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C O M EM O R ATIVA
DOS 25 ANOS
DO SUS
Lígia Giovanella
Com vistas à 2a edição, foram realizadas oficinas com professores usuários. Registramos nossos agradecimentos à participação de: Alcionc
Cunha, Aluisio Gomes da Silva Jr, Alzira Jorge, Ana Luiza Queiroz Vilasbôas, Catharina Matos Soares, Claci Fátima Weirich, Cristiani
V. Machado, Cristina Rolim Neumann, Ediná Alves Costa, Eli Iola Gurgel Andrade, Esron Soares Carvalho Rocha, Francisco Campos
braga Neto, Isabela Cardoso Pinto, Jairnilson Silva Paim, José Antonio Iturri de La Mala, Ligia Bahia, Ligia Rangel, Lígia Vieira da
Silva, Liliana Santos, Luis Eugênio Portela F. de Souza, Luiz Antonio Neves, Maria Stella de Castro Lobo, Monique Azevedo Esperidião,
Paulo Duarte de Carvalho Amarante, Raphael Aguiar, Regina Ferro do Lago, Rcinaldo Guimarães c Ricardo Ventura Santos.
Catalogação na fonte
C entro de Inform ação Científica e Tecnológica
Biblioteca da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
2014
E D IT O R A F IO C R U Z
Av. Brasil, 4036 - T é r r e o - sala 112 - Manguinhos
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365
12. O S is t e m a U n ic o d e Sa ú d e - SUS
P r in c íp io s e diretrizes d o SU S
D esd e a d e rro c a d a d o re g im e m ilitar, o Brasil v iv e um a e x tra o r d in á r ia experi
ên cia d e re fo rm a s e re d efin içã o d o seu sistema pú b lico d e saúde. O m a rco desse novo
te m p o fo i a 83 C o n fe rê n c ia N a cio n a l d e Saúde, realiza d a em 1986, em to r n o dos temas
da saúde co m o d ir e ito d e cidadan ia, da re fo rm u la çã o d o sistem a n acion al d e saúde e
d o fin a n cia m en to d o setor, qu e a lim en taram um in ten so d eb a te tra va d o até a aprovação
da C on stitu içã o d e 1988. D e certa fo rm a, os tem as e d iretiva s cen trais dessa conferência
p ersistirã o , p o r um bom tem p o , na a gen d a dos desafios a serem en fre n ta d o s na política
4) intervenções am bientais n o seu sentido mais am plo, in clu indo as condições sanitárias
nos ambientes o n d e se vive e se trabalha, na p rodu ção e circulação d e bens e serviços,
o controle de vetores e h ospedeiros e a operação de sistemas de saneam ento am biental;
Gestores do SUS
Os gestores do SUS são os representantes do poder execuúvo no âmbito dos municípios, dos esta
dos, do Distrito Federal e da União. Cada uma das estruturas que compõem a direção do SUS nas
diferentes esferas de governo possui uma organização própria. Independentemente da existênda
de uma autoridade sanitária (ministro ou secretários de Saúde), essas estruturas têm órgãos gestores,
com diferentes cargos de direção e chefia, que participam da gestão do SUS e são corresponsáveis
por ela, em coerência com as funções que lhes são atribuídas em regulamentação específica.
O comando único (ou direção única) em cada esfera de governo é a tentativa de garantir, na
gestão da política de saúde, a observância de um princípio comum a todo sistema federativo: a
autonomia relativa dos governos na elaboração de suas políticas próprias. Assim, no âmbito na
cional, a gestão do sistema deve ser realizada de forma coerente com as políticas elaboradas pdo
Ministério da Saúde; no âmbito estadual, com as polídeas elaboradas pelas secretarias estacluaú;
e, no âmbito municipal, pelas secretarias municipais de Saúde.
O Sistema Único de Saúde - SUS 369
Entende-se por rede de atenção à saúde o conjunto de estabelecimentos, de diferentes funções e perfis
de atendimento, que operam de m odo ordenado e ardeulado no território, de m odo a atender as
necessidades de saúde de uma população. Os diversos equipamentos e serviços que com põem uma
rede de saúde, na prática, funcionam com o pontos de atenção onde o cuidado à saúde é oferecido.
