa “queimar”; a segunda, “exterminar”, “alimentar ou apascentar”; e a terceira, “ser

estúpido”, que deriva de ba‘îr, “besta, gado”.89

Com o significado de “queimar”, “arder”, bâ‘ar aparece, primeiramente, em

descrições de teofanias (Êx 3:2ss.; Dt 4:11; 5:23; 9:15; 2Sm 22:13; Sl 18:8) e, em segundo

lugar, freqüentemente é encontrada revelando o poder abrasador da ira de Deus (Is 30:27 e

33), que pode ser de tal intensidade, em situações extremas, que ninguém possa apagá-lo

antes que ele cumpra seu propósito (Jr 4:4; 7:20; 21:12; Ml 4:1). Em terceiro lugar, é usada

como “fogo”, o qual é retratado como instrumento de Deus para punir os ímpios (Nm 11:1;

Is 1:31; 10:17; Sl 106:18).90

Com o significado de “exterminar”, bâ‘ar aparece em diversas passagens que

apresentam o destino de pessoas que cometeram atrocidades (2Sm 4:11; 1Re 14:10 e

21:21). Há também um grupo de leis em Deuteronômio, que apresenta a punição

caracterizada pelas palavras “eliminarás o mal do meio de ti” (Dt 21:18-21; ver também

88
Idem, “‘br”, NIDOTTE, 3:316. Para um estudo mais aprofundado sobre este verbo: DBHP, ed.
1997, ver “‘br II”.
89
Ringgren, “b‘r, ba‘ar, bā‘îr”, TDOT, 2:201. Obviamente, apenas as duas primeiras raízes são
pertinentes a esta investigação. Para um estudo mais aprofundado dessas raízes: DBHP, ed. 1997, ver “bâ‘ar”
90
Ringgren, 2:201-202; Schunck, “‘ebrâ; ‘abar”, TDOT, 10:426; Johnson, “bâ‘ar”, DTAT, 2: 378.
46

19:11-13; 22:22; 24:7), significando que deve ocorrer a purificação da tribo ou da nação, de

modo que o mal seja rejeitado.91

O substantivo ‘Ebhrah significa “cólera, fúria, furor, indignação, paixão,

arrogância”.92 Derivado da raiz verbal ‘br, que tem a conotação de “passar”, “transpor” e

“transbordar”, ‘ebhrah traz a idéia de “transpor os limites permitidos”, de algo insuperável

ou excessivo e pode significar uma vasta gama de sentimentos, desde orgulho e arrogância

até o de ira destruidora.93 Ocorre 34x no AT, sendo que em 30 delas a idéia é a de ira (seis

vezes se referem à ira do homem – ex.: Gn 49:7; Sl 7:6 – e 24x se referem à fúria divina –

ex.: Ez 22:21, 31; 38;19; Os 13:11; Hc 3:8 e).94

A expressão “‘ebhrah de Deus” é sempre compreendida como a reação divina ao

comportamento humano inapropriado e salienta a impetuosidade de sua ira (ver Dt 3:26; Sl

78:21, 49; Is 9:19; Ez 22:1), que transborda, queima e consome aquilo que a causou.95 É

usada nas expressões “fogo do meu furor”, que ocorre quatro vezes (Ez 21:31; 22:21, 31;

38:19) e “dia da ira”, mencionada cinco vezes (Ez 7:19; Sf 1:15, 18; Jó 21:30; Pv 11:4).96

Conforme a descrição de Sf 1:15-18, este dia surge como uma consequência do pecado

91
Ringgren, 2:203-204. Enquanto que karath (separar) é usado para expressar a punição, ba‘ar vem
após o anúncio da punição. Karath é utilizado para expressar a ideia de excomunhão, enquanto que ba‘ar traz
a idéia de purificação da comunidade (ver Jz 20:13; 1Re 22:47; 2Re 23:24; 2Cr 19:3). Ibid.
92
DBHP, ed. 1997, ver “bâ‘ar”.
93
Johnson, “‘ebhrah”, TDOT , 1:353; idem, “‘ebhrah, DTAT”, 2:376; Groningen, ‘ebrâ – ira, raiva,
indignação”, DITAT, 1073; Baloian, Anger in the Old Testament, 7. Para uma melhor compreensão das
origens e do uso de ‘ebhrah, ver Sauer, 2:267 a 270.
94
Struthers, “‘br”, NIDOTTE, 3:316; Herion, 6:990-991; Grether e Fichtner, 5:392; Johnson,
‘ebhrah, DTAT, 2:378.
95
Ibid.; idem, “‘ebhrah”, TDOT , 1:355; Schunck, “‘ebrâ, ‘abar”, TDOT, 10:426, 429; Herion,
6:990; Grether e Fichtner, 5:392; Groningen, “‘ebrâ – ira, raiva, indignação”, DITAT, 1073; Struthers, “‘br”,
NIDOTTE, 3:317.
96
Johnson, ‘ebhrah, TDOT , 1:355; Schunck, “‘ebrâ, ‘abar”, TDOT, 10:428.
47

humano (1:17) e a palavra ‘ebhrah (1:18), neste caso, aponta para a natureza esmagadora

da ira de Deus contra o pecado, da qual as pessoas não podem ser libertas.97

Râgaz, Rôgez

Nas línguas semíticas, as raízes com as consoantes rgz expressam a ideia de

“movimento”, de “tremer” e tem o principal significado de “estar irado”.98 O verbo râgaz

significa “tremer, vibrar; estremecer-se, agitar-se; irritar-se, brigar; temer”; “agitar, sacudir,

cirandar; estremecer, inquietar, desassossegar”; “revolver-se”;99 perturbar, agitar, mover,

excitar; fazer estremecer, ativar.100 Ocorre 41x ao longo do AT e, fundamentalmente,

expressa a idéia de movimento físico. Assim, tremem, a terra (1Sm 14:15; Jl 2:10), os

fundamentos dos céus (2Sm 22:8), os montes (Is 5:25), as ondas (Sl 77:17).101

Todavia, seu significado tem se expandido além de seu limite original e é capaz de

expressar idéias de rebelião, medo, perturbação, raiva e excitação (Êx 15:14; 2Sm 19:1).102

Quando râgaz é usado com um sujeito animado, denota primariamente um fenômeno

somático, uma agitação crescente, derivada de uma profunda emoção, que em Ez 12:18

aparece como “tremor”103 e que só pode ser identificada pelo contexto.104 Desse modo,

pode-se tremer de alegria (Jr 33:9) ou de medo (Êx 15:14) e só esporadicamente se aplica à

97
Struthers, “‘br”, NIDOTTE, 3:316-317.
98
G. Vanoni, “rāgaz; rōgez; rogzâ; raggaz, ’argaz”, TDOT, 13:304.
99
DBHP, ed. 1997, ver “râgaz”.
100
M. V. Van Pelt e W. C. Kaiser, Jr., “rgz”, NIDOTTE, 3:1045; Andrew Bowling, “râgaz”, TWOD,
2:830.
101
DBHP, ed. 1997, ver “râgaz”.
102
Ibid.; Pelt e Kaiser, 3:1045; Bowling, 2:830.
103
Vanoni, 13:306; Bowling, 2:831.
104
Bowling, “râgaz – tremer, estremecer-se, irar-se”, DITAT, 1397.
48

ira (Jó 12:6; 37:2; 2Re 19:27-28; Hc 3:2).105 Na verdade, râgaz é uma das palavras mais

raramente usadas para denotar a ira no AT, onde ocorre apenas sete vezes.106

O substantivo rôgez traz a ideia de tremor, trepidação; agitação, inquietação,

sobressalto, susto,107 excitação, perturbação.108 É empregado nove vezes: oito na forma

masculina, a qual pode aparecer para expressar o tipo de ira furiosa que com frequência é

acompanhada por estremecimento (Hc 3:2; Dn 3:13); e uma vez na forma feminina, usada

no sentido de medo ou ansiedade (Ez 12:18).109

Nos oito textos em que Deus é associado com râgaz, sempre há uma revelação de

seu poder (Jó 9:5-6; Is 28:21; Hc 3:2; etc.).110 Esse verbo é empregado para referir-se

àquelas situações em que Deus treme de indignação ou ira, porque é provocado.111 Desse

modo, Is 28:21 mostra Deus levantando-se ou agitando-se para a batalha.112

O substantivo rôgez é empregado para referir-se a agitações externas, como o

estremecimento da terra, que é um tema comum no AT. Nesse caso, a ira de Deus é

tipicamente descrita como a razão para tal estremecimento (1Sm 14:15; 2Sm 22:8; Sl 18:7;

Am 8:8). Juntamente com a terra – montanhas, céus, nações, reinos e seus habitantes –

também estremecem diante da ira de Deus (1Sm 13:13; Is 5:25; 23:11; 64:2).

Estremecimento semelhante pode ocorrer em uma teofania (Jr 33:9) e acontecerá no grande

105
Johnson, “râgaz”, DTAT, 2:376; idem, “râgaz”, TDOT, 1:353.
106
Baloian, Anger in the Old Testament, 7.
107
DBHP, ed. 1997, ver “rôgez”.
108
Bowling, “rôgez”, TWOD, 2:830; Pelt e Kaiser, “rôgez”, NIDOTTE, 3:1045.
109
Ibid., 3:1046.
110
Vanoni, 13:304-308.
111
Bowling, “râgaz – tremer, estremecer-se, irar-se”, DITAT, 1397-1398; idem, rôgez, TWOD,
2:831.
112
Pelt e Kaiser, “rôgez”, 3:1045.
49

e terrível dia do Senhor (Jl 2:1, 10).113 Todavia, rôgez é empregado apenas uma vez para

expressar a ira de Deus (Hc 3:2).114

Zâ‘am, Za‘am

O verbo zâ‘am traz a ideia de “estar irritado; descarregar a cólera”,115 expressar

indignação, denunciar,116 repreender, reprovar117 e tem a conotação primária de amaldiçoar

(Nm 23:7; Pv 24:24).118 É empregado para indicar tanto a condição de estar indignado

como a atividade que dá expressão a esse estado,119 mas sua ideia básica é a de expressar

indignação especialmente na forma de denúncia.120

Zâ‘am pode ser usado para retratar uma atitude de ruptura, de inimizade (Zc 1:12;

Ml 1:4); para manifestar indignação contra alguém (Pv 24:24), seja através de um

pronunciamento de maldição (Nm 23:7), seja descarregando sua cólera (Dn 11:30); para

referir-se à indignação do juiz (Sl 7:11).121 Aparece apenas 12x122 sendo que em sete delas

a referência é à ira divina e a um claro aspecto de juízo.123 Parece ter sido parte de uma

113
Ibid.
114
Bowling, “râgaz – tremer, estremecer-se, irar-se”, DITAT, 1398.
115
DBHP, ed. 1997, ver “zâ‘am”.
116
Wood, “zâ‘am”, TWOD, 1:247; idem, “zâ‘am – estar indignado, mostrar indignação, denunciar”,
DITAT, 400.
117
Grether e Fichtner, 5:393.
118
Ibid.; Baloian, Anger in the Old Testament, 6; Johnson, “zâ‘am”, DTAT, 1:374-375.
119
DBHP, ed. 1997, ver “zâ‘am”; Wood, “zâ‘am – estar indignado, mostrar indignação, denunciar”,
DITAT, 400; idem , zâ‘am”, TWOD, 1:247.
120
Idem.
121
DBHP, ed. 1997, ver “zâ‘am”.
122
Wood, “zâ‘am”, TWOD, 1:247; idem, “zâ‘am – estar indignado, mostrar indignação, denunciar”,
DITAT, 400; Johnson, “zâ‘am”, TDOT, 1:354; Grether e Fichtner, 5:393.
123
B. Wiklander, “zâ‘am, za‘am”, TDOT, 4:108-109; Wood, “zâ‘am”, TWOD, 1:247; idem, “zâ‘am
– estar indignado, mostrar indignação, denunciar”, DITAT, 400.
50

fórmula de maldição que posteriormente veio a significar a condição emocional por detrás

da maldição (Is 30:27).124

O substantivo za‘am é traduzido por “cólera, indignação, irritação, ira, furor, fúria,

raiva”.125 Significa a paixão, mas especialmente a sua manifestação ativa (Jr 15:17; Na 1:6;

Sl 38:3; 102:10; Dn 8:19; 11:36),126 e denota raiva expressa em palavras de repreensão (ver

Is 30:27).127 Na maioria das 22x em que ocorre, a referência é à ira de Deus (ex.: Sl 102:10;

Is 10:5; 66:14-15; Jr 10:10; Ez 22:31).128 Nos textos apocalípticos tem o significado

especial de “tempo da ira” (Is 26:20; Dn 8:19; 11:76).129

A za‘am de Deus é expressa em dor e sofrimento (Sl 38:1-3; Jr 15:17), cativeiro e

exílio (Lm 2:6; Zc 1:12), seca (Ez 21:31-32; 22:24, 31), trovão, fogo e fumaça (Is 30:27-

30), terremoto (Na 1:5; Hc 3:12), pragas no Egito (Sl 78:49) a opressão de Israel por nações

estrangeiras (Is 10:5, 25; Jr 50:25);130 e em várias teofanias proféticas de juízo. Ela é parte

de um tríplice esquema: (1) o relato de uma teofania, envolvendo catástrofe na natureza e

terminologia de ira, frequentemente associado com fogo abrasador (Is 30:27-28; Na 1:2-6;

Hc 3:3-12; Sf 3:8); (2) julgamento das nações (Is 30:28-33; Na 1:8-11; Hc 3:12-13; Sf 3:8);

124
Johnson, “zâ‘am”, TDOT, 1:352.
125
Wood, “za‘am”, TWOD, 1:247; DBHP, ed. 1997, ver “za‘am”.
126
Ibid.
127
Grether e Fichtner, 5:393.
128
Wood, “za‘am”, TWOD, 1:247; idem, “zâ‘am – estar indignado, mostrar indignação, denunciar”,
DITAT, 400; Johnson, “za‘am”, TDOT, 1:354; Herion, 6:990-991; Baloian, Anger in the Old Testament, 6;
Johnson, “za‘am”, DTAT, 1:377.
129
Ibid.
130
Wiklander, 4:108-110.
51

e (3) palavras de salvação para o próprio povo do profeta, a quem é prometido livramento

da za‘am (Is 30:19-26, 29; Na 1:7, 12ss.; Hc 3:13; Sf 3:9-20).131

Zâ‘aph, Za‘aph, Zâ‘êph e Zal‘âphâh

O verbo zâ‘aph tem a conotação fundamental de estar agitado,132 mas também

significa estar turbado, abatido,133 triste, irado,134 indignar-se, irritar-se.135 Os substantivos

derivados são za‘aph (sete vezes), za‘eph (duas vezes) e zal‘âphâh (3 vezes).136 O

substantivo za‘aph significa “cólera, fúria”,137 ataque, indignação,138 furor.139

Ao que tudo indica za‘aph evoluiu da ideia inicial de “agitação”, para “ira”.140 É

empregado em relação com os fenômenos naturais (Jn 1:15 – o furor do mar; Sl 11:6 – o

torvelinho); a agitação do espírito humano (o que ocorre seis vezes, com a ideia de

“aflição” ou “abatimento” – ver Gn 40:6; Dn 1:10141 – e forte indignação – 1Re 20:43;

21:4; 2Cr 16:10; 26:19);142 e a ira Deus (duas vezes – Is 30:30; Mq 7:9).143 Portanto, za‘aph

é uma palavra raramente empregada, e quando aparece, é utilizada mais em paralelo com

131
Ibid., 4:108-109.
132
Herion, 6:991.
133
Groningen, “zā’ap – estar perturbado, turbado, abatido”, DITAT, 400.
134
Groningen, “zâ‘ap”, TWOD, 1:247.
135
DBHP, ed. 1997, ver “zâ‘aph”.
136
Johnson, “zâ‘aph”, TDOT, 1:354.
137
DBHP, ed. 1997, ver “za‘aph”.
138
Groningen, “za‘ap”, TWOD, 1:247.
139
Idem, “zâ’ap – estar perturbado, turbado, abatido”, DITAT, 401.
140
Johnson, “za‘aph”, TDOT, 1:352; Baloian, Anger in the Old Testament, 6.
141
Johnson, “za‘aph”, TDOT, 1:352; idem, “za‘aph”, DTAT, 1:375.
142
Ibid., 1:377; Ringgren, “zâ‘aph, zâ‘eph, za‘aph”, TDOT, 4:111-112.
143
Ibid., 111; Groningen, , “za‘ap”, TWOD, 1:248; Groningen, “zâ’ap – estar perturbado, turbado,
abatido”, DITAT, 401; Herion, 6:991.
52

termos como “desgosto” ou “descontentamento” (Gn 40:6ss.; 1Re 20:43; 21:4) do que “ira”

(2Cr 16:10).144

Com base em Mq 7:9 pode-se dizer que a ira de Deus é sua reação ao pecado de seu

povo e, todavia, ela não perdurará para sempre, antes será substituída pela restauradora

graça de Deus.145

Rûach

O significado mais básico do rûach é “ar em movimento”,146 “vento, vendaval,

lufada, brisa, aragem; ar; direção”; “alento, hálito; alento vital, alma, espírito; respiração,

fôlego, ofego; sopro, assopro”,147 mas também é variadamente definido como

transitoriedade, volição, disposição, temperamento, espírito, Espírito.148 Pode designar a ira

como uma paixão pertinente à esfera do espírito.149 Este substantivo ocorre 387x no AT,150

mas em apenas seis passagens é traduzido por ira (Jz 8:3; Pv 16:32; 29:11; Is 25:4; 30:28;

Zc 6:8), sendo que em duas delas retrata a ira de Deus.151 Uma possibilidade é que seu uso

para a ira derive da observação feita de que a ira é acompanhada de uma excitação que

causa uma respiração ofegante, um movimento forte e rápido de ar, uma bufada através das

144
Baloian, Anger in the Old Testament, 6; Johnson, “za‘aph”, TDOT, 1:352, 354; idem, “za‘aph”,
DTAT, 1:377.
145
Ringgren, “zâ‘aph, zâ‘eph, za‘aph”, TDOT, 4:111-112; ver também Herion, 6:991.
146
M. V. Van Pelt, W. C. Kaiser, Jr. e D. I. Block, “rûach”, NIDOTTE, 3:1073; J. Barton Payne,
“rûach”, TWOD, 2:836; idem, “rûach – vento, sopro, mente, espírito”, DITAT, 1407.
147
DBHP, ed. 1997, ver “rûach”.
148
Pelt, Kaiser e Block, 3:1073.
149
DBHP, ed. 1997, ver “rûach”.
150
Payne, DITAT, 1407.
151
Baloian, Anger in the Old Testament, 7.
53

narinas.152 Quando aplicado a Deus, rûach, no sentido de ira, o retrata como um Ser dotado

de forte emoção.153

Os Termos Gregos para Ira

Enquanto que o AT possui uma grande variedade de expressões para retratar o

conceito de ira, o NT emprega apenas duas palavras, orgē e thumos.154 Em etimologia e

significado, orgē e thumos são originalmente distintos. Na língua grega o processo

psíquico, a que chamamos de ira, estava originalmente diferenciado.

Thumos

Thumos significa originalmente “o que se encontra em movimento, em ebulição” e,

a partir daí, também aquilo que causa estes efeitos. Pode tratar-se tanto de um movimento

externo como de uma emoção interna (do sentimento, do coração). No grego profano, nos

estágios mais antigos da língua, thumos significa “força vital, anelo, ânimo e ira” e, mais

tarde apenas “ânimo, cólera e ira”.155 No grego secular envolve uma graduação de

152
Idem; Johnson, “rûach”, DTAT, 1:376; idem, “ruach”, TDOT, 1:353; Payne, “rûach”, TWOD,
2:836; Payne, “rûach – vento, sopro, mente, espírito”, DITAT, 1407; Heinz-Josef. Fabry, “rûach”, TDOT,
13:376.
153
Baloian, Anger in the Old Testament, 7. Além disso, simbolicamente, a expressão “o sopro das
narinas de Deus”, que é uma provável referência ao vento, é empregada para descrever a força de seu poder
no julgamento (Jó 4:9; cf. Êx 15:8; 2Sm 23:16; Sl 18:15 ; Is 30:28; 33:11; 40:7). O mesmo ocorre com a
expressão “sopro de seus lábios”, em Is 11:4 – Pelt, Kaiser e Block, 3:1074. Também, em numerosas ocasiões
o AT se refere ao “vento oriental” (Êx 10:13), o vento quente, escaldante, do deserto, o qual é tipicamente
associado ao julgamento, à punição ou à ira de Deus (Sl 48:7; Jr 18:17; Ez 17:10; Os 13;15; Jr 4:8), mas que
também, em contrapartida, pode trazer alívio e livramento (Êx 10:19). Idem, 3:1073-1074.
154
Os termos gregos para ira são explicados em Dahlberg, 4:904.
155
H. Schönweiss, “Ira”, Diccionario teológico del Nuevo Testamento, 2ª ed., eds. Mario Sala e
Araceli Herrera, traduzido por Manuel Balash e outros (Salamanca: Ediciones Sigueme, 1980), 2:357; R. F.
Büchsel, “Thymós”, Theological Dictionary of the New Testament, ed. Gerhard Kittel, traduzido por Geoffrey
W. Bromiley, 10 vols. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1984), 3:167; H. W. Hollander, “Thumós”,
Exegetical Dictionary of the New Testament, ed. Horst Balz e Gerhard Schneider, 2 vols. (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1991), 2:159-160. Na antiguidade clássica era usado com o sentido de “pródiga expressão da seiva
e vigor”, “crescimento impulsivo e agitado” na natureza, um “impulso natural” de homem ou de animal. O
54

significados: desejo, impulso, paixão, coragem, disposição, reflexão. Posteriormente foi

usado por escritores como Platão, Tucídides e outros, significando, coragem, raiva e ira.156

Thumos tem sido usado no sentido de paixão, desejo, impulso, inclinação, espírito,

raiva, ira, fúria, sensibilidade, disposição, mente, pensamento, consideração. Tanto a

literatura judaica como os escritos do NT fizeram um uso semelhante.157 Aparece umas


158
200x na LXX e 18 no NT, onde significa mau humor, cólera, sendo cinco vezes em

Paulo (Rm 2:8; 2Co 12:20; Gl 5:20; Ef 4:31; Cl 3:8); uma vez em Hb (11: 27); duas vezes

em Lucas (Lc 4:28; At 19:28) e dez vezes no Ap (14:8, 10, 19;12:12; 15:1, 7; 16:1, 19;

18:3; 19:15). Em algumas passagens (Lc 4:28; At 19:28) se percebe claramente a idéia

original de algo que ferve, como um fluído borbulhante que enche o homem, vai subindo de

pressão e acaba por explodir.159 É ira a que se inflama subitamente e logo se apaga, ainda

que isto não aconteça em cada caso. Indica uma condição mais agitada do sentimento, uma

explosão de ira devido à indignação interna, e pede que chegue à vingança, ainda que não a

inclua necessariamente.160

Outras expressões derivadas de thumos, como é o caso do verbo enthumeomai (Mt

1:20), têm o significado básico de “ter em mente”, reflexionar, meditar, pensar; e o

substantivo enthumēsis (Mt 9:4; 12:25; At 17:29; Hb 4:12), “o que se encontra na mente,

estado impulsivo da natureza humana que contrasta com ethos. M. H. Kleinknecht, “Orgē: Wrath in Classical
Antiquity”, TDNT, 5:383.
156
Hollander, 2:159-160.
157
Ibid.; Büchsel, 3:167; H. Schönweiss, “Ira, raiva - Thymós”, Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento, traduzido por Gordon Chown, 4 vols. (São Paulo: Vida Nova, 1985), 2:441-442.
158
Ibid.; idem, “Ira”, DTNT, 2:356.
159
Ibid.; idem, “Ira, raiva - Thymós”, DITNT, 2:441-442; Hollander, 2:159-160; Büchsel, 3:168.
160
Diccionario expositivo de palabras del Nuevo Testamento, ed. 1984, ver “Enojar, enojo”; ver
também H.- Chr. Hahn, “Ira”, DTNT, 2:357.
55

pensamento”, meditação, reflexão, mas sempre no sentido negativo de um pensamento mau

ou néscio.161

Quando thumos é aplicado para Deus, e isso ocorre oito vezes (Rm 2:8; Ap 14:10,

19;15:1, 7; 16:1, 19;19:15), tem sempre um sentido escatológico, uma referência à cólera

divina que incidirá, ao final da história humana, sobre o pecador contumaz, aquele que

rejeitou muitos chamados para se arrepender e resistiu de maneira definitiva ao amor de

Deus,162 e destaca o ardor dessa ira163 que resultará em tribulação e angústia.164

Orgē

Diferentemente de thumos, orgē assinala a manifestação externa ativa e ao mesmo

tempo o movimento anímico que acompanha esta manifestação: a ira que irrompe.165

Sugere uma condição mais fixa ou permanente da mente, frequentemente com a intenção de

vingar-se. Orgē é menos súbita que thumos em seu aparecimento, todavia mais

duradoura.166 Traz a ideia de uma indignação que se levanta gradualmente até tornar-se

mais estabelecida167 e inclui sempre um elemento de reflexão orientada para algo, por

161
Schönweiss, “Ira”, DTNT, 2:356-357.
162
Morris Aschcraft, “Apocalipse”, Comentário bíblico Broadman, traduzido por Adiel Almeida de
Oliveira (Rio de Janeiro: JUERP, 1984), 12:373-374; George Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 2ª
ed. (São Paulo: Vida Nova e mundo Cristão, 1982), 144-146.
163
Fritz Rienecker e Cleon Rogers, Chave linguística do Novo Testamento grego, traduzido por
Gordon Chown e Júlio Paulo T. Zabatiero (São Paulo: Vida Nova, 1985), 627.
164
Dale Moody, “Romanos”, Comentário bíblico Broadman, traduzido por Adiel Almeida de
Oliveira (Rio de Janeiro: JUERP, 1984), 10:207.
165
Grether e Fichtner, “Orgē: The Wrath of God in the LXX”, TDNT, 5:409; Schönweiss, “Ira”,
DTNT, 2:355-356. Orgē significa primeiramente “impulso, modo de sentir”, mas também é usado para
designar uma emoção forte, como uma paixão, especialmente a ira, a indignação e a raiva. Em determinado
contexto pode significar castigo. Hahn, 2:357.
166
DEPNT, ed., 1984, ver “Enojar, enojo”; ver também Hahn, 2:357; Stephen H. Travis, “Wrath of
God”, ABD, 6:996.
167
Donald Grey Barnhouse, Man’s Ruin / God’s Wrath (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1959), 219.
56

exemplo, para a vergonha ou para o castigo.168 Na literatura de tragédia, orgē é sempre

vista como protegendo algo que é correto e, na vida política, aparece como uma atitude

característica e legítima de um governante que deve vingar a justiça.169

Embora originalmente thumos possuísse a conotação de emoção interna, e orgē

fosse empregada para sua manifestação externa, na LXX quase que se perdeu totalmente

esta distinção, de modo que ambas traduzem em conjunto e indiscriminadamente os

mesmos equivalentes hebreus, sendo empregadas de modo intercambiável.170

O NT parece ter seguido o uso da LXX,171 embora prefira empregar orgē para tratar

da ira de Deus, provavelmente porque ele tem poucas conotações de emoção e excesso.172

O significado de orgē pode ser fixado mais precisamente quando se consideram os termos

que são colocados em paralelo ou em contraste com ele no NT. Na maioria das passagens,

orgē é uma realidade da obra de Deus e seu julgamento e apresenta uma ideia maior do que

uma mera emoção: a de uma verdadeira atitude de Deus (Lc 21:22; Rm 2:8-11; 12:19).173

Isso é corroborado por muitos textos pertinentes (Rm 1:18; 9:22; Ap 6:16; etc.) e é

percebido mais claramente na citação do AT em Hb 3:11; 4:3.174

168
Schönweiss, “Ira”, DTNT, 2:355.
169
Büchsel, 3:384.
170
Schönweiss, “Ira”, DTNT, 2:355-356; Dahlberg, 4:904; Travis, 6:996; Grether e Fichtner, 5:409;
Creach, “hrh”, NIDOTTE, 2:267.
171
Dahlberg, 4:904; Schönweiss, “Ira”, DTNT, 2:355.
172
W. Pesch, “Orgē / Wrath”, Exegetical Dictionary of the New Testament, ed. Horst Balz e Gerhard
Schneider (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1991), 2:529; Hollander, 160. O mesmo ocorre na literatura do
judaísmo posterior à LXX. Ibid.
173
M. G. Stählin, “Orgē: The Wrath of Man and the Wrath of God in the New Testament”, TDNT,
5:422.
174
Ibid., 5:424-425. Há estudiosos que declaram que algumas vezes, mesmo no NT, a ira de Deus
parece ser uma força operando independente e separada de Deus, personificada, como um demônio. (A
propósito, em quinze das dezoito passagens em que Paulo usa orgê, não há o qualificativo “de Deus”. Algo
assim começou já a aparecer no AT. Ver Ed 7:23; Dn 8:19; Is 26:20). Todavia esta ideia não se sustenta,
quando se considera a totalidade das informações bíblicas sobre a ira de Deus. Mesmo quando Paulo não
57

Orgē aparece 36x no NT, sendo 12 delas em Romanos. No Apocalipse ela ocorre

seis vezes,175 e tem sido vertida por raiva, indignação, ira.176 Pode ser empregada tanto em

referência ao homem177 (Cl 3:8; 1Tm 2:8; Tg 1:19) como a Deus. Todavia, quando aplicada

a Deus deve ser despojada de tudo que se assemelhe à paixão do homem, especialmente da

paixão da vingança.178 Orgē é a atitude de Deus frente ao pecado, não cólera, mas a ira da

razão e da lei179 e, por isso, Paulo, ao tratar da ira, prefere usar o termo orgē. Na verdade,

ele usa thumos uma vez, em Rm 2:8, onde as duas expressões são combinadas numa citação

do AT.180

Como outras palavras do NT, orgē tem uma característica presente e outra

escatológica. Quando possui um sentido escatológico aparece como antônimo de zoe

aiōnios [vida eterna] (Rm 2:7; cf. v. 5) e peripoiēsis sōtērias [alcançar a salvação] (1Ts 5:9)

e é retratada pelas imagens do fogo (Mt 3:10-12), do cálice (Ap 14:10) e do lagar do vinho

(Ap 19:15).181 O Apocalipse, por sua vez, prefere usar thumos,182 quase sempre se referindo

à ira divina, embora haja duas passagens em que elas apareçam juntas na mesma frase:

acrescenta a expressão “de Deus” ao falar da ira, fica absolutamente claro, pelos contextos, que ele está
discorrendo sobre a ira de Deus. Ibid., 5:423-424.
175
Pesch, 2:529.
176
Hahn, “Ira, raiva - Orgē”, DITNT, 2:442.
177
Quando diz respeito ao homem, orgē denota aquele intenso apetite ou desejo, pelo qual se busca
qualquer coisa, ou um intenso esforço para obtê-la e é particularmente aplicada ao desejo de tomar vingança
quando se é injuriado e quando se está enraivecido –Albert Barnes, “Romans”, Notes on the New Testamento:
Explanatory and Practical, 11 vols. (Grand Rapids, MI: Baker Book House, reimpressão 1967), 4:38; ibid,
Barnes’s Notes on the New Testament, 550-551.
178
Ibid.
179
Archibald Thomas Robertson, Las Epistolas de Pablo, Imágenes Verbales en el Nuevo
Testamento (Barcelone: CLIE, 1989), 4:441.
180
Travis, 6:996. Thumos, que possui uma conotação de explosão de paixão, embora bem adaptada
para descrever as visões de João no Apocalipse, não servia para delinear o conceito de Paulo sobre a ira de
Deus. Stählin, 5:422.
181
Ibid., 5:430.
182
Travis, 6:996; DEPNT, ed., 1984, ver “Enojar, enojo”.
58

“furor [thumos] da sua ira [orgē]” (Ap 16:19) e “do furor [thumós] da ira [orgē] do Deus

Todo-Poderoso” (19:15).

A Ira de Deus em Relação a Seus Outros Atributos Morais

Para a correta compreensão do tema da ira divina é absolutamente necessário

relacioná-la a outros atributos morais de Deus, notadamente a santidade, a justiça e o amor.

Este último atributo deve ser estudado também em suas várias formas de manifestação,

como bondade, misericórdia, graça e longanimidade.

A Ira de Deus em Relação a Sua Santidade

Uma das palavras mais importantes de todo o AT é qâdôsh, que significa cortar,

separar. Sua ideia primária é a de separação. Desse modo, santo é aquilo que é separado,

retirado do uso comum, como é o caso de lugares e objetos (em que não há qualquer

conotação moral) frequentemente mencionados no AT. No texto do NT, o mesmo conceito

aparece na palavra hagios. Quando tais palavras são empregadas para Deus referem-se à

relação que há entre ele e alguém ou alguma coisa,183 e podem indicar dois aspectos: a

santidade majestosa e a santidade moral.

Em primeiro lugar Deus é santo porque é totalmente separado da criação no sentido

de que somente ele é Deus, Criador, Eterno e Infinito, enquanto tudo o mais teve começo, é

criação, é finito e não possui natureza divina. Em outras palavras, ele é singular, distinto de

tudo e de todos, exaltado sobre tudo em sua natureza de infinita majestade (Êx 15:11; 1Sm

183
Heber Carlos de Campos, O ser de Deus e os seus atributos, 2ª ed. (São Paulo: Cultura Cristã,
2002), 323; Louis Berkhof, Teologia sistemática, 2ª ed., traduzido por Odair Olivetti (Campinas: Luz Para o
Caminho Publicações, 1992), 75. Toda a religião de AT pode ser caracterizada como uma “religião de
santidade.” Walter Eichrodt, Theology of the Old Testament, 2 vols., The Old Testament Library, traduzido
por John A. Baker (Philadelphia: The Westminster Press, 1967), 1:270.
59

2:2; Is 57:15). Nesse aspecto, somente Ele pode ser santo.184 Mas há um sentido secundário

e ético, o de santidade moral, que indica ser ele absolutamente puro ou bondoso, isento de

qualquer deficiência moral ou vestígio do mal, completamente separado do pecado (Jó

34:10; Hc 1:13).185 Isso significa também que Deus é a “perfeição moral e espiritual”,186 “a

fonte e o padrão do direito”,187 e, como tal, ama o que é bom e a odeia o que é mau (Êx 3:5;

Lv 19:2; Jó 15:15; Sl 22:3; 47:8; 111:9; Is 6:3; 1Jo 1:5; Ap 4:8; 6:10; 15:4),188 opõe-se à

impureza e mantém sua excelência moral.189

Porque os atributos divinos estão todos inter-relacionados, quando Deus age, ele não

o faz apenas com um atributo, mas com a totalidade de sua excelência moral,190 de modo

que cada qualidade esteja unificada e harmonizada com as demais.191 Todavia, de todas

elas, há uma que, em virtude tanto da frequência como da ênfase com o qual é usada, ocupa

uma posição única de importância: a santidade. Tem sido usada como uma definição da

184
Campos, 323-324; Millard J. Erickson, Christian Theology, 7a. ed. (Grand Rapids, MI: Baker
Book House, 1989), 284- 285; Louis Berkhof, Teologia sistemática, 2ª ed., traduzido por Odair Olivetti
(Campinas: Luz Para o Caminho Publicações,1992), 75-76.
185
Campos, 323-324; Erickson, 284-285; Berkhof, 76; G. H. Lacy, Introduccion a la teología
sistemática, 2ª ed. (S. L.: Casa Bautista de Publicaciones, 1976), 83; Charles Hodge, Teologia sistemática,
traduzido por Valter Martins (São Paulo: Hagnos, 2001), 312. “A característica da divindade para os israelitas
é a santidade em seu sentido ôntico, de transcendência, e ético, de impecabilidade. Por isso, não concebem a
Deus manifestando cegamente sua onipotência, passando por cima dos imperativos de justiça e santidade”. M.
García Cordero, “Ira de Dios”, Enciclopedia de la Biblia, 6 vols. (Barcelona: Ediciones Garriga S. A., 1963),
4:212.
186
Jack MacArthur, Expositional Commentary on Revelation (Eugene, Oregon: Certain Sound
Publishing House, 1973), 298; DBm, ed. 1984, ver “Ira”; Hodge, 312.
187
Augustus H. Strong, Teologia sistemática, traduzido por Augusto Victorino (São Paulo:
Teológica, 2002), 407.
188
Chafer, 226.
189
Strong, 399.
190
Ibid., 440.
191
Thomas O. Oden, The Worl Life, 3 vols. (San Francisco, CA: Harper & Row, 1992), 1:99.
60

natureza de Deus192 e é o atributo divino que qualifica todos os demais,193 mas também

condiciona e limita seu exercício. Por essa razão, na punição dos ímpios, a exigência da

santidade reprime a defesa do amor aos sofredores.194

Mais do que qualquer outro atributo, a santidade constitui a plenitude gloriosa do

ser moral de Deus.195 Por isso, quando vai fazer qualquer juramento, não tendo ninguém

mais alto por quem jurar, jura por sua própria santidade (ver Sl 89:34-36; Am 4:2).196 A

santidade diz respeito à natureza e ao caráter de Deus. Assim, ao tratar de todas as questões

sobre o pecado e sua origem, e o fim dos pecadores, Deus sempre escolhe os métodos e fins

que estão em absoluta conformidade com sua santidade. Sua vontade e todas as suas

decisões e atividades necessariamente devem estar em harmonia com ela. São santas

porque a sua personalidade é santa.197

A santidade moral de Deus pode ser vista em suas obras, em suas leis e na redenção

dos pecadores. Deste modo, nada que vem dele é imperfeito, os seres racionais foram

criados como santos e também santas são suas leis (Rm 7:12), que proíbem o pecado em

todas as suas formas.198 Ela é “a base moral do universo [...] o sol de todo o Seu

192
Eichrodt, 1:270.
193
Campos, 325. Alguns eruditos considerem a santidade como a combinação de todos os seus
atributos morais. J. M. Pendleton, Compendio de teología cristiana (El Paso, Texas: Casa Bautista de
Publicaciones, 1960), 59; A. B. Langston, Esbôço de teologia sistemática, 4ª ed. (Rio de Janeiro: Casa
Publicadora Batista, 1959), 57. Mas há quem pense diferente. Uma vez que nas Escrituras a santidade de Deus
não se contrasta com a finitude ou pequenez, mas com a impureza e a pecaminosidade ela não pode se referir
ao conjunto das perfeições divinas, antes é distinta dos outros atributos. Strong, 401-402.
194
Ibid., 443.
195
Ibid., 440-441; Langston, 57.
196
Campos, 325.
197
Lacy, 84-85; Langston, 57.
198
Campos, 326-327; Oden, 1:100; chafer, 226; Alfredo Borges Teixeira, Dogmática evangélica
(São Paulo: Atena, 1958), 92.
61

sistema”,199 o padrão e o alvo da obrigação moral das criaturas racionais: “Sede santos

porque eu sou santo” (1Pe 1:16).200 Dessa forma, “Deus demanda de todos os seres morais

uma pureza que corresponda à mesma pureza de Sua natureza”.201

Possivelmente Isaías 6 seja a passagem bíblica que melhor ilustre a santidade de

Deus. Este capítulo mostra como a revelação da santidade majestosa levou o profeta ao

reconhecimento da santidade moral de Deus e de seu próprio pecado diante dela. Mostra

como o pequeno enxergava o grande e como o pecador se via diante da santidade moral de

Deus, porque o senso de depravação num homem é determinado pelo senso da santidade de

Deus que ele possui.202

As Escrituras nos dizem que “Deus é amor” (1Jo 4:8), mas se for perguntado: amor

a que? A resposta é: acima de tudo, amor à santidade.203 Seu amor para com os seres

humanos também pode ser expresso como o desejo que ele tem de dar-nos aquilo que ele é

– santidade; e de possuir-nos em íntima comunhão com aquilo que ele é: santidade. Desse

modo, “tanto o amor insiste na santidade, como a própria santidade de Deus exige

santidade no homem. Não pode, pois, haver conflito entre estes dois atributos”.204

De fato, Deus não é somente amor, mas luz moral – e, por isso, “um fogo

consumidor” (Hb 12:29) para toda a iniquidade. Embora o amor possa castigar (Jr 10:24;

199
Langston, 60.
200
Strong, 450; Langston, 58.
201
Lacy, 91. “A santidade é o alvo da carreira espiritual do homem” (1Ts 3:13; 5:23). Strong, 451.
“Toda manifestação da ira de Deus através da história tem sido um ato santo para preservar a saúde moral do
universo, ou seja, sua santidade, demonstrando assim, sua total intolerância pelo que degrada e destrói. Desse
modo, “a santidade de Deus, a Sua ira e o bem estar da criação, são coisas inseparáveis”. A. W. Tozer, Mais
perto de Deus (São Paulo: Mundo Cristão, 1980), 125.
202
Campos, 335-336.
203
Strong, 451.
204
Langston, 67. É função do amor divino difundir a santidade de Deus. Chafer, 432.
62

Hb 12:6), é a santidade que pune (Ez 28:22).205 Quando posta em operação, atuando

judicialmente206 e exigindo pureza das criaturas,207 é chamada de justiça208 e é administrada

aos que não se conformam com a santidade de Deus, aos que resistem, aos que se

identificam com o pecado, na forma de penas e sofrimentos.209 A conexão da ira de Deus

com sua santidade pode ser vista no fato de que a ira divina é constantemente apresentada

em expressões e metáforas relacionadas à teofanias (Êx 19; Sl 18; Is 30; Hc 3). Indica a

natureza viva e pessoal de Deus210 e é apresentada como uma expressão justa, própria e

natural da natureza divina, a qual é absolutamente santa – e que deve ser mantida em todas

as circunstâncias e a todo custo – e que ataca todas as forças que a ela se opõe.211

A ira de Deus não é uma vingança maligna e pecaminosa como a nossa, mas uma

das perfeições divinas. É o desagrado e a indignação da santidade de Deus em reação contra

205
Ibid., 406. Na Bíblia, os ímpios são castigados pela ira de Deus mas o Seu povo é castigado por
Seu amor. No primeiro caso o objetivo é atender às demandas da justiça para cumprir com a santidade. No
segundo, visa a correção. Quando Ele envia aflições sobre Seus filhos, estas não são castigos pelo pecado,
mas açoites, controlados segundo podemos suportar e para o nosso bem. Lacy, 92.
206
Ibid., 93; Strong, 401.
207
Ibid.
208
Lacy, 84.
209
Ibid., 91; Langston, 61; Chefer, 432.
210
Hahn, “Ira, raiva – Orgē”, DITNT, 2:444. Nas religiões dos outros povos do Oriente Próximo o
predicado “santo” era prodigamente aplicado aos objetos, ações e pessoas dos cultos, mas raramente era usado
para divindade e quando o era, referia-se meramente a um poder naturalístico ou uma realidade não pessoal.
Por contraste, é Deus mesmo que é primariamente designado pelo AT como santo. Assim há a introdução de
um elemento pessoal na idéia de santidade. Eichrodt, 1:271-272.
211
Fichtner, “Orgē: The Wrath of God in the LXX”, TDNT, 5:407; Williams Evans, “Wrath”, The
International Standart Bible Encyclopedia, ed. James Orr (Wilmington, Delawere: Associated Publishers and
Authors, 1915), 5:3113. Alguns textos do AT podem dar margem para se pensar na ira de Deus como tendo
um elemento de irracionalidade e capricho cruel. Todavia, do ponto de vista bíblico, este elemento misterioso
e perigoso não deixa de estar em harmonia com aquele aspecto de santidade o qual é marcado pela
transcendência, inescrutabilidade e radical separação de suas criaturas, e que contem inerentemente a ameaça
de morte para quem a trata levianamente. Dahlberg, 4:904.
63

o pecado.212 Se Deus deixasse de mostrar sua ira, seria injusto primeiramente consigo

mesmo, pois estaria negando sua própria santidade, e também com os homens, uma vez que

não daria a eles o que merecem. Além disso, mostraria falta de caráter por ser indiferente

para com o pecado.213

A Ira de Deus em Relação à Sua Justiça

Os termos hebraicos que aparecem no AT para “justo” e “justiça” são tsaddiq,

tsedheq, tsedhâqâh, e os termos gregos correspondentes no NT são dikaios e dikaiosunē,

todos tendo a ideia fundamental de conformidade a um padrão, de estrito apego à lei. Esta

qualidade é repetidamente atribuída a Deus (Ed 9:15; Ne 9:8; Sl 119:137; 145:17; Jr 12;1;

Lm 1:18; Dn 9:14; Jo 17:25; 2Tm 4:8; 1Jo 2:29; 3:7; Ap 16:5), pois embora não haja

qualquer lei acima dele, certamente há uma lei em sua própria natureza divina, da qual

derivam todas as leis que são reputadas por justas.214

212
Campos, 348; Wilber T. Dayton, “The Epistle of Paul to the Romans”, The Wesleyan Bible
Commentary (WeBC), 2a. ed. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1971), 5:20; Donald Guthrie, New
Testament Theology (Leicester: Inter-Varsity Press, 1981), 102; A. W. Pink, Os atributos de Deus, traduzido
por Odayr Olivetti (São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985), 86; John Murray, The Epistle to
the Romans, 2 vols., The New International Commentary on the New Testament (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, reimpressão 1975), 35; Gleason L. Archer Jr., The Epistle to the Romans: A Study Manual (Grand
Rapids, MI: Baker Book House, reimpressão 1969), 10; R. C. H. Lenski, The Interpretation of St. Paul’s
Epistle to the Romans (Minneapolis, Minnesota: Augsburg Publishing House, 1961), 90; K.-D. Schunck,
“‘ebrâ, ‘abar”, TDOT, 10: 430; Lacy, 93; W. C. Robinson, “Wrath of God”, Evangelical Dictionary of
Theology, ed. Walter A. Elwell (Grand Rapids: Baker book House, reimpressão 1992), 1196; John Murray em
Leon Morris, The Apostolic Preaching of the Cross (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Company,
1965), 165; William M. Greathouse, “Romans”, Beacon Bible Commentary (Kansas City, Missouri: Beacon
Hill Press of Kansas City, 1968), 8: 49; John Owen, The Works of John Owen, 16 vols., Ed. William H.
Goold, 2a. ed. (Edinburg / Carlisse, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1976), 10:555-556; Ellen G.
White, Patriarcas e profetas,16ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 723. Ver também idem,
Testemunhos seletos, 6ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 1:228; idem, O grande conflito,
41ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 36; idem, Profetas e reis, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2001), 417; idem, O desejado de todas as nações, 22ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2001), 753.
213
Campos, 347-348.
214
Berkhof, 77; ver também Lacy, 91-92. “Ele não está sujeito a nenhuma lei a não ser à lei da sua
própria natureza”. Strong, 449.
64

Pode-se considerar a justiça de Deus de duas maneiras: (1) justiça absoluta (ou

essencial) – aquela inerente a Deus e que se refere à perfeição moral e à excelência de Seu

caráter, à retidão pela qual ele se sustenta a si mesmo contra as violações de sua santidade

(Dt 32:4; Sl 97:1-2; cf. 89:14); e (2) justiça relativa – aquela que ele manifesta em relação a

suas criaturas, governando-as com retidão inflexível, dando a cada um conforme o seu

merecimento e agindo de modo que todos assim o vejam e o reconheçam.215 Tal

manifestação de justiça é uma necessidade de sua natureza santa que sempre o inclina a agir

desse modo.216

A justiça relativa pode ser classificada como: (1) justiça rectoral (governativa ou

legislativa) – a que estabelece que Deus é reto ao atuar como governador moral do

universo, legislando e impondo suas justas leis com promessas de recompensas e

advertências de castigo (Dt 4:8; Sl 99:4; Is 33:22; Rm 1:32; Tg 4:12). (2) Justiça

distributiva (ou administrativa) – aquela que mostra a retidão de Deus na execução de suas

leis, sem mostrar favoritismo ou parcialidade (Rm 2:11), e diz respeito à distribuição das

recompensas e castigos (Is 3:10-11; Rm 2:5-10; 1Pe 1:17). Pode ser vista na Providência de

Deus no decorrer da história, inclusive enquanto opera nossa salvação, e é mais

completamente revelada na morte e ressurreição de Cristo.217

215
Campos, 340-341; B. L. Goodard, “Justice”, EDT, 593; Pendleton, 53-54; Oden, 1: 106-107.
“Justiça e retidão são a santidade transitiva de Deus, em virtude da qual seu tratamento para com as criaturas
se conforma com a pureza de sua natureza, a retidão demandando de todos os seres morais a conformidade
com a perfeição de Deus, e a justiça visitando a inconformidade com aquela perfeição na perda judicial ou
sofrimento”. Strong, 1:433. A atual compreensão de justiça é aquela expressa nas Institutas de Justiniano
(483-565): “Justiça é o constante e perpétuo desejo de dar ao outro o que lhe é devido”. Justinian, The
Institutes of Justinian, traduzido por Thomas Collett Sandars (London: Longmans, Green & Co, 1888), Livro
I, Tit. I, D. i. 1. 10, 54, citado em Otto Webwe, Fundations of Dogmatics, 2 vols., traduzido por Darrell L.
Guder (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1988), 1:429.
216
Campos, 349, 355; Strong, 442.
217
Berkhof, 78; Goodard, 593; Erickson, 288; George Eldon Ladd, Teologia do Novo Testamento, 2ª
ed. traduzido por Darci Dusilek e Jussara M. P. S. Arias (Rio de Janeiro: JUERP, reimpressão, 1986), 398;
65

Ela pode ser apresentada como remunerativa e retributiva: (a) A justiça

remunerativa é a recompensa distribuída aos seres racionais em razão daquilo que fazem de

bom, e suas bênçãos são expressão da bondade de Deus (1Cr 29:14, 16) e sempre

condicionais à observância da aliança, i.e., à obediência às leis (Dt 7:12-24; Mt 25:21); mas

não são meritórias, porque uma vez que somos servos, devemos obedecer ao nosso senhor,

o que não implica em recompensa, porque é uma obrigação (Lc 17:10).218 Deus se torna

devedor ao homem não por causa de algum mérito deste, mas em razão das promessas de

bênçãos que Deus lhe fez. Na epístola aos Romanos (6:23) pode ser visto que a recompensa

da obediência é caracterizada como um dom, enquanto que a da desobediência é chamada

de salário.219

Já a (b) justiça retributiva (punitiva, vindicativa ou judicial) é a justiça responsável

pela aplicação das punições e nessa ação Deus é visto como vingador, manifestando sua ira

contra os transgressores (Sl 7:11; 9:4-5; 62:12; Mt 16:27; Rm 2:1-11; 2Co 5:10; 2Ts 1:6-9).

Portanto, ira é o aspecto da justiça que trata da retribuição dos ímpios.220 Numerosos textos

Oden, 1:106-109; Strong, 435; Ellen White, Eventos finais, 2ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
2001), 240-241.
218
Campos, 341-345; Berkhof, 78. No AT a justiça de Deus tem uma clara relação com a aliança de
Deus. Pode ser vista no que ele é e faz em relação à aliança. Isto é chamado de justiça transitiva. Webwe, 431,
433.
219
Campos, 345-346; Goodard, 593.
220
Campos, 346-347; Goodard, 593; Webwe, 1:429-430; Strong, 401, 434; ver também Oden, 1:106,
109; Stählin, 5:426; A. Berkeley Michelsen, “La Epistola a los Romanos”, El comentario biblico Moody, red.
Everett F. Harrison (Chicago: Editorial Moody, 1971), 247; Lacy, 91; Owen, 10:543-544, 555; James D. G.
Dunn, Romans 1-8, Word Biblical Commentary (Dallas, Texas: Words Books, Publishers, 1988), 38a:56;
Groningen, “qâsap I – estar descontente, irado; aborrecer-se”, TWOT, 2:808. Para Karl Barth a ira de Deus é
sua justiça. Karl Barth, The Epistle to the Romans, traduzido por Edwin C. Hoskyns (London: Oxford
University Press, 1933), 43, 93; Ron du Preez, “A Systematic Study of the Doctrine of the Wrath of God”,
Paper for the course “Seminar in Systematic Theology”, Seventh-Day Adventist Theological Seminary,
Andrews University, Berrien Springs, MI, December of 1986, 20. “Deus não atua no mesmo nível que o
homem. Ele pode fazer infinita justiça que o homem não tem o direito de fazer aos semelhantes. Noé teria
desagradado a Deus se houvesse afogado um dos escarnecedores e zombadores que o importunavam, mas
Deus submergiu o vasto mundo. Ló não teria o direito de impor alguma punição aos genros, mas Deus faria
66

bíblicos apresentam a ira de Deus em termos de uma terrível demonstração de poder (Is

30:30; Jr 10:10; Hc 3:12), que servia para informar que Deus atua para manter a justiça. Por

um lado, vinha contra os que se opunham a Deus, por outro, servia para encorajar os

crentes a fim de que cressem nele como seu libertador (Is 59:16-18; 63:1-6).221

A justiça retributiva é a própria e principal esfera de operação da ira de Deus,

agindo em conformidade com a santidade divina. Toda punição do pecado é considerada

como a intervenção da ira de Deus. Essa conexão entre ira e retribuição, ou julgamento, foi

constantemente apresentada à consciência nacional de Israel222 e também explica os

desastres que tem vindo sobre a humanidade.223 Paulo declara que “a ira de Deus se revela

do céu” (Rm 1:18), i.e., sob a direção de Deus, ou por um divino poder e providência,

punindo os pecados e fraquezas dos homens e manifestando a justiça de Deus. Tal

revelação não foi inferior àquela que ele tem feito de sua bondade, paciência,

longanimidade ou de quaisquer outros de seus atributos.224 Deus tem cuidado para que sua

isso com toda a justiça. Quem dirá que Deus não fará o que Ele diz que irá fazer?”. White, Eventos finais,
241.
221
Baloian, “Anger”, NIDOTTE, 4:383; Leslie C. Allen, “Romans”, The International Bible
Commentary (Grand Rapids, MI: Marshall Pickering e Zondervan, 1986), 1318. Nesse sentido, justiça e
salvação são sinônimos, o que pode ser visto na LXX que os usa como termos intercambiáveis. Webwe, 432.
222
Eichrodt, 1:263-264; Lacy, 84.
223
The International Standart Bible Encyclopedia, ed. Geoffrey W. Bromiley, reimpressão 1991, ver
“Wrath; anger”.
224
Owen, 10:546. A. Ritschl rejeita completamente a idéia de justiça distributiva e somente encoraja
o ponto de vista de que Deus é apenas um Pai de amor, sem qualquer acréscimo. Webwe, 435. Todavia, Deus
não é apenas amor, Ele é justiça e, mais ainda, “fogo consumidor” (Hb 12:29) e “horrível coisa é cair mas
mãos do Deus vivo” (Hb 10:31). Por isso, nenhum ponto de vista sentimental sobre a misericórdia e o perdão
de Deus, e nenhuma tênue e leviana esperança de que Deus é bom demais para punir, podem excluir a
manifestação de sua justa e santa ira contra o pecado e o pecador por causa de sua transgressão (1Pe 1:17).
Evans, 5: 3113; Tozer, 106. “Por um instante sequer, a justiça é amaciada ou reduzida no interesse da
misericórdia. Por causa do seu caráter santo, Deus não pode olhar para o pecado com o menor grau de
indulgência. A verdade permanece, de que a alma que pecar, essa morrerá”. Chafer, 68.
67

ira contra o pecado, ou sua justiça, apareça mediante numerosos exemplos de punição

infligidos sobre os homens por seus pecados, em seu providencial governo do mundo.

Desse modo, o mesmo Deus que dá a todos o sol, a chuva e sua bondade (Mt 5:45;

At 14:17) também oferece claros sinais e testemunhos de sua ira, severidade, e indignação

ou justiça punitiva,225 aos que não se conformam com a santidade.226 A justiça de Deus

também é revelada na constituição de nossa natureza, pois a despeito dos sofismas do

entendimento e da degradação moral, todos os homens têm uma consciência de justiça e

sabem que é justo o juízo de Deus segundo o qual os que pecam são dignos de morte (Rm

1:18-20, 32; 2:12-16).227 Como obra de sua justiça, a ira de Deus é revelada aos que estão

fora de Cristo e sem Cristo (Ef 2:3, 12),228 mas nunca é injusta nem excessiva e enquanto

houver tempo de graça, Deus não a deixa alcançar sua plenitude (Os 11:9).229

É verdade que às vezes o governo divino não parece ser justo, pois quem vive em

pecado nem sempre é punido e os justos com frequência parecem não ser recompensados.

Já no AT, o conceito de retribuição não era dominante, pois nem sempre as coisas iam bem

para os justos ou iam mal para os ímpios.230 De fato, tanto o Pentateuco, como os Salmos,

225
Owen, 10:545-546; Hodge, 850.
226
Lacy, 91. Como autor de nossa natureza moral Deus é visto como santo, mas quando relacionado
com as criaturas racionais, é considerado como justo. Ibid., 91-92. Contudo, sua justiça é um atributo moral
diretamente vinculado e dependente de sua santidade. É a característica divina que o leva a manter sua
santidade e é ela que dá a cada um o que é devido. Campos, 340; ver também D. M. Lloyd-Jones, Romans:
Atonement and Justification (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1971), 98.
227
Hodge, 850, 886.
228
Karl Barth, Carta aos Romanos, traduzido por Lindolfo K. Anders (São Paulo: Novo Século
Ltda., 2003), 51.
229
Dicionário bíblico, ed. 1984, ver “Ira”.
230
Além disso, o fato de Deus como juiz se colocar ao lado do pobre revela que não havia um
princípio de retribuição que operava mecanicamente. Webwe, 431-432.
68

os profetas e o livro de Jó atestam o contrário.231 Também no NT pode ser visto que o

clamor dos mártires por vingança não é de pronto atendido (Ap 6:10-11). Há uma demora,

para mostrar que “a vingança, purificada de toda a ânsia humana em prol dela, é deixada

para Deus”.232 A compreensão da ira de Deus tem como pano de fundo o conceito da

justiça de Deus, mas não uma justiça ministrada por um princípio impessoal, de efeito

automático, antes aquela que advém de um Deus que tem fortes emoções e que está

pessoalmente interessado. Em razão disso, a justiça divina não deve ser avaliada no curto

espaço de uma vida, pois aqui ela é frequentemente incompleta ou imperfeita. Antes, como

nossa vida aqui não é tudo, essa justiça precisa ser vista também como escatológica e no

escopo da eternidade quando então será completa (Is 9:7; 11:4; 42:1; 56:1; Jr 23:5; Os

2:19).233

Deus é o legislador e o justo juiz e é somente no juízo final, quando apresentar um

veredicto judicial sobre cada homem, que todos, mesmo aqueles que serão amaldiçoados,

terão e saberão que sua maldição é justa, de modo que nenhuma criatura encontrará mesmo

a menor falha em sua perfeição. E é nesta vindicação do caráter de Deus que residirá a

segurança e a liberdade do universo inteiro, por toda a eternidade.234

231
Ibid.
232
U. Falkenroth, “Castigo, vingança: dikē”, DITNT, 1:392. Um bom comentário sobre justiça no AT
e seus reflexos no NT pode ser encontrado em Allen, 1318- 1319.
233
Erickson, 289; Webwe, 1:432; Baloian, Anger in the Old Testament, 176.
234
Ladd, Teologia do Novo Testamento, 413; Lenski, 143-144; Alberto R. Treyer, El enigma de los
sellos y las trompetas a la luz de la vision del trono y de la recompensa final (Mayagüez, Puerto Rico:
Proyecciones Biblicas, 1990), 245.
69

A Ira de Deus em Relação ao Seu Amor

Ao abordar o tema do amor, o hebraico usa o termo ’âhabh e seus derivados, que

significam amar, gostar, apaixonar-se, ser amável. Seu sentido básico é amplo, podendo

variar desde o grandioso amor de Deus por seu povo até os apetites carnais e pecaminosos.

É utilizado no mandamento que nos manda amar o nosso próximo (Lv 19:18), em várias

passagens que descrevem o amor entre os seres humanos (ex.: Gn 22:2; 37:3; Dt 10:19; Rt

4:15; etc.) e para referir-se ao amor de Deus para com seu povo (Dt 4:37; Is 43:4; Jr 31:3;

Os 11:4; Ml 1:2).235

O NT emprega dois termos para denotar a ação de amar. Um é fileō, que se refere a

uma afeição emocional (Jo 11:36). O outro é agapaō e significa um amor racional e

voluntário que se baseia numa escolha deliberada, onde o componente emocional se

encontra subordinado à verdade e santidade (Mt 5:44; 19:19), e é esta palavra que, na

maioria das vezes, é empregada no NT para indicar o amor de Deus (Jo 3:16).236

O amor é um atributo no qual se combinam dois impulsos ou desejos aparentemente

paradoxais: o de dar-se ao objeto amado, de fazer-lhe o máximo bem e o de possuí-lo em

íntima comunhão. Um impulso dá e o outro toma. O primeiro, que é autodoação é chamado

āgapē, o segundo, eros. Enquanto que o amor āgapē anela completar o outro ainda que

com um custo para si mesmo, o amor éros busca completar a si mesmo pelo outro. O ideal

é que eles coexistam de forma equilibrada.

235
Robert L. Alden, “’aheb”, DITAT, 19-21.
236
Lacy, 82; Chafer, 394-395.
70

Em Deus o amor é assim. Deus ama toda a criatura no sentido de lhes ser

amplamente favorável, mas também deseja sua resposta de amor ao seu amor.237 Mesmo na

eternidade, antes de qualquer criação, ele encontrava sua satisfação nas relações de amor

que existiam na própria trindade (Jo 17:24).238 O fato de que Deus é amor (1Jo 4:8, 16),

mostra que o amor é essencial e necessário à divindade, de sorte que a sua natureza consiste

nele. Portanto, há evidência de que o amor precede a criação e é a sua base.239

A santidade e o amor de Deus estão intrinsecamente ligados. Se por um lado a

santidade de Deus sujeita, ordena e condiciona seu amor, por outro, este impregna, habilita,

sujeita e complementa aquela. Deus não seria tão santo se não fosse incomparavelmente

amoroso. Nem seria tão amoroso como é sem ser incomparavelmente santo. O amor de

Deus sem a santidade de Deus não seria justo por ignorar as ofensas do pecado. A santidade

de Deus sem o seu amor seria insuportável e incapaz de efetuar a reconciliação.

Nenhum deles sozinho poderia prover a salvação dos pecadores.240 São como dois

pólos morais do ser de Deus. Como santo, ele se opõe ao pecado e exige sua punição; mas

como amor, anela fortemente perdoar e salvar e torna o pagamento da penalidade possível.

Deste modo, em si mesmo é encontrada concordância, pois um lado de sua natureza

237
Langston, 62-64; Oden, 1:119, 121-122; Chafer, 395. Como será visto no capítulo dois, em Cristo
Deus se deu aos homens e é por ele que Deus pode possuí-los.
238
Lacy, 82; Wayne Grudem, Teologia sistemática (São Paulo: Vida Nova, 1999), 145-148; Strong,
395. Embora não haja em todas as Escrituras a menção de éros para descrever o amor entre os membros da
Trindade ou o amor de Deus para com os seres humanos, um exame atento dos muitos textos que tratam do
amor divino, demonstra que isso é um fato: Deus ama, mas também espera ser amado (ver Dt 6:5; 10:12;
30:6; Mt 22:37; Jo 10:17; 15:9; 21:15; Rm 8:28; 1Co 2:9; 8:3; Tg 2:5; 1Jo 5:2).
239
Ibid, 396. Ver Também Guthrie, 104-105.
240
Oden, 2:349; 1:124. Todavia, alguns eruditos são da opinião que a santidade é superior ao amor e
o regula. Ver Strong, 404-406; Lacy, 83.
71

proporciona o que o outro lado de sua natureza exige.241 Como já foi dito, “a santidade é o

trilho onde a locomotiva do amor deve correr”.242

Também o amor não pode ser completamente compreendido a menos que se inclua

a justiça (Êx 34:7). Sem ela o amor não passa de mero sentimentalismo. O amor e a justiça

operam justos no trato de Deus com os homens. Enquanto a justiça requer que haja

pagamento da penalidade do pecado, o amor deseja que o homem seja restaurado à amizade

com Deus, mas não há nenhuma tensão entre eles. A tensão só existe quando se pensa que o

amor requer que Deus perdoe sem qualquer pagamento.243 “Deus não é parcialmente amor

e parcialmente justiça, mas perfeito amor e perfeita justiça e tudo de Deus é amor e tudo de

Deus é justiça”.244 Sendo assim, sua ira é a mais verdadeira expressão de sua santidade e

justiça punitiva contra o pecado, e está em perfeita harmonia com seu amor, que por ser

santo, rejeita o mal com o mesmo empenho com o qual aprova o bem.245 Essa ira, embora

não seja um atributo permanente, é um potencial divino sempre presente, por causa da

permanente presença, em Deus, dessas qualidades.246

O fato de Deus ser amor não significa que ele aprove tudo o que o objeto de seu

amor faça. A aprovação não é necessária ao amor. Por isso, Deus nos amou quando ainda

éramos seus inimigos (Rm 5:8; Ef 2:3-5). Por isso, uma mãe ama seu filho rebelde, embora

241
Henny C. Mabie, Under the Redeeming Aegis an Exposition of the Evangelical Principle
(London: Hodder and Stoughton, 1913), 89-92; Chafer, 3: 69-70; Oden, 2:350; 1:124; Lacy, 83.
242
Chafer, 405.
243
Erickson, 298; M. L. Andreasen, The Book of Hebrews (Washington, D. C.: Review and herald
Publishing Association, 1948), 452. O capítulo dois desta pesquisa discorre sobre como a justiça e o amor
foram satisfeitos no Cristo crucificado.
244
Ladd, Teologia do Novo Testamento, 416.
245
John Peter Lange, “Romans”, A commentary the Holy Scripture-Critical, Doctrinal and
Homiletical, traduzido por Philip Schaff (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1869), 80-81; Preez, 9.
246
Groningen, “qâsap I – estar descontente, irado; aborrecer-se”, TWOT, 2:808.
72

não aprove seus atos. Há um amor que inclui aprovação, é o amor que se compraz, cujo

objeto amado é amável e traz alegria. Este é o amor que Deus tinha para com Jesus que em

tudo lhe era obediente (Mt 3:17; 12:18; 17:5 cf. Jo 5:20; 15:9-10). Este é o amor de Deus

para com aqueles que o amam e obedecem (ver Dn 9:23; 10:11, 19; Ef 4:25-5:1). Mas há

um amor que não se regozija no objeto amado, é o amor que se compadece. Este é o amor

de Deus para com os ingratos e maus. Não que haja dois amores, mas, sim, dois objetos

amados diferentes. Desta maneira é o amor de Deus para com o crente e o descrente.247

O tema do amor é o pano de fundo para o tema da ira.248 A ira de Deus é a reação do

seu amor rejeitado (Am 3:2).249 É a forma que o amor toma frente ao pecado, ao mal e

àqueles que a ele se opõem.250 “É o não de Deus ao pecado. Uma vez que o pecado é a

rejeição do amor de Deus, a ira de Deus é o seu próprio amor voltado contra sua própria

rejeição; é a reação de Deus ao pecado. Mostra que Deus permanece o mesmo quando seu

amor é rejeitado”.251 Quando o amor de Deus – em suas várias manifestações de bondade,

247
Langston, 65-66; Chafer, 432-433.
248
DBm, ed. 1984, ver “Ira”; Preez, 3.
249
Stählin, 5:433; Carl E. Braaten, e Robert W. Jenson, eds., Dogmática cristã, 2 vols., traduzido por
Gerrit Delfstra e outros (São Leopoldo: Sinodal, 1990), 1:445; D. Martin Lloid-Jones, God’s Way of
Reconciliation, 8a ed., (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1989), 51; Nuevo dicctionario bíblico
ilustrado, ed. 1985, ver “Ira de Dios”; Evans, 5:3113; Archer Jr., 10; J. M. Boice, “Ira de Dios”, Diccionario
ilustrado de la Bíblia, ed. Wilton M. Nelson, 3ª ed., (Miami, FL: Editorial Caribe, 1975), 304; Barnhouse,
232; Preez, 24-25; Randolp V. G. Tasker, The Biblical Doctrine of the Wrath of God ( Londres: The Tyndale
Press, 1951), vii.
250
Burton H. Throckmorton Jr., Romans for the Layman (Philadelphia: The Westminster Press,
1961), 24; Greathouse, 8:49; A. M. Hunter, Interpreting Paul’s Gospel (Philadelphia: The Westminster Press,
1954), 69-70; Curtis Vaughan, Efésios: Comentário bíblico, Traduzido por Jorge César Mota (Miami,
Florida: Vida, 1986), 56; Preez, 9, 32; Groningen, “qâsap I – estar descontente, irado; aborrecer-se”, TWOT,
2:808; Preez, 21; Karl Barth, A Shorter Commentary on Romans (Richmond, VI: John Knox Press, 1959), 26.
251
Webwe, 437-438; Preez, 20; Paul Tillich, Systematic Theology (Chicago, IL: University of
Chicago Press, 1951), 283-284.
73

misericórdia e longanimidade – encontra-se com a perversa vontade do homem ao invés da

fé, da gratidão, da boa vontade e do amor, torna-se ira (Mt 18:34; Mc 3:5; Rm 2:5).252

Esta pode causar sofrimento, castigar e prolongar-se, contudo permanece temperada

por sua misericórdia enquanto durar o tempo de graça, produzindo um salutar temor do

Senhor e tendo como propósito final o bem de suas criaturas.253 Revela que Deus tem amor

ou positivas intenções para com os seres humanos, o que pode ser visto de três modos: (1)

antes de sua ira se manifestar, ele adverte que ela está para vir. Se a justiça fosse a única

motivação, a advertência não seria dada. (2) Enquanto ela está se manifestando, é entendido

que ela pode terminar. Numerosos textos demonstram que Deus continua acessível mesmo

em meio à operação de sua ira e falam de esperança para o futuro, quando a ira tiver

completado sua obra, e de como as futuras gerações podem evitar os erros do passado (Sl

27; Is 12:1; 54:8; Zc 8:14-15). (3) Quando a ira tinha cumprido seu papel e se extinguido,

os relatos do que ocorrera (no livro de Lamentações, por exemplo) davam à comunidade a

oportunidade de evitar os erros do passado e, assim evitar nova manifestação de ira no

futuro.254

252
Stählin, 5:425. Na pregação dos profetas a razão central da ira de Deus é o amor santo de Deus
que foi ofendido (Is 1:2ss; 5:1-7; 17:9-10; Jr 2:1-19; Ez 16:4-43; Os 11:1-6; Am 2:9-16; 3:1-2). Alois Stoeger,
“Ira”, Dicionário de teologia bíblica, ed. Johannes B. Bauer, traduzido por Helmuth Alfredo Simon (São
Paulo: Edições Loyola, 1979), 537. No livro de Oséias a ira do amor é apresentada em toda a sua paradoxal
realidade, de modo que o profeta vê como que um conflito do próprio ser de Deus, que é retratado como
sofrendo e perplexo em face da ingratidão de seu povo (Os 6:4; 11:8). Particularmente no profeta Jeremias é
evidenciado como o amor de Deus pode se tornar ódio, que não conhece nem compaixão, nem misericórdia
(Jr 11:13-14; 12:7-13; 13:14; 16:5; 21:7). Eichrodt, 1:252-253.
253
Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia, ed. 1995, ver “ira de Deus”; R. Allan Killen, “Wrath”,
Wycliffe Bible Encyclopedia, ed. Cavalles F. Pfeiffer, Howard F. Voos e John Rea (Chicago: Moody Press,
reimpressão 1975), 2:1826.
254
Baloian, Anger in the Old Testament, 159; Idem, “anger”, NIDOTTE, 4:384.
74

Além disso, ela também é motivada pelo amor de Deus para com os seus buscando

protegê-los,255 porque o amor inclui um elemento de zelo (ciúme) para com o amado, com a

correspondente reação contra aqueles que se voltam contra este objeto do amor.256 Quando

se ama alguém e se vê essa pessoa sendo atingida pelo mal, qual será a reação? Permance-

se indiferente? Não! Ocorre uma indignação e uma ação para proteger. O amor humano

será deficiente se o elemento de ira estiver completamente ausente.

