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A Teoria das Operações Especiais


William H. McRaven, oficial da Marinha dos EUA . Almirante da Reserva. Foi
comandante das Forças Especiais Norte americanas de agosta de 2011 a
agosto de 2014.
Na área da literatura militar, muito se tem escrito sobre a teoria da guerra,
desde o pensamento de Herman Kahn acerca da temível extremidade
nuclear do espectro, até a guerra indireta de B. H. Liddell Hart na
extremidade convencional. Existem teorias sobre a escalada e a conclusão
da guerra, teorias sobre a revolução e a contra-revolução, teorias sobre a
insurreição e a contrainsurreição, bem como teorias gerais sobre o poder
aéreo e o poder marítimo; e outras mais específicas sobre o bombardeio
estratégico e a guerra anfíbia. Entretanto, não se encontra nenhum registro
a respeito de uma teoria sobre as operações especiais.
Qual a importância de uma teoria das operações especiais? Uma operação
especial bem-sucedida contradiz o conhecimento convencional, pois
prescreve o emprego de uma força de pequeno efetivo para derrotar um
adversário bem mais numeroso ou estacionado em bases fortificadas. Este
livro formula uma teoria das operações especiais que expõe o porque da
ocorrência deste fenômeno. Irei mostrar que, através do emprego de certos
princípios de guerra, uma força de operações especiais pode reduzir as
chamadas “fricções da guerra”, de Carl von Clausewitz, a um nível aceitável.
Ao minimizar estas fricções, a força de operações especiais pode obter uma
superioridade relativa sobre o inimigo. Uma vez obtida essa superioridade, a
força atacante deixa de estar em desvantagem e pode tomar a iniciativa a
fim de aproveitar as vulnerabilidades do inimigo e assegurar a vitória. A
obtenção da superioridade relativa é um fator necessário, mas, por si só,
insuficiente para garantir o êxito. Se pudermos determinar, antes da
operação, a melhor maneira de obter a superioridade relativa, poderemos
modificar o planejamento e a preparação das operações especiais para
aumentar a possibilidade de alcançarmos o êxito. Esta teoria não fará do
leitor um melhor mergulhador, aviador ou pára-quedista, mas lhe
proporcionará um embasamento intelectual para refletir sobre as operações
especiais. O gráfico da superioridade relativa que será apresentado na
Figura 1, constitui-se num instrumento para determinar a viabilidade de
uma possível operação especial.
O ESCOPO DESTE ESTUDO
Para desenvolver uma teoria de operações especiais, inicialmente, há que
se limitar o escopo do problema. Isso exigiu a formulação da seguinte
definição aperfeiçoada de operação especial: “Uma operação especial é
conduzida por forças especialmente adestradas, equipadas e apoiadas
visando um alvo específico, cuja destruição, eliminação ou resgate (no caso
de reféns) constitui-se em imposição política ou militar.”** A Joint Pub 3-
05 estabelece que as missões de ação direta são “projetadas para a
obtenção de resultados específicos, bem-definidos e que, com freqüência,
dependem do tempo. Eles têm importância estratégica, operacional, ou são
críticos do ponto de vista tático.” Abrangem ataques contra alvos vitais,
interdição de linhas de comunicações, localização, captura ou recuperação
de pessoal ou material, ou a captura, destruição ou neutralização de
instalações críticas.-Nota da Editoria Brasileira.
Esta definição não coincide com a apresentada na doutrina combinada
oficial norte-americana, a qual define as operações especiais de uma forma
abrangente, compreendendo as operações psicológicas, assuntos civis e
reconhecimento. As oito operações de combate que estão analisadas neste
livro para determinar os princípios das operações especiais e formular a
teoria respectiva se encaixam mais adequadamente no que o Joint Pub 3-
05 define de “Missão de Ação Direta”.* .* A Doctrine for Joint Special
Operations [Joint Pub 3-05] define as Operações Especiais como
“operações conduzidas por forças militares e paramilitares especialmente
organizadas, adestradas e equipadas, visando a consecução de objetivos
militares, políticos, econômicos ou psicológicos por meios militares não-
convencionais em áreas hostis, interditadas ou politicamente sensíveis.
Tais operações são conduzidas em tempo de paz, conflitos e guerras,
independentemente ou em coordenação com operações realizadas por
forças convencionais, não adestradas em Operações Especiais. As
considerações político-militares freqüentemente modelam as Operações
Especiais, exigindo técnicas clandestinas, sigilosas e a supervisão no nível
nacional. As Operações Especiais diferem das convencionais nos níveis de
risco físico e político, técnicas operacionais, modalidades de emprego,
independência do apoio de forças amigas, e dependência de inteligência
operacional detalhada e de meios locais.
Por que são as Operações Especiais Singulares?
Todas as operações especiais são conduzidas
contra posições fortificadas, quer seja um encouraçado cercado por redes
antitorpedo (a incursão dos minissubmarinos britânicos contra o
encouraçado alemão Tirpitz), um reduto nas montanhas protegido por
tropas italianas (o resgate de Benito Mussolini, liderado por Otto Skorzeny),
um campo de prisioneiros de guerra (a incursão dos Rangers sobre
Cabanatuan e a incursão das forças especiais dos EUA sobre Son Tay), ou
um avião comercial seqüestrado (o resgate de reféns em Mogadíscio, levado
a cabo pela unidade antiterrorista alemã GSG-9). Estas posições fortificadas
são características de situações onde o inimigo adotou uma posição
defensiva.
Em seu livro On War, Carl von Clausewitz observou: “a modalidade
defensiva da guerra em si é mais vigorosa do que a ofensiva. [Ela] contribui
para o poder de resistência, ou seja, a capacidade de autopreservação e
proteção. Dessa forma a defesa, em geral, tem uma finalidade negativa,
que é a de resistir à vontade do inimigo… Se é que desejamos desencadear
uma ofensiva para impor a nossa vontade, devemos possuir força suficiente
para superar a inerente superioridade da defesa inimiga.”2 A teoria da
guerra proposta por Clausewitz estabelece que, para derrotar “a modalidade
mais vigorosa da guerra”, a melhor arma de um exército é a superioridade
numérica. “Neste sentido, admite-se que tal superioridade seja o fator mais
importante no desfecho de um engajamento, desde que seja
suficientemente grande para compensar as demais circunstâncias.
Depreende-se, portanto, que o maior número possível de tropas deve ser
empregado no ponto decisivo do engajamento.”3
Nenhum combatente questionaria o benefício da superioridade numérica.
Todavia, se ela constitui o fator mais importante, como é que 69 comandos
alemães foram capazes de derrotar uma força belga de 650 soldados,
protegidos pela maior e mais compacta fortaleza da época, o forte em Eben
Emael? Como pode uma força de operações especiais numericamente
inferior, que tem a desvantagem de atacar a modalidade mais vigorosa da
guerra, obter a superioridade sobre o inimigo? Quem entender este
paradoxo, entenderá as operações especiais.

