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DESTAQUE

CONCEITOS E SISTEMATIZAÇÃO DA CERÂMICA


CLÁSSICA: MATÉRIAS-PRIMAS E PRODUTOS
por Dr. Eduardo Ferraz, do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro, Unidade de Investigação GeoBioTec, Prof. Dr. João Coroado, do
Instituto Politécnico de Tomar, Unidade de Investigação GeoBioTec, Dr. Ricardo Triães, do Instituto Politécnico de Tomar, Unidade de Investigação GeoBioTec, e
Prof. Dr. Fernando Rocha, do Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, Unidade de Investigação GeoBioTec

O propósito do presente trabalho centra-se na síntese e reunião de definições associadas


às matérias-primas para utilização na indústria cerâmica e à sistematização dos materiais
cerâmicos clássicos.

INTRODUÇÃO essencial, principal ou indispensável. Desta forma, pode-se


A indústria mineral está intimamente associada à indús- definir matéria-prima como sendo uma substância essencial
tria cerâmica, pois as possibilidades em que se podem com- a um processo. As matérias-primas podem ser subdivididas
binar os materiais de base, para a obtenção dos produtos em: as primeiras, que são as que ocorrem na natureza e que
acabados, são tais que, para uma determinada função, con- não foram previamente transformadas; ou as manipuladas,
correm materiais muito diferentes. Esta diferença espelha- no caso de já terem sofrido transformações e que servem de
-se na terminologia usada nas duas indústrias. base a outros processos. Neste sentido, define-se matéria-
Com efeito, o propósito do presente trabalho centra-se -prima cerâmica como uma matéria principal, com pro-
na síntese e reunião de definições e sistematização, associa- priedades tais que, após transformação térmica, dão ori-
das às matérias-primas e aos materiais cerâmicos clássicos, gem a material cerâmico.
de forma a facultar a sua consulta, que normalmente se Um dos componentes fundamentais das matérias-primas
encontram dispersos na literatura de cada especialidade. cerâmicas são os minerais argilosos (filossilicatos hidrata-
dos), tais como, a caulinite, as ilites, as esmectites, as vermi-
RECURSOS NATURAIS E MATÉRIAS-PRIMAS culites, a sepiolite, a palygorskite, entre outros, que quando
Os recursos naturais são substâncias ou materiais en- presentes em quantidades maioritárias, de um ou vários mi-
contrados na natureza, potencialmente úteis como fonte nerais argilosos, são designadas por matérias-primas argi-
de riqueza para a Humanidade. Dividem-se essencialmente losas. Ocorrem também outros minerais não argilosos, desig-
em: orgânicos e inorgânicos e, por sua vez, os inorgânicos nados por não plásticos, cujos mais comuns são o quartzo,
em metálicos e não metálicos. os feldspatos, as micas (moscovite e biotite), os carbonatos
Para se perceber o significado de matéria-prima há que (calcite e dolomite), e outros em quantidades minoritárias.
considerar cada termo de per si. A matéria significa aquilo de Neste contexto pode ocorrer matéria orgânica sob diferentes
que um corpo é feito, encontra-se no estado sólido, líquido formas, das quais se destaca, a lenhosa e a coloidal.
ou gasoso, ocupa espaço, tem peso e pode condicionar os Habitualmente, as matérias-primas contêm constituintes,
sentidos. Por seu lado, prima designa o que é fundamental, designados penalizantes, que originam defeitos de indole
pontual, parcial ou total nas suas características e/ou pro-
priedades. Conceptualmente, os termos pureza ou impu-
reza não devem ser considerados no âmbito das matérias-
primas cerâmicas.

MINERAL, MINERAL ARGILOSO E ARGILA


Klein & Hurlbut (1999) definem mineral como uma ocor-
rência natural, sólida e homogénea, com composição quí-
mica definida, mas não fixa, arranjo atómico bem ordenado
e usualmente formado por processos inorgânicos.
As substâncias naturais que não satisfaçam completa-
mente a definição de mineral são designadas substâncias
Jazida de argila (barreiro) minerais, por exemplo, a água ou o gás natural (por não