O mesmo ocorre em relação a Deus.257 Em certas circunstâncias, a falta de ira

significa falha em cuidar de quem amamos e por quem somos responsáveis, falha em

demonstrar amor.258 Semelhantemente, se Deus não tivesse ira, equivaleria a não ter

compromisso com o universo que criou e interesse em suas criaturas, o que também

evidenciaria falta de amor.259

Em sua carta aos efésios, Paulo, depois de expor a dura realidade de toda a

humanidade, escravizada à Satanás, ao curso deste mundo e à natureza pecaminosa,

acrescenta “e éramos, por natureza, filhos da ira, como os demais. Mas Deus, sendo rico em

misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em

nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo [...]” (Ef 2:3-5). Tal declaração, de que

255
Michaud, R., “Ira”, Vocabulário bíblico, Ed. Jean-Jacques Von Allmen (São Paulo: ASTE, 2001),
257-258; White, Eventos finais, 241. Quando, por exemplo, o rei do Egito pensou em fazer de Sara sua
esposa, “o Senhor, em Sua grande misericórdia, protegeu a Sara, enviando juízos sobre a casa real.” [Ver Gn
12:10-20]. Idem, Patriarcas e profetas, 130. E, séculos mais tarde, quando ainda no Egito os descendentes de
Abraão tiveram uma experiência semelhante, “mediante as manifestações dos juízos divinos em seu favor o
seu temor caiu sobre os egípcios; e, enriquecidos pelas dádivas dos gentios, saíram com muitos recursos”.
Ibid., 131. De fato, ao “executar Seus juízos sobre Faraó ... era desígnio de Deus que estas exibições de poder
fortificassem a fé de Seu povo, para que sua posteridade adorasse firmemente somente Aquele que tinha
realizado misericordiosas maravilhas em seu favor”. Idem, História da redenção, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2001), 115. Ver também idem, Patriarcas e profetas, 263.
256
Guthrie, 103; Groningen, “qâsap I – estar descontente, irado; aborrecer-se”, TWOT, 2:808.
257
Preez, 9.
258
Ibid., 31.
259
Archer Jr., 10.
75

embora filhos da ira, Deus nos amou com grande amor, evidencia que a ira de Deus não é

incompatível com seu amor e que tais atributos podem coexistir na personalidade de

Deus.260

Outras passagens bíblicas são do mesmo teor: Deus expressa seu amor por aqueles

que são objetos de sua ira. Assim, ele diz que ama Israel com amor eterno (Jr 31:3, 20) e ao

mesmo tempo, em sua ira, envia contra eles os babilônios para executarem seu juízo (Jr

21:5-7); ele declara seu amor para com mundo e age em seu favor (Jo 3:16; Rm 5:8; Ef

2:3), mas também revela dos céus sua ira, de múltiplas formas, sobre os mesmos homens

(Rm 1:18-32).261

É bastante difundida a idéia de que Deus ama o pecador, mas aborrece o pecado.262

Todavia, esta não é toda a verdade sobre o assunto. Embora, a ira de Deus contra o pecado

não implique em qualquer diminuição do seu amor para com as moralmente perdidas

criaturas,263 a verdade é que Deus experimenta para com o pecador tanto a ira quanto o

amor ao mesmo tempo, sem que haja qualquer ação contrária de um para com o outro.264

Em outras palavras, “Deus ama as mesmas pessoas que ele detesta [...] ele tanto ama como

260
John R. W. Stott, A mensagem de Efésios (São Paulo: ABU, 1986), 50; ver também Raul
Dederen, Cristologia, traduzido por Neuza Belz (São Paulo: SALT, 1984), 62.
261
The Eerdmans Bible Dictionary, ed.1987, ver “Wrath”.
262
Charles R. Erdman, Comentários de Romanos, traduzido por Waldir Carvalho Luz (S/L: Casa
Editora Presbiteriana, s/d), 33; Barnhouse, 217; Ellen White, Serviço cristão, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2001), 54; ver também “The wrath of God” [Rom 1:18], Seventh-Day Adventist Bible
Commentary, ed. Francis D Nichols, 7 vols. (Washington, DC: Review and Herald, 1953-1957), 6:477.
263
Oden, 1:109.
264
Chafer, 3: 69.
76

detesta o pecador”.265 Deus detesta o pecador quando este se opõe voluntariamente contra a

verdade e a santidade, mas o ama quando o vê arruinado pela transgressão.266

O amor inerente em Deus é um sentimento, mas também um princípio ativo. Como

sentimento positivo, almeja o bem estar dos objetos que ele ama, e como princípio ativo,

age para que seja assim.267 Este amor tem suas manifestações na forma de misericórdia,

graça, bondade e longanimidade para com as criaturas, que podem ser denominadas de

amor transitivo e não se referem a algo que Deus deve a elas, nem a algo ao qual tenham

direito, pois são expressões da vontade divina, o que significa que Ele as manifesta se assim

o desejar.268

A bondade de Deus

O verbo chsd traz a idéia de mostrar-se bondoso. Sua única ocorrência está em 2Sm

22:26, que é repetida no Sl 18:25.269 O substantivo chesed denota lealdade, fidelidade,

bondade,270 misericórdia e, às vezes, constante amor, lealdade, amor infalível.271 Chesed

possui um aspecto fortemente relacional. Ocorre 246x no AT, sendo a metade nos Salmos.

Embora seja empregada para descrever atitudes e comportamentos dos homens em seus

relacionamentos, mais frequentemente descreve a disposição e as ações beneficentes de

265
Strong, 433.
266
Ibid.
267
Erickson, 294.
268
Strong, 392, 432; Lacy, 82; Campos, 349.
269
D. A. Baer e R. P. Gordon, “hsd”, NIDOTTE, 2:211.
270
Ibid., “hesed”, 2:211.
271
R. Lair Harris, “hesed”, TWOT, 1:305.
77

Deus para com aqueles que lhe são fiéis: tanto para de Israel, como da humanidade em

geral.272

Por séculos chesed foi traduzido como bondade, misericórdia, amor e outras

semelhantes. A LXX usa eleos, misericórdia.273 Todavia, em 1927, Nelson Glueck publicou

uma tese doutoral sobre o uso desta palavra na Bíblia, apontando para outra direção.

Segundo ele, as relações de Deus com Israel eram baseadas na aliança e, portanto, chesed

não significa misericórdia, mas lealdade em face das obrigações da aliança. Outros

discordam veementemente e mantêm as versões tradicionais, alegando que o amor de Deus

está por detrás da aliança, que era apenas sua expressão e sinal. Assim, chesed é uma das

palavras usadas para descrever a bondade de Deus (Êx 34:6-7; Nm 14:18-19; Ne 9:17; Sl

86:15; Jn 4:2; etc.).274

272
Baer e Gordon, “hesed”, 2:211.
273
Harris, 1:305.
274
Idem, “hsd”, DITAT, 499-503. Ver também H.-H. Esser, “Misericórdia, Compaixão”, DITNT,
3:177. Em 1927 Nelson Glueck publicou uma dissertação doutoral em alemão, traduzida para o inglês por A.
Gottschalk, Hesed in the Bible, com uma introdução de G. A. LaRue a qual é um divisor de águas na
discussão. Seu ponto de vista tem sido amplamente aceito. De acordo com ele, Israel estava comprometido
com sua divindade por alianças semelhantes aos tratados dos hititas e outros. Harris, “hesed”, TWOT, 1:305.
Para Glueck, chesed possui a conotação de mútua obrigação, seja de indivíduos ou de grupos, e
possui três principais aspectos: 1) o comportamento humano no âmbito secular, 2) o comportamento humano
na esfera religiosa, especialmente direcionado para com Deus e, 3) o tratamento de Deus com a humanidade.
Para ele, chesed opera especialmente no contexto da aliança, sendo de fato sua essência, de modo que o
divino exercício de chesed está baseado na relação de aliança com seu povo. Baer e Gordon, “hesed”, 2:211,
com base em N. Glueck, Das Wort Hesed im alttestamentlichen Sprachgebrauche als menschliche und
göttliche gemeinschaftgemässe Verhaltungsweise, (Giessen, A. Töpelmann, 1927). Ver também idem, Hesed
in the Bible, traduzido por Alfred Gottschalk, (Cincinnati, Hebrew Union College Press, 1967).
Desse modo, os Dez Mandamentos eram as estipulações da aliança, as vitórias nas batalhas eram
recompensas pela guarda da aliança, sua apostasia era a violação da aliança e a chesed de Deus não era
basicamente misericórdia, mas lealdade para com suas obrigações, uma lealdade que os israelitas também
deviam mostrar. Ele foi seguido substancialmente por W. F. Lofthouse, H. H. Snaith, H. W. Robinson, Ugo
Masing e muitos mais. Contudo, outros discordaram. Desse modo, F. Assension defendeu a ideia de
misericórdia, baseando seu ponto de vista nas versões do AT; H. J. Stoebe, também em uma dissertação
doutoral, em 1951, e em artigos publicados no ano seguinte, defende o conceito de bondade; Sidney Hills e
Katherine D. Sakenfeld afirmam que em geral chesed denota os livres atos de resgate ou livramento os quais
no uso profético incluem lealdade. Harris, “hesed”, TWOT, 1:305.
Portanto, enquanto que Glueck afirma que chesed é praticada em uma relação eticamente obrigatória,
de parentes, exércitos, aliados, amigos e governantes e que a fidelidade às obrigações de uma aliança está
78

Em resumo, pode-se dizer que a chesed de Deus, em todas as passagens bíblicas em

que aparece, é sempre livre e não ocorre meramente por causa de uma obrigação à alguma

aliança que ele fez e nem deveria ser traduzida como fidelidade. Antes, as alianças são

sinais e expressões da chesed de Deus, que é o pano de fundo delas, e esta expressão é um

modo de o AT dizer que “Deus é amor”.275

As características da divina chesed são: (1) Ela salva as pessoas de desastres ou de

opressão (Gn 19:19; Sl 31:7, 21; 32:10; 57:3; 59:10; 94:18; 143:12). (2) Ela é duradoura,

persistente e eterna. Isso pode ser percebido: (a) pelo contraste com coisas que duram

muito, mas não para sempre (Is 54:10); (b) por declarações do próprio Deus (Jr 31:3); (c)

pelas repetidas declarações que aparecem no Saltério (Sl 89:2, 28, 33; 103:17; 117:2;

138:8; 100:5; 106:1; 107:1; 136). Certo número de textos aponta para a hipotética

possibilidade da perda da chesed de Deus ou de ela ter se afastado para longe (Gn 24:27; Sl

98:3; 106:45; Jr 16:5; 2Sm 7:15; cf. 1Cr 17:13). Também há orações que suplicam pela

continuação da chesed de Deus (Sl 36:10; cf. 2Cr 6:42; Sl 138:8). A mutualidade

pressuposta pela divina chesed é bastante nítida (1Rs 3:6) de modo que ela é direcionada

para aqueles que seguem e amam seus preceitos (Sl 119:149, 159). (3) Ela é considerada a

base ou motivo para petição ou aproximação de Deus (Nm 14:17-19; Ne 13:22; Sl 6:4;

44:26; 109:21). (4) Ela ocupa um lugar preeminente na vida interna e comunitária do povo

de Deus. De um lado, ela os guia para Deus (Êx 15:13) e caracteriza seus ensinos (Sl

119:124; 143:8) e, de outro, é o foco de suas esperanças, quando estão em dificuldade (Sl

explicita ou implícita, Sakenfeld, examinando o mesmo material, concluiu que, embora os relacionamentos
estejam presentes – porque o amor necessita de uma relação de sujeito e objeto – a chesed é dada livremente.
Ibid.
275
Ibid., 306-307.
79

13:5; 17:7; 26:1-3; etc.). (5) Ela é abundante. Isso é atestado de dois modos: (a) pelas

declarações cosmológicas feitas nos salmos: chesed enche a terra (Sl 33:5; 119:64),

estende-se ao céu, às nuvens ou além (Sl 36:5; 57:10; 103:11; 108:4), e é percebida até aos

confins da terra (Sl 98:3); (b) por simples declarações: chesed é grande (Sl 86:13),

abundante (Sl 106:7, 45; Lm 3:22; Ne 13:22) e poderosa (Sl 117:2). (6) Ela caracteriza o

governo de Deus e estabelece seu rei (Sl 89:14; 2Sm 7:15-16; 22:51; 1 Rs 3:6; 2Cr 1:8). (7)

Ela neutraliza a ira de Deus. Algumas vezes os textos bíblicos parecem sugerir que as

respostas de Deus ao pecado humano, seguem em direções opostas: uma de ira, outra de

bondade. Em tais momentos a chesed de Deus exerce um papel limitador sobre a ira (Is

54:8; Mq 7:18; Lm 3:31-32). Desse modo, embora a ira seja uma palavra verdadeira,

correta e inevitável, parece não ser a última palavra. Essa honra é reservada para chesed – o

infalível amor de Deus. Diversos textos bíblicos apresentam essa dupla ideia: de chesed e

da ira de Deus (Êx 20:5-6; 34:6-7; Dt 5:9-10; 7:9-10; Ne 9:17; Sl 145:8). Tanto uma como

a outra brotam da mesma fonte, mas a chesed se destaca em virtude de sua superior

quantidade e permanência.276

O hebraico também emprega tûbh, derivado da raiz tôbh, que por sua vez se refere

ao “bem” ou à “bondade” com uma ampla variedade de sentidos. Um uso importante

refere-se à bondade moral (2Cr 31:20; Sl 34:14), inclusive a de Deus, à qual se pode

recorrer em busca de perdão (Sl 25:7) e que deve ser objeto de louvor (Sl 145:7).277

A bondade de Deus é uma modalidade de seu amor. Para referir-se a ela, o NT

emprega por dez vezes o termo chrēstotes, todas de autoria paulina (ex.: Rm 11:22; Ef 2:7;

276
Baer e Gordon,, “hesed”, 2:213-217.
277
Andrew Bowling, “tôb”, DITAT, 564-566; Robert P. Gordom, “twb”, NIDOTTE, 2:353.
80

Tt 3:4).278 É sua disposição favorável para toda a criação e independe de qualquer

motivação nas suas criaturas. Quando voltada para as criaturas irracionais dá-lhes o que

precisam (Jó 38:41; Sl 145:15-16; 147:7-9); quando se manifesta aos filhos de Deus é para

comunicar-lhes vida e bênção (Sl 31:19; Ef 2:5-7), sendo a base do galardão e levando-o a

cumprir suas promessas; e quando dirigida aos homens que vivem longe de Deus, busca

trazê-los ao arrependimento a fim de que não recebam a ira de Deus no dia de seu justo

juízo (Rm 2:4-5).279

Desse modo, somos todos convidados a considerar “a bondade e a severidade de

Deus” (Rm 11:22). Enquanto sua bondade contempla aqueles que têm fé e nela

permanecem, seus juízos são direcionados àqueles que se mantém na incredulidade.

Todavia, mesmo estes, se não continuarem na incredulidade, antes se voltarem para o

Senhor, voltarão a ser alvos da bondade que ele manifesta para com seus filhos.280

A misericórdia de Deus

O AT emprega a raiz râcham, que significa amar profundamente, ter misericórdia,

ser compassivo. É um profundo sentimento íntimo manifestado para com quem se tem um

vínculo natural e está em posição inferior, como é o caso do amor de um pai (Sl 103:13) ou

de uma mãe (Is 49:15) e daquele manifestado para com as criancinhas (Is 13:18). Quando

empregada em relação a Deus, o que ocorre na maioria das vezes, pode indicar o vínculo de

Deus para com seus filhos (Sl 103:13; Mq 7:18), ou o conceito da livre escolha de Deus

278
E. Beyreuther, “Bom, Belo, Bondoso”, DITNT, 1:326; Barnhouse, 25.
279
Teixeira, 95; Campos, 255-256; Strong, 432, 437; Chafer, 230. Ver também G. Raymond Carlson,
“The Epistle of Paul to the Romans”, The Complete Biblical Library (Springfield, MI: The Complete Biblical
Library, s. d.), 7:39; Michelsen, 249.
280
Moody, “Romanos”, 10:286.
81

(Êx 33:19) e engloba sua eleição, misericórdia e perdão (Êx 33:19; Dt 13:17). O reverso

desta misericórdia amorosa é a ira de Deus (Sl 77:9; Zc 1:12).281

A raiz hâmal também se refere àquele sentimento que induz alguém a livrar ou

poupar aquele que é objeto de sua afeição (Ml 3:17), mas ainda pode exprimir a emoção de

piedade (2Sm 12:6; Lm 2:2; 3:43; Jl 2:18) e a consideração ou compaixão que Deus tem

para com seu nome e que o leva à reagir quando ele é profanado (Ez 36:21).282

É importante notar que o AT demonstra que a ira divina pode não apenas ser

evitada, mas, às vezes, suspensa. E isso pode ocorrer não por causa do arrependimento, mas

da misericórdia de Deus (Hc 3:2). Desse modo, a ira percorre certo caminho, a fim de servir

à justiça (Ne 13:18; Jr 30:24; 32:27; Ez 5:13-17), mas, então um remanescente emerge,

totalmente pela graça (Is 10:20-25). Agindo assim, Deus revelou que Israel não deveria

esperar que pudesse pecar livremente e escapar da ira pelo arrependimento, mas também

que, a justiça de Deus é temperada por sua misericórdia.283

O NT, por sua vez, emprega três palavras gregas, com seus respectivos derivados,

para significar misericórdia ou compaixão. São elas: eleeō (Rm 9:15, 16, 18), oikteirō (Rm

9:15; 12:1; 2Co 1:3) e splagxnon (2Co 6:12; Ef 4:32; 1Pe 3:8). Originalmente elas tinham

um enfoque predominantemente psicológico, de modo que eleeō referia-se ao sentimento

281
Leonard J. Coppes, “râham – amar profundamente, ter misericórdia, ser compassivo”, DITAT,
1417-1420.
282
Idem, “hâmal – poupar, ter compaixão”, DITAT, 483-484. Sob este verbete há uma discussão
mais detalhada e bastante elucidativa sobre as duas correntes de interpretação de hesed.
283
Baloian, “anger”, NIDOTTE, 4:384; Groningen, “qâsap I – estar descontente, irado; aborrecer-
se”, TWOT, 2:808.
82

de compaixão, oikteirō, à exclamação de dó que alguém emite ao ver o infortúnio de outro,

e splagxnon, à sede das emoções, que hoje é chamado de coração.284

Misericórdia está diretamente vinculada à miséria. A misericórdia de Deus é uma

forma de seu amor a qual é manifestada para com quem é miserável e se encontra em ruína,

desgraça e necessidade (Dt 5:10; Sl 86:5-7; 103:3-8; Mc 1:40-41; 6:34 cf. Mt 14:14). Por

causa dela, Deus vê o homem suportando as terríveis conseqüências do pecado e

desesperadamente carente do socorro que unicamente ele pode oferecer e, comovido em

seu coração, age, mesmo a custo do sacrifício próprio, em busca do bem temporal e da

salvação eterna de quem se opôs à sua vontade.285

A misericórdia é tanto optativa como limitada. Deus não tem obrigação de prover

redenção para os pecadores (ver Rm 9:14-18; 2Pe 2:4). Do mesmo modo que a onipotência,

a misericórdia pode existir em Deus mesmo sem ser exercida.286 Embora Deus seja

soberano e livre para decidir e agir, ele sempre o faz em harmonia com seu próprio caráter

o que inclui sua santidade, que regula e condiciona seus outros atributos. Portanto, o

exercício da misericórdia tem suas condições e pode haver interesses mais elevados que

requeiram que ele seja recusado. Por essa razão, ao Deus exercer misericórdia não há

violação ou desistência das exigências legais, i.e., não há abolição de sua lei moral, nem

redução da pena, mas, sim, a substituição de quem recebe a punição, de modo que a justiça

é estritamente satisfeita através de uma pessoa vicária. Assim, a magnitude da misericórdia

pode ser vista em três ações divinas: (1) ao permitir que outra pessoa assuma o lugar do

284
H.-H. Esser, 3:176-177. Todavia o uso de eleeō no NT tem um fundo de pensamento totalmente
diferente, baseando-se em conceitos legais. Para estudos adicionais ver todo o artigo.
285
Pendleton, 53; Berkhof, 752; Erickson, 295-296; Teixeira, 93; Chafer, 230; Grudem, 145-148;
Strong, 431.
286
Ibid., 410, 441-442.
83

pecador e receba o castigo em seu lugar; (2) em providenciar tal pessoa; e (3) em oferecer-

se para ser essa pessoa.287 Portanto, a misericórdia é um aspecto do amor de Deus e está

vinculada à sua justiça. Como foi dito, “o oceano da sua misericórdia limita-se às praias da

sua justiça”.288 A misericórdia que não respeita tais limites pode ser chamada de

“misericórdia pecaminosa”289 e não faz parte do caráter de Deus. É somente quando seus

justos juízos são considerados, que sua misericórdia torna-se uma vívida realidade.290 Além

disso, as Escrituras declaram que enquanto o tempo de graça continua, a ira de Deus é

mesclada com elementos que expressam misericórdia. Desse modo, Deus, por ser

misericordioso, não se ira facilmente (Êx 34:6-7; Sl 103:8-9) e, quando irado, não retém

sua ira para sempre (Mq 7:18-20) e na ira lembra-se da misericórdia (Hc 3:2). E quando sua

ira cessa, ele consola (Is 12:1).

A graça de Deus

O verbo chânan possui a idéia de favorecer, ser benévolo para, generoso para com,

ter compaixão de; ser favorecido, suplicar por graça291 (Sl 31:9; 51:1). Aparece 78x no

AT292 e quando a conotação é de mostrar favor, geralmente tem a Deus como sujeito

(41x).293 É empregado para descrever a ação de um superior para com um inferior que não

287
Ibid., 442-443.
288
Ibid., 443.
289
Ibid.
290
Guthrie, 107.
291
Terence E. Fretheim, “hnn”, NIDOTTE, 2:203; Edwin Yamauchi, “chânan – ser gracioso,
compadecer-se; no grau hitpael, suplicar, implorar”, DITAT, 494.
292
Ibid.
293
Fretheim, 2:203.
84

tem direito a um tratamento clemente e a reação sincera de alguém que tem algo a dar a

outro que está em necessidade.294

O substantivo chen possui o significado de graça, favor, encanto295 e é utilizado

69x, tendo na grande maioria das ocorrências, um significado secular e não teológico. Ele

aparece 43x em frases que têm a idéia de “encontrar favor aos olhos de” (Gn 6:8; 39:21; Êx

3:21; 33:12)296 sendo que destas, 24x é usado para Deus (Gn 30:27). Como acontece na

atualidade, os antigos olhavam nos olhos de outrem para perceber sua disposição favorável

ou não. Embora a face de Deus não possa ser vista, a expressão foi mantida para falar

também da disposição de Deus.297

A graça divina não é apenas uma questão espiritual, mas diz respeito a todos os

aspectos da vida, como fica evidente nas fórmulas usadas para abençoar (Nm 6:25; Sl

67:1). Desse modo, Deus, em sua graça, provê alimento para o faminto (Sl 111:4-5), boa

colheita para os homens (Sl 67:1), salvação para quem sofre uma grande aflição (Sl 126:1-

6), vindicação para os que são oprimidos (Sl 103:6-8), perdão para o pecador (Sl 103:8-10),

regozijo para o triste (Sl 30:10-11) e muitas outras obras de bondade e compaixão (Sl

145:8-9).298

O favor de Deus pode ser assegurado através de uma resposta humana positiva

(lealdade, Pv 3:3-4; justiça, Gn 6:8-9; arrependimento, Is 30:19), mas Deus pode reter tal

favor em razão de uma resposta humana pecaminosa (Jr 16:13) ou por causa dos propósitos
294
Yamauchi, 494.
295
Fretheim, 2:203; Yamauchi, 495; idem, “hên”, TWOT, 1:303. Em alguns textos, como em
provérbios, chên possui um significado estético de beleza ou encanto o qual cria uma impressão favorável.
Ibid.
296
Ibid.; idem, “chânan”, DITAT, 495; Fretheim, 2:203-204.
297
Ibid.
298
Ibid., 2:205.
85

divinos mais amplos (Js 11:20). Deus também pode escolher estendê-lo em paciência para

com aqueles que ainda não se arrependeram (Ne 9:17, 31), ou para com aqueles cuja

resposta é questionável (Gn 33:5, 11), ou unicamente por causa de suas promessas (2Rs

13:23), ou em vista de seus propósitos para com Israel (Ed 9:8).

Assim, a graça de Deus está estabelecida, não no que as pessoas fazem, mas na

disposição divina de ser gracioso, além de qualquer esquema humano (Êx 33:19; 34:6). Os

apelos à graça divina são apresentados não com base em nossa justiça, mas em razão da

grande misericórdia de Deus (Dn 9:18).299

O adjetivo channun – gracioso – ocorre 13x, sempre se referindo a Deus (exceto em

Sl 112:4) e geralmente vem emparelhado com râhum, misericordioso (Êx 34:6).300 Este

adjetivo descreve os atos graciosos de Deus e a maioria dos textos que o empregam, falam

também de seu julgamento sobre o mal, de modo que sua graça é revelada junto com sua

justiça (Êx 34:6-7; Nm 14:18; Sl 86:15; 103:8; 145:8; Jl 2:13; Jn 4:2).301

A palavra “graça” (charis) foi amplamente usada em uma variedade de significados

associados na literatura grega clássica, na LXX e no NT. Originalmente referia-se a algo

muito agradável ou atrativo em uma pessoa, algo que trazia prazer aos outros, transmitindo

as idéias de beleza, graciosidade, amabilidade e outras que deleitam o agraciado, o que

pode ser visto em Sl 45:2; Pv 1:8-9; Lc 4:22; e Cl 4:6. A partir daí passou a ter a ideia de

favor, boa vontade ou bondade feitos para outro ou um presente que traz prazer ao outro

299
Ibid.
300
Ibid., 2:204; Yamauchi, “chânan”, DITAT, 497.
301
Ibid.; Idem, “hên”, TWOT, 1:303.
86

(ver Lc 2:40; At 2:47; 7:10; 46). Do ponto de vista de quem recebe, foi usada para referir-se

à gratidão sentida por um presente ou favor (ver Lc 17:9; 1Co 15:57; 2Co 8:16).302

Embora, com exceção de Lucas, a palavra “charis” ou seus cognatos não apareça

nos sinóticos, está implícita nos ensinos e nas obras de Jesus303 e ocorre cerca de 150x no

NT onde frequentemente parece ter um significado especial não encontrado completamente

em nenhum outro lugar: o amor salvador de Deus para os pecadores como revelado em

Cristo, o que é destacado especialmente nos escritos de Paulo, como pode ser visto em Rm

5-6; Ef 1:5-8; 2:7-9; Tt 2:11; 3:7.304

De fato, a graça de Deus é um aspecto essencial de seu amor. É o amor de Deus

visto na relação com o pecado e manifestado apenas para aqueles que são pecadores e

indignos e que age para com eles com bondade e generosidade, suprindo-lhes com favores,

não na base de seus méritos ou valor, mas de acordo com suas necessidades. É, mais

especificamente, o amor em ação, todo inclusivo, expandindo-se mais e mais para prover a

redenção dos pecadores. Todavia, não é apenas um sentimento de compaixão e boa vontade

em perdoar, mas um poder ativo, energizante, capaz de transformar e salvar o maior

pecador mantendo-o numa correta relação com Deus (Rm 5:21; 1Co 15:10; 2Co 12:9).

Como disse o apóstolo, “é o poder de Deus para a salvação” (Rm 1:16).305

302
“Grace” [Rom 3:24], Seventh-Day Adventist Bible Commentary, 6:503; John Polhill, “Grace”,
Holman Bible Dictionary (Nashville, TN: Holman Bible Publishers, 1991), 573.
303
Guthrie, 106.
304
Ibid., 105-106; Polhill, 573; “Grace” [Rom 3:24], SDABC, 6:503-504.
305
Ibid.; Greathouse, 8:90; Guthrie, 105-106; Strong, 432; H. J. Brokke, Romanos, o evangelho do
Cristo ressurreto, traduzido por Myrian Talitha Lins (Belo Horizonte, MG: Editora Betânia, 1981), 60; Ellen
White, Mensagens escolhidas, 5ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 1:394; Erickson, 294-
296; Pendleton, 53; Berkhof, 75; Chafer, 230; Grudem, 145-148. Comentários adicionais podem ser
encontrados em J. Baillie, J. T. McNeill e H. P. van Dusen, eds., Library of Christian Classics (Philadelphia:
Westminster Press, 1953), XIX, 87; Heppe Heinrich, Reformed Dogmatics: Set Outand Illustrated from the
87

Os anjos de Deus, que nada conhecem de pecado, gozam do amor de Deus e da

bondade que ele manifesta para com suas criaturas, mas nunca receberam sua graça, porque

dela nunca necessitaram.306 Mas e os anjos que pecaram? As Escrituras afirmam que “Deus

não poupou anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno, os entregou a

abismos de trevas, reservando-os para juízo” (2Pe 2:4). Deus não manifestou graça para

com eles. Não elaborou um plano para dar-lhes nova oportunidade, para salvá-los de sua

condição e restaurá-los (ver Hb 2:16)307. Poderia ter feito o mesmo com a raça humana.

Não tinha necessidade de nos salvar. Por ser Criador e Soberano, ele é livre para decidir e

atuar como lhe agrada (ver Rm 9:15, 20-21). Portanto, graça não é dívida, não pode ser

cobrada. Foi por sua livre vontade que ele decidiu salvar a humanidade, manifestando-lhe

sua graça.308

Na verdade, há alguns atributos divinos que, embora façam parte de seu caráter,

estavam ocultos em seu ser e jamais teriam sido conhecidos por suas criaturas não fosse o

surgimento do pecado. Sua manifestação não seria necessária nem pertinente em um

universo santo e perfeito. São eles: a ira, a graça, a misericórdia e a longanimidade. Todos

expressam a reação de Deus face ao pecado309 e são endereçados a toda humanidade. Por

um lado, todos os homens estão debaixo da ira de Deus (Rm 1:18; Ef 5:6 cf. Rm 3:10-12;

Sources, rev. e ed. Ernst Bizer, traduzido por G. T. Thomson (London: Allen & Unwin Ltd., 1950), 96 e
Webwe, 1:424-425.
306
Pendleton, 53; White, Mensagens escolhidas, 1:331-332.
307
Talvez a razão disto se encontre no grau de revelação que cada qual recebera. Assim, ao passo que
a humanidade poderia receber uma maior revelação do caráter de Deus e, conseqüentemente, reconhecer seu
pecado, voltar-se de coração para ele e ser restaurada, os anjos que se rebelaram, já conviviam intimamente
com Deus e já conheciam o que lhes era possível conhecer sobre ele de modo que nenhuma revelação
posterior poderia beneficiá-los, conduzindo-os a um arrependimento genuíno. Haviam ultrapassado os limites
e não havia mais como retornar. Ver idem, História da redenção, 18.
308
Grudem, 472-473.
309
Ver Chafer, 2:636.
88

Ef 2:3; 1Jo 1:8, 10) e, por outro, todos igualmente são alcançados pela graça, pela

misericórdia e pela longanimidade de Deus (Rm 2:4; 3:25; 5:18, 20; Tt 2:11; 2Pe 3:9, 15).

Como será demonstrado posteriormente, a ira de Deus possui um aspecto histórico e outro

escatológico.310

Embora a ira final resulte na destruição de todos que rejeitarem a graça,311 a ira

presente tem seus aspectos positivos312 que cooperam com a graça visando a salvação do

homem. Portanto, é do interesse de cada ser humano submeter-se à graça de Deus a fim de

escapar da ira futura que virá no dia do juízo.313

A longanimidade de Deus

A longanimidade de Deus é expressa no hebraico pela expressão erekh ’appayim

(Êx 34:6; Nm 14:18; Sl 86:15; 103:8; Is 48:9; Na 1:3) literalmente, “longo de rosto”, e a

partir daí transmite a idéia de lentidão para a ira e para punir o erro. No grego a expressão é

makrothumía (Rm 2:4; 9:22; 2Pe 3:15), literalmente, “grandeza de ânimo” – para amar e

esperar, perdoar e esquecer. É o aspecto da bondade de Deus que tolera o pecador, apesar

de sua demora no mau caminho. Fica entre os extremos da ira e da graça e se manifesta

quando Deus adia, temporariamente, o merecido julgamento e continua a oferecer salvação

e graça por longos períodos de tempo, dando espaço para arrependimento e conversão

(1Tm 1:16; Ap 2:21). Este procedimento pode ser visto em seu trato com Israel (Nm 14:18;

310
Ver a argumentação pertinente nas páginas 140-142; 153-166.
311
Ver o apêndice A.
312
Ver a exposição na página 157.
313
Ver Hahn, “Ira”, DTNT, 2:361 e Allen, 1320.
89

Sl 103:8-9) e com os antediluvianos (1Pe 3:20) e, na atualidade, com o mundo em relação

ao retorno de seu Filho (2Pe 3:9).314

O NT também traz a palavra anochē, empregada apenas em Rm 2:4 e 3:25, em

ambos os casos traduzida geralmente como tolerância e referindo-se à longanimidade de

Deus, sem qualquer distinção nítida de makrothumía.315 Significa conter, fazendo

referência ao juízo. É empregada na literatura grega, às vezes, para referir-se a uma trégua,

a qual implica na cessação das hostilidades das partes em conflito. Semelhantemente, a

longanimidade de Deus com a humanidade é uma espécie de trégua divina temporária que

Ele tem proclamado em Sua graça.316

Todavia, há o perigo de o homem abusar da longanimidade de Deus, o que ocorre

quando ao invés de gratidão e correto aproveitamento da oportunidade para arrependimento

314
Berkhof, 75; Barnhouse, 26; Fichtner, 5:405; Matthew Henry, “Romanos”, Comentario exegetico-
devocional a toda la Bíblia, traduzido por Francisco Lacueva (Barcelona: CLIE, 1989), 11:253; Falkenroth e
Brown, “Paciência, Firmeza, Perseverança”, DITNT, 3:372; Luis Bonnet e Alfredo Schroeder, Comentario del
Nuevo Testamento: Epistolas de Pablo, 2ª ed. (Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1974), 3:136;
Stählin, 5:49, 425-426; “Willing” [Rom 9:22], SDABC, 6:589; J. F. MacArthur, Comentario MacArthur del
Nuevo Testamento: Romanos 1-8 (Grand Rapids: Editorial Portavoz, 2001), 151; J. Barmby e J. Radford
Thomson, “The Epistle of Paul to the Romans”, The Pulpit Commentary (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
reimpressão 1977), 18:58-59; Grudem, 145-148; White, Mensagens escolhidas, 2:372-373; idem, Profetas e
reis, 413; idem, Vida e ensinos, 10ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 185; idem, O desejado
de todas as nações, 587; idem, Caminho a Cristo, 28ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 85;
idem, Educação, 8ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 27; idem, Testemunhos seletos, 1:477;
idem, Grande conflito, 7; idem, Patriarcas e profetas, 405. “Makrothumía... pode ser traduzida, com a mesma
exatidão, por ‘paciência’” (ex.: Mt 18:26, 29). Falkenroth e Brown, 3:372. Entretanto, na versão bíblica
adotada nesta investigação, o único texto bíblico que se refere à paciência de Deus é Rm 15:5, onde a palavra
grega empregada é outra: hupomonēs, derivada do verbo hupomenō, que originalmente era utilizada em
contextos militares e significava “ficar para trás”, “manter-se firme”, “sobreviver”, “permanecer constante”,
“perseverar”, “esperar” e “aguardar”. Ibid., 3:378. Como, no contexto dessa passagem (Rm 15:5), os crentes
estavam sendo incentivados a manter a unidade, o que exigiria deles muita paciência e perseverança, Deus é
apontado como a fonte de onde poderiam obtê-las. Moody, 10:317.
315
“Mesmo assim é possível detectar certos matizes de sentidos. Macrothumia é indubitavelmente
menos ativa e vigorosa... Além disso, tem implicações escatológicas mais fortes, e antecipa o julgamento final
de Deus, enquanto anochē denota o período da graciosa longanimidade de Deus, com referência especial em
Romanos a Israel e ao período até a cruz de Cristo.” Falkenroth e Brown, 3:372.
316
MacArthur, 151; Falkenroth e Brown, 3:372; Everett F. Harrison, “Romans”, The Expositor’s
Bible Commentary (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1984), 10:29.
90

e reforma de vida, há manifesto desprezo para essa longanimidade. Aqueles que assim

procedem imaginam que por ser Deus longânimo e por frequentemente reter a condenação

e a punição merecidas, não cumprirá as ameaças que fez, ou que, por alguma razão, estão

excluídos da punição judicial de Deus (como foi o caso dos judeus que confiavam que

sairiam ilesos por serem o povo da aliança e por seu parentesco com Abraão (ver Mt 3:7-9;

Lc 13:28-29; Rm 9:6-8 cf. Gl 3:7).317

Embora Deus seja longânimo para com a humanidade pecadora, esta longanimidade

tem um limite temporal, além do qual sua ira permanece.318 Se for desprezada ou abusada

(1Pe 3:20), servirá para exasperar a ira de Deus e para confirmar a destruição anunciada,

resultando em grande severidade no juízo, como o que ocorreu com Faraó.319

Ao tratar desse tema, o NT também emprega o substantivo paresis, “tolerância”,320

que aparece unicamente em Rm 3:25 e significa “deixar passar”, “passar por alto” ou

317
Barmby, J. e J. Radford Thomson. “The Epistle of Paul to the Romans”. The Pulpit Commentary.
Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1977. 18: 58-59. Discorrendo sobre este tópico Ellen White
declarou que “passado o período de nossa prova, se formos achados transgressores da lei de Deus,
encontraremos no Deus de amor um ministro de vingança. Deus não Se compromete com o pecado. Os
desobedientes serão punidos... O amor de Deus agora se expande para incluir o mais baixo e vil pecador que,
contrito, venha a Cristo. Estende-se para transformar o pecador num obediente e fiel filho de Deus; mas
nenhuma alma pode ser salva se continuar em pecado.
“O pecado é a transgressão da lei, e o braço que é agora poderoso para salvar, será forte para punir
quando o transgressor ultrapassar as fronteiras que limitam a paciência divina”. White, Mensagens escolhidas,
1:313.
318
EBD, ver “Wrath”; White, Profetas e reis, 276, 417; idem, Testemunhos seletos, 2:62-63; idem,
Grande conflito, 36; idem, Educação, 178; idem, Vida e ensinos, 185.
319
Stählin, 5:425-426; “Willing” [Rom 9:22], SDABC, 6:589. Podemos ver exemplos disso nos
juízos de Deus sobre o mundo antediluviano porque se havia tornado “incurável”, sobre os habitantes de
Sodoma porque “eram incorrigíveis no pecado” (White, Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos,
4ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001, 75) e sobre os amorreus, os antigos moradores de Canaã,
que apesar de terem visto “o poder divino manifestado de maneira assinalada”, não apresentaram nenhuma
“mudança para melhor”. Idem, Testemunhos seletos, 2:63.
320
O conceito de tolerância não se encontra no AT com o sentido positivo de Deus em relação ao
homem. Como substantivo não aparece no hebraico, mas sim como verbo: kûl, que é utilizado trinta e oito
vezes com os significados de conter, segurar, tolerar, suportar, alimentar e prover. Seu sentido básico é o de
conter ou comportar algo como num utensílio (exs.: 1Re 7:26, 38; 8:64; 2Cr 4:5; 7:7). Jeremias o emprega
figuradamente para expressar a impossibilidade de conter dentro de si a ira divina, que é qual fogo ardente em
91

“deixar ir sem castigo”.321 Paresis era uma palavra usada na Lei Romana, onde, geralmente

referia-se a alguma pessoa que fez um testamento e que deixou de fora alguém importante

que, portanto, não entrou em consideração, foi passado por alto, esquecido

intencionalmente.322

Ao usar esta expressão Paulo não se refere à remissão, ao perdão para os pecados

passados, mas à suspensão provisória da pena desses pecados.323 Desse modo, embora os

pecados ainda continuem a ser castigados (ver Rm 1:18-32), ainda que não completamente,

Deus, ao invés de intervir a cada instante, prefere aguardar e suportar até que chegue o

tempo de tratá-los de modo definitivo.324 O Senhor não se esqueceu dos pecados passados,

todavia não se ocupou deles de imediato.325 Houve um adiamento do julgamento.326

A Ira de Deus Comparada à Ira do Homem e à Ira dos Deuses

A expressão “ira de Deus” costuma alarmar as pessoas. Isso ocorre porque a

tendência do pensamento humano, que frequentemente aprende por comparação, é

identificá-la com os aspectos negativos tão comuns nas demonstrações da ira humana e nos

seu interior (Jr 6:11; 20:9). Também profetas anunciaram a impossibilidade de alguém suportar a ira de Deus
no Dia do Senhor (Jl 2:11; Ml 3:2). John N. Oswalt, “kûl”, DITAT, 706-707.
321
H. Vorländer, “Perdão”, DITNT, 3: 525, 528; Sakae Kubo, A Reader’s Greek–English Lexicon of
the New Testament and a Beginner’s Guide for the Translation of New Testament Greek, 6ª ed. (Grand
Rapids, MI: Zondervan Publisching House, 1979), 137; MacArthur, 254.
322
Lloyd-Jones, 98.
323
Ibid., 99-100; Murray, 119-120.
324
Claus Westermann, Fundamentos da teologia do Antigo Testamento, traduzido por Frederico
Battler (São Paulo: Ed. Academia Cristã Ltda., 2005), 137; Harrison, 10:44; Marvin R. Vincent, “The Epistle
to the Romans”, Word Studies in the New Testament: The Epistles of Paul (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
reimpressão 1946), 3:48. Ver o comentário pertinente no capítulo dois.
325
Michelsen, 253.
326
Barnhouse, 26; Grudem, 151-152.
92

relatos mitológicos das divindades pagãs. Todavia, embora haja alguma semelhança, há

grandes diferenças.

A Ira do Homem

De modo geral a ira é a expressão de um sentimento experimentado diante de uma

situação injusta ou contrária à nossa vontade.

Aspectos negativos e positivos

Este sentimento frequentemente está associado à exasperação desaforada, ao ódio

vingativo e à paixão descontrolada e irracional, podendo nos fazer perder o equilíbrio e até

o juízo e nos levar a cometer atropelos e injustiças.327 Embora seja definida como “uma

loucura temporária”, isso só é verdade quando ela é egoísta ou pecaminosa, o que nem

sempre acontece. Há uma ira justa que nem é loucura, nem é breve.328 Embora pecador, e

por isso imperfeito, o homem pode ter ira sem maldade, como a que ocorre em face de uma

grave injustiça feita à outra pessoa, sendo neste caso uma ira boa e necessária.329

No AT, a ira humana é às vezes encarada de modo negativo, como um pecado (Gn

49:5-7; 1Sm 20:30; Jó 36:13 e 18; Sl 37:8-9; Pv 12:16; 27:3-4; 29:8; 30:33) e outras, de

modo positivo, como algo justificável (Êx 16:20; 32:19; 1Sm 11:1-6; 2Sm 12:5; Ne 5:4-6;

Jr 6:11-15).330 Isso também é válido quanto ao NT. Assim, quando uma autoridade secular,

327
Domingo Fernandez Suarez, Una interpretación del Apocalipsis, 6ª ed. (Buenos Aires: Casa
Bautista de Publicaciones, 1976), 153.
328
Grudem, 439.
329
Teixeira, 216. Um desprazer semelhante pode ser visto também na experiência daqueles que
seguem a Cristo, quando têm uma “indignação justificável” que nasce da “sensibilidade moral” e que surge,
por exemplo, “quando vêem que Deus é desonrado, e Seu serviço exposto ao descrédito” e “quando vêem o
inocente opresso”. White, O desejado de todas as nações, 310.
330
Hahn, “Ira, raiva - Orgē”, DITNT, 2:444.
93

representando o Estado, pune um criminoso, não o faz em espírito de vingança, mas por

vindicação da lei, que representa a estabilidade social (ver Jo 19:11; Tt 3:1; 1Pe 2:13-17),

sendo vista como ministro de Deus para castigar (literalmente “executar ira”) sobre o que

pratica o mal (Rm 13:4). Todavia, em outras situações somos instados a dar lugar à

operação da ira de Deus em lugar da nossa (Rm 12:19; Hb 10:30).331

Comparação com a ira de Deus

O termo “ira de Deus” sugere, algumas vezes de modo inconsciente, aquelas

qualidades negativas que podem ser associadas com a ira humana e, desse modo, as pessoas

confundem a ira divina com os seus próprios sentimentos pecaminosos e a expressão “ira

de Deus” contribui para perverter a concepção de Deus, criando por um lado uma forte

objeção e, por outro, uma atitude de desculpar a Deus por ele mostrar sua ira, como se isso

fosse uma falha de seu caráter. Todavia, a ira humana é frequentemente uma ira que está

corrompida. Deus é santo legislador e tem toda razão de mostrar o seu desprazer para com

o pecado. Sua ira tem um caráter judicial (ver Rm 13:4-5).332

Ao se comparar a ira de Deus com a ira humana pecaminosa percebe-se que: (1) No

homem é uma paixão maligna que perturba o equilíbrio emocional e o faz arder com o

desejo de ferir a outros. Mas não há nenhuma malignidade no coração de Deus. Antes, sua

ira provém de seu amor e se levanta contra o mal que quer arruinar suas criaturas.333 (2) No

331
Ibid., 2:446-447; Falkenroth, 1:392 ; Teixeira, 216.
332
John Knox e Gerald R. Cragg, “The Epistle of the Romans”, The Interpreter’s Bible (New York /
Nashville, TN: Abingdon Press, 1959), 9:396-397; Everett F. Harrison, “Romans”, The Zondervan NIV Bible
Commentary (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1994), 2:527; idem, “Romans”, EBC, 10:22; Campos, 347;
Guthrie, 102.
333
Joseph S. Exell, Romans, 2 vols., The Biblical Illustrator (Grand Rapids, MI: Backer Book House,
s. d.), 1:73; “Epístola aos Romanos”, O Novo Testamento interpretado, 6 vols., ed. Russell Norman Champlin
(São Paulo: Hagnos, reimpressão 1998), 3: 576.
94

homem é uma paixão dolorosa que frequentemente prejudica mais quem a abriga do que

aquele a quem é endereçada. Todavia, nada pode perturbar a paz de Deus.334 (3) No homem

é uma paixão egoísta, pois desponta em quem se sente de algum modo prejudicado. Mas

isso não acorre com Deus, o qual nunca pode ser prejudicado por alguém.335 (4) A ira

humana se volta contra a ofensa, ou o ofensor, ou ambos, e pode resultar em recolhimento e

antagonismo. Há algo assim na ira de Deus. O mal moral lhe é repugnante e extremamente

desagradável em razão de sua natureza santa, e sua indignação pode resultar em seu

abandono do pecador contumaz ou no envio de seus juízos contra ele.336 (5) No homem há

uma tendência natural para a vingança pessoal, o que não ocorre com a ira de Deus. Isso

pode ser percebido no fato de que dificilmente um homem irado consentiria em transferir

sua ira, canalizando-a para uma pessoa perfeitamente inocente; contudo, foi isso o que

Deus fez, quando transferiu para Cristo a responsabilidade por nossos pecados.337

Portanto, a ira de Deus não é como a do homem, não é paixão maligna, não é

fundada no egoísmo, nem tem conotação de vingança pessoal. Ao contrário, é sempre uma

reação contra uma única ação: o mal. Assim, é inteiramente previsível, coerente, constante

e imutável, sempre em harmonia com sua justiça e até o dia final do julgamento temperada

com misericórdia.338

334
Exell, 1:73.
335
Ibid.
336
“Em contraste com a ira humana, a ira de Deus é sempre vista positivamente, não apenas porque é
sempre uma reação ao falso comportamento humano que se manifesta contra a vontade revelada de Yahweh;
como tal ela é coincidente com a santidade, majestade e poder de Yahweh”. Schunck, “‘ebrâ, ‘abar”, TDOT,
10:430.
337
Ibid.; EBTF, ed. 1985, ver “Ira de Deus”. Ver no capítulo 3, a seção que trata de Cristo como
substituto do pecador.
338
Stott, 49-50; Dicionário bíblico Vida Nova, ed. 2000, ver “Ira”; Killen, WBE, ver “Wrath”.
95

A Ira dos Deuses

A ira dos deuses é o fundamento de todas as religiões pagãs, em todas as épocas e

lugares.339 Ela tem sido tão vividamente apresentada à consciência de todos os povos, ao

ponto que cada culto pagão pode ser entendido como um esforço para antecipar-se a ou

suavizar a ira dos deuses. O próprio nome de alguns deles, como é o caso de Fúrias, mostra

que ira é sua natureza.340 Cícero chegou a afirmar que todas as escolas filosóficas têm em

comum o conceito de que a divindade tem liberdade para se enraivecer.341

Segundo a compreensão pagã, a ira dos deuses era direcionada de modo a atingir a

outros deuses ou aos homens e, em ambos os casos, era uma forma de autoafirmação e

protesto.342 Algumas obras da antiguidade contêm muitas informações a respeito das

divindades. Entre elas destacamos Timeu, de Platão, De natura Deorum, de Cícero e

Teogonia, de Hesíodo, que explana a origem e a descendência dos deuses. Um erudito

romano, Marcus Terentius Varro Reatinus, catalogou cerca de 30 mil deuses pagãos.

Todavia, a realidade aponta para um número incalculável.343

No Oriente Médio

Há numerosos textos do Oriente Médio que tratam da ira dos deuses. Parte dessa

literatura pagã seguia uma orientação mitológica, e parte, uma orientação histórica.344 Os

documentos que seguem uma abordagem mitológica evidenciam que havia vários deuses,

339
J. I. Packer, O conhecimento de Deus, 3ª ed., traduzido por Cleide Wolf (São Paulo: Mundo
Cristão, 1987), 163-164; Hahn, “Ira, raiva - Orgē”, DITNT, 2:443.
340
Kleinknecht, 5:385.
341
Ibid., 5:386.
342
Hahn, “Ira, raiva – Orgē”, DITNT, 2:443; Kleinknecht, 5: 385.
343
EBTF, ed. 1985, ver “Deuses falsos”.
344
Herion, 6:991-992.
96

de várias categorias e graus de poder, de temperamento inconstante, cheios de caprichos,

que se rivalizavam, ofendiam e irritavam por qualquer motivo contra os homens,

dificultando-lhes a existência; estes, por sua vez precisavam, periodicamente, negociar com

eles e aplacar-lhes a ira, o que era feito mediante dádivas custosas, em especial o sacrifício

humano.345

A grande maioria desses textos tem seu foco no mundo dos deuses e no

relacionamento que há entre eles. As descrições antropomórficas e da antropopatia tendem

a ser especialmente intensificadas: há deuses que se embriagam até ficarem bêbados, que

são estimulados sexualmente, que ficam amedrontados, surpresos, cheios de alegria ou mal-

humorados e vingativos. Desse modo, as divindades das várias culturas ao redor de Israel

são retratadas como instáveis, arbitrárias, atuando sem propósito e frequentemente ficando

iradas sem nenhuma boa razão. Aparentam ser dotadas de uma paixão maliciosa e

incontrolável que costuma caracterizar uma personalidade implacável.

Examinemos uns poucos exemplos: no mito de Atrahasis, os deuses permitem que

Enlil, o deus da tormenta, destrua a humanidade por meio de um dilúvio, em razão desta

haver se multiplicado tanto que o barulho que fazia não deixava os deuses, especialmente

Enlil, dormir à noite.

Do mesmo modo, no Épico de Gilgamesh, foi Enlil quem ficou muito furioso

quando viu o bote que Utnapishtin fizera para se salvar e percebeu que seus planos haviam

sido frustrados. É bastante comum que nesses textos um deus irado precise ser acalmado

por outros deuses que receiam que essa ira saia do controle. Ainda no Épico de Gilgamesh,

Ishtar – a deusa do amor e da guerra – é apresentada como uma amimada adolescente que,

345
Packer, 163-164.
97

ao ser contrariada por Gilgamesh, muito irada e chorosa, suplica a seu pai Anu que destrua

Gilgamesh, porque ele lançara sobre ela muitos insultos chamando a atenção para o seu

mau comportamento.346

Em acádio há dois vocábulos para ira: agâgu designa uma irritação momentânea e

ezēzu, uma qualidade permanente. Nos hinos sumérios a ira dos deuses aparece algumas

vezes como um entre outros atributos que causavam terror, sendo que esses deuses podiam

estar encolerizados entre si ou enraivecidos contra os homens, por causa dos pecados

destes. Também havia orações próprias para aplacar as divindades.347

Na religião dos hititas, os deuses eram obrigados a castigar os homens quando estes

não cumpriam seus deveres ou quando se rebelavam contra o domínio daqueles. Tal castigo

podia não ocorrer de imediato, podia até mesmo não vir sobre o culpado, mas sim sobre

toda sua descendência.348 Se a desgraça que se abatesse sobre um homem tivesse sua

origem em um deus irado, era necessário primeiro identificar tal divindade e, depois,

descobrir o que lhe oferecer para conseguir seu favor e assim ter a alegria de viver.349

Os deuses egípcios também tinham suas invectivas apaixonadas. A deusa Neith, por

exemplo, promete irar-se e fazer com que o clima entre em colapso se Horus, seu favorito,

346
Herion, 6:991-992.
347
Johnson, “za‘am”, DTAT, 1:374.
348
Louis Delaporte, Los Hititas, La evolucion de la humanidad, vol. 9, traduzido por Luis Perigot
Garcia (México, DF: Union Tipográfica Editorial Hispano-Americana, 1957), 9:205.
349
Ibid., 9:208. Um exemplo disso pode ser visto num episódio envolvendo o rei Mursil. Este, tendo-
se perdido em uma viagem durante a qual enfrentou uma violenta tempestade, decidiu consultar os oráculos.
O primeiro lhe revelou que fora o deus-da-tempestade da cidade de Manuzzija quem estava irado contra ele.
O segundo lhe explicou que aquela divindade poderia ser aplacada por meio do holocausto de algumas aves e
de um novilho carregado com os pecados do rei. Finalmente, o terceiro oráculo lhe disse que a oferenda
deveria ocorrer no templo da cidade de Kummani – ibid. Outro mito dos hititas apresenta o deus Telepinu tão
furioso – talvez por um desentendimento com seu pai – a ponto de não conseguir calçar corretamente seus
sapatos. Como resultado enviou seca e fome sobre a terra. Mais tarde essa ira se intensificou, quando uma
abelha o encontro dormindo e lhe deu uma ferroada para acordá-lo. Herion, 6:991-992.
98

não for escolhido para substituir Osíris. Em outro mito, a sanguinária divindade Sekhmet,

investe contra a humanidade para aniquilá-la, todavia esta é salva pela intervenção de

outros deuses. Também o deus Seth é tão vividamente retratado que veio a ser conhecido

como “o furioso”. Sua ira irracional contra a ordem ideal parece representar todos os

aspectos caóticos do mundo.350

No panteão cananeu havia, por exemplo, Moloque, o deus dos amonitas, também

conhecido como Milcom (1Rs 11:5, 33) e Malcom (Jz 49:1, 3), o qual exigia o sacrifício de

crianças, queimadas em sua honra. Em Israel seu culto era proibido sob pena de morte (Lv

18:21; 20:1-5); todavia, em certos períodos, tanto o povo como seus reis praticaram essa

terrível idolatria (2Rs 17:17; 2Cr 28:3; 33:6) tão veementemente condenada pelos profetas

(Jr 7:29-34; Ez 16:20-22). Escavações feitas na Palestina descobriram restos de esqueletos

calcinados de criancinhas, ao redor dos santuários dessa divindade.351

Também Quemós, a divindade nacional dos moabitas (Nm 21:29), era honrada com

ritos cruéis semelhantes aos oferecidos a Moloque. A fúria dessa divindade está registrada

na Pedra Moabita como a razão para o domínio de Israel sobre aquele povo (Jz 11:24).352

Entretanto, há textos pagãos, orientados historicamente (e não mitologicamente),

que retratam a ira dos deuses como um tipo de pathos (paixão, tristeza353), legitimamente

ocasionada por ofensas humanas contra a justa vontade daqueles deuses. Nesses textos as

transgressões humanas que tendem a provocar uma ira legítima dos deuses são: o desdém

350
Ibid., 6:991.
351
NDBI, ed. 1985, ver “Divinidades paganas”; Merrill F. Unger, Unger’s Bible Dictionary, 3ª ed.
(Chicago: Moody Press, reimpressão 1965), 416.
352
Ibid., 414-415. Quando YHWH, repreendendo a Israel se refere a essas práticas abomináveis,
declara que tais sacrifícios nunca lhe passaram pela mente (Jr 7:31; 19:5; 32:35; Ez 20:31).
353
Ver B. Gärtner, “paschō ”, DITNT, 4:520 e Hermann Haarbeck, Hans–Gerog Link, “lypeô”,
DITNT, 3:26.
99

para com o templo do deus e a violação de um juramento solene,354 mas também a

transgressão de alguma das exigências fundamentais da vida, da moralidade, ou da lei.

Assim, não era uma ira cega, pois visava a colocar limites e a restaurar a ordem.355

Nesses textos orientados historicamente, a ira dos deuses pagãos era mais

semelhante à ira de Deus entre os israelitas, uma ira legítima. Um exemplo é aquele da

Pedra Moabita.356 Tanto na literatura pagã quanto na Bíblia, o desprezo manifestado para

com a divindade e a busca de uma vida independente dela são apresentados como razão

para a ira divina.357 Contudo, enquanto que a ira dos deuses do antigo Oriente Médio

precisava ser, com frequência, restringida pela intervenção de outros deuses, o Deus da

Bíblia é frequentemente retratado como temperando sua ira contra Israel com clemência e

amor (Êx 32:12-14; Is 54:7-8; Os 11:8-9; Mq 7:18), e até como tendo o desejo de restringir

sua própria ira.358

No mundo grego

Um dos vários elementos unificadores das cidades gregas foi a religião, pois ao

menos algumas crenças e ritos eram comuns a todas elas.359 O chefe do Olimpo era Zeus.

Ele e seus irmãos tiraram sortes entre si para dividirem o comando da terra. Desse modo,

Zeus ficou com o domínio do céu, Posseidon com os oceanos e Hades, com as entranhas da

terra. Além desses, havia outros deuses principais, que habitavam o Olimpo – todos

354
Herion, 6:991-992; Hahn, “Ira”, DTNT, 2:357.
355
Ibid., “Ira, raiva – Orgē”, DITNT, 2:443; idem, “Ira”, DTNT, 2: 357; Kleinknecht, 5:385.
356
Herion, 6:992-993.
357
Stählin, 5:423.
358
Herion, 6:995.
359
Will Durant, História da civilização, traduzido por Gulnara de Morais Lobato, 9 vols., 3ª ed. (São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957), 4:225.
100

provavelmente introduzidos na Grécia através das invasões dos aqueanos e dóricos – os

quais sobrepujaram as divindades locais.

Esses deuses olímpicos não eram onipotentes nem oniscientes, antes se imitavam e

mesmo se opunham uns aos outros, sendo que qualquer um deles poderia ser enganado,

inclusive Zeus. Este tinha suas amantes: a primeira foi Dione, a quem depois abandonou;

outra, Metis, foi engolida por ele; e também Temis, Eurinome, Leto e até suas irmãs

Demeter e Hera, esta última muito briguenta.360 Posseidon – que comandava os oceanos, os

rios e as fontes de águas – era muito temido e a ele os navegantes gregos erguiam preces e

erigiam templos nos promontórios perigosos com a intenção de aplacar sua ira. Até as

nações desprovidas de mares o adoravam.361

Além dos deuses do Olimpo, comandados por Zeus, havia as divindades locais que

não seguiam a orientação dele e cujos cultos eram mais intensos.362 Os mais terríveis

deuses habitavam as entranhas da terra. Hecate, por exemplo, um espírito mau, terrível e

assombroso, saía da terra e espalhava a desgraça por toda parte onde incidia seu olhar.363

Na Grécia antiga, todos os objetos e forças que havia na terra e no céu, todas as

bênçãos e todos os terrores, bem como todas as qualidades do homem, eram personificados

nos deuses, em geral de forma humana, de modo que nenhuma outra religião foi tão

antropomórfica quanto a grega. Além disso, todo ofício, profissão ou arte possuía um deus

360
Ibid., 4:232-234.
361
Ibid., 4:239.
362
Ibid., 4:225.
363
Ibid., 4:230-231.
101

como patrono. E ainda havia demônios, harpias, fúrias, fadas, monstros, sereias e ninfas –

tão numerosos quanto os homens.364

Às vezes, em ocasião de grande necessidade, havia sacrifícios humanos. Assim,

Agamenon imolou sua filha Ifigênia em troca de um vento favorável que lhe movesse as

naus; Aquiles queimou 12 rapazes troianos em uma pira fúnebre; vítimas humanas foram

ofertadas a Dionísio e outras lançadas do alto dos penhascos de Chipre e Leucas para saciar

Apolo; e os espartanos celebraram os festejos de Artemis Ortia reunindo meninos em seu

altar e chibatando-os até a morte.365 Entretanto, com o correr do tempo, os ritos e mitos

mais selvagens foram desaparecendo e houve um governo divino mais organizado, o que

nada mais era do que um reflexo do desenvolvimento da estabilidade política da região.366

Inicialmente a ira dos deuses não era abordada mediante o uso de orgê, que não é

uma palavra homérica, mas cholos (cólera), kotos (rancor), mēnis (ira) e seus verbos

associados. Esta última era uma palavra utilizada quase que exclusivamente na esfera sacra.

Apenas na literatura de tragédia passou-se a usar orgē para a ira dos deuses. Mais tarde,

orgē adquiriu uma conotação negativa e foi tida como uma paixão inapropriada aos homens

e aos deuses.367

No mundo romano

Percebe-se também nos grandes historiadores romanos como Tácito e Tito Lívio

que a forma de pensamento cúltico e religioso adquire uma significância histórica que

364
Ibid., 4:226.
365
Ibid., 4:249.
366
Ibid., 4:233.
367
Hahn, “Ira, raiva – Orgē ”, DITNT, 2:444. Para uma discussão sobre a ira dos deuses no mundo
grego, ver Kleinknecht, 5:385-389.
102

nunca havia tido para os gregos. Assim, entre os romanos já havia a idéia de que a ira da

divindade cai especificamente sobre os ímpios, aqueles que desrespeitam os deuses. Para

eles, a estabilidade do estado e do governo residia essencialmente sobre a religião, de modo

que os eventos desastrosos que ocorriam na vida política e histórica – tais como dissensões

internas, lutas de classes, guerra civil e rebelião, além das doenças e dores ao homem

particular – eram vistos como relacionados à ira dos deuses, motivada especialmente pela

culpa religiosa e a negligência às cerimônias.368 Entretanto, eles também apresentam a

possibilidade de se contrabalançar tal ira, e mesmo promover a reconciliação, através de

ações cúlticas tais como orações, votos, sacrifícios e ritos de expiação.369

No pensamento pagão, os deuses com freqüência se iravam contra os homens, mas

esta ira podia ser aplacada e a boa vontade deles assegurada por iniciativa do ofensor, que

ofertava um sacrifício conciliatório. Entretanto, no AT o procedimento é outro, pois a

conciliação é realizada pelo próprio Deus e não pelo transgressor.370 Além disso, a ira de

Deus não é caprichosa nem possui aquelas qualidades antiéticas tão comuns nos relatos da

ira dos deuses pagãos.371 Também é relevante que o NT, ao tratar da ira de Deus, seguindo

a LXX, não emprega as palavras gregas utilizadas para descrever a ira dos deuses – cholos

(cólera), kotos (rancor) e mēnis (ira) e seus verbos associados – mas apenas orgē e

368
Ibid., 5:389-391; Hahn, “Ira”, DTNT, 2:357-358; idem, “Ira, raiva – Orgē”, DITNT, 2:443.
369
Ibid. Para uma discussão sobre a ira dos deuses no mundo romano, ver Kleinknecht, 5:389-391 e
Hahn, “Ira”, DTNT, 2:357.
370
Ladd, Teologia do Novo Testamento, 398.
371
Evans, 5:3113.
103

thumos.372 Desse modo, o conceito da ira de Deus, que é comum em Paulo, deriva da

apocalíptica judaica do AT e não da tradição grega.373

Resumo e Conclusões

Ao discorrer sobre o significado da ira divina, este capítulo iniciou com uma

discussão linguística que abarcou o emprego de expressões antropomórficas e da

antropopatia nas descrições das características de Deus, ambas revelando que a ira é sua

aversão ao pecado, contra o qual trava um combate sem tréguas. Na sequência, foram

analisados os vocábulos hebraicos e gregos que os escritores bíblicos empregaram para

retratar a ira de Deus.

No AT vários deles possuem um caráter figurado: chârôn e chêmâh designam o

ardor, a excitação, o fogo interno da emoção do ódio; ’aph (literalmente “nariz”) e rûah

(alento) reproduzem o efeito da ira sobre a respiração e seus órgãos; ‘ebhrah, za‘am,

za‘aph, transmitem a idéia de “espumar” ou “ferver” e qetseph, a de quebrar alguma coisa

sob pressão. Portanto, a ira de Deus é descrita como uma paixão violenta que, pelo menos

em algumas circunstâncias, necessita ser descarregada para acalmar-se (Ez 5:13; 6:12; 7:8;

13:15; 16:42; 24:13).374

Já no NT são utilizadas apenas duas palavras, orgē e thumos, e não há diferença

muito significativa entre elas, sendo que ambas são empregadas para traduzir as várias

372
Kleinknecht, 5:385-386; Grether e Fichtner, “Orgē: The Wrath of God in the LXX”, TDNT,
5:410; Hahn, “Ira”, DTNT, 2:357.
373
Ernst Kasemann, Commentary on Romans, traduzido por Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids,
MI: Eerdmans, reimpressão 1990), 37.
374
DB, ver “Ira” e “Ira de Dios”; Eichrodt, 1:58-59. Na literatura judaica pós-canônica, tanto na
dispersão como na Palestina, o pensamento sobre a ira de Deus continuou na mesma linha encontrada no AT.
Sjöberg e Stählin, “Orgē: The Wrath of God in Later Judaism Fichtner”, TDNT, 5:412. Também é muito
comum na literatura rabínica, não havendo ali qualquer traço de aversão à ideia. Ibid., 5:416.
104

palavras do AT para ira.375 Também não há nenhuma distinção precisa entre a ira como

uma emoção divina e sua expressão, seja esta por meio de palavras – de ameaça e de

maldição – ou de ações mais concretas.376

O estudo também avaliou a relação entre a ira e os outros atributos morais de Deus,

de maneira especial a santidade, a justiça e o amor em suas várias formas. Assim, em

relação à santidade, foi visto que em Deus há perfeição moral e espiritual e que ele

demanda de todos os seres morais uma pureza que corresponda a sua, de modo que sua ira é

apresentada como uma das perfeições divinas, expressão justa e natural de sua santidade

como reação contra o pecado.

Com respeito à justiça de Deus, foi demonstrado que toda punição do pecado é

considerada como justa intervenção da ira de Deus contra aqueles que não se conformam

com sua santidade. Todavia, porque isso não acontece como um princípio de efeito

automático, há a impressão de que o governo divino não é justo. Para se evitar essa ideia,

faz-se necessário que a justiça divina seja vista também como escatológica e no escopo da

eternidade. Então, quando o plano de salvação se concretizar, essa justiça será vista como

perfeita e Deus, considerado justo por todo o universo, tanto pelos que serão salvos quanto

pelos que se perderão.

As considerações sobre o amor de Deus demonstraram que este não é simplesmente

um sentimento ou emoção, mas um amor racional e voluntário que se baseia numa escolha

deliberada, onde o componente emocional se encontra subordinado à verdade e santidade.

Embora Deus ame suas criaturas de muitas formas (misericórdia, graça, bondade,

375
Büchsel, 3:168.
376
Wiklander, 4:110.
105

longanimidade), também espera que elas correspondam ao seu amor. Este amor de Deus

não pode apenas ignorar as ofensas do pecado, caso contrário não passará de mero

sentimentalismo. Para ser compreendido, necessita incluir os aspectos da justiça e da

santidade que se opõem ao mal em todas as suas formas e àqueles que o rejeitam.

Sendo assim, a ira de Deus, além de ser a mais verdadeira expressão de sua

santidade e justiça punitiva contra o pecado, é também a reação do seu amor desprezado ou

abusado. Em realidade, as evidências bíblicas apontam para o fato de que sua ira não é

incompatível com seu amor e que tais atributos coexistem em sua personalidade e que,

além disso, Deus experimenta simultaneamente, para com o pecador, tanto a ira quanto o

amor: a ira, por causa da falta de santidade nele, e o amor, em razão de sua necessidade.

A comparação da ira de Deus tanto com a ira humana quanto com a ira dos deuses

da mitologia pagã, demonstrou que a ira divina não inclui muitos dos aspectos negativos

tão comuns a estas. Antes, é sempre seu desprazer e reação contra o mal, inteiramente

previsível, coerente, constante e imutável, em perfeita harmonia com sua justiça e

santidade, e até o dia final do julgamento, temperada com misericórdia, que busca de uma

maneira adequada, preservar a ordem e promover a paz.

Pesquisas feitas no Oriente Médio descobriram que embora haja textos de

orientação mitológica, que apontam para a ira dos deuses como um tipo de paixão

maliciosa e temperamental, que frequentemente caracteriza uma personalidade insensível,

há outros, de cunho histórico, que retratam a ira dos deuses como um sentimento

admissível, ocasionado por ofensas humanas que violavam alguma das exigências

fundamentais da vida, da moralidade, ou da lei, e que visava, deste modo, a coibir excessos

e a restaurar a ordem.
106

A história da Grécia revela que todos os objetos e forças que havia na terra e no céu,

todas as bênçãos e todos os terrores, bem como todas as qualidades do homem, eram

personificadas nos deuses. E ainda havia demônios, harpias, fúrias, fadas, monstros, sereias

e ninfas – tão numerosos quanto os homens. Nenhum deles era onipotente nem onisciente,

antes rivalizavam entre si e, por vezes, voltavam-se contra os homens. Com a intenção de

aplacar sua ira, erigiam-se templos, faziam-se preces e oferceciam-se sacrifícios, inclusive

humanos. Entretanto, com a passagem do tempo e o desenvolvimento da estabilidade

política da região, essas cerimônias mais selvagens foram desaparecendo.

Também entre os romanos já havia a crença tanto de que a estabilidade social e

individual repousava sobre a religião – de modo que todos os eventos desastrosos eram

resultados direto da ira dos deuses – como de que era possível abrandar essa ira através de

orações, votos e sacrifícios conciliatórios. Em contrapartida, embora seja um fato que o

Deus da Bíblia, por um lado, também se ira contra aqueles que transgridem suas leis e

busca manter a ordem do universo aplicando o devido castigo, por outro, ele é retratado

como mesclando sua ira com compaixão e amor e mesmo tendo a iniciativa de restringi-la e

de promover a reconciliação.

O capítulo a seguir expoem a realidade da ira de Deus no mundo dos homens: o que

a desperta, como acontece e seus resultados, bem como a forma como ela cumpre os

propósitos de Deus e beneficia o universo.


CAPÍTULO II

A REALIDADE DA IRA DE DEUS

Uma simples leitura das Sagradas Escrituras é suficiente para se constatar a

contínua presença da ira de Deus no mundo dos homens. Por vezes, ele abandona os

homens que teimosamente recusam seu auxílio, retirando deles sua mão restritiva e

protetora, e permite que sofram as consequências naturais de seus pecados. Em outras

ocasiões, ele lhes envia a punição que seus pecados merecem, tanto no decorrer de sua vida

como no juízo final.

Os registros bíblicos demonstram que ao enviar seus justos juízos sobre os homens

Deus faz uso de variados instrumentos, tais como anjos, homens, forças da natureza,

pragas, doenças e acidentes. As manifestações de sua ira possuem dois aspectos, um

histórico e outro escatológico. Desse modo, embora no presente ela esteja sendo revelada

na experiência daqueles que se distanciam da verdade de Deus, ainda resta uma

manifestação futura e final que ocorrerá na vinda do Senhor e no juízo final. Todavia, as

Escrituras também enfatizam que o escape da ira divina é possível e que foi o próprio Deus

que, em seu amor, o proveu em Cristo, e que o mesmo se encontra disponível a todo aquele

que nele crer e a ele se submeter.

A Ira de Deus no Antigo Testamento

O texto do AT está repleto de informações a respeito da ira divina. Patriarcas, reis e

profetas a descreveram. Uma análise de suas narrativas e profecias torna evidente o que a

107
108

causava, quais seus efeitos sobre aqueles que a recebiam e o tempo em que ela se

manifestava.

As Causas da Ira de Deus

Ao se considerar o tema da ira de Deus, no AT, percebe-se que há basicamente duas

causas. Na maioria das ocorrências ela é causada por ações humanas que violam a aliança,

mas também pela desumanidade do homem para com os semelhantes.

A quebra da aliança

Escavações arqueológicas realizadas no Oriente Médio descobriram documentos, na

forma de tabletes, de culturas vizinhas ao antigo Israel, os quais revelam que eram comuns

dois tipos principais de tratados internacionais. Um deles ocorria entre partes iguais, com

obrigações idênticas de ambas as partes;1 o outro, era feito entre um superior e um inferior,2

como o que acontecia entre um suserano e seu vassalo.3

Os tratados hititas – feitos com uma nação inferior – continham, entre outros itens,

um prólogo histórico que relembrava o relacionamento já ocorrido entre as partes,

destacando a bondade manifestada pelo superior para com o inferior, dando assim motivo

para este ser grato e obediente aquele. Outros tratados, feitos entre um suserano e seu

1
Abraão realizou alguns tratados deste tipo. Em certa ocasião com uma família de amorreus (Gn
14:13) e, posteriormente, com Abimeleque, rei de Gerar (Gn 20:1-2, 21:22-34).
2
No período da conquista de Canaã há um incidente que ilustra este tipo de tratado: a aliança de
Israel com os gibeonitas, segundo a qual, estes serviriam àquele e gozariam de sua proteção (ver Js 9).
3
As narrativas bíblicas trazem exemplos de violação desses tratados por meio de rebelião de uma
nação contra seu suserano ou contra um poder dominante: o norte de Israel contra a casa de Davi (1 Rs 12:19;
2Cr10:19); Moabe contra Israel (2 Rs 1:1; 3:5, 7); Edom contra Judá (2 Rs 8:20, 22; 2Cr 21:8, 10); Judá
contra Babilônia (Ez 21:29). Reinaldo W. Siqueira, “The Presence of the Covenant in Amos 1:2 – 2:16”,
dissertation de PhD., Seventh-day Adventist Theological Seminary, Andrews University, May 1996, 228.
109

vassalo, também continham um procedimento básico que indicava a penalidade que

ocorreria se a parte inferior se negasse a cumprir o que fora estipulado pela parte superior.

Enfim, fazer uma aliança foi o modo encontrado pelo mundo antigo para formar

relacionamentos mais amplos que garantissem uma maior segurança, e todo este

procedimento proveu o contexto cultural em que a aliança entre Deus e Israel foi

formulada. Tal aliança, feita no Sinai – embora fosse singular no sentido de que não

ocorreu com nenhuma outra nação e colocasse Israel num relacionamento especial com

Deus – corresponde ao padrão deste tipo de tratado.4 Ela ocorrera por iniciativa divina

como um ato de graça soberana (ver Dt 4:13, 23, 32-40; 29:13) com um povo que ele

mesmo redimira (Dt 26: 13:5; 21:8) e estipulava, por um lado, que Deus adotara Israel

como seu povo e que por isso o protegeria e abençoaria ricamente e, por outro, que Israel

lhe seria santo (Lv 19:2; 11:44; 20:7, 26) e obediente (ver Êx 20-24). Se cumprissem com

sua parte gozariam do favor e das bênçãos de Deus (Dt 7:12-24; 28:1-13), mas se falhassem

receberiam as maldições (Dt 28:15-68) e a ira de Deus (Dt 6:10-19).

Além disso, é teologicamente significativo que, no AT, sempre que um termo para

ira se refere a Deus, o nome divino empregado é Yahweh, o Deus da aliança (Êx 32:1-10;

Dt 11:16-17; 2Re 24:2), demonstrando assim a íntima associação entre a ira de Deus e a

4
R. K. Harrison, Jeremias e Lamentações: Introdução e comentário (São Paulo: Vida Nova e
Mundo Cristão, 1980), 20-22. Ver também William S.Lasor, David A. Hubbard e Frederic W. Bush,
Introdução ao Antigo Testamento, traduzido por Lucy Yamakami (São Paulo: Vida Nova, reimpressão 1999),
78-82; Elmer B. Smick, “brh”, Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, organizado por R.
Laird Harris, traduzido por Márcio Loureiro Redondo e outros (São Paulo: Vida Nova, 1998), 215. Alguns
especialistas, como é o caso de Eichrodt declaram que o conceito da aliança é o tema central e unificador do
AT, ver Walter Eichrodt, Theology of the Old Testament, 2 vols., traduzido por John A. Baker, The Old
Testament Library (Philadelphia: The Westminster Press, 1967), 1. Para um estudo detalhado do tema da
aliança ver Dennis J. McCarthy, Old Testament Covenant: a Survey of Current Opinions (Oxford: Basil
Blackwell, 1972); Paul Kalluveettil, Declaration and Covenant (Roma: Biblical Institute Press, 1982); Hans
K. LaRondelle, Our Creator Redeemer: An introduction to Biblical Covenant Theology (Berrien Springs, MI:
Andrews University Press, 2005).
110

histórica aliança de fé de Israel (Am 3:2).5 Portanto, é nesse contexto da teologia da aliança

que a ira de Deus no AT deve ser compreendida.