SUPERIORIDADE RELATIVA
A superioridade relativa é um conceito essencial à teoria das operações
especiais. Simplesmente dito, a superioridade relativa é uma condição que
existe quando uma força atacante, geralmente menor, obtem uma
vantagem decisiva sobre um inimigo maior ou bem-fortificado. A
importância do conceito de superioridade relativa reside na sua capacidade
de mostrar quais os vetores positivos que influenciam o êxito de uma
missão e como as fricções da guerra afetam a consecução do objetivo.
Nesta seção, iremos definir os três atributos básicos da superioridade
relativa e mostrar como se manifestam em combate.
A superioridade relativa é obtida no momento decisivo de um engajamento.
Por exemplo, quando os alemães atacaram o forte belga em Eben Emael
durante a II Guerra Mundial, eles conquistaram uma vantagem decisiva – a
superioridade relativa – sobre o inimigo, cinco minutos após o engajamento
inicial, tendo empregado planadores e cargas explosivas dirigidas para obter
a surpresa e a rapidez necessárias para subjugar, no menor tempo possível,
o inimigo. Embora os belgas combatessem por mais 24 horas, o combate
dependeu das ações iniciais, estando o desfecho praticamente assegurado.
Em alguns casos, o momento decisivo surge antes do combate. Em 1943,
os britânicos modificaram um velho contratorpedeiro, o HMS Campbeltown,
carregando-o com 4 1/2 toneladas de explosivos e protegendo-o com
blindagem. Após cruzar o Canal da Mancha, o navio arremeteu contra o
dique seco, ocupado pelos alemães, em Saint-Nazaire, na França, tornando-
o inoperante pelo resto da guerra. Embora as defesas alemãs em torno de
Saint-Nazaire fossem as mais fortes no Atlântico, quando o HMS
Campbeltown alcançou o ancoradoro exterior do porto (a cerca de 3km do
dique seco), os alemães já não podiam detê-lo. A essa altura, antes do
início das hostilidades propriamente ditas, a superioridade relativa já havia
sido obtida. O ponto em que esta é obtida também é, freqüentemente, o
ponto de maior risco. Quanto mais se aproximar a força atacante, tanto
mais fortes serão as defesas. No entanto, uma vez superado o obstáculo
decisivo, a probabilidade de êxito é consideravelmente maior do que a
probabilidade de fracasso, obtendo-se, assim, a superioridade relativa.
Uma vez obtida a superioridade relativa, esta deve
ser mantida a fim de assegurar a vitória. Quando da tentativa de resgate do
ditador italiano Benito Mussolini, o Capitão Otto Skorzeny, das SS, conduziu
um assalto aéreo (com planadores) contra um reduto italiano no alto da
Montanha Gran Sasso, nos Apeninos. Quatro minutos após desembarcar,
Skorzeny penetrou no hotel e libertou Mussolini. A esta altura, a
superioridade relativa havia sido obtida, mas, para que a missão fosse bem-
sucedida, Skorzeny ainda tinha de extrair Mussolini do alto da montanha e
assegurar o seu retorno a Roma. Este período entre a libertação de
Mussolini e o término da missão requereu a manutenção da superioridade
relativa, o que foi possível graças à audácia de Skorzeny e às tropas
convencionais que reforçavam a pequena força de comandos.
A capacidade de manter a superioridade relativa freqüentemente exige a
intervenção da coragem, do intelecto, da audácia e da perseverança, ou do
que Clausewitz chama de “fatores morais”. Para citar um exemplo, durante
a II GM, o Tenente Luigi Durand de la Penne, um homem-rã italiano, entrou
clandestinamente no porto de Alexandria a bordo de um torpedo tripulado.
Ele e seu segundo mergulhador desbordaram uma rede antisubmarino,
cargas de profundidade, pequenos navios de proteção, a segurança do
porto e uma rede antitorpedo para chegar ao encouraçado britânico HMS
Valiant. Eles só tinham que colocar explosivos na quilha do navio para que a
missão fosse bem-sucedida. Infelizmente, à medida que Durand de la Penne
manobrava o torpedo tripulado sob o casco do HMS Valiant, o submersível
começou a ganhar lastro e afundou na lama. Agravando ainda mais a
situação, seu segundo mergulhador perdeu os sentidos e flutuou até a
superfície. Fisicamente exausto pelo mergulho prolongado e afetado pela
água gelada que penetrava na sua roupa de neoprene rasgada, Durand de
la Penne passou os próximos 40 minutos posicionando o torpedo sob o HMS
Valiant. Foi somente graças a sua tremenda perseverança e coragem (dois
dos quatro fatores morais) que ele conseguiu manter a superioridade
relativa e concluir a missão.
Se a superioridade relativa for perdida, será difícil recuperá-la. Após a
investida do Campbeltowncontra o dique seco em Saint-Nazaire, o plano
previa que oitenta comandos a bordo do navio desembarcassem e
destruíssem alvos em volta da instalação portuária. Embora os comandos
tivessem atingido uma marcante vantagem tática quando investiram contra
o dique seco e surpreenderam os alemães, os marinheiros e soldados
germânicos logo intervieram e retardaram o avanço dos comandos
enquanto tentavam destruir os alvos em terra firme.
Trinta minutos após desembarcarem, os comandos do
HMS Campbeltown encontravam-se em inferioridade numérica face aos
reforços alemães, perdendo a superioridade relativa. O engajamento
continuou por mais duas horas, mas os britânicos, devido à sua
inferioridade numérica, não foram capazes de recuperar a vantagem.
Eventualmente, os comandos se viram forçados a render-se. Uma
vulnerabilidade própria das Forças de Operações Especiais é seu limitado
poder de fogo em relação a uma força convencional de grande efetivo. Por
isso, quando perdem a superioridade numérica, também perdem a
iniciativa. Nesse caso prevalece, geralmente, a modalidade mais vigorosa da
guerra.
A chave das missões de operações especiais reside na conquista da
superioridade relativa, o mais cedo possível no engajamento. Quanto mais
se prolongar o engajamento, tanto maior será a probabilidade de que o
desfecho seja afetado pela vontade do inimigo, pelo azar e pela incerteza,
fatores que constituem as fricções da guerra.
No fim de cada estudo de caso, utilizamos um gráfico para mostrar como e
quando cada força de operações especiais obteve a superioridade relativa.
Ele ilustra como essas forças com sua tecnologia de ponta, acesso a
inteligência no nível estratégico nacional, adestramento de elevada
qualidade e tropas de elite são capazes de minimizar as fricções da guerra e
obter a superioridade relativa. O referido gráfico destina-se a ser uma
ferramenta conceitual, e não analítica, para ajudar a explicar porque certas
missões são bem-sucedidas. Adicionalmente, o gráfico oferece uma
demonstração visual dos três atributos da supe-rioridade relativa: o êxito no
momento decisivo pode ser considerado como uma dramática vantagem na
possibilidade de concluir a missão com sucesso; a manutenção da
superioridade relativa implica numa evolução progressiva desde o momento
decisivo até a conclusão da missão; e um declínio decisivo na probabilidade
da conclusão exitosa da mesma demonstra a perda da superioridade
relativa. Pode-se ver na Figura 1 um gráfico representativo da superioridade
relativa.
