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A recepção do instituto da ação afirmativa

pelo Direito Constitucional brasileiro

Joaquim B. Barbosa Gomes

Sumário
1. Ação afirmativa e princípio de igualdade.
2. Definição e objetivos das ações afirmativas. 3.
A problemática constitucional. 4. Ação afirmati-
va e ralações de gênero. 5. Ação afirmativa e
portadores de deficiência. 6. Ação afirmativa e
Direito Internacional dos Direitos Humanos. 7.
Critérios, modalidades e limites de ações afir-
mativas.

Começa a ingressar de maneira tímida –


et pour cause! – na Academia brasileira o
debate em torno de possíveis “medidas com-
pensatórias” destinadas a promover a im-
plementação do princípio constitucional da
igualdade em prol da comunidade negra
brasileira.
O tema é de transcendental importância
para o Brasil e para o direito brasileiro, por
dois motivos. Primeiro, por ter incidência
direta sobre aquele que é seguramente o mais
grave de todos os nossos problemas sociais
(e que estranhamente todos fingimos igno-
rar), o que está na raiz das nossas mazelas,
do nosso gritante e envergonhador quadro
social – ou seja, os diversos mecanismos
pelos quais, ao longo da nossa história, a
sociedade brasileira logrou proceder, por
meio das mais variadas formas de discrimi-
nação, à exclusão e ao alijamento, do pro-
Joaquim B. Barbosa Gomes é doutor em Di-
cesso produtivo conseqüente e da vida soci-
reito público pela Universidade de Paris II (Pan-
théon-Assas), França, professor da Faculdade al digna, de um expressivo percentual de
de Direito da UERJ e ex–visiting scholar da facul- sua população (cerca de 45% do total): os
dade de direito da universidade de Columbia – brasileiros portadores de ascendência afri-
NY, EUA. cana. Em segundo lugar, por abordar um
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tema nobre de direito constitucional com- para dar cabo às distinções e discrimina-
parado e de direito internacional, mas que ções baseadas na linhagem, no “rang”, na
é, curiosamente, negligenciado nas letras rígida e imutável hierarquização social por
jurídicas nacionais, especialmente no âm- classes (“classement par ordre”), essa clás-
bito do Direito Constitucional. sica concepção de igualdade jurídica, me-
Assim, neste despretensioso ensaio ten- ramente formal, firmou-se como idéia-cha-
taremos examinar (ainda que sem a refle- ve do constitucionalismo que floresceu no
xão “de longue haleine” que o tema requer) século XIX e prosseguiu sua trajetória triun-
a possibilidade jurídica de introdução, no fante por boa parte do século XX. Por defini-
nosso sistema jurídico, de mecanismos de ção, conforme bem assinalado por Guilher-
integração social largamente adotados nos me Machado Dray, “o princípio da igual-
Estados Unidos sob a denominação de dade perante a lei consistiria na simples cri-
“affirmative action” (ação afirmativa) e na ação de um espaço neutro, onde as virtudes
Europa, sob o nome de “discrimination po- e as capacidades dos indivíduos livremen-
sitive” (discriminação positiva) e de “acti- te se poderiam desenvolver. Os privilégios,
on positive” (“ação positiva”). em sentido inverso, representavam nesta
Trata-se, com efeito, de tema quase des- perspectiva a criação pelo homem de espa-
conhecido entre nós, tanto em sua concep- ços e de zonas delimitadas, susceptíveis de
ção quanto nas suas múltiplas formas de criarem desigualdades artificiais e nessa
implementação. Daí a necessidade, de nos- medida intoleráveis”1. Em suma, segundo
sa parte, de algumas considerações acerca esse conceito de igualdade que veio a dar
da sua gênese, dos objetivos almejados, da sustentação jurídica ao Estado liberal bur-
problemática constitucional por ele susci- guês, a lei deve ser igual para todos, sem
tada, das modalidades de programas e dos distinções de qualquer espécie.
critérios e condições indispensáveis à sua Abstrata por natureza e levada a extre-
compatibilização com os princípios consti- mos por força do postulado da neutralida-
tucionais. de estatal (uma outra noção cara ao ideário
liberal), o princípio da igualdade perante a
1. Ação afirmativa e lei foi tido, durante muito tempo, como a
princípio da igualdade garantia da concretização da liberdade. Para
os pensadores e teóricos da escola liberal,
A noção de igualdade, como categoria bastaria a simples inclusão da igualdade
jurídica de primeira grandeza, teve sua emer- no rol dos direitos fundamentais para se ter
gência como princípio jurídico incontorná- esta como efetivamente assegurada no sis-
vel nos documentos constitucionais pro- tema constitucional.
mulgados imediatamente após as revoluções A experiência e os estudos de direito e
do final do século XVIII. Com efeito, foi a política comparada, contudo, têm demons-
partir das experiências revolucionárias pi- trado que, tal como construída, à luz da car-
oneiras dos EUA e da França que se edifi- tilha liberal oitocentista, a igualdade jurídi-
cou o conceito de igualdade perante a lei, ca não passa de mera ficção. “Paulatina-
uma construção jurídico-formal segundo a mente, porém”, sustenta o jurista português
qual a lei, genérica e abstrata, deve ser igual Guilherme Machado Dray, “a concepção de
para todos, sem qualquer distinção ou pri- uma igualdade puramente formal, assente
vilégio, devendo o aplicador fazê-la incidir no princípio geral da igualdade perante a
de forma neutra sobre as situações jurídicas lei, começou a ser questionada, quando se
concretas e sobre os conflitos interindividu- constatou que a igualdade de direitos não
ais. Concebida para o fim específico de abo- era, por si só, suficiente para tornar acessí-
lir os privilégios típicos do ancien régime e veis a quem era socialmente desfavorecido

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as oportunidades de que gozavam os indi- resses das pessoas socialmente fragilizadas
víduos socialmente privilegiados. Importa- e desfavorecidas.
ria, pois, colocar os primeiros ao mesmo ní- Da transição da ultrapassada noção de
vel de partida. Em vez de igualdade de opor- igualdade “estática” ou “formal” ao novo
tunidades, importava falar em igualdade de conceito de igualdade “substancial” surge
condições”. Imperiosa, portanto, seria a ado- a idéia de “igualdade de oportunidades”,
ção de uma concepção substancial da igual- noção justificadora de diversos experimen-
dade, que levasse em conta em sua operaci- tos constitucionais pautados na necessida-
onalização não apenas certas condições fá- de de se extinguir ou de pelo menos mitigar
ticas e econômicas, mas também certos com- o peso das desigualdades econômicas e so-
portamentos inevitáveis da convivência ciais e, conseqüentemente, de promover a
humana, como é o caso da discriminação. justiça social.
Assim, assinala a ilustre Professora de Mi- Dessa nova visão resultou o surgimen-
nas Gerais, Carmen Lucia Antunes Rocha, to, em diversos ordenamentos jurídicos na-
“concluiu-se, então, que proibir a discrimi- cionais e na esfera do Direito Internacional
nação não era bastante para se ter a efetivi- dos Direitos Humanos3, de políticas sociais
dade do princípio da igualdade jurídica. O de apoio e de promoção de determinados
que naquele modelo se tinha e se tem é tão- grupos socialmente fragilizados. Vale dizer,
somente o princípio da vedação da desigual- da concepção liberal de igualdade que cap-
dade, ou da invalidade do comportamento ta o ser humano em sua conformação abs-
motivado por preconceito manifesto ou com- trata, genérica, o Direito passa a percebê-lo
provado (ou comprovável), o que não pode e a tratá-lo em sua especificidade, como ser
ser considerado o mesmo que garantir a dotado de características singularizantes.
igualdade jurídica”2. No dizer de Flávia Piovesan, “do ente abs-
Como se vê, em lugar da concepção “es- trato, genérico, destituído de cor, sexo, ida-
tática” da igualdade extraída das revolu- de, classe social, dentre outros critérios,
ções francesa e americana, cuida-se nos dias emerge o sujeito de direito concreto, histori-
atuais de se consolidar a noção de igualda- camente situado, com especificidades e par-
de material ou substancial, que, longe de se ticularidades. Daí apontar-se não mais ao
apegar ao formalismo e à abstração da con- indivíduo genérica e abstratamente consi-
cepção igualitária do pensamento liberal derado, mas ao indivíduo especificado, con-
oitocentista, recomenda, inversamente, uma siderando-se categorizações relativas ao
noção “dinâmica”, “militante” de igualda- gênero, idade, etnia, raça, etc (PIOVESAN,
de, na qual necessariamente são devida- 1998, p.130). O “indivíduo especificado”,
mente pesadas e avaliadas as desigualda- portanto, será o alvo dessas novas políti-
des concretas existentes na sociedade, de cas sociais.
sorte que as situações desiguais sejam tra- A essas políticas sociais, que nada mais
tadas de maneira dessemelhante, evitando- são do que tentativas de concretização da
se assim o aprofundamento e a perpetua- igualdade substancial ou material, dá-se a
ção de desigualdades engendradas pela denominação de “ação afirmativa” ou, na
própria sociedade. Produto do Estado Soci- terminologia do direito europeu, de “discri-
al de Direito, a igualdade substancial ou minação positiva” ou “ação positiva”.
material propugna redobrada atenção por A consagração normativa dessas políti-
parte do legislador e dos aplicadores do cas sociais representa, pois, um momento
Direito à variedade das situações individu- de ruptura na evolução do Estado moder-
ais e de grupo, de modo a impedir que o no. Com efeito, como bem assinala a Profes-
dogma liberal da igualdade formal impeça sora Carmen Lúcia Antunes Rocha, “em
ou dificulte a proteção e a defesa dos inte- nenhum Estado Democrático, até a década