Isto implica duas verdades: (1) qualquer violação da lei dentro da nação, de modo

coletivo ou individual (Dt 29:27; Jz 2:20; Js 23:16; Ed 9:14), provocava a ira de Deus (Ez

5:13; Os 5:10; Is 9:8-10),6 especialmente quando seu povo seguia após outros deuses (Êx

32; Nm 25; Dt 2:15; 4:25; Js 2:14; 1Re 11:9; etc.); e (2) quando alguma outra nação

oprimia Israel, incorria na ira de Deus (Is 10:5-27; Jr 50:11-17; Ez 36:5-6).7 De fato, no

AT, a mais importante razão para a manifestação da ira de Deus era a quebra da aliança

entre Deus e seu povo, a falha em cumprir as obrigações desta aliança (Dt 29:28; 2Re

22:13; 2Cr 34:1; Ez 20:13, 21).8 Como regra, a ira de Deus era uma reação à ingratidão e

5
B. T. Dahlberg, “Wrath of God”, The Interpreter’s Dictionary of the Bible, ed. George Arthur
Buttrick (Nashville, TN: Abington Press, 1962), 4:906; Lund Elsie Johnson, “’anaph, ’aph (za‘am, za‘aph,
chemah, charah, ‘abhar, qatsaph, raghaz): Words for ‘Anger’ in the O. T.”, Theological Dictionary of the
Old Testament, 14 vols. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1983), 1:357.
6
Em primeira instância a ira de Deus é dirigida contra o próprio Israel, aqueles que em face da
aliança feita no Sinai conheciam sua majestade (Êx 19) e, por isso, podiam infringí-la. Ela teve um papel
importante na história da peregrinação do deserto e no período da conquista de Canaã ao exílio (1Sm 6:19;
15; 28:18; 2Sm 6:7; 24:1) o qual é retratado completamente do ponto de vista da contínua provocação da ira
de Deus. Algo semelhante também se encontra nas Crônicas e nos Salmos. Além disso, especialmente no
período inicial, a solidariedade coletiva do indivíduo com a totalidade do povo é evidente. A ira de Deus era
dirigida contra o indivíduo em sua específica função dentro do povo de Deus. B. J. Fichtner, “Orgē: The
Wrath of God in the LXX”, Theological Dictionary of the New Testament, traduzido por Geoffrey W.
Bromiley (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1984), 5:398. Ver também Maximiliano Garcia Cordero
O. P., Teología de la Biblia, Biblioteca de Autores Cristianos (Madrid: La Editorial Catolica, 1970), 1:275.
7
Johnson, 1:357; Randolp V. G. Tasker, The Biblical Doctrine of the Wrath of God ( Londres: The
Tyndale Press, 1951), 19-26; Jack MacArthur, Expositional Commentary on Revelation (Eugene, Oregon:
Certain Sound Publishing House, 1973), 306; Joseph A. Fitzmyer, “Carta a los Romanos”, Comentario
biblico San Jerônimo, traduzido por Alfonso de la Fuente Adanez e outros (Madrid: Ediciones Cristiandad,
reimpressão 1986), 4:113; Allan Richardson, An introduction to the Theology of the New Testament (New
York / Evanston / London: Harper & Row, 1958), 75. Estas duas últimas obras, embora tratem de textos do
NT, o fazem a partir do AT, no qual aqueles estão enraizados.
8
K.-D. Schunck, “chemah”, TDOT, 4:464; Elsie Johnson, “Ira”, Diccionario teológico manual del
Antiguo Testamento, traduzido por Rufino Godoy (Madrid: Ediciones Cristiandad, 1985), 2:380; Claus
Westermann, Fundamentos da teología do Antigo Testamento, traduzido por Frederico Battler (São Paulo:
Academia Cristã, 2005), 138; H.- Chr. Hahn, “Ira”, Diccionario teológico del Nuevo Testamento, ed. Mario
Sala e Aracely Herrera, traduzido por Manuel Balash e outros, 2ª ed. (Salamanca: Ediciones Sigueme, 1980),
2:358; Eichrodt, 1:259-260; Williams Evans, “Wrath”, The International Standart Bible Encyclopedia, ed.
James Orr (Wilmington, DE: Associated Publishers and Authors, 1915), 5:1135. Para os escritores bíblicos
111

incredulidade de Israel, que não fora fiel à aliança e, portanto, Deus, que queria manifestar

amor ao seu povo (Os 1:9), aparecia como um Deus irado (Mq 7:9; Ed 8:22).9

A ira de Deus foi o tema central dos profetas que viveram antes do exílio, embora

nem todos usassem o termo ira. Eles combatiam o falso senso de segurança que o povo

tinha contra a ira e o julgamento, com destaque para Jeremias e Ezequiel. Esses profetas

nunca cessaram de anunciar o que Deus fez por Israel com sua eleição e guia (Am 2:9-11;

3:2; Os 11:3-10; Is 1:2), e este é o pano de fundo contra o qual eles trazem sua mensagem

da ira de Deus. Seja referindo-se ao culto sincretista (Is 1:10-17; Jr 6:20; Os 6:6; Am 5:21-

27) ou à injustiça social (Is 1:15-17; Js 5:28; Am 5:7, 10-12; Mq 3:1), à política que trata de

armamentos e alianças (Is 30: 1-5; Jr 2:35-37; Ez 16:26), ou mesmo à adoração de outros

deuses, a questão era que o povo tinha abandonado seu Deus e desprezado seu amor,

quebrado a aliança, e por isso, merecia a ira divina. Esta é a mais profunda raiz do conceito

de ira, e nesta luz podemos compreender a esmagadora força da mensagem. É o amor

ferido de Deus que desperta sua ira. Vem como resultado da quebra da relação de aliança.

O Senhor sente-se enciumado e zeloso por causa da atitude de Israel, sua esposa, e isto

encontra expressão na ira (Dt 32:20; Sl 78:58; 79:5; Ez 16; 23).10

Todavia, a mesma expressão também denota o zelo de Deus por seu povo quando

Israel é ameaçado por outras nações e ele se posiciona como um amante esposo para

pecado era a infidelidade à aliança. A. R. Crabtree, Teologia do Velho Testamento (Rio de Janeiro: Casa
Publicadora Batista, 1960), 151.
9
Johnson, 1:360; D. N. Freedman e J. R. Lundbom, “‘chârâ, chârôn, chorî”, TDOT, 5:174.
10
Johnson, “Ira”, DTMAT, 2:382; idem, “’anaph, ’aph (za‘am, za‘aph, chemah, charah, ‘abhar,
qatsaph, raghaz): Words for ‘Anger’ in the O. T.”, TDOT, 1:357; Fichtner, “Orgē: The Wrath of God in the
LXX”, TDNT, 5:398, 403 (ver também 407- 408); Hahn, 2:358; H. C. Hahn, “Ira, raiva – Orgē”, Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento, traduzido por Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1985),
2:445; William M. Greathouse, “Romans”, Beacon Bible Commentary (Kansas City, Missouri: Beacon Hill
Press of Kansas City, 1968), 8:50; Cordero, 1:275. A ira de Deus é um aspecto particular do zelo divino, que é
um amor exclusivo quando Israel é fiel, mas se transforma em ira quando esse povo despreza seu amor. Ibid.,
1:277.
112

destruir estas nações e salvar seu povo (Is 42:13; 59:17-18; 63:15; Zc 1:14-21; 8:2-15; Na

1:2).11 As profecias que se referiam aos tempos posteriores ao cativeiro e que tratam da ira

de Deus, apresentam-na como endereçada contra as nações, em razão do mal que

intentaram fazer contra Israel (Ob 1-15; Jr 10:25).12

A desumanidade

Uma análise de todas as perícopes que tratam da ira divina no AT revelou que ela

nunca é retratada como atuando no mundo sem uma de duas justificativas: ou rebelião

contra a pessoa de Deus – na forma de orgulho, sincretismo ou idolatria – ou falha de

comportamento em relação aos semelhantes,13 o que é válido tanto para Israel como para as

demais nações. Nos numerosos oráculos pronunciados pelos profetas contra as nações se

percebe os desdobramentos desses motivos, que são: arrogância e orgulho (Is 2:12-17;

10:13-16; 13:11; 14:13; 16:6; 47:8, 10; Jr 48:29-30, 42; 49:16; 50:29, 31-32; Ez 28:2;

30:10, 18; 31:10-11, 14; Ob 3; Zc 9:6); idolatria (Is 2:18-21; 17:8; 19:1-3; 20:9; Jr 48:7, 13,

35; 49:3; 50:2; 51:17, 47; Ez 30:13; Na 1:14; Hc 2:18-19; Zc 9:7); feitiçarias e
11
Ibid., 1:274-275; Fichtner, 5:403-404. Em contraste com os deuses das nações, o Deus de Israel é
único, não tolerando ao seu lado nenhuma divindade e requerendo um culto absolutamente exclusivo. Por isso
ele diz: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20:3) e se apresenta como “Deus zeloso” (Êx 20:5).
Esse zelo está vinculado à sua santidade (Js 24:19) e tem como consequência a manifestação de sua ira (Nm
25:11; Dt 4:24; 5:9; 6:15; 32:16, 21; 1 Rs 14:22; Sl 78:58; Ez 18:42). Ele se comprometeu por meio de
promessas com seu povo e precisa mostrar-se zeloso em cumpri-las, a fim de salvaguardar seu santo nome
(Ez 38:19). Quando a santidade deste nome foi profanada entre as nações por causa de seu povo, Deus se
dispôs a agir para inverter a situação (Ez 36:23). Seu zelo, como esposo de Israel, se manifesta tanto quando
seu povo é infiel à aliança como quando as nações se voltam contra Israel. Mas este zelo, que se identifica
com sua ira, tem uma finalidade de salvação para Israel, para que volte a relacionar-se bem com Deus, sendo,
então, também, uma expressão de seu amor para com seu povo escolhido (2 Rs 19:31; Is 9:9; 26:11; 37:32; Ez
36:5-15; Jl 2:18; Zc 1:14; 8:2). Cordero, 1:272-274.
12
Johnson, “’anaph, ’aph (za‘am, za‘aph, chemah, charah, ‘abhar, qatsaph, raghaz): Words for
‘Anger’ in the O. T.”, TDOT, 1:357-358. Para uma compreensão mais ampla dos aspectos envolvidos na
aliança, ver George E. Mendenhall e Gary A. Herion, “Covenant”, The Anchor Bible Dictionary, ed. David
Noel Freedman (New York: Doubleday Anchor Books, 1992), 1:1179-1202.
13
Bruce Edward Baloian, Anger in the Old Testament, América University Studies, Series VII,
Theology and Religion, v. 99 (New York: Peter Lang, 1992), 157; idem, “Anger”, New International
Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis, 5 vols. (Carlisle, U. K.: Paternoster Press, 1997), 4:381.
Ver também Siqueira, 240.
113

encantamentos (Is 47:9-15; Na 3:4); maldade (Is 13:11; 47:10; Jr 51:6, 24; Na 1:11);

iniquidade (Is 13:11); confiança nas riquezas (Jr 48:7; 49:4; 51:13; Ez 28:4-5); injustiça no

comércio (Ez 28:18); inimizade contra Israel (Ez 25:3-7, 12-14; 35:5-6, 11-15; Jl 3:2-8; Am

1:11, 13; Ob 10-14; Sf 2:8); e furor incessante, violência excessiva, no relacionamento com

outros povos (Is 14:6; 16:6; 47:6; Jr 51:35; Ez 25:15-16; 28:16; Am 1:3, 6, 9; 2:1; Na 3:1;

Hc 2:8, 17).

As perícopes que tratam da ira de Deus contra as nações estrangeiras apresentam a

crueldade humana que havia em seus habitantes como o principal fator a atraí-la e

demonstram que os não israelitas são julgados com base em seu conhecimento e que,

mesmo assim, podem ser responsabilizados.14 Quanto a isso, é significativa a profecia de

Amós. Embora fosse destinada a Israel (Am 1:1), e com brevidade mencionasse a Judá

(Am 2:4-5), primeiramente pronuncia julgamento sobre as nações que estavam à sua volta:

Síria, Filístia, Fenícia, Edom, Amom e Moabe (1:3-2:3). Em Am 1 e 2 as nações são

condenadas por crimes contra a humanidade.15 Enquanto que Israel e Judá seriam

castigados por pecarem contra a vontade revelada de Deus, as outras nações seriam punidas

porque agiram em desacordo com a luz natural que possuem todos os homens,16

transgrediram princípios universais de moralidade e justiça, os quais estavam escritos na

consciência de todas as pessoas sendo parte da moralidade universal da espécie humana17 e

14
Baloian, NIDOTTE, 4:381.
15
Lasor, 323.
16
Baloian, Anger in the Old Testament, 176.
17
Siqueira, 232-233; Antonio Bonora, Amós, o profeta da justiça, 2ª ed. (São Paulo: Paulinas, 1983),
61-62; Charles L. Feinberg, Os profetas menores (Miami: Vida, 1988), 88; Warren W. Wiersbe, “Amós”,
Comentário bíblico expositivo, 6 vols. (Santo André: Geográfica Editora, 2006), 4:430.
114

que foram desde o início comunicados através da divina Palavra, explicitamente

ordenados.18

Deus as reprova não por fazerem guerra, nem mesmo por negociarem escravos, mas

por sua excessiva crueldade para com as populações que elas haviam conquistado. Ele

condena a destruição furiosa e a paixão para humilhar, a supressão de toda esperança para o

futuro do país ocupado por suas tropas, a eliminação completa dos adversários.19 Mesmo

aquelas nações que foram usadas por Deus para punir o seu povo rebelde, sofrerão sua ira

em razão de seus excessos em sua missão de castigar.20

Os pecados denunciados são atos de desumanidade (para com qualquer ser humano

e não apenas contra um israelita), considerados perversos segundo os padrões daqueles

dias; são os mesmos crimes que levaram Deus a destruir os antediluvianos (Gn 6-7), os

habitantes de Sodoma e Gomorra (Gn 19) e os cananitas (Lv 18 e 20);21 são também

pecados contra Deus.22 As expressões da ira divina contra aqueles que os praticam mostram

o amor de Deus para com os seres humanos e seu interesse em que haja justiça em toda a

terra.23

Como outros profetas, Amós afirma que Deus controla os destinos das nações,

estabelecendo (6:14) e pondo abaixo (2:9), como lhe apraz. Mas Deus não apenas as

18
Siqueira, 247.
19
R. Martin-Achard, A Commentary on the Book of Amos, International Theological Commentary,
eds. George A. F. knight e F. C. Holmgren (Edinburg: The Handsel Press LTD e Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1994), 25; Cordero, 1:280. Ver também Siqueira, 237. A expressão “por três transgressões... e por
quatro” (Am 1:6, 9, 13; 2:1, 4, 6), ou fórmula “X, X + 1,” é encontrada em qualquer lugar do AT e na
literatura do Oriente Médio. Aqui indica que as nações tinham pecado “suficiente e mais do que suficiente”
para garantir o juízo de Deus. Lasor, 323.
20
Cordero, 1:280.
21
Siqueira, 242.
22
Lasor, 326; Crabtree, 152.
23
Baloian, Anger in the Old Testament, 157, 176.
115

restringe, ele atua como seu juiz quando elas transgridem seus princípios morais.24 Amós

declara que Deus tem o direito de julgar a todos por duas razões básicas: ele é o criador de

todos (Am 4:13; 5:8-9; 9:5-6) e o soberano que domina sobre todos (Am 2:9-10; 3:1-2;

4:11; 6:14; 9:7-10).25 Parece que sua visão tem como base o texto de Gn 1-11, onde Deus é

apontado como criador, soberano e legislador. Ali é patenteado que desde o início Deus deu

mandamentos que regulam a relação dos homens: com Deus (submissão e obediência – Gn

1:28-30; 2:16-17; 3:11, 16-19; 4:3-7; 6:13-7:9; 8:15-18; 9:1-17), com seus semelhantes

(igualdade, respeito pelo homem e sua esposa, relações sexuais e casamento – Gn 1:26-28;

2:18, 20-24; 3:16; 4:7, 9-15; 5:1-2; 9:5-7, 18-10:32), e com o mundo criado (governo,

trabalho, alimento – Gn 1:26-29; 2:15-16, 19-20; 3:17-19, 23; 9:1-5, 7); e também que a

transgressão dessas leis estabelecidas trazia juízo divino sobre os violadores (Gn 3:16-19;

4:10-12; 6:5-7, 11-13, 17; 7:4, 10-24; 11:5-9).

Portanto, em razão de tudo isso, Deus tem todo o direito de impor suas regras,

requerer obediência e punir sua transgressão.26 Além disso, a resposta da ira de Deus à

crueldade humana é necessária para salvar a humanidade de si mesma, ajudar a manter a

ordem e dar esperança e significado para os que são oprimidos; e em razão de haver algo

em nossa natureza profundamente psicológica que clama por justiça, necessitamos tê-la

para manter uma existência mental saudável e racional no mundo.27

24
R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão
1991), 894.
25
Siqueira, 238-239.
26
Ibid., 246.
27
Baloian, Anger in the Old Testament, 176.
116

Os Efeitos da Ira de Deus

A ira de Deus frequentemente se exprime por meio de punições.28 Essas expressam

a reação da natureza divina em face do mal, a indignação judicial da pureza contra a

impureza e, por isso, não são vingativas, mas vindicativas, destituídas de toda paixão ou

capricho.29 As declarações de que Deus estava irado eram um indicativo de que a punição

estava a caminho (Is 10:4). Portanto, “estar irado” pode ser sinônimo de “destruir” (Ez

9:14). Quando a ira de Deus é provocada, segue-se com frequência o extermínio ou a

destruição (Êx 32:10; Dt 6:15; 7:4; Js 23:16).30

De um modo geral, pode ser dito que a punição divina tem como propósito

beneficiar o próprio Deus, o transgressor e a sociedade. O propósito mais importante é a

vindicação da santidade e justiça de Deus (Jó 34:10-11). Nesse caso, sua lei é satisfeita e a

punição ocorre para o bem dele que está punindo.31 Outro objetivo da punição é disciplinar

o pecador, corrigi-lo e recuperá-lo do mal e do pecado que ele tinha cometido. Sendo assim,

o próprio pecador é beneficiado.32 Esta finalidade da punição é com frequência mencionada

na Bíblia (Lv 26:23). Algumas vezes era alcançada em certa medida (Sl 78:32-35), mas em

outras, não (Is 1:5).33 Finalmente, também objetiva dissuadir os homens de pecar, servindo

de advertência para que outros, especialmente aqueles que tenham a mesma disposição

28
John Owen, The Works of John Owen, 2a. ed., ed. William H. Goold (Edinburg / Carlisle,
Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1976), 12: 433-434; Louis Berkhof, Teologia sistemática, 2ª ed.,
traduzido por Odair Olivetti (Campinas: Luz para o Caminho Publicações, 1992), 78.
29
Augustus H. Strong, Teologia sistemática, traduzido por Augusto Victorino (São Paulo: Teológica,
2002), 438.
30
Johnson, “’anaph, ’aph (za‘am, za‘aph, chemah, charah, ‘abhar, qatsaph, raghaz): Words for
‘Anger’ in the O. T.”, TDOT, 1:358.
31
Owen, 12: 439; Berkhof, 78, 259. Este é o tipo de punição que foi a morte de Cristo, a qual
cumpriu as exigências da lei e revelou a justiça divina, como será visto no próximo capítulo. Ibid.
32
Ibid.; J. M. Pendleton, Compendio de teología cristiana (El Paso, Texas: Casa Bautista de
Publicaciones, 1960), 55; Berkhof, 78.
33
Owen, 12: 437.
117

mental daquele que está sendo punido (Dt 17: 12-13), não enveredem pelo mesmo

caminho, não sofram o prejuízo que o mal costuma causar e nem sejam prejudicados como

alguns foram pela punição que veio sobre o pecado. Assim, a punição serve de exemplo e a

sociedade é beneficiada. Caso contrário, a própria impunidade seria um incentivo à prática

do mal.34

Há dois tipos de punições. O primeiro se refere àquelas que são consequências

naturais dos atos de pecado (Jó 4:8; Sl 9:15; 94:23; Pv 5:22). Isso pode ser visto na pobreza

que resulta da preguiça (Pv 6:9-11) e na ruína da família em decorrência da embriaguez (Pv

23:21). Muitas vezes elas persistem em acompanhar o homem mesmo quando este se

arrepende e é perdoado, embora haja situações em que são abrandadas ou neutralizadas

pelos meios que Deus colocou à nossa disposição. O segundo são as penalidades impostas

por Deus como juiz35 quando o pecado é punido por um ato direto de Deus, tais como: o

Dilúvio (Gn 6-7), a destruição por fogo e enxofre (Gn 18:21-22; 19:23-25), a guerra (Lv

26:17); a peste (Lv 26:25); o exílio (Lv 26:33); etc.36

O fato de Deus ser o governante moral do universo implica o direito e dever de

recompensar e punir de modo justo, necessário e proporcional, o mérito ou o demérito, para

34
Berkhof, 78, 260; Pendleton, 55; Owen, 12:438-439.
35
A punição provém de quem tem poder soberano e direito judiciário sobre os ofensores. Pode vir de
diretamente de Deus (Tg 4:12), ou ele pode delegar a outros a autoridade para punir, como ocorreu com
Pilatos (Jo 19:11). Ibid., 12: 434.
36
Berkhof, 257-258; Owen, 12:434. Ver também Dt 28:15-68. Há teólogos para os quais as idéias de
recompensa e punição pertencem a uma forma inferior de pensamento e que, por isso, negam o castigo do
pecado como penalidade judicial, como a execução de uma sentença pronunciada tendo como base os méritos
do caso, aceitando a punição apenas como a operação de uma lei geral ou a consequência natural resultante do
pecado. Entre eles estão J. F. Clarke, Thayer, Williamson, Washington Gladden, Schelling, Bruch, Strauss e
John Young. Berkhof, 258; Charles Hodge, Teologia sistemática, traduzido por Valter Martins (São Paulo:
Hagnos, 2001), 321.
118

o bem do próprio universo.37 Assim, segundo as Escrituras Sagradas, a punição era aplicada

em cada caso segundo a proporção do pecado cometido. A lei de Moisés, que exigia que o

mesmo ferimento fosse aplicado ao culpado (Êx 21:23-25; Lv 24:19-20; Dt 19:21) buscava

estabelecer um “princípio de equidade”, a fim de que o castigo equivalesse ao crime.38 De

fato, era muito menos severa que aquelas adotadas em outras nações. Os crimes sexuais,

tais como prostituição e homossexualidade e relações carnais com animais, eram punidos

com a pena de morte (Lv 18 e 20). A lei mosaica estipulava várias formas de castigo: a

morte por apedrejamento, que incluía a participação máxima da comunidade naqueles casos

em que ela era afetada de modo geral (Lv 20:2-5, 27; 24;15-16; Nm 15:32-36; Dt 13:1-5;

17:2-7, 17); por fogo (LV 20:14; 21:9); pela espada (Êx 32:27; Nm 35;19, 21; Dt 13;15); a

mutilação (Êx 21:23-25; Dt 25;12); o açoitamento (Dt 25:1-3); multas monetárias (Êx

21:22; Dt 22:18-19, 29) e a escravização (Êx 22:3).39

O Tempo da Ira de Deus

A ira divina ocorre já no tempo presente. Embora, por um lado, Deus seja paciente e

tolerante para com os pecadores, por outro, cada dia é um dia de ira para os pecadores (Sl

7:11)40 e essa ira exerce um papel sobre a completa vida humana (ver Sl 90:2-11). Como

37
Charles Finney, Teologia sistemática, traduzido por Lucy Iamakami e outros (Rio de Janeiro:
CPAD, 2001), 54-55.
38
C. Brown, “Castigo, Vingança – dikē”, DITNT, 1:389-390.
39
Algumas das leis de Moisés que tratavam de castigos podem ser comparadas com aquelas do
Código de Hamurabi, que reinou na Babilônia de 1728 a 1686 AC, contudo, a base destas era de natureza
pragmática, enquanto a daquelas era a vontade revelada de Deus, que exigia uma vida santa, em relação a
Deus e aos homens. Ibid. Ver também Strong, 439.
40
Matthew Henry, “An Exposition, with Practical Observations, of the Epistle of St. Paul to the
Romans”, Matthew Henry’s Commentary on the Whole Bible (London: Fleming H. Revell Company, s. d.), 6:
S. P.
119

consta na literatura sapiencial: “[...] o caminho dos pérfidos é intransitável” (Pv 13:15). E

foi Deus quem determinou que fosse assim.41

Nos primórdios de Israel, a ira de Deus era concebida como a operação de um ato

individual de punição, algo transitório, enquanto que seu amor e justiça eram tidos como

permanentes. Posteriormente, segundo a pregação dos profetas, as punições eram esforços

para purificar e educar, mas também apontavam para a iminente e final manifestação da ira

de Deus. Assim, a ideia da ira de Deus passou de uma desgraça temporária para um

julgamento escatológico inescapável: o Dia do Senhor torna-se o dia da ira.42 A expressão

“dia do Senhor”,43 como empregada nos profetas, era, em primeiro lugar, uma referência a

um dia de julgamento na história, quando Deus intervinha para punir o pecado que havia

chegado ao seu clímax. Entretanto, tendo uma conotação escatológica, apontava também

para os eventos finais da história humana, com a vinda do Senhor e o juízo final.44

A Ira de Deus no Novo Testamento

A ênfase da mensagem do NT é o amor de Deus manifestado na dádiva de Cristo,

para tornar-se um conosco e morrer por nós. Todavia, a par desse enfoque, pode ser

41
D. Martin Lloid-Jones, Darkness and Light, 4a ed. (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1988),
361; William S. Plumer, Commentary on Romans (Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 1971), 63; A. M.
Hunter, Interpreting Paul’s Gospel (Philadelphia: The Westminster Press, 1954), 69-70; Greathouse, 8:49;
Fichtner, “Orgē: The Wrath of God in the LXX”, TDNT, 5:404; Edward A. McDowell Jr., A soberania de
Deus na historia: a mensagem e significado do Apocalipse, 2ª ed., tr. Robert G. Bratcher e Werner Kaschel
(Rio de Janeiro: JUERP, 1976), 136; Diccionario de la Biblia, ed. 1981, ver “Ira” e “Ira de Dios”; Francis
Foulkes, Efésios: Introdução e comentário, 2ª. ed., traduzido por Márcio Loureiro Redondo (São Paulo: Vida
Nova / Mundo Cristão, reimpressão 1986), 118. A ira de Deus pode ser vista em determinadas catástrofes
históricas e naturais, bem como em desastres privados e pessoais, embora nem todos os eventos deste tipo
sejam necessariamente interpretados deste modo. Dahlberg, 4:903.
42
Eichrodt, 1:266-267.
43
Tanto no AT como no NT, “dia do Senhor” pode apontar para um dia de juízo (Is 13:6, 9; 1Co 5:5)
ou um dia de guarda (exs.: Is 58:13; Ap 1:10). O contexto determinará o significado. Obviamente este
presente estudo se limita a compreender a expressão no contexto de juízo.
44
W. Stanley Johnson, “Wrath , Wrath of God”, Holman Bible Dictionary (Nashville, TN: Holman
Bible Publishers, 1991), 1423; J. S. Wright, “Dia do Senhor”, O novo dicionário da Bíblia, ed. R. P. Shedd.,
traduzido por João Bentes (São Paulo: Vida Nova, s. d.), 1:416-417.
120

percebida a realidade da ira de Deus. Os argumentos dos evangelhos, das cartas apostólicas

e do Apocalipse apontam aquilo que atrai a ira de Deus e os efeitos que ela tem sobre os

homens, bem como sua manifestação nos acontecimentos da história e seu significado

escatológico.

A Causa da Ira de Deus

Na abordagem do tema da ira divina no NT, Deus é visto como o Criador de todos

(Rm 1:18-25).45 A causa básica da ira divina é o pecado. Mas, o que é pecado? É qualquer

falta de conformidade com a lei de Deus,46 mas é mais do que isso porque a lei pode não

incorporar tudo que o caráter de Deus é. Pecado é tudo aquilo que contradiga o caráter de

Deus, é uma oposição a Deus,47 é a quebra do relacionamento pessoal com Deus.48 O

pecado é uma ação (1Jo 3:4), mas também um estado da vontade e condição pessoal que se

opõe a Deus e sua vontade (Rm 7:14; 8:6-8),49 de modo que se não houvesse Deus nem a

possibilidade de uma relação com ele, não poderia existir pecado.50

Portanto, em essência, pecado é asebeia (impiedade – Rm 1:18) e abrange uma

grande diversidade da dinâmica humana.51 Ou, como Paulo descreveu, “tudo que não

45
James D. G. Dunn, Romans 1-8, Word Biblical Commentary, vol. 38a (Dallas, TX: Word Books,
1988), 54.
46
Lewis Sperry Chafer, Teologia sistemática, 8 vols., traduzido por Heber Carlos de Campos (São
Paulo: Hagnos, 2003), 632.
47
Ibid.
48
D. M. Lloyd-Jones, Romans: Atonement and Justification (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1971),
76.
49
Carl E. Braaten, e Robert W. Jenson, eds., Dogmática cristã, 2 vols., traduzido por Gerrit Delfstra
e outros (São Leopoldo, RS: Sinodal, 1990), 1:363 e 366. Nenhuma pessoa inicia sua vida neste mundo com
uma ficha limpa. Como dizem as Escrituras: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe”
(Sl 51:5) e “Não há justo, nem sequer um” (Rm 3.10). Mesmo aqueles que são chamados de justos (como Noé
e Jó) não o são por serem sem pecado, mas por estarem em relação com Deus. Ibid., 1:379-380.
50
Ibid., 1:366.
51
Ibid., 1:366-367.
121

procede da fé é pecado” (Rm 14.23). Todavia, a realidade do pecado abrange mais do que a

relação entre Deus e o ser humano: inclui o relacionamento do homem com o resto da

humanidade, de maneira que os pecados podem ser classificados como pecados religiosos

ou ofensas morais. Os pecados religiosos (asebeia – impiedade) envolvem negligência e

rebelião contra Deus, enquanto que as ofensas morais (adikia – injustiça) abarcam toda

espécie de desvio de conduta e são, consequentemente, contra os homens (Rm 1:18). Os

pecados contra os homens derivam dos pecados contra Deus.52

O pecado não é inconsequente, antes tem resultados definidos, que mais cedo ou

mais tarde acabam aparecendo (Rm 6:23; 12:19). Por ser uma violação da ordem moral

estabelecida por Deus e repudiar sua luz, sua lei e seu amor, é destrutivo, e como um câncer

moral e espiritual, devora pouco a pouco a alma do homem, impedindo-o de se tornar o que

Deus planejou que ele fosse. É o veneno da morte que, sem o adequado tratamento que

apenas o céu pode aplicar, resultará na eterna separação de Deus.53

Assim, por ser o pecado o que é e por suas maléficas consequências, Deus não tem

nenhum prazer nele (Rm 8:3; 1Jo 1:5; 3:5; 3Jo 11), não pode aprová-lo, nem encorajá-lo

(Tg 1:13-14), nem tolerá-lo indefinidamente (Ap 18:4-8).54 Antes, o pecado sempre

provoca a oposição de Deus e desperta sua ira (Rm1:18; Ef 5:6; Cl 3:6). Como disse

Agostinho, “a ira de Deus não é uma perturbação de seu espírito, senão um juízo pelo qual

52
John Knox e Gerald R. Cragg, “The Epistle of the Romans”, The Interpreter’s Bible (New York /
Nashville, TN: Abingdon Press, 1959), 9:397; John Murray, The Epistle to the Romans, 2 vols., The New
International Commentary on the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1975), 1:36;
Everett F. Harrison, “Romans”, The Expositor’s Bible Commentary (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1984),
10:22; R. C. H. Lenski, The Interpretation of St. Paul’s Epistle to the Romans (Minneapolis, Minnesota:
Augsburg Publishing House, 1961), 91; Archibald Thomas Robertson, Las epistolas de Pablo, Imágenes
verbales en el Nuevo Testamento, vol. 4 (Barcelone: CLIE, 1989), 4:441.
53
MacArthur, 297-298; Millard J. Erickson, Christian Theology, 7a. ed. (Grand Rapids, MI: Baker
Book House, 1989), 288.
54
G. R. Lewis, “God, Attributes of”, Evangelical Dictionary of Theology, ed. Walter A. Elwell
(Grand Rapids: Baker book House, reimpressão, 1992), 457.
122

o castigo é pronunciado sobre o pecado”.55 É sua atitude de desprazer frente ao pecado e ao

mal e seu firme ódio contra ele. É sua declarada determinação de punir o pecado em todas

as suas formas.56

A locução “ira de Deus” é empregada para expressar qualquer manifestação do

desagrado de Deus contra o pecado, e inclui seu desprazer, sua forte resistência e também

seu ataque judicial após isso (Rm 2:5-8).57 Em suma, é a reação divina ao pecado58 (Ef 5:6),

a qual se origina não apenas em sua escolha, mas em sua própria natureza59 e, de acordo

com o apóstolo Paulo, é revelada contra todas as deficiências na esfera religiosa e na esfera

moral (Rm 1:18).60

Os Efeitos da Ira de Deus

As consequências da ira de Deus podem ser vistas basicamente na índole humana,

ímpia e perversa e em contínuo distanciamento de Deus (Rm 3:9-18), no ato de Deus

abandonar os homens permitindo que sigam suas próprias paixões e recebam as

consequências inevitáveis de seus pecados (Rm 1:20-32) e na aplicação de punições (Jd 7).

55
Agostinho citado em Luis Bonnet e Alfredo Schroeder, “Epístolas de Pablo a los Romanos”,
Comentario del Nuevo Testamento: Epístolas de Pablo, 2ª ed. (Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones,
1974), 3:44; George Eldon Ladd, Teologia do Novo Testamento, 2a. ed., traduzido por Darci Dusilek e
Jussara M. P. S. Arias (Rio de Janeiro: JUERP, reimpressão, 1986), 398-399.
56
Lloid-Jones, Darkness and Light, 360-361; Richardson, 224; Greathouse, 8:49; Lloyd-Jones,
Romans – Atonement and Justification, 76.
57
Hodge, 942; M.G. Stählin, “Orgē: The Wrath of Man and the Wrath of God in the New
Testament”, TDNT, 5:424-425.
58
Ladd, 398-399.
59
Owen, 10:550-551; Pendleton, 398.
60
Charles R. Erdman, Comentários de Romanos, traduzido por Waldir Carvalho Luz (S/L.: Casa
Editora Presbiteriana, s.d.), 34.
123

A natureza de filhos da ira

O primeiro efeito da ira de Deus sobre nós é que somos “por natureza, filhos da ira”

(Ef 2:3). A expressão “filhos da ira” é um hebraísmo e significa que somos merecedores da

ira e estamos sujeitos a ela,61 ao passo que “por natureza” quer dizer por nascimento. Pelo

nascimento somos todos filhos da ira. Não nos tornamos, somos. Este texto não diz que

nascemos neste mundo num estado de inocência e neutralidade e que, depois, por causa do

pecado, nos tornamos pecadores e então incorremos na ira de Deus. Ele diz que o pecado se

encontra no homem como um princípio inato, e que já nascemos neste mundo sob a ira de

Deus.62

A atitude divina de entregar

Os últimos versículos do primeiro capítulo de Romanos descrevem a humanidade

abandonada por Deus e a cena é terrível. Depois de discorrer sobre a impiedade e perversão

dos homens em seu sucessivo afastamento de Deus, e sua recusa de responder

positivamente à revelação de Deus, deificando a razão humana e chegando à loucura da

mais corrupta forma de práticas idolátricas (Rm 1:18-23), o apóstolo por três vezes

emprega a expressão “Deus os entregou”. Suas palavras são: “Por isso, Deus entregou tais

homens à imundícia, pelas concupiscências de seu próprio coração [...], os entregou Deus a

paixões infames; [...] Deus os entregou a uma disposição mental reprovável [...]” (Rm 1:24-

61
Curtis Vaughan, Efésios: Comentário bíblico, traduzido por Jorge César Mota (Miami, Florida:
Vida, 1986), 56; J. Precedo, “Ira, filhos da”, Enciclopedia de la Biblia (Barcelona: Ediciones Garriga S. A.,
1963), 4:213.
62
D. Martin Lloyd-Jones, God’s Way of Reconciliation, 8a ed. (Grand Rapids, MI: Baker Book
House, 1989), 54; Vaughan, 56. Ver também John R. W. Stott, A mensagem de Efésios (São Paulo: ABU,
1986), 53.
124

32).63 Esta entrega não originou a condição moral, pois esta condição já existia. Não

deslizaram por este caminho porque Deus os abandonou ou os induziu ao pecado, antes

Deus os deixou ir sem freio pelo caminho em que já se encontravam.64

Os eruditos se dividem quanto à natureza deste abandono. Alguns entendem que

embora haja um destaque para o aspecto judicial do processo, a punição do pecado não

ocorre por qualquer intervenção direta pela qual Deus disciplina os ofensores, mas é uma

consequência que naturalmente acompanha uma vida de desobediência. É o caminho em

que as leis de um universo moral operam.65 Consiste simplesmente na permissão para que a

humanidade siga seu próprio caminho. Portanto, a punição do pecado é o próprio pecado.

Segundo esta corrente de pensamento, Deus nos entrega a nossos próprios desejos e

nos permite controlar nosso próprio destino de modo que “liberdade para fazermos o que

queremos é a punição de uma rebelião contra Deus”.66 Outros, diferentemente, creem que o

abandono de Deus não é uma consequência puramente natural do pecado, mas uma solene

intervenção da justiça de Deus na história da humanidade.67 É definitivamente judicial e

63
Donald Grey Barnhouse, Man’s Ruin / God’s Wrath (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1959), 271;
Lloid-Jones, Darkness and Light, 364. O verbo paradidomi, significando “entregou”, é de muita intensidade e
foi usado com sentido jurídico para referir-se ao ato de colocar um homem na prisão (Mc 1:14; At 8:3), de
entregar para o juízo (Mt 5:25; 10:17, 19, 21; 18:34), e de entregar os anjos rebeldes às trevas (2Pe 2:4). J. F.
MacArthur, Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-8 (Grand Rapids: Editorial Portavoz,
2001), 129. Ver também 1Co 5:5; 1Tm 1:20; At 7:42 onde aparecem expressões semelhantes.
64
Matthew Henry, “Romanos”, Comentario exegetico-devocional a toda la Biblia, traduzido por
Francisco Lacueva (Barcelona: CLIE, 1989), 11:249; Albert Barnes, “The Epistle to the Romans”, Notes on
the New Testament: Explanatory and Practical, 11 vols. (Grand Rapids, MI: Baker Book House, reimpressão
1967), 4:46; Murray, 1:44-45.
65
Knox e Cragg, 9:400.
66
Paul J. Achtemeier, “Romans”, Interpretation, a Bible Commentary for Teaching and Preaching
(Atlanta, Geórgia: John Knox Press, 1985), 39-40.
67
Harrison, 10:22; “Epístola aos Romanos”, O Novo Testamento interpretado, ed. Russell Norman
Champlin (São Paulo: Hagnos, reimpressão 1998), 3:582; Braaten e Jenson, 1:378; John Peter Lange,
“Romans”, A commentary the Holy Scripture- critical, doctrinal and homiletical, traduzido por Philip Schaff
(Grand Rapids, MI: Zondervan, 1869), 85; Tasker, 15-16. A tríplice repetição “Deus entregou” mostra que a
orgê não é uma nemesis impessoal, mas a operação do próprio Deus. Ernst Kasemann, Commentary on
Romans, traduzido por Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1990), 37. Paulo
125

punitivo, e não apenas permissivo no sentido que Deus permitiu ou retirou sua graça. É o

primeiro estágio no exercício de uma atividade punitiva positiva para a ignorância culpada

e a perversidade intencional,68 que resultará finalmente no abandono do homem ao

julgamento da morte (Rm 6:23; Jo 3:36),69 quando Deus empregar atos específicos de juízo,

como os que ocorreram no Dilúvio e em Sodoma.70

As três penalidades mencionadas não se referem a estágios progressivos ou

intensificações do juízo divino, mas a três grandes aspectos deste único julgamento, três

terríveis lados dele: “impurezas”, “vis paixões” e “uma disposição mental reprovável,” i.e.,

uma mente em que as distinções entre o bem e o mal são confusas ou perdidas.71 Como

resultado de sua rebeldia o homem descamba para a tolice indescritível da idolatria, o

deplorável amor próprio e para uma sociedade que despreza as pessoas e que destrói a si

mesma.72

estabelece a relação intrínseca entre pecado e castigo. A impiedade leva consigo sua própria retribuição (ver
Ez 23:28-29). Fitzmyer, 4:115.
68
F. Davidson e Ralph P. Martin, “Romans”, New Bible Commentary Revised, 3a. ed. (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 1970), 1018; Henry Alford, Alford’s Greek Testament – an Exegetical and Critical
Commentary, 4 vols. (Grand Rapids, MI: Guardian Press, 1976), 323; Lange, 80-81; James Denney, “St.
Paul’s Epistle to the Romans”, The Expositor’s Greek Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, s.d.), 2:593;
Gordon H. Clark, “Romans”, The Biblical Expositor (Philadelphia, PA: A. J. Holman Company, 1960),
3:239. Esta entrega de Deus não pode ser reduzida à noção de não interferência com as consequências
naturais do pecado. Além de que dificilmente a ação permissiva de Deus seria de si mesma retribuição
judicial, os termos empregados não podem ser satisfeitos por tal construção. Murray, 1:44-45.
69
“Gave them up”, Seventh-day Adventist Bible Commentary, ed. Francis D. Nichols (Washington,
DC: Review and Herald, 1953-1957), 6:480.
70
MacArthur, Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-8, 131.
71
Lenski, 107-108; Archibald Thomas Robertson, “The Epistles of Paul”, Word Pictures in the New
Testament (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1931), 330; idem, Las epístolas de Pablo, 4:444;
Eerdmans, 37.
72
Adolf Pohl, Carta aos Romanos: Comentário esperança (Curitiba, PR: Editora Evangélica
Esperança, 1999), 46; Greathouse, 8:53.
126

Abandonar os homens às suas próprias paixões é uma forma de ira.73 É digno de

nota que se Paulo não tivesse declarado que estas coisas são sinais da ira, nós as

interpretaríamos como sinais da graça, porque esta visitação de sua ira consiste em permitir

que a humanidade siga seu próprio caminho (At 7:42; 14:16).74 Por haverem abandonado

voluntariamente a Deus, o Senhor os entrega a uma rebeldia ainda maior. Ele retira sua mão

restritiva e protetora permitindo que as consequências do pecado sigam seu curso inevitável

e destrutivo. Permite que os rebeldes sigam desembaraçadamente pelo seu caminho

descendente, sem freio, sem qualquer intervenção divina, até a plena profundeza da

depravação.75 Desse modo, pecado gera pecado, e trevas aprofundam as trevas, o que

endurece os homens, e precipita-os para mais terríveis graus de depravação.76 O abandono

da verdade de Deus resulta na degradação da imagem de Deus, na perda da dignidade e na

destruição dos relacionamentos pessoais, pois apenas a verdade de Deus pode restringir o

mal.77

73
H. J. Brokke, Romanos, o evangelho do Cristo ressurreto, traduzido por Myrian Talitha Lins (Belo
Horizonte, MG: Betânia, 1981), 35.
74
Achtemeier, 39-40.
75
“Epístola aos Romanos”, O Novo Testamento interpretado, 3:582; Robertson, Las epístolas de
Pablo, 4:444; Barnes, 4:46; MacArthur, Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-8, 129-
130; Braaten e Jenson, 1:377; Everett F. Harrison, “Romans”, The Zondervan NIV Bible Commentary (Grand
Rapids, MI: Zondervan, 1994), 2:528; A. Berkeley Michelsen, “La Epístola a los Romanos”, El Comentario
Biblico Moody, red. Everett F. Harrison (Chicago: Editorial Moody, 1971), 248; Erdman, 36; John C. Brunt,
Roman: Mercy for All, The Abundant Life Bible Amplifier (Boise, ID: Pacific Press Publishing Association,
1996), 53; J. Barmby e J. Radford Thomson, “The Epistle of Paul to the Romans”, The Pulpit Commentary
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1977), 18:49.
76
Alford, 2:323; Brokke, Romanos, o evangelho do Cristo ressurreto, 35.
77
Arno C. Gaebelein, “The Epistle to the Romans”, The Annotated Bible (S. L.: Moody Press /
Loizeaux Brothers, 1970), 3:15; MacArthur, Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-8,
129-130; Achtemeier, 40. Ao procurar rebaixar a Divindade, o homem rebaixou-se a si mesmo. Harrison,
“Romans”, The Expositor’s Bible Commentary, 10:26. Na verdade, o humanismo resulta na desumanização
do homem. Tendo os homens invertido a relação criatura-Criador, Deus os visitou com a terrível inversão de
criatura-criatura. Brokke, 35. Pecado, na realidade religiosa, é punido com pecado na esfera do moral (Rm
1:24). Murray, 1:43.
127

Por não compreenderem o significado da santidade, da justiça e do amor de Deus

alguns imaginam que ele nunca abandona os homens. A verdade é que Deus nunca

abandona aquele que aceita a Cristo como seu Salvador (2Tm 2:13). Embora ele seja

criador de todos os homens e todos possam escolher ser filhos de Deus, é pai somente

daqueles que nasceram de novo pela fé em Cristo.78 As desobediências isoladas destes são

tratadas de outra maneira, com o castigo e disciplina do amor paterno (Hb 12: 5-13),

enquanto que trata os pecados dos rebeldes como juiz e os deixa ceifarem o que semeiam

aqui e serem entregues à justiça divina no último dia.79

Todavia, esta ação divina de entregar o homem ao seu próprio pecado não é aqui um

abandono eterno, pois, enquanto a vida segue, Deus em sua graça provê oportunidades para

a salvação. Escrevendo aos coríntios, depois de apresentar uma lista de pecados

semelhantes à de Rm 1:29-31, Paulo menciona que alguns deles haviam vivido daquele

modo e, todavia, Deus os transformara (1Co 6:11).80

A punição

Desde o início, a punição com a qual Deus ameaçou o homem, caso ele pecasse, foi

a pena de morte (Rm 5:12-14; 6:23; 1Co 15:22), que inclui: (1) morte espiritual, que

resultou na natureza pecaminosa com a qual nascemos, e que nos torna impuros, afeta todo

o nosso viver e nos faz carregar o fardo da culpa e ter medo da punição (Ef 2:3, 5); (2) os

sofrimentos da vida, tais como as fraquezas, as doenças, os conflitos íntimos e também a

corrupção e as convulsões da natureza (Rm 7:15-24; 8:18-23); (3) a morte física, (Gn 3:19;

78
Barnhouse, 273.
79
William Carey Taylor, Evangelho segundo João, 3 vols., 2ª ed. (Rio de Janeiro: Casa Publicadora
Batista, 1957), 2:41; Braaten e Jenson, 1:377.
80
MacArthur, Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-8, 131.
128

Rm 5:12-21; 1Co 15:12-23; Hb 9:27), o que não é somente resultado natural, mas, também,

penalidade do pecado; (4) a morte eterna, a completa e definitiva separação de Deus, que

inclui os sofrimentos físicos e angústias de consciência (Mt 5:29-30; Mt 18: 8-9;Mc 9:43-

48; Ap 14:9-11; 20:10, 15; 21:8) que os ímpios receberão quando forem lançados no fogo

preparado para Satanás e seus anjos (Mt 25:41). Quando o homem pecou, essa penalidade

efetivamente ocorreu, embora ainda não em sua plenitude, sustada que foi,

temporariamente, pela graça de Deus.81

Em se tratando da punição final, embora todos os ímpios recebam o mesmo salário,

a morte (Rm 1:32; 2:5-6; 3:23), haverá diferentes graus de punição, baseados no demérito

da ofensa, conforme as obras de cada um (Mt 16:27; 2Tm 4:14; 1Pe 1:17; Ap 2:23; 20:12-

13; 22:12), o que refletirá a infinitamente sábia, santa e justa vontade de Deus tão bem

estipulada em sua lei.82 A expressão grega “eis aiōnai aiōnion”, literalmente, “pelos séculos

dos séculos” e outras semelhantes, encontradas nas Escrituras (Lc 1:33; Rm 1:25; 11:36;

Mt 18:8; 19:16, 29; 25:41, 46) não denotam necessariamente existência eterna. Seu

significado depende mais daquilo que está associado do que da própria expressão. A figura

vem de Is 34:10 onde o profeta retrata a destruição de Edom e, todavia, se percebe que ele

não intentava indicar que o fogo abarcaria todo o lugar e arderia eternamente, porque o

mesmo texto descreve vários animais vivendo naquele lugar após este ser assolado (vs. 11-

15).83

81
Berkhof, 260-262.
82
Owen, 12: 436-437. Aqueles que defendem o pensamento de que o sofrimento será por toda a
eternidade afirmam que o castigo será graduado em intensidade, mas não em duração. Pendleton, 398.
83
Donald Grey Barnhouse, God’s Remedy, 10 vols., 3a ed., Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1966),
832; Alfred Wikenhausen, El Apocalipsis de San Juan, 2ª ed. (Barcelona: Editorial Herder, 1981), 189-190.
129

O Tempo da Ira de Deus

No NT, a expressão “dia do Senhor” é uma referência direta àquela ocasião em que

Deus será revelado como justo juiz (ver 2Co 1:14).84 Ali são empregadas diversas

expressões sinônimas: “o dia da ira” (Rm 2: 5; Ap 6:17); “o dia do julgamento” (Mt 11:22);

“o último dia” (Jo 6:39); “o dia de Deus” (2Pe 3:12); “aquele dia” (2Tm 1:12, 18; 4:8); “o

dia (1Co 3:13; Hb 10:25); e “o Dia de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 1:8). Embora

apareça o termo “dia”, isto não é uma referência a 24 horas, mas a um período de tempo

indeterminado, suficiente para Deus cumprir o seu propósito.85 A expressão é ampla o

bastante para abranger todo o período que inclui o fim desta era e a inauguração da

próxima. É um dia de juízo e ira para os ímpios, mas também de redenção para os justos.86

Desse modo, o NT apresenta a ira de Deus como ocorrendo no tempo histórico (ex.: Rm

1:18) e no tempo escatológico (ex.: Sf 3:8; Ap 6:16-17),87 seguindo, desse modo, a mesma

ideia apresentada no AT (Sf 3:8).

84
Ibid.
85
Ver MacArthur, Expositional Commentary on Revelation, 175.
86
George Eldon Ladd, El Apocalipsis de Juan: Un comentario (Miami, FL: Editorial Caribe, 1978),
96.
87
Hunter, 69-70; Greathouse, 8:49-50; Fichtner, TDNT, 5:398; DB, ver “Ira” e “Ira de Dios”;
McDowell Jr., 136; Brunt, 53; D. A. Carson, The Goslpel According to John (Leicester: Inter-Varsity Press /
Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1992), 214; Foulkes, 118; Lloid-Jones, Darkness and Light, 361;
Richardson, 75, 78; Heber Carlos de Campos, O ser de Deus e os seus atributos, 2ª ed. (São Paulo: Cultura
Cristã, 2002), 356-358; H. C. Hahn, “Ira, raiva - Orgē”, Dicionário internacional de teologia do Novo
Testamento, 4 vols., traduzido por Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1985), 2:448; Eichrodt, 1:267;
Rudolf Schnackengurg, The Gospel According to St John, traduzido por, Kevin Smyth (New York: The
Crossroad Publishing Company, 1982), 391; Dahlberg, 4:903; “The wrath of God”, Seventh-day Adventist
Bible Commentary, 6: 477; Henry, “An Exposition, with Practical Observations, of the Epistle of St. Paul to
the Romans”, 6:S/P; J. M. Boice, “Ira de Dios”, Diccionario ilustrado de la Biblia. 3ª ed. (Miami, FL:
Editorial Caribe, 1975), 304; Harrison, “Romans”, The Expositor’s Bible Commentary, 10:22.
130

Tempo histórico

Em sua carta aos Romanos, o apóstolo escreveu: “[...] visto que a justiça de Deus se

revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé. A ira de Deus se

revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela

injustiça” (Rm 1:17-18). Uma análise detalhada deste texto revela vários aspectos dessa

revelação da ira divina. (1) Deus tem feito duas revelações: uma de sua justiça, sob o

anúncio do evangelho; a outra, de sua ira, dos céus. Uma é de fé em fé, e diz respeito

àquele que crê e resulta em vida e salvação. A outra é “contra toda impiedade e perversão

dos homens” e está agora em constante progresso.88 (2) A revelação da ira é parte da auto-

revelação divina, por um lado associada com o evangelho porque está sendo revelada do

mesmo modo que a justiça, diante dos nossos olhos89 e, por outro, revela-se

independentemente da Palavra, porque em qualquer lugar, mesmo aonde o evangelho ainda

não chegou, ela se manifesta sobre as nações.90 (3) Como a futura salvação dos crentes está

agora no presente sendo revelada no evangelho de Jesus Cristo e é apropriada pela fé, assim

a futura ira de Deus está na atualidade sendo revelada na experiência daqueles que se

distanciam da verdade de Deus.91 (4) A ira se revela não apenas no evangelho ou por algum

ato sobrenatural, mas, pelo que a história mostra, na degradação que resulta do pecado e

pela universal convicção da humanidade de que o pecado é inevitavelmente punido por

sofrimento, miséria e morte.92 Desse modo, há uma aplicação da ira de Deus que, embora

88
Lenski, 89-90; Pohl, 43.
89
Greathouse, 8:48.
90
Pohl, 43.
91
Brokke, 31; Carson, 214.
92
Erdman, 33. Nem toda a ira de Deus está reservada para o futuro. No caso da promiscuidade
sexual a ira de Deus pode ser vista sendo derramada continuamente mediante as enfermidades venéreas. Esta
ira também pode ser vista manifestando-se como solidão, frustração, falta de sentido, ansiedade e
131

parcial, já ocorre no presente, na história do mundo, e prefigura a ira em sua manifestação

final.93 (5) Essa revelação procede “do céu”, o lugar onde tem Deus a sua morada e onde

está seu trono, o que mostra que a inseparável relação entre o pecado e as consequências da

ira de Deus está em conformidade com uma ordem divinamente estabelecida.94 (6) O uso

do passivo denota que o próprio Deus está revelando95 e o verbo é empregado de modo a

que se refira a uma revelação presente e constante.96

Por que a ira de Deus é uma resposta ao pecado, ela começou com a entrada do

pecado no universo e desde então permanece sobre a raça inteira.97 Quando o homem

cometeu o primeiro pecado, a terra foi amaldiçoada por Deus (Rm 8:20-23; cf. Gn 3:17-

19). Isto foi parte da ira de Deus, e continua sendo.98 Sua ira está dinamicamente,

efetivamente, operando no mundo dos homens99 e é revelada em todo o curso da

providência em todas as épocas.

Algumas vezes ela irrompe em terríveis julgamentos, algumas vezes em justiça

punitiva executada pela lei e a sociedade (ver Rm 13:4). Mas também ela já começa a se

manifestar no próprio instante em que se comete um ato de pecado. O fardo da culpa, a

acusação da consciência e o sentimento de remorso são manifestações dessa ira. Também o

são os sofrimentos físicos que o pecado causa, bem como o sofrimento mental, a

desesperança na sociedade moderna. MacArthur, Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-
8, 130.
93
Campos, 356-358.
94
Erdman, 33.
95
Lenski, 90.
96
Campos, 356-358.
97
The Eerdmans Bible Dictionary, ed. 1987, ver “Wrath”; Taylor, 40.
98
Lloid-Jones, Darkness and Light, 361.
99
Murray, 1:35.
132

infelicidade, os desajustes na família, a degeneração e o aviltamento do pecador e sua

finitude (Rm1:18-31; Gl 5:19-21; Cl 3:5-9).

Portanto, a ira de Deus, embora seja um fenômeno escatológico, já lança suas

sombras na experiência presente. Seus juízos ainda não são juízos totais, mas juízos dentro

da história (Rm 1:18-31). Possuem um sentido pedagógico e são aplicados como que com

freios acionados, mesclados com uma profusão de paciência e longanimidade (Rm 2:4),

realizando o propósito de Deus, preservando o mundo para a revelação da sua justiça no

evangelho (1Tm 2:4; 2Pe 3:9) com a intenção de induzir as pessoas ao arrependimento (Ap

9:20).100

O mesmo pode ser visto no evangelho de João onde o tema da ira de Deus é

abordado uma única vez. Em seu registro do encontro de Nicodemos com Jesus, o apóstolo

anotou a conclusão da mensagem de Cristo para o príncipe judeu: “Por isso, quem crê no

filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o filho não verá a vida,

mas sobre ele permanece a ira de Deus” (Jo 3:36). Fica assim evidenciado que o julgamento

escatológico de Deus já está operando aqui e agora, pois a missão salvadora de Jesus torna-

se um julgamento para aquele que não crê em Jesus. O incrédulo passa o julgamento sobre

si mesmo por não crer no enviado de Deus, o único que pode tirá-lo das trevas e da morte e,

assim, permanece em um presente estado de alienação de Deus em contraste com a vida

eterna que o crente já possui no presente. A hora da decisão torna-se para o que não crê a

hora da condenação, da qual o futuro julgamento será apenas a manifestação (Jo 5:29).

100
Pohl, 47; Stephen H. Travis, “Wrath of God”, ABD, 6:997; Richardson, 78.
133

Desse modo, o evangelho tem a dupla função de salvar e julgar, revelar tanto a salvação

como a ira de Deus.101

Tempo escatológico

Alguns dizem que não há necessidade de um juízo final porque a lei moral é como a

lei física: executa-se a si mesma, ou seja, o transgressor recebe a consequência

automaticamente. Como alguém que não respeita as leis de saúde acaba adoecendo. Tal

pensamento está equivocado porque a lei moral tem analogia com outra lei, a civil, que não

se executa a si mesma, mas depende de uma pessoa para tanto. Por sua própria natureza,

exige um julgamento. Por isso, Deus “estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo

com justiça” (At 17:31).102

No texto do NT a ira de Deus com o sentido escatológico ocupa um lugar

importante. O tema é introduzido pela pregação de João Batista anunciando a “ira

vindoura” (Mt 3:7) e termina com “o lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-

Poderoso” (Ap 19:15). A ênfase recai não sobre guerras ou calamidades naturais, mas sobre

o castigo que os ímpios terão ao final da história humana,103 o que será simplesmente o fim

de um processo já em andamento, que objetiva pôr um fim ao pecado (Mt 25:41, 46; 2Ts

101
Schnackengurg, 391; W. Pesch, “Orgē / Wrath”, Exegetical Dictionary of the New Testament, ed.
Horst Balz e Gerhard Schneider (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1991), 2:530; Travis, 6:996; ver também
Carson, 214.
102
A. B. Langston, Esboço de teologia sistemática, 4ª ed. (Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1959), 325.
103
Ver Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia, ed. 1995, ver “ira”; DB, ver “Ira” e “Ira de Dios”;
M. García Cordero, “Ira de Dios”, Enciclopedia de la Biblia (Barcelona: Ediciones Garriga, 1963), 4:212.
134

1:7-10; Ap 20:15; 21:8).104 E porque a ira de Deus é uma resposta ao pecado, é correto

esperar que ela termine quando o pecado deixar de existir (Ap 21:4; 22:3).105

O último livro da Bíblia apresenta os juízos de Deus em três séries, não simultâneas,

mas seqüenciais, e cada vez mais severas: os sete selos (Ap 6:1-8:1), as sete trombetas (Ap

8:1-9:21; 11:15-19) e as sete taças (Ap 16:1-21).106 O fluxo desse escrito é baseado, em sua

maior parte, nestas séries. O restante é parentético, ou antecipando ou revendo uma fase

daquele fluxo.107 A abertura de todos os setes selos precede a abertura do livro que se

encontra na mão direita daquele que estava assentado no trono (Ap 5:1). Esse livro contém

as profecias do fim do mundo, que incluem uma variedade de ações, entre as quais o

derramamento da ira de Deus. Assim, a ruptura do sétimo selo abre o livro e começa a

história do tempo final (Ap 8:1).108

Os selos podem ser chamados de selos da ira de Deus.109 Cada selo apresenta uma

fase diferente do grande conflito entre Cristo e Satanás e é empregado para demonstrar ao

universo a justiça de Deus.110 Os juízos apresentados nos primeiros selos (Ap 6:1-11) – que

envolviam guerra, fome, peste, morte e martírio dos santos – originaram-se em decisões

humanas, pelo mal no coração dos homens. As sementes do mal que os homens semearam

104
Dunn, 54; McDowell Jr., 136; Brunt, 53; G. Raymond Carlson, “The Epistle of Paul to the
Romans”, The Complete Biblical Library (Springfield, MO: The Complete Biblical Library, s.d.), 7:27.
105
EBD, ed. 1987, ver “Wrath”.
106
Gary G. Cohen e Salem Kirban, Revelation Visualized, 3a ed. (Chicago, IL: Moody Press, 1972),
300; Wiersbe, “Apocalipse”, Comentário bíblico expositivo, 6:753; Morris Ashcraft, “Apocalipse”,
Comentário bíblico Broadman, traduzido por Adiel Almeida de Oliveira (Rio de Janeiro: JUERP, 1984),
12:343; EBTF, ver “trombetas, as sete”. Na interpretação do livro do apocalipse, foi adotado o método
histórico, que encara o livro “como uma profecia simbólica da toda a história da igreja até a volta de Cristo e
o fim dos tempos”. George Eldon Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova e
Mundo Cristão, 1982), 11.
107
John Phillips, Exploring Revelation (Chicago, IL: Moody Press, 1974), 110.
108
Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 96.
109
MacArthur, Expositional Commentary on Revelation, 171.
110
“Who shall be able to stand?” [Rev. 6:17], Seventh-day Adventist Bible Commentary, 7:780.
135

floresceram, frutificaram e arruinaram o mundo.111 Todavia os juízos descritos no sexto

selo (Ap 6:12-17) originam-se com Deus, como uma punição divina. Com esse selo tem

início o julgamento final.112

As sete trombetas (Ap 8:1-9:21; 11:15-19) retratam, simbolicamente, eventos

políticos e militares específicos de destaque na história humana,113 entre a primeira e a

segunda vindas de Cristo,114 que afetaram a igreja e seu testemunho.115 São consideradas

como juízos parciais,116 uma “terrível série de ais que prenunciam o Fim”117 e têm a

intenção de chamar ao arrependimento aqueles que delas escaparem.118

As pragas das sete taças contêm alguma semelhança com outras que são

mencionadas nas Escrituras. Elas têm como modelo as pragas que caíram sobre o Egito (Êx

6:1 a 12:30). Ambas são literais e golpeiam algum aspecto da religião apóstata, mostram a

superioridade de Deus e seu poder e a derrota de quem o desafiou, bem como o livramento

de seu povo.119

Ainda, a despeito das semelhanças com as pragas das sete trombetas, enquanto que

estas são parciais (1/3), as das taças não têm tal limitação. Não são uma simples repetição,

111
Phillips, 110-111; MacArthur, Expositional Commentary on Revelation, 172.
112
Ibid.
113
“Seven trumpets” [Rev. 8:6], Seventh-day Adventist Bible Commentary, 7:788.
114
“Additional note on chapter 2” [Rev. 2], Seventh-day Adventist Bible Commentary, 7:752-753.
115
Roy Allan Anderson, O apocalipse revelado (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira,
1977), 100.
116
“Third part” [Rev. 8:7], Seventh-day Adventist Bible Commentary, 7:788; Wiersbe, “Apocalipse”,
Comentário bíblico expositivo, 6:753-754.
117
Ashcraft, Comentário bíblico Broadman,12:344.
118
Ray Summers, A mensagem do Apocalipse: Digno é o Cordeiro, 5ª ed. (Rio de Janeiro: JUERP,
1986), 148-149; Ladd, El Apocalipsis de Juan: Un comentario, 179-180.
119
Barnhouse, God’s Remedy, 3:839; Wikenhausen, 199; Domingo Fernandez Suarez, Una
interpretación del Apocalipsis, 6ª ed. (Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1976), 155.
136

mas, castigos bem mais graves, punitivos e posteriores no tempo.120 Portanto, sob os juízos

das taças, o mundo é resgatado por Deus. A ira de Deus é revelada e o império de Satanás é

golpeado vez após vez pelo próprio Deus, até que Cristo volte e ponha fim a este mundo de

desgraça.121

O extravasar da ira de Deus por meio das sete pragas é vindicado no cântico de

Moisés e no cântico do Cordeiro (Ap 15:3-4), na declaração do anjo responsável pela

terceira praga (Ap 15:4-6) e pela voz que provém do altar (Ap 15:7). Em todos estes casos a

ira de Deus se baseia na santidade de Deus.122 Nessas pragas, Deus terá derramado

totalmente sua ira (Ap 15:1) no contexto particular que antecipa o juízo final, o que não se

refere à totalidade da ira de Deus, uma vez que ainda haverá o lago de fogo (Ap 19:20;

20:10, 14-15; 21:8), que, então, será a manifestação final da ira de Deus. Elas são apenas

uma introdução à última e decisiva expressão de ira de Deus,123 uma manifestação

extraordinariamente extensa e intensa dessa ira contra a atitude desafiadora, soberba e

criminosa daqueles que tem frustrado o propósito de Deus no mundo – a besta e os que a

apóiam. São a resposta de Deus ao último e maior esforço de Satanás para frustrar o

governo divino.124

O Apocalipse fala da ira das nações, da ira do dragão e da ira de Deus e do

Cordeiro, o que permite se chegar à conclusão que o grande conflito entre o bem e o mal é

um conflito entre duas iras, a ira de Deus e do Cordeiro versus a ira de Satanás e de suas

120
Leon Morris, El Apocalipsis, traduzido por C. René Padilla (Buenos Aires: Ediciones Certeza,
1977), 227; Wikenhausen, 199.
121
Phillips, 110-111.
122
McDowell Jr., 135.
123
Ladd, El Apocalipsis de Juan: Un comentario, 179-180; Wikenhausen, 195.
124
Ladd, El Apocalipsis de Juan: Un comentario, 185; Suarez, 154.
137

instrumentalidades (Ap 12:7; 11:18).125 A ira das nações que desafiam a Deus chegará à sua

consumação em uma expressão final de ira (Ap 11:18). Por outro lado, a visitação da ira de

Deus sobre aqueles que de modo irreversível se posicionam contra sua soberania é

absolutamente essencial para o estabelecimento de seu reino misericordioso no mundo (Ap

14:10). Isso inclui a necessidade de juízo,126 o qual precisa ser adiado até o fim do mundo

para que se possa levar em conta não apenas os resultados imediatos de nossos atos, mas,

também, os de longo alcance, pois, quando alguém morre, sua influência permanece.127

Uma análise de Rm 2:1-5 permite a conclusão que diante do tribunal de Deus cada

ser humano confrontará cinco perigos: (1) O perigo do conhecimento (v. 1). Quem é capaz

de discernir a verdade ou falsidade em outro, demonstra ser responsável por sua própria

conduta naquele ponto. E se ele souber mais do que o outro, será ainda mais responsável.

Assim, enquanto parece que apenas julga o outro, está condenando a si mesmo. (2) O

perigo de pecar (v. 2). A base do julgamento é a verdade, não a nossa racionalização. A

condenação está sobre aqueles que pecam, não apenas sobre aqueles que admitem que

pecam. Não há segurança no pecado. (3) O perigo de julgar (v. 3). É bastante comum a

tendência humana de condenar alguém por um pecado, contudo fazer uma exceção para si

mesmo quando pratica o mesmo. Mas a Escritura diz: “Pensas que te livrarás do juízo de

Deus?” (4) O perigo de desprezar o tribunal divino e o modo como ele opera (v. 4). A

misericórdia divina é frequentemente confundida com indulgência. A demora em punir é

tomada como desistência em punir. Assim, as riquezas de sua bondade, tolerância e

125
Hahn, “Ira, raiva - Orgē”, DITNT, 2:447; Stählin, “Orgē: The Wrath of Man and the Wrath of
God in the New Testament”, TDNT, 5:439; Alois Stoeger, “Ira”, Dicionário de teologia bíblica, ed. Johannes
B. Bauer, traduzido por Helmuth Alfredo Simon (São Paulo: Edições Loyola, 1979), 541.
126
Ladd, El Apocalipsis de Juan: Un comentario, 172.
127
M. L. Andreasen, O ritual do santuário, 3ª ed. (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira,
1983), 261-262.
138

longanimidade, manifestadas com a intenção de conduzir o transgressor ao arrependimento,

são vistas com desdém como fraqueza ou frouxidão. (5) O perigo da dureza (v. 5). Quem

rejeita as ternas misericórdias de Deus, torna-se insensível aos brandos procedimentos de

Deus. Desse modo, quanto mais Deus demora em retribuir, mais se multiplica a ofensa e

sua respectiva punição se acumula, sendo estocada como se fosse um grande tesouro,

aguardando o tempo de sua manifestação, no juízo.128

Quem será julgado? O juízo incluirá: (1) os justos (Mt 25:35-36) – que embora

reconciliados (2Co 5:20-21) e justificados (Rm 5:1; 8:1), ainda têm que prestar contas e

cujas boas obras serão reveladas e reconhecidas como fruto de sua fé e provas de sua

justificação;129 (2) os maus – com diferentes graus de culpabilidade, segundo a luz, as

bênçãos e as oportunidades que tiveram (Lc 12:48), compreendidos por: (a) as nações

pagãs, julgadas segundo a lei escrita nos seus corações e pela luz fornecida pela natureza

(Rm 1:20; 2:12, 16); (b) os que viveram sob a luz da lei do AT, que serão julgados por ela

(Lc 16:31; Rm 2:12); (c) os que viveram sob a economia cristã, que serão julgados também

pelo evangelho (Jo 12:48; Mt 11:22, 24; Hb 10:28-29); e (3) os anjos caídos (2Pe 2:4; Jd 6;

Mt 8:29).130

Qual o propósito do julgamento? O julgamento não tem a intenção de informar a

Deus, que a todos conhece com perfeição. Antes, é para colocar tudo às claras (Mt 10:26).

Não é descobrir a verdade, mas revelar a verdade.131 Na ocasião o caráter de cada um será

128
Wilber T. Dayton, “The Epistle of Paul to the Romans”, The Wesleyan Bible Commentary, 2a. ed.
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1971), 5:22-23.
129
Pendleton, 383-388; Wayne Grudem, Teologia sistemática (São Paulo: Vida Nova, 1999), 974-
980; T. McComiskey, “Julgamento, Juiz, Entregar, Tribunal – Bema”, DITNT, 2:517. Jo 5:24 claramente se
refere ao juízo condenatório, como pode ser visto pelo contexto. Na ocasião serão trazidos a público os seus
pecados, mas aparecerão como pecados perdoados. Berkhof, 738.
130
Pendleton, 383-388; Grudem, 974-980; Berkhof, 739.
131
Langston, 324.
139

revelado de tal modo que a própria pessoa e todos os que a conheceram vejam a justiça do

veredito.132 Cada um receberá o que lhe é devido.133 Mas é também verdade que, ao

participarem do julgamento, estarão também, em certo sentido, julgando o próprio Deus:

seus princípios, suas leis, seu modo de agir (Rm 3:4). Então serão manifestos os grandes

propósitos de Deus; todos conhecerão tanto sua ira como seu amor. Ao final todos

proclamarão que seus caminhos e seus juízos foram justos (Ap 16:5 e 7; 19:1; 15:3; 19:6;

11:15; 12:10; 22:5).134 Procedendo assim, nenhuma dúvida se levantará nem se poderá

jamais levantar na mente de ninguém.135

A doutrina do juízo final é positiva e traz vários benefícios para a nossa vida atual.

