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MITIGAÇÃO DE RISCOS NOS TÚNEIS DA TRANSOLÍMPICA, NO

TRECHO DE INTERFERÊNCIA COM ADUTORA DO GUANDÚ

F. Caloni
Geólogo - Litotec Estudos Geológicos LTDA, São Paulo, Brasil.
J.P. Ciriades
Engenheiro Civil - Maffei Engenharia, São Paulo, Brasil.
C.K. Miyazato
Engenheiro Civil, São Paulo, Brasil.
B. M. G. Scodeler
Engenheiro Civil - Maffei Engenharia, São Paulo, Brasil.

Resumo: O túnel Engenho Velho, pertencente ao traçado da Transolímpica, novo viário instalado na
cidade do Rio de Janeiro, intercepta o eixo do túnel canal da adutora do Guandú. Durante as escavações
a interferência atribui impactos ao empreendimento e riscos ao túnel canal, tamanha sua importância
como rede de abastecimento d’água para a cidade. A interferência se dá com o cruzamento oblíquo dos
túneis e em outro ponto, por meio de uma falha geológica que intercepta, transversalmente, a ambos
os túneis. Os impactos atribuídos ao empreendimento, levaram a Transolímpica a viabilizar soluções
técnicas inovadoras para mitigar os riscos a adutora e viabilizar as escavações do túnel engenho velho.

1 INTRODUÇÃO
A escavação de túneis em áreas urbanas interage com as mais diversas estruturas e interferências, as
quais atribuem riscos ao empreendimento que, por outro lado, exerce impactos na ocupação de seu
entorno.
Entre os diversos casos de interferência, alguns se destacam pelo alto risco atribuído aos impactos
gerados pela escavação. Algumas estruturas de interferência são de tamanha importância sócio
econômica que, devido aos riscos atribuídos, são mais susceptíveis a incidentes provocados pelas
escavações.
São casos especiais onde os projetos e métodos construtivos devem contemplar soluções mitigadoras
para os impactos gerados. A concepção de soluções adequadas deve, primeiramente, embasar-se na
sólida identificação da interferência em si e dos riscos associados.
Como exemplo de caso e concepções, diante de uma interferência de alto risco socioeconômico, as
soluções adotadas para os túneis da Transolímpica constituem um importante modelo de abordagem.

2 DESCRIÇÃO DA INTERFERÊNCIA
O Túnel Engenho Velho, compondo 1.300 metros do traçado da Transolímpica, constituído de duas
galerias com seção aproximadamente de 140 m², intercepta, em ângulo ortogonal, o eixo do túnel da
adutora do Guandú.
Ambos os túneis estão alojados no maciço da Pedra Branca, em seu setor setentrional, localizados nas
imediações do bairro Sulacap, na cidade do Rio de Janeiro.
O túnel Engenho Velho encontra-se a aproximadamente 30 metros de profundidade em relação ao fundo
do túnel do Guandú. A interceptação entre as estruturas se dá em rocha sã, gnáissica, pouco fraturada e
de elevados parâmetros de classificação geomecânica. Essa relação vertical, de interferência entre os
túneis é ilustrada na Figura 1.
As investigações e estudos revelaram uma segunda interferência, ainda mais importante, retratando uma
falha geológica que intercepta ambos os túneis, com lineamento orientado em ângulo transversal a ambas
as estruturas. A Figura 2 ilustra o traçado dos túneis e suas relações com a falha geológica, em planta.
Tamanha a importância da adutora do Guandú para a cidade do Rio de Janeiro, elevou os riscos atribuídos
às escavações do túnel Engenho Velho, exigindo soluções de projeto e métodos de obra, capazes de
mitigar os riscos e viabilizar o empreendimento.
Foram necessários estudos de detalhamento e mapeamento dos riscos, embasados em campanhas de
investigações, como sondagens e geofísicas, associadas ao levantamento de campo executado por
equipes de engenharia, geologia e topografia.

Figura 1: Relação vertical entre os eixos dos túneis engenho Velho e Guandú.

Os estudos de caracterização da estrutura civil, mapeamento do arcabouço geológico e abordagem


geomecânica, possibilitaram o desenvolvimento de projetos e planejamento de métodos construtivos
que mitigaram os impactos impostos à estrutura da adutora.
As soluções concebidas em projeto e empregadas em obra, representaram os esforços das empresas
envolvidas com o empreendimento. A capacidade de mitigar os riscos e viabilizar as obras foi posta à
prova com as vistorias internas ao túnel do Guandú.
O consórcio construtor participou da vistoria interna ao túnel adutor, antes de iniciar suas escavações no
Engenho Velho, onde pôde registrar as condições gerais da adutora. Após as escavações, houve a segunda
vistoria para checar as condições após a imposição dos impactos.
Figura 2: traçado dos túneis Engenho Velho e Guandú, dispostos em planta, ilustrando
a interferência entre os eixos e a interceptação por falha geológica.

