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Processos e cenários de risco identificados durante as ações

desenvolvidas na região do Vale do Itajaí - SC em 2008

Gramani, M. F.
Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, São Paulo, SP, Brasil, mgramani@ipt.br

Gomes, C.L.R.
Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, São Paulo, SP, Brasil, aranha@ipt.br

Ogura, A.T.
Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, São Paulo, SP, Brasil, atogura@ipt.br

Gomes, L.A.
Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, São Paulo, SP, Brasil, lagomes@ipt.br

Silva, F.C.
Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, São Paulo, SP, Brasil, fabiana@ipt.br

Mirandola, F.A.
Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, São Paulo, SP, Brasil, fabricio@ipt.br

Resumo: O artigo apresenta os processos e cenários de risco identificados durante os trabalhos de


indicação de medidas emergenciais, visando a preservação da integridade de pessoas e bens materiais,
executados na região leste do Estado de Santa Catarina. Os principais municípios vistoriados
compreenderam Blumenau, Jaraguá do Sul, Timbó e o Complexo do Baú (Gaspar, Luis Alves e Ilhota).
Durante e após o período crítico das precipitações pluviométricas foram observados em áreas urbanas e
rurais vários cenários envolvendo diferentes tipos de processos e condições de uso e ocupação do solo,
dentre os quais destacam-se: enchentes e inundações; fluxos de massa; escorregamentos em solo de médio e
grande porte; moradias e infraestrutura destruídas, parcialmente atingidas ou em risco iminente; drenagens
naturais com solapamento de margem e com cursos alterados ou barrados e áreas assoreadas.

Abstract: This article presents the processes and risk scenarios identified during field works for
emergencial procedures of risk assessment at the east region of Santa Catarina State, South of Brazil. The
main cities in this survey were Blumenau, Jaraguá do Sul, Timbó and the Bau Complex which includes the
cities of Gaspar, Luis Alves and Ilhota. During and right after the period of critical and intense precipitation
many scenarios could be observed in both urban and rural areas, including: floods, debris and mud flows,
soils landslides, several levels of damage and collapsing of houses and infrastructure, river bank erosion
processes, silting up channels and rivers by debris and accumulated sediments causing natural barriers and
changing of rivers course.

1 INTRODUÇÃO grande porte; moradias e infraestrutura destruídas,


parcialmente atingidas ou em risco iminente;
O artigo apresenta os principais cenários de risco drenagens naturais com solapamento de margem e
identificados ao longo dos trabalhos executados na com cursos alterados ou barrados e áreas assoreadas.
região leste do Estado de Santa Catarina. Durante e Os cenários de risco observados foram resultados de
após o período crítico das precipitações chuvas acumuladas da ordem de 500 mm em dois
pluviométricas foram observados tanto em áreas dias e total mensal até o evento de 800 a 900 mm.
urbanas como nas rurais vários cenários que Por meio das vistorias aéreas observaram-se
envolviam pessoas e estruturas em risco, dentre os centenas de escorregamentos de diferentes
quais destacam-se: enchentes e inundações; fluxos dimensões, cujos materiais se depositaram nas áreas
de massa; escorregamentos em solo de médio e baixas adjacentes e quando alcançaram cursos

