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s c h o r s k e
Tradução -
C o m p a n h ia Ü v s L E f R A S
3. A idéia de cidade no pensamento
europeu; de Voltaire a Spengler
I ouro da Grécia e do jardim do Éden cristão. Por que a humanidade devena exal
tar os gregos, vitimas da pobreza? Ou Adão e Eva, com seus cabelos em aranha
dos e unhas quebradas? “Faltavam-lhes indústria e prazer: e isso virtude? Não, LA
pura ignorância.’”
.iv
ín d ijstria e prazer: essas duas buscas d istinguiam a vida urbana para . Jut'
, Voltaire; juntas, elas produziam a '‘civilização”. 0 contraste urbano entre ricos e K
I pobres, longe de ser causa de terror para o philosophe, proporcionava a própria
\r~
a:
' base do progresso. Seu m odelo de hom em rsco não era o capitão de indústria,
I rnas o aristocrata perdulário que (cvava uma vida de ocio na cidade, um verda-
' deu o filho do pnncipio do prazer. Voltaire descrevia seu íiòtcl inondam rococó e ^
luxuoso, com seu exterior “ornam entado pela admirável indústria de mil m ãos’’.'
Saboreava a ronda diárra do hom em rico, sua vida dc sensualidade refinada: o
nwncíaniãtrãvessa Jiuma bela carruagem dourada as praças im ponentes da cida
de para se encontrar com uma atriz, depois vai à opera e a um lantar pródigo.
Com seu rnodo sibaritico dc viver, esse perdulário Uut, vjvíi/jí cria trabalho para
mcontáveis artesãos. Não som enle proporciona em prego para os pobres, com o
se torna um m odelo a imitar. Ao aspirar à vida de ócio civilizado de seus superlo-
res, os pobres são estimulados à diligencia e à parcim ônia e, dessa forma, m elho
ram sua S itu ação . Graças a essa feliz sim biose de ricos e pobres, ocio eiegante e
indústria florescente, a csdade estimula o progresso da razão e do gosto e, assim,
aperfeiçoa as artes da civilização.^
Apesar de sua ênfase um tanto burguesa na cidade com o força para a m o bi
lidade social, Voltaire considerava a aristocracia o agente crucial do progresso
dos costum es. A rem oção dos nobres para a cidade, especialm ente durante o rei
nado de Luis xfv, trouxe uma “vida mais doce” para o citadino inculto. As gracio
sas esposas dos fidalgos criaram “escolas de politessé\ que afastaram os /ovens
urbanos da vida da taverna e introduziram a boa conversação e a leitura.^ Voltaire
via assim a cultura da cidade nova de uni modo um pouco sem elhante ã forma
coiiio hojc j.cwis Mumíord c outros icni visto o.sconccilo.s dc plaiKMamenUu]ue
.1 ii'i.spir,iranv. t.on\o unu\ cxlcn sao do paiácio. No e n la n io , onde iVluniford
enconirou despotism o barroco — uma uonibina^-;lo csErnnha dc "poder c pra
zer, uma (,)rdcni abslrala severa c uma sensualidade fulguranlc", ju n to com uma
delcriora(,'á{) da vida para as massas — ,Voltaire vjn progresso social.” Não a dcs-
iruii;ao da conuinldadc, mas a difusão da razão e do bom gosto para indivíduos
de todas as classes: essa era a função da cidade para eie.
lál com o \'oltaire. Adam Snm h atribula a origem da cidaüc ao trabalho dos
m onarcas. Numa era feudal seiva^cm c barbara, as cidades, p o r necessidade dos
rc!S, íoram criadas com o centros de liberdade e ordem . Desse m odo, a cidade
estabeleceu os alicerces do progresso tanto da indústria com o da cu ltu ra;
“Q u and o los h om ensi estão seguros de usufruir os frutos de sua ind ú stria”,
escreveu S m ith ,“cies a empregam naturalm ente para m elhorar sua condição e
adquirir não som ente as coisas necessárias, mas tam bcm a.s conveniências e cíç-
gancras dn vida”.' Para Voltaire. o advento da nobreza civilizou as cidadcs; para
Sm iih, a cidade civilizou a nobreza rural e, ao m esm o tem po, desiruiu a autori
dade feudal. Os nobres, “tendo vendido seus direitos hereditários, não com o
Rsau, p or ujn prato de sopa em tempo de fome e necessidade, mas p or bugigan
gas e quinquilharias no capricho da abundância l..,l> s e tornaram tão insignifi
cantes quanto qualquer burguês ou com erciantesubstanciaU ia csdade” ''A cida
de m\’elou nobres e burgueses para produzir uma nação ordeira, próspera e livre.