Diferentes redes de atenção à saúde podem ser encontradas em decorrência das ações desenvolvidas,
dos tipos de casos atendidos e das formas com o estão articulados e são prestados os atendimentos.
Para refletir
Quais os desafios associados à regionalização e hierarquização do SUS considerando-se as desi
gualdades na distribuição territorial dos serviços de saúde no Brasil? Quais as implicações das
diferenças observadas na oferta de serviços para a concretização dos princípios do SUS?
A título de exercício, acesse o site do Datasus do Ministério da Saúde (www.datasus.gov.br) e tente
organizar algumas inform ações sobre o núm ero de leitos de U T I cadastrados ao SUS conform e a
região e o estado. Reflita sobre as implicações da desigualdade na distribuição desses serviços para
a garantia do direito universal e para a equidade e a integralidade da assistência à saúde no Brasil.
370 P olíticas e S istema de S aúde no B rasil
D ada a abrangência das ações e dos serviços previstos no SUS, as determ inações legais
relativas ao âm bito d e atuação d o Estado na saúde são tam bém bastante amplas. Além da
organ ização da re d e de assistência à saúde, com p ete ao p o d e r público: a execu ção de ações
d e vigilân cia sanitária, ep id em io lógica , saúde d o trabalh ador; a o rd en a çã o d e recursos
hum anos para a saúde e a participação na produ ção d e insumos para a saúde e em outras
políticas relevantes, co m o a de saneam ento básico, fiscalização d e produ tos e proteção ao
m e io am biente.
As atribuições do Sistema V árias responsabilidades d o Estado na área da saúde im plicam p arceria com outros
Nacional de Vigilância setores d e g o vern o , com o o desenvolvim en to científico e tecn ológico, a form ação de recursos
Sanitária são discutidas
no capítulo 23. Conheça hum anos, a provisão e regulação de insumos para a saúde, a política industrial, de urbani
em detalhes as ações de zação, saneam ento e educação, p o r exem p lo.
vigilância epidemiológica
no capítulo 22.
Os dispositivos m encionados têm as seguintes im plicações para a inserção do SUS
co m o um a política de Estado:
2) as políticas econôm icas e sociais d evem estar orientadas para a elim inação ou redução
d e riscos para a saúde;
3) a in tegração das políticas de saúde com as dem ais políticas públicas é fundam ental para
o d es en volvim en to d e ações mais efetivas;
Universalidade no acesso e • Igualdade de todos às ações e aos • Garantia de um conjunto de ações e serviços que
igualdade na assistência serviços necessários para promoção, supram as necessidades de saúde da população e
proteção e recuperação da saúde. apresentem elevada capacidade de resposta aos
problemas apresentados, organizados e geridos pelos
diversos municípios e estados brasileiros.
Iniegralidade na assistência • Acesso a um conjunto articulado e • Garantia de condições de atendimento adequadas
contínuo de ações e serviços rcsolulivos, ao indivíduo e à coletividade, de acordo com as
preventivos e curativos, individuais e necessidades de saúde, tendo em vista a integração das
coletivos, de diferentes complexidades e ações de promoção da saúde, a prevenção de doenças e
custos, que reduzam o risco de doenças agravos, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação.
e agravos e proporcionem o cuidado à • Articulação da política de saúde com outras políticas
saúde. públicas, como forma de assegurar uma atuação
intersetorial entre as diferentes áreas cujas ações
tenham repercussão na saúde e na qualidade de vida
das pessoas.
Participação da comunidade • Participação na formulação, na • Garantia de espaços que permitam a participação da
fiscalização e no acompanhamento da sociedade no processo de formulação c implantação da
implantação de políticas de saúde nas política de saúde.
diferentes esferas de governo. • Transparência no planejamento e na prestação de i
contas cias ações públicas desenvolvidas.
O Sistema Único de Saúde - SUS 371
O modelo institucional p rop osto para o SUS tem com o p ropósitos viabilizar a n ego cia Para saber mais sobre a
çãoe o acordo fed era tivo e fo rta lecer a participação social nas políticas d e saúde. T al a rran jo participação dos atores no
processo de formulação
permite que vários atores sociais, m esm o os não d iretam en te responsáveis p elo d esem p en h o de políticas, consulte o
de funções típicas da gestão dos sistemas e serviços, participem d o processo decisório sobre capítulo 2, sobre análise
de políücas de saúde.
apolítica de saúde.