Os eixos X e Y representam, respectivamente, o tempo e a probabilidade
de concluir exitosamente a missão. Eles se cruzam no ponto de
vulnerabilidade, que é definido como o ponto, durante a missão, em que a
força atacante atinge a primeira linha de defesa do inimigo. Nesse
momento, as fricções da guerra (azar, incerteza e a vontade do inimigo)
começam a influir no êxito do engajamento. Este ponto de vulnerabilidade é
um tanto arbitrário, e sua localização exata, discutível. Embora as chamadas
fricções da guerra ainda possam afetar uma missão durante as fases de
planejamento e preparação, decidimos considerar o ponto de
vulnerabilidade como um aspecto da fase de engajamento.
A área de vulnerabilidade é uma função da conclusão da missão ao longo
do tempo. Quanto mais tempo se levar para obter a superioridade relativa,
tanto maior será a área de vulnerabilidade, e conseqüentemente, maior o
impacto causado pelas fricções da guerra. O gráfico mostra que a força de
operações especiais é bem-sucedida porque suas vantagens intrínsecas
(tecnologia, adestramento, inteligência, etc.) permitem reduzir a área de
vulnerabilidade e, por extensão, as fricções da guerra, a um nível aceitável.
Embora existam fatores na guerra que estão fora do nosso controle, a
teoria das operações especiais mostra que há seis princípios que podem ser
controlados e, ao mesmo tempo, influem na supe-rioridade relativa.
OS SEIS PRINCÍPIOS DAS OPERAÇÕES ESPECIAIS
Os seis princípios das Operações Especiais aqui apresentados –
simplicidade, segurança, repetição, surpresa, rapidez e propósito – foram
extraídos de uma análise de oito casos históricos.**Inicialmente, os casos
foram considerados em termos dos princípios de guerra do Exército dos
EUA, segundo definidos na Doctrine for Special Operations. Após minuciosa
análise desses casos, alguns dos princípios de guerra foram eliminados ou
modificados, a fim de que refletissem, com maior precisão, o seu
relacionamento com uma operação especial. Os princípios do exército
incluem: objetivo, ofensiva, massa, economia de meios, manobra, unidade
de comando, segurança, surpresa e simplicidade..-Nota da Editoria
Brasileira. Estes princípios predominaram em todas as missões bem-
sucedidas. Quando um destes foi omitido, negligenciado ou contornado,
redundou, invariavelmente, em algum grau de fracasso. São estes princípios
que permitem às forças de operações especiais atingirem a superioridade
relativa. Poderão as forças de grande efetivo empregar esses princípios para
obter a superioridade relativa? É pouco provável. A superioridade relativa
favorece as pequenas formações. Isto não implica em que as forças de
grande efetivo não possam obter algum grau de surpresa ou empregar a
rapidez para atingir seus objetivos, ao contrário, a obtenção da
superioridade relativa exige a adequada integração dos seis princípios.
Devido ao seu volume, é difícil para as forças de grande efetivo elaborar um
plano simples, manter seus movimentos sigilosos, conduzir ensaios
detalhados com todo o pessoal (até o nível individual), obter a supresa
tática, incrementar a rapidez da ação no objetivo, e motivar todos os
combatentes da unidade para alcançar um único objetivo. Em determinado
momento, o comando e o controle tornam-se demasiado abrangentes para
permitir a uma força de grande efeito aplicar, eficazmente, os princípios das
operações especiais. Clausewitz nada mais faz do que constatar o óbvio
quando diz: “quanto maior a magnitude de qualquer evento, tanto mais
ampla será a variedade de forças e circunstâncias que o afetam.”4 As forças
de grande efetivo são mais suscetíveis às fricções da guerra. Os princípios
das operações especiais funcionam porque procuram reduzir a guerra ao
nível mais simples e, dessa forma, limitar os efeitos negativos do azar, da
incerteza e da vontade do inimigo.
Para atingir a superioridade relativa, o combatente de operações especiais
deve levar em consideração os princípios nas três primeiras fases de uma
operação: planejamento, preparação e execução. Os princípios estão
interconectados e se apóiam mutuamente. Por exemplo, se o plano não for
simples, será difícil manter em sigilo a intenção da operação e ainda mais
difícil ensaiar a missão. E se for difícil manter o sigilo e ensaiar a missão,
será quase impossível executá-la com surpresa, rapidez e determinação.
O Relatório da Missão de Resgate (Rescue Military Report), preparado pela
Comissão Holloway, a qual revisou a fracassada tentativa de resgatar os
reféns em Teerã, em 1980, mostra como se relacionam os princípios de
simplicidade, segurança e repetição. A missão de resgate foi abortada
quando, devido a circunstâncias imprevisíveis, houve uma insuficiência de
helicópteros para continuar a missão. O relatório indicou, no entanto, que o
acréscimo de helicópteros teria aumentado o nível de dificuldade, o que
“teria aumentado, desnecessariamente, o risco à segurança das operações”.
5 O relatório continua a dizer que: “as considerações de segurança das
operações iam de encontro à realização de tais ensaios [de grandes
proporções] e, se bem que o grupo de revisão reconhecesse o risco de
reunir todas as forças no local de adestramento no Oeste dos EUA, as
possíveis desvantagens de segurança de tais ensaios parecem ser
superadas pelas vantagens que seriam obtidas”.6 A correlação entre
simplicidade, segurança e repetição está clara: se o plano for complexo,
requererá extraordinária segurança. O excesso de segurança, caracterizado
pela preocupação com a quebra do sigilo conseqüente da realização de
ensaios, prejudica uma preparação eficaz.
Na fase de preparação, adequada segurança e contínua repetição têm um
impacto direto na capacidade da força atacante de obter a surpresa e
conseguir a rapidez na fase de execução. Ao discorrer sobre a surpresa,
Clausewitz observa: “A surpresa nunca será obtida sob condições de
conduta relaxadas [inadequada segurança].”7 A segurança terá um elevado
nível de prioridade na fase de preparação, de forma a evitar que o inimigo
obtenha uma vantagem decisiva.
A contínua repetição das ações a realizar, manifestada no adestramento e
nos ensaios conduzidos antes da missão, constitui o vínculo entre o princípio
de simplicidade, na fase de planejamento, e os princípios de surpresa e
rapidez, na fase de execução. Por exemplo, o Tenente-Coronel Herbert
Zehnder, que pilotou um helicóptero HH-3 desde a Tailândia até Son Tay,
no Vietnã do Norte, tinha que realizar a difícil tarefa de pousar no pequeno
pátio do campo de prisioneiros de guerra. Considerava-se essencial que
essa aterragem controlada ocorresse no pátio, a fim de ganhar alguns
segundos de surpresa. Inicialmente, esta manobra foi considerada muito
difícil. No entanto, após centenas de horas no ar e uma dúzia de ensaios,
essa difícil manobra tornou-se mais fácil e a surpresa foi obtida. A contínua
repetição das ações facilitou a tarefa de pousar numa área de proporções
reduzidas, aumentando, dessa forma, a probabilidade de obtenção da
surpresa.