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de 60, e em quase nenhum até esta última jurídico a ser respeitado por todos, e passa
década do século XX se cuidou de promo- a ser um objetivo constitucional a ser alcan-
ver a igualação e vencerem-se os preconcei- çado pelo Estado e pela sociedade. (“Il sem-
tos por comportamentos estatais e particu- ble clair que les discriminations positives invi-
lares obrigatórios pelos quais se superas- tent à penser l’égalité comme un objectif à attein-
sem todas as formas de desigualação injus- dre en soi. Le simple constat que nos sociétés génè-
ta. Os negros, os pobres, os marginalizados rent encore de nombreuses inégalités de traite-
pela raça, pelo sexo, por opção religiosa, por ment devrait dès lors inciter les pouvoirs pu-
condições econômicas inferiores, por defi- blics comme les acteurs privés à adopter et à met-
ciências físicas ou psíquicas, por idade etc. tre en oeuvre des mesures susceptibles de crééer
continuam em estado de desalento jurídico ou de mener à plus d’égalité”) (RENAULD,
em grande parte do mundo. Inobstante a 1997, p. 425).
garantia constitucional da dignidade huma- Impostas ou sugeridas pelo Estado, por
na igual para todos, da liberdade igual para seus entes vinculados e até mesmo por enti-
todos, não são poucos os homens e mulhe- dades puramente privadas, elas visam a
res que continuam sem ter acesso às iguais combater não somente as manifestações fla-
oportunidades mínimas de trabalho, de par- grantes de discriminação, mas também a
ticipação política, de cidadania criativa e discriminação de fato, de fundo cultural,
comprometida, deixados que são à margem estrutural, enraizada na sociedade. De cu-
da convivência social, da experiência demo- nho pedagógico e não raramente impregna-
crática na sociedade política”. Assim, nes- das de um caráter de exemplaridade, têm
sa nova postura o Estado abandona a sua como meta, também, o engendramento de
tradicional posição de neutralidade e de transformações culturais e sociais relevan-
mero espectador dos embates que se travam tes, aptas a inculcar nos atores sociais a uti-
no campo da convivência entre os homens e lidade e a necessidade da observância dos
passa a atuar “ativamente na busca” da princípios do pluralismo e da diversidade
concretização da igualdade positivada nos nas mais diversas esferas do convívio hu-
textos constitucionais. mano. Por outro lado, constituem, por as-
O País pioneiro na adoção das políticas sim dizer, a mais eloqüente manifestação da
sociais denominadas “ações afirmativas” moderna idéia de Estado promovente, atu-
foram, como é sabido, os Estados Unidos da ante, eis que de sua concepção, implanta-
América. Tais políticas foram concebidas ção e delimitação jurídica participam todos
inicialmente como mecanismos tendentes a os órgãos estatais essenciais, aí se incluin-
solucionar aquilo que um célebre autor es- do o Poder Judiciário, que ora se apresenta
candinavo qualificou de “o dilema ameri- no seu tradicional papel de guardião da in-
cano”: a marginalização social e econômi- tegridade do sistema jurídico como um todo
ca do negro na sociedade americana. Poste- e especialmente dos direitos fundamentais,
riormente, elas foram estendidas às mulhe- ora como instituição formuladora de políti-
res, a outras minorias étnicas e nacionais, cas tendentes a corrigir as distorções provo-
aos índios e aos deficientes físicos. cadas pela discriminação. Trata-se, em
As ações afirmativas se definem como suma, de um mecanismo sócio-jurídico des-
políticas públicas (e privadas) voltadas à tinado a viabilizar primordialmente a har-
concretização do princípio constitucional monia e a paz social, que são seriamente
da igualdade material e à neutralização dos perturbadas quando um grupo social ex-
efeitos da discriminação racial, de gênero, pressivo se vê à margem do processo pro-
de idade, de origem nacional e de complei- dutivo e dos benefícios do progresso, bem
ção física. Na sua compreensão, a igualda- como a robustecer o próprio desenvolvimen-
de deixa de ser simplesmente um princípio to econômico do país, na medida em que a

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universalização do acesso à educação e ao ças contrapostas e atraiam considerável re-
mercado de trabalho tem como conseqüên- sistência, sobretudo da parte daqueles que
cia inexorável o crescimento macroeconô- historicamente se beneficiaram da exclusão
mico, a ampliação generalizada dos negó- dos grupos socialmente fragilizados.
cios, numa palavra, o crescimento do país Ao Estado cabe, assim, a opção entre
como um todo. Nesse sentido, não se deve duas posturas distintas: manter-se firme na
perder de vista o fato de que a história uni- posição de neutralidade, e permitir a total
versal não registra, na era contemporânea, subjugação dos grupos sociais desprovidos
nenhum exemplo de nação que tenha-se er- de voz, de força política, de meios de fazer
guido de uma condição periférica à de po- valer os seus direitos; ou, ao contrário, atu-
tência econômica e política, digna de res- ar ativamente no sentido da mitigação das
peito na cena política internacional, man- desigualdades sociais que, como é de todos
tendo no plano doméstico uma política de sabido, têm como público alvo precisa-
exclusão, aberta ou dissimulada, legal ou mente as minorias raciais, étnicas, sexu-
meramente informal, em relação a uma par- ais e nacionais.
cela expressiva de seu povo. Com efeito, a sociedade liberal-capitalis-
As ações afirmativas constituem, pois, ta ocidental tem como uma de suas idéias-
um remédio de razoável eficácia para esses chave a noção de neutralidade estatal, que
males. É indispensável, porém,uma ampla se expressa de diversas maneiras: neutrali-
conscientização da própria sociedade e das dade em matéria econômica, no domínio
lideranças políticas de maior expressão espiritual e na esfera íntima das pessoas.
acerca da absoluta necessidade de se elimi- Na maioria das nações pluriétnicas e pluri-
nar ou de se reduzir as desigualdades soci- confessionais, o abstencionismo estatal se
ais que operam em detrimento das minori- traduz na crença de que a mera introdução,
as, notadamente as minorias raciais 4. E nos respectivos textos constitucionais, de
mais: é preciso uma ampla conscientização princípios e regras asseguradoras de uma
sobre o fato de que a marginalização sócio- igualdade formal perante a lei seria sufici-
econômica a que são relegadas as minorias, ente para garantir a existência de socieda-
especialmente as raciais, resulta de um úni- des harmônicas, onde seria assegurada a
co fenômeno: a discriminação. todos, independentemente de raça, credo,
Com efeito, a discriminação, como um gênero ou origem nacional, efetiva igualda-
componente indissociável do relacionamen- de de acesso ao que comumente se tem como
to entre os seres humanos, reveste-se inega- conducente ao bem-estar individual e coleti-
velmente de uma roupagem competitiva. vo. Essa era, como já dito, a visão liberal deri-
Afinal, discriminar nada mais é do que uma vada das idéias iluministas que conduziram
tentativa de se reduzirem as perspectivas às revoluções políticas do século XVIII.
de uns em benefício de outros5. Quanto mais Mas essa suposta neutralidade estatal
intensa a discriminação e mais poderosos tem-se revelado um formidável fracasso, es-
os mecanismos inerciais que impedem o seu pecialmente nas sociedades que durante
combate, mais ampla se mostra a clivagem muitos séculos mantiveram certos grupos
entre discriminador e discriminado. Daí re- ou categorias de pessoas em posição de sub-
sulta, inevitavelmente, que aos esforços de jugação legal, de inferioridade legitimada
uns em prol da concretização da igualdade pela lei, em suma, em países com longo pas-
se contraponham os interesses de outros na sado de escravidão. Nesses países, apesar
manutenção do status quo. É curial, pois, que da existência de inumeráveis disposições
as ações afirmativas, mecanismo jurídico normativas constitucionais e legais, muitas
concebido com vistas a quebrar essa dinâ- delas instituídas com o objetivo explícito de
mica perversa, sofram o influxo dessas for- fazer cessar o status de inferioridade em que

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se encontravam os grupos sociais historica- tura, passa o Estado a levar em conta tais
mente discriminados, passaram-se os anos fatores no momento de contratar seus funci-
(e séculos) e a situação desses grupos mar- onários ou de regular a contratação por ou-
ginalizados pouco ou quase nada mudou trem, ou ainda no momento de regular o aces-
(FREEMAN, 1978). so aos estabelecimentos educacionais pú-
Tal estado de coisas conduz a duas cons- blicos e privados. Numa palavra, ao invés
tatações indisputáveis. Em primeiro lugar, de conceber políticas públicas de que todos
à convicção de que proclamações jurídicas seriam beneficiários, independentemente da
por si sós, sejam elas de natureza constitu- sua raça, cor ou sexo, o Estado passa a levar
cional ou de inferior posicionamento na hi- em conta esses fatores na implementação
erarquia normativa, não são suficientes para das suas decisões, não para prejudicar
reverter um quadro social que finca âncoras quem quer que seja, mas para evitar que a
na tradição cultural de cada país, no imagi- discriminação, que inegavelmente tem um
nário coletivo, em suma, na percepção ge- fundo histórico e cultural, e não raro se sub-
neralizada de que a uns devem ser reserva- trai ao enquadramento nas categorias jurí-
dos papéis de franca dominação e a outros, dicas clássicas, finde por perpetuar as ini-
papéis indicativos do status de inferiorida- qüidades sociais.
de, de subordinação. Em segundo lugar, ao
2.1. Definição
reconhecimento de que a reversão de um tal
quadro só é viável mediante a renúncia do Inicialmente, as Ações Afirmativas se
Estado à sua histórica neutralidade em ques- definiam como um mero “encorajamento”
tões sociais, devendo assumir, ao revés, uma por parte do Estado a que as pessoas com
posição ativa, até mesmo radical se vista à poder decisório nas áreas pública e privada
luz dos princípios norteadores da socieda- levassem em consideração, nas suas
de liberal clássica. decisões relativas a temas sensíveis como o
Desse imperativo de atuação ativa do acesso à educação e ao mercado de trabalho,
Estado nasceram as Ações Afirmativas, con- fatores até então tidos como formalmente
cebidas inicialmente nos Estados Unidos da irrelevantes pela grande maioria dos
América, mas hoje já adotadas em diversos responsáveis políticos e empresariais, quais
países europeus, asiáticos e africanos, com sejam, a raça, a cor, o sexo e a origem
as adaptações necessárias à situação de nacional das pessoas. Tal encorajamento
cada país6, 7, 8. O Brasil, país com a mais lon- tinha por meta, tanto quanto possível, ver
ga história de escravidão das Américas e concretizado o ideal de que tanto as escolas
com uma inabalável tradição patriarcal, mal quanto as empresas refletissem em sua
começa a admitir, pelo menos em nível aca- composição a representação de cada grupo
dêmico, a discussão do tema9. na sociedade ou no respectivo mercado de
trabalho.
2. Definição e objetivos Num segundo momento, talvez em de-
das ações afirmativas corrência da constatação da ineficácia dos
procedimentos clássicos de combate à dis-
A introdução das políticas de ação afir- criminação, deu-se início a um processo de
mativa, criação pioneira do Direito dos EUA, alteração conceitual do instituto, que pas-
representou, em essência, a mudança de sou a ser associado à idéia, mais ousada, de
postura do Estado, que, em nome de uma realização da igualdade de oportunidades
suposta neutralidade, aplicava suas políti- por meio da imposição de cotas rígidas de
cas governamentais indistintamente, igno- acesso de representantes de minorias a de-
rando a importância de fatores como sexo, terminados setores do mercado de trabalho
raça, cor, origem nacional. Nessa nova pos- e a instituições educacionais. Data também