No Diagrama 1, encontra-se sistem atizado o arcabouço institucional e decisório vigen te
no SUS.
Estados:
t—
Conselho Ministério da Comissão X* Conass
Nacional
Nacional Saúde Tripartite Municípios:
Conasems
Conselho Secretarias Comissão Municípios:
Estadual
Estadual Estaduais Bipartite Cosems
Colegiados de
Regional
Gestão Regional
Conselho Secretarias
Municipal
Municipal Municipais
O modelo pressupõe uma articulação estreita en tre a atuação de: 1) gestores d o sistema
emcada esfera de g o v e rn o ; 2) instâncias d e negociação e pactuação fed era tiva e n v o lv e n d o a
partidpação das diferen tes esferas de g o vern o , tais com o a Comissão Intergestores T rip a rd te,
as Comissões In tergestores Bipartites e os C olegiad os de Gestão R egion a l (ou Com issões
Intergestores Regionais); 3) conselhos d e representação de secretários d e Saúde; 4 ) conselhos
de Saúde, além da realização p eriód ica d e conferências de Saúde.
372 P olíticas e S istema de Saúde no B rasil
N o presen te capítulo, são abordados alguns aspectos referen tes ao papel dos gestores
e ao fu n cion am en to das entidades representativas e instâncias colegiadas d o SUS.
Dessa form a, seja p elo processo político qu e perm eia as decisões em um ambiente
dem ocrático, seja p elo arcabouço institucional d o SUS ou ainda pelas atribuições associadas
à in terven ção d o Estado na saúde, os gestores d o SUS não ex erc em suas funções de forma t
isolada. Isso im plica qu e seus objetivos e planos d e ação sejam n egociados com diferentes ,
atores governam entais e não governam entais e qu e os processos d e form ulação e imple-1
m entação das políticas d e saúde assumam cada vez mais um a feição compartilhada. Cabe !■
aos gestores assumirem a liderança da negociação política em defesa da implementação dos •
prin cíp ios e diretrizes d o SUS.
N o âm bito técnico, a atuação d o gestor d o SUS, p erm a n en tem en te permeada por '
variáveis políticas, se consubstancia p o r m eio d o ex ercício das funções gestoras na saúde.
Tais funções p o d em ser definidas com o um conju nto articulado d e saberes e práticas de
gestão necessários para a im plem entação de políticas na área da saúde, exercidas de forma
co ere n te com os princípios d o sistema público d e saúde e da gestão pública.
As macro funções gestoras S im p lifica d a m en te , p o d em -se id en tifica r q u a tro gra n d e s g ru p o s d e funções oc -
estão relacionadas aos
m acrofun ções gestoras nos diferen tes cam pos da atenção à saúde, qu e englobam : I) for- [
componentes e dinâmica
dos sistemas de saúde m ulação d e políticas e planejam ento; 2) financiam ento; 3) regu lação; 4 ) prestação direta de |
descritos no capitulo 3.
ações e serviços d e saúde.
I
Regulação
0 termo regulação é bastante genérico, existindo diferentes concepções a seu respeito, assim
como sobre a regulação do Estado na área da saúde. A regulação no SUS envolve quatro âmbitos
principais: 1) a regulação sobre prestadores de serviços; 2) a regulação de sistemas de saúde; 3) a
regulação sanitária; 4) a regulação de mercados em saúde. Nessas esferas, inclui a adoção de um
conjunto de estratégias voltadas para a regulamentação, a coordenação e a avaliação de ações,
bens e serviços de saúde, visando a controlar procedimentos e processos, induzir e assegurar
Í determinadas características comuns e resultados mais uniformes.
Fonte: Machado, 2002.
Cada uma dessas funções c o m p reen d e uma série de atividades específicas, sen do
exercidas de form a d iferen cia d a pelos três entes gestores, co n fo rm e a defin ição da re gu la
mentação específica. D en tro da m acrofunção d e form ulação d c políticas/planejamento, estão
incluídas as atividades d e diagn óstico de necessidades de saúde, identificação cie p rio rid a
des e diretrizes d e ação, elaboração de estratégias e planos de intervenção, articulação com
outros atores e m obilização d e recursos necessários para a operacionalização das políticas.