3 VISTORIA INTERNA AO TÚNEL CANAL, ADUTORA DO GUANDÚ


A empresa responsável pela adutora do Guandú, manifestando interesse em acompanhar os processos
de escavação na travessia das interferências, disponibilizou auxílio ao consórcio construtor, para as
campanhas de investigação na área de risco. Com isto, permitiu a vistoria interna do túnel adutor, o que
revelou importantes aspectos de auxílio aos projetos.
O túnel do Guandú é todo revestido em concreto armado, basicamente apresentando duas seções de
revestimento, a primeira com teto exposto revelando a rocha e a segunda com revestimento total.
Nas seções com teto em rocha foi possível confirmar a extrema variação dos litotipos e a heterogeneidade
do maciço, já prevista nos estudos do projeto executivo. Na porção do túnel que intercepta as pistas da
Transolímpica, o teto em rocha sã revela um gnáisse pouco fraturado e de elevados parâmetros
geomecânicos.
Ainda na vistoria no túnel adutor, à frente da zona de interferência entre os eixos, a aproximadamente
100 metros a frente desta, há uma região com seção em revestimento total, toda danificada e com a laje
de fundo rompida e deformada.
A vistoria revelou ainda, alguns metros de túnel com seção em revestimento mais espesso e com
elementos de contenção, podendo-se associar esta região ao lineamento impresso no relevo e a existência
da falha geológica detectada ainda no projeto executivo.
Estabeleceu-se então uma zona de interferência para as escavações do túnel Engenho Velho, na região de
interceptação do eixo do túnel adutor, conforme ilustrado na Figura 3. Foi estabelecido ao consórcio
construtor, uma faixa de interferência de 60 metros para as operações de desmonte controlado.
Adotou-se ainda as faixas de 45 metros antes e após a interferência, como zonas de controle onde os
avanços ainda permaneceram sob controle para baixas velocidades de vibração. Nestes trechos as
campanhas de prospecção, seções de instrumentação e acompanhamento técnico por parte dos
envolvidos, foram acirrados.

Figura 3: Zona de interferência estabelecida para o controle dos processos de escavação


e mitigação dos riscos submetidos ao túnel canal.

4 DESCRIÇÃO DA FALHA E MODELO GEOLÓGICO


A falha geológica foi primeiramente detecta por meio de análise em foto geologia. Avaliando o relevo com
auxílio de imagens e sensores remotos foi possível identificar um importante lineamento de relevo, com
orientação NE-SW e compatível com as orientações de zonas de cisalhamento descritas para a geologia
regional.
Em campo, o vale encaixado identificado nas imagens destaca-se na paisagem. Os afloramentos rochosos
são mais comuns na calha do vale e se constituem de litotipos de composição bastante variada,
deformados em elevado estágio de milonitização, incluindo porções já bastante alteradas.
Fora da região de falha, as porções mais integras do maciço são compostas de rochas com extrema
variação textural, porém, prevalecendo litotipos gnáissicos, com bandamentos composicionais de
espessuras centimétricas a métricas, com texturas variando entre granoblásticas a lepidoblásticas e
ocorrência de texturas pegmatíticas, miloníticas e cataclásticas. Esta última atribuída a porção mais
deformada da zona de cisalhamento.
O padrão de fraturamento dessas rochas revelam orientações compatíveis com modelos de fraturamento
por cisalhamento. Identifica - se duas Famílias principais, com mergulhos sub-verticais e orientações
NNE-SSW e NWW-SEE; uma terceira Família com inclinações sub-horizontais e associadas á Foliação
Mineral com caimento variando de NW para SE, mais Famílias aleatórias com atitudes diversas.
Diversos diques de diabásio se alojam em orientações subparalelas ao plano de cisalhamento regional,
com orientações preferencialmente em NE-SW e planos subverticais, constituindo descontinuidades
estruturais no maciço rochoso. O esboço do modelo geológico de superfície é apresentado na Figura 4.
Figura 4: Modelo geológico de superfície para a região da interferência entre os túneis
canal e Engenho Velho.

5 PARÂMETROS DE CONTROLE ESTABELECIDOS PARA A OBRA


Para avançar com as escavações sem impactar a estrutura do Guandú, criou-se um comitê técnico
formado para fiscalizar as obras e garantir a integridade da adutora, atuando baseando-se nas normas
internacionais mais importantes, vigentes atualmente.
A DIN-4150 (1986), norma alemã que relaciona o tipo de estrutura civil e o intervalo de frequência em
Hz, para definir seus limites de vibração de partícula em mm/s, conforme Tabela 1.
Na TABELA 2 encontram-se os valores de velocidade de partículas definidos segundo a norma da USBM
(United States Bureau of Mine).
Por fim, a norma brasileira NBR-9653 (2005), da ABNT, estabelece limites de valores para os parâmetros
de magnitude e frequência de vibração de partículas, que possam ser danosas a estruturas civis, Tabela
3.