1
d´água aumentaram seu raio de alcance. Em Segurança, Defesa Civil e outros), Prefeitos,
algumas sub-bacias foi observado o Bombeiros, Força Nacional, Força Aérea, Empresas
desenvolvimento de processos de fluxos (debris e Comunidades Afetadas. Demais detalhes das
flow) e enchentes com alta energia de escoamento e atividades e procedimentos realizados constam de
alta concentração de sólidos. artigo apresentado nesse mesmo Cobrae (Gramani et
Tais processos ocasionaram acidentes que al., no prelo).
destruíram moradias, bens públicos e privados de
forma parcial ou total e causaram 135 óbitos e 2 3 DADOS GERAIS
desaparecidos. Além desses danos sociais e
materiais, os movimentos de massa provocaram 3.1 Área de Estudo
acidentes em torres de transmissão de energia
elétrica (tombamento e instabilização), A área objeto das vistorias técnicas compreendeu os
instabilizações e rupturas ao longo de gasoduto, municípios de (os números entre parênteses indicam
danos ao porto de Itajaí (solapamento de margens e o número de vítimas): Blumenau (24), Pomerode
assoreamento) e a interrupção de diversos trechos de (1), Timbó (2), Jaraguá do Sul (13) e a região do
rodovias e vias de acesso. Complexo do Baú compreendendo as cidades de
O artigo ainda apresenta dois casos anteriores ao Gaspar (21), Luis Alves (11) e Ilhota (47).
acidente de 2008 com a ocorrência de chuvas e A Figura 1 ilustra a localização dos principais
processos da dinâmica externa semelhante aos vistos municípios atingidos na área leste do Estado de
recentemente: Serra de Tubarão em 1974 e Timbé Santa Catarina. Além desses, foram registradas
do Sul e Jacinto Machado em 1995. vítimas por escorregamentos e processos correlatos
nos municípios de: Bom Jardim da Serra (1),
2 DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES Rancho Queimado (2), Florianópolis (1), Brusque
(1), São Pedro de Alcantâra (1), Ascurra (1), Itajaí
Em razão da grande abrangência da região afetada (2), Garuva (1), Guaramirim (1), Rodeio (4) e
pelos processos de movimentos de massa os Benedito Novo (2). Ressalta-se que no mês de
trabalhos iniciais conduzidos pelas equipes do IPT e outubro também foram registradas vítimas por
outros consistiram no reconhecimento geral da escorregamentos: 1 em Brusque e 1 em Guabiruba
situação visando à identificação prévia dos (IPT, 2009).
municípios e regiões mais severamente atingidas
pelos fenômenos de escorregamentos e fluxos de
massa. A identificação dos cenários de risco e das
possibilidades do agravamento das situações de
risco decorrentes das instabilizações dos terrenos foi
fundamental para subsidiar o Estado, Prefeituras e
Defesa Civil na determinação das áreas a serem
objeto de interdição, definitiva e/ou temporária com
a remoção preventiva da população.
A região do Morro do Baú, principalmente em
razão do relevo acidentado, foi identificada como
uma das áreas mais severamente atingidas sendo
objeto de vistorias aéreas e terrestres para um
melhor reconhecimento das condições e cenários de Figura 1: Localização dos municípios fortemente
risco. As cidades de Jaraguá do Sul, Pomerode e atingidos por movimentos de massa e inundações
Timbó também foram objeto de vistorias em função deflagrados por eventos de chuvas intensas no
de eventos semelhantes e das solicitações para a Estado de Santa Catarina.
Defesa Civil.
A avaliação dos riscos de evolução dos processos 3.2 Aspectos geológicos e geomorfológicos
de movimentos de massa nas encostas instabilizadas
foi realizada por meio da identificação visual de As áreas que sofreram as maiores intervenções
feições de instabilidade (trincas nos terrenos, relacionadas a ações de defesa civil com o apoio do
abatimentos e pontos com surgências de água), IPT (interdição, remoção e socorro) compreenderam
presença de massas de solo e rocha instáveis, as localidades próximas ao morro do Baú e a cidade
presença de grandes empoçamentos na massa de Blumenau.
rompida e represamento de cursos d´água devido a As rochas presentes nas áreas de estudo possuem
barramentos decorrentes de depósitos de encosta. grande variação de gênese, de composição e de
De forma geral as equipes do IPT realizaram 95 estruturas. Predominam rochas granito-
vistorias aéreas, 80 vistorias terrestres e 40 reuniões migmatíticas, gnaisses graníticos, filitos, filitos
diversas, envolvendo o Governador do Estado de grafitosos, mica xistos, quartzitos e calcários. Na
Santa Catarina, Secretários de Estado (Saúde, cidade de Blumenau, nas áreas vistoriadas foram