0 financiamento e n v o lv e a alocação d e tributos, a elaboração e a execu ção d e orçam entos
públicos voltados para a saúde, a constituição d e fundos específicos para transferências,
recebimento e utilização das receitas destinadas à saúde, a prestação de contas qu an to ao
montante em pen hado em saúde e o destino dos recursos. A regulação inclui a proposição
de normas técnicas e padrões, a coorden ação, con trole e avaliação de serviços e sistemas
de saúde, a gestão d e in form ações em saúde, o estabelecim ento de contratos e convênios
com prestadores privados, a fiscalização d e serviços e d e produ tos com im plicações para
aárea da saúde. P o r fim , a prestação direta de ações e serviços d e saúde abran ge todos os
procedimentos técnicos e adm inistrativos vinculados à execu ção de ações de p rom oçã o da
saúde, prevenção d e doenças, diagnóstico, tratam ento e reabilitação, p o r serviços públicos
darespectiva esfera d e g o vern o . Ela requ er a existência d e quadros p róp rios de funcionários
euma série de funções adm inistrativas, relativas à gestão de pessoal, d e com pras, arm aze
namento e distribuição d e insumos, organização e operação dos serviços p róp rios d e saúde.
Aanálise das funções delineadas para a União, estados e municípios nas políticas d e saúde
evidencia a ausência de padrões de autoridade e responsabilidade claram ente delim itados.
Observa-se uma mistura entre competências comuns e concorrentes, e competências específicas
década esfera de go vern o nos diversos campos de atuação do Estado na saúde (M achado, 2007).
Osprocessos de descentralização e regionalização d o SUS também induziram à reconfiguração
de funções entre os gestores que se expressam de form a diversificada nos estados, de acordo
comaárea envolvida, as distintas realidades locorregionais e as negociações intergovernam en-
iaissubjacentes a estes processos. Por exem p lo, nas vigilâncias epidem iológica e sanitária, cujos
processos de descentralização são mais recentes, observam-se esforços de divisão de atribui
ções entre estados e m unicípios baseados em uma lógica d e repartição p o r com plexidade. N a
assistência à saúde, p o r sua vez, a divisão de responsabilidades sofreu a influência de outras
variáveis, tais com o os tipos de serviços oferecidos e sua abrangência territorial.
0 detalhamento de com petências específicas dos gestores d o SUS é feito pela L ei O rgân i
cada Saúde, mas outros instrum entos de regulam entação federal e estadual - principalm ente
portarias, decretos e resoluções (v e r A base de regulam entação d o S U S ) - contribu em para a
repartição de responsabilidades en tre os gestores d o SUS. De form a geral, p odem os d izer que:
*
374 P olíticas e S istema de Saúde no B rasil
Gestor Form u lação d e políticas Financiam ento R egu lação Execução direta
e plan ejam en to d e serviços
Para refletir
Você já ouviu falar (n o seu local de trabalho, na m ídia) sobre conflitos entre os gestores do SUS
(nos âmbitos federal, estadual ou municipal) relacionados à definição de responsabilidades sobre
fatos ocorridos na saúde, ou chegou mesmo a presenciar algum conflito assim? C om base na lei
tura do texto e em sua experiência pessoal, você consegue identificar os possíveis motivos para
a existência desse tipo de conflito?
M BM
distritais antes da conferên cia m unicipal. Em estados com gra n d e n ú m ero de municípios,
p o d em ser realizadas conferências regionais antes da estadual, e a representatividade das
diversas regiõ es d eve ser assegurada na con ferên cia estadual.
Os conselhos d e Saúde são colegiados d e caráter perm a n en te e delib era tivo, formados;
em cada esfera p o r representantes do go vern o , profissionais de saúde, p restadores de serviços
e usuários, sendo qu e este últim o g ru p o d ev e constituir no m ín im o m etade dos conselhei
ros. Suas atribuições são atuar na form ulação de estratégias e n o co n tro le da execução das
políticas d e saúde. N a form ulação d e políticas, a atuação dos conselhos d e v e ser propositiva.
in tera gin d o com o gestor d o SUS naquela esfera (q u e tem assento n o C o n selh o de Saúde)
e com o p o d e r legislativo. Já em relação ao con trole da execu ção das políticas, este deve
ser ex e rc id o p o r m eio d o acom pan ham ento p erm a n en te das ações im plem entadas e sui
coerência com os princípios d o SUS e as necessidades d e saúde da popu lação.