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desse período a vinculação entre ação afir- de concretização do princípio jurídico da
mativa e o atingimento de certas metas esta- igualdade, ela afirma com propriedade que
tísticas concernentes à presença de negros e “a definição jurídica objetiva e racional da
mulheres num determinado setor do merca- desigualdade dos desiguais, histórica e cul-
do de trabalho ou numa determinada insti- turalmente discriminados, é concebida como
tuição de ensino (GLAZER, 1991). uma forma para se promover a igualdade
Atualmente, as ações afirmativas podem daqueles que foram e são marginalizados
ser definidas como um conjunto de políti- por preconceitos encravados na cultura do-
cas públicas e privadas de caráter compul- minante na sociedade. Por esta desigualação
sório, facultativo ou voluntário, concebidas positiva promove-se a igualação jurídica efe-
com vistas ao combate à discriminação ra- tiva; por ela afirma-se uma fórmula jurídica
cial, de gênero, por deficiência física e de para se provocar uma efetiva igualação so-
origem nacional, bem como para corrigir ou cial, política, econômica no e segundo o Di-
mitigar os efeitos presentes da discrimina- reito, tal como assegurado formal e materi-
ção praticada no passado, tendo por objeti- almente no sistema constitucional democrá-
vo a concretização do ideal de efetiva igual- tico. A ação afirmativa é, então, uma forma
dade de acesso a bens fundamentais como jurídica para se superar o isolamento ou a
a educação e o emprego. Diferentemente das diminuição social a que se acham sujeitas
políticas governamentais antidiscriminató- as minorias”10. Essa engenhosa criação ju-
rias baseadas em leis de conteúdo meramen- rídico-político-social refletiria ainda, segun-
te proibitivo, que se singularizam por ofere- do a autora, uma “mudança comportamen-
cerem às respectivas vítimas tão somente tal dos juízes constitucionais de todo o mun-
instrumentos jurídicos de caráter reparató- do democrático do pós-guerra”, que se teri-
rio e de intervenção ex post facto, as ações am conscientizado da necessidade de uma
afirmativas têm natureza multifacetária “transformação na forma de se conceberem
(RESKIN, 1997) e visam a evitar que a dis- e aplicarem os direitos, especialmente aque-
criminação se verifique nas formas usual- les listados entre os fundamentais. Não bas-
mente conhecidas – isto é, formalmente, por tavam as letras formalizadoras das garanti-
meio de normas de aplicação geral ou espe- as prometidas; era imprescindível instru-
cífica, ou por meio de mecanismos informais, mentalizarem-se as promessas garantidas
difusos, estruturais, enraizados nas práti- por uma atuação exigível do Estado e da
cas culturais e no imaginário coletivo. Em sociedade. Na esteira desse pensamento,
síntese, trata-se de políticas e de mecanis- pois, é que a ação afirmativa emergiu como a
mos de inclusão concebidos por entidades face construtiva e construtora do novo con-
públicas, privadas e por órgãos dotados de teúdo a ser buscado no princípio da igual-
competência jurisdicional, com vistas à con- dade jurídica. O Direito Constitucional, pos-
cretização de um objetivo constitucional to em aberto, mutante e mutável para se fa-
universalmente reconhecido – o da efetiva zer permanentemente adequado às deman-
igualdade de oportunidades a que todos os das sociais, não podia persistir no conceito
seres humanos têm direito. estático de um direito de igualdade pronto,
Entre os teóricos do Direito Público no realizado segundo parâmetros históricos
Brasil, coube à ilustre professora Carmen eventualmente ultrapassados.” E prossegue
Lúcia Antunes Rocha o desafio de traduzir a ilustre autora: “O conteúdo, de origem bí-
para a comunidade jurídica brasileira, em blica, de tratar igualmente os iguais e desi-
sublime artigo, a mais completa noção acer- gualmente os desiguais na medida em que
ca do enquadramento jurídico-doutrinário se desigualam – sempre lembrado como sen-
das ações afirmativas. Classificando-as cor- do a essência do princípio da igualdade ju-
retamente como a mais avançada tentativa rídica – encontrou uma nova interpretação

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no acolhimento jurisprudencial concernen- uma raça em relação à outra, do homem em
te à ação afirmativa. Segundo essa nova in- relação à mulher. O elemento propulsor des-
terpretação, a desigualdade que se preten- sas transformações seria, assim, o caráter
de e se necessita impedir para se realizar a de exemplaridade de que se revestem certas
igualdade no Direito não pode ser extraída, modalidades de ação afirmativa, cuja eficá-
ou cogitada, apenas no momento em que se cia como agente de transformação social
tomam as pessoas postas em dada situação poucos até hoje ousaram negar. Ou seja, de
submetida ao Direito, senão que se deve um lado essas políticas simbolizariam o re-
atentar para a igualdade jurídica a partir conhecimento oficial da persistência e da
da consideração de toda a dinâmica histó- perenidade das práticas discriminatórias e
rica da sociedade, para que se focalize e se da necessidade de sua eliminação. De ou-
retrate não apenas um instante da vida so- tro, elas teriam também por meta atingir ob-
cial, aprisionada estaticamente e desvincu- jetivos de natureza cultural, eis que delas
lada da realidade histórica de determinado inevitavelmente resultam a trivialização, a
grupo social. Há que se ampliar o foco da banalização, na polis, da necessidade e da
vida política em sua dinâmica, cobrindo utilidade de políticas públicas voltadas à
espaço histórico que se reflita ainda no pre- implantação do pluralismo e da diversidade.
sente, provocando agora desigualdades Por outro lado, as ações afirmativas têm
nascentes de preconceitos passados, e não como objetivo não apenas coibir a discri-
de todo extintos. A discriminação de ontem minação do presente, mas sobretudo elimi-
pode ainda tingir a pele que se vê de cor nar os “efeitos persistentes” (psicológicos,
diversa da que predomina entre os que de- culturais e comportamentais) da discrimi-
têm direitos e poderes hoje”. nação do passado, que tendem a se perpe-
tuar. Esses efeitos se revelam na chama-
2.2. Objetivos das ações afirmativas
da “discriminação estrutural”, espelha-
Em regra geral, justifica-se a adoção das da nas abismais desigualdades sociais
medidas de ação afirmativa com o argumen- entre grupos dominantes e grupos margi-
to de que esse tipo de política social seria nalizados11.
apta a atingir uma série de objetivos que res- Figura também como meta das ações afir-
tariam normalmente inalcançados caso a es- mativas a implantação de uma certa “diversi-
tratégia de combate à discriminação se limi- dade” e de uma maior “representatividade” dos
tasse à adoção, no campo normativo, de re- grupos minoritários nos mais diversos domíni-
gras meramente proibitivas de discrimina- os de atividade pública e privada12.
ção. Numa palavra, não basta proibir, é pre- Partindo da premissa de que tais grupos
ciso também promover, tornando rotineira normalmente não são representados em cer-
a observância dos princípios da diversida- tas áreas ou são sub-representados seja em
de e do pluralismo, de tal sorte que se opere posições de mando e prestígio no mercado
uma transformação no comportamento e na de trabalho e nas atividades estatais, seja
mentalidade coletiva, que são, como se sabe, nas instituições de formação que abrem as
moldados pela tradição, pelos costumes, em portas ao sucesso e às realizações individu-
suma, pela história. ais, as políticas afirmativas cumprem o im-
Assim, além do ideal de concretização portante papel de cobrir essas lacunas, fa-
da igualdade de oportunidades, figuraria zendo com que a ocupação das posições do
entre os objetivos almejados com as políti- Estado e do mercado de trabalho se faça, na
cas afirmativas o de induzir transformações medida do possível, em maior harmonia
de ordem cultural, pedagógica e psicológi- com o caráter plúrimo da sociedade. Nesse
ca, aptas a subtrair do imaginário coletivo a sentido, o efeito mais visível dessas políti-
idéia de supremacia e de subordinação de cas, além do estabelecimento da diversida-

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de e representatividade propriamente ditas, 3. A problemática constitucional
é o de eliminar as “barreiras artificiais e in-
visíveis” que emperram o avanço de negros As ações afirmativas situam-se no cerne
e mulheres, independentemente da existên- do debate constitucional contemporâneo, e
cia ou não de política oficial tendente a su- interferem em questões que remontam à pró-
balternizá-los13. pria origem da democracia moderna, susci-
Argumenta-se igualmente que o plura- tando questionamentos acerca de temas fun-
lismo que se instaura em decorrência das damentais do modelo de organização polí-
ações afirmativas traria inegáveis benefíci- tica preponderante no hemisfério ocidental.
os para os próprios países que se definem A presente reflexão não visa a examinar com
como multirraciais e que assistem, a cada profundidade esses temas. Sobre eles faremos,
dia, ao incremento do fenômeno do multi- portanto, apenas un tour d’horizon. Vejamos.
culturalismo. Para esses países, constitui- As ações afirmativas suscitam, em pri-
ria um erro estratégico inadmissível deixar meiro lugar, o debate crucial acerca da des-
de oferecer oportunidades efetivas de edu- tinação dos recursos públicos. Recursos, fri-
cação e de trabalho a certos segmentos da se-se, escassos por definição. O Estado Mo-
população, pois isso pode revelar-se, em derno, como se sabe, resulta do imperativo
médio prazo, altamente prejudicial à com- iluminista de que o conjunto dos recursos
petitividade e à produtividade econômica da Nação deve ser convertido em prol do
do país. Portanto, agir “afirmativamente” interesse de todos, do bem-estar geral da
seria também uma forma de zelar pela pu- coletividade (“The Welfare of the Nation”,
jança econômica do país. “Der Wohlstand”). A História e o Direito
Por fim, as ações afirmativas cumpriri- Comparado aí estão para nos fornecer algu-
am o objetivo de criar as chamadas perso- mas pistas e nos alertar contra o perigo da
nalidades emblemáticas. Noutras palavras, inércia nesse domínio. Com efeito, é até en-
além das metas acima mencionadas, elas fadonho relembrar que a ruptura brutal com
constituiriam um mecanismo institucional o ancien régime se materializou precisamen-
de criação de exemplos vivos de mobilida- te na abolição dos privilégios que, por lei,
de social ascendente. Vale dizer, os repre- eram atribuídos a certas classes de cidadãos.
sentantes de minorias que, por terem alcan- A Democracia que se seguiu, sobretudo na
çado posições de prestígio e poder, serviri- concepção ulterior que deu margem ao sur-
am de exemplo às gerações mais jovens, que gimento do Estado de bem – estar social, tem
veriam em suas carreiras e realizações pes- como um dos seus pilares a tentativa de dis-
soais a sinalização de que não haveria, che- tribuição equânime e generalizada dos re-
gada a sua vez, obstáculos intransponíveis cursos originários do labor coletivo.
à realização de seus sonhos e à concretiza- Por outro lado, não se deve perder de vis-
ção de seus projetos de vida. Em suma, com ta que a amoldagem do atual Estado pro-
essa conotação as ações afirmativas atuari- movente (uma realidade quase universal) é
am como mecanismo de incentivo à educa- em grande parte tributária desse rigoroso
ção e ao aprimoramento de jovens integran- zelo que as verdadeiras democracias têm
tes de grupos minoritários, que invariavel- para com o correto manuseio de recursos
mente assistem ao bloqueio de seu potenci- públicos. De fato, questões-chave do consti-
al de inventividade, de criação e de motiva- tucionalismo moderno derivam dessa ma-
ção ao aprimoramento e ao crescimento in- triz: qual seria o “propósito legítimo” do
dividual, vítimas das sutilezas de um sis- dispêndio de recursos nacionais? Em que
tema jurídico, político, econômico e soci- medida se pode questionar a constituciona-
al concebido para mantê-los em situação lidade de certos programas governamentais
de excluídos. à luz da exata relação deles extraível entre