2
identificados metassedimentos de composição Quando comparamos esses valores com os limites
conglomerática, arenosa (fina a média) e camadas estabelecidos no Plano Preventivo de Defesa Civil
de composição silto-arenosa. de São Paulo – PPDC onde o acumulado de chuvas
O Morro do Baú se destaca na paisagem de 100 a 120 mm deflagra uma série de ações
atingindo a cota de 811 m. Nas proximidades ainda emergenciais, conclui-se que na região afetada isto
se destacam o Braço Joaquim com 638 m, o Braço foi cerca de 4 vezes o valor admitido em São Paulo.
Francês com 633 m, o Máximo com 738 m dentre
outros. A região do Complexo do Baú
(denominações locais: Alto Baú, Braço do Baú e 300

Baú Central) é bastante acidentada e caracterizada 250


por vales encaixados e de grande persistência com
encostas laterais bastante declivosas e com

CHUVA (mm)
200

cobertura vegetal preservada. Somente nas 150


proximidades de núcleos habitacionais é que se
verifica um maior grau de interferência nos morros, 100

predominando plantações de banana. As formas do 50


relevo da área, de modo geral, são condicionadas
pelas estruturas observadas em escala regional, 0
18 19 20 21 22 23
como, por exemplo, a elongação de cristas e vales DIA (novembro)
numa direção preferencial. A Figura 2 mostra
grandes estruturas de direção NE-SW, ENE-WSW, Fonte: CEOPS - IPA / FURB / ANA.
provavelmente indícios da presença de falhas e/ou
estruturas rúpteis de grande persistência. A Figura 3: Chuvas diárias a partir do dia 18 até os
conjunção das estruturas e dos tipos litológicos pode dias em que ocorreram parte dos grandes acidentes.
ter condicionado o espessamento dos mantos de
solo, muito comum em diversos trechos vistoriados. A Tabela 1 retrata que os meses anteriores, com
Na paisagem ainda se destacam os vales amplos, destaque para o mês de outubro, também foram
caracterizados por terrenos planos que favorecem a muito chuvosos. Entretanto, essas chuvas, apesar da
ocupação e o seu uso agrícola e pastoril, grande intensidade e curta duração, não
principalmente no plantio do arroz. corresponderam a eventos únicos registrados em
Santa Catarina. No item a seguir serão apresentados
dois casos de acidentes com índices pluviométricos
semelhantes aos medidos em novembro de 2008.

Tabela 1 – Valores de chuvas mensais a partir de


setembro de 2008 e valor acumulado em 3 meses.
Município Mês Acumulada
set out nov
Apiúna 172,5 353,2 393,8 919,5
Blumenau 147 359,8 1001,7 1508,5
Ibirama 161,9 326 273,8 761,7
Ituporanga 153,3 326,3 169,8 649,4
Rio do Sul 138,8 316,9 194,9 650,6
Taio 151,5 406,2 173,6 731,3
Timbó 74,6 342,5 799,3 1216,4
Fonte: CEOPS - IPA / FURB / ANA.

Figura 2: Modelo digital do terreno representando a 4 HISTÓRICO DE ACIDENTES EM SC


área mais intensamente afetada pelos
escorregamentos e fluxos de massa. Neste item descrevem-se brevemente dois casos de
acidentes envolvendo ambientes geológicos
3.3 Dados da pluviosidade distintos, mas com processos semelhantes aos
observados em novembro de 2008 no Estado de
As chuvas que atingiram o Vale do Itajaí e Santa Catarina, no contexto do Complexo do Baú. O
municípios adjacentes provocaram uma série de primeiro caso retrata as áreas afetadas próximas à
danos em virtude da geração de grandes inundações cidade de Tubarão, nos domínios geológicos da
e processos de movimentos de massa. Serra do Mar e o segundo trata dos movimentos de
A Figura 3 mostra as chuvas acumuladas de 6 massa que atingiram a região próxima a Timbé do
dias que atingiram o município de Blumenau. Nota- Sul e Jacinto Machado no contexto geológico dos
se que somente nos dias 22 e 23 de novembro de derrames basálticos do Serra Geral.
2008 o índice atingiu cerca de 495 mm de chuva.