Dessa f o rm a , a d in â m ica da civilização está na cidade, tan to para Voltaire
c o m o para S m i ih . M as c o m o e c o n o m is ta e m o ra lista, Srnu h c o m p r o m e t e u - s e
m e n o s c o m o u r b a n is m o do que Voltaire. Defendia a cidade apenas e m sua rela
ção c o m o c a m p o . A troca entre m a t é n a s - p r i m a s e m a n u ta tu r a , entre c a m p o e
cidade, form ava para ele a espin ha dorsal da p ro s p e rid ad e .“Os g a n h o s de a m b o s
s a o n n i i u o s e r c c i p r o c o s . ” S m i t h ,c a n t u d ü ,c o n s Íd e r a v a o c a p i t a ! niovel e ss e n c ial-
m c n í c ;ns:.;\ cl e, do {>onto de vista de qu a lqu er sociedad e, não confiável. “ { U m |
muitv) fúí!! fará c o m que io c o m e r c ia n te ou nidustriuil i ra n s fiia de
u ’v. p.'.!-. 'fX;ra o u i r o seu capital e i . t toda a m d ú stria que eie sustení:i. P od e-se
di/ci' ijiiv n c n i iu m a parte dola pertence a algu m pais c m pailicul-u', ntc c;ue tcnh<!
.'Sj\-;il'p.ido pcía superricíc desse país, seja cm prcdios ou em m eüioram cntos
das icrras.” * O cap aaiista u rban o c um nòm ad c a n tip a trio u co .
1-mbor.! a ciciade m elhore o cam po ao proporcionar um m ercado c ben.s m anu-
fa ü ir a d o s .a !n d ;u ] u c ciu!quv.'(,‘ a a !unn.i)iKÍ>uii.-au u id ku nos.sivci a Iran.scciulcn-
cia das necessidadcs anüiiais. scils habiiante.s cniprccndcdorcí)' ,são so cia lm cn tc
üistávcis c não confiavcis.
O u tro s VÍCIOS dc unia .>.’spccic mais suiil a c o m p a n h a m a5 virtudes urbanas:
" in a tu r alid ad c c dcp o n d c n c ía ”. .Smitíi sustcniava q u e " c u it i v a r o solo era o desti
no natural d o h o m c n i ”. For mUTOsse c por s tnU nicnlo, o h o n icn i tendia n voltar
a terra. O trab alho e o capitai yra viia v a m nalu rahiicnk* em torno d o c a m p o rela
tiv am ente livre de nscos. M as, acu n a dc tudo, as satisfações p siq uicas do a g n c u i-
ttir s u p e ra v a m as d o com e rcian te ou industrial urbano. Aqui, Sm Uh revela-se um
mgiès p r e - r o m à n t ic o ;''A beleza do c a m p o , 1... 1 os prazeres cia vida ca m pestre, a
tran qüilidade m ental que p ro m e te e, o nde quer que a iniustiça das leis h u m a n a s
não a p e r tu r b e , a in d e p e n d ê n c i a q u e ela realm ente p e rm it e tém e n can to s que
m ais o u m e n o s atra e m a t o d o s ” A cidade estim ulava, o c a m p o satisfazia.