Q u anto à com posição e form ação dos conselhos m unicipais e estaduais, a lei ou o
d ecreto d e sua criação d eve respeitar a p rop o rcion a lid a d e d e cada segm en to, definindo!
duração dos mandatos e as estratégias d o processo d e representação. A in d a qu e a composiçãt]
dos conselhos deva ser o mais plural possível, é im p orta n te qu e os conselheiros trabalhes?
para construir consensos efetivam en te voltados para a consolidação dos prin cíp ios do SlSr
evita n d o qu e prevaleçam interesses de segm entos específicos, ou qu e o co rra m polarizaçcí;
e con fron tos político-partidários, corporativos e particulares.
N o qu e diz respeito aos temas e à form a d e deliberação utilizados, é im portante q®
I
os conselhos construam e sigam uma agen da de temas p rioritá rios para a implementaçi.
d o SUS, d e form a a acom panhar ou até antecipar a a gen d a d o gestor correspondente,
deliberações devem ser hom ologadas, ou seja, transform adas em ato oficial d o gestor doSll
O Sistema Único de Saúde - SUS 381
T ransferência de r e s po n s a b ilid a d e s e c o n s t r u ç ã o de c a p a c id a d e s g e s t o r a s n o SU S
Descentralização
Para refletir
T en d o em vista os princípios e diretrizes do SUS, que implicações a descentralização com ênfase
para os municípios tem para a implantação da política de saúde em todo o território nacional?
Quais os desafios associados à descentralização da saúde considerando-se as características da
federação brasileira?
£
A especificidade da federação brasileira ffc
KV'
Federação é sinônim o de Estado federal, isto é, o Estado em que coexistem entes federados que
gozam d e autonom ia constitucionalm ente definida. Em um sistema federativo, o p od er político
e a autoridade adm inistrativa são distribuídos territorialm ente entre instâncias de governo, de
tal form a que o go vern o nacional e os subnacionais guardem certa independência em sua esfera
p ró p ria d e atuação. D iferentem ente de muitas federações, a brasileira é um sistema com três
entes (trip lo federalism o) porqu e incorporou, em 1988, os municípios, ju n to com os estadose
o D istrito Federal, com o partes integrantes da federação. Existiam no país, em 2010, 5.565 mu
nicípios. Estimativas populacionais realizadas pelo Instituto Brasileiro d e G eografia e Estau'stica
(IB G E ) revelam que cerca de 45% dos municípios possuíam até dez mil habitantes (Tabela 1).
Entretanto, 55% da população brasileira residia em apenas 283 municípios que possuíam mais
d e cem mil habitantes.
O Sistema Único de Saúde - SUS 383
Tabela 1 - Distribuição dos municípios e da população segundo classe de tamanho dos municí-
pios. Brasil - 2010
r
A base da regu la çã o fed era l sobre a d escen tralização é a n orm atização, consubs
tan ciada pela ed içã o anual d e dezenas de portarias pelas diversas áreas d o ministérioe
dem ais en tid a d es fed era is, em gera l associadas a m ecanism os fin a n ceiro s de incentivo
ou in ibição d e políticas e práticas pelos gestores estaduais, m u n icipais e prestadores
d e serviços. S ob re essa base se associam outras form as d e re gu la çã o, tais como: apoioe
capacitação técnica dos gestores estaduais e m unicipais, d ivu lg a ç ã o d e propostas e ins- ,
tru m en to s técnicos d e gestão, capacitação d e recursos h um anos p ara o SUS, controle '
e avaliação d e sistemas, serviços e práticas, fin a n cia m en to d e pesquisas, regulação de :•
m erca d os relacion a d os à saúde, im p lem en ta çã o d e novas estruturas d e regulação da rede
d e serviços (M a ch a d o , 2002).