3
4.1 Serra de Tubarão (1974) 4.2 Timbé do Sul e Jacinto Machado (1995)

Eventos catastróficos, durante o mês de março de A área afetada compreendeu as bacias do Rio
1974, foram deflagrados após fortes chuvas que Figueira e Fortuna, em Timbé do Sul, do Rio
atingiram intensamente as bacias de Tubarão e Pinheirinho, em Jacinto Machado, e do Alto São
Araranguá. Segundo dados apresentados por Bento, em Siderópolis.
Bigarella et al. (1975) as maiores mobilizações de Segundo Pellerin et al. (1996 e 1997), foram
massa ocorreram na Bacia do Rio Tubarão, região identificados os cenários associados a
na qual houve muitos escorregamentos e geração de escorregamentos e fluxos de detritos e lama. A
fluxos de detritos e lama. Nas regiões serranas grande amplitude dos processos foi resultante da
foram identificados diversos escorregamentos, conjunção de chuvas, excepcionalmente
muitos deles transformados em fluxos de massa que, concentradas em áreas com declividades muito
posteriormente, geraram inundações calamitosas. acentuadas. A quantidade de material passível de
Devido à grande quantidade de água que atingiu as mobilização foi também um dos fatores
cidades e a extensa destruição provocada, o evento contribuintes para o nível catastrófico mostrado nas
ficou conhecido como a “Enchente de Tubarão”. imagens destacadas pelas Figuras 5 e 6.
Segundo Bigarella et al. (1975) foram
contabilizadas 199 mortes e toda a cidade de
Tubarão ficou inundada e coberta por espessa
camada de areia e lama. Segundo as informações do
Prof. Kenitiro Suguio (comunicação verbal)
somente veículos pesados (caminhões do exército e
tratores de maior porte) conseguiam trafegar e
auxiliar na recuperação da cidade.
Segundo os dados apresentados, os valores de
chuva foram registrados em duas localidades
próximas: Urussanga e Laguna. Os registros
mostram a alta intensidade de chuvas que atingiram
a região num curto período de tempo, fato que
parece ser responsável pela maioria dos fluxos de
detritos registrados no Brasil (Gramani, 2001). Na
cidade de Urussanga, durante o mês de março Figura 5. Encostas de alta declividade do Serra
(1974), mediu-se em 16 dias de chuva cerca de Geral extremamente marcadas por escorregamentos
742mm, sendo 251,7mm em 24 horas (dia 25) e de grande porte (Foto: Prof. Pellerin, J.).
393,2mm em 72 horas (dias 23, 24 e 25). Na cidade
de Laguna, no mesmo mês (março/1974), foram
registrados 532,2mm, nos quais 240,2mm em 24
horas (dia 25) e 287,2mm em 72 horas consecutivas
(dias 23,24 e 25). A Figura 4 mostra uma das áreas
afetadas por grandes blocos de rocha localizada
entre a cidade de Tubarão e Orleãs onde a evolução
dos escorregamentos em fluxos de detritos foi
bastante efetiva, removendo boa parte da cobertura
de solo e vegetação.

Figura 6. Detalhe de uma das drenagens que


mobilizaram materiais e que atingiram o município
de Timbé do Sul (Foto: Dr. Luiz Bressani, 1999).