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Ladrilhos de terracota Olaria (peça utilitária)

serem sólidos) e o petróleo ou o carvão (por não serem inor- lita a sua modelação (conformação) e que é traduzida em
gânicos). linguagem corrente como “trabalhabilidade”.
A argila constitui 5% do volume estimado dos materiais Uma propriedade é um atributo que está correlaciona-
geológicos comuns presentes na crusta terrestre (Ronov & do com o arranjo microestrutural do material. Propriedades
Yaroshevsky, 1969). De entre os recursos naturais é o que como a resistência, a porosidade, o retraimento, etc., con-
apresenta maior variedade e aquele que permite maior nú- correm para a qualificação de um material. As coresponden-
mero e maior diversidade de aplicações (Gomes, 1987). tes características evidenciam a sua aparência ou aspeito,
A definição de argila abrange alguma diversidade de con- tal como a cor, a textura, a forma, etc.
ceitos, segundo o âmbito técnico, científico ou industrial. As argilas não são materiais monominerálicos, mas as que
Segundo o critério granulométrico, considera-se argila apresentam composição mais simples são as que têm maior
toda a porção de rocha, solo ou sedimento que comporte interesse de aplicação e, dependendo da tipologia, maior
minerais cujo diâmetro esférico equivalente (tamanho de valor económico (Gomes, 1987).
partícula) seja inferior ou igual a dois micrómetros (2 mm). A argila cerâmica, o “barro”, está intimamente associa-
Do ponto de vista mineral, considera-se argila um mate- da à história da Humanidade, tem sido um dos primeiros
rial natural de granularidade muito fina que contém minerais materiais a ser utilizado na produção de utensílios essencial-
filossilicatados hidratados. Os comités de nomenclatura da mente de uso quotidiano. Hoje é fundamental para uma das
Association Internationale pour l’Étude des Argiles (AIPEA) indústrias mais relevantes na produção de utensílios essen-
e da Clay Minerals Society (CMS) propuseram a seguinte ciais à vida quotidiana, onde cada vez mais a componente
definição (Guggenheim & Martin, 1995): argila é um ma- artificial e compósita se sobrepõe à componente de origem
terial natural composto fundamentalmente por minerais de natural.
granulometria fina que apresenta comportamento plástico As argilas, do ponto de vista de utilização industrial, são
quando adicionada água em quantidade apropriada e en- simplificadamente designadas por argilas especiais e argilas
durece com a secagem. comuns (Velho et al., 1998; Gomes, 2002). Esta subdivi-
A granulometria de um determinado material reporta- são diz respeito ao valor económico dos produtos com elas
-se à distribuição dimensional do grão representada por um fabricados. As argilas especiais, relativamente às argilas
conjunto de classes, cada uma delas com um limite mínimo comuns, encontram-se em depósitos de menor volume e
e máximo. A granularidade corresponde simplesmente a em número mais reduzido. Têm composições mais simples
um valor máximo ou mínimo de um corte na curva granu- que lhes conferem propriedades específicas. Requerem tra-
lométrica. O tamanho da partícula representa o diâmetro tamentos mais complexos e de maior custo, e com elas fa-
esférico equivalente de uma partícula, que corresponde ao bricam-se produtos de maior valor acrescentado.
diâmetro de uma esfera virtual que a circunscreveria e que Consideram-se argilas especiais: o caulino (“china-clay”),
lhe é equivalente em volume. as esmectites, as vermiculites, as argilas fibrosas (sepiolite
A plasticidade é a propriedade que um determinado e palygorskite, conhecidas comercialmente por atapulgite),
material possui em manter a deformação causada por uma as “fuller’s earth” (mistura de montmorilonite e palygorski-
força mecânica. A argila tem esta propriedade que possibi- te), as argilas refractárias (”fire-clays”) e as argilas plásticas