Sm ith insistia em seus preconceitos psicológicos até m esm o à custa de sua
-.0
,\ n.icia u.i ck Ku Iccuü U) vu lutlc ;iiih í >í i-stnva cni clabor;)v'.H> nu .sccuk' xviu
c j,i luna MCDí Tcnlc coiiici;ava a sv ia/.cr sentir: a idcia cio citlade com o vicio,
íivitlcnicincnic, a cuiatic cuniu m.-cÍc da inujütdadc cra liigar-conuim do profetas
c nioraliíilas religiosos dt\sde Sutíonia e í lom orra. Mas no scculo WHi. m leiec-
iuais sccuiarcs com eçaram a Icvajilar novas lorm as d ecn tica. <'^liver G okisnutli
(.lepiorava a desUuiçCso du cam pesinato uiyiês a medida que o capuai iiiuvcl
estendia seu dom uiio.sübreocainpo. At^coniráno de Adam Sm ilh.eio via a acu-
nniiavao da nque/a produ/jr íiop.iens decadentes. Os ílsiocratas francese.s. cuias
noções de bem -estar eci>nòniico estavam centradas na ni.ixuui/.ação da produ
ção agrícola, viam a cidade coni suspeUa. Mercier de ia Kiviere, um de seus lide
res, apresentou o que parece ser uma iran siorm açáo deliberada do cavaUieiro
urbano de Vullaire mdo alegremente ao seu eucontro am o roso:'“As rodas am ea
çadoras do rico arroganie passam rapidam ente sobre as pedras m anchadas pelo
sangue de suas infelizes vítim as” A preocupação sociai com a prosperidade do
cam ponês p roprietário trazia o antiurbam sm o em suas águas, não m enos na,
Europa de M ercier do que nn Am erica de lefferson. Outras correntes intelectuais
apenas reforçaram as dúvidas que cresciam sobre a cidade com o agente “civili
zador”: o cuito pré-rom ântico da natureza com o substituta de um Deus pessoal
e o sentim ento de alienação que se espalhou entre os m teiectuais á medida que
as leaidades sociais tradicionais se atrofiavam.
N o final do século xvui, o n c o p erd u lán o e os artesãos in d u stn o so s de
Voítaire e Sm ith se tran sform aram nos fazedores de fortunas e gastadores de
W ordsw orth, igualm ente desperdiçando suas energsas, igualm ente alienados da
n atu reza.’* A racionalid ad e da cidade planejada, tão valorizada p o rV o lta ire ,
im punha, para W illiam Biake, “aígemas forjadas pela m ente” à natureza e ao
hom em . Q u ão d iferente é o poem a “ Lond on” de Blake do hino de louvor de
Voltaire:
■ i \v,-.ndi.T ih ru ' each ch arter'd Street,/ N car where lhe chai ;t;r'd ThaiTics dues üo w j A nd iirark ín
vv^ry í niect/ .M arksofw eakness. m ark so ! wüc.
00
Anics que lochi.s as conscijücíK ias tia üidusínalizavâ!) ficasscin manifestas
na Cidade, d,s itilelcciuass ja haviani <w<.nncçav.lo a reavaliarão do am biente urba
no queauida iião se desenvolvera pienaniente. A rcpuiaijão da ciilade se emara-
ntiara com a preocupação com a íraii.sforrTiaçno da societlade agrarta, co m o
medo d o '‘cuíto do dinheiro", o ciiitíi da naiureza o a rovolla conlra o racionaUs-
i
í mo niecantcLSia.
I Para essa visão ecnergenle da cidade com o vícso, a disseminação da indús-
ula , nas p rim eiras décadas do seculo XiX, deu uni n ovo e poderoso m ipeto. A
I medida Mue as prtímessas das operavi>es benelicenies da lei natural na vida cco-
nomica se transform avam nas descobertas d a“cicncia sinistra", da mesma forma
- :'í" a identidade mútua dc interesse entre ricose pobres, cidade e cam po,se transfor-
mava na guerra enlre as “duas naçÕes” de Disraeli, entre os ricos despreocupados
e os m oradores depravados dos cortiços.
O que 05 poetas rom ânticos descobriram , os prosadores da escoía realista
mglesa da década de 1840 descreveram em seu cenário especificamente urbano.
I A cidade sim bolizava em tijoíos, fuligem e imundície o crim e soo al da época, o
cnm e que, mais do que quaiqueroutro, preocupava a ítuelligcntsiaàa Europa. 0
cn de cccur q u e se elevou m icialm ente na Inglaterra se espalhou para o leste com
a industrialização, até que, cem anos depois de Blake, encontrou voz na Riíssia
de M áxim o G orki.