5 PROCESSOS E CENÁRIOS EM 2008

Figura 4. Evidências da alta energia de transporte A seguir apresentam-se os processos e cenários de


desenvolvida nos debris flow da Serra de Tubarão risco identificados durante as ações emergenciais
(SC), 1974. Predominância de grandes blocos de desenvolvidas em Santa Catarina.
rocha, carregados a dezenas de metros do local fonte
do material (Bigarella et al.,1975).

4
5.1 Enchentes e inundações A Figura 9 mostra uma vista parcial de um dos
vales do Complexo do Baú, 4 dias após as grandes
As bacias hidrográficas que compõem o Vale do chuvas que atingiram a região. Por meio das Figuras
Itajaí não comportaram o volume de água gerado 6, 7 e 8 nota-se que o volume de água acumulado foi
pelas precipitações pluviométricas e inundaram muito grande e que essa quantidade concentrou-se
cidades, vilarejos, vales, áreas agrícolas e pastoris. num curto espaço de tempo.
As forças das águas ainda provocaram uma série de
danos no Porto de Itajaí. Essas inundações atingiram
severamente cidades importantes como Blumenau,
Gaspar, Luis Alves, Ilhota, Itajaí e Navegantes,
deixando milhares de pessoas desabrigadas,
destruindo moradias e parte da infraestrutura
existente, principalmente ruas, pontes, galerias de
águas pluviais etc. Na área rural, vales inteiros
foram inundados, atingindo rodovias, estradas
vicinais e centenas de casas. Além disso, áreas
destinadas ao plantio de diversas culturas e criação
de animais, principalmente gado e aves foram
intensamente afetadas gerando prejuízos imensos.
A Figura 7 mostra a elevação do rio Itajaí-Açu
que corta a cidade de Blumenau atingindo cerca de
Figura 9. Vista parcial de um das planícies do Vale
11,5 m acima da cota normal. A Figura 8 mostra
do Itajaí, no sentido do Complexo do Baú,
parte da área urbana da cidade de Itajaí totalmente
município de Ilhota. Notar porte da inundação que
inundada por água com muito sedimento em
atingiu áreas extensas.
suspensão.
5.2 Fluxos de massa

Na região do complexo do Baú foram registrados


fluxos de massa que afetaram severamente vales
inteiros, gerando dezenas de óbitos e destruindo ou
atingindo centenas de casas, indústrias e a
infraestrutura existente, tais como estradas vicinais,
pontes, ruas, galerias de águas pluviais etc.
De modo geral, observou-se que os fluxos foram
gerados a partir de escorregamentos de grande porte
que ocorreram nas cabeceiras das drenagens e
mobilizaram quantidades expressivas de material.
Esses materiais, associados ao grande volume de
água existente nas drenagens, deflagraram os
Figura 7. Rio Itajaí-Açu 11,5m acima da sua cota, processos. Ressalta-se que, diferentemente do que se
provocando inundação da área urbana de Blumenau. supunham os fluxos não foram em grande número.
Muitos dos processos tiveram raios de alcance
pequeno devido, principalmente, às características
físicas dos vales e bacias hidrográficas, ou seja,
vales abertos com baixa declividade e bacias de
grandes dimensões. Somente em áreas onde as
condições geométricas dos vales e drenagens eram
favoráveis, os fluxos apresentaram feições típicas do
transporte de massa do tipo debris flows, quais
sejam: frentes compostas por blocos de rocha,
inversão granulométrica, alinhamento de blocos,
matacões e seixos, distribuição granulométrica
típica, grande raio de alcance com até 5 km de
extensão e alta energia de impacto. Ressalta-se que
essas são as condições necessárias para a definição
Figura 8. Vista parcial da cidade de Itajaí. Notar o dos processos de fluxos de massa. A identificação
sistema viário completamente inundado. Cerca de equivocada do processo pode prejudicar ações de
90% da cidade ficou nessas condições. caráter de defesa civil, principalmente no aspecto de
remoções em maior escala.