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(“ball-clays”). As argilas do tipo “ball-clay”, as refractárias escala e destinam-se a pequenos nichos dos mercados na-
e o caulino são designadas argilas cauliníticas por conterem cionais e internacionais.
caulinite como o mineral argiloso mais abundante. • Categoria 3: Compreende as argilas de qualidade me-
As designadas argilas comuns são usadas na produção diana e de ocorrência relativamente abundante. Requerem,
industrial de materiais de construção e artesanal de olaria usualmente, moderada tecnologia de processamento e des-
e terracota, que normalmente cozem com uma tonalida- tinam-se predominantemente a mercados locais. A Cate-
de avermelhada, da qual resulta a referência corrente de goria 3 é subdividida na Categoria 3A e na Categoria
cerâmica de “barro vermelho”, por oposição às argilas 3B. Enquanto na Categoria 3A são incluídas as argilas que
especiais que cozem tendencialmente com um tom claro e podem ser processadas para um mercado específico, a Ca-
daí a referência de cerâmica de “barro branco”. tegoria 3B diz respeito às argilas que são utilizadas nos
A classificação proposta por Harvey (2000) e por Harvey mercados sem grande especificidade.
& Keeling (2002) agrupa as argilas industriais nas quatro ca- • Categoria 4: Abrange as argilas de baixa qualidade e
tegorias, em função da sofisticação dos produtos com elas de ocorrência abundante. O seu processamento tecnológi-
fabricados e das tecnologias necessárias para os produzir, co é baixo ou mesmo inexistente. A produção pode ser em
seguintes: grande escala e destina-se a mercados locais. Estas argilas
• Categoria 1: Inclui as argilas de alta qualidade e de poderão estar sujeitas a constrangimentos geográficos, am-
ocorrência muito escassa. Requerem alta tecnologia para bientais e de ordenamento que tornam economicamente
o seu processamento e fornecem tanto os mercados nacio- inviável a sua exploração e comercialização.
nais como os internacionais. Estas argilas são utilizadas para A tipologia das argilas cerâmicas e a cor após cozedura
a fabricação de produtos de elevada qualidade. serviram de base a Gomes (1990, 2002) para o estabeleci-
• Categoria 2: Engloba as argilas de qualidade e ocor- mento de uma classificação em três tipos de materiais ce-
rência relativamente rara. Requerem também alta tecnolo- râmicos: pasta branca, pasta vermelha e refractários (ver a
gia para o seu processamento. São exploradas em pequena Figura 1).

Figura 1
Classificação de materiais cerâmicos com base na cor e na natureza das matérias-primas em atmosfera oxidante (Gomes, 1990; Gomes, 2002)

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CERÂMICA, COMPOSIÇÃO, PROPRIEDADES E pelo homem, constituído essencialmente por matérias-pri-


CARACTERÍSTICAS mas naturais inorgânicas não metálicas, conformado à tem-
A cerâmica divide-se em duas categorias principais: clás- peratura ambiente e cozido de forma a conferir resistência
sica (também designada “tradicional”) e avançada (por mecânica e química ao produto final.
vezes denominada técnica ou especial). Neste contexto, pode-se definir cozedura como um con-
A definição clássica de cerâmica, segundo Korach (1949), junto complexo de transformações microestruturais, depen-
abrange qualquer tipo de produto fabricado artificialmente dente da natureza química e mineral das matérias-primas
e da temperatura atingida, necessário para a obtenção de
produtos com as características e as propriedades desejadas
(Fonseca, 2000).
A definição de produto cerâmico clássico, tendo em
conta o conhecimento actual e a tecnologia recente, acres-
ce à definição de Korach (1949) a conservação da forma
após cozedura, por diferenciação ao vidro, cuja fabricação
implica a conformação a “quente”, mas cuja coesão resulta
do seu arrefecimento, tendencialmente sem formação de
fases cristalinas. Também não são considerados cerâmicos
clássicos os produtos à base de argila na arquitectura de
terra (adobe, taipa, tabique e bloco de terra comprimido),
que são conformados e consolidados à temperatura am-
Faiança (peça decorativa) biente, os ligantes, como o clínquer que é o constituinte
principal do cimento Portland, e a cal, pelo facto de não
serem conformados.
Os constituintes das matérias-primas para a obtenção
do corpo cerâmico podem ter várias funções nas diferen-
tes fases do processo. A componente plástica, controlada
pela argila, confere facilidade na conformação, quer rela-
tivamente à “trabalhabilidade”, quer como agente sus-
pensivo quando os constituintes são dispersos em água.
Confere também coesão e resistência mecânica em cru, e
durante a cozedura é transformada conferindo resistência
mecânica e química, e quebra frágil. A componente es-
truturante conferida pelos não plásticos em cru (quartzo,
quartzito, feldspatos e carbonatos, entre outros) e pelos
não fundentes em cozido (componentes quartzosos), di-
minui a plasticidade na conformação e o retraimento du-
rante a secagem, conferindo estrutura em cru. Aumenta
Grés (louça utilitária) a porosidade aberta no corpo cerâmico, praticamente não
sofre transformação térmica se presente com granularida-
de grosseira e na cozedura a baixa temperatura. A com-
ponente fundente (feldspatos e carbonatos) é responsável
pela diminuição do ponto de fusão dos materiais promo-
vendo a formação da fase vítrea, diminui a porosidade no
corpo cerâmico e participa na formação de novas fases,
essencialmente silicatadas, conferindo resistência mecâni-
ca ao produto.
A chamote é um material cerâmico pulverulento prove-
niente de produtos defeituosos ou das perdas que ocorrem
durante a produção e que pode ser reutilizado na composi-
Porcelana (louça utilitária) ção cerâmica como componente não plástico.