A contínua condução de ensaios realísticos irá melhorar a capacidade da
força atacante de executar, com rapidez, a missão, especialmente sob
condições de combate. John Lorimer, tripulante do minissubmarino que
danificou o encouraçado alemão Tirpitz, afirmou: “Se houver necessidade
de realizar alguma tarefa perigosa, a melhor maneira de cumpri-la é
adestrar, adestrar e adestrar, de modo que em meio à emoção do
momento, a tarefa seja realizada automaticamente.”8 A repetição, pela sua
própria natureza, possibilita a rapidez da ação no objetivo.
O último dos seis princípios diz respeito ao propósito da missão. Incutir um
senso de propósito, especificamente a compreensão dos objetivos da
missão e um compromisso pessoal para com a consecução dos mesmos, é
vital para atingir a superioridade relativa. Embora o princípio de propósito
seja mais aparente na fase de execução, todas asfases devem-se concentrar
no propósito da missão. O seu entendimento irá reduzir os objetivos
irrelevantes, destacar a inteligência necessária e modelar os requisitos de
segurança das operações. Assegurará, ainda, em combate, que os esforços
do comandante e de cada combatente estejam voltados para o que é
realmente importante – a missão.
Todos os exemplos anteriores mostram o relacionamento entre as fases de
planejamento, preparação e execução de uma missão, e demonstram a
natureza sinérgica dos seis princípios das operações especiais. O modelo
apresentado na Figura 2 caracteriza os princípios das operações especiais
como uma pirâmide invertida.
Os blocos dentro da pirâmide podem ser construídos de modo a reduzir as
fricções da guerra e atingir a superioridade relativa. Embora a obtenção
dessa superioridade sobre o inimigo seja essencial, não se constitui em
garantia para o êxito. O sucesso da missão, da mesma forma que a
pirâmide invertida, está precariamente equilibrada sobre um pequeno
vértice. Os fatores morais de coragem, intelecto, audácia e perseverança
devem apoiar a pirâmide, e impedir que as fricções da guerra a
desequilibrem e provoquem a derrota.
Este modelo é uma ferramenta para ajudar o leitor a analisar os casos
históricos e entender o relacionamento entre os princípios das operações
especiais e a superioridade relativa. Ele também reflete a teoria das
operações especiais, pois representa, graficamente, a idéia de que as
operações especiais são bem-sucedidas, apesar de sua inferioridade
numérica, quando são capazes de obter a superioridade relativa. Isso é feito
através do emprego de um plano simples, cuidadosamente mantido em
sigilo, repetida e realisticamente ensaiado, e executado com surpresa,
rapidez e propósito. O fracasso ocorre quando as fricções da guerra
superam os fatores morais. A seguir, iremos analisar, detalhadamente, os
seis princípios e demonstrar como se manifestam em combate.
SIMPLICIDADE
A simplicidade é o princípio mais crítico e, às vezes, o mais difícil de
observar. Como se pode elaborar um plano simples? Existem três elementos
da simplicidade que são fundamentais para o êxito: a limitação do número
de objetivos, boa inteligência e criatividade.
A situação política ou militar impõe os objetivos estratégicos ou operacionais
da missão, mas os planejadores geralmente possuem a liberdade de ação
para determinar os objetivos táticos, desde que os dois objetivos coincidam.
Portanto, é de importância fundamental limitar o número de objetivos
táticos àqueles que são vitais. Por exemplo, no início da II Guerra Mundial,
Hitler ordenou aos comandos alemães que capturassem o forte belga em
Eben Emael, a fim de impedir que os canhões de 75mm e 120mm
destruíssem as pontes circunjacentes e engajassem a divisão Panzeralemã
que avançava nessa direção. Embora existissem dezenove posições
fortificadas (cada uma com duas ou três metralhadoras), os alemães, de
início, somente atacaram 9 casamatas. As 10 remanescentes estavam
orientadas para o sul, e não representavam uma ameaça para as pontes ou
os Panzers localizados ao norte.
Por outro lado, enquanto planejavam a incursão sobre Saint-Nazaire, os
britânicos identificaram o dique seco na Normandia como o objetivo
principal, e as portas da Comporta Sul e quaisquer outros submarinos
alemães acessíveis, como alvos secundários e terciários.9 Contudo, à
medida que o planejamento foi progredindo, o número total de alvos
principais aumentou de três para onze. Em conseqüência disso, a força de
assalto precisou aumentar em 50 combatentes e o efetivo de apoio naval
cresceu em mais de 200. Ainda mais, foi necessário acrescentar 10
embarcações de assalto e conduzir mais adestramento, bem como modificar
as táticas a fim de implementar essas mudanças. Limitar o número de
objetivos a apenas aqueles que forem essenciais orienta o adestramento,
diminui o efetivo necessário, encurta o tempo da ação no objetivo e diminui
o número de “partes móveis”.
O segundo elemento necessário à elaboração de um plano simples é a
inteligência adequada, a qual simplifica o plano, mediante a redução dos
fatores desconhecidos e o número de variáveis que devem ser
consideradas. Durante a preparação do resgate dos reféns no Aeroporto de
Entebbe, o pessoal de inteligência israelense conseguiu identificar o número
de terroristas e de guardas ugandenses, seus armamentos, e o seu
dispositivo geral. Esta informação permitiu ao comandante da força de
ataque, Brigadier-General Dan Shomron, reduzir o efetivo de sua força e
empregar somente o que era necessário. Isto melhorou, consideravelmente,
o comando e controle, constituindo-se em elemento fundamental do êxito.
Antes da incursão sobre a fortaleza em Eben Emael, os alemães obtiveram
planos de engenharia que ofereciam uma descrição detalhada das saídas de
emergência do forte. Isso era necessário porque se uma parcela dos 650
belgas dentro do forte escapasse, poderia superar a pequena força alemã.
Munidos desse conhecimento, os combatentes, após desembarcarem dos
planadores, rapidamente destruíram as saídas de emergência, eliminando a
capacidade dos belgas de contra-atacar.
Todavia, sempre existirão lacunas na inteligência. A tripulação do
minissubmarino que atacou o encouraçado Tirpitz não sabia até que
profundidade se estendia a rede anti-torpedo. Em Son Tay, os incursores
desconheciam o número exato de prisioneiros de guerra, ou quantos
guardas inimigos se encontravam no interior do campo. Em ambos os
casos, os executantes levaram em consideração as palavras de Clausewitz:
“Grande parte da inteligência obtida na guerra é contraditória, uma parte
ainda maior é falsa, e a maior de todas as partes apresenta caráter
duvidoso. O que se exige de um planejador é um grande discernimento…A
lei das probabilidades deve ser sua diretriz.”10
A tripulação do submarino estava preparada para cortar a rede e continuar
seu avanço, caso esta se estendesse 37 m até o fundo do mar. Os analistas
de inteligência examinando o campo em Son Tay previram o número de
prisioneiros de guerra e de guardas, baseados na quantidade e tamanho
dos prédios. Ambas as unidades conceberam seus planos em torno do que
se podia razoavelmente prever.