(1) Ela satisfaz o nosso desejo íntimo de justiça no mundo. Mostra que tudo que acontece é

registrado com fidelidade, que Deus detém o comando de todas as coisas e que, por fim, a

justiça triunfará (2Pe 3:9-13; Ap 20:11-15) (2) Ela nos leva a viver sem amargura ou

ressentimento, pelos agravos que sofremos, confiando tudo aos cuidados de Deus, como

Jesus, que “quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia

ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente” (1Pe 2:22-23; veja também Rm

12:19), sabendo que todo o mal que nos for feito receberá sua retribuição: ou será tido

como pago por Cristo (se o ofensor se salvar) ou será pago no juízo final (se o ofensor se

perder). (3) Ela nos incentiva a uma vida justa e a buscar maior galardão (Mt 6:20). Para o

incrédulo que a conhece acredita-se que pode servir para que ele tenha, pelo menos, um

132
Hodge, 1642-1644; Andreasen, 263, 268.
133
Berkhof, 739.
134
Andreasen, 270-271; Langston, 324; Brunt, 63; Knox e Cragg, 9:401.
135
Andreasen, 267.
140

pouco do temor a Deus e seja refreado em sua maldade. (4) Ela serve de grande estímulo à

obra de evangelização (2Pe 3:7-9; Ap 22:17 cf. 20:11-15).136

A Ira de Deus nos Escritos de Ellen White

Em seus comentários sobre o texto bíblico e ao discorrer sobre os atributos e o

caráter de Deus, Ellen White muitas vezes faz referência à ira de Deus e à sua manifestação

por meio de juízos.137 Ela definiu essa ira como “a terrível manifestação de Seu desagrado

por causa da iniquidade”.138 Para ela é sempre a transgressão da lei,139 o pecado, que causa

a manifestação da ira divina contra o pecador.140 Talvez a expressão “ira” não pareça muito

adequada quando aplicada a Deus, todavia, algumas vezes ele se exprimiu “segundo a

maneira dos homens, para que a justiça de Seu trato pudesse ser compreendida”.141

136
Grudem, 981-982. Haverá graus de punição para os perdidos. E esses graus serão determinados
pelo que é feito enquanto na carne (Mt 11:22, 24; Lc 12:47-48; 20:47; 2Co 9:6). Ibid., 974-980; Herbert
Lockyer, Apocalipse: O drama dos séculos (São Paulo: Vida, 1982), 151.
137
Ellen White, Testemunhos seletos, 3 vols., 6ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001),
2:61, 65.
138
Idem, O desejado de todas as nações, 22ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 753.
Um desprazer semelhante pode ser visto também na experiência daqueles que seguem a Cristo, quando têm
uma “indignação justificável” que nasce da “sensibilidade moral” e que surge, por exemplo, “quando vêem
que Deus é desonrado, e Seu serviço exposto ao descrédito” e “quando vêem o inocente opresso”. Ibid., 310.
Ver também idem, Patriarcas e profetas, 16ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 723; idem,
Testemunhos seletos, 1:228; idem, O grande conflito, 41ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001),
36 e idem, Profetas e reis, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 417.
139
Idem, Atos dos apóstolos, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 393.
140
Idem, Mensagens escolhidas, 3 vols., 5ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 1:218.
141
Idem, Patriarcas e profetas, 139. Essa expressão foi utilizada pela autora no contexto da ira
divina, ao comentar o que o Senhor disse a Abraão ao estar se dirigindo para Sodoma a fim de destruí-la (Gn
18:17-33). No estudo deste tema, deve-se considerar que o fato de alguém enfrentar dificuldades e tribulações
não implica necessariamente em que esteja sob a ira de Deus, porque neste mundo onde impera o mal, todos
passam por lutas e dificuldades. Idem, Caminho a Cristo, 28ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
2001), 119; ver também idem, A ciência do bom viver, 10ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001),
119 e 257. Essa continuará a ser nossa experiência enquanto não alcançarmos o lar celestial. Ibid., 247. O
próprio Jesus declarou a seus seguidores: “No mundo, passais aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o
mundo” (Jo 16:33). Assim, “não devemos pensar, quando somos aflitos, que a ira do Senhor esteja sobre nós.
Deus nos permite as provas para que sejamos atraídos para perto dEle”. Idem, a Henry D. Wessells, 8 de
outubro de 1895, Carta 97, 1895, pág. 10, Centro de Pesquisas Ellen G. White – Brasil, Engenheiro Coelho,
SP.
141

Além de misericordioso e benigno, ele também é justo e imparcial142 e, por ser

legislador e governante moral, precisa fazer e executar Suas leis.143 Ele mantém como que

uma conta aberta com todas as nações, a qual é encerrada quando estas atingem o limite

que Ele fixou. Então, cessa a paciência divina, de modo que a misericórdia não mais

intercede a favor delas e tem início o ministério de Sua ira.144 O mesmo também ocorre no

plano particular, pessoal, pois Deus está medindo tanto as nações como os indivíduos.145

Deus não tem nenhum prazer em castigar, antes, sente pesar quando o faz (Ez

33:11).146 Ao reter seus juízos e demonstrar misericórdia de todas as maneiras possíveis, ele

busca atrair aqueles que estão no erro.147 Sua paciência e longanimidade objetivam

enternecer-lhes o coração.148 Através das gerações ele tem concedido aos homens um

período limitado de luz e privilégios a fim de que se reconciliem com ele.149 Durante esse

tempo, seu Espírito opera no coração humano, convidando,150 aconselhando,151

advertindo,152 reprovando e convencendo do pecado.153

Se o pecador finalmente rejeita esse ministério do Espírito, nada mais há que Deus

possa fazer por ele. Então, “já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas certa expectação

142
Ibid., 240.
143
Ibid., 241.
144
Idem, Testemunhos seletos, 2:63.
145
Idem, Educação, 8ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 178.
146
Idem, O desejado de todas as nações, 582.
147
Idem, Profetas e reis, 413.
148
Idem, Vida e ensinos, 10ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 185.
149
Idem, O desejado de todas as nações, 587.
150
Idem, Caminho a Cristo, 85. Ver também idem, Educação, 27.
151
Idem, Testemunhos seletos, 1:477.
152
Idem, O grande conflito, 7.
153
Idem, Profetas e reis, 405.
142

horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários” (Hb 10:26 e 27).154

Seus juízos retributivos não podem ser contidos indefinidamente.155 Quando, finalmente, os

homens completarem a medida de seus pecados, “a ira de Deus, que por tanto tempo tem

estado dormitando, despertará”156 e eles a receberão, sem mistura.157

[...] passado o período de nossa prova, se formos achados transgressores da lei de


Deus, encontraremos no Deus de amor um ministro de vingança. Deus não Se
compromete com o pecado. Os desobedientes serão punidos [...]. O amor de Deus
agora se expande para incluir o mais baixo e vil pecador que, contrito, venha a Cristo.
Estende-se para transformar o pecador num obediente e fiel filho de Deus; mas
nenhuma alma pode ser salva se continuar em pecado.
O pecado é a transgressão da lei, e o braço que é agora poderoso para salvar,
será forte para punir quando o transgressor ultrapassar as fronteiras que limitam a
paciência divina.158

Portanto, quando a ira de Deus vem sobre os homens, não é apenas por causa dos

pecados que cometeram,159 mas porque rejeitaram sua graça160 e os meios que ele designou

para restaurar o pecador:161 menosprezaram as reprovações e advertências de seu

Espírito,162 desprezaram sua mensagem e seus mensageiros,163 manifestaram obstinada

resistência às reprovações da consciência,164 e recusaram aceitar seu Filho como

Redentor.165 É a deliberada oposição a Deus,166 a persistente rejeição de suas presentes

154
Ibid.
155
Ibid., 276, 417, 426; idem, Testemunhos seletos, 2:62-63 e idem, O grande conflito, 36.
156
Idem, Eventos finais, 2ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 41.
157
Ibid.
158
Idem, Mensagens escolhidas, 1:313.
159
Idem, Atos dos apóstolos, 62.
160
Idem, O grande conflito, 543.
161
Idem, O desejado de todas as nações, 587.
162
Ibid.
163
Ibid.
164
Idem, Profetas e reis, 97.
165
Idem, O desejado de todas as nações, 600. Ver também idem, Testemunhos seletos, 1:229.
166
Ibid.
143

misericórdias e advertências,167 ou preferir continuar num estado de incredulidade, de

resistência,168 determinados a não ceder,169 enfim, o desdenhar da salvação,170 que os fará

receber os justos juízos de Deus.171

Os Propósitos da Ira de Deus

Analisando as muitas manifestações da ira de Deus, Ellen White indica que elas

possuem uma diversidade de propósitos, que podem variar conforme as circunstâncias: (1)

Manter a honra e o governo de Deus, revelando seus atributos de justiça e santidade. Nesses

casos, as manifestações de ira mostram sua superioridade sobre os deuses das nações e sua

aversão ao pecado, e levam os homens a temê-lo e a se dispor a ouvir sua voz.172 (2) Deter

os pecadores em seu mau caminho e conduzi-los ao arrependimento, à reforma da vida e ao

caminho da salvação.173 (3) Proteger aqueles que não incorreram em pecado de modo que

não sejam prejudicados pelo mal.174 (4) Servir de testemunho para as gerações futuras para

167
Idem, O desejado de todas as nações, 587.
168
Ibid., 587.
169
Idem, Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos, 4ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2001), 74-75.
170
Idem, História da redenção, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 403.
171
Ver os Anexos.
172
Uma amostra dessa intenção pode ser vista na declaração que segue: “Desde o dilúvio, o fogo
bem como a água tem sido o agente de Deus para destruir cidades muito ímpias. Estes juízos são enviados a
fim de que aqueles que consideram levianamente a lei de Deus e menosprezam Sua autoridade, possam ser
levados a tremer ante o Seu poder, e confessar Sua justa soberania. Vendo os homens montanhas ardentes a
derramar fogo e chamas, e torrentes de minério derretido a secar rios, submergindo cidades populosas, e por
toda parte espalhando a ruína e desolação, o mais arrogante coração tem-se enchido de terror, e os incrédulos
e blasfemos têm sido constrangidos a reconhecer o infinito poder de Deus.” Idem, Patriarcas e profetas, 108-
109. Outros comentários que apresentam esse mesmo propósito podem ser encontrados em ibid., 361, 492,
445, 582, 723; idem, História da redenção, 115 e 324; idem, Profetas e reis, 292; idem, Eventos finais, 28.
173
Essa intenção divina foi demonstrada pela autora em idem, Patriarcas e profetas, 123, 396, 401,
605; idem, Profetas e reis, 77-86, 107, 255, 309; 425, 673-676, 705; idem, Parábolas de Jesus, 14ª ed. (Tatuí,
SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 213-214; idem, O maior discurso de Cristo, 15ª ed. (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2001), 67; idem, Testemunhos seletos, 3:330; idem, Eventos finais, 28-29.
174
Ibid., 241; idem, Parábolas de Jesus, 325. Ver comentários sobre exemplos dessa realidade em
idem, Patriarcas e profetas, 130-131, 263; idem, História da redenção, 115.
144

que não cometam os mesmos pecados a fim de não incorrerem nos mesmos castigos.175 (5)

Manifestar misericórdia para com os próprios pecadores,176 pois a continuação de sua vida

resultaria em ódio e contenda entre eles mesmos, de modo que se destruiriam uns aos

outros, resultando em maior sofrimento.177 (6) A completa erradicação do pecado e dos

pecadores.178

Tipos da Ira de Deus

Para Ellen White, os juízos divinos podem ser classificados como diretos ou

indiretos. Ela chama de juízos indiretos as ocorrências em que Deus se afasta e deixa o

pecador seguir seu próprio caminho.179 Nesses casos o Espírito Santo é retirado

definitivamente do pecador e este fica à mercê de suas próprias paixões e da maldade de

Satanás.180 Não há mais a interferência divina em sua vida. O exemplo mais evidente de um

caso assim pode ser visto na destruição de Jerusalém, no ano 70.181 Após descrever o que

ocorreu, a autora afirma que “jamais foi dado um testemunho mais decisivo do ódio ao

pecado por parte de Deus, e do castigo certo que recairá sobre o culpado”.182

Outras vezes os juízos de Deus são diretos, o que significa que Deus é sua fonte.

Podemos ver exemplos disso nos juízos de Deus sobre o mundo antediluviano porque se

175
Ibid.
176
Ibid.; idem, Profetas e reis, 428.
177
Ibid., 325-326.
178
Idem, O grande conflito, 669-670, 675.
179
Idem, Fé e obras, 4ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 46.
180
Idem, O grande conflito, 36. As mesmas coisas ocorrerão, todavia em escala mundial, com todos
os ímpios, quando o Espírito de Deus for totalmente retirado deles, ao final da história humana. Ver pág. 37.
181
Ibid., 25.
182
Ibid., 33. Quando ela trata dos eventos que ocorrerão após encerrar o período de graça, dado por
Deus aos homens, um pouco antes do retorno de Cristo a este mundo, declara que “o mundo inteiro se
envolverá em ruína mais terrível do que a que sobreveio a Jerusalém na antiguidade”. Ibid., 613.
145

havia tornado “incurável”,183 sobre os habitantes de Sodoma porque “eram incorrigíveis no

pecado”,184 e sobre os amorreus, os antigos moradores de Canaã, que apesar de terem visto

“o poder divino manifestado de maneira assinalada”, não apresentaram nenhuma “mudança

para melhor”.185

Falsas Ideias Sobre a Ira de Deus

Em seus escritos, Ellen White analisa e combate o que para ela são falsos

ensinamentos a respeito dos juízos de Deus e de Sua ira. Ela focaliza especialmente: (1) a

doutrina do tormento eterno como castigo pelo pecado. Para ela, essa doutrina retrata a

Deus como um ser vingativo, que se alegra com o sofrimento de suas criaturas, o que tem

levado os homens à grande perturbação, incredulidade e rebeldia.186 Esse ensino derivou

dos dogmas da filosofia pagã, entre os quais a “crença na imortalidade natural do homem e

sua consciência na morte” que, especialmente através do papado, acabaram sendo

incorporados à fé cristã.187 A autora argumenta que, se por um lado, a idéia de os ímpios

serem atormentados eternamente por causa dos pecados de uma breve vida terrestre não

reflete a justiça,188 por outro, o acúmulo de pecado, devido às maldições e blasfêmias que

os ímpios proferem enquanto torturados, não promove a glória de Deus, antes “o apresenta

183
Idem, Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos, 75. Nessa ocasião, “o próprio Satanás,
que fora obrigado a permanecer no meio dos elementos em fúria, temeu pela sua existência”. Idem,
Patriarcas e profetas, 96.
184
Idem, Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos, 75.
185
Idem, Testemunhos seletos, 2:63.
186
Idem, Conselhos aos professores, pais e estudantes, 5ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2001), 27-28. Ver também idem, O grande conflito, 534, 536; Idem, Primeiros escritos, 4ª ed.
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 220.
187
Ibid., 57-58.
188
Idem, O grande conflito, 535.
146

como o maior tirano do Universo”189 e perpetua o pecado.190 (2) A ideia de que a

recompensa segue-se imediatamente após a morte. Se fosse assim, não haveria necessidade

de um juízo futuro, como é tão amplamente ensinado no evangelho191 (Mt 11:22; 12:41-42;

2Tm 4:1; 1Pe 4:5; 2Pe 2:9; 3:7; Jd 6; Ap 20:11-15). Além disso, o pensamento de que seus

queridos que faleceram sem estarem preparados estão agora sofrendo nas chamas, traz

imensa angústia para os que continuam vivos.192 (3) O conceito de que as ameaças de Deus

não se cumprirão literalmente, antes o seu propósito é meramente amedrontar os homens e

levá-los à obediência.193 Ao final, não importa como vivam os homens, toda a humanidade

se salvará.194 Tal consideração, embora admita a misericórdia divina, passa por alto sua

justiça e serve de incentivo a uma vida ímpia.195 (4) A morte é um sono eterno. Esta crença

nega o valor da Bíblia196 a qual declara repetidamente que esta vida não é tudo e que todos

os que morreram um dia ressurgirão: uns para a vida eterna e outros para a destruição

eterna (Jo 5:28-29; Ap 20:4-6, 11-15).

Instrumentos da Ira de Deus

Ao enviar Seus justos juízos sobre os homens, Deus faz uso de variados

instrumentos, tais como anjos, homens, forças da natureza, pragas e doenças.

189
Idem, Testemunhos para a igreja, 9 vols. (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2000-2006), 1:120.
190
Idem, O grande conflito, 536.
191
Ibid., 549.
192
Ibid., 535.
193
Ibid., 537; Idem, Primeiros escritos, 219.
194
Ibid. Ver também idem, História da redenção, 389.
195
Idem, O grande conflito, 537.
196
Idem, Primeiros escritos, 219.
147

Os anjos

Uma leitura atenta das Escrituras Sagradas revela que Deus emprega como agentes

de sua ira tanto os anjos que lhe são sempre leais como aqueles que se rebelaram contra ele.

Os anjos da luz

Nas páginas da Bíblia pode-se perceber com frequência a atividade dos anjos em

favor dos homens. Eles trazem revelações ou orientações específicas, animam, confortam,

cuidam e protegem (Gn 24:7; 1Re 19:4-8; 2Cr 32:21; Sl 34:7; 91:11; Mt 1:18-21; 2:13-15;

Lc 1:8-20, 26-38; At 5:17-21; 10:1-5; 12:3-11). Como registrou o autor da carta aos

Hebreus: “Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que

hão de herdar a salvação?” (Hb 1:14). Todavia, há também um “poder destruidor exercido

pelos santos anjos quando Deus ordena”.197

No relato do Gênesis, por exemplo, o contexto mostra que os viajores que visitaram

a Abraão (Gn 18) eram anjos, “mensageiros celestiais” e “ministros da ira”, que se dirigiam

a Sodoma com a finalidade de destruí-la (Gn 19).198 Também, quando ocorreu a décima

praga contra o Egito (Êx 12:29-30), “um único anjo destruiu todos os primogênitos dos

egípcios, enchendo a Terra de pranto”.199 Séculos mais tarde, quando o rei Davi mandou

transportar a arca sagrada para a capital, “estendeu Uzá a mão à arca de Deus e a segurou,

porque os bois tropeçaram. Então, a ira do Senhor se acendeu contra Uzá, e Deus o feriu ali

por esta irreverência; e morreu ali junto à arca de Deus" (2Sm 6:6-7). Uzá “demonstrou

uma manifesta desconfiança de Deus, como se Aquele que tinha trazido a arca da terra dos

197
Idem, O grande conflito, 614.
198
Idem, Patriarcas e profetas, 138-139.
199
Idem, O grande conflito, 614.
148

filisteus não pudesse tomar conta dela. Os anjos que atendiam à arca feriram Uzá por sua

impaciente presunção de colocar a mão sobre a arca de Deus”.200

Outra ocorrência se deu nos dias do rei Ezequias, por ocasião da invasão dos

assírios que, comandados por Senaqueribe, afrontaram e blasfemaram de Deus. O juízo

divino veio por meio de um anjo. “Naquela mesma noite, saiu o Anjo do Senhor e feriu, no

arraial dos assírios cento e oitenta e cinco mil” (2Re 19:35); “destruiu todos os homens

valentes, os chefes e os príncipes no arraial do rei da Assíria” (2Cr 32:21).

Semelhantemente, nos dias da igreja primitiva, percebe-se que um anjo foi “o

mensageiro da ira e juízo a Herodes [...] trazendo sobre ele o castigo do Todo-poderoso [...]

[de modo que ele] morreu em grande angústia de espírito e corpo, sob o juízo retributivo de

Deus”201 (At 12:20-23). Ainda nos eventos escatológicos que ocorrerão por ocasião do

derramamento das sete últimas pragas, os anjos de Deus executarão seus juízos, pois serão

“mensageiros de vingança”202 (Ap 15:1, 8; 16:1-17). Portanto, os anjos que têm a função de

proteger e livrar a uns, podem receber a ordem de punir a outros.

200
Idem, História da redenção, 192. Noutra obra são fornecidos mais detalhes sobre a razão do juízo
de Deus ter ocorrido nessa ocasião: “A sorte de Uzá foi um juízo divino pela violação de um mandado
explícito. Por meio de Moisés o Senhor dera instrução especial com relação ao transporte da arca. Ninguém, a
não ser os sacerdotes, descendentes de Arão, devia tocá-la, ou mesmo olhar para ela, estando descoberta. A
instrução divina era: "Os filhos de Coate virão para levá-lo; mas no santuário não tocarão, para que não
morram." Núm. 4:15. Os sacerdotes deviam cobrir a arca, e então os coatitas deviam carregá-la pelas hastes,
as quais eram colocadas em argolas de cada lado da arca, e nunca se removiam. [...]
“[...] Em Uzá recaía a maior culpa de arrogância. A transgressão à lei de Deus diminuíra a intuição
que ele tinha da santidade da mesma, e, tendo sobre si pecados não confessados, atrevera-se em face da
proibição divina a tocar no símbolo da presença de Deus. Deus não pode aceitar uma obediência parcial, uma
maneira frouxa de tratar os Seus mandamentos. Pelo juízo sobre Uzá, era Seu intuito impressionar todo o
Israel quanto à importância de dar estrita atenção aos Seus requisitos. Assim a morte daquele homem, levando
o povo ao arrependimento, poderia impedir a necessidade de infligir juízos sobre milhares.” Idem, Patriarcas
e profetas, 705-706.
201
Idem, Atos dos apóstolos, 152.
202
Ibid., 431-432.
149

Os anjos das trevas

Há algumas situações em que Satanás e seus anjos são os executores dos juízos de

Deus. Isto não significa que haja uma espécie de parceria entre Deus e Satanás ou que este

preste algum tipo de obediência Àquele. Todavia, quando o pecador, por sua contumácia no

pecado, ultrapassa os limites da misericórdia, Deus se afasta dele e não mais interfere em

sua vida, deixando-o seguir seu próprio caminho e entregue à sua própria sorte. Então,

Satanás, cuja índole é causar aflição a quem puder, tem amplo espaço para agir a seu bel-

prazer.203 Fatalmente, tal indivíduo é mergulhado num mundo de sofrimento e desespero e

o que lhe sucede também é considerado como juízo de Deus.

Foi o que aconteceu, de modo coletivo, por ocasião da destruição de Jerusalém no

ano 70 de nossa era, conforme fora predito por Cristo (Mt 24 e Lc 21). Em Sua

longanimidade, Deus a poupou por quase 40 anos, a fim de que mais luz resplandecesse

sobre aqueles que não estavam endurecidos no pecado. Contudo, como persistissem em

rejeitar a misericórdia divina, completaram a medida de seus pecados.204 “Afastou Deus

então deles a proteção, retirando o poder com que restringia a Satanás e seus anjos, de

maneira que a nação ficou sob o controle do chefe que haviam escolhido”.205

A partir daquele momento, tudo que aconteceu à cidade foi por vontade e ação de

Satanás,206 o qual “suscitou as mais violentas e vis paixões da alma. Os homens [...]

203
Idem, O grande conflito, 36.
204
Ibid., 27-28.
205
Ibid., 28. “Quando, porém, os homens passam os limites da clemência divina, a restrição é
removida. Deus não fica em relação ao pecador como executor da sentença contra a transgressão; mas deixa
entregues a si mesmos os que rejeitam Sua misericórdia, para colherem aquilo que semearam.... O Espírito de
Deus, persistentemente resistido, é afinal retirado do pecador, e então poder algum permanece para dominar
as más paixões da alma, e nenhuma proteção contra a maldade e inimizade de Satanás.” Ibid., 36.
206
Ibid., 28-29.
150

tornaram-se satânicos em sua crueldade”.207 Como consequência, houve saques, torturas,

dissensões internas, combate dos exércitos estrangeiros, fome, peste e muito derramamento

de sangue.208 Assim, “as horríveis crueldades executadas na destruição de Jerusalém são

uma demonstração do poder vingador de Satanás sobre os que se rendem ao seu

controle”.209 Todas essas desgraças são classificadas como juízos de Deus.210

Ainda é acrescentado que a profecia de Cristo sobre os “juízos que deveriam cair

sobre Jerusalém há de ter outro cumprimento, do qual aquela terrível desolação não foi

senão tênue sombra [...] da condenação de um mundo que rejeitou a misericórdia de Deus e

calcou a pés a Sua lei”.211 Isso ocorrerá após Cristo completar sua obra de intercessão pelos

homens e sair do santuário celestial.212 Discorrendo sobre aquele tempo Ellen White diz:

Removeu-se a restrição que estivera sobre os ímpios, e Satanás tem domínio completo sobre
os que finalmente se encontram impenitentes. ... Os ímpios passaram os limites de seu tempo
de graça; o Espírito de Deus, persistentemente resistido, foi, por fim, retirado. Desabrigados
da graça divina, não têm proteção contra o maligno. Satanás mergulhará então os habitantes
da Terra em uma grande angústia final.213

Esses acontecimentos futuros são apresentados como cumprimento de uma visão

apocalíptica e simbólica, na qual “quatro ventos” querem soprar para “fazer dano à terra e

ao mar”, mas são impedidos, durante algum tempo, por “quatro anjos”. Depois que os

207
Ibid., 25.
208
Ibid., 28-35.
209
Ibid., 35. “Os judeus haviam forjado seus próprios grilhões; eles mesmos encheram a taça da
vingança. Na destruição completa que lhes sobreveio como nação, e em todas as desgraças que os
acompanharam depois de dispersos, não estavam senão recolhendo a colheita que suas próprias mãos
semearam. [...] Seus sofrimentos são muitas vezes representados como sendo castigo a eles infligido por
decreto direto da parte de Deus. É assim que o grande enganador procura esconder sua própria obra. Pela
obstinada rejeição do amor e misericórdia divina, os judeus fizeram com que a proteção de Deus fosse deles
retirada, e permitiu-se a Satanás dirigi-los segundo a sua vontade.” Ibid.
210
Ibid., 36.
211
Ibid.
212
Ibid., 614.
213
Ibid.
151

servos de Deus são selados, os ventos são soltos (Ap 7:1-3). Esses quatro ventos

representam as forças demoníacas que em sua fúria desejam arruinar a humanidade214

enquanto que os anjos que os seguram simbolizam os anjos de Deus que limitam o poder

das forças do mal.215 “Com insone vigilância eles estão mantendo em xeque os exércitos de

Satanás até ser concluído o selamento do povo de Deus”.216

Aqueles que foram selados são servos de Deus, isto é, aceitaram plenamente seu

oferecimento de salvação e refletem “completamente a imagem de Jesus”.217 De modo

algum sofrerão a ira de Deus.218 Quando Deus ordenar a seus anjos que soltem os ventos,

“o mesmo poder destruidor exercido pelos santos anjos quando Deus ordena, será exercido

pelos maus quando Ele o permitir. Há agora forças preparadas, e que aguardam apenas o

consentimento divino para espalharem a desolação por toda parte”.219

Os homens

Em diferentes ocasiões, Deus também se valeu de homens como executores de seus

juízos podendo ser um indivíduo ou uma coletividade. Alguns deles eram seus inimigos

enquanto que outros eram de seu povo. Alguns sabiam que estavam cumprindo um juízo

divino, enquanto que outros não. Todos, porém, a seu tempo, realizaram o propósito divino.

214
Idem, “Losing our First Love”, Review and Herald, 7 de junho de 1887 par. 13.
215
Ibid.
216
Idem, a William Kerr, 10 de maio de 1900, Carta 79, 1900, p. 12-13, Centro de Pesquisas Ellen G.
White – Brasil, Engenheiro Coelho, SP.
217
Idem, Primeiros escritos, 70.
218
O final do capítulo seis do Apocalipse apresenta uma breve descrição da segunda vinda de Cristo
e do terror que se apossará dos ímpios, que desejarão se esconder “da face daquele que se assenta no trono e
da ira do Cordeiro, porque chegou o grande Dia da ira deles” (Ap 6:15-17). O capítulo, então, encerra com a
pergunta: “e quem pode suster-se?” (V. 17). A resposta é dada na próxima visão, a do selamento dos servos
de Deus, mostrando que eles são os que não sofrerão a ira de Deus (Ap 7:1-4).
219
Idem, O grande conflito, 614.
152

Um indivíduo como executor da ira de Deus

Pouco antes dos israelitas entrarem em Canaã foram seduzidos pelas mulheres que

habitavam na localidade de Baal-Peor. Prostituíram-se com elas e participaram dos

sacrifícios aos seus deuses, o que despertou a ira de Deus. Na ocasião um príncipe

simeonita, atrevidamente, trouxe uma dessas mulheres midianitas à sua tenda, no arraial de

Israel, fazendo “ostentação de seu pecado à vista da congregação, como que a desafiar a

vingança de Deus”.220 Então, o sacerdote Finéias, tomando de uma lança foi após eles e os

matou (Nm 25:6-8). Como consequência, “o sacerdote que executara o juízo divino foi

honrado perante todo o Israel, e o sacerdócio foi confirmado a ele e sua casa para

sempre”.221 Com seu ato ele desviou a ira de Deus (Nm 25:11-13).

Grupos de indivíduos como executores da ira de Deus

Dentro do povo de Israel, em diferentes momentos de sua história, houve grupos de

indivíduos a quem Deus utilizou como instrumentos de sua ira contra a rebeldia. Vemos um

exemplo disso logo após a saída de Israel do Egito, no episódio da adoração do bezerro de

ouro (Êx 32:1-29). Depois que o povo se afastou dos caminhos de Deus, podia-se

classificar os israelitas em três grupos. O primeiro era formado por aqueles que não haviam

participado da idolatria. Esse foi o caso da tribo dos levitas. O segundo, por aqueles que,

embora houvessem pecado, demonstravam seu arrependimento. E o terceiro, por aqueles

que persistiam em sua rebelião, incluindo os que haviam encabeçado o evento. Por ordem

divina, o primeiro grupo destruiu o terceiro, enquanto que o segundo, foi poupado.222 Desse

modo, os levitas, “que efetuaram esta terrível obra de juízo, estiveram a agir com

220
Idem, Patriarcas e profetas, 455.
221
Ibid., 455-456.
222
Ibid., 323-325.
153

autoridade divina, executando a sentença do Rei do Céu”.223 Posteriormente, em Baal-Peor,

logo após a ação de Finéias, “Deus ordenou que os líderes desta apostasia fossem mortos

pelos magistrados. Esta ordem foi prontamente obedecida [...] para que a congregação [...]

pudesse ter uma intuição profunda da aversão de Deus ao seu pecado, e do terror de Sua ira

contra eles”224 (Nm 25:1-5).

Houve também ocasião em que o Senhor usou um grupo de homens infiéis para

cumprir seus propósitos. Isso pode ser visto na conspiração encabeçada por Absalão contra

Davi, seu pai, o que trouxe a este intensa aflição, ocasionando a perda de muitas vidas e

fazendo perigar o reino (2Sm 15-18). Esta revolução é considerada como “o justo juízo de

Deus” por causa do pecado de Davi225 (2Sm 12).

Israel como executor da ira de Deus

Nas narrativas bíblicas encontramos diversas situações em que Deus empregou o

povo de Israel para executar sua ira contra as nações. Desse modo, após a rebeldia de Baal-

Peor, o Senhor ordenou a Israel, por meio de Moisés, que destruísse os midianitas (Nm

31:1-18). Esse episódio pode ser visto como um exemplo de tantos outros em que Deus

exigiu que Israel fizesse guerra contra outros povos. Nesses casos, “Deus os suportou até

que encheram a medida de sua iniquidade, então trouxe sobre eles rápida destruição. Usou

Seu povo como instrumento de Sua ira, para punir as nações ímpias, que os haviam

afligido, e seduzido à idolatria”.226

223
Ibid., 325; idem, Cristo em seu santuário, 2ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001),
30.
224
Idem, Profetas e reis, 455.
225
Ibid., 732.
226
Idem, Mensagens escolhidas, 2:333.
154

Posteriormente, quando os israelitas entrassem em Canaã, deveriam destruir

totalmente as nações que ali habitavam. Instruído por Deus, Moisés lhes disse:

Quando o Senhor, teu Deus, te introduzir na terra a qual passas a possuir, e tiver lançado
muitas nações diante de ti, os heteus, e os girgaseus, e os amorreus, e os cananeus, e os
ferezeus, e os heveus, e os jebuseus, sete nações mais numerosas e mais poderosas do que tu;
e o Senhor, teu Deus, as tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirás; não
farás com elas aliança, nem terás piedade delas” (Dt 7:1-2).

E foi isso o que ocorreu em vários dos combates relatados por Josué. Quando

diversos reis se uniram e os atacaram, “o Senhor os entregou nas mãos de Israel; e [...]

feriram-nos sem deixar nem sequer um. [...] [e] nesse mesmo tempo, voltou Josué, tomou

Hazor e [...] a todos os que nela estavam feriram à espada e totalmente os destruíram, e

ninguém sobreviveu; e a Hazor queimou” (Js 11:1-23). Em todas essas batalhas os israelitas

eram “encarregados de executar Seus juízos”.227

Também, no princípio da monarquia em Israel, Saul recebeu, por meio do profeta

Samuel, a incumbência de guerrear contra os amalequitas. Foi-lhe dito: “Assim diz o

Senhor dos Exércitos: Castigarei Amaleque pelo que fez a Israel: Ter-se oposto a Israel no

caminho, quando este subia do Egito. Vai, pois, agora, e fere a Amaleque, e destrói

totalmente a tudo o que tiver, e nada lhe poupes” (1Sm 15:2-3; cf. Dt 25:17-19). Aqueles

que foram convocados para acompanhá-lo “deviam empenhar-se na guerra unicamente

como um ato de obediência a Deus, a fim de executar Seu juízo sobre os amalequitas”.228

227
Idem, Profetas e reis, 494.
228
Ibid., 629.
155

Nações pagãs como executoras da ira de Deus

De todos os agentes da ira de Deus no AT, as nações são apresentadas como os mais

poderosos. Elas foram empregadas para castigar outras nações pagãs229 (Is 13:1-5, 16-19;

20:1, 4; 23:13-15; 36:18-20; 37:8-13 cf. 37:21-27), mas também, muitas vezes, para punir o

próprio povo de Israel por sua infidelidade.230 Desse modo, Israel foi afligido por diversas

nações vizinhas (Jz 2:11-15; 4:1-2; 6:1-2), pelos filisteus, nos dias do sacerdote Eli (1Sm

4:1-11), pelos assírios, comandados por Salmaneser, a quem Deus chamou de “cetro da

minha ira”, e de quem disse “a vara em sua mão é o instrumento do meu furor” (Is 10:5).

De fato, “a destruição que abateu o reino do norte foi um juízo direto do Céu. Os assírios

foram meramente os instrumentos de que Deus Se serviu para realizar o Seu propósito”231

(Is 7:17-20).

O mesmo pode ser dito de Babilônia e de seu rei. Deus os usou como instrumentos

de sua ira para punir o impenitente Judá. Em consequência, houve ataques e invasões, a

capital foi devastada e saqueada, a nação caiu e veio o cativeiro (2Cr 36:17-21; Sl 106:40-

41; Lm 2).232 Também o domínio romano sobre os judeus, ocorrido séculos mais tarde, é

interpretado como um dos juízos de Deus, em razão de seus pecados e de seu afastamento

do Senhor.233 Portanto, com frequência, a ira de Deus toma a forma de guerra e carnificina

e tais formas humanas de violência são empregadas para a glória de Deus (Êx 14:4, 17-18,

26-31; Is 42:10-13; Ez 38:21-23).234

229
Ibid., 350.
230
Ibid., 585. Ver também idem, Eventos finais, 242.
231
Ibid., Profetas e reis, 291.
232
Ibid., 422-425.
233
Ibid., O desejado de todas as nações, 106.
234
Ver idem, Profetas e reis, 491, 513.
156

A natureza

Com muita frequência, Deus tem usado os elementos da natureza e, em alguns

casos, até os animais para mostrar Seu desagrado com o pecado.

Elementos da natureza

Deus é o criador da natureza e a tem usado para cumprir seus propósitos, incluindo

a punição dos que sistematicamente se rebelam contra ele. Foi assim por ocasião do Dilúvio

(Gn 6-7), considerado como um “terrível derramamento da ira de Deus”,235 e na destruição

de Sodoma e das demais cidades do vale de Sidim (Gn 18:16-19:29), quando “o Senhor fez

chover do Céu enxofre e fogo”,236 o que foi chamado de “os fogos de Sua vingança”.237

Um dos episódios mais esclarecedores, que demonstram como Deus se vale dos

elementos da natureza para manifestar Sua ira, pode ser visto nas dez pragas que vieram

sobre o Egito. Claramente, Deus preferiu usar os recursos da natureza, de modo que,

enquanto as pragas caíam, muitos se convenceram de que Faraó “se achava opondo a um

Ser que fez de todas as forças da natureza ministros de Sua vontade”.238 Deste modo, na

primeira delas, as águas se tornaram em sangue (Êx 7:20-21), em outra houve uma chuva

de pedras misturada com fogo (Êx 9:22-25) e, posteriormente, houve trevas espessas (Êx

10:21-23).239

Ainda na história de Israel, quando da rebelião encabeçada por Coré, Datã e Abirão,

250 príncipes de Israel, contrariando a vontade divina, se ajuntaram contra Moisés e Arão

235
Ellen White, Santificação, 10ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 72-73.
236
Idem, Profetas e reis, 162.
237
Ibid., 159.
238
Ibid., 271.
239
Ibid., 265, 269 e 272.
157

na tentativa de assumir a liderança da nação, Deus enviou seus juízos sobre os rebeldes

usando a terra e o fogo. Assim, a terra se abriu e tragou os chefes da rebelião e, depois, o

“fogo que flamejou da nuvem consumiu os duzentos e cinquenta príncipes” porque não se

arrependeram240 (Nm 16:1-35). Do mesmo modo, a grande seca que se abateu sobre Israel

durante três anos e meio, nos dias de sua apostasia, sob o governo de Acabe (1Re 17:1, 7;

Tg 5:17) deveria ser reconhecida como “juízo de Jeová”.241

Tratando deste tema, Ellen White declara que ao longo do tempo Satanás tem

levado cidades e nações a provocarem a ira de Deus por meio de seus pecados de maneira

que fossem destruídas através das forças da natureza;242 e apresenta esses juízos como já

estando presentes no mundo243 e como devendo ocorrer, em escala cada vez maior, à

medida que o fim se aproxima.244 Por isso, diz ela, “quão frequentemente ouvimos de

terremotos e furacões, de destruição pelo fogo e inundações, com grandes perdas de vidas e

propriedades!”245

Também as profecias apocalípticas apontam para as sete últimas pragas que

incidirão sobre os ímpios, quando Deus usará a natureza para puni-los. Então, todas as

águas se tornarão em sangue (Ap 16:3-4), o sol será afetado de modo que “os homens se

queimarão com intenso calor” (vs. 8-9), haverá trevas (v. 10) e um “terremoto como nunca

houve” e também uma “grande saraivada” com enormes pedras (vs. 17-21).246

240
Idem, O grande conflito, 401.
241
Idem, Profetas e reis, 126.
242
Idem, No deserto da tentação, 2ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 41-42.
243
Idem, Conselhos sobre o regime alimentar, 11ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001),
40.
244
Idem, Testemunhos seletos, 3:333.
245
Idem, Eventos finais, 29.
246
Idem, O grande conflito, 627-628, 637.
158

Animais

Semelhantemente, algumas vezes Deus usou os animais para efetuarem o seu juízo.

Em quatro das pragas que vieram sobre o Egito ele empregou pequenos seres do reino

animal: rãs (Êx 8:5-6), piolhos (Êx 8:16-17), moscas (Êx 8:24) e gafanhotos (Êx 10:13-15)

– que, sendo muito numerosos, causaram grande desconforto e graves prejuízos.247 Os

próprios israelitas, em sua peregrinação, sofreram um juízo por esse meio. Ao se tornarem

impacientes e murmurarem contra Deus e contra Moisés, cometeram “grande pecado”.248

“Então, o Senhor mandou entre o povo serpentes abrasadoras, que mordiam o povo; e

morreram muitos do povo de Israel” (Nm 21:6). Deus, que até então cuidara deles e

suprira-lhes todas as necessidades (Dt 8:14-16), retirou “sua proteção até que fossem

levados a apreciar Seu misericordioso cuidado, e a voltar-se para Ele com arrependimento e

humilhação”.249

Como parte das bênçãos que Israel receberia, se fosse fiel, está a promessa de que

Deus os ajudaria a conquistar as terras de Canaã, e isso incluiria o uso de vespões.

“Também enviarei vespas diante de ti, que lancem os heveus, os cananeus e os heteus de

diante de ti” (Êx 23:28). Muitas décadas depois, quando já haviam se estabelecido em

Canaã, Josué, recordando o que Deus fizera por eles, declarou, em nome do Senhor:

“Enviei vespões adiante de vós, que os expulsaram da vossa presença, bem como os dois

reis dos amorreus, e isso não com a tua espada, nem com o teu arco” (Js 24:12). Portanto,

essas investidas dos vespões estão associadas com o uso que Deus fez dos israelitas como

247
Idem, Patriarcas e profetas, 265-266, 271.
248
Ibid., 429.
249
Ibid.
159

instrumentos para punir as nações de Canaã.250 Também, após a destruição das dez tribos

de Israel, quando o rei da Assíria trouxe estrangeiros para que habitassem nas cidades de

Samaria em lugar dos filhos de Israel, porque eles não temerem a Deus, “mandou o Senhor

para o meio deles leões, os quais mataram a alguns do povo” (2Rs 17:24-25).

Outro incidente ocorreu em relação ao profeta Eliseu, quando houve um “exemplo

de terrível severidade”, com o objetivo de salvaguardar a importante e longa missão de Seu

servo. No início de seu ministério, quando caminhava de Jericó a Betel, “uns rapazinhos

saíram da cidade, e zombavam dele, e diziam-lhe: Sobe, calvo! Sobe, calvo! Virando-se ele

para trás, viu-os e os amaldiçoou em nome do Senhor; então, duas ursas saíram do bosque e

despedaçaram quarenta e dois deles.” (1Re 2:23-24). Este “terrível juízo que se seguiu foi

de Deus”.251

Doenças e pestilências

A ira de Deus tem-se manifestado também por meio da pestilência.252 Um dos

primeiros exemplos bíblicos pode ser visto na narrativa sobre a rebelião liderada por Coré.

Depois da destruição daqueles que haviam liderado a conspiração, “no dia seguinte, toda a

congregação dos filhos de Israel murmurou contra Moisés e contra Arão, dizendo: Vós

matastes o povo do Senhor” (Nm 16:41). Como resultado, sofreram a ira de Deus na forma

de uma praga que dizimou a quatorze mil e setecentos deles253 (vs. 42-50). Posteriormente,

porque os israelitas participaram do culto licencioso aos deuses pagãos, junto a Baal-Peor,

“acendeu-se a ira de Deus [...]. Por meio de juízos que se não fizeram esperar, o povo foi

250
Idem, História da redenção, 143-144.
251
Idem, Profetas e reis, 236.
252
Idem, No deserto da tentação, 41-42. Ver também idem, Primeiros escritos, 64-65.
253
Ibid., Patriarcas e profetas, 402-403.
160

despertado para a enormidade de seu pecado. Uma pestilência terrível irrompeu no arraial,

da qual dezenas de milhares de pronto foram presa”254 (Nm 25:1-3, 9).

De igual modo, séculos mais tarde, nos dias de Davi, a peste atingiu Israel. Movido

por orgulho e a ambição e a fim de mostrar a “força e prosperidade” do reino de Israel sob

sua administração, Davi mandou realizar um censo. Isso ofendeu a Deus.255 O próprio

Davi, reconhecendo seu pecado, confessou: “Muito pequei em fazer tal coisa; [...] procedi

mui loucamente” (1Cr 21:8). “Então, enviou o Senhor a peste a Israel; e caíram de Israel

setenta mil homens.” (1Cr 21:14). Em realidade, embora os próprios israelitas estivessem

descontentes com o levantamento do censo, “tinham acariciado os mesmos pecados que

determinaram a ação de Davi. Assim, [...] pelo erro de Davi Ele puniu os pecados de

Israel”.256

Deus também utilizou algumas vezes as doenças, especialmente a lepra. Embora

adquirir a lepra não seja necessariamente uma indicação de que seu portador esteja

recebendo um juízo divino, houve pelo menos três exemplos bíblicos em que isso ocorreu.

Talvez fosse por essa razão que a lepra, nos dias de Cristo, “entre os judeus, era

considerada um juízo sobre o pecado, sendo chamada: ‘o açoite’, ‘o dedo de Deus’”,257 e a

mais temida das doenças.258

254
Ibid., 455.
255
Ibid., 746.
256
Ibid., 748. Nos relatos de Samuel (2Sm 24:16-17) e Crônicas (1Cr 21:15-16), bem como no
comentário correspondente de Ellen G. White (Profetas e reis, 748), aparece um anjo com a missão de ferir.
A linguagem utilizada em todos estes escritos não é suficientemente esclarecedora, dando margem para as
seguintes ideias: 1) O anjo estava encarregado de aplicar uma pestilência; 2) A pestilência era o anjo matando
com sua espada; e 3) As mortes foram causadas em parte pelo anjo com sua espada e em parte por uma
pestilência (1Cr 21:12).
257
Ibid., O desejado de todas as nações, 262.
258
Ibid.
161

O primeiro caso ocorreu no início da jornada de Israel pelo deserto. Zípora, ao ser

trazida por seu pai para se reunir a Israel, viu o estafante trabalho de Moisés, seu esposo, e

manifestou sua preocupação a Jetro, que sugeriu medidas para aliviarem seu trabalho.

Como resultado, outros foram escolhidos para dividir as cargas com Moisés (Êx 18), o que

levou Miriã e Arão a se ressentirem com a suposta perda de sua influência. Na sequência,

Miriã, movida por inveja e descontentamento, lançou queixas e acusações contra Moisés.

Então, o Senhor se manifestou e os repreendeu (Nm 12:1-8) e “Miriã foi castigada”,259

recebendo um juízo de Deus.260 Diz o texto sagrado: “E a ira do Senhor contra eles se

acendeu [...] e eis que Miriã achou-se leprosa, branca como a neve” (Nm 12:9-10). Depois,

“em resposta às orações de Moisés, a lepra foi purificada”.261

A segunda ocorrência se deu com Geazi, o servo do profeta Eliseu. Quando cobiçou

parte dos presentes que Naamã, após ser curado da lepra, oferecera ao profeta, e, mentindo,

tentou conseguir um talento de prata e duas vestes festivais, recebendo, como castigo

divino, a lepra que antes estivera sobre Naamã (2Rs 5:9-27).262

O terceiro exemplo aconteceu quando o rei Uzias entrou no templo com a intenção

de queimar incenso, o que era prerrogativa unicamente dos sacerdotes, que, com firmeza o

impediram. Considerando sua elevada posição não suportou o ser repreendido e encheu-se

de ira. Então, “foi ele subitamente ferido pelo juízo divino. Em sua testa apareceu lepra...

Até o dia de sua morte, alguns anos mais tarde, Uzias ficou leproso... pelo presunçoso

pecado com que mareou os anos derradeiros de seu reinado”263 (2Cr 26:16-21).

259
Idem, Patriarcas e profetas, 385.
260
Ibid., 386.
261
Ibid., 385.
262
Idem, Profetas e reis, 250-253.
263
Ibid., 304.
162

Há ainda outros exemplos. As Escrituras relatam que o rei Davi adulterou com

Bate-Seba e por meio de um artifício assassinou seu esposo (2Sm 11), e como “isto que

Davi fizera foi mal aos olhos do Senhor” (v. 27). Então acrescentam que o Senhor enviou o

profeta Natã a Davi a fim de repreendê-lo (2Sm 12:1-15) e completam o quadro com a

informação de “que o Senhor feriu a criança que a mulher de Urias dera à luz a Davi; e a

criança adoeceu gravemente. [...] Ao sétimo dia, morreu a criança” (2Sm 12:15, 18).

Houve também um caso em que um rei teve parte de seu corpo ferida por Deus. Isso

aconteceu logo após o cisma de Israel, quando Jeroboão, o primeiro rei das dez tribos,

estava junto ao altar pagão de Betel para queimar incenso. Deus lhe enviou um profeta com

uma mensagem de reprovação por seus pecados. E “tendo o rei ouvido as palavras do

homem de Deus... estendeu a mão [...] dizendo: prendei-o! Mas a mão que estendera contra

o homem de Deus secou, e não a podia recolher” (1Re 13:4). Então, o rei pediu que o

profeta implorasse o favor de Deus para que voltasse a ficar são. O profeta orou e seu

desejo foi atendido (v. 6). Esse temporário secamento do braço é apresentado como um

juízo de Deus.264

Além disso, temos os conhecidos exemplos da sexta praga sobre o Egito, que

consistiu em “úlceras nos homens e nos animais”265 (Êx 9:10) e a primeira das sete pragas

que incidirão sobre os ímpios no final dos tempos, que será de “úlceras malignas e

perniciosas”266 (Ap 16:1-2).

264
Ibid., 107.
265
Idem, Patriarcas e profetas, 266-267.
266
Idem, O grande conflito, 628.
163

Acidentes

Alguns acidentes podem também ser vistos como juízos de Deus, embora nem

sempre haja uma revelação específica que indique se ocorrem por uma ação divina direta

ou apenas como um resultado do afastamento por parte de Deus. Esse foi o caso do rei

Acazias, filho de Acabe. Ele “fez o que era mau perante o Senhor [...] serviu a Baal, e o

adorou, e provocou à ira ao Senhor, Deus de Israel, segundo tudo quanto fizera seu pai [...]

E caiu Acazias pelas grades de um quarto alto, em Samaria, e adoeceu” (1Re 22:53-2Re

1:2), vindo em consequência a falecer (2Re 1:3-4, 17), vítima da ira de Deus contra ele.267

Ao comentar a situação do mundo em seus dias e nos dias futuros, Ellen White

declara que a ira de Deus igualmente pode ser percebida em alguns acidentes na terra e no

mar,268 nos episódios em que edifícios suntuosos se transformam em cinzas,269 navios são

tragados pelo oceano270 e nos “desastres de estradas de ferro”.271

Resumo e Conclusões

Este capítulo analisou o tema da ira de Deus a partir das perspectivas do AT, NT e

dos escritos de Ellen White. Demonstrou como essa ira tem sido uma realidade no mundo

dos homens desde o surgimento do pecado e que ela permanecerá atuante até a extinção do

mal e a restauração de todas as coisas. Apontou o fator que desperta essa ira, ou seja, o

pecado, em todas as suas formas, com destaque para a quebra da aliança com Deus e a

desumanidade do homem para com seu semelhante. Porque o pecado não é inconsequente,

267
Idem, Testemunhos seletos, 2:50.
268
Idem, Eventos finais, 27-28.
269
Idem, “The Coming Crisis”, The Signs of the Times, 9 de outubro de, 1901 parte 3.
270
Ibid.
271
Idem, Mensagens aos jovens, 10ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 90.
164

mas destrutivo e, se não tratado adequadamente, resultará na morte eterna. Ele sempre

aborrece a Deus, desperta sua ira e atrai seu ataque judicial.

O exame dos efeitos da ira de Deus constatou que eles são percebidos

primeiramente em nossa própria constituição, porque o pecado se encontra no homem

como um princípio inato e o faz ímpio e perverso. Em segundo lugar, no abandono de

Deus, que entrega os rebeldes a seus próprios desejos e permite que sigam

desembaraçadamente seu caminho descendente, sem freio, sem qualquer intervenção

divina, até a plena profundeza da depravação (embora Deus nunca abandone quem aceita a

Cristo como seu Salvador e esta ação divina de entregar o homem ao seu próprio pecado

não seja necessariamente um abandono eterno, pois enquanto a vida segue, Deus, em sua

graça, provê oportunidades para a salvação). E, finalmente, os resultados da ira divina são

vistos nas punições, sendo que algumas são consequências naturais dos atos de pecado e

outras, penalidades diretas impostas por Deus como juiz. Essas punições têm vários

propósitos: a vindicação da santidade e justiça de Deus, a correção e recuperação do

pecador, a dissuasão dos homens para que não enveredem pelo mau caminho nem sofram o

prejuízo que o mal costuma causar e a erradicação do pecado e pecadores.

A ira de Deus abrange, em seu escopo, a história e a escatologia. Apesar de sua

paciência e tolerância para com os pecados, sua ira é revelada ao logo de todas as épocas,

seja por meio da acusação da consciência, do sentimento de culpa e remorso, dos

sofrimentos físicos e angústias mentais, da quebra dos relacionamentos e do envilecimento

que o pecado causa; seja por meio da justiça aplicada pela lei e a sociedade, seja quando

irrompe em terríveis julgamentos. Em suma, a ira divina está, agora mesmo, em constante

progresso, como uma resposta ao pecado. Todavia, porque ainda estamos no tempo da

graça, os juízos divinos ainda não são juízos totais, mas juízos dentro da história. Possuem
165

um sentido pedagógico e estão mesclados com a paciência e a longanimidade de Deus,

preservando o mundo para que tenha a oportunidade de apreciar a revelação do evangelho

de modo que, quem quiser, se volte para o Senhor.

Em seu sentido escatológico, a ênfase recai sobre o castigo que os ímpios – Satanás,

seus anjos e os homens impenitentes – terão ao final da história humana. Antes, porém,

deve ocorrer um julgamento, não para informar a Deus, mas a fim de pôr tudo às claras. A

intenção não é descobrir a verdade, mas revelá-la, tendo em vista a segurança futura do

universo. Por isso, Deus mantém com fidelidade os registros da vida de todos e permite que

aqueles que viverão pela eternidade participem do julgamento. Desse modo, em certo

sentido, Deus também estará sendo julgado: seus princípios, suas leis, seus propósitos, seu

modo de agir. Ao final, todos compreenderão tanto sua ira como seu amor e proclamarão

sua perfeita justiça. Procedendo assim, Deus protege todos os interesses, de maneira que

nenhuma dúvida se levantará por toda a eternidade.

Os juízos divinos podem ser diretos ou indiretos. São chamadas de juízos indiretos

as ocorrências em que Deus se afasta e deixa o pecador seguir seu próprio caminho. Em

alguns casos, o Espírito Santo é retirado definitivamente do pecador e este fica à mercê de

suas próprias paixões e da maldade de Satanás. Contudo, outras vezes, os juízos de Deus

são diretos, o que significa que Deus é sua fonte.

Há uma variedade de instrumentos empregados por Deus ao longo da história

humana para trazer seus justos juízos sobre os homens. Ele faz uso tanto dos anjos que lhe

são leais como daqueles que se rebelaram. De fato, há situações em que Satanás e seus

anjos são os executores dos juízos de Deus. Isto não significa que haja sociedade entre

Deus e Satanás ou que este ofereça algum tipo de obediência àquele, mas que, ao Deus se

afastar do pecador contumaz, aquele que ultrapassou os limites de sua misericórdia, Satanás
166

o domina completamente e o sofrimento e desespero que se sucedem também são

considerados como juízo de Deus.

Em muitas circunstâncias Deus também se valeu de homens como executores de

seus juízos. Podia ser um indivíduo ou uma coletividade. Alguns deles eram seus inimigos

enquanto que outros eram de seu próprio povo. Alguns sabiam que estavam cumprindo um

juízo divino, enquanto que outros não. Todos, porém, a seu tempo, realizaram o propósito

divino. Assim, algumas vezes Deus empregou Israel para punir as nações ao passo que em

outras circunstâncias foram as nações pagãs que puniram Israel por sua rebeldia. Tanto no

passado como no presente, Deus serve-se das autoridades constituídas para castigar os

malfeitores.

Também, repetidamente, Deus tem aproveitado a natureza para mostrar seu

desagrado com o pecado. Isso foi evidenciado no Dilúvio, na destruição de Sodoma, nas

pragas que vieram sobre o Egito e em diversas rebeliões de Israel. Acrescentem-se ainda a

expressão da ira divina por meio de pestilências, doenças e acidentes.

Portanto, a ira de Deus é um tema bastante recorrente na Bíblia e nos escritos de

Ellen White, sendo suas causas, efeitos, propósitos, modos e instrumentos de manifestação

muito bem definidos e amplamente exemplificados, e se apresentando como uma constante

realidade no mundo dos homens, enquanto não se encerrar o grande conflito entre o bem e

o mal.

O próximo capítulo expõe o tema da ira divina em sua vinculação com Cristo, o

Filho de Deus: o que ele tem feito e fará para libertar-nos dela, mas também seu papel

como executor dessa mesma ira nos eventos finais do grande conflito entre o bem e o mal.
CAPÍTULO III

CRISTO E A IRA DE DEUS

O presente capítulo discorre sobre os diferentes vínculos de Cristo com a ira de

Deus a partir das informações contidas nas Sagradas Escrituras, especialmente no NT, e sob

a ótica de teólogos conservadores e de Ellen White.

Perspectiva Bíblica e Teológica

As Sagradas Escrituras expõem o papel de Cristo no contexto da ira divina. No AT

encontram-se textos messiânicos reveladores, tanto nos Salmos como nos profetas. No NT,

os evangelhos registram a indignação de Jesus, seus ensinos a respeito e seu sofrimento na

morte de cruz; as epístolas discorrem sobre a necessidade dessa morte em relação à ira

divina, bem como seu significado, importância e alcance; e o Apocalipse de João prevê a

vinda gloriosa de Cristo para executar essa mesma ira.

Cristo – o Detentor da Ira de Deus

O autor da carta aos Hebreus argumenta que uma das provas da divindade de Jesus,

era seu amor à justiça e seu ódio para com a iniquidade (Hb 1:9).1 Um exame atento do

evangelho revela que a ira de Deus é uma característica integrante tanto da vida quanto dos

ensinos de Jesus, embora as referências expressas sejam raras (Mt 9:30; Mc 1:41, 43; 3:5;

Jo 11:33, 38) e seja significativo que nenhum de seus milagres e sinais tenha caráter

1
Donald Grey Barnhouse, Man’s Ruin / God’s Wrath (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1959), 218.

167
168

punitivo, contrastando assim fortemente, nesse ponto, com o AT, onde com frequência os

milagres – embora também fossem atos redentivos de Deus para os que permaneciam fiéis

– eram juízos de Deus.2 Todavia, isso ocorreu porque em seu primeiro advento “o Filho

veio com o propósito de dar vida, não de executar juízo”.3

A indignação de Jesus “era uma emoção humana, santificada por elevado nível de

espiritualidade”,4 e já continha algo da natureza da ira de Deus, o que pode ser percebido

pela análise das coisas que o deixavam irado. Ele se irava em face de forças e poderes de

vontade que se estabeleciam contra Deus. Assim, Ele se irou contra Satanás (Mt 4:10;

16:23) e os demônios (Mc 1:25; 9:25; Lc 4:41) e por causa da natureza demoníaca dos

homens (Jo 8:44), notadamente os fariseus (Mt 12:34; 15:7; 23:33), por causa da “dureza

do seu coração” (Mc 3:5-6; cf. Lc 6:6-7). Ele também se irou contra aquelas cidades que

recusaram seus apelos para conversão (Mt 11:20-24), contra os vendedores do templo que

por sua profanação mostravam que não tomavam Deus a sério (Mt 21:12-13; Jo 2:13-17) e

contra os discípulos por sua falta de fé (Mt 17:17).

Assim, a ira de Deus misturava-se à sua compaixão. É a mesma ira que, em seus

ensinos, foi atribuída ao senhor da festa quando seu convite foi desprezado pelos

convidados (Lc 14:21) e manifestada contra o mau servo que não correspondeu à grande

2
Instituto Catequético Superior de Nijmegen, O Novo Catecismo, 6ª ed. (São Paulo: Loyola, 1982),
133; Alois Stoeger, “Ira”, Dicionário de teologia bíblica, editado por Johannes B. Bauer, traduzido por
Helmuth Alfredo Simon (São Paulo: Edições Loyola, 1979), 539; W. Pesch, “Orgē / Wrath”, Exegetical
Dictionary of the New Testament, editado po Horst Balz e Gerhard Schneider (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1991), 2:529; J. F. MacArthur, Comentario MacArthur del Nuevo Testamento: Romanos 1-8 (Grand Rapids:
Editorial Portavoz, 2001), 91; Randolp V. G. Tasker, The Biblical Doctrine of the Wrath of God ( Londres:
The Tyndale Press, 1951), 28-34.
3
F. F. Bruce, João: Iintrodução e comentário (São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1987), 237.
4
Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia, ed. 1995, ver “ira”.
169

misericórdia que fora demonstrada para com ele (Mt 18:34-35). Em todos estes casos foi a

misericórdia desprezada e o amor ferido que despertaram a ira.5

A ira de Jesus basicamente revelava a ira de Deus escatológica, que é um aspecto

dos eventos finais a serem cumpridos em seu segundo advento. Ele é o Senhor que repudia

toda ligação com aqueles contra os quais está irado (Mt 7:23; 25:12; Lc 13:27), que em ira

destrói seus inimigos (Lc 12:46; 19:16; Mt 22:7), e que lança os rejeitados no fogo (Mt

13:41-42; 49-50; 25:41) e onde há choro e ranger de dentes (Mt 22:13; 25:30). Na

linguagem apocalíptica, ele é “o Rei dos Reis e Senhor dos senhores” que “pisa o lagar do

vinho do furor da ira do Deus Todo-Poderoso” (Ap 19:15-16), no “grande Dia” da “ira do

Cordeiro” (Ap 6:15-16), quando sua ira é particularmente contra os que desprezam o auto-

sacrifício do Cordeiro.6

Cristo – O Alvo da Ira de Deus

O tema da morte de Cristo sobressai aos demais e é a base da doutrina cristã.

Considerando-se o que ocorreu no Calvário podem ser percebidos quatro aspectos da dor

que Jesus experimentou na cruz: (1) A dor física e morte por crucificação, uma das mais

terríveis já inventadas pelo homem, que era bem demorada e levava à sufocação. (2) A dor

psicológica de assumir a culpa por nossos pecados, o que lhe foi uma agonia por ser tão

contrário à sua natureza completamente pura. (3) A dor de ser abandonado por Deus e pelos

homens, a quem sempre amara (Mt 27:46; 26:56; Jo 13:1), enfrentando sozinho os pecados

5
M. G. Stählin, “Orgē: The Wrath of Man and the Wrath of God in the New Testament”,
Theological Dictionary of the New Testament, 10 vols., editado por Gerhard Kittel, traduzido por Geoffrey W.
Bromiley (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1984), 5:427-429.
6
Ibid., 5:429.
170

colocados sobre ele. (4) A dor maior, a de sofrer a fúria da ira de Deus que tinha sido

armazenada com longanimidade desde o primeiro pecado no Éden.

Na cruz, Jesus suportou o ódio e a vingança de Deus contra o pecado.7 Esta foi a

maior demonstração da aversão de Deus contra o pecado. Nenhum dos poderosos atos de

juízo de Deus, no passado, no presente ou no futuro oferece uma tão grande demonstração

do ódio que Ele tem contra o pecado como a ira que foi derramada sobre seu filho.8 Essa

realidade é “o coração da doutrina da expiação”. Isso fica evidente também pelo uso das

expressões “fazer propiciação” (hilaskomai) e “sacrifício de propiciação” (hilasmos) que

indicam (Hb 2:17; 1Jo 2:2; 4:10) o “sacrifício que afasta a ira de Deus – e dessa forma

torna Deus propício (ou favorável) a nós”.9

Nenhum ser humano jamais seria capaz de sofrer toda a ira de Deus, mas Cristo a

recebeu em sua plenitude por causa da união, em sua pessoa, das naturezas divina e humana.

Sua morte e sofrimento têm a natureza de punição.10 O texto de Is 53 apresenta claramente

a ideia de punição, com expressões pertinentes tanto em relação com a pessoa que pune

como com a que é punida. Quanto a Deus, que puniu, é dito: “o Senhor fez cair sobre ele a

iniquidade de nós todos” (v. 6) e “ao Senhor, agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando

7
Wayne Grudem, Teologia sistemática (São Paulo: Vida Nova, 1999), 475-478. Para uma descrição
da origem, método e uso da crucificação, ver John R. W. Stott, A cruz de Cristo (São Paulo: Vida, 1991), 17,
41.
8
Stephen Charnock, The Existence and the Attributes of God (Grand Rapids: Baker, 1990), 2:134;
Heber Carlos de Campos, O ser de Deus e os seus atributos, 2ª ed. (São Paulo: Cultura Cristã, 2002), 327-
328.
9
Grudem, 475-478.
10
John Owen, The Works of John Owen, 16 vols., editado por William H. Goold, 2a. ed. (Edinburg /
Carlisse, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1976), 12:442. Em certo sentido, nossos pecados levaram
Jesus ao inferno, ao gehena – lugar de castigo. Stott, 69.
171

der ele a sua alma como oferta pelo pecado” (v. 10).11 Quanto a Cristo, que é punido, lemos:

“as iniquidades deles levará sobre si” (v. 11).

Mas qual foi o objetivo da punição de Cristo? (1) Não foi para sua própria correção,

porque é dito que ele “nunca fez injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca” (v. 9). (2)

Não foi para sua própria instrução na vontade de Deus porque estava findando seu período

de prova neste mundo, tendo consumado tudo que o Pai lhe dera para realizar (Jo 19:30) e

logo voltaria a empregar toda a autoridade no céu e na terra (Mt 28:18). (3) Não foi para

que servisse de exemplo para os outros, para instrução dos outros, porque ele próprio nunca

pecou (Hb 4:15). Ele foi um exemplo em sua obediência, mas não em sua punição. (4) Nem

foi um sofrimento para manter o testemunho e testemunhar a verdade. Não há nenhuma

indicação disto na profecia. (5) Conforme evidenciado no texto, as causas da punição foram

“as nossas transgressões”, “as nossas iniquidades”, “o pecado de muitos” (vss. 5, 6 e 12).12

Cristo – O Libertador da Ira de Deus

O grande destaque da mensagem das Escrituras é a apresentação de Cristo como

Salvador. Do que ele nos salva? Por um lado, ele nos salva do pecado: sua culpa, seu poder

e sua presença e, por outro, ele nos liberta da ira de Deus contra o pecador. Esta libertação

centraliza-se na expiação e propiciação realizadas na cruz e em sua obra sacerdotal no

santuário celestial.