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dispêndio de recursos públicos e incremen- acesso universal, a educação dos filhos das
to do bem-estar coletivo? Até que ponto pode classes de maior poder aquisitivo, por meio
o órgão representante da Nação compelir de diversos mecanismos. Isso se dá princi-
atores públicos e privados beneficiários des- palmente por meio da renúncia fiscal de que
ses recursos a se conformarem às regras de são beneficiárias as escolas privadas alta-
eqüidade ínsitas a toda e qualquer demo- mente seletivas e excludentes. Certo, não
cracia? Das múltiplas respostas a essas seria justo negar às elites (supostas ou ver-
questões, como se sabe, emergiu o Estado dadeiras) o direito de matricular os seus fi-
interventivo e regulador e o seu corolário – lhos em escolas seletivas, onde eles se sin-
o Estado de Bem-Estar Social. tam “chez eux”, longe da “populace”. O
Ora, o País que ignora essas noções bá- direito de escolher uma educação “diferen-
sicas e reserva a uma pequena minoria os ciada” para os filhos constitui, a nosso sen-
instrumentos de aprimoramento humano tir, uma liberdade fundamental a ser garan-
aptos a abrir as portas à prosperidade e ao tida pelo Estado. O que é questionável é o
bem-estar individual e coletivo, e, além dis- compartilhamento do custo desse “luxo”
so (e também em conseqüência disso), ado- com toda a coletividade: por meio dos tribu-
ta, ainda que informalmente, uma política tos de que essas escolas são isentas, das
de emprego impregnada de visível e insu- subvenções diversas que lhes são passadas
portável hierarquização social, pratica nada pelos Governos das três esferas políticas,
mais nada menos do que uma nova forma pelo abatimento das respectivas despesas
de tirania. no montante devido a título de imposto de
Sim, é disso que se trata. Uma “tirania renda! Esses são alguns dos elementos que
legal”, eis que formalmente ancorada em compõem a formidável “machine à exclu-
normas emanadas dos órgãos legislativos e re” que tem nos negros as suas vítimas pre-
executada por órgãos que supostamente ferenciais. Essa forma de “exclusão orques-
encarnam a soberania popular. No caso bra- trada e disciplinada pela lei” produz o ex-
sileiro, não é preciso muito esforço para se traordinário efeito de contrapor, de um lado,
convencer disso. Vejamos. No estado atual a escola pública, republicana, aberta a to-
das coisas, a exclusão social de que os ne- dos, que deveria oferecer ensino de boa qua-
gros são as principais vítimas no Brasil de- lidade a pobres e ricos, a uma escola priva-
riva de alguns fatores, entre os quais figura da, elitista, discriminatória e... largamente fi-
o esquema perverso de distribuição de re- nanciada com recursos que deveriam beneficiar a
cursos públicos em matéria de educação. A todos. Esse é o primeiro aspecto da exclusão.
Educação é a mais importante entre as di- O segundo aspecto ocorre na seleção ao
versas prestações que o indivíduo recebe ou ensino superior. Aí todos já sabem: os pa-
tem legítima expectativa de receber do Esta- péis se invertem. O ensino superior de qua-
do. Trata-se, como se sabe, de um bem es- lidade no Brasil está quase inteiramente nas
casso. O Estado alega não poder fornecê-lo mãos do Estado. E o que faz o Estado nesse
a todos na forma tida como ideal, isto é, em domínio? Institui um mecanismo de seleção
caráter universal e gratuito. No entanto, esse que vai justamente propiciar a exclusivida-
mesmo Estado que se diz impossibilitado de do acesso, sobretudo aos cursos de mai-
de fornecer a todos esse bem indispensável or prestígio e aptos a assegurar um bom fu-
institucionaliza mecanismos sutis por meio turo profissional, àqueles que se beneficia-
dos quais proporciona às classes privilegi- ram do processo de exclusão acima mencio-
adas aquilo que alega não poder oferecer à nado, isto é, os financeiramente bem aqui-
generalidade dos cidadãos. Com efeito, o nhoados. O vestibular, esse mecanismo in-
Estado financia, com recursos que deveriam trinsecamente inútil sob a ótica do aprendi-
ser canalizados a instituições públicas de zado, não tem outro objetivo que não o de

138 Revista de Informação Legislativa


“excluir”. Mais precisamente, o de excluir Direito Constitucional vigente no Brasil é
os socialmente fragilizados, de sorte a per- perfeitamente compatível com o princípio
mitir que os recursos públicos destinados à da ação afirmativa. Melhor dizendo, o Di-
educação (canalizados tanto para as insti- reito brasileiro já contempla algumas mo-
tuições públicas quanto para as de caráter dalidades de ação afirmativa, inclusive em
comercial, como já vimos) sejam gastos não sede constitucional.
em prol de todos, mas para benefício de pou- A questão se coloca, é claro, no terreno do
cos. Em suma, trata-se de uma subversão princípio constitucional da igualdade. Esse
total de um dos princípios informadores do princípio, porém, comporta várias vertentes.
Estado moderno, sintetizado de forma lapi-
dar em feliz expressão cunhada pela Corte Igualdade formal ou procedimental x
Suprema dos EUA: “the power of Congress to igualdade de resultados ou material
authorize expenditure of public moneys for pu- O cerne da questão reside em saber se
blic purposes”. na implementação do princípio constituci-
Essa é, pois, a chave para se entender onal da igualdade o Estado deve assegurar
por que existem tão poucos negros nas uni- apenas uma certa “neutralidade processu-
versidades públicas brasileiras, e quase ne- al” (procedural due process of law) ou, ao con-
nhum nos cursos de maior prestígio e de- trário, se sua ação deve-se encaminhar de
manda: os recursos públicos são canaliza- preferência para a realização de uma
dos preponderantemente para as classes “igualdade de resultados” ou igualdade
mais afluentes,14, 15 restando aos pobres (que material. A teoria constitucional clássica,
são majoritariamente negros) “as migalhas” herdeira do pensamento de Locke, Rousseau
do sistema. e Montesquieu, é responsável pelo floresci-
Esse o aspecto perverso do sistema edu- mento de uma concepção meramente formal
cacional brasileiro. Os negros são suas prin- de igualdade – a chamada igualdade pe-
cipais vítimas. E esse é, sem dúvida, um pro- rante a lei. Trata-se em realidade de uma
blema constitucional de primeira grandeza, igualdade meramente “processual” (“pro-
pois nos remete à noção primitiva de demo- cess-regarding equality”). As notórias insufi-
cracia, a saber: em que, por quem e em bene- ciências dessa concepção de igualdade con-
fício de quem são despendidos os recursos duziram paulatinamente à adoção de uma
financeiros da Nação. nova postura, calcada não mais nos meios
Agir “afirmativamente” significa ter que se outorgam aos indivíduos num mer-
consciência desses problemas e tomar deci- cado competitivo, mas nos resultados efeti-
sões coerentes com o imperativo indecliná- vos que eles podem alcançar. Resumindo
vel de remediá-los. Além da vontade políti- singelamente a questão, diríamos que as
ca, que é fundamental, é preciso colocar de nações que historicamente se apegaram ao
lado o formalismo típico da nossa praxis conceito de igualdade formal são aquelas
jurídico-institucional e entender que a ques- onde se verificam os mais gritantes índices
tão é de vital importância para a legítima de injustiça social, eis que, em última análi-
aspiração de todos de que um dia o País se se, fundamentar toda e qualquer política
subtraia ao opróbrio internacional a que governamental de combate à desigualdade
sempre esteve confinado, e ocupe o espaço, social na garantia de que todos terão acesso
a posição e o respeito que a sua história, o aos mesmos “instrumentos” de combate
seu povo, suas realizações e o seu peso polí- corresponde, na prática, a assegurar a per-
tico e econômico recomendam. petuação da desigualdade. Isso porque essa
No plano estritamente jurídico (que se “opção processual” não leva em conta as-
subordina, a nosso sentir, à tomada de cons- pectos importantes que antecedem à entra-
ciência assinalada nas linhas anteriores), o da dos indivíduos no mercado competitivo.

Brasília a. 38 n. 151 jul./set. 2001 139


Já a chamada “igualdade de resultados” tem É patente, pois, a maior preocupação do
como nota característica exatamente a preo- legislador constituinte originário com os
cupação com os fatores “externos” à luta direitos e garantias fundamentais, bem como
competitiva – tais como classe ou origem com a questão da igualdade, especialmente
social, natureza da educação recebida –, que a implementação da igualdade substanci-
têm inegável impacto sobre o seu resultado16. al. Flavia Piovesan assinala como símbolo
Vários dispositivos da Constituição bra- dessa preocupação “(a) a ‘topografia’ de
sileira de 1988 revelam o repúdio do consti- destaque que recebe este grupo de direitos
tuinte pela igualdade “processual” e sua (fundamentais) e deveres em relação às
opção pela concepção de igualdade dita Constituições anteriores; (b) a elevação, à
“material” ou “de resultados”. ‘cláusula pétrea’, dos direitos e garantias
Assim, por exemplo, os artigos 3º, 7º-XX, individuais (art. 60, § 4º, IV); (c) o aumento
37-VIII e 170 dispõem: dos bens merecedores de tutela e da titulari-
“Art. 3º Constituem objetivos funda- dade de novos sujeitos de direito (‘coletivo’),
mentais da República Federativa do tudo comparativamente às Cartas antece-
Brasil: dentes”18. Some-se a isso a previsão expres-
I – construir uma sociedade livre, jus- sa, em sede constitucional, da igualdade
ta e solidária; entre homens e mulheres (art. 5º, I) e, em al-
(...) guns casos, da permissão expressa para uti-
III – erradicar a pobreza e a marginaliza- lização das ações afirmativas, com o intuito
ção e reduzir as desigualdades sociais e de implementar a igualdade, tais como o
regionais”. artigo 37, VIII (reserva de cargos e empregos
“Art. 170. A ordem econômica, fun- públicos para pessoas portadoras de defici-
dada na valorização do trabalho hu- ência), e art. 7º, XX (“proteção do mercado
mano e na livre iniciativa, tem por fim de trabalho da mulher, mediante incentivos
assegurar a todos existência digna, específicos, nos termos da lei”).
conforme os ditames da justiça social, Vê-se, portanto, que a Constituição Bra-
observados os seguintes princípios: sileira de 1988 não se limita a proibir a dis-
(...) criminação, afirmando a igualdade, mas
VII – redução das desigualdades regio- permite, também, a utilização de medidas
nais e sociais(...) que efetivamente implementem a igualdade
IX – tratamento favorecido para as em- material. E mais: tais normas propiciadoras
presas de pequeno porte constituídas da implementação do princípio da igualda-
sob as leis brasileiras e que tenham de se acham precisamente no Título I da
sua sede e administração no País”17. Constituição, o que trata dos Princípios Fun-
“Art. 7º - São direitos dos trabalhado- damentais da nossa República, isto é, cui-
res urbanos e rurais, além de outros da-se de normas que informam todo o siste-
que visem à melhoria de sua condi- ma constitucional, comandando a correta
ção social: interpretação de outros dispositivos consti-
(...) tucionais. Como bem sustentou a ilustre Pro-
XX – Proteção do mercado de traba- fessora de Direito Constitucional da PUC
lho da mulher, mediante incentivos de Minas Gerais, Carmen Lúcia Antunes
específicos, nos termos da lei;” Rocha, “a Constituição Brasileira de 1988
“Art. 37 (...) tem, no seu preâmbulo, uma declaração que
VIII – A lei reservará percentual dos apresenta um momento novo no constituci-
cargos e empregos públicos para as onalismo pátrio: a idéia de que não se tem a
pessoas portadoras de deficiência e democracia social, a justiça social, mas que
definirá os critérios de sua admissão”. o Direito foi ali elaborado para que se che-

