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Resumo – Em janeiro de 2014, nos dias 12 e 13, chuvas intensas e concentradas atingiram a
região sul do estado de São Paulo. O evento pluviométrico gerou inundações em extensas áreas,
deslizamentos generalizados em encostas naturais e corridas de massa (lama, detritos e material
vegetal). As inundações, repentinas, causaram grandes impactos econômicos e sociais nas áreas
de baixada. A maior parte dos deslizamentos ocorreu em setores preservados das encostas, em
cotas elevadas, mobilizando solo e rocha. As corridas de massa se desenvolveram em, pelo
menos, duas linhas principais de drenagem, causando grandes mobilizações de blocos de rocha
e intensa erosão lateral e do leito dos córregos. Nesse sentido, o objetivo principal do artigo é
apresentar o registro de uma corrida de detritos (debris flow) no córrego Guarda Mão, bacia
localizada no município de Itaoca, Vale do Ribeira (SP). O artigo busca apresentar as feições
sedimentares geradas por esse processo, seu raio de alcance, trajetória do fluxo, impacto e
aspectos fisiográficos das bacias de drenagem. Verificou-se que os aspectos relacionados à
geologia e ao relevo são extremamente favoráveis à geração e desenvolvimento desses tipos de
movimentos de massa, com destaque para amplitude das bacias, declividade dos canais de
drenagem, inclinação das encostas no entorno das linhas de drenagem e materiais presentes no
leito e nos taludes marginais.
Abstract – On January 13, 2014 an extreme precipitation event produced landslides, debris flows
and flash floods in two basins. The study area is located in the “Guarda Mão” watershed, Itaoca
municipality, about 348 km southern of Sao Paulo city. This catchment’s area has an extend
2
7,16 km , range in altitude between of 150 and 980 m and its length 4 km, whit a mean annual
rainfall about 2000 mm. The lithological characteristics of the basin are very homogeneous,
because the bedrock is constituted by granitic rocks, little fractured and highly weathered, with
presence of large rounded rock blocks. The Itaoca granitoid massif covers an area above 200 km
and is believed to be part of the Ribeira Folded Belt being confined to the Ribeira Valley, wich
occupies the south-southeast part of the State of São Paulo, southern Brazil. The batholith is
intrusive and emplaced into metasedimentary rocks of the Lajeado Sub-group. The debris flow
and flash floods occurred during convective summer storms with intensities of rain of the order of
210 mm/2 h. The damage caused by the occurrence of debris flow included destruction of
plantations, houses, bridges, roads, 2 missing and 25 dead. The shallow landslides are the kind of
mass movement more frequent in this region. In spite of this, many recent debris flow events have
been registered in the Serra Mar mountain range. The results confirmed the high landslide natural
susceptibility of this region.
1
Geólogo, Mestre, Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, (11) 3767-4642, mgramani@ipt.br
A quantidade de corridas de massa (lama e detritos), em várias regiões serranas do país, tem
aumentado nos últimos anos. Esses eventos têm causado significativo impacto e danos diversos
em muitas áreas urbanas e rurais, geralmente associados a períodos de alta intensidade de
chuva concentrados em curtos intervalos de tempo.
Dentre os eventos mais recentes, tem se a corrida de detritos, seguida de inundação brusca,
no município de Itaoca, distante cerca de 348 km da cidade de São Paulo. As bacias afetadas
pelos processos correspondem às do córrego Guarda-Mão e Gorutuba (deslizamentos e corridas
de massa) e os rios Palmital e Funil (inundações). Os danos verificados na região incluem a
destruição de plantações, moradias, pontes, estradas, 25 mortos e 2 desaparecidos, além da
intensa mobilização vegetal e assoreamento de muitos pontos do rio Palmital e Funil.
Esses acidentes ocorreram entre os dias 12 e 13 de janeiro de 2014, e foram resultados de
precipitações extremas, localizadas no sul do estado de São Paulo, na bacia do rio Ribeira de
Iguape. Destacam-se os deslizamentos, as corridas de massa e as inundações bruscas. A maior
parte dos deslizamentos ocorreu em setores preservados das encostas, em cotas elevadas,
mobilizando solo e rocha. As corridas de massa se desenvolveram em pelo menos duas linhas
principais de drenagem, causando grandes mobilizações de blocos de rocha e intensa erosão
lateral e do leito dos córregos. Associado a esses processos, um grande volume de massa
vegetal foi transportado, por longas distâncias, potencializando o impacto nas áreas próximas às
margens dos córregos, principalmente na região urbanizada do município de Itaoca.