5
As Figuras 10, 11, 12 e 13 mostram o registro de
um típico fluxo de detritos que ocorreu na região
denominada de Braço do Baú, município de Ilhota.
Esses fluxos tiveram um longo raio de alcance e
ocasionaram muitos danos em sua trajetória.

Figura 13. Detalhe do depósito de um fluxo de


detritos, porção na qual predominam materiais
arenosos.

5.3 Escorregamentos de médio e grande porte


Figura 10. Porção final da deposição de um grande
fluxo de detritos e lama que atingiu área Tanto em áreas urbanas como nas rurais foram
denominada de Braço do Baú. observados escorregamentos de médio e grande
porte. De um modo geral, esses escorregamentos
mobilizaram grande quantidade de solo visto que na
região ocorrem espessos mantos de alteração, o que
favorece a ocorrência de rupturas rotacionais
profundas.
Na área urbana a combinação de áreas com relevo
acidentado e intervenções antrópicas desfavoráveis
potencializou escorregamentos localizados e de
médio porte. Nas áreas rurais verificou-se uma
grande quantidade de escorregamentos em encostas
vegetadas e não antropisadas. Tal fato demonstra, de
certa forma, a condição de saturação dos solos
gerada por meses de chuvas prolongadas e
contínuas. As Figuras 14, 15, 16 ilustram
Figura 11. Trecho de canal de drenagem escorregamentos que ocorreram na área urbana de
intensamente afetado pela passagem de um fluxo de Blumenau. As Figuras 17, 18, 19 e 20 ilustram
detritos. Notar destruição de moradias e depósitos escorregamentos que ocorreram no Complexo do
laterais. Baú. Por meio das imagens é possível notar que os
escorregamentos foram gerados em áreas intactas e
com a vegetação de grande porte preservada.

Figura 12. Depósito de material grosseiro


transportado durante fluxos de detritos no Braço do
Figura 14. Vista parcial de um dos escorregamentos
Baú. Em função da geometria desse trecho da
de grande porte ocorridos na área urbana da cidade
drenagem houve grande espraiamento do material,
de Blumenau.
aumentando a possibilidade de danos.

6
Figura 15. Vista de área atingida por Figura 18. Vista parcial de um dos escorregamentos
escorregamento em encostas ocorrido na área de grande porte ocorridos em área vegetada e não
urbana da cidade de Blumenau. Notar a dimensão e antropisada do Complexo do Baú. Neste ponto
a geometria da encosta (inclinação e altura) foram realizadas buscas conforme procedimentos
favorável a ocorrência de processos de descritos em Gramani et al. (2009), pois residências
movimentação de massa em situações de saturação foram soterradas durante o transporte da massa.
do terreno.

Figura 19. Escorregamentos em encostas de altura e


Figura 16. Trecho de encosta afetado por declividades médias a baixas, mas que mobilizaram
escorregamento de grande porte na área urbana de grande quantidade de material. Nesse ponto, casas
Blumenau. Neste ponto, o material mobilizado na foram soterradas e a drenagem teve seu curso
encosta destruiu completamente a estrutura de uma alterado.
moradia assobradada (vizinha à moradia em
destaque no foto).

Figura 20. Em dezenas de pontos foram mapeados


escorregamentos generalizados em encostas
Figura 17. Grande escorregamento em encosta preservadas. No presente caso a massa, em função
parcialmente preservada. Notar a grande quantidade da geometria do vale e do volume de material
de material mobilizado durante as chuvas de mobilizado, teve um grande raio de alcance.
novembro.