"V
^ Pobreza, im undície c insensibilidade da classe alta eram novidade no uni-
-r' verso urbano? Certam ente não. Dois acontecim entos respondem pelo fato de a
Cidade, no com eço do seculo X!X, se tornar um sím bolo estigm atizado desses
males sociais. Pnm ciro, o enorm e crescim ento da taxa de urbanização e o surgi
mento da Cidade industrial de construção barata dram auzarani as cond ições
urbanas que até então passavam despercebidas. Hm segundo Íugar,essa transfor
mação negativa da paisagem social ocorreu contra o pano de fundo das expecta-
uvas do Ilum inism o, de pensam ento h iston co otim ista sobre o progresso e a
riqueza da civilização por meio da cidade, tal com o vimos em Voltaire, Sm ith e
Fichte. A cidade com o sím bolo ficou presa na rede psicológica de esperanças
írustradas. Sem o quadro deslumbrante da cidade com o virtude, herdado do llu-
m inism o, a im agem da cidade com o vicio dificilm ente teria exercido tanta
inüuencia sobre a m ente européia.
v/f ()>.%•() iiiinlo, os rcíiçòc.s criU cas a ccna urbaii;'. sadusEnai nodcni .ser cla.ssi-
ilcatia.s civi arcaizaiiícs e úitun.sias. Ambas as reações rel]eUa:n uma consciência
agvula da i-iislúna com a nieio da vida social, coiii o presente localizado num a tra
jetó ria de mudança. Os arcnistas abandonariam a cidadc: os futuristas a relor-
m an an i. Os arcaistas, com o Coleridge, Ruskui, os pre-ralaciilas, Gustav l*re)'tag
na Alem anha, Dosiüjcvskí e 'Iblstoi rejeitavam com firmeza a idadc da maquina
e sua megaiópoie moderna. Cada um a sua m aneira, todos buscavam u.ma volia
à sociedade agrária ou das pequenas cidades. Os socialistas utópicos da França,
com o Fourter e seus falansténos, e até os sm dicalislas mostravam traços anti-
u rbanos sim ilares. Para os arcaizantes, era siniplesm cnte mipossivel ter uma
vida boa na cidade m oderna. Eles reviviam o passado com unitário para criticar
o presente com petitivo e opressivo. Sua visão do futuro com preendia, em grau
m aior ou menor, a retom ada de um passado pré-urbano.
Tenho a impressão de que o fracasso da arquitetura urbana do século ;ux cm
desenvolver um estilo autônom o refletiu a força da corrente arcaizante, m esm o
entre a burguesia urbana. Se pontes ferroviárias e fábricas podiam ser constru í
das em estilos utilitários novos, por que os prédios domésticos e representativos
eram concebidos exclusivamente em idiom as arquitetônicos anteriores ao sécu
lo x\ iil? Em Londres, ate m esm o as estações de trem tinham puse arcaica; a esta
ção Euston buscava, em sua fachada, fugir para a Grécia aniiga,Sí. Pancras, para
a idade M édia, Paddington, para a R enascença. Esse h isto n cisn io vitorian o
e.xpressava a incapacidade dos habitantes da cidade de aceitar o presente ou de
conceb er o futuro senão com o ressurreição do passado. Os construtores da nova
cidade relutavam em encarar diretam ente a realidade de sua própria cn ação, não
encontravam form as estéticas para afirmá-hi. Isso é quase veidade para a Paris
üe N apoleâo iiKcom sua forte tradição de continuidade arquitetônica controla
da, assim com o para a Londres vitoriana e a Berüm guilherm ina, com seus ecle-
tism os h istóricos m ais floreados. O d inh eiro p ro cu ro u se redim ir vestindo a
m ascara de um passado pré-m dusínal.
Por irom a, os verdadeiros rebeldes arcaistas contra a cidade, íossem estéticos
ou eticos, viram os estilos medievais que deíendiam caricaturados nas fachadas
das m etropoles. íohn Ruskin e VVilliam M orris carregaram essa cruz. A m bos
foram do esteticism o arcaizante para o socialism o, das classes para as massas, na
busca de uma solução m ais prom issora para os problem as do hom em urbano
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iiulustria!, fazc-it), reajüciliarain-.scdeaiyuínn iorniaconi a Hulustnali/.açãu
niocicrna c com n cícladc. Hlcs tnissarani ílo arcaí-snit) para o íuluri.snK).