Pacto pela Saúde
Contempla o acordo fir Sem descon siderar a im portância dos vários instrum entos utilizados e seus impac
mado entre os gestores do tos sobre a gestão descentralizada d o sistema de saúde, as norm as operacionais e, mais
SUS, em suas três dimen
sões: pela Vida, em Defe
recen tem en te, o Pacto pela Saúde ocupam papel de destaque na regu lação nacional da
sa do SUS e de Gestão. De descen tralização d o SUS. De caráter transitório, essas norm as foram complementadas e
forma geral, o Pacto pela
sucessivam ente substituídas, sendo marcadas p o r debate cada vez mais intenso envolvendo
Saúde estabelece que esse
acordo seja feito com base as três esferas d e g o v e rn o e o C on selh o N acion al d e Saúde e p elo a co rd o estabelecido em
na formalização de com um d a d o m o m en to na form ulação da política nacional de saúde no qu e tange à descentra
promissos que compre
endem responsabilidades lização (L e v c o v itz , L im a & M achado, 2001).
sanitárias (traduzidas em N os anos 90, foram publicadas qu atro norm as o p era cio n ais básicas (NOBs): em
objetivos de melhoria das
condições de saúde) e de
1991, 1992 (sim ila r à a n terio r), 1993 e 1996. N a década d e 2000, fo ra m publicadas a
gestão, e a pactuação de N o rm a O p era cio n a l da Assistência à Saúde (N o a s ) nas versões 2001 e 2002 e, em 2006.
metas prioritárias relacio
as portarias relativas ao Pacto pela Saúde (Q u a d ro 3). Mais re cen tem en te, foi instituídoo ■
nadas a indicadores que
possam servir para o con d e c re to n. 7.508, d e 28 d e ju n h o de 2011 (B rasil, 2011), qu e regu la m en ta a lei n. 8.080 j
trole mútuo, o monitora d e 1990 e d isp õe sobre a organ ização, o p la n eja m en to da saúde, a assistência à saúdeea
mento e a avaliação dos
compromissos assumidos. articu lação en tre os entes fed erativos no SUS.
A base de regulamentação
do Pacto pela Saúde pode
ser obtida no endereço Entre outras medidas, o decreto n. 7.508 ressalta a necessidade d o fortalecim ento do enfoque
eletrônico do Ministério territorial e da capacidade das três esferas de conduzirem de m odo articulado os processos de
da Saúde: c www.saude. descentralização e regionalização em seu âmbito de competência. Estabelece, ainda, o Contrato í:
gov.br>.
Organizativo da Ação Pública da Saúde com o instrumento de colaboração entre os entes federativos
para a organização da rede de atenção integral à saúde em uma determ inada região.
KL
1) diferen tes atribuições dos go vern o s federal, estadual e m unicipal sobre o planejamento
e progra m a çã o da atenção à saúde, o financiam ento e a regu lação d e ações e serviços
prestados no âm bito d o SUS;
Condições d e gestão
Dizem respeito a diferentes capacidades de gestão das secretarias municipais e estaduais de Saú
de, envolvendo um dado conjunto de exigências e prerrogativas financeiras para os municípios
e estados que se submetem a um processo de habilitação. As diferentes condições de gestão do
SUS foram primeiramente estabelecidas pela Norma Operacional Básica de 1993 e vigoraram
até a Norma Operacional de Assistência à Saúde. Em última instância, as condições de gestão
estão relacionadas às formas de obtenção e autonomia para execução orçamentária dos recursos
financeiros federais transferidos para o custeio da assistência. Em maio de 2006 (últimas habili
tações realizadas), 682 municípios (12% do total), todos os estados e o Distrito Federal estavam
habilitados na condição de gestão mais avançada prevista na regulamentação específica do SUS
(plena do sistema municipal ou estadual), mostrando-se aptos a receber mensalmente a totalidade
das transferências federais para custeio da assistência (incluindo a média e alta complexidade
ambulatorial e hospitalar). Posteriormente, na vigência do Pacto pela Saúde, os processos de ha
bilitação foram abolidos e substituídos pela formalização dos Termos de Compromisso de Gestão
aserem assinados pelos gestores.
Fontes: Levcovitz, Lima & Machado, 2001; Noronha, Lima & Machado, 2005.