O terceiro elemento que contribui para a simplicidade é a criatividade, a
qual simplifica o plano ao ajudar a evitar ou a eliminar obstáculos que, do
contrário, poderiam comprometer a surpresa e/ou complicar a rápida
execução da missão. A criatividade, normalmente, se manifesta na nova
tecnologia, mas também se encontra na aplicação de táticas não-
convencionais. O forte em Eben Emael distava 48 km da fronteira com a
Alemanha. Se a surpresa tivesse sido comprometida, os belgas teriam tido
tempo suficiente para destruir as pontes, as quais eram cruciais para o
avanço alemão. As tropas pára-quedistas não podiam transportar o material
pesado necessário para destruir as casamatas, e o lançamento por pára-
quedas teria dispersado, consideravelmente, a tropa. Hitler ordenou ao
General Kurt Student que organizasse uma força de assalto, transportada
por planadores, para conquistar o forte. Embora os planadores não
constituíssem uma nova tecnologia, esta foi a primeira vez em que foram
utilizados em combate, o que surpreendeu os belgas, dando tempo
suficiente para permitir que os alemães destruíssem os canhões que
estavam orientados para as pontes.
Durante o seu adestramento para a incursão sobre o campo de prisioneiros
de guerra em Son Tay, no Vietnã do Norte, o pessoal de Forças Especiais
teve dificuldades para engajar alvos à noite. Até mesmo sob as melhores
circunstâncias, “a precisão dos tiros desencadeados à noite era em torno de
35%”.11 O melhoramento da precisão era crucial para a rápida execução da
missão. Uma semana após identificar o problema, o pessoal das Forças
Especiais adquiriu uma mira de baixa intensidade luminosa, disponível no
mercado, e a precisão aumentou para 95%.
Em todos os casos, a nova tecnologia ou as táticas inovadoras foram
empregadas para ajudar o elemento de assalto a atingir o objetivo e,
posteriormente, a eliminar o inimigo com rapidez e eficácia. Planadores,
minissubmarinos, torpedos tripulados, aeronaves C-130E equipadas com
radar infra-vermelho de rastreamento frontal (FLIR) e contratorpedeiros
modificados constituíram-se em novas ou criativas tecnologias
especialmente projetadas ou configuradas para derrotar as defesas inimigas
e obter a surpresa. Cargas explosivas dirigidas, metralhadoras Bren,
demolições especiais, miras de baixa intensidade luminosa, granadas de luz
e som, e dispositivos de visão noturna foram vitais para incrementar a
rapidez da ação no objetivo.
Embora os três elementos da simplicidade exerçam maior impacto durante a
fase de execução, eles devem ser identificados no início de modo a ajudar
na elaboração do plano e torná-lo o mais simples possível.
SEGURANÇA
A finalidade de atribuir um elevado nível de prioridade à segurança é
impedir que o inimigo obtenha uma vantagem através do conhecimento
prévio de um ataque iminente. No entanto, a natureza das operações
especiais exige o ataque a uma posição fortificada. Segue-se, portanto, que
na paz ou na guerra, o inimigo está preparado para enfrentar um ataque.
Dessa forma, mais do que a operação iminente, o que deve ser mantido em
sigilo é o momento e, até certo ponto, o meio de infiltração. Por exemplo,
os estudantes que ocuparam a Embaixada dos EUA, em Teerã, estavam
esperando que esse país tentasse um resgate. Eles cobriram a área aberta
com longas estacas de madeira, a fim de impedir o desembarque de forças
helitransportadas e o lançamento de tropas pára-quedistas. Embora
estivesse ancorado a 97 km da entrada ao estreito de Soroy, na Noruega, o
encouraçado Tirpitzestava protegido por redes antisubmarino, redes
antitorpedo e dispositivos contra mergulhadores para neutralizar qualquer
ataque sob a superfície da água. Os quatro terroristas a bordo do vôo LH
181, da Lufthansa, sabiam que tanto a Alemanha quanto Israel possuíam
unidades antiterroristas capazes de atacar, com rapidez, um avião
comercial. Os terroristas portavam armas automáticas e granadas, e
poderiam ter impedido que o GSG-9 entrasse no Boeing 737.
Na maioria dos casos históricos, o pessoal inimigo guarnecendo os alvos
estava adequadamente preparado para defender-se contra o tipo de ataque
que sofreram. No entanto, os ataques foram, em sua maior parte, bem-
sucedidos. Por quê? A segurança, por parte dos atacantes, impediu que o
inimigo levantasse a oportunidade e, em alguns casos, o método de ataque,
embora isso não o impedisse de preparar-se para um ataque. Daí a razão
pela qual as operações especiais são bem-sucedidas, apesar da preparação
defensiva do inimigo. A segurança deve receber o nível mais elevado de
prioridade, sem prejudicar, desnecessariamente, a preparação
(adestramento e ensaios) ou a execução das operações. Isso é importante
para a obtenção da superioridade relativa, porque impede que o inimigo
ganhe uma vantagem inesperada. Uma das razões predominantes a
respeito do sucesso das operações especiais tem a ver com a capacidade de
uma força atacante de levantar o tipo de defesa organizado pelo inimigo. Se
a segurança dos incursores não for preservada, o inimigo poderia planejar
uma ação de surpresa e, subseqüentemente, antecipar-se ao ataque ou
reduzir a possibilidade de rapidez da ação no objetivo. Ambas as ações
reduziriam, dramaticamente, a possibilidade da obtenção da superioridade
relativa.
REPETIÇÃO
Na fase de preparação, a repetição, da mesma forma que a rotina, é
indispensável na eliminação das barreiras ao êxito. Quando o grupo-tarefa
da força aérea envolvido na incursão sobre Son Tay tentou, pela primeira
vez, empregar o helicóptero UH-1H numa formação aérea com o C-130, os
pilotos acharam o vôo nessa formação cerrada tão difícil, a ponto de
acreditar que não estava dentro da “capacidade do aviador médio do
Exército”. Todavia, após voar centenas de horas na mesma configuração,
“os procedimentos ensaiados com o…UH-1H [foram] comprovados e
[poderiam ser] aplicados em planos futuros.”12
Embora o General Joshua Shani, o principal piloto do C-130 que participou
da incursão sobre Entebbe, somente tivesse uma oportunidade para ensaiar
o pouso em uma pista curta antes da missão, ele não considerou isto como
um problema. Nas suas palavras: “Eu já havia feito centenas de pousos em
pistas curtas. Fazem parte do adestramento básico…era uma rotina.”13
Determinadas unidades de combate, tais como as equipes antiterroristas,
bombardeiros estratégicos e as equipes de infiltração
subaquática SEAL realizam, rotineiramente, missões empregando
configurações padronizadas. Esta rotina aperfeiçoa as habilitações táticas, a
ponto de permitir uma reação rápida a uma ameaça, desde que esta se
encaixe no cenário padrão para o qual a unidade se adestrou. A maioria das
operações especiais, porém, varia com relação aos cenários padronizados, o
suficiente para exigir o emprego de novos equipamentos e táticas, a fim de
solucionar o problema. Quando isso ocorre, torna-se essencial conduzir pelo
menos um, e preferivelmente dois, exaustivos ensaios antes da missão. O
plano que parecia simples no papel, agora deve ser posto à prova. A
necessidade de conduzir ensaios exaustivos é corroborada repetidas vezes.