7
5.4 Rastejos Nos vales onde ocorreram fluxos de massa, o
nível de assoreamento foi severo, em alguns casos
A movimentação lenta de grandes massas de solo até soterraram casas e outras benfeitorias existentes
foram processos observados com certa freqüência causando enormes prejuízos a economia local. Há
nas áreas estudadas. Segundo informações coletadas relatos de vales encaixados que foram totalmente
nos municípios, em algumas áreas esses assoreados, mudando a topografia da área. As
deslocamentos lentos se aceleraram no período das Figuras 23, 24 e 25 registram áreas intensamente
chuvas concentradas e de grande intensidade. Os assoreadas em função dos materiais transportados.
rastejos observados ocorreram tanto em áreas com
baixa declividade como em encostas (naturais e com
interferências antrópicas). As Figuras 21 e 22
ilustram os sinais em superfície de movimentação
de solo de grande amplitude, delimitada a montante
por uma serra e a jusante por um córrego.

Figura 23. Vale localizado no Complexo do Baú


intensamente afetado por sedimentos transportados
durante as inundações de novembro de 2008.

Figura 21. Movimentações lentas afetando


importante acesso no município de Luiz Alves.
Notar os sinais do deslocamento horizontal e
vertical da massa rompida no leito carroçável da
estrada.

Figura 24. Assoreamento ao longo de um dos vales


do Complexo do Baú. Notar a extensão da área
afetada.

Figura 22. Superfície de ruptura delimitada por


trinca com abertura centimétrica no terreno. Esta
feição é o prolongamento da trinca mostrada na
Figura 20, no sentido de montante.

5.5 Assoreamentos

Devido ao grande volume de água e sedimentos


gerados e transportados durante as precipitações
pluviométricas os locais com topografia de menor
cota foram duramente atingidos por inundações.
Esses locais receberam alta carga de material Figura 25. Assoreamento devido a ação de fluxo de
granular (particular de argila, silte e areia) e foram
lama ocorrido no Complexo do Baú.
consideravelmente assoreados.

8
5.6 Moradias e infraestruturas atingidas ou
destruídas

Em função das dimensões dos escorregamentos


ocorridos nas áreas urbanas e rurais, centenas de
moradias foram completamente destruídas ou
atingidas parcialmente, além da infraestrutura
existente, como rodovias, estradas municipais,
pontes, adutoras, barragens de terra, redes de
transmissão de energia, gasodutos e portos.
Entre as obras de infraestrutura mais afetadas
destacam-se as estradas municipais que, em pontos
específicos, foram parcialmente ou totalmente
destruídas devido a escorregamentos a jusante da
pista ou bloqueadas devido a escorregamentos a Figura 28. Vista de trecho de estrada municipal em
montante da pista. Ressalta-se que essas duas Luiz Alves interrompida por escorregamentos.
situações foram verificadas simultaneamente em Notar que a estrada foi interrompida em quatro
praticamente todas as rodovias municipais da pontos em trecho de 1 km.
região. Destaca-se também a ocorrência de vários
escorregamentos em encosta natural que atingiram a 5.7 Drenagens com cursos naturais barrados ou
faixa do gasoduto Brasil-Bolivia. Na região do alterados
Complexo do Baú, o referido gasoduto foi atingido
e destruído em dois pontos, e em vários outros Ao longo das drenagens observaram-se barramentos
pontos ficou em situação de risco. As Figuras 26, 27 naturais oriundos da deposição de material
e 28 ilustram situações críticas em relação a proveniente de escorregamentos de grande porte que
infraestrutura afetada. ocorreram perpendicularmente aos cursos dágua.
Em alguns casos, os cursos d´água foram desviados
e em outros, em função das características do vale
(vale encaixado) e do volume de material
transportado, os cursos d´água foram totalmente
bloqueados, formando reservatórios instáveis a
montante. Durante as vistorias aéreas ocorridas na
primeira semana do acidente (25 a 30/11/2008)
alguns barramentos naturais romperam-se e
provocaram danos e destruição em áreas a jusante.
As Figuras 29, 30 e 31 mostram situações de
alguns barramentos em Timbó e no Complexo do
Baú. Tais cenários são considerados de muito alto
risco em função das condições de instabilidade
desses barramentos. As rupturas são caracterizadas
por ocorrerem de forma repentina e envolvendo
Figura 26. Vista da área onde um dos trechos do grande volume de material.
gasoduto Bolívia-Brasil foi atingido.