11
Cristo sofreu nas mãos dos homens e nas mãos do Pai. Dos homens podia receber sofrimento físico
e morte como qualquer outro, mas somente Deus poderia fazer cair sobre ele a iniquidade de outros (Is 53:6; 2
Co 5:21). Somente Deus poderia imputar pecado àquele que ele escolheu. Lewis Sperry Chafer, Teologia
sistemática, 8 vols., traduzido por Heber Carlos de Campos (São Paulo: Hagnos, 2003), 3:61-62.
12
Owen, 12: 442.
172

A obra expiatória de Cristo

A crença na necessidade de expiação pelo pecado é universal e isso é demonstrado

com clareza pela história das religiões, tanto as antigas quanto as modernas. Essa crença

está presente entre os pagãos, entre os hebreus e entre os cristãos e faz parte da consciência

natural. 13 Todas as religiões têm procurado tratar do problema da culpa e dos atos

expiatórios que, oferecidos à divindade, pretensamente, podem removê-la e alcançar a

reconciliação,14 e incorporam o conceito de um inocente sofrer pelo culpado como uma das

maiores demonstrações do amor abnegado.15

A necessidade de expiação

Na própria religião hebraica, as ofertas pelo pecado não eram apenas expressões de

adoração ou penitência, ou uma maneira didática de se ensinar algo ao pecador e aos

espectadores, nem visavam apenas a reforma do ofensor; eram “expiações, nas quais a

vítima levava a culpa do pecador e morria em seu lugar e para seu livramento”.16 Todavia, a

noção bíblica de expiação e propiciação é completamente diferente daquela que existe nas

demais religiões, porque não são os pecadores que vão a Deus com um dom compensatório,

mas é Deus quem vem à humanidade em autodoação para eliminar a separação existente

entre os homens e Deus. Não são seres humanos que conciliam a Deus, mas “Deus estava

em Cristo reconciliando o mundo” (2Co 5:19). Ele não espera passivamente ser

13
Charles Hodge, Teologia sistemática, traduzido por Valter Martins (São Paulo: Hagnos, 2001),
857; Thomas O. Oden, The Worl Life, 3 vols. (San Francisco, CA: Harper & Row, 1992), 2:352-353.
14
Ibid.
15
Hodge, 887.
16
Ibid., 857-859; Campos, 328.
173

reconciliado, antes toma a iniciativa em reconciá-los (Gn 3:9; Rm 5:8; 2Co 5:18; 1Jo

4:10).17

A expiação é necessária por causa da lei de Deus. Esta, por ser uma expressão de

sua própria natureza santa, só pode ser o que é. Se a lei de Deus fosse algo à parte dele,

poderia fazê-la diferente, mas não é este o caso.18 Ao criar o homem, Deus quis fazê-lo

como um ser moral com quem pudesse ter relações pessoais, e por isso o fez à sua imagem

e semelhança (Gn 1:26-27), com uma consciência moral na qual inscreveu a mesma lei da

santidade que é atributo de sua natureza (Rm 2:11-16). A harmonia do homem com essa lei,

ou com a pessoa de Deus, glorificaria o Criador e resultaria em felicidade e vida eterna

enquanto que sua transgressão desonraria a Deus e teria como efeito a manifestação de sua

ira na forma da punição incluída na lei – a morte (Rm 6:23).19

Por isso, a lei não pode ser relaxada de modo a não punir seus transgressores. A

“punição é parte da sua estrutura e é tão inevitável como inevitável era que a lei fosse

expressão da natureza divina”.20 Em razão de que a punição decretada por Deus para o

pecado é a morte, o pecado nunca pode ser tratado separado dela.21 Por ser justo, Deus não

pode, simplesmente, fechar os olhos ao pecado, escusá-lo ou perdoá-lo.22 Ele quer perdoar,

17
Oden, 2:352-353.
18
Alfredo Borges Teixeira, Dogmática evangélica (São Paulo: Atena, 1958), 92, 205, 217; Oden,
1:110; Louis Berkhof, Teologia sistemática, 2ª ed., traduzido por Odair Olivetti (Campinas: Luz Para o
Caminho Publicações,1992), 371. A santidade majestosa de Deus é apresentada na primeira tábua do
decálogo, enquanto a santidade moral, na segunda. Essa lei moral pode ser também vista no NT,
especialmente no sermão do monte que revisa, interpreta e espiritualiza os dez mandamentos. W. G. T. Shedd,
Dogmatic Theology (Nashville: Thomas Nelson, 1980), 1: 363; Campos, 327-328.
19
Teixeira, 92, 205, 217; Campos, 340.
20
Teixeira, 217.
21
D. M. Lloyd-Jones, Romans: Atonement and Justification (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1971),
89-90; Morris L. Venden, 95 Teses Sobre Justificação pela Fé, traduzido por Azenilto G.Brito (Tatuí, São
Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1990), 117-118.
22
Aracely S. de Melo, Justificação pela fé (S/L: S/E, 1978), 7.
174

quer manifestar misericórdia, mas “em caso algum Deus concede Sua misericórdia

independente de Sua imutável justiça”. 23 Ao mesmo tempo em que quer dizer sim ao

pecador precisa dizer não ao pecado e demonstrar que conquanto esteja a favor dos homens,

está contra o pecado.24 O pecado torna a pessoa culpada e, portanto, devedora à lei, e isso

exige uma expiação.25

Porque todos os homens são pecadores (Rm 3:10-12), nenhum deles é capaz de

satisfazer a justiça de Deus. O que alguém deve à justiça tem que pagar. Todavia, quando

há uma obrigação entre dois homens a lei permite que um terceiro pague o débito, contanto

que não haja nenhuma injustiça. 26 Desse modo, o infrator deve pagar, em sua própria

pessoa ou na pessoa de um substituto, um “vigário”, que a justiça mesma aceite.27 O termo

“vicário” ou “vigário” se refere a alguém que age em lugar de outro, ou toma o lugar do

outro, a fim de remir ou agir como um substituto.28 No caso da relação do homem com

Deus, em razão de que todos pecaram, nenhum ser humano poderia ser o vigário de outro.29

Mas também não bastava que alguém fosse isento do pecado: um anjo não tem

pecado, mas apesar disso, não pode ser um substituto do homem. Era necessário que o

substituto, por um lado, pertencesse à humanidade, e, por outro, fosse divino, i.e., estivesse

à altura da lei que fora transgredida. Por isso, é que Cristo, que era divino (Jo 1:1-3),

23
Ibid., 8.
24
Otto Webwe, Fundations of Dogmatics, 2 vols., traduzido por Darrell L. Guder (Grand Rapids,
MI: Eerdmans, reimpressão 1988), 1:436.
25
Berkhof, 372. Frank B. Holbrook, O sacerdócio expiatório de Jesus Cristo, traduzido por José
Barbosa (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2002), 87-88.
26
Chafer, 68.
27
G. H. Lacy, Introduccion a la teologia sistemática, 2ª ed. (S/L.: Casa Bautista de Publicaciones,
1976), 83, 92.
28
Chafer, 68.
29
Ibid., 68; Hodge, 843.
175

encarnou (Jo 1:14), a fim de que se qualificasse para preencher essas condições e morresse

“pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (1Co 15:3).30 Ele não morreu apenas como

um evento na história, nem morreu por causa própria. Ele morreu por nós (1Ts 5:10; Rm

5:8; 8:32; Ef 5:2; Gl 3:13; Mc 10:45). Sua morte foi vicária. Foi uma substituição penal

porque ele morreu em nosso lugar e como cumprimento de uma pena. Ele assumiu o nosso

lugar e nos representou, recebendo o castigo que merecíamos de modo a nos libertar desta

experiência.31

No NT, a realidade da morte de Cristo como sendo uma substituição, pode ser

percebida em vários textos que contêm as preposições anti e hyper em conexão com a obra

realizada por Cristo em nosso favor. O significado delas depende do contexto. Desse modo,

anti, embora possa ter outro sentido, também traz a idéia de substituição – referindo-se a

alguém que toma o lugar de outro (Mt 2:22; 5:38; 20:28; Mc 10:45; Lc 11:11). A palavra

hyper é mais ampla e significa, em alguns casos, não mais do que um benefício

proporcionado ou recebido, enquanto que, em outros, é um equivalente de anti, tendo o

sentido vicário (ver Fm 1:13; 2Co 5:1 cf. com Lc 22:19-20; Jo 6:51; 11:50; 15:13; Rm 5:6-

8; 8:32; 2Co 5:14-15, 21; Gl 3:13; Ef 5:2, 25; 1Tm 2: 5-6; Hb 2:9; 1Pe 3:18).32 Portanto,

como nosso substituto, Cristo pagou nossa dívida à justiça de Deus. O documento de dívida

foi cancelado e encravado por ele na cruz e assim ficamos isentos (Cl 2:14).33

30
Hodge, 843-845.
31
George Eldon Ladd, Teologia do Novo Testamento, 2ª ed., traduzido por Darci Dusilek e Jussara
M. P. S. Arias (Rio de Janeiro: JUERP, reimpressão, 1986), 400; Grudem, 482; Chafer, 3: 54; Hodge, 942.
32
Chafer, 3:67; Berkhof, 378. Muitos intérpretes contemporâneos recusam-se a reconhecer o
elemento substitutivo na doutrina de Paulo, uma vez que não usa a preposição anti (com exceção de 1 Tm 2:6,
cuja autoria Paulina é amplamente negada). Contudo, no Grego Helenístico, a preposição hyper é
frequentemente usada no lugar de anti. Ladd, 401. Ver também Stott, 133; Holbrook, 93-95.
33
Hodge, 887.
176

A expiação vicária é provida pela parte ofendida e oferece reconciliação e vida


.34
eterna, representando, assim, a mais elevada forma de misericórdia O pagamento se

origina com o Salvador e é oferecido em lugar do pecador,35 de modo que ao este aceitar

esta substituição ele é salvo. Isso é conhecido, como salvação pela fé – representa tudo o

que Deus fez pelo homem e assegura todas as bênçãos espirituais em Cristo.36 Portanto, a

única maneira de livrar o pecador da consequência inevitável do pecado é mediante a

expiação vicária.37 Apenas por este meio pode Deus preservar a autoridade e validade de

34
Berkhof, 376.
35
Aqui se apresenta outro conceito teológico bastante significativo na teologia do NT, o de redenção
(apolytrōsis). Essa era a palavra empregada pelos gregos para indicar o pagamento exigido para o resgate de
escravos e de prisioneiros de guerra. Luis Bonnet e Alfredo Schroeder, “Epistolas de Pablo a los Romanos”,
Comentario del Nuevo Testamento: Epistolas de Pablo, 2ª ed. 3 vols. (Buenos Aires: Casa Bautista de
Publicaciones, 1974), 3:62; F. Davidson e Ralph P. Martin, “Romans”, New Bible Commentary Revised, 3a.
ed. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1970), 1022; James. D. G. Dunn, A teologia do apóstolo Paulo, traduzido
por Edwino Royer (São Paulo: Paulus, 2003), 273-274. Portanto, implicava em cativeiro, libertação e um
preço pago. Alexander Maclaren, “Romans”, Maclaren’s Expositions of Holy Scripture, 11 vols. (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 1959), 8:50. No NT é uma referência à provisão da graça de Deus para livrar-nos do
cativeiro do pecado e sempre inclui o pagamento de um preço de resgate, que é o sangue, a vida de Cristo (Mt
20: 28; Mc 10: 45; Ef 1:7; Tt 2:14; Rm 3: 24-26; 8:23, etc). John Murray, The Epistle to the Roman, 2 vols.,
The New International Commentary on the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1975),
1:115-116. Portanto, Deus não proveu a justificação para os homens por capricho, sem fazer nada com
respeito aos pecados dos homens. Archibald Thomas Robertson, Las Epistolas de Pablo, vol. 4, Imágenes
Verbales en el Nuevo Testamento (Barcelone: CLIE, 1989), 4:464. Havia a necessidade de um pagamento,
imposta a Deus não a partir de fora, mas a partir de dentro dele mesmo, em virtude de sua própria natureza. A.
Berkeley Michelsen, “La Epistola a los Romanos”, El comentario biblico Moody, red. Everett F. Harrison
(Chicago: Editorial Moody, 1971), 253. Isso foi suprido pela morte de Cristo, o que já havia sido prefigurado
no AT e pode ser percebido inclusive no episódio em que Oséias comprou sua esposa (Os 3:1-2), [Donald
Grey Barnhouse, God’s Remedy, 10 vols., 3a ed., Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1966), 3:105-107] e, de modo
mais destacado, no livramento de Israel do Egito (Êx 6:6; Dt 7:8; 9:26; 13:5; 2 Sm 7:23; 1 Cr 17:21). Francis
D. Nichols, ed., “Redemption”, Seventh-Day Adventist Bible Commentary, 7 vols. (Washington, DC: Review
and Herald, 1953-1957), 6:504.
36
Chafer, 3:68-69.
37
Teixeira, 217. O conceito da substituição está no âmago tanto do pecado quanto da salvação. Se
por um lado a essência do pecado é o homem substituindo a Deus, por outro, a essência da salvação é Deus
substituindo o homem. “O homem declara-se contra Deus e coloca-se onde Deus merece estar; Deus
sacrifica-se a si mesmo pelo homem e coloca-se onde o homem merece estar. O homem reivindica
prerrogativas que pertencem somente a Deus; Deus aceita penalidades que pertencem ao homem somente.”
Stott, 144.
177

sua lei moral, que demanda a morte do transgressor, e ainda assim excusá-lo de pagar

pessoalmente a penalidade da morte.38

O significado da expiação

A raiz hebraica das palavras associadas com a expiação (kaphar, kippurim) inclui as

nuanças de purgar, limpar, expiar, purificar, cancelar, cobrir, ocultar da vista, apagar,

espalhar ou perdoar.39 Por conseguinte, expiação é um ritual mediante o qual o pecado é

coberto, afastado, ou extinto, de modo a deixar de ser um entrave à comunhão entre o

homem e Deus.40 Ocorria por meio de sacrifícios41 que eram feitos como uma reparação ou

satisfação por uma injúria ou ofensa42 para que, pelo cumprimento da punição merecida,

adviesse a eliminação da culpa43 e o livramento do castigo ou do mal.44

De fato, o propósito da expiação era resolver o problema do pecado. A intenção era

retirar o pecado do pecador de modo que este fosse perdoado. Por isso, ao colocar a mão

sobre a cabeça do animal (Lv 1:4), o pecador indicava que o animal o representava e que a

38
Gleason L. Archer Jr., The Epistle to the Romans: A Study Manual (Grand Rapids, MI: Baker
Book House, reimpressão 1969), 23. A cruz de Cristo, pela qual é possível a justificação pela fé, não invalida
a lei, antes a confirma. “No que se refere à salvação o evangelho nunca substitui a lei porque a lei nunca foi
um meio de salvação. A lei foi dada para mostrar aos homens quais eram os padrões perfeitos da justiça de
Deus e para mostrar que estes padrões são impossíveis de alcançar para o homem em suas próprias forças. O
propósito da lei era levar os homens à fé em Deus.” MacArthur, 265.
A morte de Cristo na cruz estabelece ou confirma a lei em três sentidos: (1) Ao ser o pagamento, a
morte, exigida pela lei quando a justiça não é realizada. Quando Jesus disse que não veio abolir a lei ou os
profetas (Mt 5:17) ele não falava apenas de sua vida sem pecados, mas também de sua morte, quando
suportou todo o pecado do mundo. (2) Ao corroborar com ela para cumprir seu propósito de levar os homens
à fé em Cristo (Gl 3:24). (3) Ao prover aos crentes o potencial para cumprir a lei (Rm 8:3-4). Ibid.
39
Oden, 2:352; Hodge, 858; Chafer, 3:128.
40
J. I. Packer, O conhecimento de Deus, 3ª ed., traduzido por Cleide Wolf (São Paulo: Mundo
Cristão, 1987), 165-166; Berkhof, 375; Lloyd-Jones, 76-77; George R. Knigth, int., Questões sobre doutrinas:
o clássico mais polêmico da história do adventismo (Tatuí, SP; Casa Publicadora Brasileira, 2008), 250.
41
Hodge, 858; Oden, 2:352; Berkhof, 375; Dunn, 264.
42
Oden, 2:352; Berkhof, 376.
43
Teixeira, 205; Lloyd-Jones, 73, 88-89.
44
Hodge, 858.
178

vida deste substituía a sua. Havia uma troca: pelo sacrifício o pecador era feito puro e vivia

livre daquele pecado e o animal puro era tornado impuro e sofria a morte por causa do

pecado que agora carregava (Lv 4:27-35). Como o pecado foi transferido numa direção,

levando a morte ao animal sacrifical, assim sua pureza e continuação de vida eram

efetivamente transferidos em sentido inverso (ver 2Co 5:21; Rm 8:3; Gl 4:4-5; 3:13).45

Segundo os escritores do NT, a expiação é uma referência ao sacrifício de Cristo

que removeu a culpa do pecado do homem46 e o limpou do seu demérito (2Co 5:21).47 Eles

falam constantemente sobre o sangue de Cristo (At 20:28; Rm 3:25; 5:9; Ef 1:7; Cl 1:20;

1Pe 1:18-19; 1Jo 1:7; Ap 1:5) e não apenas sobre sua morte, para lembrar os ritos do AT,

quando o sangue jorrava da garganta cortada do cordeiro, significando vida tirada

violentamente, vida oferecida em sacrifício.48 A intenção era mostrar que estão afinados

com o pensamento do AT49 e que os dois testamentos se ajustam e se pertencem um ao

outro com perfeição, apresentando o mesmo Deus e a mesma salvação.50

45
Dunn, 264-268; Berkhof, 377; Holbrook, 88-91.
46
Ralph Earle, “The Book of the Revelation”, Beacon Bible Commentary, 10 vols. (Kansas City,
Missouri: Beacon Hill Press of Kansas City, 1968), 10:92. Ao contrastar os sacrifícios da lei com o de Cristo,
Hb 9:11-14 apresenta-os como expiatórios, não reformatórios. A purificação é a da culpa e não a renovação
espiritual. Hodge, 864.
47
Earle, 10:92.
48
Ladd, 399.
49
Ibid. Os eruditos bíblicos se dividem quanto à definição exata da expiação feita por Cristo.
Enquanto haja quem limite o significado do termo como expressando a obra total de Cristo sobre a cruz
[Chafer, 3:128], há quem a defina como incluindo tudo que ele realizou em sua vida e morte para obter nossa
salvação [Grudem, 471]. Ainda outro parecer é o de que embora o sacrifício de Cristo na cruz tenha sido
completo e não haja necessidade, nem possamos fazer nada para melhorar, a expiação não estava completa.
Pois, de acordo com o simbolismo do AT, isto só ocorreria depois que bode expiatório fosse conduzido ao
deserto. Nesse caso, a expiação parece envolver todo o plano de salvação, incluindo o trabalho de Cristo
como sumo-secerdote no santuário celestial. Venden, 125-126; Knigth, 250-260.
50
Lloyd-Jones, 83-84.
179

A origem da expiação

A expiação é do início ao fim uma obra do próprio Deus (Is 53:10; Lc 2:14; Jo 3:16;

Gl 1:4; Cl 1:19-20)51 e tem sua origem em seu amor e justiça.52 Se por um lado a justiça

exigiu a satisfação das exigências da lei, por outro, o amor encontrou um meio de

livramento para o pecador. Como disse Paulo, o que Deus realizou foi “[...] por sua graça

[...] para manifestar sua justiça [...]” (Rm 3:24-25).53 Por essa razão, a cruz é um adequado

símbolo da expiação, pois ela representa a interseção desses dois atributos ou facetas da

natureza de Deus, o lugar onde seu amor e sua justiça se encontram.54 Portanto, “Deus

requer a satisfação porque ele é santo, mas ele satisfaz porque ele é amor”.55

Objeções à realidade da expiação

Em muitos círculos cristãos, a doutrina da expiação sempre enfrentou oposição e

isso é verdade especialmente em nossos dias.56 As objeções mais destacadas são:

51
Earle, 10:92; Berkhof, 368-369.
52
Grudem, 471.
53
Berkhof, 369; Millard J. Erickson, Christian Theology, 7a. ed. (Grand Rapids, MI: Baker Book
House, 1989), 818; Augustus H. Strong, Teologia sistemática, traduzido por Augusto Victorino (São Paulo:
Teológica, 2002), 397. Assim como o amor de Deus não impediu a perdição dos anjos rebeldes e nem
impedirá a sua destruição pelo fogo, também não pode exigir a salvação de homens pecadores sem uma
expiação adequada. Hodge, 887. “Todas as instituições religiosas ordenadas por Deus, sejam patriarcais,
mosaicas ou cristãs, basearam-se no axioma da justiça de Deus, e tiveram como desígnio imprimir esta grande
verdade na mente dos homens. Pressupõe que os homens são pecadores; e que, sendo pecadores, necessitam
igualmente da expiação para sua culpa e da purificação moral a fim de serem salvos. Portanto, desde o
princípio instituíram-se sacrifícios com o fim de ensinar a necessidade de expiação e para servir como tipos
proféticos da única expiação eficaz que, na plenitude do tempo, seria oferecida pelos pecados dos homens.”
Ibid., 850.
54
Erickson , 818.
55
Strong, 444; ver também Oden, 2:349. No decorrer da história cristã houve muitos que limitaram a
obra de Cristo como tendo valor apenas para perdoar os pecados cometidos antes do batismo, asseverando a
necessidade de uma satisfação suplementar pelo pecador para expiar os pecados pós-batismais, o que
ocorreria mediante os castigos temporais nesta vida. Para a Igreja Católica, as penas do purgatório após a
morte, têm o mesmo objetivo. Contudo, se é verdade que a satisfação de Cristo foi perfeita, então é
impossível haver outras satisfações pelo pecado. Hodge, 844-846; Lloyd-Jones, 90-92.
56
Berkhof, 382.
180

1. A expiação não é uma doutrina ensinada nos Evangelhos. Alguns rejeitam a

doutrina da expiação alegando que ela não é ensinada nos Evangelhos. Todavia, deve ser

considerado que os evangelhos contêm evidências suficientes para entendermos a morte de

Cristo como uma expiação (Mt 20:28; 26:26-28; Mc 14:22-25; Lc 22:17-20; Jo 1:29; 3:14-

18; 6:48-51; 10:11; 15:13). Além disso, as cartas apostólicas, que contêm uma mais ampla

explicação do significado da cruz, declaram categoricamente que foi uma expiação (Rm

14:15; Gl 3:13; Ef 5:2; Hb 7;26-27; 9:28; 10:12; 1Pe 1:18-19; 2:21; 3:18; 1Jo 3:16).57

2. A expiação não é moralmente possível. Outros objetam que a doutrina da

expiação é moralmente impossível porque uma vez que a culpa é uma situação pessoal que

não pode ser transferida, a substituição é impossível. Entretanto, a transferência que Cristo

recebeu e pela qual sofreu não foi a dos pecados humanos, mas, sim, a punição merecida

pelos pecadores.58 Quando as Escrituras declaram que os nossos pecados foram imputados

a Cristo, não significa que a nossa pecaminosidade foi transferida para Ele – o que seria

impossível – mas, sim, que a culpa do nosso pecado lhe foi imputada e isso só pôde ocorrer

porque a culpa não era inerente à pessoa do pecador, mas uma coisa objetiva.59

Entretanto, quando a culpa do pecado, entendida como condição passível de punição,

foi transferida para Jesus Cristo, a ira de Deus contra o pecado também o foi (Is 53; Jo 3:16;

Rm 4:25; 8:32), o que ocorreu no Getsêmani e na cruz. 60 Ele tomou sobre si todas as

consequências da ira de Deus contra o pecado, desviando assim a justa indignação de Deus

57
Ibid., 384.
58
Teixeira, 218.
59
Berkhof, 378. Ver também Chafer, 3:81.
60
Berkhof, 382; Lloyd-Jones, 90-91; Leslie C. Allen, “Romans”, The International Bible
Commentary (Grand Rapids, MI: Marshall Pickering e Zondervan, 1986), 1323.
181

contra os pecadores. 61 Portanto, em sua misericórdia, Deus proveu salvação para os

culpados e a morte de Cristo foi contada em lugar do que requeria a lei para que se

cumprisse justiça.62 “A justiça atendeu ao apelo da misericórdia, aceitando um substituto

para os pecadores, e a misericórdia atendeu à injunção da justiça oferecendo o substituto”.63

3. A expiação é desnecessária. A alegação de que a expiação não era necessária

porque se o fosse Deus seria menos bondoso que o homem – porque este perdoa sem exigir

nada – não tem fundamento. Uma vez que Deus é o juiz da terra, como tal precisa “manter

a lei e exercer estrita justiça. Um juiz pode ser muito bondoso e generoso, e pode perdoar

particularmente, como indivíduo, mas em sua capacidade oficial ele deve cuidar para que a

lei siga o seu curso”.64 A verdade é que Deus nem sequer tinha necessidade de nos salvar.

Contudo, ele decidiu nos salvar e para que isso ocorresse era absolutamente necessária a

expiação. Não havia outro modo a não ser enviar seu Filho para morrer por nós (Mt 26:39;

Lc 24:25-26; Hb 2:17; 9:23). 65 Embora Deus seja um pai amoroso, a necessidade de

expiação deve ser vista à luz da ira de Deus contra o pecado. Paulo não percebia qualquer

contradição entre o amor de Deus e sua ira. Ele não atribui as consequências do pecado a

61
Gudem, 482-483.
62
Lacy, 93. Àqueles que alegam que seria injusto Deus o Pai fazer o inocente sofrer pelo mau, pode
se asseverar que “não foi o Pai, mas o trino Deus que concebeu o plano de redenção. Houve um solene acordo
entre as três pessoas da Divindade. E neste plano o Filho se incumbiu voluntariamente de sofrer a pena pelo
pecado e de satisfazer as exigências da lei divina. E não somente isso, mas a obra sacrifical de Cristo trouxe
também imenso proveito e glória para Cristo como Mediador. Significou para Ele uma numerosa semente,
adoração cheia de amor e um reino glorioso.” Berkhof, 380. E se a expiação não fosse necessária e, mesmo
assim, o Pai enviou Seu Filho para sofrer, isto sim seria crueldade. Ibid.
63
Teixeira, 209. Ver também Campos, 350-351.
64
Berkhof, 372.
65
Grudem, 472-473; Strong, 444.
182

um princípio impessoal, mas sim à vontade de um Deus pessoal, que não se deixa

escarnecer (Gl 6:7).66

Teorias da expiação

Ao longo dos séculos, os cristãos têm compreendido a doutrina da expiação de

diferentes maneiras. São muitas as teorias a respeito, sendo que algumas foram mais

divulgadas e aceitas do que outras. Na verdade algumas nem deveriam ser tratadas como

teorias da expiação porque descartam a necessidade de qualquer expiação, todavia, por

terem sido difundidas como tal, serão aqui consideradas. As principais são:

1. Teoria da expiação como pagamento ao Diabo. Defendida inicialmente por

Orígenes (c. 185-c. 254), teólogo de Alexandria e de Cesaréia, e depois por Irineu,

Agostinho, Gregório de Nissa e outros – afirmava que a morte de Cristo foi um pagamento

ao Diabo, que havia conquistado os homens. Baseava-se naquelas passagens bíblicas que

descrevem o homem como escravizado sob o domínio do príncipe das trevas. Essa foi uma

crença muito popular durante os primeiros séculos .67

Consideremos alguns aspectos: (1) Cristo era o verdadeiro Criador e dono deste

mundo, pois tudo fora feito por ele e para ele (Jo 1:1-3; Cl 1:15-16), inclusive a

humanidade. Ele não a dera nem a vendera a Satanás. Este a tomara mediante o engano. Ao

tentar recuperá-la, Cristo não devia nada a ele, pois o que estava buscando era seu. (2) O

Filho de Deus sempre se negou a negociar com o Diabo. Quando no deserto foi tentado a

66
Ladd, 398. O primeiro obstáculo ao perdão se encontra no próprio Deus: ele precisa satisfazer sua
própria natureza. Ele não pode salvar contradizendo a si mesmo. Stott, 101.
67
Teixeira, 211-212. Stott, 101-102; Grudem, 483-484; Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual (São Paulo: Vida Nova, 2007),
582-584; Hodge, 905. Para uma discussão mais ampla sobre essa teoria e seus desdobramentos mais recentes
ver Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, eds., Dogmática cristã, 2 vols., traduzido por Gerrit Delfstra e outros
(São Leopoldo: Sinodal, 1990), 2:54-60.
183

fazê-lo, ele se recusou de imediato e ordenou que o inimigo se retirasse (Mt 4:8-10). (3)

Quando Cristo entregou sua vida, na cruz, ele o fez ao seu Pai, e não ao seu inimigo (Lc

23:46). Portanto, não há indicativos de que a expiação realizada por Cristo tenha sido um

pagamento ao Diabo. Além disso, esse ensinamento negligencia por completo as exigências

da justiça de Deus em relação ao pecado. 68 Sendo assim, por não possuir suporte nas

Sagradas Escrituras, essa doutrina gradualmente desapareceu e hoje só desperta algum

interesse como tema histórico.69

2. Teoria da expiação como satisfação à justiça de Deus. Originada com Anselmo

de Cantuária (1033-1109) e desenvolvida com o passar do tempo, tornou-se padrão para os

grandes sistemas da escolástica medieval e para a ortodoxia protestante, sendo amplamente

aceita pela maioria dos cristãos conservadores, tanto católicos como protestantes. Defendia

a ideia de que o pecado acarretou uma grande dívida para com Deus e que a honra divina

exigia uma satisfação que somente poderia ser cumprida por um Deus-homem, o que foi

realizado plenamente pelo sacrifício de Cristo. Como resultado, houve uma reconciliação

entre o amor de Deus e sua ira, e ele pode ser visto não só como misericordioso, mas como

justo também.70

Anselmo percebeu com clareza a extrema gravidade do pecado, a santidade

imutável de Deus e as perfeições singulares de Cristo, mas alguns de seus argumentos

68
Grudem, 484.
69
Berkhof, 353; Hodge, 906.
70
Ibid.; Erickson, 796-799; Ferreira e Myatt, 584-586; Berkhof, 354; EBTF, ver “satisfação”;
Braaten e Jenson, 2:35; Essa doutrina “parece ser pressuposta tanto pelos documentos confessionais da
Reforma quanto pelo Concílio de Trento, e quase foi elevada ao nível de dogma formal pelo Vaticano I.” Ibid.
Anselmo de Cantuária – através de sua obra: Cur Deus Homo? (Por que o Deus-homem?) – expôs o
relacionamento da encarnação com a expiação, incluindo uma exposição sistemática da cruz como uma
satisfação à honra ofendida de Deus. Posteriormente, este argumentou foi desenvolvido pelos escolásticos e
seguido pelos reformadores, em sua ênfase sobre a justificação pela fé. Stott, 106, 109. Para uma ampla
discussão sobre o que Cristo realizou na cruz, ver o capítulo “A satisfação de Cristo”, em Hodge, 842-889.
184

ultrapassaram a revelação bíblica, como sua tentativa de comparar o número dos que serão

salvos com o número dos anjos caídos.71 Outro aspecto negativo é seu ensino de que Cristo

não sofreu a penalidade do pecado, antes, sua morte, se constitui num mérito superrogatório,

compensando o demérito dos outros – o que é a doutrina católica da penitência aplicada à

obra de Cristo.72

3. Teoria da expiação como influência moral. Pedro Abelardo (1079-1142), teólogo

francês, discípulo de Anselmo, fez outra proposição, adotada por teólogos liberais nos

séculos 17 a 19 e pelo evangelista Charles Finney, no século 19, e conhecida como Teoria

da Influência Moral. O parecer é que Deus não necessita de satisfação e que o sacrifício de

Cristo não ocorreu para apaziguar a ira de Deus, satisfazer sua justiça, fazer expiação pelo

pecado ou compensar a desobediência do homem, mas para demonstrar seu amor para

conosco e, com isso, ganhar-nos o coração e levar-nos ao arrependimento. Seu propósito

era mudar a atitude do homem para com Deus e não a atitude de Deus para com o homem.

Ensina ainda que há um livramento da penalidade através da transformação moral, de modo

que o homem alienado é aproximado de Deus. O exemplo é exposto como a mais poderosa

influencia moral que pode ser praticada.73

A influência moral da morte de Cristo sobre a vida humana não deve ser ignorada

apenas porque se tem abusado deste ensino e erroneamente feito dele a verdade central da

expiação. O principal significado da morte de Cristo é de um sacrifício substitutivo, cujos

benefícios devem ser recebidos pela fé, mas a influência subjetiva da sua morte,

71
Ferreira e Myatt, 586.
72
Berkhof, 354.
73
Teixeira, 212-213; Erickson, 783-788; Ladd, 405; Marvin R. Vincent, “The Epistle to the
Romans”, Word Studies in the New Testament: The Epistles of Paul (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
reimpressão 1946), 3:46-47; Stott, 108; Ferreira e Myatt, 589; Berkhof, 354-355; Hodge, 907-909; EBTF, ver
“expiação”.
185

despertando uma reação de amor no coração dos homens, também é uma realidade. O amor

de Cristo em dar-se a si mesmo deve ser imitado através de nosso andar em amor (Ef 5:2).74

Este ponto de vista possui alguns pontos fracos: (1) não toma em consideração os

muitos textos bíblicos que apresentam a Cristo levando sobre si os nossos pecados e

morrendo por eles; (2) esquece que, se a morte de Cristo não era exigida, então foi

inteiramente desnecessária e ele não morreu por nossos pecados, seguindo-se daí que não

precisamos dele para sermos perdoados; (3) o fato de que é impossível o pecador ser

influenciado moralmente pela morte de Cristo, enquanto não se apropriar pela fé da justiça

do Filho de Deus.75

4. Teoria da expiação como satisfação ao governo de Deus. Outra teoria, a

governamental – sugerida por Hugo Grócio, (1583-1645), teólogo e jurista holandês, e,

seguida mais tarde por Richard Baxter, ministro puritano do século 17 – também rejeitou o

conceito de que a morte de Cristo fosse para a satisfação da natureza divina. Segundo essa

hipótese, a lei é somente um produto da vontade de Deus, de modo que ele a pode alterar

como lhe apraz. Por ele ser Onipotente, podia deixar de lado qualquer exigência de castigo

pelo pecado, qualquer satisfação, e simplesmente perdoar, mas escolheu não ignorar o

pecado, a fim de manter seu governo moral do universo. O castigo infligido tem o propósito

de preservar a ordem e promover os melhores interesses da comunidade. Portanto, a morte

de Cristo foi apenas uma exibição de satisfação à lei, mostrando que Deus ainda era o

governador do universo e que, havendo violação, alguma espécie de pena deve ser paga de

modo a exercer influência moral sobre os homens, no interesse do governo de Deus.76

74
Ladd, 405.
75
Grudem, 484; Berkhof, 355; Hodge, 910-911.
76
Teixeira, 213; Erickson, 788-792; Grudem, 484; Berkhof, 356-357; Hodge, 911-913; EBTF, ver
186

Embora esta teoria apresente a morte de Cristo como também tendo a intenção de

garantir os interesses do governo divino, ela não se coaduna em vários pontos com a

revelação bíblica: (1) desconsidera o ensino da expiação, da propiciação e da satisfação da

justiça divina e, por isso, reduz consideravelmente a obra salvadora de Cristo; (2) assevera

que a morte de Cristo não pagou a penalidade do pecado e seu sacrifício não foi substitutivo;

(3) afirma que se Cristo não tivesse morrido na cruz, os próprios homens poderiam ter pago

a penalidade por seus pecados; (4) deixa de compreender a lei como sendo uma expressão

da natureza essencial de Deus, e não apenas de sua vontade arbitrária; (5) a penalidade tem

apenas a função de dissuadir os homens de futuras ofensas à lei, mas não de satisfazer a

justiça; e (6) não explica como foram salvos os fiéis dos tempos do AT.77

5. Teoria da expiação como exemplo. Essa teoria foi ensinada pelos socinianos –

seguidores de Fausto Socino (1539-1604), teólogo italiano – durante o século 16. Nega que

haja uma justiça retributiva em Deus – a punição do pecado. Afirma, portanto, que a morte

de Cristo não expiou os pecados, apenas proveu um exemplo de como devemos viver em

nosso relacionamento com Deus: com plena confiança e obediência, mesmo diante do

sofrimento e de uma morte dolorosa. Em suma, Cristo foi o modelo de vida autêntica e de

auto-sacrificio. O texto de 1Pe 2:21 é empregado como dando apoio a esta ideia.78

“expiação”.
77
Grudem, 484; Ferreira e Myatt, 590-591; Berkhof, 356-357; Hodge, 846.
78
Grudem, 484; Ferreira e Myatt, 589-590; Berkhof, 355-356. De modo semelhante, a teologia
dialética, de R. Niebuhr, afirma que a morte de Cristo – considerado por ele como um mero homem – não
teve finalidade expiatória, antes foi apenas uma ilustração de que é possível a vitória sobre o pecado e de
como o homem pode salvar-se: demonstrando um amor disposto a sacrificar-se. Teixeira, 214-215. Assim,
quando o homem se empenha para atingir esse ideal Deus age em correspondência e ocorre uma espécie de
diálogo ou dialética. Ibid. O sangue dos sacrifícios é visto como representando a vida e não a morte, uma
consagração de si mesmo a Deus. Desse modo, quando Cristo verteu seu sangue sobre a cruz, ele, que sempre
fora obediente, prestou sua última obediência ofertando sua vida a Deus, na cruz. Por conseguinte, se o
pecador crer em Cristo, deve imitá-lo e apresentar sua vida a Deus, em Cristo e através dele. Lloyd-Jones, 86.
Esta teologia, contudo, parece ter a finalidade de evitar os ensinamentos bíblicos da ira de Deus, da punição
do pecado e da necessidade da propiciação. Ibid., 86-87. O pensamento de que é possível ter vida no sangue
187

Em realidade, esta doutrina é uma mistura de várias heresias antigas, entre as quais

o Pelagianismo e a negação da depravação humana e da divindade de Cristo – o qual é

apresentado como um mero homem com qualidades excepcionais. Não compreende que o

exemplo de Cristo serve apenas para o que crê, e que o incrédulo não será salvo apenas por

tentar imitá-lo. Como outras teorias, ela não explica os textos bíblicos que apresentam a

Cristo como propiciação pelos nossos pecados e falha em apontar o pecado como culpa e,

consequentemente, em mostrar como ela pode ser removida. Também não explica como

ocorre a salvação daqueles que viveram antes de terem o exemplo de Cristo.79

O alcance da expiação

Há nas Escrituras uma aparente contradição quanto à extensão da expiação efetuada

por Cristo. De acordo com alguns textos, ela foi realizada em prol de toda a humanidade

(1Jo 2:2; 1Tm 2:6; 5:10; Tt 2:11; Jo 3:16; Rm 5:19) e, de acordo com outros, somente

aqueles que se arrependem e creem são realmente salvos por ela (Ef 1:4; 2Tm 1:9-10; Jo

17:9, 20).80 Entretanto, há harmonia quando se percebe que os textos que apresentam a

expiação como universal e ilimitada, a consideraram de um ponto de vista objetivo,

genérico e coletivo, como uma satisfação dada à justiça divina, que aconteceu num tempo

inteiramente separada do corpo, afastado dele, é alguma coisa que nunca foi conhecida para os hebreus. Eles
sempre conectavam a vida intimamente e necessariamente com o corpo. O sangue sempre significa a vida
derramada. Desse modo, o sangue do sacrifício provava que o animal tinha sido morto e significava que a
vida tinha sido tomada e que a punição que teria vindo sobre o pecador veio sobre o animal como substituto.
Ibid., 88.
79
Ferreira e Myatt, 589; Grudem, 484; Berkhof, 355-356. Pelágio (c. 360-c. 420) foi um monge e
teólogo britânico, distinguido por sua erudição e elevado caráter moral, cujas doutrinas, todavia, foram
combatidas por Agostinho e condenadas no Concílio de Éfeso, em 431. Entre os pontos principais de seu
sistema doutrinário encontra-se a crença de que o pecado se restringe ao ato e não inclui a natureza humana
depravada; que é possível ao homem viver isento do pecado e que ele pode manter ou recuperar a perfeição
original. EBTF, ver “Pelágio, pelagianismo”.
80
Há, por exemplo, um grupo de estudiosos – chamados de hipercalvinistas – que crê que o
sofrimento de Cristo é um equivalente exato pelos pecados dos salvos. Assim, Cristo não morreu para salvar a
todos, mas somente os eleitos, cujo pecado foi transferido para Cristo, de modo que ele sofreu exatamente o
mesmo que eles deveriam ter sofrido, nem mais, nem menos. Chafer, 3:77-78.
188

específico da história e foi realizada uma vez por todas, de maneira a não haver mais nada

no foro divino contra a humanidade genérica representada por Cristo. Enquanto que o outro

grupo de passagens trata do aspecto subjetivo, individual, e diz respeito à aceitação da

expiação mediante o arrependimento dos pecados e a fé na pessoa e obra do substituto a fim

de que tenha valor para o indivíduo. Deste modo, embora a expiação seja suficientemente

ampla para incluir a todos e seja a todos oferecida, encontra limitação no número de

pessoas que a aceitam.81

A relevância da expiação

A doutrina da expiação é a “grande e central doutrina82” do cristianismo e, nela, as

várias doutrinas são reunidas adequadamente de um modo coesivo. 83 Ela tem sido

considerada como

[...] a mais profunda de todas as verdades... o foco da revelação, o ponto em que vemos mais
profundamente a verdade de Deus, e ficamos mais completamente debaixo do seu poder... é o
cristianismo em suma; nela se concentra como em gérmen de poder infinito, tudo o que a
sabedoria, poder e amor de Deus significam para os homens pecadores”.84

81
Teixeira, 220-221; Strong, 422; Chafer, 3:76; Raul Dederen, Cristologia, traduzido por Neuza Belz
(São Paulo: SALT, 1984), 72; Ladd, 405; Maclaren, 8:50-51; William M. Greathouse, “Romans”, Beacon
Bible Commentary, 8:93; Michelsen, 253; Jurgen Becker, Apóstolo Paulo, vida, obra e teologia, traduzido por
Irineu J. Rabuske (São Paulo: Academia Cristã, 2007), 569. Embora a expiação seja sempre objetiva [Berkhof,
376], deve-se levar em conta a resposta subjetiva de cada pecador ao que Cristo realizou em seu favor. Por
isso, “o trabalho objetivo de Cristo” não pode ser “isolado do trabalho subjetivo, que o acompanha... Através
da morte de Cristo, o crente não encontra somente uma expiação objetiva para o pecado; ele encontra também
a libertação do poder do pecado e da dominação e servidão da Lei e do mundo.” Ladd, 401-402. As Escrituras,
por meio de ritos indicados pelo próprio Deus, demonstram que é necessário apropriar-nos pessoalmente da
morte de Cristo a fim de que ela tenha significado em nossa vida. Isso pode ser percebido tanto na cerimônia
pascal quanto na ceia do Senhor. Na Páscoa original, quando Israel se preparava para deixar definitivamente o
Egito, não bastava o cordeiro ser morto. Seu sangue deveria assinalar a porta da casa e sua carne, comida (Êx
12:1-13). Na celebração da santa ceia o pão deve ser comido, e o vinho, bebido (1 Co 11:23-26) e, desse
modo, ela é um sinal externo tanto da dádiva de Deus como da recepção humana. Stott, 61-62.
82
Lloyd-Jones, 95.
83
Erickson, 782.
84
James Denney, The Death of Christ (London: Tyndale Press, 1951) citado em Chafer, 3:54 -55.
189

A obra propiciatória de Cristo

O tema da ira divina incide diretamente sobre o âmago do cristianismo: a

significação da morte de Cristo. Referindo-se ao que ocorreu na cruz do Calvário, o NT

assevera que Cristo “é a propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 2:2) e, todavia, há grande

discussão teológica sobre o significado da propiciação. O termo “propiciação” é uma

tradução do hebraico kapporeth 85 e do grego hilastērion. 86 No AT, kapporeth era a

cobertura da arca que continha os mandamentos e sobre a qual o sumo sacerdote espargia o

sangue no ritual da expiação no dia do yom kipur (Lv 16:1-34).87 Na LXX, kapporeth é

traduzido por hilastērion, de modo que a tampa que cobria a arca era chamada de

propiciatório e recebia o sangue ali aspergido, o qual cobria os pecados de quem o

oferecia.88

Tratando da justiça divina, o apóstolo Paulo, declara que “todos pecaram e carecem

da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que

há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé,

para manifestar a sua justiça [...]”(Rm 3:21-26). A palavra hilastērion, conforme aparece

neste texto, é considerada como a chave para a compreensão da obra expiatória de Cristo.89

85
R. C. H. Lenski, The Interpretation of St. Paul’s Epistle to the Romans (Minneapolis, Minnesota:
Augsburg Publishing House, 1961), 257-258; Chafer, 3:100; Berkhof, 375.
86
Adolf Pohl, Carta aos Romanos: Comentário esperança (Curitiba: Editora Evangélica Esperança,
1999), 76; Ladd, 402; Davidson e Martin, 1017, 1022. Para uma discussão mais detalhada sobre o significado
do termo hilastērion, ver o apêndice A.
87
Chafer, 3:100; Lenski, 257-258. O termo hebraico kipper (no piel) denota a idéia de expiação do
pecado pela cobertura do pecado ou do pecador – Berkhof, 375.
88
Teixeira, 207; Everett F. Harrison, “Romans”, The Expositor’s Bible Commentary (Grand Rapids,
MI: Zondervan, 1984), 10:43; Lloyd-Jones, 67-68; Vincent, 3:47. Ver Barnhouse, God’s Remedy, 3:114.
89
Vincent, 3:47.
190

Teorias da propiciação

Quanto à compreensão do tema da propiciação, os teólogos estão divididos,

basicamente, entre dois principais pontos de vista.

1. Propiciação equivale a expiação. Para alguns teólogos o significado bíblico de

propiciação é praticamente o mesmo de expiação.90 São basicamente duas as razões pelas

quais muitos teólogos preferem traduzir a palavra hilastērion (em Rm 3:25) por expiação e

não por propiciação: (1) Embora o emprego de propiciação pelos autores pagãos sempre

implique na sugestão de aplacamento ou apaziguamento de deuses irados, seu uso na LXX

é despojado desta idéia e o mesmo deve-se entender dos escritos de Paulo, que se baseou

nessa versão. (2) Alegam também que a completa noção da ira de Deus está equivocada e

deve ser totalmente rejeitada, chegando a ser quase blasfema, porque retrata a Deus como

um monstro. Alguns a consideram como uma idéia judaica de Deus.91 Por isso, afirmam

que traduzir a palavra hilastērion por propiciação é um lamentável erro.92 Dentre os que

raciocinam desse modo, há aqueles que interpretam a ira de Deus como sendo nada mais do

que a inevitável consequência do pecado, de praticar o erro. É o sofrimento automático e

inevitável que se segue ao erro. A obediência ou não às leis morais teria seus efeitos do

mesmo modo como ocorre com as leis da natureza. Assim, o fogo queimará, a água escoará

para baixo, o ar poluído intoxicará. Se o homem desafiar estas leis sofrerá as

consequências.93

90
Allan Richardson, An Introduction to the Theology of the New Testament (New York / Evanston /
London: Harper & Row, Publishers, 1958), 223-224; Greathouse, 8:92; Ladd, 402; Pohl, 76.
91
Lloyd-Jones, 72.
92
Lenski, 257.
93
J. Barmby e J. Radford Thomson, “The Epistle of Paul to the Romans”, The Pulpit Commentary,
22 vols. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1977), 18:30. Ver Edward A. McDowell Jr., A soberania
de Deus na historia: a mensagem e significado do Apocalipse, traduzido por Robert G. Bratcher e Werner
Kaschel, 2ª ed. (Rio de Janeiro: JUERP, 1976), 136.
191

Portanto, para o homem reconciliar-se com Deus, nada precisa ser feito do lado de

Deus. Ele sempre perdoa. Tudo que é necessário é que o homem, que está cegado pelo

pecado, abra os olhos e perceba que Deus é amor. Tudo que é necessário é a expiação: o

processo pelo qual a culpa do pecado é cancelada e o pecador é purificado dela. Assim em

suas traduções, optam por expiação, em vez de propiciação.94 Declaram que no caso dos

verbos análogos, o sentido dominante do AT não é propiciação, significando alguma

oferenda para aplacar ou apaziguar a ira, mas expiação ou reconciliação, através da

cobertura, obtendo assim livramento do pecado, que permanecera entre Deus e o homem. A

força da ideia está sobre o pecado ou impureza, não sobre a parte ofendida. Por isso o

frequente intercâmbio com “santificar” e “purificar” (Ez 43:26; Êx 30:10).95

Assim, embora concordem em que a morte de Cristo era essencial para nossa

salvação, rejeitam o pensamento de que ela tivesse como propósito abrandar a ira de

Deus.96 A ideia não é de conciliação de um Deus irado para com a humanidade pecadora,

mas de uma expiação por um Deus misericordioso através da morte expiatória de Seu

Filho.97 O mais destacado defensor dessa opinião foi C. H. Dodd. Segundo ele, quando os

tradutores da LXX usaram o verbo hilaskesthai (“para fazer propiciação”) e seus derivados

para traduzir a raiz hebraica “kipper”, não vincularam à palavra o sentido clássico de

94
Lloyd-Jones, 73.
95
Vincent, 3:43-45. Para os defensores desta ideia, o objeto da propiciação não é Deus, mas a ofensa
e, portanto, a intenção da propiciação não é aplacar a ira, mas mudar o caráter daquele que se afastou de Deus.
I. Howard Marshall, Las cartas de Juan (Buenos Aires e Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1991), 113.
96
Venden, 122; A. G. Hebert, “Atone, Atonement”, em A Theological Wordbook of the Bible, ed.
Alan Richardson (New York: Macmillan, 1951), 26; Erickson, 810.
97
Davidson e Martin, 1022; Russell Norman Champlin, “Epístola aos Romanos”, O Novo
Testamento interpretado, 6 vols. (São Paulo: Hagnos, reimpressão 1998), 3:623; Joseph A. Fitzmyer, “Carta a
los Romanos”, Comentario bíblico San Jerônimo, traducido por Alfonso de la Fuente Adanez e outros, 4 vols.
(Madrid: Ediciones Cristiandad, reimpressão 1986), 4:115; Lloyd-Jones, 73.
192

propiciação, mas deram-lhe a força de expiação, a qual está envolvida na remoção da culpa

do pecado. Para ele, quando o sujeito é divino, o conceito é o de perdão.98

2. Propiciação é distinta de expiação. Há, todavia, outros eruditos, para quem a

idéia de propiciação é diferente do que a de expiação.99 Segundo estes, há quatro elementos

essenciais em qualquer propiciação: (1) uma ofensa para ser afastada; (2) uma pessoa

ofendida que necessita ser pacificada; (3) uma pessoa culpada de ofensa; e (4) um sacrifício

ou algum outro meio para fazer expiação pela ofensa.100

Hilastērion é um substantivo associado aos verbos exilaskomai e hilaskomai. Em

toda literatura grega, exilaskomai significa propiciar ou acalmar uma pessoa que foi

ofendida.101 Em autores judeus helenísticos não bíblicos, como Josefo e Filo, hilaskomai

sempre significa “propiciar”.102 E embora o Deus da Bíblia seja tão diferente dos deuses

pagãos – sendo único, soberano absoluto do universo, imutável, que aborrece o mal em

todas as suas formas, e fonte de todo o bem – a ideia de apaziguar sua ira por meio de

ofertas, pode também ser percebida nas Escrituras.103 No AT ela pode ser encontrada nos

rituais para a expiação do pecado e da culpa – onde o sangue dos sacrifícios era interposto

entre Deus e o pecador de modo a afastar deste a ira de Deus (Jó 42:7-9; 2Sm 24:1-25; 2Cr

29:1-24) – e em narrativas, como aquela em que Arão, usando de incenso, fez expiação

98
Ver C. H. Dodd, The Bible and the Greeks (London: Hodder and Stoughton, 1935), 82-95, onde a
terminologia hebraica para a palavra expiação e os equivalentes gregos na LXX são analisados. Harrison,
10:44. Ver também Ladd, 402. Essa idéia de Dodd contrasta com a de apaziguamento da ira, que é inerente ao
conceito de propiciação.
99
Lloyd-Jones, 78.
100
Ibid., 70, 78.
101
Ladd, 402; Marshall, 113; Glenn W. Barker, “1 John”, The Expositor’s Bible Commentary,
editado por Frank E. Gaebelein, 12 vols. (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1984), 12:314; Stephen S. Smalley,
“1, 2, 3 John”, Word Biblical Commentary, editado por David A. Hubbard e Glenn W. Barker (Dallas, Texas:
Words Books, Publishers, 1988), 51:38-39.
102
Ladd, 429-430.
103
Packer, 164.
193

pelo povo de Israel, a fim de deter a praga que Deus havia enviado sobre eles (Lv 4:1-6; 16;

Nm 16:41-50).104 Na LXX, há três passagens em que exilaskomai refere-se à propiciação

ou apaziguamento de Deus (Zc 7:2; 8:22; Ml 1:9).105 Nela os termos hilaskomai e hilasmos

são termos de caráter objetivo e empregados num sentido associado: o verbo significando

“tornar propício”, e o substantivo tendo a conotação de “apaziguamento” ou “meio de

apaziguar”.

No NT encontra-se o mesmo uso de hilaskomai e hilasmos, 106 enquanto que

exilaskomai nunca é usado com a palavra “pecado” como seu objeto direto. De igual

maneira, na literatura dos pais apostólicos, hilaskomai sempre significa “propiciar”. 107

Desse modo, enquanto que expiação “denota a cobertura, o afastamento, ou a extinção do

pecado de modo que ele não mais se constitui numa barreira a uma comunhão amigável

entre o homem e Deus”, propiciação significa tudo isso mais o apaziguamento da ira de

Deus.108 Portanto, o objeto da propiciação inclui a ira de Deus e não apenas o pecado dos

104
Berkhof, 375; Hodge, 856. “O sistema sacrifical dos hebreus tinha por finalidade reconhecer o
pecado e aplacar a Deus com respeito ao mesmo.” EBTF, ver “satisfação”. No AT encontramos algumas
passagens em que kipper [e hilaskomai] é empregado também em relação à propiciação da ira dos homens.
Desse modo, vemos Jacó buscando aplacar Esaú com presentes para, assim, obter seu favor (Gn 32:20) e o
sábio que consegue apaziguar o furor do rei (Pv 16:14). Stott, 153.
105
Ladd, 429-430.
106
Berkhof, 375.
107
Ladd, 429-430. Quando hilasmos e seus cognatos são empregados, está frequentemente presente a
idéia de aplacar a ira da parte injuriada. Desse modo, quando aplicados a Deus, possuem caráter objetivo, de
modo que Deus é visto mais como o objeto da oferenda do que o seu originador. Smalley, 51:39.
108
Packer, 165-166; Erickson, 811. Comentando o texto de Rm 3:25, onde Paulo apresenta a Cristo
como propiciação, Holbrook, seguindo o pensamento de Leon Morris [em The Atonement, its Meaning in
Significance (Leicester, Inglaterra: Inter Varsity Press, 1983), 151-176] declara que “o substantivo hilastērion,
‘aquilo que propicia’, pertence ao grupo semântico hilaskomai, que significa ‘propiciar’. Versões modernas,
influenciadas pelos estudos de certos eruditos, tendem a traduzir este grupo semântico como ‘expiar’,
‘expiação’. ‘Os dois conceitos são, na verdade, muito diferentes. Propiciar significa aplacar a ira, enquanto
expiar é corrigir erros. Propiciação é uma palavra pessoal: propicia-se uma pessoa. Expiação é uma palavra
impessoal; expia-se pecado ou crime.’[...]
“A morte de Cristo jamais foi o aplacamento da ira do Pai na forma como os pagãos aplacam seus
deuses. Ao contrário, Sua morte foi o meio pelo qual o Deus triuno decidiu aplacar ou sufocar a ‘ira’divina de
uma forma coerente com Sua santidade e que, ao mesmo tempo, tornasse possível a salvação de pecadores
arrependidos.” Holbrook, 90.
194

homens.109 Enquanto a expiação trata com o pecado humano, a propiciação trata também

com a ira, a divina reação ao pecado, 110 enquanto que a expiação é uma referência ao

sacrifício de Cristo que removeu a culpa do pecado do homem, a propiciação é uma alusão

indicativa de que através da morte de Cristo a ira de Deus é vitoriosa e sua justiça é

demonstrada.111 “O hilastērion que Deus providenciou em Cristo não só retira a impiedade

e injustica dos homens, como também, ao mesmo tempo, afasta a ira ou retribuição que é o

resultado inevitável dessas atitudes e ações num universo moral”. 112 A propiciação

contempla a parte ofendida, que necessita ser apaziguada, e nossa responsabilidade para

com a ira de Deus e é a provisão da graça pelo qual nós podemos ser libertos dessa ira113 de

maneira que Deus se torne propício ou com disposição favorável a nós.114 Logo, embora o

derramamento do sangue de Cristo tenha sido a revelação direta do amor do Pai para

conosco, foi também o impedimento direto da ira do Pai contra nós.115

109
Ladd, 404.
110
Allen, 1323.
111
Greathouse, 8:92. As idéias de expiação e propiciação não se excluem mutuamente. Não há
contradição, mas complementação. Smalley, 51:40; Barker, 12:314. “... a satisfação dada por Cristo envolve
tanto a propiciação quanto a expiação: é um aplacamento e é uma substituição”. EBTF, ver “satisfação”.
112
F. F. Bruce, Romanos: Introdução e comentário, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão,
1981), 87.
113
Murray, 1:116; Gordon H. Clark, “Romans”, The Biblical Expositor, editado por Carl F. H. Henry,
3 vols. (Philadelphia: A. J. Holman Company, 1960), 3:243; Ladd, 402. Os homens estavam sentenciados a
encontrar a ira de Deus no dia do juízo (Rm 2:5). Mas Deus interveio do céu e o juízo final foi antecipado no
Calvário. Ali o pecado foi julgado e o livramento tornou-se disponível para aquele que crê. Desse modo, em
Cristo, o crente está protegido da ira de Deus e de sua força destrutiva pelo poder propiciatório da crucifixão
(Rm 3:25). Allen, 1318; B. T. Dahlberg, “Wrath of God”, The Interpreter’s Dictionary of the Bible, editador
por George Arthur Buttrick, 4 vols. (Nashville, TN: Abington Press, 1962), 4:907; Stählin, 5:446; Maclaren,
8:50-51.
114
Grudem, 471.
115
Packer, 167-168; Lloyd-Jones, 70; Erickson, 809 e 811. Como John Murray declarou, o conceito
de que “o irado Deus é amoroso... é profundamente verdadeiro.” John Murray, Redemption: Accomplished
and Applied ( Grand Rapids: Eerdmans, 1955), 31. Para outros teólogos, o conceito cristão de propiciação
envolve um afastamento da ira de Deus que é transferida do pecador para Cristo, embora permaneça o fato de
que “Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda
pecadores” (Rm 5:8) e que a dádiva de Cristo é derivada de seu amor para conosco (Jo 3:16). Dederen, 63.
195

Leon Morris, empregando os mesmos materiais que Dodd, chegou a outros

resultados, que podem ser resumidos em duas observações, ambas atinentes ao contexto: (1)

Dodd ignorou o fato de que o verbo hilaskesthai, o qual ele verteu por “perdoar”, em

referência a Deus, é usado repetidamente em situações em que a ira de Deus é um fator, o

que indica que a propiciação está realmente envolvida. (2) Uma vez que a primeira secção

principal da epístola aos Rm (1:18-3:20) está permeada com o conceito da ira de Deus

(1:18; 2:5, 8; 3:5) juntamente com a ênfase no julgamento, é de se esperar que Paulo, ao dar

uma declaração do remédio para o pecado e injustiça do homem, indique que a ira de Deus

foi satisfeita por sua própria provisão. E é isso que ele faz ao empregar o termo hilastērion

em 3:21-26.116

Além disso, uma análise da morte sacrifical dos animais no AT evidencia quatro

realidades: (1) Seu propósito era tornar Deus propício. Ela não afetava as pessoas, mas a

Deus. (2) A propiciação era assegurada pela expiação ou o cancelamento da culpa do

pecador. O pecado é apagado, cancelado, e, portanto, o pecador pode ir a Deus que está

agora propiciado. Expiação necessariamente leva à propiciação. (3) A propiciação foi

efetuada pela punição vicária da vítima que substituía o ofensor. (4) O efeito das ofertas de

sacrifício era o perdão do ofensor e sua restauração ao favor e à amizade de Deus.117

A intenção divina é promover a reconciliação entre Deus e o homem. Para tanto é

necessário que, em primeiro lugar, Deus seja reconciliado com o pecador e, depois, que o

pecador se reconcilie com Deus. A reconciliação de Deus com o homem acontece quando

116
Leon Morrris, The Apostolic Preaching of the Cross (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1955), 138,
169; Harrison, 10:44. Outro estudo independente, feito por David Hill, chegou a conclusões muito
semelhantes às de Morris. David Hill, Greek Words and Hebrew Meanings: Studies in the Semantics of
Soteriological terms (Cambridge: Cambridge University Press, 1967), 23-48. Para uma mais extensiva
refutação da posição de Dodd, ver Roger Nicole, “C. H. Dodd and the Doctrine of Propiciation”, Westminster
Theological Journal, 17 (1955): 117-157.
117
Lloyd-Jones, 88-89.
196

sua ira é propiciada, o que ocorreu quando Cristo, mediante sua morte na cruz, removeu a

necessidade do castigo dos pecadores – porque ele fora castigado em lugar deles – e tornou

possível a Deus, legalmente, manifestar para com eles seu amor, perdão e salvação.118

Desse modo, a expiação efetuou uma importante mudança, não no ser interior de

Deus, pois ele é imutável, mas na sua relação com os pecadores, que eram objetos da sua

ira judicial. Pela cobertura sacrifical do pecado deles essa ira foi desviada e desse modo

removidos os obstáculos à manifestação de seu amor redentor, o que resultou no

oferecimento do perdão, da reconciliação e da santificação e na satisfação da justiça de

Deus e das exigências de sua lei. Agora, com justiça, Deus podia perdoar e salvar em lugar

de enviar seus juízos.119

Entretando, ainda deve ocorrer a reconciliação do pecador com Deus.120 Assim, o

Deus reconciliado opera de tal modo pelo Espírito Santo no coração do pecador que este,

pondo de lado sua alienação, participa dos benefícios da perfeita expiação de Cristo e se

reconcilia com Deus.121

No pensamento paulino o homem é alienado de Deus pelo pecado e Deus é alienado do


homem pela ira. É na morte substitutiva de Cristo que o pecado é vencido e a ira desviada, de

118
Berkhof, 374; Hodge, 868; Chafer, 3:123; Ladd, 403. O principal propósito da morte de Cristo foi
satisfazer as exigências da santidade, da justiça e da lei de Deus, removendo assim, o obstáculo ao perdão, à
reconciliação e à herança eterna, a fim de que Deus pudesse ser justo ao justificar os ímpios. Hodge, 319, 844,
849, 851-852; Oden, 2:349; A. W. Tozer, Mais perto de Deus (São Paulo: Mundo Cristão, 1980), 105; Owen,
12: 419-551; Lloyd-Jones, 90-92; Strong, 444. “Em Rm 5.10 e 11.28 os pecadores são chamados ‘inimigos de
Deus’ (echtroi) num sentido passivo, indicando, não que são hostis a Deus, mas que são objetos do desprazer
de Deus. Na primeira passagem este sentido é exigido por sua ligação com o versículo anterior; na última,
pelo fato de que echtroi está em contraste com agapetoi, que não significa ‘os que amam a Deus’, mas, sim,
‘amados de Deus’.... Em Rm 5.10, 11 o termo ‘reconciliação’ só pode ser entendido num sentido objetivo,
pois, (1) dela se diz que foi efetuada pela morte de Cristo, ao passo que a reconciliação é resultado da obra do
Espírito; (2) foi efetuada enquanto ainda éramos inimigos, isto é, enquanto ainda éramos objetos da ira de
Deus; e (3) é descrita no versículo 11 como uma coisa objetiva que recebemos.” Berkhof, 344.
119
Ibid., 393. Por essa razão pode ser dito que em ambos os testamentos a obra de reconciliação
efetuada por Cristo envolve o tratamento da ira de Deus. Ladd, 397-398.
120
A razão de este propósito ser mais destacado nas Escrituras reside em que o primeiro é um fato
consumado e este não. Berkhof, 374.
121
Ibid.
197

modo que Deus possa olhar para o homem sem desprazer, e o homem olhar para Deus sem
temor. O pecado é expiado, e Deus propiciado.122

Portanto, os conceitos de expiação e propiciação nos ajudam a compreender como a

ira divina pode ser afastada123 e como somos reconciliados com Deus através da ação do

próprio Deus (2Co 5:19; Rm 5:10; Cl 1: 21-22; Ef 2:15-16).124

A justiça de Deus revelada através da propiciação

Existem três fatos sobre a propiciação, conforme a Bíblia: (1) Deus mesmo é o

ofertante, aquele que realiza a propiciação (Jó 42:7-8; Is 60:10; Os 6:1). Não é o homem,

como ocorre em todas as religiões pagãs. Entre os pagãos a propiciação era uma maneira

jeitosa de o indivíduo, por si mesmo, mudar o pensamento de uma divindade, ou seja,

influenciá-la para que lhe fosse favorável. Todavia, na religião da Bíblia, a iniciativa da

reconciliação entre Deus e o homem e a oferta para apaziguar sua ira são obras de Deus125

(2Co 5:18-19). O sacrifício de Cristo não tinha como objetivo despertar amor no coração de

Deus, mas manifestar o amor que lá se encontrava.126 (2) Cristo foi o sacrifício. Foi o

122
David F. Wells, Search for Salvation (Downers Grove, IL: Inter Varsity Press, 1978), 29.
123
Dederen, 63.
124
Ladd, 421. Ver Becker, 510.
125
Packer, 168. Também não foi um Filho misericordioso que tentou mudar o coração de um Pai
cruel, através de sua morte, antes, “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho . . .” (Jo 3;16).
Ibid., 168-169. Michelsen, 253; Lloyd-Jones, 78; Erickson, 817-818; Chafer, 3:100; Richardson, 223-224;
Murray, “The Epistle to the Romans”, 1:117-118; Greathouse, 8:92; Robertson, 465; Dederen, 63; H. A.
Ironside, Lectures on the Epistle to the Romans, 22a. ed. (Neptune, NJ: Loizeaux Brothers, Inc., 1978), 52;
Alexander Ross, The Epistles of John, The New International Commentary on the New Testament (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1975), 151. A revelação das Escrituras sobre a propiciação é a de uma
doutrina pura, à parte dos desvirtuamentos comuns à idéia de propiciação como se encontra entre os animistas
e pagãos. Stott, 151. “... a insistência de Paulo em que é Deus, e não o homem pecador, que providenciou este
hilastērion impede que seja mal compreendido. De modo semelhante, o Velho Testamento atribui a iniciativa
à graça de Deus, nesta questão: ‘porque a vida da carne está no sangue. Eu vo-lo tenho dado sobre o altar,
para fazer expiação (heb. Kipper; LXX exilaskomai) pelas vossas almas’” [Lv 17:11]. F. F. Bruce, Romanos:
Introdução e comentário, 86-87.
126
“Propitiation”, Seventh-Day Adventist Bible Commentary, 6:506. No texto de 1 Jo 2:1-2, Cristo é
apresentado como advogado e como propiciação e estes dois termos parecem contrastar Jesus com Deus.
Parece que Cristo está ativamente empenhado por nós, ao passo que Deus está relutante e precisa ser
198

derramamento do seu sangue que alcançou a propiciação, extinguindo a ira de Deus e nos

redimindo da morte, porque ocupou o nosso lugar como substituto e representante.127 (3) A

propiciação demonstra a justiça de Deus. A propiciação na cruz evidenciou não apenas o

perdão de Deus, mas também a justiça como fundamento para esse mesmo perdão.128 Em

Cristo, Deus satisfez suas próprias exigências santas, desviando do pecador a ira justa que

ele merecia e voltando-a contra si mesmo. Pelo sacrifício de Cristo, Deus satisfez, ou

propiciou sua própria ira.129 Consequentemente, Deus não mais necessita de propiciação

antes que possa perdoar, porque esta propiciação já foi feita por Cristo em prol de todo

pecador.130

A idéia de propiciação, conforme aparece em Romanos, é a de que todos os homens,

estando “debaixo do pecado” (Rm 3:9), “permanecem expostos à ira de Deus tanto na sua

manifestação presente como na futura”. Contudo, por causa da fé em Cristo – “a quem

Deus propôs como propiciação [...] pelo seu sangue” – “seremos por ele salvos da ira” (5:9).

Nós que éramos ímpios (4:5) e inimigos de Deus (5:10), fomos reconciliados com ele (5:10)

e temos paz com ele (5:1). Doravante, ele é por nós em todas as situações (8:31).131 Além

disso, permanece a realidade de que os benefícios da propiciação são tão extensivos quanto

persuadido. Todavia, essa é uma conclusão falsa, pois em 1 Jo 4:9-10 é visto que foi o Pai, por causa de seu
amor, que enviou a Cristo para termos vida por seu intermédio. Marshall, 115; Stott, 136.
127
Packer, 170; Michelsen, 253; Allen, 1323; Grudem, 471; Ross, 153; Smalley, 51:39.
128
Packer, 171; Michelsen, 253; Ladd, 418.
129
David S. Dockery, ed., Manual bíblico Vida Nova, traduzido por Lucy Yamakami e outros (São
Paulo: Vida Nova, 2001), 717. Para uma argumentação sobre a nossa responsabilidade e merecimento de
punição, devido aos nossos pecados, ver Stott, 89-92.
130
Richardson, 223-224.
131
Packer, 167.
199

o pecado: eles são oferecidos ao mundo inteiro (1Jo 2:2).132 Portanto, o sacrifício de Cristo

é necessário a todos e suficiente para todos.133

Há quem considere Rm 3:25-26 como o texto mais importante das Escrituras.134

Nele, Paulo declara que “Deus propôs”, i.e., “manifestou” a Cristo como propiciação. A

morte de Cristo na cruz não foi um acidente, antes, uma obra de Deus, algo deliberado, com

um propósito definido (At 2:23). A expressão também indica que foi um ato público, para

ser visto e contemplado. 135 Deus precisava ser visto publicamente não apenas como

justificador, mas, também, como justo.136

Desde o Dilúvio ele nunca tratou a humanidade, má e desobediente, como ela

merece. Antes, continuou “fazendo o bem, dando-vos do céu, chuvas e estações frutíferas,

enchendo os vossos corações de fartura e alegria” (At 14:17). Então, a justiça de Deus não

podia ser vista, porque o mal não era punido. Mas Deus, em sua paciência, estava apenas

adiando o julgamento. No devido tempo, o juízo foi realizado, e “os pecados que foram

anteriormente cometidos” (v. 26), sob a velha aliança nos tempos do AT, foram punidos,

mas na pessoa de Cristo que, como o Cordeiro de Deus, nos substituiu.137

A economia divina, com relação aos pecados cometidos antes da cruz, foi a de

cobrir – como mostra a raiz hebraica kaphar, traduzida como “expiação” – o que foi

representado pelos muitos sacrifícios oferecidos desde o surgimento do pecado. Deus agira

com justiça baseando-se na futura morte de Cristo. Assim, do ponto de vista de Deus, o

132
Ross, 151 e 153.
133
Barker, 12:314.
134
Lloyd-Jones, 94-95.
135
Ibid., 67-68, 97.
136
Packer, 171.
137
Ibid., 171-172; Lloyd-Jones, 100.
200

pecado fora coberto pelos sacrifícios que ele próprio estipulara, mas não retirado.

Referindo-se aos pecados cometidos antes da cruz, a epístola aos Romanos declara que

Deus, em sua tolerância, os havia “deixado impunes” [páresis] (Rm 3:25). Diferente de

aphesis, que indica um perdão pleno, paresis sugere não mais do que a procrastinação do

juízo e revela que Deus pôs de lado o pecado, temporariamente, em vista dos sacrifícios.

Mas quando o verdadeiro Cordeiro de Deus foi sacrificado “já não mais resta

sacrifício pelos pecados” (Hb 10:26). Sua morte, em cumprimento do que fora prefigurado,

possibilitou que os pecados fossem tirados, pelo justo juízo, enquanto ao mesmo tempo,

demonstrou que Deus fora justo em procrastinar seu juízo sobre aqueles pecados (Rm 3:

25). 138 Assim, na sexta-feira da paixão, tendo acabada a tolerância Divina, ele atacou

radicalmente o pecado.139 O ponto é que Deus fizera algo no passado e que agora propôs a

Cristo para fazer algo em relação ao que ele fizera. 140 Desse modo, Deus pode ser,

simultaneamente, justo e justificador.

A obra sacerdotal de Cristo

A obra de Cristo como libertador da ira de Deus precisa ser compreendida a partir

do ensino das escrituras do AT, onde se percebe a importante atividade dos intercessores.

Deus recebia a intercessão de seus servos141 (Is 1:16-20; Jr 4:4; 36:7; cf. Dn 9:16) que

rogavam pelo afastamento ou mitigação de sua ira. Assim, Jó orou por seus amigos (Jó 42:7

138
Chafer, 3:107-109; Hodge, 863. “Os anjos não caídos e os habitantes de outros mundos podem
ver agora, na cruz, que o perdão de Deus para os pecadores arrependidos durante os milhares de anos entre
Adão e Cristo não se baseava em sangue sacrifical, mas na morte expiatória do Redentor ainda por vir –
prefigurado no tipo animal.” Holbrook, 89-90.
139
Pohl, 76.
140
Lloyd-Jones, 100.
141
W. C. Robinson, “Wrath of God”, Evangelical Dictionary of Theology, editado por Walter A.
Elwell (Grand Rapids: Baker book House, 9a reimpressão, 1992), 1196; Chafer, 3: 69; B. J. Fichtner, “Orgê”,
TDNT, 5:407.
201

ss.); Moisés intercedeu pelo povo apostatado (Êx 32:11-14, 31-35; Nm 11:1-2.; 14:11-19;

Dt 9:19; Sl 106:23) ou por indivíduos culpados (Nm 12:13; Dt 9:20); Amós orou por Israel

(Am 7:2, 5) e Jeremias por Judá (Jr 14:7-9; 18:20). Essas intercessões eram ouvidas por

Deus e, como resultado, a ira podia ser limitada em sua obra (Nm 14; Dt 9) ou

completamente desfeita (Nm 11; 2Sm 24). Entretanto, houve ocasiões em que foi tamanha

a rebeldia que Deus não mais ouviu a intercessão (Am 7:8; 8:2; Ez 14:14) ou mesmo

proibiu seu servo de fazê-la (Jr 7:16; 14:11). Nesses casos, nada podia impedir a ira, e ela

era executada implacavelmente e irresistivelmente (Ez 8:18).142

O NT mantém a convicção de que a ira de Deus é uma realidade e que seu juízo

paira ameaçador sobre os homens (2Co 5:10) e, com igual vigor, assevera que é admissível

o escape desta ira (Rm 5:9; Ef 2:1-10; 1Ts 1:10)143 que, todavia, só é possível em Cristo,

pois ele é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1:29).144 A finalidade de

sua vinda era morrer e mediante a morte satisfazer a ira de Deus contra nossos pecados,145 o

que teve um efeito retroativo para aqueles que morreram antes da cruz, salvando, como que

a crédito, aqueles que, nessa época, depositaram sua confiança em Deus.146

É importante notar que em nenhum outro lugar do NT o aspecto sacerdotal da obra

de Cristo é ressaltado com tanto impacto como na epístola aos Hebreus.147 Seu tema central

142
Ibid., 406; Dicionário bíblico, ed. 1984, ver “Ira”.
143
Rudolf Bultmann, Theology of the New Testament, 2 vols. (New York: Charles Scribner’s Sons,
s.d.), 1:288; Hahn, H.- Chr, “Ira”, Diccionario teologico del Nuevo Testamento, editado por Mario Sala e
Araceli Herrera, traduzido por Manuel Balash e outros, 2ª ed., 2 vols. (Salamanca: Ediciones Sigueme, 1980),
2:361-362.
144
Warren W. Wiersbe, “Hebreus”, Comentário bíblico expositivo, 6 vols. (Santo André: Geográfica
Editora, 2006), 6:402.
145
Henrichsen, 105.
146
Ibid., 107.
147
Donald Guthrie, Hebreus: Introdução e comentário, traduzido por Gordon Chown (São Paulo:
Vida Nova e Mundo Cristão, 1984), 50.
202

é o sacerdócio de Cristo e o que ele faz no céu em favor de seu povo148 e nela, a pessoa e a

obra de Cristo são comparados com o sistema levítico do AT.149 Além disso, o escritor de

Hebreus é o único do NT que chama a Jesus de sumo sacerdote. Por tudo isso, a epístola

aos Hebreus “representa uma verdadeira chave de todo o AT e NT”.150

Em Hebreus se percebe que, desde o AT, o sacrifício sempre envolvia duas ideias: o

derramamento de sangue e a mediação de sangue, i.e., o sacrifício e sua aplicação.151 Os

sacrifícios não eram válidos, e não havia perdão, até que um sacerdote atuasse aplicando o

sangue – os méritos do sacrifício – em favor do pecador arrependido.152 Por isso, a obra

sacrifical de Cristo na terra requer o seu serviço no santuário celestial. Ambas são partes

complementares da tarefa sacerdotal do salvador.153 Seu sacrifício, feito de uma vez por

todas (Hb 9:11-14, 24-28), “permitiu a purificação do pecado à medida que Cristo realiza

seu ministério sacerdotal, intercedendo por nós” (Hb 2:17, 7:22-25; 9:15).154 Fica evidente

que a salvação do pecado – aquilo que os muitos sacrifícios de animais (10:4) 155 e os

148
Wiersbe, 6:374; Guthrie, 89.
149
Walter A. Henrichsen, Depois do sacrifício, traduzido por Luiz Aparecido Caruso (Deerfield, FL:
Vida, 2ª impressão, 1990), 11.
150
Fritz Laubach, Carta aos hebreus: Comentário esperança, traduzido por Werner Fuchs (Curitiba:
Editora Evangélica Esperança, 2000), 28.
151
Frank B. Holbrook, A luz de Hebreus: Intercessão, expiação e juízo no santuário celestial,
Santuário e profecias apocalípticas, editado por Frank B. Holbrook, vol. 4 (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress,
2008),7.
152
Idem, O sacerdócio expiatório de Jesus Cristo, 114.
153
Ibid., 115; Berkhof, 368.
154
Herbert Kiesler, “Uma exegese de passagens selecionadas”, em A luz de Hebreus: Intercessão,
expiação e juízo no santuário celestial, 65; William G. Johnsson, “Alusões ao dia da expiação”, em A luz de
Hebreus: Intercessão, expiação e juízo no santuário celestial, 112.
155
Ibid.
203

muitos dias de expiação não puderam realizar – foi alcançada no Calvário, 156 que é o

antítipo de todos os sacrifícios do AT.157

Enquanto que o sacrifício de Cristo na cruz foi expiatório e provido para todos os

homens (1Jo 2:2), é mediante seu ministério sacerdotal no Céu que esse sacrifício é

aplicado aquele que tem fé.158 Desse modo, a salvação, em Hebreus, é apresentada como

uma atividade contínua: Cristo nos salva pelo sacrifício de si mesmo e sustenta a nossa

salvação pela sua intercessão.159 Enquanto que seu sacrifício foi único, de uma vez por

todas (Hb 9:26), seu sacerdócio é perpétuo (Hb 7:25; cf. Rm 8:34).160 Porque não somos

perfeitos, não temos acesso direto a Deus e precisamos de um sacerdote que ofereça

sacrifícios a Deus em propiciação por nossos pecados161 e interceda por nós,162 e este é

Cristo. Ele não apenas ofereceu na terra o sacrifício que o sumo sacerdote devia oferecer,

mas, hoje, serve a Deus como sumo sacerdote celestial.163 Ele é a ponte que cobre o vão

que há entre Deus e o homem,164 aquele que ouve a confissão de pecados165 e intercede

156
Idem, 113; Richard M. Davidson, “Tipologia no livro de Hebreus”, em A luz de Hebreus:
Intercessão, expiação e juízo no santuário celestial, 166.
157
Johnsson, “Contaminação / purificação e Hebreus 9:23”, em A luz de Hebreus: Intercessão,
expiação e juízo no santuário celestial, 93.
158
Knigth, Questões sobre doutrinas, 252, 259.
159
Charles A. Trentham, “Hebreus”, Comentário bíblico Broadman, traduzido por Adiel Almeida de
Oliveira, 12 vols. (Rio de Janeiro: JUERP, 1984), 12:73.
160
Laubach, 91, 154; Henrichsen , 85; Guthrie, 51. Ver J. Sidlow Baxter, Examinai as Escrituras:
Atos a Apocalipse, traduzido por Neyd Siqueira, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova, 1995), 6:292.
161
Henrichsen, 81.
162
Hodge, 826.
163
Laubach, 84. Ele foi ao mesmo tempo sacrifício e sumo sacerdote. Lloyd-Jones, 90-92. E é sua
morte expiatória e propiciatória que possibilita seu ministério celestial de sumo sacerdote. Laubach, 17;
Henrichsen, 49.
164
Ibid., 12.
165
Trentham, 12:54.
204

continuamente por nós. 166 Como mediador (Hb 8:6; 9:15; 12:24), torna realidade os

propósitos salvadores de Deus para os homens, de modo que todo bem-estar espiritual nos é

proporcionado por seu ofício intermediário.167 Dessa maneira, sua obra consumada na Terra

e sua obra em processo no Céu são suficientes e eficazes para tratar de nossos pecados.168

Cristo – O Executor da Ira de Deus

No grande plano da salvação elaborado por Deus, Cristo também aparece como

executor da ira divina. Embora essa sua função não seja uma ênfase das Sagradas Escrituras,

pode ser claramente percebida, especialmente no Apocalipse.

A ira do Cordeiro

Ao leitor do Apocalipse não deve surpreender que o texto apresente a ideia da ira de

Cristo e que ela seja identificada como a ira do Cordeiro (Ap 6:16-17). Em primeiro lugar,

porque neste livro a ira de Deus e do Cordeiro é um tema contínuo, descrito sob as figuras

das trombetas e das taças 169 e, também, em razão de que é possível que João tenha

mencionado o cordeiro, e não o leão (como em Ap 5:5), porque seu principal pensamento

era a preservação dos santos de modo que a alusão ao Cordeiro seria uma lembrança

daquele que tanto os amou que se sacrificou por eles170 e que, agora, os protegeria.