Invariavelmente, quando um determinado aspecto de uma operação não foi
ensaiado, ele fracassou durante a execução da missão.
Para citar um exemplo, os britânicos tiveram 18 meses para preparar o seu
ataque contra o encouraçado alemão Tirpitz. A missão exigia que os
pequenos submersíveis secos, os minissubmarinos X, fossem rebocados
durante oito dias através do Atlântico Norte por submarinos convencionais.
Isso era particularmente desgastante para as tripulações e, em
conseqüência, os navios somente foram rebocados por curtos períodos no
transcorrer dos ensaios. Durante a verdadeira operação de reboque, a corda
de cânhamo partiu. Um minissubmarino X afundou com a perda de todo o
pessoal a bordo, e outro sofreu danos irreparáveis. O Almirante Godfrey
Place (oficial comandante do X-7) comentou: “Se tivéssemos rebocado os
[minissubmarinos X] durante os oito dias completos, teríamos sabido que as
cordas de cânhamo quebrariam.”14**Empregaram-se dois tipos de cordas,
cânhamo e náilon. Uma vez que a corda de cânhamo não foi testada
durante os oito dias completos, não havia maneira de saber que partiria sob
essas condições.Nota da Editoria Brasileira A repetição aperfeiçoa as
habilitações nos níveis individual e unidade, ao mesmo tempo em que os
ensaios exaustivos revelam as vulnerabilidades no plano. Ambos são
essenciais ao êxito no campo de batalha.
A SURPRESA
A Doctrine for Joint Special Operations (Doutrina das Operações Especiais
Combinadas) estabelece que a surpresa é a capacidade de “atacar o inimigo
em um momento ou local, ou de uma maneira, que o apanhe
despreparado.”15 Contudo, em todas as Operações Especiais analisadas, o
inimigo estava totalmente preparado para neutralizar a ação ofensiva. Por
exemplo, na fortaleza belga de Eben Emael, canhões antiaéreos estavam
posicionados na parte superior do forte, a fim de impedir um assalto aéreo;
a instalação portuária de Saint-Nazaire estava cercada por baterias costeiras
e holofotes visando impedir que navios britânicos navegassem
despercebidos pelo Rio Loire; o encouraçado alemão Tirpitz e as
belonaves HMS Queen Elizabeth e HMS Valiant estavam rodeados por
redes antisubmarino e antitorpedo; o Vietnã do Norte possuía um dos mais
densos sistemas de defesa aérea do mundo; 250 italianos mantinham
guarda sobre Benito Mussolini; 223 soldados japoneses estavam de guarda
sobre os prisioneiros de guerra em Cabanatuan; e o aeroporto de Entebbe,
em Uganda, estava cercado por 100 soldados ugandenses, com dois
batalhões estacionados nas proximidades. Em cada um desses casos, o
inimigo estava preparado para impedir um assalto contra sua posição e, no
entanto, a supressa foi obtida em todos eles.
De um modo geral, as forças de operações especiais não se podem dar o
luxo de atacar o inimigo no momento ou no local onde esteja despreparado.
Tais forças devem atacar, apesar da preparação do inimigo. A surpresa
significa, literalmente, apanhá-lo desprevenido. Esta sutil diferença não é
uma mera questão de semântica. Da mesma forma que dois pugilistas no
ringue, cada um está preparado para neutralizar o soco do outro. No
entanto, apesar da sua preparação, alguns socos atingem o alvo. Numa
operação especial, a surpresa é obtida através da dissimulação, da
sincronização e do aproveitamento das vulnerabilidades do inimigo.
Quando bem-sucedida, a dissimulação impele o inimigo a desviar a sua
atenção da força atacante, ou retarda a sua resposta o tempo suficiente
para obter-se a surpresa no momento vital. Por exemplo, durante a incursão
sobre Son Tay, a Força-Tarefa de Navios-Aeródromos 77, da Marinha,
realizou um ataque diversionário, com três navios-aeródromos, cuja
finalidade era “negar ao inimigo a opção de concentrar a sua atenção [na]
verdadeira missão principal”.16 Esta ação diversionária teve excelente
resultado, pois permitiu que a força atacante, helitransportada, penetrasse
as defesas aéreas do Vietnã do Norte e pousasse despercebida no campo de
prisioneiros de guerra. A dissimulação que desvia a atenção do inimigo pode
ser arriscada. Quando não produz a resposta adequada, essa ação acarreta,
normalmente, conseqüências desastrosas. Em Saint-Nazaire, a Royal Air
Force recebeu a missão de bombardear a cidade portuária, a fim de desviar
a atenção dos alemães da pequena armada que navegava, sigilosamente,
pelo Rio Loire. Infelizmente, a incursão aérea nada mais fez do que elevar o
nível de alerta dos alemães e impedir que fossem apanhados de surpresa.
Embora a dissimulação que desviou a atenção do inimigo tivesse excelente
resultado para os incursores de Son Tay, na maioria das operações
especiais, a dissimilação é mais bem utilizada para retardar a ação inimiga.
Por exemplo, quando atacaram o aeroporto em Entebbe, os israelenses
utilizaram um Mercedes, semelhante ao que usavam os dignitários
ugandenses, para retardar, momentaneamente, a ação dos guardas.
Quando pousou em Gran Sasso para resgatar Mussolini, Skorzeny trouxe
consigo um general italiano de elevado posto, acreditando que “a mera
presença [do general italiano] provavelmente criaria uma certa confusão…
um tipo de hesitação que os impediria de resistir de imediato ou de
assassinar o Duce”.17 A sua suposição resultou acertada, e a confusão
adicional proporcionou-lhe o tempo suficiente para alcançar Mussolini.
Conforme é demonstrado em vários dos casos analisados, a dissimulação
pode até ser um instrumento útil para a obtenção da surpresa, mas não se
deve depender excessivamente dela. Normalmente, é melhor retardar a
reação do inimigo do que desviar a sua atenção.
A hora do ataque constitui-se em um fator fundamental para a obtenção da
surpresa. A maioria das forças atacantes preferem investir sobre o alvo à
noite, principalmente porque a escuridão proporciona cobertura. Pressupõe-
se também que o inimigo esteja cansado, menos alerta e mais suscetível à
surpresa. Mas, por outro lado, a noite freqüentemente aumenta o estado de
alerta, e cada missão deve considerar as alternativas de um ataque noturno.
Várias das operações mais bem-sucedidas foram conduzidas durante o dia,
obtendo um elevado grau de surpresa. Skorzeny, por exemplo, pousou em
Gran Sasso às 1400 hs sabendo que os guardas italianos já teriam acabado
de almoçar e estariam descansando. Os alemães que atacaram Eben Emael
pousaram ao alvorecer. A luz matutina proporcionou iluminação suficiente
para o pouso dos planadores, enquanto muitas das guarnições dos canhões
belgas ainda se encontravam na cidade circunvizinha. Os minissubmarinos
que destruíram o Tirpitz também atacaram durante a manhã. Os meios de
inteligência britânicos haviam informado aos tripulantes que o equipamento
de sonar do encouraçado ia ser reparado durante a manhã do ataque e,
portanto, não estaria operacional. Nas operações especiais, o inimigo estará
preparado; a questão é: quando estará ele menos preparado e que
momento proporcionará os maiores benefícios para a força atacante?