63
A iiliiULicdc Eiigeis cui rcla<;ão a cidade moderna c cxatanum lc paralela à de
Marx cin rdaçao ao capitalism o; ambas eram igualmente diaiciic>is. Marx rc)ci-
tava o capitalism o do ponto de vista etico, por sua exploração do trabalhador, e
aiirniavví uo ponto de vista Is.-ilórico, por socializar os modos dc produ4;'ão. Da
m esma formn, ítngcls acusava a cidade mdusirjal de ser o cenário da opressão do
íraballiador, mas a afirmava historicam ente com o teairo por excelência dn liber
tação proletária. Assim com o na luta entre o grande capilui e o pequeno
em preendim ento, M arx defendia o prim eiro eomo sendo a forcri“necessana’'e
“progressisUi”, na lula entre produção rural e urbana, Engels era a favor da ctda-
dc industrial vH)r ser o purgatório do camponês e do artesão caídos, onde ambos
se livrariam do servilism o e iriam desenvolver a consciência proletária,
Que lugar ocuparia a cidade nu fuluro socuüista? Engels fugm dos planos
concretos. Contudo, estava convencido de que era preciso com eçar a '‘abolir o
contraste entre cidade e cam po que foi levado ao seu ponto extrem o pela socie
dade capitalista atu ar’." No final de sua vida, Engeís ressuscttou na discussão da
cidade do futuro a visão antim egalopolitana dos socialistas utopicos. Viu nas
com unidades-m odelos de Owen e Fourier a síntese de cam po e cidade — e enal
teceu essa siniese que sugeriria a essência social, em bora não a form a, da unidade
de subsistência do futuro. Sua posição contra a m egalópole era clara: “O uerer
resolver a questão da m orad ia e ao m esm o tem po d esejar m anter as grandes
cidades m odernas é um absurdo. Porem, essas cidades serão abolidas som ente
com a abolição do m odo de produção capitalista”.-' Sob o socialism o, a "conexão
íntim a entre p rodu ção agrícola e in d u strial” e “a d istrib u ição tão uniform e
quanto possível da população por todo o pais t ... 1irão i . . . 1 libertar a população
rural do isolam ento e da letargia” e trazer as bênçãos da natureza para a vida
urbana.-^ Engels recusou-se a especificar com mais precisão suas idêias sobre
centros populacionais, mas todo o seu argum ento sugeria uma foríe afinidade
com o ideLi! de c;dade pequena com um aos reform adores urbanos desde o final
du scculo X!.\.
r^iidc .'\dam Sm ith, com base na teoria do desenvolvimento urbano e rurai
rev.ip’\!co, \ !ra a roaü/.ação d<.i hom em cUadino numa volta a terra cum o mdí\ i-
duo, i:i ;gcl;. imaginava o socialism o unificando as bênçãos da cidade e do campo.
cidade ao cam po com o entidade socuil e, de m odo coiTC.^pondciUu, a
i !.uiire/a para a cidade. No curso de tres décadas, seu pensam ento pasmou da reiei-
c;u) clica ih cidadc inodcriia, pda anrinaçáu hisíurica dc sua luiivíio libcriadora,
para unra ir;ui,SLcndcnc).i dti dcbaic rural-inbano üuina ruT.spccíiva uiuiMca: a
sintcse da Ki/Zíiírurlvanac da No/urrurai na culadc do futuro socialista. Embora
extremamente crítico da cidadc auilcn^porànea, Unu,o!s resgatou a idcia da ciua-
dc ao iíitegrar scu.s vicio.s ao seu processo histõnco de saivac^ão sticial.
; Uma iiova gerai;;ão de escritores europeus expressou ria década de ! 890 co n
cepções não m uito distantes das de tngeis. Au cu ntrano dos romancistas mglescs
da década de 1840, não achavam a vida pre-m dustnai uma felicidade nem as solu
ções ético-cnsiãs para o urbanism o moderno viáveis, limile Zoía, cm sua trilogia
Trais villcs, pintou Parts com o um antro de imquidade. A mensagem cristã estava
fraca e corrom pida demais para regenerar a sociedade m oderna: nem Lurdes,
nem Roma podiam ajudar.A cura deveria ser encontrada no centro da doença; na
metrópole m oderna. Ali. a partir da própria degradação, surgiria n moral hum a
nista e 0 espírito cientifico para construir uma nova sociedade. Émile Verhaeren,
um socialista auvo e poeta de vanguarda, mostrava as m odernas vilíes tentncuíat-
rt’s sugando o sangue vital do campo. Com partilhava com os arcaistas um senti
mento forte a favor da vida de aldeia, mas a horrenda vitalidade da cidade trans
formara o sonho arcaizante no pesadelo da atualidade m oderna de intolerância e
vacuidade que dominava a vida rural. O últim o ciclo de sua tetralogia poética
intitulada Aurora mostrava que as energias industriais que, durante cem anos,
arrastaram o hom em para a opressão e a feiura eram tam bém a chave para a
redenção. A luz vermelha das fábricas anunciava a aurora do hom em regenerado.