140 Revista de Informação Legislativa


gue a tê-las (...) O princípio da igualdade gundo o Direito possibilita a verdade do
resplandece sobre quase todos os outros princípio da igualdade, para se chegar à
acolhidos como pilastras do edifício norma- igualdade que a Constituição Brasileira ga-
tivo fundamental alicerçado. É guia não rante como direito fundamental de todos. O
apenas de regras, mas de quase todos os art. 3º traz uma declaração, uma afirmação
outros princípios que informam e confor- e uma determinação em seus dizeres. De-
mam o modelo constitucional positivado, clara-se, ali, implícita, mas claramente, que
sendo guiado apenas por um, ao qual se dá a República Federativa do Brasil não é livre,
a servir: o da dignidade da pessoa humana porque não se organiza segundo a univer-
(art. 1º, III, da Constituição da República)19. salidade desse pressuposto fundamental
E prossegue a ilustre jurista, fazendo alu- para o exercício dos direitos, pelo que, não
são expressa aos dispositivos constitucio- dispondo todos de condições para o exercí-
nais acima transcritos: “Verifica-se que to- cio de sua liberdade, não pode ser justa. Não
dos os verbos utilizados na expressão nor- é justa porque plena de desigualdades anti-
mativa – construir, erradicar, reduzir, promo- jurídicas e deploráveis para abrigar o míni-
ver – são de ação, vale dizer, designam um mo de condições dignas para todos. E não é
comportamento ativo. O que se tem, pois, é solidária porque fundada em preconceitos
que os objetivos fundamentais da Repúbli- de toda sorte (...) O inciso IV, do mesmo art.
ca Federativa do Brasil são definidos em ter- 3º, é mais claro e afinado, até mesmo no ver-
mos de obrigações transformadoras do qua- bo utilizado, com a ação afirmativa. Por ele
dro social e político retratado pelo constitu- se tem ser um dos objetivos fundamentais
inte quando da elaboração do texto consti- promover o bem de todos, sem preconceitos de
tucional. E todos os objetivos contidos, es- origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
pecialmente, nos três incisos acima trans- formas de discriminação. Verifica-se, então,
critos do art. 3º, da Lei Fundamental da Re- que não se repetiu apenas o mesmo modelo
pública, traduzem exatamente mudança principiológico que adotaram constituintes
para se chegar à igualdade. Em outro dizer, anteriormente atuantes no país. Aqui se de-
a expressão normativa constitucional sig- termina agora uma ação afirmativa: aquela
nifica que a Constituição determina uma pela qual se promova o bem de todos, sem
mudança do que se tem em termos de condi- preconceitos (de) quaisquer...formas de discrimi-
ções sociais, políticas, econômicas e regio- nação. Significa que se universaliza a igual-
nais, exatamente para se alcançar a realiza- dade e promove-se a igualação: somente com
ção do valor supremo a fundamentar o Es- uma conduta ativa, positiva, afirmativa, é
tado Democrático de Direito constituído. Se que se pode ter a transformação social bus-
a igualdade jurídica fosse apenas a veda- cada como objetivo fundamental da Repú-
ção de tratamentos discriminatórios, o prin- blica. Se fosse apenas para manter o que se
cípio seria absolutamente insuficiente para tem, sem figurar o passado ou atentar à his-
possibilitar a realização dos objetivos fun- tória, teria sido suficiente, mais ainda, teria
damentais da República constitucionalmen- sido necessário, tecnicamente, que apenas
te definidos. Pois daqui para a frente, nas se estabelecesse ser objetivo manter a igual-
novas leis e comportamentos regulados pelo dade sem preconceitos etc. Não foi o que
Direito, apenas seriam impedidas manifes- pretendeu a Constituição de 1988. Por ela
tações de preconceitos ou cometimentos dis- se buscou a mudança do conceito, do con-
criminatórios. Mas como mudar, então, tudo teúdo, da essência e da aplicação do princí-
o que se tem e se sedimentou na história pio da igualdade jurídica, com relevo dado
política, social e econômica nacional? So- à sua imprescindibilidade para a transfor-
mente a ação afirmativa, vale dizer, a atua- mação da sociedade, a fim de se chegar a
ção transformadora, igualadora pelo e se- seu modelo livre, justa e solidária. Com pro-

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moção de mudanças, com a adoção de con- mecanismos aptos a promover a igualdade
dutas ativas, com a construção de novo fi- entre homens e mulheres. Assim, com vis-
gurino sócio-político é que se movimenta no tas a minimizar essa flagrante desigualda-
sentido de se recuperar o que de equivoca- de existente em detrimento das mulheres,
do antes se fez (ROCHA, op. cit. p. 93). nasceu, entre nós, a modalidade de ação
Essa, portanto, é a concepção moderna e afirmativa hoje corporificada nas leis
dinâmica do princípio constitucional da 9.100/95 e 9.504/97, que estabeleceram
igualdade, a que conclama o Estado a dei- cotas mínimas de candidatas mulheres
xar de lado a passividade, a renunciar à sua para as eleições20.
suposta neutralidade e a adotar um com- As mencionadas leis representam, em
portamento ativo, positivo, afirmativo, qua- primeiro lugar, o reconhecimento pelo Esta-
se militante, na busca da concretização da do de um fato inegável: a existência de dis-
igualdade substancial. criminação contra as brasileiras, cujo resul-
Note-se, mais uma vez, que esse tipo de tado mais visível é a exasperante sub-repre-
comportamento estatal não é estranho ao sentação feminina em um dos setores-cha-
Direito brasileiro pós-Constituição de 1988. ve da vida nacional – o processo político.
Ao contrário, a imprescindibilidade de me- Com efeito, o legislador ordinário, consci-
didas corretivas e redistributivas visando a ente de que em toda a história política do
mitigar a agudeza da nossa “questão soci- país foi sempre desprezível a participação
al” já foi reconhecida em sede normativa, feminina, resolveu remediar a situação por
por meio de leis vocacionadas a combater meio de um corretivo que nada mais é do
os efeitos nefastos de certas formas de dis- que uma das muitas técnicas por meio das
criminação. Nesse sentido, é importante fri- quais, em direito comparado, são concebi-
sar, o Direito brasileiro já contempla algu- das e implementadas as ações afirmativas:
mas modalidades de ação afirmativa. Não o mecanismo das cotas.
obstante tratar-se de experiências ainda tími- As Leis 9.100/95 e 9.504/97 tiveram a
das quanto ao seu alcance e amplitude, o im- virtude de lançar o debate em torno das ações
portante a ser destacado é o fato da acolhida afirmativas e, sobretudo, de tornar evidente
desse instituto jurídico em nosso Direito. a necessidade premente de se implementar
de maneira efetiva a isonomia em matéria
4. Ação afirmativa e relações de gênero de gênero em nosso país. As cotas de candi-
daturas femininas constituem apenas o pri-
A discriminação de gênero, fruto de uma meiro passo nesse sentido. Se é certo que é
longa tradição patriarcal que não conhece preciso tempo para se fazer avaliações mais
limites geográficos tampouco culturais, é do seguras acerca da sua eficácia como medi-
conhecimento de todos os brasileiros. Entre da de transformação social, não há dúvida
nós, o status de inferioridade da mulher em de que já se anunciam alguns resultados
relação ao homem foi por muito tempo con- alvissareiros, como o incremento significa-
siderado como algo qui va de soi, normal, tivo, em termos globais, da participação fe-
decorrente da própria “natureza das coi- minina nas instâncias de poder21.
sas”. A tal ponto que essa inferioridade era Assim, as mencionadas leis consagram
materializada expressamente na nossa le- a recepção definitiva pelo Direito brasileiro
gislação civil. do princípio da ação afirmativa. Ainda que
A Constituição de 1988 (art. 5º, I) não limitada a uma forma específica de discri-
apenas aboliu essa discriminação chance- minação, o fato é que essa política social
lada pelas leis, mas também, por meio dos ingressou nos “moeurs politiques” da Na-
diversos dispositivos antidiscriminatórios ção, uma vez que foi aplicada sem contesta-
já mencionados, permitiu que se buscassem ção em dois pleitos eleitorais.

142 Revista de Informação Legislativa


5. Ação afirmativa e dados da Organização Mundial de
portadores de deficiência Saúde”(1998).
Essa outra modalidade de “discrimina-
O mesmo princípio também vem sendo ção positiva” tem recebido o beneplácito do
adotado pela legislação que visa a proteger Poder Judiciário. Com efeito, tanto o Supremo
os direitos das pessoas portadoras de defi- Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal
ciência física. de Justiça já tiveram oportunidade de se ma-
Com efeito, a Constituição Brasileira, em nifestar favoravelmente sobre o tema, verbis:
seu artigo 37, VIII, prevê expressamente a “Emenda
reserva de vagas para deficientes físicos na Sendo o art. 37, VII, da CF, norma
administração pública. Nesse caso, a per- de eficácia contida, surgiu o art. 5º, §
missão constitucional para adoção de ações 2º, do novel Estatuto dos Servidores
afirmativas em relação aos portadores de Públicos Federais, a toda evidência,
deficiência física é expressa. Daí a inicia- para regulamentar o citado dispositi-
tiva do legislador ordinário, materializa- vo constitucional, a fim de lhe propor-
da nas leis 7.835/89 e 8.112/90, que re- cionar a plenitude eficacial. Verifica-
gulamentaram o mencionado dispositivo se, com toda a facilidade, que o dispo-
constitucional. De fato, a Lei 8.112/90 (Re- sitivo da lei ordinária definiu os con-
gime Jurídico Único dos Servidores Públi- tornos do comando constitucional, as-
cos Civis da União) estabelece em seu art. segurando o direito aos portadores de
5º, § 2º, que “às pessoas portadoras de defi- deficiência de se inscreverem em con-
ciência é assegurado o direito de se inscre- curso público, ditando que os cargos
ver em concurso público para provimento providos tenham atribuições compa-
de cargo cujas atribuições sejam compatí- tíveis com a deficiência de que são por-
veis com a deficiência de que são portado- tadores e, finalmente, estabelecendo
ras; para tais pessoas serão reservadas até um percentual máximo de vagas a se-
20% (vinte por cento) das vagas ofereci- rem a eles reservadas. Dentro desses
das no concurso”. parâmetros, fica o administrador com
Comentando o dispositivo transcrito, plena liberdade para regular o acesso
Mônica de Melo, com muita propriedade, dos deficientes aprovados no concur-
afirma: so para provimento de cargos públi-
“Desta forma, qualquer concurso cos, não cabendo prevalecer diante da
público que se destine a preenchimen- garantia constitucional, o alijamento
to de vagas para o serviço público fe- do deficiente por não ter logrado clas-
deral deverá conter em seu edital a sificação, muito menos por recusar o
previsão das vagas reservadas para decisum afrontado que não tenha a
os portadores de deficiência. Note- norma constitucional sido regulamen-
se que o artigo fala em até 20% (vin- tada pelo dispositivo da lei ordinária,
te por cento) das vagas, o que possi- tão-só, por considerar não ter ela defi-
bilita uma reserva menor e o outro nido critérios suficientes. Recurso pro-
requisito legal é que as atribuições a vido com a concessão da segurança, a
serem desempenhadas sejam compa- fim de que seja oferecida à recorrente
tíveis com a deficiência apresentada. vaga, dentro do percentual que for fi-
Há entendimentos no sentido de que xado para os deficientes, obedecida,
10% (dez por cento) das vagas seriam entre os deficientes aprovados, a or-
um percentual razoável, à medida que dem de classificação se for o caso”.
no Brasil haveria 10% de pessoas (RMS 3.113-6/DF, 6ª T., 06.12.1994,
portadoras de deficiência, segundo cujo Relator foi o Min. Pedro Acioli)