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Por composição cerâmica entende-se uma mistura, em


peso ou volume, de várias matérias-primas individuais ou
de lotes, obtidas por doseamento, pronta a ser processa-
da e que satisfaça as exigências das características ou pro-
priedades do produto final. Designa-se por barbotina uma
composição cerâmica aquosa no domínio fluido, e no do-
mínio plástico por massa ou pasta. Quando a composição
é atomizada obtém-se um granulado esferoidal bem clas-
sificado, com granularidade relativamente fina, designado
pó atomizado.
O produto cerâmico tradicional pode ser revestido com
Tijolos refractários maciços
engobe ou vidrado. A decoração (componente estética)
pode estar presente, atingindo maior expressão no vidrado.
O engobe representa o revestimento parcial ou total
de uma peça, colocado após a secagem ou a primeira co-
zedura, de uma camada fina de material de composição
similar à composição cerâmica do corpo com capacidade
para “impermeabilizar”, decorar ou encobrir a cor de coze-
dura do produto. A sua aplicação contribui para a redução
da porosidade superficial e foi usada frequentemente na
cerâmica antiga em utensílios destinados ao consumo de
bebidas e refeições líquidas. Em várias situações o engobe
era brunido (polido) de forma a aumentar a reflexão (brilho)
da superfície.
O vidrado, aplicado sobre o suporte cerâmico, forma
uma camada fina e impermeável. Os vários tipos de vidrado
permitem efeitos decorativos quando opacificados e tam-
bém encobrir a cor de cozedura ou mascarar pequenos de-
feitos.
O principal componente de um vidrado comum é o SiO2, Tijolo furado (furação horizontal)

mas o B2O3, P2O5 e GeO2 também podem formar vidros.


Estes óxidos têm funções de formadores de rede, que em
conjunto com os modificadores de rede (como o sódio, o
cálcio, o potássio, o lítio, o bário, o estrôncio e o chumbo)
e os intermediários, cuja função é reforçar a rede (como,
por exemplo, o berílio e os elementos em coordenação 4,
tais como, o manganês, o alumínio, o magnésio e o ferro)
ou debilitar a rede (como o zircónio e os elementos em co-
ordenação 6, tais como, magnésio, o ferro, o alumínio e o
titânio), formam o material vítreo (Fernandes, 1999).
O vidrado pode ser obtido, quer a partir de formulações
de matérias-primas moídas não transformadas (cruas) em
suspensão, quer a partir de matérias-primas transformadas
termicamente (por fusão e desgasificação) seguido de rápi-
do arrefecimento e moagem final, designada frita. Quando
produzido para ser aplicado sobre suportes metálicos é de-
signado por esmalte.
A componente estética ou ornamental, que pode ser re-
presentada por tonalidade, cor, textura e motivo, é normal-
mente aplicada imediatamente sobre o suporte cerâmico Tijolo furado (furação vertical)

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ou no vidrado. As técnicas de decoração mais frequentes Um produto cerâmico avançado é obtido a partir de
são: a incisão (realizada por intermédio de um instrumento matérias-primas normalmente sintéticas, monominerá-
pontiagudo na peça); ou o relevo (conseguido através da licas, com reduzido teor de penalizantes, que apresenta
aplicação de várias porções de argila sobre a superfície da funções térmicas, físico-mecânicas, químicas, eléctricas,
peça). A pintura manual com diversos pigmentos pode ser ópticas, nucleares, biológicas, acústicas, tribológicas ou
realizada imediatamente sobre o corpo cru ou após cozedu- magnéticas especiais, e que permite a sua utilização ge-
ra e sobre uma camada de vidrado. nericamente em indústrias tecnologicamente avançadas e
Outras técnicas comuns na decoração industrial são: a particularmente em condições de exigência extrema. Esta
aerografia, que consiste na aplicação de vidrado ou pig- categoria inclui produtos usados em aplicações estruturais
mentos, em solução, através de um jorro de ar; o decalque, ou acabamentos de superfície (óxidos, carbonetos, nitre-
cujos motivos decorativos são aplicados sobre o vidrado co- tos, boretos e fluoretos), no fabrico de magnetos (ferrites),
zido através de papéis com os ornatos definidos; a estam- em medicina (platinatos e auratos), na indústria aeronáu-
pilhagem, que consiste na utilização de matrizes (estampi- tica, espacial e nuclear (grafite), na balística, em electró-
lhas) para aplicação das cores, usando-se uma matriz para nica (titanatos, zirconatos, tantalatos e niobatos), entre
cada cor, que constituem o motivo decorativo, aplicados outras aplicações. Existem ainda materiais compósitos de
sobre o vidrado com trincha ou rolo; a estampagem, em cerâmica e metal designados cermetos. O carboneto de
que os motivos decorativos são aplicados imediatamente na tungsténio é um exemplo de um cermeto correntemente
chacota ou sobre o vidrado por meio de papéis endurecidos utilizado em revestimentos de peças de desgaste rápido
ou placas metálicas que transportam imediatamente as tin- (por exemplo, ferramentas para cortar ou furar metais) e
tas para a superfície. abrasivos.