A revolução vermelha das massas realizaria a transform ação.'"
Estavam então os arcaistas m ortos no final do século? Não. Entretanto, flo-
resciam de form a mais profética, com suas/?t’2ír5<-/íí n ia lâ o nacionalism o totali
tário: Léon Daudet e M au nce Barres, na França, os literatos protonazistas na
í
^ Alemanha. Todos condenavam a cidade, mas não a atacavam por ser vicio, e sim
I seus m oradoresj por serem viciosos. Os n cos urbanos liberais eram , na m elhor
{ das hipóteses, aliados dos judeus; os pobres eram as massas depravad;:\s e desen-
i raizadas, adeptas do socialism o materialista judeu. V^oítcmos a província, á ver-
' dadeira França, clamavam os neodireitistas franceses] Voltem os ao solo onde o
; sangue corre claro,proclam avani osalem ães racistas! Os protona/.istas germ áni-
■ COS— Langbehn, Lagarde, Lange — acrescentaram ao seu culto da \irtude cam-
• ponesa a idealização do burgo medieval de Fichte. Só que, enquanto o filosofo
us;u'a .scii nuiLlclo .ircaico para d cniocraúzara vida política uicinã,seus succ.sso-
rcs o empregavam para uma rcvuluvao dc rancor cojilra t) liberalismo, a dem o-
cracia c o socialism o. Fichte talava para uma ciassc média cm ascensão; seus
sucessores prolonazistas, para uma pequena burguc.sia que ác sentia em queda,
esmagada entre o grande capUal e o grande prolelarsado. Fichte e.xaltava a cida
de c o m u n ita n a contra a R csídcn zílad! despótica; seus sucessores, con tra a
m etropoie moderna. Em sum a, enquanto Fichte escrevia com a esperança de um
racionalisla com unitário, os protonazistas escreviam com a frustração dos írra-
cionalistas encarniçados.
A segunda onda de arcaísm o pode ser facilmente distinguida da pnm eira
por sua falta de sim patia peio hom em da cidade com o vítima. Em 1900, a atitu
de com preensiva passara, em larga medida, para os futuristas, os reform istas
sociais ou revolu cionários'qu e aceitavam a cidade com o um desafio social e
esperavam capitalizar suas energias. O sarcaistas remanescentes não viam a cida
de e seus habitantes com lágrim as de piedade, mas com ódio rancoroso,
C o m o se com para a idéia da cidade com o vicio de 1900 com aquela da cida
de coHK) virtude de cem anos antes? Para os futuristas de 1900, a cidade possuía
vicios, assim com o possuía virtudes para Voltaue e Sm ith, Mas eles acreditavam
que esses vicios podíam ser superados pelas energias sociais nascidas da propna
cidade. Em contraste, os neo-arcaístas invertiam totalm ente os valores de Fichte;
para o filosofo, a cidade encarnava a virtude numa form a social que deveria ser
m iitada; para eles, ela encarnava o vicii.) e deveria ser desti uida.
Por volta de 1850, surgm na França uma nova m aneira de pensar e sentir
que lenta e inexoravelm ente estendeu seu d om ínio sobre a con sciên cia do
O cidente. Ainda não existe acordo sobre a natureza da grande mudança oceân i
ca introduzida em nossa cultura por Baudelaire e os impressiorastas íranceses c
'o m n ila d a filo soficam en te por N ietzsche. Sabem os apenas que os pioneiros
dessa nuidança desafiaram explicitam enre a validade da m orai, do pensam ento
e Ua ;'rte tradicionais. A prim azia da razão no hom em , a estrutura racio
nal da natureza e o sentido da história foram levados ao tribunal da experiência
psicológica pessoal para m lgam ento. Essa grande reavaliação mcluiu mevitavel-
6 ;'
I
nientca ítitia cia cicliulc. C om o virtude e vicio, progresso e re^rcsst) perderain
clareza de seiiudu, a cidüde lui Situaua para aicm du Ücin e do iVlal.
“O que é m oderno?” Os uuekcUiaí.s irunsavaíiadores dcrani iiovu à
quesíão. Não perguntavam: “O que é boni e o que e runii na vida m oderna?" e
sm^ “O que ca vida moderna? O que c verdadeiro, o que ê {aíso?’’. Knire as verda
des que encontraram eslava a Cidade, com iodas as suas glórias e seus horrores,
suas belezas e sua feiúra, com o base esscnciai da existencia moderna. O objetivo
dos novi/íOíínnc5 da cultura moderna tornou-sc não juigà-la do ponto de vista
ético, mas experim cntá-la em sua plenitude pessoalmente.