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“Concurso Público e Vaga para Defi- aceito para combater aquela que é a mais
cientes arraigada forma de discriminação entre nós,
Por ofensa ao art. 37, VIII, da CF a que tem maior impacto social, econômico
(“a lei reservará percentual dos cargos e e cultural – a discriminação de cunho raci-
empregos públicos para as pessoas porta- al. Isso porque os princípios constitucionais
doras de deficiência e definirá os critérios mencionados anteriormente são vocaciona-
de sua admissão”), o Tribunal deu pro- dos a combater toda e qualquer disfunção
vimento a recurso extraordinário para social originária dos preconceitos e discri-
reformar acórdão do Tribunal de Jus- minações incrustados no imaginário coleti-
tiça do Estado de Minas Gerais que vo, vale dizer, os preconceitos e discrimina-
negara a portadora de deficiência o ção de fundo histórico e cultural. Não se tra-
direito de ter assegurada uma vaga em ta de princípios de aplicação seletiva, bons
concurso público ante a impossibili- para curar certos males, mas inadaptados a
dade aritmética de se destinar, dentre remediar outros.
as 8 vagas existentes, a reserva de 5%
aos portadores de deficiência física 6. Ação afirmativa e
(LC 9/92 do Município de Divinópo- Direito Internacional
lis). O Tribunal entendeu que, na hi-
dos Direitos Humanos
pótese de a divisão resultar em núme-
ro fracionado — não importando que O problema aqui tratado, como se sabe,
a fração seja inferior a meio —, impõe- transcende o Direito interno brasileiro e en-
se o arredondamento para cima. volve o Direito Internacional, especialmen-
RE 227.299-MG, rel. Min. Ilmar Gal- te o chamado Direito Internacional dos Di-
vão, 14.6.2000. (RE-227299)” reitos Humanos. Ele traduz à perfeição o fe-
Como se vê, a destinação de um percen- nômeno que Hélène Tourard com muita propri-
tual de vagas no serviço público aos defici- edade classificou como “l’internationalisation des
entes físicos não viola o princípio da isono- constitutions”22.
mia. Em primeiro lugar, porque a deficiên- Com efeito, não obstante as divergênci-
cia física de que essas pessoas são portado- as doutrinárias e jurisprudenciais que pai-
ras traduz-se em uma situação de nítida ram sobre o assunto, não podemos deixar
desvantagem em seu detrimento, fato esse de consignar a contribuição trazida à maté-
que deve ser devidamente levado em conta ria por uma avançada inteligência do arti-
pelo Estado, no cumprimento do seu dever go 5º da Constituição de 1988, que em seus
de implementar a igualdade material. parágrafos 1º e 2º traz disposições impor-
Em segundo, porque os deficientes físicos tantíssimas para a efetiva implementação
se submetem aos concursos públicos, deven- dos direitos e garantias fundamentais. Com
do necessariamente lograr aprovação. A re- efeito, o parágrafo 1º estabelece que as nor-
serva de vagas, portanto, representa uma mas definidoras dos direitos e garantias fun-
entre as diversas técnicas de implementa- damentais têm aplicação imediata no país.
ção da igualdade material, consagração do Já o parágrafo 2º dispõe que “os direitos e
princípio bíblico segundo o qual deve-se tra- garantias expressos nesta Constituição não
tar igualmente os iguais e desigualmente os excluem outros decorrentes do regime e dos
desiguais. princípios por ela adotados, ou dos tratados
Pois bem. Se esse princípio é plenamen- internacionais em que a República Federativa
te aceitável (inclusive na esfera jurisdicio- do Brasil seja parte”.
nal, como vimos) como mecanismo de com- Como resultado da conjugação do § 1º
bate a uma das múltiplas formas de discri- com o § 2º do artigo 5º do texto constitucio-
minação, da mesma forma ele haverá de ser nal, uma interpretação sistemática da Cons-

144 Revista de Informação Legislativa


tituição nos conduz à constatação de que das nos tratados. Significando isto que
estamos diante de normas da mais alta rele- as referidas normas são normas cons-
vância para a proteção dos direitos huma- titucionais, como diz Flávia Piovesan
nos (e, conseqüentemente, dos direitos das citada acima. Considero esta posição
minorias) no Brasil, quais sejam: os trata- já como um grande avanço. Contudo
dos internacionais de direitos humanos, sou ainda mais radical no sentido de
que, segundo o dispositivo citado, têm apli- que a norma internacional prevalece
cação imediata no território brasileiro, ne- sobre a norma constitucional, mesmo
cessitando apenas de ratificação. naquele caso em que uma norma cons-
Com efeito, esse é o ensinamento que co- titucional posterior tente revogar uma
lhemos em dois dos nossos mais eruditos norma internacional constitucionali-
scholars, especialistas na matéria, os Profes- zada. A nossa posição é a que está
sores Antônio Augusto Cançado Trindade23 consagrada na jurisprudência e tra-
e Celso de Albuquerque Mello, verbis: tado internacional europeu de que se
“O disposto no art. 5º, § 2º da deve aplicar a norma mais benéfica
Constituição Brasileira de 1988 se in- ao ser humano, seja ela interna ou in-
sere na nova tendência de Constitui- ternacional. A tese de Flávia Piovesan
ções latino-americanas recentes de tem a grande vantagem de evitar que
conceder um tratamento especial ou o Supremo Tribunal Federal venha a
diferenciado também no plano do di- julgar a constitucionalidade dos tra-
reito interno aos direitos e garantias tados internacionais”(MELLO, 1999.
individuais internacionalmente con- Ver também PIOVESAN , 1996) .
sagrados. A especificidade e o caráter Assim, à luz dessa respeitável doutrina,
especial dos tratados de proteção in- pode-se concluir que o Direito Constitucio-
ternacional dos direitos humanos en- nal brasileiro abriga, não somente o princí-
contram-se, com efeito, reconhecidos pio e as modalidades implícitas e explícitas
e sancionados pela Constituição Bra- de ação afirmativa a que já fizemos alusão,
sileira de 1988: se, para os tratados mas também as que emanam dos tratados
internacionais em geral, se tem exigi- internacionais de direitos humanos assina-
do a intermediação pelo poder Legis- dos pelo nosso país. Com efeito, o Brasil é
lativo de ato com força de lei de modo signatário dos principais instrumentos in-
a outorgar a suas disposições vigên- ternacionais de proteção dos direitos huma-
cia ou obrigatoriedade no plano do nos, em especial a Convenção sobre a Elimi-
ordenamento jurídico interno, distin- nação de Todas as Formas de Discrimina-
tamente no caso dos tratados de pro- ção Racial e a Convenção sobre a Elimina-
teção internacional dos direitos huma- ção de Todas as Formas de Discriminação
nos em que o Brasil é parte os direitos contra a Mulher, os quais permitem expres-
fundamentais neles garantidos pas- samente a utilização das medidas positivas
sam, consoante os artigos 5º, § 2º e 5º, tendentes a mitigar os efeitos da discrimi-
§ 1º, da Constituição Brasileira de nação.
1988, a integrar o elenco dos direitos De fato, a Convenção sobre a Eliminação
constitucionalmente consagrados di- de Todas as Formas de Discriminação Racial
reta e imediatamente exigíveis no pla- (1968), ratificada pelo Brasil em 27 de março
no do ordenamento jurídico interno” de 1968, dispõe em seu artigo 1º, nº 4, verbis:
(TRINDADE, 1996). “Art. 1º – 4. Não serão considera-
“A Constituição de 1988 no § 2º das discriminação racial as medidas
do art. 5º constitucionalizou as nor- especiais tomadas com o único objeti-
mas de direitos humanos consagra- vo de assegurar o progresso adequa-

Brasília a. 38 n. 151 jul./set. 2001 145


do de certos grupos raciais ou étnicos 7. Critérios, modalidades e limites
ou de indivíduos que necessitem da das ações afirmativas
proteção que possa ser necessária
para proporcionar a tais grupos ou in- Ao debruçar-se sobre o tema, o Professor
divíduos igual gozo ou exercício de Joaquim Falcão sustentou que “se, por um
direitos humanos e liberdades funda- lado, é tranqüila a constatação de que o prin-
mentais, contanto que tais medidas cípio da igualdade formal é relativo e convi-
não conduzam, em conseqüência, à ve com diferenciações, nem todas as dife-
manutenção de direitos separados renciações são aceitas. A dificuldade é de-
para diferentes grupos raciais e não terminar os critérios a partir dos quais uma
prossigam após terem sido alcança- diferenciação é aceita como constitucio-
dos os seus objetivos”. nal”24. O autor apresenta solução ao proble-
Dispositivo de igual teor também figura ma, afirmando que a justificação25 do esta-
no artigo 4º da Convenção sobre a Elimina- belecimento da diferença seria uma condi-
ção de Todas as Formas de Discriminação ção sine qua non para a constitucionalidade
contra a Mulher (1979), ratificada pelo Bra- da diferenciação, a fim de evitar a arbitrari-
sil em 1984, com reservas na área de direito edade. Essa justificação deve ter um conteú-
de família, reservas essas que foram retira- do, baseado na razoabilidade, ou seja, num
das em 1994, verbis: fundamento razoável para a diferenciação;
“Artigo 4º - 1. A adoção pelos Esta- na racionalidade, no sentido de que a moti-
dos-partes de medidas especiais de ca- vação deve ser objetiva, racional e suficien-
ráter temporário destinadas a acelerar te; e na proporcionalidade, isto é, que a dife-
a igualdade de fato entre o homem e a renciação seja um reajuste de situações de-
mulher não se considerará discrimina- siguais. Aliado a isso, a legislação infra-
ção na forma definida nesta Conven- constitucional deve respeitar três critérios
ção, mas de nenhuma maneira impli- concomitantes para que atenda ao princí-
cará, como conseqüência, a manuten- pio da igualdade material: a diferenciação
ção de normas desiguais ou separadas; deve (a) decorrer de um comando-dever cons-
essas medidas cessarão quando os ob- titucional, no sentido de que deve obediên-
jetivos de igualdade de oportunidade e cia a uma norma programática que determi-
tratamento houverem sido alcançados”. na a redução das desigualdades sociais; (b)
É, portanto, amplo e diversificado o res- ser específica, estabelecendo claramente
paldo jurídico às medidas afirmativas que aquelas situações ou indivíduos que serão
o Estado brasileiro resolva empreender no “beneficiados” com a diferenciação; e (c) ser
sentido de resolver esse que talvez seja o mais eficiente, ou seja, é necessária a existência
grave de todos os nossos problemas sociais de um nexo causal entre a prioridade legal
– o alijamento e a marginalização do negro concedida e a igualdade socioeconômica
na sociedade brasileira. A questão se situa, pretendida26. Entendimento semelhante é
primeiramente, na esfera da Alta Política. esposado por B. Renauld no artigo já men-
Ou seja, trata-se de optar por um “modèle de cionado: “Trois éléments nous permettent de
société, um choix politique”, como diriam os donner um contenu à la notion de discriminati-
juristas da escola francesa. No plano jurídi- on positive telle qu’elle sera utilisée par la suite.
co, não há dúvidas quanto à sua viabilida- Pour identifier une discrimination positive, il
de, como se tentou demonstrar. Resta, tão faut que l’on soit en présence d’un groupe
somente, escolher os critérios, as modalida- d’individus suffisamment défini, d’une discri-
des e as técnicas adaptáveis à nossa reali- mination structurelle dont les membres de ce grou-
dade, cercando-as das devidas cautelas e pe sont victimes, et enfin d’un plan établissant
salvaguardas. des objectifs et définissant des moyens à mettre