O presente trabalho busca apresentar as feições sedimentares geradas pelas corridas de
massa, seu raio de alcance, a trajetória do fluxo, o impacto e os aspectos fisiográficos das bacias
de drenagem atingidas.
2. ÁREA DE ESTUDO
Uma das áreas mais atingidas nas chuvas que atingiram o Vale do Ribeira de Iguape está
localizada na bacia do córrego Guarda-Mão, localizada na proximidade do bairro Lajeado. Outra
bacia hidrográfica intensamente afetada foi a do ribeirão Gorutuba, na qual foram registrados
grandes deslizamentos no terço superior das encostas, mobilizações de matacões nas drenagens
e inundação brusca. A Figura 1 mostra a área de estudo, com destaque para o formato e as
dimensões da bacia. A Figura 2 apresenta a carta hipsométrica da bacia do córrego Guarda-Mão,
com destaque para a porcentagem de áreas entre as cota 200 e 1000 m. Nesse caso, um longo
trecho do córrego percorre cotas abaixo de 600 m, fator que condiciona alterações dinâmicas
durante o fluxo.
A bacia do ribeirão Guarda-Mão, alvo desse trabalho, possui formato arredondado, com
cerca de 7,16 km2, e uma diferença de cota da ordem de 800 m. O canal principal possui cerca de
4 km de comprimento até desaguar no rio Palmital, drenagem de maior expressão na região. As
inundações bruscas e a maior quantidade de lama e troncos de árvore foram transportadas pelo
rio Palmital, passando pela cidade de Itaoca, provocando enormes impactos e danos.
Na Figura 3, perfil ao longo do córrego Guarda-Mão, observam-se trechos que apresentam
distintas inclinações. Adotou-se, no presente trabalho, a subdivisão da drenagem em diferentes
trechos: Trecho 1 (T1) como setor de geração e intensa erosão do leito e margem do córrego;
Trecho 2 (T2) como setor onde ainda ocorre erosão, mas com deposição de materiais granulares
e Trecho 3 (T3) setor onde predomina a deposição. Essas diferenças de inclinações, associadas
a volumes e concentrações de água-sólidos, influenciam na dinâmica dos escoamentos ao longo
da drenagem, principalmente nos fatores que controlam a erosão e/ou a deposição dos materiais
(Gramani e Arduin, 2015).
Figura 3. Perfil ao longo do córrego Guarda-Mão no qual se observam trechos que apresentam
distintas inclinações. Essas diferenças influenciam na dinâmica dos escoamentos ao longo da
drenagem, principalmente nos fatores que controlam a erosão e/ou a deposição dos materiais:
TRECHO1=geração+erosão – TRECHO2=erosão+deposição – TRECHO3=deposição (Gramani e
Arduin, 2015)
Transporte
Início e Deposição Deposição
Erosão parcial
(1) (2) (3) (4)
1000
Canais
encaixados
500 Depósitos Depósitos
laterais de detritos
“levees” grosseiros
> 30
> 15
0 (m)
< 15 < 10
Figura 6. Perfil típico de um debris flow. Destaque para: (a) porção frontal na qual há
predomínio de grandes blocos de rocha; (b) matacões sustentados por matriz fina e (c)
inversão granulométrica (modificado de Ujueta e Mojica, 1985).
Figura 8. Vista geral de parte da bacia do córrego Figura 9. Vista da porção superior da encosta da
Guarda-Mão, com destaque para o trecho no qual bacia do córrego Guarda-Mão. Nesse setor,
houve intensa erosão da margem e do leito. Notar predominaram deslizamentos de solo e rocha com
alinhamento da drenagem, pequenos deslizamentos dimensões e formatos variáveis. Notar cobertura
em sub-bacias contíguas e variação da cobertura vegetal presente nesse trecho superior da encosta
vegetal nos diferentes trechos da encosta. e materiais presentes no leito do córrego.
Figura 12. Vista de trecho intensamente afetado Figura 13. Vista geral, de montante para jusante, da
pela passagem de água pelo córrego Guarda-Mão, intensa deposição de areia e grandes matacões
com destaque para tipologia do solo e altura que as dispersos ao longo do ribeirão Guarda-Mão. Nesse
águas atingiram nessa porção da drenagem. trecho o depósito pode atingir 4 m de espessura.
Figura 14. Vista do imbricamento de grandes blocos Figura 15. Vista de trecho no qual predomina
de rocha. Trata-se da margem esquerda do córrego deposição de areia, nas proximidades do encontro
Guarda-Mão e, segundo depoimentos, a área era do ribeirão Guarda-Mão e rio Palmital. O depósito
coberta por vegetação de grande porte apresenta espessuras da ordem de 0,5 - 0,8 m.
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