Tijolos perfurados Tijolos maciços

Tijolos de face-à-vista Pavers

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MATERIAIS CERÂMICOS CLÁSSICOS de trabalhar o “barro” (argila comum) e, em sentido estrito,


As classificações existentes reportam-se à ordenação sis- representa peças cerâmicas que se distinguem da terracota
temática de determinados parâmetros, propriedades, carac- pela textura mais fina, porosidade inferior (≈15-20%), sen-
terísticas e utilizações, muitas vezes condicionadas à desig- do cozida a 850-950 ºC. Pode ser revestida com engobe ou
nação comummente utilizada em diversos países, que nem vidrado.
sempre é coincidente. A faiança pode ser feldspática ou calcítica, dependendo
Seguidamente são descriminados os diversos materiais do fundente considerado para a sua produção. Na produ-
cerâmicos tradicionais. Os valores apresentados servem ção da primeira utilizam-se caulinos, argilas cauliníticas, fel-
apenas para a definição de limites orientadores. dspatos alcalinos e areia quartzosa.
A terracota é um material elaborado à base de argila Na produção da segunda substituem-se os feldspatos por
comum, cozido em torno de 700-900 ºC, com textura gros- carbonatos normalmente de cálcio. Tradicionalmente apre-
seira, elevada porosidade (geralmente superior a 20%) e senta tonalidade clara, textura fina, porosidade moderada
baixa resistência mecânica. Existe sem revestimento para que depende da composição: a feldspática entre 8% e 12%
aplicação na construção e com vidrado para fins utilitários. e a calcítica entre 15% e 20%. É cozida a uma temperatura
Na tipologia de ladrilho apresenta absorção de água supe- inferior a 1250 ºC e tem uma moderada resistência mecâ-
rior a 6%. nica. É revestida com um vidrado para baixar a porosidade
A olaria, em sentido lato, define-se como a arte manual (> 3%), que é usado quase em exclusivo para fins utilitários

Fuga de chaminé Plaquetas vidradas

Abobadilha Telhas

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e decorativos. O termo teve origem em Faenza (Itália), mas


esta tipologia cerâmica foi originalmente designada por
majólica (em inglês “maiolica”) por ser proveniente da Ilha
Maiorca (Baleares) e tendo como característica diferencia-
dora o acabamento com um vidrado de estanho e/ou de
chumbo.
O grés é um material com uma reduzida absorção de
água, boa resistência mecânica e à abrasão. É um produto
com reduzida porosidade (“gresificado”), que pode ainda
ser vidrado. É utilizado essencialmente na construção, po-
dendo ser também utilizado para fins utilitários e decorati-
Ladrilho
vos. Na forma de ladrilho apresenta uma absorção de água
superior a 6%. Para a construção (tubos e condutas) o grés
é cozido entre 1100 e 1200 ºC, com um tempo de coze-
dura entre 30 e 80 horas (ciclo lento). Em ciclo rápido, as
peças são cozidas durante um período de 8 a 11 horas, a
temperaturas entre 1150 e 1250 ºC. Um tipo particular de
grés compreende a cerâmica sanitária, usualmente de colo-
ração tendencialmente branca, revestido com um vidrado.
Os componentes fundamentais são o caulino, a argila cauli-
nítica, o feldspato e o quartzo, tendo porém uma qualidade
inferior aos utilizados na formulação de porcelana.
A porcelana, tradicionalmente de cor branca, é um ma-
terial com porosidade praticamente nula e textura muito
fina. Apresenta características e propriedades muito distinti-
vas, tais como, brancura (nas peças sem decoração), leveza,
dureza, impermeabilidade, translucidez nas peças finas (< 2
mm), resistência ao fogo e ao risco de metais e é ressonante
quando percutida. Pode ser revestida com um vidrado, ha-
bitualmente com fins utilitários e decorativos. Na formula-
ção de uma porcelana é utilizado caulino, argila caulinítica,
Azulejos
feldspato e quartzo como componentes principais de eleva-
da qualidade. De acordo com as temperaturas de cozedura
e uma formulação específica, a porcelana pode ser desig-
nada, quanto à sua resistência, por “mole”, “semidura” e
“dura”. A porcelana “dura” requer uma atmosfera redu-
tora durante a cozedura entre 1050 e 1460 ºC, enquanto
a porcelana “mole” é produzida em condições oxidantes
entre 1170 e 1270 ºC. Existe um tipo particular de porce-
lana de osso (“bone china”) muito utilizada em Inglaterra,
caracterizada pela fina espessura de parede e translucidez.
Na sua formulação são empregues cinzas de ossos, para
além das matérias-primas usuais.
O refractário é um material de porosidade variada (10-
-80%), com capacidade para resistir a temperaturas até
3000 ºC. Os produtos refractários são classificados de acor-
do com o seu constituinte principal. As peças refractárias
são cozidas a temperaturas que variam entre 1250 e 1850
ºC, dependendo da sua composição principal (Al2O3, SiO2
ou MgO). Ladrilhos de grés porcelânico (revestimento)