Talvez possamos dislm guír com mais facilidade a atitude nova e m odernis
ta das mais antigas exam inando o lugar da cidade na ordem do tempo. Antes, o
pensamento urbano situava a cidade m oderna numa fase da história; entre um
passadode trevas e um futuro róseo (a visão do Ilu m im sm o),ou com o um a trai
ção de um passado áureo fa visão anliintíu slnni). Com parauvam i-nte, para a
nova cultura, a cidade não tmha um íoais temporal estruturado entre passado e
futuro, e sim um atributo temporal. A cidade moderna oferecia um Inc ct nunc
eterno,cu |0 conteúdo era a transitoriedade. mas cu;a transitoriedade era perm a
nente. A cidade apresentava uma sucessão de m om entos variegados, fugazes, e
cada um deles deveria ser saboreado em sua passagem da inexistencia ao esque
cimento. Para essa visão, a experiência da multidão era fundam ental: todos os
indivíduos desarraigados, úmcos, todos umdos por um m om ento antes de par
tirem cada um para o seu lado.
Baudclaire, ao afírm arseu própno desenraizam ento, pós a cidade a serviço ií
de uma poética dessa acitude da vida moderna. Ele abriu panoram as para o habi- ■;
tanteda cidade que arcaistas lamentadores e futuristas reform adores ainda não ]
haviam descoberto. "M u líid ão e solidão; lesse.s sãoi üs term os que um poeta ;
ativo e fértil pode tornar iguais e intercam biâveis" escreveu ele.-'' l'oi o que fez. \
Baudeiaire perdeu sua identidade, com o o hom em da cidade, mas ganhou um
mundo de experiência vastam ente ampliada. Ele desenvolveu a arte especial a j
que chamou de “banhar-se na multidão’’''* A cidade proporcionava uma “orgia j
bêbada de vitalidade”, “deleites febns que estarão sem pre barrados ao egoísta”. _•
Considerava o poético habitante da cidade prim o da p rostitu ta — não m ais u
objeto de aesprezo m oralista. O poeta, tal com o a prostituta, alciíiin ca-se com |-:
“todas as profissões, os regozijos e as m isenas que as circunsiancias põem dian
te dele” “O que o hom em chama de am or e uma coisa m into pctjuena, restrita e 'í
tlObil conuvanula co m essa urjjia inclávcl, cs-Sü pru.slituivào sagrada de um a alma
tjuc SC entrega lo lain ien tc.co n i U)t!a a sua ptic.sia c ca rid a iic ,a iK iu c c(n c rg c m cs-
p cratiam eiitc, au d csco n h ccid o que passa
Para Bauticlairc c .seus seguidores eslelus e decadentes do ilm iK) secuio, a
cidade iornava possivc! o que Wailer Palcr chanu')u de "a consciência acelerada,
nuilti[-iiíca<,ía”. Pt)rcm, esse enriqucciníenU) da sensibilidade pessoai era oblido a
U!U preço ierrívci:oafa.sta?TientodosconforU)SpsicoiógiC(Mda Iradiçiloedequai-
viucr sentido de participação num lodo social integrado. Na visão dus novos arUs-
las urbanoS; a cidade moderna destruíra a validade J e todos os credos integrado
res herdados, 'lais crenças preservaram -sc scuiiente de torma hipócrita, com o
m ascaras Jiistoricistas da realidade burguesa. Ao artista cabia arrancar as m ásca
ras, para m ostrar ao hom em m oderno sua verdadeira face. A apreciação esíclica,
sensonaí — e sensual — , da vida moderna tornou-se, nesse contexto, apenas um
tipo de com pensação para a íalta de âncora, de mtegração sccial ou de crença.