Tabela 1: Valores admitidos pela norma alemã DIN-4150 para danos em edifícios. Fonte: Bacci, 2000.

Tipos de Fundação Andar mais alto dos


Estrutura Frequência (Hz) edifícios
<10 10-50 50-100
Qualquer Frequência
Industrial 20mm/s 20-40mm/s 40-50mm/s 40mm/s

Habitações 5mm/s 5-15mm/s 15-20mm/s 15mm/s

Edifícios 3mm/s 3-8mm/s 8-10mm/s 8mm/s


delicados

Tabela 2: Níveis seguros de velocidade de vibração de partículas para estruturas civis, segundo USBM (R1 8507). Fonte: Bacci, 2000.

Tipos de Estrutura Baixas Altas frequências:


frequências: F40>Hz
F40 < Hz PPV (mm/s)
PPV (mm/s)
Casas modernas, pré-moldadas 19 50

Casas velhas, pré-fabricadas 12,7 50


Tabela 3: Limite de velocidade de vibração de partícula de pico por faixa de frequência. Fonte: NBR-9653, 2005.

Faixa de Frequência Limite de PPV (Hz)

4 Hz a 15 Hz 15mm/s – 20mm/s

15 Hz a 40 Hz 20mm/s – 50mm/s

Acima de 40 Hz >50mms

Foram então estabelecidos os valores de velocidade de vibração de partículas para as obras do túnel
Engenho Velho, para as escavações na zona de interferência com o Guandú. Adotou-se os valores limites
de 40 Hz para o controle de frequência e 15 mm/s para o controle de velocidade de partículas. O plano
de fogo foi então dimensionado em função destes limites.

6 SISTEMA DE INSTRUMENTAÇÃO ADOTADO


A instrumentação adotada baseou-se no método sísmico, com a instalação de dois geofones da marca
Instantel – Série III, alojados em furos de sondagens e instalados a dois metros abaixo da linha d’água do
túnel canal, distantes e 5 metros e 30 metros da estrutura. A Figura 5 ilustra o posicionamento dos
geofones em relação ao túnel canal.
O sistema de monitoramento adotado pelo consórcio registrou todo o processo de escavação na travessia
da zona de interferência. Os geofones forneceram os parâmetros de ajuste do plano de fogo e
documentaram todos os eventos de detonação, registrando as velocidades de partícula que atingiram a
estrutura do túnel canal.
O sistema de monitoramento revelou-se eficiente para a prática do método construtivo embasado em
desmontes controlados, fornecendo os dados necessários para a equalização de plano de fogo x
velocidade de partícula. A Figura 6 representa o registro do monitoramento, o qual era emitido
diariamente na obra.
No entanto, as escavações cruzaram a zona de interferência em maciço rochoso de alta competência,
composto de rocha sã, gnáissica, pouco fraturada, sem o mínimo de percolação nas fraturas.
A integridade, a competência geomecânica do maciço, corroborava para que velocidades de partícula
maiores atingissem a estrutura. O rígido controle sobre os processos dimensionados para a travessia,
foram fundamentais para a mitigação dos riscos associados.
Figura 5: Planta de localização dos geofones instalados para o monitoramento da
adutora do Guandú.