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Ladrilhos porcelânicos (pavimento) Sanitário

TIPOLOGIAS DE PRODUTOS CERÂMICOS TRADICIONAIS que é aplicado especificamente em funções estruturais (re-
DE UTILIZAÇÃO CORRENTE sistentes), apresenta elevada resistência mecânica à com-
Não existe uma classificação universal, inequívoca e con- pressão e tem reduzida massa volúmica.
sensual para os inúmeros produtos cerâmicos fabricados O tijolo de face-à-vista é maciço ou perfurado, com
decorrente do contexto histórico-cultural das suas utili- absorção de água inferior a 6%, sendo utilizado para o re-
zações e do aparecimento de novos produtos resultantes cobrimento de parede, geralmente exterior.
do desenvolvimento e inovação técnico-científica. Porém, Existem outros elementos que conceptualmente são ti-
a sistematização genérica de Palmonari & Nassetti (1993) jolos mas têm funções específicas e designações próprias
classificam os produtos cerâmicos clássicos em quatro tipos: como: o paver, que é um tijolo maciço, de elevada espes-
estruturais; pavimento e revestimento; mesa e decoração; sura (7 a 10 cm), apresenta elevada resistência à compres-
e sanitário. Foi esta a base da subdivisão dos vários ramos são, durabilidade e estabilidade cromática, sendo exclusiva-
da indústria cerâmica clássica em Portugal e que, presente- mente utilizado em pavimentação; a fuga cerâmica, que
mente, ainda serve de referência para esta indústria. tem funções de condução e exaustão de efluentes gasosos
As diversas tipologias de cerâmica tradicional, que se apre- (poeiras, gases, etc.), apresenta uma secção externa qua-
sentam a seguir, são indicativas, sendo que os conjuntos drangular ou rectangular e uma geometria interna, de me-
dimensionais são os que normalmente estão disponíveis no nor secção, quadrangular, rectangular ou circular.
mercado e os valores indicados são apenas orientadores. A plaqueta é uma peça cerâmica de geometria ten-
O tijolo, habitualmente, tem formato paralelepipédico, dencialmente paralelepipédica, maciça ou perfurada, com
podendo ser furado, perfurado ou maciço. O tijolo fura- espessura moderada (1 a 5 cm). Apresenta uma absorção
do apresenta, no seu interior, septos de fina espessura (< de água inferior a 6%, sendo utilizada no revestimento de
6 mm), que se dispõem na direcção horizontal e vertical. fachadas interiores e exteriores.
O tijolo perfurado apresenta, no seu interior, furos ge- A abobadilha tem geometria irregular sensivelmente
ralmente de pequena secção (habitualmente circulares) em trapezoidal, sendo utilizada exclusivamente no preenchi-
reduzido número e dispersos. Os tijolos furados e perfura- mento do espaço entre vigotas para a construção de placas
dos são cozidos entre 875 e 950 ºC, durante 45 a 60 horas de piso de edifícios. Apresenta baixa resistência mecânica e
(ciclo lento), ou a cerca de 1000 ºC, durante 2,5 a 3,5 horas elevada porosidade. As abobadilhas são cozidas em condi-
(ciclo rápido). O tijolo maciço não apresenta qualquer tipo ções semelhantes às dos tijolos furados.
de furação e perfuração. As peças maciças são cozidas en- A telha é utilizada na cobertura de um edificado, ten-
tre 1000 e 1300 ºC, durante 45 a 60 horas (ciclo lento) ou do uma geometria muito variável e irregular. A tonalidade
entre 1000 e 1100 ºC, durante 4 a 5 horas (ciclo rápido). tradicional é avermelhada, existindo presentemente uma
O tijolo furado pode ser classificado, segundo a orienta- gama de cores e padrões muito variados. A telha tradicional
ção dos septos que definem a furação: o tijolo de furação é porosa (< 7%), existindo também produtos hidrofugados
horizontal, de utilização corrente e formato normalizado, ou vidrados. As telhas são cozidas a uma temperatura entre
apresenta baixa resistência mecânica à compressão e tem 1000 e 1150 ºC, com tempos que variam entre 10 e 40
elevada massa volúmica; e o tijolo de furação vertical, horas (ciclo lento) ou entre 3 a 4 horas (ciclo rápido).