1990a NOB 91/92 • Ausente • Única forma utilizada: •Ausente • Negociações em âmbito nacional
1992 repasse direto ao por meio dos Conselhos de
prestador segundo Representação dos Secretários
produção aprovada Estaduais (Conass) e Municipais
(Conasems) e Comissão
Intergcstores Tripartite (C IT )
1993a NOB 93 • Fraca: • Forma preponderante: • Definição de • Negociações cm âmbito nacional
1995 iniciativas c repasse direto ao responsabilidade e estadual, por meio dos Conselhos
negociações prestador segundo sobre dos Secretários Municipais de
municipais produção aprovada algumas ações Saúde (Cosems) e da Comissão
isoladas programáticas Intergestores Bipartite (C IB )
e de vigilância • Iniciativas isoladas de consórcios
I
sanitária e
epidemiológica
Tl
Q u a d ro 3 - E lem en tos constitutivos da regu lação d o processo d e descentralização no SUS. Brasil - 1990-2010 (cont.)
de políticas sociais abran gen tes e solidárias. Se, p o r um lado, o co n tex to d e crise econ ôm ica
edemocratização nos anos 80 favoreceu o debate político na área da saúde qu e se refletiu
nos avanços da Constituição d e 1988 e em mudanças objetivas no sistema; p o r ou tro, nos
anos 90, a concretização dos p rincípios d o SUS seria continuam ente tensionada p o r diversos
obstáculos estruturais e conjunturais (L evc o vitz, L im a & M achado, 2001).
Os obstáculos estruturais estão relacionados, para alguns autores, a dois gru pos básicos
de problemas qu e se apresentam para os países latino-am ericanos. U m p rim eiro g ru p o está
relacionado ao alto grau d e exclusão e h etero gen eid a d e, fatores qu e não são p len am en te
resolvidos p or p rogra m a s sociais, e aos conflitos en tre esforços financeiros, sociais e institu-
donais para im p lan tar políticas abrangentes em co n fro n to com as restrições impostas pela
estrutura socioeconôm ica dessas sociedades. U m segu ndo gru p o é d e o rd e m institucional e
organizacional, rep resen ta d o pelas características predom in an tes dos sistemas de prestação
de serviços nesses países - centralização excessiva, fragm entação institucional, frágil capaci
dade regulatória e fraca tradição participativa da sociedade (D raibe, 1997).
No Brasil, os obstáculos estruturais se expressam nas profu n das desigualdades socioe-
conômicas e culturais - in ter-regionais, interestaduais, interm unicipais - , nas características
do próprio fed eralism o brasileiro, na proteção social fragm en tada e no m o d elo m édico-
assistencial privatista sobre o qual o sistema foi construído.
Um dos principais desafios para a consolidação d o SUS, portanto, é su perar as p r o
fundas desigualdades em saúde, com patibilizando a afirm ação da saúde co m o d ire ito d e
ddadania nacional co m o respeito à d iversidade region al e local. Isso im plica um a m udança
substantiva no papel d o Estado nas três esferas d e go vern o , o fortalecim en to da gestão p ú
blica com finalidades diferen ciadas nos âmbitos nacional, estadual e m unicipal, a d ivisão d e
competências e a articulação de princípios nacionais de política com decisões e parâm etros
locais e regionais.