Figura 29. Escorregamento de grande dimensão


Figura 27. Torres de alta tensão também foram ocorrido em encosta natural, ocasionando
afetadas por escorregamento. barramento de drenagem, Timbó (ver Figura 30).

9
das encostas os quais apresentavam mantos de
alteração com espessuras consideráveis verificou-se
acidentes com elevada mobilização de solo que
proporcionaram cenários de muito alto risco às
populações e também com relação às benfeitorias e
infraestrutura existentes.
Ressalta-se que áreas como a do Complexo do
Baú, aparentemente não afetadas, poderão vir a
sofrer outros acidentes em decorrência da
fragilidade da região após as chuvas de 2008, uma
vez que foram observadas várias feições de
instabilização nas encostas, tais como trincas e
degraus de abatimento.

7 AGRADECIMENTOS
Figura 30. Barramento de curso d´água devido a
escorregamento de grande dimensão (Figura 29) Os autores manifestam seus agradecimentos ao
ocorrido em encosta natural, perpendicular a linha Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT por terem
de drenagem. tornado possível a realização das vistorias
executadas em Santa Catarina e ao geógrafo Nabil
Alameddine pela produção dos modelos digitais do
terreno que estão embasando as simulações sobre os
processos.

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bigarella, J.J.; Bigarella, I.E.K.; Jost, H. (1975)


Mass Movement. In: International Symposium
on the Quaternary Southern Brazil. July/1975.
Boletim Paranaense de Geociências, 33, p: 191-
206.
Gramani, M.F. (2001) Caracterização geológico-
geotécnica das corridas de detritos (“debris
flows”) no Brasil e comparação com alguns
casos internacionais. Dissertação (Mestrado)
Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo, 372p.
Figura 31. Desvio do curso d´água devido a ação de Gramani, M.F. et al. (2009) Procedimentos adotados
escorregamentos e fluxos de massa No Complexo no atendimento pós-desastre ocorrido em Santa
do Baú. Notar solapamentos de margens e Catarina – 2008. (no prelo).
destruição de vias de acesso. Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de
São Paulo - IPT (2009) Banco de mortes por
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS escorregamentos no Brasil. CD-Rom.
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de
O presente artigo visou destacar e ilustrar os São Paulo - IPT (2009) Os escorregamentos e os
principais cenários de risco identificados durante as fluxos de massa em Santa Catarina – 2008:
ações de emergência desenvolvidas no desastre em cenários de risco, ações emergenciais e lições
Santa Catarina. O reconhecimento dos diferentes aprendidas. Relatório Técnico IPT (no prelo).
cenários e a compreensão da evolução dos mesmos, Pellerin, J. et al. (1996) Timbé do Sul – Jacinto
permite a definição de ações de caráter preventivo e Machado: Avaliação preliminar da extensão da
estabelecimentos de procedimentos que garantam catástrofe de 23-24/12/95. Relatório preliminar
não só a segurança das pessoas sob risco, como preparado para a Prefeitura da cidade de Timbé
também das equipes que atuam no socorro. Nesse do Sul (SC), 21p.
caso é de fundamental importância a preparação de Pellerin, J. et al. (1997) Timbé do Sul – Jacinto
equipes multidisciplinares e que atuem na Gestão de Machado: avaliação preliminar da extensão da
Desastres Naturais. catástrofe de 23-24/12/95. Revista Geosul,
Em função dos elevados índices pluviométricos, Florianópolis, V12, n 23, p:71-86.
da extensa área afetada por escorregamentos de
médio e grande porte e fluxos de massa, associadas
às condições geológicas e geotécnicas desfavoráveis

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