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O grés porcelânico (ou grés porcelanato) é um ladri-


lho cozido entre 1100 e 1200 ºC. Apresenta baixa absorção
de água (entre 0,5% e 3%) e boa resistência mecânica.
O porcelânico (ou porcelanato) é um ladrilho cozido
entre 1200 e 1300 ºC. Apresenta absorção de água nula
ou próxima de zero (< 0,5%), excelente resistência mecâni-
ca e elevada estabilidade dimensional. Também apresenta
elevada resistência ao impacte, à abrasão, à dilatação, ao
choque térmico, à expansão por humidade, ao fendilha-
mento, aos ataques químicos (ácidos e bases) e às man-
Tijoleiras chas. Recentemente, foi produzido em Portugal um ladrilho
de porcelanato com 3-4 mm de espessura.
O ladrilho é uma placa de formato regular (quadran- A tijoleira é um ladrilho quadrangular de pequena di-
gular, rectangular, hexagonal, etc.) de dimensão variável e mensão (no máximo 40x40 cm), espessura moderada (< 10
espessura fina (7 a 10 mm). É utilizado em recobrimento cm) e tonalidade tendencialmente avermelhada. Apresenta
de parede e de chão. O acabamento natural é sem vidra- elevada absorção de água (3 a 10%) e moderada resistên-
do, todavia pode ser polido com a finalidade de obter uma cia mecânica. É cozida entre 1100 e 1200 ºC. Aplica-se em
superfície brilhante. Foram desenvolvidos ladrilhos com re- interiores como pavimento ou revestimento rústicos.
vestimento metálico (titânio e ouro) para fins decorativos. O O sanitário é de grés e compreende uma gama de pe-
mosaico, que não é um produto cerâmico, representa um ças (sanita, bidé, lavatório, banheira e base de chuveiro) e
conjunto ordenado de ladrilhos que definem um determi- acessórios (porta-rolos, saboneteira, toalheiro, etc.) relacio-
nado arranjo espacial, geométrico ou de configuração, com nados com o acabamento de casa de banho.
fins exclusivamente estéticos e/ou artísticos. A porcelana é classificada em função do seu uso, po-
O azulejo é um tipo particular de ladrilho utilizado exclu- dendo ser: utilitária (pratos, terrinas, travessas, canecas,
sivamente para revestimento de parede (interior e exterior), chávenas, etc.); decorativa (figuras, jarras, etc.); médica
com formato quadrangular, sendo a sua dimensão clássica (dentária e cirúrgica); laboratorial (funis, cadinhos, almofa-
14x14 cm. Apresenta baixa resistência mecânica. É cons- rizes, pilões, etc.) com resistência química a ácidos e bases;
tituído por duas partes: a chacota, de base calcítica (tra- eléctrica (isoladores), entre outros.
dicional) ou feldspática, tem uma espessura entre 6 e 10 O agregado leve de argila expandida é um material
mm e uma elevada absorção de água (> 10%), servindo granulado com forma esferoidal, de granularidade muito
de suporte ao vidrado; e o vidrado, com fina espessura (2 ampla, composto por uma estrutura interna expandida,
a 4 mm), baixa porosidade, podendo ser transparente ou que apresenta vacúolos abertos e microporos fechados
opaco, mas geralmente contendo decoração. Os azulejos contendo ar, inclusos num invólucro externo e sinterizado.
são fabricados tradicionalmente por bicozedura. A chacota É caracterizado por ter uma elevada resistência mecânica e
é cozida aproximadamente entre 950 e 1050 ºC, durante uma reduzida massa volúmica. Resulta da expansão con-
30 a 40 horas (ciclo lento) ou entre 4 a 6 horas (ciclo rápi- trolada da argila com aditivos em forno rotativo, realizada
do). Posteriormente, o vidrado é cozido, aproximadamente, entre 1150 e 1250 ºC.
entre 980 e 1000 ºC, durante cerca de 2 horas. Os refractários apresentam-se geralmente na forma de
tijolo maciço ou em placa.
Existe ainda uma enorme variedade de peças em olaria
ou terracota que se utilizam em pequena escala, dos quais
se listam: gradilhas, garrafeiras, corrimões, vasos, talhas,
cântaros, taças, copos, floreiras, figuras para jardim (leões,
águias, gnomos, cogumelos, etc.), figuras para telhado
(pombos, rolas, setas, pirâmides, bolas, etc.), acessórios
para telhado (chaminés, cantos de beirado, cumes, caleiras,
remates, ventiladores, passadeiras, esteiras, etc.), lintéis,
padieiras, esquinas, terminações, plaquetas, cantos, roda-
pés, degraus e também figuras decorativas, como estatue-
Argila expandida tas, figuras de presépio, entre muitos outros.