7 MÉTODO DE CONSOLIDAÇÃO DA ZONA DE FALHA


Para a aproximação das frentes de escavação com a zona de falha, o consórcio construtor estabeleceu a
liberação de avanços atrelada à execução de campanhas de investigação.
Furos exploratórios eram realizados a cada três avanços liberados. Os furos, executados com o próprio
jumbo usado na perfuração do plano de fogo, eram sistematicamente orientados em relação a frente de
escavação, para interceptar a zona de falha.
As descrições eram importantes aprametros de detecção dos indícios, os próprios avanços que
suscederam a falha, mostravam-se com um padrão de fraturamento mais elevado, alterações e
percolações instaladas nas fraturas.
A alguns metros antes da região mais deformada da falha, o fluxo de água nas fraturas aumentou
drasticamente. A água foi analisada, revelando a existência de cloro em sua composição, portanto, vinda
do túnel canal.
As bordas do maciço rochoso, próximas a região interna e mais deformada da falha, apresentaram-se
extremamente fraturadas, com elevada percolação associada. A percolação nas fraturas tem como
recarga o túnel do Guandú, com o revestimento de fundo rompido na região da falha, alimentando o
maciço rochoso e consituindo fluxo preferencial pelas fraturas do maciço, direto para a escavação do
Engenho Velho.
A porção do maciço interna à falha, mais deformada e cataclasada, foi identificada nas campanhas de
investigação. Os furos de exploração apresentaram alta percolação e foram adotados como drenos
profundos.
Em superfície, executou-se uma sondagem rotativa inclinada, com 120 metros de profundidade,
interceptando toda a zona de influência da falha. A sondagem foi útil para a análise dos parâmetros do
maciço e para a execução de ensaios de perda d’água sob pressão. Os ensaios indicaram, na porção
cataclasada,, uma permeabilidade superior a 10 Lungeons.
A frente paralisada foi preparada para o procedimento de consolidação da zona cataclasada. O método
adotado foi a injeção de micro cimento em alta pressão. Os furos de injeção, perfurados com 20 metros
de comprimento foram executados conforme croqui da Figura 7.
Figura 6: Boletim diário do monitoramento sísmico para o túnel canal, emitido a cada
avanço nas escavações da Transolímpica.
Figura 7: Seção de injeção de micro cimento, aplicada no túnel Engenho Velho para a
travessia da zona de falha.

Os furos foram executados om o próprio Jumbo, equipamento de perfuração usado para o plano de fogo.
A pressão de injeção foi limitada em 8 Mpa e o volume de microcimento, com calda de fator A/C de 0,6%,
foi limitado a 300 l por furo.
As injeções foram iniciadas com níveis de pressão inferiores ao limite definido, sendo aumentadas em
função do consumo de calda buscando atingir o limite definido de 300 l. Após a injeção dos primeiros
furos, os consecutivos atingiam pressão de 8MPa com volumes de consumo reduzidos a nívesi de 50% a
30% do limite definido.
Após a campanha de injeções, aguardou-se dois dias de cura da calda e a frente de escavação foi
perfurada para a instalação de drenos profundos do tipo DHP. Os drenos foram instalados acima de
geratriz superior da seção de escavação e comprovaram a impermeabilidade do maciço injetado.
Com a retomada das escavações, os avanços revelaram uma região extremamente fraturada, alterada e
livre de percolação, permanecendo somente gotejamentos. Uma pequena porção, encaixada
verticalmente no maciço, apresentava-se cataclasada e alterada, porém com boa coesão. As injeções,
selaram as fraturas e impermeabilizaram as escavações, comprovando a eficiência do método.

8 CONCLUSÃO
O conjunto de medidas adotadas nas escavações do túnel Engenho Velho, na travessia das interferências
com o túnel canal e a falha geológica, mostrou-se eficiente na mitigação dos riscos associados.
As injeções de micro cimento selaram as percolações nas fraturas alteradas da zona de falha, elevando
os parâmetros de classificação geomecânica e aumentando tempo e estabilização das frentes.
O impacto a adutora do Guandú foi submetido a um controle eficaz de todo o processo de escavação. O
sucesso da travessia, a mitigação dos riscos associados, pôde ser atribuído ao conjunto de técnicas
empregadas. Os esforços em tornar todos estes métodos possíveis, fez com que as interferências fossem
facilmente vencidas, minimizando os impactos e evitando qualquer dano a estrutura da adutora.
A adutora do Guadú foi, pela segunda vez, vistoriada com a participação do consórcio construtor ao fim
das escavações do Engenho Velho. Pôde-se observar um aumento do blocos rochosos, chocos,
acumulados na adutora. Os desmontes a fogo, na escavação do túnel adutor acelararam o processo de
desplacamento nos trechos da adutor com teto em rocha exposta, porém, no trecho de interferência com
o eixo de escavação da Transolípica e, principalmente com a falha geológica, a adutora estava no mesmo
estado registrado na primeira vistoria.
REFERENCIAS
[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR-9653 - Guia para avaliação dos efeitos provocados pelo uso de
explosivos nas minerações em áreas urbanas. Rio de Janeiro, 2005.
[2] BACCI, D.C. Vibrações geradas pelo uso de explosivos no desmonte de rochas: Avaliação dos parâmetros físicos do terreno
e dos efeitos ambientais. Tese de Doutorado. Universidade Estadual paulista, 2003.
[3] DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL. NRM-16 – Operações com explosivos e acessórios. Rio de Janeiro,
2001.
[4] FRANÇA, G.S., VASCONCELOS, M.A.R., CHMPLIGANOND, C.N., TOMÁS, S.S. Estudo das Vibrações Geradas por Detonações
na Obra Civil da Eclusa 2 de Tucuruí - PA RBGF: Revista Brasileira de Geofísica. Vol. 29 (1), 2011.

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