166
Henrichsen, 48.
167
EBTF, ver “Mediação (mediador)”.
168
Wiersbe, 6:402.
169
Alan F. Johnson, “Revelation”, The Zondervan NIV Bible Commentary, 2 vols. (Grand Rapids,
MI: Zondervan, 1994), 2:1163.
170
Harvey J. S. Blaney, “Revelation”, The Wesleyan Bible Commentary, 2a. ed., 6 vols. (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1971), 6:479.
205

É muito importante notar que na primeira vez que o Apocalipse fala na ira de Deus,

não pode fazê-lo sem mencionar Cristo – o Cordeiro.171 Em sua soberania Deus fez do

homem um ser responsável e ao mesmo tempo estabeleceu que seu destino eterno estivesse

vinculado à pessoa de Cristo. O homem se salva ou se perde em função de sua relação com

Cristo. Não há outra opção. 172 O Apocalipse apresenta a alternativa: ou o sangue do

Cordeiro (7:14) ou a ira do Cordeiro (6:17). Para quem rejeitar o amor de Deus e recusar o

sangue de Cristo, só restará o julgamento e a ira do Cordeiro (5:6, 9; cf. 7:10, 13-17; 13:1,8;

14:9-11).173

A vontade do Pai e do filho é uma para a salvação do mundo, mas também no

julgamento daqueles que rejeitam a salvação (7:10; 6:16-17). 174 Se Cristo retratasse

somente os atributos pacíficos de Deus, ele não seria a plena revelação de Deus, mas

apenas uma revelação parcial. Como Filho de Deus e logos de Deus que é, deve manifestar

também a justiça e a indignação de Deus.175 Essa ira do Cordeiro não é uma interrupção do

amor, mas uma fase do amor. Há uma ira que é incompatível com a ausência do amor, a

qual não pode existir sem que o amor tenha existido antes dela. É a ira do amor mesmo,176 a

171
Pierre Pringent, O Apocalypse, traduzido por Luiz João Baraúna (São Paulo: Loyola, 1993), 138.
172
Blaney, 6:503.
173
George Eldon Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova e mundo
Cristão, 1982), 192; Pringent, 138; Ray Summers, A mensagem do Apocalipse: digno é o cordeiro, 5ª ed. (Rio
de Janeiro: JUERP, 1986), 140.
174
Walter A. Elwell, ed., Baker Commentary on the Bible (Grand Rapids: Baker Book, 1989), 1210;
Philip Edgcumbe Hughes, The Book of the Revelation a Commentary (Leicester, U.K.: Inter-Varsity Press e
Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1990), 92; “Ira”, O Novo Testamento interpretado, 6:474. Ver também Hans K.
LaRondelle, “Armagedom: Sixth and Seventh Plagues”, em Symposium on Revelation, 2 vols., Daniel &
Revelation Committee Series, ed. Frank B. Holbrook (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992),
2:383.
175
Joseph S. Exell, “Revelation”, The Biblical Illustrator, 23 vols. (Grand Rapids, MI: Backer Book
House, s.d.), 23:349-350.
176
Ibid., 23:348.
206

ira do amor desprezado, rejeitado apesar de todo seu sacrifício e empenho em prol do

pecador.177

A ira do Rei guerreiro

Um dos grandes temas do Apocalipse é o do grande conflito entre Deus e Satanás,

que atinge seu clímax nos últimos capítulos. A visão relatada em Ap 19:11-21 pertence ao

ciclo do grande julgamento, iniciado no cap. 17 e concluído no 20,178 onde pode ser visto o

triunfo de Cristo sobre o Anticristo e seus aliados – reis e nações que colaboraram com ele

– na batalha do Armagedom e, depois, sobre o próprio Satanás.179 Os vs. 11-15 são uma

leitura cristológica da profecia de Is 63:1-6, que se refere a Deus, 180 e os vs. 17-21

descrevem a grande batalha com as imagens tiradas de Ez 39:17-20 que, em linguagem

simbólica, expõem a destruição total e decisiva dos inimigos de Deus.181

Quase todas as palavras empregadas se referem às profecias do AT ou aos nomes

que apontam para a pessoa e a obra do Messias. O propósito é demonstrar que Cristo tem o

direito de julgar em virtude de sua divina natureza e que ele, como rei guerreiro e Palavra

177
Matthew Henry, “Apocalipsis”, Comentario exegético-devocional a toda la Bíblia, traduzido por
Francisco Lacueva (Barcelona: CLIE, 1989), 11:409; Wiersbe, “Apocalipse”, 6:750.
178
Richard Lehmann, “The Two Suppers”, em Symposium on Revelation, 2:217.
179
Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 190-191. Os poderes do mal são destruídos na ordem
inversa de sua aparição. Primeiro surgiu o dragão, depois as duas bestas e, por fim, Babilônia. Agora,
Babilônia á primeira ser destruída. Depois é a vez das duas bestas e, então, Satanás. R. C. H. Lenski, The
Interpretation of John’s Revelation (Minneapolis, MN: Augsburb Publishing House, 1961), 547; Lehmann,
2:217-218.
180
Os Targuns de Is 63 e de Gn 49 onde há informações semelhantes, já aplicavam essas declarações
ao Messias. Pringent, 346.
181
Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 190-191. A natureza do gênero profético é tal que
descreve eventos futuros como passados e presentes em razão da certeza de sua ocorrência. A mistura de
passado, presente e futuro para retratar o futuro ocorre em qualquer lugar no Apocalipse e no neste contexto.
G. K. Beale, The Book of Revelation: A Commentary on the Greek Text, The New International Greek
Testament Commentary (Grand Rapids, MI: Eerdmans e Carlisle, U. K.: The Paternoster Press, 1999), 959.
207

eficaz, cumpre as profecias que anunciavam a vitória de Deus.182 “Deus é um Deus que

julga e combate o mal e os maus, mas seu julgamento e seu combate têm um nome: Jesus

Cristo”.183 Este é apontado como juiz, aquele que não é indiferente para com o mal, nem se

esquece, nem é benigno para com ele, antes o combate.184 A posição desta cena, antes do

casamento do cordeiro (cap. 21) tem bastante afinidade com o Sl 45, onde o noivo está

celebrando uma vitória na guerra antes de poder receber a noiva. Cristo não pode unir-se a

seus seguidores até que o mal tenha sido derrotado 185 e isso ocorre na batalha do

Armagedom.

A visão inaugural de Cristo no Apocalipse (1:9-20) permite afirmar que as muitas

imagens hebraicas que aparecem por todo o livro, incluindo nomes e lugares, devem ser

entendidas não como vinculadas à antiga aliança, mas como cumpridas em Cristo e na

igreja universal.186 Há duas passagens que tratam com clareza do Armagedom. São os caps.

17 e 19. Seu exame revela que se trata da contenda final entre as forças combinadas de

Satanás de um lado e de Cristo e seus seguidores do outro.187 Ainda assim, os intérpretes

divergem quanto ao protótipo do AT para a batalha do Armagedom. Para alguns, o modelo

é a guerra no Vale de Josafá, onde Deus mesmo se encarregou de destruir os inimigos de

182
Pringent, 340, 345; Lehmann, 2:221; LaRondelle, 387; Alfred Wikenhausen, El Apocalipsis de
San Juan, 2ª ed. (Barcelona: Editorial Herder, 1981), 234; Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ:
Commentary on the Book of Revelation (Berrien springs, MI: Andrews University Press, 2002), 1:554; Ladd,
Apocalipse: Introdução e comentário, 188.
183
Pringent, 340.
184
Ibid., 344.
185
Blaney, 6:502.
186
O protagonista, descrito como “semelhante a filho de homem”, e os “candeeiros de ouro”, são,
respectivamente, Cristo e as igrejas cristãs. LaRondelle, 2:383. Para um estudo sobre o principio de
interpretação envolvido na compreensão da guerra do Armagedom, ver Louis F. Were, The Certain of the
Third Angel’s Message (Sarasota, FL: s. e., 1979), 324-328.
187
LaRondelle, 2:377-378.; Stefanovic, 1:549.
208

seu povo (2Cr 20:1-24 cf. Jl 3:2, 9-14).188 Para outros, o nome simbólico da batalha do

Armagedom parece aludir à guerra santa de Israel contra Sísera, o comandante do rei

cananita e à vitória próxima às águas de Megido (Jz 5:19) – o que foi declarado, no cântico

de Débora, ser uma vitória do Senhor (Jz 5:31).189

Há ainda outra interpretação, também baseada no nome Armagedom, que significa

“Monte de Megido”. Megido era uma cidade no Vale de Jezreel. Mas ela tinha um monte: o

Carmelo. Como o arroio Quisom, situado nas proximidades, é chamado de “águas de

Megido” (Jz 5:19, 21), parece correto, do mesmo modo, considerar o Monte Carmelo como

o Monte de Megido. Assim, a batalha do Armagedom é a batalha do Monte Carmelo. A

narrativa do AT mostra que foi no Monte Carmelo, nos dias do profeta Elias, que uma

poderosa manifestação do poder de Deus alcançou a vitória sobre o falso sistema de

adoração e, na sequência, houve uma terrível vingança contra os líderes religiosos que os

haviam enganado por tanto tempo (1Rs 18:20-40). 190 De qualquer modo, a espécie de

conflito em que Cristo se engaja é mais um enfrentamento espiritual com a execução da

justiça, do que um conflito militar.191

Nessa batalha há uma única arma – a espada – e ela sai de boca de Cristo. A figura

deriva de uma profecia de Isaías onde é dito que o Messias “julgará com justiça os pobres e

decidirá a favor dos mansos da terra; ferirá a terra com a vara de sua boca e com o sopro

dos seus lábios matará o perverso” (Is 11:4).192 Portanto, enquanto ele é a favor de alguns,

188
Loren Wade, El futuro del mundo revelado en el Apocalipsis (Buenos Aires: Asociacion Casa
Editora Sudamenricana, 1990), 235.
189
LaRondelle, 382.
190
Wade, 214.
191
Ibid.; Johnson, “Revelation”, 2:1163; Blaney, 6:502; Stefanovic, 1:100.
192
Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 189.
209

pune a outros. A espada é a verdade de Deus, como é em Cristo (ver Is 49:2; Ef 6:17; Hb

4:12). Seus dois fios indicam que ela nunca falha ao cortar. Se ela não corta com o fio da

salvação, ela corta com o fio da condenação; porque a palavra de redenção para todo aquele

que crê é, ao mesmo tempo, a palavra de destruição para aqueles que se recusam a crer (ver

2:16; 19:25; Jo 12:47-48).193 Aqui no final do livro de Apocalipse, a espada é a palavra

falada de Cristo, que ele proferirá em seu retorno e será feito, como ocorreu na criação (Gn

1:3; Jo 1:3; Hb 1:2).194

Como símbolo da autoridade judicial e da sentença condenatória essa palavra será

pronunciada para executar a ira de Deus e vai punir e destruir, de modo que ninguém possa

resistir nem escapar.195 Tal manifestação de ira deve ser encarada dentro do escopo de seu

amor redentor. No fim, a espada que sai da boca de Cristo cortará em apenas uma direção,

mas isso não é antagônico ao quadro de Jesus retratado nos evangelhos. Mesmo chorando

por Jerusalém, ele proclama juízo sobre a cidade, juízo que era certo e breve (Mt 23:37-

38).196 Uma amostra do poder de sua palavra para reprovar pode ser vista no que ocorreu no

193
Hughes, 27. Ver também Blaney, 6:425, 503; Charles Simeon, Expository Outlines on the Bible,
21 vols. (Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1956), 21:21; Herbert Lockyer, Apocalipse: O
drama dos séculos (São Paulo: Editora Vida, 1982), 44; Johnson, 2:1214.
194
Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 28, 189; Morris Ashcraft, “Apocalipse”, Comentário
Bíblico Broadman, traduzido por Adiel Almeida de Oliveira (Rio de Janeiro: JUERP, 1984), 12:308; Jack
MacArthur, Expositional Commentary on Revelation (Eugene, Oregon: Certain Sound Publishing House,
1973), 29; Albert Barnes, Notes on the New Testament, editado por Robert Frew (Grand Rapids, MI: Baker
Book House, reimpressão 1969), 88. Há também o pensamento de que esta palavra falada de Cristo refira-se
àquela que ele já falou: o evangelho. Neste caso, conforme 2 Ts 2:8, o poder do homem do pecado será
diminuído e enfraquecido pela influencia do evangelho, embora sua completa destruição ocorra na segunda
vinda de Cristo. Ibid. “Há sempre um processo judicial na pregação da Palavra de Deus.... Nosso Senhor disse:
‘Quem me rejeita e não recebe as minhas palavras tem quem o julgue; a própria palavra que tenho proferido,
essa o julgará no ultimo dia’(Jo 12:48).” MacArthur, Expositional Commentary on Revelation, 29.
195
Charles E. Erdman, Apocalipse de João (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1960), 32; Earle,
10:484; Summers, 106; Wikenhausen, 58, 237; Ashcraft, 12:399; Arthur E. Bloomfield, O futuro glorioso do
planeta terra, 2ª ed., Belo Horizonte: Editora Betânia, 1975), 236.; James Moffatt, “The Revelation of St.
John the Divine”, The Expositor’s Greek Testament, editado por Carl F. H. Henry, 5 vols. (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, s.d.), 5:345. No Sl 149:6 a espada de dois gumes é empregada para executar juízo sobre os ímpios.
Stefanovic, 1:100.
196
Blaney, 6:503.
210

Getsêmani. Quando Cristo disse à turba que viera para prendê-lo: “Sou eu”, o resultado foi

que “recuaram e caíram por terra” (Jo 18:6).197 Portanto, esta última batalha será vencida

por uma palavra, a palavra condenatória de Cristo.198

Como rei guerreiro, Cristo se apresenta com as vestes manchadas de sangue. Quanto

a esse sangue, há três diferentes interpretações. A primeira o vê como o sangue do próprio

Cristo, vertido na cruz; a segunda, como o sangue dos mártires que agora está para ser

vingado; e a terceira, como o sangue dos inimigos de Cristo e de seu povo.199 Aqueles que

alegam que é o sangue de Cristo, apresentam os seguintes argumentos: (1) Cristo já vem do

céu com a veste manchada de sangue, antes do início da batalha; (2) no Apocalipse, o

sangue mencionado em conexão com Cristo é seu próprio sangue (1:5; 5:6, 9; 7:14; 12:11);

(3) a palavra “banhado” não se harmoniza com o texto de Is 63:2, mas ao uso em

Apocalipse das vestes dos crentes sendo lavadas (7:14; 22:14); e (4) a espada não está em

sua mão.200 Os defensores da segunda corrente afirmam que, como a batalha ainda não

começou, parece que o sangue é das testemunhas de Cristo (17:6) que está vindo para

resgatá-las e vingar seu sangue, dando-lhes a vitória sobre seus inimigos.201

Entretanto, o texto retrata a Cristo, não como redentor, mas como guerreiro e

dominador do mal202 e seu tema não é o sofrimento dos justos causado pela opressão, mas o

julgamento contra os opressores. 203 Ao descrever o Cristo vencedor, há o emprego de

197
Bloomfield, 235.
198
John Phillips, Exploring Revelation (Chicago; Moody Press, 1974), 246.
199
Ricardo Foulkes, El Apocalipsis de San Juan: Una lectura desde la América Latina (Buenos
Aires: Nueva Creación e Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1989), 200; Beale, 958.
200
Johnson, 2:1214.
201
Stefanovic, 1:552.
202
Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 189. Ver também Pringent, 347.
203
Beale, 959.
211

algumas figuras extraídas de Is 63, onde Deus é retratado como conquistador retornando da

punição de Edom, havendo pisado o lagar da ira de Deus e tendo suas vestes manchadas

com o sangue de seus inimigos. 204 Embora alguns manuscritos tragam “banhado”

(bebammenon), merece melhor aceitação a leitura “salpicado” (rerantismenon), o que

combina mais com o que ocorre em uma batalha e com o texto paralelo de Is 63:3.205 Desse

modo, a figura do manto tinto de sangue sublinha sua vitória sobre seus inimigos.206

Em Ap 19:11-21, Cristo, se apresenta como um rei guerreiro, cavalgando um cavalo

branco e seguido pelos exércitos que há no céu montando cavalos brancos e trajando

vestiduras brancas (Ap 19:14). Quem são aqueles que compõem esses exércitos? Os

exércitos que há no céu são os anjos que o acompanharão em sua segunda vinda a esta terra

(ver Zc 14:5; Mc 8:38; Lc 9:26; 1Ts 3:13; 2 Ts 1:7).207 Na ocasião, a besta, o falso profeta e

todos os seus exércitos se posicionam para o enfrentamento, mas são derrotados. A

destruição é completa. A batalha se encerra e Cristo sai vitorioso.208

Os olhos desse rei guerreiro “são como chama de fogo”, o que simboliza sua

habilidade para julgar com exatidão, seu julgamento perscrutador que vê todas as coisas e

204
Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 189.
205
Henry, 11:542.
206
Wiersbe, “Apocalipse”, Comentário bíblico expositivo, 6:787; O Novo Testamento interpretado,
6:626; Lockyer, 197; Earle, 10:607; Henry, 11:542; Blaney, 6:502; Hughes, 204; Bloomfield, 235; Beale,
958-959; Lehmann, 220.
207
Earle, 10:607; “Armies”, Seventh-Day Adventist Bible Commentary, 7:874; Ladd, Apocalipse:
Introdução e comentário, 189.
208
Ibid; Ashcraft, 12:400; Summers, 183; Bloomfield, 54-55; Wiersbe, “Apocalipse”, Comentário
bíblico expositivo, 6:787-788; Lehmann, 221; Stefanovic, 1:553; Wikenhausen, 239; William Kelly, Estudos
sobre o livro de Apocalipse, 2ª ed. (São Paulo: Depósito de Literatura Cristã, 2002), 178.
212

que tem poder para consumir como fogo.209 A chama pode iluminar e brilhar, mas também

queimar e destruir. Assim também os olhos do verbo.210

Os “muitos diademas” que há em sua cabeça lembram de um costume que havia

entre os monarcas orientais: quando entravam em alguma batalha, traziam coroas de

identificação de sua alta posição. O mesmo sucederá com Cristo, quando, como Rei dos

reis, entrar em conflito com os poderes do mal.211 O diadema é uma coroa real e indica

poder e autoridade reais.212 O Apocalipse havia mencionado o uso de um diadema pelo

dragão (12:3) e pela besta (13:1) ao registrar o clamor deles por soberania universal em

oposição ao verdadeiro rei.213 Mas agora, os muitos diademas de Cristo contrastam com os

deles214 e manifestam seu governo magnificente, poderoso e universal, como Rei dos reis,

ao final do juízo.215

A grandeza de Cristo pode ser vista tanto em seus nomes como na descrição do rei

conquistador.216 Ele se apresenta vestido de juiz e rei, alguém com honra e autoridade.217

Nessa visão do Cristo como rei e guerreiro, são mencionados alguns de seus nomes, e há a

menção de outro que ninguém conhece. No Oriente Médio os nomes indicam o caráter218 e,

209
Wiersbe, “Apocalipse”, Comentário bíblico expositivo, 6:787; Charles Caldwell Ryrie,
Apocalipsis, traduzido por José Flores Espinosa (s/l: Editorial Moody, 1974), 113; MacArthur, Expositional
Commentary on Revelation, 388-389; Stefanovic, 1:551; Henry, 11:542; Beale, 951; Pringent, 341; O Novo
Testamento interpretado, 6:626.
210
Orígenes, citado em Pringent, 341.
211
O Novo Testamento interpretado,6:626.
212
Hughes, 203.
213
Beale, 952.
214
Henry, 11:542.
215
Earle, 10:607; Wiersbe, “Apocalipse”, Comentário bíblico expositivo, 6:787; Stefanovic, 1:551;
Hughes, 203.
216
Wiersbe, “Apocalipse”, Comentário bíblico expositivo, 6:787.
217
Ibid., 6:725.
218
Stefanovic, 1:551; O Novo Testamento interpretado, 6:626.
213

segundo uma antiga ideia, o nome expressa a natureza de quem o leva.219 O primeiro nome

é “Fiel e Verdadeiro” (Ap 1:11), o que indica sua postura em relação à sua missão, não

apenas como salvador, mas também como juiz, pois, em cumprimento de suas promessas,

ele julga e combate com justiça contra os inimigos de Deus, pelejando para corrigir os erros,

derrotar o mal e trazer a justiça ao mundo.220

Quanto ao nome de Cristo que ninguém conhece (Ap 1:12) pode ser uma referência

à glória eterna do Filho, que somente o Pai conhece221 ou ao seu novo e desconhecido papel,

o de vingador de seu povo (ver Is 28:21.)222

O termo logos significa um pensamento e, então, a expressão daquele pensamento

em palavra.223 Tem sido traduzido como “verbo” ou “palavra”. Do modo como revelamos

nossos pensamentos, sentimentos e intenções aos outros por meio de nossas palavras,

também o Pai revelou-se a nós por meio de seu Filho, o Verbo encarnado,224 que é tanto

revelador da mente divina como o agente da vontade divina.225 Desse modo, logos é uma

alusão à missão de Cristo. Através dele Deus fala ao mundo e se revela.226 Em seu primeiro

advento ele veio para revelar a graça de Deus; agora, no segundo, virá para revelar o juízo

219
Wikenhausen, 235.
220
O Novo Testamento interpretado, 6:625; Wikenhausen, 245.
221
Henry, 11:542. Ver também Wikenhausen, 235.
222
“Faithful and True”, Seventh-Day Adventist Bible Commentary, 7:873-874.
223
Earle, 10:607.
224
Wiersbe, “Apocalipse”, Comentário bíblico expositivo, 6:786; MacArthur, Expositional
Commentary on Revelation, 390; Johnson, 2:1214; Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 189.
225
Hughes, 204; McDowell Jr, 151.
226
Wikenhausen, 236.
214

de Deus.227 Ele, que antes condenou, mas perdoou o pecado, virá para condenar e julgar o

pecado.228 Como Verbo de Deus revelará a justiça divina e castigará o mal.229

O nome “Rei dos reis e Senhor dos senhores” indica a soberania total de Cristo (ver

1Co 8:5-6). 230 Os reis e senhores deste mundo têm apenas um domínio limitado, eles

governam apenas certo território e certa porção de gente, e são independentes uns dos

outros. Mas Cristo governa sobre todos, eles são seus vassalos.231

A ira do Senhor

Uma referência ao mesmo evento foi mencionada numa carta de Paulo aos

tessalonicenses: “[...] então, será, de fato, revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará

com o sopro de sua boca e o destruirá pela manifestação de sua vinda” (2Ts 2:8). Embora

muitos dos mais antigos textos e outros testemunhos primitivos omitam o nome “Jesus”,

após a designação “Senhor”, a evidência textual favorece sua presença no texto original e o

contexto torna claro que o título “Senhor” se refere a “Jesus”.232 Ele é o agente de Deus

para a destruição.233 Embora a expressão epiphaneia signifique simplesmente aparecimento

227
“Faithful and True”, Seventh-Day Adventist Bible Commentary, 7:873-874; “Word of God”, ibid.,
7:874; Kelly, 176; Wiersbe, “Apocalipse”, Comentário bíblico expositivo, 6:787; Abraham Kuyper, The
Revelation of ST. John, traduzido por John Hendrik de Vries (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão
1964), 258; Phillips, 246.
228
Merrill C. Tenney, Interpreting Revelation (Grand Rapids, MI: Eerdmans, s/d), 131.
229
Wikenhausen, 236; O Novo Testamento interpretado, 6:627. Ver também Stefanovic, 1:554;
Ryrie, 113; Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 188; Henry, 11:543; Charles Simeon, Expository
Outlines on the Bible, 21 vols. (Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1956), 21:236.
230
Ladd, Apocalipse: Introdução e comentário, 190.
231
Simeon, 21:234; Elwell, 1225.
232
Charles A. Wanamaker, The Epistles to the Thessalonians: A Commentary on tre Greek Text
(Grand Rapids, MI: Eerdmans e Exeter, U. K.: The Paternoster Press, 1990), 257-258. Em suas duas cartas
aos tessalonicenses, Paulo usa repetidamente a fórmula “Senhor Jesus” e também aqui. R. C. H. Lenski, The
Interpretation of St. Paul’s to the Colossians, to the Thessalonians, to Timothy, to Titus and to Philemon
(Minneapolis, MN: Augsburb Publishing House, 1991), 421.
233
Wanamaker, 257.
215

e não possua, necessariamente, a idéia de esplendor,234 era frequentemente empregada na

literatura grega para descrever uma gloriosa manifestação dos deuses, e especialmente de

seu advento para ajudar.235 Aqui, nessa passagem, é praticamente sinônimo de parousia e

se refere à vinda de Cristo (1Tm 6:14; 2Tm 1:10; 4:1, 8; Tt 2:13),236 sendo apresentada

como um flagrante contraste com a parousia do homem do pecado (2Ts 2:9).237 O texto é

uma alusão à profecia de Is 11:4 e denota a facilidade com que o Senhor destruirá

(katargesei) quem a ele se opõe. Este verbo significa, basicamente, “inutilizar”, “deixar

fora de combate”.238 O efeito do olhar e da voz de Cristo será suficiente para destruir o

inimigo.239 Tal evento ocorrerá antes do milênio e fará parte da purificação da terra, a qual

preparará o reino pessoal de Cristo.240

Perspectiva de Ellen White

Em seus escritos Ellen White também tratou da relação de Cristo com a ira de Deus.

Cristo – O Fiador Diante da Ira de Deus

Discorrendo sobre os resultados da entrada do pecado em nosso mundo, afirma que,

embora o Pai não pudesse abolir nem alterar sua lei “para socorrer o homem em sua

234
Barnes, 89.
235
Leon Morris, The First and Second Epistles to the Thessalonians, The New International
Commentary on the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, reimpressão 1975), 230-231; Arnold E.
Airhart, “The First and Second Epistles to the Thessalonians”, Beacon Bible Commentary, 9:519.
236
Robert L. Thomas, “2 Thessalonians”, The Expositor’s Bible Commentary, 11:326.
237
Lenski, The Interpretation of St. Paul’s to the Colossians, to the Thessalonians, to Timothy, to
Titus and to Philemon, 423; Airhart, 9:519; James Smith, Comentario homiletico de la Bíblia, 10 vols.
(Barcelona: Editorial CLIE, s.d.), 10:303; Lily B.Freire, comp., Comentário às epístolas do apóstolo São
Paulo aos Tessalonicenses, traduzido por José R.Couto (Lisboa: Edições de J. Ilídio Freire, s.d.), 137-138.
238
Leon Morris, Las cartas a los Tesalonicenses: Introdución y comentario (Buenos Aires:
Ediciones Certeza, 1976), 150.
239
Freire, 135; Morris, The First and Second Epistles to the Thessalonians, 230.
240
C. M. Keen, As cartas aos tessalonicenses (Sao Paulo: Imprensa Batista Regular, 1959), 74.
216

condição perdida”,241 Cristo – por ser um com o Pai,242 igual a ele243 e “que em associação

com o Pai criara o homem – podia fazer pelo homem uma expiação aceitável a Deus, dando

Sua vida em sacrifício e enfrentando a ira de Seu Pai”. 244 Como consequência, a

condenação ainda permaneceria sobre o homem, mas a indignação de Deus seria contida e

a execução completa da sentença de morte, postergada.245 Desse modo, Adão passou a ter

um novo relacionamento com o Criador. Embora ainda continuasse em estado decaído,

havia esperança para ele. 246 Como consequência, através dos tempos do AT, “a obra

expiatória de Cristo, representada pelo altar de sacrifício”, evitava que a justa ira de Deus

caísse de pronto sobre aqueles que transgrediam sua lei 247 e os ensinava que “do Seu

próprio amor vem o dom que os reconcilia com Ele”.248 Então, no devido tempo, segundo a

graça e a misericórdia de Deus, Cristo, “como homem”,249 “substituto”250 e “fiador”251 do

pecador, “tomou sobre Si a ira de Deus, que por justiça deveria cair sobre o homem”.252

241
Ellen G. White, Ellen White, Patriarcas e profetas, 16ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2001), 48.
242
Idem, Mensagens escolhidas, 3 vols., 3ª-5ª eds. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001),
1:321.
243
Idem, O grande conflito, 41ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 495.
244
Idem, História da redenção, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 48.
245
Idem, O desejado de todas as nações, 22ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 24.
246
Ibid., 23-24.
247
Idem, Patriarcas e profetas, 500.
248
Idem, Profetas e reis, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 685.
249
Idem, O desejado de todas as nações, 686.
250
Ibid., 753; idem, Caminho a Cristo, 28ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 14;
idem, Conselhos aos professores, pais e estudantes, 5ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 52;
idem, Cristo em seu santuário, 2ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 35-36; idem, Conselhos
sobre saúde, 5ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 63; idem, O desejado de todas as nações,
50, 484, 686, 741, 753; idem, No deserto da tentação, 2ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001),
51, 53, 55; idem, Eventos finais, 2ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 151; idem, Fé e obras,
4ª ed.(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 74, 76; idem, História da redenção, 224-225; idem,
Mensagens escolhidas, 1:215, 230, 250, 323; 3:139, 194; idem, Parábolas de Jesus, 14ª ed. (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2001), 157; idem, Patriarcas e profetas, 366; idem, Testemunhos para ministros e
obreiros evangélicos, 4ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 21.
217

Cristo – O Alvo da Ira de Deus

Ao se concentrar no que ocorreu na cruz, Ellen White descreve a Cristo enfrentando

um tríplice sofrimento. Primeiramente o sofrimento físico, que, embora “terrível”, não foi

mais doloroso do que aquele enfrentado por alguns dos mártires.253 Isso, porém, “não foi

senão pequena parte da agonia do amado Filho de Deus”.254 Em segundo lugar, a partir de

sua experiência no Getsêmani,255 “Ele foi oprimido pelos poderes das trevas”,256 torturado

com cruéis tentações.257 E, em terceiro lugar – porque Cristo “estava levando os pecados do

mundo inteiro”,258 “a culpa de todo descendente de Adão”259 – Deus assumiu para com ele

“o caráter de um juiz, despojando-Se das afetuosas qualidades de um pai”260 e ele esteve

“suportando nossa punição – a ira de Deus contra a transgressão”.261 Por isso lhe sobreveio

“um senso de que Seu próprio e amado Pai O havia abandonado” e sua alma se encheu de

251
Idem, No deserto da tentação, 51; idem, O desejado de todas as nações, 753, 834; idem,
Evangelismo, 4ª ed. ( Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 190; idem, Eventos finais, 151, 200;
idem, Fundamentos da educação cristã, 3ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 127, 135, 283,
456; idem, Mensagens escolhidas, 3: 139, 194; idem, Patriarcas e profetas, 366; idem, Testemunhos para
ministros e obreiros evangélicos, 92.
252
Idem, No deserto da tentação, 24. Ver também idem, Primeiros escritos, 4ª ed. (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2001), 149-150; idem, História da redenção, 42-43; idem, Mensagens escolhidas,
1:313; idem, Testemunhos para a igreja, 9 vols. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000-2006), 2:203.
253
Idem, Testemunhos seletos, 3 vols., 6ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 1:233.
Ver também idem, Testemunhos para a igreja, 2:214-215.
254
Ibid.
255
Ibid., 1:222.
256
Ibid. Ver também a pág. 212.
257
Idem, O desejado de todas as nações, 753. Referindo-se a toda a vida terrestre de Cristo e não
apenas à sua experiência na cruz, ela afirma que “Satanás atacou mais fortemente a Cristo do que nunca o fará
a nós. ... Nunca podereis ser tentados de maneira tão decidida e cruel como foi nosso Salvador. Satanás
estava-Lhe no encalço a todo momento.” Idem, “The Life of Christ”, The Youth’s Instructor, April 1, No 5,
1873, par. 1 e 2. Ver também idem, Testemunhos seletos, 1:233.
258
Idem, Mensagens escolhidas, 1:132.
259
Idem, O desejado de todas as nações, 753.
260
Idem, Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos, 246.
261
Idem, Mensagens escolhidas, 1:132.
218

“desespero”.262 “Tão grande era essa agonia, que Ele mal sentia a dor física”.263 “Não foi o

sofrimento físico que pôs tão rápido fim à vida de Cristo na cruz. Foi o peso esmagador dos

pecados do mundo, e o senso da ira de Seu Pai”.264 E isso o levou a exclamar: “Deus Meu,

Deus Meu, por que Me desamparaste?” (Mt 27:46). De fato, “Cristo sentiu muito

semelhantemente ao que os pecadores hão de sentir quando os cálices da ira de Deus forem

derramados sobre eles. Negro desespero, como um manto, adensar-se-á em torno de suas

almas culpadas”.265

Cristo – O Libertador da Ira de Deus

Ellen White, discorrendo sobre o ensinamento bíblico a respeito da obra de Cristo

em prol de nossa libertação da ira de Deus, declara que ele assumiu uma dupla posição: por

um lado ele é a vítima, a oferta mediante a qual é feita a expiação e, por outro, o sacerdote,

o ofertante que pleiteia pelo pecador.266

A obra de Cristo na cruz: o sacrifício

Em face do pecado da humanidade, “a misericórdia e a justiça estavam separadas,

em oposição uma a outra, afastadas por grande abismo”.267 Deus não podia simplesmente

perdoar pecados e fazer isso “à custa de Sua justiça, santidade e verdade”.268 Todavia, Deus

encontrou um modo de salvar o homem e manter sua justiça: o sacrifício de Cristo. Em

262
Idem, Testemunhos seletos, 1:233.
263
Idem, O desejado de todas as nações, 753.
264
Idem, Testemunhos seletos, 1:228.
265
Ibid., 229. Ver também idem, “Christian Experience”, Review and Herald, August 5, 1884, par.
12.
266
Ibid., 105.
267
Idem, “Christ our Example”, The General Conference Bulletin, October 1, 1899, par. 22.
268
Idem, “Ellen G. White Comments: 1 Timothy”, Seventh-day Adventist Bible Commentary, 7:912-
913.
219

diversos de seus escritos Ellen White trata desse sacrifício no contexto do pecado do

homem e da ira de Deus.269 Quando, por exemplo, discorreu sobre o primeiro encontro de

Deus com o homem, logo após a entrada do pecado em nosso mundo, ela afirmou que Gn

3:15 “foi o primeiro sermão evangélico pregado ao homem caído” e que “esta promessa foi

apresentada em íntima conexão com o altar das ofertas sacrificais” de modo que “o altar e a

promessa permaneceram lado a lado [...] mostrando que a justiça de um Deus ofendido

poderia ser apaziguada somente pela morte de seu amado Filho”.270

269
Idem, “In Gethsemane”, The Signs of the Times, December 2, 1897 par. 10; idem, “In
Gethsemane”(concluded)”, The Signs of the Times, Dec. 9, 1897, par. 6; idem, The Spirit of Prophecy, 4 vols.
(Washington, DC: Review and Herald Publishing Association, 1969), 2:281; idem, “Divine Wisdom”, Review
and Herald, April 17, 1888 par. 10; idem, “Christ our Exmple”, The General Conference Bulletin, October 1,
1899, par. 20; idem, “Ellen G. White Comments: John”, Seventh-Day Adventist Bible Commentary, 5:1137;
idem, Seventh-Day Adventist Bible Commentary, 7: apêndice B.
270
Idem, “Cain and Abel Tested (Concluded)”, The Signs of the Times, 23 de dezembro de 1886 par.
4-5 (tradução do autor; grifos acrescentados). Em outro escrito, ao tratar dos dias da Reforma, descreveu, de
forma resumida a conversão de Calvino e o apresentou como um jovem estudante bastante promissor, de vida
correta e devoção religiosa, que tinha sido educado para o sacerdócio e se tornara membro do clero. Depois de
entrar em contato com os ensinos protestantes, ele presenciou a queima de um herege em praça pública e foi
profundamente tocado pela paz estampada no semblante da vítima. Isso o levou a estudar a Bíblia com o fim
de descobrir, se possível, a fonte dessa paz. Como resultado, encontrou a Cristo. Idem, O grande conflito,
219-221. Na sequência ela cita a oração de Calvino: “Ó Pai,... Seu sacrifício apaziguou Tua ira; Seu sangue
lavou minhas impurezas; Sua cruz arrostou minha maldição; Sua morte fez expiação por mim. Imaginamos
para nós muitas tolices inúteis, mas Tu colocaste Tua Palavra diante de mim como uma tocha, e tocaste-me o
coração, a fim de que eu abominasse todos os outros méritos, com exceção dos de Jesus.” Ibid., 221. Nessa
oração, a compreensão de Calvino era que o sacrifício de Cristo apaziguara a ira de Deus e que sua confiança
fora depositada completamente nos méritos de Cristo. Embora a oração seja de Calvino e não de Ellen White,
um exame do contexto e da maneira como ela a emprega, parece indicar que ela concorda com o seu conteúdo,
i. e., o conceito de que mediante o sacrifício de Cristo a ira de Deus foi apaziguada.
Um exame de seus escritos revela que ao tratar da ira de Deus, a autora também emprega o verbo
aplacar ou apaziguar, e o faz em relação ao passado, ao presente e ao futuro. Algumas vezes ela apenas cita
alguma passagem bíblica pertinente e em outras, faz um breve comentário. Desse modo, em sua explanação
sobre o episódio do anjo destruidor junto à eira de Ornã, ela afirma que “por indicação do profeta, Davi foi ao
monte, e ali construiu um altar ao Senhor, 'e ofereceu nele holocaustos e sacrifícios pacíficos; e invocou o
Senhor, o qual lhe respondeu com fogo do céu sobre o altar do holocausto’. I Crôn. 21:16-26. ‘Assim o
Senhor Se aplacou para com a terra, cessou aquele castigo de sobre Israel.’ II Sam. 24:25”. Idem, Patriarcas e
profetas, 748 (grifos acrescentados). Também ao tratar do arrependimento do rei Manassés, depois de ter sido
levado cativo pelos assírios, ela menciona que “esta aflição trouxe o rei ao seu juízo; ‘ele, angustiado, orou
deveras ao Senhor seu Deus, e humilhou-se muito perante o Deus de seus pais; e Lhe fez oração, e Deus Se
aplacou para com ele, e ouviu a sua súplica, e o tornou a trazer a Jerusalém, ao seu reino. Então conheceu
Manassés que o Senhor era Deus’. II Crôn. 33:11-13.” Idem, Profetas e reis, 383 (grifos acrescentados).
Noutro escrito ela se refere ao presente, tendo em vista o que está para ocorrer no futuro: “Ao ser
levantada a cortina e me ser mostrada a corrupção deste século, oprimiu-se-me o coração e quase me
desfaleceu o espírito. Vi que os habitantes da Terra estavam enchendo a medida da taça de sua iniquidade.
Está acesa a ira de Deus e não mais se aplacará até que os pecadores sejam destruídos da Terra.” Idem,
Mensagens aos jovens, 10ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 60-61 (grifos acrescentados);
220

No plano efetuado por Deus para salvar a humanidade, a propiciação é apresentada

tanto como uma exigência da lei,271 como uma obra derivada do amor de Deus272 – que o

homem é incapaz de compreender plenamente.273 O pensamento de Ellen White não é que

o Pai nos amou por causa do que Cristo fez, antes, primeiro o Pai nos amou e, então, por

idem, Testemunhos para a igreja, 1:302. Há, ainda, referencia ao futuro, quando, por exemplo, ao discorrer
sobre a tentação e queda do homem apresenta o resultado futuro e final do pecado: a “morte eterna, morte esta
de que não haverá esperança de ressurreição; e então se aplacará a ira de Deus.” Idem, Primeiros escritos,
218 (grifos acrescentados). O mesmo comentário aparece também em idem, Vida e ensinos, 10ª ed. (Tatuí, SP:
Casa Publicadora Brasileira, 2001), 108; História da redenção, 388. Ver também idem, The Spiriual Gifts, 4
vols. (Battle Creek, MI: Review and Herald Publishing Association, 1858), 1:193.
Por vezes encontramos nas Sagradas Escrituras algumas passagens que parecem estar em
discordância com outras: dois grupos de textos em aparente conflito. Isso é o que ocorre, por exemplo, com o
conceito do arrependimento de Deus. Enquanto que um grupo de passagens declara que Deus não Se
arrepende (Nm 23:19; 1 Sm 15:29; Sl 110: 4), o outro afirma que Deus se arrependeu (Gn 6:6-7; Êx 32:14; 1
Sm 15:11, 35; Jn 3:10). Todavia, essa contradição é apenas aparente. Um estudo detalhado revelará que um
grupo de textos se refere à mudança de pensamento e o outro à mudança de sentimento. O mesmo aparente
conflito também pode estar presente nos escritos de Ellen White, e este é o caso em sua abordagem do
apaziguamento da ira de Deus. Umas poucas vezes seu comentário sobre isso parece ser negativo. Entretanto,
um exame mais atento poderá revelar, não que ela discorde do conceito em si, mas, sim, de algumas das idéias
que são a ele associadas. Desse modo, em um capítulo em que ela discorre sobre a inimizade de Satanás
contra a lei, comentando os mandamentos um a um, ao tratar do o 6º mandamento, sua discordância parece
ser com relação aos sacrifícios humanos – oferecidos pelos pagãos com a intenção de aplacar a ira dos deuses
e conseguir o seu favor – que tornaram a transgressão do mandamento divino parte da religião deles. Idem,
Patriarcas e profetas, 337. Em outra obra, ao discutir sobre as trevas durante a Idade Média e as ações da
Igreja de Roma que, para conseguir recursos, ameaçava os homens com a ira de Deus, a intenção de aplacar a
ira divina é comentada negativamente, porque a atitude do adorador é a de considerar a Deus como se fosse
um homem egoísta e caprichoso. Idem, O grande conflito, 56 (ver também idem, História da redenção, 332,
onde aparecem as mesmas palavras no capítulo sobre o mistério da iniquidade). Do mesmo modo, em seu
comentário sobre o Sermão da Montanha, ao tratar da espiritualidade da lei e discorrer sobre o amor de Deus,
ela contrasta a religião da Bíblia com o Paganismo e assevera que Deus é nosso Pai compassivo e não uma
divindade maligna que precisa ser olhada com temor e apaziguada por sacrifícios. Sua observação parece ser
contra o conceito de divindade maligna e sem amor. Idem, O maior discurso de Cristo, 15ª ed. (Tatuí, SP:
Casa Publicadora Brasileira, 2001), 74.
271
Idem, Mensagens escolhidas, 1:237, 241; idem, “Nothing is Hidden”, Review and Herald, March
27, 1888, par. 8; idem, Parábolas de Jesus, 378.
272
Idem, Atos dos apóstolos, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 334; Caminho a
Cristo, 13; O desejado de todas as nações, 565; idem, “An Exceeding and Eternal Weight of Glory”, Review
and Herald, May 6, 1902, par. 12; idem, “Ellen G. White Comments: 1 Thimothy”, Seventh-Day Adventist
Bible Commentary, 7:913-914.
273
“Incomensurável é a verdade em Cristo e mediante Cristo. O estudante da Escritura, por assim
dizer, contempla uma fonte que se aprofunda e amplia à medida que mira sua profundeza. Nesta vida não
entenderemos o mistério do amor de Deus em entregar Seu Filho para propiciação por nossos pecados. A obra
de nosso Redentor na Terra é e sempre será assunto que há de exigir o máximo de nossa mais arguta
imaginação. O homem pode empenhar toda a sua faculdade mental no esforço de penetrar este mistério, mas a
sua capacidade de compreensão desfalecerá e fatigar-se-á. O pesquisador mais esforçado ver-se-á diante de
um mar ilimitado e sem praias.” Idem, Parábolas de Jesus, 128-129.
221

essa razão, ele mesmo proveu a propiciação: Cristo (Jo 3:16; 2Co 5:19), 274 o qual é

retratado como o único que pode fazer propiciação por nós – em razão de sua natureza

divina, da qual deriva a lei que fora transgredida, 275 e de sua humanidade “inocente”,

“obediente” e sem “uma nódoa de corrupção”.276

Ao discorrer sobre o tempo em que Cristo começou a receber a ira de Deus, o que

ocorreu a partir de sua passagem pelo Getsêmani, na noite anterior à sua morte, demonstra

como ali, apesar da intensa agonia, ele decidiu tornar-se a propiciação em prol do homem.

No relato também pode ser visto que, conquanto fosse alvo da ira divina, também recebeu o

amor de seu Pai, que enviou um anjo para fortalecê-lo – o que reforça a idéia que, em Deus,

o amor e a ira não são incompatíveis, que a expressão de ambos pode ser simultânea e que

ambos foram manifestados na propiciação efetuada por Cristo.277

274
Idem, Caminho a Cristo, 13.
275
Idem, Patriarcas e profetas, 63.
276
Ibid., 267. Ver também idem, “An All-powerful Saviour”, The Youth’s Instructor, September 21,
1899, par. 1; idem, “Have You the Wedding Garment”, The Youth’s Instructor, 28 de outubro de 1897, par. 4.
277
“[...] Como homem, deve suportar a ira divina contra a transgressão. [...]
“[...] O tremendo momento chegara - aquele momento que decidiria o destino do mundo. Na balança
oscilava a sorte da humanidade. Cristo ainda podia, mesmo então, recusar beber o cálice reservado ao homem
culpado. Ainda não era demasiado tarde. Poderia enxugar da fronte o suor de sangue, e deixar perecer o
homem em sua iniquidade. Poderia dizer: Receba o pecador o castigo de seu pecado, e Eu voltarei a Meu Pai.
Beberá o Filho de Deus o amargo cálice da humilhação e da agonia? Sofrerá o Inocente as consequências da
maldição do pecado, para salvar o criminoso? Trêmulas caem as palavras dos pálidos lábios de Jesus: ‘Pai
Meu, se este cálice não pode passar de Mim sem Eu o beber, faça-se a Tua vontade.’ Mat. 26:42.
“Três vezes proferiu essa oração. Três vezes recuou Sua humanidade do derradeiro, supremo
sacrifício. Surge, porém, então, a história da raça humana diante do Redentor do mundo. Vê que os
transgressores da lei, se deixados a si mesmos, têm de perecer. Vê o desamparo do homem. Vê o poder do
pecado. As misérias e os ais do mundo condenado erguem-se ante Ele. Contempla-lhe a sorte iminente, e
decide-Se. Salvará o homem custe o que custar de Sua parte.... Tornar-Se-á a propiciação de uma raça que
quis pecar. Sua prece agora respira apenas submissão: "Se este cálice não pode passar de Mim sem Eu o beber,
faça-se a Tua vontade." Mat. 26:42.
“[...] Nessa horrível crise, quando tudo estava em jogo, quando o misterioso cálice tremia nas mãos
do Sofredor, abriu-se o Céu, surgiu uma luz por entre a tempestuosa treva da hora da crise, e o poderoso anjo
que se acha na presença de Deus, ocupando a posição da qual Satanás caíra, veio para junto de Cristo. O anjo
não veio para tomar-Lhe o cálice das mãos, mas para fortalecê-Lo a fim de que o bebesse, com a certeza do
amor do Pai.” Idem, O desejado de todas as nações, 686-693 (grifos acrescentados).
222

Pelo menos uma vez ela parece fazer alguma distinção entre propiciação e expiação

ao declarar que a propiciação ocorre através da expiação, e acrescentar que, desse modo, é

removida toda obstrução, de maneira que o perdão divino possa fluir para o pecador.278 De

fato, havia, entre Deus e o homem, “separação” e “inimizade”; todavia, os acontecimentos

que ocorreram no Calvário possibilitaram uma mudança nesse relacionamento. Quando,

pela fé, aceitamos a Cristo como propiciação pelo pecado, somos postos “em

companheirismo com Deus” e, mais do que isso, nos tornamos seus filhos, com a

perspectiva de sermos transformados à sua imagem. 279 O valor que a autora atribui à

expiação realizada por Cristo pode ser visto na declaração que segue:

O sacrifício de Cristo como expiação do pecado é a grande verdade em torno da qual se


agrupam todas as outras verdades. Para que seja devidamente compreendida e apreciada,
toda verdade contida na Palavra de Deus, do Gênesis ao Apocalipse, precisa ser estudada à
luz que jorra da cruz do Calvário, e em ligação com a assombrosa verdade central da
expiação do Salvador. Os que estudam o maravilhoso sacrifício do Redentor crescem em
graça e conhecimento.
Apresento-vos o grande, o grandioso monumento de misericórdia e regeneração,
salvação e redenção – o Filho de Deus levantado na cruz do Calvário. Este deve ser o assunto
de todo discurso. Cristo declara: "E Eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a Mim."
João 12:32.280

Seus comentários vinculam a propiciação a diversos temas diretamente conectados

com o plano de salvação, tais como: a justificação, 281 o perdão dos pecados, 282 a

reconciliação,283 a intercessão de Cristo284 e a salvação do mundo.285

278
“‘Convinha que, em todas as coisas, Se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e
fiel Sumo Sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo’ (Heb. 2:17),
mediante a expiação. ... Assim, pelo ato de Cristo oferecer-Se a Si mesmo, o Inocente pelo culpado, é
removida toda obstrução, e o perdoador amor de Deus flui para o homem caído em abundantes caudais de
misericórdia.” Idem, a Henry D. Wessells, 30 de novembro de 1895, Carta 91, 1895, pág. 2, Centro de
Pesquisas Ellen G. White – Brasil, Engenheiro Coelho, SP.
279
Idem, a Edson e Emma, 22 de julho de 1907, Carta 230, 1907, pág. 9, Centro de Pesquisas Ellen
G. White – Brasil, Engenheiro Coelho, SP.
280
Ibid., 221.
281
Ibid., Fé e obras, 93-94, 104; ibid., Testemunhos seletos, 2:56; ibid., Mensagens escolhidas,
1:394.
223

Portanto, Cristo “implantou Sua cruz entre o Céu e a Terra, e fê-la objeto de atração

que atingiu os dois lados, atraindo tanto a Justiça como a Misericórdia através do

abismo”.286 Desse modo, enquanto que a morte de Cristo na cruz “testifica que ‘o salário do

pecado é a morte’, que toda violação da lei de Deus deve receber sua justa paga”,287 ao

mesmo tempo anuncia “esperança e vida eterna a todos os que O recebem e nEle creem”,288

e se afirma como o “meio pelo qual são harmonizados o amor e a justiça de Deus”,289 de

modo que ele pode ser tanto justo como justificador daquele que crê em Jesus (Rm 3:26).290

A obra de Cristo no santuário celestial: a intercessão

Desde os dias do AT percebemos a presença de mediadores que atuavam

eficazmente para desviar a ira de Deus. O mais destacado deles foi o libertador de Israel no

Êxodo. Quando os pecados do povo atraíam os justos juízos de Deus, Moisés postava-se

como mediador, ficando entre eles e a ira de Deus a fim de serem poupados (Nm 11:1-2).291

Outro mediador foi Samuel. No episódio em que Israel cometera a grande maldade de pedir

um rei para si (1Sm 12:17), exigindo ser como as demais nações (1Sm 8:5), “Deus lhes deu

282
Ibid., Atos dos apóstolos, 552.
283
Idem, Mensagens escolhidas, 2:123; idem, “Ellen G. White Comments: Hebrews”, Seventh-Day
Adventist Bible Commentary, 7:925.
284
Idem, Fé e obras, 105; idem, a Henry D. Wessells, Carta 91, 1895, pág. 2; idem, “Ellen G. White
Comments: Romans”, Seventh-Day Adventist Bible Commentary, 6:1077-1078; ; idem, Mensagens
escolhidas, 1:344.
285
Idem, O desejado de todas as nações, 622; idem, Fundamentos da educação cristã, 283.
286
Idem, “Christ our Example”, The General Conference Bulletin, October 1, 1899, par. 22.
287
Idem, O grande conflito, 539-540.
288
Idem, Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos, 139.
289
Idem, ao irmão e à irmã Sanderson, 18 de setembro de 1901, Carta 123, 1901, pág. 3, Centro de
Pesquisas Ellen G. White – Brasil, Engenheiro Coelho, SP. Ver também idem, Caminho a Cristo, 14-15, 21-
22.
290
Idem, “Words to the Young”, The Youth’s Instructor, November 29, 1894, par. 2.
291
Idem, Patriarcas e profetas, 162-163.
224

um rei em Sua ira” 292 (Os 13:11) e como sinal de seu desagrado por esse pecado, na

assembléia nacional reunida em Gilgal a fim de confirmar publicamente o reino a Saul,293

“o Senhor deu trovões e chuva naquele dia; pelo que todo o povo temeu em grande maneira

ao Senhor e a Samuel. Todo o povo disse a Samuel: Roga pelos teus servos ao Senhor, teu

Deus, para que não venhamos a morrer; porque a todos os nossos pecados acrescentamos o

mal de pedir para nós um rei. Então, disse Samuel ao povo: Não temais; tendes cometido

todo este mal; no entanto, não vos desvieis de seguir o Senhor [...] Quanto a mim, longe de

mim que eu peque contra o Senhor, deixando de orar por vós [...]” (1Sm 12:18-20, 23).294

Assim, em face da demonstração do desagrado divino, Israel pediu que o profeta Samuel

intercedesse e ele concordou em fazê-lo. Em realidade, esses e outros mediadores serviram

para prefigurar a obra intercessora de Jesus que, de acordo com o plano da salvação,

estabelecido desde antes da fundação do mundo (1Pe 1:18-21; Ap 13:8),295 “ficaria entre a

ira de Seu Pai e o homem culpado”.296

Também o ritual do santuário, além de servir como uma representação da obra

expiatória de Cristo, expunha sua atividade intercessora. Enquanto que no pátio, no altar de

holocaustos, ocorria a expiação por meio dos sacrifícios, no lugar santo, junto ao altar de

ouro, ocorria a intercessão através do incenso,297 e no santo dos santos, por sua vez, se

292
Ibid., 605.
293
Ibid., 613.
294
Ibid., 614-615.
295
Ver idem, Educação, 8ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 113.
296
Idem, Primeiros escritos, 150.
297
Idem, Patriarcas e profetas, 353; idem, Cristo em seu santuário, 33-34.
225

centralizavam ambas as cerimônias.298 Desse modo, pelo sangue e pelo incenso, podiam os

homens aproximar-se de Deus.299

A intercessão de Cristo,300 que iniciou após sua morte, ressurreição e ascensão e

ocorre no santuário celestial, é “tão essencial” quanto seu sacrifício na cruz.301 Nessa obra,

“quando o homem, por sua grande impiedade, provoca a ira de Deus, Cristo, intercessor do

homem, suplica por ele”302 a fim de livrá-lo “dos sofrimentos e da ira que há de cair sobre

os desobedientes”.303 Todavia, quando finalmente Cristo encerrar sua obra de intercessão, o

tempo de graça para os homens terá expirado definitivamente.304 Então, “Deus não mais

silenciará, mas derramará Sua ira sobre aqueles que rejeitaram Sua verdade”.305

A obra de Cristo no homem: a aceitação

É possível escapar da ira divina? O que o homem pode fazer nesse sentido? A

autora recomenda um cuidadoso exame das Escrituras Sagradas a fim de descobrir como

isso pode ser feito. 306 Como já foi visto, Deus, em Cristo, objetivamente, colocou à

disposição do homem poderosos recursos para que este possa se reconciliar com ele e se

esquivar de sua ira. Todavia, cabe ao homem apropriar-se deles subjetivamente. Isso é

298
Ibid., 28.
299
Idem, Profetas e reis, 353.; Idem, Cristo em seu santuário, 33-34.
300
Idem, Caminho a Cristo, 54, 64; idem, Cristo em seu santuário, 15, 28, 103; idem, O desejado de
todas as nações, 794; idem, Fé e obras, 105; idem, Fundamentos da educação cristã, 403; idem, O grande
conflito, 416, 430, 489; idem, Mensagens escolhidas, 1:343, 271; 2:141; 3:148; idem, Primeiros escritos,152,
37, 391; idem, Testemunhos seletos, 3:12.
301
Conselhos sobre saúde, 118; Exaltai-O, 330.
302
Idem, The Spiriual Gifts, 3:75. Ver também idem, Patriarcas e profetas, 107.
303
Idem, Obreiros evangélicos, 6ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 516. Ver
também idem, Parábolas de Jesus, 234.
304
Idem, Testemunhos seletos, 1:285-286.
305
Idem, Primeiros escritos, 32, 136; idem, Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos, 446.
306
Idem, Primeiros escritos, 64-65. O contexto se refere especificamente ao derramamento das sete
últimas pragas.
226

possível mediante as respostas corretas à iniciativa divina. Os únicos meios designados por

Deus pelos quais podemos alcançar reconciliação com ele e pureza de vida são o

arrependimento, por termos transgredido sua lei, e a fé em Jesus Cristo,307 “fé na expiação e

na intercessão de Cristo”,308 pois “é pela fé no Filho de Deus que se efetua a transformação

do caráter, e o filho da ira torna-se filho de Deus. Passa da morte para a vida; torna-se

espiritual e discerne as coisas espirituais”.309

Cristo – O Executor da Ira de Deus

Para Deus, que é amor, a obra de destruição é uma estranha obra (Is 25:28)310 e,

embora ele seja “estrito em notar a iniquidade, e em punir a transgressão, não tem prazer na
311
vingança”, “‘é misericordioso, compassivo, e tardio em irar-Se, e grande em

beneficência’ (Jl 2:13)”. 312 Por essa razão é que “a misericórdia de Deus suporta

longamente o transgressor”.313 Quando, porém, é atingido o limite estipulado por Deus, “os

oferecimentos de misericórdia são retirados, e inicia-se o ministério do juízo”.314

No julgamento final, como será demonstrado a seguir, a ira de Deus contra o pecado

se manifestará em dois tempos, separados por um período de mil anos.

307
Ibid., 136.
308
Ibid.
309
Idem, Mensagens escolhidas, 1:338.
310
Idem, Patriarcas e profetas, 139.
311
Ibid.
312
Idem, O grande conflito, 311.
313
Idem, Patriarcas e profetas, 165.
314
Ibid.
227

O derramamento das sete pragas e o segundo advento

Descrevendo o momento em que se encerra a intercessão de Cristo, a autora explica

que ao ele tirar suas vestes de mediador e revestir-se dos vestidos da vingança315 “nada

havia para deter a ira de Deus, e ela irrompeu com fúria sobre a cabeça desabrigada do

pecador culpado, que desdenhou a salvação e odiou a correção”.316 Essa ira se manifesta na

forma das sete últimas pragas (Ap 15:1; 16; 19:11-21).317

Não muito tempo depois, por ocasião da vinda de Cristo é a ira do Cordeiro, e não

apenas a ira de Deus, que causa a morte dos ímpios (Ap 6:16-17).318 Eles “são eliminados

da face de toda a Terra: consumidos pelo espírito de Sua boca, e destruídos pelo resplendor

de Sua glória”.319 Cumpre-se, então a profecia de Jeremias: "os que o Senhor entregar à

morte naquele dia se estenderão de uma a outra extremidade da Terra; não serão

pranteados, nem recolhidos, nem sepultados; serão como esterco sobre a face da terra" (Jr

25:33).320

315
Idem, Testemunhos para a igreja, 8:315. Ver também idem, Testemunhos seletos, 1:285; idem,
Vida e ensinos, 100.
316
Idem, Primeiros escritos, 280.
317
Ibid., 43-44, 64; idem, Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos, 182; idem, Vida e
ensinos, 187. “No dia do Senhor, pouco antes da vinda de Cristo, Deus, em Sua ira, enviará raios do céu, que
se unirão com o fogo na Terra. As montanhas arderão como uma fornalha, e derramarão terríveis correntes de
lava, destruindo jardins e campos, vilas e cidades; e, ao arremessarem nos rios seus minérios derretidos,
pedras e lodo aquecido, fá-los-ão ferver como uma panela, arremetendo também rochas maciças e espalhando
seus fragmentos sobre a terra com indescritível violência. Rios inteiros tornar-se-ão secos. A Terra se
convulsionará, e por toda parte haverá pavorosas erupções e terremotos. Deus afligirá os perversos habitantes
da Terra até serem destruídos.” Idem, The Spiriual Gifts, 3:82-83.
318
Idem, Primeiros escritos, 52.
319
Idem, O grande conflito, 657.
320
Ibid.
228

O milênio

Nessa ocasião de seu retorno, ocorre também um poderoso ato redentivo, quando

“Cristo leva o Seu povo para a cidade de Deus, e a Terra é esvaziada de seus moradores”.321

Durante os próximos mil anos, ocorre, nos céus, o julgamento dos ímpios, quando os

santos, em união com Cristo, analisando cada caso, decidirão a quantidade de castigo que

os ímpios devem sofrer (Ap 20:4; 1Co 6:2).322 Nessa ocasião também Satanás e seus anjos

serão igualmente julgados (1Co 6:3; Jd 6).323

O julgamento diante do grande trono branco

Ao findarem os mil anos, ocorrerá a segunda ressurreição (Ap 20:5; Is 24:22),

quando os ímpios ressuscitarão a fim de receberem a execução do juízo. 324 João,

contemplando em visão essa cena escreveu: “Vi um grande trono branco e aquele que nele

se assenta, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. Vi

também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono. Então, se

abriram os livros. Ainda outro livro, o Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram

julgados, segundo as suas obras, conforme o que se achava escrito nos livros” (Ap 20:11-

12).325 Naquele dia, Cristo será o juiz,326 a “cena do juízo terá lugar em presença de todos

os mundos”327 e “nós devemos encontrar com aqueles com quem nos associamos aqui”.328 ,

321
Ibid.
322
Ibid., 660-661; Idem, Primeiros escritos, 52-53.
323
Idem, O grande conflito, 661.
324
Ibid.
325
Ibid., 666.
326
Idem, “The Day of Reckoning”, Review and Herald, November 22, 1898, par. 8-10.
327
Ibid., “Upon the Throne of His Glory”, Review and Herald, September 20, 1898, par. 2. Ver
também Ibid., “The Day of Reckoning”, par. 2.
328
Idem, Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos, 224.
229

“Pecados secretos serão então expostos à vista de todos. Serão revelados motivos e intenções que

estiveram ocultos”.329 Em um de seus escritos a autora também descreve as cenas desse juízo

e a reação daqueles que foram achados em falta:

À medida que o Santo que estava sobre o trono ia virando lentamente as folhas do Contas-
correntes e Seus olhos pousavam momentaneamente sobre os indivíduos, esse olhar parecia
queimar-lhes até ao íntimo da alma, e no mesmo instante cada palavra e ação de sua vida
passava-lhe diante da mente, clara como se fosse traçada ante seus olhos com letras de fogo.
Apoderava-se deles o temor, e os rostos empalideciam. ... Todos os olhos se acham voltados
para a face dAquele que está sobre o trono: e enquanto Seu olhar solene e esquadrinhador
passa por aquele grupo, há tremor de coração; pois sentem-se em si mesmos condenados, sem
que fosse pronunciada uma palavra. Em angústia de alma, cada um declara a própria culpa e
de maneira terrivelmente vívida vê que, pecando, atirou fora a preciosa dádiva da vida
eterna.330

Portanto, “cada pecador será levado a ver e reconhecer a justiça de sua

condenação” 331 e “tanto os leais como os rebeldes se unirão em declarar: ‘Justos e

verdadeiros são os Teus caminhos, ó Rei dos santos’ (Ap 15:3 e 4)”.332 Em seguida, na

presença de todo universo, o Filho de Deus “pronuncia a sentença sobre os rebeldes contra

Seu governo, e executa justiça sobre aqueles que transgrediram Sua lei e oprimiram Seu

povo”.333

O castigo final

Ao longo da história humana, desde o início até o final do tempo da graça, todos os

juízos que vêm sobre os homens, são misturados com misericórdia.334 Isso ocorre porque “o

329
Idem, “God’s Estimate of Worldly of Wisdom”, Review and Herald, January 1, 1894, par. 13.
330
Idem, Testemunhos seletos, 1:518-519. Ver também idem, Testemunhos para a igreja, 4:385. A
mente recordará todos os pensamentos e atos do passado; a vida inteira será passada em revista como as cenas
de um panorama. Idem, “Notes of Travel”, Review and Herald, November 4, 1884, par. 11.
331
Idem, Patriarcas e profetas, 393.
332
Idem, O desejado de todas as nações, 58.
333
Idem, O grande conflito, 666. Ver também idem, Primeiros escritos, 52.
334
Idem, O grande conflito, 629. Um exemplo específico desta verdade pode ser visto nos juízos que
vieram sobre Israel na época em que a casa de Acabe foi exterminada. Idem, Profetas e reis, 254-255.
230

sangue propiciatório de Cristo tem livrado o pecador de os receber na medida completa de

sua culpa; mas no juízo final a ira é derramada sem mistura de misericórdia”.335 Os ímpios

receberão o que os salvos, juntamente com Jesus, haviam decidido para eles durante os mil

anos.336 “Sofrem castigo, que varia em duração e intensidade, ‘segundo suas obras’”,337

porque os juízos são “de acordo com a iniquidade das pessoas e a luz da verdade que elas
338 339
tiveram”, e sua existência “finalmente termina com a segunda morte” e o

aniquilamento.340

Descrevendo a cena, a autora diz que “alguns ficaram muitos dias a consumir-se, e

precisamente enquanto houvesse uma parte deles a ser consumida, permaneceu toda a

sensação de sofrimento”. 341 Ao tratar do castigo de Satanás, esclarece que “deveria ser

muito maior do que o daqueles a quem ele enganara. Seu sofrimento excederia o deles a

ponto de não haver comparação. Depois que todos aqueles a quem ele enganara houverem

perecido, Satanás deverá ainda viver e sofrer muito mais tempo”.342 Quando, finalmente,

Satanás e todos os ímpios forem destruídos, recebendo o salário do pecado, a morte

eterna,343 “a ira de Deus se aplacará”344 e sua justiça ficará satisfeita.345

335
Idem, O grande conflito, 629.
336
Idem, Primeiros escritos, 54.
337
Idem, O grande conflito, 544.
338
Idem, Eventos finais, 111.
339
Idem, O grande conflito, 544.
340
Idem, Caminho a Cristo, 22.
341
Idem, Primeiros escritos, 294.
342
Ibid., 291.
343
Idem, O grande conflito, 544.
344
Idem, Primeiros escritos, 218. Ver também idem, História da redenção, 388.
345
Idem, Primeiros escritos, 295.
231

Resumo e Conclusões

Este capítulo tratou da relação de Cristo com a ira divina. Primeiramente de acordo

com as Sagradas Escrituras e, depois, conforme as informações contidas nos escritos de

Ellen White. O exame da Bíblia demonstrou que a ira de Deus era uma característica tanto

da vida quanto dos ensinos de Jesus e que em todos os casos essa ira foi despertada quando

sua misericórdia foi desprezada. Mas ele não apenas possuiu essa ira, ele também a sofreu.

Na cruz suportou a maior demonstração da aversão de Deus contra o pecado, uma punição

– o que é o coração da doutrina da expiação. Nenhum ser humano jamais seria capaz de

sofrer toda a ira de Deus, mas Cristo a recebeu em sua plenitude por causa da união, em sua

pessoa, das naturezas divina e humana.

O que ele realizou foi uma expiação, absolutamente necessária por causa da lei de

Deus. Esta não pode ser relaxada de modo a não punir seus transgressores. Deus não pode,

simplesmente, fechar os olhos ao pecado, escusá-lo ou perdoá-lo. O pecado torna a pessoa

culpada e, portanto, devedora à lei, e sua salvação requer uma expiação. Essa expiação

precisa ser vicária, em razão de que todos os homens são pecadores e, também, por isso

mesmo, nenhum pode ser o vigário de outro. Mas não bastava ser isento do pecado: um

anjo não tem pecado, mas apesar disso, não podia ser um substituto do homem. Era

necessário que o substituto, por um lado, pertencesse à humanidade, e, por outro, fosse

divino, i.e., estivesse à altura da lei que fora transgredida.

Por isso, é que Cristo, que era divino, encarnou, a fim de que se qualificasse para

preencher essas condições e morresse pelos nossos pecados. O que ocorreu na cruz foi uma

substituição penal porque ele morreu em nosso lugar e como cumprimento de uma pena.

Ele assumiu o nosso lugar e nos representou, recebendo o castigo que merecíamos de modo

a nos libertar desta experiência. Essa expiação é do início ao fim uma obra do próprio Deus
232

porque, se por um lado sua justiça exigiu a satisfação das exigências da lei, por outro, seu

amor encontrou um meio de livramento para o pecador.

Ao longo dos séculos a doutrina da expiação sempre enfrentou oposição e os

cristãos a têm compreendido de diferentes maneiras. A teoria mais correta, com os devidos

ajustes, parece ser aquela originada com Anselmo e amplamente aceita por católicos e

protestantes, segundo a qual o sacrifício de Cristo visava a satisfazer plenamente a justiça

de Deus, de modo que ele fosse não só misericordioso, mas justo, também. Embora a

expiação seja suficientemente ampla para incluir a todos e seja a todos oferecida, encontra

limitação no número de pessoas que a aceitam.

Referindo-se ao que ocorreu na cruz do Calvário, o NT assevera, semelhantemente,

que Cristo é a propiciação pelos nossos pecados, o que tem causado grande discussão

teológica. Quanto a isso, há basicamente dois principais pontos de vista. Para alguns

teólogos o significado bíblico de propiciação é praticamente o mesmo de expiação,

enquanto que, para outros, a idéia de propiciação é distinta de expiação, porque o objeto da

propiciação é também a ira de Deus e não apenas o pecado dos homens. A propiciação

contempla a parte ofendida, que necessita ser apaziguada, e nossa responsabilidade para

com a ira de Deus é a provisão da graça pelo qual nós podemos ser libertos dessa ira de

maneira que Deus se torne propício ou com disposição favorável a nós.

Por conseguinte, embora o derramamento do sangue de Cristo tenha sido a

revelação direta do amor do Pai para conosco, foi também o impedimento direto da ira do

Pai contra nós. A propiciação realizada por Cristo na cruz demonstrou a justiça de Deus e

evidenciou não apenas o perdão de Deus, mas também a justiça, como fundamento para

esse mesmo perdão. Ali, Deus satisfez suas próprias exigências santas, desviando do

pecador a ira que este com justiça merecia, voltando-a contra si mesmo. Portanto, a
233

propiciação já foi feita por Cristo em prol de todo pecador e, hoje, Deus pode ser,

simultaneamente, justo e justificador de todo aquele que crê.

A obra de Cristo como libertador da ira de Deus deve ser compreendida a partir do

ensino das escrituras do AT e inclui, necessariamente, tanto o sacrifício como a intercessão.

O NT mantém o ensino da ira de Deus e apresenta, igualmente, a possibilidade de escape

dessa ira, o que só é possível em Cristo, “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do

mundo!”. Esse aspecto sacrifical da obra de Cristo é ressaltado, sobretudo, na epístola aos

Hebreus, onde o tema central é o sacerdócio de Cristo no santuário celestial. Nessa carta se

percebe que a principal obra sacerdotal de Cristo jaz na expiação, mas que esta,

naturalmente, não é completa sem a intercessão. Sua obra sacrifical na Terra requer o seu

serviço no santuário do Céu. Em razão de não sermos perfeitos, não temos acesso direto a

Deus e precisamos de um sacerdote que ofereça sacrifícios a Deus em propiciação por

nossos pecados e interceda por nós, e este é Cristo. Como nosso intercessor, ele ouve nossa

confissão de pecados e intercede continuamente por nós, tornando realidade os propósitos

salvadores de Deus.

Cristo também foi apontado como o executor da ira de Deus. Se ele retratasse

somente os atributos pacíficos de Deus, não seria a plena revelação de Deus, mas apenas

uma revelação parcial. Em sua soberania Deus estabeleceu que o destino eterno do homem

estivesse ligado à pessoa de Cristo. O homem se salva ou se perde em função de sua relação

com Cristo. Ou aceita o sangue do Cordeiro ou a ira do Cordeiro.

A visão mais importante a destacar a Cristo como o executor da ira divina é aquela

que se encontra em Ap 19. Seu propósito é demonstrar que ele tem o direito de julgar em

virtude de sua divina natureza e que, como Rei guerreiro e Palavra eficaz, ele cumpre as

profecias que anunciavam a vitória de Deus. A espécie de conflito em que ele se engaja – o
234

Armagedom – é mais um enfrentamento espiritual com a execução da justiça, do que um

conflito militar. Nessa batalha há uma única arma – a espada – e ela sai da boca de Cristo.

É a palavra falada que ele proferirá em seu retorno para executar a ira de Deus e punir e

destruir, de modo que ninguém possa resistir nem escapar. Suas vestes manchadas de

sangue salientam sua vitória sobre seus inimigos. Ele é o logos de Deus. Através dele Deus

fala ao mundo e se revela. Ele que em seu primeiro advento veio para revelar a graça de

Deus, agora, no segundo, virá para revelar o juízo de Deus. Uma breve referência ao

mesmo evento foi mencionada numa carta de Paulo aos tessalonicenses. Ali,

semelhantemente, Cristo é apresentado como o agente de Deus para a destruição (2Ts 2:8).

Uma investigação nos escritos do Espírito de Profecia mostrou que ao escrever a

respeito de Jesus Cristo, a autora dedicou algumas páginas para tratar de sua relação com a

ira de Deus. Discorrendo sobre os resultados da entrada do pecado em nosso mundo, ela

aponta a Cristo como fiador diante da ira de Deus até que, no devido tempo, na cruz, a

tomasse sobre si. Ao realizar sua obra em prol de nossa libertação, Cristo assumiu uma

dupla posição: por um lado ele é a vítima, a oferta mediante a qual é feita a expiação, o alvo

da ira divina, aquele que suportou nossa punição; e, por outro, o sacerdote, o ofertante que

pleiteia pelo pecador. Mediante seu sacrifício ele trouxe esperança e vida eterna a todos os

que nele creem, mas ira e juízo sobre quem o rejeita. Em sua obra intercessora, que iniciou

após a ascensão e que ocorre no santuário celestial, ele fica entre a ira de seu Pai e o

homem culpado. Enfim, Deus, em Cristo, objetivamente, colocou à disposição do homem

os recursos para que este possa se reconciliar com ele e se esquivar de sua ira. Todavia,

cabe ao homem apropriar-se deles subjetivamente mediante o arrependimento e a fé em

Jesus Cristo.
235

Finalmente, o mesmo Cristo é visto como o executor da ira de Deus, a qual se

manifestará, no julgamento final, em dois tempos: primeiramente no derramamento das sete

taças seguido por seu segundo advento e, posteriormente, quando todos se reunirem diante

do grande trono branco e ele pronunciar a sentença condenatória e executar a justiça sobre

aqueles que transgrediram sua lei e oprimiram seu povo. Na ocasião, a ira será derramada

sem mistura de misericórdia e os ímpios sofrerão castigo, que variará em duração e

intensidade, segundo suas obras, até que sua existência termine com a segunda morte.

Então, como nunca mais haverá pecado e mal, a ira de Deus se aplacará para sempre.

Na sequência é apresentado um conjunto de sermões que, embora não sejam

completos nem exaustivos, refletem o que foi analisado até aqui e, seguindo as regras

homiléticas, pretendem ser uma grande ajuda para os pregadores e suas congregações.
CAPÍTULO IV

A PREGAÇÃO DA IRA DE DEUS

Após a realização do estudo sobre a ira de Deus e a sistematização das informações

tanto do AT e do NT, como dos escritos de Ellen White, este capítulo apresenta uma

proposta homilética, i.e., uma série sugestiva de esboços de sermões sobre o tema. Antes,

porém, seguem algumas orientações e sugestões para melhor compreensão e

aproveitamento dos próprios pregadores que farão uso desses esboços.

1. Os esboços que seguem estão baseados no conteúdo precedente desta pesquisa. Por isso

eles não apresentam as notas bibliográficas correspondentes, o que seria repetitivo.

Além disso, eles podem ser completados com o material ali detalhado, o que pode ser

feito com facilidade mediante uma consulta ao sumário.

2. Os esboços não pretendem esgotar o assunto, antes apresentam o que é de maior

relevância.

3. Os esboços, como o próprio nome sugere, não pretendem ser sermões completos.

Enquanto que um esboço simples constaria de uma ou duas páginas e um sermão

completamente escrito ocuparia de 20 a 30 páginas, os esboços que seguem são um

meio termo entre essas duas modalidades.

4. Todos os esboços foram estruturados de modo a conterem três partes, na sequência:

introdução, argumentação e conclusão.

236
237

5. A enumeração das divisões e subdivisões é aquela recomendada por Haddon W.

Robinson.1

6. Com a intenção de ressaltar a ideia de unidade das partes, no caso da exposição de

idéias paralelas, adotou-se o procedimento de usar palavras ou frases repetitivas,

sempre que possível.2 Isso pode ser visto ao se comparar as divisões de um esboço –

apresentadas em caixa alta e acompanhadas de algarismos romanos – umas com as

outras e, também, ao se fazer o mesmo com as várias subdivisões dentro de uma

mesma divisão. Algumas vezes, quando as expressões empregadas não são repetitivas,

é porque as ideias são contrastantes, ou se desenvolvem num crescendo, o que fica bem

evidente na própria linguagem utilizada.

