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6.

AEROTRIANGULAÇÃO ANALÍTICA

6.1 REVISÃO INICIAL

No capítulo anterior, foi apresentada a resseção espacial como


método de obtenção dos seis parâmetros da orientação exterior (X0, Y0, Z0,
φ, ω e κ) para cada uma das imagens. Mais adiante, demonstrou-se que,
uma vez já conhecidos estes valores, pode-se aplicar um outro algoritmo,
chamado interseção espacial, com o intuito de se conhecer as coordenadas
de campo de qualquer ponto que se localize em, pelo menos, duas
imagens (ou seja, em pelo menos um modelo estereoscópico). A figura
6.1 evidencia este caso simplificadamente:

Figura 6.1 – Triângulo formado no espaço entre os feixes perspectivos e a linha de vôo

6.1
Coincidentemente com essa valiosa ferramenta de obtenção de
coordenadas de pontos, percebe-se uma certa dificuldade de obtenção de
pontos de campo em quantidade desejável. Sabe-se que as precisões
para coordenadas de pontos requeridas pela fotogrametria não estão
entre as mais restritivas, mas, na maior parte dos casos, demandam
posicionamento geodésico por satélites (figura 6.2) com precisão
submétrica, o que exige tempo de ocupação prolongado, especialmente
para bases longas. Em lugares distantes de referências de nível ou
quaisquer outros tipos de marcos de altitude, outros métodos devem ser
adotados, como a barometria, por exemplo. Em áreas de floresta ou com
densa cobertura, os métodos de topografia clássica (como a poligonação,
por exemplo) são a única opção que resta à equipe de campo,
prolongando o tempo consumido e aumentando os custos do projeto.
Conclui-se, a partir do apresentado, que qualquer método que se
apresente de modo a minimizar este dispêndio de tempo e recursos torna-
se extremamente atraente.

Figura 6.2 – Equipe de campo, executando trabalho de posicionamento


geodésico por satélite (cortesia: 4a Divisão de Levantamento do Exército
Brasileiro – Manaus, Brasil)

Neste ponto, uma solução pode ser proposta: a execução de


interseção espacial em pares de imagens já orientadas, de modo a se
densificar o número de pontos de coordenadas de terreno conhecidas.
Um problema relacionado a essa solução seria o trabalho computacional

6.2
envolvido em realizar-se um ajustamento para cada ponto a ser
determinado. Além disso, os pontos imageados podem estar presentes
em até seis imagens ao mesmo tempo. Perder-se-ia, neste método, a
superabundância de dados, que poderia vir a melhorar ainda mais a
qualidade dos dados ajustados (figura 6.3).

Figura 6.3 – Interseção espacial para seis imagens

Ao fim dessa discussão, verifica-se que a interseção espacial ainda


não é a solução definitiva para o problema. Deseja-se algo que vá mais
além: uma solução que tenha o mínimo de esforço computacional (ou
seja, um algoritmo único), com o mínimo de pontos de coordenadas de
terreno conhecidas e aproveitando ao máximo a superabundância de
dados existente.

6.2 DEFINIÇÃO

A aerotriangulação por ajustamento de feixes perspectivos (bundle


adjustment) pode ser entendida como sendo a execução de uma resseção
espacial simultaneamente à execução da interseção espacial para um conjunto
de imagens digitais adquiridas sobre determinado trecho do terreno. Dessa

6.3
forma, com um só ajustamento, obtêm-se os parâmetros da orientação
exterior para todas as imagens do vôo, associados às coordenadas no
espaço-objeto (sistema de terreno) de uma série de pontos previamente
medidos sobre as imagens e de poucos pontos medidos “in situ”. O nome
aerotriangulação deriva da formação de triângulos no espaço, quando da
interseção espacial. É um método, portanto, de densificação de pontos de
campo. Entretanto, não é capaz de realizar milagres. Seu uso com
parcimônia garante um excelente aproveitamento dos recursos
disponíveis, mas, para isso, convém seguir as regras descritas a partir do
tópico seguinte.
Antes de passar a ele, é importante realizar-se uma pequena
observação quanto aos métodos anteriores de aerotriangulação: analógica
e semi-analítica (por modelos independentes). O método analógico já de
há muito tempo está em desuso, e pressupunha a realização das ligações
entre os modelos com intervençào humana, forçando-se as coordenadas
dos modelos anteriores a coincidirem com a dos posteriores em aparelhos
analógicos. O método de modelos independentes (figura 6.4) ainda é
usado nas organizações que empregam métodos de restituição semi-
analítica (ou analógica assistida por computador). Primeiramente, cada
modelo é medido em aparelho restituidor. Feito isso, estes são
conectados através de solução analítica (computacional), chegando-se ao
conhecimento dos modelos de transformação para as faixas e para o
bloco.

Figura 6.4 – Aerotriangulação por modelos independentes

O método por ajustamento de feixes perspectivos, adotado como


padrão no decorrer desse texto é o único que pode ser considerado

6.4
totalmente analítico. É utilizado pela maior parte dos restituidores
analíticos e soluções digitais atuais.