Baudelaire expressou essa qualidade tragicam ente com pensatória da aceitação.
estétiCu da vida urbana em palavras desesperadas:“A embriaguez da Ai’íe c a rne-
ihor coisa para encobrir os terrores da Cova; i . . . j o gênio pode desem penhar um
papel à beira do túm ulo com uma alegria que o impede de ver o tú m ulo"’*
Viver para os m om entos fugazes que com punham a vjda urbana m oderna,
desfazer-se tanto das ilusões arcaizantes com o das futuristas, isso poderia pro
duzir não som ente a reconciliação, mas tam bém a dor destruidora da solidão e
da ansiedade. A afirm ação da cidade pela m aioria dos decadentes não tinha o
caráter de um a avaliação, e sim de um am orfaiL Ram er M ana Rüke representa
va um a variante dessa atitude, pois, ao m esm o tem po que concedia a fatalidade
da cidade, avaliava-a negativamente. Seu Livro das horns mostrava que, se a arte
podia ocu ltar os terrores da cova, podia tam bém reveíá-los. Rilke sentia-se apri
sionado na “culpa da cidade” cu|0 s horrores psicológicos descreveu com toda a
paixão dc um reform ador frustrado:
' Uiit ciiies Si-'ck üicirou n,not olhcrs'good:/tlieydra-^ali v.iih Üicm m thcirheadlonghaste./Thcy
u p Lininials like lioHow w ood/ and countlc;.s naíions ihcv ü u rn up k)r v.vitc.
6iS
iilc •tntia-se iircso nas g;irni.s pcircu.s da cidade c d rcsulindd era aagústia,
"a angústiíí prolunda do crcscim cnlo monstruo.so d;i.s cidadc.s”. Para e lc.a cida-
(,!l\ embora nài)estivesse para além do (-.(..n e<.io mal^ern unia ralaiidaclecoleUva
(,|ue só podia ter soluções pessoais, nãu st)cia!s. Rilke buscou sua salvação num
iieofranciscanismo poetico.que negava cm espirito o destino va^io — a “rotação
em e.spiral" — que o hom em urbano chamava progresso,''' Apesar de seu claro
pnnest{3 sociai, Rilke periencia antes aos novos íatahstas do que aos arcaístas ou
íuiunstas, pois sua solução era psicologica e n iela-hisio rica, não socialm ente
retíentora.
Precisamos evitar o erro de alguns críticos da cidade moderna em ignorara
genuína joie ãe vnTeque a aceitação estética da m etrópole podia engendrar. Ao
ier esses urbanistas sofisticados do fui-dc-sicde, percebe-se certa afinidade com
Voltaire. Por exemplo, leia-se"L on d on ” de Richard Le Gallienne:
su ii,/ W liu sc- clay b e g in s w h e ii d.iv is dane./ / L .iin p a f t e r !.n iip u y a m s i t l ic .■iky/ Ü p c i i s a s u d d e n b c a -
d a c e n tr a ! e c r u c ia l d e l.o n d r e s — N . T . )
díüu. O n u ’ (ro b laktw n u do p o e m a dc Lc Cíallicnnc — s c n a s n lc n c io n a l? —
reieinhra a Londres ro tuic ira de B{akc,a lraiísiv;ão hsstõrica uíir/cnla do dia bri-
ih a n if de Voltairc para a noue cspaihafaiosa de U* Gatlienne. 0 ílo ro s cim cn to
iiotLinui dc Londres — In! c o m o í.c G ailicnnc niosirou que conh ccta, cm u u l-
ros poem as — era uma flor do mal. Ma.s n u m mundo urbano tornado fatalida
de, u m a (]or amda c u m a flor. For que alguém não deveria coihè-ia? O prm cipio
do pra/.er dc Voltaire ainda eslava vivo no unaí do s é cu lo XIX, em bora sua força
m oral eslivc.sse esgotada.
Por mais m arcantes que fossem suas diferenças na re.sposla pessoal, os tran-
savaiiadores subietivjstas coincidiam na aceitação da m egaiópolc,com seus ter
rores e alegrias, com o um fato, o terreno inegável da e.xisténcia m oderna. Eles
baniram a m em ória e a esperança, tanto o passado com o o futuro. D otaram seus
sentim entos de form a estética para substituir os valores sociais. Em bora a críti
ca sociaí continuasse, às vezes, forte, com o em Rilke, todo o sentido de dom ínio
sociai se atrofiou. O poder estético do indivíduo substituiu a visão social com o
fonte de ajuda diante do destino. E nqu anto os futuristas sociais buscavam a
redenção da cidade m ediante a ação histórica, os fatalistas a redim iam diaria
m ente, revelando a beleza na própria degradação urbana. O que consideravam
inalterãveí tornaram suportável, num a postura estran ham ente com posta de
estoicism o, hedonism o e desespero.