No entanto, na área da saúde, é tarefa bastante c o m p lexa separar d e fo rm a tão nítida
osespaços territoriais d e influ ência política de cada esfera d e go vern o . Em p rim e iro lugar,
porque a perspectiva d e construção d e sistema é uma dim ensão im portante a ser considerada
nopróprio processo d e descentralização. Dada a distribuição geográfica desigual dos serviços
públicos e privados n o SUS, a regionalização, a hierarquização e a in tcgra lid a d e d em an dam
a formação e a gestão d e redes d e atenção à saúde não d iretam en te relacionadas a uma
mesma unidade político-adm inistrativa, tais com o as redes interestaduais d e ações e serviços
de saúde (que en vo lvem mais d e um estado) e as redes interm unicipais (q u e e n vo lvem mais
de um município). Em segu n do lugar, porqu e, na m aioria das vezes, os fatores qu e d e te r
minam os problem as d e saúde e gera m dem andas para os serviços d e saúde não respeitam
os limites dos territórios político-adm inistrativos. A lém disso, com o já en fatizado, a m a ior
parte dos municípios brasileiros e muitos estados, qu er seja p o r questões d e escala insufi-
riente, quer pela d iferen ciação dos recursos disponíveis (financeiros, m ateriais e hum anos),
não possui condições d e p r o v e r todas as ações e serviços necessários à atenção in tegral de
388 P olíticas e S istema de Saúde no B rasil
Financiamento • Fontes estáveis para o setor • Aumento da participação • Não implantação do Orçamento da
oriundas dos três níveis de dos municípios e estados no Seguridade Social
governo financiamento da saúde • Instabilidade de fontes durante a maior
• Condições de financiamento • Aumento progressivo das parte da década de 1990 (EC 29 só foi
e gasto adequadas para o setor transferências automáticas aprovada em 2000)
nas três esferas de governo (‘fundo a fundo') de recursos • Dificuldades na regulamentação e no
• Suplenientação e federais para estados e cumprimento da vinculação constitucional
redistribuição de recursos municípios da saúde (EC 29)
fiscais para estados e • Insuficiente volume de recursos para o
municípios mediante a adoção setor
de mecanismos e critérios • Baixa participação dos investimentos no
equitativos para transferência gasto público em saúde
de recursos federais • Excesso de condicionalidades para
• Desenvolvimento de política aplicação de recursos federais transferidos
regional de investimentos • Distribuição de recursos federais, que
para o SUS ainda segue muito o padrão da oferta,
com limitações na adoção de critérios de
promoção da equidade
Relações público- • Consolidação do sistema • Aumento da oferta pública • Pouca adoção de mecanismos
privadas público de saúde, único e de serviços de saúde, de transferências interestaduais e
universal, em uma lógica de principalmente municipal intermunicipais de recursos para o SUS
seguridade social • Aumento da capacidade • Crescimento do setor privado supletivo
• Caráter complementar do gestora em diversos estados e subsidiado por renúncia fiscal, com
setor privado no sistema em milhares de municípios segmentação da clientela
• Fortalecimento da gestão • Regulação ainda incipiente sobre os
pública e da regulação do prestadores privados do SUS e setor privado
setor privado supletivo
• Multiplicação de novas formas de
articulação público-privada na saúde
(terceirizações, fundações, cooperativas,
organizações sociais etc.)
Descentralização • Definição do papel das • Transferência progressiva de • Revalorização recente, mas ainda
e relações entre três esferas de governo responsabilidades, atribuições indefinições do papel do gestor estadual,
gestores no SUS respeitando-se as e recursos da esfera federal com riscos de fragmentação do sistema
especificidades regionais para estados e principalmente • Conflitos acentuados e competitividade
• Transferência de municípios nas relações entre gestores (federal-estadual-
responsabilidades, atribuições • Estabelecimento das comissões municipal, estadual-estadual, estadual-
e recursos da esfera federal imergestores como instâncias municipal e municipal-municipal)
para estados e municípios efetivas de negociação e decisão • Baixa instiiucionalidade das instâncias de
' Mecanismos de negociação negociação e pactuação federativa em âmbito
e relacionamento entre regional
gestores para definição e
implementação da política
Gestão e • Fortalecimento da • Aumento da capacidade • Heterogeneidade da capacidade gestora
organização do capacidade de gestão pública gestora e experiências entre os diversos estados e municípios
sistema do sistema inovadoras de gestão e • Persistência de distorções relacionadas ao
• Expansão e desconcentração organização da rede de serviços modelo anterior: superposição e excesso de
da oferta de serviços de saúde em diversos estados e oferta de algumas ações, insuficiência de
• Adequação da oferta às municípios outras, pouca integração entre serviços
necessidades da população • Expansão efetiva da oferta de
• Organização c integração serviços para áreas até então
da rede de serviços em desassistidas
uma lógica hierarquizada e
regionalizada
390 P olíticas e S istema de Saúde no B rasil
Para refletir
Evocê, o que pensa sobre isso? Em sua opinião, quais são os principais desafios para a consolidação
do SUS? Quais são as pessoas que apoiam e sustentam o SUS, ou seja, qual é atualmente a base
social de apoio à política pública de saúde? E quais são os principais interesses contrários ao for
talecimento do ideal da saúde como direito de cidadania? Quais seriam as estratégias necessárias
para superar os desafios que você identifica?
L e itu r a s r e c o m e n d a d a s
S ites de interesse
R efer ên c ia s
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