P´[18] kéramica N314 | MARÇOABRIL [2012]


DESTAQUE |

Quadro I
Proposta de sistematização dos produtos cerâmicos clássicos

CERÂMICA DIVISÃO PRINCIPAIS PRODUTOS COMERCIAIS

Utilitária Produtos utilitários de terracota, olaria, faiança, grés e porcelana


Cerâmica Utilitária
e Decorativa Produtos decorativos de terracota, olaria, faiança, grés e porce-
Decorativa
lana

Estrutural Tijolo de furação vertical

Cerâmica de Tijolo de furação horizontal, tijolo perfurado, abobadilha, telha e


Construção canalizações (fugas de chaminé, tubos e manilhas)
Não Estrutural
Refractário
Agregado leve de argila expandida

Tijolo de face-à-vista
Parede
Ladrilhos: azulejo, tijoleira, grés e grés porcelânico
Revestimento
Cerâmica de Pavimento Ladrilhos: tijoleira, grés porcelânico e porcelanato
Acabamento
Sanita, bidé, lavatório, toalheiro, banheira, base de duche e aces-
Sanitária
sórios (porta-rolos, saboneteira, etc.)

No Quadro I é apresentada uma proposta de sistematiza- dustriais: Geologia, Propriedades, Tratamento, Aplicações,
ção de alguns produtos cerâmicos clássicos. Especificações, Produções e Mercados”, Aveiro.
[6] Gomes, C. (2002), “Argilas: Aplicações na Indústria”,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aveiro.
[1] Korach, M. (1949), “Definizione Tecnologica dei Termine [7] Gomes, C. (1987), “Argilas: O que São e para que Ser-
Ceramica”, Bolletino Internazionale della Ceramica, Fascí- vem”, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
culos IV e VI, Faenza. [8] Harvey, C. C., & Keeling, J. (2002), “Categorization of In-
[2] Guggenheim, S., & Martin, R. T. (1995), “Definition of dustrial Clays of Australian and New Zealand”, Applied Clay
Clay and Clay Minerals: Joint Report of the AIPEA Nomen- Science, Volume 20, Nrs. 4-5, January 2002, pp. 243-253.
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Clay Mineral, Volume 43, Nr. 2, pp. 255-256. sessment of Industrial”, in Industrial Clay Mineralogy, Clay
[3] Klein, C., & Hurlbut, C. S. (1999), “Manual of Mineralo- Minerals Society Workshop, Loyola University, Chicago.
gy (After James D. Dana)”, 21st. Edition, John Wiley & Sons, [10] Palmonari, C., & Nassetti, G. (1993), “Traditional Ce-
Inc., New York. ramics: Evolution in the Last Decade and Future Trends”,
[4] Ronov, A. B., & Yaroshevsky, A. A. (1969), “Chemical Third Euro-Ceramics Conference, Duran, P., & Fernandez, J.
Composition of the Earth’s Crust”, American Geophysical F., Editors, 2nd Edition, pp. 879-891.
Union, Washington D. C., Monograph Nr. 13. [11] Ferreira, M. (1999), “Introdução à Ciência e Tecnologia
[5] Velho, J., Gomes, C., & Romariz, C. (1998), “Minerais In- do Vidro”, Universidade Aberta, Lisboa.

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[2012] MARÇOABRIL | kéramica N314 [19]´P

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