7. Sugere-se que na exposição do sermão sejam lidas aquelas passagens bíblicas que não

estão entre parênteses. As demais se destinam a reforçar a convicção pessoal do

pregador. A leitura de todos os textos tenderia a tornar o sermão demasiadamente

longo, cansativo e menos eficaz.

8. Em alguns dos esboços, apenas para proveito do pregador, aparecem palavras gregas ou

hebraicas entre parênteses. Não há necessidade de mencioná-las na pregação.

9. Diferentemente do uso nos capítulos precedentes, que são mais acadêmicos, nos

esboços de sermões os pronomes que se referem à divindade aparecem com a letra

inicial em maiúscula, o que se justifica por serem estes esboços de natureza mais

popular e por ser esta uma prática comum no meio cristão.

1
Haddon W. Robinson, A pregação bíblica: o desenvolvimento e a entrega de sermões expositivos
(São Paulo: Vida Nova, 1983), 86-88.
2
Ver o mesmo procedimento adotado em ibid., 80-88; James D. Crane, O sermão eficaz, traduzido
por João Soares da Fonseca, 2ª ed. (Rio de Janeiro: JUERP, 1990), 86-105; Jerry Stanley Key, O preparo e a
pregação do sermão (Rio de Janeiro: JUERP, 2001), 174-182; James Braga, Como preparar mensagens
bíblicas (Deerfield, FL: Vida, 1991), 122-143.
238

Esboço 1: Atributos Divinos que São uma Reação ao Pecado

INTRODUÇÃO

1. Na teologia cristã, um atributo divino é uma qualidade ou propriedade que faz parte da

natureza essencial de Deus.

2. Deus é uma unidade cujos atributos estão completamente integrados, não sendo

possível separá-los. Todo o Seu ser, Suas ações e palavras estão sempre de acordo.

3. Os teólogos têm feito várias tentativas para classificar os atributos de Deus, tais como:

naturais e morais, comunicáveis e incomunicáveis, positivos e negativos e absolutos e

relativos.

4. Os absolutos tratam das relações de Deus consigo mesmo e os relativos retratam Suas

relações com o universo e os seres inteligentes e morais.

5. Há alguns atributos divinos que, embora façam parte de Seu caráter, estavam ocultos

em Seu ser e jamais teriam sido conhecidos por Suas criaturas não fosse o surgimento

do pecado. Sua manifestação não seria necessária nem pertinente em um universo

santo e perfeito. São eles: a ira, a graça, a misericórdia, a longanimidade e a tolerância.

Todos expressam a reação de Deus face ao pecado e são endereçados a toda

humanidade. Vamos agora estudar sobre eles.

ARGUMENTAÇÃO

I. IRA

1. A ira de Deus é sempre uma reação. Sempre a reação de Sua natureza divina e santa

contra o mal. Nm 25:1-3.


239

2. A ira de Deus é despertada pelo pecado, em todas as suas formas. Porque o pecado não

é inconsequente, mas destrutivo e, se não tratado adequadamente, resultará na morte

eterna, ele sempre aborrece a Deus, desperta Sua ira e atrai Seu ataque judicial.

3. A ira de Deus, caso não existisse, revelaria ser Deus injusto, primeiramente consigo

mesmo, pois estaria negando Sua própria santidade, mas também com os homens, uma

vez que não daria a eles o que merecem. Além disso, mostraria Sua falta de caráter por

ser indiferente para com o pecado.

4. A ira de Deus, diferentemente da pecaminosa ira humana, é inteiramente previsível,

coerente, constante e imutável, em perfeita harmonia com sua justiça e santidade, e até

o dia final do julgamento, temperada com misericórdia, que busca de uma maneira

adequada, preservar a ordem e promover a paz.

5. A ira de Deus tem seus efeitos:

(1) Primeiramente percebido em nossa própria constituição, porque o pecado se

encontra no homem como um princípio inato e o faz ímpio e perverso.

(2) Em segundo lugar, no abandono de Deus, que entrega os rebeldes a seus próprios

desejos e permite que sigam desembaraçadamente seu caminho descendente, sem

freio, sem qualquer intervenção divina, até a plena profundeza da depravação. Rm

1:18-27.

a. Esse abandono de Deus nunca ocorre para quem aceita a Cristo como Seu

salvador. Hb 13:5.

b. Esse abandono de Deus não é necessariamente um abandono eterno, pois

enquanto a vida segue, Deus, em Sua graça, provê oportunidades para a salvação.

Is 55:7.

(3) Finalmente, os resultados da ira divina são vistos nas punições.


240

a. As punições podem ser consequências naturais dos atos de pecado. Gl 6:7.

b. As punições podem ser penalidades diretas impostas por Deus como juiz. At

12:21.

c. As punições têm vários propósitos:

a) A vindicação da santidade e justiça de Deus,

b) A correção e recuperação do pecador,

c) A dissuasão dos homens para que não enveredem pelo mau caminho nem

sofram o prejuízo que o mal costuma causar.

II. MISERICÓRDIA

1. A misericórdia (ou compaixão) está diretamente vinculada à miséria. A misericórdia de

Deus é uma forma de Seu amor a qual é manifestada para com quem é miserável e se

encontra em ruína, desgraça e necessidade. Mc 1:40-41 (Dt 5:10; Sl 86:5-7; 103:3-8;

Mc 6:34 cf. Mt 14:14).

2. A misericórdia leva Deus a agir em favor do pecador. Ela faz com que Deus veja o

homem suportando as terríveis consequências do pecado e, desesperadamente carente

do socorro que unicamente Ele pode oferecer, de modo que, comovido em seu coração,

aja em busca do bem temporal e da salvação eterna de quem se opôs à Sua vontade,

mesmo a custo do sacrifício próprio.

3. A misericórdia é tanto optativa como limitada. Deus não tem obrigação de prover

redenção para os pecadores (ver Rm 9:14-18; 2Pe 2:4). Do mesmo modo que a

onipotência, a misericórdia pode existir em Deus mesmo sem ser exercida.


241

4. A misericórdia é regulada e condicionada por sua santidade. O exercício da

misericórdia tem suas condições e pode haver interesses mais elevados que requeiram

que ele seja recusado.

5. A misericórdia está em perfeita harmonia com a justiça. Ao Deus exercer misericórdia

não há violação ou desistência das exigências legais, i.e., não há abolição de Sua lei

moral, nem redução da pena, mas, sim, a substituição de quem recebe a punição, de

modo que a justiça é estritamente satisfeita através de uma pessoa vicária. A

misericórdia que não respeita tais limites pode ser chamada de “misericórdia

pecaminosa” e não faz parte do caráter de Deus. É somente quando Seus justos juízos

são considerados, que Sua misericórdia torna-se uma vívida realidade.

6. A misericórdia tem sua magnitude vista nas ações divinas. São elas: (1) o permitir que

outra pessoa assuma o lugar do pecador e receba o castigo em seu lugar; (2) o

providenciar tal pessoa; e (3) o oferecer-se para ser essa pessoa.

7. A misericórdia se encontra mesclada em meio às manifestações da ira divina, enquanto

o tempo de graça continua. Desse modo, Deus não Se ira facilmente (Êx 34:6-7; Sl

103:8-9) e, quando irado, não retém Sua ira para sempre (Mq 7:18-20) e, na ira,

lembra-Se da misericórdia (Hc 3:2).

III. GRAÇA

1. Graça, originalmente, referia-se a algo muito agradável ou atrativo em uma pessoa, algo

que trazia prazer aos outros, transmitindo as ideias de beleza, graciosidade,

amabilidade e outras que deleitam o agraciado, o que pode ser visto em Sl 45:2; Pv

1:8-9; Lc 4:22; e Cl 4:6.


242

2. Graça passou a ter o sentido de favor, boa vontade ou bondade feitos para outro ou um

presente que traz prazer ao outro (ver Lc 2:40; At 2:47; 7:10; 46).

3. Graça, do ponto de vista de quem recebe, foi usada para referir-se à gratidão sentida por

um presente ou favor (ver Lc 17:9; 1Co 15:57; 2Co 8:16).

4. Graça (charis) no NT (onde ocorre cerca de 150 vezes) significa, principalmente, o

amor salvador de Deus para os pecadores como revelado em Cristo, o que é destacado

especialmente nos escritos de Paulo, como pode ser visto em Ef 2:7-9 (Cf. Rm 5-6; Ef

1:5-8; Tt 2:11; 3:7).

5. A graça de Deus é um aspecto de Seu amor. É o amor de Deus visto na relação com o

pecado e manifestado apenas para aqueles que são pecadores e indignos e que age para

com eles com bondade e generosidade, suprindo-lhes com favores, não na base de seus

méritos ou valor, mas de acordo com suas necessidades.

6. A graça de Deus não é apenas um sentimento de compaixão e boa vontade em perdoar,

mas um poder ativo, energizante, capaz de transformar e salvar o maior pecador

mantendo-o numa correta relação com Deus (Rm 5:21; 1Co 15:10; 2Co 12:9). Como

disse o apóstolo, “é o poder de Deus para a salvação” (Rm 1:16).

7. A graça de Deus nunca foi manifestada para com os anjos bons. Eles, que nada

conhecem do pecado em sua experiência pessoal, gozam do amor de Deus e da

bondade que ele manifesta para com suas criaturas, mas nunca receberam Sua graça,

porque dela nunca necessitaram.

8. A graça de Deus nunca foi manifestada para com os anjos maus. As Escrituras afirmam

que “Deus não poupou anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno, os

entregou a abismos de trevas, reservando-os para juízo” (2Pe 2:4). Deus não
243

manifestou graça para com eles. Não elaborou um plano para dar-lhes nova

oportunidade, para salvá-los de sua condição e restaurá-los (ver Hb 2:16).

9. A graça de Deus poderia nunca ter sido manifestada para com a raça humana. Deus não

tinha necessidade de nos salvar. Por ser Criador e Soberano, Ele é livre para decidir e

atuar como lhe agrada (ver Rm 9:15, 20-21). Portanto, graça não é dívida, não pode ser

cobrada. Foi por Sua livre vontade que Ele decidiu salvar a humanidade, manifestando-

lhe Sua graça.

IV. LONGANIMIDADE

1. Longanimidade (erekh ’appayim), no AT, transmite a ideia de lentidão para a ira e para

punir o erro. Nm 14:18; Is 48:9 (Êx 34:6; Sl 86:15; 103:8; Na 1:3).

2. Longanimidade (makrothumia), no NT, significa literalmente “grandeza de ânimo” –

para amar e esperar, perdoar e esquecer (Rm 2:4; 9:22; 2Pe 3:15).

3. Longanimidade é o aspecto da bondade de Deus que tolera o pecador, apesar de sua

demora no mau caminho. Ela se manifesta quando Deus adia, temporariamente, o

merecido julgamento e continua a oferecer salvação e graça por longos períodos de

tempo, dando espaço para arrependimento e conversão (1Tm 1:16; Ap 2:21).

4. A longanimidade pode ser vista no trato de Deus com Israel (Nm 14:18; Sl 103:8-9) e

com os antediluvianos (1Pe 3:20) e, na atualidade, com o mundo em relação ao retorno

de Seu Filho (2Pe 3:9).

5. A longanimidade de Deus com a humanidade é uma espécie de trégua divina

temporária que Ele tem proclamado em sua graça. Esse era, às vezes, o significado de

longanimidade quando empregada na literatura grega com o sentido de tolerância


244

(anoche). Referia-se a uma trégua, a qual implicava na cessação das hostilidades das

partes em conflito.

6. A longanimidade de Deus, ainda com o sentido de tolerância (paresis) tem o

significado de “deixar passar”, “passar por alto” ou “deixar ir sem castigo”. Rm 3:25.

(1) Tolerância (paresis) era um termo usado na Lei Romana, onde, geralmente referia-

se a alguma pessoa que fez um testamento e que deixou de fora alguém importante

que, portanto, não entrou em consideração, foi passado por alto, esquecido

intencionalmente. Ao usar esta expressão, Paulo não se refere ao perdão para os

pecados passados, mas à suspensão provisória da pena desses pecados.

(2) Tolerância implica em que, embora os pecados continuem a ser castigados (ver Rm

1:18-32), ainda que não completamente, Deus, ao invés de intervir a cada instante,

prefere aguardar e suportar até que chegue o tempo de tratá-los de modo definitivo.

A ideia é a de que o Senhor não Se esqueceu dos pecados passados, todavia não Se

ocupou deles de imediato. Houve um adiamento do julgamento.

7. A longanimidade de Deus pode ser abusada pelo homem. Isso ocorre quando, em vez

de gratidão e correto aproveitamento da oportunidade para arrependimento e reforma

de vida, há manifesto desprezo para com a longanimidade de Deus.

8. A longanimidade de Deus para com a humanidade pecadora tem um limite temporal,

além do qual sua ira permanece. Se for desprezada ou abusada (1Pe 3:20), servirá para

exasperar a ira de Deus e para confirmar a destruição anunciada, resultando em grande

severidade no juízo, como o que ocorreu com Faraó (Êx 5 a 12).


245

CONCLUSÃO

1. Por um lado, todos os homens estão debaixo da ira de Deus (Rm 1:18; Ef 5:6 cf. Rm

3:10-12; Ef 2:3; 1Jo 1:8, 10) e, por outro, todos igualmente são alcançados pela graça,

pela misericórdia, pela longanimidade e pela tolerância de Deus (Rm 2:4; 3:25; 5:18,

20; Tt 2:11; 2Pe 3:9, 15).

2. Embora a ira final resulte na destruição de todos que rejeitarem a graça, a ira presente

tem seus aspectos positivos que cooperam com a graça visando a salvação do homem.

Vamos, portanto, submeter-nos à graça de Deus a fim de escapar da ira futura que virá

no dia do juízo.
246

Esboço 2: A Ira de Deus em Relação a Seus Outros Atributos Morais

INTRODUÇÃO

1. A natureza essencial de Deus nos é manifesta através de Seus atributos (Rm 1:20).

Dentre eles o que mais nos cativa é, sem dúvida, o amor; e o que mais causa estranheza

e perplexidade é a ira, especialmente porque parece estar em oposição àquele.

2. Todavia, o tema da ira divina, que se encontra distribuído ao longo de todo o texto

sagrado, é parte integrante da mensagem central da Bíblia e do Evangelho. Podemos

até afirmar que a ira de Deus se destaca como um dos mais relevantes temas das

Escrituras e que, apesar disso, são poucos aqueles que o entendem corretamente.

3. A tendência atual é pregar, ensinar e escrever abundantemente sobre o amor de Deus,

sua misericórdia, graça, bondade e compaixão, enquanto pouca atenção é dada à Sua

justiça, Sua ira, ou ao juízo e ao tormento que incidirão sobre os impenitentes. É

verdade que o primeiro grupo de conceitos merece ser enfatizado, mas o segundo não

deve ser desconsiderado.

4. Para a correta compreensão do tema da ira divina é absolutamente necessário

relacioná-la a outros atributos morais de Deus, notadamente a santidade, a justiça e o

amor.

ARGUMENTAÇÃO

I. A IRA DE DEUS EM RELAÇÃO À SANTIDADE

1. “Santo” (qâdôsh) é uma das palavras mais importantes de todo o AT e tem a ideia

primária de separação. Desse modo, santo é aquilo que é separado, retirado do uso
247

comum, como é o caso de lugares e objetos (em que não há qualquer conotação moral)

frequentemente mencionados no AT. Este é o mesmo conceito no NT (hagios).

2. “Santo”, quanto expressão empregada para Deus, refere-se à relação que há entre Ele e

alguém ou alguma coisa, e pode indicar dois aspectos: a santidade majestosa e a

santidade moral.

(1) Santidade majestosa. Is 57:15. Em primeiro lugar Deus é santo porque é totalmente

separado da criação no sentido de que somente Ele é Deus, Criador, Eterno e

infinito, enquanto tudo o mais teve começo, é criação, é finito e não possui natureza

divina. Em outras palavras, Ele é singular, distinto de tudo e de todos, exaltado

sobre tudo em Sua natureza de infinita majestade (Êx 15:11; 1Sm 2:2). Nesse

aspecto, somente Ele pode ser santo.

(2) Santidade moral. Hc 1:12a,13a. Este é um sentido secundário e ético, que indica ser

Ele absolutamente puro ou bondoso, isento de qualquer deficiência moral ou

vestígio do mal, completamente separado do pecado (Jó 34:10). Isso significa

também que Deus é a perfeição moral e espiritual, a fonte e o padrão do direito e,

como tal, ama o que é bom e odeia o que é mau (Êx 3:5; Lv 19:2; Jó 15:15; Sl 22:3;

47:8; 111:9; Is 6:3; 1Jo 1:5; Ap 4:8; 6:10; 15:4).

3. Santidade – Esse é o atributo divino que, em virtude tanto da frequência como da

ênfase com o qual é usado, ocupa uma posição única de importância. Tem sido usado

com uma definição da natureza de Deus e é o atributo que qualifica todos os demais e

que condiciona e limita seu exercício.

4. A santidade, mais do que qualquer outro atributo, constitui a plenitude gloriosa do Ser

moral de Deus. Por isso, quando vai fazer qualquer juramento, não tendo ninguém mais

alto por quem jurar, jura por Sua própria santidade. Sl 89:34-36; Am 4:2.
248

5. A santidade é o parâmetro empregado por Deus ao tratar de todas as questões sobre o

pecado e sua origem e o fim dos pecadores. Sua vontade, todas suas decisões e

atividades, Seus métodos e fins, necessariamente devem estar em harmonia com ela.

São santos porque a sua personalidade é santa.

6. A santidade de Deus é mais bem ilustrada pela passagem bíblica de Is 6. Esse capítulo

mostra como a revelação da santidade majestosa levou o profeta ao reconhecimento da

santidade moral de Deus e de seu próprio pecado diante dela. Mostra como o pequeno

enxergava o grande e como o pecador se via diante da santidade moral de Deus –

porque o senso de depravação num homem é determinado pelo senso da santidade de

Deus que ele possui.

7. A santidade posta em operação, atuando judicialmente e exigindo pureza das criaturas,

é chamada de justiça e é administrada aos que não se conformam, aos que resistem e

aos que se identificam com o pecado, na forma de penas e sofrimentos.

8. A santidade de Deus é o referencial para a compreensão da ira de Deus, porque esta ira

é o desagrado e a indignação da santidade de Deus em reação contra o pecado. Se Deus

deixasse de mostrar Sua ira, seria injusto primeiramente consigo mesmo, pois estaria

negando Sua própria santidade, e também com os homens, uma vez que não daria a

eles o que merecem. Além disso, mostraria falta de caráter por ser indiferente para com

o pecado.

II. A IRA DE DEUS EM RELAÇÃO À JUSTIÇA

1. “Justiça” e “justo” são termos bíblicos cuja idéia fundamental é a de conformidade a

um padrão, de estrito apego à lei. Esta qualidade é repetidamente atribuída a Deus, Sl

119:137 (Ed 9:15; Ne 9:8; Sl 145:17; Jr 12;1; Lm 1:18; Dn 9:14; Jo 17:25; 2Tm 4:8;
249

1Jo 2:29; 3:7; Ap 16:5), pois embora não haja qualquer lei acima dEle, certamente há

uma lei em Sua própria natureza divina, da qual derivam todas as leis que são

reputadas por justas.

2. A justiça de Deus pode ser classificada:

(1) Justiça absoluta ou essencial – aquela inerente a Deus e que se refere à perfeição

moral e à excelência de Seu caráter.

(2) Justiça relativa – aquela que Ele manifesta em relação a Suas criaturas,

governando-as com retidão inflexível, dando a cada um conforme o seu

merecimento e agindo de modo que todos assim o vejam e o reconheçam.

a. Quando o merecimento é uma punição, essa justiça é chamada de vindicativa e,

nesse caso, Deus é visto como vingador, manifestando Sua ira contra os

transgressores. 2Ts 1: 6-9 (Sl 7:11; 9:4-5; 62:12; Mt 16:27; Rm 2:1-11; 2Co

5:10).

b. Quando o merecimento é uma punição, a ira é o aspecto da justiça que trata da

retribuição dos ímpios. Desse modo, toda punição do pecado é considerada como

a intervenção da ira de Deus.

3. A justiça de Deus que vem na forma de ira se revela do céu (Rm 1:18), i.e., sob a

direção de Deus, por Seu poder e providência, e essa revelação não é inferior àquela

que ele tem feito de sua bondade, paciência, longanimidade ou de quaisquer outros de

Seus atributos. Ele tem cuidado para que Sua ira contra o pecado, ou Sua justiça,

apareça mediante numerosos exemplos de punição infligidos sobre os homens por seus

pecados, em seu providencial governo do mundo.


250

4. A justiça de Deus na forma de Sua ira é revelada aos que estão fora de Cristo e sem

Cristo (Ef 2:3, 12), mas nunca é injusta nem excessiva e enquanto houver tempo de

graça, Deus não a deixa alcançar sua plenitude (Os 11:9).

5. A justiça de Deus nem sempre aparece em Seu governo. Às vezes não parece ser um

governo justo, pois quem vive em pecado nem sempre é punido e os justos com

frequência parecem não ser recompensados.

(1) No AT, o conceito de retribuição não era dominante, pois nem sempre as coisas

iam bem para os justos ou iam mal para os ímpios. De fato, tanto o Pentateuco,

como os Salmos, os profetas e o livro de Jó atestam o contrário.

(2) No NT, pode ser visto que o clamor dos mártires por vingança não é de pronto

atendido (Ap 6:10-11). Assim, a justiça de Deus não é um princípio de efeito

automático e, por isso, não deve ser avaliada no curto espaço de uma vida, pois aqui

ela é frequentemente incompleta ou imperfeita.

6. A justiça de Deus será vista como perfeita e completa apenas quando ocorrer o juízo

final. Quando Deus apresentar um veredicto judicial sobre cada homem, todos, mesmo

aqueles que serão amaldiçoados, saberão que sua maldição é justa, de modo que

nenhuma criatura encontrará mesmo a menor falha em Sua perfeição.

7. A justiça de Deus assim demonstrada vindicará o caráter de Deus e nisso residirá a

segurança e a liberdade do universo inteiro, por toda a eternidade.

III. A IRA DE DEUS EM RELAÇÃO AO AMOR

1. O amor de Deus não é meramente um sentimento ou emoção, embora Deus tenha

sentimento e isto em grau infinito.


251

2. O amor de Deus, no NT, é expresso pela palavra āgapē, que significa um amor racional

e voluntário que se baseia numa escolha deliberada, onde o componente emocional se

encontra subordinado à verdade e santidade. Jo 3:16.

3 O amor de Deus, assim como o nosso deve ser também, é um atributo no qual se

combinam dois impulsos ou desejos aparentemente paradoxais: o de dar-se ao objeto

amado, de fazer-lhe o máximo bem; e o de possuí-lo em íntima comunhão. Deus ama

toda a criatura no sentido de lhes ser amplamente favorável, mas também deseja sua

resposta de amor ao Seu amor.

4. O amor de Deus e Sua santidade estão intrinsecamente ligados.

(1) O amor de Deus por um lado é sujeito, ordenado e condicionado por Sua santidade

e, por outro, a impregna, habilita, sujeita e complementa. Deus não seria tão santo se

não fosse incomparavelmente amoroso. Nem seria tão amoroso como é, sem ser

incomparavelmente santo.

(2) O amor de Deus sem a santidade de Deus não seria justo por ignorar as ofensas do

pecado. A santidade de Deus sem o Seu amor seria insuportável e incapaz de efetuar

a reconciliação. Nenhum deles sozinho poderia prover a salvação dos pecadores.

(3) O amor e a santidade são como dois pólos morais do ser de Deus. Como santo, Ele

se opõe ao pecado e exige sua punição; mas como amor, anela fortemente perdoar e

salvar e torna o pagamento da penalidade possível. Deste modo, em Si mesmo é

encontrada concordância, pois um lado de Sua natureza proporciona o que o outro

lado de Sua natureza exige. Em outras palavras, “a santidade é o trilho onde a

locomotiva do amor deve correr” [Strong, 2002].

5. O amor de Deus não pode ser completamente compreendido a menos que se inclua a

justiça (Êx 34:7). Sem ela o amor não passa de mero sentimentalismo.
252

(1) O amor de Deus e Sua justiça operam juntos em seu trato com os homens.

Enquanto a justiça requer que haja pagamento da penalidade do pecado, o amor

deseja que o homem seja restaurado à amizade com Deus, mas não há nenhuma

tensão entre eles. A tensão só existe quando se pensa que o amor requer que Deus

perdoe sem qualquer pagamento.

(2) O amor de Deus e Sua justiça são completos. Ele não é parcialmente amor e

parcialmente justiça, mas perfeito amor e perfeita justiça, e tudo de Deus é amor e

tudo de Deus é justiça. Sendo assim, Sua ira é a mais verdadeira expressão de Sua

santidade e justiça punitiva contra o pecado, e está em perfeita harmonia com Seu

amor, que, por ser santo, rejeita o mal com o mesmo empenho com o qual aprova o

bem.

6. O amor de Deus não implica em que Ele aprove tudo o que o objeto de Seu amor faça.

(1) A aprovação não é necessária ao amor. Há um amor que não se regozija no objeto

amado, é o amor que se compadece. Este é o amor de Deus para com os ingratos e

maus. Por isso, Deus nos amou quando ainda éramos seus inimigos. Rm 5:8; Ef 2:3-

5. Por isso, uma mãe ama seu filho rebelde embora não aprove seus atos.

(2) A aprovação pode estar incluída no amor. Há um amor que inclui aprovação, é o

amor que se compraz, cujo objeto amado é amável e traz alegria. Este é o amor que

Deus tinha para com Jesus que em tudo Lhe era obediente. Mt 3:17 (Mt 12:18; 17:5

cf. Jo 5:20; 15:9-10). Este é o amor de Deus para com aqueles que O amam e

obedecem (ver Dn 9:23; 10:11, 19; Ef 4:25-5:1).

(3) A aprovação ou não do amor não significa que haja dois amores, mas, sim, dois

objetos amados diferentes. Desta maneira é o amor de Deus para com o crente e o

descrente.
253

7. O amor de Deus é o pano de fundo para o tema da ira de Deus.

(1) A ira de Deus é a reação do seu amor rejeitado. É a forma que o amor toma frente

ao pecado e ao mal e aqueles que se opõem a ele. “É o não de Deus ao pecado”

[Webwe, 1988].

(2) A ira de Deus é a reação de Deus ao pecado. Mostra que Deus permanece o mesmo

quando Seu amor é rejeitado. Quando o amor de Deus – em suas várias

manifestações de bondade, misericórdia e longanimidade – encontra-se com a

perversa vontade do homem ao invés da fé, da gratidão, da boa vontade e do amor,

torna-se ira. Rm 2:4-8 (Mt 18:34; Mc 3:5).

(3) A ira de Deus pode causar sofrimento, castigar e prolongar-se, contudo permanece

temperada por Sua misericórdia enquanto durar o tempo de graça, produzindo um

salutar temor do Senhor e tendo como propósito final o bem de Suas criaturas.

(4) A ira de Deus, além disso, também é motivada pelo amor de Deus para com os

Seus, buscando protegê-los.

a. Porque o amor inclui um elemento de zelo (ciúme) para com o amado, com a

correspondente reação contra aqueles que se voltam contra este objeto do amor.

b. Porque se Deus não tivesse ira, equivaleria a não ter compromisso com o

universo que criou e interesse em suas criaturas, o que também evidenciaria falta

de amor.

(5) A ira de Deus não é incompatível com Seu amor e tais atributos podem coexistir na

personalidade de Deus. As Escrituras mostram que Deus expressa Seu amor por

aqueles que são objetos de Sua ira.

a. Embora Deus ame a Israel com amor eterno (Jr 31:3, 20), ao mesmo tempo, em

Sua ira, envia contra eles os babilônios para executarem Seu juízo (Jr 21:5-7).
254

b. Embora como humanos sejamos filhos da ira (escravizados por Satanás e presos

ao curso deste mundo e à natureza pecaminosa), Deus nos amou com grande

amor (Ef 2:3-5).

c. Embora Ele declare Seu amor para com mundo e aja em seu favor (Jo 3:16; Rm

5:8; Ef 2:3), também revela dos céus Sua ira, de múltiplas formas, sobre os

mesmos homens (Rm 1:18-32).

8. O amor de Deus para com o pecador é simultâneo com Sua ira para com o mesmo

pecador.

(1) Deus ama o pecador e odeia o pecado. Todavia, esta não é toda a verdade sobre o

assunto. Embora, a ira de Deus contra o pecado não implique em qualquer

diminuição do Seu amor para com as moralmente perdidas criaturas, a verdade é

que Deus experimenta para com o pecador tanto a ira quanto o amor ao mesmo

tempo, sem que haja qualquer ação contrária de um para com o outro.

(2) Deus detesta o pecador quando este se opõe voluntariamente contra a verdade e a

santidade, mas o ama quando o vê arruinado pela transgressão.

CONCLUSÃO

1. Nosso estudo demonstrou a relação entre a ira e os outros atributos morais de Deus, de

maneira especial a santidade, a justiça e o amor em suas várias formas.

2. Assim, em relação à santidade, foi visto que em Deus há perfeição moral e espiritual e

que Ele demanda de todos os seres morais uma pureza que corresponda à mesma

pureza de Sua natureza, de modo que Sua ira é apresentada como uma das perfeições

divinas, expressão justa e natural de Sua santidade como reação contra o pecado.
255

3. Com respeito à justiça de Deus, foi demonstrado que toda punição do pecado é

considerada como justa intervenção da ira de Deus contra aqueles que não se

conformam com Sua santidade. Todavia, como isso não acontece como um princípio

de efeito automático fica, por vezes, a impressão de que o governo divino não é justo.

Para se evitar essa ideia, faz-se necessário que a justiça divina seja vista também como

escatológica e no escopo da eternidade. Então, quando o plano de salvação se

concretizar, a justiça divina será vista como perfeita, e Deus, considerado justo por

todo o universo, tanto pelos que serão salvos quanto pelos que se perderão.

4. As considerações sobre o amor de Deus demonstraram que este não é simplesmente

um sentimento ou emoção, mas um amor racional e voluntário que se baseia numa

escolha deliberada, onde o componente emocional se encontra subordinado à verdade e

santidade. Embora Deus ame suas criaturas de muitas formas (misericórdia, graça,

bondade, longanimidade e tolerância), também espera que elas correspondam ao Seu

amor. Este amor de Deus não pode apenas ignorar as ofensas do pecado, caso contrário

não passará de mero sentimentalismo. Para ser compreendido necessita incluir os

aspectos da justiça e da santidade, que se opõem ao mal em todas as suas formas e

especialmente àqueles que o rejeitam. Sendo assim, a ira de Deus, além de ser a mais

verdadeira expressão de sua santidade e justiça punitiva contra o pecado, é também a

reação do Seu amor desprezado ou abusado. Em realidade, as evidências bíblicas

apontam para o fato de que Sua ira não é incompatível com Seu amor e que tais

atributos coexistem em Sua personalidade e que, além disso, Deus experimenta

simultaneamente, para com o pecador, tanto a ira quanto o amor: a ira, por causa da

falta de santidade nele, e o amor, em razão de sua necessidade.


256

5. Continuemos a aprender mais e mais sobre Deus e Seus maravilhosos atributos e como

Ele Se relaciona conosco. Sejamos gratos a Ele por Seu amor demonstrado para

conosco de muitas formas, e correspondamos a tão grande amor vivendo, por Sua

graça, como é do Seu agrado.


257

Esboço 3 – A Ira de Deus Comparada com a

Ira dos Homens e a Ira dos Deuses

INTRODUÇÃO

1. A ira de Deus é um tema que costuma alarmar as pessoas. Isso ocorre porque a

tendência do pensamento humano, que frequentemente aprende por comparação, é

identificá-la com os aspectos negativos tão comuns nas demonstrações da ira humana e

nos relatos mitológicos das divindades pagãs.

2. A ira de Deus, apesar de ter algumas semelhanças com a ira humana e a ira das

divindades pagãs retratada nos relatos mitológicos, é também marcadamente diferente.

É sobre isso que vamos estudar agora.

ARGUMENTAÇÃO

I. A IRA DOS HOMENS

De modo geral, a ira é a expressão de um sentimento experimentado diante de uma

situação injusta ou contrária à nossa vontade.

1. Aspectos Negativos

A ira humana é um sentimento frequentemente associado à exasperação desaforada,

ao ódio vingativo e à paixão descontrolada e irracional, podendo nos fazer perder o

equilíbrio e até o juízo e nos levar a cometer atropelos e injustiças. Nesse caso, a ira pode

ser definida como “uma loucura temporária” e é egoísta e pecaminosa. Pv 27:3-4 (Gn 49:5-

7; 1Sm 20:30; Jó 36:13 e 18; Sl 37:8-9; Pv 12:16; 29:8; 30:33).


258

2. Aspectos Positivos

(1) A ira humana pode ser justa e, neste caso, nem é loucura, nem é breve. Mesmo

sendo pecador e, por isso, imperfeito, o homem pode ter ira sem maldade, como a

que ocorre em face de uma grave injustiça feita a outra pessoa, sendo, neste caso,

uma ira boa e necessária. 2Sm 12:1-5 (Êx 16:20; 32:19; 1Sm 11:1-6; Ne 5:4-6; Jr

6:11-15).

(2) A ira humana pode ser necessária. Assim, quando uma autoridade secular,

representando o Estado, pune um criminoso, não o faz em espírito de vingança, mas

por vindicação da lei, que representa a estabilidade social (ver Jo 19:11; Tt 3:1; 1Pe

2:13-17), sendo vista como ministro de Deus para castigar (lit. “executar ira”) o que

pratica o mal. Rm 13:4.

3. Aspectos Marcantes na Comparação com a Ira de Deus

A “ira de Deus” é uma expressão que parece sugerir, à primeira vista, aquelas

qualidades negativas que nós associamos com a ira humana e, desse modo, as pessoas

confundem a ira divina com os seus próprios sentimentos pecaminosos, o que contribui

para perverter a concepção de Deus, criando, por um lado, uma forte objeção e, por outro,

uma atitude de desculpar a Deus por Ele mostrar Sua ira, como se isso fosse uma falha de

Seu caráter. Todavia, quando se compara a ira de Deus com a ira humana pecaminosa

percebe-se que:

(1) No homem, a ira é uma paixão maligna que perturba o equilíbrio emocional e o faz

arder com o desejo de ferir a outros. Mas não há nenhuma malignidade no coração

de Deus. Antes, Sua ira provém de Seu amor e se levanta contra o mal que quer

arruinar Suas criaturas.


259

(2) No homem, a ira é uma paixão egoísta, pois desponta em quem se sente de algum

modo prejudicado. Mas isso não acorre com Deus, porque ninguém O pode

prejudicar.

(3) No homem, a ira se volta contra a ofensa, ou o ofensor, ou ambos, e pode resultar

em recolhimento e antagonismo. Há algo assim na ira de Deus. O mal moral é

repugnante, extremamente desagradável a Sua natureza santa.

(4) No homem, a ira retrata uma tendência natural para a vingança pessoal, o que não

ocorre com a ira de Deus. Dificilmente um homem irado consentiria em transferir

sua ira, canalizando-a para uma pessoa perfeitamente inocente. Contudo, foi isso o

que Deus fez.

(5) No homem, a ira é, com demasiada frequência, uma paixão maligna, fundada no

egoísmo e com conotação de vingança pessoal. A ira de Deus, ao contrário, é

sempre uma reação contra uma única ação: o mal. Assim, é inteiramente previsível,

coerente, constante e imutável, sempre em harmonia com sua justiça e até o dia final

do julgamento temperada com misericórdia.

II. A IRA DOS DEUSES

A ira dos deuses é o fundamento de todas as religiões pagãs, em todas as épocas e

lugares.

1. Aspectos Históricos

(1) A ira dos deuses tem sido tão vividamente apresentada à consciência de todos os

povos, ao ponto que cada culto pagão pode ser entendido como um esforço para

antecipar-se a ou suavizar a ira dos deuses.


260

(2) A ira dos deuses, retratada no próprio nome de alguns deles, como é o caso de

Fúrias, mostra que ira é sua natureza. Cícero chegou a afirmar que todas as escolas

filosóficas têm em comum o conceito de que a divindade tem liberdade para se

enraivecer.

(3) A ira dos deuses, segundo a compreensão pagã, era direcionada de modo a atingir a

outros deuses ou aos homens e, em ambos os casos, era uma forma de auto-

afirmação e protesto.

(4) A ira dos deuses, segundo o entendimento dos romanos, caía especificamente sobre

os ímpios, aqueles que desrespeitam os deuses.

(5) A ira dos deuses era vista como diretamente relacionada à situação do governo. A

estabilidade do estado e do governo residia essencialmente sobre a religião, de

modo que os eventos desastrosos na vida política e histórica, como dissensões

internas, lutas de classes, guerra civil e rebelião (além das doenças e dores ao

homem particular) eram vistos como relacionados à ira dos deuses, motivada

especialmente pela culpa religiosa e a negligência às cerimônias.

(6) A ira dos deuses, entretanto, podia ser contrabalançada e, às vezes, removida

através de ações cúlticas tais como orações, votos, sacrifícios e ritos de expiação.

(7) A ira dos deuses foi descrita na mitologia pagã do Oriente Médio como um tipo de

paixão maliciosa e descontrolada, que frequentemente caracterizava uma

personalidade implacável.

(8) A ira dos deuses é um tema que demonstra ter havido vários deuses, de várias

categorias e graus de poder, de temperamento inconstante, cheios de caprichos, que

se rivalizavam, e se ofendiam e se irritavam por qualquer motivo contra os homens,

dificultando-lhes a existência. Os seres humanos, por sua vez, precisavam,


261

periodicamente, negociar com eles e aplacar-lhes a ira, o que era feito mediante

dádivas custosas, incluindo, algumas vezes, o sacrifício humano.

(9) A ira dos deuses também é exposta em textos pagãos orientados historicamente (e

não mitologicamente), que a retratam como um tipo de pathos (paixão, tristeza),

legitimamente ocasionada por ofensas humanas contra a justa vontade daqueles

deuses. Nesses textos as transgressões humanas que tendem a provocar uma ira

legítima dos deuses são:

a. O desdém para com o templo do deus;

b. A violação de um juramento solene;

c. A transgressão de alguma das exigências fundamentais da vida, da moralidade, ou

da lei.

(10) A ira dos deuses, nesses casos, não era uma ira cega, pois visava a colocar limites

e a restaurar a ordem.

2. Aspectos Marcantes na Comparação com a Ira de Deus:

(1) A ira de Deus, como apresentada na Bíblia – assim como a ira dos deuses,

conforme o relato da literatura pagã – tem como causa comum o desprezo

manifestado para com a divindade e a busca de uma vida independente dela.

(2) A ira de Deus, todavia, não é caprichosa nem possui aquelas qualidades antiéticas

tão comuns nos relatos da ira dos deuses pagãos.

(3) A ira de Deus, segundo as Escrituras, é aplacada por iniciativa do próprio Deus, que

realizou a conciliação. Diferentemente, no pensamento pagão, a ira dos deuses,

frequentemente manifestada contra os homens, podia ser aplacada e sua boa

vontade assegurada por iniciativa do ofensor, que ofertava um sacrifício

conciliatório.
262

(4) A ira de Deus contra Israel podia ser temperada com compaixão e amor. Is 54:7-8

(Êx 32:12-14; Os 11:8-9; Mq 7:18). Deus é visto como tendo o desejo de restringir

Sua própria ira; enquanto que a ira dos deuses do antigo Oriente Médio precisava

ser, com frequência, restringida pela intervenção de outros deuses.

CONCLUSÃO

1. A comparação da ira de Deus, tanto com a ira humana quanto com a ira dos deuses da

mitologia pagã, demonstrou que a ira divina não inclui muitos dos aspectos negativos

tão comuns a estas. Antes, ela é sempre seu desprazer e reação contra o mal.

Inteiramente previsível, coerente, constante e imutável, em perfeita harmonia com Sua

justiça e santidade, e, até o dia final do julgamento, temperada com misericórdia, a ira

de Deus busca, de uma maneira adequada, preservar a ordem e promover a paz.

2. Embora seja um fato que o Deus da Bíblia, por um lado, também se ira contra aqueles

que transgridem Suas leis e busca manter a ordem do universo aplicando o devido

castigo, por outro, Ele é retratado como mesclando Sua ira com compaixão e amor e

mesmo tendo a iniciativa de restringi-la e de promover a reconciliação.

3. Vamos, portanto, com a bênção de Deus, abandonar toda ira egoísta, maligna, irracional

e vingativa que queira se instalar em nosso coração e aceitar Seu amor e Sua obra de

reconciliação conosco.
263

Esboço 4: Causas da Ira de Deus

INTRODUÇÃO

1. As Escrituras estão repletas de informações a respeito da ira divina.

2. No AT, patriarcas, reis e profetas a descreveram. Uma análise de suas narrativas e

profecias torna evidente o que a causava. Na maioria dos casos, esta ira é causada por

ações humanas que violavam a aliança. Noutras vezes, o motivo é a desumanidade do

homem para com os semelhantes.

3. No NT, a causa básica da ira de Deus é o pecado.

ARGUMENTAÇÃO

I. A QUEBRA DA ALIANÇA

1. Aliança era um procedimento comum nos tempos bíblicos. Documentos na forma de

tabletes revelam que no Oriente Médio, nos dias do antigo Israel, eram comuns dois

tipos principais de tratados internacionais.

(1) Havia aliança entre iguais, com obrigações idênticas de ambas as partes.

(2) Havia aliança entre um superior e um inferior, como o que acontecia entre um

suserano e um vassalo.

a. Os tratados hititas – feitos com uma nação inferior – continham, entre outros

itens, um prólogo histórico que relembrava o relacionamento já ocorrido entre as

partes, destacando a bondade manifestada pelo superior para com o inferior, e

dando assim motivo para este ser grato e obediente aquele.


264

b. Outros tratados, feitos entre um suserano e um vassalo, também continham um

procedimento básico que indicava a penalidade que ocorreria se a parte inferior

se negasse a cumprir o que fora estipulado pela parte superior.

2. Aliança era um procedimento encontrado pelo mundo antigo para formar

relacionamentos mais amplos que garantissem uma maior segurança, e proveu o

contexto cultural em que a aliança entre Deus e Israel foi formulada.

3. A aliança feita no Sinai – embora fosse singular, no sentido de que não ocorreu com

nenhuma outra nação e colocasse Israel num relacionamento especial com Deus –

corresponde ao padrão desse tipo de tratado: entre um superior e um inferior.

4. A aliança feita no Sinai ocorrera por iniciativa divina, como um ato de graça soberana

(ver Dt 4:13ss.; 29:13), com um povo que Ele mesmo redimira (Dt 13:5; 21:8) e

estipulava, por um lado, que Deus adotara Israel como Seu povo e que por isso o

protegeria e abençoaria ricamente e, por outro, que Israel Lhe seria santo (Lv 19:2;

11:44; 20:7, 26) e obediente (ver Êx 20-24).

(1) Se os israelitas cumprissem com sua parte, gozariam do favor e das bênçãos de

Deus (Dt 7:12-24; 28:1-13).

(2) Se os israelitas falhassem receberiam as maldições (Dt 28:15-68) e a ira de Deus

(Dt 6:10-19).

6. A aliança de Deus com Israel está intimamente vinculada ao tema da ira de Deus. É

teologicamente significativo que, no AT, sempre que um termo para ira é conectado

com um nome para a divindade, é empregado Yahweh, o Deus da aliança (Êx 32:1-10;

Dt 11:16-17; 2Re 24:2), demonstrando assim a íntima associação entre a ira de Deus e

a histórica aliança de fé de Israel (Am 3:2).


265

7. A aliança de Deus com Israel, incluindo sua eleição e guia, apresenta o pano de fundo

contra o qual a ira de Deus no AT deve ser compreendida (Am 2:9-11; 3:2; Os 11:3ss.;

Is 1:2). Isto implica em algumas verdades:

(1) Quando alguém violava a lei dentro da nação, de modo coletivo ou individual (Dt

29:27; Jz 2:20; Js 23:16; Ed 9:14), provocava a ira de Deus (Ez 5:13; Os 5:10; Is

9:8-10). Isso era especialmente verdade quando o povo seguia após outros deuses.

Jz 2:13-14 (Êx 32; Nm 25; Dt 2:15; 4:25; 1Re 11:9; etc.).

(2) Quando alguma outra nação oprimia Israel, incorria na ira de Deus. Ob 1 e 10 (Is

10:5ss.; Jr 50:11-17).

(3) Quando havia falha em cumprir suas obrigações, isso se constituía na mais

importante razão para a manifestação da ira de Deus. Dt 29:24-28. (2Re 22:13; 2Cr

34:1; Ez 20:13, 21). Como regra, esta ira era uma reação divina à ingratidão e

incredulidade de Israel, que não fora fiel à aliança e, portanto, Deus – que queria

manifestar amor ao seu povo (Os 1:9) – aparecia como um Deus irado (Mq 7:9; Ed

8:22).

(4) Quando os profetas que viveram antes do exílio proclamaram sua mensagem, a ira

de Deus foi seu tema central, embora nem todos usassem o termo ira.

a. Os profetas combatiam o falso senso de segurança que o povo tinha contra a ira e

o julgamento, com destaque para Jeremias e Ezequiel.

b. Os profetas combatiam o culto sincretista (Is 1:10-17; Jr 6:20; Os 6:6; Am 5:21-

27), a injustiça social (Is 1:15-17; Js 5:28; Am 5:7, 10-12; Mq 3:1), a política que

trata de armamentos e alianças (Is 30: 1-5; Jr 2:35-37; Ez 16:26) e a adoração de

outros deuses, mas, em tudo isso, a questão fundamental era que o povo tinha
266

abandonado seu Deus, desprezado Seu amor e quebrado Sua aliança, e por isso,

merecia a ira divina.

8. A aliança de Deus com Israel, quando quebrada, expõe a mais profunda raiz do

conceito de ira, e nesta luz podemos compreender a esmagadora força da mensagem. É

o amor ferido de Deus que desperta Sua ira. O Senhor sente-Se enciumado e zeloso por

causa da atitude de Israel, Sua esposa, e isto encontra expressão na ira (Dt 32:20; Sl

78:58; 79:5; Ez 16; 23).

9. A aliança de Deus com Israel também implica em Seu zelo por Seu povo. Assim,

quando este é ameaçado por outras nações, Ele Se posiciona como um amante esposo

para destruir estas nações e salvar Seu povo. Is 42:13; 59:17 (63:15; Zc 1:14 ss; 8:2 ss;

Na 1:2).

II. A DESUMANIDADE

Ainda no AT, vê-se a ira de Deus sobre as nações por outros motivos, que podem

ser classificados como desumanidade.

1. A profecia de Amós pronuncia julgamento sobre as nações da Palestina. Enquanto que

Israel e Judá seriam castigados por pecarem contra a vontade revelada de Deus, as

outras nações seriam punidas pelos pecados cometidos contra uma lei moral, universal,

não escrita, mas amplamente admitida e evidenciada na natureza, na consciência e no

sentimento natural. Am 1:3-2:3.

2. A profecia de Amós denuncia pecados que são, todos, atos de desumanidade (para com

qualquer ser humano e não apenas contra os israelitas), considerados perversos

segundo os padrões daqueles dias. Mesmo quando a guerra fosse considerada

necessária, ela devia ter seus limites.


267

III. O PECADO

1. O pecado, na abordagem do NT, é a causa básica da ira divina. Rm 1:18. Mas, o que é

pecado? É qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, mas é mais do que isso,

porque a lei pode não incorporar tudo que o caráter de Deus é.

2. Pecado é tudo aquilo que contradiga o caráter de Deus, é uma oposição a Deus, é a

quebra do relacionamento pessoal com Deus.

(1) O pecado é uma ação.

(2) O pecado é, também, um estado da vontade e condição pessoal que se opõe a Deus

e à vontade de Deus, de modo que se não houvesse Deus nem a possibilidade de

uma relação Ele, não poderia existir pecado.

3. Pecado, no sentido mais fundamental, é asebeia (impiedade) e abrange uma grande

diversidade da dinâmica humana de modo que o pecador vive como se Deus não

existisse, recusando assim a relacionar-se corretamente com Ele. Ou, como Paulo

descreveu, “tudo que não procede da fé é pecado” (Rm 14.23).

4. Pecado é uma realidade que abrange não apenas a relação Deus-ser humano, mas

também o relacionamento do homem com o resto da humanidade, o que pode ser visto

claramente no Decálogo e na denúncia da injustiça por parte dos profetas.

5. Os pecados, desse modo, podem ser classificados como pecados religiosos ou ofensas

morais.

(1) Os pecados religiosos, envolvem negligência e rebelião contra Deus (asebeia –

impiedade).

(2) As ofensas morais abarcam toda espécie de desvio de conduta e são,

consequentemente, contra os homens (adikia – injustiça). Os pecados contra os

homens derivam dos pecados contra Deus.


268

6. O pecado não é inconsequente, antes tem resultados definidos, que mais cedo ou mais

tarde acabam aparecendo. Rm 6:23; 12:19.

7. O pecado, por ser uma violação da ordem moral estabelecida por Deus e repudiar Sua

luz, Sua lei e Seu amor, é destrutivo; é como um câncer moral e espiritual que devora

pouco a pouco a alma do homem, impedindo-o de se tornar o que Deus planejou que

ele fosse.

8. O pecado é o veneno da morte que, sem o adequado tratamento, que apenas o céu pode

aplicar, resultará na eterna separação de Deus.

9. O pecado implica em morte. Essa foi a primeira lição que Deus quis ensinar a Seu povo

através do sistema sacrifical. Pecado e morte se encontram inseparavelmente unidos.

10. O pecado, por ser o que é e por suas maléficas consequências, não traz nenhum prazer

a Deus (Rm 8:3; 1Jo 1:5; 3:5; 3Jo 11), nem pode ser por Ele aprovado, encorajado (Tg

1:13-14), ou tolerado indefinidamente.

11. O pecado sempre provoca a oposição de Deus e desperta Sua ira. Como disse

Agostinho, “a ira de Deus não é uma perturbação de seu espírito, senão um juízo pelo

qual o castigo é pronunciado sobre o pecado”. É Sua atitude de desprazer frente ao

pecado e ao mal e Seu firme ódio contra ele. É Sua declarada determinação de punir o

pecado em todas as suas formas.

12. O pecado atrai a ira de Deus, que inclui Seu desprazer, Sua forte resistência e também

Seu ataque judicial. Essa reação divina se origina não apenas em Sua escolha, mas em

Sua própria natureza e, de acordo com o apóstolo Paulo, é revelada contra todas as

deficiências na esfera religiosa e na esfera moral (Rm 1:18).


269

CONCLUSÃO

1. Como vimos, por meio do Estudo das Sagradas Escrituras, é o pecado em suas várias

formas – incluindo a quebra da aliança com Deus e a desumanidade do homem para

com os seus semelhantes – que atrai a ira de Deus.

2. Entretanto, isso não é tudo sobre a ira divina:

(1) Porque ela não vem sobre os homens sem que estes sejam previamente advertidos

(Êx 22:23-24; 32:10; Dt 6;13 e ss.).

(2) Porque ela pode durar apenas um momento (Sl 30:6; Is 26;20; 54;7-8).

(3) Porque algumas vezes, por detrás dela já se percebe um vislumbre de esperança

(2Sm 24:16; Is 40:2; 51:22; 54:8-10; Os 14:4) e, se o homem se humilhar e voltar-se

para Deus, então a ira terá cumprido sua missão, efetuando a restauração.

3. Vamos, portanto, apegar-nos a Deus, fazendo dEle o centro de nossa vida, buscando

conhecê-Lo e amá-Lo mais e mais, procurando viver uma vida que O agrade e odiando

o pecado e o mal em todas as sua formas.


270

Esboço 5: O Abandono do Homem é uma Forma da Ira de Deus

INTRODUÇÃO

Rm 1:18-32. Os últimos versículos do primeiro capítulo de Romanos descrevem a

humanidade abandonada por Deus e a cena é terrível. Depois de discorrer sobre a

impiedade e perversão dos homens em seu sucessivo afastamento de Deus, e sua recusa de

responder positivamente à revelação de Deus, deificando a razão humana e chegando à

loucura da mais corrupta forma de práticas idolátricas, o apóstolo por três vezes emprega a

expressão “Deus os entregou”. Esta entrega ou abandono é uma forma de ira. Estudemos

agora o significado desse abandono e como evitá-lo.

ARGUMENTAÇÃO

I. DEUS ABANDONA O DESOBEDIENTE CONTUMAZ

O abandono de Deus não originou a condição moral dos desobedientes, pois esta

condição já existia. Não deslizaram por este caminho porque Deus os abandonou ou os

induziu ao pecado, antes Deus os deixou ir sem freio pelo caminho em que já se

encontravam.

1. A natureza do abandono.

Os eruditos se dividem quanto à natureza deste abandono:

(1) O abandono é consequência natural da vida de desobediência:

a. Esse abandono, embora destaque o aspecto judicial do processo, significa que a

punição do pecado não ocorre por qualquer intervenção direta pela qual Deus

disciplina os ofensores, mas é uma consequência que naturalmente acompanha


271

uma vida de desobediência. É o caminho em que as leis de um universo moral

operam.

b. Esse abandono consiste simplesmente na permissão para que a humanidade siga

seu próprio caminho. Portanto, a punição do pecado é o próprio pecado.

c. Esse abandono significa que Deus nos entrega a nossos próprios desejos e nos

permite controlar nosso próprio destino de modo que liberdade para fazermos o

que queremos é a punição de uma rebelião contra Deus.

(2) O abandono é judicial e punitivo:

a. Não é apenas permissivo, no sentido que Deus permitiu ou retirou Sua graça.

b. É uma solene intervenção da justiça de Deus na história da humanidade.

c. É o primeiro estágio no exercício de uma atividade punitiva positiva para a

ignorância culpada e a perversidade intencional, que resultará finalmente no

abandono do homem ao julgamento da morte (Rm 6:23; Jo 3:36), quando Deus

empregar atos específicos de juízo, como os que ocorreram no Dilúvio e em

Sodoma.

2. O efeito do abandono.

(1) O abandono resulta numa disposição mental reprovável, em que as distinções entre

o bem e o mal são confusas ou perdidas. Desse modo, pecado gera pecado, e trevas

de mente aprofundam as trevas, o que endurece os homens.

(2) O abandono resulta no homem descambando para a tolice indescritível da idolatria.

(3) O abandono resulta no deplorável amor próprio. Permite que os rebeldes sigam

desembaraçadamente pelo seu caminho descendente, sem freio, sem qualquer

intervenção divina, até os mais terríveis graus de depravação.


272

(4) O abandono resulta numa sociedade que despreza as pessoas e que destrói a si

mesma.

(5) O abandono resulta na degradação da imagem de Deus e na perda da dignidade.

II. DEUS NÃO ABANDONA SEUS FILHOS.

1. Deus nunca abandona os homens – é o que alguns imaginam, e a razão de pensarem

assim é por não compreenderem o significado da santidade, da justiça e do amor de

Deus. Na verdade, ele nunca abandona aquele que aceita a Cristo como Seu salvador

(2Tm 2:13).

2. Deus é o criador de todos os homens e todos podem escolher ser Seus filhos, mas Ele é

pai somente daqueles que nasceram de novo pela fé em Cristo. As desobediências

isoladas destes são tratadas de outra maneira, com o castigo e disciplina do amor

paterno (Hb 12: 5-13).

CONCLUSÃO

1. É digno de nota que se Paulo não tivesse declarado que estas coisas são sinais da ira,

nós as interpretaríamos como sinais da graça, porque esta visitação de Sua ira consiste

em permitir que a humanidade siga seu próprio caminho (At 7:42; 14:16).

2. Esta ação divina de entregar o homem ao seu próprio pecado não é aqui um abandono

eterno, pois, enquanto a vida segue, Deus em sua graça provê oportunidades para a

salvação.

3. Escrevendo aos coríntios, depois de apresentar uma lista de pecados semelhantes à de

Rm 1:29-31, Paulo menciona que alguns deles haviam vivido daquele modo e, todavia,

Deus os transformara. 1Co 6:11.


273

4. Devemos, portanto, pela graça de Cristo, desvencilhar-nos de todo pecado e

permanecer unidos a Cristo.


274

Esboço 6: Instrumentos da Ira de Deus

INTRODUÇÃO

1. A ira de Deus é manifestada através de justos juízos.

2. A ira de Deus é manifestada através de variados instrumentos, tais como anjos, homens,

forças da natureza, pragas, doenças e acidentes. Deus é soberano e tem todo o universo

à sua disposição para cumprir sua vontade.

ARGUMENTAÇÃO

I. OS ANJOS

Uma leitura atenta das Escrituras Sagradas revela que Deus emprega como agentes

de Sua ira tanto os anjos que Lhe são sempre leais como aqueles que se rebelaram contra

Ele.

1. Os anjos da luz

(1) Os anjos de Deus trabalham em favor dos homens. Hb 1:14. Eles trazem revelações

ou orientações específicas, animam, confortam, cuidam e protegem.

(2) Os anjos de Deus exercem um poder destruidor quando Deus ordena. Isso pode ser

percebido nos muitos exemplos encontrados nas Escrituras. Relembremos alguns

deles:

a. Os viajores que visitaram a Abraão (Gn 18) eram anjos e ministros da ira, que se

dirigiam a Sodoma com a finalidade de destruí-la (Gn 19).

b. Na décima praga contra o Egito, um único anjo destruiu todos os primogênitos

dos egípcios. Êx 12:29-30.


275

c. Durante o reinado de Ezequias, por ocasião da invasão dos assírios que

comandados por Senaqueribe afrontaram e blasfemaram de Deus, o juízo divino

veio por meio de um anjo. 2Re 19:35.

d. Nos dias da igreja primitiva, um anjo foi o mensageiro da ira e juízo a Herodes,

trazendo sobre ele o castigo do Todo-poderoso. At 12:20-23.

e. Nos eventos escatológicos que ocorrerão por ocasião do derramamento das sete

últimas pragas, são os anjos de Deus que executarão seus juízos. Ap 15:1; 16:1-

21.

2. Os anjos das trevas

(1) Os anjos de Satanás trabalham contra os homens. Ef 6:12; 1Pe 5:8.

(2) Os anjos de Satanás podem agir, em algumas situações, como executores dos juízos

de Deus.

a. Isto não significa que haja uma espécie de parceria entre Deus e Satanás ou que

este preste algum tipo de obediência a Deus.

b. Isto ocorre, por exemplo, quando o pecador, por sua contumácia no pecado,

ultrapassa os limites da misericórdia, de modo que Deus Se afasta dele e não

mais interfere em sua vida, deixando-o seguir seu próprio caminho, entregue à

sua própria sorte.

c. Isto ocorre porque, nesse caso, Satanás, cuja índole é causar aflição a quem puder,

tem amplo espaço para agir a seu bel-prazer e, fatalmente, tal indivíduo é

mergulhado num mundo de sofrimento e desespero e o que lhe sucede também é

considerado como juízo de Deus.

d. Isto foi o que ocorreu por ocasião da destruição de Jerusalém, no ano 70 de nossa

era, conforme fora predito por Cristo (Mt 24 e Lc 21). Depois de poupar a cidade
276

por quase 40 anos, como persistissem em rejeitar a misericórdia divina,

completaram a medida de seus pecados, afastou Deus então deles a proteção,

retirando o poder com que restringia Satanás e seus anjos, de maneira que a

nação ficou sob o controle do chefe que haviam escolhido. A partir daquele

momento, tudo que aconteceu à cidade foi por vontade e ação de Satanás. Como

consequência, houve saques, torturas, dissensões internas, combate dos exércitos

estrangeiros, fome, peste e muito derramamento de sangue. Assim, como

escreveu Ellen White, “as horríveis crueldades executadas na destruição de

Jerusalém são uma demonstração do poder vingador de Satanás sobre os que se

rendem ao seu controle” [Ellen White, O grande conflito, 35]. Todas essas

desgraças são classificadas como juízos de Deus.

e. Isso ocorrerá após Cristo completar Sua obra de intercessão pelos homens e sair

do santuário celestial. O Espírito de Deus, persistentemente resistido, será, por

fim, retirado. Desabrigados da graça divina, os ímpios não terão proteção contra

o maligno. Satanás mergulhará então os habitantes da Terra em uma grande

angústia final. Isso será o sopro dos “quatro ventos” que representam as forças

demoníacas que, em sua fúria, desejam arruinar a humanidade e que hoje são

limitados pelos anjos de Deus. Ap 7:1-3.

II. OS HOMENS

Em diferentes ocasiões, Deus também Se valeu de homens como executores de Seus

juízos. Podia ser um indivíduo ou uma coletividade. Alguns deles eram Seus inimigos

enquanto que outros eram de Seu povo. Alguns sabiam que estavam cumprindo um juízo

divino, enquanto que outros não. Todos, porém, a seu tempo, realizaram o propósito divino.
277

1. Um Indivíduo como Executor da Ira de Deus

O sacerdote Finéias executou o juízo divino contra alguns participantes da idolatria

e orgia ocorrida em Baal-Peor e, como resultado, foi honrado perante todo o Israel, e o

sacerdócio foi confirmado a ele e sua casa para sempre. Nm 25:6-13.

2. Grupos de Indivíduos como Executores da Ira de Deus

Dentro do povo de Israel, em diferentes momentos de sua história, houve grupos de

indivíduos a quem Deus utilizou como instrumentos de Sua ira contra a rebeldia.

(1) Logo após a saída de Israel do Egito, quando o povo se afastou dos caminhos de

Deus, no episódio da adoração do bezerro de ouro, os levitas, que não haviam

participado da idolatria, destruíram, por ordem divina, aqueles que persistiam em

sua rebelião (Êx 32:1-29).

(2) Posteriormente, em Baal-Peor, logo após a ação de Finéias, Deus ordenou que os

líderes desta apostasia fossem mortos pelos magistrados e esta ordem foi

prontamente obedecida (Nm 25:1-5).

3. Israel como Executor da Ira de Deus

Nas narrativas bíblicas encontramos diversas situações em que Deus empregou o

povo de Israel para executar Sua ira contra as nações.

(1) Israel destruiu os midianitas (Nm 31:1-18).

(2) Israel destruiu muitas nações que habitavam em Canaã. Dt 7:1-2.

(3) Israel deveria destruiu totalmente os amalequitas (1Sm 15:2-3; cf. Dt 25:17-19).

4. As Nações Pagãs como Executoras da Ira de Deus

De todos os agentes humanos da ira de Deus no AT, as nações são apresentadas

como os mais poderosos. Elas foram empregadas para castigar outras nações pagãs (Is
278

13:1-5, 16-19; 20:1, 4; 23:13-15; 36:18-20; 37:8-13 cf. 37:21-27), mas também, muitas

vezes, para punir o próprio povo de Israel por sua infidelidade.

(1) A Assíria foi o instrumento de que Deus Se serviu para castigar Israel. Is 10:5;

7:17-20.

(2) Babilônia foi o instrumento de que Deus Se serviu para castigar Judá. 2Cr 36:17-21

(Sl 106:40-41; Lm 2).

III. A NATUREZA

Com muita frequência, Deus tem usado os elementos da natureza e, em alguns

casos, até os animais para mostrar Seu desagrado com o pecado.

1. Elementos da Natureza

Deus é o criador da natureza e a tem usado para cumprir Seus propósitos, incluindo

a punição dos que sistematicamente Se rebelam contra Ele.

(1) Deus usou a água para destruir os antediluvianos (Gn 6-7).

(2) Deus usou o fogo para destruir Sodoma e as demais cidades do vale de Sidim (Gn

18:16-19:29).

(3) Deus usou as pragas para arruinar o Egito.

a. Houve a transformação de águas em sangue (Êx 7:20-21).

b. Houve uma chuva de pedras misturada com fogo (Êx 9:22-25).

c. Houve trevas espessas (Êx 10:21-23).

(4) Deus usou a terra que se abriu e tragou Coré, Datã e Abirão, os chefes de uma

rebelião (Nm 16:1-35).

(5) Deus usou uma grande seca que se abateu sobre Israel durante três anos e meio, nos

dias de sua apostasia (1Re 17:1, 7; Tg 5:17).


279

(6) Deus usará os elementos da natureza nas sete últimas pragas que incidirão sobre os

ímpios para puni-los.

a. Haverá a transformação de águas em sangue. Ap 16:3-4.

b. Haverá uma intensidade de calor provocada pelo sol. Ap 16:8-9.

c. Haverá trevas. Ap 16:10.

d. Haverá um terremoto como nunca houve acompanhado de uma grande saraivada

formada por enormes pedras. Ap 16:17-21.

2. Animais

Algumas vezes Deus usou os animais para efetuarem o Seu juízo.

(1) Em quatro das pragas que vieram sobre o Egito, Ele empregou pequenos seres do

reino animal, que, sendo muito numerosos, causaram grande desconforto e graves

prejuízos:

a. Rãs (Êx 8:5-6).

b. Piolhos (Êx 8:16-17).

c. Moscas (Êx 8:24).

d. Gafanhotos (Êx 10:13-15).

(2) Os israelitas, em Sua peregrinação, sofreram um juízo por meio de serpentes

abrasadoras, que mordiam o povo; e morreram muitos do povo de Israel. Nm 21:6.

(3) Os cananeus foram punidos por meio de vespões. Êx 23:28; Js 24:12.

(4) Os estrangeiros trazidos pelo rei da Assíria para que habitassem nas cidades de

Samaria, em lugar dos filhos de Israel, foram punidos por meio de leões, os quais

mataram a alguns do povo. 2 Rs 17:24-25.

(5) Uns rapazinhos que zombaram do profeta Eliseu foram despedaçados por duas

ursas (1Re 2:23-24).


280

IV. DOENÇAS E PESTILÊNCIAS

A ira de Deus tem-se manifestado também por meio de doenças e pestilências.

1. A sexta praga sobre o Egito consistiu em “úlceras nos homens e nos animais”. Êx 9:10.

2. Na rebelião liderada por Coré, depois da destruição daqueles que haviam liderado a

conspiração, os filhos de Israel acusaram Moisés e Arão de terem matado o povo do

Senhor (Nm 16:41). Como resultado, sofreram a ira de Deus na forma de uma praga

que dizimou a quatorze mil e setecentos deles (vs. 42-50).

3. Posteriormente, porque os israelitas participaram do culto licencioso aos deuses pagãos,

junto a Baal-Peor, “acendeu-se a ira de Deus” e uma pestilência terrível irrompeu no

arraial, vitimando a dezenas de milhares. Nm 25:1-3, 9.

4. Deus também utilizou algumas vezes as doenças, especialmente a lepra. Embora

adquirir a lepra não seja necessariamente uma indicação de que seu portador esteja

recebendo um juízo divino, houve pelo menos três personagens bíblicos que ficaram

leprosos por essa razão:

(1) Miriã, a irmã de Moisés (Nm 12:1-10).

(2) Geazi, o servo do profeta Eliseu (2 Rs 5:9-27).

(3) Uzias, rei de Judá. 2Cr 26:16-21.

Talvez essa fosse a razão de os judeus, nos dias de Cristo, considerarem a lepra

como a mais temida das doenças, um juízo sobre o pecado, e a chamassem de “o açoite”, “o

dedo de Deus” [Ellen White, O desejado de todas as nações, 262].

5. A primeira das sete pragas que incidirão sobre os ímpios no final dos tempos será de

“úlceras malignas e perniciosas”. Ap 16:1-2.


281

V. ACIDENTES

Alguns acidentes podem também ser vistos como juízos de Deus, embora nem

sempre haja uma revelação específica que indique se ocorrem por uma ação divina direta

ou apenas como um resultado do afastamento por parte de Deus.

1. Nos escritos de bíblicos encontramos o caso do rei Acazias, filho de Acabe. Ele fez o

que era mau perante o Senhor, serviu a Baal, e o adorou, e provocou à ira ao Senhor. E

caiu Acazias pelas grades de um quarto alto, em Samaria, e adoeceu, vindo em

consequência a falecer vítima da ira de Deus contra ele (1Re 22:53–2Re 1:4,17).

2. Nos escritos de Ellen White encontramos a informação de que a ira de Deus igualmente

pode ser percebida em alguns acidentes na terra e no mar, nos episódios em que

edifícios suntuosos se transformam em cinzas, navios são tragados pelo oceano [Ellen

White, Maranata – o Senhor vem!, 173] e nos desastres de estradas de ferro [Ellen

White, Mensagens aos jovens, 90].

CONCLUSÃO

1. Por ser o Criador e soberano do universo, Deus tem a sua disposição todos os recursos.

2. Ele os emprega segundo Lhe apraz, para cumprir Seus propósitos.

(1) Frequentemente esses recursos são utilizados para abençoar e salvar Suas criaturas.

(2) Todavia, conforme vimos em nosso estudo das Escrituras, há ocasiões em Ele Se

vale deles para castigar e punir.

3. Não nos rebelemos contra Deus. Isso não é compensador. Antes, sigamos no caminho

da obediência a Sua vontade.


282

Esboço 7: O Tempo da Ira de Deus

INTRODUÇÃO

1. As Escrituras Sagradas revelam como a ira divina pode estar presente no dia a dia das

pessoas e como se manifestará no futuro, quando Deus pôr fim à história do pecado.

2. As Escrituras Sagradas também mostram como podemos ser libertos dessa ira.

ARGUMENTAÇÃO

I. A IRA DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO

1. A ira de Deus, nos primórdios de Israel, era concebida como a operação de um ato

individual de punição, algo transitório, enquanto que Seu amor e justiça eram tidos

como permanentes. Ne 9:16-17.

2. A ira de Deus é endereçada ao pecador cada dia. Sl 7:11. Embora o presente dia seja de

paciência e tolerância para com os pecados, cada dia é um dia de ira para os pecadores.

3. A ira de Deus exercia um papel sobre a completa vida humana. Sl 90:2-11. Como

consta na literatura sapiencial: “[...] o caminho dos pérfidos é intransitável” (Pv 13:15).

E foi Deus quem determinou que fosse assim.

4. A ira de Deus podia se manifestar no que era conhecido como “o dia do Senhor”.

(1) A expressão “o dia do Senhor”, como empregada nos profetas, era, em primeiro

lugar, uma referência ao presente dia de julgamento na história, quando Deus

intervinha para punir o pecado que havia chegado ao seu clímax.

(2) A expressão “o dia do Senhor”, entretanto, tinha uma conotação escatológica,

apontando também para os eventos finais da história humana, com a vinda do

Senhor e o juízo final.


283

5. A ira de Deus podia ser desviada mediante os diferentes rituais para a expiação do

pecado e da culpa – onde o sangue dos sacrifícios era interposto entre Deus e o

pecador. Nm 18:5.

II. A IRA DE DEUS NO NOVO TESTAMENTO

1. A Ira de Deus é Retratada como uma Resposta ao Pecado.

(1) A ira de Deus começou com a entrada do pecado no universo e desde então

permanece sobre a raça inteira. Quando o homem cometeu o primeiro pecado, a

terra foi amaldiçoada por Deus (Rm 8:20-23; cf. Gn 3:17-19). Isto foi parte da ira de

Deus, e continua sendo.

(2) A ira de Deus começa a se manifestar no próprio instante em que se comete um ato

de pecado. O fardo da culpa, a acusação da consciência e o sentimento de remorso

são manifestações dessa ira.

(3) A ira de Deus se manifesta também mediante os sofrimentos físicos que o pecado

causa, bem como o sofrimento mental, a infelicidade, os desajustes na família, a

degeneração e o aviltamento do pecador e sua finitude. Cl 3:5-9 (Rm1:18-31; Gl

5:19-21).

(4) A ira de Deus já lança suas sombras na experiência presente. Seus juízos ainda não

são juízos totais, mas juízos dentro da história. Rm 1:18, 24, 26a, 28.

(5) A ira de Deus no presente possui um sentido pedagógico e é aplicada como que

com freios acionados, mesclada com uma profusão de paciência e longanimidade

(Rm 2:4), realizando o propósito de Deus, preservando o mundo para a revelação da

Sua justiça no evangelho (1Tm 2:4; 2Pe 3:9), com a intenção de induzir as pessoas

ao arrependimento (Ap 9:20).


284

2. A Ira de Deus é Retratada como uma Revelação. Rm 1:17-18.

(1) É uma revelação vinda dos céus. O uso do passivo denota que o próprio Deus está

revelando e o verbo é empregado de modo a que se refira a uma revelação presente

e constante.

(2) É uma revelação “contra toda impiedade e perversão dos homens” e está agora em

constante progresso.

(3) É uma revelação, por um lado associada com o evangelho, porque está sendo

revelada do mesmo modo que a justiça, diante dos nossos olhos.

(4) É uma revelação que ocorre, por outro lado, também, independentemente da

Palavra, porque em qualquer lugar, mesmo aonde o evangelho ainda não chegou, ela

se manifesta sobre as nações.

(5) É uma revelação que já ocorre no presente, na experiência daqueles que se

distanciam da verdade de Deus. De fato, a ira divina se revela na degradação que

resulta do pecado e pela universal convicção da humanidade de que o pecado é

inevitavelmente punido por sofrimento, miséria e morte.

(6) É uma revelação que prefigura a ira em sua manifestação final.

3. A Ira de Deus é Retratada através do Termo “Dia”.

(1) O termo “dia”, é empregado em diversas expressões sinônimas para referir-se à

ocasião em que Deus porá termo à história humana.

a. “O Dia de Jesus” (2Co 1:14).

b. “o Dia da ira” (Rm 2:5; Ap 6:17).

c. “O Dia do Juízo” ( Mt 11:22).

d. “O último dia” (Jo 6:39).

e. “O Dia de Deus” (2Pe 3:12).


285

f. “aquele Dia” (2Tm 1:12, 18; 4:8).

g. “o Dia” (1Co 3:13; Hb 10:25).

h. “O Dia de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 1:8).

(2) O termo “dia” não é uma referência a 24 horas, mas a um período de tempo

indeterminado, suficiente para Deus cumprir o Seu propósito.

(3) O termo “dia” é amplo o bastante para abranger todo o período que inclui o fim

desta era e a inauguração da próxima.

(4) O termo “dia” refere-se a um dia de juízo e ira para os ímpios, mas também de

redenção para os justos.

4. A ira de Deus é retratada como podendo ser impedida.

(1) A ira de Deus, como apresentada no NT, ainda é uma realidade. Como no AT, seu

juízo paira ameaçador sobre os homens (2Co 5:10) e é admissível o escape dela.

Mas, agora, há uma nova ênfase, a de que a libertação só é possível em Cristo, pois

Ele é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” Jo 1:29.