146 Revista de Informação Legislativa


en oeuvre visant à corriger la discrimination lizados, além do sistema de cotas, o método
envisagée. Selon les cas, le plan est adopté, voire do estabelecimento de preferências, o siste-
imposé par une autorité publique ou est le fruit ma de bônus e os incentivos fiscais (como
d’une initiative privée”. instrumento de motivação do setor priva-
Sem dúvida, os critérios acima estabele- do). De crucial importância é o uso do po-
cidos são um ótimo ponto de partida para o der fiscal, não como mecanismo de aprofun-
estabelecimento de ações afirmativas no Bra- damento da exclusão, como é da nossa tra-
sil. Porém, falta ao Direito brasileiro um dição, mas como instrumento de dissuasão
maior conhecimento das modalidades e das da discriminação e de emulação de compor-
técnicas que podem ser utilizadas na im- tamentos (públicos e privados) voltados à
plementação de ações afirmativas. Entre nós, erradicação dos efeitos da discriminação de
fala-se quase exclusivamente do sistema de cunho histórico.
cotas, mas esse é um sistema que, a não ser Noutras palavras, ação afirmativa não
que venha amarrado a um outro critério in- se confunde nem se limita às cotas. Confira-
questionavelmente objetivo27, deve ser objeto se, sobre o tema, as judiciosas considerações
de uma utilização marcadamente marginal. feitas por Wania Sant’Anna e Marcello Pai-
Com efeito, o essencial é que o Estado xão, no interessante trabalho intitulado
reconheça oficialmente a existência da dis- “Muito Além da Senzala: Ação Afirmativa
criminação racial, dos seus efeitos e das suas no Brasil”, verbis:
vítimas, e tome a decisão política de enfren- “Segundo Huntley, ‘ação afirma-
tá-la, transformando esse combate em uma tiva é um conceito que inclui diferen-
política de Estado. Uma tal atitude teria o tes tipos de estratégias e práticas. To-
saudável efeito de subtrair o Estado brasi- das essas estratégias e práticas estão
leiro da ambigüidade que o caracteriza na destinadas a atender problemas his-
matéria: a de admitir que existe um proble- tóricos e atuais que se constatam nos
ma racial no país e ao mesmo tempo furtar- Estados Unidos em relação às mulhe-
se a tomar medidas sérias no sentido de res, aos afro-americanos e a outros gru-
minorar os efeitos sociais dele decorrentes. pos que têm sido alvo de discrimina-
Em segundo lugar, é preciso ter clara a ção e, conseqüentemente, aos quais se
idéia de que a solução ao problema racial tem negado a oportunidade de desen-
não deve vir unicamente do Estado. Certo, volver plenamente o seu talento, de
cabe ao Estado o importante papel de im- participar em todas as esferas da so-
pulsão, mas ele não deve ser o único ator ciedade americana. (...) Ação afirma-
nessa matéria. Cabe-lhe traçar as diretrizes tiva é um conceito que, usualmente,
gerais, o quadro jurídico à luz do qual os requer o que nós chamamos metas e
atores sociais poderão agir. Incumbe-lhe re- cronogramas. Metas são um padrão
mover os fatores de discriminação de ordem desejado pelo qual se mede o progres-
estrutural, isto é, aqueles chancelados pe- so e não se confunde com cotas. Opo-
las próprias normas legais vigentes no país, sitores da ação afirmativa nos Esta-
como ficou demonstrado acima. Mas as po- dos Unidos freqüentemente caracteri-
líticas afirmativas não devem limitar-se à zam metas como sendo cotas, suge-
esfera pública. Ao contrário, devem envol- rindo que elas são inflexíveis, absolu-
ver as universidades, públicas e privadas, tas, que as pessoas são obrigadas a
as empresas, os governos estaduais, as mu- atingi-las’.
nicipalidades, as organizações governamen- A política de ação afirmativa não
tais, o Poder Judiciário etc. exige, necessariamente, o estabeleci-
No que pertine às técnicas de implemen- mento de um percentual de vagas a
tação das ações afirmativas, podem ser uti- ser preenchido por um dado grupo da

Brasília a. 38 n. 151 jul./set. 2001 147


população. Entre as estratégias pre- Direito. Para se evitar que o extremo
vistas, incluem-se mecanismos que oposto sobreviesse é que os planos e
estimulem as empresas a buscarem programas de ação afirmativa adota-
pessoas de outro gênero e de grupos dos nos Estados Unidos e em outros
étnicos e raciais específicos, seja para Estados primaram sempre pela fixa-
compor seus quadros, seja para fins ção de percentuais mínimos garanti-
de promoção ou qualificação profis- dores da presença das minorias que
sional. Busca-se, também, a adequa- por eles se buscavam igualar, com o
ção do elenco de profissionais às rea- objetivo de se romperem preconceitos
lidades verificadas na região de ope- contra elas ou pelo menos propicia-
ração da empresa. Essas medidas es- rem-se condições para a sua supera-
timulam as unidades empresariais a ção em face da convivência juridica-
demonstrar sua preocupação com a mente obrigada. Por ela, a maioria te-
diversidade humana de seus quadros. ria que se acostumar a trabalhar, a
Isto não significa que uma dada estudar, a se divertir etc. com os ne-
empresa deva ter um percentual fixo gros, as mulheres, os judeus, os orien-
de empregados negros, por exemplo, tais, os velhos etc., habituando-se a vê-
mas, sim, que esta empresa está de- los produzir, viver, sem inferioridade
monstrando a preocupação em criar genética determinada pelas suas ca-
formas de acesso ao emprego e ascen- racterísticas pessoais resultantes do
são profissional para as pessoas não grupo a que pertencessem. Os planos
ligadas aos grupos tradicionalmente e programas das entidades públicas e
hegemônicos em determinadas fun- particulares de ação afirmativa dei-
ções (as mais qualificadas e remune- xam sempre à disputa livre da maio-
radas) e cargos (os hierarquicamente ria a maior parcela de vagas em esco-
superiores). A ação afirmativa parte las, empregos, em locais de lazer etc.,
do reconhecimento de que a compe- como forma de garantia democrática
tência para exercer funções de respon- do exercício da liberdade pessoal e da
sabilidade não é exclusiva de um de- realização do princípio da não discri-
terminado grupo étnico, racial ou de minação (contido no princípio cons-
gênero. Também considera que os fa- titucional da igualdade jurídica) pela
tores que impedem a ascensão social própria sociedade”.
de determinados grupos estão imbri-
cados numa complexa rede de moti-
vações, explícita ou implicitamente,
preconceituosas”28.
Por fim, no que diz respeito às cautelas a Notas
serem observadas, valho-me mais uma vez 1
Veja-se a bem elaborada e exaustiva mono-
dos ensinamentos da Prof. Carmem Lúcia grafia de Guilherme Machado Dray (1999).
Antunes Rocha29, verbis:
2
V. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Ação afir-
mativa: o conteúdo democrático do princípio da
“É importante salientar que não se igualdade jurídica. Revista Trimestral de Direito
quer verem produzidas novas discri- Público. n. 15/85, p. 86.
minações com a ação afirmativa, ago- 3
V. especialmente a Convenção da ONU sobre
ra em desfavor das maiorias, que, sem a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
serem marginalizadas historicamen- Racial (1965); a Convenção da ONU sobre a Elimi-
nação de todas as Formas de Discriminação contra
te, perdem espaços que antes deti- a Mulher (1979); o Pacto Internacional sobre Direi-
nham face aos membros dos grupos tos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); o Pacto
afirmados pelo princípio igualador no Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966).

148 Revista de Informação Legislativa


4
Ainda que timidamente, as elites dirigentes d’un individu ou d’un groupe d’individus, qui a pour
brasileiras começam a se expressar publicamente a effet d’imposer à cet individu ou à ce groupe des far-
respeito da urgente necessidade de se enfrentar com deaux, des obligations ou des désavantages non imposés
responsabilidade e conseqüência o problema racial à d’autres ou d’empêcher ou de restreindre l’accès aux
brasileiro. Cogita-se, veladamente, nos círculos go- possibilites, aux bénéfices et aux avantages offerts à
vernamentais, da introdução de uma ou outra for- d’autres membres de la société”. (Corte Suprema do
ma de ação afirmativa. Num brilhante artigo recen- Canadá, Andrews v. Law Society of British Columbia,
temente publicado, ninguém menos do que o Vice- 2-2-89, RCS, p. 143, Dominion Law Reports, 56,
Presidente da República, Marco Maciel, abordou 4d, p. 1).
de maneira corajosa e apropriada a questão. Disse 6
Ver Bergman (1996), Caplan (1997), Rosen-
S. Exa: “As formas ostensivas e disfarçadas de ra- feld (1991), Urofsky (1991), Bowen (1998), Gun-
cismo que permeiam nossa sociedade há séculos ther (1997), Tribe (1988), Lockhart (1995), O’Brien
sob a complacência geral e a indiferença de quase (1997), Carter (1991), Crenshaw (1995), Harris
todos são parte dessa obra inacabada, inconclusa, (1994), Hellman (1998), Higginbotham Junior
de cujos efeitos somos responsáveis. A riqueza da (1996), Issacharoff ([19- -]), Kostka (1996), Liu
diversidade cultural brasileira não serviu, em ter- (1998), Reskin (1998), Abraham (1999), strum
mos sociais, senão para deleite intelectual de al- (1996), Stephanopoulos (1995), Mishkin ([19- -]),
guns e demonstração de ufanismo de muitos. Ter- Beaud (1984), Shmidt (1987).
minamos escravos do preconceito, da marginaliza- 7
V. Bernardette Renauld (1997).
ção, da exclusão social e da discriminação que ca- 8
Para um tratamento da questão de minorias
racterizam o dualismo social e econômico do Bra- na perspectiva do Direito Internacional, veja-se Gabi
sil. É chegada a hora de resgatarmos esse terrível Wucher (1999).
débito que não se inscreve apenas no passivo da 9
V. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Ação afir-
discriminação étnica, mas sobretudo no da quimé- mativa: o conteúdo democrático do princípio da
rica igualdade de oportunidades virtualmente as- igualdade jurídica. Revista Trimestral de Direito
seguradas por nossas constituições aos brasileiros Público. n. 15/96; veja-se igualmente, numa pers-
e aos estrangeiros que vivem em nosso território pectiva mais ampla, o excelente paper. A constitui-
(...). O Brasil terá de convencer-se de que os negros ção aberta e atualidades dos direitos fundamentais
e seus descendentes deixarão de ser minoria no pró- do homem ”, de Carlos Roberto de Siqueira Castro,
ximo século, pois já representam maioria em três tese de concurso público de titularidade na Faculda-
das cinco regiões brasileiras (...). Vencer o precon- de de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, 1995, ainda
ceito que se generalizou e tornar evidente o débito não publicado; Wania Sant’Anna e Marcello Paixão,
de sucessivas gerações de brasileiros para com a Muito além da senzala: ação afirmativa no Brasil.
herança da escravidão que se transformou em dis- 10
V. ROCHA Carmen Lúcia Antunes., Ação
criminação são apenas parte do desafio. Se vamos afirmativa: o conteúdo democrático do princípio
consegui-lo com o sistema de quotas compulsórias da igualdade jurídica, Revista Trimestral de Direito
no mercado de trabalho e na universidade, como Público. n. 15/85.
nos Estados Unidos, ou se vamos estabelecê-las 11
V. American Apartheid - Massey & Denton,
também em relação à política, como acaba de fazer 1993; America Unequal - Danziger & Gottschalk,
a lei eleitoral, com referência às mulheres, é uma 1995.
incógnita que de antemão ninguém ousará respon- 12
Nos primeiros dias de novembro de 2000,
der. Não tenho dúvida de que se não tivesse havido precisamente no momento em que concluíamos a
discriminação econômica, não teria havido exclu- elaboração deste paper, o Governo do Presidente
são social. Sem uma e a outra a discriminação raci- Fernando Henrique Cardoso anunciou, em atitude
al não teria encontrado o campo em que plantou inédita na nossa história jurídico-política, uma me-
raízes. O caminho da ascensão social, da igualda- dida que se enquadra perfeitamente nessa modali-
de jurídica, da participação política, terá de ser dade de ação afirmativa: a nomeação da juíza El-
cimentado pela igualdade econômica que, em nos- len Gracie Northfleet para o cargo de Ministra do
so caso, implica o fim da discriminação dos salári- Supremo Tribunal Federal, uma decisão tardia e
os, maiores oportunidades de emprego e participa- que seguramente jamais se teria concretizado sem
ção na vida pública (...)” (Folha de São Paulo, p. A- o esforço “afirmativo” do Chefe de Estado e de
3, 18 nov. 2000). alguns dos seus colaboradores e interlocutores do
5
A esse respeito, confira-se a definição de dis- meio jurídico, ou seja, pessoas que, a par da for-
criminação extraída da decisão “Andrews”, profe- mação jurídica clássica, são dotadas de uma “lon-
rida pela Corte Suprema do Canadá: discrimination gue vue” e perceberam que seria insustentável, a
est “une distinction, intentionelle ou non, mais fondée médio prazo, a discriminação “oficiosa” de que
sur des motifs relatifs à des caractéristiques personnelles ainda são vítimas as mulheres no aparelho judiciá-