Toda defesa tem um ponto vulnerável. A obtenção da surpresa significa
aproveitar essa vulnerabilidade. Embora os norte-vietnamitas possuíssem a
mais extensa rede de defesa aérea da Ásia, os meios de inteligência da
força aérea conseguiram encontrar um hiato de cinco minutos no ciclo de
rodízio do radar. Isso permitiu ao C-130 e aos helicópteros infiltrarem os
incursores de Son Tay, no Vietnã do Norte, sem serem detectados.
Os britânicos enfrentaram um problema semelhante durante a II Guerra
Mundial. A Royal Air Forcehavia tentado, inúmeras vezes, afundar o
encouraçado Tirpitz. Ancorada em Kaafjord, na Noruega, a belonave estava
protegida por baterias antiaéreas, e seus armamentos de autoproteção
incluíam 16 canhões antiaéreos de 4.1 polegadas, 16 de 37mm e 80 de
20mm. Além disso, a maior parte do navio possuía uma blindagem de 12
polegadas. Todavia, o ponto vulnerável do encouraçado era sua quilha
levemente blindada. Foi esse ponto, a vulnerável parte inferior, que os
britânicos decidiram atacar. A surpresa foi obtida por dois minissubmarinos
(X-6 e X-7), quando penetraram as defesas alemãs e colocaram seus
explosivos. No caso do Tirpitz, a vulnerabilidade na defesa era um termo
relativo. Os alemães organizaram defesas antisubmarino e antitorpedo;
contudo, comparadas com as defesas antiaéreas, aquelas eram
consideravelmente mais fracas.
Muitos táticos consideram o princípio da surpresa o fator mais importante
de uma operação especial bem-sucedida. Acreditam, equivocadamente, que
a surpresa proporciona a vantagem decisiva sobre o inimigo, e que o ato de
meramente apanhar o inimigo despreparado assegura a vitória da força
atacante. Esse não é o caso. A surpresa é inútil e, de fato, impossível de se
obter sem os outros princípios. De que adianta surpreender o inimigo, se
não possuímos o equipamento adequado para enfrentá-lo? A superioridade
relativa somente é atingida através da correta aplicação de todos os
princípios. A surpresa é essencial, porém não deve ser considerada
isoladamente. É importante apenas como parte integrante da pirâmide de
princípios.

RAPIDEZ
Numa missão de operações especiais, o conceito de rapidez é simples.
Alcançar o objetivo o mais rápido possível. Qualquer retardo ampliará a sua
área de vulnerabilidade e diminuirá a sua possibilidade de atingir a
superioridade relativa.
Referindo-se à guerra em termos gerais, o Fleet Marine Force
Manual (FMFM 1-3) estabelece: “Como todas as coisas na guerra, a rapidez
é relativa”18. Esta observação constante no FMFM 1-3 pode ser verdadeira
na guerra convencional ou de grandes proporções, onde as forças
manobram no campo de batalha e se ajustam a certos avanços táticos,
mas, nas operações especiais, o inimigo está organizado em posições
defensivas e sua única motivação é neutralizar o ataque. Dessa forma, a
vontade de resistir do inimigo é uma variável conhecida, e a sua capacidade
de reagir é constante. Conseqüentemente, com o passar do tempo, as
fricções da guerra atuam contra as forças de operações especiais, ao invés
de contra o inimigo. É essencial, portanto, deslocar-se o mais rápido
possível, independentemente da reação do inimigo.
Por exemplo, nos dois casos envolvendo ataques com submarinos – a
incursão dos minissubmarinos X contra o Tirpitz e o ataque do torpedo
tripulado italiano contra a frota britânica na Alexandria -, as forças
atacantes avançaram clandestinamente. O inimigo não percebeu a sua
presença e, portanto, não estava tentando se opor à vontade da força
atacante. No entanto, a rapidez não foi relativa, tornando-se um fator vital
ao êxito da missão. Os minissubmarinos X, que haviam navegado pelo
Atlântico Norte dois dias antes, começaram a sofrer panes catastróficas nos
seus sistemas elétricos e de lastração. A cada minuto que passava, o lastro
e a estabilidade de um dos minissubmarinos iam se agravando, fazendo
com que se inclinasse 15 graus para bombordo. O tempo tornou-se um
fator tão vital que o comandante do submarino, Tenente Don Cameron, ao
invés de atravessar clandestinamente a rede antitorpedo, decidiu emergir e
investir impetuosamente contra o Tirpitz. Esta ação foi tomada com grande
risco ao êxito da missão, mas Cameron conscientizou-se, claramente, de
que o tempo, e não os alemães, passara a ser o seu maior inimigo.
Os homens-rã italianos que infiltraram no Porto de Alexandria a bordo de
submarinos tripulados estavam constantemente expostos à água fria.
Sabiam que, mesmo que o inimigo não os descobrisse, sucumbiriam às
forças da natureza e ao desgaste físico. À medida que se aproximava
do HMS Valiant, o Tenente Durand de la Penne relembrou: “A sede me
atormenta… Não posso continuar trabalhando devido à extrema fadiga e à
falta de ar.”19 Ele estava ciente de que “a rapidez era essencial… [se fosse
forçado a emergir devido à fadiga] o alarme seria dado, cargas de
profundidade seriam lançadas e [a] operação… estaria fadada ao
fracasso.”20 No entanto, devido à rapidez com que trabalhou, somente foi
descoberto após subir à superfície. Horas mais tarde, a ogiva do torpedo
tripulado explodiu e o HMS Valiant afundou no Porto de Alexandria. Em
ambos os casos, o inimigo não foi um fator decisivo, mas o tempo ainda
atuava para impedir o desfecho bem-sucedido da operação.
A maior parte das operações especiais envolvem o contato direto e, na
maioria dos casos, imediato com o inimigo, em que minutos e segundos
podem determinar a diferença entre o êxito e o fracasso. Das missões bem-
sucedidas analisadas nesta obra, foi apenas na incursão contra SaintNazaire
que os atacantes demoraram mais de 30 minutos desde o ponto de
vulnerabilidade até a obtenção da superioridade relativa. Na maioria dos
demais casos, a superioridade relativa foi obtida em cinco minutos, tendo as
missões sido completadas em 30 minutos.**Houve alguns casos – por
exemplo, a incursão contra o campo de prisioneiros de guerra em
Cabanatuan, a incursão sobre Son Tay e o resgate de Mussolini por parte de
Skorzeny – em que a missão não foi concluída até que a viagem de retorno
foi completada.- Nota da Editoria Brasileira*O X-10, comandado pelo
Tenente Ken Hudspeth, foi designado para atacar o Scharnhorst, um
cruzador alemão que distava a menos de 2km do Tirpitz. Hudspeth passou
por dificuldades mecânicas semelhantes, mas suas ordens claramente o
proibiam de atacar, se existisse a possibilidade de o ataque comprometer a
destruição do alvo principal, o Tirpitz.-Nota da Editoria Brasileira
Para obterem a surpresa e incrementarem a rapidez, as forças de operações
especiais, geralmente, possuem limitado efetivo e estão levemente
armadas, sendo, portanto, incapazes de durar na ação contra um inimigo
convencional por longos períodos de tempo. A incursão contra Saint-Nazaire
mostra os problemas que surgem quando as forças de operações especiais
tentam prolongar o engajamento. Quando o número de objetivos em Saint-
Nazaire aumentou de 3 para 11, a operação requereu que os comandos
permanecessem em terra por mais tempo, a fim de destruir esses alvos.