(2) A ira de Deus foi satisfeita mediante a morte de Cristo.

a. Cristo não morreu apenas como um evento na história, nem morreu por causa

própria. Ele morreu por nós. Rm 5:8 (1Ts 5:10; Rm 8:32; Ef 5:2; Gl 3:13; Mc

10:45).

b. Cristo morreu em nosso lugar e como cumprimento de uma pena, recebendo o

castigo da ira que merecíamos de modo a nos libertar desta experiência.

c. Cristo nos salva duplamente:

a) Salva do pecado – sua culpa e penalidade, seu poder e sua presença.

b) Salva da ira de Deus.


286

CONCLUSÃO

1. A ira de Deus é Sua reação e resposta ao pecado.

2. A ira de Deus se manifesta de múltiplas formas a cada dia sobre o pecador, sendo

dosada por Deus, de modo a dar tempo para que este se arrependa e volte para Ele.

3. A ira de Deus, todavia, se cumprirá plenamente por ocasião dos eventos finais, no “dia

do Senhor”, quando Cristo retornar a este mundo e executar juízo contra aqueles que se

mantiveram rebeldes. Mas este dia será também de salvação para o seu povo.

4. A ira de Deus pode ser desviada de nós, o que ocorrerá somente quando aceitarmos a

Cristo como nosso substituto e salvador, aquele que já recebeu essa ira em nosso lugar.

Portanto, aceitemo-lo como salvador do pecado e salvador da ira divina.


287

Esboço 8: Cristo – o Fiador e Alvo da Ira de Deus

INTRODUÇÃO

1. As Escrituras Sagradas apresentam o papel de Cristo em relação à ira de Deus. Isso é o

que veremos hoje, em nosso estudo.

2. As Escrituras Sagradas apresentam a Cristo tanto como fiador do homem diante da ira

divina, como aquele que a recebeu em nosso lugar.

ARGUMENTAÇÃO

I. CRISTO – O FIADOR DIANTE DA IRA DE DEUS

1. O problema: quando o homem pecou, Deus não podia abolir nem alterar Sua lei para

socorrer o homem em sua condição perdida.

2. A solução encontrada: Cristo, por ser um com Deus o Pai, igual a Ele e criador do

homem em associação com o Pai, apresentou-Se como fiador e substituto do homem,

para receber, no futuro, a ira divina em nosso lugar.

3. As consequências imediatas:

(1) Embora o homem ainda permanecesse sob a condenação, a indignação de Deus

seria contida e a execução completa da sentença de morte, postergada.

(2) Embora o homem ainda continuasse em estado decaído, havia esperança para ele. O

homem passou a ter um novo relacionamento com o Criador.

5. As provisões: os sacrifícios sobre o altar, como figuras, apontavam para a futura vinda

do cordeiro de Deus que daria Sua vida em favor do pecador e evitavam que a justa ira

de Deus caísse de pronto sobre aqueles que transgrediam sua lei.


288

6. A solução realizada: no devido tempo, segundo a graça e a misericórdia de Deus,

Cristo, como homem, substituto e fiador do pecador, tomou sobre Si, na cruz, a ira de

Deus, que por justiça deveria cair sobre o homem. Is 53:4-5, 10.

II. CRISTO – O ALVO DA IRA DE DEUS

1. O sofrimento de Cristo na morte supera a todos os outros e é a base de toda doutrina

correta e o fato central do universo. Há quatro aspectos da dor que Jesus experimentou

na cruz:

(1) A dor física e morte por crucificação, uma das mais terríveis já inventadas pelo

homem, que era bem demorada e levava à sufocação.

(2) A dor psicológica de assumir a culpa por nossos pecados, o que Lhe foi uma agonia

por ser tão contrário à Sua natureza completamente pura.

(3) A dor de ser abandonado por Deus e pelos homens, a quem sempre amara (Mt

27:46; 26:56; Jo 13:1), enfrentando sozinho os pecados colocados sobre Ele.

(4) A dor maior, a de sofrer a fúria da ira de Deus que tinha sido armazenada com

longanimidade desde o primeiro pecado no Éden.

a. A ira de Deus que Cristo suportou na cruz foi a maior demonstração da aversão

de Deus contra o pecado. Nenhum dos poderosos atos de juízo de Deus, no

passado, no presente ou no futuro oferece uma tão grande demonstração do ódio

de Deus contra o pecado como a Sua ira que foi derramada sobre Seu Filho.

b. A ira de Deus que Cristo suportou na cruz causou-Lhe grande agonia. Sobre isso

lemos nos escritos de Ellen White:

a) Na cruz Jesus suportou “nossa punição – a ira de Deus contra a transgressão”

[Ellen White, Mensagens escolhidas, 1:132].


289

b) Ali Lhe sobreveio “um senso de que Seu próprio e amado Pai O havia

abandonado” e Sua alma Se encheu de “desespero” [Ellen White,

Testemunhos seletos, 1:233].

c) “Tão grande era essa agonia, que Ele mal sentia a dor física” [Ellen White, O

desejado de todas as nações, 753].

d) “Não foi o sofrimento físico que pôs tão rápido fim à vida de Cristo na cruz.

Foi o peso esmagador dos pecados do mundo, e o senso da ira de Seu Pai”

[Ellen White, Testemunhos seletos, 1:228].

e) “Cristo sentiu muito semelhantemente ao que os pecadores hão de sentir

quando os cálices da ira de Deus forem derramados sobre eles. Negro

desespero, como um manto, adensar-se-á em torno de suas almas culpadas”

[ibid., 1:229].

c. A ira de Deus que Cristo suportou na cruz é o coração da doutrina da expiação.

Isso fica evidente também pelo uso da expressão “propiciação” (Hb 2:17; 1Jo 2:2;

4:10) que se refere ao sacrifício que afasta a ira de Deus – e dessa forma torna

Deus propício (ou favorável) a nós.

d. A ira de Deus que Cristo suportou na cruz veio sobre Ele em sua plenitude.

a) Ele só pode suportá-la por causa da união, em Sua pessoa, das naturezas divina

e humana. O que Ele suportou nenhum ser humano jamais seria capaz de

sofrer.

b) Ele soube que a havia recebido por completo e então exclamou: “Está

consumado” (Jo 19:30).


290

e. A ira de Deus que Cristo suportou na cruz foi o pagamento integral por nossos

pecados e, “agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo

Jesus” (Rm 8:1). Assim, o cristão não teme nem a condenação, nem o castigo.

2. O sofrimento de Cristo na morte foi uma punição no mais próprio sentido. O texto de Is

53 apresenta claramente a idéia de punição, com expressões pertinentes tanto em

relação com a pessoa que pune como com a que é punida. Is 53.

(1) Quanto a Deus, que puniu, é dito: “o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós

todos” (v.6) e “ao senhor, agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua

alma como oferta pelo pecado” (v.10).

(2) Quanto a Cristo, que é punido, lemos: “as iniquidades deles levará sobre si” (v.11).

Mas qual foi o objetivo da punição de Cristo?

a. Não foi para Sua própria correção, porque é dito que Ele “nunca fez injustiça,

nem dolo algum se achou em sua boca” (v.9).

b. Não foi para Sua própria instrução na vontade de Deus, porque o início da

profecia menciona que Ele “procederá com prudência; será exaltado” (52:13).

Embora tenha aprendido pelos sofrimentos pelos quais passou (Hb 5:8), Ele já

estava preparado, quanto à vontade de Deus, antes das aflições da cruz.

c. Não foi para que servisse de exemplo para os outros, para instrução dos outros,

porque Ele próprio nunca pecou (Hb 4:15). Ele foi um exemplo em Sua

obediência, mas não em Sua punição.

d. Nem foi um sofrimento para manter o testemunho e testemunhar a verdade. Não

há nenhuma indicação disso na profecia.

e. Foi por causa de “nossas transgressões”, “nossas iniquidades” e “o pecado de

muitos” (vs. 5, 6 e 12).


291

CONCLUSÃO

1. Cristo, desde o início, quando o homem pecou, apresentou-Se para ser o fiador e

substituto do homem, para receber, no futuro, no devido tempo, a ira divina em nosso

lugar.

2. Cristo, na cruz, recebeu a completa ira de Deus, a punição que era nossa. Ali ocorreu o

pagamento integral por nossos pecados.

3. Cristo, na cruz, livrou-nos de toda condenação, por meio de um sacrifício que afastou a

ira de Deus.

4. Cristo quer ser não apenas o salvador de todo mundo, mas o Seu salvador pessoal.

Aceite-o como seu substituto e, assim, tudo o que Ele fez não será em vão para você,

antes resultará em sua completa salvação.


292

Esboço 9: O livramento da Ira de Deus: a Obra Expiatória de Cristo

INTRODUÇÃO

1. O grande destaque da mensagem das Escrituras é a apresentação de Cristo como

salvador. Do que Ele nos salva?

(1) Por um lado, Ele nos salva do pecado: sua culpa e penalidade, seu poder e sua

presença. 1Tm 1:15.

(2) Por outro lado, Ele nos liberta da ira de Deus contra o pecador. 1Ts 1:10.

2. Esta libertação centraliza-se na expiação e propiciação realizadas na cruz e em sua obra

sacerdotal no santuário celestial.

3. O estudo de hoje é sobre a doutrina da expiação. Ela tem sido considerada como a

grande e central doutrina do cristianismo e nela as várias doutrinas são reunidas

adequadamente de um modo coesivo. É, de fato, impossível destacar em excesso o

papel da expiação realizada por Cristo.

ARGUMENTAÇÃO

I. A NECESSIDADE DE EXPIAÇÃO

1. A crença na necessidade de expiação pelo pecado é universal.

(1) Essa crença é demonstrada com clareza pela história das religiões, tanto as antigas

quanto as modernas e está presente entre os pagãos, entre os hebreus e entre os

cristãos, e faz parte da consciência natural.

(2) Essa crença é demonstrada por todas as religiões ao procurarem tratar do problema

da culpa e dos atos expiatórios que, oferecidos à divindade, pretensamente, podem


293

removê-la e alcançar a reconciliação, e incorporarem o conceito de um inocente

sofrer pelo culpado como uma das maiores demonstrações do amor abnegado.

2. A crença na necessidade de expiação pelo pecado é percebida na própria religião

hebraica, onde as ofertas pelo pecado não eram apenas expressões de adoração ou

penitência, ou uma maneira didática de se ensinar algo ao pecador e aos espectadores,

nem visavam apenas a reforma do ofensor; eram expiações, nas quais a vítima levava a

culpa do pecador e morria em seu lugar e para seu livramento.

3. A crença na necessidade de expiação pelo pecado é percebida no cristianismo, mas de

um modo completamente diferente daquela que existe nas demais religiões,

excetuando-se a religião hebraica:

(1) Nas outras religiões, são os pecadores que tomam a iniciativa e vão à divindade

com um dom compensatório buscando conciliá-la.

(2) No cristianismo, é Deus quem toma a iniciativa e vem à humanidade em

autodoação para eliminar a separação existente entre os homens e Deus e reconciá-

los. Rm 5:8; 1Jo 4:10 (Gn 3:9; 2Co 5:18).

4. A crença na necessidade de expiação pelo pecado é requerida por causa da lei de Deus.

(1) A lei de Deus, por ser uma expressão de sua própria natureza santa, só pode ser o

que é. Se esta lei não tivesse relação com seu caráter, Ele a poderia fazer diferente,

mas não é este o caso.

(2) A lei de Deus foi escrita na consciência do homem. Ao criá-lo, Deus quis fazê-lo

como um ser moral com quem pudesse se relacionar pessoalmente, e por isso o fez à

sua imagem e semelhança (Gn 1:26-27), com uma consciência moral na qual

inscreveu a mesma lei da santidade que é atributo de Sua natureza. Rm 2:11-16.


294

(3) A lei de Deus, se obedecida, indicaria a harmonia do homem com a pessoa de Deus,

glorificaria o Criador e resultaria em felicidade e vida eterna, enquanto que sua

transgressão desonraria a Deus e teria como efeito a manifestação de Sua ira, na

forma de sofrimento e da punição incluída na lei – a morte. Rm 6:23.

(4) A lei de Deus não pode ser relaxada de modo a não punir seus transgressores. A

punição é parte da sua estrutura e é tão inevitável como inevitável era que a lei fosse

expressão da natureza divina.

(5) A lei de Deus aponta a morte como a punição decretada por Deus para sua

transgressão, por isso o pecado nunca pode ser tratado separado da morte. Por ser

justo, Deus não pode, simplesmente, fechar os olhos ao pecado, escusá-lo ou

perdoá-lo.

a. Deus quer perdoar, quer manifestar misericórdia, mas em caso algum Ele concede

Sua misericórdia independente de Sua imutável justiça.

b. Deus quer dizer sim ao pecador, mas simultaneamente precisa dizer não ao

pecado e demonstrar que conquanto esteja a favor dos homens, está contra o

pecado.

(6) A lei de Deus é credora da pessoa que pecou e esse débito exige uma

expiação.Todavia, porque todos os homens são pecadores (Rm 3:10-12) e nenhum

deles é capaz de satisfazer a justiça de Deus e sobreviver, a expiação deve ser

vicária.

a. A expiação vicária pode ser ilustrada pelas relações humanas. Quando há uma

obrigação entre dois homens, a lei permite que um terceiro pague o débito,

contanto que não haja nenhuma injustiça. Desse modo, o infrator deve pagar, em
295

sua própria pessoa ou na pessoa de um substituto, um “vigário”, que a justiça

mesma aceite.

b. A expiação vicária é assim chamada porque o termo “vicário” ou “vigário” se

refere a alguém que age em lugar de outro, ou toma o lugar do outro, a fim de

remir ou agir como um substituto. No caso da relação do homem com Deus, em

razão de que todos pecaram, nenhum ser humano poderia ser o vigário de outro.

c. A expiação vicária ocorreu quando “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo

as Escrituras” (1Co 15:3). Ele não morreu apenas como um evento na história,

nem morreu por causa própria. Ele morreu por nós. 1Ts 5:10 (Rm 5:8; 8:32; Ef

5:2; Gl 3:13; Mc 10:45). Sua morte foi vicária.

d. A expiação vicária de Cristo foi uma substituição penal porque Ele morreu em

nosso lugar e como cumprimento de uma pena. Ele assumiu o nosso lugar e nos

representou, recebendo o castigo que merecíamos de modo a nos libertar desta

experiência.

e. A expiação vicária de Cristo implica em que houve uma transferência que Ele

recebeu e pela qual sofreu: não a dos pecados humanos, mas, sim, a punição

merecida pelos pecadores.

a) Quando as Escrituras declaram que os nossos pecados foram imputados a

Cristo, não significa que a nossa pecaminosidade foi transferida para Ele – o

que seria impossível – mas, sim, que a culpa do nosso pecado Lhe foi

imputada e isso só pôde ocorrer porque a culpa não era inerente à pessoa do

pecador, mas uma coisa objetiva.

b) Quando as Escrituras declaram que a culpa do pecado, entendida como

condição passível de punição, foi transferida para Jesus Cristo, afirmam


296

igualmente que a ira de Deus contra o pecado também o foi (Is 53; Jo 3:16;

Rm 4:25; 8:32), o que ocorreu no Getsêmani e na cruz. Ele tomou sobre Si

todas as consequências da ira de Deus contra o pecado.

f. A expiação vicária de Cristo, como nosso substituto, pagou nossa dívida à justiça

de Deus. O documento de dívida foi cancelado e encravado por Ele na cruz e

assim ficamos isentos. Cl 2:14.

g. A expiação vicária é, portanto, de todo modo, vantajosa. Na satisfação vicária, o

pagamento se origina com o Salvador, o qual é oferecido em lugar do pecador.

Quando o pecador aceita esta substituição ele é salvo.

h. A expiação vicária, portanto, é a única maneira de livrar o pecador da

consequência inevitável do pecado. Através dela, o ofendido resolveu assumir a

culpa do ofensor para livrá-lo da pena. Apenas por este meio poderia Deus

preservar a autoridade e validade de Sua lei moral, que demanda a morte do

transgressor, e ainda assim excusá-lo de pagar pessoalmente a penalidade da

morte.

II. O SIGNIFICADO DA EXPIAÇÃO

1. Expiação é uma palavra que inclui as ideias de purgar, limpar, purificar, cancelar,

cobrir, ocultar da vista, apagar, espalhar ou perdoar.

2. Expiação é um ritual mediante o qual o pecado é coberto, afastado, ou extinto, de modo

a deixar de ser um entrave à comunhão entre o homem e Deus.

3. A expiação ocorria por meio de sacrifícios que eram feitos como uma reparação ou

satisfação por uma injúria ou ofensa para que, pelo cumprimento da punição merecida,

adviesse a eliminação da culpa e o livramento do castigo ou do mal.


297

4. A expiação tem como propósito, resolução do problema do pecado. A intenção era

retirar o pecado do pecador de modo que este fosse perdoado. Por isso, ao colocar a

mão sobre a cabeça do animal (Lv 1:4), o pecador indicava que o animal o

representava e que a vida deste substituía a sua. Havia uma troca: pelo sacrifício o

pecador era feito puro e vivia livre daquele pecado e o animal puro era tornado impuro

e sofria a morte por causa do pecado que agora carregava. Gl 3:13 (ver 2Co 5:21; Rm

8:3; Gl 4:4-5).

5. A expiação, segundo os escritores do NT, é uma referência ao sacrifício de Cristo que

removeu a culpa do pecado do homem e o limpou do seu demérito (2Co 5:21). Eles

falam constantemente sobre o sangue de Cristo (Rm 3:25; 5:9; Ef 1:7; Cl 1:20), e não

apenas sobre Sua morte, para mostrar que estão afinados com o pensamento do AT e

que os dois testamentos se ajustam e se pertencem um ao outro com perfeição,

apresentando o mesmo Deus e a mesma salvação.

III. A ORIGEM DA EXPIAÇÃO

1. Deus não tinha necessidade de nos salvar. Contudo, Ele decidiu nos salvar e, para que

isso ocorresse, era absolutamente necessária a expiação. Não havia outro modo a não

ser enviar Seu Filho para morrer por nós. Mt 26:39 (Lc 24:25-26; Hb 2:17; 9:23).

2. Deus é quem, em Seu amor e justiça, originou a expiação.

(1) A justiça de Deus requer a satisfação porque Ele é santo, mas Ele mesmo a satisfaz

porque Ele é amor.

(2) A justiça, por um lado, exigiu a satisfação das exigências da lei, por outro, o amor

encontrou um meio de livramento para o pecador.


298

(3) A justiça e o amor (como graça) foram combinados. Como disse Paulo, o que Deus

realizou foi “[...] por sua graça [...] para manifestar sua justiça [...]” (Rm 3:24-25).

(4) A justiça e o amor operando em conjunto podem ser ilustrados pela cruz onde

Cristo morreu, pois ao ser preparada a partir de duas traves de madeira que são fixas

uma à outra de modo a formar uma figura em forma de “T”, a cruz representa a

interseção desses dois atributos ou facetas da natureza de Deus, o lugar onde Seu

amor e Sua justiça se encontram, sendo, desse modo, um adequado símbolo da

expiação.

(5) A justiça foi cumprida pela morte de Cristo em lugar do pecador, o que também

evidenciou Sua misericórdia que proveu salvação para os culpados.

(6) A justiça atendeu ao apelo da misericórdia, aceitando um substituto para os

pecadores, e a misericórdia atendeu à injunção da justiça oferecendo o substituto.

3. Deus é quem realizou, do início ao fim, a expiação (Is 53:10; Lc 2:14; Jo 3:16; Gl 1:4;

Cl 1:19-20).

IV. O COMPLEMENTO DA EXPIAÇÃO

1. A obra sacerdotal de Cristo é ressaltada na epístola aos Hebreus como em nenhum

outro lugar do NT.

(1) O tema central da epístola aos Hebreus é o sacerdócio de Cristo e o que Ele faz no

céu em favor de Seu povo. Nela, a pessoa e a obra de Cristo são comparadas com o

sistema levítico do AT.

(2) O escritor da epístola aos Hebreus é o único do NT que chama a Jesus de sumo

sacerdote.
299

(3) O conteúdo da epístola aos Hebreus é considerado como uma chave para a

compreensão de todo o AT e NT.

2. A obra sacerdotal de Cristo tem o seu foco na expiação.

3. A obra sacerdotal de Cristo não é completa sem a intercessão.

(1) A obra sacerdotal de Cristo requer Seu sacrifício na terra e Seu serviço no santuário

celestial. Ambos são partes complementares da tarefa sacerdotal do salvador.

(2) A obra sacerdotal de Cristo é apresentada como uma atividade contínua: Cristo nos

salva pelo sacrifício de Si mesmo e sustenta a nossa salvação pela Sua intercessão.

(3) A obra sacerdotal de Cristo demonstra que embora Seu sacrifício tenha sido único,

de uma vez por todas, Seu sacerdócio é perpétuo. Hb 7:25; Rm 8:34.

3. A obra sacerdotal de Cristo está baseada no fato de que, por não sermos perfeitos, não

temos acesso direto a Deus e precisamos de um sacerdote que ofereça sacrifícios a

Deus em propiciação por nossos pecados e interceda por nós, e este é Cristo.

(1) Cristo não apenas ofereceu na terra o sacrifício que o sumo sacerdote devia oferecer,

mas, hoje, serve a Deus como sumo sacerdote celestial.

(2) Cristo é a ponte que cobre o vão que há entre Deus e o homem, aquele que ouve a

confissão de pecados e intercede continuamente por nós.

4. A obra sacerdotal de Cristo O destaca como mediador. Hb 8:6; 9:15; 12:24. É Ele que

torna realidade os propósitos salvadores de Deus para os homens, de modo que todo

bem-estar espiritual nos é proporcionado por Seu ofício mediatório.

V. O ALCANCE DA EXPIAÇÃO

1. Há nas Escrituras uma aparente contradição quanto à extensão da expiação efetuada

por Cristo.
300

(1) De acordo com alguns textos ela foi realizada em prol de toda a humanidade. 1Tm

2:5-6 (1Jo 2:2; 1Tm 5:10; Tt 2:11; Jo 3:16; Rm 5:19).

(2) De acordo com outros textos, somente aqueles que se arrependem e crêem são

realmente salvos por ela. Jo 17:9, 20 (Ef 1:4; 2Tm 1:9-10).

2. Há nas Escrituras harmonia quanto à extensão da expiação efetuada por Cristo, quando

se percebe que:

(1)Os textos bíblicos que apresentam a expiação como universal e ilimitada, a

consideraram de um ponto de vista objetivo, genérico e coletivo, como uma

satisfação dada à justiça divina, que aconteceu num tempo específico da história e

foi realizada uma vez por todas, de maneira a não haver mais nada no foro divino

contra a humanidade genérica representada por Cristo.

(2) Os textos bíblicos que apresentam a expiação como trazendo benefício apenas para

um grupo de pessoas, tratam do aspecto subjetivo, individual, e dizem respeito à

aceitação da expiação mediante o arrependimento dos pecados e a fé na pessoa e

obra do substituto, a fim de que tenha valor para o indivíduo.

3. Há nas Escrituras, portanto, a indicação de que, embora a expiação seja

suficientemente ampla para incluir a todos e seja a todos oferecida, encontra limitação

no número de pessoas que a aceitam.

CONCLUSÃO

1. Como pecadores, somos devedores à lei de Deus e, merecedores da morte.

2. Como pecadores, necessitamos que nossa dívida seja paga, mas de maneira que

continuemos a viver. Isso só é possível se ela for paga por outro que a assuma e morra

em nosso lugar.
301

3. Como pecadores, necessitamos, portanto de um salvador e Este é Cristo. Mediante Sua

morte expiatória na cruz, Ele nos salva do pecado e de suas consequências e também

da ira de Deus.

4. Como pecadores, não somos perfeitos, nem temos acesso direto a Deus e, por isso,

precisamos de um sacerdote que ofereça sacrifícios a Deus em propiciação por nossos

pecados e interceda por nós, e Este é Cristo. É ele que torna realidade os propósitos

salvadores de Deus para nós, de modo que Sua obra consumada na Terra e Sua obra

em curso no Céu são suficientes e eficazes para tratar de nossos pecados.

5. Como pecadores, vamos aceitar Sua expiação individualmente, a fim de que ela tenha

valor para nós; vamos nos arrepender dos pecados e manifestar fé na pessoa e obra de

Cristo como nosso substituto e intercessor.


302

Esboço 10: O Livramento da Ira de Deus: a Obra Propiciatória de Cristo

INTRODUÇÃO

1. O tema da ira divina está diretamente relacionado com o âmago do cristianismo: a

significação da morte de Cristo.

2. Referindo-se ao que ocorreu na cruz do Calvário, o NT assevera, em 1Jo 2:2, que

Cristo “é a propiciação pelos nossos pecados”.

3. O termo “propiciação” nos lembra da tampa da arca que continha os dez mandamentos,

chamada de propiciatório, a qual recebia o sangue ali aspergido, que simbolizava o

sangue de Cristo (Êx 25:10-21).

ARGUMENTAÇÃO

I. PROPICIAÇÃO E IRA

1. A propiciação implica a existência de uma ofensa. Há quatro elementos essenciais em

qualquer propiciação:

(1) uma ofensa para ser afastada,

(2) uma pessoa ofendida que necessita ser pacificada,

(3) uma pessoa culpada de ofensa, e

(4) um sacrifício ou algum outro meio para fazer expiação pela ofensa.

2. A propiciação implica a necessidade de apaziguar a ira divina. O Deus da Bíblia é

revelado como muito diferente dos deuses pagãos – sendo único, soberano absoluto do

universo, imutável, que aborrece o mal em todas as suas formas, e fonte de todo o bem

– todavia, a ideia de apaziguar Sua ira por meio de ofertas, pode ser percebida ao longo

de todas as Escrituras.
303

(1) A necessidade de apaziguar a ira de Deus pode ser encontrada nos diferentes rituais

para a expiação do pecado e da culpa – onde o sangue dos sacrifícios era interposto

entre Deus e o pecador de modo a afastar deste a ira de Deus (Jó 42:7-9; 2Sm 24:1-

25; 2Cr 29:1-24).

(2) A necessidade de apaziguar a ira de Deus pode ser encontrada em narrativas, como

aquela em que Arão, usando de incenso, fez expiação pelo povo de Israel, a fim de

deter a praga que Deus havia enviado sobre eles (Lv 4:1-6; 16; Nm 16:41-50).

(3) A necessidade de apaziguar a ira de Deus pode ser encontrada no significado da

morte de Cristo na cruz.

II. PROPICIAÇÃO E EXPIAÇÃO

Os conceitos de expiação e propiciação nos ajudam a compreender como a ira de

Deus pode ser afastada. Todavia, o conceito de propiciação é distinto do conceito de

expiação.

1. Enquanto que expiação denota a cobertura, o afastamento, ou a extinção do pecado de

modo que ele não mais se constitui numa barreira a uma comunhão amigável entre o

homem e Deus, propiciação significa tudo isso mais o apaziguamento da ira de Deus.

2. Enquanto a expiação trata com o pecado humano, a propiciação trata com a ira, a divina

reação ao pecado. A propiciação contempla a parte ofendida, que necessita ser

apaziguada, e nossa responsabilidade para com a ira de Deus e é a provisão da graça

pelo qual nós podemos ser libertos dessa ira de maneira que Deus Se torne propício ou

com disposição favorável a nós.


304

3. Enquanto que a expiação é uma referência ao sacrifício de Cristo que removeu a culpa

do pecado do homem, a propiciação é uma alusão indicativa de que através da morte de

Cristo a ira de Deus é vitoriosa e sua justiça é demonstrada.

4. Enquanto que a expiação efetuada pelo derramamento do sangue de Cristo foi a

revelação direta do amor do Pai para conosco, a propiciação feita pelo mesmo sangue e

revelando o mesmo amor, foi também o impedimento direto da ira do Pai contra nós.

III. PROPICIAÇÃO E RECONCILIAÇÃO

1. A reconciliação entre Deus e o homem é o propósito da expiação.

2. A reconciliação de Deus com o pecador só acontece após Sua ira ser propiciada.

(1) A morte de Cristo na cruz efetuou uma importante mudança na relação de Deus

com os pecadores, que eram objetos tanto de Seu amor como de Sua ira judicial.

(2) A morte de Cristo na cruz removeu a necessidade do castigo dos pecadores –

porque Ele fora castigado em lugar deles.

(3) A morte de Cristo na cruz removeu os obstáculos à manifestação de Seu amor

redentor, de modo que, agora, Deus, com justiça, podia perdoar e salvar em lugar de

enviar seus juízos.

(4) A morte de Cristo na cruz resultou na satisfação da justiça de Deus e das exigências

de sua lei de modo que a ira divina foi desviada.

3. A reconciliação de Deus com o pecador deve ser seguida pela reconciliação do pecador

com Deus. O Deus reconciliado opera de tal modo pelo Espírito Santo no coração do

pecador que este, pondo de lado sua alienação, participa dos benefícios da perfeita

expiação de Cristo, se reconcilia com Deus e tem paz com Ele. Rm 5:1.
305

4. A reconciliação entre Deus e o homem é uma obra de Deus. Cl 1: 21-22 (2Co 5:19; Rm

5:10; Ef 2:15-16).

IV. PROPICIAÇÃO E JUSTIÇA

A Justiça de Deus Revelada Através da Propiciação. Rm 3:25-26.

1. Na propiciação Deus mesmo foi o ofertante.

(1) Nas religiões pagãs a iniciativa da reconciliação entre Deus e o homem é do

homem, ele é o ofertante. A propiciação era uma maneira jeitosa de o indivíduo, por

si mesmo, mudar o pensamento de uma divindade, ou seja, influenciá-la para que

lhe fosse favorável.

(2) Na religião da Bíblia a iniciativa da reconciliação entre Deus e o homem e a oferta

para apaziguar Sua ira são obras de Deus (2Co 5:18-19). O sacrifício de Cristo não

tinha como objetivo despertar amor no coração de Deus, mas manifestar o amor que

lá se encontrava.

2. Na propiciação Cristo foi o sacrifício. Foi o derramamento do Seu sangue que alcançou

a propiciação, extinguindo a ira de Deus e nos redimindo da morte, porque ocupou o

nosso lugar como substituto e representante.

3. Na propiciação foi demonstrada a justiça de Deus.

(1) A propiciação através de Cristo na cruz demonstrou não apenas o perdão de Deus,

mas também a justiça como fundamento para esse mesmo perdão.

(2) A propiciação através de Cristo na cruz demonstrou que Deus satisfez ou propiciou

Sua própria ira, Suas próprias exigências santas, e voltou contra Si mesmo Sua ira

justa, a qual era merecida pelo pecador.


306

(3) A propiciação através de Cristo na cruz demonstrou que Deus não mais necessita

ser apaziguado antes que possa perdoar, porque isso já foi feito por Cristo em prol

de todo pecador.

(4) A propiciação através de Cristo na cruz indica que Sua morte não foi um acidente,

antes, uma obra de Deus, algo deliberado, com um propósito definido. At 2:23.

(5) A propiciação através de Cristo na cruz indica que Sua morte foi um ato público,

para ser visto e contemplado.

(6) A propiciação através de Cristo na cruz indica que Deus precisava ser visto

publicamente como justo e não apenas como justificador.

a. Antes da cruz, a justiça de Deus não podia ser vista, porque o mal não era punido

como devia.

a) Antes da cruz, Deus não tratou a humanidade, má e desobediente, como ela

merecia. Antes, continuou fazendo o bem e distribuindo bênçãos a todos. At

14:17.

b) Antes da cruz, Deus, em sua paciência, estava apenas adiando o julgamento.

c) Antes da cruz, desde que Adão pecou – através dos vários sacrifícios

ordenados por Deus, incluindo aqueles pertinentes ao ritual do dia da expiação

(Lv 16) – os pecados perdoados não recebiam o tratamento definitivo. Todas

as cerimônias que tratavam do pecado eram apenas sombras ou figuras do que

Deus faria, em realidade, por meio de Cristo (Hb 10:1-4). Os pecados eram

como que postos de lado, enquanto Deus aguardava o momento certo para

tratar deles.

d) Antes da cruz, Deus agia com justiça baseando-se na futura morte de Cristo.

b. Na cruz, a justiça de Deus pode ser vista, porque o mal foi punido como devia.
307

a) Na cruz, no devido tempo, o juízo foi realizado, e os pecados que foram

anteriormente cometidos foram punidos, mas na pessoa de Cristo que, como o

Cordeiro de Deus, nos substituiu.

b) Na cruz, o verdadeiro Cordeiro de Deus foi sacrificado de modo que “já não

mais resta sacrifício pelos pecados” (Hb 10:26).

c) Na cruz, houve uma consumação justa da antiga ordem o que possibilitou que

os pecados fossem tratados adequadamente pelo justo juízo, enquanto que, ao

mesmo tempo, foi demonstrado que Deus fora justo em procrastinar Seu juízo

sobre aqueles pecados.

d) Na cruz, na sexta-feira da paixão, depois de acabada a tolerância divina, Deus

atacou radicalmente o pecado.

e) Na cruz, foi demonstrado que Deus pode ser, simultaneamente, justo e

justificador daquele que crê.

CONCLUSÃO

1. A doutrina da propiciação em sua conexão com a expiação, pode ser considerada o

coração do evangelho, de modo que os assuntos vitais da Bíblia não podem ser bem

compreendidos sem o entendimento deste tema.

2. A doutrina da propiciação, não é de admirar, tem sido atacada por Satanás, o qual tem

procurado impedir-nos de conhecer seu real e profundo significado.

3. A doutrina da propiciação exige nossa resposta de fé. Rm 3:25. A propiciação efetuada

por Cristo beneficia apenas aqueles que põem sua confiança naquele que apresentou

Sua vida como um substituto para a vida do pecador. Vamos, pois, aceitar a tudo o que

Deus tem feito em favor de nossa salvação. Vamos colocar nossa inteira confiança em
308

Cristo, aceitando-o como a propiciação pelos nossos pecados e, desse modo, sermos

libertos da ira de Deus.


309

Esboço - 11: Cristo – O Executor da Ira de Deus

INTRODUÇÃO

1. As Escrituras Sagradas nos mostram que o grande plano da salvação elaborado por

Deus centraliza-se na pessoa e obra de Cristo.

2. As Escrituras Sagradas nos mostram que uma das obras de Cristo é a de executor da ira

divina. Estudaremos, hoje, três profecias que tratam deste tema, sendo duas no

Apocalipse de João e uma na segunda carta de Paulo aos Tessalonicenses.

ARGUMENTAÇÃO

I. A IRA DO CORDEIRO

1. A ira de Cristo no Apocalipse é identificada como a ira do Cordeiro. Ap 6:16-17.

(1) No Apocalipse, a ira de Deus e do Cordeiro é um tema contínuo, descrito sob as

figuras das trombetas e das taças.

(2) No Apocalipse, ao tratar da ira divina, é possível que João tenha mencionado o

Cordeiro, e não o leão (como em Ap 5:5), porque seu principal pensamento era a

preservação dos santos de modo que a alusão ao Cordeiro seria uma lembrança

dAquele que tanto os amou e Se sacrificou por eles e que, agora, os protegeria.

2. A ira de Cristo – o Cordeiro – é a primeira menção que o Apocalipse faz à ira de Deus.

3. A ira de Cristo é uma realidade porque em Sua soberania Deus fez do homem um ser

responsável e ao mesmo tempo estabeleceu que Seu destino eterno estivesse vinculado

à pessoa de Cristo. O homem se salva ou se perde em função de sua relação com Cristo.

(1) O evangelho apresenta a relação com Cristo como a única base segundo a qual

Deus justifica ou condena. Rm 8:31-34. Não há outra opção.


310

(2) O evangelho apresenta a alternativa: ou o sangue do Cordeiro (7:14) ou a ira do

Cordeiro (6:17). Para quem rejeitar o amor de Deus e recusar o sangue de Cristo, só

restará o julgamento e a ira do Cordeiro.

(3) O evangelho apresenta que a vontade do Pai e do filho é uma para a salvação do

mundo, mas também no julgamento daqueles que rejeitam a salvação.

4. A ira de Cristo é um aspecto significativo para a compreensão de Sua natureza e de Sua

obra.

(1) Cristo – se Ele retratasse somente os atributos pacíficos de Deus, Ele não seria a

plena revelação de Deus, mas apenas uma revelação parcial.

(2) Cristo – como Filho de Deus e Palavra de Deus que é, deve manifestar também a

justiça e a indignação de Deus.

5. A ira de Cristo como Cordeiro não é uma interrupção do amor, mas uma fase do amor.

Há uma ira que é incompatível com a ausência do amor, a qual não pode existir sem

que o amor tenha existido antes dela. É a ira que brota do amor desprezado, rejeitado

apesar de todo seu sacrifício e empenho em prol do pecador.

II. A IRA DO REI GUERREIRO

1. A visão relatada em Ap 19:11-21 pertence ao ciclo do grande julgamento, iniciado no

capítulo 17 e concluído no capítulo 20, onde pode ser visto o triunfo de Cristo sobre o

Anticristo e seus aliados – reis e nações que colaboraram com ele – na batalha do

Armagedom e, depois, sobre o próprio Satanás. Ap 19:11-21. Desse modo, um dos

grandes temas do Apocalipse, o grande conflito entre Deus e Satanás, atinge seu

clímax nos últimos capítulos.


311

2. A visão registrada nos vs. 11-15 é uma leitura cristológica da profecia de Is 63:1-6, que

se refere a Deus; e a visão dos vs. 17-21 descreve a grande batalha com imagens

tiradas de Ez 39:17-20 que, em linguagem simbólica, expõem a destruição total e

decisiva dos inimigos de Deus.

3. A visão é retratada de maneira que quase todas as palavras empregadas se referem às

profecias do AT ou aos nomes que apontam para a pessoa e a obra do Messias. O

propósito é:

(1) Demonstrar que Cristo tem o direito de julgar em virtude de Sua divina natureza.

(2) Demonstrar que Cristo como rei guerreiro e Palavra eficaz, cumpre as profecias que

anunciavam a vitória de Deus.

a. Cristo é o instrumento de Deus mediante o qual Ele julga e combate o mal e os

maus.

b. Cristo é apontado como juiz, aquele que não é indiferente para com o mal, nem se

esquece, nem é benigno para com ele, antes o combate.

4. A visão posicionada antes do casamento do Cordeiro (cap. 21) tem bastante afinidade

com o Sl 45, onde o noivo está celebrando uma vitória na guerra antes de poder receber

a noiva. Cristo não pode unir-Se a Seus seguidores até que o mal tenha sido derrotado e

isso ocorre na batalha do Armagedom.

5. A visão inaugural de Cristo, no Apocalipse, ofereceu uma pista para a compreensão

deste escrito. Como consequência, as muitas imagens hebraicas que aparecem por todo

o livro, incluindo nomes e lugares, devem ser entendidas não como vinculadas à antiga

aliança, mas como cumpridas em Cristo e na igreja universal.

6. A visão relatada em Ap 19:11-21 é uma das duas passagens que tratam com clareza do

Armagedom. A outra se encontra no capítulo 17. O exame de ambas revela que se trata
312

da contenda final entre as forças combinadas de Satanás de um lado e de Cristo e seus

seguidores do outro.

(1) A batalha do Armagedom deve ser entendida como tendo o seu protótipo no AT,

todavia os intérpretes divergem sobre qual é este protótipo.

a. Armagedom, para alguns, tem como modelo a guerra no Vale de Josafá, onde

Deus mesmo Se encarregou de destruir os inimigos de seu povo (2Cr 20:1-24 cf.

Jl 3:2, 9-14).

b. Armagedom, para outros, é um nome simbólico que parece aludir à guerra santa

de Israel contra Sísera, o comandante do rei cananita e à vitória próxima às águas

de Megido (Jz 5:19) – o que foi declarado, no cântico de Débora, ser uma vitória

do Senhor (Jz 5:31).

c. Armagedom, de acordo com outra interpretação, é um nome que significa “Monte

de Megido”. Megido era uma cidade no Vale de Jezreel, a qual tinha um monte:

o Carmelo. Como o arroio Quisom, situado nas proximidades, é chamado de

“águas de Megido” (Jz 5:19, 21), parece correto, do mesmo modo, considerar o

Monte Carmelo como o Monte de Megido. Assim, a batalha do Armagedom é a

batalha do Monte Carmelo. A narrativa do AT mostra que foi no Monte Carmelo,

nos dias do profeta Elias, que uma poderosa manifestação do poder de Deus

alcançou a vitória sobre o falso sistema de adoração e, na sequência, houve uma

terrível vingança contra os lideres religiosos que os haviam enganado por tanto

tempo (1Rs 18:20-40).

8. A batalha do Armagedom, a espécie de conflito em que Cristo Se engaja, é, de qualquer

modo, mais um enfrentamento espiritual com a execução da justiça, do que um conflito

militar.
313

(1) Como rei guerreiro, Cristo Se apresenta com uma única arma – a espada – e ela sai

de sua boca.

a. A figura deriva de uma profecia de Isaías onde é dito que o Messias “julgará com

justiça os pobres e decidirá a favor dos mansos da terra; ferirá a terra com a vara

de sua boca e com o sopro dos seus lábios matará o perverso” (Is 11:4). Portanto,

enquanto Ele é a favor de alguns, pune a outros.

b. A espada é a verdade de Deus, como é em Cristo. Ver Is 49:2; Ef 6:17; Hb 4:12.

c. Seus dois fios indicam que ela nunca falha ao cortar. Se ela não corta com o fio

da salvação, ela corta com o fio da condenação; porque a palavra de redenção

para todo aquele que crê é, ao mesmo tempo, a palavra de destruição, para

aqueles que se recusam a crer. Ap 2:16; 19:25; Jo 12:47 ss.

d. No fim, a espada que sai da boca de Cristo cortará para a destruição, o que não é

antagônico ao quadro de Jesus retratado nos evangelhos, onde ficou evidente o

poder de Sua Palavra para reprovar:

a) Quando Cristo chorou por Jerusalém, também proclamou um juízo sobre a

cidade, o qual era certo e breve. Mt 23:37-38.

b) Quando Cristo disse à turba que viera para prendê-lo: “Sou eu”, o resultado foi

que “recuaram e caíram por terra” (Jo 18:6).

e. Aqui no final do livro do Apocalipse, a espada é a palavra falada de Cristo, a qual,

proferida em seu retorno a este mundo, se cumprirá, como ocorreu na criação

(Gn 1:3; Jo 1:3; Hb 1:2).

f. Como símbolo da autoridade judicial e da sentença condenatória, essa palavra

será pronunciada para executar a ira de Deus e vai punir e destruir, de modo que

ninguém possa resistir nem escapar.


314

g. Portanto, esta última batalha será vencida por uma palavra, a palavra

condenatória de Cristo.

(2) Como rei guerreiro, Cristo Se apresenta com as vestes manchadas de sangue.

a. Esse sangue não é o sangue do próprio Cristo, vertido na cruz, porque a ênfase

não é a da Cristo como Redentor, mas como guerreiro e dominador do mal.

b. Esse sangue não é o sangue dos mártires que agora está para ser vingado, porque

o tema não é o sofrimento dos justos causado pela opressão, mas o julgamento

contra os opressores.

c. Esse sangue é dos inimigos de Cristo e de Seu povo. Ao descrever o Cristo

vencedor, há o emprego de algumas figuras extraídas de Is 63, onde Deus é

retratado como conquistador retornando da punição de Edom, havendo pisado o

lagar da ira de Deus e tendo suas vestes manchadas com o sangue de Seus

inimigos. A figura do manto tinto de sangue sublinha sua vitória sobre Seus

inimigos.

(3) Como rei guerreiro, Cristo Se apresenta cavalgando um cavalo branco e seguido

pelos exércitos que há no céu montando cavalos brancos e trajando vestiduras

brancas (Ap 19:14).

a. Os exércitos que há no céu são os anjos que O acompanharão em Sua segunda

vinda a esta terra (ver Zc 14:5; Mc 8:38; Lc 9:26; 1Ts 3:13, 2Ts1:7).

b. Os cavalos brancos e as vestes brancas são um indicativo da vitória do Messias.

(4) Como rei guerreiro, Cristo Se apresenta com olhos como chama de fogo.

a. Isso simboliza sua habilidade para julgar com exatidão, seu julgamento

perscrutador que vê todas as coisas e que tem poder para consumir como fogo.
315

b. Isso simboliza Sua capacidade, como a chama, de iluminar e brilhar, mas também

queimar e destruir.

(5) Como rei guerreiro, Cristo Se apresenta com muitos diademas em sua cabeça.

a. Os diademas são coroas reais e indicam poder e autoridade reais.

b. Os diademas lembram um costume que havia entre os monarcas orientais: quando

entravam em alguma batalha, traziam coroas de identificação de sua alta posição.

c. Os diademas haviam sido usados pelo dragão (12:3) e pela besta (13:1) em seu

clamor por soberania universal em oposição ao verdadeiro rei.

d. Os diademas usados por Cristo contrastam com os deles e manifestam seu

governo magnificente, poderoso e universal, como Rei dos reis, ao entrar ele em

conflito com os poderes do mal.

(6) Como rei guerreiro, Cristo Se apresenta com diversos nomes. No Oriente Médio, os

nomes indicam o caráter e, segundo uma antiga ideia, o nome expressa a natureza de

quem o leva.

a. O nome “Fiel e Verdadeiro” (Ap 1:11), indica Sua postura em relação à Sua

missão, não apenas como salvador, mas também como juiz, pois, em

cumprimento de Suas promessas, Ele julga e combate com justiça contra os

inimigos de Deus, pelejando para corrigir os erros, derrotar o mal e trazer a

justiça ao mundo.

b. O nome de Cristo que ninguém conhece (Ap 1:12) pode ser uma referência à

glória eterna do Filho, que somente o Pai conhece ou ao Seu novo e

desconhecido papel, o de vingador de Seu povo (ver Is 28:21).

c. O nome logos, no original grego, significa um pensamento e, então, a expressão

daquele pensamento em palavra. Tem sido traduzido como “verbo” ou “palavra”.


316

a) Cristo é tanto revelador da mente divina como o agente da vontade divina. Do

modo como revelamos nossos pensamentos, sentimentos e intenções aos

outros por meio de nossas palavras, também o Pai revelou-Se a nós por meio

de seu Filho, o Verbo encarnado.

b) Cristo é chamado de logos por causa de sua missão. Através dele, Deus fala ao

mundo e Se revela.

c) Cristo, em Seu primeiro advento, veio para revelar a graça de Deus; agora, no

segundo, virá para revelar o juízo de Deus. Ele, que antes condenou, mas

perdoou o pecado, virá para condenar e julgar o pecado. Como Verbo de Deus

revelará a justiça divina e castigará o mal.

d. Os nomes “Rei dos reis” e “Senhor dos senhores” – hebraísmos que indicam

superlativos – são empregados aqui como uma referência à soberania total de

Cristo (ver 1Co 8:5-6). Os reis e senhores deste mundo têm apenas um domínio

limitado: eles governam apenas certo território e certa porção de gente, e são

independentes uns dos outros. Mas Cristo governa sobre todos: eles são seus

vassalos.

III. A IRA DO SENHOR

1. O advento de Cristo o destaca como Senhor e tem como um dos objetivos a destruição

de quem se levantou contra Deus. 2Ts 2:8. Cristo é o agente de Deus para a destruição.

2. O advento de Cristo será uma manifestação gloriosa. Embora a expressão epifaneia

signifique simplesmente aparecimento e não possua, necessariamente, a idéia de

esplendor, era frequentemente empregada na literatura grega para descrever uma

gloriosa manifestação dos deuses, e especialmente de seu advento para ajudar.


317

3. O advento de Cristo (1Tm 6:14; 2Tm 1:10; 4:1, 8; Tt 2:13), é apresentado como um

flagrante contraste com a aparecimento do homem do pecado. 2Ts 2:9.

4. O advento de Cristo mencionado é uma alusão à profecia de Is 11:4 e denota a

facilidade com que o Senhor destruirá quem a Ele se opõe. O efeito do olhar e da voz

de Cristo será suficiente para destruir o inimigo.

CONCLUSÃO

1. Jesus virá outra vez a este mundo. Não como um bebê indefeso e como um homem de

dores, com a missão de conduzir os homens ao arrependimento e ao perdão, mas como

o majestoso Rei dos reis, que além de salvar seu povo, vem para destruir todos que se

rebelaram contra Deus, rejeitaram sua graça e desprezaram o sangue de Cristo.

2. Jesus virá outra vez a este mundo para mostrar que Ele e seu Pai não são indiferentes

para com o mal, nem dele se esquecem, nem são benignos para com ele, antes o

combatem.

3. Jesus virá outra vez a este mundo para continuar sua obra. Ele que foi fiel em Sua

missão de salvar o será também em sua função como juiz e executor da ira de Deus

combatendo os inimigos de Deus, derrotando o mal e trazendo a justiça ao mundo.

4. Jesus virá outra vez a este mundo e você vai se encontrar com Ele. Como será este

encontro? Eu o convido a aceitar a graça de Deus para escapar da ira de Deus, a aceitar

o sangue do Cordeiro para escapar da ira do Cordeiro.


RESUMO, CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Resumo

Na busca da compreensão do significado da ira divina, a investigação constatou que

as expressões antropomórficas e da antropopatia, bem como as diversas palavras hebraicas

e gregas empregadas pelos escritores bíblicos, revelam que essa ira é sua aversão ao pecado

em todas as suas formas, com destaque para a quebra da aliança com Deus e a

desumanidade do homem para com seu semelhante. Ela tem sido uma realidade no mundo

dos homens desde o surgimento do pecado e permanecerá atuante até a extinção do mal e a

restauração de todas as coisas.

Todavia, mais do que uma mera emoção, ela é uma atitude racional frente ao pecado.

É uma das perfeições divinas, expressão justa e natural tanto de sua santidade e justiça

punitiva contra o pecado, como de seu amor desprezado ou abusado. Seus efeitos podem

ser percebidos na própria constituição humana, no abandono de Deus quando se teima em

seguir os próprios caminhos, e nas punições – tanto as que são consequências naturais dos

atos de pecado, como as que são penalidades diretas impostas por Deus como juiz.

Com respeito à relação de Cristo com a ira divina, percebe-se que ele foi o fiador do

homem diante dela, por ocasião da Queda. Ele também a possuiu, em certa medida, quando

aqui viveu, e discorreu sobre ela em seus ensinos. Além disso, em sua missão de libertar o

homem dessa mesma ira, cristo a recebeu, em seu lugar, na cruz. Sua morte substitutiva foi

tanto uma expiação como uma propiciação pelos pecados – a revelação direta do amor do

Pai para o pecador, mas também o impedimento direto da ira do Pai. Essa obra de

318
319

libertação inclui sua intercessão no santuário celestial. Cristo também foi apontado como o

executor da ira de Deus, o que ocorrerá por ocasião de seu segundo advento e,

posteriormente, quando todos se reunirem diante do grande trono branco e ocorrer o juízo

final.

Finalmente, levando-se em conta toda esta realidade, considera-se que a pregação

cristã deve incluir mais do que a vida abundante que vem de Deus quando é manifesta fé

em Cristo. Faz-se necessário pregar sobre a ira divina e a condenação que vem sobre todos

aqueles que têm pecado não perdoado, que recusam a misericórdia de Deus.

Conclusões

Havendo investigado e discorrido amplamente sobre o tema da ira de Deus,

propõem-se as seguintes conclusões:

1. A ira de Deus é sempre uma reação ao pecado. Juntamente com os atributos

da graça, da misericórdia e da longanimidade de Deus, sua ira não seria conhecida se não

houvesse pecado. Esses atributos só ocorrem como manifestação divina frente ao pecado.

2. A ira de Deus é uma emoção, uma forte paixão, todavia, desprovida daqueles

elementos maldosos que frequentemente caracterizam a ira humana, contaminada pelo

pecado.

3. Não há nenhuma distinção precisa entre a ira como uma emoção divina e sua

expressão, seja esta por meio de palavras de maldição ou de ações mais concretas.

4. A ira de Deus é também sua atitude racional frente ao pecado. É inteiramente

previsível, coerente, constante e imutável.

5. A ira de Deus é sempre despertada pelo pecado em todas as suas formas, com

destaque para a quebra da aliança com Deus e a desumanidade do homem para com seu

semelhante.
320

6. A ira de Deus é sua aversão ao pecado. Porque o pecado não é inconsequente,

mas destrutivo e, se não tratado adequadamente, resultará na morte eterna; ele sempre

aborrece a Deus, desperta sua ira e atrai seu ataque judicial.

7. A ira de Deus é apresentada como uma de suas perfeições, expressão justa e

natural de sua santidade contra o pecado.

8. A ira de Deus é, também, a reação do seu amor desprezado ou abusado.

9. O amor de Deus não é simplesmente um sentimento ou emoção, mas uma

atitude racional e voluntária que se baseia numa escolha deliberada, onde o componente

emocional se encontra subordinado à verdade e santidade.

10. A ira de Deus não é incompatível com seu amor e tais atributos coexistem

em sua personalidade. Deus experimenta simultaneamente, para com o pecador, tanto a ira

quanto o amor: a ira, porque falta a este santidade, e o amor, em razão de que este, mesmo

pecador, se encontra em necessidade.

11. A ira de Deus retrata sua obra de julgamento.

12. A ira de Deus abrange, em seu escopo, a história e a escatologia. Tem sido

uma realidade no mundo dos homens desde o surgimento do pecado e permanecerá atuante

até a extinção do mal e a restauração de todas as coisas.

13. Apesar de paciência e tolerância de Deus para com os pecados, sua ira é

revelada em todo o curso da providência, em todas as épocas, seja por meio da acusação da

consciência, do sentimento de culpa e remorso, dos sofrimentos físicos e angústias mentais,

da quebra dos relacionamentos e do envilecimento que o pecado causa, seja por meio da

justiça aplicada pela lei e a sociedade, seja quando irrompe em terríveis julgamentos. Ela

está, agora mesmo, embora parcial, em constante progresso, como uma resposta ao pecado.

Esses juízos ainda não são juízos totais, mas juízos dentro da história. Possuem um sentido
321

pedagógico e estão mesclados com a paciência e a longanimidade de Deus, preservando o

mundo para que tenha a oportunidade de apreciar a revelação do evangelho de modo que

quem quiser se volte para o Senhor.

14. Em seu sentido escatológico a ênfase da ira divina recai sobre o castigo que

os ímpios – Satanás, seus anjos e os homens impenitentes – terão ao final da história

humana.

15. A manifestação da ira divina resulta em tribulação e angústia.

16. Enquanto houver tempo de graça, a ira de Deus será temperada com

misericórdia.

17. Os efeitos da ira de Deus são percebidos primeiramente em nossa própria

constituição, porque o pecado se encontra no homem como um princípio inato e o faz ímpio

e perverso. Em segundo lugar, no abandono de Deus, que entrega os rebeldes a seus

próprios desejos e permite que sigam desembaraçadamente seu caminho descendente, sem

freio, sem qualquer intervenção divina, até a plena profundeza da depravação (embora Deus

nunca abandone quem aceita a Cristo como seu Salvador e esta ação divina de entregar o

homem ao seu próprio pecado não seja necessariamente um abandono eterno, pois

enquanto a vida segue Deus em sua graça provê oportunidades para a salvação). E,

finalmente, os resultados da ira divina são vistos nas punições, sendo que algumas são

consequências naturais dos atos de pecado e outras, penalidades diretas impostas por Deus

como juiz.

18. As punições decorrentes da ira de Deus têm uma diversidade de propósitos,

que podem variar conforme as circunstâncias: a vindicação da santidade e justiça de Deus,

a correção e recuperação do pecador e a dissuasão dos homens para que não enveredem

pelo mau caminho nem sofram o prejuízo que o mal costuma causar.
322

19. Alguns dos falsos ensinamentos mais comuns entre os cristãos a respeito

dos juízos de Deus e de sua ira são: (1) o tormento eterno como castigo pelo pecado, que

retrata a Deus como um ser vingativo, que se alegra com o sofrimento de suas criaturas; (2)

a recompensa segue-se imediatamente após a morte – se fosse assim, não haveria

necessidade de um juízo futuro; (3) as ameaças de Deus não se cumprirão literalmente, pois

seu propósito é meramente amedrontar os homens e levá-los à obediência – o que é

contraditado amplamente pelas narrativas das Escrituras; e (4) a morte é um sono eterno – o

que desconsidera a abundante revelação pertinente.

20. Deus tem empregado, ao longo da história humana, uma variedade de

instrumentos para trazer seus justos juízos sobre os homens. Ele faz uso tanto dos anjos que

lhe são leais como daqueles que se rebelaram. De fato, há situações em que Satanás e seus

anjos são os executores dos juízos de Deus. Isto não significa que haja sociedade entre

Deus e Satanás ou que este ofereça algum tipo de obediência àquele, mas que, ao Deus se

afastar do pecador contumaz – aquele que ultrapassou os limites de sua misericórdia –

Satanás o domina completamente e o sofrimento e desespero que se sucedem também são

considerados como juízo de Deus. Em muitas circunstâncias Deus também se valeu de

homens como executores de seus juízos. Podia ser um indivíduo ou uma coletividade.

Também, repetidamente, Deus tem aproveitado a natureza para mostrar seu desagrado com

o pecado. Isso foi evidenciado no Dilúvio, na destruição de Sodoma, nas pragas que vieram

sobre o Egito e em diversas rebeliões de Israel. Acrescentem-se ainda a expressão da ira

divina por meio de pestilências, doenças e acidentes.

21. Quando o homem pecou, Cristo ofereceu-se como fiador diante da ira de

Deus até que, no devido tempo, na cruz, a tomasse sobre si.


323

22. A ira de Deus era uma característica tanto da vida quanto dos ensinos de

Jesus e em todos os casos ela despertou quando sua misericórdia foi desprezada.

23. Cristo não apenas possuiu, em certa medida, essa ira, ele também a sofreu.

Na cruz suportou a maior demonstração da aversão de Deus contra o pecado, uma punição

– o que é o coração da doutrina da expiação. Nenhum ser humano jamais seria capaz de

sofrer toda a ira de Deus, mas Cristo a recebeu em sua plenitude por causa da união, em sua

pessoa, das naturezas divina e humana.

24. A morte de Cristo foi uma substituição penal, porque ele morreu em no lugar

do pecador e como cumprimento de uma pena. Ele assumiu o lugar e o representou,

recebendo o castigo que ele merecia de modo a libertá-lo desta experiência. Essa expiação é

do início ao fim uma obra do próprio Deus porque, se por um lado sua justiça exigiu a

satisfação das exigências da lei, por outro, seu amor encontrou um meio de livramento para

o pecador.

25. A expiação realizada por Cristo é a grande e central doutrina do cristianismo

e, embora seja suficientemente ampla para incluir a todos e seja a todos oferecida, encontra

limitação no número de pessoas que a aceitam.

26. Cristo é também a propiciação pelos nossos pecados. A ideia de propiciação

é distinta de expiação, porque o objeto da propiciação é a ira de Deus e não apenas o

pecado dos homens. A propiciação contempla a parte ofendida, que necessita ser

apaziguada, e a responsabilidade do pecador para com a ira de Deus e é a provisão da graça

pelo qual ele pode ser libertos dessa ira, de maneira que Deus se torne propício ou com

disposição favorável a ele. Por conseguinte, embora o derramamento do sangue de Cristo

tenha sido a revelação direta do amor do Pai para o pecador, foi também o impedimento

direto da ira do Pai contra ele.


324

27. Existem três fatos sobre a propiciação, conforme a Bíblia: (1) Deus mesmo é

o ofertante, aquele que realiza a propiciação (Jó 42:7-8; Is 60:10; Os 6:1). Não é o homem,

como ocorre em todas as religiões pagãs. Entre os pagãos a propiciação era uma maneira

jeitosa de o indivíduo, por si mesmo, mudar o pensamento de uma divindade, ou seja,

influenciá-la para que lhe fosse favorável. Todavia, na religião da Bíblia, a iniciativa da

reconciliação entre Deus e o homem e a oferta para apaziguar sua ira são obras de Deus

(2Co 5:18-19). O sacrifício de Cristo não tinha como objetivo despertar amor no coração de

Deus, mas manifestar o amor que lá se encontrava. (2) Cristo foi o sacrifício. Foi o

derramamento do seu sangue que alcançou a propiciação, extinguindo a ira de Deus e

redimindo da morte, porque ocupou o lugar do pecador como substituto e representante. (3)

A propiciação demonstra a justiça de Deus. A propiciação na cruz evidenciou não apenas o

perdão de Deus, mas também a justiça como fundamento para esse mesmo perdão. Em

Cristo, Deus satisfez suas próprias exigências santas, desviando do pecador a ira justa que

ele merecia e voltando-a contra si mesmo. Pelo sacrifício de Cristo, Deus satisfez, ou

propiciou sua própria ira.

28. A obra de Cristo como libertador da ira de Deus, compreendida a partir do

ensino das Escrituras do AT, inclui, necessariamente, tanto o sacrifício como a intercessão.

Sua obra sacrifical na Terra requer o seu serviço no santuário do Céu. Em razão do pecador

não ser perfeito, ele não tem acesso direto a Deus e precisa de um sacerdote que ofereça

sacrifícios a Deus em propiciação por seus pecados e interceda por ele, e este é Cristo.

Como intercessor, ele ouve a confissão de pecados e intercede continuamente, tornando

realidade os propósitos salvadores de Deus.

29. Cristo será o executor da ira de Deus. Se ele retratasse somente os atributos

pacíficos de Deus, não seria a plena revelação de Deus, mas apenas uma revelação parcial.
325

Em sua soberania Deus estabeleceu que o destino eterno do homem estivesse ligado à

pessoa de Cristo. Desse modo, o homem se salva ou se perde em função de sua relação com

Cristo. Ou aceita o sangue do Cordeiro ou a ira do Cordeiro.

30. Cristo agirá como executor da ira de Deus no julgamento final, em dois

tempos. Primeiramente em seu segundo advento e, posteriormente, quando todos se

reunirem diante do grande trono branco e ele pronunciar a sentença condenatória e executar

a justiça sobre aqueles que transgrediram sua lei e oprimiram seu povo. Na ocasião, a ira

será derramada sem mistura de misericórdia e os ímpios sofrerão castigo, que varia em

duração e intensidade, segundo suas obras, até que sua existência termine com a segunda

morte.

31. Quando, finalmente, pecado e pecadores não mais existirem, a irá de Deus

se aplacará.

32. A pregação cristã deve incluir mais do que a vida abundante que vem de

Deus quando manifestamos fé em Cristo. Faz-se necessário pregar e ensinar sobre a ira

divina e a condenação que vem sobre todos aqueles que têm pecados não perdoados, que

recusam a misericórdia de Deus.

33. Embora seja verdade que é a bondade de Deus que nos leva ao

arrependimento (Rm 2:4) e que ninguém se converte, ninguém muda de coração, por causa

da mensagem da ira de Deus, esta pregação sacode o pecador e o faz pensar em seu destino

eterno. Ela mostra aos homens como Deus os vê: pecaminosos por natureza, separados da

vida de Deus e merecedores dessa ira. É por isso que as Escrituras publicam a má notícia

antes que a boa. O justo juízo de Deus contra o pecado é proclamado antes do oferecimento

da graça divina para o perdão dos pecados, pois não há razão alguma para se buscar a

salvação do pecado se não se sabe que está condenado por causa dele. Desse modo, o
326

anúncio de salvação está indissoluvelmente ligado à pregação da ira de Deus sobre os

homens e a comissão do pregador é proclamar a mensagem de que todos estão sob a ira de

Deus até que eles creiam no Senhor Jesus Cristo.

Recomendações

Como sugestão para futuras pesquisas sobre o tema da ira de Deus, menciona-se

a possibilidade de uma investigação do ponto de vista histórico, que demonstre como esta

doutrina bíblica foi entendida pelo povo de Deus nos diversos períodos da era cristã. O

mesmo pode ser feito, mais especificamente, tendo-se em conta apenas os adventistas do

sétimo dia. Para tanto, poderiam ser analisadas as muitas séries de estudos bíblicos, os

sermões disponíveis e a vasta literatura denominacional. Também poderiam ser feitas duas

pesquisas de campo: uma para detectar o grau de interesse e compreensão que os

adventistas do sétimo dia possuem em relação ao tema e, outra, somente com os pastores,

para descobrir seu entendimento sobre o tema e o quanto eles tem pregado a respeito. Os

resultados serviriam para mostrar a realidade e poderiam ser úteis para ressaltar ainda mais

a necessidade de incluir a ira de Deus como tema de sermões.


ANEXOS
ANEXO A

RESULTADOS DA REJEIÇÃO DA GRAÇA DE DEUS

A persistente recusa em atender os oferecimentos da graça de Deus atrai seus juízos.

Isso pode ser claramente exemplificado no caso da rebelião encabeçada por Coré, pois esta

foi a atitude tanto dos líderes como do povo que simpatizou com sua causa. Comentando o

episódio Ellen White declara que

Coré não teria seguido o caminho por onde foi, se tivesse sabido que todas as instruções e
reprovações comunicadas a Israel eram de Deus. Ele podia, entretanto, ter sabido isto. Deus
dera prova esmagadora de que estava guiando Israel. Mas Coré e seus companheiros
rejeitaram a luz até se tornarem tão cegos que mesmo as mais notáveis manifestações de Seu
poder não bastavam para os convencer; atribuíam-nas todas a operações humanas ou
satânicas. A mesma coisa fora feita pelo povo que, no dia seguinte ao da destruição de Coré e
seu grupo, veio a Moisés e Arão, dizendo: ‘Vós matastes o povo do Senhor.’ Núm. 16:41.
Apesar de terem tido a prova mais convincente do desagrado de Deus pela sua conduta, na
destruição dos homens que os haviam enganado, ousaram atribuir Seus juízos a Satanás,
declarando que, pelo poder do maligno, Moisés e Arão tinham ocasionado a morte de homens
bons e santos. Foi este ato que selou a condenação deles. Haviam cometido o pecado contra o
Espírito Santo, pecado este em virtude do qual o coração do homem eficazmente se endurece
contra a influência da graça divina. "Se qualquer disser uma palavra contra o Filho do
homem", disse Cristo, ‘ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não
lhe será perdoado.’ Mat. 12:32. Estas palavras foram proferidas por nosso Salvador quando
as obras cheias de graça que realizara pelo poder de Deus, foram atribuídas pelos judeus a
Belzebu. É mediante a operação do Espírito Santo que Deus Se comunica com o homem; e
aqueles que deliberadamente rejeitam esta operação como satânica, interceptaram o conduto
que estabelece comunicação entre a alma e o Céu.

Deus opera pela manifestação de Seu Espírito para reprovar e convencer o pecador; e, se a
obra do Espírito é finalmente rejeitada, nada mais há que Deus possa fazer pela alma. O
último recurso da misericórdia divina foi empregado. O transgressor desligou-se de Deus; e o
pecado não tem remédio para curar a si mesmo. Não há um poder reservado, pelo qual Deus
possa operar para convencer e converter o pecador. ‘Deixa-o’ (Osé. 4:17), é a ordem divina.
Então, ‘já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo,
e ardor de fogo, que há de devorar os adversários’. Heb. 10:26 e 27.1

1
Ellen White, Patriarcas e profetas, 16ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 404-405.

328
329

Também é por este modo que o coração é endurecido a tal ponto que nada mais

pode ser feito em prol da salvação do indivíduo. Em outro de seus escritos, comentando a

reação de Faraó face à ação de Deus no Egito, ela afirma que

o Senhor nos manda advertência, conselho e reprovação, para que tenhamos oportunidade de
corrigir nossos erros antes que eles se tornem segunda natureza. Se, porém, recusamos ser
corrigidos, Deus não interfere para impedir as tendências de nosso procedimento. Não opera
nenhum milagre para que a semente semeada não brote e dê frutos. [...] Foi assim que o
Senhor endureceu o coração de Faraó. [...] Deus não mandou um poder sobrenatural para
endurecer o coração do rebelde rei, mas à medida que Faraó resistia à verdade, o Espírito
Santo era retirado, e ele entregue às trevas e incredulidade que preferia”.2

2
Idem, “Workers for God”, Review and Herald, June 20, 1882, par. 12.
ANEXO B

HILASTĒRION

Paulo com frequência associa a morte de Cristo com o ritual de sacrifícios do AT e

emprega a palavra hilastērion (Rm 3:25), que é uma referência ao cerimonial do dia da

expiação (Lv 16). 1 Conforme aparece em Rm 3:25, hilastērion é a chave para a

compreensão da obra expiatória de Cristo.2

Os teólogos se dividem quanto ao significado de hilastērion. A maioria adota a

posição de que é uma referência ou ao assento da misericórdia ou ao sacrifício propiciatório,

havendo aqueles para quem as duas idéias não se excluem, antes se completam, de modo

que Cristo é tanto a propiciação como o propiciatório, o sacrifício e o assento da

misericórdia.3 Para outros eruditos, hilastērion deve ser traduzida por “propiciador”, para

concordar com “quem”.4

(1) Hilastērion como o assento da misericórdia. Cada artefato e rito do santuário era

uma revelação da obra de Cristo, especialmente o centro de toda adoração: a arca e sua

cobertura. Dentro da arca encontrava-se a lei de Deus e, acima, os querubins. Estas coisas

1
Leslie C. Allen, “Romans”, The International Bible Commentary (Grand Rapids, MI: Marshall
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2
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of Paul (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company, reimpressão 1946), 3:43.
3
William S. Plumer, Commentary on Romans (Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 1971), 132-
133.
4
Ibid.; Lewis Sperry Chafer, Teologia sistemática, 8 vols., traduzido por Heber Carlos de Campos
(São Paulo: Hagnos, 2003), 3:100.

330
331
332

simbolizavam a habitação do trono de Deus, com seus anjos prontos para executarem a

justa ira de Deus contra os transgressores de sua lei. A arca sem cobertura seria um

tremendo perigo. Os mandamentos descobertos seriam testemunhas contra todos os homens.

Haveria apenas justiça, santidade e ira – o que foi ilustrado no episódio em que 70 homens

que estavam no campo de Bete-Semes morreram, quando retiraram a tampa da arca e

olharam para dentro dela (1Sm 6:19-20).

Entretanto, Deus pôs na arca uma tampa, que protegia de sua ira. Entre a glória, a

justiça, a santidade, a ira de Deus e os pecadores havia o hilastērion, o “assento da

misericórdia”, a cobertura da arca, o lugar da propiciação (Hb 9:5), onde o sangue era

colocado de maneira que a ira de Deus permanecesse aplacada. Esse sangue aspergido

tipificava o sacrifício de Cristo na cruz, de modo que Cristo é o antítipo do assento da

misericórdia, o mediador, pelo qual o homem tem acesso ao Pai (Ef 2:18), o lugar do

encontro de Deus com o homem onde a misericórdia de Deus está disponível por causa do

sacrifício do Filho.

É este o significado quando aparece na LXX e no único outro texto do NT em que

se encontra (Hb 9:5). Mas podemos estar seguros que Rm 3:25 tem a mesma moldura de

referência? Em primeiro lugar, a passagem de Hebreus tem um artigo definido, enquanto

que a referência em Romanos não tem. Isso não é uma objeção insuperável, pois se a

intenção de Paulo era ressaltar que Cristo é antítipo do assento da misericórdia do AT, ele

naturalmente omitiria o artigo assim como evitaria identificar Cristo com um objeto

material.5

5
Harrison, 10:43.
332

Além disso, quando Paulo escreveu, o templo judaico ainda existia e seus leitores

possuíam suas próprias Escrituras e conheciam bem o ritual do Kapporeth.6 Alguns têm

sugerido que a tradução “lugar de expiação” representa mais claramente a obra de redenção

e reconciliação realizadas na cruz.7 Sempre que esta palavra é usada transmite a idéia de

que a morte sacrifical de Jesus encontrou a penalidade do pecado e tornou possível o

perdão e a reconciliação de quem tem fé em Cristo.8

(2) Hilastērion como o sacrifício propiciatório. Alguns vêem o vocábulo hilastērion

como estando no neutro, possibilitando suprir a palavra “vítima” ou “sacrifício”, depois

dele.9 Em Hb 9:5 hilastērion é um adjetivo usado como substantivo, significando “o lugar

propiciatório” ou o “assento da misericórdia”. Mas não aqui em Rm 3:25, onde é

empregado como adjetivo e significa “uma oferta votiva” ou “um dom propiciatório.” A

epístola aos Romanos não trata de nenhum aspecto do cerimonial levítico, de modo que

seria estranho introduzir o elemento “assento da misericórdia” sem acrescentar qualquer

explicação.

Além disso, em nenhum lugar da Bíblia Jesus é figurado como “assento da

misericórdia”, 10 enquanto que em várias passagens ele é referido como propiciação ou

6
Lenski, 257-258.
7
“Propitiation”, Seventh-Day Adventist Bible Commentary, ed. Francis D. Nichols (Washington, DC:
Review and Herald, 1953-1957), 6:505.
8
Ibid.
9
Plumer, 132-133.
10
Plumer, 132-133; Allen, 1323; D. M. Lloyd-Jones, Romans: Atonement and Justification (Grand
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333
332

expiação. Portanto, parece melhor traduzir por “meio de propiciação” ou “sacrifício

propiciatório”. E o que isso significa? Significa apaziguar, aplacar, evitar a ira. O Cristo

crucificado é a oferta propiciatória do divino amor para a salvação dos homens. Deus deu

seu Filho como meio de propiciação (1Jo 2:2).11

11
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VITA

Nome Emilson dos Reis

Nascimento 27 de outubro de 1955, Porto Alegre, RS

Esposa Irani Augusta dos Reis

Filho Thompson Augusto dos Reis

Ensino Médio Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, Taquara, RS

Títulos

1976 Bacharel em Teologia – Instituto Adventista de Ensino, São

Paulo, SP

1981 Mestre em Teologia Pastoral – Instituto Adventista de

Ensino, São Paulo, SP

Experiência Ministerial

1977-1978 Pastor Distrital em Nova Andradina, MS

1979-1981 Pastor Distrital no Porto, Cuiabá, MT

1982-1985 Professor de Ensino Religioso e Pastor Distrital no IACS,

Taquara, RS

1986-1987 Pastor Distrital na Central de Porto Alegre, RS

1988-1990 Professor de Teologia no IAE, São Paulo, SP

1991-1995 Professor de Teologia no Novo IAE, Engenheiro Coelho, SP

1996-1997 Pastor Distrital na Floresta, Porto Alegre, RS

1998-2006 Coordenador Acadêmico e Professor de Teologia no UNASP,

355
356

Campus Engenheiro Coelho, SP

2007-2008 Pastor da Igreja do UNASP, Campus Engenheiro Coelho, SP

2009-____ Diretor da Faculdade de Teologia do UNASP, Campus

Engenheiro Coelho, SP

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