Brasília a. 38 n. 151 jul./set. 2001 149


rio brasileiro: não obstante constituírem quase a qualidade, são reduto exclusivo da elite branca.
metade do contingente total de juízes do país, elas Raramente nelas se encontram negros nos quadros
exercem suas funções majoritariamente em primei- docente e discente. O estudante ou o “scholar” em
ra instância, umas poucas em segunda instância e busca de comportamentos e pontos de vista diver-
há até bem pouco nenhuma nos Tribunais Superio- sificados nelas não encontrarão um terreno fértil.
res. Portanto, a nomeação da Juíza Northfleet pode Daí a indagação: não seria essa, no fundo, uma das
vir a simbolizar o fim dessa “hierarquização oficio- explicações para a enorme distância existente entre
sa”, que é, como sabemos, uma clara submanifes- o Direito ensinado nas nossas Universidades e o
tação da discriminação. V. nota seguinte. Direito que prevalece na realidade concreta? Não
13
“Glass Ceiling” é a expressão utilizada pelos estaríamos criando, graças a essa clivagem social
norte-americanos para designar as barreiras artifi- que tanto nos marca, aquilo que os franceses deno-
ciais e invisíveis que obstaculizam o acesso de ne- minam “un Droit à deux vitesses”? Não seria o
gros e mulheres qualificados a posições de poder e Direito ensinado em nossas faculdades vocaciona-
prestígio, limitando-lhes o crescimento e o progres- do à perpetuação do “pensamento único”, já que é
so individual. O reconhecimento oficial da existên- ministrado em ambiente infenso à pluralidade de
cia desses obstáculos artificiais se deu por ocasião pontos de vista tão inerente à própria idéia de “uni-
da promulgação pelo Congresso do Civil Rights Act versidade”? Para efeito de análise comparativa, v.
de 1991, que criou a “Glass Ceiling Commission”, em nosso “Ação afirmativa & princípio constituci-
um órgão consultivo de natureza colegiada, com- onal da igualdade (2001) o anexo contendo tradu-
posto por 21 membros nomeados pelo Presidente ção da decisão proferida pela Corte Suprema dos
da República e por líderes do Congresso, com a EUA no caso “Regents of the University of Califor-
incumbência de identificar as barreiras invisíveis e nia v. Bakke”, bem como nossos comentários sobre
propor medidas hábeis a criar oportunidades de essa seminal decisão.
acesso de minorias a posições de mando e prestígio 16
Interessante sob o prisma da reflexão jurídica
na órbita econômica privada. A referida Comissão de natureza comparativa é a inteligência dada pela
constatou que, apesar dos avanços obtidos graças Corte Suprema do Canadá ao art. 15 da Carta de
ao movimento dos direitos civis, no ano de 1995, Direitos e Liberdades, de 1982, assim vazado: “La
97% dos cargos executivos superiores das 1000 loi ne fait acception de personne et s’applique éga-
maiores empresas relacionadas pela revista Fortu- lement à tous, et tous ont droit à la même protecti-
ne eram ocupados por pessoas brancas e do sexo on et au même bénéfice de la loi, indépendamment
masculino. Vale dizer, um índice injustificável sob de toute discrimination, notamment des discrimi-
qualquer critério, haja vista que 57% da força de nations fondées sur la race, l’origine nationale ou
trabalho americana compõe-se de representantes ethnique, la couleur, la religion, le sexe, l’âge ou les
do sexo feminino ou de minorias, ou de ambos. V. déficiences mentales ou physiques”. No artigo su-
Rosana Heringer, op. cit. pracitado, Bernadette Renauld nos dá conta do
14
Confira-se, a esse respeito, a chocante decla- modo como a Corte Suprema do Canadá interpre-
ração de um eminente professor da Faculdade de ta o princípio geral da igualdade, corporificado no
Direito da USP: “A Constituição dispõe que o ensi- artigo da Carta aqui transcrito, verbis: “Il ressort de
no será ministrado com base no princípio da “igual- l’arrêt Andrews que les droits garantis à l’article 15
dade de condições” para acesso e permanência na de la Charte existent exclusivement au profit des
escola; no entanto, dando aulas há 28 anos na Fa- groupes qui sont susceptibles d’être ou qui sont
culdade de Direito da USP, para, em média, 250 effectivement victimes de discrimination au sein de
alunos por ano, e tendo tido aproximadamente 7.000 la société canadienne. Par là, la Cour interprète cet-
alunos, dou meu testemunho de que nem cinco eram te disposition non pas comme un droit general à
negros!”(Professor Antonio Junqueira de Azevedo. l’égalité, mais bien comme une protection spécifi-
Folha de São Paulo de 15 nov. 1996, sp. 2-3). que contre la discrimination au profit des groupes
15
Na linha da afirmação do ilustre Professor da minorisés ou plus faibles. Est discriminatoire une
USP (v. nota anterior), permitam-nos os leitores mesure qui aggrave la situation de groupes au détri-
deste ensaio o acréscimo de uma imprópria obser- ment desquels existe dans la société une discrimination
vação de cunho pessoal: em vinte e cinco anos de historique, sociétaire ou systémique”. Bernadette Re-
contato ininterrupto com a ciência jurídica, onze nauld, op. cit. p. 456 (s/grifos).
deles em bancos de faculdades de Direito espalha- 17
Eis aí uma modalidade explícita de ação afir-
das por mais de um Continente, começando pela mativa, tendo como beneficiário não um indivíduo
saudosa e querida UnB (1975-1982), tivemos opor- ou um grupo social, mas uma determinada cate-
tunidade de constatar, em análise comparativa, a goria de empresa.
gravidade da situação brasileira. Nossas faculda- 18
CUNHA, Elke Mendes e FRISONI, Vera Bol-
des de Direito, notadamente as públicas, de boa cioni Igualdade: extensão constitucional. Cadernos

150 Revista de Informação Legislativa


de Direito Constitucional e Ciência Política. Ano 4, n. 26
FALCÃO, Joaquim de Arruda. Op. Cit. p.
16, p. 248-267, jul./set. 1996. (Citando as três im- 302-310.
portantes observações acerca da declaração de di- 27
Cite-se, à guisa de exemplo, alguns planos
reitos da Constituição de 1988, feitas pela ilustre de ação afirmativa que vêm sendo formulados
prof. Flávia Piovesan, em aula por esta proferida na esfera dos Estados, instituindo cotas nas uni-
para o Concurso para Assistente-Mestre, cadeira versidades estatais para alunos egressos das
de Direito Constitucional, Graduação Direito, PUC/ escolas públicas. Nesses casos, coexistem lado
SP, em dezembro de 1994). a lado: a) um critério objetivo (aluno de escola
19
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Ação afir- pública); b) a cota; c) um fator oculto: o fator
mativa: o conteúdo democrático do princípio da racial. O fator oculto representa a maneira evasiva,
igualdade jurídica, Revista Trimestral de Direito fugidia, envergonhada, bem brasileira, de tratar da
Público. n. 15/96, p. 85. questão racial. Mas ninguém tem dúvida: a maio-
20
A Lei 9.100/95 expressamente instituiu o ria esmagadora dos negros brasileiros estudam em
percentual mínimo de 20% de mulheres candidatas escolas públicas. Portanto, eles serão os maio-
às eleições municipais do ano de 1996, com o obje- res beneficiários desses projetos. Daí a reação
tivo de aumentar a representação das mulheres nas dos que tradicionalmente se beneficiaram da
instâncias de poder. Posteriormente a Lei 9.504/97 exclusão...
aumentou o percentual para 30% (ficando definido 28
Disponível em: www.ibase.org.br/paginas/
um mínimo de 25%, transitoriamente, em 1998), wania.html
estendendo a medida às outras entidades compo- 29
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Op. Cit. p.
nentes da Federação, e também ampliando em 50% 88.
o número das vagas em disputa.
21
Por exemplo, na esfera municipal, após as elei-
ções de 1996, verificou-se um aumento de 111% das
vereadoras eleitas em relação às eleições municipais
anteriores. Assim, tomando-se como referência o ano Bibliografia
de 1982, porque coincide com o início da abertura
política no país, verifica-se que o percentual de vere- ABRAMAM, Morris B. affirmative action: fair sha-
adoras correspondia a 3,5% do total; em 1992, o ckers and social engineers. Havard Law Review. 99/
índice situava-se na faixa dos 8%; e nas eleições de 1312.
1996, esse percentual passa a corresponder a 11%
BEAUD, Olivier. L’ affirmative action aux États –
do total de representantes nas Câmaras Municipais.
Unis: une discrimination à rebours. Revul Internati-
22
V. TOURARD (2000), Steiner (2000), Trinda-
onale de Droit Comparé. n. 3, p. 503, 1984.
de (1997), Mello (1994), Castro (1995), Piovesan
(1996), sarlet (2000). BERGMANN, Barbara. Defense of affirmative action.
23
Note-se, porém, que nesse ponto doutrina e New York: Basic Books, 1996.
jurisprudência divergem, eis que o Supremo Tribu-
nal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm-se BOWER, Willian G.; Bok, Derek. The shape of the
posicionado no sentido de que os tratados interna- river – long – tern consequences of considering race in
cionais possuem, no nosso ordenamento jurídico, college and university admissions. Prince ton Univer-
status de lei ordinária. sity, 1998.
24
FALCÃO, Joaquim de Arruda. Op. Cit. p. CAPLAN, Lincoln. Up against the law: affirmative
302-310. action and the supreme court. New York: the Twen-
25
Celso Antônio Bandeira de Mello, em “Dese- tieth Century Fund , 1997.
quiparações Proibidas, Desequiparações Permiti-
das”, afirma que “o que se tem que indagar para CARTER, Stephen. Reflections of affirmative action
concluir se uma norma desatende a igualdade ou baby. New York: Basic Books, 1991.
se convive bem com ela é o seguinte: se o tratamento CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. A constituição
diverso outorgado a uns for justificável, por existir uma aberta e atualidades dos direitos do homem. [S.L.: s.n.],
correlação lógica entre o fator de discrimen tomado em 1995.
conta e o regramento que se lhe deu, a norma ou a
conduta são compatíveis com o princípio da igualdade; CRENSHAW, Kimberle et al. Critical race theory: the
se pelo contrário, inexistir esta relação de congruência Key writings that formed the moviment. 1995.
lógica ou – o que ainda seria mais flagrante – se nem ao
DRAY, Guiherme Machado. O princípio da igualda-
menos houvesse um fator de discrimen identificável, a
de no direito do trabalho. Coimbra: Livraria Almedi-
norma ou a conduta serão incompatíveis com o princípio
na, 1999.
da igualdade”.

Brasília a. 38 n. 151 jul./set. 2001 151


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152 Revista de Informação Legislativa

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