Num memorando aos chefes do estado-maior sobre a Operação Chariot, o
assessor do Comando de Operações Combinadas avisou que, para atingir
todos os objetivos, “Toda a força… [necessitaria] permanecer em terra por
um período máximo de 2 horas.”21 Quaisquer vantagens obtidas pelos
comandos através da surpresa foram perdidas na execução, pelo fato de
planejar uma operação que precisou de duas horas de ação contínua. Isso
exigiu que sua força levemente armada, e em alguns casos desarmada,
travasse combate contra uma brigada antiaérea alemã, fortemente armada,
integrada por 300 soldados (os armamentos destas unidades, incluindo o
canhão antiaéreo de 88mm, podiam ser empregados, com devastadora
eficácia, contra os elementos terrestres). Clausewitz adverte: “Quanto mais
restrito for o efetivo, tanto mais restritos deverão ser os objetivos; ainda
mais, quanto mais restrito for o efetivo, tanto mais limitada será a
duração.”22 Adicionalmente, durante esse período de duas horas, as 17
lanchas que transportaram os comandos até Saint-Nazaire haviam
permanecido expostas ao mortífero fogo proveniente das defesas costeiras.
Em apenas 90 minutos, quase todas haviam sido destruídas ou haviam
retrocedido. Se os comandos tivessem atacado e exfiltrado rapidamente, a
probabilidade de concluir a missão teria aumentado dramaticamente.
Nas operações especiais, a rapidez é uma função do tempo e não, conforme
alguns sugerem, um fator relativo influenciado pela vontade de resistir do
inimigo. Apesar dos esforços do inimigo, a superioridade relativa pode ser
obtida, principalmente, porque a força atacante se desloca com tal rapidez
que a reação do inimigo deixa de ser um fator preponderante.

PROPÓSITO
O propósito implica em entender e, posteriormente, atingir o principal
objetivo da missão, independentemente dos obstáculos ou das
oportunidades que se apresentem. Este princípio tem dois aspectos. Em
primeiro lugar, o propósito deve estar claramente definido pelo enunciado
da missão: resgatar os prisioneiros de guerra, destruir o dique seco, afundar
o encouraçado, etc., e ser elaborado de modo a assegurar que no calor da
batalha, aconteça o que acontecer, o combatente individual entenda o
objetivo principal. Por exemplo, durante o ataque dos minissubmarinos X
contra o encouraçado Tirpitz, o X-6 tinha avarias no seus principais
equipamentos (o periscópio de ataque estava quebrado, a carga de
demolição de bombordo estava inundada, água estava entrando no
compartimento principal e o minissubmarino estava inclinado 15 graus para
bombordo). O Tenente Don Cameron tinha de tomar a decisão de atacar ou
retroceder. Se atacasse e fracassasse, existia a possibilidade de que
pudesse comprometer o êxito dos outros dois minissubmarinos X, também
designados para atacar o Tirpitz.* Após refletir sobre o propósito da missão,
segundo definido pelas ordens de operações recebidas, Cameron decidiu
atacar. Suas ordens estavam claras. Se o minissubmarino ainda funcionasse
e estivesse equipado com, ao menos, uma carga explosiva, devia concluir a
missão.
Durante o ataque contra a frota britânica no Porto de Alexandria na II GM,
os homens-rãs italianos, Capitão Vincenzo Martellota e seu companheiro de
mergulho, Suboficial Mario Marino, já tinham colocado o seu torpedo
tripulado sob um cruzador britânico de grande porte, quando perceberam
que era o alvo errado. Eles haviam arriscado suas vidas evitando pequenos
navios de proteção, cargas de profundidade e a segurança do porto. E
embora o afundamento do cruzador tivesse sido aceitável, não era o navio
que deviam atacar. Em conseqüência disso, Martellota se afastou da
belonave e continuou em frente. Eventualmente, os italianos atingiram o
seu alvo designado, um navio-petroleiro de grande capacidade. Ao seguir as
ordens à risca, Martelloto e Marino não só afundaram o navio-petroleiro,
mas também causaram grandes danos a um contratorpedeiro que estava
amarrado ao seu lado. Nos casos britânico e italiano, os homens receberam
ordens claramente definidas que orientaram suas ações no calor da batalha
e direcionaram seus esforços para o que era importante.
O segundo aspecto do princípio de propósito é o compromisso pessoal. O
Tenente-Coronel Henry Mucci, Comandante do 6º Batalhão de Rangers que
resgatou 512 prisioneiros de guerra de um campo de concentração japonês,
entendeu a necessidade do estabelecimento de um compromisso pessoal.
Antes da operação, ele ordenou aos seus Rangers: “Ponham-se de joelhos
agora mesmo e rezem! Diabo… não o simulem! REZEM… para valer. E
quero que cada um de vocês faça um juramento perante Deus… Jurem que
morrerão combatendo antes de permitir que esses prisioneiros de guerra
corram perigo!23
De modo semelhante, o General Joshua Shani, Comandante da força aérea
em Entebbe, comentou vários anos após a incursão: “Estávamos
completamente empenhados em concluir a tarefa…Combatíamos por
Israel.”24
O propósito da missão deve ser plenamente entendido antes da sua
realização, sendo imprescindível que os executantes sejam inspirados por
um sentido de dedicação pessoal que não tenha limites. O Capitão Otto
Skorzeny disse certa vez: “Quando um homem é motivado pelo simples
entusiasmo e pela convicção de que está arriscando a sua vida por uma
causa nobre… ele traz consigo os elementos essenciais ao êxito.”25 Numa
época de alta tecnologia e de Cavaleiros Jedi, freqüentemente desprezamos
a necessidade do envolvimento pessoal, e, em assim fazendo, corremos um
grande risco. Conforme advertiu Clausewitz: “Os teóricos estão inclinados a
considerar o combate, friamente, como um teste de força, sem qualquer
participação das emoções, e este é um dos milhares de erros que eles
cometem deliberadamente, porque não percebem suas conseqüências.”26
Os princípios das operações especiais acima definidos não foram
meramente extraídos dos princípios de guerra convencionais. Eles
representam elementos únicos da guerra que somente as forças de
operações especiais possuem e podem empregar com eficácia.
O texto é um extrato da Tese de MacRaven. O material completo pode ser obtido
em: http://www.afsoc.af.mil/Portals/1/documents/history/AFD-051228-021.pdf

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