6.3 PREPARO DA AEROTRIANGULAÇÃO

Para que a aerotriangulação atinja resultados satisfatórios, deve-se


dispor de dados iniciais de qualidade, porém, sem levar a dispêndios
excessivos. Esses dados iniciais compõem-se, no caso do ajustamento
por modelos independentes, obrigatoriamente, de pontos HV e pontos V.
Para o caso do ajustamento por feixes perspectivos, convencionou-se
adotar a mesma padronização, por costume, embora ela não seja
necessária.
Os pontos HV, ou de duplo apoio, possuem coordenadas
planimétricas e altimétricas conhecidas. Já os pontos V, ou pontos de
apoio vertical dispõem apenas de sua altitude como dado de entrada.
O espaçamento da distribuição de cada um destes tipos de pontos
segue as fórmulas de H. M. Karara (extraídas de T34-304, 1984), a saber:
Espaçamento do apoio planimétrico:

25000dcarta
n=0,047 (6.1)
dfoto

Espaçamento do apoio entre as linhas de apoio altimétrico:

Ü0 Z 2
ÜH= ¢2,304B0,506NA0,250N2 £ (6.2)
Bf

onde:
n é o espaçamento do apoio planimétrico;
dcarta é o denominador da escala da carta;
dfoto é o denominador da escala da foto;
N é o espaçamento do apoio entre as linhas de apoio altimétrico;

6.5
µ0 = 0,01 mm;
µH = 0,5 (equidistância das curvas de nível)/1,66;
Z é a altura de vôo em metros;
B é a aerobase em metros;
f é a distância focal da câmara em milímetros.

Os pontos de duplo apoio são colocados na periferia do bloco, de


acordo com o espaçamento previamente calculado (no sentido da faixa,
usar o espaçamento planimétrico e no sentido perpendicular às faixas, o
espaçamento entre as linhas de apoio altimétrico). No mínimo, deve haver
um ponto HV em cada canto do bloco. Os pontos de apoio vertical são
distribuidos ao longo das linhas formadas pelos pontos HV,
perpendicularmente às linhas de de vôo. Eles devem ser posicionados na
superposição lateral entre modelos pertencentes a duas faixas diferentes.
A figura 6.5 mostra um caso em que o espaçamento planimétrico é
igual a 4 modelos e o espaçamento entre as linhas de apoio altimétrico é
igual a 5 modelos.

Figura 6.5 – Exemplo de arranjo de pontos V e HV em um bloco

Os pontos devem ser escolhidos em lugares nítidos,


preferencialmente de fácil acesso, como cantos de cercas, estradas ou
construções. Consideram-se más escolhas árvores, regiões homogêneas

6.6
e locais próximos de espelhos d'água.
Os pontos escolhidos são marcados em cópias das fotos do vôo,
através de circunferências desenhadas com lápis dermatográfico. A
equipe de campo usará esta informação para determinar as coordenadas
de terreno dos pontos escolhidos. No verso da foto, ou em fichas
especiais, é desenhado um croqui ou é anexada uma foto da localização
exata do ponto. Outras informações pertinentes também podem ser
anotadas (descrição do itinerário realizado para chegar-se ao ponto,
pontos notáveis próximos, etc.).
Em casos especiais, pode-se contar com a pré-sinalização, que é a
marcação in loco dos pontos a serem coletados antes da execução do
vôo. Ao serem fotografadas, os sinais ficam visíveis nas fotos (figura 6.6),
acelerando o processo de identificação. Trata-se de um método caro,
sendo pouco usual, exceto em vôos de calibração ou treinamento.

Figura 6.6 – Ponto pré-sinalizado (fonte:


Wild-Heerbrugg Training Programme)

6.4 DADOS ADICIONAIS

Ainda há outros dados podem ser inseridos, como injunções


adicionais. Entre eles, pode-se citar:

- Pontos de lago – No mínimo em três modelos diferentes, valem-se da


propriedade de a superfície de corpos d'água manter-se com altitude
6.7
constante (figura 6.7).
- Estatoscópio e APR (Air Profile Recorder) – Estes dispositivos dão
valores aproximados da altura de vôo em relação a uma superfície
isobárica e/ou ao terreno no momento da tomada da foto. Podem ser
arrolados como estimativas iniciais para Z0.

Figura 6.7 – Pontos de lago (todos têm a mesma altitude)

- Vôo apoiado por GPS – Utiliza-se o modo cinemático, podendo ser pós-
processado. Colocam-se antenas nas asas e no dorso do avião durante o
vôo, permitindo o conhecimento automático dos parâmetros de orientação
exterior para cada tomada da foto (com precisão posicional centimétrica).
Não sendo necessária a execução da orientação exterior, este caso
dispensa o conhecimento de coordenadas de quaisquer pontos de campo.
Caso seja usado o modo RTK (Real Time Kinematic – método de
posicionamento relativo cinemático em tempo real), pode-se até mesmo
realizar-se o restante da aerotriangulação em tempo real (on-the-fly). É
muito empregado em sistemas orbitais de fotogrametria.
- Imagens adicionais – Podem ser fotografias não-métricas, vôos antigos
ou imagens de satélite. O método analítico permite que imagens de
diversas fontes sejam anexadas ao bloco, uma vez que depende-se
apenas das equações de colinearidade. Cada imagem é equacionada a
partir de seus próprios parâmetros de orientação interior e exterior
6.8
(distância focal, parâmetros de transformação imagem/câmara, X0, Y0, Z0,
φ, ω e κ). Algumas soluções dispõem desta opção, considerada,
juntamente com o vôo apoiado por GPS o estado da arte em termos de
aerotriangulação.

6.5 CONCLUSÃO

A aerotriangulação representa um grande avanço nas técnicas


fotogramétricas, por permitir a obtenção de coordenadas de vários pontos
no terreno a partir da interpolação de apenas alguns pontos de campo,
racionalizando custos na produção fotogramétrica.
Por se tratar de um processo de interpolação, não é absolutamente
perfeito, porém, se respeitadas as precisões adequadas a cada escala na
obtenção dos pontos de apoio básicos, chega-se a resultados aceitáveis
para o mapeamento topográfico. Os parâmetros obtidos na
aerotriangulação são essenciais nas práticas posteriores da retificação,
ortorretificação e restituição. Ressalta-se aí a importância fundamental
desta tarefa, sendo então essencial a sua realização criteriosa.

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6.9
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